O ensino na Bauhaus e uma observação sobre a oficina têxtil

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O ensino na Bauhaus e uma observação sobre a oficina têxtil
O ensino na Bauhaus e uma observação sobre a
oficina têxtil.
The teaching at the Bauhaus and a note on the textile workshop.
Almeida, Mariana Dias
[email protected]
de;
Mestranda
no
PPG
em
Design,
UNESP,
Silva, José Carlos Plácido da; Professor titular; PPG Design, UNESP,
plá[email protected]
Paschoarelli, Luis Carlos; Livre-docente; PPG Design, UNESP,
[email protected]
Resumo
O presente artigo vem ressaltar a importância e as contribuições da Bauhaus no ensino das
práticas têxteis, abordando de modo sistemático, a compreensão das influências pedagógicas
da escola, com suas abordagens entre a escola e a indústria, suas práticas de ensino e as
oficinas que promulgavam a prática projetual e a proximidade do aluno com o processo de
desenvolvimento dos objetos; entre as oficinas existentes optamos pela oficina de tecelagem,
abordando o trabalho realizado no atelier, as experimentações e os professores responsáveis
em lecionar técnicas têxteis.
Palavras Chave: Ensino, oficinas, técnicas têxtil.
Abstract
This article has emphasized the importance and contributions of the Bauhaus school of textile
practices, approaching in a systematic way, understanding the influences of school teaching,
with its approaches between schools and industry, their teaching practices and they
pronounced the workshops design practice and the proximity of the student with the
development process of these objects between the existing workshops we chose the weaving
workshop, covering the work done in the studio, the trials and the teachers responsible for
teaching textile techniques.
Keywords: Teaching, workshops, technical textiles.
IMPORTANTE: na parte inferior desta primeira página deve ser deixado um
espaço de pelo menos 7,0 cm de altura, medido da borda inferior, no qual serão
acrescentadas, pelos editores, informações para referência bibliográfica
O ensino na Bauhaus e uma observação sobre a oficina têxtil.
Introdução
A Bauhaus foi a instituição ícone para estudos da arte, arquitetura e do desenho
industrial. A abordagem deste texto foca nos aspectos positivos da pedagogia desta
instituição, apresentados de modo ordenado uma linha de compreensão, para chegarmos no
foco especial que é a oficina de tecelagem que trouxe grandes contribuições científicas e
industriais. Para que fosse de fácil articulação o desenvolvimento textual atenta a proceder
como o ensino se estruturava em sua aproximação com as indústrias e a introdução de um
curso preliminar, seguido do que viria depois do curso, que seriam as oficinas, qual sua
função e seu dinamismo. Para então especificar melhor a oficina de técnicas têxteis com as
suas divergências, inovação e os professores responsáveis pelo desenvolvimento, que
creditaram influências posteriores.
1. Bauhaus: a instituição acadêmica
Formada pela união de duas instituições alemãs: a Academia de Belas-Artes e
Werkbund, a Bauhaus foi uma das escolas de grande importância no ensino, nas artes e na
arquitetura. Grande parte dos docentes eram pintores, porém era expressa a intenção “de
treinar em todos os ramos do design, culminando na arquitetura” (Banham, 2006, p.436).
A Bauhaus trouxe contribuições significativas não somente na arquitetura, mas em tudo
que a envolvia, apresentou novas atividades no campo dos estudos, das pesquisas e das
técnicas profissionais, surgindo então o desenho industrial como esclarece Bürdek:
Com o postulado de Walter Gropius ‘Arte e técnica – uma nova unidade’, foi criado
um novo tipo de profissional para a indústria, alguém que domine igualmente a
moderna técnica e a respectiva linguagem formal. Gropius criou com isso os
fundamentos para a mudança da prática profissional do tradicional artista/artesão no
designer industrial como conhecido atualmente. (2010, p. 37)
O curso preliminar tinha duração de seis meses, sendo que posteriormente o aluno
escolheria uma formação técnica através das oficinas, com duração de três anos, e em seguida
poderia se ter a opção de fazer o curso de arquitetura, que tinha o foco dos estudos em
propiciar modelos ideais para a sociedade (Droste, 2006) e a sua urbanização.
