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Suspiro de pedra.
“Parece que todos nós buscamos a perfeição, enquanto caímos no nosso abismo mental, e quanto mais tentamos não errar é quando que nos atolamos mais na fossa do medo e do pecado.” Ato 1
­Quando será que perdemos nosso objetivo?­ A voz ecoava na caixa de metal que chamávamos de lar­ O que será que houve conosco? ­Nada, eu nunca perdi meu objetivo.­ a mentira era tão feia que até apertei as barras de metal da beirada da cama.­ Estou exatamente como queria estar. ­Você está dizendo que é só isso que quer? Um punhado de pedra um monte de merda e uma vez na vida uma carta da chefia dizendo que não somos mais necessários!­ A voz de Marques estava alta e nitidamente irritada, mas já o conhecia há anos e não valia a pena perguntar por quê, eu já sabia. ­Não é isso que estou dizendo, estou vivo. Sempre podemos mudar nosso destino quando estamos vivos. Já te contei…­ ­...Do homem que não tinha uma perna e só tinha um braço, que trabalha como garçom na sua cidade, num bar chamado a Caixa preta. Já falou várias e várias vezes. Você acha que isso vai mudar meu estado, mas não vai. Como um perneta a meio mundo de distância poderia me ajudar? Responda isso!­ Ele se virou da sua cama e me encarou com seus olhos castanhos. Era alto e de peito largo, sua barba havia se tornado um amontado de pelos engrenhados que parecia não ser devidamente limpa a meses. ­ Posso ter repetido várias vezes, mas acho que você não entendeu nada. Ele poderia ter desistido, o governo poderia aposentá­lo e ele viver em casa se mergulhando no álcool. Ele vive bem, trabalhando e sorrindo. E vou te dizer uma coisa, nunca o vi derrubando nada.­ Gostava de lembrar do velho Ben. Nem sei se ele ainda esta vivo, faz uns 3 anos que não o via. ­Você devia largar a mina e trabalhar escrevendo livros de alta ajuda. Sério! Peter e sua magnífica história sobre o perneta que sabia equilibrar garrafas e copos numa cidade que ninguém ligaaa!!!! Quer saber, Peter, se fode.­ Ele levantou uma perna esticando sua mão e escondendo a outra.­ Vou lhe servir um se foda duplo. Depois sentou colocou a enorme cabeça entre as mãos e a sacudia. Olhei de rabo de olho para ele, parecia sussurrar algo. Depois de um tempo ele deitou e se virou. Sabia o porquê dele estar assim e nada que eu falasse iria ajudar. E o pensamento dele me levou a outro, e outro e outro, foi uma noite longa e demorei ir dormir. Mas não fora diferente das outras noites desde que vim para cá. Ato 2
A manhã chegou, como sempre, acompanhada dos gritos do Lorren e sua batida nas portas, “mais um dia, não vai acabar comigo”, sempre pensava. Havia se tornado o meu mantra. Olhei para o lado em busca do Marques, já havia saído. Estranho, nunca levantava cedo depois de beber. Me levantei devagar e me pus de frente para o espelho velho que já estava quase todo oxidado. Pude ver o que havia me tornado. Cabelos grisalhos começaram a se mostrar em minha barba e no meu cabelo que tentava deixar aparado. Meus olhos mostravam a fraqueza de espírito que me atingia mais e mais. As rugas dos meus pensamentos noturnos cortavam a minha face queimada pelo sol africano. Estava na faixa dos meus quarenta, mas parecia mais um idoso. Toda vez que me olhava no espelho pela manhã era o mesmo sentimento de frustração. Fechei os olhos e lembro do velho Ben. Tentei botar um sorriso no rosto e resolvi tirar a barba, talvez assim mostrasse que eu era mais novo. Tolice, mas serviria de muleta emocional. A porta bate de novo. ­Peter, Marques, já está na hora!­ a voz de Lorren entrou e plantou uma duvida “ Onde estaria o Marques se não está aqui, se não está trabalhando e ontem a Numa sumiu?” Saio pela porta e encaro o Lorren, era baixo demais para trabalhar numa mina. Era careca e estava com o rosto e principalmente com os olhos inchados, deixando seu rosto já redondo com um ar de uma leguminosa vermelha. Nenhum de nós naquela época sabia que era edema renal. ­O Marques não está no quarto, tem certeza que ela já não foi para a Boca?