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1
ANTÔNIO LINHARES DA CUNHA FILHO
Desenhos Animados e Atuação
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo para obtenção do grau de bacharel
no Curso Superior do Audiovisual.
Orientador:
Prof. Dr. João Paulo Schlittler
São Paulo
2008
2
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, irmãos e avós, que me apoiaram desde sempre.
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, pelas sugestões que ajudaram a definir o rumo deste
trabalho.
E a todos os amigos que me incentivaram e inspiraram. Em especial à
minha prima Flávia, pelo interesse e disposição em comentar o texto, e à Helê, por
sua compreensão e constante demonstração de confiança.
3
RESUMO
O animador é muitas vezes considerado “um ator com um lápis na mão”; ele é responsável
– assim como o artista do teatro – pelo desempenho do personagem na cena. A definição
de atuação nos desenhos animados se desenvolveu ao longo da história do cinema e foi
influenciada pelos princípios de Stanislavsky e Strasberg. O desafio ao se criar os
movimentos de um personagem de animação é dar espontaneidade a um processo por
natureza lento e planejado. É necessário conhecimento sobre caracterização, linguagem
corporal e dinâmica de cena, assim como domínio do desenho e sobretudo pesquisa
através da observação. Ao fim deste trabalho, como complemento ao estudo teórico, é
relatada a realização de um projeto prático, um curta-metragem de animação, produzido
com o intuito de experimentar os conceitos da atuação nos desenhos animados.
Palavras-chave: Desenhos animados. Animação de personagens. Atuação. Performance.
Dramaturgia.
ABSTRACT
An animator is often considered “an actor with a pencil”; he is responsible – like the
theatre artist – for creating the character's performance in a scene. The definition of acting
in animated cartoons was developed through the history of cinema and was influenced by
Stanislavsky and Strasberg's principles. The challenge in creating the movements of an
animated character is to make something which is by nature slow and planned look
spontaneous. Knowledge on design, body language and scene dynamics is needed, as well
as the hability to draw and specially research through observation. At the end of this work,
as a complement to the theoretical study, the making of an animated short is reported –
the project's goal was to try to apply the concepts of acting in animation.
Keywords: Animated Cartoons. Character Animation. Acting. Performance. Dramaturgy.
4
SUMÁRIO
1 Introdução ...................................................................................... 5
Objetivo .......................................................................................... 8
2 Análise da história da animação .................................................... 9
2.1 Os primeiros anos: a mágica espetacular do cinema ........................ 10
As animações rubber hose ............................................................ 18
2.2 Consolidação da indústria e padronização ....................................... 22
2.3 Emoção, dramaturgia e o cenário atual ............................................ 28
3 Atuação nos desenhos animados .................................................. 36
3.1 Conceitos básicos do teatro ............................................................... 36
3.2 A caracterização ................................................................................. 40
Voz ................................................................................................. 41
3.3 Linguagem corporal .......................................................................... 43
Os olhos e as mãos ....................................................................... 46
Mímica e gesto psicológico .......................................................... 50
A caminhada ................................................................................. 52
3.4 A cena ................................................................................................. 54
Reação ........................................................................................... 56
O uso do espaço ............................................................................ 57
3.5 O animador como ator ....................................................................... 59
Quem cria a atuação num desenho animado? ............................ 62
4 O projeto prático .......................................................................... 64
4.1 A história ............................................................................................ 67
4.2 O roteiro ............................................................................................. 70
4.3 Os personagens .................................................................................. 72
Alfredo .......................................................................................... 72
Pedrinho ....................................................................................... 75
Carla .............................................................................................. 78
4.4 A realização ....................................................................................... 80
5 Considerações finais .................................................................... 83
REFERÊNCIAS ....................................................................................... 84
LISTA DE FIGURAS ................................................................................. 85
ANEXO – DESENHOS DE PACO E A FUGA DOS BRINQUEDOS ................................. 87
5
1
Introdução
“Um ator com um lápis na mão”
No cinema e no teatro, o personagem de uma história ganha vida através do
trabalho do ator, apesar da influência do roteiro, da direção e do figurino, entre
outros. A função de vivenciar os conflitos e executar as ações da narrativa,
comunicando um sentimento particular do personagem à platéia, cabe ao ator, que
tem autonomia sobre sua criação. Não há apenas um Ricardo III, mas tantos
quantos tiverem sido os atores das diferentes montagens da peça de Shakespeare;
alguns preferem o Willy Wonka1 de Johnny Depp ao de Gene Wilder.
O ator é de fato o xamã que faz a ligação entre o personagem do texto e o
espectador, transmitindo uma personalidade que não é isenta de seu processo de
construção e sua interpretação pessoal. Para criar empatia do público com o
personagem, o ator antes seleciona os traços com que ele próprio se identifica de
maneira mais autêntica. E a forma como esta “tradução” é feita pode seguir
diferentes tendências, se aproximar de uma corrente teórica ou de outra,
incorporar elementos do “método Stanislavsky” ou das propostas de Brecht. O que
torna a arte do ator fascinante é mesmo este componente essencialmente humano
– não queremos ver o personagem puro, vazio de uma motivação palpável, mas
acrescido de emoção, o que garante realidade à história.
As constatações acima são bastante óbvias – fazem parte de um tipo de
análise já bastante assimilado, inclusive pelo público, quando se fala do cinema ou
do teatro – porém é preciso destacá-las justamente para demonstrar como no caso
dos desenhos animados é raro atribuir a criação da performance ao animador,
apesar de este realizar um trabalho muito semelhante ao do ator, sendo
1 Personagem do livro A Fantástica Fábrica de Chocolates, de Roald Dahl, interpretado no
cinema por Wilder em 1971 e Depp em 2005.
6
responsável pela aproximação entre platéia e personagem. A forma como Frank
Thomas e Ollie Johnston definem o papel do animador evidencia essa analogia:
“O nosso objetivo... é fazer o público sentir as emoções dos personagens,
mais do que de observá-los intelectualmente. Nós queremos que nossos
espectadores não apenas acompanhem a situação murmurando “Ele é tão
bonitinho”, mas que realmente sintam algo do que o personagem está sentindo. Se
conseguirmos, a platéia então vai se preocupar com o personagem e com o que está
acontecendo com ele, e isto é envolver o espectador. Sem isto, um desenho
animado nunca vai prender a atenção do público.” (THOMAS; JOHNSTON)2
O conceito de que o animador é um “ator com um lápis na mão” ainda é
difundido apenas entre os próprios profissionais. O número de textos abordando
ou discutindo a atuação na animação ainda é relativamente pequeno, embora
tenha aumentado recentemente – entre os exemplos, além de livros que dedicam
alguns trechos ao tema como os populares The Illusion of Life e The Animators
Surival Kit, há o mais específico Acting for Animators, escrito pelo ator Ed Hooks,
e alguns textos acadêmicos, como a tese de mestrado de Mark Mayerson Six
Authors in Search of a Character: The Collaborative Nature of Performance in
Animated Films.
Além disso, como grande parte do público tem uma percepção bastante
superficial do processo de realização de uma animação, raramente a intenção
presente na forma como um personagem se move é associada ao trabalho de um
artista – as pessoas ficam maravilhadas em saber que um desenho animado é
composto na verdade por diversos quadros estáticos dispostos em sequência, mas
não chegam a perceber que o modo como estes desenhos se comportam parte de
escolhas individuais dos profissionais. Muitas vezes, a maneira como os próprios
diretores e animadores falam sobre seu trabalho privilegia em excesso os aspectos
puramente técnicos, contribuindo para esta visão de que pouco há de artístico nos
2 THOMAS, Frank; JOHNSTON, Ollie. The Illusion of Life. New York: Hyperion, 1981.
7
desenhos animados.
“Ninguém nunca fala sobre quantos tubos de tinta Picasso usou para pintar
Guernica, o número exato de notas contidas na Rapsódia Azul de Gershwin, ou
quantas expressões faciais Marlon Brando desenvolveu em Sindicato de Ladrões.
Porém, nas poucas vezes em que se discute a arte da animação de personagens,
normalmente são usados dados numéricos mirabolantes, com frases do tipo 'mais
de 23 'esquadrilhões' de desenhos foram usados na produção de Rumpelstilskin. Se
cada folha de papel fosse colocada lado a lado, teríamos mais de 13 vezes a
distância da Terra até Júpiter.' Quando uma forma de arte é descrita de maneira
tão superficial, é fácil perceber porque a animação muitas vezes é considerada mais
como uma técnica aos olhos do público.” (BIRD)3
Algumas personalidades da animação, como o Pernalonga, ganharam
inclusive status de celebridades da cultura pop, adquiriram vida própria e se
dissociaram completamente da imagem de que são criações de alguém, gerando
um fenômeno que ao mesmo tempo demonstra a eficácia da atuação criada pelos
animadores e lhes nega todo o crédito pelo trabalho. O comportamento do
Pernalonga é tão claro para quem assiste que sua maneira de agir parece surgir
naturalmente na tela, e não resultar de uma série de decisões de poses, gestos e
movimentos, apoiada na construção precisa de um personagem convincente.
“Em Hollywood, um homem apresentou a seu filho o diretor Chuck Jones,
das animações da Warner, e explicou que aquele era o artista que criava o
Pernalonga. 'Ele não cria o Pernalonga,' o garoto corrigiu. 'Ele apenas desenha
figuras do Pernalonga'. Figuras do Pernalonga: para um espectador de desenhos
animados, o personagem existe de forma tão real que ele não é criado através da
animação, mas apenas ilustrado por ela. O que tornou isto possível, claro, é que os
próprios animadores também sentiam o mesmo. 'As pessoas falam dos nossos
personagens como se eles tivessem vida. Bem, nós também considerávamos que
eles tinham vida,' diz Jones.”(SCHNEIDER)4
3 BIRD, Brad. Prefácio do livro Acting for Animators (HOOKS, Ed. Heinemann, 2003).
4 SCHNEIDER, Steve. That's all folks. New York: Henry Holt and Company, 1988.
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A atuação, cabe lembrar, é apenas um dos muitos elementos que constituem
um filme de animação, relacionado a um tipo específico de desenhos animados
narrativos que possuem como foco a dramaturgia, e não é fator que torna
exclusivamente a obra boa ou ruim, nem mais ou menos interessante – as
animações que trabalham a representação visual da música, como as do alemão
Oskar Fischinger, por exemplo, oferecem tema totalmente diverso e igualmente
rico. A atuação é, porém, um assunto cada vez mais em destaque, cujas referências
ainda são escassas, e que no momento me desperta grande curiosidade de
pesquisar e experimentar na prática.
Objetivo
Este trabalho de conclusão de curso pretende, ao analisar a história da
animação e abordar os conceitos básicos do teatro, levantar os aspectos que
constituem a atuação nos desenhos animados de forma abrangente, tendo como
recorte central a dramaturgia e a construção, pelos personagens, da empatia no
público.
A monografia está vinculada a um projeto prático – um curta-metragem de
animação 2D, concebido a partir de uma história simples, através do qual busquei
complementar meu aprendizado, colocando em prática os princípios de atuação
estudados – cujo processo de realização também está relatado neste texto.
9
2
Análise da história da animação
Ao longo de seus mais de cem anos de história, os desenhos animados
passaram por diferentes abordagens em relação à atuação dos personagens, ou
seja, aos efeitos dramáticos que se desejava obter a partir da maneira como o
movimento era trabalhado. Embora o uso do termo acting não seja tão antigo
quanto o nascimento da animação – na verdade, o emprego desta definição
tornou-se mais comum devido a cursos e palestras ministrados por atores e
diretores de teatro nos grandes estúdios, à medida que a arte se sofisticava – as
escolhas dos animadores ao construir as ações da cena, desde as experiências
pioneiras, sempre tiveram resultado efetivo no carisma e na profundidade da
personalidade dos desenhos. Portanto, em toda obra animada existe atuação.
Através da observação de trabalhos marcantes da história da animação, sob
o foco da atuação, é possível reconhecer diferentes vetores na representação do
movimento: um mais interessado no efeito visual em si, que flerta com o nonsense,
outro que busca impressionar pelo realismo e é fruto da padronização imposta pelo
mercado, e finalmente um outro pensado a partir da construção dramática. Estas
tendências não constituem propriamente estilos ou escolas, mas formas diversas
de pensar a dramaturgia dos desenhos, ligadas a pretensões artísticas e limitações
técnicas diferentes. Esta classificação tampouco está diretamente relacionada com
o desenvolvimento cronológico da história da animação; muitas obras apresentam
simultaneamente aspectos de todas as correntes em maior ou menor grau.
O principal propósito desta análise é exemplificar e definir mais
detalhadamente o conceito de atuação, assim como refletir em que medida cada
tendência se mostra presente no panorama recente dos desenhos animados.
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2.1
Os primeiros anos: a mágica espetacular do cinema
O surgimento do cinema, na passagem do século XIX para o século XX, foi
marcado por uma série de inovações tecnológicas e ocorreu junto ao advento de
outras novidades do mundo industrializado, verdadeiras demonstrações de
prosperidade para a sociedade da época. Tanto as projeções dos primeiros filmes
dos irmãos Lumière quanto a exposição de aparelhos como o zootrópio e o
kinetoscópio se caracterizaram por despertar uma enorme curiosidade no público.
O montador Walter Murch, de O Poderoso Chefão, no livro Num Piscar de
Olhos, especula sobre o futuro da indústria do entretenimento. Ele resolve voltar
ao século XIX e conversar com um freqüentador da ópera, propondo uma
brincadeira que representa bem o espírito que o cinema trazia consigo quando
dava os primeiros passos, ainda como atração de parque:
“... se pudéssemos ao menos abordar aquele senhor de chapéu saindo do
Metropolitan – não, não, ele, aquele com o casaco de pele – e perguntar sobre o
que achou do Tannhäuser a que acabou de assistir. Talvez, se ele concordasse,
pudéssemos acompanhá-lo pela Broadway e deixar a conversa fluir para o assunto
inevitável: estamos em 1899, e naturalmente todos os pensamentos estão voltados
para a chegada do século XX.
O que achou do espetáculo formidável que acabou de ver? Inacreditável! E,
quem sabe, uma palavrinha sobre o futuro da ópera – mais especificamente sobre o
conceito de Wagner de obra de arte total, Gesamtkunstwerk, a fusão definitiva de
música, drama e imagem? Que maravilhas o público estará vendo daqui a 100
anos?
Enquanto ele pára para pensar nessa última pergunta, percebemos por
cima de seu ombro dezenas de pessoas numa loja atrás dele, em sua maioria
homens, jovens e imigrantes, com as cabeças mergulhadas numa espécie de
mecanismo, as mãos girando uma alavanca como num transe. Por acaso, paramos
em frente a uma feira de diversões, e os homens estão operando kinetoscópios e
olhando imagens de jovens mulheres se despindo cada vez mais perto deles.
Diante da previsão do nosso amigo do casaco de pele – um século de ênfase
na cultura e nos triunfos operísticos que vai ofuscar as conquistas do século XIX –
nós, viajantes do tempo que sabemos a verdade, não podemos reprimir o sorriso.
Imagine a surpresa e a repugnância do nosso novo amigo ao saber que as
barulhentas e agressivas engenhocas atrás dele em breve irão se transformar na
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forma de arte dominante do século XX e farão sua própria investida na fortaleza da
obra de arte total; e que, apesar de suas amadas óperas ainda serem encenadas em
1999, e o serão prodigamente, não passarão de adaptações de cânones do século
XIX preservados em âmbar, a versão ocidental do Kabuki japonês.” (MURCH)5
Naquele período, em que o fascínio da platéia era simplesmente ver imagens
em movimento, através de um suporte cujo funcionamento era ainda tão
inacreditável e misterioso, praticamente mágico, não poderia haver nome melhor
para o filme feito em 1900 por James Stuart Blackton que The Enchanted
Drawing (O Desenho Encantado), considerado o precursor da animação. O curta
de um minuto e meio é bastante representativo do conjunto de obras que iniciaram
o desenvolvimento das técnicas de animação, embora os efeitos no rosto do
personagem tenham sido construídos com cortes de câmera simples, e não ainda
uma série de imagens quadro a quadro. Um caricaturista, de terno, se apresentava
diante do público e fazia truques para a câmera, dando vida à figura de um rosto
numa folha de papel – da mesma forma como um artista de circo mostraria um
macaco pedalando um triciclo, ou o dono de um parque mostraria a transformação
da mulher-gorila para visitantes atônitos.
Os trabalhos posteriores de Blackton, como Humorous Phases of Funny
Faces (Fases Humorísticas de Faces Engraçadas), de 1906, assim como os do
francês Emile Cohl (Fantasmagorie, de 1908, entre outros) e mesmo os de Winsor
McCay, que tinha um traço primoroso e desenhava com um nível de detalhe mais
elaborado, mantiveram a mesma essência de priorizar antes de tudo o espetáculo,
buscando cada vez mais efeitos novos e inesperados. Não poderia ter sido
diferente, tamanha era a curiosidade do público e também dos realizadores em
experimentar tudo o que o meio cinematográfico possibilitava – mesmo nos dias
atuais, em simuladores 3D e outras demonstrações tecnológicas, podemos notar
esta busca pelo fascínio dos efeitos que deixa a dramaturgia em segundo plano.
