Palestras do Retiro de Carnaval de 2010

Transcrição

Palestras do Retiro de Carnaval de 2010
Palestras do Retiro de Carnaval
com
Bhante Buddharakkhita
Vinhedo/SP - 2010
Edições SBB – 2012
Sociedade Budista do Brasil
http://www.sociedadebudistadobrasil.org
Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
Retiro de Carnaval organizado pela Casa de Dharma (SP) com Bhante Buddharakkhita
Fevereiro 2010
Tradutora:
Carla P. Schiavetto
Transcrição:
Rarysh C. Souza, Luciano Tadeu S. da Silva, Diego V. de Souza
Revisão:
Rarysh C. Souza, Raryel C. Souza, Paula M. M. Campos, Patrícia Simões, Fabiana G. Gomes
Edição e diagramação:
Raryel C. Souza
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
Sumário
1
Palestra de abertura sobre os preceitos e os refúgios ................................................................... 4
2
Aquecendo sua meditação............................................................................................................ 11
3
As qualidades do Buddha .............................................................................................................. 20
4
Como obter um retiro especial ..................................................................................................... 22
5
Instruções de meditação andando ............................................................................................... 26
6
Instruções para meditação em pé ................................................................................................ 32
7
As cinco faculdades espirituais e suas funções ............................................................................. 34
8
O mapinha e os objetos de meditação ......................................................................................... 40
9
O que é adequado para a prática.................................................................................................. 44
10
Sobre o Bhante Buddharakkhita ............................................................................................... 49
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1 Palestra de abertura sobre os preceitos e os refúgios
Gostaria de dar as boas-vindas para este retiro. A maior parte dos rostos é familiar. Dou umas
boas-vindas bem calorosas a vocês aqui.
O tema deste retiro são as cinco faculdades espirituais, então usaremos um método, uma
técnica antiga da plena atenção e da meditação do insight, para navegar por essas faculdades e fazer
com que elas surjam, para equilibrá-las e para aguçá-las.
Como numa universidade, que também tem as faculdades, tem o departamento de agricultura,
de medicina, de filosofia, onde são separados, mas estão todos sobre um mesmo teto. E cada
faculdade é importante por si mesma. Vocês não podem dizer, por exemplo, que a de medicina é
mais importante que a de educação, ou que a de psicologia é mais importante. Cada uma tem a sua
função específica e funcionam juntas e fazendo com que a universidade funcione.
Espero que ao final deste retiro, quer estejam fazendo cinco ou nove dias, vocês tenham
aprendido as técnicas básicas, os métodos básicos para desenvolver essas faculdades. Porque elas
estão lá, mas elas precisam ser desenvolvidas e afiadas. É como se elas estivessem um pouco cegas e
fôssemos progredindo ao longo dessas faculdades.
Vocês conhecem isso das universidades, de elas terem faculdades diferentes. Infelizmente as
pessoas normalmente desenvolvem apenas uma faculdade, elas falam “ah, fique plenamente
atento, se aconteceu um problema, esteja atento, esteja atento à atenção”, como se essa fosse a
única faculdade que houvesse, mas na verdade vocês precisam desenvolver as outras faculdades
também, não é uma faculdade só, para que elas possam trabalhar juntas em harmonia.
Vamos falar de cinco faculdades, a primeira é fé e confiança. As duas: fé e confiança. A segunda
é a energia, a terceira é a plena atenção, a quarta é a concentração e a quinta é a sabedoria.
Eu estava lendo um livro de psicologia lá nos Estados Unidos que dizia que quando as pessoas
ouvem algo elas conseguem se lembrar de vinte por cento. E nesse livro havia muitas coisas, mas só
vou comentar esse ponto que vou usar aqui. Ele também dizia que se as pessoas estivessem ouvindo
e vendo ao mesmo tempo, a chance de elas lembrarem aumentava. Então, ouvindo e vendo ao
mesmo tempo, elas lembrariam por volta de quarenta por cento do que foi dito. O livro também
dizia que se elas praticarem aquilo e tiverem a experiência elas mesmas daquilo, elas vão conseguir
lembrar-se de oitenta por cento.
Decidi aplicar isso aos meus ensinamentos quando estava dando ensinamentos em Nova York, e
descobri que este método é bastante eficaz. É por isso que, em algumas sessões, vou me dirigir a
esse quadro e vou anotar algumas coisas, porque aí vocês pelo menos vão poder ver e ouvir ao
mesmo tempo, e espero que isso aumente a porcentagem do que vocês vão lembrar para quarenta
por cento.
Uma linha multissensorial. Vocês vão usar os ouvidos, a audição e os olhos, a visão também.
Assim, a neurociência diz que as pessoas são mais visuais, elas veem uma coisa e pronto. Então
quando eu estiver no quadro escrevendo alguma coisa, por favor, tentem se concentrar naquilo que
está no quadro em vez de ficar escrevendo alguma coisa ou meio meditando e acabar dando umas
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pescadas ou só ouvindo. Tentem prestar atenção porque parece que somos cinquenta por cento
visuais.
E se vocês quiserem chegar aos oitenta por cento, então sugiro que vocês apliquem aquilo que
vou lhes dizer. Que vocês apliquem aquilo que vocês estão vendo e ouvindo, e não deixarem para
aplicar no ano que vem. Quero que vocês apliquem aqui e agora. Então se vocês trouxeram alguma
coisa para ler, e pensam que vão ler agora e que depois vão aplicar, depois do retiro, não é isso.
Espero que aquilo que vou ensinar a vocês seja aplicável momento a momento enquanto estivermos
aqui.
E como costumamos fazer no início de um retiro, nós vamos agora tomar os três refúgios e
tomar os oito preceitos. Para isso, por favor, abram as suas apostilas. Depois disso vou dar
instruções de meditação, algumas dicas também, e passar alguns truques de como vocês podem se
beneficiar de maneira eficaz deste retiro.
Antes de tudo, não sei quem está vindo aqui pela primeira vez, e não quero partir do
pressuposto de que vocês já estejam familiarizados com os três refúgios e os oito preceitos. Então,
por favor, gostaria que quem está aqui pela primeira vez levantasse a mão.
É um número grande. Sinto muito, mas não vamos tomar os preceitos imediatamente, porque
primeiro preciso explicar o que é que vocês estão prestes a fazer. Porque já aconteceu em Uganda,
quando falei que as pessoas iam tomar os três refúgios, de elas acharem que eram as três pessoas
que elas iam ter que sustentar, que iam ter que alimentar esses três, que eram três pessoas.
Então peço a paciência dos que já sabem do que se trata, porque não quero que os novos
fiquem nervosos ou preocupados. Não quero enfiar nada goela abaixo de ninguém. Então, por favor,
vocês que já conhecem, respirem.
Então, em primeiro lugar, vou explicar os três refúgios. Nós tomamos o refúgio no Buddha, no
Dhamma e na Sangha. Se alguma coisa merece ser tomada como refúgio ou tem esse valor, vale a
pena ser tomada como refúgio, ela tem que ter duas condições: (1) ela tem que ser livre de qualquer
perigo, tem que estar além do perigo, e (2) tem que ser algo acessível.
Digamos que, por exemplo, esteja chovendo, aí você quer ficar protegido usando um guardachuva. Digamos, se o guarda-chuva estiver cheio de furos, ele realmente vai poder proteger você?
Não? É um guarda-chuva, mas ele é todo esburacado. Então a água passa e cai direto na sua cabeça,
ou seja, esse guarda-chuva não está além do perigo, por isso ele não pode proteger você. Agora
digamos que você esqueça o guarda-chuva em algum lugar. Aí vocês olham, não estão vendo
nenhum guarda-chuva, vocês não podem se refugiar em alguma coisa que vocês não estão vendo.
Então para tomarem refúgio em algo é preciso que ele seja acessível.
E o Buddha, o Dhamma e a Sangha, em que tomaremos refúgio, eles cumprem esses critérios.
Eles estão além do perigo e eles são acessíveis, e vocês verão que eles são, de fato, acessíveis e são
além do perigo. E é muito bom eu ter que falar desses três refúgios porque eles fazem parte da
primeira faculdade, que é a faculdade da fé e da confiança. Fé e confiança no Buddha, no Dhamma e
na Sangha. Que é uma faculdade muito importante de se cultivar, e não pular etapas e já querer ir
direto para desenvolver a plena atenção, a consciência.
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Vocês têm que começar a partir desse ponto e aí vocês vão ver que é algo acessível e que
realmente pode proteger vocês. O que vai fazer vocês terem essa confiança é que vocês vão
realmente ser protegidos do perigo, do perigo interno e externo, por isso é algo muito importante
para entendermos.
Buddha quer dizer aquele que se iluminou, o iluminado. E no nível último, tomar refúgio no
Buddha, é tomar refúgio naquele que é desperto, o Buddha. E o Buddha também disse que vocês
também podem se iluminar. Ele não monopolizou o estágio de Buddha, ou Buddheidade. Então
vocês também podem tomar refúgio, praticar aquilo que ele ensinou e também se tornarem
iluminados.
Então falemos das qualidades do Buddha. Primeiro vou falar da qualidade da pureza: pureza de
corpo, de fala e de mente. É algo que é acessível, que vamos ver que é algo possível purificar a
mente, o corpo e a fala. A segunda qualidade do Buddha, que também é acessível, é a sabedoria, é a
compreensão. Então ao praticarmos aqui, vamos ganhar sabedoria, momento a momento, e é algo
que podemos acessar com facilidade. E a terceira qualidade do Buddha é a compaixão, e vocês têm a
habilidade e o potencial de se tornarem profundamente compassivos em relação a si mesmos e em
relação aos outros. E espero que essa tenha sido uma das motivações de vocês estarem aqui,
realmente se libertarem da insatisfatoriedade e obterem felicidade, não só para vocês mesmos, mas
para os seus amigos, para a sua família e para outros seres, e isso também é algo acessível.
O segundo refúgio é o Dhamma. Literalmente, dhamma quer dizer sustentar, ou manter, ou
segurar. Quando usamos Dhamma com “D” maiúsculo, ele se refere aos ensinamentos do Buddha. E
o Dhamma é a realidade verdadeira das coisas, como elas são realmente. Ele pode ser visto como as
leis naturais que governam o universo. E no nível último, o refúgio no Dhamma significa o refúgio
nos diferentes estágios de iluminação, o que inclui a iluminação final. Como ele inclui a iluminação
final, ele inclui também algo que está além do perigo, porque a iluminação final está além do perigo.
E para os propósitos do nosso retiro, o Dhamma significa praticar o treinamento: a conduta ética,
fazer surgir a energia, a plena atenção, a concentração e também a sabedoria e a compreensão, que
são coisas acessíveis.
Vocês vão ver, quando tomarmos os preceitos que são coisas acessíveis e podem ser aplicadas,
e vocês podem praticar mesmo sem serem iluminados. É por isso que tiramos a foto, não sabemos
quem vai se iluminar, nem quando. Pode acontecer depois de um ou dois dias, depende, e eu queria
lembrá-los disso. E podemos tomar refúgio nisso também e com certeza vamos ter sucesso nisso.
O terceiro refúgio é na Sangha. Literalmente, Sangha quer dizer comunidade. É curioso que na
Índia essa palavra quer dizer quatro ou mais do que quatro, e essa é a origem da palavra,
provavelmente é daí que ela vem. E no nível último, tomar refúgio na Sangha é se refugiar na Ariya
Sangha, na Sangha Nobre, que quer dizer o grupo daqueles que atingiram a iluminação, sejam eles
monges, monjas, leigos ou leigas. Então, só aqueles que atingiram a iluminação é que podem ser a
Sangha, com “S” maiúsculo, a Sangha Nobre. A Sangha nos lembra das possibilidades do Dhamma,
porque se ninguém se iluminasse, tudo bem, ia ter o Dhamma, mas você não ia confiar nele. Mas
como existem seres iluminados, nós sabemos que ele funciona. E esses seres, eles estão além do
perigo, eles não voltam mais para fazer coisas que levem ao sofrimento.
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Em termos do retiro nós nos refugiamos na Sangha e a temos que esclarecer o significado para
este propósito, não estender o significado dele demais. Em um ambiente de retiro, então, vamos ver
quais são as qualidades da Sangha e isso também vai ser algo aplicável hoje, amanhã. Então tente
lembrar-se dessas qualidades como uma forma de cultivar a faculdade da fé, lembrando que a
Sangha é acessível.
E então vamos falar das qualidades da Sangha e aqui vamos falar de uma convenção, a Sangha
convencional, que é uma comunidade de monges como eu. Então nós nos ordenamos e assim
representamos uma ordem que remonta à época do Buddha sem nunca se interromper. E é
importante saber essa diferença, entre a Ariya Sanga, a Sangha dos seres iluminados, que não é o
que estou falando aqui, e a Sangha convencional que é o grupo de monges. Essa distinção tem que
ficar bem clara.
É claro que existe gratidão pela Sangha convencional, porque eles estão transmitindo os
ensinamentos desde a época do Buddha, mas é preciso ter bastante clareza do que é a Sangha
Nobre e do que é a Sangha convencional. Quando falamos da Sangha convencional você pode ter
alguns monges e monjas que são iluminados, e outros que não são. Agora quando se fala em Sangha
Nobre, todos os membros são iluminados. E não é algo que se tem que fazer, isto é, ficar tentando
descobrir se um monge é ou não iluminado. Então, por favor, não me façam esta pergunta, só queria
expor a diferença.
E as três qualidades da Sangha são a união, a harmonia e o apoio, e essas são qualidades que
estão disponíveis para vocês, então não fiquem dizendo “ah não, não sou iluminado, não sou
Sangha”. Aqui vocês podem praticar essas três qualidades e podemos usá-las para nos apoiar uns
aos outros, ao longo desses nove dias. Então nós nos apoiamos, uns aos outros. Por exemplo,
quando caminhamos, não saímos correndo, não batemos porta, não fazemos nada que não seja algo
que apoie uns aos outros. E então, vamos ficar aqui também de uma maneira harmoniosa.
Estamos unidos embaixo do mesmo propósito, então somos irmãos e irmãs no Dhamma,
estamos seguindo todos o mesmo caminho, que é o caminho que leva à consciência e à libertação.
Estamos unidos também porque todos estamos aqui em vez de estar pulando o Carnaval ou fazendo
outra coisa, porque todos aspiramos pela iluminação e aspiramos a nos libertar da infelicidade.
Então estamos unidos independente de onde viemos, do nosso gênero, da nossa religião. Portanto
isso é algo em que podemos nos refugiar, é algo que é acessível, é algo que está disponível, então
fiquem à vontade.
Então agora vocês sabem o que estão tomando, vocês não vão precisar de dinheiro para isso,
vocês vão precisar de plena atenção. E isso tudo, esses refúgios, vão ajudar vocês a cultivar as
faculdades. Agora, ao tomá-los, vocês já estão começando a cultivar as faculdades espirituais,
fazendo com que elas surjam, então é algo acessível, que vocês podem fazer.
O primeiro preceito que vamos tomar é o preceito de não matar, ou seja, não matar nenhum
dos seres vivos que estão aqui. No lado afirmativo ele quer dizer proteger a vida, mas ele também se
refere a não matar o tempo. Não estamos aqui para matar o tempo, para fazer o tempo passar,
estamos aqui para atingir a iluminação. Então, às vezes, vejo as pessoas durante o período da
meditação caminhando, praticando danças africanas, então, por favor, tentem seguir o que é
explicado aqui.
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Porque, muitas vezes, vejo as pessoas virem para meditar, aí elas falam “ah, não estou matando
nenhum animal aqui”, mas elas ficam atirando no tempo delas, matando o tempo delas. Então
tentem maximizar, aproveitar melhor e tudo vai ficar bem. Esse é um aparte, mas vou falar para
vocês, o Buddha fala que na verdade existe apenas uma coisa que você pode matar, uma só, sabem
o que é? Muito bem, é interessante que ele falou do ego, porque eu estava na Dinamarca na
conferência das Nações Unidas, e fui para essa ilha de Cristiana, que é um lugar livre, e estava tendo
um funeral para o ego. Toda semana eles fazem um funeral diferente, e estava tendo um funeral do
ego. Estava dando uma palestra e eu estava muito interessado neste funeral, porque eles têm
diferentes temas a cada semana e nesta era o funeral do ego, e vou falar para vocês o que eles
estavam matando.
O Buddha disse que você deveria matar a sua raiva. E isso de matar a raiva é algo que a vamos
fazer de pouquinho em pouquinho, praticando a bondade amorosa, que é uma prática específica
para isso. Porque a raiva é algo que deixa-nos infelizes, e não é que tenhamos tanta raiva
necessariamente, mas tem muitas coisinhas que nos irritam. As pessoas vão criando aversão, por
exemplo, ao tempo, ao clima, ao calor excessivo, então não quer dizer que somos pessoas terríveis.
Acho que temos boas intenções, mas o Buddha recomendou que matássemos a raiva, que é parte da
aversão.
E o segundo preceito, ele diz para não tomar aquilo que não foi dado, e no aspecto positivo ele
significa ser generoso. Ser generoso é, entre outras coisas, abandonar a sua cobiça, a sua raiva e a
sua ilusão. Essa é a maior, a forma mais elevada de generosidade que você pode praticar enquanto
você estiver aqui. E também envolve ter um contentamento, estar satisfeito com aquilo que vai
estar disponível durante o retiro. Aqui não é como na sua casa, em que você tem televisão,
chocolate. Às vezes, lá no Bhavana, onde moro, chega uma pessoa e fala “ah seria tão bom se eu
comesse um chocolate, porque vocês não me dão um chocolate?”. As pessoas são muito sinceras,
elas, às vezes, lá nos Estados Unidos falam “ah, eu gostaria de ver um programa de TV, vocês
deveriam pôr um pouco de TV para a gente”, e eu falo “aqui é um monastério, não temos TV, como
é que você quer que coloquemos um programa de TV?”. Então isso envolve vocês estarem
satisfeitos com aquilo que está disponível para vocês durante este retiro, afinal são só nove dias.
