Diarréia em paciente com HIV no PS
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Diarréia em paciente com HIV no PS
DIARRÉIA EM PACIENTES HIV+ NO PRONTO SOCORRO Lucieni Conterno Oscar Chagas Segunda causa de procura por atendimento no pronto socorro da FAMEMA. A prevalência de diarréia entre os pacientes com HIV aumenta de acordo com queda no CD4, sendo um fator independente para mortalidade. Os sintomas variam desde diarréia moderada e auto-limitada até casos graves com síndrome de má-absorção, desidratação e choque. Até 40% dos pacientes com HIV apresentam diarréia com duração de até um mês e 25% cursam com diarréia crônica durante algum estágio da doença. História clínica Elementos chave CD4 atual (preferência nos últimos seis meses). Medicamentos em uso. História prévia de infecções oportunistas. Duração dos sintomas, freqüência e característica das fezes. Perda de peso. Uso recente de antibióticos e internações. Viagens e hábitos alimentares. Contato com animais de estimação. Contato com pessoas apresentando sintomas similares ou com crianças. Comorbidades – diabetes, pancreatite e outras. História familiar de síndrome do intestino irritável ou síndromes inflamatórias. Manipulação de alimentos no trabalho. Apresentação clínica e etiologia Diarréia Aguda: 3 ou mais evacuações/dia por mais de 3 dias com duração menor que 2 semanas. Diarréia Persistente: duração entre 2 e 4 semanas. Diarréia Crônica: duração por mais de 4 semanas. Febre há mais de três semanas associado a sudorese noturna falam a favor de infecção por Mycobactérias. Desidratação grave em paciente com CD4 < 200 sugere infecção por Criptosporidium. Colite por Citomegalovírus pode estar associado a odinofagia e/ou alterações visuais devido comprometimento conjunto desses sistemas. Diarréia com comprometimento de intestino delgado: • Diarréia aquosa, de grande volume, ocorrendo há várias semanas, com cólicas, distensão abdominal e náuseas em paciente com baixo CD4, sugere infecção do intestino delgado por Cryptosporidium, Microsporidium, Isospora belli ou Giardia. • Por ser o local de absorção dos nutrientes pode cursar com quadro de síndrome máabsortiva (esteatorréia, flatulência, fezes ácidas, edema periférico, deficiência de lipoproteínas – A, D, E e K, perda de peso). Diarréia com comprometimento do colon: • Diarréia aguda, de pequena monta, com hematoquezia e tenesmo sugerem agentes como Shigella ou Campylobacter acometendo o intestino grosso. Se a evolução for crônica é mais sugestivo de Citomegalovírus, Herpes ou Clostridium difficile. Apresentação clínica das diarréias no paciente com HIV Intestino delgado Intestino grosso Clínica Grande volume. Diarréia líquida. Ruídos aumentados. Cólicas em andar superior do abdômen. Perda de peso. Má-absorção. Desidratação. Pequenos volumes. Peristalse visível. Diarréia sanguinolenta e com muco. Tenesmo. Cólicas em andar inferior do abdômen. Patógenos Salmonella*. E. coli. Rotavírus. Giardia. Micobactéria atípica. Cryptosporidium*. Microsporidium*. Yersinia. Campylobacter*. Shigella. C. difficile. CMV. E. coli enteroinvasiva. Entamoeba Hystolitica. Gonorrhea. Devido uso freqüente de antibióticos, os pacientes apresentam maiores taxas de super proliferação bacteriana em intestino delgado (cursando com diarréia crônica e má-absorção) e por Clostridium difficile. Infecção da parede intestinal pelo HIV, possível de ocorrer quando CD4 < 100, cursa com diarréia crônica e síndrome de má-absorção. As causas não-infecciosas mais comuns de diarréia são efeito colateral de medicamentos, principalmente inibidores de protease (Ritonavir, Saquinavir, Nelfinavir, etc), sendo que os pacientes costumam relatar tal associação temporal. Cursam com diarréias líquidas de pequena quantidade e desconforto abdominal. Sarcoma de Kaposi, e Linfoma Não-Hodgkin podem cursar com diarréia. Etiologia CD4 > 200 Associada ao uso de antirretrovirais. Bacteriana ou viral auto-limitada. Giardia lambida. Entamoeba histolytica. Auto-limitada por Criptosporidium. Tuberculose. Hiperproliferação bacteriana. CD4 entre 50 e 200 Todas acima. Salmonella invasiva/sistêmica. Enterite bacteriana invasiva. Clostridium difficile. CD4 < 50 Todas acima. MAC. Crônica e grave por Criptosporidium e Microsporidium. Enteropatia pelo HIV. Colite por CMV. Exame físico Sinais de gravidade e presença de sepse indicam internação e hidratação vigorosa. T>38°C, FC>90 bpm, FR>20irm, Leucócitos>12.000 ou <4.000 ou >10% bastões Glicose >150 em pacientes não diabéticos. Débito urinário < 0,5 ml/kg/h em 2h ou Creatinina > 2 mg/dl. Acidose metabólica inexplicada. PH ≤ 7,3 com BE ≤ 5, Déficit de base > 5 meq/l, Lactato plasmático > 1,5 valores normais, Saturação