A pedagogia da instituição visava se alicerçar no artesanato conciliado com a
indústria, para assim ambos desfrutarem do que haviam de mais significativo, e, juntos
pudessem trazer benefícios, tornando-se mútuos como Bürdek afirma:
A idéia fundamental de Gropius era de que, na Bauhaus, a arte e a técnica deveriam
tornar-se uma nova e moderna unidade. A técnica não necessita da arte, mas a arte
necessita muito da técnica, era a frase-emblema. (2010, p.28)
A Bauhaus passou por fases que compreenderam desde sua fundação, consolidação e a
desintegração e ao longo delas (1919 a 1933) a escola sempre esteve em processo de
transformação (Banham, 2006), entretanto não foi pejorativa a consolidação de ser uma
instituição moderna com objetivos que eram “continuamente medidos face ao mundo exterior
mutante” (Droste, 2006, p. 134).
O ensino em seu início foi muito influenciado por Itten e seu direcionamento era
intuitivo, com considerações pela espontaneidade (Wingler, 1975), advindas do
Expressionismo (Rodrigues, 1989), o que é um aspecto marcante nesta fase, Gropius o
mentalizador e precursor da escola, defendia os ideais de Itten que foi quem instituiu o
Vorkurs como sendo a base que sustentava o ensino, “fundamental para a filosofia pedagógica
da escola” (Droste, 2006, p. 246) que consistia em:
10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA).
O ensino na Bauhaus e uma observação sobre a oficina têxtil.
“o curso básico, que Johannes Itten introduziu em 1919/20 como parte importante co
currículo e que era obrigatório para qualquer aluno. Este curso básico era o cerne de
formação básica artístico-politécnica na Bauhaus. Ele tinha, por um lado, a auto
experimentação e auto averiguação bem como aprovar a própria capacidade dos
alunos como objetivo e perseguia por outro a intercomunicação de conhecimentos
básicos de configuração no sentido de um aprendizado efetivo da matéria” (Bürdek,
2010, p.29)
O programa de ensino esteve reformulado e organizado por completo em 1927, onde a
arquitetura seria o principal destaque, dividida em estrutura e a decoração de interiores, esta
última oferecia oficinas que focavam em pintura, cerâmica, metal, marcenaria e tecelagem,
onde era estabelecida “uma ligação da teoria e da prática no domínio dos materiais e das
técnicas artesanais nos ateliers.” (Rodrigues, 1989, p.42)
Em suma, de acordo com Bürdek (2010), podemos refletir que as direções pontuais
sobre a Bauhaus foram: a síntese estética estipulada pela integração da arte com a indústria, e
a síntese social procurando satisfazer as necessidades de ampla camada da população.
1.1
O ensino e a indústria
Gropius, em uma circular aos professores da Bauhaus em 1922, exprime a posição da
instituição em adotar um critério de serem concebidos os trabalhos, pois, a pedido do
professor Itten, deveriam eleger ou o método de trabalhos únicos ou a aproximação com as
empresas, que para Gropius seria mais cabível, pois, a escola estaria conectada até mesmo
com o mundo econômico (Wingler, 1975).
Presenciamos este conceito nas escolas de design contemporâneo, tendo o
desenvolvimento acadêmico voltados para meio em que vivemos, ou seja, conciliar as
pesquisas para viabilizar um bem social. Este caráter os autores da Bauhaus já tinham em
mente desde a fundação, pois segundo o próprio fundador “A Bauhaus quer dar a sua
contribuição ao desenvolvimento contemporâneo do problema do alojamento, desde o
utensílio doméstico mais insignificante até a casa de habitação acabada com todos os seus
detalhes” (apud Rodrigues, 1989, p.116).
O período pós-guerra pedia a desvinculação dos aspectos pesados de móveis, e
ornamentos rebuscados como podemos observar nas imagens 1 e 2, faz com que a face
expressionista fosse destacada, necessitando mais utilitarismo e menos estilização descabida.
