Código de Defesa do Consumidor

Transcrição

Código de Defesa do Consumidor
Bodas de Prata do
Código de Defesa
do Consumidor
Coletânea de Artigos
25 Anos CDC
Sumário
1
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25 anos do Código de Defesa do Consumidor
Paulo Jorge Scartezzini Guimarães........................... 4
14
A postura do juiz nas demandas judiciais de
consumo – um olhar após 25 anos do CDC.
Desafios para os próximos 25 anos
Alexandre David Malfatti.................................................. 6
15
3
4
16
17
Código de Defesa do Consumidor – uma lei
democrática
Maria Inês Fornazaro....................................................... 44
Comemoração aos 25 anos do Código de
Defesa do Consumidor: a evolução das
relações de consumo nos últimos 25 anos
Gilberto Nonaka................................................................46
A luta da Proteste nos tribunais
José Cretella Neto ...................................................... 8
Dano moral coletivo e social
Paulo Eduardo Pinheiro de Souza Bonilha........48
A publicidade e o CDC – 25 anos
de convivência pacífica
Edney G. Narchi................................................................... 9
Leis de defesa do consumidor na Europa:
desafios para o futuro
Ivo Mechels........................................................................ 50
5
A suspensão liminar de atividade e o arresto
de bens como garantia de ressarcimento ao
consumidor: narrativa de um caso
Marli Aparecida Sampaio..................................................11
18
6
7
8
19
O desafio biotecnologico da Segurança
Alimentar
Roberto Grassi Neto.........................................................52
As bodas do Código de Defesa do Consumidor
Edson Luiz Vismona.................................................. 17
O CDC e a sociedade brasileira
nos últimos 25 anos
Dimas Eduardo Ramalho...............................................54
A sociedade de consumo e oferta
Markus Samuel Leite Norat................................... 20
20
O Código de Defesa do Consumidor e
os Serviços Públicos
Flávia Lefèvre Guimarães...............................................56
Avanços e perspectivas sobre as instituições
financeiras e o Código de Defesa do Consumidor
Bruno Boris Carlos Croce................................................24
21
O Fortalecimento da Política Nacional das
Relações de Consumo
Juliana Pereira da Silva....................................................58
9
10
11
Avanços e tropeços do CDC nos seus 25 anos
João Batista de Almeida......................................... 27
22
O PROCON e os 25 anos do Código de
Proteção e Defesa do Consumidor
Gisela Simona Viana de Souza.................................... 60
Breve história do direito do consumidor
brasileiro Luiz Otávio Amaral..........................29
23
CDC: o marco zero da sociedade
de consumo no Brasil
Roberto Meier.....................................................................39
O sistema inovador de reparação de dano do
Código de Defesa do Consumidor
Hector Valverde.................................................................64
12
24
13
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CDC 25 ANOS: tudo bem?
Não, não está tudo bem!
José Geraldo Brito Filomeno........................................ 40
Os planos de saúde à luz do direito do
consumidor
Maria Stella Gregori..........................................................66
CDC: 25 anos depois já podemos aperfeiçoá-lo
Rizzatto Nunes......................................................42
Vitórias da cidadania
Maria Inês Dolci...................................................68
2
Longa vida, CDC!
O jubileu de prata do Código de Defesa do Consumidor (CDC) orgulha a todos nós, que nos dedicamos a lutar
pelo respeito aos direitos dos cidadãos nas relações de consumo.
Em um país no qual há leis que pegam e que não pegam, trata-se de um raro ordenamento jurídico moderno,
avançado e voltado integralmente aos interesses da maioria da população.
Neste quarto de século de vigência, esse conjunto de leis combateu abusos de poder econômico, por meio de
medidas práticas como a inversão do ônus da prova e o direito à informação, e nos aproximou um pouco mais
dos países desenvolvidos em termos de segurança, eficácia e qualidade de produtos e serviços.
Se houvesse um “CDC eleitoral”, por exemplo, certamente a democracia brasileira seria mais efetiva e abrangente.
Um dos grandes momentos desse Código, um verdadeiro divisor das águas para sua consolidação, foi a decisão
do Supremo Tribunal Federal (STF) de que as instituições financeiras teriam, sim, de obedecer ao CDC.
Não por acaso, depois disso foi estabelecida a obrigatoriedade da divulgação clara do Custo Efetivo Total (CET)
do crédito, que desvelou todos os encargos e taxas embutidos nos empréstimos concedidos pelos bancos e lojas.
Tais virtudes, muito provavelmente, advêm da forma como o CDC foi concebido, por uma comissão de juristas
do naipe do professor José Geraldo Brito Filomeno. Ao citá-lo, homenageamos a todos os responsáveis pelo
Código, direta e indiretamente, por sua militância em favor dos consumidores.
Podemos creditar parte expressiva da decisão de fundar a PROTESTE – Associação de Consumidores, em
2001, ao ambiente criado pelo ordenamento jurídico dos direitos do consumidor. A PROTESTE, portanto, também é ‘filha do CDC’.
Em reconhecimento à importância desta legislação, decidimos comemorar esta efeméride publicando um livro
com artigos de expoentes da defesa do consumidor, que avaliam o tempo decorrido e o que vem por aí nesta
eterna mobilização em prol da cidadania.
Agradeço aos profissionais de notório saber, com atuação destacada em favor do consumidor e ilibada reputação, que atenderam a nosso apelo para participar desta obra.
Esse livro é a nossa forma de dizer: “Feliz aniversário. Longa vida ao Código de Defesa do Consumidor!”. Que
assim seja para o bem de todos nós e do Brasil.
Maria Inês Dolci
Coordenadora Institucional da PROTESTE
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25 anos do Código de Defesa
do Consumidor
Paulo Jorge Scartezzini Guimarães
Juiz de Direito, Professor e coordenador de vários cursos jurídicos,
Mestre pela PUC – SP e Doutor pela Universidade de São Paulo - USP
Os vinte cinco anos de existência do CDC confundem-se com minha carreira de Juiz no Estado de São Paulo. Ingressei na magistratura paulista no final de 1991 quando o código começava a ser aplicado na vida dos brasileiros.
A Lei n. 8078/90 não foi apenas mais uma norma jurídica em nosso ordenamento jurídico; trouxe ela institutos jurídicos até então inexistentes ou pelo menos pouco aplicados, apresentando uma visão moderna sobre
algumas áreas do direito, principalmente no direito das obrigações. Impôs o Código aos fornecedores uma maneira diferente de ver e tratar os destinatários finais de seus produtos e serviços, sempre tendo como base um
comportamento de acordo com a boa-fé objetiva.
Deixava claro o CDC que uma das partes na relação jurídica (o chamado consumidor) estava, como regra, numa
situação de inferioridade e que precisava ser, através da norma jurídica, equiparada a outra; trazia a norma uma
política nacional de relações de consumo, com preocupações sobre a dignidade, a saúde, a segurança e os interesses econômicos dos consumidores, tudo com o objetivo de harmonizar as relações de consumo.
Naquele momento alguns viam a nova lei com muita preocupação, achando que ela acabaria com os comerciantes, produtores, fabricantes, banqueiros, etc; outros a encaravam com muita euforia, como se uma norma
jurídica por si só fosse capaz de resolver todos os problemas relacionados ao mercado de consumo. Com o passar do tempo, tanto o medo quanto a euforia foram deixados de lado.
O “mercado” não acabou, nem os fornecedores desapareceram; o que na verdade ocorreu foi uma readequação de comportamentos, com práticas menos abusivas, mais respeito e consideração aos consumidores. Apesar
da grande melhora nas relações de consumo, muito ainda temos de caminhar. Não há dúvida de que grande
parte dos fornecedores passou a ver o consumidor sobre um novo prisma, reconhecendo a importância daqueles que são os destinatários de seus produtos e serviços. Não era mais e apenas o outro contratante, mas sim
alguém que deveria ser informado, bem tratado, em fim, respeitado.
Há ainda, infelizmente, aqueles fornecedores que não atingiram essa maturidade e continuam, através de
práticas abusivas, da colocação no mercado de produtos e serviços inadequados ou perigosos, da falta de informações ou de informações inverídicas, a violar os direitos básicos dos consumidores, mas a estes está o Poder
Judiciário, o Ministério Público e os órgãos de proteção e defesa do consumidor, dentre os quais podemos citar
o Proteste, de olhos abertos.
Se há por um lado maus fornecedores, não podemos fechar os olhos a outra realidade, qual seja, a existência
também de maus consumidores. Vemos com certa frequência pessoas que de forma totalmente negligente
firmam negócios jurídicos e depois dizem que foram enganadas ou que não querem mais cumpri-los; pessoas
que adquirem produtos e, sem justificativa, pretendem devolvê-los; pessoas que passam por insignificantes
problemas e pretendem ser indenizados.
A título de exemplo, lembramos que, recentemente, tivemos oportunidade de julgar no Colégio Recursal do
Juizado Especial de São Paulo e na 4ª Vara Cível de Pinheiros ações onde um consumidor, que teve seu bilhete
do metro apreendido pela máquina pretendia uma indenização por danos morais (atente-se que outro bilhete
lhe fora dado pelo metro imediatamente); outro que, só por receber uma única carta de cobrança (nessa carta
constava que se ele já tivesse quitado a dívida, deveria desconsiderar a missiva), também exigia um ressarci4
mento pelos transtornos e aborrecimentos. Veja-se assim que também falta, por parte de alguns consumidores,
uma efetiva compreensão do que seja um comportamento adequado e de acordo com a boa-fé objetiva e qual
o seu papel na sociedade. Como costumamos dizer, nem todo fornecedor é o vilão da história e nem todo consumidor é um “santo”.
Passados vinte cinco anos, o que se constata é que este tempo não foi suficiente para mudar, de forma absoluta e definitiva, o comportamento de todos aqueles que participam do mercado de consumo e ainda, no campo
do direito, que muitas divergências doutrinárias e jurisprudências sobre várias normas do CDC existem. Apenas
para lembrar alguns pontos, veja-se a dúvida que ainda existe sobre quem seja, efetivamente, consumidor; sobre a diferença entre vício e defeito do produto/serviço; sobre o correto momento processual para se definir a
inversão do ônus probatório, sobre quais sejam as informações básicas e necessárias que devem ser dadas aos
consumidores em cada relação jurídica; sobre quais os prazos prescricionais para algumas demandas etc.
Na verdade, o que é claro, é que não se muda o comportamento de uma sociedade somente através de uma
lei. Como prevê o próprio CDC, é necessária uma efetiva política para educação e informação de fornecedores e consumidores quanto a seus direitos e deveres; a criação de meios eficientes de controle de qualidade e
segurança de produtos e serviços, assim como mecanismos para solução alternativa de disputas. Por último,
uma maior atuação do Estado para coibir e reprimir os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a
concorrência desleal, principalmente através das agências reguladoras que hoje, com todo o respeito, ainda se
mostram omissas em várias situações.
Esperamos poder, daqui a alguns anos, olhar para trás e ver que poucos são os fornecedores que violam os direitos dos consumidores, que escassos são os consumidores que tentam se aproveitar de situações jurídicas e que
as dúvidas jurídicas não existem em grande número, criando uma segurança jurídica tão esperada por todos nós.
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2
A Postura do Juiz nas Demandas Judiciais
de Consumo – Um Olhar após 25 anos do CDC.
Desafios para os próximos 25 anos.
Alexandre David Malfatti
Juiz de Direito em São Paulo. Especialista em processo pela USP. Mestre e Doutor pela PUC-SP.
Professor e Coordenador da área de Direito do Consumidor na Escola Paulista da Magistratura.
Palestrante em Cursos de Especialização. Autor de obras jurídicas nas áreas de Direito do Consumidor e Processo Civil.
1. O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E A POSTURA DO MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU.
No mundo moderno, não se discute a necessidade de proteção do consumidor. Cuida-se de um ponto de
partida – verdadeira premissa – para qualquer abordagem que busque situar o consumidor nos campos social,
econômico e jurídico.
A democratização do Brasil produziu a Constituição Federal de 1988 (CF), que impôs ao Estado a promoção
da defesa do consumidor (art. 5º, XXXII). Esse comando constitucional, insistimos, deve ser interpretado como
dever do Estado-Poder Executivo, do Estado-Poder Legislativo e do Estado-Poder Judiciário.
E, no campo do Poder Judiciário, interessa destacar que o próprio Código de Defesa do Consumidor (CDC) disciplinou atividades judiciárias para facilitarem a tutela dos direitos do consumidor, notadamente pelo estímulo à
criação pelas Justiças dos Estados de Juizados Especiais e Varas Especializadas em litígios de consumo (art. 5º, IV).
Também merecem destaque as normas do CDC que, relacionadas com a atividade do juiz, buscaram dar ao
consumidor uma proteção processual capaz de superar as dificuldades causadas pela vulnerabilidade e hipossuficiência, ressaltando-se:
(i) direito básico de acesso aos órgãos judiciários, visando a prevenção ou reparação de danos patrimoniais e
morais, individuais, coletivos ou difusos (art. 6º, VII) e
(ii) direito básico de ver facilitada a defesa dos seus direitos em juízo, notadamente pela inversão do ônus da
prova (art. 6º, VIII).
Há outros exemplos de intervenção judicial criados pelo CDC , sempre com a finalidade de proporcionar a tutela dos direitos do consumidor, quando colocados sob qualquer ameaça ou, efetivamente violados.
Pode-se dizer que o ordenamento jurídico contemplou um verdadeiro arsenal de normas para proteção dos
direitos do consumidor.
A indagação por nós formulada: o magistrado de primeiro grau tem concretizado o direito (fundamental) que
impõe ao Estado a defesa do consumidor?
Os 25 anos do Código de Defesa do Consumidor permitiram ao Poder Judiciário de uma maneira geral e aos
juízes de primeiro grau especificamente uma apreensão da missão a eles reservada.
Interessa-nos destacar a posição do magistrado de primeiro grau, porque a ele toca em primeiro lugar o litígio
trazido para o Poder Judiciário via ação judicial.
E a observação tem revelado, cada vez mais, magistrados com formação técnica adequada. Temos juízes de
primeiro grau graduados na vigência do CDC, facilitando sobremaneira a compreensão do significado e do alcance das normas jurídicas.
E a realidade social tem reservado aos juízes de primeiro grau – e até deles exigido – um papel ainda mais
relevante. Uma sociedade brasileira que, a um só tempo, tem contato com tecnologia de ponta, mas também
convive com a miséria social (educação com níveis de acesso e de qualidade extremamente preocupantes). Essa
“contradição” se reflete nas relações de consumo. O cidadão brasileiro pode, por exemplo, adquirir um aparelho
celular de última geração e usufruir do serviço de telefonia celular com toda tecnologia. Mas a falta de educação
(formação) e de informação faz dele um consumidor com extrema dificuldade para compreender os serviços a
ele disponíveis e também as regras das normas de telefonia inseridas no contrato e na regulação do setor.
Além da formação técnica, a sociedade precisa de magistrados sensíveis para a vulnerabilidade do consumidor, como resultado de uma sujeição técnica, comercial e econômica existente na relação com o fornecedor. Será
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preciso verificar, na proteção dos direitos individuais e dos direitos coletivos dos consumidores, a medida da
intervenção judicial necessária para a concretização dos direitos básicos do consumidor.
Dois exemplos de tutelas judiciais com atuações relevantes do juiz de primeiro grau.
Primeiro, a proteção ao consumidor idoso. As alterações dos contratos de seguro saúde ou plano de saúde (reajustes de plano de saúde, exclusões de hospitais ou exames, negativas de cobertura) têm sido declaradas abusivas
(nulas). A renovação do contrato de seguro de vida tem sido garantida, não se permitindo à segurador recusar a
renovação do seguro por conta da idade avançada do consumidor. A contratação indevida de empréstimo consignado em nome do consumidor idoso com descontos em seu benefício previdenciário tem sido declarada nula.
E segundo, a proteção da criança consumidora. Reconhece-se o direito à indenização pelo consumo de alimentos impróprios às crianças consumidoras. Determina-se a modificação ou a suspensão de publicidade abusiva, quando explorada a deficiência de julgamento das crianças.
Em suma, entendemos que o juiz de primeiro grau, após 25 anos do CDC, vem se preparando cada vez mais
e melhor para os desafios dos litígios de consumo, próprios de uma sociedade cada vez mais complexa – social
e economicamente.
2. OS DESAFIOS PARA OS PRÓXIMOS 25 ANOS.
Um balanço positivo pode ser feito. O Poder Judiciário tem buscado forjar um magistrado de primeiro grau de
jurisdição comprometido com sua missão constitucional e atento a uma realidade social. As Escolas da Magistratura desempenham um relevante papel no caminho da formação do magistrado.
A intervenção positiva do juiz deve ser ainda maior, no campo das relações de consumo.
No campo processual, o juiz de primeiro grau deve preparar-se para a solução pacífica dos litígios de consumo.
Deve haver um investimento na face conciliadora do magistrado. Resolver o conflito pela via do acordo preserva
a relação de consumo e, usualmente, proporciona maior satisfação ao consumidor e ao fornecedor. Evidentemente, o desenvolvimento das habilidades do juiz de primeiro grau para a conciliação somente surtirá efeito se
acompanhada da evolução comportamental do consumidor e do fornecedor.
No campo do comportamento do consumidor, a atuação do juiz deve concretizar os direitos, mas também
chamar a atenção para as obrigações. Deve ser exigida boa-fé do consumidor. Os excessos do consumidor nas
demandas judiciais devem ser combatidos – lides temerárias devem ser identificadas pelos magistrados com
imposição de sanções processuais aos consumidores da má-fé.
No campo do comportamento do fornecedor, a atuação do magistrado deve
evitar a multiplicação de litígios com iguais fundamentos e que representam
violação de direitos dos consumidores. A probidade do fornecedor pode ser extraída no seu comprometimento social e na sua relação com os consumidores.
A diminuição do número de demandas judiciais representa importante dado
sobre como a empresa é conduzida pelos seus administradores. As defesas
contra teses sumuladas pelo Superior Tribunal de Justiça devem ser qualificadas como protelatórias e também sancionadas com a qualificação do fornecedor como litigante de má-fé. As condutas violadoras de direitos coletivos
devem ser comunicadas ao Ministério Público, para investigação em inquérito
civil e, se o caso, ajuizamento de ações civis públicas.
Muito já foi feito nos 25 anos do CDC e deve ser reconhecido. Porém, há um
desafio enorme a ser vencido, um caminho ainda grande para se avançar!
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3
A Luta da Proteste nos Tribunais
José Cretella Neto
Advogado
Sócio-Sênior de CRETELLA ADVOGADOS
Mestre, Doutor e Livre-Docente em Direito
Internacional pela Faculdade de Direito da USP
Autor de 18 livros e mais de 60 artigos jurídicos
Provavelmente, para o público em geral, as faces mais visíveis da atuação da PROTESTE sejam seu empenho
em divulgar informações fidedignas ao consumidor sobre os produtos/serviços colocados no mercado, bem
como elevar os padrões de qualidade daquilo que é oferecido, inclusive atuando junto ao Ministério Público e às
agências reguladoras.
Essa nobre atuação pode dar a impressão de que é realizada sem percalços e com apoio unânime de todos
os segmentos da sociedade, pois, afinal, todos desejamos produtos e serviços de qualidade, certo ?
Qual o quê !
As matérias veiculadas no site e nas revistas, bem como as campanhas, são realmente a face visível da atuação da PROTESTE, mas não revelam o lado obscurantista de nossa sociedade, que se revela, insidiosamente, a
favor da censura, quando as informações desagradam tal ou qual empresa.
Como Advogados da PROTESTE, temos enfrentado há quase dez anos gigantescas batalhas nos Tribunais
do País, combatendo poderosas empresas que fabricam e comercializam produtos impróprios para o consumo
humano (ex.: catchups e molhos de tomate contendo pelos de roedores e larvas de insetos), ou que enganam o
consumidor incluindo informações falsas nos rótulos, iludindo-o quanto ao peso e ao tipo de produto vendido
(ex.: venda do peixe “bonito” como se fora atum, que é variedade mais nobre, ou pescado congelado embalado
com excesso de gelo) e uma série de outras artimanhas.
Os Tribunais têm respondido com a firmeza que se espera de um Poder Judiciário independente, garantidor da
Constituição e das leis brasileiras, assegurando a defesa intransigente da liberdade de expressão, e permitindo
que a PROTESTE publique os resultados de seus testes.
Quando uns poucos juízes desavisados embarcam no “canto da sereia” dos maus fornecedores, que alegam
que as matérias divulgadas pela PROTESTE feririam sua “honra” e “reputação”, e concedem liminares, logo no
início das ações, dando um “cala-a-boca judicial” na PROTESTE, nossas Cortes Superiores são rápidas e eficazes
em derrubar essas liminares censórias.
Para o leitor-consumidor, essas batalhas de bastidores normalmente passam desapercebidas e é bom que
assim o seja, pois o importante é que a consciência da sociedade de consumo seja cada vez mais fortalecida, e
que os verdadeiros julgadores dos produtos e serviços oferecidos sejam os consumidores - e não o Poder Judiciário nem muito menos as empresas, que pretendem decidir pelos consumidores, impondo- lhes seus próprios
padrões.
Como Advogados da PROTESTE, nosso modesto papel é impedir que esses
obstáculos jurídicos falsamente criados por más empresas - que preferem
ajuizar ações contra a entidade, pagando caros defensores, em lugar de melhorar
o que produzem - impeçam a entidade de se dedicar à sua nobre missão, que é
a de informar o consumidor brasileiro sobre seus direitos e melhorar o nível dos
produtos e serviços comercializados.
8
4
A publicidade e o CDC –
25 anos de convivência pacífica
Edney G. Narchi
Advogado (USP/1971), é Vice-Presidente Executivo do CONAR,
entidade que dirige desde 1985.
Idos de 1989. O País experimentando, maravilhado, os albores da redemocratização e as primícias do estado
de direito.
A Constituição-cidadã festejada prescrevia no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, em seu art. 48
que “O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de
defesa do consumidor”.
Já havia então parlamentares seduzidos pela matéria, PROCONs funcionando em alguns Estados e municípios, organizações privadas que se ocupavam do tema.
O Governo Federal, que no âmbito do Ministério da Justiça mantinha um Conselho Nacional de Defesa do
Consumidor, decidiu que deveria tornar-se protagonista nos estudos que levassem à feitura do código previsto
e designou aquele Conselho - composto de representantes de órgãos públicos e da sociedade civil - para fazê-lo,
sob a forma de ante-projeto que o Executivo submeteria ao Congresso Nacional.
Concomitantemente, alguns parlamentares, no cumprimento do dispositivo do ADCT, tomavam também a
iniciativa de apresentarem suas proposições relativas à matéria.
Em pouco tempo o assunto, chegando às páginas de jornais e revistas, galvanizou a própria sociedade brasileira,
percebendo todos que a legislação de defesa do consumidor teria um poder transformador inédito na realidade
sócio-economica nacional, empoderando a população e dando outra dimensão às relações de consumo no Brasil.
Sentimo-nos à vontade para tecer os comentários solicitados pelo Proteste, em digna celebração pelos 25
anos de entrada em vigor da Lei 8078, de 11 de setembro de 1990, em virtude de, com muita honra, termos feito
parte do colegiado instituído no CNDC/MJ para elaboração do ante-projeto que resultou na lei citada, representando o CONAR-Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, ao lado de representantes da CNA,
CNC, CNI, OAB, entidades privadas de defesa do consumidor, e representantes do MPF, Ministérios Públicos
Estaduais e outros órgãos públicos relacionados ao tema.
Já tivemos ocasião de afirmar que uma das missões profissionais de que mais nos orgulhamos foi termos pertencido àquele colegiado, tendo tido a oportunidade de poder pregar o aperfeiçoamento do texto do CDC, por
exemplo, retirando a expressão “publicidade” da redação proposta para o artigo 31 que pretendia ser “A oferta,
apresentação e publicidade de produtos e serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidade, quantidade, composição, preço, garantia, prazos
de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que representam à saúde e à segurança dos
consumidores”. Ora, isso tornaria inexequível a publicidade tal como é feita em todo mundo. Qual peça publicitária
poderia cumprir todas essas exigências em alguns segundos de duração de um comercial de TV ou spot radiofônico
ou mesmo no espaço limitado de um anúncio impresso? Felizmente, o bom senso prevaleceu, em benefício de
viabilização da atividade publicitária e da própria coerência do Código de Defesa do Consumidor.
Coube à representação do CONAR no CNDC a árdua tarefa de convencimento quanto ao grau da maturidade
ética alcançado pela propaganda comercial brasileira, então (e ainda) vítima de um profundo desconhecimento
técnico sobre os fundamentos da atividade, vista com alta dose de preconceito e desconfiança.
Houve, também, no colegiado, momentos felizes. Além da convivência agradável e intelectualmente instigante, pudemos trazer para o CNDC o único voto, dentre as representações empresariais, favorável ao ante-projeto.
Contribuimos para a adoção daquela que, a seu tempo e segundo autorizadas vozes do mundo jurídico até hoje,
foi a mais relevante legislação pós-constitucional do Brasil.
Afinal, para o CONAR, aperfeiçoar as relações de consumo era matéria de fé. A Autorregulamentação publicitária, adotada voluntariamente no Brasil por empresas anunciantes, agencias de publicidade e veículos de comunicação, nada mais é do que a demonstração de respeito à sociedade pela propaganda comercial e a face visível
da responsabilidade social que as manifestações publicitárias devem guardar e exteriorizar sempre.
9
Muitos ainda se lembram de que expressivas lideranças empresariais de então proclamavam que o CDC traria
incontornáveis obstáculos à atividade econômica, chegando a vislumbrar-lhe até a nódoa de inconstitucionalidade.
A liderança publicitária, porém, não se rendeu a essas vozes reacionárias, reconhecendo o avanço social que o Código representava, inserido no mundo real definido como sociedade de consumo e, logo, sociedade da informação.
Antenados com a realidade e perspicazes em relação às tendências, os homens da propaganda brasileira souberam avaliar a incontestável validade e os benefícios que a nova legislação consumerista traria para os bons
produtos de comunicação mercadológica e para toda a sociedade.
E, afinal, havia já o exemplo da Autorregulamentação, implantada desde 1980 no Brasil, pelo discernimento
das lideranças do negócio publicitário, fundando o CONAR, que reprova anúncios enganosos e abusivos, desde
uma década antes que a legislação pátria também o fizesse.
Nesses 35 anos de CONAR e 25 do Código de Defesa do Consumidor o sistema misto de controle da publicidade vem atuando a contento, provendo a sociedade brasileira da segurança necessária para receber anúncios
e campanhas sem a necessidade de voltar-se aos tempos anti-democráticos da censura prévia, de tão triste e
envergonhadora memória.
Para a publicidade brasileira, como já dissemos, foi até fácil cumprir o CDC: bastou seguir fazendo o que o
Código de Autorregulamentação Publicitária, há dez anos, já prescrevia e o CONAR fiscalizava.
Exemplo disso é a parca jurisprudência existente em nossos Tribunais, nesses 25 anos, sobre a interpretação
do art. 37 do CDC, comparativamente às bilhões de mensagens publicitárias veiculadas.
Menor ainda, a jurisprudência que relate infrações aos arts. 63, 67, 68 e 69 imputáveis criminalmente aos responsáveis pela publicidade.
O CDC, e o estímulo que ele deu à implantação de órgãos especializados na administração pública direta e nos
Ministérios Públicos, tem lugar de destaque na modernização do país e seu desenvolvimento sócio-economico.
Quantas empresas, a partir de sua introdução no panorama político nacional implantaram seus SAC (Serviços de
Atendimento ao Consumidor)? O nível de respeito que o cliente passou a gozar, nos últimos 25 anos, encontra
paralelo em não muitos países, mesmo tendo o Brasil exportado, para vários deles, nossa experiência exitosa.
Enfim, o momento é de celebração. Celebração e atenção quanto às modernizações preconizadas, que esperamos não venham a descaracterizar a marca principiológica que distingue o CDC de leis meramente oportunistas.
A defesa do consumidor e o aparato que lhe dá sustentação ao longo desse quarto de século foram obtidos
plantando-se, lá atrás, carvalhos e não couves.
O CDC é madeira de lei.
10
5
A Suspensão Liminar de Atividade e o
Arresto de Bens como Garantia de Ressarcimento ao
Consumidor: Narrativa de um Caso
Marli Aparecida Sampaio
Advogada, presidente da SOS Consumidor e consultora da Proteste.
RESUMO. Este artigo tem como objetivo apresentar o resultado de um trabalho realizado pela autora em parceria com a Associação Proteste, onde foi possível arrestar bens de pessoa jurídica, como medida liminar de antecipação dos efeitos da tutela, visando garantir o ressarcimento de danos materiais a consumidores. No mesmo
pedido de antecipação da tutela foi possível suspender, liminarmente, um site de vendas do ar (suspensão
temporária de atividade), utilizando por analogia, os incisos do art. 56,VII do Código do Consumidor que trata
das sanções administrativas. Face à informalidade que os editores da revista conferem às suas publicações, este
artigo se absterá das métricas tecnicas, e mais se aproximará de uma narrativa de caso, obedecendo a estrutura
de resumo, introdução, desenvolvimento e conclusão.
Introdução. Desde fevereiro de 1999, quando, a pedido da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos
Advogados do Brasil Seção de São Paulo, dediquei todo um final de semana colocando no papel as primeiras
linhas da ação civil pública do leasing (Processo físico n. 0189817-60.2012.8.26.0100) e mais alguns dias para
a que a Comissão ajudasse aperfeiçoá-la, a tutela coletiva do consumidor tomou conta de minha atuação enquanto profissional do direito. Até hoje toda violação a direitos que sofre a coletividade de consumidores me
perturba tão grande e fortemente que somente me tranquiliza a utilizacao dos remedios previstos no CDC. O
vendaval da defesa do consumidor sopra dentro de mim tão avassalador, que vem na forma de tornado e enquanto não consigo direcioná-lo para os lados do violador de direitos, não vem a calmaria, a bonanza. Foi assim
que a Associação Proteste me propôs uma parceria, para que se retomasse o ciclo da tutela coletiva na esfera
judicial da Associação Proteste. Dali em diante mais de uma vez o vento forte da tutela coletiva do consumidor
soprou forte, mas dessa vez contando com uma equipe de advogados internos e técnicos, cada vez que ele sopra
mostrando a violação a direito do consumidor, essa equipe da Proteste se reúne, e juntos temos lutado para tocar o vento forte da violação para os lados do violador. A resposta tem vindo através de liminares e procedências
de ações civis públicas, dentre elas, uma em especial, que foi a concessão de liminar para suspensão da atividade e um lojas virtuais, pertencentes a um único domínio, que estava a vender produtos sem a respectiva entrega.
A mesma liminar arrestou bens da sociedade empresarial para garantir a restituição aos consumidores. Este é o
tema aqui proposto, cuja petição inicial se é relatada como parte integrante do artigo. Vamos a ele.
DESENVOLVIMENTO
Durante alguns anos que antecederam 2013, a Associação Proteste vinha recebendo reclamações de consumidores, seus associados, segundo os quais a empresa Agitecnica, sendo detentora dos domínios na internet das
lojas virtuais Dia Magazine, Aginew Magazine e Celular Digital (www.diamagazine.com.br, www.aginew.com.br,
www.celulardigital.com.br) estava oferecendo para venda a mais variada gama de produtos (eletrodomésticos,
eletrônicos, aparelhos celulares, móveis, eletro-portáteis, informática, esporte e lazer, acessórios automotivos,
produtos de beleza e saúde, utilidades domésticas, roupas e acessórios, games, brinquedos e etc.) a preços
irreais, e com frete grátis. No entanto, quando o consumidor imagina tê-los adquirido, com a efetivação do pagamento, não recebia produto pago.