O Abrahmacariya que é o terceiro preceito, ele fala de se abster de todas as atividades sexuais,
mas no aspecto positivo, mais amplo, ele quer dizer controlar os sentidos de forma a não agitá-los, e
ele inclui todos os sentidos. Por exemplo, ficar tirando fotos durante o retiro. Se você ficar o retiro
inteiro tirando fotos, você vai quebrar esse preceito porque você vai ser indulgente com o seu
sentido da visão. Aí as pessoas falam “ah não, mas eu estava tirando a foto com muita plena
atenção”. As pessoas são muito criativas para dar estas desculpas, mas, na verdade, elas são
confusas ao falar isso. Então, por favor, tirem as fotografias ao final do retiro, senão vocês vão
perder tempo da meditação, da palestra. E tem gente que fala “ah, minha mulher não está aqui, vai
ser muito fácil manter esse preceito”. Mas não, aí eles são bons fotógrafos, não estou falando do
genérico que vai tirar a foto, mas em vez de fazer a meditação andando, a meditação sentada, elas
ficam tirando fotos, e o que elas estão fazendo é preencher o tempo delas, elas se veem sem nada
para fazer, e elas acabam fazendo isso que é o hobby delas.
As pessoas perguntam por que existe este preceito, ele é o preceito que os monges também
observam, e ele existe, porque assim você acalma a sua mente. Observando este preceito você não
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agita os sentidos, então é mais fácil a mente assentar, não estando agitada. Quando você não tem
atividade sexual e sensual a mente se torna mais calma, pelo menos por esses nove dias, depois
disso vocês estão liberados. Mas enquanto vocês estiverem aqui, este preceito existe para
maximizar o tempo de vocês aqui, e é algo que vocês vão fazer temporariamente, só por nove dias
ou por quatro dias.
O quarto preceito, Musavada, é de não mentir, mas vocês não estão correndo nenhum perigo
aqui, porque vocês estão em silêncio total, então vocês não vão ter como mentir. Então vamos
estender um pouco o significado deste preceito para os propósitos do retiro. Aqui no retiro ele vai
significar ser honesto com a própria prática, as pessoas falam “ah, estou em silêncio, então como
posso quebrar esse preceito, mentindo?”. Então nessa situação de retiro ele vai significar ser
honesto em relação à prática. E também durante as entrevistas com monge, este preceito também
significa ser honesto com monges, com professores durante as entrevistas.
E o próximo preceito, Surameraya é o de não tomar, não utilizar nenhum intoxicante, nenhuma
droga que provoque desatenção, e aqui o sentido positivo dele é estar plenamente atento, estar
vigilante. Claro que se você estiver tomando alguma medicação por descrição médica, não tem
nenhum problema, o que estou falando mais é de maconha, este tipo de coisa que as pessoas usam
porque elas acham que são melhores que a meditação porque elas fazem você chegar lá muito mais
rápido.
O próximo preceito diz respeito a não comer depois do meio-dia, mas, na verdade, o que ele diz
é não comer em horários inadequados, que é um preceito que os monges também observam. E o
que este preceito quer dizer é para sermos moderados. Você medita muito melhor quando não tem
muita comida no seu estômago, quando o corpo não está empenhado em fazer a digestão. Agora se
você sempre está beliscando alguma coisa e o seu corpo está em constante movimento por conta
disso, fazendo a digestão, como é que a mente vai se assentar, ocupada com a digestão o tempo
todo? E vocês vão perceber que, com o estômago não muito cheio, talvez com um pouquinho só de
comida, vocês meditam muito melhor. Então o propósito deste preceito, assim como o de todos os
outros, não é torturar vocês, mas sim apoiar a sua meditação, e ele também não quer dizer que
exista nada de imoral ou de não ético em comer à noite. Só que nessa situação para que possamos
nos beneficiar bastante da meditação vamos ser moderados com nossa alimentação.
Uma dica para vocês: com esse preceito a mente tem uma tendência de querer dobrar a
quantidade de comida para compensar a falta do jantar e não funciona. Sei porque já fiz isso, porque
lá na África a nossa refeição principal era feita a noite, mais ou menos umas nove da noite, às vezes.
Então quando me tornei monge, falei “nossa, que horror, vou perder a minha refeição principal” e às
vezes nós comíamos até às dez da noite. Então eu falava “bom, deixa compensar”, e assim eu comia
demais, não meditava bem, ficava com sonolência. Posso dizer para vocês que não é bom meditar
com o estômago muito cheio. Não estou tentando prescrever a quantidade de comida que vocês
devem comer, mas sim que vocês observem a sua mente. Vocês vão conseguir fazer isso porque vou
dar instruções sobre a plena atenção durante a alimentação, então, se vocês estiverem realmente
plenamente atentos, vocês vão conseguir comer a quantidade adequada de comida.
E esse sétimo preceito diz para não dançarmos, não cantarmos, não ouvirmos músicas, não
irmos a shows, não usarmos ornamentos, não usarmos perfumes, não nos embelezarmos com
cosméticos, ou seja, é muita coisa. E por que isso? Porque não usar essas coisas ajuda a acalmar a
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mente, você não fica olhando o colar de alguém, a blusa, o corte de cabelo, o penteado de alguém, e
não fica pensando “nossa onde é que será que ele arrumou essa blusa”, ou, “nossa, esse perfume,
essa água-de-colônia são incríveis”. Não é que isso seja antiético, mas são coisas que não ajudam a
nos acalmar, então você pode também ficar pensando que esqueceu seu melhor colar. Então por
agora, vamos deixar essas coisas de lado, porque elas tomam nosso tempo, vamos usar esse tempo
para outras coisas. E então depois daqui você pode fazer o que quiser, você pode pôr uma tiara,
pode pôr colar, anel, mas vamos ver os benefícios de não ter nada disso, de ter menos coisas. Eu
mesmo não uso um relógio de pulso, tenho um outro relógio, então você fica com menos coisas.
Vocês vão me ver entoado alguns cânticos, e é preciso ter clareza da diferença entre entoar
cânticos e cantar músicas mesmo. Porque o cântico tem essas três características de ser um canto
devocional, de ser algo educativo e que envolve também a concentração.
O último preceito fala para não dormirmos em camas altas, ou usarmos cadeiras altas. Disso
vocês não estão correndo nenhum perigo, porque não tem nenhuma cadeira muito alta, nenhuma
cama muito alta, mas no aspecto positivo esse preceito se refere a não dormir demais, não dormir
até tarde. Você pode falar “ah, geralmente durmo até as oito, e aqui estamos acordando as cinco,
então vou pular algumas meditações e vou dormir um pouquinho”. Então no aspecto positivo, esse
preceito nos diz para ficarmos despertos, para conseguirmos despertar, acordar.
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2 Aquecendo sua meditação
Amigos do Dhamma,
Vou dividir esta palestra do Dhamma em duas partes: na primeira, darei instruções sobre como
meditar com o uso do “mapinha” (mapa da plena atenção, anexo) e, na segunda parte, vou explicar
para vocês como se preparar para a meditação sentada. Assim, primeiro darei instruções sobre a
meditação sentada aqui no quadro e, depois, darei instruções de como começar a meditação, ou
seja, como fazer o aquecimento para a prática.
Muito bem, o material que iremos cobrir é bastante sistemático. Se eu não começar do básico
as pessoas vão ficar um pouco assoberbadas. Vamos começar com algo bem básico e, depois, vamos
acrescentando elementos a isso. Nesse retiro vamos fazer a meditação de plena atenção e insight, e
eu gostaria de explicar isso com muita clareza porque vamos lidar também com as faculdades
mentais e espirituais.
A palavra meditação também quer dizer desenvolvimento mental. Essa palavra em pāḷi,
bhāvanā, que também é o nome do monastério onde moro (Bhāvanā Society Monastery - West
Virginia), é algo importante a ser aprendido. A palavra meditação confunde um pouco as pessoas
porque ela está virando um argumento para venda. Ela não expressa exatamente o que fazemos.
Quando eu fui ao dicionário ver o significado da palavra meditação, a definição era “girar a mente
repetidas vezes”. Por isso gostaria de usar a palavra em pāḷi para fazer a distinção entre as duas
coisas. Claro que os buddhistas continuarão usando a palavra meditação, mas nós devemos saber
exatamente o que ela significa. Prefiro até a expressão “purificação mental” ou “cultivo mental”.
Vocês podem usar essas expressões para expressar aquilo que o Buddha realmente pretendeu
ensinar, ou seja, purificar a mente da cobiça, do ódio e da ilusão; e esse é o processo que estamos
fazendo. Quando a mente está pura, nós ficamos felizes, em paz, iluminados e despertos.
Aqui são os estágios e esse aqui, o despertar, é o final. É por isso que meditamos, para ficarmos
felizes, para ficarmos em paz, para atingir os diferentes estágios de iluminação e para atingir o
despertar final. Em outras palavras: queremos nos libertar do sofrimento e queremos ser felizes.
Todos esses aqui, são graus de felicidade e então se vocês praticarem mais e realizarem o
ensinamento, vocês podem ficar feliz e em paz na sua vida diária. Vocês podem até mesmo atingir a
iluminação, e esse é o objetivo final da meditação. Agora nós conhecemos o propósito da nossa
meditação.
Meditação na prática
Agora vou falar um pouco sobre como meditamos. Quando vamos para as escrituras, vemos
que o Buddha ensinou 101 tipos de meditação, eles estão no Aṅguttara Nikāya. Mas não vou
ensinar para vocês 101 tipos de meditação. As cinco faculdades espirituais são partes dessas 101
meditações. Nos comentários, as meditações são reduzidas a quarenta, mas também não vou
ensinar quarenta.
Se vocês observarem todos esses tipos de meditação, eles podem ser reduzidos a três. E é isso
que vamos fazer: (1) reflexão, são as meditações que exigem reflexões, ou seja, lembranças, que é o
anussati. Anu que tinha sido traduzido errado e a Fabiana do Rio de Janeiro nos chamou atenção,
quer dizer “junto com”. E sati é lembrar. Então se vocês estão junto com alguma coisa, vocês estão
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lembrando daquilo. E é isso que vamos fazer: a lembrança das qualidades do Buddha, e é disso que
vou falar quando eu voltar para sentar na segunda parte desta palestra. Vocês podem usar
qualidades como pureza, compaixão, sabedoria para fazer com que surja a fé e a confiança. É uma
qualidade espiritual que muitas vezes não é ensinada e que é muito importante.
Há também a meditação de (2) samatha. Ela também pode ser chamada de samādhi, ou
“meditação de concentração”, de tranquilidade ou de serenidade. Tudo se refere à mesma coisa.
Esse tipo de meditação toma um objeto fixo para contemplação. Para praticar bem com esse objeto
a sua mente tem que estar em um estado saudável, por isso o Buddha falou de samādhi como sendo
uma qualidade de algo uni-focado em um só objeto. Ou seja, essa qualidade de uni-focado se refere
a um objeto, ao objeto da meditação. A mente e o objeto estão unificados e esse estado mental
saudável deve estar livre de obstáculos. Quando vocês fizerem isso, vocês obtém samādhi. Mas um
ponto muito importante é que se trata de um objeto fixo, fixo no sentido de um só.
E temos ainda a meditação de (3) vipassanā. Ou seja, um, dois, três. A meditação de vipassanā
tem múltiplos objetos que não são fixos, ou seja, que mudam o tempo todo. Claro que, para
observar isso, vocês também precisam estar em um estado mental saudável. É melhor se vocês
estiverem em um estado mental bom. Mas vocês não precisa esperar chegar a esse estado para
praticar. Vocês podem fazer ambos juntos. Ou seja, quer vocês estejam fazendo meditação de
samatha ou vipassanā é muito importante saber lidar com os cinco obstáculos (estados mentais não
saudáveis: agitação, má vontade, dúvida, desejo sensorial ou torpor). Está claro?
Vou passar por esses ensinamentos de forma bem sistemática porque as pessoas tendem a
confundir isso. Nas entrevistas posso ver claramente que as pessoas confundem uma coisa com a
outra. Falam “ai, é coisa demais”. Não, não é coisa demais. Trata-se apenas de lembrar-se de
qualidades. Nesse caso, por exemplo, vocês têm um só objeto, fixo, mas preciso acrescentar que
esse objeto é um conceito. E na vipassanā o objeto não é fixo, mas ele se trata da verdadeira
natureza, ou seja, através dessa meditação, vocês querem conhecer a verdadeira natureza do
objeto, a realidade última dele.
Acho que antes de apagar o quadro, é bom explicar exatamente como é a vipassanā. Por
exemplo, se eu atiro um objeto, como atirei esse apagador, ele segue essa curva, digamos. A
meditação vipassanā envolve observar o objeto ao longo de todas as suas fases. Então se vocês
lembrarem essa imagem do objeto indo para cima e caindo é bom saber que todas essas fases de A a
B são muito importantes. Então, há um aspecto de ascensão aqui, e em seguida, um aspecto de
queda aqui, e então, no ponto entre ele subir e cair. Há uma transformação, ao mesmo tempo em
que está em processo de mudança. Não é um ponto estático, ele está sempre mudando. Se vocês
conseguirem se lembrar disso, saberão a diferença entre os tipos diferentes de meditação.
Muito bem. Para reduzir ainda mais esse número de meditações possíveis, podemos juntar
essas duas. Podemos fazer com que a de (1) reflexão, entre no grupo de (2) concentração. Então
podemos fundir a um com a dois e formar um grupo só. Assim temos um grupo que é o grupo de
meditação samatha e meditação vipassanā. Então, se vocês estiverem seguindo os ensinamentos do
Buddha, vocês podem dizer que está praticando a meditação de samatha ou meditação de
vipassanā. Isso vai ajudar a vocês a fazer com que surja o que é chamada faculdade da
concentração. A vipassanā ajuda vocês a aguçarem a faculdade da sabedoria. A sabedoria é a quinta
faculdade espiritual. A concentração é a quarta.
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
Então, está claro? Não se preocupem, vou repetir isso várias vezes. Acho que os brasileiros não
se incomodam com essa repetição, mas quando dou ensinamentos nos Estados Unidos as pessoas
falam “mas Bhante você está repetindo as coisas mil vezes”. Acho melhor repetir, acho que é o
melhor jeito porque vocês não precisam ficar perguntando para as pessoas se elas se perderam.
Antes que eu apague, o que não ficou claro aqui? Olha, já aviso vocês que vou repetir isso várias
vezes. A única diferença é que, às vezes, vou fazer isso enquanto meditamos. Aqui também entra a
questão do sofrimento de ver o processo, mas não estou falando de dor, estou falando no sentido
de que as coisas estão mudando e que elas são insatisfatórias e inseguras. Aqui também entra a
questão do sofrimento de ver o processo, mas não estou falando de dor, estou falando no sentido
de que as coisas estão mudando e que elas são insatisfatórias e inseguras, Vipassanā, não é? A partir
disso nós podemos extrair a diferença entre samatha e vipassanā:
 Primeira diferença: lembre que em (2) samatha havia um objeto fixo e no vipassanā ele não
era fixo.
 Segunda diferença: na meditação de samatha há mais interesse no
conteúdo, como por
exemplo, quando fazemos a meditação de
bondade amorosa falamos “que aqueles seres
estejam bem, felizes e em paz”, então tem esse conteúdo de querer que a pessoa seja feliz. E no
vipassanā estamos mais interessados no processo. Qual é o processo então de ascensão deste
objeto até aqui e depois de queda? Estamos mais interessados no processo.
Quando aprofundamos a nossa percepção podemos ver que aqui existem momentos menores
de ascensão e queda, então vamos aumentando nossa percepção, estamos interessados no
processo. Estou falando em termos gerais, não quero que vocês fixem demais isso porque são
generalizações em termos desses últimos dois itens que mencionei.
Nesses dois termos, às vezes, nós podemos, por exemplo, começar com o conteúdo e convertêlo em processo. Começamos a tentar observar, percebemos que ficamos muito presos nesse
conteúdo e aí tentamos transformar em processo e então temos o que chamamos de verdadeiro
vipassanā. E esse é o processo, as coisas estão mudando o tempo inteiro e isso é o que chamamos
de impermanência. E é esse o processo que vocês observam aqui.
Aqui também entra a questão do sofrimento de ver o processo, mas não estou falando de dor,
estou falando no sentido de que as coisas estão mudando e que elas são insatisfatórias e inseguras.
Quando usamos esta palavra “sofrimento” as pessoas tendem a pensar sempre em dor e não é disso
que estou falando, aqui eles não são substantivos, eles são verbos.
Os conceitos são os objetos do samatha. As pessoas se confundem muito se estão praticando
conceitos ou não, então é importante falar que no samatha são conceitos e no vipassanā a realidade
é absoluta ou última, a realidade verdadeira. Vou falar mais disso, dos conceitos, mais para frente
para esclarecer.
Agora vou explicar o vipassanā que é composto de duas raízes, duas palavras, o vi e o passanā.
Mas antes que eu continue preciso dizer que quer estejamos praticando a meditação de reflexão,
quer a meditação de samatha, quer vipassanā, todas elas exigem a plena atenção. Antes de
prosseguir, gostaria de saber se tem alguma coisa aqui que não ficou clara.
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
Pergunta: Estamos falando então de três características de objetos de cada meditação, é isso?
Resposta: Sim, aqui então, por exemplo, está em mudança, é inseguro e é não-eu. Temos que
lembrar também dessa característica da impessoalidade. Não se preocupe, não sei nem quantas
vezes vou repetir esse ponto e esse ponto também.
