Ação e Movimento 2004 - Faculdade Montenegro
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Ação e Movimento 2004 - Faculdade Montenegro
& movimento educação física e desportos • vol. 1 • nº 1 • março/abril 2004 Papel do tempo de reação nas ações táticas do voleibol Relação de força entre membros corporais e hemisfério cerebral Significado filosófico de qualidade de vida na educação física e esportes Desporto e humanismo: o campo do possível Do jogo com esforço ao jogo sem esforço a tlântica e d i t o r a www.atlanticaeditora.com.br & movimento educação física e desportos • vol. 1 • nº 2 • maio/junho 2004 Desenvolvimento de escolares em relação com a classe social A vontade de poder no jogo Envelhecimento e pesquisas na área da educação física Perfil de praticantes de atividade física na pista do Maracanã A experiência do risco no Alpinismo a tlântica e d i t o r a www.atlanticaeditora.com.br & ISSN 1806-9436 movimento educação física e desportos • vol. 1 • nº 3 • julho/agosto 2004 EDUCAÇÃO • • Incentivo para atividade física na escola Reabilitação cardíaca e relação aluno-professor SAÚDE • Perfil de saúde e aptidão física da população de Curitiba • Nutrição e imunidade no atleta CULTURA ESPORTIVA • Origem da capoeira • Qualidades esportivas do badminton a tlântica e d i t o r a www.atlanticaeditora.com.br & ISSN 1806-9436 movimento educação física e desportos • vol. 1 • nº 4 • setembro/outubro 2004 EDUCAÇÃO • Biomecânica no ensino esportivo • O imaginário social e prática do judô • Educação física na educação infantil SAÚDE • A incidência de lombalgias no voleibol feminino CULTURA ESPORTIVA • Handbol no Brasil e nos jogos olímpicos • A escalada e as ciências do desporto a tlântica e d i t o r a www.atlanticaeditora.com.br ação & movimento - março/abril 2004;1(1) educação física e desportos Índice Volume 1 número 1 - março/abril de 2004 E DITORIAL O movimento corporal em foco, Luiz Alberto Batista ....................................................................................... 03 A RTIGOS ORIGINAIS O papel do tempo de reação nas ações táticas do voleibol, Luís Carlos Giúdice de Andrade, Charli Tortoza, Fabiano de Barros Souza, Rodrigo Alvaro Brandão Lopes-Martins ....................................... 06 A relação de força entre membros corporais e o hemisfério cerebral de preferência de processamento, Fernando Lins Wanderley Ribeiro, Vernon Furtado da Silva, Geane Pinto O. Delgado, Andréa Kerckoff Santos, Flávia Villar ......................................................................................................................... 14 Obstáculos à contribuição da biomecânica na prática da descoberta de talentos esportivos, Luiz Alberto Batista, Flávio Chame.............................................................................................................................. 19 Um significado filosófico de qualidade de vida na educação física e esportes, Heron Beresford .............................................................................................................................................................. 26 Desporto e humanismo: o campo do possível, Jorge Olímpio Bento .......................................................... 30 Olimpismo: conciliação entre iluminismo e romantismo, Hugo Lovisolo ............................................... 39 Do jogo com esforço ao jogo sem esforço, Rui Proença Garcia .................................................................... 45 O costume e a origem da normatização no desporto, Eduardo Augusto Viana da Silva .................................................................................................................................. 53 Análise do horário mais adequado para realizar uma atividade aeróbica no município de Caratinga-MG, Marcus Vinícius de Mello Pinto, Maurício Gonçalves Pereira, Marcos Pereira Quintão ................................................................................................................................................. 57 RESUMOS ................................................................................................................................................................... 62 NORMAS DE PUBLICAÇÃO ....................................................................................................................... 67 indice+sumario+editorial.pmd 1 27/04/04, 16:00 ação & movimento - março/abril 2004;1(1) educação física e desportos Editor Luiz Alberto Batista (UERJ) Conselho editorial Antônio Teixeira Marques (Universidade do Porto - Portugal) Christian Pociello (Universidade de Paris XI - França) Eduardo Augusto Viana da Silva (UERJ) Fernanda Barroso Beltrão (UFRJ, UCB) Francisco Sobral (Universidade de Coimbra - Portugal) Heron Beresford (UERJ, UCB) Jacques de France (Universidade de Paris X - França) João Ricardo Moderno (UERJ) Jorge Olimpo Bento (Universidade do Porto - Portugal) José Manuel da Costa Soares (Universidade do Porto Portugal) José Sérgio Leite Lopes (UFRJ, Museu Nacional) José Silvio de Oliveira Barbosa (UERJ) Marco Antonio Guimarães da Silva (UFRRJ, UCB) Martha Lovisaro do Nascimento (UERJ) Paulo Coelho de Araújo (Universidade de Coimbra - Portugal) Paulo Farinati (UERJ) Ricardo Vélez Rodrigues (UFMG) Vernon Furtado de Silva (UERJ, UCB) Rio de Janeiro Rua da Lapa, 180/1103 20021-180 - Rio de Janeiro - RJ Tel/Fax: (21) 2221-4164 / 2517-2749 e-mail: [email protected] www.atlanticaeditora.com.br São Paulo Praça Ramos Azevedo, 206/1910 01037-010 - São Paulo - SP Tel: (11) 3362-2097 Assinaturas 6 números ao ano + 1 CD-ROM R$ 144,00 Rio de Janeiro: (21) 2221-4164 Representante de Assinatura: A.Shalon (11) 3361-5595 Colaboradora da redação Guillermina Arias Editoração e arte Andréa Vichi Aline Figueiredo Editor executivo Dr. Jean-Louis Peytavin [email protected] Publicidade e marketing René Caldeira Delpy Jr. [email protected] (21) 2221-4164 Administração Bárbara de Assis Jorge Atendimento ao assinante Ingrid Haig Redação e administração (Todo o material a ser publicado deve ser enviado para o seguinte endereço) Jean-Louis Peytavin Rua da Lapa, 180/1103 20021-180 - Rio de Janeiro - RJ Tel/Fax: (21) 2221-4164 [email protected] Atlântica Editora edita as revistas Diabetes Clínica, Fisioterapia Brasil, Enfermagem Brasil, Nutrição Brasil e Brasilis. I.P. (Informação publicitária): As informações são de responsabilidade dos anunciantes. © ATMC - Atlântica Multimídia e Comunicações Ltda - Nenhuma parte dessa publicação pode ser reproduzida, arquivada ou distribuída por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia ou outro, sem a permissão escrita do proprietário do copyright, Atlântica Editora. O editor não assume qualquer responsabilidade por eventual prejuízo a pessoas ou propriedades ligado à confiabilidade dos produtos, métodos, instruções ou idéias expostos no material publicado. 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Entendemos que tocar a produção de uma revista, visando a uma progressiva expansão da mesma é uma tarefa para muitos, e, fazendo uma analogia com o revezamento no atletismo, implica, de tempos em tempos, em uma necessária passagem de bastão. Cabe-nos agora o transporte do bastão e em respeito àqueles que nos antecederam, e principalmente a você, leitor, procuraremos fazer o melhor. Queremos tranqüilizar àqueles que já são assinantes deixando claro que as mudanças não irão desvirtuar a essência prevista. Continuaremos veiculando pesquisas de forma democrática, não nos pautando por restrições, sejam quais forem, e zelando, tão somente, para que sejam respeitados os elementos que deverão dar rosto e corpo a esse veículo, preservando o padrão de qualidade científica que a importância do setor nos exige. Neste número, para não comprometer a periodicidade, serão mantidas grande parte das estruturas. Futuramente iremos, paulatinamente, promovendo as alterações e inclusões necessárias ao novo cenário. No que tange a este novo cenário, um primeiro ponto tocado pelas mudanças diz respeito à abrangência temática que queríamos e podíamos abarcar, assim como o público que pretendíamos atender. Assumimos que a Educação Física não constitui um tema em si mesmo e sim um universo temático, no qual os elementos constitutivos podem comportar abordagens inimaginavelmente distintas entre si. Nestas circunstâncias organizar e veicular conhecimento, produzido a partir das problemáticas instaladas nesse ambiente, sem adotar um feixe condutor claramente delimitado, implicaria em correr o risco de conduzir um processo de pura e simples acumulação temporal de conhecimento. Em outras palavras, caso quiséssemos abarcar todo o universo, de forma irrestrita, com todas as suas possibilidades, poderíamos pulverizar o conhecimento com um tal grau de dispersão, que seria inviável a concretização de qualquer sentido de unidade que fosse, em torno de um foco comum. Isto não seria producente tendo em vista acreditarmos que um bom periódico deva ter como uma de suas características a capacidade de, no curso de sua história, contribuir para a consolidação daquilo que Gaston Bachelard denominou de Região Epistemológica, acerca de, pelo menos, um tema central. 27/04/04, 16:00 " ação & movimento - março/abril 2004;1(1) Diante de tão angustiante situação procedemos à busca por um objeto de conhecimento que nos permitisse centralizar interesses, sem restringir em excesso. No decurso desta busca tocamos em uma antiga, porém inesgotável, fonte, o Movimento Corporal. No nosso caso, há dois fatos importantes acerca do Movimento Corporal que asseguram sua importância e relevância como objeto de conhecimento, a saber: a) o profissional de Educação Física lida direta e intensamente com este elemento e b) o Movimento corporal é de fundamental importância para o ser humano. No tocante a esse segundo fato acreditamos que aceitá-lo como verdade não constitua uma tarefa de difícil realização. Vejam-se, por exemplo, as dificuldades com as quais pessoas com déficit motor se deparam para ter significativa qualidade de vida, não obstante todo o avanço tecnológico do mundo atual. O caso dessas pessoas é interessante, pois além de apontar para a relevância de estudos nesse campo, expõe, de forma evidente e inquestionável, um outro fator de qualificação de um objeto de estudo, a complexidade. O grau de complexidade que envolve o universo Movimento Corporal encontra-se ali exacerbado, muito embora não seja sua exclusividade, visto que existirá em qualquer realidade na qual esteja presente o binômio ser humano-movimento corporal, seja na Educação Física Escolar, na Academia de Ginástica, no Clube Esportivo, nos atendimentos personalizados e em tantos outros contextos. Tendo em conta que em cada um destes ambientes encontramos diferentes tipos de pessoas, cada um desses tipos com características e carências próprias, é possível imaginar a magnitude dimensional da complexidade final com a qual lidamos. Ao tomarmos o Movimento Corporal como objeto central de nosso veículo, o fazemos conscientes de que devemos nos aproximar da complexidade que o envolve, procurando, entre outras coisas, estimular o desenvolvimento da capacidade de administrar o relacionamento entre os componentes que a constituem. Mais que isso, devemos estimular a produção e veiculação de conhecimento acerca dos mecanismos técnicos de administração dessa complexidade, nos diferentes níveis de possibilidade. Nossa proposta é de atuar na construção de uma revista que, seja multidisciplinar e democrática, que possa contribuir com a efetiva construção de um pensamento coerente e pragmático acerca de objetos claramente definidos. Uma revista que mereça veicular a produção de renomados cientistas e que atenda as expectativas daqueles que precisam suprir suas necessidades de conhecimento, ajudando-os a melhorar a qualidade técnicocientífica de sua atividade laboral, e abrindo espaço para que possam proceder à exposição de suas idéias, vivências e necessidades. Deste modo a revista Ação e Movimento está compromissada com as possibilidades intencionais e funcionais, assim como com os limites da Educação do movimento ou Educação pelo movimento, partindo do princípio que todo o profissional de Educação Física é um Educador, não importando o contexto em que atue. Ela assume como premissa de base que o movimento é um dos mais importantes objetos de trabalho desse profissional e entende que suas ações, envolvendo o ser humano, devam ser guiadas por um processo intencionalmente planejado e orientado, englobando um grande número de distintos campos de conhecimento que precisam ser utilizados de uma maneira inter-transdisciplinar. Pretende promover a discussão e veicular conhecimento produzido a partir dos problemas demandados pelas tentativas de estabelecimento da interdisciplinaridade efetiva no ato de educar o movimento corporal ou educar pelo movimento corporal. indice+sumario+editorial.pmd 4 27/04/04, 16:00 # ação & movimento - março/abril 2004;1(1) Temos, portanto, a expectativa de que este veículo tenha um perfil específico que valorize as abordagens complexas, marcadas por uma intensa inter-transdisciplinaridade, e, sendo assim, entendemos que para além do conhecimento em si ele deva também estar preocupado em estimular e difundir o debate acerca da forma de construção do mesmo. Em virtude disto será dedicado um espaço às discussões epistemológicas, como forma de garantir a concretização de uma saudável e construtiva recorrência na construção do acervo resultante das publicações que se seguirem. Enfim, queremos construir, a par e passo, um veículo voltado ao estímulo de produção e veiculação de conhecimento, efetivamente aplicável ao exercício laboral do profissional de Educação Física, seja no contexto da pesquisa ou da intervenção, e que para além disso forneça informações úteis a todos aqueles que, de alguma forma, mantêm algum tipo de relação com o Movimento Corporal. Essa é a nossa delimitação, conscientes de nossas limitações. Para alcançar tais objetivos contamos com a colaboração de todos, autores e leitores, que de alguma for ma se sentem compromissados com tal tipo de propósito e ação. indice+sumario+editorial.pmd 5 27/04/04, 16:00 $ ação & movimento - março/abril 2004;1(1) ARTIGO ORIGINAL O papel do tempo de reação nas ações táticas do voleibol The role of reaction time on the tactic actions of volleyball Luís Carlos Giúdice de Andrade*, Charli Tortoza*, M.Sc., Fabiano de Barros Souza, M.Sc.**, Rodrigo Alvaro Brandão Lopes-Martins, D.Sc.* *Grupo de Pesquisas em Fisiologia e Farmacodinâmica, Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento- IP&D, Universidade do Vale do Paraíba, ** Laboratório de Biodinâmica FCS- Universidade do Vale do Paraíba Resumo Este estudo aborda a modalidade de voleibol em que o tempo de reação (TR) torna-se cada vez menor devido ao constante aumento da velocidade da bola como de deslocamento dos jogadores. Objetivo do presente trabalho foi verificar o tempo de reação das jogadoras na modalidade de voleibol feminino que participaram da Superliga Feminina de Voleibol 2002-2003. Foram analisados 21 indivíduos do sexo feminino, com idade média de 20 anos pertencentes às equipes do Tênis Clube - SJC e ao Esporte Clube União de Suzano. Para avaliação do tempo de reação foi utilizado o Sistema Computadorizado Cybex Reactor. Observou-se uma tendência para reagir prontamente aos estímulos propostos no experimento pelos atletas que atuam na posição de Líbero (0,0543s). As demais jogadoras reagiram ao teste obtendo os seguintes resultados: Oposto (0,2277s), Levantadoras (0,2478s) e Pontas (0,2747s). Os resultados obtidos pelas jogadoras LB se devem em grande parte as características das funções exercidas por estas, pois compreendem a capacidade para trocar de posição com qualquer jogadora da linha de defesa a qualquer momento que se apresente no contexto de jogo. Pudemos constatar que não houve diferenças significativas nas respostas das atletas para estímulos de ponto que simulavam o momento da emissão do sinal visual luminoso, considerado neste estudo como sendo o início da movimentação de ataque do oponente. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras-chave: tempo de reação, voleibol, percepção visual. Artigo recebido em 2 de abril de 2004; aceito em 15 de abril de 2004. Endereço para correspondência: Rodrigo Alvaro Brandão Lopes Martins, Grupo de Pesquisas em Fisiologia e Farmacodinâmica, Instituto de Pesquisa & Desenvolvimento Universidade do Vale do Paraíba, Av. Shishima Hifumi, 2911 Urbanova, São José dos Campos 12244-000 São Paulo, tel: (012) 3947-1106, E-mail: [email protected] Artigo 07 - Rodrigo.pmd 6 27/04/04, 16:00 % ação & movimento - março/abril 2004;1(1) Abstract This study makes an approach on the volleyball game where the reaction time (RT) becomes even shorter because of the continuous increases in ball as well as players velocity. The purpose of the present study was to analyze the RT of professional female volleyball players of the National Superleague 2002-2003. 