­ Falei em tom de esperança. Tinha receio de que ele tenha feito alguma merda e isso fosse respingar em mim, não que não gostasse e me importasse com ele, mas não podia perder meu emprego. ­Não está, deve ter indo atrás daquela que ele babava no bar. Ouvi falar que ela sumiu, deve estar dando para outro. Não me interessa onde ele está, se não aparecer em 2 horas o dia vai ser descontado. Não estou com saco para ser babá. ­ Ele apoiou as mãos nos costas e gemeu um pouco.­ Se eu encontrar com ele antes de você, saiba que está demitido. E assim fiquei sozinho no corredor. Já estava com minha regata encardida e minha calça jeans surrada, não havia nada que me impedisse de trabalhar, mas a minha vontade era só de ficar deitado e lendo o dia inteiro. Lembrei daquele livro do Sidney Sheldon que não havia terminado, “Conte­me seus sonhos”, seria uma boa passar o dia lendo. Quem eu estava tentando enganar? Eu precisava me enfiar mais uma vez naquela maldita caverna, até hoje acho estranho como eu fui parar meio mundo de distância de casa trabalhando numa escavação arqueológica. Ato 3
De novo entrando na Boca do leão. Por volta de 4 anos atrás um grupo de caçadores nativos havia achado uma vala com estalagmites na entrada dando a sensação de ser uma bocarra paralela a entrada. Olhando para o céu um leão rugindo. Claro que não parecia, mas nosso medo dá forma ao desforme e dá nome ao que antes era chamado apenas de gruta. Eles não conseguiam entrar já que logo depois da entrada vinha um fosso fundo que impedia que pessoas sem o equipamento necessário entrassem. Logo a notícia se espalhou ao redor e pequenos mitos começaram a surgir sobre aquele lugar, nada que voltasse os olhos da sociedade cientifica para aquela pequena comunidade. Até um dia em que um crânio foi encontrado, enterrado próximo à vala, por uma criança. Não tinha as proporções normais de homo sapiens e foi tratado pelos tribais como cabeça de um monstro. Provavelmente teria sido queimado se o inglês Charles Button, antropólogo de Oxford, não estivesse entre eles fazendo seu estudo sobre sua cultura. Ele logo identificou semelhanças com os ossos dos Australopithecus que estudara, mas possuía algumas diferenças. Vendo a oportunidade de impulsionar sua carreira, logo montou uma equipe para estudar a gruta. Não poderia ser muita gente, pois a geóloga do grupo identificou que o solo ali era fraco demais para várias pessoas estarem ao mesmo tempo, caso fosse um grupo inteiro de escavadores e cientistas e todo tipo de gente provavelmente o solo sedeira. Tudo poderia ser feito por um grupo de escavadores e cientistas, mas quando fizeram o teste de carbono 14 no crânio e identificaram ser mais antigo que da Lucy, a mais antiga já achada ate hoje. Foi um rebuliço, a notícia vazou, os jornais do mundo inteiro se voltaram para aquela parte que sempre fora esquecida. Aí que eu entrei nessa teia da confusão. Trabalhava na escavação, desde que era garoto. Trabalhavam para o pai de Lorren, seu filho fora para Oxford e foi lá que conheceu a geóloga, não me recordo o nome dela, assim ele mexeu os pauzinhos e descolou um ótimo serviço para seu pai. Infelizmente Carter morreu nas primeiras semanas aqui com malária, deixando seu filho no controle. Sempre fui bom em me orientar numa caverna, melhor do que num campo aberto e nunca tive a necessidade das dezenas de quinquilharias que geralmente usam esses ratos de laboratório. Meu objetivo era simplesmente: mapear a rede de túneis que se formavam embaixo da Boca. Me ofereceram uma boa fortuna para um trabalho que julgaram simples: entrar, mapear e entregar o mapa para os de jaleco. Em dois meses no máximo seria rico e estaria tomando piña colada numa praia qualquer, mas não foi assim como as coisas se deram. A rede de túneis era mais complexa e maior do que esperavam, já faz uns 3 anos e ainda não terminamos, a cada caminho mais dois se abrem, que se abrem e mais dois e assim parece eterno. Não me sentia muito rico, meu dinheiro do mês era quase todo gasto em álcool e comida. Não sabia que poderia piorar. Ato 4