Visando notificar a loja virtual Dia Magazine para que atendesse as reclamações dos seus associados, a Proteste passou a procurar o endereço físico da referida loja e realizou pesquisa perante a entidade registradora de
domínios de sites na internet (www.registro.br). Como resultado de sua pesquisa, a associação autora obteve
êxito em localizar a empresa Agitecnica Eletronica Ltda – ME como proprietária do domínio www.diamagazine.
com.br. Também a pesquisa revelou que outra empresa a Agitecnica Eletronica Ltda – ME aparecia como proprietária dos domínios ativos: Aginew Magazine (criado Em 19/07/2013) e Celular Digital (criado em 20/02/2011).
O passo seguinte da PROTESTE foi fazer busca do endereço da AGITECNICA na Junta Comercial do Estado de
11
São Paulo. De posse do endereço, e, como as reclamações de consumidores não param de aumentar, a Proteste,
conforme é seu procedimento habitual, notificou por diversas vezes a empresa, relatando cada caso individualmente e solicitando soluções com base no art. 18 do Código de Defesa do Consumidor. No entanto, a Agitecnica
Eletronica Ltda – ME se negau a estabelecer qualquer contato: além de não responder as notificações enviadas
— seja por meio de FAX, e-mail ou Correios, também não apresenta qualquer solução aos seus problemas enfrentados pelos consumidores que não recebem os produtos comprados na referida loja virtual.
Assim, as reclamações enviadas à PROTESTE permaneceram em situação indefinida, com os consumidores
expostos a situação constrangedora, pois reitera-se: não recebiam o produto já pago, não recebiam a restituição
do valor pago, e para agravar a situação, também os consumidores não recebiam qualquer informação por parte
da loja, que não dispunha de central de atendimento para o pós-venda. E quando são atendidos, ou têm a ligação interrompida abruptamente, ou então os destratam. Não houve outra alternativa senão preparar e ingressar
com ação civil pública. A ação foi distribuída para a 44ª Vara Cível do Foro Central da capital de São Paulo (Processo eletrônico n. 1059447-39.2013.8.26.0100) com os seguintes fundamentos:
A conduta da empresa em não entregar as mercadorias compradas e pagas pelos consumidores se tratava a
prática abusiva e que por “prática” abusiva tenha-se a conduta reiterada que se traduz em constrangimento do
consumidor. Por conta disso, o art. 39 da Lei 8.078/90 veda um rol não exaustivo de práticas abusivas, dentre
eles a que se adapta completamente ao caso vertente.
Deixar, o fornecedor de produtos e serviços, de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar
a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério é considerado prática abusiva e existe vedação legal prevista
no art. 39, XII da Lei Federal n. 8078/1990, Código de Defesa do Consumidor, verbis:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
(...)
XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a
seu exclusivo critério.
Os consumidores vítimas da empresa ré realizaram diversas reclamações, mas esta os ignora, capitulando assim em outras duas práticas abusivas, pois a AGITÉCNICA além de recusar o atendimento às demandas de seus
clientes, também deles exige vantagem manifestamente excessiva, nos termos do art. 39, II, V do CDC, verbis:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;
(...)
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
Para comprovar a intenção dos réus em lesar o consumidor perceba-se que referida empresa não atende as
novas regras estabelecidas pelo Decreto Federal nº 7962/13 para o comercio eletrônico. Ou seja, suas lojas virtuais não informam o nome empresarial, o número de inscrição do fornecedor no Cadastro Nacional de Pessoas
Jurídicas (CNPJ), o endereço físico e eletrônico, e demais informações necessárias para sua localização e contato,
e nem mesmo as condições integrais da oferta, como disponibilidade de estoque, e prazo da entrega do produto.
Ademais, em nenhum local é possível localizar os meios para que o comprador possa se arrepender da compra.
Art. 2º Os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para oferta ou conclusão de contrato de
consumo devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, as seguintes informações:
I - nome empresarial e número de inscrição do fornecedor, quando houver, no Cadastro Nacional de Pessoas
Físicas ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda;
Art. 5o O fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício
do direito de arrependimento pelo consumidor.
§ 1o O consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados.
§ 2o O exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus
para o consumidor.
§ 3o O exercício do direito de arrependimento será comunicado imediatamente pelo fornecedor à instituição
financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, para que:
I - a transação não seja lançada na fatura do consumidor; ou
II - seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura já tenha sido realizado.
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§ 4o O fornecedor deve enviar ao consumidor confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento.
Eis que o direito protege o consumidor contra as práticas abusivas. É direito básico do consumidor receber
tutela estatal contra tais práticas nos termos do art. 6º, IV do CDC:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
(...)
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem
como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
E a proteção que o consumidor espera do Estado é que não fique exposto às práticas abusivas nestes autos
denunciadas, indefeso. Assim é que, o art. 56 do CDC trata do assunto “práticas abusivas” como INFRAÇÕES ÀS
NORMAS DE DEFESA DO CONSUMIDOR e traz um elenco de sanções a tais infrações, dentre elas a cassação de
registro junto à autoridade competente, bem como a cassação de licença do estabelecimento ou de atividade;
verbis:
Art. 56. As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas:
I - multa;
II - apreensão do produto;
III - inutilização do produto;
IV - cassação do registro do produto junto ao órgão competente;
V - proibição de fabricação do produto;
VI - suspensão de fornecimento de produtos ou serviço;
VII - suspensão temporária de atividade;
VIII - revogação de concessão ou permissão de uso;
IX - cassação de licença do estabelecimento ou de atividade;
X - interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade;
XI - intervenção administrativa;
XII - imposição de contrapropaganda.
É certo que o art. 56 fala da aplicação de sanções administrativas. Também é certo que cabe aos órgãos de
defesa do consumidor tomarem tais medidas. No entanto, como o consumidor, apesar de ter apresentado inúmeras reclamações junto aqueles órgãos por todo o pais, que não providenciaram tais sanções, busca-se no
Poder Judiciário a aplicação de tal medida, porque se trata de lesão a direito do consumidor, que se vê ameaçado
quando busca seus direitos, a proteção s seus direitos se faz nos termos do art. 5º, XXXV da Constituição Federal
de 1988, verbis:
Art. 5º (...)
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
Tenha-se ainda que a empresa ré procede a cobranças indevidas aos consumidores, pois, segundo as reclamações recebidas, mesmo os consumidores tendo feito pagamento, recebem e-mails com cobranças de valores
já pagos. Neste sentido o art. 42 do CDC determina o pagamento EM DOBRO dos valores cobrados indevidamente:
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido
a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual
ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano
justificável.
Muito embora nossos Tribunais reconheçam que a simples negativa de entrega das compras enseja reparação por dano moral, vale lembrar da frustração da legitima expectativa do consumidor quanto à qualidade do
serviço prestado pela loja virtual, (art. 14 do CDC) a qual ofertou produtos a preços irreais (publicidade enganosa
= art. 37 CDC), atraindo-o para verdadeiras armadilhas, fazendo-o ficar sem o produto, sem o dinheiro e ainda
ser exposto a maus-tratos quando buscou informações sobre a entrega ou sobre o direito de arrependimento.
Neste sentido a jurisprudência:
“
TJ-RJ Apelação Cível nº: 2193188-70.2011.8.19.0021.
13
Data da publicação 25/08/2011.
“Trata-se de ação de responsabilidade civil pelo rito sumário ajuizada pelo apelante em face do apelado, alegando o autor ter adquirido junto à ré, um aparelho celular 3 chip TV Fix Black (sem cartão), no valor de R$ 144,23,
cuja entrega estava prometida para ser efetuada em 10 dias, contudo não teria recebido o aparelho. Requereu a
condenação da ré a restituir em dobro o valor pago pelo produto, bem como ao pagamento de compensação por
danos morais.. (...) Não se pode olvidar que houve frustração das legítimas expectativas do consumidor quanto
à segurança e adequação do serviço prestado, restando configurado o dano moral na espécie”.
TJ-RS - Recurso Cível 71002923605 RS (TJ-RS)
Data de publicação: 16/01/2012
Ementa: RESPONSABILIDADE CIVIL. COMPRA E VENDA. NÃO ENTREGA DOPRODUTO. A ausência de entrega do produto acarreta a possibilidade de caracterização de danos com caráter tipicamente punitivo. Descaso
com o consumidor passível de reparação. Recurso parcialmente provido. (Recurso Cível Nº 71002923605, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator Eduardo Kraemer, Julgado em 19/12/2011)
TJ-RS - Recurso Cível 71003367869 RS (TJ-RS)
Data de publicação: 24/07/2012
Ementa: CONSUMIDOR. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. COMPRA DE TELEVISOR VIA INTERNET. DEMORA EXCESSIVA NA ENTREGA DOPRODUTO. DANO MORAL EXCEPCIONALMENTE CONFIGURADO.QUANTUM REDUZIDO PARA R$ 1.000,00. A situação trazida aos autos autoriza a indenização por
danos morais, notadamente em razão de sua função dissuasória, uma vez que a demandada agiu em manifesto
descaso com o consumidor, atrasando por meses a entrega do produto adquirido. Os transtornos vivenciados
extrapolam o dissabor inerente às relações comerciais e ultrapassam o mero descumprimento contratual, inexistindo justificativa.
A maneira como os réus tratam os consumidores atraídos pelos seus sites com publicidade enganosa e abusiva, fere o Princípio Fundamental da Dignidade da pessoa humana. Isso porque por vezes o consumidor utiliza os
poucos ou únicos recursos que possui para adquirir um produto, em especial aparelho celular, para se comunicar,
e se vê ludibriado. Além de frustrada sua expectativa, a pessoa se vê humilhada, exposta a situações vexatórias,
conforme relatos anexos, em que o consumidor se sente envergonhado de relatar o que aconteceu.Por conta
disso a conduta dos réus contraria expressamente o princípio constitucional da Dignidade da pessoa humana,
previsto no art. 1º, III da Constituição Federal de 1988.
Violados esses direitos, nasce para o titular a pretensão em buscar a reparação de danos e o consumidor ao
utilizá-lo, não poderá ter seus direitos básicos violados, pois estarão protegidos sob o manto da Constituição
Federal, e Código de Defesa do Consumidor, nos termos do art. 5º, XV da CF-88 e art. 6º, IV do CDC:
CF-88. Art. 5º (...)
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral
ou à imagem
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
CDC. Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...)
VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;
Face os sérios indícios de fraudes perpetradas a centenas ou até milhares de consumidores, a associação autora requereu, liminarmente a antecipação de tutela final para que fossem arrestados os bens dos demandados
(pessoa jurídica e seus sócios), por conta dos atos danosos por eles praticados na gestão da sociedade, que estavam causado sérios prejuízos aos consumidores, que, até o final da demanda poderiam ver diluídos o patrimônio tanto dos sócios, quanto da sociedade, causando dano irreparável e de difícil, quiçá de impossível reparação.
E, no mérito, a autora pugnou pela procedência da ação, com a conversão da tutela antecipada em provimento
definitivo, condenando a ré AGITECNICA a restituir EM DOBRO os valores que os consumidores pagaram por
produtos não recebidos;
O Sr. Juiz de Direito: Dr. Guilherme Madeira Dezem concedeu a liminar nos seguintes termos:
A antecipação de tutela deve ser deferida. Com efeito, suficientemente demonstrada restou a titularidade,
pelos réus, de sítios eletrônicos onde são realizadas vendas on line de produtos diversos (fls. 70/75), sendo
inúmeras as reclamações de consumidores que corroboram os fatos narrados na preambular, o que, aliás, foi
constatado por este Juízo em rápida pesquisa na internet, tudo a conferir plausibilidade às afirmações da au14
tora. De outro norte, é inegável, nesse caso, o risco de dano irreparável ou de difícil reparação, pois permitir
que os sítios eletrônicos continuem ativos corresponde, em termos práticos, a permitir com que a conduta dos
réus se perpetue no tempo e traga, dessa forma, prejuízo a um número indeterminado de pessoas, dado o livre
acesso, o que, em sede de cognição sumária, não é razoável. Assim, presentes o fumus boni juris e o periculum
in mora, defiro a antecipação de tutela para determinar liminarmente a suspensão dos sítios eletrônicos www.
diamagazine.com.br; www.celulardigital.com.br; e www.aginew.com.br da rede até o julgamento final da lide,
o que deverá ser cumprido pelo Cômite Gestor da Internet no Brasil Núcleo de Informação e Coordenação do
Ponto Br NIC.br, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais). Pelas mesmas razões, aceito à
emenda à inicial e defiro o bloqueio on-line, via BACENJUD e ARISP, de eventuais valores e bens imóveis pertencentes aos réus Agitecnica Eletrônica Ltda ME, CNPJ 04.748.871/0001-49; Mayara Aparecida Garcia, CPF
396.041.828-03 e Guilherme Acácio Moreira dos Santos, CPF 429.640.558-66. Proceda-se. Da mesma forma,
determino o bloqueio de eventuais créditos que os requeridos, notadamente a ré Agitécnica Eletrônica Ltda.
ME, CNPJ 04.748.871/0001-49, possam vir a receber através das redes de pagamento Akatus Meios de Pagamento Ltda., CNPJ 14.576.597/0001-21; Cielo S/A, CNPJ 01.027.058/0001-91; Mastercard Brasil Ltda., CNPJ
01.248.201/0001-75; Pagseguro Uol, CNPJ 01.109.184/0001-95 e Visa do Brasil Empreendimentos Ltda, CNPJ
31.551.765/0001-43. Anoto que, em virtude de não ser possível a determinação do quantum do dano, ao menos
nesse momento processual, todos os bloqueios determinados ocorrerão até o limite de R$ 300.000,00. Servirá
a presente decisão como ofício, devendo, a patrona da autora, imprimi-la em seu escritório e entrega-la tanto ao
Cômite Gestor da Internet no Brasil quanto às redes de pagamento supra descritas para o devido cumprimento,
tendo em vista tratar-se de processo digital, com autenticidade do documento conferida por sua assinatura à
margem direita, e como medida de celeridade processual, comprovando-se a respectiva entrega em 10 (dez)
dias. Cite-se o(a) requerido(a) para os termos da ação em epígrafe, advertindo-se do prazo de 15 (quinze) dias
para apresentar a resposta.
Insurgindo-se contra a liminar s empresa ré ingressou com recurso de Agravo de Instrumento n. 201989474.2013.8.26.0000, que, ao manter a liminar concedida, teve o acórdão proferido a seguir:
Ementa:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS NA INTERNET - LIMINAR DEFERIDA SUSPENSÃO DOS SÍTIOS ELETRÔNICOS POSSIBILIDADE. Presentes os pressupostos do “fumus boni juris”
e do “periculum in mora”, possível a concessão de liminar em ação civil pública para suspender os sítios
eletrônicos da rede onde são realizadas vendas “on line” de produtos diversos, bem como o bloqueio de
bens dos réus, visando a proteção da coletividade consumidora.
(...)
Seria temerário o processamento da ação civil pública sem a liminar pleiteada, ficando a coletividade
de consumidores sujeita a prejuízos irreparáveis, porque há demonstração nos autos que inúmeros consumidores adquiriram produtos através dos sites eletrônicos da agravante e não os receberam e que o telefone
de contato colocado à disposição não atende e o site não possibilita qualquer contato. Assim, presentes os
pressupostos do “fumus boni juris” e do “periculum in mora”, possível a concessão de liminar em ação
civil pública para suspender os sítios eletrônicos da rede onde são realizadas vendas “online” de produtos
diversos, bem como o bloqueio de bens pertencentes aos réus, visando a proteção da coletividade consumidora. Dispositivo. Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso. Des.Clóvis Castelo Relator.
Manifestando-se a Procuradoria Geral de Justiça de segunda instância se manifestou pela manutenção da
liminar nos seguintes termos:
O agravo deve ser improvido.
Com efeito, há demonstração cabal que inúmeros consumidores adquiriram produtos através dos sites
eletrônicos da agravante e não os receberam. Pagaram pelos produtos, mas sem qualquer notícia sobre eles
não conseguem igualmente falar com qualquer representante da empresa, porque o telefone colocado à
disposição não atende e o site não possibilita qualquer contato. A indignação é tão forte que até na internet
foi colocado aviso com advertências a terceiros e a referência a ladrões (fls.42). Nesta fase processual o
que deve ser analisado é se os requisitos para a concessão da medida estão presentes, se a decisão é teratológica, abusiva, desnecessária. Ora, se um sem número de pessoas atesta que os produtos adquiridos não são
entregues e o contato com a empresa é impossível, isso não é mero dissabor ou inconformismo isolado.
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Mostra a gravidade da situação, a ocorrência de um dano de difícil reparação. Verossimilhança existe e
aliada a essa situação o bloqueio dos sítios eletrônicos foi medida correta e de rigor. Atente-se que cada sócio
da empresa tem parcela ínfima de cotas sociais e os saldos bancários variam entre dois e duzentos e quarenta
e sete reais, o que mostra que o melhor caminho agora é evitar que outros consumidores comprem e
passem pelo problema, com dificuldades de serem ressarcidos. Dessa forma e pelo exposto, nada havendo
para se alterar o parecer é pelo improvimento. São Paulo, 04 de novembro de 2013. Nilton Luiz de Freitas Baziloni Procurador De Justiça
Com a manutenção da liminar, iniciou-se a fase seguinte que foi a de suspender os sites do ar, e de arresto
dos bens da pessoa jurídica e de seus sócios (também réus na ação), para preservar direito. O Juízo da 44ª Vara
Cível encaminhou ofício ao NÚCLEO DE INFORMAÇÃO E COORDENAÇÃO DO PONTO BR - NIC.br, inscrito
no CNPJ/MF sob o nº 05.506.560/0001-36, com sede na Av. Nações Unidas nº 11.541, 7º andar, na Cidade e
Estado de São Paulo e CEP: 04578-000, denominado REGISTRO.br, e o mesmo, atendendo imediatamente,
suspendeu a veiculação dos mencionados sites pela internet.
A fase seguinte foi o arresto de bens. Foi deferido pedido da Proteste para envio de ofício aos meios de pagamento, como Pag-Seguro, Redecard, Cielo, Mastercard, etc., para que atendendo a ordem de arresto, transferisse
os valores a receber em nome das referidas pessoas jurídicas, mediante depósito em juízo. Dois meios de pagamento atenderam e os valores foram arrestados e vários depósitos judiciais realizados.
O Ministério Público Federal de Manaus ingressou na ação como terceiro interessado, e a ação aguarda provimento final.
CONCLUSÃO
É esse o relato de caso que escolhi para homenagear os 25 anos do Código de Defesa do Consumidor. O resultado esperado com a divulgação deste relato é demonstrar como o Código de Defesa do Consumidor é um
microssistema coeso, e seu princípio estruturante, que é o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor
faz com que não somente no CDC estejam presentes os remédios tanto da defesa individual quanto da defesa coletiva, mas também a defesa do consumidor chama a um verdadeiro diálogo das fontes, para que outras
normas e seus institutos jurídicos venham ser utilizadas atendendo a defesa do interesse dos consumidores.
Obviamente, ao final da demanda haverá a condenação que ser genérica, (art. 95 do CDC) onde será fixado o
dever de indenizar, para que as os consumidores vítimas com as condutas dos réus venham liquidar e executar
a sentença dentro do prazo que a lei lhes confere.
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As Bodas do Código
de Defesa do Consumidor
Edson Luiz Vismona
Fundador e presidente da Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman – ABO;
Secretário da Justiça e da Defesa da Cidadania (2000/2002); Secretário Adjunto (1995/2000); Ombudsman da ABINEE (1990/1994) e da ELETROS (1994).
A ELABORAÇÃO DA LEI
Ao alcançarmos vinte e cinco anos do Código de Defesa do Consumidor seria correto afirmar que comemoramos
suas bodas de prata? Creio que sim, afinal bodas significa: “celebração de casamento” ou como ensina a origem
latina “promessa”, portanto, podemos afirmar que o CDC promoveu o “casamento” dos princípios da defesa do
consumidor com o ordenamento jurídico pátrio e também representou uma promessa de promover o aperfeiçoamento das relações de consumo.
Esse “casamento” foi difícil e didático. Difícil, pelas resistências que sofreu e didático, porque a sua elaboração
demonstrou o sentido da participação na elaboração legislativa. Quanto a “promessa”, hoje, podemos afirmar
que em parte foi cumprida. A evolução é inegável, mas devemos reconhecer que ainda deve avançar.
Pessoalmente, tive o privilégio de acompanhar essa Lei desde seu nascedouro e avaliá-la em duas dimensões,
pela ótica da iniciativa privada e, depois, pelo lado da administração pública.
Com a promulgação da Constituição Cidadã, em 1988, como membro do Comitê de Assuntos Jurídicos da
Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica – ABINEE, comecei a acompanhar as iniciativas do CNDC
– Conselho Nacional de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça e, especialmente, as ações da Comissão
que iria elaborar o Ante-Projeto do Código Nacional de Defesa do Consumidor, dando cumprimento ao disposto
no artigo 48 das disposições transitórias da Constituição.
Em princípio, muitos da área empresarial avaliavam que não havia motivo para qualquer movimentação, afinal, no Brasil, a regulamentação, em lei, de dispositivos constitucionais seria lenta. Entretanto, essa disposição
transitória já contava com uma articulação na sociedade civil, ou seja, era para valer. Era o início de uma grande
e educativa caminhada.
A ABINEE decidiu que deveria participar, procurando contribuir para que a Lei fosse mais adequada à realidade
das empresas brasileiras. Assim, desde o início, assumimos a defesa do Código de Defesa do Consumidor, uma
posição que não era consenso no meio empresarial brasileiro. Defendíamos que a defesa do consumidor se faz
com a empresa e não contra a empresa.
Fomos acolhidos pelos consumeristas, inicialmente, com desconfiança, que foi superada com a demonstração das intenções de efetivamente termos uma legislação forte, mas não maniqueísta. Atuei como relator das
emendas sugeridas pela ABINEE, e algumas foram incorporadas ao texto final, por exemplo, o parágrafo primeiro do artigo 18, tratando da possibilidade de troca do produto em caso de vício de qualidade.
O processo de elaboração do Código de Defesa do Consumidor foi uma importante lição de participação e
inclusão. Todos que assumiram a iniciativa de participar construtivamente foram acolhidos, em uma demonstração de que tão importante quanto o resultado também é o caminho percorrido para alcançá-lo.
O “DAY AFTER”
Aprovada a lei começamos a identificar os desdobramentos dessa inovação legal. Os PROCONs, especialmente o de São Paulo, Ministério Público e associações civis, começaram a explicitar o alcance da Lei e os meios
existentes para garantir a sua aplicação. A imprensa repercutia e divulgava os novos tempos. O setor empresarial
continuava dividido, uma corrente insistindo na velha máxima de que essa lei não iria pegar e outra, da qual participei, de que era importante agir preventivamente e procurar evoluir com ações efetivas na busca da harmonia
nas relações empresa-consumidor.
Os mais pessimistas ressaltavam o forte aspecto punitivo, penal e administrativo, alardeando que as empresas iriam “quebrar”. Seria o “final dos tempos”. Já os mais ponderados, entendiam que o CDC oferecia uma nova
oportunidade de amadurecimento da nossa economia, que não poderia evoluir sem o respeito aos direitos do
consumidor.
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A visão preventiva (que não é comum na prática brasileira) foi incentivada. Para evitar o peso das punições as
empresas deveriam ser pro-ativas, inovando na solução de conflitos. Essa perspectiva contribuiu para o desenvolvimento da instituição do Ombudsman no Brasil e a ABINEE passou a ser uma das pioneiras ao adotar esse
instituto, convidando-me para assumir essa função, já no final de 1990.
Os SACs – Serviços de Atendimento ao Consumidor, também tiveram um grande impulso, transformando-se
em um dos maiores empregadores do Brasil, massificando o atendimento.
De outro lado, a demanda dos consumidores teve forte crescimento, desafiando o poder público - Executivo, Judiciário e Ministério Publico - a desenvolver meios para atender ao crescente número de reclamações. O
brasileiro, com o CDC, passou a buscar a defesa de seus direitos, mesmo não sabendo o que a lei dizia passou
a ser comum o consumidor invocá-la. Em verdade, no Brasil, com o Código de Defesa do Consumidor, primeiro
aprendemos a exercer nossos direitos de consumidor e depois a entender melhor o que é cidadania.
A AÇÃO DO PROCON
Após acompanhar o período inicial da implantação do CDC na função de Ombudsman, procurando fortalecer
ações preventivas, evitando a judicialização, em 1995, mudei de lado, passando a exercer a função de secretário
adjunto e depois de secretário da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, que
tem o Procon como um dos seus órgãos vinculados.
O PROCON/SP, referência nacional na defesa do consumidor, sofria com falta de estrutura funcional e instalações deficientes, o que aumentava o desafio de atender a crescente demanda dos consumidores paulistas. Os
números de atendimento se multiplicavam. Facilitava a missão, a qualidade técnica dos servidores e da direção.
As iniciativas foram imediatas: acelerar a tramitação do projeto de lei que transformava o Procon em Fundação; Identificar um próprio do Estado para receber suas instalações; agilizar os meios de atendimento da
população; reordenar os registros de reclamações e da fiscalização; incentivar e agilizar as soluções de conflito;
fortalecer a ação educativa e preservar a sua autonomia e independência na defesa do consumidor, livre de interferências partidárias e de interesses econômicos.
Com muito esforço os objetivos foram alcançados: A Fundação Procon foi instituída e o corpo funcional contratado mediante concurso público; novas instalações próprias e postos de atendimento nas instalações do
Poupatempo; Criação do Juizado Especial dentro do Procon, agilizando o relacionamento com o Poder Judiciário; Atendimento nas regiões da periferia junto aos Centros Integrados da Cidadania; Participação nas Jornadas
da Cidadania; Instalação de Câmaras Técnicas com a participação das entidades empresariais e empresas; Novos regulamentos para a fiscalização e registros de reclamações; Ação independente diante de questões como
crise energética e programa de privatização.
No período de sete anos em que participei do governo de São Paulo - especialmente em contato direto com
a defesa do consumidor e do usuário (o CDC inspirou o governador Covas a propor e promulgar a inédita Lei de
Defesa do Usuário do Serviço Público de São Paulo, em 1999, definindo os direitos fundamentais do usuário)
- tive a oportunidade de aprender e acompanhar o desenvolvimento da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, estimulando o reconhecimento da importância do cidadão, seja consumidor, seja usuário de serviços
públicos.
COMEMORAR AVANÇOS E RECONHECER OS DESAFIOS
No início desse texto, afirmei que o CDC promoveu o “casamento’ dos princípios da defesa do consumidor
com o ordenamento jurídico pátrio e também representou uma promessa de avanço nas relações de consumo.
O “casamento” foi um sucesso. Em todo o Brasil temos a estruturação de Procons; coordenadorias específicas
do Ministério Público; varas judiciais especializadas em relações de consumo; implantação do Sistema Nacional
de Defesa do Consumidor; farta jurisprudência consumerista; a ação das associações de defesa do consumidor;
ampliação das ouvidorias, são todas conquistas reconhecidas. O tema da defesa do consumidor é uma realidade
que não pode ser desconsiderada na agenda nacional.
Porém, a promessa de avanço nas relações de consumo, foi, ao meu ver, parcialmente cumprida. Seria um
avanço, por exemplo, a consolidação de meios preventivos de conflito. Porém, a ação preventiva pelas empresas,
estimulada quando da promulgação do CDC, esmoreceu. A implantação de ouvidorias cresceu mais por força
da determinação da lei ou de órgãos reguladores e menos pela vontade das empresas. Os SACs, reconhecidos
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os esforços de aperfeiçoamento, representam uma fonte de insatisfação para os consumidores. A instituição de
comissões permanentes, prevista no § 3º. do artigo 55 do CDC não foi realizada. E o Poder Judiciário está abarrotado de causas envolvendo relações de consumo. Parece que houve uma preferência pela disputa em prejuízo
da conciliação direta entre empresas e seus consumidores. O fenômeno da advocacia de massa em relações de
consumo demonstra que a solução amigável de conflitos precisa ser valorizada.
Com certeza, comemorando as “bodas” do Código de Defesa do Consumidor devemos enaltecer as conquistas
e apontar para o contínuo desafio de trabalhar para efetivamente avançarmos no objetivo de harmonizar as relações de consumo. O consumidor quer soluções e não disputas judiciais. De um lado, o Poder Judiciário, cada vez
mais, não suporta o volume de demandas e, de outro, os custos da judicialização para as empresas aumentam
geometricamente. A atitude tem que mudar.
O consumidor tem que ser o foco das empresas. Suas demandas devem estar no centro das decisões e não
como uma estatística em uma planilha de atendimento. Antes de valorizar o protocolo, ter total atenção para a
questão apresentada pelo consumidor que reclama, fortalecendo o relacionamento. Essas reflexões são corolários da Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman, criada em 16 de março de 1995, congregando os ouvidores públicos e privados, e que tem no Código de Defesa do Consumidor um dos seus pilares fundamentais.
Em verdade, para uma lei que nasceu com alguns vaticinando que não iria pegar, o Código de Defesa do Consumidor, reconhecido internacionalmente como um dos mais avançados do mundo, vem dando uma lição de
vitalidade e seus objetivos devem ser sempre valorizados. A cidadania, cada vez mais exigente, reconhece o CDC
como seu aliado e clama por ser cada vez mais atendida e entendida.
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A Sociedade de Consumo e Oferta
Markus Samuel Leite Norat
Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais; Pós-Graduação em Direito Eletrônico; Pós-Graduação em Direito Civil, Processo Civil e Direito do Consumidor pela UNIASSELVI - Centro Universitário Leonardo da Vinci - ICPG - Instituto Catarinense de Pós Graduação; Pós-Graduação em Direito de Família; Pós-Graduação em Direito
do Trabalho e Direito Processual do Trabalho pela ESA-PB - Escola Superior da Advocacia da Paraíba - Faculdade Maurício de Nassau; Pós-Graduação em Direito Ambiental pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ; Extensão universitária em Direito Digital pela Escola Paulista da Magistratura do Tribunal de Justiça de São
Paulo; Extensão universitária em Didática Aplicada pela UGF; Extensão universitária em Novas Tecnologias da Aprendizagem: Novas Plataformas pela UGF; Extensão
universitária em Políticas Educacionais pela Universidade Gama Filho; Extensão universitária em Aspectos Filosóficos pela UGF; Curso de Capacitação em Direito do
Consumidor VA pela Escola Nacional de Defesa do Consumidor - ENDC-DPDC-SENACON-Ministério da Justiça; Curso de Proteção de Dados Pessoais pela ENDC;
Curso de Defesa da Concorrência VA pela ENDC; Curso de Crimes Contra as Relações de Consumo pela ENDC; Curso para o Jovem Consumidor pela ENDC; Curso
de Formação de Tutores 1 DC pela ENDC; Curso de Formação de Tutores 2 DC pela ENDC; Curso de Práticas Eleitorais pela Escola Superior de Advocacia da OAB PB;
Advogado; Coordenador do Departamento de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão das Faculdades de Ensino Superior da Paraíba - FESP Faculdades; Professor do
Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ; Professor do Departamento de Pós-Graduação da Fundação Escola Superior do Ministério Público da Paraíba; Professor
da Escola Nacional de Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça; Membro Coordenador Editorial de Livros Jurídicos da Editora Edijur (São Paulo); Membro-Diretor Geral e Editorial da Revista Científica Jurídica Cognitio Juris, ISSN 2236-3009, www.cognitiojuris.com; Membro Coordenador Editorial da Revista Ciência Jurídica,
ISSN 2318-1354; Membro do Conselho Editorial da Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, ISSN 2237-1168; Membro do Conselho Científico da Revista da
FESP: Periódico de Diálogos Científicos, ISSN 1982-0895; Autor de livros e artigos jurídicos. http://www.markusnorat.com
Não exageramos quando dizemos que a atual sociedade de consumo só atingiu os atuais moldes de vida, com
o capitalismo desenfreado, em que tudo se produz e tudo se consome, em virtude da pesada massificação das
publicidades, que são fomentadas pela indústria de comunicação e se utilizam de modernas técnicas de ilusão
e persuasão – ou seja, do marketing – sob as mentes dos consumidores.