Pergunta: O professor poderia dar um exemplo?
Resposta: Estou chegando lá. Nós vamos chegar lá, é que quero fazer isso passo a passo, senão
eu sento lá e ninguém entende do que estou falando, então comecei falando de meditação, mas nós
já vamos chegar lá. Nós falaremos justamente da pergunta que você fez.
Passanā significa ver, contemplar. Não ver com os olhos, mas sim, com o olho da sabedoria. O
olho da sabedoria não é um olho físico. Tem gente que fala que tem o terceiro olho aqui no meio,
isso é parte do hinduísmo. No vipassanā vocês podem muito bem fechar os olhos físicos. Vocês
podem abrir também, mas vocês, na verdade, estarão observando. Vocês não precisam, por
exemplo, olhar para seu pé.
A palavra passanā é muito fácil de entender, mas a vi é mais complicada. Tem uma palavra que
é irmã dessa palavra, que é anupassanā. Lembrem-se que anu quer dizer junto com, junto de, ou
seja, ver as coisas à medida que elas acontecem. Isso aqui não é um curso de básico de pāḷi, mas
queria que vocês se lembrassem desse significado de junto com, ou seja, ver conforme acontece o
contemplar, conforme acontece, para isso vocês tem que estar presentes à prática, isso é o
vipassanā.
Vamos falar agora da palavra vi. Vi tem dois significados, um é especial, incomum. E o que isso
significa? Já vou dizer o que significa, é o primeiro significado. O outro significado é ver as coisas de
formas diversas ou vê-las de forma diferente. Se vocês forem compreenderem bem esses
significados vocês vão sempre saber o que é vipassanā.
Essa parte de ver as coisas de várias formas ou de formas diferentes deve estar bem clara a
partir deste item do processo aqui, que é ver como elas são impermanentes, insatisfatórias,
impessoais. Ou natureza impessoal do objeto, ou não-eu, não-self, tudo isso quer dizer uma coisa só.
Isso está claro? Nós vemos as coisas mudando, enquanto elas mudam. Vamos falar do dois e do três
mais para frente, mas vocês podem experienciar as coisas mudando, certo?
Vê-las de uma forma específica ou de uma forma especial, este item exige bastante explicação.
Vou dar uma analogia para vocês entenderem esta parte, sobre como que as pessoas veem as coisas
de uma forma especial e não comum. Quem fez essa pergunta, o que é isso? O que tem dentro
dessa garrafa? Ah, te peguei. Ele falou que tem água aqui dentro. Isso é o que chamamos de saññā,
ou seja, percepção. Quem conhece pāḷi vai lembrar, mas deixa para lá, vamos usar percepção. Nós
percebemos formas, as cores. Para quem tem interesse em pāḷi, é chamada de saññā. É um
conceito. Estamos no nível da meditação samatha. Esse passo está claro para vocês?
Todo mundo, pode ser até mesmo um menino de 4, de 10 anos, que vai para o supermercado
sabe o que é água. Não preciso vir dos Estados Unidos até aqui para ensinar a vocês como
reconhecer a água, seria um desperdício de talento porque tudo mundo pode ver isso. Para um
cientista, um professor universitário, vou perguntar o que estamos vendo aqui dentro da água. H2O.
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
Bem melhor que o anterior, não é? Mas se estivermos praticando vipassanā ainda não é suficiente.
Se vocês quiserem descrever de uma forma realmente especial vocês podem descrever essa água
como dureza. Se vocês quiserem experimentar a dureza da água, depois do retiro vocês podem ir
para um trampolim e mergulhar na piscina.
É difícil acreditar quando vocês veem a água numa garrafa que ela pode ser dura, mas quando
vocês mergulham ela é mais dura do que esse chão, ou seja, em outras palavras, experienciar essa
água diretamente. Vocês não pode fazer agora a experiência de mergulhar, de pular do trampolim,
mas agora vocês podem tocar nessa água. Se vocês tocarem vão perceber que ele está fria, porque a
temperatura do meu corpo é mais alta do que a da água, isso é algo experiencial. Então para ver as
coisas de uma forma especial podemos dizer que tem dureza na água, solidez talvez, frio, às vezes
calor, etc. E se vocês estiverem bem presentes nessa experiência, vocês vão entrar no processo,
porque ao tocar a água vocês a sentem mudando todo o tempo, às vezes ela apresenta solidez, às
vezes frio, às vezes calor. É isso que chamamos de paññā, de sabedoria. Sabedoria em pāḷi é paññā.
Então fica bem claro que isso não é algo fixo, é algo que está mudando o tempo inteiro, é
isso que chamamos de realidade absoluta, a verdadeira natureza. Vocês não estão fazendo justiça às
coisas as chamando de água. Esse é um jeito bom para comunicar, para esses fins práticos, mas
vocês não estão falando nada da realidade última dela. Vou dar outro exemplo.
Vocês acredita que a água pode ter essas características, de ser dura, de ser fria? Na verdade
tem mais, é que não teve mais espaço para escrever, tem o cheiro, tem cor, o sabor, nutrientes,
tudo isso fala da verdadeira natureza da água, ou seja, a sabedoria quer dizer ver as coisas
profundamente, é isso que ela quer dizer.
Pergunta: Queria saber se do ponto de vista Buddhista a percepção um e a dois são
equivalentes, se não tem diferenças?
Resposta: Tem uma pequena diferença entre a percepção um e dois, a percepção dois ela é um
pouquinho mais aguçada. Vou dar outro exemplo que vai deixar mais claro como progride a
sabedoria, isso vai responder sua pergunta.
Imagine que uma criança, isso é falado no Visuddhimagga, o caminho para a purificação.
Imagine então uma criança que vê uma moeda, uma criança de uns três anos, ela vê uma moeda
que pode até valer cem dólares, mas ela não sabe o valor, ela pode por na boca. Na verdade não,
três anos já é meio velha, ela pode até comprar uma coisa, imaginemos então uma criança de uns
dois anos ou de um ano. Ela vai ver essa moeda e vai por na boca e o adulto vai falar: não, tira isso
da sua boca, é uma moeda. Essa criança tem aquilo que chamamos de saññā, percepção. Certo?
Então chega um empresário ou um homem de negócios, ele vai ver essa moeda, vai pegá-la e
vai comprar alguma coisa com ela. Talvez ele vá usá-la para comprar uma água de coco. Ele vai ter a
consciência, ele vai estar consciente da moeda, então ele vai ter o que chama de viññāṇa em pāḷi.
Mas isso não é suficiente em termos de sabedoria em meditação.
Nós temos o homem que trabalha na casa da moeda, ele pode estar lá faz dez anos, assim que
ele vê essa moeda ele não vai nem pôr na boca, não vai comprar nada, nem água de coco. Ele vai ver
as partes diferentes que compõem essa moeda. Ele vai ver metade prata, metade cobre, é nisso que
ele pensa. E isso é o que nós chamamos de paññā, ver as coisas em detalhes. A criança não vê os
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
detalhes, esse outro empresário também só tem consciência, ele está pensando em usar o dinheiro
para ir para umas férias e tal. Isso é o que chamamos de sabedoria, que é uma etiqueta do
vipassanā. De forma que vocês possam ver todas as experiências em detalhe.
O próximo exemplo vai ser uma experiência. Porque só sabemos o sabor de alguma coisa
quando a comemos. Vamos fazer uma experiência agora. Quero que vocês mantenham as mãos
assim. Se vocês ainda estão vendo os dedos, vocês estão no nível da percepção, vocês estão
percebendo seus dedos. E em um nível tudo bem essa percepção, mas tem mais do que só dedos,
em termos de experiência direta. Dedos é apenas um conceito.
Bhante Buddharakkhita: E se eu pedir a vocês que apertem uns dedos contra os outros, dessa
forma? O que vocês sentem? Por favor, me respondam, o que vocês sentem?
Resposta: Pressão, temperatura.
Bhante Buddharakkhita: Pressão, mais o que?
Resposta: Calor, pulsação.
Vocês já estão praticando vipassanā. Se vocês só estiverem vendo duas mãos se tocando, só
dedos e mãos, aí vocês vão estar no nível de apenas conteúdo, apenas conceitos. Quando vocês
sentem pulsação, o calor e tal, isso é um processo, isso é ver a verdadeira natureza das coisas, ou
seja, paññā. Para você que falou que estava sentindo pressão, vou falar onde você está em termos
de vipassanā. Você está aqui nesse um, de ver as coisas de uma forma especial. Não é algo que você
sabe porque você ouviu uma palestra ou leu em algum livro, é sua experiência direta. Mas você não
entrou nesse segundo estágio de ver o objeto de uma forma diferente ou variada.
Continuem, por favor, com as mãos. Se vocês realmente ficarem plenamente atentos e ficarem
bastante tempo nessa posição. Se vocês estiverem sentindo pressão, depois de observar por
bastante tempo, vocês vão poder dizer exatamente o que está acontecendo.
Bhante Buddharakkhita: Quem falou pressão, diga como você se sente. Diga o que você sente.
Quem falou pressão? O que você está sentindo?
Resposta: Circulação do sangue.
Já mudou, a circulação do sangue, a circulação do sangue na nossa linguagem é movimento. O
movimento está mudando. Então agora vocês estão aqui durante essa experiência, vocês estão aqui
no dois. Vocês estão vendo agora de uma forma diferente, antes era pressão, agora é movimento do
sangue. Muito bom, vocês já sabem vipassanā agora.
Todas as experiências que temos na meditação, temos que dividir em dois. Objetos primários
perdão e objetos secundários. Se vocês olharem esse cubo ele fala que plena atenção às narinas.
Desculpem, a nossa cópia fala respiração, não narina. Quando temos a plena atenção à respiração
observamos as narinas. Porque é onde dá para sentir com mais distinção a respiração. Mas esse não
é o único local em que se pode observar a respiração. Podemos observá-la também de maneira
indireta, com a expansão e contração do abdômen.
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
Estou falando disso porque a maior parte das pessoas para por aqui. Vocês estão vendo estas
setas, elas indicam que quero libertar as pessoas, tirá-las de dentro das caixas. Porque existem
muitas formas de meditação e essa é apenas uma delas. A propósito, durante o nosso retiro vamos
falar das quatro bases da plena atenção: plena atenção ao corpo, plena atenção às sensações e
sentimentos, plena atenção aos estados mentais, plena atenção aos fenômenos. E isso é o que
vamos fazer com o nosso mapa, e ele cobre as quatro bases da plena atenção. Mas não vou falar
delas da forma que elas foram ensinadas, porque eu acho que o Bhante Guṇaratana veio, não sei
em que ano, mas ensinou a plena atenção a vocês e deve ter apresentado de uma forma
sistemática. Vou apresentá-las de uma forma integrada às faculdades, por quê? Porque é assim que
elas acontecem, então existem duas ordens diferentes: a ordem do ensinamento e a ordem de
prática.
A plena atenção à respiração pertence à primeira base. Amigos, porque que escolhi as cinco
faculdades? No discurso fala que um bhikkhu pratica a plena atenção ao corpo fervorosamente ou
ardentemente. O sutta fala um bhikkhu. Aí ele fala que um bhikkhu pratica a plena atenção ao corpo,
de forma ardente, plena atenção, e compreensão clara. Tendo superado o pesar e a cobiça, ou seja,
a ganância e a dor ou o pesar ou descontentamento. Estou explicando isso porque muitas pessoas
podem estar se perguntando por que falamos das quatro bases da plena atenção e depois das cinco
faculdades. Não sei quem aqui já estudou essas quatro bases da plena atenção, mas espero que
vocês lembrem bem desta frase desse sutta das quatro bases da plena atenção que está entre aspas.
De forma ardente se refere à energia, que é uma faculdade, faculdade da energia. Então,
quanto mais vocês praticarem a plena atenção de forma ardente, vocês estão melhorando a
faculdade espiritual, aprimorando a faculdade espiritual da energia. E, bom, o discurso inteiro fala de
plena atenção então aqui nesse item dois vocês tem a faculdade da plena atenção. E quando fala
plena atenção e compreensão clara, então ele se refere à sabedoria, à faculdade da sabedoria.
As pessoas vão falar, mas onde está a faculdade da fé? E alguém vai falar que o Buddha nunca
falou de concentração, onde que elas estão nessas quatros bases da plena atenção? Meu professor
escreveu um livro sobre esse sutta e foi traduzido na Coreia, se não me engano, e fez um comentário
de que o Buddha nunca falou sobre concentração. Se vocês superarem a cobiça e a dor, que são dois
obstáculos, vocês vão obter concentração. Vocês também podem inferir que entre a faculdade da
plena atenção e da sabedoria deve ter a concentração, deve estar a concentração. Vocês não podem
chegar desse dois ao três, sem a concentração, é impossível. Porque uma mente concentrada vê as
coisas como elas realmente são. Vocês não podem passar direto do dois para o três, vocês têm que
passar da plena atenção para a compreensão clara, para isso vocês tem que passar pela
concentração, que é uma faculdade.
Então, agora a nossa tarefa é descobrir onde é que está a fé aí neste sutta todo. Na verdade,
para obter energia, nem precisa falar que é preciso ter fé e confiança. Mesmo se não fizermos isso
podemos conseguir isso com o bhikkhu. A palavra bhikkhu vem de bhikshu que significa pedir, no
sentido de esmolar, mas é uma forma nobre de pedir. Podemos dizer também um pedinte nobre ou
nobre esmolante. Chamar alguém de bhikkhu refere-se a um monge ordenado caso seja uma monja
é bhikkhuṇī.
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
Agora já temos o elemento da fé e a palavra bhikkhu implica a fé, porque se alguém vê o perigo
no saṃsāra, a roda do nascimento e da morte, será tomado por aquilo que chamamos urgência
espiritual e vai começar a contemplar o corpo e a mente dessa forma não com preguiça, mas com
energia. Então é aí que veremos nesse trecho as cinco faculdades.
Gostaria que vocês inspirassem e expirassem. E se ficarem plenamente atentos à respiração, ela
torna-se seu objeto primário. Na plena atenção a respiração torna-se o seu objeto prevalecente,
porque a primeira condição é que possam olhar por um longo tempo. Porque é neutra, é algo
neutro. Não é algo fixo, não é algo que lhes traz dor. Então o objeto primário é um que vocês sempre
podem observar por um período de tempo longo sem ficarem exaustos, mas não fiquem praticando
só na respiração por anos. Já vi gente que fica vinte anos praticando a plena atenção à respiração, na
verdade contando a respiração. Contar é bom, ajuda quando estão com a mente agitada, mas não é
meditação. Ela é uma técnica que ajuda a superarem a agitação, os pensamentos e obstáculos, mas
ela não é em si uma meditação.
Existe um princípio do vipassanā que devem aprender a partir deste momento. Observem o que
esteja surgindo no momento presente, ou seja, tem que estar surgindo no momento e tem que ser
proeminente. Se lembrarem destas duas coisas, começarão a meditar amanhã até eu continuar com
minhas instruções. Por exemplo, sempre que temos um objeto primário e tem alguma coisa que é
presente, proeminente e predominante, que chama a nossa atenção, por exemplo, o pensamento,
então saímos dessa caixa. Então imagine que vocês estejam meditando e seu objeto primário é a
respiração, então um som vem e chega a vocês, aí vocês veem que ele é predominante e vocês
podem observá-lo como um processo e também podem observar os obstáculos desde que eles
cumpram estes dois requisitos: de estarem surgindo no momento presente e de serem
proeminentes, como a audição ou uma dor, por exemplo.
Quando vocês estão meditando e aparece uma dor, vocês podem observar a dor e depois
voltar, a mesma coisa quando vocês estão sentados, por exemplo, e aí nos pontos de contato
sentem a solidez, aí vocês podem ficar atentos a elas e depois voltam. Estamos no item 1 e vou falar
mais amanhã disso, mas esse é um princípio geral de como meditamos.
Gostaria que sentissem a expansão e retração do abdômen, toquem a barriga, podem inspirar e
expirar sentindo o movimento. Inspirem, o abdômen se expande, expirem, ele se retrai. Então, o
praticante de vipassanā vai perceber a natureza desse expandir e retrair do abdômen, não o
conceito, mas a natureza, a sensação, a pressão, alguma tensão.
A primeira coisa nessa prática é que devem observar aquilo de que vocês tem que se livrar.
Assim mudamos de marcha, primeira marcha, segunda, terceira, a quarta. Se não sabem mudar de
marcha, irão usar a marcha errada, então agora devem saber como mudar de marcha. Gosto de
chamar isso de freio de mão, já dirigiram um carro com o freio de mão puxado? O que acontece?
Quem já se esqueceu de soltar o freio de mão? Ah, então somos todos iguais. Qual é a sensação de
dirigir sem ter soltado o freio de mão? Fiquei dirigindo um tempão e depois comecei a sentir um
cheiro e somente percebi por isso.
Muitas pessoas conduzem a meditação com o freio de mão puxado. Então a primeira coisa é
remover o freio. Mas quando ouvem falar de meditação, elas tentam inspirar, expirar, e ficam uns
vinte e cinco minutos nessa luta, chegando a um ponto em que não conseguem mais progredir. E no
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
nosso mapinha aqui fica bem claro que a temos que praticar de forma sistemática. Quando
meditamos, primeiro verificamos a postura do corpo, relaxamos os locais em que há tensão e depois
verificamos se há algum obstáculo na mente, antes de começar o inspirar e expirar.
Quanto antes fizerem isso melhor, porque poderão dirigir melhor o seu carro. Então,
lembremo-nos dessas duas coisas, se livrar e dos obstáculos, e também quais poderão ser os
obstáculos de que devemos nos livrar. Pode ser o pensamento, a sonolência, a inquietude ou a
agitação, a dúvida, a raiva ou ódio e o desejo sensual.