21 individuals belonging to Tênis Clube - SJC and Esporte Clube União de Suzano were analyzed with a mean age of 20 years old. We used the Cybex Reactor System attached to a Pentium IV PC. Analyzing the data concerning the mean obtained by the players, it was observed a tendency to readly react after stimulation purpose on the experiment by the athletes that acts on the Líbero position (0,0543). The other players reacted as follows: oposto (0,2277), Levantador (0,2478) and Ponta (0,2747). Probably the results obtained by Líberos were due to characteristics of functions exerted by them in game situations. Its because it comprehends between other actions, the capacity of change position with any other player of the defense line at any moment or context of the game. Therefore its inferred that any athlete that acts as Líbero must have an acute perception, technical and emotional control to support the stress motivated by the constant transitions experimented in this context. Our results demonstrated no significant differences on the reaction time concerning on point stimuli that simulated the moment of the emittion of visual sign, considered in this study as being the beginning of the attack movement of the opponent. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key-words: Reaction time, volleyball and eye perception. Introdução Atualmente, todos os setores da vida humana inclusive o esporte vem experimentando uma grande evolução tecnológica propiciando melhores condições de treinamento, devido ao constante desenvolvimento de pesquisas científicas. É também cada vez maior o número de equipamentos computadorizados de última geração nos laboratórios capazes de processar e armazenar grande quantidade de dados em uma fração de segundos. Instrumentos capazes de detectar as mínimas alterações estruturais e funcionais são responsáveis pela melhoria da qualidade das pesquisas científicas [1]. As conseqüências desse avanço são percebidas no cronômetro, pois o que antes era medido em segundos, hoje pode ser mensurado em milésimos de segundos (ms). Araújo [2] conceitua que dada à complexidade da natureza humana faz-se necessário analisar esse fenômeno de forma ampla, levando em consideração para isso as múltiplas disciplinas que interagem com este em vários níveis, como por exemplo: holístico, social, bioquímico, físico, etc. O ser humano pode ser comparado a um sistema capaz de processar e armazenar grande número de informações, fato este que promove a redução do nível de incerteza. Esta capacidade de processamento dos estímulos provenientes do ambiente em que ocorre a ação é limitada no tempo e espaço, pois depende da velocidade e quantidade de informações a ser processada e transmitida [2]. Artigo 07 - Rodrigo.pmd 7 Este estudo aborda a modalidade de voleibol no qual o tempo de reação torna-se cada vez menor devido ao constante aumento da velocidade da bola como de deslocamento dos jogadores. Dessa forma, devemos levar em consideração no ato da preparação de uma equipe a capacidade dos indivíduos para adaptar certos aspectos de seus movimentos às necessidades e características presentes no meio ambiente onde as ações do jogo se desenvolvem [3]. Para Pellegrini [1], devido às características que permeiam o contexto aberto no qual se desenrolam as ações do voleibol, deve-se procurar capacitar os jogadores de diferentes posições para realizarem determinadas tarefas que envolvam o aprendizado de diferentes habilidades, similares àquelas presentes no jogo, isto é, que simulem um ambiente em constante mutação, no qual os jogadores se movimentam em função da trajetória de bola, dos diferentes estímulos inerentes ao jogo de voleibol e ao tempo disponível para a tomada de decisão. Segundo Roure et al. [4], já está bem estabelecido que a prática da imagem mental é capaz de melhorar habilidades motoras, mas a eficiência na performance esportiva depende de muitos fatores, sendo o mais importante as diferenças individuais. Freqüentemente dizemos que grandes jogos são realizados, porque um atleta reagiu mais rápido do que o outro. É verdade que a habilidade para reagir rapidamente é uma técnica vital para o sucesso de um atleta. Entretanto a reação pode ser mais precisamente descrita como reconhecimento. Em outras palavras, atletas reagem somente após terem 27/04/04, 16:00 & ação & movimento - março/abril 2004;1(1) reconhecido que precisam reagir. No voleibol, como em outros esportes há muitas coisas que os atletas precisam saber para reagirem dentro de uma determinada seqüência. Três coisas podem estimular as reações nos atletas que são: cores, sons e movimentos: ver as cores das camisas da equipe adversária fora do campo de visão de seus olhos utilizando para isso da visão periférica; distinguir sons e comandos durante o decorrer de uma partida; perceber o deslocamento de outros jogadores ao seu redor. Assim, os jogadores além de serem capazes de se movimentar dentro da área na qual o jogo se desenvolve, devem ultimamente possuir a capacidade de antecipar e reagir rapidamente para defender a tentativa de jogada quando esta vem das mãos de seu adversário. Ao analisarmos os conceitos que normatizam as ações táticas ofensivas e defensivas no Voleibol, pode-se constatar, que as habilidades para atacar e defender são desencadeadas a partir da percepção dos estímulos relevantes pelos atletas. Para Schmidt [3] são inúmeros os fatores que podem incidir e influenciar o Tempo de Reação (doravante TR), e que variam de acordo com a natureza da informação, do estímulo apresentado e da motricidade a ser realizada pelo sujeito. Outro aspecto relevante observado por Mori et al. [5] foi a constatação da existência de diferenças significativas entre os lados de execução da tarefa de TR. Em toda atividade física que envolve a performance humana, o TR se apresenta como indicador da velocidade e eficácia com as quais os indivíduos são capazes de reagir a um determinado estímulo, ou conjunto de estímulos. Segundo Vaghetti et al. [6], durante a tarefa de TR, os estímulos visuais, auditivos e táteis são decodificados pelo corpo através de diferentes processos físico-químicos e mecânicos. Para Lee et al. [7], o TR no esporte depende da atuação harmoniosa e simultânea dos sistemas visual e motor. A partir da percepção do estímulo visual, rapidamente uma resposta precisa é processada, levando em conta para isso, o tempo de contato, a força, distância, velocidade e aceleração da bola, no caso da modalidade em questão. O objetivo deste estudo está centrado, na verificação do tempo de reação e deslocamento de atletas da modalidade de voleibol participantes da Super Liga 2002/2003 e de jogadoras pertencentes à categoria juvenil. Visamos comparar os dados obtidos nos testes procurando evidenciar o tempo de reação e de deslocamento no bloqueio com o nível de desempenho físico e sua possível relação com o Artigo 07 - Rodrigo.pmd 8 fator idade, patamar de condição física e experiência no ato da predição da ação tática defensiva nas diferentes categorias. Material e métodos O trabalho foi desenvolvido no Laboratório de Biodinâmica da Faculdade de Ciências da Saúde, na Universidade do Vale do Paraíba (UNIVAP São José dos Campos), após aprovação pelo comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Paraíba. Participaram deste estudo 21 atletas voluntárias (após a leitura e assinatura do ter mo de consentimento informado) de voleibol do sexo feminino, com média de idade de 20,5 anos, e altura de 1,81 cm pertencentes às equipes do Esporte Clube União de Suzano (ECUS) e do Tênis Clube de São José dos Campos (TCSJC), ambas da região do Vale do Paraíba SP. Para caracterização da amostra, as jogadoras de voleibol foram classificadas de acordo com as funções desempenhadas em Quadra: (PT) ponta, (ME) meio, (OP) oposto, (LB) líbero e (LV) e levantador. As atletas foram submetidas ao teste para avaliação da tarefa de determinação do Tempo de Reação de Escolha, utilizando para isso o Sistema Reactor da Cybex. O Reactor da Cybex é um equipamento computadorizado que fornece uma variação de sinais visuais luminosos, ao qual o atleta deve reagir, o mais rápido possível. O equipamento que compõe o Sistema Reactor da Cybex é constituído por um microcomputador Pentium 100, ligado a um monitor de televisão (29 polegadas), situado na parte dianteira de uma plataforma verde de borracha (2,60 m x 3,56 m), dotada de oito círculos sensíveis à pressão dos pés. O atleta vê na tela do computador um mapa do assoalho com as plataformas nas quais aparecem os sinais luminosos programados neste experimento (Figura 1). O protocolo elaborado para a realização dessa pesquisa foi programado para ser utilizado em laboratório e visa proporcionar aos atletas estímulos luminosos randômicos (luz vermelha, azul e verde) como indicado na figura 1. Procedimento experimental Os voluntários se posicionavam em pé à frente da plataforma do Reactor da Cybex. Este teste consiste basicamente em aferir a reação do jogador a partir da percepção de um estímulo visual pré- 27/04/04, 16:00 ' ação & movimento - março/abril 2004;1(1) estipulado pelo Reactor (luz verde). O sinal luminoso desencadeará uma resposta motora direcionada a uma das quatro plataformas dispostas de forma ordenada neste protocolo (um e dois à direita, três e quatro à esquerda). Em cada teste, o estímulo de vídeo para a avaliação da tarefa do TR de escolha inicia com a apresentação de 3 segundos para fixação de dois pontos na tela, seguido da apresentação randômica dos estímulos (pontos) previamente programados para cada um dos testes que compõem este protocolo. Os estímulos sucessivos foram apresentados na razão de 33 ms cada. Foi requisitado que os atletas participantes escolhessem de forma rápida e precisa uma direção, ou seja, a plataforma indicada na tela após o estímulo luminoso. Os testes propostos neste protocolo foram repetidos de forma sistemática por seis vezes para cada atleta. A resposta do jogador tem início, quando o atleta reage ao perceber o estímulo movimentando um dos pés na direção da plataforma indicada. Após a realização de cada teste foi apresentado pelo Sistema Reactor da Cybex um gráfico contendo informações sobre o respectivo teste, no caso específico deste estudo, o TR de escolha do jogador participante. Foram realizadas três sessões para coleta de dados. Duas sessões para as equipes do TCSJC e ECUS, para reconhecimento do equipamento e validação do protocolo a ser empregado na tarefa do TR de escolha (resultados descartados) e a segunda para aquisição de dados. Em cada sessão, o atleta foi submetido a um protocolo contendo seis testes programados randomicamente. Nas sessões para aquisição de dados foram mensurados 126 testes no total da amostra. Antes de cada sessão, os participantes dedicaram toda a atenção às explicações concernentes à natureza da tarefa e prática do teste até que eles se familiarizassem com o protocolo. Análise dos dados Este protocolo permite a determinação do TR de escolha dos atletas em cada teste realizado. Os resultados coletados da amostra foram analisados estatisticamente a fim de se verificar a média (medida da tendência das ações apresentadas por todas as atletas participantes do teste), o desvio padrão, o coeficiente de variabilidade, e o melhor resultado (MR) que se caracteriza por ser a melhor resposta aos estímulos apresentados às jogadoras durante a realização do teste. Os dados obtidos pelas atletas na tarefa de TR foram separados de acordo com as funções Fig. 1 Esquema ilustrativo do equipamento Cybex Reactor, utilizado para medida da tarefa de TR de escolha, mostrando o monitor com o esquema de cores que indica a plataforma que deve ser ocupada pelo voluntário. Artigo 07 - Rodrigo.pmd 9 27/04/04, 16:00 ação & movimento - março/abril 2004;1(1) específicas (ME, PT, OP, LB e LV) da modalidade em questão. A fim de propiciar a visão destes dados foram elaborados gráficos para cada posição. Gráfico 3 - Representa o tempo de reação (TR) das jogadoras de voleibol que atuam na posição de Ponta, após estímulo visual emitido pelo sistema Cybex Reactor para ambos os lados. Os dados estão representados como média e erro padrão da média. Resultados A análise dos dados referentes ao teste para mensurar o TR de escolha das jogadoras da posição de meio (ME, n = 11) mostra uma oscilação nos TRs das atletas (mínimo 0,287 ms e máximo 0,438 ms). Com base nestes resultados pode-se perceber que 27% das atletas necessitaram de aproximadamente meio segundo (0,5s) para reagir aos estímulos. O gráfico 01 mostra uma tendência, embora não significativa, das jogadoras de meio se deslocarem mais rapidamente para a esquerda (gráfico 1). Gráfico 1 - Representa o tempo de reação (TR) das jogadoras de voleibol que atuam na posição de Meio, após estímulo visual emitido pelo sistema Cybex Reactor para ambos os lados. Os dados estão representados como média e erro padrão da média. Gráfico 2 - Representa o tempo de reação (TR) das jogadoras de voleibol que atuam na posição de Oposto, após estímulo visual emitido pelo sistema Cybex Reactor para ambos os lados. Os dados estão representados como média e erro padrão da média. Artigo 07 - Rodrigo.pmd 10 Gráfico 4 - Representa o tempo de reação (TR) das jogadoras de voleibol que atuam na posição de Líbero, após estímulo visual emitido pelo sistema Cybex Reactor para ambos os lados. Os dados estão representados como média e erro padrão da média. De acordo com os dados apresentados pelas jogadoras que cumprem com a função de Levantadoras (LV, n = 05) constatou-se que a capacidade para reagir rapidamente a estímulos coube a uma jogadora desta posição (TR = 0,256 ms) (gráfico 2). Os dados apresentados pelas atletas que atuam como ponta (PT, n = 09), demonstram que as reações das participantes oscilaram entre 0,261 ms (a mais rápida) e 0,471 ms (a mais lenta). As atletas que jogam na posição de ponta apresentaram uma tendência, embora não significativa, de se deslocarem mais rapidamente para o lado direito (gráfico 3). No entanto, seria necessário um número maior de voluntários para confirmar este dado. As atletas que atuam na posição de Líbero (LB, n = 03) mostraram grande equilíbrio nos TRs apresentados (gráfico 4). Constata-se isso ao analisar 27/04/04, 16:00 ação & movimento - março/abril 2004;1(1) as respostas das jogadoras nos respectivos testes. Observou-se ainda, que as atletas que atuam na posição de líbero apresentaram os valores de TR mais baixos entre todas as que participaram dos testes (0,0543s). Ao se comparar os dados referentes ao TR das equipes do TC/Cadsoft e ECUSuzano, constatouse uma tendência entre as jogadoras testadas em reagir mais rapidamente para o lado esquerdo, ou seja, para a plataforma 4. Das vinte e uma atletas (n=21) de ambas equipes que participaram da segunda bateria de testes, cerca de quatorze (14) reagiram mais prontamente para o lado esquerdo. Entretanto, apenas sete (7) foram mais rápidas para o lado direito, ou seja, cerca de 67% das jogadoras participantes reagiram em um menor tempo (ms) para o lado esquerdo e 33% para o lado direito. Discussão O presente estudo avaliou a capacidade de reação das jogadoras da modalidade de voleibol (ECUS e TCSJC) de diferentes posições nas tarefas realizadas em laboratório com cenários construídos não específicos ao voleibol. O experimento mostrou que não houve diferenças significativas nas respostas das atletas na condição de TR de escolha para estímulos de ponto que simulavam o momento da emissão do sinal visual, considerado neste estudo como início da movimentação de ataque do oponente. Em recentes estudos realizados por Mori et al. [5] na modalidade de Karatê envolvendo no experimento de TR atletas experientes e iniciantes, constatou-se, que não houve diferenças significativas nas respostas dos participantes, tanto no experimento de TR simples, como quanto para o de estímulo de ponto, sugerindo que ambos reagem da mesma maneira no ato da detecção de estímulos visuais não específicos ao Karatê. Esses dados corroboram com nosso estudo na medida em que se constata, mesmo se tratando de modalidades esportivas diferenciadas a reação dos atletas pode ser considerada similar, pois estas, estão condicionadas ao momento da percepção do estímulo e o TR gasto no processo de tomada de decisão. Com relação à tarefa de determinação do TR Mori et al. [5] observaram a existência de uma diferença significativa entre os lados de execução. Já Chimura et al. [8] preconizam que o TR não depende do lado do membro que irá executar a tarefa (direito ou esquerdo). Faz-se necessário esclarecer que há um consenso no âmbito da pesquisa esportiva que atletas Artigo 07 - Rodrigo.pmd 11 experientes mostram-se mais capacitados para reagir nas tarefas envolvendo cenários realistas quando exigem que estes acessem as habilidades perceptivas do esporte, enquanto sua vantagem é relativamente pequena ou quase inexistente em tarefas simples utilizadas para analisar funções sensoriais básicas [9]. Neste estudo, a análise dos dados foi realizada com base na comparação de resultados estatísticos. Através do TR obtido em resposta ao estímulo proposto pelo Reactor da Cybex foram calculados a Média, o DP, o CV e o Melhor resultado (MR). Confrontando os testes das jogadoras de ME com os das atletas que ocupam as demais posições (PO, OP, LB e LV) foi realizado o teste da distribuição t de student não pareado. Analisando-se os dados concernentes, a Média obtida pelas jogadoras, podese observar uma tendência para reagir prontamente aos estímulos propostos no experimento pelos atletas que atuam na posição de Líbero (0,0543). As demais jogadoras reagiram ao teste obtendo os seguintes resultados: Oposto (0,2277), Levantador (0,2478) e Ponta (0,2747). Provavelmente os resultados obtidos pelas jogadoras Líbero se devam em grande parte às características da função exercidas por estas, pois compreendem entre outras ações, a capacidade para trocar de posição com qualquer jogador da linha de defesa a qualquer momento e contexto que se apresente no contexto de jogo. Constata-se, portanto, que a atleta que atua na posição de Líbero deve possuir grande capacidade perceptiva, domínio técnico e emocional para suportar o estresse motivado pela constante transição vivenciadas neste contexto. Com relação aos dados referentes ao desviopadrão apresentado pelas jogadoras neste estudo, estes revelaram um grande equilíbrio entre os resultados obtidos. As atletas das diferentes posições obtiveram os seguintes resultados: Levantador (0,3994), Ponta (0,4847) e aqueles que atuam como Oposto (0,3878). Estes dados servem como indicadores do nível de equilíbrio. Quanto às jogadoras Líbero, estas apresentaram um baixo nível de variabilidade, ou seja, uma pequena diferença em seu desvio-padrão (0,0536), inferior em relação às atletas de outras posições. Ao avaliarmos os resultados referentes ao coeficiente de variância constatou-se que houve novamente similaridade nos índices obtidos. Podese perceber isso ao analisarmos os baixos índices de variabilidade contidos nas respostas das atletas das posições Levantador (0,4788), Ponta (0,4900) e Oposto (0,2341). Observa-se também, que a baixa variabilidade presente nos resultados apresentados pelo LB (CV = 0,0772), corrobora com o exposto 27/04/04, 16:00 ação & movimento - março/abril 2004;1(1) até aqui, reforçando que talvez seja devido às características da sua posição, estes indivíduos possuam a capacidade para se manter regulares em diferentes momentos de uma partida. Nos dados referentes ao Melhor resultado (MR), as atletas das posições Oposto (MR = 0,005) e Ponta (MR = 0,0998), que atuam nas extremidades da rede, foram as que demonstraram melhor capacidade para reagir rapidamente aos estímulos visuais luminosos. As jogadoras das demais posições obtiveram os seguintes resultados: Levantador (MR = 0,1351 ms), Líbero (MR = 0,4084 ms). Neste caso, talvez isso se deva as suas características, pois as atacantes Oposto e de Ponta foram preparadas para pensar e escolher rapidamente a opção mais adequada ao contexto que se apresenta, devido ao tempo de tomada de decisão ser muito curto nessa modalidade [10]. Como evidenciado neste trabalho, são muitas as habilidades motoras necessárias à prática do voleibol de alto nível. Quanto mais elevado o padrão tático praticado pelas equipes, mais complexas serão as ações motoras devido ao número de escolhas estímulos-respostas envolvidas no processo decisório em se tratando de atividades competitivas rápidas. Constatou-se que os atletas que possuem maior capacidade para reagir prontamente a estímulos luminosos na tarefa de tempo de reação (TR) de escolha são os jogadores que cumprem atualmente com a função de Libero (LB), em comparação com os atletas das demais posições (Ponta = PT; Meio = ME; Oposto = OP e Levantador = LV) na modalidade de voleibol feminino. Nesse sentido, ressalta-se que a capacidade de reação motora a estímulos complexos desponta como sendo determinante nos esportes de alta competição. No caso do voleibol, os atrasos resultantes do número de alternativas estímulosrespostas presentes no contexto da ação podem deter minar o sucesso por se tratar de uma modalidade que envolve habilidades rápidas. Outro aspecto relevante refere-se à estratégia ou tática (individual e coletiva) aplicada às atividades competitivas rápidas e sua relação de interdependência do tempo de reação de escolha no ato da realização do gesto motor. Assim, quanto maior for o número de escolhas estímulos-respostas a ser enfrentado pelos atletas, maiores serão os atrasos de processamento. Acredita-se que a capacidade pontual apresentada pelos Líberos para reagir rapidamente deve-se, em grande parte, às características específicas Artigo 07 - Rodrigo.pmd 12 inerentes às funções defensivas as quais estes atletas são expostos nos treinamentos e jogos. Faz-se necessário ressaltar que o alto nível de exigência vivenciado pelos atletas durante a execução das tarefas supracitadas desponta como sendo um dos fatores motivadores da habilidade em questão. Devido às características normativas atuais do voleibol, os Líberos são levados a vivenciar constantes alterações de ordem tática (substituições), ou seja, os atletas são expostos ao estresse físico, técnico, tático, mental e emocional. Outro fator específico ao jogador desta posição diz respeito às características das funções defensivas relacionadas ao tempo de reação, pois este atua interceptando as ações ofensivas (ataques) provenientes da quadra adversária cuja velocidade de vôo da bola é superior a 100km/h, fato este que requer grande capacidade de previsão, antecipação, movimentação e posicionamento em questão de milésimos de segundo (ms). Após refletir sobre a relevância do presente estudo constatou-se que para melhorar o tempo de reação e assim atingir resultados expressivos no voleibol, é necessário que se desenvolva um acervo motor potencialmente variado já na fase de iniciação. Portanto, para se reagir prontamente aos estímulos presentes no jogo, é necessário que seja desenvolvida nos futuros jogadores a devida habilidade coordenativa, variada, capaz de suplantar as situações complexas que se apresentam no contexto do voleibol. Conclui-se que uma preparação baseada nas funções altamente técnicas exercidas pelos Líberos, apresenta-se como uma oportunidade para a formação de uma geração capaz de contribuir para que novos patamares de rendimento sejam alcançados pela Seleção Brasileira de Voleibol Feminino. Referências 1. 2. 3. 4. 5. Pellegrini AM. O desenvolvimento da atenção em crianças: implicações teóricas e práticas. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v.3, n.45, p. 50 - 54, 1988. Araújo CS. 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Q J Exp Psychol, v.35, p.333-346, 1983. 13 8. Chimura J, Nazer K, Kaciuba U. Choice reaction time during graded exercise in relation to blood lactate and plasma catecholamine thresholds. Int J Sports Med, v.15,n.4, p.172-176, 1994. 9. Helsen WF, Starkes JL. A multidimensional approach to skilled perception and performance in sport. Applied Cognitive Psychology, v.13, p.1-27, 1999. 10. Carvalho OM. Voleibol moderno: o ensino e a técnica dos fundamentos a tática de ataque e defesa. Brasília: MEC, 1980, p.44. ♦ 27/04/04, 16:00 " ação & movimento - março/abril 2004;1(1) ARTIGO ORIGINAL A relação de força entre membros corporais e o hemisfério cerebral de preferência de processamento Relationship between corporal body members and cerebral hemisphere preference processing Fernando Lins Wanderley Ribeiro *, Vernon Furtado da Silva*, Geane Pinto O. Delgado*, Andréa Kerckoff Santos*, Flávia Villar** * Mestrado em Ciência da Motricidade Humana/ PROCIMH/ UCB, Laboratório de Neuromotricidade II/ LABIMH/ UCB-RJ, ** Fundación Educacional Sagrados Corazones de Concepción/Chile Resumo O presente estudo investigou a possível relação entre capacidade de produção de força e a preferência de processamento hemisférico em relação aos membros corporais. Pressupostos teóricos ditam que as eferências neuro-motoras ocorrem de forma cruzada. Neste estudo esta noção teórica foi abordada através da perspectiva de que indivíduos de preferência de processamento hemisférico para eventos racionais, analíticos e de fala (hemisfério esquerdo) pudessem ter uma maior produção de força em membros superiores e inferiores contra-laterais, todavia, traçando-se a possibilidade de que a preferência hemisférica esquerda pudesse definir uma relação ipsi-lateral dos membros corporais em estudo. Participou do evento, uma amostra de 50 alunos de ambos os gêneros na faixa etária compreendida entre 14 e 17 anos, estudantes do ensino médio da rede particular de ensino no Rio de Janeiro. Esta amostra foi submetida ao teste de CLEM para a identificação da preferência de processamento hemisférico. Após a identificação da hemisfericidade, os mesmos foram distribuídos, de acordo com os resultados, em três grupos hemisféricos distintos, ou seja, hemisféricos direitos (HD), hemisféricos esquerdos (HE) e Bi-hemisféricos (BH). Posteriormente os grupos foram ainda submetidos a um teste de força isométrica máxima para os músculos flexores do antebraço e extensores da perna para o qual foi utilizado um transdutor de força MP 100 A CE acoplado ao equipamento Biopac systems. Os resultados indicaram que os mecanismos relacionados à produção de força parecem não ter uma relação exclusiva com o hemisfério esquerdo como foi hipoteticamente proposto. Embora as análises de variância feitas tanto para os membros superiores quanto para os inferiores não tenham revelado resultados que pudessem indicar a superioridade de um hemisfério sobre o outro em força isométrica, nos casos de hemisfericidade direita ou esquerda, foi observada uma relação positiva em produção de força de acordo com a preferência de processamento hemisférico. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras chave: hemisfericidade, força, adaptações neurais. Artigo recebido em 15 de março de 2004; aceito em 15 de abril de 2004. Endereço para correspondência: Vernon Furtado da Silva, Rua Guernica 100, CEP 22795-210, Edifício Pablo Picasso. Recreio dos Bandeirantes RJ. Tel: (21) 8883-1767, E-mail: [email protected] Artigo 08 - Vernon.pmd 14 27/04/04, 16:00 # ação & movimento - março/abril 2004;1(1) Abstract The present study investigated the possible relationship between force production and the cerebral hemispheres processing preference as related to the body members. The presupposed theoretical notion was that the neuromotor efference occurs in a crossed way. That is, the right hemisphere innervating the left side of the body and the left one, the right side. In this study we looked to the possibility of a direct relationship between the participants preferable processing hemisphere for rational, analytic and speech events and a larger production of force of the contralateral members, as compared to the same side ones. The hypothesis was that processing preference of the left hemisphere would prevail upon the crossed version of the body members applied force. For the study a sample of 50 students of both goods was selected in the age group comprised between 14 and 17 years, students of the net peculiar teaching of Rio de Janeiro. Later the sample group was submitted to the test of CLEM for the identification of the preference of hemisphere processing. After the identification of these individuals hemisphericity, the same ones were distributed in three different groups; nominated as right hemisphere (HR), left hemisphere (HL) and Bi-hemisphere (BH) groups. The components of each group were still submitted individually to a test of maximum isometric force for the flexors of the forearm and extending of the leg. It was used, for both cases, a force transdutor model AP 100 A - CE coupled to the Biopac systems. The statistics indicated no superiority in force production between the hemisphere groups, in spite of a considerable tendency for that when related to left and right hemisphere processing preference groups. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key-words: hemispherecity, force, neural adaptation. Introdução A força é uma qualidade física que está presente em todos os eventos motores e a luz dessa visão Sherrington, citado em Bear, Connors e Paradiso [1], definiu: ¨Mover coisas é tudo que o homem pode fazer. Para tanto, o único executante é o músculo, tanto para sussurrar uma sílaba quanto para derrubar uma floresta¨ entender os mecanismos neurais físicos/ químicos desta se torna fundamental para o desenvolvimento do individuo seja ele de aprendizagem, performance motora ou para manutenção da saúde e melhoria da qualidade de vida. Dentre as diferentes abordagens quanto ao ganho de força podemos citar: a hipertrofia (aumento do diâmetro do músculo), hiperplasia (aumento do numero de fibras musculares) e as eferêcias/aferências neurais que Pollock e Wilmore [2] definiu como: ... à produção de força não se dá somente pelo aumento do número de fibras musculares ou aumento da circunferência do músculo, mas se dá também pela combinação dos seguintes processos: um aumento no número de unidades motoras ativadas, grau de ativação ou um aumento da sincronização do estímulo desencadeador da unidade motora. Outros fatores que podem influenciar no desenvolvimento da força muscular são: recrutamento e sincronização de unidades motoras [3], compri- Artigo 08 - Vernon.pmd 15 mento inicial do músculo ativado, ângulo e velocidade da ação articular, armazenamento de energia e mudança no comprimento do músculo [4]. Por ser a força uma das valências presentes em todos os eventos motrizes ela precisa ser mensurada sempre que se deseja qualificar e ou quantificar um músculo ou grupos musculares, quando se propõe qualquer tipo de treinamento, esta mensuração é útil no sentido de, tanto prevenir lesões como promover uma sobrecarga a um determinado trabalho. O processamento de informações oriundas do córtex cerebral é quem dita as contrações e/ou somente intenções de contrações, pensar o movimento, para se atingir um ganho de força, para isto uma gama de estruturas se conectam para elaborar, executar e controlar os eventos motrizes, estruturas estas que são principalmente: tálamo, cerebelo, gânglios da base, APM, AM. É fato, na literatura correspondente, que o resultado destas elaborações mentais no sistema somático atua de forma cruzada. Cabe citar que as fibras axonais que descem do córtex cerebral pelo braço posterior da cápsula interna e formam a via córtico-espinhal provenientes das células de Betz são grandes células piramidais na camada cinco, passam por um processo de cruzamento no bulbo do tronco encefálico e vão constituir o trato córtico-espinhal lateral. Este segue o seu trajeto até o funículo lateral da medula, transmitindo as ordens que vão controlar os movimentos voluntários dos músculos que constituem os vários membros do nosso corpo. 27/04/04, 16:00 $ ação & movimento - março/abril 2004;1(1) Como nem todas as fibras cruzam desta forma, uma minoria das fibras da via córtico-espinhal, que permanece em seu trajeto inicial, dão origem a via córtico-espinhal anterior e seguem em direção ao funículo anterior da medula, sendo, esta via, a responsável pelo controle voluntário dos músculos axiais e da cintura pélvica. A configuração anatômica destas fibras que se cruzam permitem o controle que o cérebro exerce de forma contralateral. Sendo o hemisfério esquerdo responsável por eferências motoras do lado direito e, o hemisfério direito, pelas eferências motoras do lado esquerdo. Além desta característica indivíduos tendem a ter uma preferência de processar informações em um dos hemisférios ou em ambos, além do que cada hemisfério tem estruturalmente um perfil. O que é confirmado por Alencar [5]: O que tem sido proposto é que cada hemisfério cerebral teria sua especialidade: o esquerdo seria mais eficiente nos processos de pensamento descrito como verbais, lógicos, enquanto o hemisfério direito seria especializado em padrões de pensamento lógicos e analíticos que enfatizam percepção, síntese e o rearranjo geral das idéias. Sendo por isso que é tão comum encontrarmos, no nosso dia-a-dia, indivíduos com hemisfericidade à esquerda com habilidades motoras mais precisas confirmando o conceito que se refere à especialização cerebral. O hemisfério esquerdo produz movimentos mais precisos da mão e da perna direita do que o hemisfério direito é capaz de fazer com a mão e a perna esquerda (na maioria das pessoas). Pelos estudos de Gardner [6], constata-se que o estudo do sistema nervoso revelou uma arquitetura espantosamente bem organizada, com inacreditável especificidade em aparência e organização. Mesmo não sendo semelhantes em suas organizações, as diferenças na organização parecem estar intimamente ligadas a diferenças nas funções às quais diferentes partes do cérebro servem. Bryden [7], desenvolveu um modelo de função cerebral que aponta para uma dominância dos hemisférios cerebrais para processar habilidades específicas, sendo às do hemisfério direito relativas ao processamento de organizações holísticas e funções não-verbais e o hemisfério esquerdo, informações analíticas e verbais.O presente estudo vem tentar focar os eventos pertinentes à força em ordem estrutural para isso reproduz Da Silva [8]. As funções biofísicas estruturais do SN são as de natureza mecânica cuja geração está implicitamente associada à condição de gestão do neurônio sobre os músculos do corpo. Katz [9] evidencia o hemisfério esquerdo como o responsável pelos processos verbais, lógicos e Artigo 08 - Vernon.pmd 16 analíticos, enquanto o hemisfério cerebral direito seria especializado em padrões de pensamento que enfatizam percepção, síntese e o rearranjo geral de idéias. A atividade do hemisfério cerebral direito seria especialmente relevante para a criatividade musical e artística, facilitando o uso de metáforas, intuição e outros processos geralmente associados com a criatividade. Material e método Amostra A amostra do