Se antes as relações de consumo eram absolutamente pessoais, e vinculadas a uma real necessidade em se
ter ou substituir algum produto ou serviço, agora, na indústria de massa, os produtos – que por vezes não são
necessários aos consumidores – precisam ser comercializados; e como fazer alguém comprar algo que não precisa? Como colocar na cabeça de um ser humano que ele, não conseguirá sobreviver se possuir o mesmo aparelho
de telefone celular por mais de dois anos? Como incutir na cabeça de alguém que ela não possui nenhuma peça
de roupa utilizável, mesmo estando com o guarda-roupa lotado? É simples, com uma publicidade, que é uma
oferta, que é uma ferramenta do marketing, que é uma prática comercial.
– Eu comprei um celular no ano passado, mas preciso comprar um novo, pois ele tem pouca memória para
salvar os programas e as fotos, além disso, a bateria já está fraca... – Eu tenho 30 calças e 30 camisas, mas não
posso utilizar nenhuma, pois tudo está fora de moda.
Será mesmo que precisamos disso? Será que os fornecedores não programam a obsolescência dos produtos?
Será que ninguém percebe no que nos tornamos? Afinal, nós (sim, nós mesmos, os humanos) também já somos
considerados como o produto final de diversas empresas, a não apenas de meio. Vários são os estudos que afirmam que nós – os adultos – já estamos perdidos e irremediáveis, e que a meta agora é tentar salvar as nossas
crianças das publicidades, para assim evitar que elas cresçam e fiquem iguais a nós! Pouco antes de sentar para
escrever meu sobrinho, que tem três anos de idade, estava me dizendo que “a salsicha boa é da ‘marca x’”, ora,
ele tem três anos e – saliente-se – nunca comeu uma salsicha, e nem sabe o que é uma salsicha; mas ele viu um
casal de apresentadores dizendo isso no comercial da televisão... Mas vamos por partes, para bem analisar como
chegamos até aqui.
O que seriam as práticas comerciais? As práticas comerciais são os mecanismos que os fornecedores se utilizam para promover a comercialização dos seus produtos e serviços, para, assim, garantir que sua mercadoria
chegue até o destinatário final – o consumidor. Por conseguinte, são as práticas comercias que apresentam os
produtos e serviços aos consumidores através do marketing, além de abrangerem, também, e não apenas isso,
as cobranças de dívidas e os bancos de dados e cadastros de consumidores. O marketing tem o objetivo de prever e satisfazer as necessidades que os consumidores possuem. Ou seja, ele estuda os anseios do consumidor,
para, a partir disso, produzir um determinado produto ou estabelecer um serviço. Após esse processo, o marketing se preocupará com a comercialização deste produto ou serviço.
O Código de Defesa do Consumidor conceitua oferta como “toda informação ou publicidade, suficientemente
precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos
ou apresentados”. A oferta, portanto, pode ser desde o anúncio publicitário, até as informações sobre produtos
e serviços transmitidas por qualquer forma ou meio de comunicação. Por exemplo: o vendedor da loja de automóveis que tenta encantar o consumidor com as qualidades de um automóvel, através de conversa pessoal;
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ou mesmo, as informações dispostas nos rótulos e embalagens dos produtos. A publicidade, que é um tipo de
oferta, é uma atividade comercial que se utiliza de técnicas modernas e criativas, comumente praticada pelos
fornecedores, que tem a finalidade de divulgação de um produto ou um serviço, de forma que desperte nos
consumidores a intenção de adquiri-los. É uma informação de caráter puramente econômico, pois tem por objetivo a ampliação da venda de produtos ou de serviços. A publicidade pode ser considerada como o elemento
que movimenta as relações de compra e venda. É, pois, a maior ferramenta do marketing e por esse motivo é a
forma mais empregada pelos fornecedores para fazer com que os seus produtos ou serviços sejam conhecidos
pelos consumidores. Ainda, pode-se dizer que as relações de consumo são, verdadeiramente, dependentes da
publicidade, pois é ela que faz encantar os consumidores por impulso a adquirirem produtos que não precisam.
Por vezes, a publicidade se utiliza de técnicas para atingir diretamente as emoções, os sentimentos mais íntimos
daquele consumidor que adquire produtos e/ou serviços por impulso.
Os fornecedores e as agências de publicidade sabem que os consumidores, em diversos momentos, assumem
a posição de “consumidor por impulso”, ou seja, o consumidor adquire um determinado produto ou um serviço,
que não lhe será útil, somente porque foi fascinado por uma mensagem publicitária muito bem elaborada, por
isso se utilizam de diversas técnicas, dentre elas podemos citar o merchandising, o teaser, o puffing, a publicidade como peça jornalística, a publicidade comparativa e a publicidade subliminar. O merchandising é feito de tal
modo que o consumidor não o identifica como tal, é muito utilizada em filmes, novelas, seriados, documentários
etc. Nesta técnica, o produto que está sendo anunciado é inserido no contexto do programa que está sendo
exibido em vídeo ou áudio, ou mesmo, através de textos, como sendo em uma ocasião habitual. O merchandising surgiu nos Estados Unidos da América, como forma de burlar a proibição dos anúncios do cigarro. Impossibilitada de veicular publicidade na televisão, a indústria do cigarro começou a pagar para que os personagens
dos filmes fumassem a sua marca de cigarros. No nosso país, o merchandising é utilizado para burlar o tempo
máximo de exibição de publicidade por cada hora de programação, que foi imposto em até 15 minutos de publicidade para cada 1 hora de programa, pelo Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária do Conselho
Nacional de Autorregulamentação publicitária – CONAR. O teaser é uma técnica que objetiva criar expectativas
ou curiosidades em torno de um produto que ainda será lançado no mercado de consumo. Pode-se dizer que o
teaser é um “anúncio de um anúncio”, pois não passa de uma publicidade que informa ao consumidor que em
uma determinada data, ele poderá ver outro anúncio. Por exemplo, a empresa que faz uma publicidade com a
seguinte mensagem: “Prepare-se. Vem aí a oportunidade que vai deixar seu dia a dia ainda mais especial.” O
puffing é uma técnica publicitária que utiliza o exagero sobre as características daquela mercadoria que está
se anunciando, para chamar a atenção do público consumidor. A técnica não é proibida, pois não apresenta
enganosidade, quando se refere, por exemplo, como: “o melhor carro”, “o mais bonito”, “o carro do ano” ou “o
mais saboroso”. Portanto, é uma publicidade meramente espetaculosa. A publicidade como peça jornalística
é também conhecida como publicidade dissimulada ou publicidade redacional. Esta publicidade é construída
como se fosse uma matéria jornalística, e é permitida desde que informe ao consumidor que se trata de uma
publicidade e não de uma matéria jornalística real. A publicidade comparativa, diferentemente da forma como
acontece em outros países, não é proibida no Brasil. Porém, esta técnica publicitária só será aceita quando esclarecer, de forma objetiva e através de uma comparação entre produtos de igual nível, por meio de dados passíveis
de comprovação. Além disso, a publicidade comparativa não pode denegrir a imagem do produto ou, inclusive,
da empresa concorrente; também não se permite utilizar do prestígio da marca ou produto da outra empresa,
ou mesmo, embaraçar o entendimento do consumidor sobre a relação “produto - marca” como forma de levar
o consumidor a adquirir um produto por acreditar que este seria de outra marca. Já a publicidade subliminar
é uma forma de publicidade que não permite que a mensagem que está sendo transmitida seja captada pelo
consciente do ser humano, ou seja, apenas o inconsciente da pessoa que esteja sendo submetida a esta publicidade reagirá à mensagem publicitária, através de emoções, desejos ou a qualquer sentimento explorado pelo
anúncio. Esse tipo de publicidade foi inicialmente inserida durante a exibição de filmes em cinemas dos Estados
Unidos, e surtiu um grande efeito em cima dos consumidores. No Brasil, o caso mais famoso de veiculação de
mensagem subliminar em publicidades foi uma publicidade institucional de uma emissora de televisão de rede
nacional. Em 29 de outubro de 2002 as Promotorias de Justiça do Consumidor e de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Infância e da Juventude do Ministério Público do Estado de São Paulo ingressou com uma
Ação Civil Pública, Processo: 0201689-24.2002.8.26.0100 (583.00.2002.201689), contra uma emissora de televisão em decorrência de mensagem subliminar em uma publicidade veiculada. As promotorias do Ministério
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Público afirmavam que a emissora exibia uma vinheta que no plano consciente trazia imagens regulares com o
logotipo da própria emissora, porém quando as imagens eram submetidas a uma velocidade mais lenta, eram
facilmente perceptíveis que imagens com cenas explícitas de sadomasoquismo, perversão sexual e nudismo
eram transmitidas na publicidade.
No Brasil, a publicidade é disciplinada através de um sistema de controle de natureza mista, ou seja, a matéria é controlada pelo Estado, através da administração pública ou do judiciário, e por organismos privados
autorregulamentadores, como o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR. Tal controle
é absolutamente necessário, pois, por vezes a publicidade pode assumir um aspecto enganoso ou abusivo; e,
por ter um caráter difuso, a publicidade não atinge única e exclusivamente uma só pessoa, ela atinge todas as
pessoas indistintamente e indeterminavelmente. Por isso a publicidade não pode deixar de transmitir a verdade
na mensagem que está passando ao consumidor, seja de forma comissiva, fazendo afirmações falsas, ou de forma omissiva, deixando de fazer alguma afirmação essencial para que o anúncio seja verdadeiro. Neste sentido,
vamos fazer referência a um caso ocorrido nos Estados Unidos da América, quando uma empresa de alimentos
anunciou que o seu iogurte, se consumido diariamente, regularizaria todo tipo de disfunção intestinal em apenas duas semanas. Como resultado, os consumidores processaram a empresa alegando que os benefícios que
a empresa assegurava no iogurte eram superestimados. O processo foi arquivado após a empresa pagar 35 milhões de dólares aos consumidores. Existindo a veiculação da publicidade enganosa, toda a sociedade é vítima,
portanto, o dano moral é coletivo. Protege-se, aqui, não apenas o consumidor bem informado, mas também,
a boa-fé da criança, do ignorante, do analfabeto etc. O parâmetro a ser analisado para se aferir a enganosidade
de uma publicidade deve ser tomado a partir do consumidor menos atento, portanto, o mais vulnerável entre os
vulneráveis. Já a publicidade abusiva será aquela que seja contrária à ética, moral e ordem pública; que induza
o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a si, a outrem ou ao meio ambiente; que explore
a inocência ou a ausência de conhecimento da criança, bem como o medo, superstição ou a discriminação. Para
se considerar uma publicidade como abusiva, deve-se ponderar a forma como esta foi apresentada. Analisa-se
se a forma como o anúncio foi veiculado possa causar algum dano à sociedade. O caráter abusivo da publicidade
não se relaciona diretamente com o produto ou serviço que está sendo exibido na publicidade, mas sim com a
maneira como esta se apresenta. Desta forma, podemos encontrar em um mesmo anúncio publicitário o caráter
abusivo e também o enganoso.
E qual seria a nossa defesa diante de tudo isso? Bem, o artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor determina, que a oferta obriga o fornecedor ao cumprimento da informação que foi transmitida, e, ainda, integra o
contrato. Assim, o fornecedor fica vinculado à oferta que prestar. Por exemplo, um consumidor vai até o setor de
vendas de uma construtora, pergunta a um dos vendedores sobre um determinado condomínio residencial que
será edificado em um ano. O vendedor explica-lhe as condições de compra e faz anotação de todos os dados
informados em um panfleto. No panfleto, o vendedor escreve que cada apartamento conterá 300m². O consumidor, deslumbrado com tudo que ouviu do vendedor, assina o contrato sem perceber que lá constava apartamento com área de 250m². Somente quando recebe o imóvel o consumidor percebe tal diferença. Revoltado, o
consumidor liga para a construtora e menciona as informações que lhe foram passadas, inclusive constantes no
panfleto, que anunciava um apartamento maior. A funcionária de telemarketing, se utilizando excessivamente
do gerúndio, diz: “Senhor, eu não estou entendendo a reclamação que o senhor está fazendo, pois a construtora
está entregando um imóvel que está de acordo com o contrato que o senhor esteve assinando”. Neste caso, ao
contrário da informação que a funcionária é orientada a fornecer aos consumidores, a construtora é obrigada a
entregar um apartamento com os 300m² dispostos no panfleto; mesmo que o contrato assinado pelas partes
conste a medida de 250m². Caso a construtora assim não o faça, o consumidor poderá se valer das disposições
do art. 35 do CDC. Porém, se ocorrer algum erro durante o processo de construção da oferta, o fornecedor estaria obrigado a cumprir com a mensagem divulgada? Em princípio a resposta seria sim, porém, como exceção à
regra (e somente em casos excepcionalíssimos), a resposta pode ser não. Se a mensagem, por si só, evidenciar
a existência de erro, a oferta não irá vincular o fornecedor. Entenda-se aqui que o erro deve se apresentar de tal
forma que o consumidor se pergunte se aquela mensagem realmente está correta. Pois de outra maneira, sempre o fornecedor poderia alegar que ocorreu um erro, de forma que estaria isento da obrigação de cumprir com a
mensagem da oferta. Como exemplo, veja o seguinte caso ocorrido em maio de 2009: Uma loja virtual anunciou
erroneamente televisores de plasma e notebooks de última geração por R$9,90 mais o valor do frete. Assim,
vários consumidores efetuaram a compra, chegando, inclusive a receber em suas caixas postais eletrônicas a
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confirmação da transação e o registro dos valores no cartão de crédito; no entanto, todas as transações foram
canceladas pela empresa com o respaldo do Procon-SP; tendo a empresa, como única responsabilidade, a devolução dos valores pagos pelos consumidores. É bom ressaltar aqui que o Código de Defesa do Consumidor
não traz direitos e deveres que possam levar um fornecedor à falência. Não será assim com um fornecedor que
exerce as suas funções de forma coerente com a moral, ética e respeito ao consumidor. No caso, a empresa não
foi obrigada a cumprir a oferta, pois a discrepância entre o valor real do produto e o valor anunciado é tão tamanha que o consumidor deve presumir o erro e tomar certificação quanto ao preço do produto antes de efetuar
a transação. Ora, o valor anunciado correspondia a 0,25% do real valor de mercado dos produtos. Deve-se levar
em conta aqui o princípio da boa-fé, também para o consumidor.
No que se refere especificamente a publicidade, o Código não se preocupa em aferir quais eram as intenções
do fornecedor que fez veicular a publicidade enganosa ou abusiva. A responsabilidade sobre este tipo de publicidade recai no fornecedor independentemente de culpa ou dolo, de boa intenção ou má-fé. Pois, de uma forma
ou de outra, a publicidade será ilícita, e, a responsabilidade das pessoas que fizeram o anúncio será objetiva. O
Código de Defesa do Consumidor determina, ainda, que a responsabilidade sobre a publicidade seja solidária
entre todos os que participaram. O anunciante é sempre responsável pela veiculação da publicidade enganosa
ou abusiva, e pelo dano moral coletivo, de forma que a ofensa possui caráter punitivo e reparatório. A agência
produtora da publicidade será solidariamente responsável, quando agir de forma intencional ou negligente, descumprindo um dever de cautela, com o anunciante independentemente do contrato estipulado entre ambos. Já
os meios de comunicação, não devem responder pelas publicidades enganosas ou abusivas, exceto se o veículo
de comunicação fizer veicular a publicidade, culposa ou dolosamente, de forma que contrarie as disposições legais. Posicionamento esse, compartilhado pelo CONAR. A entidade mantém o entendimento – prévio ao Código
de Defesa do Consumidor – que os veículos de comunicação não podem ser responsabilizados de forma automática pelos anúncios enganosos ou abusivos veiculados. Para o CONAR, o veículo de comunicação (seja rádio,
televisão, revista, jornal, portal da web etc.) poderá ser responsabilizado como coautor da publicidade enganosa
ou abusiva quando, e apenas nesta possibilidade, for previamente informado sobre o problema (enganosidade
ou abusividade) que está inserido nesta publicidade, e mesmo assim, permitir que a publicidade seja transmitida. Importante ressaltar que, o meio de comunicação que já tiver veiculado a publicidade e, somente após isso,
receber a comunicação sobre o problema contido neste anúncio, se não mais permitir a veiculação desta publicidade enganosa ou abusiva através dos seus meios, este veículo não incorrerá em coautoria.
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Avanços e perspectivas sobre as instituições
financeiras e o Código de Defesa do Consumidor
Bruno Boris Carlos Croce
Sócio de Bruno Boris Advogados.
Professor do Núcleo de Direito Empresarial da Faculdade de
Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Professor de Direito Empresarial na Faculdade de Administração da
Universidade Presbiteriana Mackenzie.
O advento do Código de Defesa do Consumidor foi e ainda é responsável por relevantes impactos sociais, fazendo o difícil caminho de reflexo da lei no comportamento humano. Condutas antes não imaginadas por consumidores em pleitear seus direitos nos mais diversos órgãos de proteção e defesa do consumidor, bem como
a atuação de fornecedores que incorporaram a legislação de consumo em seus fluxos de negócios, muitas vezes
surpreendendo seus clientes com atitudes anteriormente encontradas, via de regra, ocorria apenas em países
mais desenvolvidos.
Hoje no Brasil, sem ignorar os problemas ainda existentes no mercado, pode-se afirmar que o consumidor já
sabe o significado de ser bem tratado e, caso não tenha esse sentimento, poderá exigi-lo mediante reclamações
extrajudiciais e judiciais que em sua grande maioria sabem distinguir o consumidor de boa-fé e o de má-fé,
ocorrendo do mesmo modo com os fornecedores. Há, portando, um atendimento à demanda reprimida do consumidor que até a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, necessitava percorrer um caminho muito
mais complexo a fim de resguardar seus direitos, sua dignidade.
Muitos fornecedores e operadores do direito não conseguiram analisar com a eficácia necessária o impacto
desse jovem diploma nas relações de consumo entre pessoas físicas e até pessoas jurídicas, estas, desde que
analisados os requisitos para considerá-las consumidoras. Mas pouco tempo depois do início de sua vigência, o
Código de Defesa do Consumidor aumentava sua zona de atuação e influência, exponencialmente.
A criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais fez com que as demandas envolvendo relações de consumo explodissem, diversas empresas fornecedoras que até o início dos anos noventa tratavam das questões
envolvendo consumidores internamente, mudaram completamente suas estruturas para suplantar essa nova
onda de direitos que surgia e, no aspecto empresarial criou passivos consideráveis. O consumidor passou de
SER de menor importância para muitos fornecedores para um SER essencial ao negócio e mais, potencialmente
gerador de custos extraordinários.
Milhares de reclamações, ações individuais e ações coletivas tornaram departamentos jurídicos em centros de
estratégia e de grande relevância à atividade dos fornecedores, pois um único problema no sistema de cobrança
de uma financeira, por exemplo, independentemente de culpa, poderia gerar a cobrança indevida de milhares
de consumidores. Os departamentos jurídicos dos fornecedores começaram a atuar em contato direto com as
áreas centrais de prestação de serviços ou de produção, observando o resultado das ações contra as empresas
que geravam impacto no mercado de consumo.
Em suma, o Código de Defesa do Consumidor implantou um verdadeiro choque de gestão no mercado de
consumo brasileiro, impactando todos os segmentos que atuam diretamente com consumidores, incluindo-se
as instituições financeiras. E não poderia ser de outra forma, eis que na sociedade de consumo massificado, um
microssistema como o Código de Defesa do Consumidor torna-se algo comum, pois regula a grande parte das
relações humanas que são, obviamente, de consumo.
O início do relacionamento entre o Código de Defesa do Consumidor e as instituições financeiras foi bastante
conturbado, pois ainda que houvesse previsão expressa em seu § 2ºdo artigo 3º de que o fornecedor é aquele
que fornece serviços no mercado de consumo mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, os embates judiciais sobre a aplicabilidade do Código às instituições financeiras
perdurou por anos, até que o Supremo Tribunal Federal colocasse um ponto final nas discussões, declarando
que as instituições financeiras estão sujeitas ao regramento do Código de Defesa do Consumidor, quando do
julgamento da ADIN n. 2.591.
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A ADIN n. 2.591 apenas encerrou um debate que se arrastava por muitos anos e que a jurisprudência já acenada para um final de plena aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras. O
Superior Tribunal de Justiça já exarava entendimento de que as instituições financeiras estavam sujeitas aos
regramentos do Código, editando a Súmula 297, mas esta orientação não pacificou os conflitos entre instituições
financeiras e consumidores, especialmente no que se refere aos juros e cláusulas abusivas.
Ora, a atividade financeira é essencial ao desenvolvimento de qualquer país, pois fornece o capital necessário
para grandes empreendimentos que vão além dos interesses privados, mas projetos estruturais que todo país
precisa para participar da integração mundial por muitos chamada de globalização, e com essa integração seja
possível melhorar a qualidade de vida de sua nação. E exatamente por uma atividade essencial, a grande maioria
das pessoas carece desse tipo de serviço e, por óbvio, quanto maior o número de relações contratuais, maior a
probabilidade de existir problemas.
O respeito às normas o Código de Defesa do Consumidor por parte das instituições financeiras trouxe benefícios aos consumidores, obrigando os fornecedores a aprimorarem o atendimento, detalhar as informações
contratuais evitando negócios viciados, criando e aprimorando o SACS - Serviços de Atendimento aos Consumidores, dando-lhes direito de acesso às gravações, soluções mais rápidas, dentre outros benefícios. Todavia,
a aplicação do Código de Defesa do Consumidor não é a solução para todos os problemas do mercado de consumo.
O Código de Defesa do Consumidor teve o êxito de aprimorar as relações entre financeiras e consumidores,
mas existem questões que envolvem as atividades financeiras que estão longe de sofrer regulação pelo Código.
Ao menos regulação direta, pelo fato de questões macroeconômicas e sociais não colaborarem com o debate
da matéria.
A questão dos juros cobrados pelas instituições financeiras, por exemplo. O que se pode considerar como taxa
de juros efetivamente abusiva no mercado financeiro brasileiro? Os juros cobrados pelas instituições financeiras
são ponto de discórdia há muitos anos e ainda que o Código de Defesa do Consumidor seja aplicado nesse tipo
de relação, fato é que atualmente apenas o que a jurisprudência entende que supere excessivamente a média
de juros cobrados pelo respectivo segmento financeiro, pode vir a sofrer alguma restrição em benefício do consumidor.
O tema não é simples, de um lado existem consumidores que utilizam desse serviço essencial - porque não
se pode imaginar que um cidadão brasileiro comum tenha condições financeiras de adquirir um imóvel para
moradia sem o auxílio de financeiras -, e de outro os fornecedores que por questões econômicas e de interesse
privado não querem ou não podem abdicar de seu spread. E ainda que seja factível debater limites às cobranças
de juros empregados pelas financeiras, pois como mencionado, já existem casos, ainda que no âmbito judicial,
de que há limitação dos juros, ao menos daqueles que extrapolem, e muito, o que se considera razoável ao
mercado, complexo prever que o próprio Estado tenha interesse em debater o tema. Nem ao menos na questão
educacional o Estado se faz presente.
A educação do consumidor é crucial para que o mercado de consumo tenha condições intelectuais de evolução. O consumidor instruído já poderá distinguir qual modelo de crédito adapta-se melhor à sua condição,
evitando contratação de créditos notoriamente custosos, como o de cartão de crédito, cheque especial e outros
que por não exigir garantia do devedor, negociam crédito a valores consideravelmente elevados.
O Código de Defesa do Consumidor faz sua parte ao declarar como direito básico do consumidor o direito à
informação. A previsão do inciso II do artigo 6º do Código determina que o consumidor tenha direito à educação
e divulgação sobre o ato de consumir, de forma a garantir uma escolha, dentro do possível, livre e em igualdade
de condições. Mas não apenas isso, o inciso IV do mesmo artigo reforça a importância da educação, mas não
apenas em relação aos consumidores, mas também aos fornecedores, que fazem parte desse mercado. Isso não
significa que o fornecedor deva aguardar a atuação estatal, pelo contrário, sua obrigação é educar e informar o
consumidor sobre o seu produto ou serviço. Então, cabe às financeiras, na omissão do Estado, orientar o seu
consumidor a celebrar contratos dentro da mais estreita regra de boa-fé, auxiliando e evitando que o seu consumidor fique superendividado. O superenvididamento não cria um problema apenas à instituição financeira
credora, mas social.
O consumidor superendividado até que sejam cortadas todas suas linhas de crédito continuará usando o
crédito, mas então sem condições mínimas de adimplemento. O inadimplemento de qualquer consumidor leva
reflexos à economia, pois como regra de mercado, o custo do inadimplente é repassado aos adimplentes, numa
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verdadeira solidariedade econômica. Evidente, portanto, que a responsabilidade também é coletiva, desde a
instituição financeira que deve melhorar suas regras de concessão de crédito, do consumidor que deve estar
alerta e cônscio de seus direitos, como o próprio Estado deve procurar resguardar os consumidores das práticas
abusivas do mercado.
O Código de Defesa do Consumidor criou um ambiente propício para uma evolução ainda maior do mercado
de consumo, especialmente no que se refere às relações com instituições financeiras, contudo, acredita-se que
a evolução do mercado de consumo seja uma realidade ainda distante do que poderia ser, data a omissão do
Estado em fomentar adequadamente o crédito de consumo para bens de primeira necessidade. O projeto de
alteração do Código de Defesa do Consumidor, destacando bons aspectos para evitar o superendividamento do
consumidor, é apenas um lado da moeda que não será tão eficiente se do outro lado não houver a educação do
consumidor fomentada pelo Estado.
Impingir regras de educação e orientação na concessão de crédito às instituições financeiras, provavelmente
trará efeitos mais céleres ao mercado, mas isso não significará que todos os problemas de mercado estarão
resolvidos, sem que o Estado participe ativamente na educação do consumidor, seja na implementação de políticas públicas de ensino na educação de base e campanhas de orientação, pois se deve lembrar que as próprias
financeiras públicas não se destacam em qualidade de informação ao consumidor se comparadas às privadas.
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Avanços e Tropeços do CDC
nos seus 25 anos
João Batista de Almeida
Advogado em Brasília, mestre em Direito Público pela UnB,
Membro aposentado do MP Federal, ex-presidente do CNDC e do Brasilcon,
autor de obras jurídicas sobre o tema.
Já no início da vigência do CDC, os doutrinadores puseram-se a averiguar de que forma a nova legislação poderia alcançar efetividade, cogitando dos mecanismos que deveriam ser usados, expandidos ou revitalizados em
nome de uma tutela que sempre se pretendeu real e efetiva, e não apenas retórica.
Tivemos a previsão constitucional em 1988, ganhamos um moderno código de defesa do consumidor dois
anos depois, mas não bastava apenas a edição de leis para que a proteção fosse real. Era necessário muito mais:
vontade política dos governantes nas três esferas de poder, o engajamento da sociedade civil e dos próprios
consumidores, agrupados ou individuais; os órgãos aplicadores da nova lei precisavam estar preparados e instrumentalizados para a missão, urgia dar-se prioridade à questão da educação formal e informal do consumidor,
o momento exigia maior repressão ao abuso do poder econômico. Era necessário levar a defesa do consumidor
ao interior do país. O Estado precisava melhorar seu relacionamento com os consumidores, evitando editar leis
flagrantemente inconstitucionais.
Comparando-se com o momento anterior ao CDC, pode-se afirmar que vivemos uma nova era nos dias de
hoje. O Código representou, sem dúvida, um grande avanço e uma árdua e festejada conquista, superando
conhecidos obstáculos legislativos e administrativos. À consideração de que a lei não é apenas comando, mas
fator de educação social, conclui-se que o novo diploma legal despertou consciências e determinou mudança
de hábitos e costumes nas relações de consumo. Foi alcançado, em grande parcela, o propósito de harmonização nas relações entre fornecedores e consumidores, que estão hoje muito mais protegidos e atentos aos seus
direitos e interesses.
Notáveis avanços foram conseguidos nas áreas de educação do consumidor, pois o tema passou a constar dos
currículos escolares; foi reestruturado e otimizado o combate ao abuso do poder econômico com o novo CADE
e a Secretaria de Direito Econômico, mais ativos e eficientes.. No Judiciário, surgiram os Juizados Especiais
Cíveis, que conseguem conciliar cerca de 80% das demandas consumeristas. Os Procons Estaduais ganharam
fôlego, estrutura e pessoal qualificado. Na área federal, o tema ganhou status e realce e obteve bons resultados
com a Secretaria Nacional, o SNDC e o portal do consumidor. Até os recalls passaram a ser mais freqüentes e
a envolver poderosas empresas multinacionais, que antes se comportavam como se estivessem acima da lei,
passando a ocorrer convocações mais claras, sistemáticas e amplamente divulgadas. Ou seja, mais respeito ao
consumidor de seus produtos.
Algumas medidas importantes, no entanto, acabaram não se concretizando, mesmo decorrido um quarto de
século.
Todo mundo sabe que ainda não foi implementada por completo a municipalização da defesa do consumidor, levando-a para o interior do país, desconcentrando-a das Capitais e das grandes cidades. Até hoje não se
completou o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, que deve ser integrado por órgãos federais, estaduais
e municipais, além de associações civis.
Em 1999, dos 5.595 municípios brasileiros, só existia defesa do consumidor estruturada em menos de 10%, ou
seja, pouco mais de 500. No entanto, existem e funcionam satisfatoriamente os órgãos federais e estaduais.
Nesse cenário, o elo que faltava – e continua faltando -- é o dos municípios, onde residem os consumidores. É
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urgente a complementação do SNDC, criando-se e fazendo funcionar os Procons municipais, sob pena de permanente descaso com a população dessas localidades, levando a descrédito todo o sistema.
É verdade que o Poder Executivo tem sido mais cuidadoso no que se refere à constitucionalidade na criação de
tributos em geral, recuperando a péssima imagem de um passado recente. Mas continua omisso e ineficiente
ao fiscalizar os aumentos abusivos autorizados por agências reguladoras, como nas áreas de combustível, planos de saúde, telefonia, energia elétrica. Além de, muitas vezes, ter sido ele próprio o causador desses aumentos
pela prática irresponsável em épocas eleitorais, fazendo com que o consumidor assuma o papel de principal
pagador de conta alheia.
Ainda se ressente o consumidor da lacuna que se verifica pela não existência de legislação específica sobre
alguns temas como comércio eletrônico, cartão de crédito (não se pode aceitar mera regulamentação do Banco
Central), superendividamento e overbooking. (é preferível que esse tema seja objeto de lei, e não de mera resolução da ANAC). Mesmo o projeto de lei que altera pontos do CDC vem tramitando sem nenhuma celeridade,
como se o consumidor não fosse importante ou não merecesse a tutela complementar.
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10
Breve história do Direito do Consumidor Brasileiro
Luiz Otávio Amaral
Advogado e professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Brasília, ex-Diretor da Fac. de Direito da UDF.
Já lecionou na Fac. Direito da UnB. Autor de “Relações de Consumo” (4v. MJ, 1982); “O Cidadão e Consumidor” (MJ/1984),
Comentários ao Código de Defesa do Consumidor (co-autor, Forense/1991). “Teoria Geral do Direito”, Ed. Forense, 2006 (1ª e 2ª ed.) eSaraiva (2011, 3ª ed.).
“Lutando pelo Direito”, Ed. Consulex (2003); “Direito e Segurança Pública - juridicidade operacional da Polícia” (Consulex,2006).
“Teoria Geral do Direito do Consumidor”, Ed. Revista dos Tribunais, 2010. 1º executivo da defesa do consumidor no plano Federal,
CNDP/MJ, na época da elaboração do Código de Defesa do Consumidor.
Sendo o consumo parte essencial do cotidiano do ser humano e o sujeito em que se encerra todo o ciclo econômico não poderia mesmo tal matéria restar esquecida pelos operadores do Direito, homens públicos e cientistas[1].
