Entrevista do Presidente da APICER ao Semanário Vida Económica

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Entrevista do Presidente da APICER ao Semanário Vida Económica
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SEXTA-FEIRA, 14 DE NOVEMBRO 2014
Sachi participa na Equip’Hotel 2014
NEGÓCIOS
E EMPRESAS
De 16 a 20 de novembro, uma vintena de empresas lusas marcará presença no Equip’Hotel
2014. Presente no certame da capital francesa, a Sachi – Premium Outdoor Furniture
(a escoar este ano para o mercado externo aproximadamente 90% da sua produção) pretende alargar os negócios no setor hoteleiro internacional, incrementando assim as suas
exportações.
JOSÉ MANUEL CERQUEIRA, PRESIDENTE DA APICER, REFERE
Fiscalidade verde vai originar mais sobrecustos
para as atividades industriais
Ultrapassado o período
mais delicado originado
na crise económica global,
a indústria de cerâmica
está a viver um período de
reinvenção, em particular
nos subsetores não ligados
mais diretamente à
construção civil, afirma à
“Vida Económica” José
Manuel Cerqueira.
Com um crescimento
anualizado das
exportações, nos
primeiros sete meses
de 2014, na ordem
dos 4,6%, a qualidade
das matérias-primas, o
saber tecnológico e a
competência da mão de
obra e a existência de
boas unidades produtivas
tecnologicamente
apetrechadas têm
constituído fatores de
geração de maior valor
acrescentado no setor,
caraterizado por maior
diferenciação em termos
de design, qualidade e
novas funcionalidades,
acrescenta José Manuel
Cerqueira.
ALBANO DE MELO
[email protected]
Vida Económica - A cerâmica é
uma das referências da indústria
portuguesa?
José Manuel Cerqueira - A indústria cerâmica portuguesa representava em 2007 cerca de 1,6% do
volume de negócios da indústria
transformadora portuguesa. Passados cinco anos, e com os dados de
que dispomos de 2012, este número baixou para 1,1%, o que reflete
a grande ameaça sofrida pelo setor
derivada da quebra acentuada na
construção civil, por um lado, e na
perda de poder de compra sofrida
pelo mercado interno.
Assim, de um volume de negócios
global de 1284 milhões de euros registados em 2007 assistimos a uma
baixa para 879 milhões de euros em
2012. No ano 2013, este valor de-
verá ter estabilizado ou mesmo crescido ligeiramente, designadamente
por efeito da dinâmica do subsector
da cerâmica utilitária e decorativa.
Ao mesmo tempo, perderam-se
nestes cinco anos mais de oito postos de trabalho pelo fecho de um
considerável número de unidades
de produção. Estimamos que entre
unidades encerradas ou sem atividade se tenham perdido mais de 30%
de empresas.
Felizmente, assistimos a uma
reinvenção do setor, trabalhando
melhor os mercados de exportação.
Se isso não pode ser aproveitado por
alguns subsetores como o da cerâmica estrutural — tijolo e abobadilhas,
onde o volume e peso dos materiais
face ao valor tornam o produto de
difícil exportação — outros há em
que os números se mostram animadores.
Em 2013 a cerâmica portuguesa
chegou a 153 mercados internacionais e a taxa de crescimento das
exportações de produtos cerâmicos
atingiu os 3,9% (tínhamos já registado um crescimento de 3,7% em
2012 e de 2,2% em 2011).
Nos primeiros sete meses de
2014, as exportações portuguesas de
produtos cerâmicos cresceram 4,6%
face ao período homólogo anterior,
o que traduz uma performance mais
favorável do que o conjunto das exportações nacionais de bens (variação de 0,9% em comparação com o
período homólogo anterior).
O saldo da nossa balança comercial de produtos cerâmicos no fim
dos primeiros sete meses de 2014
cifrou-se nos 319,4 milhões de euros e a taxa de cobertura das importações pelas exportações ascendeu a
666,5% (a taxa de cobertura média para o conjunto de bens foi de
82,6%).
VE - No seu entender, quais os
mais determinantes fatores exógenos que tendem a bloquear o
dinamismo empresarial do setor?
JMC - A APICER tem feito uma
denúncia junto dos decisores políticos e entidades reguladoras do setor
alertando para os elevados custos de
energia em Portugal. Esses custos
influenciam drasticamente o preço
dos produtos, onde em média representam 30% do valor de custo.
E esses custos aparecem sob diferentes facetas. Desde logo, o preço
do gasóleo dos transportes. Tardando a implementação de transporte
ferroviário alternativo, é através da
via rodoviária que os produtos são
distribuídos, e não havendo vontade
política de tornar os combustíveis
mais baratos para o transporte de
contribuir para que os produtos
cerâmicos possam competir nos
mercados externos cada vez mais
pela afirmação do design, qualidade e novas funcionalidades, diferenciadoras os produtos, e não
apenas pelo preço.