Figura 1: École de Nancy, projeto de Émile André.
Disponível em: http://3.bp.blogspot.com/ldg2lgxTdBU/TWrthjwQZDI/AAAAAAAAIOc/bubesLQXa4k/s1600/Imagem21.jpg. Acessado em: 30 de
setembro de 2011.
10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA)
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Figura 2: Josef Fanta, Praga
Disponível em: http://4.bp.blogspot.com/-kI3qrUowMU/TWrhUCmPPFI/AAAAAAAAIMs/JSUAzyyU9y4/s1600/Imagem10.jpg. Acessado em: 30 de
setembro de 2011.
E posteriormente para manter a instituição uma das vertentes foi o apoio de empresas
que comprariam os protótipos desenvolvidos pelos alunos, o que segundo Rodrigues: “a
escola vai claramente orientar-se para um processo de especialização. O contacto com as
empresas, a preocupação da produção industrial da construção tomam cada vez maior
importância.” (1989, p. 118); pois, segundo Gropius se a Bauhaus perdesse essa conexão
escola-indústria se converteria a ser caracterizada como uma ilha de excêntricos (Wingler,
1975).
Assim, o que faz da Bauhaus uma escola que terá a perspectiva de uma conexão com a
indústria, será a conjugação da inovação desde os materiais aos métodos que são utilizados
em construções (Rodrigues, 1989) e assim fixando a Bauhaus “uma instituição de ensino e de
produção de protótipos industriais.” (Bürdek, 2010, p.31),
A experimentação fornecida na escola era a aproximação que os alunos tinham com as
indústrias, com a aplicação das metodologias e as aplicações feitas nas oficinas, assunto que
veremos no próximo tópico.
1.2 As oficinas
As oficinas eram os laboratórios onde os alunos construíam seus projetos, podendo
adquirir o conhecimento da prática ainda na escola, as oficinas eram a etapa posterior à
Vorkurs, que poderia ser escolhida democraticamente pelo aluno (com exceção das mulheres,
como veremos posteriormente). Constituíam as oficinas: metal, gráfica, cerâmica, marcenaria,
encadernação, têxtil, pintura em vidro, pintura mural, escultura em madeira e oficina de palco.
A constituição docente da oficina era composta por um artista e um artesão como
mesmo afirma Bürdek: “Cada oficina tinha dois líderes, um “Mestre da Forma” (artista) e um
“Mestre Artesão”. Por este meio, queria-se fomentar e desenvolver as capacidades artísticas e
manuais dos alunos de forma equilibrada” (Bürdek, 2010, p.31), assim o dinamismo das aulas
se daria pela troca de informações e conhecimentos de ambos profissionais que dominavam a
teoria e a prática artística e industrial.
A importância das oficinas no decorrer da existência da Bauhaus trouxe experiências
que foram somente atestadas pelo ato de experimentações e a prática tendo sempre o projeto
como objetivo a ser concretizado parafraseando Gombrich: “Os estudantes da escola
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participavam no projeto dos edifícios e acessórios. Eram incentivados a usar a imaginação e a
experimentar com arrojo, mas sem nunca perder de vista a finalidade que teria o projeto.”
(1999, p.560), observa-se que essa aproximação da prática com a teoria, era incentivada até
mesmo na própria instituição, a exemplo da sala do diretor em Weimar, que foi planejada e
projetada em conjunto com os alunos, vide a figura 3:
Figura 3: Sala do diretor de Weimar.
Fonte: Rodrigues, 1989.
E se de acordo com Gropius “o valor da prática de atelier já constituía uma certeza;
porém, os valores estéticos e adoptarem representavam ainda um objecto de procura e de
interrogações” (Rodrigues, 1989, p.53), atenta-se que a Bauhaus promulgava sempre o
despertar projetual e inquietante dos alunos.