Sai do contêiner adaptado para se tornar um quarto e segui pelo chão gasto e seco, de longe escutei um latido. Nem me dei ao trabalho, todo dia sempre a mesma coisa, tudo parecia igual, sem tirar nem por. O resto do meu grupo estava em forma de círculo, toda vez era a mesma coisa, definir que parte do formigueiro iríamos cobrir hoje. Éramos por volta de dez, contando Lorren que não iria para o poço nem que seu interior fosse feito de ouro. Ele dizia que era clato, clastofobio, claustrofóbico, disse que era medo de espaços apertados. Não acredito muito nisso. Acho que era medo de se sujar, de dar o sangue pelo trabalho. Carter era diferente ele se sujava, mergulhava conosco. Ele foi como um pai para mim. Um palavrão me tirou das memórias e me trouxe de volta para aquele calor do Quênia. ­Peter, seu filho da mãe, você sabia disso?­ A voz de Lorren cortava os latidos do cachorro. Seu rosto estava avermelhado, mais do que de costume. ­ Vamos todos perder o serviço agora. ­Se acalma e diz o que aconteceu?! ­ Tentei acalmá­lo em vão, enquanto olhava para os lados em busca de alguém para me explicar mais rápido o que estava havendo. Mas somente o Tadashi, um colega nosso que veio do Japão para nos ajudar, estava olhando para mim. O resto estava focado na pequena televisão de 14 polegadas em cima da mesa, estava em algum canal de noticiário, não consegui saber a notícia. ­ O que está acontecendo?! O que está acontecendo?! Vou te falar o que está acontecendo, seu amigo de quarto, depois da festa do pijamas de vocês ontem, ferrou conosco.­ A veia na sua testa dilatou e o suor escorria na sua testa, não sabia se era devido ao nervosismo ou ao calor. Provável os dois. ­ Me explica direito? Se o Marques fez algo não sei o que foi e não tive participação alguma.­ Numa, só podia ser algo em relação a ela. Tentei mais uma vez olhar no noticiário e entendi o que estava havendo. “Moça Queniana é morta por escavador do grupo de arqueologia de Oxford.” Começo a suar mais. Não ele não teria feito aquilo. Ela só não queria estar mais com ele. Como ele pode? Sem dúvida a universidade iria cancelar o contrato. O nome dela foi sujo por uma empresa terceirizada. Lorren percebeu que eu vi o que estava no jornal, além da minha cara de indignação. ­Logo a policia e os jornais vão estar aqui­ Sua voz era de estranha calma para o momento. ­Vão nos encher o saco por semanas. Sabe o que você e o Japona vão fazer? Vão entrar naquele túnel vão terminar o trabalho. Não quero que saiamos daqui antes de terminar aquilo. Porque se sairmos agora não vou receber uma moeda furada por nada. ­Mas ainda falta muito para terminar.­ Minha voz demonstrou uma insegurança que não gostava de demonstrar. A resposta não veio de Lorren como esperava, Tadashi já estava do meu lado ­Fiz uns estudos com as amostras de solo que você me trouxe semana passada, na parte T42 da caverna.­ Sua aparência parecia intocada pelo clima ou pela tensão do momento. Era um rosto triangular e seus olhos estavam bem serrados. Havia se juntado a nós a menos de um mês, então sua pele não estava tão marcada como a do resto. Mesmo sendo um de jaleco gostava de entrar na caverna. Gostava dele. Parecia ali o único com um pouco de razão. Talvez fosse porque era novo na Boca, ou porque era japonês. Não sei. Gostava dele e era o que importava. ­Então vocês dois vão para lá. Vão mapear tudo que tem naquela parte enquanto a gente segura os abutres. Terminamos aqui e podemos dar o fora dessa terra morta.­ Enquanto Lorren falava, enxugava seu largo rosto com a manga de sua camisa. ­Leve mais provisões dessa vez. Talvez vão ter que passar o dia todo lá. Ele havia deixado a mim e ao Tadashi enquanto ia em busca de água, ou talvez algo mais forte. Ato 5