presente estudo foi composta por 50 indivíduos dos gêneros masculino e feminino, escolhidos aleatoriamente, estudantes da rede particular de ensino do Rio de Janeiro. Os sujeitos da amostra compreendiam a faixa etária entre 15 e 17 anos e foram divididos em 3 grupos por preferência de processamento hemisférico: hemisférico direito, hemisférico esquerdo e bi-hemisférico e ainda sendo submetidos a um teste isométrico de força dos músculos flexores do antebraço. Instrumentos Os instrumentos utilizados para operacionalização da pesquisa objetivam a identificação da preferência de processamento hemisférico e o quantitativo de força dos participantes do estudo. Para isso foi utilizado o teste de CLEM para a hemisfericidade e o transdutor de força AP100 ACE acoplado ao Biopac Systems realizado nos músculos flexores do antebraço para aferir força. Teste de Clem O teste de CLEM (movimento conjugado lateral dos olhos) é correlacionado por parâmetros científicos com índices altamente significativos, comparados aos resultados obtidos através da eletroencefalografia e a tomografia por emissão de prótons [10], cujo objetivo é detectar as tendências de preferência de processamento hemisférico. Alguns cuidados na aplicação do teste devem ser tomados, como, por exemplo, aplicá-lo quando o indivíduo apresentar condições físicas, mentais e emocionais adequadas aos procedimentos e objetivo da testagem, evitando desta forma distúrbios visuais, auditivos e patologias que indisponham o organismo à testagem e que possam prejudicar a realização das tarefas mentais solicitadas. O presente teste foi aplicado com o indivíduo sentado em uma cadeira a dois metros de distância 27/04/04, 16:00 % ação & movimento - março/abril 2004;1(1) da filmadora, estando este cercado por uma cortina preta que tem o principal objetivo de isolar o participante dentro da cabine das influências do meio externo. Foi reproduzida uma fita de áudio, com questões pertinentes à natureza de cada hemisfério, sendo cinco perguntas analíticas e cinco espaciais. A reação contra-lateral dos olhos foi registrada pela filmadora e analisada durante o processamento de sua resposta. Os resultados foram aferidos através das imagens registradas na fita de vídeo, assinalando também o movimento conjugado dos olhos nas fichas contendo as figuras, do tipo: ¨Face de relógio¨(anexo V), conforme Borg (1983), citado por Fairweather e Sidaway [10]. Posteriormente foi feita uma análise entre os registros das imagens e dos cartões para garantir a fidedignidade dos resultados. A cabine de teste, como já descrita, tem uma dimensão de 2m² fechada por uma cortina, contendo uma mesa e uma cadeira, uma câmera filmadora VHS, modelo Sansung, uma cartolina branca, medindo 30 cm X 10 cm e um questionário contendo perguntas relativas a processamentos pertinentes ao hemisfério direito e esquerdo. Teste de força Para se determinar a força isométrica máxima destes músculos foi utilizado um transdutor de força M -100ACE fixado a uma base rígida (por meio de uma corrente), situação a qual permitia um perfeito equilíbrio na execução da força máxima. O outro lado do transdutor foi fixado também, através de uma corrente, a uma barra reta ou a uma manopla padrão utilizada em salas de musculação. O transdutor foi conectado ao equipamento Biopac systems. Teste de força isométrica máxima dos flexores do ante-braço Para a realização do teste de força o indivíduo foi posicionado em decúbito dorsal sobre um colchão metrado no chão com os dois joelhos estendidos, estando o comprimento da corrente ajustado para permitir que o cotovelo do indivíduo estivesse numa posição de 90º determinado por meio de um goniômetro. Nas execuções a manopla foi utilizada e o indivíduo foi colocado numa posição em que a sua cabeça ficasse voltada para a base fixa do transdutor e a pegada utilizada foi a do tipo supino para evitar a contração do tríceps braquial. Ao comando, o indivíduo tinha que realizar a flexão do cotovelo o máximo que pudesse durante 5 segundos, puxando Artigo 08 - Vernon.pmd 17 a manopla presa a base fixa, realizando assim, uma contração isométrica dos flexores do antebraço. Teste de força isométrica máxima dos extensores da perna Para a realização do teste de força dos membros inferiores, o atleta foi colocado na posição sentada, de maneira que seus pés não pudessem encostar no chão. O comprimento da corrente foi ajustado para permitir que o joelho do indivíduo ficasse numa posição de 90º, determinado através de um goniômetro. Ao ouvir o comando, o atleta tinha que realizar extensão do joelho o máximo que pudesse, puxando a corrente presa por uma cinta ao tornozelo e também presa à base fixa, realizando assim, uma contração isométrica dos extensores da perna. Procedimentos Após a aplicação do teste de CLEM, o grupo foi divido em três, por preferência de processamentos hemisféricos distintos, ou seja, bi-hemisféricos (BH), hemisféricos direitos (HD) e hemisféricos esquerdos (HE). Posteriormente, os indivíduos foram testados para se verificar a quantidade de força máxima na execução da flexão do antebraço e extensão de perna em ambos os membros, para isso foi utilizado o transdutor de força acoplado ao equipamento MP 100A CE do Biopac Systems. Os testes de base foram realizados de forma individual em ordem randômica relativas aos participantes de cada grupo, a ordem dos testes foi o teste de CLEM, a seguir o teste de força com o transdutor de força acoplado ao equipamento M 100A -CE do Biopac Systems. Tratamento estatístico Os dados oriundos dos testes acima mencionados foram estudados através de estatística descritiva e inferencial. Na descritiva foram utilizadas a média e o desvio padrão, enquanto que na inferencial optou-se por uma Análise de Variância (ANOVA) para os dados relativos aos membros superiores e outra, em relação aos membros inferiores como descrito nos procedimentos. Em ambos os casos foi previsto um teste posterior para identificação de possíveis diferenças entre hemisférios dos grupos testados. O ponto referencial para os testes das hipóteses foi de alpha < a 0,05. Dados que não corresponderam ao comportamento normal, não foram incluídos nos testes. 27/04/04, 16:00 & ação & movimento - março/abril 2004;1(1) Tabela 1 - Dados médios e desvios-padrão dos grupos nos testes de força e os respectivos resultados das ANOVAS realizadas associativamente aos membros superiores e inferiores. Grupos Hemisfério direito Hemisfério esquerdo Bi-hemisféricos Escores MS Média 1,68 0,59 1,65 DP 4,92 8,05 1,8 Escores MI Média -1,948 -3,718 -3,136 DP 9,5 12,71 10,35 Resultados Referências Para apresentação das médias e desvios-padrão nos testes de força em ambas dimensões (membros inferiores e superiores), foi utilizada a Tabela 1. Considerando-se a não significância em diferenças entre os grupos, não foi necessária a utilização dos testes posteriores previstos. Em conclusão, portanto, os eventos relacionados à produção de força parecem não ter uma relação exclusiva com o hemisfério esquerdo como foi hipoteticamente proposto. As análises de variância feitas tanto para os membros superiores, quanto para os inferiores não revelaram significância estatística que pudesse indicar a superioridade de um hemisfério sobre o outro na produção de força isométrica. Porém o estudo indicou uma relação positiva com o hemisfério de preferência de processamento, em cada tipo hemisférico, fato que torna este resultado um valioso indicativo à possibilidade de que a hemisfericidade diagnosticada em um indivíduo possa servir como instrumento para se identificar membros corporais potencialmente mais fortes para desportos afins. 1. Artigo 08 - Vernon.pmd 18 Dados Anova Dados membros superiores F (2,21)0,756 = 0,482;p>0,05 Dados membros inferiores F(2,21)0,054=0,947; p>0,05 Bear MF, Connors BW, Paradiso MA. Neurociências. Desvendando o sistema nervoso. Coordenação de Tradução: Jorge Alberto Quillfeldt, et al. Porto Alegre: Artmed, 2002. 2. Pollock ML, Wilmore JH. Exercícios na saúde e na doença. Pensilvânia: Medsi, 1993 3. MacDougall JD, Wenger HA, Green H.J. Physiological Testing of the high performance Athlete. 2. ed. Champaign, IL: Human Kinetics, 1991. 4. Wilmore JH, Costill, D.L. Physiology of Sport and Exercise, Champaign, IL: Human Kinetics, 1994. 5. Alencar EMS. Criatividade. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1993, p.58. 6. Gardner H. Estruturas da Mente. A teoria das Inteligências Múltiplas. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1994. 7. Bryden F, Kenze L. Operational Processing. Journal of Rehabilitation and Training. New York, v.2, p. 125-128, 1990. 8. Silva VF. Treinamento neurogênico bio-operacional: Uma perspectiva da aprendizagem motora. In: Pereira RVA. Força aspectos básicos do treinamento. Rio de Janeiro: AZ, 2002. 9. Katz R. Configurations of the Mind Exercise. Chicago: Press,1978. 10. 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Partindo dessa motivação o presente ensaio expõe e examina o conceito de talento esportivo, pondera acerca do necessário grau de especificidade relacionado ao tema e desenvolve considerações sobre sua complexidade, a qual decorre da combinação de múltiplos fatores determinantes. São apresentados diferentes tipos de detecção de talentos, e dentre eles é apontado aquele que consideramos ser o mais profícuo. Finalmente é visto de que maneira a Biomecânica pode contribuir e os constrangimentos que dificultam a efetivação dessa colaboração na prática. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras-chave: talentos esportivos, seleção, evolução. Abstract The discovery, selection, evolution and consummation of sportive talents are common and frequent practices at the sphere of high-level sports. We believe that Biomechanics knowledge can be used to contribute towards the scientific consistence of that process. The main object of this essay is to show and examine the concept of sportive talents; ponder about the necessary degree of specificity related to the theme; and develop considerations concern its complexity. It is shown different ways to detect talents, and, among them, it is pointed out the one which we consider as being the more profitable. Finally, it is shown how Biomechanics can contribute and the constraints that make difficult to achieve the expected results. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key-words: sport talents, selection, evolution. Artigo recebido em 20 de março de 2004; aceito em 15 de abril de 2004. Endereço para correspondência: Luiz Alberto Batista, UERJ, Programa de Pós-Graduação do IEFD/UERJ, Rua São Francisco Xavier 524, 12o andar, bloco A 12016, 20000-000 Maracanã, Rio de Janeiro RJ, (21) 2587-7535 Artigo 04 - Luis Alberto.pmd 19 27/04/04, 16:00 ação & movimento - março/abril 2004;1(1) Introdução O talento Em diferentes campos de atividade humana como, por exemplo, as artes cênicas, a música e os esportes, freqüentemente deparamo-nos com o uso da expressão talento, que carreia em si noções como aptidão natural, ou habilidade adquirida [1]. No geral, ela é utilizada para designar elevada capacidade individual de realização. O talento, em termos concretos, é resultado da interação entre aptidão natural e habilidade adquirida. Visto desta forma ele depende de fatores individuais intrínsecos ou endógenos, os quais estão intimamente ligados à aptidão natural, e de fatores externos ou exógenos ao individuo, que vão influenciar na qualidade das habilidades adquiridas. Além disso, assim como está relacionado com capacidade individual, o talento também incorpora a idéia de uma vinculação delimitada, seja a uma área, ou atividade, ou tarefa, o que nos leva a discuti-lo em termos de seu grau de especificidade. No âmbito da educação física e dos esportes, o termo talento, pela noção implícita em sua essência conceptual, está intimamente vinculado à perspectiva do alto rendimento esportivo, visto este último como meta final de um processo geralmente de médio a longo prazo. O trabalho de identificação de talentos esportivos, por exemplo, é de fundamental importância para o melhor desenvolvimento de esportes competitivos, pois o desenvolvimento de jovens atletas significa também a consolidação de uma massa critica relativa ao setor. Assim o é, tendo em vista o fato de que o indivíduo apresentará uma melhor evolução de suas habilidades desportivas se for encaminhado às práticas para as quais apresentem potencial [2]. Portanto, neste contexto, a expressão talento é utilizada tendo em conta a possibilidade evidente da imediata obtenção de elevados resultados esportivos ou a suposta capacidade para obtê-los, sendo que nessa segunda perspectiva faz-se uma estimativa com base em indicadores possíveis de serem identificados quando o praticante ainda está nos estágios iniciais de envolvimento com a prática desportiva. O esporte de competição é um contexto no qual se faz necessário o alto rendimento, ...uma área especial no qual se revelam e comparam unificadamente as possibilidades humanas (forças físicas, espirituais e a habilidade de utilizá-las de maneira racional) [3]. Esse alto rendimento não pode ser alcançado por qualquer indivíduo, pois é preciso estar apto para tal desen- Artigo 04 - Luis Alberto.pmd 20 volvimento. Diante disto é compreensível que a referência a talento seja freqüentemente utilizada no universo do esporte de competição. Orientados por estas razões, é possível diferenciarmos o talento desenvolvido ou consumado, vinculado a uma modalidade ou disciplina desportiva, do talento potencial, ou seja, o suposto talento, prenunciado pela presença de critérios subjetivos, ou objetivos, ou ambos e ainda inespecífico, por estar em sua forma latente, posição reforçada, em certa medida, por alguns autores. A posição de alguns autores reforça, de certo modo, as colocações acima aludidas. Segundo Nadori [4], talento é uma faculdade ou um grupo de faculdades de certas especificidades, notavelmente superiores à medida que, sem obstáculos, devem manifestar-se e que resultam da interrelação de fatores endógenos e exógenos. Para Beyer [5], a idéia do talento está vinculada a expressões como: habilidades otimamente desenvolvidas; atitudes motoras que podem ser detectadas cedo; experiência de movimento incluindo alta diferenciação; maestria de movimento; potencial acima da média para realizar façanhas atléticas; pré-requisitos específicos para um tipo de esportes combinados com fatores psicológicos que habilitam o indivíduo para executar excelentes performances. Thieb [2], a sua vez, explica que talentoso é o jovem que apresenta um alto grau de probabilidade para progredir no treinamento de uma determinada modalidade, conseguindo atingir estágios elevados de proficiência. Marques [6] esclarece que ...um talento é um indivíduo com determinadas características biopsíquicosociais que, perante determinadas condições, deixa antever, com segurança, a possibilidade de obtenção de elevados rendimentos.... Para além do item precocidade, advém do exame dos conceitos de talento desportivo a idéia de que o mesmo é resultado da ótima combinação de aspectos diversos, dentre os quais podemos citar os culturais, os antropológicos, os biomecânicos, os familiares, os comportamentais ou psicológicos e motores. A prática da plena descoberta de talento desportivo, principalmente nos casos de talento latente, é, portanto complexa. Ela exige a atenção simultânea e interagente aos vários fatores que implicam em sua existência, e é preciso não perder de vista o fato de que ela não finda com a mera detecção inicial. Caracteriza-se como sendo uma tarefa que exige um processo longitudinal organizado e calcado em bases metodológicas que possibilitem a evolução do talento latente até que o mesmo se configure e até 27/04/04, 16:00 ação & movimento - março/abril 2004;1(1) que o possamos identificar em sua for ma manifesta , o que chamamos de talento consumado. Para que o processo proporcione resultados positivos, no fluxo de eventos que compõem a descoberta de talento desportivo, sucedem-se a detecção, a seleção, a evolução e a consumação do talento para uma modalidade desportiva. Em função do caráter altamente genérico presente na fase latente, a detecção e seleção devem ocorrer em uma fase na qual predomine a prática desportiva variada, ou seja, quando o indivíduo, em exame, está imerso em um universo prático multivariado e rico em experiências motoras, sociais, psicológicas, fisiológicas e outras. Nesta mesma fase, tendo passado o instante da detecção e seleção propriamente dita, deve iniciar-se o processo de evolução do talento. É importante perceber que nesta fase é intenso o desenvolvimento global do indivíduo, sendo necessário, a todo o momento, verificar se tem em conta o equilíbrio entre desenvolvimento e aprendizado. À medida que o indivíduo vai avançando, a prática vai sendo lapidada, consolida-se uma particularização e o processo culmina nas subseqüentes etapas de evolução do talento. Nesta seqüência, chegamos ao instante em que o trabalho deve ser desenvolvido no contexto de uma determinada modalidade ou disciplina desportiva. Neste fluxo de eventos, necessariamente, tem que ser identificada uma progressiva especialização esportiva. Em um curso de eventos assim configurado, a descoberta de talento ocorre com maior segurança, respeitando, simultaneamente, a lógica do aperfeiçoamento