2. As mulheres da Bauhaus
Apesar de a Bauhaus se intitular como uma instituição democrática, a presença da figura
feminina possuía uma dicotomia, pois, ora era limitada e ora ilimitada. Como se tratava de um
período em que a mulher buscava ascensão profissional, a procura pelo curso da Bauhaus
superou as expectativas de Gropius, que diante desta situação estipulou um limite para que
elas frequentassem (Butler; Schwartz; 2010), assim, mesmo com todo discurso a cerca da
democracia pregada, não era viabilizada.
Ao início em Weimar grande parte das mulheres eram admitidas de acordo com a verba que a
escola tinha para aceitá-las, posteriormente Gropius aconselhou que o número de mulheres
devesse ser reduzido e passado o período na Vorkurs elas deveriam ser direcionadas para a
oficina de tecelagem.
A postura que discriminava as mulheres do início da Bauhaus tinha uma visão de que a
atuação delas em outras oficinas poderia resultar em “uma tendência demasiado «decorativa»
e viam o objectivo da Bauhaus, a arquitectura, em perigo” (Droste, 2006, p. 40).
Porém este ponto de vista foi desmitificado posteriormente pelo próprio Gropius, ao se
deparar com as produções em Dessau pelas mulheres da tecelagem. Tema que nos fixaremos
adiante.
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3. Oficina têxtil
Como visto anteriormente, grande parte das mulheres na Bauhaus (figura 4) eram
direcionadas a fazer a oficina de tecelagem, o que leva a compreender que a presença
masculina era pouco ou nula. A concepção inicial desta oficina compreendia em dominar a
técnica têxtil que se utilizou das teorias vistas no Vorkurs para o desempenho dos projetos
como apresenta Rodrigues:
“A tecelagem dos primeiros anos da Bauhaus é também de fabrico manual. O
desenho é complexo. Os estudantes preferiam o desenho criativo à repetição em
série, mesmo que isso pudesse ser mais lucrativo. Numerosos motivos do folclore,
assim como as sugestões trazidas das aulas de Muche e Klee fazem parte dos temas
dos trabalhos de tecelagem.” (1989, p. 56).
Apesar das estudantes no início não conseguirem dominar a técnica, a evolução e a
industrialização, a oficina têxtil foi a que trouxe “pressupostos ideais para os objetivos da
Bauhaus” (Droste, 2006, p. 72), o início da oficina estava ligada ao pensamento artístico e
técnico, possuindo um diretor responsável por lecionar cada uma destas áreas.
Figura 4: Quatro jovens do atelier de tecelagem.
Fonte: Droste, 2006.
Gunta Stölzl, em uma publicação do periódico Offset, Buch und Werbekunst em 1926,
ainda como aluna da oficina, demonstra que o aprendizado no setor têxtil era mais profundo
do que poderia transparecer, pois, havia compreensão de elementos que compunham o tecido
enquanto superfície a ser trabalhada para até mesmo conhecer os limites que poderiam atingir,
e Gunta justifica: “O tecido é uma totalidade estética, uma composição de forma, cor e
matéria que vêm a constituir uma unidade” (Wingler,1975, p. 141, tradução nossa)
Os contatos com as empresas têxteis ofertavam propostas de empregos posteriores, como
no caso da empresa Zeiss, onde “experimentaram-se novos materiais com efeitos de reflexão
da luz” (Rodrigues, 1989, p. 167). Algumas alunas possuíram projetos aprofundados que
traziam para os teares pesquisas que originaram novas características aos tecidos.
Os experimentos ocorriam nos teares manuais, pois, poderiam explorar melhor todas as
possibilidades do feito a mão, para posteriormente empregar industrialmente, proporcionando
experiências de construção que talvez o tecer mecanizado poderia impedir.
Os professores que lecionaram nesta oficina trouxeram grandes contribuições, tanto na
caracterização estilística quanto nas produções, com inovações e novos contextos, nos
10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA).
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capítulos a seguir apresentaremos aqueles que tiveram relação direta com o ensino da oficina
têxtil na Bauhaus.
3.1 Klee e Muche
Paul Klee, artista expressionista de grande renome lecionou desenho na Bauhaus.
Georg Muche, pintor e artista gráfico, esteve a cargo de várias oficinas, sendo um dos
primeiros responsáveis pela oficina de tecelagem.