O ramo jurídico que hoje chamamos de Direito do Consumidor tem origens nas sociedades capitalistas centrais (EUA, Inglaterra, Alemanha e França), embora já se conheça em Direitos da antiguidade regras que, direta
ou indiretamente, protegiam a parte mais desfavorecida nas relações jurídico-comerciais. Todavia é bem mais
recente a ocorrência de legislações nessa direção, ditadas cada vez mais pelo anseio de justiça social. Sendo que
as primeiras legislações protetivas com tal foco surgem nos EUA, sobretudo após o famoso pronunciamento
do Presidente John Kennedy no Congresso norte americano em 1962. Kennedy apontou ali os aspectos mais
importantes na questão de proteção ao consumidor que iriam, mais tarde, se constituir em reconhecimento
jurídico universal.
Todavia já em 1872 os norte-americanos conhecem lei que reprimia fraudes no comércio, esfera protetiva essa
que foi mais ampliada em 1887 que criou uma Comissão regulamentadora e fiscalizadora do trafico mercantil
entre os estados da federação. Ao que depois, surgem o Sherman Act de 1890, o Combinnes Investigation Act
de 1910 e o Clayton Act de 1914, todos diplomas legais que, defendendo o mercado, o consumo, reprimindo a
fraude (etc.) não deixam de ser protetivos (ainda que reflexamente) do consumidor, embora não haja, ainda, uma
tomada de posição clara a favor desse sujeito mais vulnerável da relação jurídica básica como se verificou naquela manifestação de Kennedy, onde o consumidor é reconhecido (aliás, conhecido) como cidadão no aspecto
econômico-social.
A história da luta pelos interesses legítimos e direitos do consumidor no contexto mundial tem início em 1891,
nos Estados Unidos da América sob a liderança de Josephine Lowell, fundadora da Consumers League que visava assegurar melhores condições de trabalho mais dignas para as mulheres e crianças operárias. Esta entidade
primitiva já usava como instrumento de luta e pressão o poder de compra (o boicote) dos consumidores que
eram sensibilizados para só adquirirem produtos de fabricantes que respeitassem os trabalhadores. Já na Europa, as associações de consumidores começam a surgir após a segunda grande guerra.
Nos anos 1960, nos EUA, o momentoso escândalo da talidomida, medicamento utilizado por gestantes e
causador de graves deformidades nos recém-nascidos, desencadeou a preocupação que já estava, ainda tênue
e difusa, nos Direitos primitivos, ou seja, a justa responsabilidade de quem fabrica, principalmente de medicamentos. Em 15 de março de 1962, o então Presidente dos Estados Unidos da América do Norte, John F. Kennedy,
declarou, em mensagem, ao Congresso Norte-Americano:
“Consumidores, por definição, somos todos nós. Eles são o maior grupo econômico, e influenciam e são influenciados por quase toda decisão econômica publica ou privada. Apesar disso, eles são o único grupo importante, cujos pontos de vista, muitas vezes não são considerados.”
Nesse mesmo documento declarou-se “que o consumidor tem direito: à segurança, à informação, à escolha
e a ser ouvido”. Por isso, desde 1983, a data de 15 de março é dedicada ao dia mundial dos direitos do consumidor. Posteriormente, a Organização Internacional das Associações de Consumidores - IOCU[2] acrescentou,
aos quatro primeiros direitos, outros quatro direitos básicos, a saber: “à satisfação das necessidades básicas, à
indenização, à educação, ao ambiente saudável.”. ”
No plano do concerto das Nações, a Comissão de Direitos Humanos da ONU, em sua 29ª Sessão, em 1973,
em Genebra, vem de reconhecer os direitos fundamentais do consumidor, a partir daqueles elencados pelo presidente Kennedy. Nessa linha, advém a Resolução nº 39-248, de 10/04/1985 que representa o marco divisor
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entre aquela primeira fase, que chamo de proteção reflexa, obliqua, para a fase de proteção direta e política do
segmento social composto pelos consumidores (evolução histórico-social semelhante a do trabalhador). È a
partir daí que podemos enxergar um Direito do Consumidor, enquanto novel ramo jurídico.
Ainda no campo do Direito supranacional verifica-se que após dois anos de discussão e negociações com o
Conselho Social Econômico, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou, por consenso, em 09.04.1985, uma
série de normas internacionais para proteção do consumidor (Resolução nº 39/248/85). “Esta Resolução deve
ser vista como uma das mais importantes realizações da 39ª Sessão na área econômica...”, assim o representante da Suécia definiu aquela deliberação das Nações Unidas (Defesa do Consumidor - Textos Básicos, CNDC/
MJ, 2ª ed., 1988, Bsb, p.21/22).
Com relação à Igreja, na Rerum Novarum (1891) o Papa Leão XIII, traçando os limites da intervenção do Estado
da época, pregava que “na proteção dos direitos particulares, deve ocupar-se (o Estado) de maneira especial dos
fracos e dos indigentes. A classe rica faz de suas riquezas uma espécie de baluarte e tem menos necessidade
de tutela pública”. (De Sanctis, op.cit., p.33). Na comemorativa Quadragésimo Anno (1931), também o Papa Pio
XI analisando os novos problemas do mundo surgidos nos 40 anos da Rerum Novarum, reconhece que “a livre
concorrência matou-se a si própria; à liberdade do mercado sucedeu o predomínio econômico, à avidez do lucro
seguiu-se a desenfreada ambição de predomínio; toda a economia se tornou horrendamente dura, cruel, atroz”.
(De Sanctis, op. cit., p. 85).
Na Populorum Progresio (1967) Paulo VI advertia que “a regra da livre troca já não pode, por si mesma, reger
as relações internacionais” e pelas premissas desta conclusão papal pode-se afirmar o mesmo no que tange
às relações internas (De Sanctis, Antonio. Encíclica e Documentos Sociais, LTr, SP, 1972, p. 417). Reiterando, de
certa forma, preocupação de antigas encíclicas, o Papa João Paulo II, em homilia, na cidade argentina de Bahia
Blanca (06.04.1987), voltou a convocar os que pensam e decidem para reflexão acerca das “desumanas leis do
livre mercado”.
Poucos países, antes do Brasil, já possuíam leis especificas protetivas do consumidor. Só para citarmos países
do chamado terceiro mundo: a Venezuela (1974), o México (1976), a Costa Rica e ainda Portugal e Espanha, esses,
inclusive com normas de nível constitucional (art.110 e art.51, respectivamente).
No Brasil, o Código Criminal do Império (de 1830) e o republicano de 1890[3] não traziam dispositivo expresso
acerca dessa defesa do interesse, ainda que mais elementar e básico, dos mais frágeis (do povo!) da sociedade de então. No Livro V, das Ordenações Filipinas se encontravam normas de proteção, ainda que indireta, do
consumidor. Avançando mais ainda o relógio da história encontramos o nosso monumental Código Comercial
de 1850 – que de tão glorioso se recusa a morrer. Neste Código dos comerciantes (lato sensu), corporativismo
originário da idade medieval, vamos encontrar, por exemplo, o artigo 210 cujo teor é proteger o comprador dos
vícios ocultos da coisa vendida. Tal princípio tuitivo também haveria de ser reconhecido em nosso já velho Código Civil[4], em seu artigo 1.101. Contudo, em nosso Código Penal de 1890 (art.340) já se podia, é verdade, antever
tênue e discreta preocupação com o exercício do poder eco-nômico, o que, ao depois, veio se confirmando, antes
como promessa vazia, que efetiva preocupação da elite formuladora do Direito Positivo brasileiro da época e
isso foi nossa marca patente até bem pouco tempo atrás.
No nosso país os primeiros tangenciamentos da questão começam, de forma tímida e restrita, entre as décadas de 1930 e 1960, quando foram sancionados diversas leis e decretos (e decretos-leis) federais, quase todos
de natureza criminal, e tratando da usura, da saúde, da economia popular[5]. A Constituição de 1934[6] já trazia
as primícias desse novo tempo de “fomento da economia popular”, era assim denominada essa episódica preocupação estatal. Nessa Constituição nos arts. 115 e 117[7] sur¬gem, pela primeira vez, normas constitucionais de
cunho protetivo da economia popular. Antes, porém, a usura já era reprimida pelo Decreto nº 22.626, de 7.4.1933
(lei de usura), mais tarde, o Decreto-Lei n° 869, de 18 de novembro de 1938 definiu, pela primeira vez, os crimes
contra a economia popular, abrangendo a usura e o abuso do poder econômico. Nesta mesma linha de preocupação o Código Penal Brasileiro de 1940 também traçou normas de proteção ao consumidor, com destaque,
entre outros, para o artigo 175, cujo bem tutelado é a hipossuficiência do consumidor. O Decreto-Lei n° 9.840, de
11.9.1946 veio, então, consolidar as infrações sobre cri¬mes contra a economia popular.
Depois sobreveio a Lei n° 1.521, de 26 de dezembro de 1951 (chamada Lei da Economia Popular) que altera a
legislação vigente sobre crimes contra a economia popular. A Constituição Federal de 1967, conquanto silencie
acerca do delito de usura (art. 4°, letra a, daquela Lei), não derrogou o diploma referido. Assim, a usura pecu¬niária subsiste como delito, inclusive com relação às operações men¬cionadas na Súmula nº 596, quando excedi30
dos os limites fixados pelo Conselho Monetário Nacional[8]. Esta é a jurisprudência reinante na Suprema Corte.
Alguns anos mais tarde surge a Lei n° 4.137, de 10.9.1962 (Lei de Repressão ao Abuso do Poder Econômico), cujo
art. 8° criou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE e que, por prevenir e reprimir aquele abuso, melhorando a livre concorrência e a transparência do mercado, por certo beneficia o consumidor. Aliás, esse
diploma repete alguns dos ilícitos anteriormente previstos na Lei n° 1.521/1951. Ainda é de anotar-se o Decreto
n° 53.678, de 11.03.1964 que criou o Comissariado de Defesa da Economia Popular, vinculado ao Minis¬tério da
Justiça, que jamais foi posto em execução.
Todavia os primeiros debates em torno da proteção direta da pessoa do consumidor começam, entre nós, no
início dos anos 1970. Em 1971, o Deputado carioca Nina Ribeiro profere discurso na Câmara dos Deputados e
apresenta projeto de lei visando criar órgão de defesa consumidor, eis que a velha SUNAB já vinha de acentuada
perda de credibilidade social[9]. No projeto do Código Civil (n.º 634-B, 1975) encontravam-se disposições a respeito do tema, que, aliás, foram reconstruídas a partir da aragem de pós-modernidade trazida pelo CDC.
Já no início dos anos 1980, o Ministério da Justiça encomenda-nos um estudo-compilatório de toda a legislação de interesse do consumidor brasileiro, apresentado em 1982 (vide nosso “Relações de Consumo[10]”, MJ/
MIC, 04 vols.). Pletora de textos normativos de níveis diversos (tínhamos 308 desses textos) que procuramos
reunir, com vistas a um futuro e setorizado projeto de atualização e consolidação ou mesmo de codificação (ou
de lei geral, orgânica) desse “labirinto legal”. Com efeito, no Brasil, a recente conscientização para os interesses
do consu¬midor, ou até o advento do Código de Defesa do Consumidor-CDC, veio encontrar um panorama jurídico-econômico disperso, de¬ficiente, antiquado e, principalmente, dispendioso; logo desestimulan¬te para o
consumidor lesado e, ao mesmo tempo, altamente incenti¬vador de práticas abusivas de toda ordem, ostensivas ou veladas (pu¬blicidade enganosa, aviltamento de qualidade e quantidade, elevação de preços, obsolescência programada, cilada contratual etc.).
Em documento que nos fora encomendado, em janeiro de 1985, pela Comissão Coordenação do futuro governo do Presidente da República eleito Tancredo Neves, em que pudemos apresentar a primeira formulação
de política nacional para um setor ainda bastante desconhecido entre nós. Muitas das medidas sugeridas foram
implementadas pelo governo Sarney e por diversos governos estaduais e municipais. Por isso é um documento já histórico no âmbito do Direito do Consumidor no Brasil. Representa, pois, o primeiro tangenciamento da
questão do consumidor, em nível de governo federal. O CNDC foi decorrência dessa formulação[11]. Nesse documento preconizávamos que:
“Contudo, uma política efetiva de proteção aos direitos do con-sumidor não pode e não deve ser entendida
como uma ação con-tra as forças de produção e distribuição. Ela deve representar, em verdade, uma salutar busca de equilíbrio e justiça social, com um incisivo respeito aos direitos humanos e, deve se dirigir, punitivamente,
apenas àqueles que violem esses ideais.
Essa política deverá, então, obedecer a três níveis de orien¬tação:
o Pedagógico – onde se preveja uma conscientiza¬ção da coletividade quanto à organização comuni¬tária,
como o acesso dos indivíduos a uma infor¬mação adequada que lhes permita melhores esco¬lhas e para que
obtenham, assim, o máximo bene-fício de seus recursos econômicos. Onde enfim, o consumidor possa exercer
o seu real e importante papel de market maker, ou seja, o regulador do livre mercado;
o de Coordenação Administrativa – onde se efe¬tue a reordenação dos vários organismos oficiais envolvidos, direta e indiretamente, na questão do consumidor. Faz-se necessário, no caso brasileiro, o realinhamento
das entidades que, dispersas em vários Ministérios (e Secretarias estaduais e mu¬nicipais), repetem esforços,
duplicam providências e, exercendo influências conflitantes, que termi¬nam por apresentar resultados inócuos.
Estabele¬cer, então, um entrosamento entre essas institui¬ções (inclusive a Polícia e o Ministério Público), quer
do ponto de vista normativo, quer do ponto de vista da ação prática e, finalmente,
o Jurídico – que envolva a edição de lei geral de proteção ao consumidor, com a ordenação dos di¬plomas
legais em vigor e o aditamento de novas normas, onde se tracem princípios e regras que garantam, em definitivo,
a plena proteção dos con-sumidores; princípios e regras que definam a res¬ponsabilidade de produtores e distribuidores; que protejam os indivíduos contra práticas comerciais abusivas; que reprimam as fraudes e abusos
con¬tra a própria saúde e segurança dos consumidores; que, afinal, garantam a estes, de modo eficaz, e sem
onerosas controvérsias, o ressarcimento devido.”[12]
Tudo isso, é de se ressaltar, antes mesmo da febre “cívica” do plano cruzado e da importantíssima Resolução
das Nações Unidas já mencionada (nº 39/248/85) que, entre outras decisões, recomenda aos governos filiados
31
a instalação de infra-estrutura adequada à defesa do consumidor (cf. Defesa do Consumidor - Textos Básicos, p.
15). Duro e tortuoso foi o processo de negociação e convencimento dos vários setores governamentais envolvidos e dos muitos grupos de pressão contrários àquela “ameaça à economia nacional”, o CNDC.
A defesa do consumidor, enquanto preocupação sistêmica de âmbito nacional, tem seu marco histórico no
Brasil, na edição do Decreto Federal nº 94.508, de 23/06/1987 que criou e organizou o Conselho Nacional de
Defesa do Consumidor/CNDC, com a finalidade de assessorar o Presidente da República na formulação e condução da Política Nacional de Defesa do Consumidor. É esse órgão federal (reunião dos poucos preocupados, na
época, com o tema) que vai desencadear e coordenar o movimento nacional pela inserção na futura Constituição
Federal de dispositivos garantidores da defesa do consumidor no Brasil. È esse colegiado (com representantes
de todas as regiões do país) que vai, também pioneiramente, dar início à criação, implantação e organização
inicial dos órgãos estaduais (os Procons) e dos muitos municipais, bem como de promotorias especificas (no
início do consumidor e ambiental[13]), de delegacias especializadas de polícia e de juizados, então, de pequenas
causas e, ainda de muitas entidades civis (novas ou readaptadas a esse novo momento histórico do país).
E mais tarde, o CNDC/MJ elaborou, com participação de muitos colaboradores-convidados, o Código de Defesa do Consumidor, o CDC, que na verdade decorre da observância de normas supranacionais da ONU (Resolução 39/248, de 1985) e no plano interno, cumprimento direto de promessa constitucional e aqui cabe repetir
José Afonso da Silva[14] quando diz ser a Constituição Federal até “...tímida no dispor sobre a proteção dos
consumidores.”
No campo da produção intelectual, a matéria entre nós foi pioneiramente enfrentada por Othon Sidou (Proteção ao Consumidor, Forense, 1977), por Fábio Konder Comparato (A Proteção ao Consumidor... in Ensaios e
Pareceres..., Forense, 1978) e por Luiz O. Amaral (Relações de Consumo, MJ, 1982).
Como bem se percebe as chamadas relações de consumo, em nosso país, passaram do estágio selvagem ao
estágio civilizado; é claro que há muito ainda por fazer, contudo poucos setores da vida dos brasileiros evoluíram
tão depressa quanto a chamada defesa do consumidor.
Alguns registros merecem ser relembrados porque são expressivos desta aceleração histórica. A idéia reinante
até então era, com raras exceções, o absoluto império do modelo liberal-individualista (cada um por si e efetivamente ninguém por todos); o mercado (conjunto despersonalizado dos consumidores, última análise) e o
velho ato de comércio (relação do profissional do comércio com seu cliente – ente sem rosto, despersonalizado)
eram os alvos da legislação regente da matéria, até então, difusamente perdida no medieval Direito Comercial
(mais do comerciante que propriamente do comércio). Com efeito, as máximas desta ideologia eram: o consumidor é a sua excelência dos negócios, ele é o fiel do mercado, e esse tende, naturalmente, a proteger-lhe (a tal
mão invisível!) no médio e longo prazo (ora, a médio e longo prazo todos estaremos mortos!), eis as “avançadas
concessões” em direção ao inconsciente e frágil último elo da cadeia econômica, ou seja, aquele que nada pode
repassar.
Uma historieta de bastidores bem simboliza tal estágio. Em fevereiro de 1982 quando entregávamos para publicação, conforme encomendado pelo Governo Federal, o resultado de uma pesquisa de três anos acerca da legislação comercial brasileira, que logo restou restrita ao que, então, chamamos de “ato (ou relação) de consumo”
(o velho ato de comércio visto pelo lado de fora do balcão). Trabalho cujo título Defesa do Consumidor foi muito
mais escolha da imprensa da época, tamanha a repercussão dos “achados legislativos” (textos normativos, alguns risíveis, outros de atual relevância, todavia esquecidos, como p. ex.: desconto progressivo na mensalidade
escolar para cada filho, norma do Estatuto da Família brasileira de 1941). Ocorre que tal título fora vetado pelo
Ministro da Indústria e do Comércio (um dos co-editores) ao argumento de que defesa do consumidor pressupõe agressão, ou algo assim deplorável no ramo tutelado pelo Ministério da Indústria e Comércio (MIC). Como
o título não era tão importante quanto à publicação do longo trabalho (que se constituiria num marco desta
evolução) sugeri a permuta para “Proteção do Consumidor”, também vetada; já descrente, ocorreu-me a denominação de “Relações de Consumo”, pronta e felizmente aceita pelo Ministro. Esta obra mesmo em sua segunda
edição, anos depois, manteve a emblemática erronia dos títulos das seções em que se divide não condizerem
com o da capa. Também dessa quadra histórica, são as significativas indagações que freqüentemente ouvíamos
em nossas pregações pelo país: “isso não é movimento de massa, ou subversão?” Ou ainda, “o Senhor é candidato a deputado?”
Nesta época, no silêncio da omissão, era comum: a lingüiça recheada com jornal, remédios com farináceos,
quilo de 800 gramas, latas amassadas e enferrujadas, perecíveis com validade vencida e tudo nas gôndolas dos
32
supermercados (explicação: se o Senhor não quer, outro leva!), publicidade enganosa[15] até do BNH, “contratos-arapucas”, chuveiros eletrocutantes, ausência de onde e como reclamar..., tudo isso e muito mais, era então
objeto de denúncias numa surrealista Feira da Fraude (onde comprador e vendedor expunham suas alegações
em murais) realizada pelo CNDC/MJ, pela vez primeira em fevereiro de 1986, no mezanino da rodoviária de
Brasília (depois se espalhou pelo Brasil afora) e com repercussão internacional; também digna de registro foi a
pioneira coluna jornalística “Tire a Prova, inaugurada em 30.09.1987” pelo jornal Correio Braziliense com o apoio
do CNDC e que testava, em público, vários produtos vendidos no mercado.
Era uma época de ativismo jurídico-político visando criar as bases da consciência comunitária (consumidor,
meio-ambiente, etc.) que leva à organização da sociedade civil em torno de interesses e valores antes desacreditados ou desconhecidos por seus destinatários. Muitas entidades civis foram criadas e algumas prestaram
seus bons serviços e desapareceram, outras ainda estão na luta por dias melhores para todos, sobretudo para
os mais desfavorecidos. Nessa época, só “o individual, o meu” estava claro para o povo, a dimensão do “público,
do coletivo, do de todos”, enfim a dimensão do “nosso” era, naquela época, algo distante ou até mesmo incompreensível. Imagine-se, então, o quão difícil foi “metabolização social” da idéia do difuso, do metaindividual[16].
Na verdade, o Estado altamente empenhado no desenvolvi-mento econômico nacional, no mais das vezes se
mostra menos eficiente na proteção aos consumidores do que os próprios, reu-nidos e organizados para esse
fim. “Estimuladas e irrestritamente apoiadas pelo Poder Público, essas entidades representativas poderiam
mesmo negociar com as classes produtoras e comerciais, visando à justa composição dos interesses via convenção coletiva de consumo”.[17] Mais uma vez as luzes do Direito trabalhista iluminam a questão do consumidor,
aliás, bem mais complexa.
Tudo isso “azeitou” o motor das mudanças sociais, não sem críticas, resistências (dentro e fora do governo) e
prognósticos catastróficos (“vai haver desemprego! “o preço vai subir!”, “a inflação vai se agravar!”, etc.). Um conhecido comentarista de TV vaticinou que “quando o CDC estiver vigorando um padeiro poderia ser preso, sem
direito à defesa, se o pãozinho não tivesse o peso certo”, tudo em função da inversão do ônus da prova. Outra
ameaça anunciada era o fim da profissão de publicitário, posto que o CDC proibiria a mentira na publicidade; ou
ainda que as “dívidas ficariam incobráveis depois do CDC”, dentre outras apressadas e irresponsáveis opiniões
veiculadas, como técnicas, pela mídia de então.
Esse era o quadro antecedente ao Código, um passado não tão distante, porém já esquecido!
A proteção do consumidor brasileiro só ganhou importância definitiva com a Constituição Federal de 1988.
Esta marcada pelo ideal de justiça distributiva e igualdade substancial, aliados ao binômio dignidade da pessoa
humana e solidariedade social, que consagrou essa defesa como garantia constitucional. O artigo 5º, XXXII prevê
a obrigação do Estado na promoção da defesa do consumidor. Já o artigo 170, inciso V, apresenta essa defesa
como princípio da ordem econômica, enquanto o artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
(ADCT) determinou prazo de 120 dias para a elaboração do Código de defesa do Consumidor. Só com a edição
do Código (cem anos após a inauguração dessa consciência na sede-mor do capitalismo mundial, os EUA - o
Sherman Act de 1890) que os direitos do consumidor foram se consolidando, através da criação do microssistema das relações de consumo e da inserção de novas normas e princípios jurídicos. As relações de consumo
foram se modificando, equilibrando dessa maneira as relações jurídicas entre consumidores e fornecedores.
Vigente o Código, há um notável esforço de adequação de todos os setores às suas novas e modernas regras
(algumas ainda esperam os ventos pós-modernos para maior eficácia social: convenções de consumo, facilitação da defesa, em juízo, dos direitos, p. ex.). A partir daquele dia 11.03.1991, um dado iogurte já não valia por um
bifinho; um famoso conhaque de alcatrão já não era a solução para o velho em lua de mel com uma jovem; logo
as indústrias, sobretudo as automobilísticas, passam a preferir a reconvocação dos consumidores para substituição gratuita de peças deficientes ao invés de riscos (antes, senão impossível, tão improvável que jamais ocorreu!) de responsabilizações por danos ao consumidor. O cadastro dos maus fornecedores (antítese do SPC) cada
vez mais orienta o ato de consumo, para desespero dos maus empresários. Hoje raras empresas não dispõem
de serviços de atendimento ao consumidor.
O Código, em linhas gerais, trouxe ao consumidor brasileiro a proteção da saúde, a educação para
o consumo, a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, a proteção contratual (destaque das cláusulas
desfavoráveis, controle judicial da boa-fé, da transparência da plena consciência do sentido e alcance das cláusulas). Trouxe também a substituição da igualdade formal pelo princípio da vulnerabilidade do consumidor, o
acesso à justiça, a indenização, a facilitação da defesa dos seus direitos, a qualidade dos serviços públicos, entre
33
outros direitos. Tão ou mais importante que isso é o forte efeito, mais que renovador, modernizador, até mesmo
revolucionário, que o CDC impregnou em todo o Direito pátrio, sobretudo no Civil.
Esse é o tempo presente do Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, cujo potencial ainda resta pouco
explorado. A educação para uma efetiva cidadania (inclusive no campo econômico), a organização social, melhor
aproveitamento judicial do potencial protetivo do Código. Por exemplo, falta-nos uma entidade associativa de
âmbito nacional (uma confederação nacional de consumidores) para que se efetive a representação ampla do
consumidor brasileiro, inclusive diante do potencial educativo-protetivo implícito na norma acerca das convenções coletivas de consumo[18].
Contudo, onde mais se faz sentir a necessidade de melhor adequação entre o potencial do CDC e sua efetividade é, por certo, na fase judicial da defesa do consumidor, sobretudo na etapa final da execução/cumprimento
da sentença. É que valores de ontem ainda teimam em turvar a contemporaneidade do CDC. Afinal, toda norma
jurídica, processual ou não, deve ser reconduzida aos valores constitucionais vigentes. Até porque uma coisa é ler
um código (o de processo civil, p. ex.), ou uma lei, sob a ótica da velha ordem constitucional e outra, bem diferente, é relê-los à luz das novas opções ideológico-jurídicas inauguradas pela Lei suprema atual. Se mais não for,
porque o juiz não pode (não deve) ser mero e servil reprodutor da norma, de modelos decisórios incompatíveis
com os atuais valores constitucionais.
Todavia os consumidores brasileiros que logram vencer o ‘duelo’ inicial do processo (a fase cognitiva) ainda
têm outro e insensato duelo para fazer da sentença mais que mero papel timbrado do Poder Judiciário. Isso
era pior no tempo recente e anterior à reforma de nossa velha execução civil. Sem embargo do avanço dessa
reforma, ainda agora, temos poucos meios para forçar o sucumbente-executado ao cumprimento dos preceitos
constitucionais (art. 5º, XXXII e 175, V, CF/1988), dos legais de ordem pública e interesse social e, por fim, da dignidade que toda decisão judicial deve merecer num Estado de Direito, como o nosso. Como se vê, num só ato de
descumprimento protelatório, sobretudo de sucumbente que podendo, busca não atender a sentença judicial,
há toda uma cadeia de atentados (ou até desincentivos) contra os princípios civilizados de convivência humana
(não fazer justiça com as próprias mãos, não lesar ninguém, ser bom e ético é mais conveniente...).
É comum nas execuções/cumprimento de sentenças contra empresas não ser possível a localização de bens
disponíveis/viáveis para penhora (até a sede da executada é da propriedade de outra empresa do grupo ou não).
E os meios de superação de tais bem urdidas complicações procedimentais são, ilogicamente, sempre mais demoradas e sacrificantes para o próprio consumidor-exeqüente, num descumprimento direto e ostensivo da facilitação de defesa que a Carta Magna promete ao consumidor e a vida processual nega. Aqui temos insistido para
que o crédito do consumidor seja favorecido, na esteira da promessa constitucional do art. 5º, XXXII, no concurso
creditício (falencial ou não), como privilegiado ao lado dos créditos trabalhistas, sobretudo se esse consumidor
for também hipossuficiente econômico (cujo crédito será tão alimentar quanto o do trabalhador![19]). Contudo,
se o consumidor lograr penhorar um bem a praça lhe será impiedosa (carro, p. ex.: pagará multas, impostos, etc.
e não raro, após anos essa garantia nada garante ou só parte do crédito).
Com efeito, as empresas-fornecedoras quando executadas, jamais obedecem à ordem legal na nomeação
de bens à penhora, já dispõem invariavelmente de um reservado para a formal indicação à penhora (sempre o
mais complicado possível para atender à dignidade da Justiça e ao direito do jurisdicionado)[20]. Há execuções/
cumprimentos de sentença que levam anos num esforço tão insensato quanto se sabe interessante para o credor. Enfim, tudo se dá segundo um planejamento de protelações e deturpações do espírito da lei e, sobretudo
do Sistema. O que determina a exaustão do hipossuficiente que acaba por desistir da via judicial, senão de tudo
acerca de seu direito, exatamente como a estratégia do fornecedor-executado.
Tem sido ainda, em verdade, mais fácil despejar, desapossar, comprometer o orçamento familiar de consumidor-assalariado que, p. ex., desconsiderar-se a personalidade jurídica de empresas (direito-instrumento de
progresso do homem, gravado c/cláusula de enquanto bem servir à sociedade, jamais meio de abuso e fraude)
em busca da satisfação do consumidor (no mais das vezes, também de uma sentença), a quem o Estado garante
defender. Por outro lado, são tantos os recursos processuais incentivados pela falta de enfrentamento adequado
da protelação judicial, que o duplo grau de jurisdição chega a se deturpar em proveitos econômico-financeiros
indevidos e deseducadores para o povo em geral.
Outra perversa inversão da lógica social, no caminho do consumidor brasileiro, é o fato da força atrativa dos
concursos de credores indistintamente considerados como se todos fossem iguais (bancos, trabalhadores, fisco
e consumidores). Por que o concurso de credores, falencial ou não, terá o condão de prejudicar, retardando/
34
protelando (se pior não for), como convém aos devedores espertalhões e empedernidos, a satisfação do direito
do credor-consumidor (cuja ‘culpa’ de estar em juízo é menor que a do devedor) pelo fato da genérica “conveniência” (de quem?) daquela fila de credores (a implorar cumprimento de sentença). Recupere-se a empresa sim,
dado seu valor institucional e social, contudo sem violar outros interesses igualmente valorados (até constitucionalmente), como a defesa dos direitos do consumidor que, também, é hipossuficiente, além coberto pela ordem
pública e pelo interesse social.
Não é só. Em que pese ao reconhecimento legal, constitucional, doutrinário, da vulnerabilidade geral do consumidor, daí a facilitação da defesa de seus direitos, ainda há consumidor brasileiro impedido de embargar
execução por falta de bens que ‘assegurem o juízo’, ou prejudicado (literalmente pré+judicado) pela falência do
fornecedor. Ora, essas cegas exigências nos fazem relembrar da lei francesa que ordenava: “Fica proibido dormir
sob as pontes de Paris” e cuja edição foi tão criticada por Anatole France, posto que trata desiguais como iguais,
o que é, pois, suma injustiça!
É vexatória a realidade judiciária do “ganhou, mas não levou!” Quando a Justiça decide quem deve vencer a
demanda, esta vitória pode, até com muita facilidade e ar de correção técnica, se converter em sucumbência
prática, tal a perversão do hipersuficiente contra o hipossuficiente, tudo a despeito de mandamentos constitucionais e do Código do Consumidor. Com efeito, uma visão conservadora - que obsta o progresso das relações
sociais - aliada a uma razão preguiçosa, no dizer de Kant, é tudo que o obscurantismo carece para alcançar a
infelicidade pública. Temos ainda que desenvolver essa cultura de justiça econômica e prevenção geral de abusos/danos (inclusive morais) e injustiças (sociais, difusas e individuais). Há casos de danos reiterados, hábitos
danosos, sobretudo de certas empresas (às vezes até mega-empresas) que só perduram no dano ao consumidor
em função da reparação proporcional e economicamente estimulante de novos danos[21].