desportivo imprescindível à evolução do talento potencial. Tipos de detecção Partindo desta reflexão pedagógica e tendo em conta o fato da evolução de um indivíduo talentoso ser resultado de um processo que ocorre a longo prazo, é possível distinguir três momentos e, conseqüentemente, três formas diferentes em que a descoberta de talento pode ocorrer, a saber: descoberta prognóstica, descoberta tardia ou ex post facto e descoberta como processo. A descoberta prognóstica é aquela que ocorre precocemente e se baseia na idéia de que é possível fazer previsões a partir de valores obtidos em idade precoce. Pelo seu caráter de precocidade este tipo de descoberta de talento viabiliza ampla intervenção sobre os fatores relacionados à otimização da evolução do talento. Artigo 04 - Luis Alberto.pmd 21 A descoberta tardia ou ex post facto é aquela que ocorre em momento próximo ao limite final do processo de evolução do talento, quando várias características que poderiam ter sido trabalhadas através de estratégias pedagógicas já se consolidaram. Devido ser tardia, ela implica menor poder de intervenção positiva sobre fatores relativos a otimização da evolução do talento, pois trabalha com quadros mais próximos do definitivo. Esta delimitação será tanto mais restritiva quanto mais tardia ocorrer à detecção. A descoberta como processo é aquela que ocorre precocemente e continua acontecendo no decurso da evolução do talento. Sua principal característica é a possibilidade de serem arquitetadas estratégias pedagógicas no sentido de melhor encaminhar a progressão evolutiva do quadro como um todo e, com isso, obter a consolidação das habilidades especificas, inerentes a especificidade do momento. Tal encaminhamento torna viável a reorientação periódica do processo por inter médio de uma ampla inter venção sobre os fatores relacionados à otimização da evolução do talento. Destas breves considerações acerca da prática da descoberta do talento desportivo emerge a complexidade de tal evento. Por isto, independente de qual seja a forma de seleção em curso, somos levados a elevar a importância da posse de conhecimentos que desvelem de maneira clara a maior quantidade possível de aspectos multifacetados que compõem o talento e sua evolução. Sendo assim, é possível examinar a possibilidade de aplicação de um determinado conjunto de conhecimentos ao trabalho de descoberta de talentos esportivos a partir de uma dentre as três diferentes formas acima apresentadas. No entanto, Marques nos alerta quanto aos riscos presentes na escolha de talentos para uma especialidade, em função do fraco valor preditivo de resultados iniciais e em virtude da precocidade que envolve a ação. É muito arriscado antecipar, de forma restritiva e definitiva, como uma criança estará, por exemplo, dez anos depois. São incontáveis as variáveis em foco. Concordamos com tal ponto de vista e por isto é nossa opinião que a descoberta de talentos esportivos mais segura é aquela que se efetiva no decorrer de um processo, no qual tal evento vai acontecendo em estágios consecutivos e o indivíduo vai sendo orientado em direção ao seu possível melhor campo de atuação; ou seja, na descoberta de talentos vista como um processo. Tendo em vista o fato de confederarmos este modelo como mais adequado, 27/04/04, 16:00 ação & movimento - março/abril 2004;1(1) resolvemos analisar a questão da aplicação da biomecânica pela ótica que ele determina. Não temos dúvidas de que a biomecânica é um dentre os vários ramos das ciências do esporte que podem colaborar com o processo de descoberta de talentos esportivos. No entanto, para entendermos como se dá esta aplicação, é fundamental, em primeiro lugar, estimar que tipo de contribuição efetiva ela pode prestar e, para isso, é preciso não perder de vista que possuir proficiência na prática de um esporte qualquer significa ser proficiente, também, na execução de movimentos corporais específicos, ou seja, em técnicas motoras relativas às modalidades esportivas em foco. Técnicas motoras Como se sabe, técnica, de um modo geral, ... é o modo de fazer de forma mais hábil, mais segura, mais perfeita algum tipo de atividade, arte ou ofício...[7]. No que diz respeito à motricidade do ser humano, referimo-nos a técnica tomando-a como o equivalente à habilidade motora [8], a qual apresentase concreta e visivelmente a nós por intermédio das figuras cinemáticas, possíveis de serem vistas no ato da execução prática e que são resultantes da movimentação combinada dos diversos segmentos corpóreos, ou, dito de outra forma, por cadeias biocinemáticas [9]. Diante deste conceito vê-se que a presença da técnica motora pode ser identificada em diferentes situações. Escrever, abrir uma porta, tocar piano, pintar um quadro, guiar um automóvel, subir em um ônibus, comer, respirar, erguer uma carga do solo e acariciar a pessoa amada. São alguns dos infinitos exemplos em que o ato motor é utilizado para realizar uma tarefa, muito embora na maioria dos casos não seja ele a totalidade do ato. Em certa medida, para cada uma destas situações é possível falar da presença de uma técnica motora adequada, ou seja, uma configuração motórica que viabiliza a melhor forma de alcançar o objetivo pretendido. Evidentemente, como já aludimos anteriormente, não pretendemos reduzir estas realizações unicamente ao contexto motor. Tocar verdadeiramente um instrumento, por exemplo, depende de muitos outros elementos para além do ato motor, pois não é esta uma ação puramente mecânica. O que afirmamos, com certeza, é que um comportamento motor adequado é um fator que, aliado a outros tais como os de ordem cognitiva e psíquica, vai contribuir de forma significativa para a Artigo 04 - Luis Alberto.pmd 22 boa execução de um instrumento musical, o que também é verdade para outros tipos de realizações. Em se tratando de pedagogia do esporte, a perspectiva de professores é que seus alunos consigam expressar, após terem vivenciado um certo tempo de exercitação, formas motrizes pertencentes ao conjunto tipológico das técnicas motoras. Para isso, buscam trabalhar especificamente com as formas de movimento que possibilitem o melhor cumprimento de tarefas motoras impostas pelas práticas esportivas. Estas técnicas identificam-se com aves, tais como: o toque no voleibol, o chute no futebol, o drive no tênis de mesa, o salto sobre o cavalo na ginástica olímpica, o salto ornamental e o salto ejambée na ginástica rítmica esportiva. Por tudo isso é correto dizer que a expressão técnica motora tipifica ...um método motor... utilizado ...para resolver uma tarefa motora, ou, mais exatamente, para alcançar um objetivo motor...[10]. Especificamente no nosso caso, ela nomeia uma seqüência especifica de movimentos usados na resolução de tarefas motoras em situações de esporte [11]. Quando observamos um aluno realizando um nado no estilo crawl atentos a fase de recuperação dos membros superiores e constatamos que ele arrasta a mão sobre a água ou recupera o segmento corporal de forma baixa e muito lateralizada, afirmamos que ele está contrariando a execução técnica de movimento. Este julgamento é baseado no fato da expressão motora em observação estar em desacordo com aquela que certamente levaria a resultados mais próximos dos melhores esperados para aquele tipo de atividade. Geralmente, no caso da natação, o que se quer é cobrir uma distância prédefinida no menor espaço de tempo possível. No primeiro caso há desperdício de energia, enquanto que no segundo há a quebra do alinhamento lateral [12]. Somente somos capazes de exprimir esta opinião, ou seja, de dizer que o gesto motor realizado não está de acordo com a melhor movimentação prevista, porque temos na memória a configuração da técnica motora correta para este caso. Temos a posse mental daquilo que Jürgen Weineck chamou de ...um modelo técnico ideal típico...[13]. Há, entretanto, que se tomar cuidado e atentar para a carga de significado incorporada na palavra ideal utilizada pelo citado autor. A cobrança da perfeição na execução de uma técnica motora esportiva não precisa ser levada ao extremo, pois há que se respeitar um certo grau de individualidade para cada executante. Donskoi [14], ao tratar do tema padronização e individualização da técnica motora esportiva, propõe 27/04/04, 16:00 ! ação & movimento - março/abril 2004;1(1) que a técnica motórica seja vista segundo dois tipos diferentes de modelos. Um que admite tolerâncias consideráveis da execução e outro, muito preciso, segundo o qual estas diferenças devem ser insignificantes. Segundo este ponto de vista, a tentativa de desenvolver um modelo do segundo tipo, ou seja, um modelo extremamente inflexível, significa tentar fazer a técnica igual para todo e qualquer tipo de praticante. Por outro lado, o investimento sobre o modelo que admite alguma flutuação leva-nos a conhecer e respeitar a variabilidade da técnica relativa a adaptação individual. Neste caso, deve ser tomado o cuidado de que nenhuma regra por exemplo biomecânica fundamental seja transgredida. O autor complementa dizendo que ...individualização consiste em pôr a técnica em concordância com as particularidades do... praticante, ... para garantir uma alta efetividade dos esforços. A individualização é obtida mediante o reflexo das capacidades positivas dos desportistas na técnica... [1]. No caso do processo de descoberta de talentos a situação é muito mais complexa, pois não interessa somente saber o quanto a execução de momento está distante do modelo ideal típico. É muito mais importante reconhecer no aluno se ele tem em forma latente os elementos necessários para um dia, no futuro, executar o melhor gesto técnico daquela modalidade esportiva ou, até mesmo, de outra que não se encontra em foco no momento. O que se espera identificar, no caso dos indivíduos talentosos, são expressões motoras que indiquem suas melhores potencialidades, de forma que seja possível estruturar a orientação para uma progressiva e racional caminhada a especialização. Como vimos há alguns parágrafos, estas técnicas se manifestam por intermédio de indicadores cinemáticos os quais, juntamente com os dinâmicos, são amplamente estudados no campo da biomecânica. A Biomecânica Os autores e especialistas concordam que entre as diferentes tarefas da Biomecânica a mais forte talvez seja aquela que diz respeito ao estudo de técnicas motoras. Tendo em vista esta competência, que pode ser definida como uma marca registrada desse ramo das ciências do esporte, uma das possibilidades é que ela atue como coadjuvante no processo de detecção de talentos voltando-se, especificamente, ao acompanhamento da evolução da técnica motora do desportista em formação. Já se pode perceber que este campo de conhecimento vai atender a alguns poucos dos muitos Artigo 04 - Luis Alberto.pmd 23 aspectos do mosaico factual que é a descoberta de talentos e, por isso, de antemão, podemos descartar por completo a possibilidade da biomecânica em si mesma, em qualquer momento, constituir a totalidade de um processo de descoberta de talento. Não é producente acreditar que um ramo da ciência, qualquer um, vai fazer mais do que aquilo que sua delimitação epistemológica viabiliza. Com base nestas considerações, explorar a relação entre biomecânica e técnica motora parece ser um bom ponto de partida. Hochmuth[15], Hegedus[l6], Hay[17], Whired[18], Baumann[19] e Esparza[20] são alguns dos autores que estabelecem esta relação. Em linhas gerais eles argumentam que a biomecânica tem como uma de suas principais tarefas a investigação da técnica esportiva. Explicam que durante os anos em que tal trabalho tem se desenvolvido foram elaboradas muitas técnicas de pesquisa e que muitos conhecimentos acerca da mecânica contida nas habilidades motoras esportivas foram elaborados, várias alterações foram introduzidas no ambiente da prática esportiva, equipamentos esportivos foram produzidos e muitas lesões induzidas pela prática esportiva foram compreendidas e puderam ser evitadas pelo uso de estratégias preventivas. Ao analisar mos a produção mundial em biomecânica do esporte, entre 1986 e 1996, constatamos que os autores não estão equivocados. No período examinado a técnica motora esportiva foi o objeto de estudo de mais de 50% das investigações realizadas. Do ponto de vista de uma epistemologia histórica, estes fatos são de fundamental importância, pois, quanto mais se investiga um determinado fenômeno ou objeto, mais apuradas se tornam as técnicas utilizadas para fazêlo. Por isto, podemos dizer que a biomecânica do esporte tem depurado sua capacidade de, no mínimo, examinar e descrever as técnicas motoras esportivas, o que lhe proporciona uma grande capacidade de elaborar conhecimentos acerca delas. Em decorrência destes achados é possível que se estabeleça uma analogia conclusiva. Como a biomecânica tem se mostrado cada vez mais qualificada para fazer considerações científicas acerca da técnica motora esportiva, e tendo em vista o fato de que o trabalho de detecção de talento pode ser profundamente enriquecido através de uma compreensão mais apurada das técnicas motoras em foco, é lógico supor que a biomecânica é fundamental para o processo de detecção de talentos. Muito embora haja um certo grau de verdade contido nesta analogia, ela deve ser vista com certo 27/04/04, 16:00 " ação & movimento - março/abril 2004;1(1) cuidado, pois há uma diferença fundamental entre o fato da biomecânica poder ser útil ao processo de detecção de talentos e o dela estar pronta para sê-lo. As dificuldades de aplicação A biomecânica, infelizmente, não produziu conhecimento significativo a ser utilizado no processo de detecção de talento, muito embora, como já dissemos, já seja possível, no atual estado da arte de tal campo do conhecimento científico, fazê-lo. Esta inadequação pode ser claramente percebida através do exame de umas poucas situações. Tendo em conta que, quanto mais cedo tivermos a preocupação em orientar o desenvolvimento de talentos, maiores serão as possibilidades de sucesso na empreitada, é coerente pensar que a criança será uma clientela fundamental nesse tipo de trabalho. Quando falamos em criança é preciso não perder de vista o fato que nos depararemos com mudanças no padrão de movimento com a progressão do tempo. É importante ver que ...algumas dessas mudanças vão ocorrer em função do crescimento e desenvolvimento natural do corpo humano e que outras são aprendidas por intermédio da prática... [21]. Também é importante notar que o gesto motor de um aprendiz em tenra idade está distante, em termos de qualidade cinemática, da técnica final pretendida. No que tange à aplicação da biomecânica, dita do esporte, no contexto do processo de descoberta de talentos, a característica de mutabilidade progressiva e contínua na técnica motora é a chave e ao mesmo tempo um dos grandes problemas. Dizemos que é a chave, pois ela nos informa que o processo em foco deve ser entendido como uma seqüência de eventos mutáveis e que as mudanças no comportamento motor do indivíduo, no que diz respeito à execução de alguma tarefa motora esportiva, não ocorrem abruptamente. O próximo gesto, após a primeira execução, certamente ainda manterá diferenças importantes quando comparado com o modelo ideal típico previsto. Nestes casos, o que mais aflige ao administrador do processo e o desconhecimento do gesto que virá a seguir. Desta forma, seria importante que a biomecânica fornecesse informações adequadas à solução desta inquietação. A apresentação dos fenômenos inerentes ao processo, para estarem de acordo com as características mencionadas e serem informações úteis, deveriam apresentar o que chamamos de eventos seqüenciais. Em outras palavras, deveriam esclarecer não a técnica, como um Artigo 04 - Luis Alberto.pmd 24 comportamento pontual final, mas apresentar os vários gestos de execução motora que irão se sucedendo desde as primeiras tentativas até a aquisição mais próxima ao modelo ideal típico. Exatamente neste ponto é que a característica de mutabilidade passa a ser o grande problema, pois as pessoas que têm atuado no campo da investigação biomecânica não têm se preocupado em gerar este tipo de conhecimento. As técnicas motoras investigadas são aquelas apresentadas pelos atletas de alto rendimento. Acreditamos que este problema poderia ser minimizado com a geração de modelos informativos. Denominamos modelo informativo aquele que propomos para ser utilizado por professores no processo de ensino de habilidades motoras desportivas. O nome traduz exatamente o propósito que esperamos que ele cumpra, ou seja, o de fornecer ao professor o maior número possível de informações acerca da biomecânica envolvida na técnica desportiva objetivada. Com base nos resultados de nosso trabalho de investigação sobre o tema [9], somos levados a propor que o modelo a ser utilizado nos processos de descoberta de talentos contenha características daquele que Donskoi tipificou como standard, porque aceitálo como tal significa determinar as bases ...técnicas que devem manter-se iguais para todos na etapa contemporânea. Neste caso, obrigatoriamente se prevê a tolerância das flutuações de adaptação individuais...