As aulas de Klee foram fundamentais para os desenvolvimentos têxteis, pois,
aprenderam “a utilizar as proporções na graduação de padrões a risca”, observam-se ainda os
pré-desenvolvimentos de modelos elaborados pelas estudantes, que podem ser verificados nos
padrões dos tecidos vide figura 5 e 6.
Figura 5: Modelo desenhado por Anni Albers
Disponível em: http://kathykavan.com/the-bauhaus-textiles-of-gunta-stolzl-anni-alb#!/. Acessado em 30
de setembro de 2011.
Figura 6: Peça tecida por Anni Albers.
Disponível em: http://kathykavan.com/the-bauhaus-textiles-of-gunta-stolzl-anni-alb#!/. Acessado em 30
de setembro de 2011.
Muche foi mestre artístico da oficina de tecidos a partir de 1920 (Rodrigues, 1989),
que segundo Gunta Stölzl, aluna da oficina no período afirma que “sob a chefia de Georg
Muche havia muita liberdade para experiências. Quer se tratasse de um tapete quer de uma
almofada” (apud Droste, 2006, p. 72).
Sob a coordenação de Muche houve grandes participações e parcerias como a da
oficina têxtil com a de marcenaria, de onde surgiram trabalhos em que as peças em madeira
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recebiam coberturas advindas da tecelagem; o objeto mais representativo deste período foi o
cadeirão africano desenvolvido por Marcel Breuer e Gunta Stölzl (imagem 7), houve também
grandes contribuições de tapetes para a Am Horn.
A Bauhaus adquiria os objetos desenvolvidos pelas alunas para posteriormente
reproduzir (Droste, 2006). Entre esses objetos haviam: tapetes, almofadas, toalhas de mesa,
roupa de criança, bonés, tecido para blusas, colchas, painéis de parede, cachecóis, cobertores
e demais amostras. Porém havia hostilidade ante a oficina têxtil pelo fato de sua produção em
série ser constituinte de poucos modelos. (Wingler,1975)
Figura 7: Cadeirão africano.
Disponível em: http://bauhaus-online.de/en/atlas/werke/african-chair. Acessado em: 30 de setembro de
2011.
A liberdade, aliada com o conhecimento básico e a ignorância por parte da instituição
e de alguns indivíduos, ajudou as alunas a experimentarem novos padrões e meios, criando
sem amarras, desenvolvendo materiais inovadores que abordavam experimentos com
materiais sintéticos, pois, neste período era presente o uso de fibras que substituíssem as
naturais.
Produções, como no caso do tecido desenvolvido por Anni Albers, no qual uma das
suas faces absorvia o som e a outra face refletia luz, sendo utilizada em um auditório para
melhorar a acústica (Droste, 2006), demonstra o caráter científico experimental que a oficina
possuía, superando as expectativas. Outra estudante de destaque foi Gunta Stölzl que no
período como aluna da Bauhaus desenvolveu peças icônicas, e posteriormente com a saída de
Munche por divergências com os estudantes, assume a direção da oficina.
3.2 Gunta Stölzl
Foi do quadro de alunos que Stölzl saiu para tornar-se professora. Especificadamente da
oficina de tecelagem da Bauhaus, onde se deu sua formação. A figura mais importante da
história da oficina têxtil da Bauhaus, suas contribuições foram notáveis e significativas, para
a compreensão das técnicas de tecelagem (imagem 8) e nas inovações para a época.
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Figura 8: Amostra de material de cortina
Disponível em: http://www.guntastolzl.org/Works/Bauhaus-Weimar-1919-1925/WeimarFabrics/1858557_h8wX93#219043801_xwNA9. Acessado em 30 de setembro de 2011.
Frequentou o curso arte de tingir, na Escola Técnica de Arte de Tingir (Krefeld), onde
aprendeu a tingir através de processos naturais e químicos; e o curso de técnicas de
ligamentos na Escola de Tecelagem de Seda (Krefeld) (Droste, 2006), técnicas estas que
posteriormente a Bauhaus adotara e Gunta seria a responsável no ensino.