5 MURCH, Walter. Num Piscar de Olhos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.
12
Figura 1: Homem operando o aparelho
kinetoscópio
Figura 3: The Enchanted Drawing (1900)
Figura 2: Rolo de filme no interior do
kinetoscópio
Figura 4: Humorous Phases of Funny
Faces (1906)
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Se por um lado seria exagero dizer que estes primeiros curtas de animação
não tinham história, uma vez que é reconhecível em todos uma linha narrativa
simples, por outro é fácil perceber que a idéia de construção dramática das cenas
não se desenvolvera para além de um esboço tímido, muito menos a ambição do
animador em expressar-se de forma semelhante ao ator, criando a perfomance do
personagem.
Da mesma forma que os primeiros filmes live action (com pessoas em carne
e osso, não de animação) se aproximavam muito da idéia de uma fotografia em
movimento, compostos por um quadro fixo em que ações do cotidiano eram
captadas, como os registros projetados pelos irmãos Lumière na primeira seção do
cinematógrafo em 1895 – La Sortie de l’Usine Lumière à Lyon (Empregados
Deixando a Fábrica Lumière), Le Repas de Bébé (O Almoço do Bebê) e outras oito
cenas curtas – as primeiras animações eram apresentadas como ilustrações que se
mexiam, histórias em quadrinhos vivas. Títulos como Winsor McCay, the Famous
Cartoonist of the N.Y. Herald and His Moving Comics (Winsor McCay, o Famoso
Cartunista do N.Y. Herald e suas Histórias em Quadrinhos em Movimento), de
1911, se repetiam em muitas outras cartelas iniciais das animações do período.
Outra característica comum aos primeiros desenhos animados era a
presença constante do artista como personagem do filme e do ato de desenhar
como ação central da narrativa. Quando não era o próprio animador que se
apresentava em pessoa como anfitrião do espetáculo, uma mão surgia no canto da
tela e um lápis traçava as figuras mágicas que ganhavam vida. O foco ficava tão
centrado na criação do efeito que não se construía o espaço diegético – ou seja, o
universo interno próprio da cena – onde a dramaturgia pudesse acontecer. O
espectador não transpunha a barreira física do papel sobre o qual o desenho estava
representado – esta superfície nunca se tornava invisível, porque o interesse maior
estava na metalinguagem. Nos dias de hoje, logo no início da exibição de um filme
de animação, a pessoa que assiste assume que os personagens apresentados são
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parte de um mundo ficcional ao qual ela concede sua atenção, acreditando nele.
Este modo de olhar, no entanto, não era natural para aquela época.
Terminada a primeira década desde o surgimento dos desenhos animados,
Winsor McCay deu um passo marcante na direção da animação de personagens
que conhecemos hoje, com a criação da dinossaura adestrada Gertie em 1914
(Gertie the Dinosaur). Neste curta, novamente, as sequências de animação eram
intercaladas com cenas do desenhista como mediador da apresentação, e ainda
predominava, como motivação de toda a narrativa, o caráter de espetáculo, de
demonstração da técnica. No entanto, eram perceptíveis duas mudanças
significativas, embora sutis: o estabelecimento de uma relação mais sólida entre
público e personagem, e um pequeno conflito dramático na cena, resultante desta
aproximação de Gertie com a platéia, no momento em que a dinossaura enfrenta o
elefante Jumbo.
A principal contribuição de McCay para o desenvolvimento das histórias
animadas foi dar especificidade a Gertie, tornando-a uma figura única e singular
num período em que os desenhos não passavam de bonecos que se mexiam,
superficiais e uniformes. Friz Freleng6 diz que, nos primeiros anos da animação, só
fazer os personagens se movimentarem já era o suficiente:
“[...] faça-os andar, faça-os correr, faça-os virar de um lado para o outro,
faça-os conversar entre si – em mímica, é claro. Mas não era possível distinguir um
do outro, todos faziam a mesma coisa.” (FRELENG)7
Um diferencial importante em Gertie the Dinosaur era que a personagem
tinha nome, como um animal de estimação, e McCay, no filme, conversava com
ela, ordenando seus movimentos e fazendo comentários.
6 Friz Freleng (1905-1995) trabalhou como diretor e produtor em diversos desenhos, como os
Looney Tunes, mas começou a carreira como animador em 1927, na série Alice, de Walt Disney.
7 FRELENG, Fritz apud HOOKS, Ed. Acting for Animators. Revised Edition. Portsmouth, NH:
Heinemann, 2003.
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Figura 5: Cartaz de Gertie the Dinosaur (1914)
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A dinossaura não chegava a ter uma personalidade complexa, e mesmo a sua
caracterização visual era fraca – num curta posterior, quando Gertie aparece
dançando em meio ao outros brontossauros, nota-se que não há nenhum traço
que a identifique. No entanto, o espectador sabia o nome dela e, ao observá-la
agindo na tela, criava uma relação pessoal, ainda que muito simples. Ao longo das
décadas seguintes, este sentimento de simpatia, baseado no potencial carismático
de personagens como Gertie e Mickey, se transformou lenta e gradativamente em
empatia, ou seja, numa identificação mais sólida do público com motivações e
comportamentos específicos, como os do Pernalonga e Patolino, graças à
sofisticação dos roteiros e das técnicas dos animadores.
Nos anos 1920 surgiram diversos estúdios, como o de Walt Disney e o dos
irmãos Fleischer8, que contribuíram para o estabelecimento da animação como
processo industrial. No aspecto artístico, porém, suas primeiras produções apenas
seguiram a tendência do período de investir na inovação dos efeitos para despertar
o fascínio do público. Desta forma foi criada a série Alice9, da Disney, em 1923, na
qual uma menina visitava um estúdio de animação e interagia com figuras
desenhadas – novamente, portanto, fazia-se uso da metalinguagem. Em Alice, a
aposta para impressionar a platéia era misturar desenhos animados com atores em
live action em uma mesma cena.
No entanto, o grande marco da época, com o qual a técnica de animação se
tornou mais expressiva, foi a introdução do som sincronizado, consolidada com o
desenho da Disney de 1928 Steamboat Willie (O barco a vapor “Willie”) – outras
animações sonoras haviam sido feitas anteriormente pelos irmãos Fleischer,
porém sem a mesma repercussão.
8 Max e Dave Fleischer fundaram em 1921 o estúdio Fleischer, de onde saíram personagens como
Koko the Clown, Popeye, Bimbo e Betty Boop.
9 Não se deve confundir esta série, em preto-e-branco e muda, com o longa-metragem de
animação também produzido pela Disney Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland,
1951), adaptado do romance de Lewis Carroll e com características estéticas completamente
distintas.
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Figura 6: Mickey Mouse em Steamboat Willie (1928)
Figura 7: Cenas de Skeleton Dance (1929), também do estúdio de Walt Disney
18
Lançado um ano após o sucesso do longa-metragem live action The Jazz Singer (O
Cantor de Jazz)10, Steamboat Willie era estrelado por Mickey Mouse, em sua
terceira aparição no cinema, e tudo no curta era motivado pela novidade musical:
até os dentes de um boi sorridente tinham som de xilofone. Os desenhistas da
Disney aprimoraram o domínio sobre o uso da banda sonora em Skeleton Dance
(A Dança dos Esqueletos, 1929), no qual o ritmo dos movimentos era trabalhado
em função da batida da música.
A trilha musical passou a ser elemento fundamental nas animações do
período. A maioria das séries de desenho animado eram entituladas como uma
coleção de canções: em 1929 surgiram as Screen Songs (Canções da Tela) do
estúdio Fleischer e as Silly Symphonies (Sinfonias Tolas) de Walt Disney; nos dois
anos seguintes, em referência ao título da Disney, a Warner criou suas séries
Looney Tunes (Músicas Malucas) e Merrie Melodies (Melodias Alegres)11.
As animações rubber hose
A construção das cenas a partir do som influenciou gradativamente os
desenhistas e definiu o estilo conhecido como rubber hose (mangueira de
borracha). As animações se caracterizavam por personagens arredondados e de
braços finos, que se mexiam como elástico, mudando de forma livremente. A
flexibilidade era usada para casar a imagem com a música – mais do que agir em
função da história, os desenhos pareciam estar dançando o tempo todo. Os
desenhistas chegaram a adaptar a estrutura normal do movimento de uma
caminhada para que os personagens nunca perdessem o ritmo dançante: em vez de
10 The Jazz Singer (1927) foi o primeiro longa-metragem com diálogos e representou o início da
transição entre o cinema mudo e o cinema sonoro.
11 Estas séries da Warner, produzidas por Leon Schlesinger, durariam até os anos 60, revelando
diretores como Tex Avery, Chuck Jones e Bob Camplett, e personagens como Pernalonga,
Patolino e o Coiote.
19
o tronco do boneco oscilar para cima e para baixo apenas uma vez a cada passo (de
forma convencional e obedecendo à física do peso), o corpo subia e descia duas
vezes a cada movimento de perna. A nova maneira de andar, denominada double
bounce walk, garantia um movimento mais frenético e acentuado.
Como relata Steve Schneider, o espírito de invenção e a liberdade criativa do
período levaram ao limite as possibilidades da animação de criar mundos
impossíveis, com passagens que se valiam sobretudo do nonsense e do inesperado:
“Na infância do cinema de animação, nas décadas de 1910 e 1920, os
desenhos eram repletos de imagens bizarras, surreais, criadas a partir da livre
associação de idéias. Pioneiros exemplares como os irmãos Fleischer e os
animadores do gato Félix enchiam cada quadro de suas produções com
movimentos impossíveis e visões fantásticas – escadarias retorcidas, apartamentos
falantes, caudas que se separavam do corpo, metamorfoses (um cão se
transformava em uma janela; um nariz virava uma minhoca).”(SCHNEIDER)12
John Kricfalusi, animador contemporâneo, criador da série de TV Ren &
Stimpy em 1992, é um grande saudosista dos desenhos antigos e elogia
frequentemente as cenas animadas por Grim Natwick, um dos desenhistas mais
importantes da época, como uma sequência do curta dos estúdios Fleischer
Barnacle Bill (1930) – Bill e Betty Boop conversam, e de repente o sofá em que
estão sentados ganha vida e começa a cantar; há inúmeros outros momentos
inusitados: um navio cria pernas e anda sobre a água do mar, um raio se
transforma em gente e dá um soco no vilão no meio da tempestade.
“Naquele tempo, todos – produtores, animadores e público – esperavam
que os desenhos animados fossem imaginativos. Grim cumpria este papel com
maestria.”(KRICFALUSI).13
12 SCHNEIDER, Steve. That's all folks. New York: Henry Holt and Company, 1988.
13 KRICFALUSI,
John.
All
Kinds
of
Stuff
(blog).
Disponível
em
http://www.johnkstuff.blogspot.com/2007/11/grim-in-barnacle-bill.html. Acesso em 9 dez.
2007.
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Figura 8: Um raio se transforma em pessoa em cena de Barnacle Bill (1930)
Figura 9: Personagem em estilo rubber hose dançando, na série Merrie Melodies
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Contudo – apesar de o estilo rubber hose ter marcado o início da história
da animação, dando características próprias aos curtas em desenho animado,
diferenciando as regras de seu universo em relação ao cinema live action e
incorporando de maneira fundamental a noção de ritmo no movimento dos
personagens – o conceito de atuação permaneceu submisso às piadas e à música.
O humor não partia das ações dos bonecos ou de sua personalidade; pelo
contrário, o trabalho do animador estava condicionado a corresponder a gags prédefinidas. A variedade de expressões faciais era praticamente limitada a rostos
clichês e à repetição de fórmulas da ilustração e dos quadrinhos – o vilão
permanecia com a sobrancelha franzida e com os dentes à mostra durante todo o
desenho; já o mocinho estava sempre sorrindo. O que acontecia na tela despertava
a atenção do público, mas não havia nuances, tudo era muito direto e superficial. A
evolução da técnica ainda não havia aproximado os personagens do espectador.
Em um período de curtas visualmente tão criativos como os dos anos 1930 –
que inclusive experimentavam temáticas adultas como o sexo, no caso de Betty
Boop –, parece contraditório dizer que a animação de personagens não havia
atingido em cheio seu potencial; porém, de fato, a inventividade dos animadores
ainda estava aquém do que seria feito em décadas seguintes em termos de atuação,
por animadores como Tex Avery e Chuck Jones, quando a força dramática das
situações e o comportamento dos personagens ampliaria o impacto das piadas
visuais.
De qualquer forma, é inegável que o estilo rubber hose definiu os princípios
básicos de animação estudados até hoje – como antecipação, squash e strech,
aceleração, movimentos secundários, ações sobrepostas, entre outros – formando
uma base a partir da qual outras técnicas se desenvolveram. A grande herança que
os desenhos daquele período deixaram é sem dúvida a importância de se usar a
criatividade e a imaginação em um meio artístico tão livre como a animação.
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2.2
Consolidação da indústria e padronização
A partir da segunda metade da década de 1930, os desenhos animados
começaram a se transformar e o estilo rubber hose aos poucos foi dando lugar a
técnicas mais contidas, com um traço que buscava ser mais limpo e realista. Esta
tendência foi iniciada por Walt Disney, cuja ambição era desenvolver ao máximo o
potencial da animação, a ponto de torná-la um meio artístico com o mesmo
prestígio do cinema live action, e inclusive ter retornos de bilheteria semelhantes.
O grande investimento do estúdio para atingir este objetivo foi lançar o
primeiro longa-metragem americano de animação, Branca de Neve (Snow White)
em 1937. O filme levou três anos para ser produzido e teve um orçamento de 1,5
milhão de dólares, bastante acima da média da época; o grande sucesso após a
estréia representou o reconhecimento da empreitada de Disney, da qual muitos
duvidavam, e de fato marcou o aprimoramento das técnicas de animação.
Em termos de atuação, Branca de Neve apresentava uma mistura de dois
estilos diversos que se tornaria comum nos longas-metragens de animação 2D.
Conviviam na história personagens humanos, que tinham um tratamento visual
naturalista, proporções equilibradas e movimentos estudados cuidadosamente
para serem fiéis aos de atores do cinema – o caso da protagonista, da bruxa e do
príncipe encantado – com outros bonecos que se moviam de maneira mais livre e
cômica, incorporando antigos fundamentos do rubber hose e aprofundando o uso
das posturas corporais e expressões faciais para dar especificidade aos desenhos –
cada um dos sete anões aparentava ter personalidade própria. Ambos os tipos de
personagens integravam a nova abordagem da Disney14, cujo objetivo era ampliar o
caráter meramente humorístico das animações e criar narrativas mais complexas,
com cenas tão perfeitas e críveis quanto as da vida real.
14 O estilo empregado nos longas-metragens da Disney é chamado por alguns de full animation;
este termo também define as animações em geral que utilizam um grande número de desenhos
para cada movimento, em oposição à limited animation de séries de TV como Os Flintstones.
23
O rumo adotado pelo estúdio refletiu rapidamente nas produções dos
concorrentes, e no fim dos anos 1930 a influência de Branca de Neve era
perceptível até mesmo na personagem Betty Boop, dos irmãos Fleischer, uma das
maiores representantes do estilo rubber hose. O desenho de Betty mudou
gradativamente desde o seu nascimento como uma cachorrinha poodle, passando
depois a ser representada como uma garota, e nos últimos episódios de sua série,
em 1939, seu corpo tinha proporções mais próximas às de uma mulher adulta, com
a cabeça menor – as mãos gordinhas, antes um traço marcante, ficaram finas e
discretas – e ela se movimentava de forma suave e delicada; o que ela tinha de
cartunesco aos poucos foi deixado de lado, o que acabou descaracterizando-a.
No entanto, não se deve atribuir o desaparecimento do estilo rubber hose às
mudanças feitas pela Disney, supostamente a principal responsável por sufocar um
estilo tão vivo e imaginativo como aquele do início dos anos 1930. Na verdade,
como já apontamos anteriormente, o desgaste da estética rubber hose aconteceu
naturalmente, em grande medida devido a sua incapacidade de oferecer ao público
uma experiência mais densa e uma relação mais sólida com os personagens.
O desejo de Walt Disney era usar a animação para suprir as carências
práticas de realização do cinema live action – o documentário de divulgação de
Peter Pan (1953), por exemplo, dizia que o filme representava a imaginação de
James M. Barrie, autor da peça, de forma mais fiel do que qualquer outro meio
artístico, pois somente em um desenho animado era possível um garoto voar:
“Com sua decisão de transformar Peter Pan em filme, Disney esperava
realizar os sonhos de Barrie, que só podiam ser sugeridos no palco. [...] A delicada
tarefa de transportar as criaturas da imaginação de Barrie para a tela dos desenhos
animados foi empreendida. [...] A cachorra Naná não era mais um ator escondido
num figurino. [...] A famosa fada Sininho, no palco, só podia ser vista como um
foco de luz dançante. Agora, finalmente, tinha a chance de mostrar sua
personalidade.” (transcrição de trecho do áudio do documentário The Peter Pan
Story, de 1952, produzido pela Disney para o lançamento do filme).