Venosa de Oxigênio < 70%. • Hipotensão: PA sistólica < 90mmHg ou queda > que 40mmHg. Disfunção orgânica não explicada: Alteração do Estado Mental nova ou escala de coma de Glasgow < 13. Bilirrubinas > 3mg/dl. Plaquetas < 100.000. INR > 1,5 ou TTPa > 60 segundos. Diagnóstico Exames a serem solicitados nos casos que necessitam internação Hemograma, Eletrólitos, Uréia, Creatinina, TAP e Glicemia. Exame parasitológico de fezes. Devido a baixa sensibilidade devem ser solicitados três amostras na tentativa de isolar o agente em dias distintos. Coprocultura, especificar pesquisa de Criptosporidia, Isosporidia e Microsporidia. Pesquisa da toxina do Clostridium difficile deve ser solicitado quando história recente de uso de antibióticos e/ou hospitalização. Na presença de febre coletar hemoculturas. Tratamento 1- Ambulatorial Pacientes sem sinais de sepse e sem distúrbios metabólicos/hidroeletrolíticos. Coletar exame parasitológico de fezes e cultura para posterior acompanhamento ambulatorial. 2- Hospitalar Pacientes com febre e/ou sinais de desidratação. Se diagnosticado sepse introduzir: Ciprofloxacino 500mg 2x/dia ou Levofloxacino 500 mg 1x/dia por 5 dias, com ação contra a maioria das bactérias (Salmonella, Shigella, Yersinia, Campylobacter). Se em sepse grave usar a formulação endovenosa (Ciprofloxacina 200-400mg EV 12/12hs). Se houver suspeita de Giardia lambida ou Entamoeba hystolitica o tratamento é com Metronidazol 250 a 750 mg/dia 3x/dia ou Tinidazol 2g/dia. Nos casos de diarréia crônica , quando sem febre e sem muco ou sangue nas fezes , está indicado uso de Loperamina (ataque de 4mg, seguido de 2mg depois de cada episódio diarréico). Apesar dos antirretrovirais poderem levar ao quadro diarréico, muitas patologias permanecem incuráveis sem a reconstituição imune oferecida por esses medicamentos, por isto esses devem ser descontinuados somente em último caso, tentando-se tratamento com sintomáticos. Tratamento para os diagnósticos mais comuns Organismo Aspectos clínicos Tratamento Salmonella Quando CD4 baixo pode cursar com Ciprofloxacino 500-750mg sepse e diarréia invasiva. 2x/dia por 14 dias. Contaminação através de alimentos. Ceftriaxona EV quando CD4 < 200 por 4 a 6 semanas. Campylobacter Pode ser transmitido via sexual. Ciprofloxacino 500mg 2x/dia Quando CD4<200 pode ocorrer por 3 a 5 dias (2 semanas disenteria e bacteremia levando a quando bacteremia). acometimento extra-intestinal. Azitromicina 500mg por 3 a 5 dias quando alguma resistência a Quinolonas. Shigella Possível transmissão sexual, pode Ciprofloxacino 500mg 2x/dia ocorrer disenteria e febre. Sintomas por 3 a 5 dias. de acometimento do delgado. Giardia Gases, distensão abdominal, cólicas, Metronidazol 250 a 500mg odor fétido, pode apresentar sangue 3x/dia por 7 dias. nas fezes. Isospora Diarréia aquosa. Afebril. Entamoeba Gases, distensão abdominal, cólicas, Metronidazol 750mg 3x/dia Trimetropim/Sulfametoxazol (dose dobrada – 160/800) 4x/dia por 10 dias. histolytica odor fétido, pode apresentar sangue por 10 dias. nas fezes. Mycobacterias atípicas Exclusivo de baixo CD4: febre, perda Claritromicina 500mg 2x/dia de peso, anemia, sudorese noturna, + Etambutol 20mg/kg/dia hepatomegalia, aumento da fosfatase indefinitivamente + TAARV alcalina. Clostridium difficile Uso prévio internação. Cryptosporidium de antibióticos ou Metronidazol 500mg 3x/dia por 10 dias. Diarréia volumosa, náuseas/vômitos, IMUNOCOMPETENTE: cólicas, distúrbios hidroeletrolíticos, Nitazoxanide 500mg 2x/dia acidose em pacientes com CD4 baixo. por 3 a 5 dias. CD4<100: Nitazoxanide 500mg 2x/dia ou Paramomicina 1g 2x/dia + Azitromicina 600mg 1x/dia + TAARV. Microsporidium Diarréia aquosa, síndrome absorção, febre é incomum. má- Albendazol 400 a 800mg 2x/dia por 2 a 4 semanas. CMV Exclusivo de CD4 < 50. Colite, dor Ganciclovir 5mg/kg abdominal baixa, perda de sangue 2x/dia + TAARV. nas fezes, pode apresentar retinite. Biópsia é necessária para diagnóstico. EV Referências 1. George W. Beatty. Diarrhea in Patients Infected with HIV Presenting to the Emergency Department. Emergency Medicine Clinics of North America, vol.28, p.299-310, 2010. 2. Ronald D. Wilcox. HIV in the emergency department. In: Ellen M. Slaven, Susan C. Stone, Fred A. Lopez, editors. Infectious diseases, emergency department, diagnosis and management. McGraw Hill, medical publishing division; 2006. p.440-450. 3. Tamara L. Thomas, Elizabeth Lynch. Infectious diarrhea. In: Ellen M. Slaven, Susan C. Stone, Fred A. Lopez, editors. Infectious diseases, emergency department, diagnosis and management. McGraw Hill, medical publishing division; 2006. P.166-175. 4. 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