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3 As qualidades do Buddha
O que vou oferecer a vocês neste retiro são as chamadas meditações protetoras. Antes de
começarem a meditação passem uns dois minutos praticando a bondade-amorosa para vocês
poderem dar conta desse freio de mão. Se não fizerem isso, ficarão respirando e começarão a ficar
com aversão à respiração, principalmente quando não conseguirem ficar atentos a ela. Vão falar “eu
sou um mal yogī”, e aí começarão a ter aversão à meditação e ao objeto de meditação.
Eu darei outro aspecto neste retiro, não sei se já tiveram esse ensinamento antes, é a
meditação guiada sobre as qualidades do Buddha e dos seus ensinamentos. Quando fizerem isso,
passarão um tempo contemplando a respeito deles e ao fazê-lo superarão a dúvida. Se fizerem isso
antes da meditação, pelo menos vocês terão soltado o freio de mão. Progredirão mais rápido em vez
de ficarem se perguntando “ai, será que é para eu observar a respiração aqui, ali, lá”.
Vamos fazer intervalo para ir ao banheiro, mas antes falarei das qualidades do Buddha e como
podem ser usadas na meditação. Vocês poderão aumentar a fé e se livrarem da dúvida usando as
qualidades do Buddha. Isso cai na categoria de reflexões ou lembranças. As qualidades do Buddha
são muitas, mas poderemos escolher uma, duas, ou três, mas não muitas, porque se escolherem
demais poderão ficar confusos.
Umas das qualidades do Buddha é que ele é um Arahant. Então, quando sentarem para
meditar, o corpo todo estará relaxado, só que antes de entrarem na respiração, relaxem a mente.
Muita gente senta e já vai direto para a atenção à respiração, mas se fizerem isso vai ser muito
difícil. E para relaxar a mente antes de entrar na respiração vou ensinar quatro meditações de
proteção, mas hoje vou ensinar a primeira delas.
O Arahant é aquele que se livrou da cobiça, ódio e ilusão. O Buddha falou: “depois de mim,
haverá pessoas que irão me seguir e que vão também se livrar da cobiça, do ódio e da ilusão”. Então
se refletirem que podem também superar a ganância, o ódio e a ilusão poderão praticar esta
lembrança ou esta reflexão antes de entrar na respiração, da seguinte forma: “Arahant, Arahant,
Arahant”.
A outra qualidade é a qualidade de Buddha ou Buddho, tanto faz. Buddha quer dizer o ser
iluminado e não um ser humano, e ele não tem monopólio sobre este estado de Buddha, de
Buddheidade, de iluminação. É como presidente do Brasil ou qualquer outro país, não é monopólio
de ninguém. Essa é uma qualidade do Buddha porque foi algo que o Buddha descobriu e poderão
refletir sobre isso para obterem confiança de que poderão praticar até serem totalmente
iluminados.
A terceira qualidade é Samma Sambuddha que é a qualidade de que, por compaixão, depois da
iluminação, depois de ter realizado todos os ensinamentos, ele nos ensinou, ele nos mostrou o
caminho, e isso nos dá confiança. Reflitam sobre isso. Se ele mostrou o caminho pelo menos vamos
praticar, assim como um mapa, se alguém der um mapa teremos que apenas nos basear nele, não
ficaremos sentados tentando criar outro.
E se esquecerem disso poderão pensar nas Quatro Nobres Verdades e pensarão na verdade do
sofrimento, como superá-lo, na iluminação, no caminho da iluminação e depois partirem para
observar a respiração. Isso vai ajudar vocês a obterem fé e confiança.
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
Vamos partir deste ponto amanhã, começarei falando das cinco faculdades espirituais e darei
mais instruções sobre o mapa depois que tivermos soltado o freio de mão. Acho que também sabem
praticar metta, bondade-amorosa, poderão praticar amanhã.
Na primeira sessão da manhã, quando vierem sentar podem refletir no Arahant que é a pureza,
sabedoria e compaixão. Pensem e reflitam sobre isso. E pensem que por compaixão o Buddha
ensinou estas qualidades que podem afetar suas vidas e fazer vocês ficarem mais felizes e
iluminados. Não é pensar e sim uma reflexão, isso é diferente.
Depois, nos próximos dois minutos poderão fazer a bondade-amorosa: “que eu esteja bem, feliz
e em paz, que todos os seres estejam bem, felizes e em paz”. Comecem dessa forma mais simples
até que acrescentemos mais elementos. Então depois começarão a observar suas respirações,
“inspirando, expirando”. Vai ficar mais fácil.
Muito obrigado. Que vocês estejam bem felizes e em paz!
Sadhu! Sadhu! Sadhu!
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
4 Como obter um retiro especial
Agora gostaria de dar algumas dicas que tornarão mais eficiente a estadia de vocês e o uso do
seu tempo aqui, baseado em experiências que obtive em outros retiros. São dicas de coisas que me
ajudaram muito a sentar no retiro, seja ele de dois dias, de uma semana, qualquer duração que
fosse.
Então, para mim, o retiro que na palavra inglesa é retreat é uma oportunidade de nos
tratarmos, o que é representado em inglês pelo verbo treat. Vocês verão que faço muitos
trocadilhos, muitos jogos de palavras e eles não são traduzíveis, não se aplicam infelizmente à outra
língua, mas veremos como é que poderemos traduzir isso.
E o que vocês desejam, quer esteja aqui para os quatro ou nove dias, é ter um retiro especial.
Então utilizando as letras que formam a palavra especial, em inglês, a primeira letra é “S”, que em
inglês, é o verbo desacelerar. Não estamos em nenhum tipo de competição aqui, então quanto mais
devagar fizerem as coisas aqui melhor. Quando vocês voltarem para São Paulo, para o Rio de
Janeiro, para o trabalho de vocês, aí quanto mais rápido melhor, mas isso é lá. Aqui quanto mais
lento melhor.
Vocês já estão realizando muito, estão andando mais da metade do caminho só de terem vindo
ao retiro que também é representado, em inglês, pela letra “S” do special e por estarem observando
o silêncio, então isso já é cinquenta por cento do trabalho. Então se ficarem aqui e apenas
mantiverem o silêncio, comerem e ficarem por isso mesmo, já garanto que terão uma transformação
maravilhosa.
Vocês não podem imaginar o quanto é atingido só por observar o silêncio, porque quando a
mente está silenciosa, ou seja, quando consegue superar aquela falação interior e exterior a que
estamos acostumados o tempo inteiro e que perturba tanto a mente e desperdiça a nossa energia,
estamos cultivando a faculdade da energia. Então já falei dos cinquenta por cento, agora essas
outras letras vão representar os outros cinquenta por cento.
Como já falei que iríamos utilizar a visão, quero que olhem aquele ventilador. Por favor, não
para os outros, só para aquele. Conseguem contar as hélices? Está se mexendo muito rápido. Alguns
de vocês sabem que ele tem três hélices, porque já conhecem esse ventilador. Dá para ver a poeira
que está assentada nas hélices? Ou mesmo as teias de aranha que podem estar lá? Aqueles
ventiladores estão parados, vocês conseguem contar as hélices, uma, duas, três, a poeira, tudo que
está lá dá para ver.
Se ele estiver se movimentando lentamente, vocês poderiam ver o número de hélices, a poeira,
a teia de aranha. Não devemos vir para o retiro e ficar se movimentando como esse ventilador.
Garanto que mesmo se ficarem um mês no retiro, se o movimento de vocês for como desse
ventilador, não conseguirão enxergar nada, não conseguir ver nada no processo mental e corporal
de vocês. E se não desacelerarem o seu corpo vocês não vão conseguir desacelerar as suas mentes,
não vão permitir que ela veja a impermanência, por exemplo, se seu corpo decide sair daqui, vocês
seguem seus corpos sem pensar, vocês perderão isso. Então terão que fazer tudo lentamente, senão
vocês não vão conseguir manter essa capacidade de ver, e na psicologia Buddhista se fala que para
cada movimento corporal existem dezessete momentos mentais.
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
Então vocês devem fazer tudo lentamente para não terem uma atividade mental excessiva. A
segunda letra, “P” é paciência. Então, tenham paciência com sua prática, na forma como ela se
desenvolve. Mesmo que vocês já pratiquem, já frequentem retiros há 3 anos, ou já sejam
professores, a mente tem o seu próprio cronograma. Então terão de ser pacientes com ela. Então,
em termos de intenções e abordagens hábeis, façam todo o possível, mas tenham muita paciência
no que concerne aos resultados, porque eles acontecerão sozinhos. Então sendo assim, devem
realmente cuidar das suas intenções e das suas ações hábeis, mas em relação aos resultados vocês
deverão ter paciência.
E a partir da minha prática, porque gosto de tirar tudo o que explico da minha prática, sinto que
meditar é como plantar uma semente do Dhamma. Quando vamos plantar uma semente e a
regamos, e regar nesse caso da meditação é desenvolver as faculdades, então poderemos precisar
colocar fertilizante, ou seja, fazem o que é necessário e depois vocês esperam pacientemente. Em
termos de dar frutos tem que esperar. Se vocês fizerem a sua parte, os frutos aparecerão. Só que
não é para ficarem tentando puxar a planta para cima para ver se ela cresce, dizendo: “eu quero ver
flores, eu quero ver frutos”. Vocês não podem fazer isso. O que poderão fazer é serem pacientes e
fazerem a sua parte.
É muito importante antes de prosseguir, lembrar que se não tiverem paciência, ficarão
impacientes, e a impaciência nada mais é do que a aversão e a raiva, que vão atrapalhar muito sua
prática. Hoje em dia as pessoas estão acostumadas com computadores e esperam que as coisas
aconteçam rapidamente, esperam resultados. Elas são voltadas, orientadas para resultados, e
ficando impacientes quando não veem resultados. Isso é coisa da nossa era industrial porque na era
agrícola as pessoas tinham mais paciência, mas agora com a internet tudo acontece muito rápido
então é importante lembrar-se de ser paciente, tendo isso em mente.
O “E”, em inglês, é livre de expectativas ou sem expectativas. A expectativa é algo muito bom
até chegarmos aqui, até o momento em que chegamos ao retiro, porque ela nos ajuda a planejar o
retiro. Para podermos vir aqui, tivemos que tomar providências, talvez delegar algumas coisas a
outras pessoas, então isso é preciso ser feito.
Mas vou dizer a vocês quando a expectativa se torna um problema. Muitas pessoas quando
veem aqui e começam a meditar, dizem: “o Buddha falou que é possível atingir a iluminação em sete
dias, ficarei aqui nove, então em sete dias já vou estar no estágio final de iluminação.”.
Bom, se pensam dessa forma ficarão bem frustrados e nesse caso a expectativa se torna um
obstáculo. As coisas acontecerão sozinhas se fizerem a sua parte e o problema da expectativa é que
ela é uma forma de cobiça. O segredo é substituir a expectativa pela aspiração, porque não há nada
de errado com a aspiração.
É uma diferença bem sutil, então poderão aspirar pela concentração e pela iluminação, mas não
chegar ao retiro com uma cobiça, uma expectativa muito grande, de alguma coisa. Um exemplo é ter
pessoas que vem ao retiro com cobiça de atingir estados alterados da mente, então “ah, depois de
fazer isso ou aquilo quero chegar ao estado tal”. Por favor, não fiquem com a ideia de que acho que
vocês não devam aspirar pela iluminação. Existe uma palavra em pāḷi, chanda, que quer dizer desejo
entre aspas. Estas aspas são importantes, são desejos saudáveis, que desejos de atingir a iluminação.
Agora, a expectativa sem fazer o esforço necessário, sem fazer o trabalho necessário vira cobiça e é
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
algo que não é um desejo, é uma coisa muito superficial. Vocês querem no primeiro dia atingir o
primeiro jhana, no segundo dia atingir o quarto jhana, no terceiro dia o primeiro nível de
iluminação.
E queria mostrar isso a vocês e deixar claro que é para terem sim aspiração e se alguma coisa
deste tópico não estiver clara, podemos esclarecer durante as perguntas e respostas, talvez até
usando termos em pāḷi. O chanda é o desejo de fazer alguma coisa, o desejo entre aspas, então tudo
bem ter esse desejo, essa aspiração, esse chanda, mas é algo de que terão que abrir mão também
quando atingirem a iluminação. O chanda é a base do sucesso espiritual, é algo muito importante, se
quiserem ter um progresso bem rápido.
O “C” indica continuidade da prática ou da plena atenção. Essa continuidade é tão importante
para a prática, a maior parte do seu sucesso vai depender deste item, porque requer a faculdade
espiritual da energia para manter a plena atenção, e a energia também é a base do sucesso ou do
poder espiritual.
Vejo em alguns retiros em que não tem a meditação caminhando, em que as pessoas ficam
apenas sentadas lá, e existe um dito que fala que a mente vazia é a oficina do diabo. Perdão, a
mente desocupada, em inglês. Quando fiz um retiro na Birmânia, não tinha nenhum horário livre,
era sempre assim, até o descanso era plenamente atento. Então tudo que estava previsto, até o
banho, a yoga, a sessão sentada, em pé, era com plena atenção, ou seja, era uma plena atenção
contínua.
Antes de passar para o próximo item, preciso falar que devem fazer a prática de vocês chegar
ao ponto de fervura, não apenas deixá-la morna. Quando fizerem ela chegar ao ponto de fervura,
poderão usá-la, aplicá-la, praticá-la quando forem para casa, mas se chegarem aqui, sentarem,
ficarem debaixo de uma árvore ou andando por aí, e a sua mente fica pensando em Londres, no
Japão, planejando as suas próximas férias, então vocês só estão deixando a sua prática morna, não
atingirão o ponto de fervura, aí não estão terão uma prática contínua e sim uma prática ocasional.
Assim vocês envolvem a sua mente e o momento de plena atenção é seguido por outro
momento de plena atenção e um momento de concentração é seguido por outro momento de
concentração. Podem escolher só um desses itens, por exemplo, num retiro e dizer: “vou continuar a
minha prática”, não precisam praticar todos de uma só vez.
Em relação à intenção vocês poderão se determinar a observarem todas as suas intenções, e a
intenção intensifica a sua prática e também é a precursora das atividades que vocês realizam. Então
se eu pegar algo não tenho que não ir direto, ou seja, pular para esta atividade, mas posso tentar
observar o que está acontecendo na mente. Alguma coisa vem antes de eu pegar este apagador, e é
isso que vocês têm que observar, por que sempre vem alguma coisa nas suas mentes antes de vocês
fazerem alguma coisa.
Não fiquem ansiosos também para observar todas as intenções que passam na sua mente,
comecem com aquelas mais grosseiras. Por exemplo, na sua casa, quando forem abrir uma porta,
observem a intenção de abrir uma porta. E no retiro vocês vão desenvolvendo isso, que só poderá
ser feito se vocês estiverem plenamente atentos, e como vocês poderão? As pessoas falam assim:
“tenha plena atenção, tenha plena atenção”, como é possível ter plena atenção sem observar a
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
intenção? Comecem então pelas intenções mais grosseiras, e essa observação das intenções ajudará
muito a terem o sucesso na sua prática muito rapidamente.
O próximo é a atitude. Não reaja ao que quer que surja nas suas experiências. Então imaginem
que vocês começam a sentir dor, aí vocês começam a ficar aflitos porque estão com dor, ou então
vocês começam a sentir raiva e vocês começam e se agitarem. Este tipo de reação não vai ajudar a
sua prática. Vocês, em vez, de terem uma reação impensada, terão uma resposta, digamos, a isso
que apareceu.
Em inglês existem dois verbos para reação, e um que é o react, que é o primeiro, mais
involuntário, o segundo é respond, que significa reagir ou responder, mais voluntário. O terceiro é
abandonar, ou ceder, ou abrir mão. Não é abandonar ou abrir mão do retiro, pegar o carro e ir
embora, mas sim abandonar todas as coisas desnecessárias. Porque a mente tem muito dessas
coisas, então se aparecer uma obsessão de tomar sorvete, vocês abandonam esta obsessão.
Como todos os ensinamentos levam a este ponto de abandonar ou abrir mão, iremos parar por
aqui. Uma coisa importante para observar é que o Buddha falou que não há nada que seja meu ou
um eu a que se apegar, e quem pratica e realiza essa frase já aprendeu, praticou e realizou todo o
ensinamento.
Então amigos, esse é um retiro especial. Se conseguirem fazer esse aqui, esse abandonar, abrir
mão, terão o retiro inteiro. Se colocarem isso em prática, tentar abandonar as emoções difíceis
quando elas aparecerem, vocês terão praticado todos os ensinamentos. A realização, a percepção
desses ensinamentos, acontece conforme continuarem praticando.
Amigos, isso obtive a partir dos meus ensinamentos e dos retiros que também faço, e saindo
daqui farei um retiro de um mês em que vou seguir isso que expus aqui, e se quiserem utilizar isso,
fiquem à vontade, senão podem me devolver que usarei neste meu retiro de um mês. Então, muito
obrigado.
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
5 Instruções de meditação andando
Estou mudando um pouco a ordem das coisas, mas estou fazendo isso por compaixão, porque
vocês estão sentados já há bastante tempo. Agora era para dar instruções de meditação sentada,
mas vamos mudando para se adequar melhor às necessidades de vocês.
Eu vou começar a ensinar a plena atenção em pé. Vamos aprender nesse retiro, a meditação de
plena atenção e de insight, e sempre começamos com plena atenção. A plena atenção tem dois
significados. E dependendo do que fazemos, usamos um significado ou outro. O primeiro é lembrar,
que é o significado tradicional, como ainda é usado na Índia. O Buddha usou essa palavra, plena
atenção, se referindo a lembrar do momento presente. E em pāḷi é anussati, uma palavra que ainda
é usada para significar lembrar, lembrança. Aṇu quer dizer sozinho, só, e sati quer dizer plena
atenção, ou seja, “só com a plena atenção”, “sozinho com a plena atenção”. Vamos utilizar mais esse
segundo significado que é lembrar-se de estar no momento presente, e não lembrança. Vou falar
para vocês quando eu for usar no significado de lembrança.