24
Além de garantir aos filmes grande apelo comercial, o conceito da Disney,
de que a animação seria uma extensão das possibilidade do cinema e do teatro, de
fato fez com que os animadores atingissem um nível de realismo e controle dos
personagens nunca antes visto. Recursos como a rotoscopia, em que os desenhos
são traçados sobre a filmagem de atores reais, foram aprimorados. Aprofundou-se
o estudo das formas do corpo humano e da mecânica do movimento, e ampliou-se
a gama de referências utilizadas pelos artistas, os quais passaram a pesquisar
técnicas de teatro e dança. Grande parte das sequências das histórias eram
filmadas ou encenadas no palco por atores contratados, para que os animadores
pudessem observar a dinâmica da atuação.
Marc Davis15, que trabalhou na Disney naquela época, e Brad Bird16,
animador contemporâneo, comentam a importância desta busca por inspiração em
outras áreas do conhecimento:
“Nós assistíamos a todas as apresentações de ballet, todos os filmes [...]
desde Chaplin a coisas mais incomuns, qualquer coisa que pudesse produzir
crescimento, que fosse estimulante. Todos estudavam constantemente. [...] Todos
nós analisávamos a atuação de Charles Laughton. Todos nós líamos Stanislavsky.
Não perdíamos nada, de fato.” (DAVIS)17
“O que os animadores da Disney fizeram na época foi em parte por
necessidade. Eles estavam inaugurando esta abordagem voltada para a atuação e
eram os pioneiros, por isso não podiam buscar referências no trabalho anterior de
animadores mais velhos. Então tiveram que pesquisar, assistindo aos atores em
filmes live action e no teatro, observando seus familiares em casa, coisas que eles
tinham visto no parque na semana passada. Eles tinham uma variedade de fontes
para desenhar e tudo era material que poderia ser colocado na animação.” (BIRD)18
15 Marc Davis (1913 – 2000) animou a vilã Cruella De Vil em 101 Dálmatas (1961), entre muitos
outros personagens.
16 Brad Bird (1957 – ) dirigiu os filmes Os Incríveis (2004) e Ratatouille (2007).
17 DAVIS, Marc. Entrevistado por A. Edisen. Crimmer's: The Harvard Journal of Pictorial
Fiction, 1975.
18 BIRD, Brad (transcrição de áudio). Entrevistado por A. Gordon e A. Burke. Spline Cast Podcast.
Disponível em http://splinedoctors.com/Podcasts/BradBird.m4a. Acesso em 18 dez. 2007.
25
O trabalho dos principais nomes da Disney do período consolidou o uso dos
termos character animation (animação de personagens) e acting (atuação),
principalmente após a publicação do livro The Illusion of Life (1981), no qual os
animadores Frank Thomas e Ollie Johnston relatavam suas experiências de
trabalho e reuniam os principais conceitos utilizados na realização dos longasmetragens. Criações como as de Milt Kahl – cujo personagem mais famoso é o
tigre Shere Khan, de Mogli (1967) – se tornaram exemplo máximo do que se
poderia atingir com a atuação nos desenhos animados.
Porém, após Mogli, inciou-se um declínio no sucesso e na qualidade das
animações do estúdio – superado em parte apenas com A Pequena Sereia em
1989, que iniciou uma breve fase de retomada, encerrada antes dos anos 2000.
Embora haja justificativas externas para o esgotamento do estilo Disney – o
predomínio dos desenhos simplificados da TV e o surgimento da animação
computadorizada, apontado como grande causa da crise recente das produções 2D
– o motivo real foi a falta de apelo dos próprios filmes, que repetiam
exaustivamente temas de contos de fadas e
tinham personagens humanos
padronizados, sem uma caracterização forte que os tornasse interessantes.
Ao mesmo tempo em que as obras do estúdio, especialmente dos anos 1940
a 1960, deixaram um legado importante para as gerações seguintes de estudantes
de animação, também influenciaram a indústria de forma extremamente
prejudicial. Toda a complexidade da atuação dos personagens foi reduzida a uma
fórmula cada vez mais mal imitada. Para a grande maioria dos outros estúdios, e
mesmo para alguns animadores independentes, o formato Disney se tornou a
única referência de sucesso; porém, em vez de priorizarem a qualidade da
animação, o que foi copiado foram os temas e estruturas narrativas das histórias e
os tipos de personagens, gerando uma oferta de desenhos animados homogêneos.
Brad Bird propõe a seguinte análise sobre o declínio da Disney, indicando
como questões de produção tiveram papel decisivo na padronização do estilo:
26
“Não é obrigatório que todo desenho tenha sempre cinco músicas, sendo
uma a do vilão, outra a música do 'Eu quero...' e outra a música romântica que se
repete no final. Mas, sério, para você conseguir o orçamento para produzir uma
animação 2D do tipo full animation, era preciso que alguém comprasse a sua idéia
– e ninguém aceitava idéias que não seguissem o modelo da Disney. Parte do
motivo era que a Disney era o único estúdio que realmente investia em criar uma
equipe, que pagava artistas para serem excelentes animadores; e quando os outros
estúdios produziam desenhos com propostas que divergiam do modelo Disney, eles
o faziam com equipes menos qualificadas que a da Disney, e orçamentos apertados.
Em outras palavras, imagine que nos anos 1930 houvesse um único bom
diretor de filmes e que ele fizesse westerns – imagine que o único diretor talentoso
do cinema fosse John Ford19; então teríamos apenas John Ford e o resto seria um
bando de amadores. Ford fazia westerns e os filmes eram impressionantes,
hipnotizavam o público, os atores eram ótimos, a fotografia era linda. E suponha
que todos os outros gêneros – terror, romances, épicos – fossem feitos por
diretores muito ruins. Então de repente algum produtor executivo chegaria à
conclusão (equivocada) de que a única coisa que funcionava na tela era claramente
western.
O estúdio que mais priorizava a qualidade da animação era a Disney, e o
tipo de história que a Disney colocava nos filmes começou a ser visto como o único
que agradava... os desenhos faziam sucesso e as pessoas acreditavam que o motivo
era a temática das histórias [...] Eu tentei durante anos tirar do papel uma
adaptação do Spirit20, mas era um universo de detetive, de filme noir, baseado
numa história em quadrinhos não tão conhecida – apesar de ser perfeito para
animação! Como não seguia as regras, as pessoas perguntavam: 'onde estão os
animais falantes, onde está a fantasia, onde está o conto de fadas parecido com o
que já vimos antes, onde dá para encaixar uma música?'” (BIRD)21
A homogenização dos tipos de história se repetiu no desenho dos
personagens e na atuação. Muitos animadores passaram a buscar um traço cada
vez mais “correto”, próximo a estilos antes particulares e pessoais, como o de Milt
Kahl, que aos poucos se transformaram no estilo padrão – John Kricfalusi 22 aponta
19 John Ford (1894 - 1973), diretor de westerns como No Tempo das Diligências (1939), Como
Era Verde Meu Vale (1941) e Rastros de Ódio (1956).
20 The Spitit, personagem de histórias em quadrinhos criado por Will Eisner (1917 – 2005).
21 BIRD, Brad (transcrição de áudio). Entrevistado por A. Gordon e A. Burke. Spline Cast Podcast.
Disponível em http://splinedoctors.com/Podcasts/BradBird.m4a. Acesso em 18 dez. 2007.
22 KRICFALUSI, John. The rise and fall of Construction in cartoons. Disponível em
http://johnkstuff.blogspot.com/2007/02/rise-and-fall-of-construction-in.html. Acesso em 14
dez. 2007.
27
que no início dos anos 1970 havia praticamente apenas um tipo de rosto, utilizado
para desenhar qualquer menino (ou menina) nos filmes da Disney e dos outros
estúdios. Atualmente, este “traço Disney” está de tal forma impregnado no visual
das animações 2D, que o bom artista não precisa aprender a desenhá-lo, mas sim a
se livrar dele.
Outra consequência muito nociva aos desenhos animados, sentida até hoje,
foi o surgimento de certo fascínio pelo virtuosismo do “movimento realista” e por
puras demonstrações de domínio da técnica, com a invenção de novos movimentos
de câmara e cenas compostas de cada vez mais elementos e camadas; a
dramaturgia, porém, já não existia. Por ser a animação uma arte difícil, que
demanda muita prática, muitas vezes o animador acaba priorizando a técnica de
forma prejudicial à força da história. Entre os piores exemplos resultantes deste
equívoco podemos citar a adaptação que Ralph Bakshi fez de o Senhor dos Anéis
em 1978, um desenho totalmente feito em rotoscopia, com personagens duros e
movimentos inexpressivos, e Final Fantasy: The Spirits Within (2001), animação
3D que tinha uma proposta de representar seres humanos de forma realista e um
roteiro problemático, que obviamente foi um fracasso, entre muitos outros.
Figura 10: Cena de Final Fantasy: The Spirits Within
28
2.3
Emoção, dramaturgia e o cenário atual
Uma das relações mais fortes que pode ser estabelecida entre um filme
narrativo e o público surge quando os espectadores acompanham o personagem de
forma tão próxima que podem perceber o que ele está sentindo e qual é a
motivação que o leva a agir. A empatia – que pode inclusive ser construída de
maneira a criar a identificação do público pelo vilão, tornando-o mais crível e
assustador – é, portanto, essencial para a força da atuação nos desenhos animados.
A importância da emoção passou a ganhar relevância especial a partir dos
anos 40 e repercutiu em formatos e técnicas diversas de animação, entre eles os
seriados cômicos. Para demonstrar o diferencial que os curtas humorísticos que
incorporaram o conceito da empatia trouxeram em questão de expressividade,
podemos comparar o tipo de piada presente nos desenhos rubber hose dos anos
1930 e o das animações posteriores, como as dirigidas por Chuck Jones e Tex
Avery na série Looney Tunes. As gags visuais, que antes eram apenas “pastelão”,
ganharam dimensão dramática.
“Além de desenvolver uma sensibilidade mais “adulta” na animação de
Hollywood, os animadores da Warner também incorporaram o tipo de liberdade
que marcara o meio nos seus primeiros dias, antes do estilo clássico da Disney. Nos
desenhos da Warner, a maturidade era combinada com uma irreverência jovem
que insistia que, não importava o que acontecesse, tudo era possível. Mais
especificamente, os animadores da Warner levaram o conceito da Disney de
personalizar os desenhos – o qual era baseado na criação de personagens
reconhecíveis
–
a
um
nível
diferente
e
eminentemente
mais
interessante.” (SCHNEIDER)23
Se um personagem como Bimbo, dos estúdios Fleischer, caminhasse rumo a
um precipício e despencasse da uma altura vertiginosa, por mais que a animação
fosse inventiva, seria apenas uma cena inusitada. Não saberíamos nada sobre o
23 SCHNEIDER, Steve. That's all folks. New York: Henry Holt and Company, 1988.
29
sentimento de Bimbo a respeito daquela queda. Quando o Coyote ultrapassa a
beira de uma montanha e anda sobre o ar em um episódio dos Looney Tunes,
porém, existe o momento em que ele olha para a câmera antes de cair e comenta,
com os olhos, sua própria situação para o público.
Podemos traçar um paralelo com as comédias live action e notar as
diferenças entre o estilo de humor puramente físico da série Keystone Cops24 –
caracterizada por cenas de perseguição, escorregões e tombos – e os filmes de
Charlie Chaplin. Como afirma Ed Hooks no livro Acting for Animators, quando
um policial de Keystone Cops enfiava o pé em uma lata de tinta, ele simplesmente
tentava tirá-lo para fora, e a platéia ria dele; quando o mesmo acontecia com o
personagem Vagabundo (the Little Tramp) de Chaplin, ele também tentava se
livrar do balde, mas antes iria olhar para os lados, constrangido, para ver se
ninguém tinha visto sua condição ridícula – e assim, a platéia ria com ele.
“Chaplin percebeu que o público se identificava com sentimentos, não com
pensamentos ou piadas, e buscou maneiras de tornar visíveis as emoções do seu
personagem. O importante não era o que acontecia com o Vagabundo, mas como
ele se sentia sobre o que tinha acontecido com ele.” (HOOKS)25
Esta sofisticação da relação entre público e personagem se deu,
naturalmente, graças ao surgimento de personalidades mais complexas. As
primeiras animações tinham personagens extremamente planos e funcionais, o
que tornava difícil o processo de identificação, como mostra a descrição do
animador Fred Moore para Mickey Mouse:
“Mickey parece ser um garoto jovem comum, de nenhuma idade particular;
mora numa cidade pequena, tem uma vida tranquila, adora se divertir, é
atrapalhado com as garotas, educado e inteligente conforme a necessidade da
24 Série produzida por Mack Sennett entre 1912 e 1917.
25 HOOKS, Ed. Acting for Animators. Revised Edition. Portsmouth, NH: Heinemann, 2003.
30
história. Em alguns filmes ele tem um pouco de Fred Astaire26; em outros, de
Charlie Chaplin, e em alguns de Douglas Fairbanks 27, mas em todos estes sempre
deve existir algo do jovem garoto comum.”(MOORE)28
Ironicamente, o que tornava Mickey estéril era justamente a intenção de
torná-lo universal, um representante de todos nós – na verdade, quanto mais
específico e singular o personagem for, mais interessante ele será para o público.
Além dos Looney Tunes, há bons exemplos do uso da empatia como foco da
animação em diversos longas-metragens, mesmo os da própria Disney. A equipe
que começou a se formar na produção de Branca de Neve em 1937 aprimorou seu
estilo ao longo das décadas seguintes, adotando um modelo segundo o qual cada
animador era escalado como supervisor de um personagem do filme, como se
fossem atores escondidos atrás das imagens. Richard Williams, por exemplo, relata
o impacto com que recebeu a complexidade da atuação de Mogli quando o desenho
estreou nos cinemas, em 1967:
“Eu fui assistir ao filme relutante, pensando (pois eu ainda me considerava
um inovador) que mesmo que devesse haver algo interessante, provavelmente
seriam coisas previsíveis. E foi assim que começou – com lobos padronizados
adotando um bebê fofinho. Eu me lembro do menino Mogli montado sobre uma
pantera negra, se mexendo e atuando de forma bastante clichê – até ele saltar. E de
repente tudo mudou. O desenho mudou. As proporções mudaram. As ações e a
atuação mudaram. A pantera ajudou o menino a subir numa árvore e tudo ganhou
um nível soberbo de entretenimento. [...] A performance e até as cores eram
diferentes. Então apareceu a cobra tentando hipnotizar o garoto e o público entrou
em transe. Eu fiquei impressionado. O filme continuou com este alto poder de
atração, e quando o tigre entrou em cena, pesando 300 quilos, e era ao mesmo
tempo o tigre e o ator que tinha feito a voz (George Sanders), eu percebi que eu não
sabia nem mesmo como eles faziam aquilo.”(WILLIAMS)29
26 Fred Astaire (1899 – 1987), ator e dançarino americano do cinema e da Broadway.
27 Douglas Fairbanks (1883 – 1939), ator de filmes de aventura como The Mask of Zorro (1920).
28 MOORE, Fred apud THOMAS, Frank; JOHNSTON, Ollie. The Illusion of Life. New York:
Hyperion, 1981.
29 WILLIAMS, Richard. The Animator's Survival Kit. New York: Faber and Faber, 2001.
31
Atualmente, com a crise do modelo dos contos de fadas da animação 2D, os
longas-metragens cuja atuação mais se destaca no mercado americano são os
filmes 3D feitos pela Pixar, devido principalmente aos roteiros, originais e bem
escritos – no entanto, o apelo do estúdio também começa a mostrar sinais de
cansaço.
“A Pixar deu certo por causa da permissão que a nova tecnologia do 3D
trazia para tentar novas histórias. Os produtores pensaram 'ei, esta é uma nova
técnica, não tem regras' – o que é ridículo, porque as mesmas novas regras
poderiam funcionar para a animação 2D, se eles quisessem arriscar. Esta é minha
teoria, posso estar falando uma enorme bobagem, mas acho que foi por se tratar de
um novo meio, com uma cara toda diferente, que este aval foi concedido: 'tudo
bem, agora podemos contar histórias contemporâneas, agora a música pode ser
uma gravação tocando durante a cena, e não um personagem cantando.' E depois
de alguns filmes da Pixar, todos os outros estúdios estão novamente copiando tudo,
até as nossas campanhas de marketing.” (BIRD)30
Entre os desenhos animados lançados recentemente no cinema, um dos que
apresentaram o trabalho mais rico de atuação – e também de roteiro – foi A
Viagem de Chihiro, produção do Stugio Shibli dirigida por Hayao Miyazaki. O
cuidado dado pelo animador japonês aos detalhes dos movimentos e ao ritmo das
cenas trouxe uma nova abordagem quanto à performance dos personagens.