[14]. Não obstante aceitarmos esta característica de generalização como sendo uma particularidade necessária, entendemos que o modelo deva ultrapassá-la, apresentando-se como um descritor do formato de habilidades motoras especificas do esporte, do metamorfismo contínuo típico do decurso de um processo o qual, como já aludimos, envolve ao mesmo tempo aprendizado, crescimento e desenvolvimento. Cumprido estes requisitos o modelo poderá ser utilizado com o propósito de balizar os caminhos a serem seguidos no trabalho de encaminhamento dos candidatos à mudança de estado de execução de habilidades motoras. Precisar uma configuração de modelo que atenda ao trabalho de administração do processo de descoberta de talentos não é o suficiente. Antes de podermos utilizar este modelo é preciso que ele esteja disponível, e isso, como já dissemos, constitui um grande problema no estado da arte da modelação em biomecânica, pois não existe um repertório de modelos quantitativa e qualitativamente suficientes para atender aos propósitos apresentados. 27/04/04, 16:00 # ação & movimento - março/abril 2004;1(1) No entanto, os fatos nos mostram que a biomecânica tem elaborado modelos que não atendem a estas perspectivas por diferentes motivos. Os métodos e procedimentos de investigação utilizados não são adequados à construção das informações adequadas; as técnicas motoras investigadas têm sido demasiadamente fragmentadas, o que faz com que a complexidade real que cerca o fenômeno em estudo não apareça nas descrições; a evolução das habilidades motoras, do ponto de vista de uma abordagem desenvolvimentista, tem sido pouco estudada; a grande maioria dos poucos modelos disponíveis apresenta quadros motores consolidados de atletas de alto rendimento. Conclusão Com certeza o campo de investigação da biomecânica reúne muitas das condições necessárias à geração de conhecimentos que podem efetivamente ser aplicados nos processos de detecção de talentos esportivos. Uma delas, talvez a mais aparente, é a capacidade de trabalhar com o objeto técnica motora esportiva. Porém, também temos a certeza de que o atual estado da arte deste campo de conhecimento dificulta em muito esta aplicação. No entanto, isto não constitui um severo impedimento por sabermos que é possível atuar ativamente no contexto da produção de conhecimento, de forma a elaborarmos informações adequadas tais como os modelos informativos. Entendemos que esta produção não pode ser completada em um curto espaço de tempo, pois a demanda por informações é muito grande e diversificada. Por outro lado, é importante que o processo seja deflagrado e que seja instituída uma nova lógica de produção em biomecânica, a qual, neste caso especifico, estará voltada para a melhora do repertório técnico-científico a ser utilizado nos processo de detecção de talentos esportivos. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. Referências 20. 1. 21. Ferreira ABH. Novo dicionário da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. Artigo 04 - Luis Alberto.pmd 25 Thieb Günter. Training-objetives, tasks and principles. In: Harre Dietrich (ed.). Principles of sports training. 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USA: Benchmark Press, 1989. p. 277. ♦ 27/04/04, 16:00 $ ação & movimento - março/abril 2004;1(1) ARTIGO ORIGINAL Um significado filosófico de qualidade de vida na educação física e esportes Philosophical meaning of quality of life in physical education and sports Heron Beresford* *Universidade Castelo Branco, Centro de Ciências Humanas, Programa de Pós-graduação Strictu Sensu em Ciência da Motricidade Humana- UCB-RJ Resumo O presente ensaio apresenta uma reflexão filosófica acerca da expressão qualidade de vida, na educação física e esporte. Para operacionalizar tal reflexão, são apresentadas, primeiramente, algumas considerações iniciais sobre o significado axiológico e ontológico dos termos qualidade de vida. Posteriormente é apresentado um significado: axiológico do termo qualidade, ou o valor como qualidade estrutural; ontológico do termo qualidade, ou as qualidades empíricas dos seres ou objetos do conhecimento, e de ente/ôntico e existencial do termo de vida, corpo e corporeidade. Na conclusão é apresentada uma possibilidade de inserção da expressão qualidade de vida no contexto da educação física e esportes. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras-chave: qualidade, vida, axiológico, ontológico, existencial. Abstract This essay presents a philosophical reflection on the expression quality of life, in physical education and sports. To start it, the first thing aims at presenting some initial considerations about the axiologic and ontologic meaning of the expression quality of life. Then, significance is presented: the axiology of the word quality or value as a structural quality; the ontology of the word quality or the empirical qualities of the beings or objects of knowledge; plus the ente/ontic and corporeity. The conclusion presents the possibility of the introjection of the expression quality of life into the context of physical education and sports. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key-words: quality, life, axiologic, ontologic, existential. Artigo recebido em 10 de fevereiro de 2004; aceito em 15 de abril de 2004 Endereço para correspondência: Heron Beresford, Universidade Castelo Branco, Centro de Ciências Humanas, Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Ciência da Motricidade Humana UCB-RJ, Av. Santa Cruz 1631, 21710250 Realengo- RJ, Brasil Artigo 02 - Heron.pmd 26 27/04/04, 16:00 % ação & movimento - março/abril 2004;1(1) Introdução Atualmente a expressão qualidade de vida tem sido muito utilizada no contexto de diferentes áreas do conhecimento humano. Se observarmos com atenção tal expressão veremos que o significado da mesma gira em torno de uma análise e interpretação de seus dois termos essenciais, ou seja, qualidade e vida. Todavia, pode-se perguntar: a) o que é qualidade? ; b) há diferentes tipos de qualidade? ; c) se há, a que tipo de qualidade estamos nos referindo?; d) onde encontrá-las?; e finalmente, e) o que se entende por vida? O significado de qualidade de vida, no contexto de educação física e esportes, pode ser abordado através de diferentes perspectivas e, sem dúvida, todas elas muito importantes para que obtenhamos uma compreensão e explicação a mais ampla possível sobre o tema em questão. Sem desmerecer outras interpretações possíveis, este artigo objetiva, em termos gerais, enfocar o tema da qualidade de vida numa visão eminentemente filosófica. Para consecução de tal objetivo, são estabelecidos os alvos específicos de: - Apresentar uma reflexão sobre o significado axiológico e ontológico do termo qualidade; - Expor uma visão sobre o significado existencial do termo vida e; - Inserir esses significados dos termos qualidade e vida no contexto da educação física e esportes. Uma reflexão sobre o significado axiológico e ontológico do termo qualidade O termo qualidade tem sido utilizado, via de regra, como uma categoria essencial para se caracterizar ou distinguir muitas teorias, como, por exemplo, a da qualidade total. Como não poderia ser diferente, nas teorias relativas ao movimento humano, este fato também tem ocorrido com freqüência e na grande maioria das vezes, associado ao termo de vida. Entretanto, torna-se indispensável que sejam encontradas algumas referências básicas, para que possam ser respondidas as perguntas colocadas na introdução deste trabalho, ou seja: - O que é qualidade? - Existem diferentes tipos de qualidade? - Se existem, a que tipo de qualidade estamos nos referindo? - Onde encontrá-las? Tais indagações podem ser elucidadas, entre outras teorias, no âmbito da axiologia ou teoria dos valores, e Artigo 02 - Heron.pmd 27 também da ontologia estrito senso ou da teoria dos objetos, através de uma rápida retrospectiva em torno de alguma questão relacionada com o tema do conhecimento humano, e das problemáticas da gnoseologia e/ou epistemologia, mais especificamente com as questões relacionadas com a origem e essência de tal conhecimento, onde é possível se esclarecer a relação entre o sujeito cognoscente e o objetivo cognoscível. Um significado axiológico do termo qualidade ou o valor como qualidade estrutural Frondizi [1] define os valores como sendo uma qualidade estrutural através das seguintes palavras textuais: A nosso juízo, a irrealidade do valor deve ser interpretada como uma qualidade estrutural. Uma estrutura não equivale a soma de suas partes, ainda que dependa dos membros que a constituem, tais membros não são homogêneos. A estrutura não é abstrata, como são os concertos, senão concreta individual. Uma orquestra sinfônica é um claro exemplo de estrutura. Se se interpreta a irrealidade do valor como qualidade estrutural se explica o seu caráter, aparentemente contraditório de depender das qualidades empíricas em que se apóia, porém, ao mesmo tempo, não poder reduzir-se a tais qualidades. Por tudo isso, Frondizi [1] lembra que não devemos confundir o valor com uma estrutura e sim considerá-lo com uma qualidade estrutural que surge da reação ou da relação de um sujeito frente às propriedades ou às qualidades que se encontram num objeto. E mais, que essa reação ou relação não ocorre de forma indeterminada ou no vazio, mas sim numa situação física e humana determinada. Portanto a referida situação ou a instância onde o valor, ou a qualidade axiológica, é conectado às qualidades empíricas do objeto cognoscível, qualidades ontológicas, deve ser considerada como um fato essencial e não simplesmente acessório. Isso porque tal conexão afeta direta e simultaneamente ambos os seus integrantes, por conseguinte, o estabelecimento e a manutenção estrutural, ou de significado, dessa indispensável e indissolúvel relação entre o sujeito e o objeto do conhecimento. Um significado ontológico do termo qualidade ou as qualidades empíricas dos seres ou objetos do conhecimento As qualidades empíricas são relativas aos objetos físicos ou concretos do conhecimento, que por isso mesmo são também consideradas como ontológicas: estrito senso falando, dividem-se, de acordo com suas 27/04/04, 16:00 & ação & movimento - março/abril 2004;1(1) propriedades ou características, em primárias e/ou secundárias. As qualidades empíricas ou ontológicas primárias são aquelas indispensáveis para caracterizarem a existência concreta de todo e qualquer objeto físico, sejam estes naturais ou culturais. Estas qualidades são, basicamente, a extensão em três dimensões, a impenetrabilidade, e a massa. Já as qualidades empíricas ou ontológicas secundárias recebem esta denominação porque não são comuns a todos os objetos físicos e que por isso mesmo caracterizam apenas alguns deles. Entre outras dessas qualidades podem ser citadas: a cor, o sabor, o cheiro, o sexo e a força. Um significado de ente/ôntico e existencial do termo de vida, e também dos termos corpo e corporeidade O termo ente, com o significado de ser, provém, respectivamente, da tradução das palavras, on do grego e ens do latim, assim como também de siende e sein do alemão. Também o termo ente é utilizado como tradução da expressão grega to on e da expressão alemã das seiend, que corresponde ao particípio presente, função adjetiva, do verbo ser. É por este motivo que o termo ente aparece na filosofia de Heidegger [2], para designar o ser que existe ou o ser em concreto. Desta forma, passa-se a chamar o ser que existe em sua realidade concreta também pela dominação de ente. É interessante registrar que na filosofia Heideggeriana, que corresponde à fase conhecida como a do primeiro Heidegger, da sua obra ser e tempo. O ente ou o das Seiend, a que ele se reporta, é um ente que corresponde exclusivamente à existência concreta do ser humano, ou em outras palavras, do homem em sua existencialidade como um caminho de acesso ao ser e ao tempo, e que, por seu caráter de totalidade, se distingue dos demais entes existentes na realidade concreta como, pedras, árvores, animais etc. Com relação ao termo ôntico, que tem sua origem no termo grego on, ontos significando o ser aquilo que é, segue-se na mesma linha do pensamento Heideggeriano a respeito do termo ente, na medida em que a palavra ôntico foi criada por Heidegger para designar o Dasein ou o ser ai, em sua existência concreta, para distinguilo do ser ontológico, que diz respeito ao ser em geral. Resumindo estas considerações sobre a ontologia ou a ciência que estuda o ser, pode-se dizer que o Artigo 02 - Heron.pmd 28 adjetivo extraído do ser em geral, ou metafísico, é conhecido por ontológico. Enquanto que o adjetivo sugado do ser em particular, ou do ente existente com concreto, é denominado por ôntico. Nessa mesma linha do pensamento fenomenológico, de Heidegger, que pode ser considerada como Transubjetiva, situam-se também as teorias do ser, de Ortega y Gasset [3] e de Merleau-Ponty [4]. Ortega y Gasset [3] não se refere ao ser como uma instância repleta de todas as possibilidades do ser, ou seja, onde tudo é ou pode ser. Pelo contrário, para ele, tais possibilidades e realidades são baseadas na plenitude concreta e radical da vida do homem, onde, no desenrolar de tal vivência ou existência, o ser é pelo homem nela inserido. Por outro lado, para Ortega y Gasset [3], a razão, assim como também a vida, não pode ser compreendida simplesmente, como uma função física e abstrata, pois ambos os termos, razão e vida, se intercomplementam numa expressão por ele denominada de razão vital ou no Raciovitalismo. O sentido ou significado de tal expressão deve ser interpretado que a vida ou o viver do homem é um comprometer-se com a inteligência e situando-se como uma realidade radical e como um processo sucessivo e infinito de autopreencher ou autocompletar, e que, portanto, não pode ser reduzido ao ser. Já na fenomenologia da percepção [4] surge a noção ôntica de corporeidade, ou seja, que o homem por meio do corpo assume sua presença e lugar na história. Pois para ele, o corpo não é somente o veículo do ser humano no mundo é seu princípio estruturante, mas também a condição estruturante da existência humana. Noutras palavras, nós não estamos no mundo diante do nosso corpo, estamos no nosso corpo, ou melhor, nós somos o nosso corpo. Assim como Ortega y Gasset [3] para quem a razão e a vida não podem ser vistas somente na sua dimensão física e abstrata, Merlau-Ponty [4] diz o mesmo com relação ao corpo do homem ou à sua corporeidade. Para Merlau-Ponty [4], portanto, o corpo humano, ou do ser do homem, também não pode apenas ser percebido como um ser físico e abstrato, o que seria a coisificação do mesmo, e nem tampouco como um objeto abstrato ou ideal no sentido platônico e cartesiano da palavra, ou da possibilidade de conhecimento dedutivo do mesmo. Merleau-Ponty [4] apregoa que o corpo humano tem que ser percebido, fenomenologicamente falando, como um ser significante e como fonte de sentido, não de um animal natural, com certeza, mas sim, de um ser cultural em que possa tornar, ou desenvolver 27/04/04, 16:00 ' ação & movimento - março/abril 2004;1(1) esse ser do homem num ser humano através de um viver ortegano e, até mesmo, num sobreviver ou do viver num sobre-mundo que é o mundo da cultura e no mundo dos valores. Por outro lado, pode-se considerar que essa fenomenologia existencialista transubjetiva de Heidegger, Ortega y Gasset e Merleau Ponty [2,3,4], opõe-se à fenomenologia transubjetiva de N. Hartman construída na esteira de Husserl e Scheler. O critério de tal oposição ou diferenciação, é que a fenomenologia existencialista, transubjetiva, coloca o dasein, a vida e a Corporeidade como sendo anterior ou a priori ao conhecimento do Ser. Enquanto que a fenomenologia transubjetiva parte do conhecimento a priori e material do ser para poder se compreender o homem, a vida e o mundo. Referências Conclusão Concluímos este artigo manifestando o desejo de que esta reflexão filosófica possa ser considerada, por muitos pesquisadores interessados pelo tema de qualidade de vida, como relevante para a área da educação física e desportos. Artigo 02 - Heron.pmd Isso porque, a qualidade de vida do ser do homem e do seu corpo humano em movimento, precisa ser compreendida não só numa perspectiva biológica, muitas vezes coisificados por explicações físicas ou matemáticas pouco abrangentes das qualidades primárias e secundárias deste objeto de estudo, mas também como corporeidade/ motricidade dotada de significado, ou como fonte de sentido estrutural de uma qualidade de vida e existência ôntica em constante estado de carência, privação ou vacuidade, gerando necessidade completamente diferentes dos demais Seres da natureza que fazem com que o Ser do Homem viva ou se movimente não num mundo natural e sim num sobre-mundo que é o mundo da cultura e dos valores. 29 1. 2. 3. 4. Frondizi R. Que son los valores? 10a Ed. México: Fondo de cultura económica, 1991.19 p. Heidegger M. A tese de Kant sobre o Ser. Tradução de: Ernildo Stein. 