Gunta esteve à frente da oficina de 1925 até 1931, durante este período procurou deixar
os alunos cada vez mais próximos das indústrias, para onde foram cedidos frequentemente
modelos para produção a empresas de grande porte, com características típicas da Bauhaus
(Wingler, 1975). Com a fixação em Dessau e a designação de desenho industrial, os processos
de produção eram acompanhados pelas alunas que aprendiam todas as fases de produção
(Droste, 2006) e acrescenta Rodrigues:
“Na secção dos tecidos, Gunta Stölzl prossegue com o estreitamento do atelier de
tecelagem à indústria. Foram experimentados novos materiais e novas técnicas que
aumentaram a variedade e o ritmo produtivo. Adoptou-se, durante este período, a
denominação de Laboratório de Investigação de Tecelagem, marcando assim o
carácter de pesquisa.” (1989, p. 167)
A mudança creditada a Gunta estabelece uma nova visão deste então laboratório, onde
“os trabalhos prosseguiram no sentido de uma simplificação e da procura de dimensão
adequadas à produção industrial” (Rodrigues, 1989, p. 128), a atuação com teares Jacquard já
introduzidos por Muche denota o desempenho com uma técnica complicada e onerosa (figura
9).
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Figura 9: "Slit Tapestry Red/Green"
Disponível em: http://www.guntastolzl.org/Works/Bauhaus-Dessau-1925-1931/WallHangings/1482856_PGWmvk#74320280_dAtBH-A-LB. Acessado em 30 de setembro de 2011.
Assim, alguns desenvolvimentos na construção dos tecidos trouxeram aperfeiçoamento
técnico, como no caso da resistência dos materiais e tecidos com uma determinada finalidade
específica (Wingler, 1975).
Gunta adota uma nova filosofia ao programa do curso em que o projeto deve de ser
ligada a sua função, e que o processo de desenvolvimento deve ser parte da vivência do aluno,
para então caminhar para soluções de problemas.
3.3 Lilly Reich
Após a demissão de Gunta Stölzl, Lilly Reich substituiu-a em seu cargo. Possuía
experiência em projetos para interiores, não dominava as técnicas de tecelagem, porém
introduziu estudos sobre os materiais e as cores (Droste, 2006).
Os trabalhos continuaram a se fixar nos experimentos de novos materiais e novas
técnicas para construção de modelos com destino para produção industrial. As disciplinas que
constavam neste período eram:
“teoria do tecido, estudo dos materiais, aprendizado das técnicas do tear manual,
maquinas de Jacquard, tear de almofadas e tapetes, demais disciplinas de calculo de
custo, analise de modelo, colocadas no papel, teste de resistência do material,
desenho de tela, comercialização, prova de materiais, tinturaria e trabalho prático”
(Wingler, 1975, p.524, tradução nossa)
Os maiores legados de Reich na Bauhaus foram os padrões para impressões em tecidos
que eram aplicados em cortinas e em vestuários infantis e a introdução da Moda como curso
obrigatório, sem grandes desenvolvimentos, pois a produção em escala ainda não era bem
desenvolvida.
4. As heranças acadêmicas
Como Moura apresenta que as heranças da Bauhaus “ocorreram tanto durante sua
existência como também foram realizadas nos anos posteriores ao seu fechamento, seja sob o
ponto de vista de sua concepção didática e pedagógica, seja sob a ação de seus diretores,
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professores e alunos” (2011, p. 211), suplementando os pontos de vistas e alterando
paradigmas.
As funções da Bauhaus mais compreendidas foram a introdução de um discurso a cerca
do funcionalismo e o método pedagógico que se tornou modelo a outras escolas. Segundo
Rodrigues (1989) a Bauhaus foi o sujeito e objeto da modernidade, que prossegue
representando de maneira positiva e negativa “um paradigma cultural e um modelo de escola,
uma estratégia estético-cultural” (1989, p. 199) e Benevolo completa:
“O ambiente da vanguarda alemã, nos anos vinte do imediato pós-guerra, é rico em
experiências contraditórias, ligadas à formação do movimento moderno talvez
apenas através de uma relação dialética de estímulo e confronto.” (1994, p. 436)
Demonstrando o dinamismo que havia na escola, que propiciou tantos discursos, e que
ainda são vistos na contemporaneidade.