Já em relação à produção para TV, é raro encontrar hoje em dia exemplos
em que a empatia seja trabalhada de maneira mais aprofundada através da
atuação, em consequência do rápido processo de realização das séries. Em Os
Simpsons, por exemplo, a construção dos personagens e das histórias é feita de
maneira bastante eficaz, porém a animação em si deixa a desejar. Na maioria dos
programas de desenho animado há uma subordinação da imagem ao som – a força
das piadas vem do texto e das vozes, e a animação tem função apenas
complementar – o que Chuck Jones chamava de “rádio ilustrado”.
30 BIRD, Brad (transcrição de áudio). Entrevistado por A. Gordon e A. Burke. Spline Cast Podcast.
Disponível em http://splinedoctors.com/Podcasts/BradBird.m4a. Acesso em 18 dez. 2007.
32
A animação limitada – nome dado ao modelo de produção mais econômico
adotado nos desenhos para televisão, que utilizava poucos quadros por segundo e
reaproveitava as poses dos personagens – teve sua origem em obras que, apesar de
propor uma simplificação nas formas e nos movimentos, mantinham o espírito
dramático e valorizavam a atuação. No fim dos anos 50, as primeiras séries da
Hanna Barbera, como Os Flintstones, contavam com animadores experientes em
suas equipes. Por isso, a maneira como a animação era reduzida ao seu mínimo
preservava os conceitos básicos da técnica 2D clássica (full animation) e a
organicidade das posturas e expressões. Apenas algumas séries recentes – Ren &
Stimpy, Bob Esponja, O Laboratório de Dexter – sabem aproveitar a herança das
animações 2D mais antigas e reciclá-las para criar uma performance atraente.
Figura 11: Desenhos do animador Carlo Vinci: poses simples, porém muito espontâneas
No caso da lendária produtora U.P.A. (United Productions of America, que
deu aos desenhos um visual moderno, com aspectos geométricos e tons exóticos),
em especial nos curtas Christopher Crumpet (1953) e Rooty Toot Toot (1951), a
afinidade dos animadores pelas artes plásticas trouxe inovações à atuação,
expandindo os recursos utilizados na movimentação dos personagens e no
estabelecimento do espaço. Devido às experiências com novas tintas e texturas, a
cor e a linha dos desenhos também passaram a ter uma relação mais sólida com a
dramaturgia, além do movimento em si.
33
Figura 12: Esboços de John Hubley para o curta Rooty Toot Toot (1951), da U.P.A.
34
Embora o sucesso da Hanna Barbera e da U.P.A. tenha influenciado
fortemente o estilo chapado e simplista predominante na maioria dos desenhos de
TV atuais, não se deve atribuir a má qualidade dos novos produtos ao trabalho
realizado por essas produtoras nos anos 50 e 60. O motivo da decadência técnica e
artística visível na televisão é que se deixou de priorizar a expressividade da
atuação, restando apenas os designs visualmente estilizados – mesmo assim nada
sofisticados, apenas clichês que remetem ao estilo moderno de maneira rasteira –
que sozinhos não seguram o interesse do espectador.
Fora do circuito comercial, entre as obras de animação exibidas em festivais
e mostras especiais, é possível encontrar uma grande variedade de maneiras de se
trabalhar o movimento dos personagens. Muitos curtas independentes não
demonstram ter uma proposta claramente focada na atuação, porém não deixam
de ser referências importantes para a animação de personagens. Afinal, uma boa
atuação não significa necessariamente reproduzir movimentos reais, como se o
animador estivesse ilustrando um intérprete em cima do palco, mas incorporar as
liberdades particulares do desenho animado a favor dos sentimentos que se deseja
transmitir.
Os filmes do animador Borge Ring (Anna & Bella, Oh My Darling, The Run
of the Mill) são um ótimo exemplo de uma animação de personagens alternativa,
em que a atuação não segue as normas da física, mas constrói metáforas e
símbolos visuais sobre os sentimentos em questão. Geralmente, este caráter nãorealista da animação é pouco usado para dar força à atuação, e os animadores só se
permitem este tipo de experiência quando há uma justificativa interna na história
– no longa Os Incríveis (2005), da Pixar, a flexibilidade da Mulher-Elástico rendeu
soluções muito interessantes na performance, como mostram as imagens da
página seguinte. Portanto, assistir aos curtas de diretores contemporâneos, como
Konstantin Bronzit, Paul Driessen, Bill Plympton e Andreas Hykade, fornece
inspiração para qualquer animador, não importa qual seja sua área de interesse.
35
Figura 13: A elasticidade da personagem seduz em fração de segundos.
Figura 14: E também mostra como ela é uma mãe que protege seus filhos.
36
3
Atuação nos desenhos animados
“O ator de cinema Scott Wilson assistiu a meu curso de três dias em San
Francisco. Para minha surpresa ele veio falar comigo no final e disse 'É claro que
você sabe, Dick, que tudo isto aqui foi a respeito de atuação.' Eu perguntei 'O quê?'
e Scott respondeu 'Estes são os equivalentes exatos dos métodos, exercícios e
análises que nós atores fazemos nas nossas oficinas de atuação.' Portanto, a
atuação faz intrinsecamente parte do todo.” (WILLIAMS)31
Mesmo antes de atores e animadores começarem a cruzar referências de
forma direta, como no relato de Richard Williams, o desenvolvimento das técnicas
empregadas nas duas áreas seguiram um caminho paralelo, uma vez que trazer
personagens à vida é o trabalho de ambas. Por isso, muitos princípios da animação
são semelhantes aos do teatro. E, assim como o estudo da música ajuda a refinar a
noção de ritmo e estrutura das cenas, a compreensão dos métodos utilizados pelo
ator – e a análise e comparação com os desenhos animados – é fundamental para
que o animador aprimore sua arte e possa transmitir melhor os sentimentos de
seus personagens através do movimento.
3.1
Conceitos básicos do teatro
Até o fim do século XIX, o teatro era fortemente baseado na simples
reprodução de poses e expressões exageradas, convenções que o público associava
a réplicas do que seriam sentimentos reais. Na maioria das peças da época, a
emoção do personagem era apenas sugerida pelo ator, que simulava um
determinado sentimento a partir de clichês, sem realizar qualquer tipo de processo
preparatório – como diz Ed Hooks na introdução de Acting for Animators, “a
mensagem implícita para a platéia era 'Eu não estou sentindo nada na verdade
mas, se eu estivesse, seria algo assim'.”
31 WILLIAMS, Richard. The Animator's Survival Kit. New York: Faber and Faber, 2001.
37
O ator Constantin Stanislavsky, por volta de seus 25 anos, estava insatisfeito
com o caráter artificial das encenações e decepcionado com a maneira como se
ensinava atuação: os alunos deveriam aprender a imitar os truques dos
professores. Com a formação do Teatro de Arte de Moscou, em 1897, o jovem russo
iniciou uma revolução na interpretação teatral, propondo uma abordagem apoiada
em exercícios exaustivos, com o objetivo principal de conferir mais verdade ao
trabalho do ator.
A busca por mais naturalidade não se referia diretamente à idéia de
realismo, mas sim à espontaneidade da performance; o objetivo não era reproduzir
a realidade, mas tornar os sentimentos reais no palco, e em consequência fazer
com que o público acreditasse neles. O grande desafio de Stanislavsky, portanto,
era fazer com que a emoção fosse construída no ator, e nisto se basearam suas
pesquisas, que passaram por diferentes fases e compõem, em sua totalidade, uma
fonte de estudos muito mais abrangente do que se costuma chamar genericamente
de “sistema Stanislavsky”, comumente associado apenas às propostas de utilizar
conceitos da psicologia na atuação.
De fato, muitas experiências feitas por Stanislavsky foram influenciadas por
estudos sobre o comportamento, como a definição do reflexo condicionado – Ivan
Pavlov, que realizava estudos sobre a digestão animal no início do século XX,
observou que cachorros se adaptavam às circunstâncias específicas do ambiente e
começavam a salivar mesmo antes de verem o alimento, devido a estímulos
associados à chegada da comida; em um dos casos, um sino sempre era tocado na
hora da ração, e após um certo período bastava soar o sino para que o cachorro
produzisse saliva. De forma análoga, Stanislavsky passou a buscar “gatilhos
emocionais” que despertassem os sentimentos da cena naturalmente. Ao invés de
chegar à atuação partindo direto da emoção final desejada, o que gerava
superficialidade, o ator deveria primeiro “entrar” no personagem, se concentrando
racionalmente em dados concretos e palpáveis, como a motivação e o conflito
38
presentes na situação dramática. A partir desta construção, a emoção surgiria de
maneira autêntica, o que possibilitou a criação de performances críveis e
apaixonadas, mais naturais do que era comum na época.
Figura 15: Esquema simplificado demonstrando alguns princípios de Stanislavsky
39
Ao longo de sua carreira, o russo realizou diversas oficinas práticas com
atores, e a cada momento buscava um caminho diferente para se atingir o controle
do personagem. As primeiras experiências, que influenciaram o chamado realismo
psicológico, propunham que o ator partisse de um processo de construção interno
– algumas vezes, tendo como matéria-prima memórias pessoais que remetessem à
situação; em outros casos, mantendo o foco da atenção apenas nas circunstâncias
da cena. Posteriormente, Stanislavsky desenvolveu também o Método da Ação
Física, o qual, pelo contrário, partia da construção externa, apoiada na postura e
no domínio do corpo, para se chegar a uma emoção verdadeira.
Das muitas abordagens sugeridas por Stanislavsky, todas tiveram
repercussão nas técnicas de atuação atuais, cada uma tendo sido adotada por um
método diferente – a construção interna, por exemplo, foi a que mais teve
influência no trabalho de Lee Strasberg, cuja escola, o Actors Studio, formou
diversos atores do cinema americano, como Marlon Brando e Al Pacino – porém
nenhuma em especial deve ser considerada definitiva ou mais sofisticada, mesmo
porque são complementares, não excludentes. O próprio Stanislavsky rejeitava a
idéia de classificar seus estudos como um “sistema” e defendia sobretudo a busca
pessoal de cada um por sua própria maneira de atuar.
Portanto, a grande lição das técnicas de atuação do teatro é a importância de
se construir o personagem antes de se criar os movimentos, seja através da análise
psicológica, da memória afetiva, das ações físicas ou da união destas abordagens.
O animador deve saber incorporar esses princípios em seu trabalho de
forma prática, lembrando a máxima citada por Ed Hooks32 de que, afinal, “atuar é
um processo de expor, não de ocultar”. Tudo o que se passa no interior do
personagem – ou ao menos os sentimentos relevantes para a história – deve ser
exteriorizado através da atuação, ou seja, transmitido a quem assiste através da
linguagem corporal, da expressão facial, da fala e do ritmo.
32 HOOKS, Ed. Acting for Animators. Revised Edition. Portsmouth, NH: Heinemann, 2003.
40
3.2
A caracterização
Quando se fala na criação do personagem feita pelo ator, é comum ouvirmos
frases como "começar a construção de dentro para fora, não de fora para dentro",
ou "siga um processo interior, não exterior".
Geralmente, este tipo de análise pretende separar o trabalho de atuação em
dois modelos simplistas: se o ator é ruim, superficial e tem muitos cacoetes, é
porque ele seguiu o caminho errado e deve ter começado de fora para dentro; se o
ator é bom, espontâneo e consegue emocionar a platéia, na certa fez um trabalho
interior. Muitas vezes, inclusive, define-se o "sistema Stanislavsky" como
"construir de dentro para fora".
No entanto, como bem esclarece Ronald Haymans em Techniques of
Acting33, a construção interna e a externa têm igual importância – isto é, ambas
são fundamentais – e o ideal é concentrar-se nos dois aspectos, em vez de tentar
um processo tão abstrato como "construir de dentro para fora". O ator a todo
momento trabalha as duas dimensões, e não é possível precisar se a idéia de um
traço psicológico do personagem reforçou um aspecto de sua aparência, ou se a
criação de sua imagem física é que ajudou a definir seu comportamento.
Além dos diversos exemplos citados por Hayman de atores que encontraram
seus personagens seguindo um caminho mais próximo do "de fora para dentro", os
primeiros capítulos do livro A Construção da Personagem, de Stanislavsky,
também tratam desta abordagem – e portanto chega a ser curioso o fato de o nome
do russo estar sempre tão ligado à idéia da construção interior, devido às
distorções do sentido de seus textos.
Nas primeiras páginas do livro, o professor Tortsov – alter ego de
Stanislavsky – mostra a seus alunos sua habilidade de deformar o rosto e mudar
completamente o semblante, prendendo o lábio superior nos dentes secos,
33 HAYMAN, Ronald. Techniques of Acting. London: Methuen, 1969.
41
forçando a sobrancelha para baixo, apertando mais um olho que outro. Tortsov
pergunta aos estudantes se eles acreditam que, ao fazer aquelas transformações,
está alterando também seu comportamento. À primeira vista, a resposta parece ser
que não, ou seja, que as caretas do professor são inofensivas ao seu interior, e que
o que muda é apenas sua aparência externa. Ele próprio, porém, declara aos alunos
que sente o contrário, e que sim, fica influenciado pelo visual que está inventando,
a ponto de alterar também a personalidade. Em seguida, Tortsov dá aos alunos
uma tarefa para apresentarem na próxima aula: escolher algumas peças de roupa
na sala de figurinos e fazer a construção completa de um personagem a partir da
caracterização externa.
Em animação, de forma oposta ao teatro, a criação do design visual dos
personagens é uma das etapas à qual mais se dedica atenção, e em compensação
pouco se fala sobre traços internos como as características psicológicas e o
objetivo. De fato, o design é muito importante, e um personagem que não tenha
apelo dificilmente vai prender o público ao longo da história. No entanto, um
boneco
extremamente
bem
desenhado
com
personalidade
fraca
terá
expressividade bastante limitada. Na verdade, o conceito de design de personagens
deve ser usado no sentido mais amplo – denominando tanto seu visual quanto o
desenho de sua psique – para permitir um bom trabalho de atuação.
Voz
“Para a platéia, o ator é quem faz a voz do personagem. Em geral, o
espectador pensa que Robin Williams ou Tom Hanks fazem toda a atuação
enquanto animadores anônimos ilustram seus movimentos.” (HOOKS)34
Atualmente, devido à utilização cada vez maior pelos grandes estúdios de
estrelas do cinema no elenco dos desenhos animados – Mike Myers faz Shrek, Tom
34 HOOKS, Ed. Acting in Animation: A Look at 12 Films. Portsmouth, NH: Heinemann, 2005.
42
Hanks faz Woody (Toy Story) – a rixa entre animadores e dubladores ficou mais
forte, uma vez que o público acaba associando a performance somente aos atores
famosos. A insatisfação dos desenhistas é agravada porque muitas vezes o astro
escalado para dar voz ao personagem, embora possa ser um bom ator em filmes
live action, faz um trabalho estéril de interpretação vocal, comprometendo a
expressividade da atuação a ser criada posteriormente através da animação – esta
realidade se aplica ao modelo de produção americano, em que as vozes são
gravadas previamente e o animador desenha a partir delas; nos filmes japoneses
do Studio Ghibli (A Viagem de Chihiro), por exemplo, a voz é feita em cima da
animação já pronta.
O trabalho de um ator de voz é diferente do de um ator, por isso convidar
celebridades para dar vida a um personagem animado nem sempre é o melhor
caminho – em alguns casos pode funcionar muito bem, porém não se deveria
priorizar o fato de o ator ser conhecido do público, mas sim seu talento,
versatilidade, até mesmo sua dicção e o timbre da sua voz.
Mel Blanc, um dos primeiros dubladores de desenhos a ganhar prestígio, na
verdade era um profissional do rádio antes de trabalhar com animação, e foi
responsável pela voz não apenas de um personagem, mais de uma dezena – na
série Looney Tunes, ele era ao mesmo tempo Pernalonga, Patolino, Gaguinho,
Eufrazino, Frajola e Piu-Piu. O crédito dado a Blanc nas cartelas iniciais dos
desenhos da Warner era de “Caracterização Vocal”, o que demonstra que a voz era,
de fato, componente essencial na construção dos personagens.
Portanto, o ator de voz e o animador são de qualquer forma cúmplices no
resultado final que vai para a tela, e quanto mais o trabalho de ambos estiver em
sintonia – conforme a relação construída entre eles, mediada pelo diretor – mais
completa será a atuação. A função de um não deve estar submissa à do outro; pelo
contrário, deve buscar complementá-la, para garantir a integridade da
performance.