Esse é o lado, ainda, negativo na vigência do Código, cujo futuro próximo indica adequações para que o potencial de proteção constitucional (e legal) garantido ao consumidor brasileiro não seja letra morta, sobretudo
em juízo.
Sim, já estamos longe daqueles infamantes fatos representavam a desproteção social do mais frágil (vulnerável e hipossuficiente), do último elo da cadeia econômico-produtiva, o consumidor, o detentor daquilo que o
sistema econômico mais busca: o dinheiro (só do salário, muitas vezes) pago pelo consumo. Porém a boa e crescente a eficácia social do CDC muito depende de sermos capazes ou não de vencer nosso apego a um mundo
que já é passado (p.ex. o mundo do liberal-individualismo e seus consectários). Essa memória quando resistente
e ativista põe os profissionais do Direito em situação desfavorável à contemporaneidade e logo, ao bom uso dos
valores e objetivos da República atual, conforme estampados no presente pacto jurídico-político. È preciso, pois,
deixarmos a memória recolhida na passividade de ontem, salvo o estratégico relembrar que previne a patética
repetição[22].
A Lei nº 8.078/1990, o nosso Código do Consumidor-CDC, é, pois, bem mais que tardia antítese do Código do
Comerciante que vigora no Brasil desde 1850, na França desde 1807, na Espanha desde 1829, em Portugal desde
1833, na Itália desde 1865, sem cogitarmos das medievais leis comerciais e da Lex Rhodia de Jactu dos romanos.
Tanto quanto a Lei da Ação Civil Pública ou dos interesses difusos (Lei nº 7.347/1985) que representou uma
necessária ruptura inicial no individualismo de nosso Direito Processual, o CDC representa sensível ruptura no
que há de mais perverso no liberal-individualismo que tem caracterizado nosso Direito material, ou seja, a vulnerabilidade jurídica, bem aproveitada pelos titulares dos meios de satisfação de nossas necessidades diárias.
Vulnerabilidade e hipossuficiência essas mantidas, inclusive ope legis, até o advento da Constituição Federal de
1988, senão até o CDC (art. 4o, I, CDC).
Sendo “o consumo parte essencial do dia-a-dia do ser humano e sendo o consumidor o sujeito em que se
encerra todo o ciclo econômico”[23], é justo que se lhe dê força ativa no âmbito das relações de consumo e
plena consciência de seu importante papel no mercado (não só como agente remunerador, mas como regulador
também). Eis por que a defesa do consumidor é uma questão socioeconômica que no Brasil, com a retomada
do processo democrático, vem assumindo crescente importância. Afinal, sem consumidor não há comerciante,
não há industrial ou prestador de serviços.
Assim, “poucos atos de governo podem caracterizar melhor a preocupação efetiva pelos direitos humanos e
pela justiça social como a instalação de mecanismos de defesa da população consumidora brasileira.” [24] Enfim, é dever do cidadão (do consumidor) se organizar autonomamente, em associações e grupos comunitários
(no trabalho, na escola, no bairro, no sindicato, no clube, na igreja), para exigir de todos, autoridades e empresá35
rios, o respeito aos seus direitos de consumidor e aos seus legítimos interesses (participar, fiscalizar os fiscais,
ser informado, ter onde resolver suas questões de consumo). Tudo isso é direito do povo e dever dos governos
(nas três esferas administrativas) e condição para um melhor funcionamento do Estado, no setor, e ainda, adequação social da cidadania (entra em campo a lei dos três mosqueteiros em lugar da Lei de Gérson!). O Direito
Comunitário interno, essencialmente meta-individual, é um novo e belo ramo da frondosa árvore jurídica que
estamos começando a conhecer.
Fruto de amplo e franco processo de prévia discussão e de um raro consenso parlamentar, o nosso Código de
Defesa do Consumidor é a culminância formal (a real tem sido sua plena eficácia social), não de uma tendência
passageira, como uma moda, mas de uma nova ordem econômico-jurídica que se prenuncia. A economia capitalista, como qualquer outro tipo de economia, possui a sua ordem jurídica específica, ou seja, aquela parte do
Direito que tem por objeto regular as relações econômicas e isso nem sempre do modo mais justo para ambas
as partes. Com efeito, os clássicos direitos fundamentais de natureza econômica: o da propriedade e o da livre
empresa, já não são direitos individuais a serviço de interesses pessoais, individuais apenas, já não são fins em
si mesmo, senão meios para fins mais justos e humanos: o bem-estar social.
Tal estágio econômico não se deu e nem se dá tão-só por força da ordem jurídica, antes ao contrário, ela só
juridiciza fatos já amplamente reconhecidos (às vezes a partir de luta, até sangrentas) e cristalizados no seio da
sociedade. É também essa mesma ordem jurídica que, de certa forma, obstaculiza mudanças sociais mais rápidas. Por outro lado, os preceitos e princípios, que inspiraram o CDC não nasceram (lá fora, originariamente) de
qualquer ato ou criação espontânea, constituem, isto sim, vale repetir, expressão mais ou menos elaborada dos
“interesses em conflito” de que nos falava Ihering e mutações jurídico-econômico-sociais já amplamente observadas por festejados juristas como Ripert em 1947, Betti em 1953, Savatier em 1967. O CDC, no entanto, não foi
além do reconhecimento da necessidade social de se distinguir o que é efetivamente diferente, para que o ideal
da igualdade (longe de prejudicar o mais fraco) possa se traduzir no justo tratamento desigual e equilibrado das
pessoas e situações que de fato são desiguais.
Foi, em suma, a própria evolução histórica da economia que converteu o proprietário em empresário (e o
cliente em consumidor). Aliás, hoje o sujeito econômico e logo jurídico (vide Código Civil/2002) já não é mais o
mero indivíduo, mas sim a empresa (predadoras, às vezes, do mercado “livre e perfeito”!). Assim, o empresário
(cada vez mais profissional e menos dublê de proprietário-empresário) tem responsabilidades sociais perante,
não seus herdeiros e familiares, mas acionistas, trabalhadores e também consumidores. De certa forma estamos
superando a principal contradição do capitalismo: caráter social da produção versus apropriação privada de seus
meios; produto social versus direção privada da economia.
Assim sendo este Código, que acaba de completar 18 anos, está profundamente voltado para a busca da “felicidade pública”, direito inalienável segundo Jefferson (vide Declaração de Independência americana), significando isso o satisfatório desempenho da economia e da sociedade em benefício de seus membros. Não foi por
outra razão que Turgot denominou de “ciência da felicidade pública” o ramo do conhecimento chamado, primeiramente, de economia política e depois simplesmente de economia; o que mais tarde Carlyle veio apelidar, tais
as infelicidades incorridas, de “ciência sinistra”.
Nossos dias, quiçá mais que em outros tempos, são dias de intensas e radicais mudanças. Contudo, aquela
ciência sinistra ou da felicidade continua gerando ventos e vendavais, tais como o vendaval da globalização (para
Alain Touraine, “verdadeira ideologia”), por certo, o fato mais preocupante nestes nossos dias. É de se ponderar,
por exemplo, que esse verdadeiro colonialismo pós-moderno, pode fazer-nos retroceder em setores socialmente
sensíveis, como o Direito do Consumidor (dentre outros), tais os novos e fortes focos de poder e influência que
já empalideceram até o tradicional conceito de soberania. Todo esse quadro atual pode determinar, na linha do
intenso interesse econômico, “desregulamentação” ou “redução do custo social da produção” (uma razão em si
mesma?!), o que exige muita consciência e atenção das economias periféricas para que se previnam “progressos” (para quem?) ou retrocessos à custa da justiça social tão duramente conquistada pelo povo. No Mercosul,
por exemplo, é de justo progresso que nossos parceiros logrem alcançar o estágio das relações de consumo reinante no Brasil (que aliás precisa, ainda, evoluir, como já vimos!), jamais o inverso.
A qualidade pessoal/identidade de consumidor é um atributo conferido a todas as pessoas (“consumidores
somos todos nós!”, disse Kennedy), mas não em todas as situações. Em tese a proteção ou defesa da pessoa,
enquanto consumidor, só se justifica na medida em que a relação social na qual se encontra seja tal que explique
um desequilíbrio perante o fornecedor. É o reconhecimento dessa debilidade, dessa desproteção que explica a
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atribuição de direitos especiais que atenuem o desfavor face ao poder econômico-social e a crescente especialização técnica dos fornecedores (empresa ou profissional liberal). As lutas judiciais e extrajudiciais do advogado
norte-americano Ralf Nader são, sem dúvida, outra marca histórica nessa labuta que sempre é a conquista de
direitos e a inclusão nos beneficio do progresso humano pela classe não-dominante.
A situação mais comum dos consumidores é a ignorância sobre as condições de mercado e sobre a real adequação dos bens e serviços oferecidos. A publicidade nem sempre se enquadra nos limites de uma informação
rigorosa e completa, antes perturba o conhecimento da realidade através da exacerbação das qualidades do
produto.
A efetivação da defesa do consumidor exige: uma regulamentação suficiente e moderna; um sistema administrativo e judicial ágil e moderno que permita a pronta e eficaz aplicação da regulamentação e que proponha a
sua atualização; uma informação e educação ampla e maciça que propicie a consciência individual e coletiva do
consumidor; um movimento associativista ativo e persistente reunindo crescente número de pessoas.
Erro é explicar-se a necessidade da defesa do consumidor a partir tão-somente do fenômeno contemporâneo
traduzido pelo dito “consumir por consumir”. A sociedade de consumo, é fato, manipula o consumo pelos interesses da produção, despertando necessidades artificiais, incitando consumo excessivo, gerando desperdício
e desequilíbrio nos orçamentos familiares e por isso é mais um fator exigente da defesa do consumidor. Da
mesma forma, é erro atrelar a defesa do consumidor a planos e reformas econômicas, pois estas podem sofrer
influências as mais diversas, e são sempre cunho transitório, enquanto que a defesa do consumidor, feita de razões sociais e políticas muito acentuadas, caracteriza-se como preocupação internacional e permanente. Assim
sendo, a defesa do consumidor surge como uma das necessidades sociopolíticas voltadas para o renascimento
de um Brasil economicamente democrático onde a justiça social e o humanismo sejam feitos não de retórica,
mas de atos concretos.
A defesa do consumidor e a atribuição de direitos próprios pressupõem uma relação de direito, a relação de
consumo, que pode ser contratual (compra e venda, p. ex.) ou extracontratual (publicidade danosa, p. ex.). Mas
a relação jurídica de consumo se dá entre “diferentes”, enquanto a relação jurídica civil é tecida entre “iguais”.
Hoje, no entanto, entre nós a defesa e o Direito do consumidor - ramo jurídico autônomo - já estão inseridos num ambiente sócio-econômico e político bem diverso e mais adequado, o que pode ser constatado pelo
estágio evolucional da matéria. A situação do consumidor hoje bem melhor que aquela em que começamos a
enfrentar a luta pelo reconhecimento (a rigor, conhecimento) dos interesses e direitos do consumidor brasileiro.
Mas consumidor é um conceito originalmente oriundo da Economia (é o agente do consumo; último elo da
cadeia econômico-produtiva; é a razão da produção, do comércio e de outros misteres conexos) e cuja transposição para o Direito não se faz sem exigências e contingências. Aqui a paralelismo histórico entre trabalhador e
consumidor é novamente significativo.
Agora que se comemora um quarto de século de uma lei tão importante não só para seu destinatário, mas
também para o Direito brasileiro em geral, é muito bom reter na memória contemporânea e registrar para o futuro. Comemorar e historicizar me parece um bom motivo para se editar uma obra, um livro.
[1] Cf. em nosso ensaio “História e Fundamentos do Direito do Consumidor” publicado na Revista dos Tribunais, n° 648, out.1989; Revista do Instituto dos Advogados
do Paraná, 1987, dentre outras. Publicado, também, no livro “Lutando pelo Direito”, Ed. Consulex, 2002, Bsb, 369p
[2] A IOCU - International Organization of Consumers Unions, atualmente denominada de CI - Consumers International, com sede em Haia, Holanda, foi criada no início
de 1960 então era composta por cinco países: Austrália, Bélgica, Estados Unidos da América do Norte, Holanda e Reino Unido, hoje reúne mais de 50.
[3] É muito significativo que esse Código Penal (de 1890), na abertura de nossa República, sequer tenha trazido regra mínima sobre a justa (e já positivada noutros países
e até no pré-histórico Código de Hamurabi) proteção do mais vulnerável/fraco da sociedade, e inobstante isso tenha estampado regra proibindo a prática da Capoeira
em vias públicas: ”- Capítulo XIII - Dos vadios e capoeiras - Art. 402. Fazer nas ruas e praças públicas exercício de agilidade e destreza corporal conhecida pela denominação Capoeiragem: andar em carreiras, com armas ou instrumentos capazes de produzir lesão corporal, provocando tumulto ou desordens, ameaçando pessoa certa
ou incerta, ou incutindo temor de algum mal. - Pena de prisão celular por dois a seis meses - A penalidade é a do art. 96. - Parágrafo único. É considerada circunstância
agravante pertencer o capoeira a alguma banda ou malta. Aos chefes ou cabeças, se imporá a pena em dôbro.” (“sic.” Código Penal: Decreto nº 847, de 11/10/1890).
[4] Aliás, velho aqui é só mesmo força de expressão, posto que o Código Civil Frances é bem mais velho (de 1804) e bem por isso os franceses fizeram uma significativa
festa para comemora 200 anos dessa monumental obra napoleônica.
[5] Vide melhor essa evolução em nossa obra “Relações de Consumo” (04 vols.), Edição MJ/MIC, BsB, 2ª ed. 1983.
[6] Eis o dispositivo constitucional de 1934: “Art. 117- A lei promoverá o fomento da economia popular, o desenvolvimento do crédito e a nacionalização progressiva dos
bancos de depósito. Igualmente providenciará sobre a nacionalização das empresas de seguros em todas as suas modalidades, devendo constituir-se em sociedades
brasileiras as estrangeiras que atualmente operam no País.” (negritamos). “Parágrafo único - É proibida a usura, que será punida na forma da Lei.”
[7]CF/1934: “Art.115 - A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite, a todos,
existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica” e “Art. 117 - A lei promoverá o fomento da economia popular, o desenvolvimento do crédito
e a nacionalização progressiva dos bancos de depósito. Igualmente providenciará sobre a nacionalização das empresas de seguros em todas as suas modalidades, devendo constituir-se em sociedades brasileiras as estrangeiras que atualmente operam no país.”
[8] Súmula do STF nº 596: “As disposições do Decreto nº 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por in37
stituições públicas ou privadas, que integram o Sistema financeiro Nacional”. Como se percebe, com tal decisão suprema, essa lei restou destinada, apenas, aos agiotas!
[9] É de triste memória para os brasileiros os famosos “acordos de cavalheiros” entabulados pela SUNAB com os segmentos empresariais. Essa Superintendência perdeu o ”bonde da história” e restou moribunda até sua extinção. Esse destino, aliás, assombra aos PROCONs que se desviam do eixo técnico-ideológico que caracteriza
um órgão de defesa do consumidor. Daí a importância de uma escola de defesa do consumidor, para formar quadros e mantê-los informados e assim preencher cargos
e funções dos órgãos estaduais e municipais públicos (mas também privados em segunda prioridade) de defesa do consumidor. Esse papel era desempenhado modestamente pelo CNDC via mala direta semanal (vide manual “Defesa do Consumidor -Textos Básicos”, CNDC/MJ, Bsb, 1ª ed., jun/1987).
[10] Essa obra está marcada pelo momento histórico inicial da questão do consumidor. È que ao longo de mais três anos de pesquisa em todo universo normativo que
envolve essa questão (universo esse crescente à medida que a pesquisa evoluía, as muitas e sucessivas remissões isso quase torna interminável tal pesquisa), sempre
que encontrávamos leis vigentes, porém esquecidas (perderam a eficácia social) em detrimento da proteção aos seus destinatários (quase sempre consumidores). Nesses casos, a imprensa em geral que já acompanhava todo esse trabalho, divulgava essas curiosas, malvadas situações. Nessas matérias jornalísticas a própria imprensa já
adiantava o nome da obra: “defesa ou proteção do consumidor”. Encerrada a pesquisa e pronta a obra, o MJ teve dificuldades de custear sua edição (dentro do programa
de levantamento análise e eventual /compilação/consolidação legislativa) e avocou o interesse na matéria do Ministério da Indústria e do Comércio-MIC que prontamente assumiu o projeto de edição dos quatro volumes da obra “Defesa do consumidor”. Todavia, o Ministro/MIC exigiu-me que o título fosse mudado, “pois defesa
ou proteção pressupõem ataque, agressão potencial ou atual ao consumidor pelo empresariado”. Redargui que tais vocábulos não têm essa conotação depreciativa/
negativa. Mas, por fim, fiz a substituição daquele título por “Relações de Consumo”, todavia esqueci-me de alterar os subtítulos das seções em que se divide a obra
(assim ficou na capa externa “Relações de consumo” e nas páginas de aberturas das seções ficou mesmo “Defesa do consumidor...”). Ninguém percebeu esse engano e,
só na 2ª edição é que fui instado a reparar a falha, contudo entendi ser mais interessante permanecer com esse sinal de uma época que mal admitia uma necessidade
de equalização ético-jurídica na relação social empresário versus cliente (era assim que se devia reportar à futura relação jurídica de consumo). A propósito, quase 30
anos após esses fatos, ainda se nota aquela matriz ideológica (a do MIC) pululando na Doutrina (é claro, doutrinadores pouco afeitos à ideologia dessa questão que é a
da desigualdade ainda que camuflada). Assim, o Prof. Luiz Antonio Nunes, no livro “A empresa e o CDC” (Ed. Artpress, SP, 1ª ed., 5p), contesta o nome do CDC a partir do
mesmo e falso pressuposto daquela época. Basta pensarmos na lei de defesa animal, na lei de defesa da concorrência (tão cara aos empresários!), na lei portuguesa e na
venezuelana de defesa do consumidor, na Resolução/ONU nº 39/248, 10/04/1985 e na própria Constituição brasileira, na portuguesa (art.110) e na espanhola (art.51),
todos esses diplomas nacionais e estrangeiros usam a expressão defesa ou proteção. Ora, até a palavra tutela (=suprir a falta do resguardo, por falta dos pais) seria
vetada com base naquele argumento vesgo. Defesa, proteção e tutela expressam o resguardo, o amparo de quem é frágil e carece de atenção especial (como as crianças,
os empresários vitimas da concorrente desleal, os hipossuficientes em qualquer relação, potencialmente/futuro ou efetivamente/presente, desleal, injusta, lesiva...).
[11] O CNDC, o concebemos como órgão de consultoria e assessoria da Presidência da República, presidido pelo então Ministro de Estado da Desburocratização, ambos,
esse Ministério extraordinário e o próprio CNDC, integravam estrutura da Presidência da República (só com esse alto grau de força se poderia quebrar as resistências internas no plano federal e no estadual...). Proposto assim à comissão que preparava o programa de Governo do então Presidente Tancredo (presidida p/José Serra) nesse
documento chamado “Diretrizes básicas”, isso em maio de 1985. Depois é que o CNDC passa para a estrutura do Ministério da Justiça e com presidente indicado por esse
ministro. Antes disso, o ainda candidato Tancredo Neves, em visita à Comissão Parlamentar de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados já se comprometera
com este novel tema de governo, consoante a oportuna Resolução ONU/39-248-1985. Essa decisiva visita de Tancredo foi concebida e preparada pelo estrategista da
questão, nessa fase inicial, Dr. Raimundo Mendes (ligado a Tancredo desde o governo de Minas) e Luiz O Amaral. Releva dizer que, essa Comissão parlamentar, foi o
nosso primeiro trabalho, no início dos anos 1980, de efetivação do que escrevíamos na época e bem aproveitado pelos Deputados Stoessel Dourado e Paulo Lustosa
seus primeiros presidentes da Comissão. O Deputado Paulo Lustosa depois veio a ser indicado, ainda por Tancredo, ministro da Desburocratização e incumbido pelo
Presidente eleito (em preparação de seu governo e pouco antes de ser adoecer mortalmente) formular e implantar um programa de defesa do consumidor brasileiro já
na linha de atendimento àquela Resolução da ONU. Vide também um panorama inicial dessa evolução histórica do tema no Brasil em minha “História e Fundamentos
do Direito do Consumidor”, publicado na obra ”Lutando pelo Direito” (Ed. Consulex, Brasília, 2002, 282p) e também na Revista dos Tribunais, nº 648, out./1989.
[12] Este histórico documento está preservado na obra “Defesa do Consumidor - Textos básicos”, edição também já histórica do CNDC/MJ, Brasília, 1ª ed., 1986. 27p.
[13] É que um dos direitos subjetivos mundiais do consumidor tem por objeto um meio-ambiente saudável.
[14] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1989, 232p
[15] O “danoninho que vale por um bifinho”, o “conhaque do milagre” (referindo-se às propriedades afrodisíacas e até eréteis, era o “Viagra” (não só falso, como antinômico) da época.
[16] Nessa época o CNDC, que lutava dentro e fora do governo para cumprir sua meta (acelerar o motor da história nesse especifico setor social), fazia campanha pública
sem recursos (em contas de telefones, de energia elétrica nos Estados), apenas gerando fatos jornalísticos, despertando o interesse da imprensa em geral que, se divulgava um fato, não gostava de divulgar o respectivo autor. Também editava cartilhas de orientação, manual de criação e organização de entidade (associação defesa do
consumidor), documentos esclarecedores aos constituintes (p.ex.“Nações Unidas na Defesa do Consumidor”), gerava a necessidade e a exigência popular do Procon, da
Promotoria e da Delegacia policial especificas e do, então, juizado de pequenas causas nas capitais e nas cidades mais importantes dos Estados). A Feira da Fraude, a
estatística das reclamações pelo “Fala cidadão” da Presidência da República bem repercutido na grande imprensa local, dentre outros instrumentos de conscientização
e exigências, eis a força do CNDC, além das reuniões com as poucas cabeças preocupadas com o tema.
[17] Cf. em nosso texto de fevereiro de 1982, que fez a Apresentação, aos ministros titulares do MJ e do MIC, da obra “Relações de Consumo” (1ªed. 1983, 2ª ed. 1984,
DIN /MJ, Brasília).
[18] Sempre quando há razões para que preços sejam reduzidos no mercado de consumo (p.ex. queda do Dólar diante de nossa moeda) raramente isso se reflete, de fato,
no bolso do consumidor. Isso bem poderia ser assegurado por meio de convenção de consumo. Muitos outros casos de interesses concretos do consumidor brasileiro
não são bem aproveitados por eles por falta der melhor implementação desse instrumento de autodefesa.
[19] Consumidor, é por excelência, aquela pessoa que aplica parte do seu salário no consumo de bens e serviços essenciais (ou como se dizia na época da economia
popular: gênero de primeira necessidade) ou no consumo de gêneros outros.
[20] Já tivemos oportunidade de ver a “penhora judicial de DUT” cujo veículo (um caminhão) já não existia, sequer em sucata. Tratava-se de uma grande empresa construtora (de um grande empresário) de residências em Brasília
[21] As reparações de danos morais, por exemplo, pagas pelos grandes bancos aos consumidores abalados pela negativação cadastral e consequente restrição de crédito, têm sido decididas em valores altamente estimulante desse tipo de dano, daí o crescente volume desses fatos
danosos, muitas, senão a maioria, sequer se tornam demandas indenizatórias. Veja-se, num
breve levantamento, a quantidade de sentenças condenatórias, publicadas diariamente, sem o
efeito preventivo ao lado do mero efeito indenizatório,
[22] Quem esquece (pior quem não conhecer) a história está condenado a repeti-la.
[23] Cf. nosso texto “A defesa do consumidor e o Plano Antiinflacionário”, publicado, enquanto
secretário executivo do CNDC, em várias revistas e jornais do país (JBr. 26.04.86 e in obra-homenagem, “Lutando pelo Direito”, Ed. Consulex, BsB, 2002, 257p).
[24] Cf. nosso prefácio à obra “Código do Consumidor em perguntas e respostas”, Ed. Esplanada/ADCOAS e Confederação Nacional do Comércio-CNC, RJ, 1ª ed. 1991 (também in “Lutando
pelo Direito”, 318p).
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CDC: o marco zero da sociedade
de consumo no Brasil
Roberto Meier
Especialista em relações de consumo. Presidente do grupo Padrão.
O ano de 2015 marca o aniversário de 25 anos do Código de Defesa do Consumidor. Concebido em uma época
conturbada, no esteio da redemocratização e das eleições diretas para presidente, o CDC representa o marco
zero da (re)criação da sociedade de consumo no Brasil. O país vivia momentos conturbados, com uma inflação descontrolada e uma economia castigada por sucessivos choques heterodoxos. Vivíamos em um ambiente
onde o consumo era privilégio de poucos. Então por que criamos um código tão avançado, tão marcante, antes
mesmo de termos capacidade de criar uma sociedade de consumo? O fato é que o CDC começou a exercer a
sua influência de modo tímido nos primeiros após a promulgação. Foi somente com o Plano Real, em 1994, que
o Brasil e os brasileiros puderam aprender o que significava o valor dos produtos e perceber que esse valor não
mudava todos os dias. O Plano Real encontrou no CDC uma âncora de credibilidade, que dava ao novo consumidor, enfim, o poder negado por décadas a fio.
Nesses 25 anos, o consumidor brasileiro evoluiu sensivelmente. Um gigantesco contingente de novos consumidores ganhou o mercado, sustentado por uma maior oferta de crédito, aumento de renda, inclusão digital e
mobilidade. O Brasil que em 1994 mal contabilizava 20 milhões de telefones, hoje conta mais de 330 milhões
de linhas habilitadas, entre fixas e móveis. Essa expansão do consumo fez crescer também o nível de exigência
e de consciência dos cidadãos. O brasileiro sabe que tem direitos e quer exercer esse poder. Nesse sentido, mais
do que uma lei voltada para a proteção do consumidor, o CDC é uma instituição da cidadania, uma garantia de
exercício da boa-fé, da lealdade e da honestidade entre os agentes que compõem as relações de consumo no
país. O que torna o CDC tão eficaz, tão atual mesmo diante de tamanha evolução tecnológica, é justamente a
sua ênfase profundamente humana.
O Código de Defesa do Consumidor é, nesse sentido, uma conquista em si mesmo. Um avanço vislumbrado a partir da esperança de que o Brasil poderia ser um país melhor, mais justo e mais íntegro, onde o voto de
confiança na vulnerabilidade do consumidor não significa que as empresas sejam, voluntariamente, espertas
maliciosas, para tirar proveito justamente da fragilidade de um consumidor em formação. O CDC acompanha
essa evolução e funciona como o instrumento capaz de gerar o fluido vital que alimenta qualquer sociedade de
consumo: a confiança.
O CDC foi o ponto de partida de um processo crescente de empoderamento do consumidor, ampliado dramaticamente nos anos recentes, não só por força da expansão acelerada das redes sociais e de novas plataformas
de comunicação, mas também pelo crescimento do número de PROCONs (mais de 800 e contando), a criação
da Secretaria Nacional do Consumidor – SENACON – a criação do PLANDEC – Plano Nacional de Consumo e
Cidadania e o lançamento do consumidor.gov, uma plataforma de mediação de conflitos on-line, alvo de admiração sincera em diversos países do globo.
Mas após anos de conquistas sucessivas, vivemos agora um momento desafiador. É uma época de ajuste,
na qual os valores inerentes ao CDC ganham ainda mais relevo: lealdade, honestidade, transparência, boa-fé,
virtude e boa vontade constituem a matéria-prima das empresas realmente interessadas em se relacionar com
os seus consumidores. Este é o momento em que precisamos mais intensamente disseminar a confiança nas
pessoas. E isso parte do princípio de erguermos e disseminarmos do “CDC para todos”. Não obstante o Código
trazer uma fundamentação jurídica sobre a responsabilidade dos serviços públicos, é mais do indispensável
submeter os prestadores de serviços e suas empresas, autarquias e instituições a critérios fundamentados de
avaliação de qualidade. “CDC para todos” significa trazer para a esfera do cidadão a mesma responsabilidade
que cobramos das empresas em mecanismos como a Lei do SAC. É hora de ver o CDC nos conduzir um passo
a frente. E olhando para frente, podemos ver que os próximos 25 anos da evolução da sociedade de consumo
no Brasil estão assentados sobre uma base sólida, que é o CDC. Uma das poucas leis que realmente fizeram o
Brasil melhor.
39
12
CDC 25 ANOS: tudo bem?
Não, não está tudo bem!
José Geraldo Brito Filomeno
Advogado, consultor jurídico e professor de direito do consumidor. Foi vice-presidente e relator da Comissão elaboradora do anteprojeto do CDC.
1. Breve apanhado inicial. Há exatos 25 anos, aos 11-9-1990, foi sancionada a Lei nº 8.078, mais conhecida como o
Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Nunca é demais recordar que se tratava --- como ainda se trata ---, de
uma lei revolucionária, sendo ainda considerada como uma --- se não a mais --- moderna do mundo. Apesar disso,
contudo, ele não se basta por si só para a resolução dos diversos conflitos de consumo. Ou seja: ele deve ser entendido como um microssistema jurídico, com princípios próprios, mas de natureza multi e interdisciplinar. Como princípio próprio poderíamos citar, fundamentalmente, o da vulnerabilidade. Isto é, o consumidor, não tendo condições
de conhecer técnica ou faticamente os produtos e serviços que são colocados à sua disposição no mercado, ou as
circunstâncias em que isso se dá, arrisca-se a experimentar todo tipo de risco e efetivos danos à sua saúde, segurança, economia particular, e até mesmo à sua dignidade. Em síntese: cuidou-se de se tratarem os desiguais --- consumidores, de um lado, e fornecedores de produtos e serviços, de outro ---, de forma desigual. Por outro lado, para
atingir seus objetivos, ele traça estratégias de cunho civil, administrativo e penal. Daí se falar, por exemplo, da inversão do ônus da prova, no processo civil, da responsabilidade civil objetiva ou sem culpa, da interpretação de cláusulas contratuais mais favoravelmente aos consumidores, e outras salvaguardas. Seguem-se, ainda, os princípios da
boa-fé e do equilíbrio que devem sempre, à luz da ética, presidir toda e qualquer relação jurídica. Por outro lado,
entretanto, o código é multidisciplinar, na medida em que contém preceitos de ordem civil (por exemplo, a já mencionada responsabilidade civil objetiva, a tutela contratual, incluídas aí a oferta e a publicidade, práticas de comércio
etc.), de caráter penal (ou seja, crimes contra as relações de consumo), de cunho administrativo (sanções nos casos
em que especifica), processual (a tutela coletiva, sobretudo), e outras particularidades. Entretanto, não se basta. Necessita, muitas vezes, conforme adverte seu artigo 7º, de outras normas já pré-existentes, a começar pela Constituição Federal, de normas de caráter civil, processual, administrativo e outras, além de, inclusive, tratados internacionais
de que o Brasil seja signatário. 2. O papel dos PROCON´s. O núcleo deste artigo, porém, visa a uma abordagem,
crítica, ainda que breve, com relação à atuação dos PROCON´s, e, sobretudo, o espantoso aumento de suas atribuições. Esses órgãos, como se sabe, tendo o de São Paulo como pioneiro , têm a tarefa primordial de exercitarem a
chamada tutela administrativa do consumidor. Ou seja, o desempenho de uma série de atividades consistentes,
basicamente, no atendimento de reclamações dos consumidores e tentativas de sua solução, além de sua orientação, esclarecimento, informação e educação informal. Sucede que a partir da vigência do Código do Consumidor,
essas atribuições foram exponencialmente aumentadas, chegando-se até ao exercício do chamado poder de polícia
administrativa. Com efeito, os PROCON´s, cuja natureza jamais foi de servirem como órgãos de fiscalização das relações de consumo, passaram a também se incumbirem dessa tarefa. Nesse sentido já dispunha o extinto Decreto
Federal nº 861, de 1993, substituído pelo Decreto Federal nº 2.181, de 1997, ora em vigor. Além disso, a teor do que
preceitua o inc. III do art. 82 do Código do Consumidor, os PROCON´s passaram a também ter, de modo concorrente e disjuntivo com outros entes, a legitimidade para a propositura de ações coletivas, no que respeita aos chamados
interesses e direitos difusos, coletivos stricto sensu, e individuais homogêneos de origem comum. Mas não é só. Com
o passar do tempo, desde a sanção do Código do Consumidor, foram sendo editadas medidas complementares ao
mesmo, sobretudo, ainda, no âmbito administrativo, o que veio a trazer ainda mais encargos aos PROCON´s. Será
que estão eles preparados e aparelhados para fazê-las cumprir? Não, do nosso posto de observação. Se não, vejamos. 3. Uma oportunidade perdida. Em 1997, na qualidade de professor de Direito do Consumidor e Coordenador
das Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor do Ministério Público do Estado de S. Paulo, fomos convidado
a ministrar cursos de reciclagem, especificamente sobre essa matéria, para todos os então servidores da SUNAB.