Começamos a descida para a caverna. Depois de tantas vezes nem sentia mais medo. Era como amarrar cadarços. A parte inicial era funda e como levaríamos mais suprimentos, resolvemos descer eles primeiro. Pegamos além de nossas mochilas, mais uma para cada. Tranquilo estava, dava até para desconfiar que não barrariam a cerca de proteção. Até que de longe eu vi carros vindo, por volta de uns quatro. Devia ser a policia e a televisão local. Não demorei descer, fazia aquela descida a 3 anos. Era o mínimo que poderia fazer. Logo que desci já me pus a arrumar as mochilas. Levei elas mais para o interior da caverna enquanto o Tadashi descia. Era novo em trabalho de campo demorava descer. Não queria perder tempo. Quanto mais rápido terminasse, mais rápido me livraria de toda aquela gente. Toda aquela gente. Tinha um motivo para que somente um pequeno grupo podia ficar ali, fazia tanto tempo que isso era meio ignorado. Mas os carros ficavam a mais de 1 km de distância para prevenir qualquer coisa. Duvidei que a impressa e a policia fossem fazer isso. Merda ele ainda estava descendo, tinha tentado correr mas foi tarde, tarde demais. Quando estava quase chegando senti o chão tremendo, algumas pedras começaram a cair. Não parei, continuei correndo, tentei salva­lo, gostava dele. Terremoto. Caí de frente no chão e vi as luzes serem engolidas pelas sombras e o corpo do Tadashi sendo devorado pelo leão de pedra. Escuro. Ato 6
O que mais poderia fazer? Estava mais de 25 metros abaixo do solo. Com a policia e a imprensa focada no assassinato, nem deviam ter notado o que o buraco havia cedido. Era meu fim. Pelo menos o de Tadashi tinha vindo mais cedo. Gostava dele. Fui ver como estava o corpo. Liguei a lanterna. Ainda bem que o Lorren falou para trazer mais provisões. Racionando certo conseguiria passar 6 dias com comida e com 12 água. A questão será se minha mente conseguiria aguentar tanto tempo. Devia ter ficado deitado lendo o livro. Não consegui ver o corpo inteiro. Só uma mão ficou fora dos destroços. O anel de formatura tava nela. Depois de tanto estudar, morreu antes de um cara que nunca terminou o ensino médio. As vezes acho que deus e um piadista. Pensei durante muito tempo o que poderia fazer. Os túneis só desciam e toda a região em volta era uma planície. Decidi sentar. Vou esperar alguém. Logo alguém vai vir. Me prendi aos pensamentos positivos. Infelizmente pensamentos positivos sempre vêm acompanhados de negativos e esses como um verme devoram e crescem deixando só eles. Não sei quanto tempo depois havia se passado e não consegui pensar em nada que me desse força, nem mesmo o velho Ben. Quando está numa situação dessas sempre se procura os culpados, primeiro eu culpei Lorren, por ter mandado eu descer. Depois o pobre Tadashi, por ter pesquisado sobre o solo, até o antropólogo eu culpei. Sem dúvida o que mais culpei foi o Marques. O problema era a dúvida que plainava na minha cabeça. Mesmo quando eu o culpava eu não conseguia sentir ódio dele. Não era amigo dele. No entanto era mais fácil culpar o Tadashi do que o próprio culpado disso. Isso me deixou intrigado. Meus pensamentos estavam nublados com um ser humano ao terminar sua segunda garrafa de vodka. Gota. Escuto o som de uma gota batendo no chão. Não sabia se já estava ali, mas estava focado demais e não havia notado. O som ecoara e não sabia identificar o som na primeira vez. Gota. O som parecia vir de algum lugar a baixo, será que deveria ter descido e seguido. A resposta era obvia. Não! Porém, a curiosidade de um homem não pode ser saciada nunca. Gota. Segui o som. Parecia sempre estar próximo, ao mesmo tempo que estava distante, não conseguia entender. Gota. Numa loucura dessa como entenderia alguma coisa? O caminho estava sendo cortado pelo feixe de luz como uma mão abriria o capim selvagem. Já andei por aquelas cavernas várias vezes, apesar disso parecia a primeira vez. Minha respiração estava pesada. Gota. O que poderia ser essa gota? Todas as vezes que entrei não vi uma fonte de água. Será que era apenas da minha cabeça? Não, não era, quem me dera que fosse. Peguei meu caderno de mapas, observei. Estava perto da área que o Tadashi tinha falado. Como eu o odiava. Tudo culpa dele. Continuei seguindo. Suava como não poderia suar. Mas estava quente? Não sei. Parei para beber água. Sentei e comi uma barrinha de cereal. Tinha gosto de casca de árvore. Todas tinham. Tomei mais um gole sabia que tinha que economizar, mas minha garganta estava seca. Precisava de álcool. Dava vontade de beber como o Marques. Gostava dele. Pera não, não gostava dele. Por que falei aquilo? Pera, faz tempo que não escuto as