Quando fazemos a meditação caminhando temos que especificar o espaço ao longo do qual
vamos andar. Essa é a primeira coisa que precisamos determinar. Uma distância que nos permita
andar de dez a quinze passos é uma boa distância. E é bom ver também quanto tempo temos para
caminhar. É uma hora? E sejam fiéis a esse tempo, por favor, porque você pode se iluminar em pé
ou caminhando. E você deve dividir esse tempo em três partes iguais. Então se você tiver trinta
minutos são três partes de dez. A primeira parte deve ser a uma velocidade mais rápida. A segunda é
mais lenta do que a primeira e, a terceira, é realmente muito lenta. Lembra-se do primeiro “S” de
desacelerar? Quanto mais você desacelera melhor você vê as coisas.
As mãos ficam aqui na frente ou aqui atrás quando você faz a meditação andando. Estou com as
mãos aqui porque estou falando no microfone. Mas não é para vocês andarem assim. As pessoas
têm a tendência a imitar o monge, mas não é para andar com a mão aqui. Por a mão no bolso
também não é uma boa coisa. Isso ajuda você a ficar composto. Durante o movimento de todo o
tronco você pode perceber o corpo se mexendo claramente. Faça algumas respirações profundas.
Relaxe o corpo, a mente. E depois você vai fazer a plena atenção ao caminhar, que é diferente de um
exercício de caminhada. Não olhe para os pés.
Então você dá um passo, dê um passo para frente, basta outro e aí volta para trás. Aí você move
o outro pé. Toda a sua atenção deve estar nessa área, aqui, até o pé e toda a perna. Então toda a sua
atenção deve ser no movimento da sua perna durante essa primeira parte. Que é muito fácil. Você
se movimenta assim. Se a mente divagar e você tiver pensamentos, volte para a meditação
caminhando. Se houver muitos pensamentos, fique parado e tenha a consciência de “pensando,
pensando”.
Tente evitar, ao fazer a meditação andando, ficar pensando no que vai comer no almoço e
coisas assim, não façam isso. Você tem que prestar atenção a uma coisa de cada vez. Não tente ser
multitarefa quando o assunto for atenção. O cérebro é capaz de ser multitarefa, mas quando o
assunto é atenção, ele não consegue. Isso eu aprendi com a neurociência.
É como se tivesse um foco de atenção, que se você quiser prestar atenção naquilo, o cérebro
tem que pedir permissão para prestar atenção naquilo. E tem outra parte do cérebro que não é essa
responsável pela atenção, que pode fazer várias tarefas ao mesmo tempo. Bem vamos sair da
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
neurociência e voltar para psicologia budista. Na psicologia budista, a mente pode pegar um objeto
por vez em um momento mental. Ou seja, tentar erguer a perna e prestar atenção ao mesmo tempo
à respiração já não dá certo, isso por conta dessa informação de atenção a uma coisa de cada vez,
que a temos da psicologia budista, e agora também da neurociência.
Nos Estados Unidos agora estão dizendo para pessoas não ficarem mandando torpedos,
mensagens pelo celular, ao dirigir. Porque é impossível prestar atenção à mensagem e ao ato de
dirigir ao mesmo tempo. Bom, se vocês já tiveram instruções antes que diziam que é para levantar a
perna inspirando, abaixar inspirando ou alguma coisa assim, vocês até podem tentar fazer, mas o
que eu estou tentando é mostrar para vocês como as coisas podem ser feitas de maneira eficaz.
Então você dá um passo como estou mostrando. E quando você chega lá no final do seu
percurso, você pode girar o corpo, e tenha consciência desse girar. E aí gire o resto do corpo e fique
consciente a este girar. Novamente gire e esteja consciente do ato de girar e gire finalmente
consciente ao ato de girar e volte. Preste bastante atenção no momento de girar porque é nesse
momento que costumamos perder a plena atenção e começar a pensar em sorvete, em praia e em
outras coisas. Então é preciso muito cuidado com esse ponto.
Na segunda parte da meditação andando você divide o passo em duas partes, você ergue o pé
com plena atenção e aí você abaixa. Não é para fazer como se estivesse andando na lua, eu já vi
pessoas fazendo esse movimento. O propósito disso, dessa divisão é para você poder ver claramente
o passo acontecendo. Nessa segunda parte, você tem que observar a sensação no pé. Conforme
você ergue o pé, você tem que ficar consciente do que você realmente está experimentando ali. E aí
ao pousar o pé, você fica atento, consciente ao que o pé está experimentando ali. E não dê passos
muito largos assim, porque não é natural, você pode até cair. Você tem que andar de forma natural
e elegante, muito sutil. Isso é para sabermos para onde dirigir nossa atenção.
Na terceira parte da meditação andando você vai combinar a primeira parte com a segunda
parte. Você ergue o pé, você leva para frente e você pousa. Então preste atenção ao que você
experiencia no seu pé conforme ele sai do chão. Depois você fica plenamente atento ao movimento
da perna antes dela tocar o chão. Então assim que ela toca o chão você presta atenção, você fica
consciente da sensação que você tem no pé. Erguer, levar para frente, pousar, erguer, levar para
frente e pousar. Não precisa olhar os pés e nem fechar os olhos. Cuidado, ao levantar o pé não vá
olhar o que os outros estão fazendo. Se as pessoas estiverem andando errado, não é para corrigir.
Igual aconteceu comigo, havia uma pessoa que ficava olhando as pessoas andando e ficava tirando
fotos, para depois mostrar que elas estavam fazendo errado. Não é para vocês fazerem nada disso.
Ou seja, cuidem da sua própria vida. Se alguém estiver fazendo errado, eles vão acabar aprendendo.
Então talvez nós vamos dar mais instruções depois.
Estou tentando começar essa meditação de uma forma muito gradual. A plena atenção não é
nada do outro mundo de difícil, é apenas aprender a estar no momento presente. Vou acrescentar
mais elementos a essas instruções para podermos construir sabedoria. Então vai haver mais
instruções sobre isso. Agora só quero que vocês estejam plenamente atentos. Então ao fazer a
meditação andando vou mostrar o que podemos fazer para praticar a faculdade da sabedoria.
No começo da minha experiência eu achava que a meditação andando era muito chata. Eu não
fazia, eu tentava chegar a um meio termo de não fazer tudo, fazer um pouco só. Eu queria sentar na
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
almofada, eu queria a almofada. Então comecei a sentir muita, muita dor. Isso foi em 1999 e então
fui falar com o meu professor: “- Estou com muita dor”. E ele falou que eu estava sentindo dor
porque não estava equilibrando a meditação sentada com a meditação andando. Eu cabulava a
meditação andando e ia tomar um chazinho. Eu pensava: “- Não é possível obter muita sabedoria
com meditação andando”. Você pode obter muitos insights ao fazer a meditação andando. Porque
você pode ver claramente a impermanência. Um pé levanta e isso passa. Porque vocês complicam
tanto a meditação? E cada vez que você levanta a sua perna a situação passa e depois você pousa
também. Então é uma forma de fazer uma meditação de insight muito natural.
Sei que já dei bastante instrução, falei bastante, apesar de alguns de vocês já serem professores
de meditação, meditarem a bastante tempo. Mas vocês precisam entender também que tem
iniciantes aqui. E nesse primeiro dia eu quero realmente esclarecer todas as dúvidas de vocês e fazer
algumas perguntas a vocês, porque isso não vai ser feito assim nos outros dias.
Então gostaria de saber de vocês se tem alguma dessas coisas que não está clara para vocês ou
se tem alguma coisa sobre a meditação em pé ou a meditação andando que não está clara?
É o objeto que você observa, é nele que está a diferença. Na primeira parte da meditação
andando ou no primeiro tipo de caminhar você observa a perna inteira, daqui até o pé. E é uma
plena atenção ao movimento, você fica consciente do movimento. Agora quando eu fui explicar a
segunda parte ou o segundo tipo de caminhar, eu até me reclinei para frente e encostei no pé para
mostrar que era o pé que era o foco de atenção e não a perna. Então fico atento ao fato de erguer o
pé e também do pé encostando-se ao chão. Então não fabrique nenhuma experiência, apenas tente
estar plenamente atento a qualquer experiência. Na minha próxima sessão de instruções sobre a
meditação caminhando eu vou dar mais detalhes de como desenvolver a meditação de insight na
meditação andando, é uma extensão da plena atenção. Para conseguir ver mais coisas, por exemplo,
na segunda parte ou no segundo caminhar você vai observar outras coisas que estão acontecendo
no pé, por exemplo: pressão, dureza.
É uma questão de foco, você vai se concentrar no movimento da perna inteira na primeira
parte. E na segunda parte são duas coisas (erguer e abaixar o pé). Um e dois. Na primeira é só uma
coisa. Entendeu? Foi uma boa pergunta.
Pergunta: Queria que explicasse melhor a terceira parte da meditação andando.
Resposta: A terceira parte, ou o terceiro tipo de caminhar, na verdade, é uma combinação. Se
você já estiver fazendo bem o primeiro e o segundo tipo você nem precisa se preocupar tanto com o
terceiro. No terceiro você levanta o pé, e isso faz parte do segundo caminhar, e depois você leva
para frente, e isso faz parte do primeiro tipo de caminhar, e finalmente você abaixa o pé. Então esse
é o terceiro tipo de caminhar. Nesse terceiro tipo tem que ter primeiro plena atenção ao pé, depois
ao movimento como um todo, e depois plena atenção quando o pé toca o chão. Mas no primeiro e
segundo tipo de caminhar era diferente, nós separávamos essa plena atenção. No primeiro tipo não
nos preocupamos com o pé, mas sim com o movimento da perna. Ficou mais claro?
Pergunta: Como é que controlamos o tempo?
Resposta: Se você tiver um reloginho você pode fazer ele vibrar. Se tiver em uma sessão de
uma hora, por exemplo, você pode fazer vibrar a cada vinte minutos. Ou você pode deixar acontecer
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
naturalmente. Você vai caminhando até achar que você consegue ficar mais plenamente atento. Se
você sente que aumentaram a concentração e a plena atenção você pode passar para o segundo
tipo de caminhar. E quando você tiver mais concentração e plena atenção você pode passar para o
terceiro tipo. Agora nesse momento é bom ter um pouco de estrutura, para não pular nenhum
estágio, para não deixar nada de fora. A velocidade não é importante. Você desacelera
naturalmente. Ao fazer o primeiro tipo é só mexer, não é correr. Quando falo que ele é mais rápido
não é que você vai andar rápido, ele é mais rápido comparado com os outros dois tipos. Então não
se preocupe tanto com o tempo. A minha avó não tinha relógio, ela tinha um modo natural de medir
o tempo. Não precisa ser exatamente vinte minutos. Você só tem que garantir que você vai dar um
tempo mais ou menos igual, não precisa ser exatamente igual para cada tipo.
Pergunta: Antes de começar é bom ficar um pouco em pé?
Resposta: Sim, é o que eu disse. Talvez não quinze minutos, mas um ou dois minutos antes de
iniciar a meditação andando. Mas quando estiver no horário que é meditação em pé então você
pode fazer quinze, vinte minutos.
Pergunta: Se eu me distrair tenho que tentar ter consciência do objeto da distração ou
simplesmente retornar?
Resposta: Eu vou dar depois um mapa para este tipo de meditação, mas deixa-me responder
por enquanto. Quando você estiver fazendo a meditação andando, se movimentando assim e, por
exemplo, ao levantar o pé você tem uma distração que te impede de observar o pé. Espere o pé
pousar novamente. Aí você pode ficar atento ao ato de estar pensando, mas só se esses
pensamentos, essas distrações estiverem tirando a sua atenção. Se for muito forte você pode ter
que parar e então ficar em pé, só se for um apego ou uma raiva muito forte. Depois volta para a
meditação andando. Algumas distrações são muito pequenas, elas ficam como que ao fundo, aí você
pode continuar andando. Vai ficar claro essa questão da distração quando eu der instrução para
meditação sentada. Vamos sempre vai acrescentar novos elementos a essas instruções, cada vez
mais. Então hoje é importante entender bem o básico.
Temos tempo para mais uma pergunta, se houver. Porque as instruções para meditação
sentada serão similares, então só vamos estender a lógica da meditação sentada para as outras
meditações. Mais uma pergunta?
Pergunta: Eu fiquei um pouco surpresa com a informação de que não é para misturar a atenção
à respiração com a atenção aos movimentos do corpo. Eu queria saber se é possível usar a atenção à
respiração e aos movimentos do corpo ao mesmo tempo?
Resposta: É uma boa pergunta. Eu comentei o que um médico descobriu recentemente sobre o
funcionamento do cérebro, que o cérebro não é capaz, em termos de atenção, de fazer duas coisas
de maneira eficaz ao mesmo tempo. Por exemplo, se a pessoa estiver dirigindo e estiver fazendo
outra coisa ao mesmo tempo, em caso de um acidente, ou de uma emergência, o tempo de reação
dela é reduzido.
Eu não fiquei surpreso com essa descoberta desse neurocientista porque já sabia disso a partir
do conhecimento budista dos momentos mentais. Portanto, quando amanhã eu der instruções mais
detalhadas sobre a meditação andando, não é para seguir as minhas instruções e tentar também, ao
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
mesmo tempo tentar prestar atenção à respiração. É para fazer uma coisa de cada vez. Ou seja, se
eu atirar em você duas laranjas, você tenta pegar uma ou fica sem nenhuma. Não dá para pegar as
duas ao mesmo tempo. É você que vai decidir como vai praticar, mas estou mostrando para vocês o
que eu fiquei sabendo tanto a partir da psicologia budista como da neurociência. Então, como
professor, desejo que vocês consigam ser mais eficazes e obtenham o máximo do retiro. Não tem
problema em andar e manter a atenção na respiração quando você estiver praticando a atenção
plena na respiração (anapanasati). Na prática de anapanasati a levantamos a perna e inspiramos,
mas então ignoramos todas as sensações do pé e é uma coisa totalmente diferente. Então nós
coordenamos com a respiração, mas nesse caso não prestamos atenção nas sensações da perna ou
do pé. Então cada vez que levantamos a perna, inspiramos, mas isso não quer dizer que você está
prestando atenção na respiração e no movimento ou nas sensações da perna ao mesmo tempo.
Essas instruções que dei da meditação andando são para a meditação de insight, que exige que
você esteja presente. Por exemplo, se vier a iluminação você não vai querer estar com a atenção
dividida, você deve estar com a atenção em lugar só. Está claro? São práticas diversas.
Um professor de anapanasati pode ensinar meditação andando combinada com a respiração.
Mas nesse caso ele não está dando instrução para você prestar atenção nas sensações internas, aos
insights. Na próxima sessão vou dar instruções sobre a meditação sentada. Muito bem, muito
obrigado, eu desejo que vocês tenham um bom retiro, tentem aplicar esses elementos. Quando
vocês voltarem à sala tragam esse mapinha que vocês receberam.
Antes de sair daqui e passar para sessão de yoga eu queria saber quem se perdeu para chegar
aqui levantasse a mão. Treze pessoas. Quem já veio aqui mais de cinco vezes e ainda assim se
perdeu? Legal. Quem precisou pedir alguma informação para poder chegar aqui? Quem também
tinha mapa? Mapa do Google? Mas vocês também se perderam não foi? Tiveram que pedir ainda
informação extra.
Na minha prática, eu já pratico meditação há algum tempo, descobri as minhas dificuldades e
quando comecei a ensinar e então quando comecei a ter entrevistas com os praticantes descobri
quais eram as dificuldades que eles enfrentavam. E com a ajuda de livros e desse meu professor
birmanês que também dava um mapa para os alunos, então eu também comecei a criar esse mapa
para facilitar as coisas. Então, por favor, tragam o mapa para as próximas sessões, antes de
começarmos a meditação sentada precisamos do mapinha. Porque descobri que o mapa faz
economizarmos muito tempo. Então apesar de nós não termos seguido o cronograma certinho de
ficar sentado não quero que vocês percam tempo depois de ter ficado sentado uma hora e ficar com
perguntas na mente de como chegar não sei onde. É por isso que tem um mapa para ajudar vocês.
Eu vou explicar o mapa de forma sistemática então não se preocupem em ler agora que vai ficar
mais claro depois da minha explicação.
Eu estava entre as pessoas que se perderam um pouquinho, mas aí eu pedi informações. O
lugar estava diferente da última vez que eu vim, então eu não podia ajudar muito. Tem um amigo
meu americano que sempre que saímos, nós nos perdemos e ele não usa mapa, não usa GPS e
sempre demora mais de meia hora para chegar a algum lugar. Então agora eu nem deixo mais ele
me levar ao aeroporto porque eu acabo perdendo o meu voo. Por ser monge infelizmente não posso
comprar um GPS para ele, senão eu compraria. E ele tem um carro incrível, um carro lindo e eu falo
para ele “você tem esse carrão, porque você não compra um GPS, custa só cem dólares, você fica
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
demorando quarenta e cinco minutos e se perde”. Lá nos Estados Unidos não é igual aqui, você
chega num posto e não tem ninguém para pedir informação, é tudo automatizado.
Quando eu comecei a meditar eu não tinha esse mapa e aí eu perdia às vezes quinze minutos e
minha mente ficava perguntando, “eu devo ir para cá ou eu devo ir para lá?” porque não sabia como
me orientar, mas agora tenho esse mapa.