43
3.3
Linguagem corporal
Muitos animadores, quando fazem uma cena de diálogo, começam pela
postura corporal dos personagens e refinam as poses ao máximo para só depois
criar as expressões e fazer a sincronia labial com as falas. A escolha por este
processo, que é bastante eficaz, baseia-se na percepção de que o corpo é, na
maioria das vezes, mais expressivo que o rosto.
Infelizmente, diversos iniciantes tendem a se preocupar demais com a
perfeição dos movimentos da boca – existem inclusive tabelas de formatos de lábio
para os fonemas em livros de animação, programas de computador especiais com
funções matemáticas para casar as ondas sonoras com desenhos de boca – o que
gera desenhos duros e inexpressivos que mexem os lábios sem parar em
movimentos fluidos; no final, parece que a voz não vem de dentro daquele
personagem.
“Torne a idéia da cena clara com a ação corporal primeiro. [...] Se
conseguirmos a atitude certa para o corpo e a cabeça, podemos quase animar sem
desenhar a boca. [...] Ken Harris diz que aprendeu mais sobre sincronia labial
quando precisou animar Marvin o marciano, que não tinha boca.” (WILLIAMS)35
Existem uma série de convenções sobre a linguagem corporal, muitas delas
bastante superficiais e apoiadas em clichês, no entanto saber alguns códigos
básicos a respeito da postura pode ser útil para o animador, inclusive como ponto
de partida para uma pesquisa pessoal mais aprofundada.
Ed Hooks faz um levantamento geral sobre o significado de algumas
posições clássicas no livro Acting for Animators: braços cruzados sobre o peito
indicam uma personalidade fechada, introvertida; mãos juntas, apertadas atrás
das costas ou abaixo da cintura, mostram alguém indefeso; o constrangimento
35 WILLIAMS, Richard. The Animator's Survival Kit. New York: Faber and Faber, 2001.
44
geralmente faz com que a pessoa se curve e tente proteger o rosto; a ansiedade é
um sentimento que se concentra na cabeça, atraindo as mãos para a parte de cima
do tronco e gerando movimentos frenéticos, como os dos personagens neuróticos
de Woody Allen; uma pessoa segura é mais relaxada, mantendo os braços
abaixados e sentindo o peso do corpo; um comportamento extrovertido faz com
que a cabeça se mantenha erguida, mostrando mais o pescoço; uma pessoa velha
se movimenta de forma contida para evitar a dor; abrir os braços de forma ampla e
expansiva, acima da cabeça, transmite leveza.
Em A Viagem de Chihiro (2002), o diretor japonês Hayao Miyazaki faz uso
da linguagem corporal de forma extremamente coerente e comunica ao espectador
os sentimentos da personagem principal através de pequenos detalhes, como a
posição dos braços e a altura das mãos em relação ao tronco. Desde o início do
filme, Chihiro demonstra insegurança em relação ao novo lugar que seus pais estão
explorando; quando anoitece e surgem criaturas estranhas habitando o local, a
menina passa a ter medo – durante todas essas cenas iniciais, Chihiro, aflita,
mantém as mãos fechadas, perto da cabeça, com os braços levantados; no
momento em que se sente mais frágil, agacha e encolhe o corpo, escondendo a
cabeça. Após o primeiro dia assustador, ela consegue emprego na casa de banhos e
começa aos poucos a se integrar àquele universo hostil: além da mudança nas
roupas, Chihiro passa a caminhar de maneira mais confiante, com os braços
esticados e as mãos abaixo da cintura, da mesma forma como anda Haku, o garoto
mais velho que a ajuda a se adaptar.
Analisar a atuação em filmes e peças de teatro, buscando perceber por
exemplo onde está o centro de força no corpo de cada personagem, incentiva o
aprendizado. Para desenvolver sua própria compreensão da linguagem corporal,
no entanto, é importante que o animador se disponha a observar constantemente
as pessoas na rua, no trabalho, em casa – e a si próprio, claro. Afinal, a expressão
através do corpo segue a subjetividade de cada um.
45
Figura 16: A postura corporal de Chihiro mostra muito de sua insegurança
46
Os olhos e as mãos
Os olhos são como ímãs, são a parte do corpo que mais atrai a atenção para
si, pois são a porta de entrada para o sentimento das pessoas. A ponte afetiva entre
quem faz parte da história e a platéia se constrói através do olhar de um e de outro.
De maneira intuitiva, quase sem perceber, estamos sempre mirando nos olhos dos
personagens quando assistimos a um filme. Embora vejamos a composição geral
dos enquadramentos, a postura do herói e a do vilão, seus gestos e suas roupas, o
foco da nossa percepção é dirigido sobretudo para o olhar.
“Se você tem pouco tempo, gaste com os olhos. Os olhos são o que as
pessoas vêem [...], são a parte visível do cérebro – diretamente ligados a ele. Acho
que é por isso que vemos a alma de uma pessoa revelada em seus olhos. É
assustador. Nós estamos olhando dentro uns dos outros.” (WILLIAMS)36
O estilo rubber hose perdeu interesse, nos anos 1930, em grande parte
porque os olhos dos personagens eram desenhados de forma muito simplificada –
somente um pontinho preto, sem pupila nem pálpebra – e não havia grande
variedade de expressões. Por mais rico e atraente que o visual de um personagem
rubber hose pudesse ser, o público o enxergava apenas na superfície: havia uma
barreira opaca no seu olhar, que não permitia mergulhar nos seus sentimentos. A
partir de Branca de Neve, principalmente na criação dos sete anões, os olhos
ganharam formas mais detalhadas que elevaram o potencial expressivo dos
desenhos – apesar de mais tarde, como sabemos, terem virado fórmula.
Há inúmeras maneiras de utilizar o olhar na construção de uma cena. O
personagem pode, por exemplo, virar a cabeça e manter os olhos voltados para a
direção oposta, indicando distração, constrangimento ou medo, de acordo com o
contexto. O comportamento de uma pessoa que olha fixamente para quem está
36 WILLIAMS, Richard. The Animator's Survival Kit. New York: Faber and Faber, 2001.
47
falando com ela é completamente diferente de alguém que, com a mesma postura
corporal, o mesmo rosto, tudo igual, move muito os olhos, desviando o olhar, sem
encarar de fato a pessoa que fala.
Geralmente, quando alguém está se lembrando de uma memória recente,
move os olhos para o canto de cima; se a memória for mais antiga, a tendência é
abaixar o olhar. Um personagem concentrado, que está assimilando novas
informações ou refletindo sobre um assunto importante, pisca com mais
frequência. Outra observação sobre a piscada: quando estamos olhando para um
lado e viramos a cabeça rapidamente para o outro, piscamos no meio deste
movimento. Estes e outros truques, sobre como os olhos se mexem em situações
específicas, podem ser muitos úteis, uma vez que em animação mesmo o menor
movimento precisa ser construído de maneira planejada, ao passo que um ator de
teatro não precisa entrar neste nível de análise. O animador, porém, não deve
recorrer exclusivamente a este tipo de dica; o melhor caminho são a observação e a
criatividade – afinal, cabe ressaltar novamente: cada personagem é único, e nos
desenhos animados pode-se inventar o impossível.
A princípio, poderíamos dizer que os olhos demonstram o que sentimos,
enquanto as mãos são nossa ferramenta efetiva de ação. Lembrando a lógica da
narração didática de Ilha das Flores (de Jorge Furtado, 1989): o polegar opositor é
o que diferencia os homens de galinhas e porcos. As mãos estão ligadas ao domínio
técnico, ao trabalho, à capacidade de transformar a natureza – carregam consigo,
portanto, aquilo que é particular à experiência humana.
O papel das mãos, no entanto, extrapola o de executar atos concretos como
manusear objetos, apontar uma direção ou cumprimentar alguém - sua
importância maior também é a capacidade de expressar a subjetividade do
indivíduo, através de gestos e poses. As mãos, assim como os olhos, irradiam os
desejos e conflitos do personagem – o trabalho destas duas partes do corpo em
conjunto amplia muito a eficácia da atuação.
48
O olhar transmite os sentimentos do personagem direto para o público – e num
desenho animado, é possível criar expressões impossíveis no mundo real:
Figura 17: O cachorro Marc Anthony em Feed the Kitty (1952), de Chuck Jones
49
A montagem abaixo37 demonstra como é infinito o repertório de gestos de mão
disponíveis para o animador:
Figura 18: Mãos desenhadas por Milt Kahl em A Espada era a Lei (1963)
37 Fonte: http://www.leifjeffers.com/ramblings/2006/06/hands.html. Acesso em 16 dez. 2007
50
Mímica e gesto psicológico
Para explicar como se pode comunicar o sentimento interior do personagem
através dos gestos, Ed Hooks faz uma oposição de duas técnicas: a mímica que
busca puramente ilustrar as palavras de um diálogo e a construção de poses que,
ao contrário, servem como contraponto da fala.
Pelo fato de muitas vezes criar os movimentos gestuais a partir de uma fala
previamente gravada, o animador tende a querer representar as palavras com
posturas que remetem diretamente ao sentido do texto. No entanto, na vida
cotidiana raramente fazemos isto enquanto conversamos – nossas mãos e braços
se mexem de forma intuitiva, inconsciente, e deixam transparecer não o que
estamos dizendo, mas o que estamos sentindo; em grande parte dos casos, estas
são coisas bastante distintas. Este é o chamado gesto psicológico38.
O exercício proposto por Hooks, para diferenciar a mímica e o gesto
motivado pelo sentimento, torna bastante claro o que se ganha em impacto quando
a subjetividade é priorizada, em vez da mera ilustração. Ele sugere que o leitor
primeiro diga a frase “Meu coração está partido” em voz alta, sem mexer as mãos.
Em seguida, pede que o leitor repita a fala em voz alta e faça ao mesmo tempo um
gesto como se estivesse quebrando um galho, bem no momento em que diz a
palavra “partido”. Obviamente, a frase ganha mais força junto com esta mímica.
Depois, porém, o autor sugere que o leitor repita a fala sem fazer o gesto, mas
apenas imaginando um galho quebrando, se concentrando mais no tom do texto. A
frase se torna ainda mais densa.
Na página seguinte há uma série de poses desenhadas por mim para uma
experiência semelhante. O mesmo modelo faz variações de gestos para a frase: “O
que você ainda não percebeu é que eu te amo... e eu nunca falei tão sério.”
38 Segundo Ed Hooks, esta defnição é de Michael Chekhov no livro On the Technique of Acting.
New York: Harper Collins, 1991.
51
Na sequência 1 os gestos ilustram a fala. As outras transmitem os comportamentos
de um namorado inseguro (2), um noivo confiante (3) e um vilão obcecado (4).
Figura 19: Posturas
52
A caminhada
"Animar uma caminhada é a primeira coisa que se deve aprender caminhadas de todos os tipos. A caminhada é uma das coisas mais difíceis de se
fazer direito" (HARRIS)39
"Não há duas pessoas no mundo que andem da mesma maneira. Por que
será que conseguimos reconhecer aquele tio que não tínhamos encontrado durante
dez anos ao vê-lo andando, de costas, longe, fora de foco? Pois o andar de cada
pessoa é tão individual e tão distinto quanto seu rosto. E um pequeno detalhe
muda tudo. Existe uma quantidade enorme de informação em uma caminhada e
nós a interpretamos instantaneamente. (...) Alguns atores tentam se aprofundar no
personagem descobrindo como ele caminha. Tente contar a história inteira através
da caminhada" (WILLIAMS)40
Andar é um dos movimentos que mais estamos acostumados a executar e
observar na nossa vida cotidiana, e apesar disto reproduzir a caminhada é sempre
um desafio técnico para os animadores – o resultado é influenciado por inúmeras
variáveis, muitas delas ligadas à anatomia e à mecânica do corpo humano. Em que
momento as pernas estão mais afastadas entre si? E os braços? O que acontece
com os tornozelos, qual é a posição dos ombros em relação aos quadris, como os
joelhos se dobram, o quão ereto fica o tronco?
De fato, animar apenas uma caminhada fisicamente convincente, despida
de qualquer intenção ou particularidade, já traz dificuldade considerável para o
desenhista. A complexidade aumenta quanto mais o animador tornar o movimento
específico: a princípio, fazendo com que cada personagem tenha seu jeito
característico de andar, que o distingua dos outros – lento, pesado, frenético,
contido, desleixado – e em seguida, aprofundando mais e dando à caminhada algo
próprio da cena; algo que demonstre o sentimento daquela situação e diferencie o
39 HARRIS, Ken. apud WILLIAMS, Richard. The Animator's Survival Kit. New York: Faber and
Faber, 2001.
40 WILLIAMS, Richard. The Animator's Survival Kit. New York: Faber and Faber, 2001.
53
andar em relação a outros momentos do mesmo personagem.
Em certa medida, o cuidado dedicado à caminhada demonstra a qualidade
geral do trabalho de atuação num filme de desenho animado. Se o andar é comum
e genérico, e todos os personagens se movem praticamente da mesma maneira, é
provável inclusive que o conceito de atuação não tenha sido levado em conta na
realização. A expressividade aumenta quando vemos cada personagem com seu
próprio ritmo – uma variedade de tipos de caminhada a que estamos habituados
no dia-a-dia – e realmente atinge sofisticação se podemos sentir a emoção e as
motivações irradiando através dos passos.
No começo de Mogli (1967), a pantera Bagheera tenta em vão convencer o
menino relutante a acompanhá-la rumo à aldeia dos homens. Os dois acabam
brigando. Bagheera, irritada, abandona Mogli, que esnoba a ajuda da amiga e
reage tentando parecer indiferente. Eles se separam e seguem em sentidos opostos
– começa uma sequência sem falas, em que por alguns minutos o espectador
acompanha Bagheera e Mogli apenas caminhando, porém fica clara a forma com
que cada um está encarando a separação, como estão se sentindo. Bagheera oscila
entre o arrependimento por ter abandonado o garoto na selva e o orgulho. Mogli
pretende provar sua independência, mas não convive bem com a rejeição, e
intuitivamente teme ficar sozinho, sabe dos perigos da floresta. Está tudo no modo
como andam.
54
3.4
A cena
Em toda cena deve haver conflito: é preciso que uma negociação esteja
sempre em andamento. Cada situação dramática do filme funciona como uma
disputa de dois ou mais personagens, causada por objetivos antagônicos que se
chocam e entram em atrito. Isto não significa, é claro, que os personagens vão se
agredir fisicamente – as cenas mais densas são justamente aquelas em que, apesar
de o conflito de interesses estar claro, os personagens conversam calmamente, um
mais irônico que o outro, exercitando a relação de poder entre eles.
Na verdade, como afirma Ed Hooks, sabemos intuitivamente como funciona
a natureza de uma cena porque estamos acostumados a lidar com negociações o
dia todo. Muitas vezes não falamos diretamente o que sentimos, mas cada palavra
está condicionada às nossas vontades. Se dois noivos discutem a data do
casamento – a mulher quer adiar e o homem não, por exemplo – dizem
argumentos aparentemente objetivos e imparciais, como a disponibilidade da
igreja, a autonomia financeira ou a melhor época para convidar os amigos, mas no
fundo ela está insegura com a relação e quer mais tempo para pensar, e ele,
percebendo isto, deseja garantir sua união com a companheira logo, com medo de
perdê-la.
É importante que a cena mantenha um equilíbrio mínimo entre as forças em
jogo, passando ao público a sensação de que pode resultar tanto em vitória como
em derrota para cada lado. Para o espectador, por mais que um rei esteja
conversando com um escravo, a negociação nunca deve ser previsível e parecer
ganha desde o início por uma das partes, pois deixaria de constituir de fato uma
disputa.
Segundo a abordagem mais comum, derivada das propostas de Stanislavsky
e Strasberg, para que a cena aconteça cada personagem deve ter um objetivo claro,
ligado também a sua motivação geral ao longo da história, o super-objetivo. No
55
entanto, há uma outra maneira de construir a negociação, mesmo que o objetivo
não esteja tão aparente: pensando em relações de status, ou seja, na dinâmica de
concessão de poder entre as pessoas.
É preciso esclarecer que o uso do termo status aqui não se refere de forma
alguma ao conceito de status social, à dominação entre classes, à discriminação
ligada ao posto profissional ocupado, nem à submissão de um empregado ao seu
patrão. Trata-se da troca de poder intrínseca a qualquer relacionamento,
independente de questões sociais. Por exemplo: numa conversa, a pessoa que
escuta cede sua atenção a quem fala; quando alguém pede desculpas a um amigo,
também transfere status a ele; um palestrante que visita uma universidade
primeiramente agradece o convite, cedendo poder à escola, e em seguida,
enquanto faz sua apresentação, chama para si o status, que é concedido pelos
ouvintes. Esta troca de poder da qual falamos pode muitas vezes, é claro, estar
ligada ao contexto social – o que aliás faz a riqueza dos diálogos nos filmes de
Spike Lee – mas a definição de status na dramaturgia, em si, não implica esta
dimensão.