gotas. Quanto tempo faz que eu as escutei? Eram reais? Merda. Suspiros. Soltei as coisas, soltei tudo. Só levei a lanterna. Sim estou escutando uma respiração. Precisava ver o que era. Corri. Suspiro. Só escutava isso. Ecoava pela caverna. Um grito. ­Por que não morro logo! Era a voz de Marques. Agora sim estava ficando louco. Escutar a voz de um morto. Pera, ele não estava morto. Suspiro. Quanto mais eu corria mais longe eu parecia estar. Gota. As gotas tinham voltado. O que estava acontecendo? Suspiro. Não podia fazer nada. Só conseguia correr. A lanterna pisca. Gota. Como a pilha já estava acabando? Quanto tempo já estava ali? Suspiro. ­ Só queria morrer logo! Gota. Lanterna desliga e a escuridão devora minhas vistas mais uma vez, se já não bastasse minha mente. Podia seguir em frente ou desviar. Suspiro pesado. Precisei seguir em frente. Não corria mais, somente andava. O medo me dominara. O medo de ser Marques? Ou medo de estar louco? Ou medo do chão que não sabia onde pisar? Ou o Medo do que estava a frente? Não sei. Não sabia de nada. Gota. ­Quem está aí?! ­ era a voz de Marques, só podia ser a voz dele, não podia ser a de mais ninguém. Poderia ter respondido? Poderia. Queria? Não tinha certeza. ­ É você morte?! Se for você, já está atrasada! Uma luz forte bate em minha face, minhas pupilas demoram a diminuir, porém meu espanto de ver o que vi não foi maior do que a do Marques quando ele olhou para mim. ­Veio terminar o que começou seu desgraçado de merda!­ sangue seco estava por toda sua face. O pior não era sua face e sim suas pernas. Uma delas havia sido cortada e cauterizada. Seu braço esquerdo estava amarrado a uma estalagmite. Sangue escorria pelo seu nariz. Seu rosto estava inchado. ­ Me diz seu desgraçado, o que você achou que ia conseguir com isso? Não bastava a Numa? ­ O que está falando? Não to entendendo­ minha respiração estava abafada. Fui eu que fiz aquilo? Como assim? Não me recordo. ­ Sua inveja só porque alguém gostava de mim. Como pode? Achei que era meu amigo. Eu até gostava de você!­ vi lágrimas escorrendo pelo seu rosto. Fui eu! Me recordo aos poucos. Sentei e apoiei minhas costas na parede. Definitivamente não havia sido a caverna que me deixara louco. Eu já era. Matei ela quando estava no Bar que ela trabalhava. Dei em cima dela, queria que ela traísse o Marques. Por isso não sentia raiva dele. Ela não o traiu e eu matei a com uma faca de cozinha. Ela estava indo para casa. Um corte na garganta e um no olho. Joguei o corpo numa lata de lixo qualquer. Escrevi a carta como se fosse ela. Entreguei para ele, terminando. Meus deus, como eu pude?! Não aguentei passar a noite escutando um homem desse porte chorar. Falei que recebi uma ligação do dono do bar falando que ela estava lá, fiz com que ele quisesse sair. Quando estava fora da caixa o derrubei com um extintor. Empurrei para o Boca e ali o desci, como sempre descia os mantimentos. Fiz aquilo com ele. Como pude fazer? E como esqueci? Apaguei as parte que mostravam quem eu verdadeiramente era. ­ Pelo amor de deus, me mata!­ seus olhos estavam em tom suplicante. Peguei a corda que estava amarrada a seu braço que caiu inerte no chão. Já estava roxo e em muitas partes preta. Passei pelo seu pescoço e apertei até seu corpo parar de tremer, o deitei no chão como se faz com uma criança. O que faria agora? Não tinha mais nada para fazer. Esperar para que fosse salvo? Eu queria ser salvo? Não. Não merecia. Não tinha o direito a vida. Não tinha o direito a morrer com as estrelas me olhando. Pensei em todo o trabalho que tivemos naquelas masmorras. Ri com a ideia de ser descoberta daqui a alguns milhões de ano e uma nova raça dominante achar ossos nas cavernas e querer estudá­los e o círculo se repetindo. A risada se tornou uma gargalhada. A gargalhada se tornou uma tosse. A tosse trouxe o pensamento. Puxei o gravador de voz que vinha no cinto e é isso que voz narro. Espero que quem achar essa fita esqueça o passado, procure ir para frente, mas se mesmo assim achar que deve olhar para seus calcanhares, saiba que aqui morreu um louco e um apaixonado. Que Brega! Câmbio, desligo.