Então vamos começar a partir daí com o mapa para o Nibbāna. Espero que tenham uma boa
sessão de yoga e até mais tarde.
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
6 Instruções para meditação em pé
A meditação em pé é uma atividade que requer muita energia. Ela também exige muito esforço
para que possamos nos manter plenamente atentos ao estarmos em pé. E também a faculdade da
sabedoria é muito importante nesse momento porque começamos a ver em detalhes o que está
profundamente, então assim desenvolvemos essa faculdade quando nós nos mantemos em pé.
A primeira coisa a se fazer é relaxar o corpo, pois antes de observar os estados mentais, é
necessário relaxar o corpo. Vamos usar essa regra para a meditação sentada ou caminhando. Não
prossiga com a meditação caso você se sinta incomodada, tente fazer com que o seu corpo relaxe de
alguma forma, mesmo se para isso você tiver que movimentar os ombros para relaxá-lo.
No Qigong e no Tai-Chi, aprendemos que nós não devemos deixar os joelhos travados, pois
assim nos também ficamos travados. Isso não é algo que o Buddha recomendava, mas é algo que
nos foi legado pela tradição chinesa do Qigong e do Tai-Chi de manter os joelhos levemente
dobrados, como se você estivesse abraçando uma árvore. Não é necessário fazer o gesto de abraçar
a árvore com os braços, mas simplesmente manter-se nessa posição bastante estável.
Quando fazemos a meditação em pé, é recomendável que a princípio façamos respirações
lentas e profundas para oxigenar o sangue, o que é algo bastante relaxante. Depois começamos a
respirar normalmente, seja a prática em pé ou sentada, você não precisa controlar sua meditação,
deixando-a acontecer naturalmente.
O outro passo é manter-se consciente de todo o seu corpo em pé. Quando você estiver atento a
seu corpo, dirija a sua atenção para onde você pode mais facilmente distinguir as sensações. Em
ambos os pés, normalmente é possível sentir várias sensações quando estamos em pé.
Na meditação em pé, nós não fechamos totalmente os olhos, porque o corpo costuma se
inclinar um pouco, e esse movimento pode fazer parte de nossa meditação, pois podemos ficar
atentos a esse movimento para nos manter em pé, por isso mantemos os olhos abertos, mas não
olhando para alguém ou alguma coisa, mas para o chão e deixamos os olhos entreabertos.
Quando fizermos isso, podemos sentir certo formigamento, calor, ou pressão, mas preste
atenção ao que está realmente acontecendo, não tente fabricar nada, você não é uma fábrica.
Quando ficamos em pé, podem aparecer pensamentos em nossa mente. Apenas fique atento ao
fato de estar pensando, pensando e pensando e leve sua atenção de volta aos pés.
Quando permanecemos em pé, gastamos uma grande quantidade de energia e essa energia
pode ser usada em meditação em sentada, por isso é importante não cortar as sessões de meditação
em pé. As pessoas acham que a única forma de se atingir a Iluminação é meditando sentado, mas
não é dessa forma, pois do contrário os sapos seriam todos iluminados.
Ao fazer a meditação em pé, tentem se lembrar, pois o estar plenamente atento é se lembrar
de estar no momento presente. Quando se mantiver em pé, tenha certeza que as suas mãos não
estejam nos bolsos ou em outro lugar, elas devem se permanecer relaxadas ao longo do corpo.
Quando praticamos a meditação sentada e sentimos um pouco de sonolência, a posição em pé
é algo que pode ajudar muito, mas é algo que deve ser usado como o último recurso, depois de usar
as técnicas que aprenderemos aqui.
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
O motivo de a meditação em pé ser boa para o sono, é que o sono indica uma falta de energia e
a concentração, dessa forma você aumenta a sua energia. Quando não é causada pelo excesso de
comida, a sonolência é causada por um estado mental em que há um desequilíbrio entre a faculdade
mental da energia e da concentração.
É muito importante limitar a sua meditação em pé a 15 ou 20 minutos, nunca fazer mais de uma
hora, pois ela requer muito energia, mais até do que a meditação andando.
Quando voltamos a nos sentar após uma sessão de meditação, podemos sentir uma diferença
de muito grande por isso é muito importante conhecer essa faculdade da energia ou concentração.
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7 As cinco faculdades espirituais e suas funções
Caros irmãos e irmãs no Dhamma, queria começar a palestra do Dhamma de hoje falando das
cinco faculdades, de como fazemos elas surgirem e porque elas se chamam faculdades espirituais. A
palavra em pāḷi é indriya. Existe essa palavra em sânscrito também, como em indira, de Indira
Gandhi, que é o nome do aeroporto na Índia. Essa palavra quer dizer rei, rei é rāja, mas indira é um
tipo rei que especificamente exerce poder sobre uma área, então nesse contexto aqui ela quer dizer
exercer poder. E aqueles que são familiarizados com a meditação conhecem essas qualidades de fé,
energia, plena atenção, concentração e sabedoria, e sabem que são fatores que utilizamos na
meditação e que cada uma tem um poder que exerce sobre a sua área, então nesse sentido elas
seriam como um rei.
Eu gosto de usar analogias com carros, então você controla a direção utilizando o volante, agora
se você quiser ganhar mais velocidade, você vai usar o acelerador, você não vai mais usar a direção.
Agora se estivermos falando do que nos permite enxergar, dirigir um carro, então estamos falando
do para-brisa e dos espelhos. Porque se não fosse o vidro você não ia conseguir enxergar à sua
frente. Você também precisa dos espelhos, eles são o que permite que você exerça essa faculdade
de ver. Também tem a embreagem, que você precisa para equilibrar o carro. Tem o motor que é o
coração do carro.
Para mim, a direção é como a fé, se você não tiver fé, é muito difícil que seus esforços
espirituais vão para frente. O para-brisa para mim é a sabedoria, porque é o que utiliza para se
enxergar, se ele for escuro ou se não for transparente não dá para ir para nenhum lugar. É muito
arriscado e perigoso você falar “eu não preciso de direção, eu já tenho um carro muito bom”, ou
então dizer “meu carro é ótimo e eu não preciso do para-brisa”. Em um carro, todas as partes são
importantes e precisam ser mantidas.
E você tem que prestar atenção a todas essas partes, porque embora elas funcionem
separadamente, elas também funcionam juntas, todas tem que estar boas para permitir que o carro
ande rápido e de maneira eficaz. Então o que é importante? É a direção ou o motor? O que vocês
acham que é mais importante, para aqueles que dirigem? Os dois são importantes. Quando o
assunto é meditação, a maior parte das pessoas concentra só em plena atenção, outras só em
concentração. E eu queria que nesse retiro nós garantíssemos que vamos prestar atenção em outras
coisas, em mais coisas. Claro que a concentração e a plena atenção, estão incluídas no tema do
retiro, mas não é só isso, eu quero dar o pacote completo.
Em uma escritura o Buddha diz que quando os cinco estão dormindo, os cinco estão despertos,
e quando os cinco estão despertos, os cinco estão dormindo, nós vamos descobrir o que é desperto
e o que é dormindo. Quando as cinco faculdades que estão aqui no quadro, estão adormecidas, os
cinco obstáculos estão acordados. Então é um bom sinal, esses cinco obstáculos que são a raiva, a
dúvida, a agitação, a sonolência e o desejo sensual, se eles estiverem presentes, você sabe que as
faculdades estão adormecidas, e vice-versa. Então, durante esse retiro quero falar desse tema do
adormecido e do desperto, falar de como nós podemos despertar as faculdades espirituais e
também como é que podemos lidar com os cinco obstáculos de maneira hábil.
E em termos de faculdades espirituais, vamos primeiro falar de como podemos despertá-las ou
fazê-las surgirem, hoje, depois vamos falar de como podemos aguçá-las e depois de como podemos
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
equilibrá-las, ou seja, vamos explorar de maneira bem extensa esse tema das cinco faculdades
espirituais.
E o primeiro ponto que gostaria que vocês aprendessem, usando essa comparação do carro, é
que no carro o volante tem controle da direção que o carro vai tomar, o para-brisa tem controle
sobre a função da visão de quem está no carro, os freios exercem controle sobre o ato de parar o
carro, e o mesmo vale para as faculdades espirituais. Assim as diferentes faculdades espirituais têm
a sua função e a sua área de controle, então é importante saber essa correspondência.
A fé, por exemplo, exerce o controle sobre a característica da resolução. Tem uma faculdade
que permeia todas, que é a plena atenção. Você precisa ter plena atenção para poder ter fé. Então,
vamos deixar isso bem claro, cada faculdade tem a sua tarefa, o seu dever, então, o da fé é a
resolução, o da energia é a aplicação. É muito importante saber isso: que a faculdade da fé exerce o
controle sobre a característica da resolução, da mesma forma que o volante ele controla a direção
que o carro toma, e também que a resolução é uma função da fé. A faculdade da energia exerce o
controle sobre a característica da aplicação. A terceira faculdade, que é a plena atenção, exerce
controle sobre o ato de estabelecer, não sei se essa é a melhor tradução, vamos ver até o fim da
sessão. A quarta faculdade, a faculdade da concentração exerce controle sobre a característica da
não distração. Finalmente, a faculdade da sabedoria exerce o controle sobre a visão.
Agora depende de vocês, querer ou não despertar essas faculdades, mas vocês já sabem onde
elas operam. É muito arriscado dizer que você não precisa de fé, você já vai pular de marcha, você
vai deixar de fora aquilo de que você realmente precisa para dar um impulso na sua energia. Essas
faculdades espirituais tem uma conexão causal. Então a fé tem uma conexão causal com a energia,
ou seja, ela se torna a causa e a condição para o surgimento da energia. Então se você deixar de fora
a fé, você não vai ter boa energia. Da mesma forma, a energia se torna a causa e condição para o
surgimento da plena atenção, então, se você não tem plena atenção, provavelmente você não
conseguiu despertar a energia. E a plena atenção se torna causa e condição para o surgimento da
concentração, na realidade a plena atenção constante é igual a concentração. Para resumir, então se
você quiser mesmo obter concentração você tem que trabalhar com sua plena atenção e garantir
que ela seja constante, e é por isso que quando fiz aquele “especial”, escrito assim com cada
letrinha, o “C” era continuidade, porque é importante manter essa plena atenção.
A maior parte das pessoas vem reclamar “eu não consigo me concentrar, não consigo me
concentrar na respiração ou em outra coisa” e esquecem que não têm plena atenção. Elas têm que
ir fazendo o caminho inverso na cadeia causal, isto é, elas não têm concentração porque não tem
plena atenção, não têm plena atenção porque não têm energia e não tem energia porque não têm
fé.
O Buddha falou que a mente concentrada vê as coisas como elas realmente são, então se sua
mente estiver concentrada você com certeza vai ter sabedoria. Então, como vocês podem ver, a
concentração se torna a causa e condição para sabedoria. Mas quando vocês tiverem sabedoria
ainda não é o final, porque você tem que voltar à fé, e nessa hora que realmente você tem que
verificar se essa fé é baseada em compreensão e sabedoria ou se é uma fé cega. É isso que a fé
Buddhista tem de tão especial, você tem que voltar a ela e verificar aquilo que você realmente
compreendeu.
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
Então, por favor, não quero que vocês vejam isso como uma sequência, uma linha reta. Isso é
um circulo porque quando você tiver sabedoria, estiver carregado, cheio de sabedoria e você ver a
verdade do sofrimento, a verdade da causa do sofrimento, ver que você pode sair dessa encrenca e
conseguir ser realmente feliz, que é equivalente a se iluminar, quando você tiver experiência direta
disso, você volta para fé e então vai ter uma confiança que é baseada na sua própria experiência.
Eu dei a visão geral das faculdades, então agora vamos falar especificamente da fé. Na verdade
a tradução da palavra em pāḷi saddha como fé não é uma tradução suficiente. O melhor seria usar a
palavra em pāḷi, mas queremos de fato uma tradução, então o melhor é usar sempre as duas
palavras juntas - fé e confiança - para saddha. Como disse hoje de manhã, a fé é confiar, confiar em
alguma coisa ou alguém. No início envolve uma crença em algum nível, mas é uma crença baseada
na compreensão. E no segundo nível envolve clareza e calma. Se vocês conseguirem lembrar-se
disso, vocês vão ter uma ideia do que é a fé. Assim, quando temos fé e confiança no Dhamma, nós
praticamos o Dhamma, nossa mente se torna clara e nós nos sentimos calmos.
A fé é uma das características daquele que está no primeiro grau de iluminação (entrar na
correnteza). Quem “entrou na correnteza” possui quatro características, sendo que três delas
envolvem a fé. A primeira é a fé no Buddha, a segunda fé no Dhamma e a terceira fé na Saṅgha. A
quarta característica de quem “entrou na correnteza” é conseguir praticar muito bem os cinco
preceitos, ele consegue não quebrá-los. O que essas quatro características querem dizer é que quem
“entrou na correnteza” tem uma fé inabalável no Buddha, no Dhamma e na Saṅgha.
Então, faz todo o sentido começar a cultivar a fé porque é aí que vai terminar a prática, a
meditação vai nos levar à iluminação e o primeiro grau de iluminação, o grau de “entrar na
correnteza” é caracterizado por essa fé imperturbável, inabalável. Então é bom incluir essa
faculdade e cultivá-la, por isso que antes da meditação é importante refletir sobre as qualidades do
Buddha, do Dhamma e da Saṅgha ou pelo menos as qualidades do Buddha por uns dois minutos. E
se não for nas qualidades do Buddha, nas qualidades do Dhamma. Nas escrituras o Buddha disse que
quando você tem fé você se sente feliz e satisfeito, então se você começar a meditar e se sentir
alegre você vai conseguir observar a respiração.
As pessoas vêm e falam “meditar é muito difícil”, mas quem disse que é difícil? Não é nada do
outro mundo. As pessoas querem pegar, agarrar a respiração e ficam vinte e cinco minutos tentando
e não conseguem. Então não é assim, vocês podem ficar tranquilos e relaxar. Vocês vão conseguir se
tranquilizar e refletir sobre as qualidades do Buddha. Então vou explicar como vocês podem fazer
para se tranquilizar de fato antes de começar a observar a respiração. Imaginem que vocês venham
se sentar para meditar e então vão refletir sobre as qualidades do Buddha, uma das qualidades é a
qualidade do Arahant (vocês sabem que Arahant é aquele que se livrou de cobiça, ódio e ilusão). E
se você mantiver essa reflexão por uns dois minutos, o que vai acontecer é que você vai sentir essa
satisfação que surge a partir dessa reflexão, que surge a partir da fé. Quando surge a satisfação,
surge a alegria. Depois disso, tranquilidade. Esses são os frutos de seus esforços, por não ter deixado
de lado a fé.
E se você fizer isso, você pode conseguir realmente meditar tranquilamente, sem ficar nesse
embate, lutando contra a respiração, falando “ah, eu não sou um bom meditador”, se debatendo,
odiando a respiração e odiando a meditação. E você sabe o que acontece com a mente quando ela
está tranquila? Felicidade. Ela vem, você não precisa nem pedir que ela vem, você não precisa ficar
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
pensando “que eu possa ter felicidade enquanto medito, que eu possa estar feliz enquanto medito”,
a felicidade simplesmente aparece. Você não precisa pensar “que eu esteja bem, feliz e em paz, que
todos os seres estejam bem, felizes e em paz” e ir para meditação de samatha, a felicidade
simplesmente aparece.
E vocês sabem o que acontece com uma mente que fica feliz? Ela fica concentrada. Quando as
pessoas começam a meditar elas recebem, às vezes, essa instrução de prestar atenção na
respiração, mas não é assim, como é que ela vai conseguir prestar atenção na respiração se ela não
estiver feliz? Primeiro ela tem que ficar feliz para depois poder prestar atenção na respiração.
Amigos, quero tornar a meditação algo fácil para você, quero que vocês passem dois minutos
fazendo alguma das meditações de proteção como, por exemplo, a reflexão nas qualidades do
Buddha. Apenas dois minutos antes de se concentrar na respiração e essa prática vai dar muitos
frutos, vocês vão ver, e vão conseguir ter um pouquinho de fé e confiança.
E então você vai entrar no efeito bola de neve, ou efeito sinuca (uma bola vai batendo na outra
sucessivamente). O Buddha deu um símile muito bom para mostrar como essa satisfação leva a
alegria, que por sua vez leva à tranquilidade, que por sua vez leva à felicidade, que por sua vez leva à
concentração. Ele falou que quando chove sobre uma montanha essa água da chuva acaba caindo
nos rios, que acabam indo desaguar no oceano. Um vai virando o outro, isto é, a água da chuva vai
virando água do rio que por sua vez vai virando água do oceano, esse processo simplesmente
acontece.
Então, antes de começar a prestar atenção ao ar entrando e saindo verifique se você está feliz,
no corpo e na mente. Acho que a parte do corpo já está bem cuidada porque estamos tendo aula de
yoga, mas você tem que fazer a sua mente ficar feliz também. E se você fizer isso sua meditação vai
fluir muito mais facilmente, você não vai ficar naquele embate, naquela dificuldade para conseguir
meditar.
A outra reflexão que pode ser feita com esse propósito, se você não quiser fazer a reflexão nas
qualidades do Buddha, é a reflexão nas qualidades do Dhamma. Uma primeira qualidade do
Dhamma é que ele é visível aqui e agora, diretamente visível. Sempre que você pratica meditação o
Dhamma está lá, visível aqui e agora. São seis as características do Dhamma, não vou dar todas, mas
eu vou dar mais uma. Outra característica é que o Dhamma é excelente no começo (isso se refere à
conduta ética), ele é excelente no meio (aqui estamos falando de concentração), e ele é excelente
no fim (por conta da sabedoria), ou seja, todo o Dhamma é excelente. Se você fizer a reflexão sobre
essa qualidade do Dhamma você vai ganhar a confiança.