O funcionalismo que obteve maior expressividade depois da dissolução da instituição
como afirma Bürdek: “Após a Segunda Guerra Mundial, o funcionalismo viveu seu período
de florescimento [...] A produção em massa desenvolvida era reconhecida como um
instrumento adequado para a estandardização e racionalização da produção.” (2010, p. 59).
Tanto que o termo Funcional será atribuído ao Racional, de Le Corbusier, seguindo o
célebre ditame: “A forma segue a função” (Louis Sullivan, apud Banham, 2006, p. 500).
Decorrentes da Bauhaus ao longo dos anos que sucederam ao seu fechamento, inúmeras
foram as escolas fundadas que compartilhavam de seus ideais, e constituídas por ex-membros
da Bauhaus, a exemplo da School of Design de Harvard com Gropius como professor e
diretor, Muhely (Bauhaus de Budapeste), Moholy-Nagy diretor da The New Bauhaus
(Chicago) e fundador da School of Design (Chicago), Josef Albers professor do Black
Mountain College na Carolina do Norte (EUA) (Moura, 2011).
O movimento moderno seguido pela Bauhaus trouxe novas experiências e novos
parâmetros pedagógicos, que se lecionava projetando em virtude de uma necessidade usual e
a consciência dos alunos em compreender os processos produtivos. Com a aproximação das
indústrias vivenciavam-se os aspectos fabris, viabilizando os objetos que eram desenvolvidos
nas oficinas, observados por Bürdek:
“A metodologia e a forma de configuração ali desenvolvidas eram compreendidas
como uma superação dos estilos. Tal fato, ao lado de sua utilização irrestrita,
tornava-se um novo estilo, um símbolo de pequena, intelectual e progressista
camada da população que demonstrava isto pelo uso de móveis de tubo de aço e
estantes espartanas em suas casas e apartamentos.” (Bürdek, 2010, p.59)
Já em relação à oficina têxtil, a Bauhaus trouxe experimentos antes não desenvolvidos
através dos teares Jacquard, inúmeros foram os experimentos pelas alunas que ainda ganham
destaque, agora expostos em museus e arquivos da própria Bauhaus.
Assim como outros professores da Bauhaus aqueles que eram os responsáveis pela
oficina de tecelagem também estiveram atuando em demais instituições como, Georg Muche
posteriormente lecionou artes têxteis na Escola de Engenharia de Krefeld de 1939 a 1958
(Droste, 2006) e Lilly Reich na Academia das Artes Plásticas de Berlim.
Segundo Artigas (2011), os maiores legados da Bauhaus na área têxtil foram os tecidos
de caráter tecnológico e os padrões tanto das tessituras quanto das estampas em formas
abstratas.
5. Considerações finais
10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA)
O ensino na Bauhaus e uma observação sobre a oficina têxtil.
As contribuições da Bauhaus são expressivas em vários âmbitos, na indústria têxtil não
se demonstra diferente, apesar de relatos históricos gerais referenciarem a França, a
vanguarda alemã proporcionou estudos científicos que demonstram um avanço de técnicas e
de parâmetros educacionais na área, de relevante importância.
A comunicação escola – indústria tão enfatizada pela instituição alemã, fica evidente na
oficina têxtil. A conversa teoria e prática resultaram em inovadores projetos de uma
complexidade que cremos que somente a academia poderia oferecer. As práticas pedagógicas
e o sistema de ensino da Bauhaus tão disseminado como modelo preconizado por grande parte
dos educadores e pesquisadores da área, só demonstra que apesar de alguns aspectos
negativos, os pontos positivos trouxeram relevância, acréscimos e mudanças, que se
perpetuam na contemporaneidade.
Referências
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Editorial Gustavo Gili, 1975.
10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís (MA).