4. ed. São Paulo: Nova Cultura, 1987. Ortega y Gasset J. Obras Completas. V.II. Madrid: Alianza, 1947. Merleau-Ponty M. Fenomenologie de la perception. Paris: Gallimard, 1964. ♦ 27/04/04, 16:00 ! ação & movimento - março/abril 2004;1(1) ARTIGO ORIGINAL Desporto e humanismo: o campo do possível Sport and humanism: the possible ground Jorge Olímpio Bento* * Professor Catedrático da Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto Resumo Conferência cujo tema apresentado foi Deporte e Humanismo en Clave de Futuro. Trata-se de uma reflexão filosófica, axiológica, cultural e poética, que vai as raias da sensibilidade. Dividido em seis pontos. O primeiro Da vida e da sensibilidade aborda uma visão ontológica do cotidiano do desporto nos estádios, as utopias e herotopias, onde acaba a natureza e começa a condição humana. O segundo ponto Das origens e das razões relata passagens e se ocupa da origem do desporto na Grécia até a Revolução Industrial e das razões religiosas, poéticas e filosóficas, ou seja, das razões culturais como utopia do corpo belo. O terceiro ponto Da razão Cultural trata do desporto como oportunidade para instalar no corpo a razão do espírito. O quarto ponto Dimensão ética e estética analisa as diferentes formas de exercitação corporal, nos diferentes cenários civilizacionais. O quinto ponto Da conjuntura atual oferece uma visão crítica sobre a intelectualidade que se recusa a entender o desporto como realização e expressão cultural. E, finalmente, chegamos a conclusão. O sexto ponto é um convite e um desafio do possível no aprimoramento do homem. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras-chave: vida, expressão cultural, aprimoramento do homem. Abstract This article was introduced in a conference with the topic The sport and humanism in the future. It is a philosophical, axiological, cultural and poetical reflexion, which reaches the limit of sensitivity. It is divided in six points. The first one About life and the sensibility , presents an ontological vision of daily sport in the stadiums, the utopias and the heterotopias, where nature finishes and begins the human condition. The second point About origins and the reasons , reports the origins of the sport in Greece until the Industrial Revolution, the religious, poetical and philosophical reasons, that is, the utopia of the body beauty. The third point About the cultural reason , comments about the oportunity of installing into the body the spirit reason. The fourth Ethical and aesthetic dimension , analyzes different kinds of physical exercises in several civilized universes. The fifth point About the present conjucture, presents a critical vision about intellectuality which refuses to include/understand the sport as an accomplishment and cultural expression. Finally, the sixth point, it is an invitation and a challenge in man´s improvement. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key-words: life, cultural expression, man´s improvement. Artigo recebido em 20 de março de 2004; aceito em 15 de abril de 2004. Endereço para correspondência: Jorge Olímpico Bento, Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto, Rua Dr. Plácido Costa 91, 4200-450 Porto, Portugal, E-mail: [email protected] Artigo 03 - Jorge Bento.pmd 30 27/04/04, 16:00 ! ação & movimento - março/abril 2004;1(1) Introdução Não sei bem o que se espera de uma conferência de encerramento de um congresso dedicado ao tema Deporte e Humanismo en Clave de Futuro. Talvez esperem alguns que, em nome do seu conceito de humanismo, eu me torne eco da aspereza das críticas que constantemente são formuladas contra o desporto. E que, por via disto, o atire para o caixote do lixo das coisas humana e culturalmente desprezíveis. Esperarão outros porventura que eu cumpra o papel de um praticante extremamente fervoroso da ciência e que, estribado nesta fé, venha aqui desfiar um rosário de razões científicas contra ou a favor do desporto. Posso garantir, desde já, que uns e outros se sentirão defraudados e desiludidos. Porquanto, as razões que me movem são essencialmente de natureza filosófica, axiológica, cultural e por que não dizê-lo? poética. Se preferirem, são da ordem da sensibilidade. E a esta que procurarei dar voz nas minhas palavras. E para me justificar atrevo-me a pedir auxílio, desde já, a Karl Popper: Pessoalmente julgo que existe pelo menos um poema... que interessa a todos os homens que pensam: o problema de compreender o mundo, nós mesmos e o nosso conhecimento enquanto parte do mundo. É também este empreendimento que me ocupa no momento presente e é dele que vos quero dar testemunho. Da vida e da sensibilidade Quando me perguntam por que é que vou ao estádio, o que é que me atrai a um desafio de futebol, confesso que fico extremamente embaraçado. Não pela simplicidade da pergunta, pertinente e legítima, mas, sobretudo, pela complexidade da resposta. Sinto-me a procura de algo que me foge por entre os dedos, sem, no entanto, saber defini-lo concretamente. Sei bem que o mundo é hoje feito de ciência e tecnologia. E que, por via disto, abundam nele fórmulas e palavras exatas, cheias de sentido e razão, mas vazias de sensações e sentimentos. Como se fossem algarismos digitalizados, imunes ao frio e ao calor, à alegria e à dor, à duvida e à incerteza. Mas faltam aventuras para viver e histórias para contar. Emoções e paixões para exultar e repartir. E tão carecidos estamos delas! Há, pois, que as recriar por toda a parte. Vejo o estádio e o jogo como um dos poucos locais e momentos que, neste mascarado quotidiano, nos proporcionam um encontro simples com a nossa Artigo 03 - Jorge Bento.pmd 31 humanidade, debilidade e humildade. Faço minhas as palavras e as razões de Miguel Torga, produzidas noutro contexto, para retorquir aos pensadores, críticos, homens da ciência, das letras e da cultura que, na ansiada escondem a vacuidade da sua presunção, cultivam distanciamento e até exibem um ar de desdém em relação ao cenário desportivo e aqueles que o freqüentam: Intelectualizados da cabeça aos pés, mal tocam a realidade. São platônicos no amor, teóricos no desporto, metafísicos no convívio. A consciência de serem únicos distancia-os do vulgo, tornando-os incapazes de um contato permanente com as forças rasteiras da natureza. No estádio dou comigo, de quando em vez, a pensar e a interrogar-me acerca da substância genuína que está para além das formas que revestem a vida e o homem. Como me chegar a ela, passando por cima das barreiras que se atravessam nos caminhos da existência? E tendo a concordar plenamente com Yves Simon: As existências não são feitas de diamantes nem de pedras raras, mas da terra e dos calhaus, dos rochedos, do vento..., das línguas intraduzíveis, dos sentimentos disfarçados, já sem fôlego. Claro que me preocupa tanta coisa que acontece ao redor do estádio, no decurso de um desafio de futebol. E por isto tento perscrutar e interpretar os coros de gestos e gritos, de insultos e assobios que são uma constante no desporto. Seria fácil assumir o papel de moralista e condená-los, mas não o faço. Procuro antes, com a lupa das idéias e palavras, descobrir onde se encontram os possíveis e os impossíveis da existência. As continuidades e fraturas. As utopias e heterotopias. Quero saber a que corpos de iceberg pertencem as cabeças visíveis; ir além da casca que envolve a realidade da vida das pessoas, e penetrar nos seus dramas e contradições. E apesar de possuir parâmetros e inteligência para observar e entender, não consigo um resultado satisfatório para tão árduo e ingrato trabalho. O lugar de responder é ocupado pelo perguntar: Onde acaba a natureza e começa a condição humana? Quais são as forças que interessa dominar e sublimar e aquelas que importa manter e cultivar? Quais as fronteiras de compatibilização entre a natureza humana e a educação e civilização? Após a edificação de torres e catedrais na Idade Antiga e Média e dos arranha-céus e lançamentos de satélites e foguetões na idade contemporânea, o que é que o homem continuará a fazer no seu destino de aprumação e transcendência? Que valor real e simbólico pertence ao estádio e ao desporto nesta trajetória? À insuficiência das respostas contraponho a teimosia em aceitar as fraquezas humanas e a experiência de que os sonhos demoram a se 27/04/04, 16:00 ! ação & movimento - março/abril 2004;1(1) concretizar. Exigem um longo tempo de espera e persistência. Pelo que não me converto ao poder impressionante da tecnologia informática , por recear que a perfeição digital possa ser pervertida em meio de desrealização da vida e de aumento da pobreza de emoções e do sofrimento dos homens. É preciso restabelecer a harmonia entre o sentido e a sensação. Urge retomar o trabalho de cultivo das sensações, de fabrico desta linguagem que leva os homens a deixarem-se invadir pela imaginação e pelo desejo estético de correr e brincar sobre a terra, de elevar o seu corpo e espírito para além dela. Para o céu pleno e azul, quase transparente. Mesmo sabendo que há pessoas para quem o infinito é irremediavelmente cinzento. É pela estética das emoções, dos sentimentos, dos princípios, das imagens, das atitudes, dos comportamentos, do entusiasmo e da admiração, em suma, da própria vida, que vou ao estádio. É por isto e por tanta coisa indizível que eu adoro o desporto! Este modo de perceber e sentir que os anos nos mudam, sem nos mudarem. Porque nos tornam sempre próximos da infância, da adolescência e da juventude, mesmo que longínquas e perdidas na memória. Porque nos faz viver intensa e instintivamente o mundo em que vamos mergulhando, sem cuidarmos de comprometimentos ou defasamentos dele. E, assim, vamos envelhecendo lenta e tardiamente, contrariando as forças que se opõem à liberdade de realização da nossa vida, resistindo à perda gradual dos nossos poderes e conservando a irreverência que nos permite alternar o sagrado e o profano, o protocolar e o informal, a educação e a falta dela. É um remédio contra o sofrimento do anonimato tentar criar à nossa volta um espaço maior do que o do nosso corpo e do nosso viver quotidiano. Que nos ajuda a imaginar estados que já há muito deixamos ou que não lograremos alcançar. Que nos alimenta a convicção de não sucumbirmos ao tempo e de brandirmos contra ele a posse de um certificado de juventude; de o dobrarmos e domesticarmos nas rugosidades e deformações que provoca. Uma ilusão de termos fechada a porta de saída e de mantermos a flutuar a pedra do destino. O seu forte não é ensinar-nos a elaborar reflexões ou formulações complexas, lapidares e definitivas sobre o mundo e a vida, sobre a contemporaneidade e a futuridade. É modesto... Ficase pela filosofia de Epicuro, agarrada ao gosto e a arte do savoir vivre, apostada em embelezar, enriquecer e glorificar o presente, por preferir um pouco de reconhecimento em vida aos panegíricos a título póstumo. Por isto com ele navegamos a olho, no hoje Artigo 03 - Jorge Bento.pmd 32 e no agora, descrentes de que o futuro tenha coisas melhores e mais belas para viver e receosos de que este possa acabar no instante imediato, no momento, na hora, na noite ou no dia que se seguem. Mas nos permite avançar pela vida afora com olhos de criança, cheios de curiosidade e sentimento, alargando-os até caberem neles todas as criações da imaginação e todos os caminhos que conduzem às estrelas. Sim, porque no desporto aprendemos a subir, a cortar os cordiais papagaios de papel e a ir até às estrelas mais brilhantes, que por isto me dói tanto a pequenez da crença e do investimento no seu papel! Se este desporto tivesse voz e tanta quanta a que lhe vai na alma diria coisas admiráveis para sonhar, agradáveis para ouvir, contagiantes para fazer e empolgantes para contar. Falaria de si como instrumento de demopedia, de aprimoramento do homem como pessoa livre e criadora e de aperfeiçoamento dos povos, dos cidadãos, da cidade, da sociedade, da democracia. Como pedagogia do otimismo humano, da modéstia e da humildade, das pequenas grandes coisas, do pouco a pouco, do passo a passo, do renascimento e crescimento permanentes, da renovação do que se gasta, da ocupação contínua do nosso lugar no Universo. Como pedagogia criacionista da liberdade do corpo e da espiritualização das suas forças, atitudes e comportamentos. Da edificação do Eu moral. Recitaria versos extensos e generosos em estímulos, desafios, mensagens e ideais, convidando à superação, à transcendência e à afirmação individual no quadro mais lato da exaltação da humanidade. A fazer de todo menos um mais, em cada dia da nossa existência. A celebrar o humano, o belo, o estético e o ético. Para configurar o rascunho, o esboço e o projeto do homem atleta que mora dentro de nós. E, se tivéssemos vontade e disponibilidade para o seguir por ruas e vielas, pátios e recreios, campos, ginásios e piscinas, vê-lo-íamos a distribuir sonho e ousadia aos adolescentes e segurança aos adultos. E a semear em idosos e deficientes heróis de todos os dias, horas e minutos a esperança de levar o presente o mais possível para o futuro. Veríamos crianças a exibirem nódoas, contusões e arranhões com orgulho, como troféus e provas do seu empenhamento sério e da satisfação de necessidades narcisistas próprias da idade. E a meterem gols na baliza do medo, a nadarem no mar do receio, a saltar as fasquias da timidez, a caírem nos bravos do riso, da confiança, do otimismo e do entusiasmo. A quererem voar alto, correr veloz e fintar a realidade, para terem direito a nome e cara nos jornais, nas rádios e na televisão. 27/04/04, 16:00 !! ação & movimento - março/abril 2004;1(1) Nele entra em cena a representação do extraordinário e do dramático. Das possibilidades humanas conduzidas até o limite. Da realização do desabituai, contra as restrições de tipo físico, cultural e social. Da criação a partir da falta. Da necessidade feita liberdade. Do peso feito vôo. Do obstáculo feito impulso. Do perigo feito tentação. Da dificuldade feita gosto. Do cenário coletivo feito aventura individual. Este desporto dá voz ao suor e deixa à retórica poucas possibilidades de parasitar a vida. Tem metas e objetivos que vêm do fundo dos tempos. Leva pessoas a dedicar-lhe uma parte significativa da sua vida, a cumprir nele destinos de altruísmo e solidariedade, a ser nele corredores de uma maratona que não tem ponto de partida, nem de chegada. Eu sei que é difícil vê-lo. Não tem mídia a ocupar-se dele. É assunto demasiado sério e humano para caber nas bandas do utilitário e servir a estratégias de audiência e venda. Mas anda por aí, independentemente de haver ou não olhos para o ver e sensibilidade para o entender. É um romântico de carne e osso, sangue e oxigênio. E feito por homens e faz os homens menos arqueados, mais direitos, menos soturnos, mais alegres e transparentes, de coração mais potente, de passadas mais amplas e de abraços mais fortes e apertados. Este desporto existe por ser necessidade do homem e da sua aspiração a uma mais perfeita condição humana. Mesmo que não conste na ementa de prioridades políticas, o seu lugar é central na vida e na vontade de viver. Não pode o homem prescindir dele, já que não consegue sobreviver fora da sua destinação ética. Está aí, porque a escola e a família não chegam para fazer o Homem. Precisa de voz para cumprir cabalmente a sua função, para chegar a todos os locais e a todas as pessoas. Para renovar a educação e encher de alegria os dias, rios, praias e montanhas da nossa vida. Para se mostrar em novas formas de prática, de organização e associativismo em todas as idades. E gostaria de ser respeitado. Sobre ele escrevemse livros e tratados, elaboram-se ensaios e dissertações, organizam-se simpósios, conferências e congressos, redigem-se e aprovam-se numerosas proclamações de orientações e princípios, de normativos e valores. Ocupa muitos milhares de estudiosos e de instituições cientificas que, em todo o mundo, procuram esclarecêlo a luz dos mais diversos saberes: desde os mais gerais, como a filosofia, a sociologia e a antropologia, passando pelos setoriais como a pedagogia, a fisiologia e a psicologia, até aos mais específicos, como a biomecânica e a metodologia do treino desportivo, etc. Artigo 03 - Jorge Bento.pmd 33 E será sempre um fenômeno inesgotável, a espreita do nosso conhecimento e compreensão. Não se dá bem, por isso, com a ignorância dos atrevidos que tudo sabem sem nada terem estudado, que sobre tudo opinam sem estarem informados, que tudo querem determinar sem nada conhecerem, que nele querem dirigir e mandar sem nada compreenderem, que ousam falar da sua política sem dele terem idéias. Basta ser assaltado! Das origens e das razões Mas... de onde vem esse desporto? O que é que levou os nossos antepassados dos tempos primitivos a exercitarem habilidades motoras: culto, dança, caça, luta pela sobrevivência, alegria de viver? E, na Antiguidade Grega, qual a razão da existência de Jogos em Olímpia já no ano 764 a.C., isto é, desde há mais de 2.700 anos até o século IV d.C. ? E os romanos, mesmo não tendo dado continuidade aos jogos helênicos, por que é que cultivaram o exercício físico? E, na Idade Média, por que é que cavaleiros e camponeses, burgueses e carrejões se exercitavam em jogos e torneios? E, mais tarde, por que a ginástica terá surgido apenas devido ao fato de o corpo se ter apresentado como um problema funcional para a sociedade? E o moderno desporto terá bebido a razão da sua configuração e expansão apenas na Revolução Industrial? O que é que está por detrás do exercitarão, do treino e da competição? O que é que leva as pessoas ao desconforto da transpiração, do esforço e do cansaço, a dor da contração muscular, ao sabor amargo do débito de oxigênio e do dispêndio de energias, ao susto do bater do coração, as tensões, dúvidas e agruras da mobilização das forças e da vontade na procura de rendimento? Tenho procurado uma razão