No livro Impro, Keith Johnstone diz que trabalhar com status foi a forma
através da qual seus exercícios com atores se tornaram mais espontâneos e
ganharam um aspecto mais natural. Ele tentava fazer uma cena de uma pessoa
qualquer conversando com um estranho na rua, e o resultado não parecia casual o
bastante. A intenção que os atores colocavam na fala, em busca de um objetivo
forte, gerava artificialidade. Somente quando incorporaram a idéia da constante
troca de poder, fazendo com que cada personagem passasse a desejar sobretudo
chamar atenção para si, foi que os diálogos se aproximaram de uma situação
cotidiana.
Nas cenas do filme Um Estranho no Ninho (1975), por exemplo, a relação
entre o personagem de Jack Nicholson e a enfermeira (Louise Fletcher) se
estabelece em grande medida como uma questão de status. Embora se trate de um
56
roteiro primoroso em que os objetivos estão bem construídos, exteriorizados nas
falas, o que parece mover os atores no momento em que a situação acontece é um
senso apurado de como o centro de poder está se deslocando durante a conversa, e
quem concede status ao outro em cada trecho, dando à negociação nuance e
vivacidade.
Reação
No teatro, é fácil perceber quando um ator iniciante não está concentrado
na situação dramática observando a maneira como ele responde a seu parceiro de
cena. A tendência de quem está começando é ficar ansioso e simplesmente “dar o
texto”, dizendo suas partes do diálogo logo que o outro personagem acaba de falar,
como um robô. Fica claro para o público que a conversa está sendo apenas
sugerida e que os atores não estão se escutando. Quando, pelo contrário, cada fala
é realmente motivada pela anterior, quando um personagem ouve primeiro para
depois retrucar, o ganho na naturalidade e na dinâmica da cena é enorme.
Saber reagir é um dos pilares da boa atuação e, apesar de parecer elementar,
demanda muita prática e sensibilidade. Em cada momento de uma cena, um
determinado personagem está em foco; no entanto, os demais atores devem
sempre permanecer igualmente presentes, compartilhando a situação e o espaço
com o protagonista e reforçando o drama. Mesmo quando quem toma as ações
centrais é outro ator, cada um dos coadjuvantes precisa continuar dentro de seu
próprio personagem de forma plena.
Na animação, a construção da reação é bastante particular. Ao contrário do
teatro, em que cada personagem da mesma situação é vivido por um ator distinto,
o mais comum nos desenhos animados é um único animador ser responsável por
todos os personagens presentes na cena.
Uma opção recorrente em diversas animações, que limita muito o potencial
57
das cenas, é usar desenhos estáticos para os personagens que não estão falando ou
agindo – enquanto o protagonista se movimenta, os outros ficam parados numa
posição fixa, geralmente uma postura que funciona como uma ilustração dos
personagens observando a cena. Por outro lado, é difícil realizar um desenho
animado em que todos se mexem o tempo todo – por questões técnicas, já que
cada quadro a mais de animação significa mais trabalho, tempo e dinheiro gastos;
e também porque, muitas vezes, o excesso de movimentos na tela torna a cena
confusa e sem foco.
O animador deve, portanto, encontrar o melhor equilíbrio e saber dosar a
quantidade de reação, que contribua para a cena e seja ao mesmo tempo
econômica – tendo sempre como finalidade dar força dramática ao momento.
O uso do espaço
A posição do ator na cena e sua movimentação em relação aos outros é
extremamente importante no teatro; pode indicar quem detém poder sobre quem,
marcar cumplicidade ou antagonismo entre os personagens, contribuir para expor
a tom da situação e o sentimento de cada um. No cinema, soma-se a estas relações
o modo como o ator se apresenta para a câmera – no momento em que se
aproxima da lente, sua figura ganha em escala, transmite peso; as infinitas
combinações entre o movimento do personagem e o da câmera funcionam como
tipos variados de dança que podem adquirir sentidos diversos, segundo o contexto
dramático.
No caso da animação, além de se poder explorar os mesmos aspectos do
teatro e do cinema, existe ainda algo mais prático na importância de se trabalhar
as posições da cena. Como os cenários são apenas desenhos com efeito de
perspectiva, e não espaços reais, é o movimento do personagem que lhes dará
credibilidade e profundidade. No começo de O Rei Leão (1994), há uma sequência
58
em que Mufasa mostra a extensão do seu reino para o pequeno Simba. Ambos
caminham perto da câmera e vemos ao fundo um vale amplo, praticamente apenas
uma grande massa verde. O espectador, inicialmente, não consegue determinar o
quão longe aquele campo está, se fica a cinquenta metros ou a cinco quilômetros,
pois não há referências de proporção. Então um grupo de antílopes passa pelos
leões galopando, desce a colina e corre até o vale – vemos o corpo dos animais
diminuindo e saindo de quadro no canto inferior da tela e depois surgindo
novamente extremamente pequeno mais adiante, e assim se tornam claros o relevo
e as dimensões do lugar. Enquanto no cinema live action o espaço físico é sempre
real, e o desafio de filmes como os do Godzilla é desconstruí-lo com truques óticos
e maquetes, nos desenhos animados, ao contrário, o espaço é por natureza irreal –
a movimentação dos personagens pela cena é que o faz crível.
O uso das relações de proporção para dar espacialidade ao cenário, no
entanto, deve aproveitar a liberdade visual que a animação permite e privilegiar o
fortalecimento da negociação que é o foco da cena. O estilo de Borge Ring de criar
metáforas visuais na animação Oh My Darling (1978) transforma o espaço cada
vez que o centro de poder muda entre os pais e a filha. Na sequência abaixo, a
pequena menina coroa o pai como chefe da casa e uma grande escada se ergue
separando os dois, suspendendo o personagem do pai e colocando-o em um
pedestal:
Figura 20: Um sofá vira trono em Oh My Darling, demonstrando poder
59
3.5
O animador como ator
A prática da atuação para o animador é bastante específica, e apesar de
compartilhar os mesmos princípios do teatro, em determinados aspectos se
distancia ou mesmo nega a técnica empregada normalmente pelos atores. A
diferença mais significativa vem da própria natureza da feitura de um desenho
animado, aquilo que distingue a animação: o movimento não é executado em
tempo real, como no teatro, na dança e no cinema, mas sim construído através de
um longo processo de decomposição das ações. Trinta segundos contínuos em um
filme live action correspondem à reprodução de um movimento gravado no
mesmo tempo de trinta segundos. Dez segundos de animação podem tomar mais
de uma semana de trabalho, uma centena de desenhos ou ajustes no computador
para ficarem prontos. Em animação, o movimento precisa de tempo para ficar
pronto.
Para conseguir naturalidade, o ator de teatro busca antes de tudo esquecer
que está atuando e entrar no personagem, acreditando na verdade da cena –
enquanto está concentrado, ele não pensa racionalmente na maneira como está
andando pelo palco, qual mão está levantada, qual é o momento certo de dobrar a
coluna ou se sua postura está convincente. O animador, pelo contrário, trabalha
cada detalhe do desenho de forma consciente. Por mais livre que seja o traço, o
desenhista precisa saber o movimento que cada parte do corpo vai fazer, quais
traços compõem determinada expressão facial e se as formas imprimem sensação
de volume.
A maneira como o animador cria a performance se aproxima do chamado
método de resultados, evitado a todo custo no teatro, que tem como foco a maneira
com que a emoção se exterioriza no ator, e não o objetivo que a motivou. A maior
meta do animador, portanto, é garantir espontaneidade a um trabalho que é, por
excelência, planejado minuciosamente.
60
“Assisti a uma palestra que Frank Thomas e Ollie Johnston deram para o
sindicato de animadores. Eles mostraram um clipe da cena de Balu se
apresentando para Mogli. E me lembro de ter pensado: 'É só uma pilha de
desenhos! É só um monte de papel e veja como está cheio de vida. É
completamente convincente. Tem peso, personalidade e caráter'.” (GOLDBERG)41
Cada apresentação de uma peça de teatro é única. O ator encena a partir da
adrenalina que sente ali, em cima do palco, e aprende a nunca querer repetir o
momento da noite anterior. Em animação, toda vez que o desenhista senta em sua
mesa para continuar a cena, ele tenta recuperar o momento no qual o personagem
está para que o tom se mantenha em cada desenho. A adrenalina de fato só é
sentida quando o filme estréia no cinema e tem seu primeiro contato com o
público. O animador, ao criar a atuação, não tem uma resposta imediata da platéia,
como no teatro – ele tem que imaginar essa reação, se colocando por isso também
no lugar do espectador.
“Se as pessoas pudessem observar o rosto dos melhores animadores quando
estão desenhando uma cena emocional, veriam artistas tão imersos no momento
quanto os melhores atores. A diferença é que o animador se mantém no momento,
geralmente trabalhando durante semanas para construir um sentimento que o
personagem expressa em poucos segundos na tela. A arte da animação, portanto, é
tentar colocar luz em uma garrafa um volt por vez.” (BIRD)42
Desenvolver o domínio do desenho é essencial para que a atuação de um
personagem animado pareça autêntica. Em vez de fazer ginástica e dança para
preparar o corpo, o animador precisa praticar desenho de observação com modelo
vivo e experimentar técnicas como a pintura e a escultura, para soltar o traço e
livrar-se de vícios e formas prontas. No lugar de ensaiar a cena diversas vezes,
como faria um ator, ele deve fazer rascunhos e pensar a sequência de poses
pacientemente antes de partir para a animação final.
41 GOLDBERG, Eric, animador, entrevistado no DVD de 40 anos de Mogli (1967).
42 BIRD, Brad. Prefácio do livro Acting for Animators (HOOKS, Ed. Heinemann, 2003).
61
“Se você não consegue desenhar ou articular movimento, então como
poderá criar a atuação? [...] Quando um músico conhece as escalas e acordes, ele
pode se concentrar na performance e fazer surgirem as idéias inerentes à música.
Mas se ele precisa pensar com frequência na mecânica do que está fazendo,
dificilmente conseguirá sequer tocar. Por isso, somente depois de aprender todo o
básico é que você tem as ferramentas para criar – só então você pode construir a
performance.” (WILLIAMS)43
Além de necessitar da habilidade de desenhar com desenvoltura, porém, o
animador também pode aprender muito sobre atuação conhecendo seu corpo e
seus sentimentos, ou seja, observando como ele próprio atua em seu dia-a-dia. Um
desenhista não precisa ter preparo físico ou psicológico como um ator, mas sim
familiaridade com seus gestos e posturas, com seu modo de se expressar. Desta
forma, poderá conferir mais humanidade aos desenhos através de sua
interpretação particular. Exercitar este processo de tradução de um pensamento
interno para a figura que se está construindo é o diferencial que permite aos
artistas incorporarem personalidades variadas e torná-las críveis na animação.
“Eu sempre ficava constrangido com animadores conversando perto do
bebedouro e falando sobre atuação. É sabido que os desenhos de um artista
entregam claramente como ele realmente é. E ainda mais quando os desenhos na
verdade estão em movimento. Dá para ver de cara os pontos fortes e fracos de cada
pessoa; se ela é fria, superficial, emotiva - a personalidade está lá para todo mundo
ver. ” (WILLIAMS)
De maneira semelhante ao ator de teatro, o animador se mostra através de
seu personagem. A capacidade de esculpir comportamentos diferentes de sua
própria personalidade, portanto, é ampliada com dedicação à preparação e à
pesquisa.
43 WILLIAMS, Richard. The Animator's Survival Kit. New York: Faber and Faber, 2001.
62
Quem cria a atuação num desenho animado?
Na tese de mestrado Six Authors in Search of a Character: The
Collaborative Nature of Performance in Animated Films44, Marc Mayerson
propõe uma discussão bastante interessante sobre a autoria da perfomance em um
filme de desenho animado. Ele questiona até que ponto é possível comparar o
trabalho de um animador ao de um ator.
Mayerson parte do argumento central de que, na indústria da animação, há
tantos profissionais envolvidos com o resultado visto na tela que é impossível
creditar o animador propriamente dito como único responsável pela atuação. A
idéia defendida, reforçada pelo título da tese, é que a performance animada é fruto
de uma fragmentação, pois sofre influências do ator de voz, do diretor de arte, dos
artistas de storyboard e layout – quando o personagem finalmente chega ao
animador, não há tanta liberdade para se criar o desempenho de maneira pessoal,
porque a cena já está repleta de escolhas referentes à atuação vindas das etapas
anteriores. Além disto, ao contrário do que ocorre no teatro, em que cada ator
encarna um único personagem, diferentes animadores atuam pelo mesmo
personagem ao longo da história, e cada animador cria os movimentos de diversos
personagens, o que prejudica a unidade da atuação. Mesmo nos filmes antigos da
Disney, em que um supervisor de animação era responsável por um só personagem
na maioria das cenas, o trabalho era de fato coletivo, pois havia a colaboração dos
diretores de arte e supervisores de roteiro.
As afirmações de Mayerson não possuem tom de denúncia, porém alertam
para um fenômeno real muitas vezes pouco percebido. Os desenhos que fogem à
regra são os curtas independentes feitos a uma só mão: neste caso, tal qual o ator
de teatro, o animador – que é também roteirista, diretor, artista de storyboard, etc
44 Disponível em http://mayersononanimation.blogspot.com/search/label/MRP Acesso em 21
dez. 2007.
63
– determina, sim, sozinho, a atuação final que chega ao espectador.
Figura 21: O storyboard de Jack Kinney influenciou o animador Frank Thomas na
atuação de The Brave Little Tailor (1938) – figura extraída da tese de Marc Mayerson
É preciso compreender, no entanto, que esta particularidade em relação à
autoria da performance nos desenhos animados não torna a atuação menos
importante, nem implica que o animador – assim como o diretor de arte e quem
mais estiver envolvido com a dramaturgia do filme – não precise conhecer e
praticar os conceitos relacionados nesta monografia. Como afirma Ed Hooks, a
atuação na animação é justamente a resultante do trabalho de toda a equipe.
“Quanto de crédito ou autoria pode ser atribuído a um animador em
particular pelo que vemos na tela? Quando falamos de uma boa performance em
animação, a quem estamos nos referindo? [...] Sempre que penso na atuação nos
desenhos animados, isso inclui não apenas a boa execução técnica, mas também a
construção da cena. Eu busco ação, objetivo e conflito. Levo em consideração não
só a expressão da emoção, mas o desenvolvimento da história e a construção dos
personagens. Escolhas de atuação, independente de quem as toma, ainda assim são
escolhas. Não existe uma maneira 'correta' de se criar a performance.” (HOOKS)45
45 HOOKS, Ed. Acting in Animation: A Look at 12 Films. Portsmouth, NH: Heinemann, 2005.
64
4
O projeto prático
A principal ferramenta para se alcançar a habilidade de atuar através de um
desenho é a experimentação. Por isso, a realização de um projeto prático se
mostrou fundamental para aprofundar minha pesquisa. Relato, aqui, as
impressões surgidas nesse processo.
Inicialmente, meu projeto seria criar um jogo de computador e a
monografia seria uma análise sobre as etapas de produção de um game. A idéia
partiu do projeto de jogo de aventura Paco e a Fuga dos Brinquedos, escrito nas
aulas de Roteiro pelos colegas Arthur Warren, Rodrigo Batista e Fábio Battista, e
que depois foi adaptado por mim. O visual e a estrutura do game seriam como os
de um desenho animado, a exemplo de Full Throttle (1995) e Day of the Tentacle
(1993), da produtora Lucas Arts, nossa principal referência.
O jogador controlaria o personagem Paco, um jovem que trabalhava vestido
de urso num parque de diversões. O resumo da história: após um dia normal no
emprego entediante, de repente algo inexplicado acontecia no parque e todos os
brinquedos – os cavalinhos do carrossel, os patos amarelos do tiro-ao-alvo, os
carrinhos bate-bate – ganhavam vida. A missão de Paco, então, seria desvendar o
motivo da transformação e conviver com os personagens dos brinquedos pelo
caminho, em especial o pônei Teixeira, um dos animais do carrossel. A versão
definitiva do projeto, apresentada aos professores em 2006, previa a produção
apenas do primeiro episódio do jogo, a parte inicial da história – mesmo assim era
um roteiro de quase 30 páginas de diálogos.
Ao longo da pré-produção de Paco e a Fuga dos Brinquedos, as dificuldades
práticas se tornaram evidentes. Fora o tempo necessário para programação e
testes, havia um volume enorme de falas e ações, e muitos personagens. O roteiro
tinha diálogos engraçados, porém não era interessante o bastante como jogo – não
construímos uma estrutura básica de regras que segurasse a atenção do jogador.
65
Figura 22: Rascunhos de atuação do personagem Paco, na primeira cena do game
66
Em pouco tempo percebi que eu estava mais interessado na parte da animação do
que na jogabilidade: quando comecei os rascunhos da primeira cena, vi que estava
bastante preocupado em desenhar e dar vida aos personagens, gastando muito
tempo com as poses da atuação.