Todos estavam visivelmente animados para o trabalho, eles sim, de polícia administrativa das relações de consumo.
Até porque, em matéria de tabelamento, controle e fiscalização de preços, haviam perdido o objeto, em decorrência
da então estabilização econômica do país. Qual não foi a surpresa e frustração de todos, contudo, em especial a
nossa, ao sabermos que a SUNAB simplesmente fora extinta, por força do Decreto nº 2.280, de 34-7-1997, sem
maiores explicações. 4. A polícia administrativa e órgãos precípuos. Muito antes do advento do Código do Consumi40
dor grande parte das atividades econômicas já dispunham de órgão específicos de regulamentação e fiscalização.
Por exemplo: em matéria de seguros, o exercício de fiscalização já cabia à SUSEP – Superintendência de Seguros
Privados; das instituições financeiras, ao Banco Central do Brasil; a produção de bens relacionados à saúde às extintas divisões do Ministério da Saúde --- hoje ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária---, como a DIMED
– Divisão de Medicamentos, a DINAL – Divisão de Alimentos, à DISAD – Divisão de Produtos Domissanitários; os
produtos de origem animal ao SIF – Serviço de Inspeção Federal e outros equivalentes dos Estados e Municípios; em
matéria de pesos, medidas, segurança e qualidade industrial, sua disciplina e fiscalização de há muito cabia ao SINMETRO – Sistema Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial; no que tangia a eventuais e episódicos tabelamentos de preços, cabia à extinta SUNAB – Superintendência Nacional de Abastecimento baixar portarias limitativas e impor as respectivas sanções; e assim por diante. Além do mais, após o processo de privatização
operado a partir da regulamentação do art. 175 da Constituição Federal no tocante aos chamados serviços públicos
essências (i.e., água, energia elétrica, telecomunicações, transportes etc.), foram criadas agências reguladoras específicas para cada área, agências essas que, embora tenham atividades administrativas atinentes aos próprios regimes
e contratos de concessões e permissões, também atuam com poderes de polícia administrativa, sobretudo, no que
diz respeito à qualidade e condições oferecidas ao público consumidor desses serviços. Se funcionam ou não a contento, essa é uma outra história a demandar outras sérias reflexões. Pareceu-nos desde logo, por conseguinte, que
se regulamentação houvesse relativamente às relações de consumo --- como de resto houve, posteriormente à
edição da Lei nº 8.078/1990 ----, deveria ela se dar por exclusão. Ou seja: apenas no que dissesse respeito a atividades ainda não disciplinadas pela legislação de ordem administrativa já existente. Importante salientar que o Decreto Federal nº 7.963, de 15-3-2013 estabeleceu um amplo plano nacional de consumo e cidadania e criou a câmara nacional de relações de consumo. Ou seja, um verdadeiro observatório global das relações de consumo não apenas
de molde a traçar diretrizes como também meios para atingir os objetivos a que se propõe. A verdade, a nosso ver, é
que se atribuíram tarefas em demasia aos PROCON´s, muito além de suas atribuições tradicionais (i.e., de orientação, educação, mediação de conflitos individuais e até a propositura de ações coletivas, acompanhamento de modificações de mercado, como cotações da cesta básica). E, o que é pior: a) devido à dimensão territorial do país, são
poucos os PROCON´s, proporcionalmente à demanda dos consumidores: b) quanto aos locais, mormente os municipalizados, é grande a interferência política nos mesmos; c) conquanto mais independentes, é notório que os PROCON´s de maior envergadura não dispõem de meios materiais e recursos humanos para fazer frente a esses grandes
e novos desafios. 5. Leis que pegam e outras que não pegam. A questão vem a propósito desse dito já popularizado,
sobretudo, diante do verdadeiro cipoal legislativo de que o povo brasileiro é alvo, tendo de aturar diplomas legislativos de todo tipo, ordem e origem. Muitos desses, aliás, absolutamente desnecessários, supérfluos ou inócuos, e
somente vêm à luz em decorrência de vaidades ou falta do que fazer de seus autores. Entretanto, nesses 25 anos
foram sendo sancionadas leis e expedidos decretos e outras medidas de caráter administrativo, dando cada vez mais
aos PROCON´s, já assoberbados, mais e mais funções. Exemplos: 5.1 Precificação de produtos. A Lei Federal nº
10.962, de 11-10-2004 dispõe sobre as formas de afixação de preços de produtos e serviços para o consumidor, tendo sido regulamentada pelo Decreto Federal nº 5.903, de 20-9-2006. 5.2 Termos de quitação anual de pagamentos
efetuados. A Lei Federal nº 12.007, de 29-7-2009, estabeleceu normas no sentido de obrigar as pessoas jurídicas
prestadoras de serviços públicos ou privados a emitir e a encaminhar ao consumidor declaração de quitação anual
de débitos, para que evitem acumulações de recibos e boletos anos a fio. 5.3 Informes sobre tributos incidentes sobre produtos e serviços. Até o momento da edição da Lei Federal nº 12.741, de 08-12-2012, que exatamente dispõe
sobre as medidas de esclarecimento ao consumidor, de que trata o § 5º do artigo 150 da Constituição Federal; altera
o inciso III do art. 6º e o inciso IV do art. 106 do Código de Defesa do Consumidor, somente as empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos essenciais (fornecimento de energia elétrica, gás, telefonia, por exemplo) é que haviam dado cumprimento a essa 5.4 Leis de entrega de produtos e execução de serviços com dia e hora
predeterminados. Sim, no plural, porquanto além da Lei do Estado de S. Paulo nº 13.747, de 7-10-2009, regulamentada pelo Decreto Estadual nº 55.015, de 11-11-2009, constatamos que também o Estado do Rio de Janeiro editou a
Lei Estadual nº 3.669, de 2001, que visam, em última análise, a obrigar os fornecedores de bens e serviços a fixarem
data e turno para a entrega dos produtos ou a realizarem serviços. 5.5 Ranking das 10 empresas mais reclamadas nos
PROCON´s. No Estado de São Paulo, sobreveio a Lei nº 15.248, de 17-12-2013, mediante a qual, em última análise,
se obrigou os dez primeiros estabelecimentos comerciais que tenham o maior número de reclamações registradas
nos PROCON´s, a divulgarem essa circunstância “de maneira visível, clara, ostensiva” nos diversos pontos de venda.
OS PROCON´s ESTÃO FUNCIONANDO EM TODAS ESSAS FRENTES?
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CDC: 25 anos depois já podemos aperfeiçoá-lo
Por Rizzatto Nunes
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (aposentado),
escritor, jurista e advogado. É professor universitário há mais de trinta e quatro anos.
Fez sua carreira acadêmica na PUC/SP, lá obtendo os títulos de Mestre e Doutor em
Filosofia do Direito e Livre-Docente em Direito do Consumidor.
Há mais de 53 anos, no dia 15 de março de 1962, o então Presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, enviou
uma mensagem ao Congresso Americano tratando da proteção dos interesses e direitos dos consumidores.
“Consumidores somos todos nós”, disse ele nessa fala que se tornou o marco fundamental do nascimento dos
chamados direitos dos consumidores e que causou grande impacto nos EUA e no resto do mundo .
Não resta dúvida de que, de 1962 para cá, houve um avanço na proteção ao consumidor em várias partes do
mundo, inclusive no Brasil. No nosso caso, a verdadeira proteção surgiu com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) em 11-9-1990 (e que entrou em vigor em 11-3-1991). E, como nada fica parado em
nenhum lugar do mundo em matéria de legislação, especialmente aquelas que estão atreladas aos mercados –
uma vez que estes são sempre muito dinâmicos e criativos, tornando o tempo todo o passado obsoleto --, trago
para a reflexão do leitor uma proposta para aperfeiçoamento do CDC.
Primeiramente, lembro que no sistema legislativo brasileiro o CDC é o que representa o que existe de mais
moderno na proteção do consumidor. Esta lei é tão importante que fez com que nós, importadores de normas,
conseguíssemos dessa feita agir como exportadores. Nosso CDC serviu, e ainda serve, de inspiração aos legisladores de vários países. Para ficar com alguns exemplos, cito as leis de proteção do consumidor da Argentina, do
Chile, do Paraguai e do Uruguai, nele inspiradas.
Não resta dúvida de que o CDC representa um bom momento de maturidade de nossos legisladores. É verdade que, na elaboração do anteprojeto houve também influência de normas de proteção ao consumidor alienígenas, mas o modo como seu texto foi escrito significou um salto de qualidade em relação às leis até então
existentes e também em relação às demais normas do sistema jurídico nacional. O CDC é, de fato, o microssistema normativo mais importante editado após a CF de 1988 e que ajudou em muito a fortalecer o mercado de
consumo nacional.
Muito bem. Acontece que nem tudo o que se esperava dele acabou acontecendo. O CDC é de ordem pública
e de interesse social, norma geral e principiológica, o que significa dizer que é prevalente sobre todas as demais
normas especiais ou gerais que com ele colidirem. Ele inaugurou no sistema jurídico nacional um outro modo
de produção legislativa: ingressou de maneira a não necessariamente revogar leis anteriores. O que ele fez e faz
é tangenciar as relações jurídicas envolvendo consumidores e fornecedores estabelecidas com base em outras
normas que continuam em vigor, tornando nulas ou inválidas no todo ou em parte as cláusulas contratuais e/ou
práticas comerciais que desrespeitem seus princípios e regras.
Qual o problema, então?
O principal problema está em que, nesses 25 anos de vigência, os elementos gerais e principiológicos não
conseguiram suprimir alguns abusos existentes. O que era para ser uma virtude, veio, pois, mostrar-se como
um defeito em certos casos. E para quem ainda possa ter alguma dúvida, dou o exemplo do terrível episódio da
cidade de Santa Maria onde, na noite de 23 de janeiro de 2013, numa boate que pegou fogo, morreram 242 pessoas. O CDC não foi capaz de proteger os consumidores, pois não tem elementos que permitam o controle real
e efetivo de algumas atividades, assim como não consegue garantir a segurança dos consumidores em certos
estabelecimentos. A tragédia da boate Kiss é, até agora, a maior, pior e mais triste prova desse defeito.
Tomo, pois, esse caso traumatizante para demonstrar a necessidade de que se faça uma reforma no CDC, deixando-o menos principiológico – sem abolir, claro, os princípios que lá estão – para torná-lo mais eficaz e capaz
de regular especialmente certas situações concretas muito relevantes.
Já foi dito inúmeras vezes que o CDC contém regras que garantem os direitos fundamentais do consumidor,
dentre os quais a proteção a vida, saúde e segurança, conforme pode-se ver do inciso I do artigo 6º, do “caput”
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do artigo 8º e do “caput” do artigo 10. Há os que defendem que isso basta para dar guarida ao consumidor. Eu
também já pensei assim mas, como disse acima, tenho agora certeza de que é hora de mudar. Para que, realmente, nossa lei de proteção ao consumidor cumpra sua missão, é necessário que ela regre situações específicas
que conseguiram nesses anos todos passar imunes a seus efeitos.
Eis a realidade: a norma, como está escrita, simplesmente não funciona para garantir a segurança dos frequentadores de boates, clubes e estabelecimentos similares.
Por isso, penso que aprimorar a lei, ampliando claramente seu âmbito de ação e especificando que certos e
específicos abusos não podem ser praticados é o que a sociedade espera.
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Código de Defesa do Consumidor
Uma Lei Democrática
Maria Inês Fornazaro
Socióloga, presidente do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Ouvidores (ABO)
O Código de Defesa do Consumidor - CDC está completando 25 anos de edição invocando ao mesmo tempo
comemoração e reflexão.
Comemoramos, pois o CDC tem um significado maior que seu conteúdo expresso, foi a primeira lei após a
redemocratização do país que assegurava direitos para o cidadão. Por outro lado, exige reflexão sobre sua aplicação pela sociedade e as possíveis propostas de alteração ou complementação de seu conteúdo.
É necessária uma breve retrospectiva para entender a importância no contexto histórico, político, social e econômico no país em que as leis podem não “pegar”. O CDC é conhecido, apoiado e defendido pelos cidadãos.
Muitos sequer têm conhecimento integral do texto, mas sabem de sua existência e mais além, utilizam os seus
preceitos para agir em sua própria defesa nas situações de conflito com fornecedores.
Desde 1976 a proteção e defesa do consumidor já era praticada no Brasil como um serviço público ao cidadão,
por meio do Procon São Paulo, uma inciativa inovadora, que se propunha a intermediar a relação entre consumidores e fornecedores. Uma relação extremamente complicada, uma vez que não havia legislação que pudesse
dar amparo ao consumidor, muitas vezes prejudicado, inclusive financeiramente, por empresas inidôneas ou
simplesmente por negligência ou imprudência.
Nos anos 80, o pais vivia um momento histórico que reunia condições ideais para a elaboração de uma nova
Constituição Federal e no seu texto a previsão de uma legislação de proteção e defesa do consumidor. Pela
primeira vez se teria um aparato legal que daria fundamento à solução das reclamações. A elaboração do texto
do CDC por renomados juristas, as inúmeras audiências públicas para consulta, sugestões ao texto e, posteriormente, um interregno de 6 meses para que entrasse em vigor, fizeram da Lei a mais democrática já proposta no
país. Sua edição foi aclamada internacionalmente como a melhor lei de defesa do consumidor existente.
Após sua edição uma profusão de palestras, treinamentos e capacitações para consumidores e fornecedores
deram o tom do CDC. Não se havia visto movimentação maior da sociedade em torno de um texto legislativo.
A partir de sua vigência, diversos de órgãos públicos de defesa do consumidor, serviços de atendimentos ao
consumidor nas empresas e associações de defesa do consumidor foram criados. Estava aí instalada a força
tarefa que ia dar forma ao conteúdo do Código de Defesa do Consumidor.
Dispositivos inovadores para os consumidores foram incorporados ao texto da lei, como o Cadastro de Reclamações Fundamentadas, Desconsideração da Personalidade Jurídica, Convenção Coletiva de Consumo. Assuntos tratados cotidianamente nas reclamações como publicidade enganosa ou abusiva, regras contratuais, venda
casada foram objeto de destaque nos capítulos do CDC, merecendo especial atenção o artigo 6º que estabelece
os Direitos Básicos dos Consumidores.
Desde sua edição o CDC tem sido objeto de estudos, pesquisas, regulamentações e interpretações. A regulamentação trazida pelo Decreto 2181/97, por exemplo, se limita a tratar da aplicação das sanções administrativas,
que pela primeira vez foi implementada em abrangência nacional e permitiu que se estabelecesse dosimetria das
multas aplicadas aos fornecedores, em razão do descumprimento da lei. Outros textos se propõem a regulamentar
temas específicos e os órgãos de Defesa do Consumidor emitiram portarias elucidativas de sua atuação.
Ficam evidentes os avanços que o CDC trouxe para as relações de consumo, mas também é notável o esforço
coletivo para que seus princípios fossem aceitos e cumpridos. A objetividade e o fácil entendimento de seu
texto também foram fundamentais para garantir sua aplicabilidade.
O CDC é uma conquista da sociedade brasileira, sua credibilidade tem alicerce nos fundamentos que deram
origem ao texto, bem como no comprometimento com o tratamento das demandas dos consumidores. De
caráter principiológico, o CDC continua atual e aplicável nas relações de consumo, desta forma, tentativas de
alteração, inclusão ou exclusão de partes, capítulos ou palavras devem ser tratadas com extrema responsabili44
dade e reflexão, considerando especialmente o momento em que se levará a discussão ao Congresso Nacional,
no intuito de evitar mutilações e descaracterizações, preservando essa importante conquista dos consumidores
e que representa grande avanço no processo democrático brasileiro.
Desafios e oportunidades permeiam as relações de consumo, a sociedade é constantemente desacatada por
serviços e produtos inadequados, atendimento ineficaz, tentativas de ludibriar os mais incautos, enfim toda
sorte de desavenças. O consumidor tem que se manter em permanente posição de atenção para evitar armadilhas e os operadores do CDC devem ser cada vez mais atuantes na sua incessante busca pela manutenção dos
direitos.
O CDC foi um alento e uma grande conquista, mas somente sua aplicação plena, o que ainda não aconteceu,
apesar do tempo decorrido e o retorno da defesa do consumidor à agenda política farão com que os cidadãos
brasileiros sintam que não estão desamparados e a mercê do lucro a qualquer custo.
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Comemoração aos 25 anos do Código de Defesa
do Consumidor: A evolução das relações de
consumo nos últimos 25 anos
Gilberto Nonaka
Promotor de Justiça do Consumidor do Ministério Público de São Paulo
A promulgação do Código de Defesa do Consumidor trouxe uma evolução enorme ao direito brasileiro, v.g.,
com a adoção dos princípios da boa fé objetiva, da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, do
equilíbrio nas relações entre fornecedores e consumidores e da função social do contrato, além de romper com
inúmeros dogmas, como o pacta sunt servanda. Se no passado valia apenas o que estava escrito no contrato,
ainda que de forma não muito legível, hoje as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira mais
favorável ao consumidor (CDC, art. 47), que não se obrigará por elas se redigidas de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance (CDC, art. 46).
Esse revolucionário Código consumerista contaminou o novo Código Civil de 2002 em inúmeros de seus dispositivos, vindo este, v.g., a substituir o pacta sunt servanda pela boa-fé (CC, art. 113).
Esta evolução implantada pela legislação consumerista acabou, de certa forma, sendo acompanhada pela
jurisprudência.
O Supremo Tribunal Federal decidiu que os bancos estão sujeitos às normas do Código de Defesa do Consumidor na relação com seus clientes . Ele também entendeu que o Ministério Público tem legitimidade ativa
para defender beneficiários do DPVAT e para promover ação civil pública cujo fundamento seja a ilegalidade de
reajuste de mensalidades escolares .
Já o Superior Tribunal de Justiça passou a admitir a condenação de empresas por haver causado dano moral
coletivo (ou difuso), desde que o fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade, fixando o entendimento de que ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos,
intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva . Também decidiu pela responsabilização do provedor de internet, ainda que gratuito, pela retirada imediata do conteúdo ilícito postado
quando comunicado, além da obrigação de ter o cuidado de propiciar meios para que se possa identificar cada
um dos usuários, coibindo o anonimato e atribuindo a cada manifestação uma autoria certa e determinada . Entendeu ainda que é abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar
do segurado .
O Tribunal de Justiça de São Paulo, por sua vez, editou várias súmulas na defesa do consumidor de seguros
e planos de saúde, com entendimentos, v.g., de que “havendo expressa indicação médica para a utilização dos
serviços de home care, revela-se abusiva a cláusula de exclusão inserida na avença, que não pode prevalecer” ;
que “a falta de pagamento da mensalidade não opera, per si, a pronta rescisão unilateral do contrato de plano
ou seguro de saúde, exigindo-se a prévia notificação do devedor com prazo mínimo de dez dias para purga da
mora” ; que “havendo expressa indicação médica, não prevalece a negativa de cobertura do custeio ou fornecimento de medicamentos associados a tratamento quimioterápico” ; que “havendo expressa indicação médica
de exames associados a enfermidade coberta pelo contrato, não prevalece a negativa de cobertura do procedimento” ; que “havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento
sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS” ; e
que “não prevalece a negativa de cobertura às doenças e às lesões preexistentes se, à época da contratação de
plano de saúde, não se exigiu prévio exame médico admissional” .
Evidente que na análise da evolução das relações de consumo nos últimos 25 anos não poderíamos deixar de
mencionar as frustrações com algumas decisões do Poder Judiciário, como, v.g., a do Superior Tribunal de Justiça que, em sede de Recurso Repetitivo, “entendeu como legítima a estipulação da Tarifa de Cadastro, a qual
remunera o serviço de “realização de pesquisa em serviços de proteção ao crédito, base de dados e informações
cadastrais, e tratamento de dados e informações necessários ao inicio de relacionamento decorrente da abertura
de conta de depósito à vista ou de poupança ou contratação de operação de crédito ou de arrendamento mer46
cantil, não podendo ser cobrada cumulativamente” (Tabela anexa à vigente Resolução CMN 3.919/2010, com a
redação dada pela Resolução 4.021/2011)” ou a do Tribunal de Justiça de São Paulo que, em ação civil pública
movida contra determinada seguradora de veículos, entendeu não haver prova para condená-la em razão de
fraude reiterada contra consumidores segurados, para negar o pagamento da indenização com o uso de escritura
pública do Paraguai, adquirida no país vizinho, o que acarretou falsas comunicações de crime, com instauração
de inquéritos policiais e processos criminais contra pessoas inocentes.
Não foram poucas as tentativas de alterações na legislação consumerista, mas é certo que a atuação firme dos
órgãos e associações de defesa do consumidor impediram retrocessos legislativos.
Os Ministérios Públicos Estaduais e Federal especializaram a atuação de seus Membros na defesa do consumidor, procedimento que não foi adotado pelo Poder Judiciário, muito embora se perceba a maior sensibilidade
dos Juizados Especiais Cíveis em apreciar as lides de consumo.
Por fim, espera-se que num futuro próximo, quando o Código de Defesa do Consumidor for integralmente e
corretamente aplicado, a soberania do consumidor no mercado de consumo deixe de ser apenas uma fraude,
como escreveu John Kenneth Galbraith e então, “o poder máximo, na economia de mercado, estará nas mãos
daqueles que compram ou que decidem não comprar; portanto, com algumas restrições, o consumidor vai deter
o poder mais alto. Sua escolha traçará a curva da demanda”.
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 2591, Tribunal Pleno do STF, rel. Min. Carlos Velloso.
Recurso Extraordinário (RE) 631.111, Tribunal Pleno do STF, rel. Min. Teori Zavascki.
3
Súmula 643 do STF.
4
REsp 1.221.756/RJ, Rel. Ministro Massami Uyeda, 3ª Turma, j. em 02/02/2012, DJe 10/02/2012.
5
REsp 1.193.764/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, j. em 14/12/2010, DJe 08/08/2011
6
Súmula 30 1 2 do STJ.
7
Súmula 90 do TJSP.
8
Súmula 94 do TJSP.
9
Súmula 95 do TJSP.
10
Súmula 96 do TJSP.
11
Súmula 102 do TJSP.
12
Súmula 105 do TJSP.
13
Relacionados aos REsp 1.251.331 e REsp 1.255.573, rel. Min. Maria Isabel Gallotti. Importante
observar que no REsp nº 1.270.174-RS tratando do mesmo assunto os Ministros Paulo de Tarso
Sanseverino e Nancy Andrighi ofereceram primorosos votos vencidos em favor da sociedade e em
harmonia com a legislação consumerista, observando, inclusive, a afronta à súmula 5 do STJ. E
consta do acórdão do recurso repetitivo que a sustentação oral foi feita apenas pelos representantes do Banco recorrente e do BACEN, que sabidamente não defende interesses de consumidores.
14
TJSP, Apelação Cível nº 9060904-18.2009.8.26.0000, Sexta Câmara de Direito Privado, Desembargador Relator Vito Guglielmi, julgado em 27/08/2009, publicado em 04/09/2009.
15
A economia das fraudes inocentes – Verdades para o nosso tempo. Tradução de Paulo Anthero
Soares Barbosa. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, p. 27, 28
1
2
47
16
Dano Moral Coletivo e Social
Paulo Eduardo Pinheiro de Souza Bonilha
Advogado, sócio do escritório de advocacia Bonilha, Ratto e
Pontes Advogados, responsável pela área de defesa do consumidor.
Longe de ser uma novidade legislativa, é recente o reconhecimento jurisprudencial atinente aos chamados danos morais coletivos e danos sociais.Como se
sabe, a indenização por dano moral já está prevista em nosso ordenamento jurídico desde 1988, por ocasião da
promulgação da Constituição Federal (artigo 5º, inciso V).
E, neste sentido, verifica-se que o texto legal não restringe a violação à esfera individual, de sorte que a jurisprudência vem evoluindo na análise da questão, agregando, aos já tradicionais danos individuais e morais, os
danos coletivos e sociais, chamados por alguns como “novos danos”.
O dano, na lição mais tradicional de direito, é a lesão a um bem jurídico, tendo duas vertentes clássicas: a patrimonial e a moral.
Especialmente no que se refere ao dano moral, hoje temos definidos alguns conceitos bem cunhados pela
doutrina e jurisprudência, notadamente aquele no sentido de que o mero dissabor não é indenizável e até mesmo as hipóteses de dano in re ipsa (ou dano moral presumido), que independem da prova do dano, tendo nascedouro no próprio ato lesivo.
Superadas tais relevantes premissas iniciais, passemos ao efetivo escopo do presente artigo.
Pois bem.
Os danos morais coletivos estão atrelados à 3ª geração do constitucionalismo: a solidariedade. Eles se caracterizam pela lesão na esfera moral de um certo número de pessoas, agredidos injustificadamente do ponto de
vista jurídico.
Sua presença marcante se dá quando configurada uma violação a direitos da personalidade em seu aspecto
individual homogêneo ou coletivo em sentido estrito, em que as vítimas são determinadas ou determináveis.
Ao cuidar dos aludidos interesses individuais homogêneos de origem comum, reputados certamente anômalos no que concerne à coletividade de interessados ou titulares, quis o Código de Defesa do Consumidor distingui-los dos demais tipos de interesses ou direitos igualmente coletivos – ou seja, os difusos e os coletivos propriamente ditos, uma vez que poderiam ser tratados de forma individual por parte de cada um dos interessados.
Assim, os interesses ou direitos individuais homogêneos de origem comum nada mais são do que interesses
ou direitos manifestamente individuais, mas que, tendo uma mesma causa, justifica-se ou se admite o seu
tratamento coletivo.
Desta forma, como a origem é uma só, autoriza-se que possam ser tratados coletivamente por um dos entes
previstos pelo art. 82 do estatuto consumerista .
A HOMOGENEIDADE, no caso, nada tem a ver com a igualdade dos direitos ou interesses entre si. Até porque, ao contrário dos dois outros interesses coletivos (difusos e coletivos propriamente ditos), em que há uma
indivisibilidade desses direitos ou interesses, no sentido de que, se algo for feito para a sua tutela todos os componentes do grupo serão beneficiados indistintamente, destes, a providência requerida jurisdicionalmente será
divisível, diferente caso a caso.
Ou seja, o dano moral coletivo tem como vítimas titulares de direitos individuais homogêneos ou coletivo em
sentido estrito, ao passo que no dano social, como se verá, a vítima é a própria sociedade.
Já com relação a evolução jurisprudencial do tema, a ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Nancy Andrighi, nos autos do REsp 636.021, bem pontuou que o artigo 81 do CDC rompeu com a tradição jurídica clássica,
de que só indivíduos seriam titulares de um interesse juridicamente tutelado ou de uma vontade protegida pelo
ordenamento.
Todavia, conforme bem asseverou o Min. Massami Uyeda: “é importante deixar assente que não é qualquer
atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso, que dê ensanchas à responsabilidade civil. Ou seja, nem todo ato ilícito se revela como afronta aos valores de uma comunidade. Nessa medida, é preciso que o fato transgressor seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele
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deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes
na ordem extrapatrimonial coletiva” (REsp 1221756/RJ).
E mais: “Se a doutrina e a jurisprudência, ao se pronunciarem sobre o dano extrapatrimonial individualmente
considerado, ressaltam que as ofensas de menor importância, o aborrecimento banal ou a mera sensibilidade
não são suscetíveis de serem indenizados, a mesma prudência deve ser observada em relação aos danos extrapatrimoniais da coletividade. Logo, a agressão deve ser significativa; o fato que agride o patrimônio coletivo deve
ser de tal intensidade e extensão que implique na sensação de repulsa coletiva a ato intolerável” (ut BIERNFELD,
Dionísio Renz. Dano moral ou extrapatrimonial ambiental. São Paulo. LTr, 2009, p. 120).
Por seu turno, os danos sociais, nas palavras de Antonio Junqueira de Azevedo são aqueles que causam “lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a
respeito da segurança – quanto por diminuição na qualidade de vida”.
Neste cenário, as vítimas são indeterminadas ou indetermináveis.
Ademais, a indenização derivada do dano social não é para a vítima (tal como se verifica no dano moral coletivo), sendo destinada a um fundo de proteção consumerista (art. 100 do CDC), ambiental ou trabalhista, por
exemplo, ou até mesmo instituição de caridade, a critério do juiz (art. 883, parágrafo único do CC).
Em regra, os valores oriundos de condenação por dano social são destinados para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, criado pela Lei 7.347/85, e aplicável também aos danos coletivos de consumo, nos termos do art.
100, parágrafo único, do CDC.
Por fim, apenas registre-se que estes “novos danos” ainda enfrentam resistência por parcela dos operadores
do direito, havendo quem defenda que se o dano moral é personalíssimo, só se poderia cogitar seu cabimento
na esfera puramente individual e não coletiva.
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Leis de defesa do consumidor na Europa:
desafios para o futuro
Ivo Mechels
Diretor de Relações Institucionais e Imprensa da Test-Achats, entidade belga de defesa do consumidor.
As leis de defesa do consumidor na Bélgica têm progredido de forma significativa ao longo dos últimos vinte
anos. No passado, estas leis eram relegadas a segundo plano dentro das disciplinas do Direito. Atualmente, o
Direito do Consumidor tornou-se um ramo independente do Direito. Esta mudança ocorreu em parte por conta
da influência da Europa, e em parte como uma reação à mesma.
De fato, muitas leis de defesa do consumidor foram promulgadas com base em diretrizes europeias que se
referiam, por exemplo, a práticas comerciais desleais, cláusulas abusivas, comunicação eletrônica e direitos dos
consumidores e dos passageiros. Entretanto, outras leis de defesa do consumidor resultaram de uma reação
ao desenvolvimento europeu. Desde os anos noventa, a Europa tem passado por ondas de liberalização, cuja
implementação não incluía certas precondições necessárias. O desequilíbrio entre empresas economicamente
mais fortes e consumidores mais fracos, assim como a percepção de que o mercado exige parceiros comerciais
em condições de igualdade para funcionar da melhor maneira possível, levou o governo belga a intervir e desenvolver uma série de leis para defender os consumidores.
Independentemente se estas leis originaram da União Europeia ou do governo belga, em ambos os casos foram as entidades de defesa do consumidor, neste caso a Test-Aankoop, que acionaram o alerta e agiram como
as principais forças impulsionadoras por trás destas mudanças. O fato é que organizações de defesa do consumidor geram influência, impacto, orientação e políticas.
Isto fez com que o pequeno consumidor belga já tenha muitos direitos assegurados. Seja em relação a produtos financeiros, a seguros, serviços de telecomunicação..... várias iniciativas foram desenvolvidas oportunamente
para assegurar a devida proteção. Em parte por pressão da Test-Aankoop, os ministros belgas têm frequentemente tomado a iniciativa de ir além das disposições previstas na legislação europeia, até em casos de iniciativas coordenadas pela Europa. Em alguns casos, a Bélgica é considerada como sendo “um caso de sucesso” ou
fonte de inspiração para outros países membros.