Então, falamos das qualidades do Buddha e do Dhamma, mas não falamos da Saṅgha e da
reflexão sobre o kamma e dos seus resultados, mas só mencionar que é uma das formas de fazer
com que surja a fé. Kamma quer dizer volição, e então você sabe como funciona e você sabe como
os resultados funcionam porque é o que acontece na meditação, você medita e fica feliz, a
meditação é a causa e estar feliz é o resultado.
Uma coisa que não está no quadro é que há quatro tipos de fé, uma é a fé inicial, que ocorre,
por exemplo, quando você ouve falar de Buddhismo, falar de meditação, “nossa, Buddhismo, que
legal, meditação, eu quero meditar, conhecer”, então você fica curioso, ansioso, procura na internet
e encontra a Casa de Dharma. Então é essa faísca inicial, isso é a fé inicial. Vocês que estão vindo
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
aqui pela primeira vez, devem ter tido isso, essa fé inicial, porque senão vocês estariam pulando
Carnaval, e é muito importante reconhecer que isso aconteceu. Se você não tiver plena atenção
suficiente, essa fé vai esmorecendo, você começa esquecer que tinha visto o endereço da Casa de
Dharma. Então, é preciso de plena atenção (que quer dizer se lembrar), é preciso que você se lembre
“ah, pois é, tem esse retiro, eu preciso me inscrever” e então você se inscreve.
Portanto essa faísca inicial é muito importante, acho que todos nós tivemos essa fé inicial. O
segundo nível é a fé desenvolvida, que é a fé que você obtém quando você tem sabedoria. Você
primeiro tem a plena atenção, depois você tem energia, depois você tem concentração, e começa a
ver os resultados, então você passa a ter uma confiança interna. E então você começa a observar a
agitação, o sono, quando um está dormindo, o outro está acordado, etc. e começa a ver que talvez o
ensinamento do Buddha funcione mesmo. Então não é uma fé inicial, ela não envolve um
pensamento, ela vem da prática direta.
Eu vou expandir um pouco, para aqueles que são professores, podem perguntar para vocês,
mas onde é que o Buddha falou de fé? Vocês podem responder que a fé está presente no passo da
concentração correta, que fala da confiança interna, que é pasāda, em pāḷi. Tem gente que fala “ah
não, mas o Buddha nunca falou de fé”, mas não é verdade, a fé está no Nobre Caminho Óctuplo no
item da concentração correta.
O terceiro nível de fé é a fé inabalável, a fé que você obtém quando entra no primeiro estágio
de iluminação ou santidade, que é “entrar na correnteza”, você tem essa fé inabalável. Inabalável
quer dizer que é impossível você convencer uma pessoa, tentando falar para ela “olha, não existe
Dhamma, não existe Buddha, não existe Saṅgha”. A fé daquele que “entrou na correnteza” já é
inabalável, ela nunca vai abandonar essa fé.
O quarto estágio de fé, é a fé sem fé, o que será isso? Eu acabei de inventar essa palavra, a fé
sem fé, mas o que quer dizer isso? Quando você atinge o último nível de iluminação que é o nível do
Arahant, você já se livrou de toda a cobiça, ódio e ilusão e todas as causas do sofrimento. Você não
precisa mais de professor, então você não precisa mais de fé porque você já chegou lá, você já está
lá. Uma pessoa plenamente iluminada não vai precisar de professor.
E é muito importante lembrar que o segundo lugar em que o Buddha falou de fé é naquele que
“entrou na correnteza”. E quando você tiver fé e confiança, você vai ter um interesse alegre, uma
motivação e isso vai fazer com que você obtenha energia, porque a energia aparece quando você
tem interesse em algo. Como um cientista, no laboratório, ele vê alguma coisa no microscópico e
fica fascinado. Ele fala “nossa, essa bactéria”, ele é capaz de passar horas lá, até descobrir o que é,
por que ele está interessado, ele tem uma satisfação e isso dá uma energia para que ele fique até
altas horas lá, sem ver nada acontecendo. Quando você tem fé nos ensinamentos do Buddha, tem fé
que o Dhamma funcione, tem fé que as causas e condições existem, a energia vem, e aí você vai ter
muito interesse na prática. Quando o sino toca você vai pensar “mas porque que o Bhante tocou o
sino, porque temos que fazer essa meditação em pé e depois meditação andando”, você está
totalmente interessado na prática.
Tem pessoas que estão acometidas a essa fé, de uma forma tão forte, que elas até decidem
virar monges. Uma vez na Tailândia um homem, cujo pai era uma pessoa muito rica da Malásia,
decidiu virar monge. Então o pai pegou um helicóptero, foi até ele e falou “olha filho, eu vou te dar
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
um milhão de dólares para você largar dessa história de virar monge”, e o filho disse “não pai, eu
não preciso de dinheiro”. Quando eu vou para Uganda, meus amigos de lá dizem “você nos
abandonou, você devia deixar a vida monástica e se juntar-se a nós de novo. Quem te mandou virar
monge, afinal?”, e eu falei “não, foram mais de dez anos para eu decidir, eu decidi”, mas eles falam
“não, não, alguém forçou você”.
Então tem um elemento de fé que pode fazer com que você decida fazer qualquer coisa,
inclusive observar a respiração, não só para ganhar a concentração, mas para ficar feliz, porque
quando você estiver feliz você vai ficar concentrado. Então você faz o caminho inverso, isto é, em
vez de tentar se concentrar antes, você começa com fé e você vai ficar feliz, vai ter energia, etc.
Porque quando você fizer isso você vai seguir a sequência causal.
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8 O mapinha e os objetos de meditação
Eu preciso fazer uma observação a respeito do mapa. A segunda coisa pior que pode acontecer
além de não ter um mapa é ter um mapa que você não consegue entender. Quando dei esse mapa
eu falei sobre a plena atenção na respiração e que a expansão e contração do abdômen seria o
objeto primário. Um mapa não contém informações detalhadas como, por exemplo, que você tem
que sair do seu quarto, abrir a porta da rua, pegar a sua carteira de motorista, entrar pela porta do
lado esquerdo do carro, o mapa não traz esse tipo de informação. Mesmo no Google não tem um
mapa assim, mesmo o GPS não dá um mapa assim.
Então se aparecerem coisas importantes, por exemplo, se aparecer uma coceira, você deve
observar, mesmo que não esteja no mapa. Você deve usar o bom senso. Eu expliquei que é para
observar qualquer coisa que estiver surgindo no momento presente e esse é o princípio geral, isto é,
se está surgindo no momento presente e se tornou predominante. Com esse princípio você pode
observar então tudo o que surgir. Se estiver praticando a plena atenção à respiração e então surgir
um pensamento sobre chocolate e você estar atento a este pensamento não há problema.
Eu vou me concentrar nas quatro bases da plena atenção, a quarta, por exemplo, inclui os
fenômenos, então ela inclui muitas coisas. De início podemos citar, por exemplo, obstáculos, objetos
que devemos nos livrar. Se vocês se lembrarem de alguns pontos, vocês vão conseguir utilizar esse
mapa. Primeiro, a partir do princípio que citei anteriormente, acredito que a respiração esteja
surgindo no momento presente e que esteja proeminente, e a plena atenção deve ser direcionada a
ela. A próxima coisa é soltar o freio de mão, falamos anteriormente que isso aqui é como o freio de
mão.
Estou usando essa metáfora, mas não é que você vai conseguir eliminar completamente os
obstáculos, mas pelo menos você prepara a sua mente para que não esteja sob a influência deles,
por exemplo, da sonolência. Ontem eu falei sobre a prática de refletir a respeito das qualidades do
Buddha e do Dhamma que ajuda a se livrar ou prevenir da dúvida, é uma pratica de proteção. Há
também a prática de metta, bondade amorosa, esta prática ajuda a se livrar ou prevenir a raiva.
Assim pelo menos a nossa bagagem fica um pouco mais leve. Então depois, conforme você for
progredindo você vai conseguir remover mais coisas, mas pelo menos garanta que você vai remover
um pouco antes de começar. Então inicialmente refletimos a respeito das qualidades do Buddha e
do Dhamma para nos livrarmos da dúvida, esse é o primeiro passo.
Depois que você tiver se livrado desses objetos, desses obstáculos, pode acontecer de você ter
como objeto dominante a dor. Hoje eu vou terminar as instruções e amanhã eu vou falar mais
especificamente sobre como superar os obstáculos, eu vou falar ao longo do retiro sobre isso. Às
vezes a dor pode ter pontos de contato, você pode sentir a solidez em algum lugar. Então o dois aqui
(do mapa) seria a dor e aqui o três (do mapa) a postura sentada, o contato, aqui (no mapa) está a
plena atenção ao ato de estar sentado ou a postura sentada, na verdade é a plena atenção a uma
das quatro posturas (sentada, deitada, em pé, caminhando) e, uma delas é a sentada.
Você pode escolher como objeto de plena atenção tanto a dor quanto esse ponto de contato se
você sentir alguma solidez ali. Então você pode escolher qualquer um dos dois como objeto, não
precisa se preocupar sobre qual você vai escolher. Aqui você pode mudar de marcha sem nenhum
problema porque os dois são internos. No entanto digamos que tenha um objeto externo como o
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
som e outro objeto interno como um ponto de contato e nesse caso você deve escolher o objeto
interno porque o som não leva a concentração, ele não faz surgir à concentração. Quando você
observa pontos de contato você obtém concentração mais rapidamente.
Estamos só na caixa ainda (no mapa), o resto nós vamos falar também, mas será somente um
refinamento destas explicações. O mesmo princípio vai acontecer conforme vamos usando o nosso
mapa. Mas vocês podem se perguntar: “- Que negócio é esse de ponto de contato e postura
sentada?”. Quando eu falo postura sentada significa o corpo inteiro, do topo da cabeça até os pés.
Você pode sentir, por exemplo, a tensão no corpo todo, onde houver. Já ponto de contato, por
exemplo, a tradutora está aqui sentada formando um triângulo, então os joelhos são pontos de
contato com o chão, o tornozelo esquerdo e direito também são pontos de contato, a nádega
esquerda e a nádega direita, e também quando você está tocando as mãos tem um ponto de
contato ali. Notar os pontos de contato é muito bom quando você está com muita sonolência. Então
quando estiver com sonolência saia da plena atenção à respiração e passe à atenção aos pontos de
contato porque vai aumentar a atividade mental.
Pergunta: Por que o som não é um objeto tão bom quanto à dor, já que observando ele posso
ver as três características de impermanência, insatisfatoriedade e não-eu, como o Bhante falou?
Resposta: Porque o som passa muito rápido, por exemplo, se for um avião ele passa e vai
embora, ao passo que a dor, por causa dos elementos que estão no corpo, dá um fornecimento
constante, um solo fértil para você. Você pode se iluminar observando quaisquer dessas coisas, mas
quero que você treine para não pular de marcha na hora de dirigir. E também para que você se
acostume com o território da mente e não se perca nesse monte de coisas que aparecem, porque
aparece muita coisa. Se você consegue se perder vindo de São Paulo para Vinhedo mesmo depois de
já ter vindo três vezes, imagine a mente que não dá para enxergar. Então não quero que você se
perca, por isso eu falei para você ter esse foco, essa é a minha preferência.
Surgem mais coisas na meditação além dessas que eu mencionei. Muita coisa vai surgir, mas
você pode usar esse princípio, do que surgir no presente e é predominante. Muito obrigado por
ouvir. Espero que eu tenha dado o conteúdo que eu precisava dar e agora cabe a vocês praticar.
Vamos passar para uma área interessante das nossas instruções finais de hoje, comer. É uma
área muito interessante. É aí que perdemos boa parte da nossa plena atenção. Sentamo-nos e nos
concentramos, ficamos com plena atenção e seguimos todas as instruções que foram dadas e
estamos quase chegando à iluminação e, então, toca o sino para o almoço. Agora é hora do almoço.
Nós somos bons meditadores, não somos meditadores maus, sabemos nos guiar, temos o mapinha.
Agora vamos comer, aqui está o nosso prato. Comece a observar a sua mente, mesmo antes de
começar a comer, no momento de se servir, se você percebe que o seu pescoço está ficando meio
comprido, ficando pescoçudo, um pescoço de borracha, tentando ver o que tem ali o que tem lá, é
um bom convite para observar o que está acontecendo na mente, em termos de preferências: “- Eu
vou por um pouco mais disso, um pouco menos daquilo”. Então você vai estar plenamente atento
aquele estado mental antes de começar a comer. Como estamos só fazendo duas refeições é muito
fácil acontecer isso, porque você quer compensar. E o que aparece na mente na hora de comer não
é dúvida, sonolência, agitação, mas aparece a aversão e o desejo sensual.
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
Então tem pessoas que vieram de diferentes partes do Brasil e olham a comida e pensam “Mas não é isso que eu como no Recife ou na Bahia. Não é a comida que eu estou acostumado a
comer” então é muito fácil ter esses desejos e aversões. E vocês têm que garantir que vão observar
as suas mentes ao comer. Então quando você está se servindo e percebe que aparece o desejo
sensual ou se não tem aquilo que você está acostumado a comer, você observa, “aversão, aversão”
e volta para o corpo, isso é a plena atenção. E então quando você pousar o seu prato, olhe para
comida e fique consciente do ato de estar olhando a comida isso é uma parte da plena atenção. Não
nos alimentamos apenas para dar o combustível para o corpo, mas também podemos transformar a
hora de se alimentar numa prática de plena atenção que não só alimenta o corpo, mas faz com que
ganhemos sabedoria.
Você está então segurando o seu talher e então fique consciente do seu movimento de pegar a
comida com o talher, “movimento, movimento”. E então conforme você põe a comida na boca e
mastiga preste atenção às diferentes sensações no interior da boca. Você pode sentir alguma coisa
dura, mole, sentir um calor. E tente ficar consciente dessas sensações conforme você mastiga, mas
não exagere. Você precisa saber o que está acontecendo e não ficar procurando coisas para pensar.
Não tenha nenhuma conceitualização, apenas a experiência direta.
Na medida em que você engole você fica consciente de que está engolindo. E lembrem-se,
quando estiverem comendo não é para colocar uma porção na boca e já ir com o talher para pegar
outra e, no meio do caminho, você já está mastigando. Isso não é um sinal de boa plena atenção.
Você está dividindo a sua atenção, você está ao mesmo tempo mastigando e já está com a colher ali
cheia esperando a sua vez. Ou então colocar mais comida na boca antes de engolir a comida que já
está nela.
O que eu faço é pousar o meu talher, mastigar e depois de engolir eu posso pegar outra porção.
Mastiguem bem, quando vocês mastigam bem vocês ficam satisfeitos até com pouca comida. Agora
quando você fica enfiando na boca uma porção atrás da outra você nem sabe nem vê a hora que
você fica satisfeito.
Hoje eu realmente quis cobrir todas as instruções de meditação e todo o mapa. Mas nos outros
dias durante essa sessão da manhã eu vou falar no máximo trinta minutos sobre como superar os
obstáculos e o resto vai ser meditação. Então como eu tenho que ser traduzido, talvez então em
meia hora eu fale somente quinze minutos. Está claro, gente? Ou não?
Eu não ensinei meditação deitada por motivos óbvios, são vários motivos. Mas a meditação
deitada completaria as quatro posturas. Quando vocês forem deitar fiquem atentos ao movimento.
Então ao se encostar-se ao travesseiro observe a dureza ou a maciez do toque, o contato e então
vocês podem meditar.
Levante a mão se houver alguma pergunta, por favor. Em relação ao que fizemos ontem e hoje,
porque acrescentamos novos elementos hoje.
Pergunta: Quando chega um pensamento na meditação você precisa observar o motivo
daquele pensamento ter surgido ou você apenas o deixa passar?
Resposta: Se você olhar no mapa você vai ver uma categoria sobre pensamento, então você só
fica consciente do ato de estar “pensando, pensando” e aí volta para o seu objeto de meditação.
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Palestras do Retiro de Carnaval com Bhante Buddharakkhita – Fev. 2010
Você sempre tem que voltar para o seu objeto. Fique atento, consciente de que houve pensamento
e então volte para o objeto. Na vipassana a nós não excluímos nada, tudo se torna matéria prima
para obter sabedoria. Se o pensamento te dominar, se for muito forte, então você pode passar mais
tempo com ele e observar nisso a impermanência, insatisfatoriedade e o não-eu, mas se não for
forte você fica atento a ele e rapidamente volte ao seu objeto. Não se preocupe, vamos detalhar isso
antes das sessões, mas isso é uma pratica padrão e você vai conseguir fazê-la.
Pergunta: Em pé, sentado, andando, qual é a quarta postura?
Resposta: Deitada, mas não é para fazer aqui, é para fazer na sua cama antes de dormir.
Tem mais alguma pergunta? Mais uma então? Se tiverem mais perguntas, precisarem
esclarecer mais dúvidas venham nas sessões das entrevistas.
Pergunta: E se eu produzir algum som?
Resposta: Então você fica atento ao ato de ouvir. Quanto você está meditando e ouve um som
você está consciente ao ato de ouvir um som. Mas não quero dizer que é para você ficar distraído
prestando atenção nos sons dos aviões passando. Ou seja, o objeto que produz o som não é
importante, o que é importante é estar atento ao ato de estar “ouvindo, ouvindo”. Se ainda assim
você desenvolver um pensamento com base nesse som, então você fica atento ao ato de estar
“pensando, pensando”. O que não pode acontecer é você ouvir um avião e ficar pensando sobre
sons, você acaba assim fazendo o caminho inverso. Isso também com os outros sentidos, você
precisa aguçar a sua atenção. Por exemplo, agora que eu estou aqui na frente e você está vendo um
objeto visual e você está pensando: “– É um monge”. E você pode trazer a atenção a essas duas
coisas não tem problema. Se por exemplo você estiver no vácuo, você não pode ouvir o som do
carro, mas pode vê-lo. Não é importante de onde vem o som, o que é importante é o ato de estar
escutando. E se a partir desse som você se vê pensando: “- Esse som veio de mim” você fica atento
ao ato de pensar, “pensando, pensando”. Não importa de onde vêm os sons o que importa é o fato
de ouvir, ficou claro? Você tinha entendido que não era para prestar atenção a sons externos, mas
eu estava falando de preferências. O que eu tinha falado é que se houver dois objetos um externo
como o som, por exemplo, e outro interno. Você deve dar preferência para o objeto interno porque
o objeto externo não vai levar a concentração.