Conclui que seria necessário mais de um ano de trabalho e a formação de
uma equipe de assistentes de animação, inviável dentro da faculdade, para fazer
todas as cenas como eu imaginava, e também que o projeto já não fazia sentido,
pois era um jogo com a estrutura narrativa de um curta-metragem – ou talvez até
estivesse mais próximo de um longa-metragem.
À medida que eu acompanhava os lançamentos de games e pesquisava
sobre os aspectos particulares de um produto como esse, mais ficava claro que o
projeto do Paco necessitava de mudanças. No fim de 2006 estive no festival eMagiciens na França, devido à minha participação em um curta de animação
coletiva, e tive a oportunidade de ver uma mostra de protótipos de jogos feitos por
universitários recém-formados em cursos de criação de games e em busca de uma
maneira de vender suas idéias. Fiquei impressionado ao ver como os conceitos dos
jogos eram muito mais simples e tinham muito mais apelo do que o roteiro do
Paco.
Por outro lado, crescia o meu interesse em estudar animação de
personagens e aprofundar meu conhecimento sobre acting nos desenhos
animados 2D. Decidi, portanto, junto ao meu orientador, que seria mais adequado
à proposta de um trabalho de conclusão de curso modificar o projeto e o tema da
monografia, adaptando tanto a pesquisa quanto a parte prática para a atuação e a
dramaturgia, assuntos que me pareciam essenciais e cuja exploração seria bastante
produtiva.
Como relato complementar sobre o desenvolvimento do projeto prático
anterior, inclui ao final desta monografia um anexo composto de desenhos,
rascunhos e anotações da pré-produção do game Paco e a Fuga dos Brinquedos.
67
4.1
A história
Para a história da minha animação, determinei algumas restrições que
tornariam o trabalho mais simples sem prejudicar a possibilidade de experimentar
a atuação: era preciso que fosse curta, com poucos personagens em apenas um
cenário, sem diálogos – encontrar atores para fazer as vozes e dirigi-los tomaria
muito tempo. Embora pensar o roteiro a partir destas regras tenha sido
fundamental para manter a viabilidade do projeto, criar uma situação dramática
que eu considerasse interessante dentro destes limites foi um grande desafio, e eu
me convenci mais uma vez do peso que a história tem em qualquer obra
audiovisual – e de como é difícil lidar com o processo criativo do roteiro.
Durante minha busca pela inspiração, fiquei obcecado por encontrar
referências que pudessem ser úteis e acabei assistindo a um número enorme de
curtas de animação. Analisava os padrões recorrentes nas histórias para não cair
no lugar comum e raramente conseguia encontrar um tipo de linha narrativa de
que gostasse. Este excesso de fontes acabou se tornando prejudicial, ainda mais
por se tratar de curtas-metragens – por mais que um filminho de um minuto
chame a atenção, depois de assistir a dez curtas diferentes já não é possível se
lembrar de nada.
No momento em que eu pensava na minha história, eu queria evitar a todo
custo qualquer clichê de outras animações; porém, isto fez com que minha autocrítica não se satisfizesse com praticamente nada que surgia na minha cabeça, e
isto desviava o foco da minha proposta – preparar uma cena com personagens
interessantes para estudar a atuação. Por fim, passei a optar pelas idéias mais
simples e despretensiosas.
Desta forma, após descartar uma dezena de histórias, cheguei a uma cena
que se passa em uma lanchonete, sobre um gordinho que tenta provar sua
inocência quando um bolo de chocolate desaparece do prato da mulher que está
68
sentada a seu lado – o bolinho na verdade foi pego por um menino sentado do
outro lado do balcão.
O que mais me agradou na história, e me fez seguir adiante com ela, é que
eu podia sentir exatamente como o personagem do gordinho que eu tinha
imaginado reagiria àquela situação – eu tinha na cabeça uma sensação precisa,
bastante clara, e considerei que seria interessante tentar expressar aquele
sentimento através da maneira como eu animaria aquele personagem. Alfredo,
como depois o chamei, teria uma atitude firme, fria e ao mesmo tempo sutil, sem
se intimidar com a acusação de que ele teria comido o bolinho, e também sem
perder o controle, para não se deixar ofender. De fato, este comportamento de
Alfredo era a única coisa que eu visualizava antes de desenvolver o roteiro, e todo o
resto foi criado a partir disto, o que trouxe vantagens e desvantagens.
O fato de todas as ações dos outros personagens terem sido estruturadas
em função do conflito do protagonista Alfredo – ser considerado guloso
injustamente – por um lado preservou o tom da situação que tinha me motivado a
desenvolver a história; porém, também tornou o enredo um pouco forçado, e fez
com que os outros personagens, Carla e Pedrinho, tivessem um papel meramente
funcional na história, sem uma personalidade crível. Pedrinho só existia para
roubar o bolinho e Carla só existia para acusar Alfredo. Nas versões seguintes do
roteiro esta sensação foi amenizada porque tornei Carla um pouco mais simpática,
em vez de apenas uma mulher chata, e busquei dar motivação para o
comportamento levado de Pedrinho, que parecia gratuito.
Todas as piadas adicionadas tiveram como origem a negociação de poder
entre Alfredo e Carla, relação que ajudava a explorar as reações do protagonista,
meu objetivo principal. Todos os gestos de Alfredo que eu imaginava como sendo
engraçados eram coerentes com a situação e sua personalidade. No entanto,
também em relação ao humor senti que transpareceu o planejamento por trás das
ações, o que tirou um pouco a organicidade da cena, correndo o risco de criar uma
69
mera sucessão de piadas.
Acertar o tom cômico exige muita sutileza, como aponta Ed Hooks em uma
de suas melhores observações, no caso falando sobre o trabalho do ator de teatro:
“O público quer participar, usar a imaginação. Se um ator está mostrando
onde as piadas estão, o público se sente insultado [...] Se você quer encontrar a
comédia em uma cena, não se preocupe em ser engraçado e se pergunte o que é
verdadeiro. Do que realmente trata a cena? Qual a motivação dos personagens?
Onde está a negociação? Se você está tentando ser engraçado, você está seguindo o
mesmo caminho que levou os Keystone Cops ao esquecimento.” (HOOKS).
Este conselho é extremamente pertinente e conseguir colocá-lo em prática é
tarefa das mais difíceis – realmente, é o que distingue um grande diretor de
comédia do restante. Muitas vezes, quando estamos assistindo com outras pessoas
a um filme de Chaplin ou a um desenho de Chuck Jones, além das piadas
marcantes das quais todos riem, há sempre risadas isoladas em diversos
momentos ao longo da história. O filme permite que cada espectador encontre algo
que considera engraçado particularmente – um detalhe na atuação chama a
atenção de um, a careta de um personagem coadjuvante desperta o riso de outro.
Por isso, tentei aproveitar o fato de haver três personagens no meu roteiro,
todos em quadro durante toda a história, para criar uma cena onde o olhar do
espectador fosse um pouco mais livre. O foco da ação sempre se estabelece entre
dois personagens a cada momento – ora a interação é entre Alfredo e Carla, ora
entre Alfredo e Pedrinho – no entanto o terceiro personagem continua
participando discretamente, observando o que acontece, comentando através das
expressões faciais, nada porém que atrapalhe a cena. O objetivo desta abordagem
– ampliado com o cenário: uma lanchonete movimentada numa cidade grande –
era tornar a cena mais dinâmica e crível, evitando que a história se parecesse com
o modelo de animações engraçadinhas de um minuto.
70
4.2
O roteiro
Versão final - Escrito por Antônio Linhares
INT/DIA (fim de tarde) – Balcão de lanchonete/padaria
Na esquerda da tela, PEDRINHO, 12 anos, magrelo,
cabeçudo, está comendo um bauru, engolindo rapidamente,
colocando ketchup a cada mordida.
À direita vemos CARLA, 28 anos, bonita, magra, de
terno. Sua bolsa está sobre o balcão. Ela bate com os dedos
sobre a mesa.
ALFREDO, 37, gordinho, chega e se senta no banco no
centro da tela. ALFREDO sorri para CARLA, que sorri
discretamente. Ela pendura a bolsa na cadeira.
ALFREDO levanta o dedo indicador para o garçom, que
passa. O garçom acena com a cabeça e sai de quadro.
PEDRINHO acaba de comer e limpa a boca com um papel.
ALFREDO abre sua sacola, pega um jornal, abre o caderno
SAÚDE É VIDA, com a manchete “Derrubando preconceitos” e a
foto de um gordinho fazendo rapel na capa, e começa a ler.
O garçom chega com dois bolinhos de chocolate para
CARLA. Ela pega um e dá uma pequena mordida.
PEDRINHO, de longe, olha para os bolinhos.
O celular de CARLA toca. Ela se assusta e começa a
procurá-lo no bolso do terno, na calça, depois se vira para
pegar a bolsa pendurada na cadeira.
Enquanto CARLA está virada, PEDRINHO estica o braço,
pega um bolinho e come inteiro sem que ALFREDO nem CARLA
vejam. Depois, ele joga o papelzinho para perto de ALFREDO.
Quando CARLA finalmente acha o celular, ele pára de
tocar. Ela suspira, abre e fecha o celular e o guarda na
bolsa. Depois, olha para seu prato com apenas um bolinho.
CARLA olha ao seu redor e vê o papelzinho perto de
ALFREDO, que está lendo o jornal. CARLA cutuca ALFREDO, que
sorri para ela. CARLA aponta para o prato. ALFREDO fica sério
e vê o papelzinho. ALFREDO balança a cabeça para os lados,
negando, pega o papelzinho e põe no prato de CARLA.
71
O garçom traz uma água para ALFREDO. Ele agradece com
um jóia, abre a garrafinha e dá um gole.
CARLA olha para ALFREDO. Ele pára de beber e estica o
braço, oferecendo a água para CARLA. Ela cruza os braços e
vira o rosto para o outro lado.
ALFREDO olha para PEDRINHO, aponta para CARLA e gira o
dedo em volta da orelha (sinal de “essa aí é doida”).
PEDRINHO ri. ALFREDO pega o jornal e continua a ler.
O celular de CARLA toca de novo, ela assusta e dá um
pulo na cadeira. CARLA se vira para pegar o celular e volta o
olhar para o prato rapidamente, tentando surpreender ALFREDO.
Ele continua lendo o jornal. CARLA finge que vai se virar de
novo e volta, ALFREDO continua quieto. Ela pega o celular,
mas quando atende a ligação pára de chamar.
CARLA desliga o celular e se vira para pendurar a bolsa
novamente. Ela esbarra a mão no garçom, que passa carregando
uma bandeja. CARLA se assusta e pede desculpas.
PEDRINHO estica o braço e pega o outro bolinho. ALFREDO
abaixa o jornal, vê PEDRINHO e toma o bolinho da mão dele.
CARLA vira de volta para a mesa e vê ALFREDO com o bolinho na
mão.
ALFREDO suspira e aponta para PEDRINHO, que disfarça
brincando com o paliteiro. ALFREDO ameaça bater em PEDRINHO.
CARLA cutuca ALFREDO. ALFREDO põe o bolinho de volta no prato
de CARLA, todo esfarelado e amassado.
CARLA coloca sua comanda ao lado da garrafa de ALFREDO.
Ele olha a comanda e devagar a coloca novamente perto de
CARLA. CARLA então pega a água da mão de ALFREDO e bebe tudo
de uma vez. O garçom passa andando e vê CARLA com a garrafa
vazia na mão. O garçom dá a comanda de ALFREDO para CARLA.
ALFREDO dobra o jornal, põe embaixo do braço e vai embora.
PEDRINHO abaixa a cabeça e passa a mão na garganta e na
barriga, enjoado.
CARLA olha para as duas comandas ao lado do seu prato.
PEDRINHO solta um arroto enorme. CARLA olha para ele.
FIM.
72
4.3
Os personagens
Alfredo
O gordinho Alfredo é o personagem principal. Era a emoção dele que
interessava sempre que eu imaginava a cena, e transmitir o sentimento de Alfredo,
que para mim já era claro, era a grande meta do filme. Por isso, intuitivamente –
como fui perceber depois – eu determinei muitos aspectos sobre a posição de cada
personagem, a composição do quadro e a movimentação de modo a destacar
Alfredo. Ele é quem estaria sentado no banco do centro da tela, com Pedrinho e
Carla ao lado, nos cantos – não só porque Alfredo é o personagem central, mas
para que fosse possível toda a confusão com os bolinhos, pois Pedrinho ficaria um
pouco escondido atrás de Alfredo e longe de Carla, o que lhe permitiria pegá-los
mais discretamente. Foi também a partir de Alfredo que defini que a história
começaria quando ele chegasse na lanchonete e terminaria quando ele fosse
embora. A entrada e saída deste personagem particular é que delimitava a duração
do que o público acompanharia na animação – assim, o que acontece a partir do
momento em que Carla desconfia de Pedrinho, no fim da história, não é mostrado.
Em seguida, me lembrei do conselho de construção dramática de Ed Hooks
de que “toda cena deve começar no meio”, ou seja, é preciso saber claramente o
que cada personagem estava fazendo antes de a cena de fato começar, e o que ele
fará depois que ela terminar. De onde o personagem veio e para onde ele irá após a
cena? Eu já tinha pensado que Alfredo era uma pessoa que buscava uma vida
saudável e nunca comia doces, o que daria mais contraste ao fato de Carla
desconfiar dele. Portanto, ele poderia ter acabado de fazer uma caminhada no
parque antes de ir à lanchonete tomar água. E isto trouxe o figurino de Alfredo:
uma camiseta regata promocional de algum evento esportivo, de um verde forte, e
um boné.
73
O tipo de comportamento que eu tinha imaginado para Alfredo se
assemelhava ao do Vagabundo de Chaplin, que tenta não demonstrar sua reação ao
conflito da situação, despistando para manter seu orgulho.
“Ainda mais engraçado do que o homem que foi exposto ao ridículo é o
homem que, ao vivenciar uma situação constrangedora, se recusa a admitir que
algo de insperado tenha acontecido, e busca manter sua dignidade.” (CHAPLIN)46
No início da cena, Alfredo obedece à inércia do cotidiano sem encontrar
obstáculo, da mesma forma como Carla e Pedrinho. O seu objetivo inicial é
simplesmente beber água e ler o jornal, como num dia normal. A partir do
momento em que Carla demonstra estar desconfiada dele, o esperado era que o
objetivo mudasse radicalmente e que Alfredo quisesse provar sua inocência com
urgência. No entanto, ele age de forma a negar esta reação instintiva e não deixar
transparecerem seus sentimentos, como se nada tivesse acontecido.
A maior dificuldade para animar Alfredo foi dar-lhe ao mesmo tempo peso e
delicadeza, o que era necessário para construir sua personalidade. Optei por
mostrar mais a força do seu corpo apenas nos movimentos amplos, como quando
ele chega andando, quando se senta e levanta, e utilizar nos demais momentos, em
que está interagindo com Pedrinho e Carla, gestos contidos e sutis – Alfredo
procura sempre manter os braços caídos, relaxados, mas muitas vezes acaba
mexendo bastante as mãos, contraídas, próximas à cabeça, mostrando certa
insegurança. A idéia era que ele parecesse não ter muito controle sobre seu grande
corpo.
46 CHAPLIN, Charlie. apud HOOKS, Ed. Acting for Animators. Revised Edition. Portsmouth, NH:
Heinemann, 2003
74
Figura 23: O rascunho que definiu a cara de Alfredo
Figura 24: O desenho final de Alfredo
75
Pedrinho
Com Pedrinho, o menino que rouba os bolinhos de Carla e põe a culpa em
Alfredo, aconteceu um exemplo de como uma alteração na aparência do
personagem pode servir como inspiração para definir melhor sua personalidade.
Pedrinho era uma peste, um garoto endiabrado e mal-educado – isto estava
posto na história pelas suas ações. Qual seria a cara de um garoto malcriado? Não
dava para chegar a um perfil físico específico a partir de uma descrição tão
genérica, fora um ou outro clichê. Era preciso saber que tipo de garoto Pedrinho é,
e por que ele é assim. Logo, era preciso trazer mais características para o
personagem antes de dar-lhe forma.
Eu comecei a esboçar Pedrinho, infelizmente, apenas com a palavra
"malcriado" em mãos, e isto rendeu um número maior de desenhos que não me
agradavam até que eu chegasse a um rosto que considerasse crível para a história.
Um dos primeiros desenhos era um garoto de boné para trás e cabelo bagunçado,
saindo para todos os lados - uma imagem bastante óbvia. A roupa dele também
não era nem um pouco específica, apenas uma camiseta comum.
Já Alfredo, o gordinho, estava um pouco mais desenvolvido, porque a
história revelava mais sobre ele - sabíamos que, apesar de obeso, ele lia o caderno
de saúde do jornal, provavelmente estava de dieta, e que evitava brigar com
estranhos. Eu tinha imaginado Alfredo vestindo roupas de corrida - uma camiseta
regata de cor forte, uma bermuda curta e... um boné.