VE - Qual a missão estratégica e os objetivos mais imediatos
que a nova Direção da APICER
quer protagonizar?
“Sem a participação ativa dos industriais dos setores que a APICER representa, o trabalho que desenvolvemos será sempre pouco e de pouco significado”,
afirma José Manuel Cerqueira.
mercadorias (como foi feito no setor
das pescas e da agricultura), a condição periférica de Portugal em nada
ajuda. Depois temos o imposto sobre produtos petrolíferos e energéticos, que, muito embora tenha havido uma diretiva comunitária que
isenta os processos mineralógicos, a
transposição para a legislação nacional apenas abrangeu a indústria do
cimento e não incluiu, como devia,
os processos cerâmicos.
Ainda as chamadas rendas ao
sistema energético com garantia de
rendimento assegurado aos investimentos feitos na produção e distribuição de energia que têm vindo a
originar que o gás natural, que é adquirido por valores em média abaixo dos nossos congéneres da União
Europeia, acabe, por força das taxas,
sendo um dos menos competitivos.
E, finalmente, e não menos importante a chamada fiscalidade verde,
que vai acabar por originar ainda
mais sobrecustos para as atividades
industriais, apesar da garantia da
neutralidade fiscal.
E tudo isto num discurso contraditório entre a chamada reindustrialização e o diminuir das condições
para que se invista na actividade
industrial no país. Talvez como
exemplar disso o facto de a decisão
política sobre a energia depender do
Ministério do Ambiente e não do
Ministério da Economia. A energia
é vista sob dois prismas, fonte de
receita tributária e origem de poluição, e menos como sendo o motor
do desenvolvimento económico do
país.
VE - Que singularidades específicas evidencia a indústria da
cerâmica?
JMC - Portugal tem fatores que
o tornam quase único no panorama europeu no que concerne à indústria cerâmica: matérias-primas
de excelente qualidade, um saber
tecnológico enraizado com mão
de obra especializada e capaz, boas
unidades de produção com equipamentos modernos e lay-outs otimizados. Apenas os custos de energia vêm contrariar este panorama.
Por último, queremos realçar a
capacidade que temos de acrescentar valor aos produtos de cerâmica. O setor dispõe de um centro
tecnológico que tem sido capaz
de levar até às indústrias fatores
de inovação notáveis, existindo
igualmente centros universitários
de pesquisa que se têm dedicado a
acrescentar saber a este setor. Acreditamos que estes fatores podem
JMC - A nova Direção da APICER deseja ser a continuadora do
bom trabalho que as anteriores direções fizeram, adaptando os seus
objetivos às novas necessidades
impostas por um mundo em mutação acelerada.
Desde logo, existe uma preocupação que nos parece comum a
todas as associações empresariais,
e que é a sustentabilidade económica e financeira da Associação.
Poder fazer a ponte entre as empresas e os centros de conhecimento suportados pelo Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro
com vista a acrescentar valor aos
produtos dos setores é outro ponto
inscrito nas nossas preocupações.
A procura de conhecer as necessidades do setor (e não apenas
dos associados) e poder estabelecer
linhas programáticas de atuação
para dar resposta aos anseios expressos, como o caso dos custos
energéticos é exemplo.
Para terminar, quero referir o
que escrevemos no editorial da
nossa revista “Keramica”: “Estas
algumas das nossas preocupações,
mas não a maior. Sem a participação ativa dos industriais dos setores que a APICER representa, desde logo com uma maior exigência
junto da sua associação, o trabalho
que desenvolvemos será sempre
pouco e de pouco significado.
Assim, manifesto o desejo de ver
associados mais comprometidos e
mais exigentes connosco. Só assim
valerá a pena trabalhar”.
Portugal lidera produção de cerâmica
de mesa não porcelana na União
Europeia
No panorama da União Europeia Portugal é líder destacado, em quantidade,
com mais de 50% do volume de cerâmica de mesa não porcelana, sendo
o terceiro produtor de louça sanitária (7% do total), o quarto produtor de
cerâmica utilitária e decorativa (12,5% do total), quinto maior produtor
de pavimentos e revestimentos cerâmicos (3,4% do total ), o sétimo maior
produtor de telhas (0,6% do total).
No geral, Portugal está no sétimo lugar do ranking dos produtores da União
Europeia, com um pouco acima dos 3% do volume de produção em valor,
liderado pela Itália (29,1%), seguida pela Alemanha (17,6%), pela Espanha
(12,3%), França (7,1%), Reino Unido (4,8%), e suplantando Portugal
aparece a Polónia, com 3,9% de valor.