Eu falei que se vocês usarem essas diretrizes vocês podem prestar atenção em tudo, tudo que
aparecer. E eu dei essas condições para que vocês possam realmente afiar bem as suas faculdades,
para elas ficarem bem aguçadas. Para vocês não serem meditadores medíocres, mas sim bem
experientes. No vipassana observamos tudo que aparece desde que seja algo proeminente e que
esteja surgindo no momento presente. Devemos saber distinguir entre conceito e uma realidade
absoluta. Alguns objetos de meditação que envolve imaginação, pensamento, raciocínio fazem parte
da meditação de samatha, não vipassana.
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9 O que é adequado para a prática
Ontem falamos de aguçar as faculdades espirituais, falamos do item três que era a habilidade
de manter, de dar continuidade a esta consciência, fazer as notas mentais. Falamos também dos três
“Cs” (continuidade, concomitância e concentração). Também falamos que a melhor forma de
manter esta plena atenção contínua é ter a plena atenção clara contínua do propósito disto, porque
se não soubermos o propósito não vamos nem nos importarmos de manter esta plena atenção
contínua.
Falamos que um dos propósitos é purificar a mente, e este propósito é muito importante,
porque se você tiver este propósito os outros quatro vêm automaticamente. É como se você
comprasse um e ganhasse quatro de bônus. Também falamos da adequação do nosso propósito,
então é muito importante que nosso propósito esteja correto, mas se a ocasião ou o local não forem
adequados estas circunstâncias não vão nos permitir manter a plena atenção.
Falamos do propósito da meditação, que é purificar a mente, mas imaginem que estejamos lá
no Rio de Janeiro, na SBB (Sociedade Budista do Brasil), onde tem muitos eventos e esteja ocorrendo
uma cerimônia de Vesak. As pessoas estariam comendo, haveria crianças brincando, um monte de
coisas acontecendo, e então você começa a meditar, você se senta em postura de lótus completo
para meditar. O propósito é bom, mas a ocasião não é adequada para meditação sentada, talvez seja
mais adequada para uma meditação de compaixão amorosa. Então é muito importante este item da
adequação, e ontem nós falamos sobre isso no nosso estudo de caso com a fala.
De a mesma forma, praticar a meditação caminhando em uma faixa de pedestres não é uma
coisa adequada. O propósito é correto, que é purificar a mente, mas chegar numa faixa de pedestre
e ficar notando lentamente “levantando, levantando”, “mexendo, mexendo”, em uma rua de São
Paulo como a Av. Paulista, não é algo adequado. Então vocês têm que tomar cuidado com isso.
Então o que você poderia fazer em um caso destes seria cruzar a Av. Paulista e ir naquele parque
bonito que tem lá. É um parque grande e lá você pode se sentar ou fazer meditação caminhando por
lá. Então adequação é muito importante.
Então o terceiro item é o território, o domínio, que tem que estar dentro das quatro bases da
plena atenção, e o quarto é alguma coisa que leve ao fim da delusão. Então vamos a continuar a
partir do item quatro, que é considerar as situações adequadas. Se você realmente quiser praticar
bem a meditação eu acho que você deve considerar se a comida que você come é adequada para a
prática. Tem que ser uma comida que te caia bem.
Eu enfrentei dificuldades com a comida quando fui lá à Birmânia, pois não estava acostumado
com a comida e, consequentemente tive prisão de ventre. Então se vocês estiverem considerando
viajar para os EUA, para Uganda ou para Birmânia, para participar para um retiro, vocês tem que se
preparar para se adaptar a alimentação local. Esta adaptação é muito importante, porque nós
comemos aqui no Brasil algumas coisas, e as pessoas de outros lugares comem coisas diferentes.
Quando você estiver em um lugar não saia comendo de tudo. Primeiro você deve perguntar às
pessoas nativas do local “para que serve isto?”. Então elas vão te falar que isso é para digestão.
Também não só não sair comendo tudo que venha pela frente, mas também não deixar de comer
alguma coisa sem saber do que se trata porque de repente é justamente aquilo que os locais usam
para ajudar na digestão.
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Você tem que comer alimentos que sejam nutritivos, para que você tenha o equilíbrio com a
sua comida e obtenha os nutrientes de que você precisa. Claro que tem as pessoas que são mais,
digamos assim “naturebas”, que são mais ligadas à alimentação saudável que ficam prestando
atenção em gorduras saturadas, em imunidade, etc., mas em um grau mínimo você tem que ter uma
comida que seja nutritiva. Você sabe que a comida é uma das condições de suporte do corpo e não
se deve esquecer-se dessa interdependência entre corpo e mente.
O clima também é muito importante para você praticar bem a meditação. Por exemplo, nossa
amiga Elca que está aqui, foi lá para o Bhavana, enfrentou condições de neve, então você tem que
ver se você este preparado ou não. Também pode ser um lugar quente demais, e nesse caso talvez
você prefira fazer um pouco mais de meditação andando, já que é difícil fazer meditação sentada
notando “calor, calor, calor”. Então você tem que escolher condições adequadas, e por isto que aqui
a gente vem para cá, é um lugar mais fresquinho.
Se você estiver pensando em montar um centro de meditação talvez o Rio de Janeiro não seja
uma boa ideia. Por esta razão que a SBB fica no bairro de Santa Teresa, que é dois 2 graus mais frio
que o centro Rio. Por isto que estes mosteiros católicos são nestes ambientes, são ambientes que
induzem à contemplação, não é a toa que não ficam em Copacabana. Não estou dizendo que
Copacabana não seja um bom lugar, mas não é tão adequado. Estou falando isto porque pode
chegar um momento em que vocês vão comprar terras e gastar dinheiro com isto, então é
importante que vocês escolham um lugar com clima adequado.
Não estou dizendo que você não deva abrir um local de meditação onde quer que seja, o que
estou falando é que se você tiver opções, você deve procurar as condições que vão apoiar e ajudar
na meditação das pessoas. Isso se você tiver opção, se você não tiver tudo bem. Você também não
deve se apegar a um lugar que seja perto de supermercado ou comércio, pois se as pessoas
quiserem ir elas vão frequentar de qualquer forma. O Bhavana Society fica a duas horas de
Washington, fica meio que no meio do nada, e o meu centro em Uganda também é bem afastado
também da capital, Kampala. Nós temos centro na cidade, não é um local nosso, é um local que
usamos.
Tem um venerável da Birmânia que também tem um centro urbano em Rangoon, capital da
Birmânia e um centro mais afastado, e dessa forma se atende às necessidades dos dois tipos de
pessoas, tanto as que preferem os centros urbanos e como as que preferem os locais mais
afastados.
Estou só dando para vocês um conselho do que eu tenho visto dos diferentes modelos, por
exemplo, nos EUA tem um centro urbano em Boston que as pessoas podem frequentar quando
estão saindo do trabalho durante a semana, mas quando elas querem fazer um retiro de uma
semana elas vão para outro local, em Massachusetts. Estou ampliando um pouco o tema de que eu
ia falar originalmente para compartilhar estas ideias com vocês.
Considerando a adequação em termos das quatro posturas, vamos começar com a postura em
pé. Se você estiver meditando e sentir que não tem energia suficiente você deve ficar em pé. A
postura de meditação em pé contém muita energia, mais do que a meditação sentada e mais do que
a meditação andando, então se você estiver com muita sonolência e já tiver tentado observar a
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inspiração e expiração e continua “pescando”, já tentou vipassana, mas não está conseguindo. O
que você está conseguindo é só cair no sono mesmo, talvez seja a hora de levantar da almofada.
Então, como já falamos, a sonolência vem por falta de energia, porque não há energia
suficiente, basta você assumir uma postura que tenha energia para você superar a sonolência. Agora
a última coisa que você deve fazer quando você estiver com inquietação é meditação em pé, porque
se você fizer isso você vai ficar cada vez mais inquieto e não vai saber de onde vem esta inquietação.
Isso acontece porque, no caso da inquietação, você já tem muita energia e a postura em pé vai
trazer ainda mais energia, o que o tornará ainda mais inquieto.
A outra postura boa para quem tem sonolência é a meditação caminhando. Então se você
estiver em pé já por algum tempo e sentir sono, o que é bem improvável (eu particularmente nunca
vi ninguém dormindo em pé), mas nunca se sabe, tudo pode acontecer, sempre espere o
inesperado. A postura caminhando também conduz a um aumento de energia, então quando você
sente sonolência, você pode começar a caminhar então você vai superar a sonolência. E caso você
ainda sinta sono ao caminhar eu sei uma postura que pode ajudar, é correr, mas não façam aqui no
retiro. Mas na vida diária se você estiver em casa tentando meditar e estiver com muita sonolência
você pode dar uma corrida, eu nunca vi ninguém dormir enquanto corria, mas caso você conheça
alguém que faz isto, por favor, me avisem que eu vou estar bem interessado.
A terceira postura é sentada, que é uma postura que leva a um aumento da concentração
porque exige menos energia. Às vezes quando você está se sentindo agitado, não sempre, mas às
vezes, você pode precisar sentar. Se tiver inquietação demais, e você tiver muito agitado, talvez seja
melhor ir caminhar, e não usar a postura em pé.
A meditação na postura deitada leva a um aumento da concentração também, por isto que a
gente não ensina aqui, porque vocês iriam começar a dormir, iriam começar a ter muita sonolência.
Vocês devem fazer esta meditação, ela também é muito boa, mas na hora de deitar ou de se
levantar.
Então estas são as quatro posturas, vocês devem praticar de acordo com o nível de energia de
vocês. Se estiver baixa e não tiver energia suficiente fiquem em pé, se estiver com energia demais
você pode se deitar, fazer algumas respirações profundas, não aqui, mas deitar num período em que
se estiver sem energia, talvez um pouco antes e depois do almoço. Então vocês têm que ir lidando
com a energia de vocês. Nosso propósito aqui é obter sabedoria, mesmo que fiquemos inquietos e
sonolentos, mas se esses obstáculos não melhorarem com os métodos de vipassana então podemos
fazer uso das posturas de acordo com a energia.
O próximo item é a fala adequada. Muita energia é gasta com a fala, por isto que aqui nós
mantemos o silêncio. Quando você discute política, por exemplo, é difícil depois se sentar e meditar,
nós mantemos este silêncio para aumentar a energia e a concentração. Quando vocês tem
oportunidade de falar, que é durante as entrevistas, esta fala é ligada ao Dhamma, então é uma fala
adequada, por outro lado, mesmo cinco minutos de uma fala inadequada, por exemplo, sobre
política, pode estragar sua prática, se ela provocar raiva em você será algo que vai fazer você perder
muita energia.
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O outro item é ter um professor adequado, certifique-se de que você tenha acesso a um
professor muito bom. É muito importante ter este professor que esclareça as suas dúvidas, porque
se você não tiver acesso a uma pessoa assim você não vai conseguir fazer crescer a sua faculdade da
fé, você sempre vai estar em dúvida. O professor deve ser capaz de esclarecer as suas dúvidas, isto é
o bom senso, mas se você consegue se esclarecer sozinho tudo bem. Entretanto muitas vezes nós
precisamos de um professor, e é por esta razão que nós vimos para um retiro, por essa razão que
nós temos as seções de perguntas e respostas, é por isto que temos as entrevistas.
Por fim, mas igualmente importante, é que deve haver um local adequado, como por exemplo,
um centro de meditação, onde você possa ir para aprofundar a sua prática, isto está nos
comentários. E é também importante escolher um lugar adequado em termos de comida, aqui a
gente não tem esta preocupação, pois temos uma cozinheira ótima, mas é importante que você não
passe fome, porque não dá para meditar passando fome.
Agora é importante lembrar-se do sinal da concentração, este é um ponto muito importante,
básico, ele é fundamental, ele faz parte de sati. Quando praticamos meditação é muito importante
lembrar-nos de como chegamos neste estado mental de concentração. É como se você vier para
Vinhedo seguindo um mapa e quando você chegar aqui você jogasse esse mapa fora. Da próxima vez
que você tentar vir você irá se perder sete vezes porque você não fez a coisa certa, você jogou o
mapa fora. Por esta razão que aqui vocês ganharam um mapinha, e se você acessa este estado
mental tente se lembrar de quais eram os sinais dele. Antes de vir a concentração deve ter
acontecido alguma coisa, tente se lembrar do que foi, o sinal (nimitta) não é equivalente à
concentração, mas ele mostra que você esta prestes a ficar concentrado.
Então suponha que você vai começar a sua meditação, então não é só se lembrar do sinal, mas
também se lembrar de como você chegou neste estado de concentração. Por exemplo, imagine que
você começou uma seção de meditação com bondade amorosa, você começa a repetir as frases de
bondade amorosa e de repente você sente uma alegria, a raiva passa, e você sente aquela satisfação
toda. Você deve marcar este sinal e na próxima vez que você praticar, se teve uma pessoa específica
que fez surgir este tipo de sentimento, por exemplo, a bondade amorosa para o seu tio, você pode
repetir esta prática de bondade amorosa. É como se você tivesse agora um botão de liga e desliga.
Se cada vez que você meditar você quiser explorar novos terrenos então vai demorar para conseguir
se concentrar.
Então supondo que a reflexão sobre as qualidades do Dhamma deixa você feliz, você deve criar
o hábito de praticar estas mesmas coisas antes do vipassana, ou seja, você precisa deixar sua mente
feliz previamente. Algumas pessoas falam “se concentre na respiração, se concentre na respiração”,
mas não é isso. Você tem que deixar a sua mente feliz porque a felicidade é a precursora da
concentração. É bom ter sinais de coisas que levam a esta alegria, não uma excitação ou agitação,
mas esta alegria, então pode ser uma prática de perdão, reflexão sobre as qualidades do Dhamma,
etc., então você deve dedicar uns oito ou dez minutos no começo da prática para isso.
Certa vez eu fiz um retiro de um mês na Birmânia com um monge bem sênior, e nos três
primeiros dias nós somente cultivávamos a bondade amorosa, e isto dava uma alegria tão grande,
nós ficávamos procurando pessoas para enviar bondade amorosa, e só depois começávamos a
vipassana. As pessoas falam muito “preste atenção na respiração, preste atenção na respiração”,
para se concentrar, claro que você pode se concentrar prestando atenção na respiração, mas é mais
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fácil começar pela prática de bondade amorosa ou o perdão. Estou compartilhando com vocês a
forma como eu fui treinado. Neste caso talvez vocês não tenham estes três dias que eu tive na
Birmânia, mas pelo menos vocês podem começar as sessões com a bondade amorosa.
Porque quando você pratica a bondade amorosa você consegue superar aversões sutis, às vezes
quando você esta prestando atenção na respiração e começa a se perder, você pode chegar a pensar
“estou perdendo meu tempo”, e se você pagou pelo retiro pode chegar a pensar “poxa, eu paguei e
não estou obtendo nenhum benefício” e aí você fica ou se concentrando demais ou perdendo
demais o objeto de meditação. Fazendo isso você desenvolve uma aversão à respiração, a
meditação, ao ambiente, e por aí vai. Então é importante tirar este tipo de aversão da frente, e isto é
feito praticando a bondade amorosa, a paciência, o perdão.
Quando você pratica a bondade amorosa você sente esta alegria, e quando você estiver assim,
você passa para a respiração e começa a fazer uma respiração lenta e profunda para passar a
tensão. Então este é um bom jeito de começar, e conforme você vai inspirando, tente inspirar essa
felicidade, porque você já esta com essa felicidade a partir da sua prática de bondade amorosa,
então tentem se lembrar de que a felicidade é muito importante.
Inspirando felicidade expirando felicidade. Eu acho que é uma forma muito mais fácil de
começar a meditação do que tentar agarrar a respiração. Vamos nos levantar e relaxar um
pouquinho, já que todos queremos ser felizes.
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Sobre o Bhante Buddharakkhita
O Venerável Buddharakkhita é um monge
Buddhista ugandense. Nascido e criado em Uganda,
África Centro-Oriental, ele se interessou pelo Buddhismo
enquanto estava na Índia, em 1990. Ele praticou
meditação com professores proeminentes da Índia,
Birmânia (atual Myanmar), e E.U.A. Ele foi ordenado em
2002 pelo Venerável U Silananda. Desde então, ele tem
praticado junto com um monge e erudito do Sri Lanka,
Bhante Henepola Gunaratana no Bhavana Society.
Em abril de 2005, ele fundou o “Uganda Buddhist
Centre”, em Entebbe, Uganda. Desde então, ele tem
ensinado meditação na África, Brasil, e Estados Unidos.
Ele é o Líder Espiritual e Conselheiro do “Flowering Lotus
Meditation Center” localizado em Magnolia, estado de
Mississippi, E.U.A. Além de dedicar seu tempo ao Centro
em Uganda, ele também é professor do “Bhāvanā
Monastery and Meditation Center”, estado West Virginia,
E.U.A. Ele é autor do livro “Planting Dhamma Seeds: The
emergence of Buddhism in Africa”.
Fonte: Planting Dhamma Seeds: The emergence of
Buddhism in Africa
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