Este resultado é motivo de orgulho, mas não se deve dormir no ponto. O futuro nos traz enormes desafios. E
estes desafios são, acima de tudo, europeus.
Muitas leis de defesa do consumidor fazem parte de outras leis que nem sempre estão alinhadas entre si. Isto
já acontece na Bélgica. Assim, numa Europa unificada, com 28 países membros, este problema aumenta de
forma exponencial. Claramente, uma situação assim causa bastante confusão entre os consumidores, o que
leva as empresas a tirar vantagem. Logo, é necessário ter maior colaboração, maior coordenação, e mais harmonização, desde que isto não leve a um retrocesso. O nível de defesa do consumidor que muitos países membros
têm desenvolvido não pode regredir sob o pretexto de uma cooperação europeia.
As leis de defesa do consumidor estão em constante evolução, o que é o certo. Novas técnicas e lacunas são
constantemente buscadas para driblar as defesas necessárias para os consumidores. Mas o mundo também
está mudando e as leis precisam se adaptar a estas mudanças. Neste aspecto, parece que estamos ficando para
trás dos fatos. Por exemplo, a globalização e a digitalização são um fato, mas somente agora está se trabalhando dentro da União Europeia para ir na direção de um Único Mercado Digital que funcione, antes que seja tarde
demais. Um sistema eficiente de defesa do consumidor olha para o futuro e se antecipa.
Por fim, é necessário apontar um terceiro desafio, que talvez seja o mais importante. Como foi dito anteriormente,
consumidores já tem vários direitos. Ou pelo menos, no papel. A lei já prevê soluções para muitos problemas, mas a
questão principal é garantir que estes direitos sejam respeitados na prática. E aqui reside o problema. Recentemente,
uma ação coletiva foi movida na Bélgica, como resposta a anos de pedidos e necessidades. A verdade é que muitos
consumidores não querem mover ações sozinhos, por não se sentirem suficientemente fortes, ou porque é muito caro
acionar a justiça.… É evidente que tal postura não motiva as empresas a cumprir as regras. O modelo de ação coletiva,
onde muitos consumidores ingressam para juntar as forças, pode ser uma solução para esta questão.
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Porém, muitos problemas que envolvem consumidores não se restringem apenas à Bélgica, e ocorrem em todos os países europeus. Acima de tudo, estes problemas precisam receber uma resposta europeia. Entretanto, a
aplicabilidade das leis é basicamente organizada a nível nacional, o que causa grandes diferenças entre os países
membros da União Europeia. Por exemplo, consumidores italianos recebem indenizações muito maiores do que
os consumidores espanhóis, embora a infração cometida pela Apple tenha sido a mesma em ambos países. A
necessidade de uma aplicabilidade europeia é amplamente reconhecida, mas esta é uma questão que está apenas engatinhando, infelizmente. Ao invés de estabelecer mais direitos, a prioridade deveria ser uma aplicação
mais eficaz da justiça europeia.
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O desafio biotecnologico da Segurança Alimentar
Food Safety and Food Security
biotechnological challenge
Roberto Grassi Neto
Desembargador do TJ-SP e Livre-docente pela USP
RESUMO
Procura-se abordar no presente artigo os principais desafios que vêm sendo enfrentados no âmbito da Segurança Alimentar, com especial enfoque nos questionamentos referentes à contribuição da biotecnologia no
desenvolvimento de sementes, tanto convencionais como transgênicas, na oferta de alimentos com a qualidade
necessária para o atendimento da saúde e das necessidades básicas dos consumidores.
PALAVRAS-CHAVE: SEGURANÇA ALIMENTAR; ALIMENTOS; BIOTECNOLOGIA; DIREITO DO CONSUMIDOR; PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR; DIREITO AGRÁRIO.
ABSTRACT
The purpose of the present article is to highlight the main challenges that are been faced in the context of food safety, with special focus on questions relating to the contribution of biotechnology in the development of seeds both
conventional and transgenic in providing food with the quality required to cater health and basic consumer needs.
KEYWORDS: FOOD SAFETY; FOOD; BIOTECHNOLOGY; CONSUMER LAW; CONSUMER PROTECTION;
AGRARIAN LAW.
A produção de alimentos sempre desempenhou função vital no seio das sociedades, as quais se mantiveram
constantemente preocupadas, tanto em garantir a autossuficiência de seus respectivos países no abastecimento do mercado interno, como em assegurar que a oferta de produtos alimentares ao consumidor ocorra de modo
suficiente, envolvendo itens sãos e desprovidos de perigo à saúde daquele que vá ingeri-los.
O impacto da recente constatação de que fome e má nutrição encontram na pobreza sua causa principal
repercutiu de tal modo na noção contemporânea de segurança alimentar, que esta se centrou inicialmente na
preocupação mundial com o volume e a estabilidade dos suprimentos alimentícios destinados a satisfazer as
exigências de cada indivíduo. Em meados da década de 1990, porém, ela já havia ganhado nova dimensão,
deixando de corresponder ao atendimento de necessidade meramente individual, para transformar-se em conjunto de ações de interesse global, destinadas a contribuir para que as pessoas tenham acesso a alimentação de
qualidade , que assegure uma vida ativa e saudável.
Essa nova abordagem da questão alimentar teve que buscar a conjugação das perspectivas tanto dos produtores agrários, quanto da defesa do consumidor e do meio ambiente, na busca de soluções para discussões
polêmicas, como aquelas concernentes à eventual existência de correlação entre a situação de insegurança alimentar e a produção de biocombustíveis, ou a preservação das florestas.
Erigido à categoria de direito fundamental a partir de 2006, o acesso à alimentação adequada vem assegurado
no Brasil por princípios de ordem tanto constitucional, quanto legal.
O modelo brasileiro tem se revelado, contudo, insuficiente para dirimir os acalorados debates que têm surgido,
por exemplo, sobre a conveniência ou não quanto ao emprego de novas tecnologias no âmbito da agricultura e
da pecuária, em especial aquelas que envolvam técnicas de transgenia.
De um lado, companhias transnacionais de tecnologia agrícola e parte dos produtores sustentam que a criação
de cultivares a partir do emprego de sementes geneticamente modificadas seria a solução segura contra pragas das lavouras, capaz de assegurar tanto o abastecimento do crescente mercado consumidor, como de alçar
o País à posição de potência exportadora de commodities agrícolas. De outro, ambientalistas e entidades de
consumidores asseveram ser tal cultivo inconsequente, por expor tanto o consumidor como o meio ambiente a
riscos desnecessários.
As empresas produtoras de sementes afirmam que, o cultivo do solo com produto geneticamente modificado
para ser resistente a defensivos agrícolas – seja pela técnica denominada Roundup Ready™ (RR), seja pelo sis52
tema “Bt” – reduziria o uso desses agrotóxicos e ainda obteria notório aumento da produção agrícola.
São, contudo, crescentes os receios de que esse verdadeiro “salto da natureza” , que é a manipulação genética, possa ser prejudicial à saúde humana. Resultados de estudos procedidos em camundongos alimentados
com batatas transgênicas, às quais foi acrescentado o gene do Bacillus thuringiensis, apontaram, com efeito, a
possibilidade de dano às células intestinais de mamíferos ; estudos laboratoriais mais recentes, realizados em
2005 e 2009, revelaram, por sua vez, inquietantes efeitos colaterais negativos do milho transgênico dos tipos
MON 863 , NK 603 e MON 810 , indicativos de sinais de toxicidade hepática e renal, possivelmente em razão dos
novos pesticidas empregados especificamente em cada espécie de milho. Igualmente controvertido é o uso da
tecnologia que emprega genes resistentes a antibióticos em transferências genéticas, pela possibilidade de que
bactérias normalmente existentes no organismo humano adquiram esse DNA e acabem por tornarem-se elas
próprias resistentes aos antibióticos.
As preocupações quanto aos riscos para a saúde dos consumidores emprestaram força à noção de “precaução”,
erigida a princípio jurídico. Se os produtos geneticamente modificados não forem, com efeito, adequadamente
controlados, episódios dramáticos envolvendo intoxicação, alergias e outros problemas poderão ocorrer, para
não mencionar o surgimento de ervas daninhas tolerantes ao glifosato nas lavouras transgênicas, ensejando,
inclusive, a necessidade de maior uso deste herbicidas; os agricultores que empregam sementes transgênicas
ficam, por sua vez, à mercê de empresas detentoras da tecnologia empregada, como Monsanto e Syngenta, que
impõem aos produtores contratos com cláusulas evidentemente abusivas.
Não se pode ignorar, todavia, que o emprego da biotecnologia na produção de alimentos não se restringe à
transgenia; ilustra tal situação o sucesso que vem experimentando o desenvolvimento de sementes híbridas
não transgênicas, como a do milho e da soja; obtidas mediante simples cruzamento de linhagens diferentes do
próprio vegetal, apresentam produtividade elevada, comparável e às vezes até mesmo superior àquela obtida a
partir de sementes transgênicas.
Muito há ainda por ser feito. Dentre as propostas que reputamos viáveis para o setor, destacam-se as seguintes:
a) Criação de políticas realmente efetivas que garantam o direito à alimentação adequada, com a criação da
Agência Nacional de Segurança Alimentar, órgão regulatório que integraria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar de modo independente, com a função de estabelecer políticas e promover a segurança alimentar, tanto
no seu sentido quantitativo, quanto qualitativo.
b) Ampliação gradual da gama de gêneros alimentícios submetidos à rastreabilidade obrigatória, com a inclusão imediata dos alimentos contendo OGM;
c) Rejeição do PL n. 4.148/2008, que dispensa as indústrias de informarem no rótulo se o produto comercializado tem ou não origem transgênica
d) Proibição a agências governamentais quanto a tomarem decisões baseando-se em pareceres de pesquisadores que tenham sido subsidiados pelas companhias de biotecnologia.
e) Atribuição dos custos adicionais resultantes da adoção de procedimentos preventivos de contaminação de
propriedades rurais convencionais não mais ao agricultor, mas ao produtor da safra geneticamente modificada
ou às companhias que fornecem às sementes geneticamente modificadas
f) A ação do Poder Judiciário deve, por fim, ir além da mera indenização por eventuais danos, eis que lhe cabe
a tarefa, ao interpretar as normas constitucionais, agir com coragem no reconhecimento da inaplicabilidade das
disposições que, diretamente ou indiretamente, e relativas à segurança alimentar, sejam ofensivas aos princípios
constitucionais previstos em cláusulas pétreas.
Bibliografia
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____. Report on MON 863 GM maize produced by Monsanto Company – June 2005. Controversial effects on health reported after
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VALLETTA, Marco. La disciplina delle biotecnologie agroalimentare: il modello europeo nel contesto globale. Milano: Giuffrè, 2005.
53
19
O CDC e a sociedade brasileira
nos últimos 25 anos
Dimas Eduardo Ramalho
Conselheiro TCE/SP
Em 2015 comemoramos 25 anos do Código de Defesa do Consumidor, um dos mais importantes diplomas
legais vigentes no Brasil. Criado pela Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990, o CDC foi recebido, à época, com
muita apreensão, com alegado risco de quebrar as empresas por proteger demasiadamente os cidadãos, impondo sanções e regras rigorosas nas relações de consumo.
Podemos compreender a motivação do receio a partir do cenário que vivíamos na época, pois, juntamente com
as mudanças econômicas e sociais, através do Plano Real (24 de fevereiro de 1994), modernização do sistema
bancário com destaque para a criação do Copom (Conselho Monetário Nacional, criado em 20 de junho de 1996)
e a Lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, o CDC foi
responsável por uma verdadeira revolução na noção de cidadania dos brasileiros.
Talvez por entrar em vigor menos de 2 (dois) anos depois da Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, seu
papel estruturante seja ainda maior, não apenas das relações de consumo, como de todas as relações sociais,
por despertar e reforçar a noção dos indivíduos como portadores de direitos e deveres.
Se o CDC foi uma legislação muito avançada para a época, duas décadas e meia depois continua moderno, capaz de influenciar o mercado, através dos empresários e trabalhadores em toda a cadeia produtiva, assim como
os consumidores finais, demandando grandes debates e reflexões por parte dos operadores do Direito. O CDC
foi tão bem estruturado que sua aplicação estendeu-se às relações bancárias e financeiras, pois ele se pauta
pela busca do equilíbrio contratual e proteção do hipossuficiente, inclusive quando este for uma pessoa jurídica.
Hoje as pessoas sabem que há prazos e regras para devolução de produtos, seja ele comprado em loja física
ou eletronicamente pela internet; os prestadores de serviços sabem que não podem praticar oferta enganosa,
devem cumprir os prazos anunciados e contratados; os fabricantes e comerciantes sabem que poderão responder solidariamente por dano moral, como fornecedores de um produto ou serviço, ou seja, não há espaço para a
lógica do “cada um por si”.
Nestas “bodas de prata” do CDC, destaque-se seu alcance sobre os serviços públicos, conforme previsto em
seu art. 6º, inciso X, que nada mais é senão a defesa dos princípios constitucionais que norteiam a administração pública, a eficiência, transparência, eficácia e efetividade. Tal entendimento é reforçado pela atuação de
magistrados, membros do Ministério Público e especialmente das organizações e entidades do terceiro setor,
como a Proteste, além dos Procons e, mais recentemente, das Defensorias Públicas, instituídas depois do CDC.
A aplicação da norma consumerista no âmbito dos serviços públicos deve ser total, pois é do interesse público que todos os serviços obedeçam ao melhor padrão de qualidade possível. Frise-se que a letra do artigo 3º,
parágrafo 2º do CDC, dispõe que serviço “é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante
remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das
relações de caráter trabalhista”, contudo, a remuneração dos serviços públicos nem sempre é feita diretamente
pelo consumidor final.
Assim, faz-se necessário distinguir a figura do contribuinte da do consumidor. A relação de consumo decorre
de um contrato, cuja remuneração jamais pode ser confundida com o pagamento de tributos, ou seja, não se
confunde o serviço educacional na rede pública de ensino (financiada com tributos), com o fornecimento domiciliar de água, luz e gás ou mesmo o transporte público (para os quais é cobrada tarifa). Nessa perspectiva,
enquanto Conselheiro no Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, lido na avaliação, mesmo que indireta,
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dos impactos do CDC nos contratos de concessão de transporte público, de rodovias, de energia elétrica, água e
gás, nos serviços de emissão de documentos e certidões – de modo a verificar se o serviço está sendo, de fato,
prestado com eficácia e efetividade.
Nesses 25 anos, além de celebrar as conquistas e importância do CDC, repercutindo e influenciando em todos
os ramos do direito público e privado, destacamos ainda a necessidade de evitar o alto índice de judicialização
dos conflitos. Enquanto parlamentar, cargo que ocupei até recentemente, acompanhei de perto as discussões
da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados, período em que muito aprendi sobre as
relações de consumo e dos desafios que ainda temos pela frente, por exemplo no papel desempenhados pelos
canais virtuais e vias extrajudiciais na mediação das reclamações de consumo, abrindo o diálogo e esclarecendo
prestadores de serviço e consumidores em si. Por isso, é preciso ir além – ampliar parcerias institucionais entre
sociedade civil organizada, terceiro setor e setor público. A sociedade brasileira evoluiu a partir do CDC, mas não
resta dúvidas de que pode progredir muito mais na efetivação dos direitos consumeristas.
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20
O Código de Defesa do Consumidor
e os Serviços Públicos
Flávia Lefèvre Guimarães
Advogada , membro do Conselho Consultivo da PROTESTE, representante do Terceiro Setor no Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br
Depois de 25 anos de vigência, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC), editado como uma lei
avançada e, por isso, referência internacional até hoje, permanece atual e amparando amplamente os direitos
que vieram surgindo ao longo desse tempo.
Ainda que existam inúmeros projetos de lei tramitando no Congresso Nacional, com o objetivo de modificar
a Lei 8.078/1990, sob o pretexto algumas vezes mal intencionado de “atualizá-la”, o fato incontestável é que
os órgãos de defesa do consumidor e o Poder Judiciário continuam atuando firmemente com respaldo desta
preciosa e fundamental ferramenta normativa.
Depois da edição do Código de Defesa do Consumidor, dois importantes setores da economia sofreram alterações institucionais significativas, quais sejam: a distribuição de energia elétrica e as telecomunicações.
Neste dois setores, a realidade da Reforma do Estado iniciada com a Lei 8.031/1990 – o Programa Nacional de
Desestatização, levou a que as privatizações das distribuidoras de energia elétrica se iniciassem a partir de 1995
e das operadoras de telecomunicações em 1998.
A nova realidade impactou fortemente as relações entre as empresas prestadoras de serviços públicos essenciais e os seus milhões de consumidores.
Os conflitos que surgiram desta nova realidade puderam e continuam a ser tratados à luz do Código de Defesa
do Consumidor, que contempla os direitos dos consumidores de serviços públicos.
Ao estabelecer sobre a Política Nacional das Relações de Consumo, o legislador deixou expresso como princípio a racionalização e melhoria dos serviços públicos (art. 4º, inc. X).
Ao tratar dos direito básicos do consumidor, instituiu a garantia para a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral (art. 6º, inc. X).
E, finalmente, ao tratar da responsabilidade por vícios dos produtos e serviços, deixou cunhados no art. 22, que os
órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Foram essas garantias que permitiram que os cidadãos fossem considerados como titulares do direito de acesso
aos serviços públicos essenciais, com a garantia de modicidade tarifária e qualidade na prestação dos serviços, a
despeito da tentativa inicial, felizmente frustrada, logo em seguida das privatizações, das empresas concessionárias e autorizadas de afastar a incidência do Código de Defesa do Consumidor para a resolução de conflitos.
O pretexto utilizado pelas distribuidoras de energia elétrica e operadoras de telefonia era o de que, havendo
agências reguladoras, no caso Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), as demandas envolvendo os serviços deveriam ser resolvidas de acordo com as normas
editadas pelas autarquias.
Felizmente, o Poder Judiciário afastou o argumento, entendendo que o Código de Defesa do Consumidor é lei
de natureza principiológica e que, a despeito do processo legislativo ordinário do qual se originou, tem caráter
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de lei complementar, tendo em vista a determinação contida no art. 48, do Ato das Disposições Transitórias,
determinando que o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição Federal
de 1988, elaborasse código de defesa do consumidor.
Desde a edição do Código de Defesa do Consumidor, outro serviço de interesse público e essencial se desenvolveu e passou a ser contratado larga e massivamente no mercado – o acesso à internet, com o consequente
crescimento acelerado do comércio eletrônico.
E a lei consumerista mostrou-se mais uma vez como um poderoso instrumento de garantia e defesa de direitos, de modo a proteger de forma efetiva os consumidores dos serviços de acesso à internet e os contratos de
aquisição de produtos e serviços pelas vias virtuais.
Recentemente foi aprovada a Lei 12.965/2014, introduzindo proteções específicas para os usuários da internet, tais como garantia ao tratamento isonômico na rede (art. 9º, neutralidade); privacidade (arts. 10 e seguintes);
liberdade de expressão (art. 19).
Mas ainda assim, o Código de Defesa do Consumidor permanece como fonte para a solução de conflitos de
forma complementar e sistemática com a nova lei – o Marco Civil da Internet.
Ou seja, temos muito a comemorar com os 25 anos da Lei 8.078/1990, que com as preciosas contribuições
do Poder Judiciário e das entidades que compõem o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor na tarefa de
interpretá-la dando consequência às garantias e direitos, amadureceu e continua dando respostas responsáveis
e afinadas com o interesse público à sociedade brasileira.
Parabéns ao Legislativo Brasileiro e a todos os envolvidos no processo de elaboração e promulgação do Código
de Proteção e Defesa do Consumidor!
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O Fortalecimento da Política Nacional
das Relações de Consumo
Juliana Pereira da Silva
Secretária Nacional do Consumidor
Nos últimos anos trabalhamos fortemente na construção e na implementação da cidadania em nosso País,
especialmente a cidadania enquanto direitos políticos, participação na formação do governo, construção e monitoramento da sua administração. Temos importantes instrumentos de transparência e controles dos gastos
públicos. Consolidamos dia a dia nosso regime democrático, por meio de um dos mais modernos processos
eleitorais do mundo, nosso modelo é referência para muitas outras jurisdições.
Diante dessa reconhecida maturidade democrática e do desenvolvimento econômico do nosso País, que permitiu a inclusão social de milhões de brasileiros no mercado de consumo, chegamos num momento de estabelecer um novo marco da cidadania, aquela exercida através do consumo. Portanto, é cada vez mais necessário
assegurar ao consumidor algo além do acesso, o direito de consumir produtos e serviços de qualidade e a garantia de bom atendimento.
Para dar esse importante salto, foi primordial reconhecer a proteção ao consumidor como política de Estado,
por meio de várias ações como a criação de uma secretaria de Estado para cuidar do tema, a Secretaria Nacional
do Consumidor, criada em 2012, a instituição de diretrizes para a Política Nacional das Relações de Consumo no
âmbito federal, o que ocorreu com a edição do Decreto Federal 7.963 de 15 de março de 2013, que criou o Plano
Nacional de Consumo e Cidadania - Plandec.
O Decreto estabeleceu o respeito ao consumidor como um instrumento de desenvolvimento econômico e
social e tem estimulado continuamente a melhoria da qualidade de produtos e serviços, uma vez que permitiu
a criação de uma nova agenda de trabalho para aprimorar as relações de consumo no Brasil.
Para sua a implementação, várias ações estão sendo continuamente desenvolvidas, tais como o aprimoramento regulatório dos serviços públicos, especialmente telecomunicações e serviços financeiros. No âmbito do
Plandec, um novo regulamento de atendimento, oferta e cobrança dos serviços de telecomunicações está em
vigor. O Regulamento, elaborado a partir das reclamações dos consumidores, amplia os direitos dos consumidores com várias medidas importantes, dentre elas o cancelamento automático dos serviços - o consumidor não é
mais obrigado a enfrentar uma série de dificuldades para rescindir um contrato. O regulamento também obriga
as empresas a ligarem novamente para o consumidor quando cai a ligação feita para o Serviço de Atendimento
ao Consumidor.
No setor financeiro, o Plandec trouxe avanços importantes aos consumidores, entre eles, medidas que ampliam a transparência, a comparação e a portabilidade. Primeiro foi a padronização das tarifas bancárias e do
cartão de crédito, o consumidor não sabia quanto pagava e porque pagava. Foram ainda criados pacotes de
tarifas padronizados, aumentando a transparência e a comparabilidade entre serviços e tarifas. Também foi reestruturado todo o modelo de oferta e remuneração na contratação do crédito consignado pelo Banco Central
e aprimorados os mecanismos de portabilidade, o que tem promovido a redução dos custos ao consumidor e
evitado fraudes, principalmente para os consumidores aposentados.
Está em curso também no âmbito do Plandec, a discussão de uma proposta de análise de impacto regulatório na perspectiva do consumidor, ou seja, avaliar a regulação também à partir das externalidades geradas nas
relações de consumo. No caso da Saúde Suplementar, um grupo de trabalho do Sistema Nacional de Defesa do
Consumidor concluiu um relatório onde consta o diagnóstico da realidade do setor na perspectiva do consumidor, opiniões de especialista e contribuições do setor privado. O relatório será encaminhado à Agência Nacional
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de Saúde Suplementar e ao Ministério da Saúde a fim de contribuir para melhorias nesse setor.
Podemos citar ainda os excelentes resultados alcançados pelo Plandec na organização da proteção ao consumidor turista durante a Copa 2014, resultado da atuação integrada entre o governo federal, os Procons e
representantes do setor hoteleiro, aéreo e turístico de cada cidade-sede. Também foram instalados espaços de
atendimento em estádios e aeroportos, elaborado e divulgado o guia do consumidor turista com orientações
em português, espanhol e inglês.
Como forma de fortalecer o trabalho realizado pelos órgãos de proteção e defesa do consumidor dos estados
e município, foi enviado ao Congresso Nacional um projeto de lei que aprovado, dará aos Procons o poder de
determinar a devolução de valores cobrados indevidamente, a troca imediata de produtos, a apresentação de
informações e a entrega de contratos. Nos casos de descumprimento dos acordos realizados no Procon, o consumidor contará ainda com mecanismos que facilitam a execução do seu direito na Justiça.
Essa medida também contribuirá para diminuição de demandas no judiciário, pois reforçará a solução extrajudicial de conflitos e certamente estimulará as empresas a melhorar a qualidade do seu atendimento direto ao
consumidor. Atualmente, 70% das ações nos juizados especiais cíveis referem-se a conflitos de consumo. Trata-se de um alto custo para o Estado e para o cidadão, que depois de ter o seu direito negado pela empresa tem
que recorrer ao Procon ou à Justiça para a solução de problemas básicos de consumo.
Ainda no âmbito do Plandec, a Secretaria Nacional do Consumidor em conjunto com os Procons de todos os
estados criou um novo serviço público que permite ao consumidor reclamar sem sair de casa. Trata-se de uma
plataforma tecnológica onde o consumidor relata o problema, as empresas participantes respondem, e os órgãos de defesa do consumidor monitoram os resultados. Essa é uma das principais entregas do Plandec, pois
facilita e amplia o acesso do consumidor aos seus direitos, promove a conciliação entre as partes envolvidas, diminuindo assim conflitos na justiça, e permite ao Estado acompanhar a realidade do mercado de consumo, em
tempo real. Cria-se um novo componente de competitividade ao mercado, a concorrência pelo melhor atendimento ao consumidor, tudo isso de forma aberta e transparente por meio do endereço www.consumidor.gov.br.
Por fim, é muito importante nesse momento em que comemoramos os vinte e cinco anos do Código de Defesa do Consumidor, reconhecer os avanços que ele possibilitou também no âmbito das políticas públicas de
defesa do consumidor. O fortalecimento institucional dos órgãos do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, a ampliação dos mecanismos de sua atuação, o empoderamento do consumidor, a transparência e o desenvolvimento nas relações de consumo também são conquistas que devem ser comemoradas nessa ocasião,
pois foram obtidas à partir dos dispositivos do CDC por meio do bravo e honroso trabalho de todos aqueles que
durante os últimos vinte e cinco anos dedicaram-se a causa.
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O PROCON e os 25 anos do Código de
Proteção e Defesa do Consumidor
Gisela Simona Viana de Souza
Advogada, concursada junto a Secretaria de Justiça e Direito Humanos do Estado
de Mato Grosso como conciliadora de defesa do consumidor, atualmente Superintendente
do PROCON do Estado de Mato Grosso e presidente da Associação Brasileira dos PROCONS –
PROCONSBRASIL, especialista em direito constitucional, administrativo, consumidor e
gestão do sistema de vigilância e segurança dos produtos no Mercado.
Quando se trata de avaliar um marco legal é sempre importante buscar informações das razões que fundamentaram a sua existência, a finalidade pela qual a lei foi proposta, qual o seu papel na sociedade e mais do que isso,
necessário refletir se sua inexistência na atual conjuntura seria benéfica ou não para os cidadãos.
E nesse contexto, o surgimento de uma lei de defesa do consumidor seja aqui no Brasil ou em qualquer outro
lugar do mundo, historicamente, é decorrência do alto grau de avanço do capitalismo, ou seja, quanto maior a
quantidade de relações jurídicas envolvendo bens e serviços de consumo, maior é quantidade de problemas e
injustiças que colocam o consumidor em desvantagem, sendo necessária uma lei protetiva, a fim de estabelecer
o equilíbrio entre consumidor e fornecedor.
Tratando-se do Código de Proteção e Defesa do Consumidor – Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990 não foi
diferente. Na década de 80, com o fim do regime militar, o fim da repressão, o retorno da participação popular,
mudanças eram previstas. Na economia, a situação era delicada, a inflação era superior a 200% ao ano, tendo o
presidente na época anunciado a substituição do cruzeiro pelo cruzado.
O cruzado congelou o preço dos produtos e além de cortar três zeros do antigo cruzeiro, outras medidas econômicas foram tomadas tendo a população aumentado seu poder de compra. Comprando mais, em pouco
tempo, a indústria nacional não conseguiu dar conta da demanda e os produtos começaram a desaparecer das
prateleiras e para reabastecer o varejo, o governo abriu as portas para importação de alimentos, ou seja, começou uma disputa da indústria brasileira com o mercado estrangeiro, tornando imprescindível padronizar regras
de qualidade de produtos, dentre outras medidas para ampliar a competitividade
Foi nesse momento econômico aliado ao momento político de criação de uma nova Constituição Federal para
o Brasil é que se aproveitou para propor a idéia de uma legislação específica sobre as relações de consumo,
consolidando com o que temos atualmente nos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 e art. 48 de suas Disposições Transitórias.
Assim, desde os debates para se chegar a redação de texto submetido para votação e aprovação, as resistências para que o Código não fosse implantado, muita luta foi necessária. Antes mesmo desse projeto, representantes do PROCON já demonstravam a importância do órgão para construção da defesa dos consumidores no
País. Na época foi o PROCON do Estado de São Paulo quem também auxiliou a comissão de juristas nomeada
para elaborar o Código, apontando os problemas mais recorrentes aos consumidores e como atuar diante de
cada um deles. Depois da publicação do Código todo trabalho de orientação, de interpretação da norma pelo
PROCON também ocorreu, tal como ainda é feito nos dias atuais.
De lá para cá, a tutela administrativa das relações de consumo está sendo executada no Brasil por órgãos de
proteção e defesa do consumidor, dentre eles, o PROCON, instituição que a cada dia conquista mais a credibilidade do cidadão pela forma rápida e eficiente de resolução dos conflitos que lhe são encaminhados.
Ao adquirir um produto ou contratar um serviço que não atenda a finalidade ofertada cresce no País a quantidade de pessoas que argumenta seus direitos junto aos fornecedores e não sendo atendida procura um órgão
capaz de intervir e resolver a demanda.
A fim de exemplificar esses números dados do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SINDEC demonstram que 2012 foram registrados 2.031.289 atendimentos, em 2013 esse número aumentou para 2.481.958 e
em 2014 já foram 2.490.769, considerando 26 Procons Estaduais, mais o Distrito Federal e 336 cidades integradas ao Sistema .
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Essa mesma base de dados demonstra que de cada 10 (dez) pessoas que procuram o PROCON, 08 (oito) tem
seu problema resolvido, índice de resolutividade positivo que desafia o órgão a manter uma estrutura adequada
e técnicos capacitados, a fim de que forneça uma resposta satisfatória ao cidadão consumidor.
Pedidos de orientação, denúncias de práticas e cláusulas abusivas, cobranças indevidas e até problemas relacionados a casos que não se trata de relação de consumo, dentre outras preenchem a demanda diária dos cerca
de 800 (oitocentos) Procons existentes atualmente no Brasil.
Na sua maioria, os Procons contam com o setor de atendimento para registro desses atendimentos/reclamações; setor administrativo que notifica, tramita, faz os agendamentos de audiência e controle de prazo; setor
de conciliação ou jurídico que realiza as audiências, expede determinações e emite decisões administrativas; o
setor de fiscalização que faz a vigilância do mercado de consumo; o setor de educação para o consumo, responsável pela elaboração de materiais educativos, informativos e ações voltadas a informar direitos e deveres dos
consumidores e fornecedores nas relações jurídicas de consumo e ainda, uma instância recursal, a fim garantir o
devido processo legal e o julgamento definitivo do processo no âmbito de sua competência.
Esse conjunto de atribuições expressam o cumprimento da competência disposta nos artigos 3º incisos II ao
XVII, 4º, 5º, 6º e 7º do Decreto Federal n. 2.181/97.
A fim de realizar esse trabalho desde o ano de 2004, alguns Procons passaram a utilizar o SINDEC, uma ferramenta disponibilizada pelo Ministério da Justiça por meio da Secretária Nacional do Consumidor - SENACON
que tem contribuído de forma significativa para que seja realizado um procedimento administrativo único e
harmônico entre os Procons de todo país.