Alfredo precisava ter um boné, mas Pedrinho também já tinha um na
cabeça. Pensei que em uma história com apenas três personagens, dois não
podiam usar boné, e na verdade foi bem fácil decidir que quem ficaria sem seria
Pedrinho, porque aquela imagem de Alfredo como corredor já me agradava
bastante.
Fiz a mudança. Nas primeiras tentativas de desenhar Pedrinho sem o boné,
76
mantive o cabelo grande e rebelde, espetado para cima - como ainda era, para
mim, o de um garoto levado.
Depois, entre um desenho e outro, praticamente por acaso, resolvi
experimentar e coloquei o cabelo de Pedrinho para baixo, mais grudado na testa,
mais penteado e arrumado, com um corte mais certinho.
E então, por causa deste novo cabelo, Pedrinho me pareceu muito mais
endiabrado, e consegui imaginá-lo agindo na história pela primeira vez. O cabelo
todo ajeitado me inspirou a criar a história de Pedrinho: ele seria um garoto
mimado e super-protegido pela mãe, que o levava para cortar o cabelo todo mês e
o obrigava a penteá-lo bonitinho antes de sair de casa. A mãe achava que ele ainda
era uma criança, mas Pedrinho já se sentia um adulto. Por isso, quando saía
sozinho, longe dos cuidados maternos - como era a situação da lanchonete da
história – ele gostava de se comportar de forma rebelde para afirmar sua
independência. A partir daí, imaginei também a roupa que o garoto estaria
vestindo. Em vez de uma camiseta comum, ele deveria estar com uma camisa de
gola pólo, bem passada, nova, do jeito que sua mãe achava uma gracinha.
A inclusão de Pedrinho no roteiro havia sido funcional: era necessário que
alguém pegasse o bolinho de Carla para que todo o mal-entendido começasse. O
que incomodava no personagem era que ele aparentemente agia sem motivação –
por que ele pegaria o bolinho de Carla? A troco de nada, só para desencadear a
situação? O motivo obviamente não era fome, porque Pedrinho já começava a
história comendo um sanduíche. Considerei que poderia aproveitar o fato de
Pedrinho ser criança para tomar mais liberdade ao definir seu objetivo e quis
explorar nele o comportamento desobediente dos pré-adolescentes que querem
transgredir a barreira do que é permitido quando se está em local público e fazem
brincadeiras mesmo envolvendo estranhos, sobretudo para testar os próprios
limites – expressar esta motivação através da atuação seria um desafio
interessante.
77
Figura 25: Primeiro rascunho
de Pedrinho
Figura 26: Pedrinho sem o boné
Figura 27: O desenho final de Pedrinho
78
Carla
A antagonista de Alfredo na história surgiu com traços exatamente opostos
aos dele – uma mulher, magra, bonita, e que adora comer chocolate. A principal
característica de Carla, que ajudaria a tornar a situação mais irônica, era o seu
gosto por doces. Ela, pelo fato de não ser gorda, se sentiria no direito de acusar
Alfredo de ter roubado os seus bolinhos. E ele entraria em conflito ao tentar provar
o contrário, por estar acima do peso e se enquadrar no estereótipo do “gordinho
que só come doces”, apesar de seguir uma alimentação saudável.
Quando comecei a desenhar os esboços da cena percebi que, além da
disputa sobre os doces, havia entre os dois uma tensão sexual inevitável, que
busquei amenizar ao máximo – tentei deixar claro que Alfredo não estava
interessado em Carla, nem dando em cima dela, e também que a insegurança dele
não era causada por falta de jeito em lidar com mulheres. Ao mesmo tempo, vi que
era preciso enfatizar que todo o comportamento antipático de Carla era motivado
pelo roubo dos bolinhos e que ela não estava tratando Alfredo de maneira ríspida
por medo de ser assediada. Na verdade, não sei se na cena havia um risco tão
grande de esta leitura ser feita, mas eu temia cair naquele tipo de situação, comum
em propagandas, de um homem tentando conquistar uma mulher. Acredito que no
final o foco tenha ficado mesmo no desaparecimento dos doces.
Na história, Carla veste um terninho cinza, porque acabou de deixar o
escritório onde trabalha. Ela era uma personagem sem qualquer ponto de
identificação com o público, apenas uma moça chata e mal educada, na primeira
versão do roteiro. Meu objetivo, a partir do tratamento final e quando comecei a
desenhar de fato, foi torná-la reconhecível como uma pessoa normal da cidade
grande, não má por natureza,
porém com aquela frieza com que todos nós
olhamos para os estranhos em locais públicos – individualista, predisposta a
desconfiar dos outros, e cansada após um dia corrido no emprego.
79
Figura 30: Teste para Carla
Figura 29: Teste para Carla
Figura 31: O desenho final da Carla
Figura 28: Teste para Carla
80
4.4
A realização
Logo após escrever o roteiro, enquanto desenhava as primeiras opções para
o design dos personagens, fiz um animatic da cena inteira – uma espécie de
storyboard, com pequenos desenhos mostrando as ações principais na ordem em
que acontecem, porém já montado como um vídeo, a partir de uma estimativa do
que será o ritmo real do filme. Esta etapa do processo, também chamada story
reel, é muito usada na maioria dos desenhos animados, em especial longasmetragens, inclusive os feitos em 3D.
O resultado do animatic revelou o quanto as piadas estavam funcionando e
quais ajustes na sequência narrativa precisavam ser feitos, além de evidenciar
problemas puramente técnicos e lógicos – o garçom, por exemplo, deveria andar
na frente dos personagens, do lado de dentro do balcão, e não como eu havia feito
nos primeiros rascunhos; a idéia de fazer a mesa em formato curvo ou em quina,
para tornar a composição visual mais interessante, teve de ser descartada, porque
a movimentação de Pedrinho e Alfredo na hora em que o menino pegava os
bolinhos só seria possível em uma bancada reta.
Do ponto de vista da comédia, pude perceber – sem surpresa, ao lembrar as
observações de Ed Hooks citadas quando falei sobre a história – que os momentos
que se mostraram o mais expressivos foram os últimos a serem adicionados ao
roteiro, depois que a linha narrativa estava pronta, e que portanto não estavam lá
para fazer a história seguir em frente, mas haviam sido criados espontaneamente,
imaginando a interação entre os personagens – como no momento em que Alfredo
caçoa de Carla para Pedrinho, que por sua vez ri disfarçadamente.
Entretanto, como tratava-se de um rascunho muito simplificado e as poses e
expressões utilizadas não poderiam ser aproveitadas na animação final, o animatic
não antecipou as questões da performance de maneira mais aprofundada.
81
Figura 32: Cenas do animatic
Figura 33: Um quadro da animação, ainda sem cenário
82
Somente quando comecei a desenhar os extremos – os quadros -chave que
marcam cada movimento, a partir dos quais são feitos os intervalos que definem a
fluidez e o ritmo – é que me deparei com detalhes mais específicos sobre a atuação
de cada personagem e sutilezas que necessitavam de um controle mais preciso. No
início, fiz alguns segundos do filme de forma mais direta, uma pose após a outra,
mas aos poucos fui dedicando mais tempo a pensar e planejar as ações, ora
desenhando, ora listando as mudanças de posição por escrito.
Pedrinho, Alfredo e Carla, finalmente sentados lado a lado no balcão,
pareceram ocupar mais espaço do que eu tinha imaginado. A grande dificuldade
foi balancear o que cada um estava fazendo a cada momento para que as relações
entre eles estivessem claras e, ao mesmo tempo, nenhum atrapalhasse o outro
chamando muito a atenção para si.
Quando Alfredo se senta, logo no início, ele olha para Carla e sorri para ela.
Ela responde também com um sorriso, porém pega a bolsa e a afasta dele – é uma
primeira indicação de atrito entre eles. Neste momento delicado, por exemplo,
Pedrinho, do outro lado, deveria simplesmente dar mais uma mordida no
sanduíche, mas, apenas pelo fato de se mexer, ele atraía o olhar do espectador, que
perdia o foco da interação entre Alfredo e Carla. Este tipo de problema surgiu
ainda outras vezes, como que para legitimar um conselho presente em todos os
livros que consultei sobre atuação: manter a ação simples. Segundo Richard
Williams, o animador da Disney Milt Kahl teria dito que “a coisa mais difícil de se
animar é nada”, ou seja, que criar os pequenos movimentos sutis das ações
secundárias, que deveriam passar despercebidas, é mais trabalhoso do que parece.
Desde o roteiro, eu estava ciente de que minha opção por uma história que
se passava em um balcão de lanchonete traria restrições para desenhar as poses e
fazer uso da linguagem corporal. Aparentemente, se a cena fosse outra e os
personagens estivessem de pé, vistos de corpo inteiro, em vez de sentados,
limitados a movimentos da cintura para cima, teria sido mais fácil criar a atuação.
83
5
Considerações finais
A atuação nos desenhos animados, apesar de se aproximar da performance
teatral,
tem
características
particulares.
Conhecer
o
funcionamento
da
dramaturgia nos palcos e nas telas do cinema é essencial para o animador, porém
ele não pode esquecer a natureza própria da animação, aquilo que a torna uma arte
única: seu caráter gráfico e imaginativo.
De fato, o desenhista deve privilegiar acima de tudo a emoção que deseja
transmitir ao público. Quando começa a projeção de um filme de animação no
cinema, ou a exibição de um desenho na televisão, na tela de um computador ou
celular, um tipo de contrato fica estabelecido – o espectador concede ao animador
sua crença naquele universo ficcional, e em troca espera participar de uma história
convincente, ou seja, ser envolvido sentimentalmente. O desejo de ambas as partes
do acordo é dar vazão à sua subjetividade e compartilhar, através da experiência da
dramaturgia, interpretações sobre o mundo real.
“Não se deve pensar apenas em desenhos animados, mas em todo o resto,
na sua própria vida. Alimente a animação com outras inspirações: peças, filmes,
programas de TV, poesia... a garota que arrasou seu coração dois anos atrás, o
acidente de carro que você quase provocou... traga tudo para o seu trabalho e ele
será tão vivo quanto precisa ser. Animar significa criar a ilusão de vida, e não se
pode criar a ilusão de vida a menos que se tenha vivido uma.” (BIRD)47
A elaboração desta monografia e principalmente a realização do projeto
prático confirmaram a noção de que o trabalho do animador é bastante mais
complexo do que se pode adquirir com um aprendizado meramente técnico ou
teórico. A melhor maneira de desenvolver a sensibilidade para se comunicar
através dos personagens, portanto, é exercitar sua própria individualidade.
47 BIRD, Brad (transcrição de áudio). Entrevistado por A. Gordon e A. Burke. Spline Cast Podcast.
Disponível em http://splinedoctors.com/Podcasts/BradBird.m4a. Acesso em 18 dez. 2007.
84
REFERÊNCIAS
BIRD, Brad (transcrição de áudio). Entrevistado por A. Gordon e A. Burke. Spline Cast
Podcast. Disponível em http://splinedoctors.com/Podcasts/BradBird.m4a. Acesso em 18 dez.
2007
DAVIS, Marc. Entrevistado por A. Edisen. Crimmer's: The Harvard Journal of Pictorial
Fiction, 1975
HAYMAN, Ronald. Techniques of Acting. London: Methuen, 1969
HOOKS, Ed. Acting for Animators. Revised Edition. Portsmouth, NH: Heinemann, 2003
HOOKS, Ed. Acting in Animation: A Look at 12 Films. Portsmouth, NH: Heinemann, 2005
JOHNSTONE, Keith. Impro: Improvisation and Theatre. New York: Routledge, 1981
KRICFALUSI, John. All Kinds of Stuff (blog). Disponível em
http://www.johnkstuff.blogspot.com Acesso em 9 dez. 2007
MAYERSON, Marc. Six Authors in Search of a Character: The Collaborative Nature of
Performance in Animated Films. Tese de Mestrado da Universidade de York (Canadá).
Disponível em http://mayersononanimation.blogspot.com/search/label/MRP Acesso em 4
jan. 2008
MURCH, Walter. Num Piscar de Olhos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004
SCHNEIDER, Steve. That's all folks. New York: Henry Holt and Company, 1988
THOMAS, Frank; JOHNSTON, Ollie. The Illusion of Life. New York: Hyperion, 1981
WILLIAMS, Richard. The Animator's Survival Kit. New York: Faber and Faber, 2001
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LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Homem operando o aparelho kinetoscópio ............................................................... 12
Figura 2: Rolo de filme no interior do kinetoscópio ................................................................. 12
Figura 3: The Enchanted Drawing (1900) ................................................................................. 12
Figura 4: Humorous Phases of Funny Faces (1906) ................................................................. 12
Figura 5: Cartaz de Gertie the Dinosaur (1914) ......................................................................... 15
Figura 6: Mickey Mouse em Steamboat Willie (1928) .............................................................. 17
Figura 7: Cenas de Skeleton Dance (1929), também do estúdio de Walt Disney ..................... 17
Figura 8: Um raio se transforma em pessoa em cena de Barnacle Bill (1930) ........................ 20
Figura 9: Personagem em estilo rubber hose dançando, na série Merrie Melodies ............... 20
Figura 10: Cena de Final Fantasy: The Spirits Within .............................................................. 27
Figura 11: Desenhos do animador Carlo Vinci: poses simples, porém muito espontâneas .... 32
Figura 12: Esboços de John Hubley para o curta Rooty Toot Toot (1951), da U.P.A. ............. 33
Figura 13: A elasticidade da personagem seduz em fração de segundos. ................................ 35
Figura 14: E também mostra como ela é uma mãe que protege seus filhos. ........................... 35
Figura 15: Esquema simplificado demonstrando alguns princípios de Stanislavsky .............. 38
Figura 16: A postura corporal de Chihiro mostra muito de sua insegurança .......................... 45
Figura 17: O cachorro Marc Anthony em Feed the Kitty (1952), de Chuck Jones ................... 48
Figura 18: Mãos desenhadas por Milt Kahl em A Espada era a Lei (1963) ............................. 49
Figura 19: Posturas ..................................................................................................................... 51
Figura 20: Um sofá vira trono em Oh My Darling, demonstrando poder ............................... 58
Figura 21: O storyboard de Jack Kinney influenciou o animador Frank Thomas na atuação de
The Brave Little Tailor (1938) – figura extraída da tese de Marc Mayerson ........................... 63
Figura 22: Rascunhos de atuação do personagem Paco, na primeira cena do game .............. 65
Figura 23: O rascunho que definiu a cara de Alfredo ............................................................... 74
Figura 24: O desenho final de Alfredo ....................................................................................... 74
Figura 25: Primeiro rascunho de Pedrinho ............................................................................... 77
Figura 26: Pedrinho sem o boné ................................................................................................ 77
Figura 27: O desenho final de Pedrinho .................................................................................... 77
Figura 28: Teste para Carla ........................................................................................................ 79
Figura 29: Teste para Carla ........................................................................................................ 79
86
Figura 30: Teste para Carla ........................................................................................................ 79
Figura 31: O desenho final da Carla ........................................................................................... 79
Figura 32: Cenas do animatic ..................................................................................................... 81
Figura 33: Um quadro da animação, ainda sem cenário .......................................................... 81
Figura 34: Desenho original de Paco feito por Arthur Warren ................................................ 87
Figura 35: Mônica, a mecânica, desenhada por Arthur Warren .............................................. 88
Figura 36: Teixeira, o pônei, desenhado por Arthur Warren ................................................... 88
Figura 37: O parque – desenho Arthur Warren; cor Antônio Linhares .................................. 88
Figura 38: Fluxograma com as cenas do parque ...................................................................... 89
Figura 39: Layout do quarto de Paco, com as ações numeradas .............................................. 89
Figura 40: Animação de um cavalinho girando no carrossel ................................................... 90
Figura 41: Estudo de cor para o parque .................................................................................... 90
Figura 42: Estudo de cor para o parque .................................................................................... 90
Figura 43: Desenvolvimento de Paco e Mônica – desenhos de Antônio Linhares .................. 91
87
ANEXO – DESENHOS DE PACO E A FUGA DOS BRINQUEDOS
Um relato ilustrado das etapas de pré-produção do antigo projeto prático:
Figura 34: Desenho original de Paco feito por Arthur Warren
88
Figura 35: Mônica, a mecânica,
desenhada por Arthur Warren
Figura 36: Teixeira, o pônei, desenhado por
Arthur Warren
Figura 37: O parque – desenho Arthur Warren; cor Antônio Linhares
89
Figura 38: Fluxograma com as cenas do parque
Figura 39: Layout do quarto de Paco, com as ações numeradas
90
Figura 40: Animação de um cavalinho girando no carrossel
Figura 41: Estudo de cor para o parque
Figura 42: Estudo de cor para o parque
91
Figura 43: Desenvolvimento de Paco e Mônica – desenhos de Antônio Linhares