Embora cada PROCON seja ele vinculado ao Estado ou Município tenha sua autonomia, o SINDEC proporciona uma harmonização de procedimentos, ou seja, compatibiliza a autonomia de cada ente federado (União,
Estados, Distrito Federal e Municípios) com a necessidade de cumprir a lei no exercício do poder de polícia conferido aos Procons.
Considerando essas atribuições, vários avanços são perceptíveis na atuação dos PROCONs e na defesa dos
consumidores e vários desafios ainda fazem parte da nossa agenda nesses 25 anos do Código de Proteção e
Defesa do Consumidor.
Dentre os avanços é imperioso o registro de uma atuação cada vez mais integrada com outros atores do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC - Procons, Ministério Público, Defensoria Pública e Entidades
Civis de Defesa do Consumidor que estão deliberando conjuntamente sobre propostas de mudanças normativas seja do ponto de vista regulatório, de iniciativa do legislativo, do executivo, decisões judiciais ou comportamentos do mercado.
Para essa interlocução com os demais membros do Sistema, os PROCONs reunidos em Rio Branco no Acre,
em 18 de junho de 2009, fundaram a Associação Brasileira de PROCONs – PROCONSBRASIL com o objetivo
principal de promover o fortalecimento dos PROCONs, por meio de ações que visem o aprimoramento e a consolidação da política nacional de proteção e defesa do consumidor.
O SINDEC, já mencionado linhas acima, também é uma avanço. Essa base de dados nacional proporciona
informações e gráficos em tempo real, a fim de auxiliar na gestão interna dos trabalhos e na tomada de decisões
estratégicas para a defesa do consumidor. Da mesma forma, proporciona a SENACON visualizar demandas por
Município, Estado, Região e Nacional sabendo de forma precisa levantar os problemas que mais afetam aos
consumidores de Norte a Sul do país e com isso coordenar a política nacional das relações de consumo.
É também com a adoção do SINDEC que os Procons conseguiram cumprir de uma forma mais precisa a
obrigação disposta no artigo 44 da Lei n. 8.078/90, ou seja, a publicação dos Cadastros de Reclamação Fundamentada tanto Municipais e Estaduais e a SENACON publicar de forma consolidada o Cadastro Nacional de
Reclamações Fundamentadas.
A formação e publicação do Cadastro é uma importante ferramenta de consulta ao consumidor para que exercite seu direito de escolha, saber quais fornecedores são reclamados junto ao PROCON, aqueles que atendem e
os que não atendem as demandas.
Fato marcante para a história da defesa do consumidor no Brasil é a publicação do Plano Nacional de Consumo e Cidadania - PLANDEC, por meio do Decreto Federal n. 7.963, de 15 de março de 2013. No referido Decreto,
a principal finalidade está estampada no artigo 1º, segundo o qual é a de “promover a proteção e defesa do
consumidor em todo o território nacional, por meio da integração e articulação de políticas, programas e ações.”
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No conjunto de medidas lançado em 15 de março de 2013 a Presidente da República assinou e encaminhou o
Projeto de Lei n. 5.196, mais conhecido com PL de Fortalecimento dos Procons, acresce o Capítulo VIII ao Título
I, da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispõe sobre a proteção do consumidor; e parágrafo único ao
art. 16 da Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
Em resumo, referido Projeto de Lei cria de forma taxativa medidas corretivas, sob pena de multa diária; torna a
decisão administrativa com aplicação de medidas corretivas, título executivo extrajudicial; aproveita a audiência
de conciliação realizada no órgão público de defesa do consumidor, já designando audiência de instrução e julgamento nesses processos, junto aos Juizados Especiais. Infelizmente, o PL tem encontrado muita resistência e
já se passaram dois anos sem aprovação.
Outra ferramenta de atendimento ao cidadão digna de registro monitorada pelos PROCONs e outros membros do SNDC é o site www.consumidor.gov.br, novo serviço público, que permite a interlocução direta entre
consumidores e empresas para solução de problemas de consumo, fornece ao Estado informações essenciais
à elaboração e implementação de políticas públicas de defesa dos consumidores e incentiva a competitividade
no mercado pela melhoria da qualidade e do atendimento ao consumidor. Está disponível ao cidadão 24 horas
por dia, os 7 dias da semana.
Outro marco positivo é a existência e consolidação da Escola Nacional de Defesa do Consumidor, coordenada
pelo Ministério da Justiça que tem auxiliado na capacitação e formação dos técnicos do PROCON de forma presencial e virtual, além de auxiliar no trabalho de educação para o consumo a sociedade de maneira geral.
Já se tratando de desafios registra-se a necessidade de ampliar o número de unidades de PROCON no Brasil. Atualmente no Brasil existem aproximadamente 800 (oitocentos) PROCONs, número significativo, porém,
pequeno se considerar que temos mais de 5.000 Municípios no País. Alguns Estados possuem apenas o órgão
Estadual, sendo muito difícil o cidadão fazer o registro de uma reclamação e outras vezes até impossível.
Esse trabalho de interiorização da defesa do consumidor é cada vez mais necessário, em especial, pelas características econômicas da sociedade brasileira. Com o aumento do consumo, infelizmente é certo o aumento
de conflitos na área de direito do consumidor, fazendo com que o cidadão lesado peça socorro diretamente ao
Judiciário por ausência de um órgão administrativo ou que é pior faz a opção em arcar com prejuízo diante da
burocracia ou dificuldades para ter uma resposta do Estado.
Atingir um número cada vez maior da população requer estratégias de atuação não apenas com unidades físicas de atendimento, tendo vários Procons adotado também: unidades móveis de atendimento seja para atender em bairros dentro de uma mesma cidade ou outros Municípios dentro do Estado; aceitação de denúncias
por Carta e e-mail; reclamações por meio virtual, dentre outros.
Outro desafio a ser vencido é a utilização do Judiciário como instância protelatória. Os fornecedores numa atitude meramente protelatória recorrem ao Judiciário para não pagar sanções administrativas de multa aplicadas
pelo PROCON e não ter o nome inscrito em dívidas ativas do Estado ou Municípios, tal conduta até o julgamento
definitivo do processo dá conotação de impunidade.
A afirmação de que essa busca ao Judiciário é meramente protelatória e não para garantir o contraditório e
ampla defesa, se faz porque esse procedimento ocorre mesmo quando os fatos em situação idêntica já foram
apreciados pelo Judiciário e considerados a decisão do PROCON como correta e justa.
Assim, alguns Juízes de Direito que já perceberam essa prática determinam o depósito judicial correspondente
ao valor da multa para determinar a suspensão de cobrança ou retirada do nome da empresa da dívida ativa até
o julgamento do mérito do processo. Assim, é um desafio obter junto ao Poder Judiciário um procedimento que
não incentive a impunidade desses fornecedores que desrespeitam a lei, bem como prejudicam a agilidade no
julgamento dessas ações.
Nesse contexto, outro desafio que surge é necessidade que os PROCONs aperfeiçoem seus procedimentos e
aplique além da multa, outras sanções administrativas previstas no rol do artigo 56 do CDC, a fim de terem um
efeito mais rápido e eficiente, dependendo do caso concreto.
Existe uma preocupação constante do SNDC com os inúmeros projetos de lei que buscam alterar o Código de
Defesa do Consumidor, sendo um desafio evitar que se tenha retrocesso, ou seja, proposta normativa relacionada
à proteção e defesa do consumidor que possibilite qualquer espécie de mitigação ou supressão desses direitos.
Cada dia é mais freqüente não apenas no Congresso Nacional, mas nas Assembléias Legislativas e Câmara de
Vereadores a apresentação de projetos de lei relacionados ao direito do consumidor, sendo um desafio para cada
um dos dirigentes ou técnicos da defesa do consumidor, primeiramente entender a importância de dedicar parte
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do tempo para acompanhamento desses projetos de lei e depois, ter uma ação técnica/política no sentido de
convencer os membros do legislativo sobre a necessidade de aprovar ou não determinado PL.
O aumento da Classe C no país, com o conseqüente aumento de consumo também tem impactado no aumento de reclamações junto ao PROCON e nesse aspecto realizar ações estratégicas, articuladas com os demais
membro do SNDC e ainda processos administrativo com demandas coletivas também é um desafio.
Embora já praticado por alguns PROCONs a reunião de fatos que envolvem o mesmo fornecedor e os mesmos conflitos de consumo, seja para realização de Termos de Ajustamento de Conduta, para aplicação de uma
sanção administrativa mais robusta ou até a mesmo a propositura de uma ação judicial, ainda é muito tímida.
E esse avanço é necessário, a fim de que os fornecedores não transformem o PROCON num grande call center para
resolver problemas que deveria ter equipes próprias para resolver dentro dos seus próprios canais de atendimento.
Temas novos exigem cada dia profissionais mais capacitados e de áreas diversas para que tenhamos um serviço de inteligência e com eficácia para os cidadãos e, nesse sentido, temas voltados ao superenvidividamento,
regulação dos serviços públicos, consumo sustentável, comércio eletrônico, proteção de dados pessoais, dentre
outros, dia a dia estão sendo enfrentados pelos órgãos de proteção e defesa do consumidor.
Registra-se que o CDC embora seja uma lei de 1990 está atualizada para o momento e em perfeita consonância com a realidade social o que nos faz concluir que está atingindo a finalidade para a qual foi criada e sua
ausência no mundo atual seria desastroso, já que os conflitos são crescentes seja pelo aumento real de renda do
brasileiro, seja por maior oferta de produtos e serviços.
Certo é que não se pode aceitar justificativas de aumento de demanda pelo binômio renda-oferta, visto que
se a norma existe o dever é observá-la, cumpri-la. Assim, os fornecedores de maneira geral precisam avançar no
atendimento pós-venda, precisam aprovar auto regulamentação que de fato respeitem as leis vigentes no nosso
País e isso se faz ouvindo o consumidor, analisando as reclamações recebidas e tratando as mesmas de forma
que os problemas não voltem a repetir.
O Código de Proteção e Defesa do Consumidor desde o seu nascedouro tem como premissa a vulnerabilidade
do consumidor e nesse sentido está adequado para enfrentar os novos comportamentos do consumidor e da
sociedade como um todo, nós (consumidores, fornecedores, órgãos de proteção e defesa do consumidor, poder
público, Judiciário e outros atores envolvidos) é que precisamos compreender o seu alcance e continuar avançando, combater juntos toda e qualquer forma de retrocesso aos direitos e conquistas obtidas nesses 25 anos
de existência do Código de Defesa do Consumidor.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BRASIL, Escola Nacional de Defesa do Consumidor, Manual do direito do Consumidor: elaboração de
Leonardo Roscoe Bessa e Walter José Faiad, Coordenação Ricardo Morishita Wada. 3ª. Ed. Brasília: SDE/
DPDC, 2010.
BRASIL, Ministério da Justiça. Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor. Balanço Social do
Sistema Nacional de Informação e Defesa do Consumidor 2014; supervisão técnica da Coordenação Geral
do SINDEC – Brasília: SDE, DPDC, 2010.
SODRÉ, Marcelo Gomes. A construção do direito do consumidor: um estudo sobre as origens das leis principiológicas de defesa do consumidor – São Paulo: Atlas, 2009.
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O sistema inovador de reparação de dano
do Código de Defesa do Consumidor
Héctor Valverde Santana.
Magistrado do Distrito Federal
Professor de Direito do Consumidor
O Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal n. 8.078, de 11 de setembro de 1990) é uma lei principiológica da
relação jurídica de consumo. Considera-se relação jurídica de consumo o vínculo normativo estabelecido entre
dois sujeitos de direito (fornecedor e consumidor), tendo como objeto o produto introduzido e o serviço prestado
no mercado de consumo. O Código de Defesa do Consumidor tem origem constitucional e reconhece a vulnerabilidade do consumidor perante o fornecedor de produto e o prestador de serviço. A Constituição Federal prevê
como direito fundamental a proteção do consumidor pelo Estado (art. 5º, XXXII), bem como reconhece a defesa
do consumidor como um dos princípios da ordem econômica brasileira (art. 170, V).
A edição do Código de Defesa do Consumidor foi precedida de expressivo esforço de vários setores da sociedade brasileira. Registre-se o importante papel desempenhado pelo Procon do Estado de São Paulo, Ministério
Público do Estado de São Paulo, Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (CNDC-MJ), Professores Universitários e estudiosos do assunto, Associações de defesa do consumidor, e muitos outros entes públicos e
privados, todos sintonizados com a pauta internacional da década de 1980 ditada pela edição da Resolução n.
39/248, da Organização das Nações Unidas (ONU), de 16 de abril de 1985, que estabeleceu recomendações aos
Estados Membros para que promulgassem leis protetivas do consumidor, bem como estabeleceu o princípio da
vulnerabilidade do consumidor como premissa inafastável da regulação jurídica do tema.
O caráter multidisciplinar do Código de Defesa do Consumidor se manifesta na instituição de um microssistema
jurídico autônomo que normatiza temas anteriormente tratados pelo direito civil, direito empresarial, direito administrativo, direito penal e direito processual individual e coletivo. A abrangência pretendida pelo legislador ao disciplinar a relação de consumo somente poderia ser alcançada pela técnica legislativa orientada no sentido de estabelecer
princípios específicos, de caráter abstrato, afastando-se da positivação prevalente de regras concretas. Desta forma,
são encontrados princípios explícitos no Código de Defesa do Consumidor que vinculam os sujeitos da relação de
consumo em razão de seu inequívoco caráter normativo, a exemplo do princípio da vulnerabilidade (art. 4º, I), princípio da boa-fé objetiva (art. 4º, III), princípio da vedação de práticas abusivas (art. 4º, VI), dentre outros.
A lei consumerista, portanto, objetiva alcançar vários aspectos da relação de consumo, conforme registrado acima, dentre eles, em particular, o sistema de reparação de dano sofrido pelo consumidor. A par das inúmeras alterações positivas introduzidas pelo Código de Defesa do Consumidor no ordenamento jurídico brasileiro, reconhecidamente uma das melhores leis de proteção do consumidor do mundo e responsável, em grande medida, pela
afirmação da cidadania brasileira a partir da vigência da atual Constituição Federal, o sistema de responsabilização
do fornecedor pelo dano sofrido pelo consumidor é realçado com um dos seus mais destacados avanços.
O Código de Defesa do Consumidor se afasta do regime de responsabilidade civil do Código Civil de 1916, que
por sua vez contemplava, como regra, a teoria da culpa para a configuração da obrigação de indenizar a vítima.
A responsabilidade civil do agente, de acordo com o sistema civilista brasileiro imperante no século XX, exigia
a reunião indispensável da conduta culposa do agente (prática de ato ilícito culposo), do nexo de causalidade
(teoria da causalidade direta e imediata) e o dano sofrido pela vítima. O sistema de responsabilidade civil buscava fundamentalmente a análise referente à censura do ato (ilícito) praticado pelo agente causador do dano, e
apenas de forma secundária voltava sua atenção para a vítima.
A responsabilidade objetiva foi adotada pelo Código de Defesa do Consumidor (arts. 12, caput, e 14, caput),
ressalvando apenas a responsabilidade subjetiva para a hipótese de dano praticado por profissional liberal na
prestação de seus serviços ao consumidor (art. 14, § 4º). Dentre as várias teorias que informam a responsabilidade objetiva, o Código de Defesa do Consumidor optou pela teoria do risco da atividade, risco proveito ou risco
empresarial. A grande distinção entre o sistema de responsabilidade civil do Código Civil de 1916 para o Código
de Defesa do Consumidor é a dispensa para o consumidor do ônus da prova da culpa da conduta do agente
causador do dano (fornecedor). A culpa sempre foi e será um dos mais significativos óbices à ampliação da repa64
ração do dano injusto. A teoria do risco da atividade dispensa a prova da culpa e exige apenas a prova do defeito
ou vício do produto, o nexo de causalidade e o dano sofrido pelo consumidor.
A responsabilidade civil do fornecedor é disciplinada especificamente no Título I (Dos Direitos do Consumidor),
Capítulo IV (Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos), do Código de Defesa
do Consumidor, envolvendo temas como a proteção da saúde e segurança do consumidor, a responsabilidade pelo
fato e vício do produto ou serviço, da decadência e da prescrição, e da desconsideração da personalidade jurídica do
fornecedor em proveito do consumidor (arts. 8º ao 28 do CDC). Registre-se que até a edição do Código de Defesa
do Consumidor a relação jurídica estabelecida entre o fornecedor e o consumidor acerca de produtos e serviços
disponibilizados no mercado era normatizada pelo Código Civil de 1916, diploma legislativo elaborado a partir das
premissas do individualismo, patrimonialismo, liberalismo e igualdade formal das partes na relação civil.
A lei consumerista de 1990 estabeleceu novos paradigmas na regulação da relação jurídica de consumo ao
priorizar a tutela coletiva dos conflitos de mercado, a valorização dos direitos da personalidade do consumidor,
o dirigismo estatal no contrato de consumo, a formulação de uma política pública de proteção do consumidor
e, essencialmente, o reconhecimento do consumidor como a parte débil (vulnerável) em face do fornecedor. A
responsabilidade civil do fornecedor foi normatizada com institutos até então inexistentes no direito brasileiro,
a exemplo da positivação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, a distinção entre decadência
e prescrição, a inovação da forma de obrigar o fornecedor a reparar o dano decorrente de acidente de consumo
provocado por produto ou serviço defeituoso, as novas modalidades de vícios (aparentes e de fácil constatação),
o estabelecimento dos níveis de periculosidade e nocividade de produtos e serviços e a relevância da informação
na configuração da obrigação de indenizar os danos sofridos pelo consumidor.
A principal fonte inspiradora da disciplina legal da responsabilidade civil do fornecedor no Brasil foi a Diretiva
n. 85/374, da CEE, sobre produtos defeituosos. O direito europeu já havia reconhecido diversos avanços no tratamento do tema, a exemplo da previsão de responsabilidade objetiva e da solidariedade obrigacional dos fornecedores integrantes da cadeia de produção do bem defeituoso. O Código de Defesa do Consumidor brasileiro
promoveu avanço ainda maior ao regular a responsabilidade civil do fornecedor pelo acidente de consumo, pois
contemplou além do fato do produto também a responsabilização do fornecedor pelo fato do serviço (acidente
de consumo decorrente de serviço defeituoso).
O conceito de fornecedor foi ampliado na lei consumerista brasileira ao incluir o produtor agrícola, que extrai diretamente da terra o seu produto, como responsável pelo acidente de consumo. O importador de produtos fabricados no exterior e introduzidos no Brasil também foi considerado responsável pelo acidente de consumo provocado
pelo respectivo produto que colocou no mercado brasileiro. A solidariedade de todos os integrantes da cadeia de
produção foi prevista no Código de Defesa do Consumidor, a exceção da responsabilidade do comerciante pelo fato
do produto que é subsidiária, porém responderá quando não houver informação no produto defeituoso ou a informação existente no produto defeituoso não for suficiente para identificar o fabricante. O comerciante responderá
diretamente pelo acidente de consumo quando não conservar adequadamente o produto perecível.
Outras soluções foram adotadas pelo Código de Defesa do Consumidor que são mais protetivas ao consumidor em comparação à disciplina da Diretiva n. 85/374, da CEE, tais como a indenização integral do dano (art.
6º, VI), superando o injusto tabelamento ou tarifamento do dano, a previsão de causas extrajudiciais obstativas
da decadência reclamação do consumidor perante o fornecedor e a instauração do inquérito civil (art. 26, § 2º,
I e III), aumento do prazo prescricional da pretensão à reparação do dano decorrente do acidente de consumo
para cinco (05) anos, a fixação do ônus da prova a cargo fornecedor acerca das excludentes de responsabilidade
e a não adoção do risco do desenvolvimento como causa excludente de responsabilidade do fornecedor pelo
acidente de consumo.
Finalmente, os vinte e cinco (25) anos do Código de Defesa do Consumidor devem ser comemorados por toda
a sociedade brasileira, reconhecidamente uma das leis mais populares já editadas no Brasil e importantíssimo
instrumento da cidadania brasileira. Merece destaque o papel do Poder Judiciário brasileiro na consolidação
da proteção consumerista, que tem tido a percuciência jurídica de garantir os avanços previstos no Código de
Defesa do Consumidor, apesar de expressivas resistências de alguns setores produtivos, com alguns retrocessos pontuais, mas que no geral tem representado a segurança da efetivação do direito fundamental à proteção
do consumidor, contribuindo para superar a inconsistente tese de que a defesa do consumidor é obstáculo ao
desenvolvimento econômico. Ao contrário, a proteção do consumidor é essencial para o desenvolvimento econômico, pois não há mercado forte com o consumidor enfraquecido.
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Os Planos de Saúde à Luz
do Direito do Consumidor
Maria Stella Gregori
Advogada. Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP.
Professora da Faculdade de Direito da PUC/SP.
Foi Diretora da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS e
Assistente de Direção do Procon/SP.
Nesses vinte e cinco anos do Código de Defesa do Consumidor e dezessete anos da Lei dos Planos de Saúde, é
possível comemorar algumas conquistas, à luz da proteção do consumidor, mas ainda é necessário dar alguns
largos passos para alcançar a sensação de vitória. O marco regulatório do sistema de saúde privado, também
chamado supletivo ou suplementar, surgiu com aprovação da Lei nº 9.656/98, e das Medidas Provisórias que
sucessivamente a alteraram. Hoje está em vigor a Medida Provisória nº 2.117- 44/01, que dispõe sobre os planos
privados de assistência à saúde, os chamados Planos de Saúde, incluindo, também, nessa terminologia, os Seguros-Saúde, que aguarda, até hoje, deliberação do Congresso Nacional.
A Lei dos Planos de Saúde impõe uma disciplina específica para as relações de consumo na saúde suplementar, além de estabelecer normas de controle de ingresso e permanência nesse mercado, a fim de preservar sua
sustentabilidade e transparência. Resulta de um processo de construção de um conjunto de direitos do cidadão/consumidor, cujas raízes estão na Constituição Federal de 1988 e os fundamentos no Código de Defesa do
Consumidor, lei de cunho geral e principiológico. Esse sistema privado, a partir de 2000, passou a se submeter à
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), agência reguladora vinculada ao Ministério da Saúde, incumbida
de fiscalizar, regulamentar e monitorar o mercado de saúde suplementar.
Não se tem dúvida de que o Brasil dispõe de um sistema normativo avançado, possui órgãos de proteção e
defesa do consumidor e agência reguladora, que atuam, no intuito de inibir práticas lesivas e promover a estabilidade do mercado. Tanto o consumidor como os fornecedores estão mais atentos em relação aos seus direitos
e deveres.
No tocante à saúde, o Brasil encontra-se em situação semelhante aos demais países, com o envelhecimento
da população, somada a uma expectativa positiva de vida mais longa, com custos assistenciais subindo rapidamente em função da vertiginosa incorporação de novas tecnologias, levando-se em conta que os recursos são
finitos.
No âmbito da proteção ao consumidor, há avanços trazidos pelo marco regulatório, entre outros, a transparência dos contratos, a definição de uma política de preço dos planos, a delimitação de carências, a proibição de discriminação de consumidores, a implementação do instrumento de portabilidade de carências, a determinação
de prazos máximos para marcação de consultas e exames, a obrigatoriedade da operadora informar o motivo da
negativa de cobertura, a obrigatoriedade das operadoras criarem ouvidorias, a obrigatoriedade da substituição
de qualquer prestador de serviço por outro equivalente e as regras institucionais e econômico-financeiras para
as operadoras. A ANS tem se mantido ativa, no sentido de eleger temas prioritários para a regulação no que se
refere à proteção do consumidor.
Entretanto, ainda, há conflitos nas relações de consumo nesse setor, que acabam sendo dirimidas pelos órgãos de defesa do consumidor, ANS e Poder Judiciário. Segundo dados do Sindec/MJ, as demandas referentes
aos planos de saúde, no período de 2014, apontam 1,1% das reclamações recebidas, principalmente em relação
às negativas de coberturas, descumprimento dos contratos e oferta, reajustes, e atendimento em geral. Os
dados do Conselho Nacional de Justiça - CNJ apontam que há no Brasil cem milhões de ações em tramitação,
sendo que 40 % referem-se à saúde. As demandas sobre a saúde suplementar, muitas dizem respeito a problemas pontuais, da Lei 9.656/1998 e de sua regulamentação, que não se compatibilizam com os princípios que
norteiam os comandos do Código de Defesa do Consumidor.
A proteção do consumidor no Brasil foi elevada à Política de Estado, com a criação do Plano Nacional de Consumo e Cidadania - Plandec, inaugurando uma nova era, ao estabelecer um conjunto de medidas para garantir
a melhoria na qualidade de produtos e serviços, priorizar o direito à informação e o atendimento ao consumidor.
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A Secretaria Nacional do Consumidor – Senacon, que coordena este plano, criou a plataforma “Consumidor.
gov.br” que é um serviço público para a solução alternativa de conflitos de consumo, por meio da internet, que
permite a interlocução direta entre consumidores e empresas, que aderiram formalmente ao serviço, monitorada pelos Procons e pela própria Secretaria, com o apoio da sociedade. Esta ferramenta fornece ao Estado informações essenciais à elaboração e implementação de políticas públicas de defesa dos consumidores e incentiva
a competitividade no mercado pela melhoria da qualidade e do atendimento ao consumidor.
A Senacon teve, também, uma iniciativa louvável ao constituir um Grupo Técnico sobre Consumo Saúde, com representantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, com o objetivo de estabelecer mecanismos de fortalecimento da proteção dos consumidores de planos e serviços de saúde privados, propor aperfeiçoamentos necessários para melhoria da regulação no setor e ampliar a fiscalização por desrespeito aos direitos dos consumidores.
Com vistas à redução da judicialização da saúde suplementar, com base na Recomendação do Conselho Nacional de Justiça n.º 36, que de forma expressa recomenda aos Tribunais de Justiça dos Estados e Tribunais Regionais Federais a celebração de convênios que objetivem disponibilizar apoio técnico, composto por médicos e
farmacêuticos, indicados pelos Comitês Executivos Estaduais, para auxiliar os Magistrados na formação de um
juízo de valor quanto à apreciação das questões clínicas apresentadas pelas partes, foi firmado, em abril de 2015,
um Termo de Cooperação Técnica, entre o Tribunal de Justiça de São Paulo, a Associação Brasileira de Medicina
de Grupo - Abramge e a Federação Nacional de Saúde Suplementar –Fenasaúde, com apoio da ANS, que cria
um Núcleo de Apoio Técnico e de Mediação – NAT, inicialmente como projeto piloto junto ao Fórum João Mendes Junior, para auxiliar os magistrados no sentido de terem informações necessárias da área da saúde, para
apresentar proposta de composição amigável e decidir sobre os pedidos.
A solução de conflitos pelos mecanismos alternativos consensuais, como mediação e conciliação, é ferramenta indispensável para a sociedade pós-moderna em que vivemos, onde devemos deixar de ser conflituosos e
devemos ser mais cordiais uns com os outros.
Nessa nova era que se inicia, que uns chamam de Era do Diálogo, outros de Era de Resultados ou, ainda, Era
da Confiança, precisamos nos sentir vitoriosos — isto é, sem conflitos ou pelo menos que eles se reduzam consideravelmente, ou seja, que as relações de consumo sejam harmônicas e de confiança.
Para tanto, faz-se urgente a participação e o envolvimento de todos os atores desse setor, desenvolvendo uma
agenda comum visando resultados positivos. É imprescindível que esse debate seja ampliado, no intuito de
aperfeiçoar o sistema, resolvendo as incompatibilidades legais existentes à luz da lei consumerista, na busca da
consolidação de um mercado de saúde suplementar responsável, transparente, ético e justo. Isto quer dizer, em
outras palavras, a efetiva construção de um setor virtuoso, com ganhos reais, onde todos os agentes podem se
beneficiar, buscando o tão almejado equilíbrio econômico, social e ambiental para a atual e as futuras gerações.
O futuro da saúde suplementar será o que dela nós fizermos. O que significa: a responsabilidade é de todos nós
e de cada um de nós.
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Vitórias da cidadania
Maria Inês Dolci
Coordenadora institucional da PROTESTE
Dos 25 anos do Código de Defesa do Consumidor (CDC), 14 foram compartilhados com a PROTESTE Associação
de Consumidores. Têm sido anos de muita ação em favor dos consumidores, pontuados por vitórias em todos
os segmentos. Alguns exemplos:
Agências de viagens: presidente Dilma Rousseff atendeu a entidades de defesa do consumidor, dentre elas a
PROTESTE, e vetou proposta de excluir essas empresas do CDC.
CDC também para instituições financeiras: os bancos queriam ser excluídos da abrangência do CDC. Lutamos
para que isso não acontecesse. Em 2006, o Supremo Tribunal Federal (STF) bateu o martelo: o Código vale, sim,
para a parte financeira dos contratos.
Censura, não: oito anos depois, o Tribunal de Justiça de São Paulo deu ganho de causa à PROTESTE em relação a teste censurado sobre marcas de ketchup com pelos de rato. Também obtivemos na Justiça o direito de
publicar no site e revista da associação os resultados do teste que apurou, em 2011, problemas em purificador
de água.
Custo Efetivo Total: em 2008, foi coroada de êxito uma reivindicação de seis anos, a exigência de que bancos,
instituições financeiras e comércio informassem o verdadeiro custo do crédito, com todas as taxas, exigências,
contrapartidas etc. Além disso, o Conselho Monetário Nacional também padronizou a nomenclatura das tarifas,
classificou os serviços bancários em categorias e acabou com a taxa até então cobrada na quitação antecipada
de financiamento.
Efeitos colaterais da quimioterapia: Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) incluiu no Rol de Procedimentos a cobertura de medicamentos orais para tratamento dos efeitos adversos da quimioterapia venosa ou oral.
Meia-entrada na Copa de 2014: dentre as exigências da Fifa para que o país sediasse o campeonato mundial
de futebol, estava o fim da meia-entrada, ao arrepio do CDC e dos Estatutos do Idoso e do Torcedor. Houve intensa mobilização os direitos foram mantidos.
Nono dígito: Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) chegou a cogitar a criação de um novo DDD, 10,
para evitar o apagão de números de telefone celular em São Paulo. A PROTESTE se opôs e reivindicou uma solução nacional. A implantação do nono dígito segue essa linha de pensamento.
Rodízio de água: em função da grave seca, que se agravou em 2014, o governo de São Paulo tomou medidas
como o rodízio de água, sem, contudo, anunciá-lo oficialmente. A PROTESTE se mobilizou, inclusive com ação
judicial, a fim de que a sobretaxa na tarifa para os considerados mais gastadores tivesse de ser antecedida da
comunicação do rodízio. Pela primeira vez, então, o governo admitiu a prática. Lutamos contra a falta de transparência, não contra o combate ao desperdício.
Rotulagem de alérgenos: em 2014, a PROTESTE uniu forças à Põe no Rótulo, mobilização de grupos de famílias para conscientizar os não alérgicos para a necessidade de rotular corretamente substâncias alergênicas. Em
parceira, foi produzida a Cartilha da Alergia Alimentar. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou,
em junho de 2015, emitiu resolução que trata da obrigatoriedade de informação, nos rótulos dos alimentos, de
componentes que causam mais frequentemente alergias alimentares.
Segurança veicular: testes de colisão, seminários e palestras foram os instrumentos da associação para obter
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conquistas como a obrigatoriedade de freios ABS e airbag duplo dianteiro (em vigor desde janeiro de 2014, para
veículos zero quilômetro). Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) passou a exigir
Isofix para certificar as cadeirinhas automotivas infantis.
Sem benzeno: em 2010, por determinação do Ministério Público de Minas Gerais, fabricantes assinaram Termo
de Ajuste de Conduta (TAC) para redução do benzeno, substância cancerígena, em refrigerantes de baixa caloria
e dietéticos cítricos. TAC foi motivado por pesquisa realizada pela entidade em 2009.
Sucos e néctares: em 2014, entrarem em vigor normas do Ministério da Agricultura obrigando os fabricantes a
informar no rótulo a porcentagem de fruta existente nessas bebidas, antiga reivindicação da PROTESTE.
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proteste.org.br

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