cientifica para a existência do desporto, quer na sua forma atual, quer em formas anteriores, e não a encontro. Nem vejo que o ato desportivo seja necessário à existência do homem e da humanidade. Não brota, pois, da razão da necessidade, nem pode ser justificado por razões orgânicas ou biológicas. O desporto há de ter certamente razões imanentes aos sentidos e horizontes de resposta as necessidades que o ditaram. Razões religiosas, poéticas, filosóficas, ou seja, razões culturais. Em suma, por ser uma prática exclusiva dos humanos, e como tal um ato ditado não por leis naturais ou instintos, mas pela vontade, é expressão e símbolo da aspiração 27/04/04, 16:00 !" ação & movimento - março/abril 2004;1(1) do homem que almeja ser livre, transcender-se, superar-se, emancipar-se e libertar-se dos ditames da sua natureza. É exemplo do modo como os homens conseguem configurar e concretizar a razão da liberdade à luz de padrões culturais, éticos e morais. Na simplicidade, diversidade e mutabilidade das suas formas, conteúdos e cenários, os jogos e os desportos, tanto os do passado como os do presente, revelam parâmetros norteadores da realização da vida humana; mostram, em toda a sua nudez e transparência, os esforços empreendidos na conquista de um estilo de vida sempre mais humano. A tese de Ortega y Gasset (da origem desportiva do estado) tal como o postulado de Schiller (o homem só é verdadeiramente homem quando joga...) são maneiras de dizer que os jogos fazem os homens. Quando o homem roubou dos deuses o privilégio do jogo conferiu simultaneamente uma forma superior a sua vida: o sentido do divino e do sublime, da festa e da ultrapassagem da sua reificação utilitária e servil. O homem libertou a sua vida das bandas da luta pela sobrevivência e passou a orientála por uma consciência de horizontes mais latos. A razão da liberdade sobrepunha-se a razão da necessidade. Começava aí propriamente a vida humana. Via-se finalmente o homem e a sua condição a emergirem do animal e da sua natureza. Pressinto nos jogos gregos a vontade do homem ordenar o caos lúdico e motor. Vejo neles plantada a utopia do corpo belo, do corpo ético e estético. Pintado em vasos e ânforas, com o sentido da harmonia, da medida justa e do principio aristotélico da ação correta. Criado na repulsa do corpo bárbaro, cruel, horrendo, medonho, grosso, possessivo e assassino, o corpo do homem livre era culto, era atleta. De onde se infere bem que o desporto, desde os seus primórdios, filiou-se na preocupação de esculpir o homem, de instituir na carne, no sangue, nos ossos e músculos do seu corpo toda uma filosofia de vida. Assim haja olhos, inteligência, vontade e humildade para ver, entender e reconhecer. Assim, haja sensibilidade para descortinar quanta beleza, quanta mensagem, quanta humanidade estão codificadas num artefato tão simples! Da razão cultural A cultura é a vocação do homem [1], e é também a sua condição. É nela que o homem cumpre o destino da transcendência e espiritualização: redimir-se do animal, sagrar-se de humanidade, respeitando a incoercível lei da liberdade e da sua libertação. Artigo 03 - Jorge Bento.pmd 34 Assim é igualmente no desporto. O seu lema é o da vida e da sua metafísica, convidando o homem a alcandorar-se ao horizonte da dignidade máxima, a não dilapidar a existência no chão raso da dignidade mínima. Filiado ao mito prometeico e na matriz judaicocristã, inspiradores da nossa cultura, o desporto apresenta-se como um campo de desempenhos transbiológicos, situados para além dos imperativos do quotidiano. Um campo de demonstração da extraordinária capacidade do homem e do seu corpo, de que o homem também se cumpre, (e tem que cumprir!) através de prestações corporais. De que o corpo oferece um palco privilegiado para enfrentar o desafio da excelência. Para perseguir a utopia de tornar possível o impossível. O desporto é um excesso do corpo, sem que o espírito seja despromovido. É o corpo que é promovido, que transcende a realidade carnal e animal e atinge a dimensão espiritual e humana, indo até onde é possível e tornando-se assim espírito encarnado. Tratase de libertar o homem dos ditames de um corpo inculto, inábil e bruto; de dobrar a sua resistência, de torná-lo ágil, espiritual e moral; de alargar o corpo instrumental e o protocorpo motor em corpo de símbolos e sentidos. Eis, pois, o desporto como oportunidade para instalar no corpo a razão do espírito, para submeter à animalidade da nossa natureza a racionalidade moral, cultural, ética e/ou estética da condição humana. Pelos princípios, valores e objetivos, pelos métodos, regras e conhecimentos que regem o exercício, o treino e a competição, o desporto é um ato fundante do Ser do Homem. Prática de registro e acrescento de humanidade, de configuração mundana do homem, o desporto encena exemplarmente a razão cultural de fazer o homem. O homem das forças e fraquezas, das dignidades e indignidades; o homem arqueado de Kant ou o ser intermédio de Aristóteles, a ascender ao sol da virtude, saindo da penumbra dos defeitos, sob o primado da cultura. Como a música, a arte, a literatura, a ciência enfim, a pluralidade de formas de ascensão do homem , o desporto é agente cultural da proletária condição humana, é um ato de civilização, de moral e de urbanidade. É parte de uma metafísica de referência para o sentido e a dignidade do viver, para dar sentido transfinito à vida de um ser finito que finito se sabe. É domínio de aplicação de um código de objetivos, normas e valores, imanentes a um ser que nos transcende, para nos apresentar o horizonte e impor o dever da perfeição como ponto convergente de todos nós. 27/04/04, 16:00 !# ação & movimento - março/abril 2004;1(1) E se cada homem tem uma linha própria para o seu aperfeiçoamento, o atleta é a imagem de um ser que assume, com autenticidade, o projeto ontológico-existencial em que mais perfeitamente se realiza. É um homem que cumpre o destino do ser o da obrigação da perfeição possível dentro das particularidades e limites das suas condições existenciais e das suas capacidades inatas. Como outro homem qualquer transporta a cruz do seu aperfeiçoamento, identificando-se com a perfeição que potencial e circunstancialmente lhe é possível. Claro está que este destino pode ou não ser cumprido, aceito ou recusado, tender para o pólo do infinito ou para o do nada. Mas isto não pode ser posto na conta de responsabilidades do desporto. Como objetivação cultural de valores o desporto é um esforço de criação do homem, da inteligência do seu corpo, a imagem e semelhança do absoluto da perfeição. Neste sentido, os críticos da valia cultural do desporto assemelham-se aqueles que falam de justiça sem desejarem ser justos e sem nunca tê-la amado. Ou aos críticos de pintura que são insensíveis às cores e as formas. Uns e outros não entendem que o drama do desportista é o mesmo do poeta. A vida e o triunfo não lhes são fáceis, nem dados de graça; acontecem contra a amargura, a afronta e a incompreensão. Tal como o descreve Alexandre ONeil no poema dedicado ao campeão de boxe Belarmino Fragoso (sic): Tiveste jeito, como qualquer um de nós, e forte campeão, como qualquer de nós. Que é a poesia mais forte que o boxe, não me dizes? Também na poesia não se janta nada, mas nem por isso somos infelizes. Campeões com jeito e nossa vocação, nosso trejeito... Esperam de l a 10 que a gente, Oxalá não se levante e a gente levanta-se, pois pudera, sempre. Mas do miudame levamos cada soco! Achas que foi pouco? Belarmino: quando ao tapete nos levar a mofina, tu ficarás sem murro, eu ficarei sem rima, pugilista e poeta, campeões com jeito e amadores da ma vida. Dimensão Ética e Estética O desporto só o é por ser idealista, por perseguir ideais justificados no contexto ético e cultural. Os jogos e as outras formas de exercitação corporal, Artigo 03 - Jorge Bento.pmd 35 percursoras do desporto e praticadas nos diferentes cenários civilizacionais, estão desde o seu início vinculados a exigências e a valores morais. É antiga a perspectiva de que não são meros exercícios físicos; transportam em si cromossomas morais próprios. Apesar de estas práticas terem se modificado no decurso dos séculos, manteve-se sempre uma continuidade da sua problematização moral, como um bem cultural valioso que deve ser protegido pela observância de princípios éticos. Dito de outro modo, os exercícios físicos são atos de configuração moral, exterior e interior do homem. Porque a physis não pode crescer incondicionalmente; requer a supervisão do logos moral [2]. Ser desportista é precisamente ser e ter caráter; assumir-se como figura e modelo de moralidade em ação no jogo e na competição. Acresce que a matriz moral ascética e ética implica a dimensão estética. O ideal do aperfeiçoamento inclui o apelo que o desportista seja construtor de si próprio. Pelo esforço e trabalho em si mesmo. Pela tentativa de corresponder ao desejo de extrair de si o máximo possível, de dar e querer o melhor de si, de se superar e sobrelevar aos outros. Pelo uso legitimado do corpo e pela expressão correta dos seus gestos e do seu funcionamento. O desporto é a oitava arte [3] onde pode cultivarse a beleza das formas de ação livres da pressão utilitarista do quotidiano. Feito pelos homens, o desporto está aí para nos fazer. Para não nos deixar desidratar dos traços, das emoções, das paixões e sentimentos desmedidos, intensos e quentes que perfazem o homem. Para confirmar o homem como um ser de horizontes (Heidegger), capaz de, para além de si, estar ele ainda, pelos seus sonhos, desafios e metas. Para convidar o homem a olhar para si mesmo e escutar a exortação de Pindaro, repetida por Goethe e Nietzsche: Sê quem és! Sê o Ser que nunca se é! Sê o atleta que há dentro de cada um de nos, à espera de ser revelado, de se soltar, exprimir e dar o melhor de si! Da conjuntura atual O desporto contou sempre com críticos que o entenderam de forma parcial e negativa, como algo sem valor, separado da vida e da cultura e, por isto mesmo, separado do homem. Sempre encontrou intelectuais que se recusaram a entendê-lo como realização e expressão cultural. Muitas caricaturas grotescas se têm feito dele, apresentando-o como símbolo do desmoronamento da cultura. E, nos estádios e recintos desportivos onde 27/04/04, 16:00 !$ ação & movimento - março/abril 2004;1(1) há apenas espectadores alienados e atletas com corpos disformes, encontrou-se sinais inequívocos de ausência de valores culturais [4]. Mesmo o enaltecimento que Huizinga fez do homo ludens era e é arremessado contra o desporto. Acusando este de ter banalizado o jogo, de ter perdido a sua dignidade e de não ter nada a ver com a cultura do verdadeiro e real sentido que esta transporta. Porém, do lado oposto não faltam argumentos, firmados na tradição e na história da civilização ocidental, a provar que o desporto faz parte da vida cultural. Filósofos, poetas, artistas e pedagogos renomados da Antiguidade Grega até o presente viram sempre nele oportunidades e motivos de criação artística, de renovação, elevação e formação do homem. O discóbulo e o lançador de dardo, que Míron (475 a.C.) e Policleto (440 a.C.) nos legaram, expressam mais do que um corpo belo, harmonioso e ágil. São corpos humanos sim, mas precisamente por figurarem deuses criados pelo homem como referências para a imortalização da vida dos mortais. O atleta é, pois, um deus de carne e osso, erigido em modelo de uma profunda educação humanista e no nosso século é apresentado pelo poeta J. R. Becher como símbolo do estilo de vida de uma nova geração, na qual se consumará o sonho da unidade de corpo e espírito. Realmente se a cultura é aquilo que o homem cria e acrescenta à natureza, como pôr em dúvida o estatuto cultural do desporto, quando este é uma prática de configuração mundana do homem? Como desdenhar do estatuto cultural do desporto ou afirmar que é uma cultura falsa se a verdadeira cultura é aquela que nos permite dialogar com o nosso tempo? E o desporto é um conjunto de sinais ilustradores do modo como funciona o mundo a ele ligado. Cumpre uma função de esclarecimento junto do homem alheio a cultura oficial ou de elite. É pedra fundamental de uma outra cultura, assentada sobre outros valores, que este homem entende e que despertam nele a apetência elementar a ser culto, ou seja, a interrogarse, a arrancar-se progressivamente da coisificação e aceder a antologia. O desporto é hoje, sem favor, um fenômeno sociocultural de pleno direito. Mas, ao informar-se cultural e socialmente, viu-se também transformado. Isto é, os efeitos e as influências acontecem nos dois sentidos, dando lugar a um processo de diluição da estrutura clássica dos seus valores. Por isto, a afirmação do seu estatuto cultural impõe reflexões na presente conjuntura de transformações. A qualidade e estética das formas, o sentido lúdico, a tensão, o dramatismo, a dinâmica e o ritmo Artigo 03 - Jorge Bento.pmd 36 das realizações, a correção das ações, o caminho longo da exercitação e do treino, a alegria na competência, a procura de elevados rendimentos, o empenho nos objetivos, à vontade e disponibilidade para o esforço estas dimensões culturais são constituintes da idéia do desporto. Mas não estarão em perigo quando o desporto parece cindir-se numa pluralidade de modelos, com alguns deles aparentemente desvinculados daquela idéia tradicional? Nenhum modelo de desporto dispensa uma reflexão sobre esta problemática. Muito menos pode dispensá-la o desporto profissional, sobretudo porque deve gerar espetáculos capazes de concorrerem com outras atividades culturais. O interesse e o investimento econômico não poderão limitar a qualidade cultural dos rendimentos desportivos, até porque a idéia de profissão está associadas às idéias de qualidade, exigência, rigor, ética, de ontologia e clareza de princípios. O desporto não pode abdicar de ser um campo de criação de rendimentos, sob pena de se desvincular da sua dimensão cultural, de resvalar para uma brincadeira em tudo idêntica a de qualquer animal. Os diferentes modelos de desporto correspondem a motivos específicos da sua procura; é, porém, falso vê-los em oposição neste domínio. Em todos eles tem que haver orientação, alegria e prazer no rendimento e na competência, como sinal visível de que está a ser cumprida a sua incumbência pedagógica e educativa. Conclusão O campo do possível Não se nasce com alma. Nem tampouco com corpo. De resto a arte da criação é ser incompleta e imperfeita. Quando não, seria um ato de tirania, de limitação da liberdade de ser e fazer. O corpo é autobiográfico. E a alma também. De um esboço de organismo humano de um protocorpo vai emergindo pouco a pouco um corpo a imagem da história da vida de cada um. E por isto há tantas formas de corpo e modos de o fazer. Dito de outra maneira, o corpo é plural, concretiza a sua unidade essencial numa variedade de modalidades da sua representação, correspondentes à diversidade de circunstâncias de existir e viver. O mesmo sucede com a alma, que é antes de mais nada uma construção da vida, que desabrocha e se ergue dentro de nós, se bem que impulsionada e referenciada por aquilo que nos é extrínseco. E alguns não são capazes desta construção. 27/04/04, 16:00 !% ação & movimento - março/abril 2004;1(1) É paradoxal a alma. É feita do lastro pesado e duro dos princípios e valores morais, dos normativos e referenciais éticos e estéticos, dos sentimentos e das emoções que nos amarram a vida e a tudo o que é humano. Mas é também leve; e ela que permite ao homem elevar-se, levantar vôo, levitar e suspenderse acima do nada, das conjunturas e das conveniências momentâneas. É a alma que possibilita o Ser. Ser Homem e Pessoa. Exibir dignidade, reclamar respeito e assumir responsabilidade. E assim a falta de alma e a mesquinhez. É a indisponibilidade para exercitar ideais e para trilhar o caminho do aperfeiçoamento humano. É a resignação ao comodismo; a recusa da inquietação e do desassossego. Ora, é precisamente da edificação do corpo e da alma que o desporto trata. Esta desde a Antigüidade Grega ligada a arte e a todas as formas de criação. Voltado para o cultivo da beleza interior e exterior, segundo as idéias de equilíbrio e harmonia de Platão e de felicidade e ação correta de Aristóteles, é feito por mãos ávidas de sublimar a força, a graça e o encanto. Por pernas apostadas em transpor os limites impostos a nossa natureza. Por homens e mulheres orientados pela anulação da impossibilidade, da sorte, do acaso e do destino, pela procura da compensação, da transcendência e da superação. Não é tanto um ato de expressão do que em nós abunda. É, sobretudo, um ato de criação daquilo que em nós falta. E nisto encena e concretiza, como em nenhum outro palco de representação da vida, o sentido genuíno da cultura. O ato desportivo constrói e revela o homem por dentro e por fora. À unilateralidade de outras expressões da cultura corresponde o desporto com a mobilização e com o empenho da totalidade da pessoa. À configuração exterior dos ossos, músculos e articulações associa-se a arquitetura interior da consciência e da vontade. Cada um joga como é, no corpo e na alma. Mais ainda, o controle dificilmente encontra aqui aplicação. Porque nele predomina a desmedida; corre-se e transpira-se mais do que seria necessário. E é mais fácil aos atos do que as palavras romper constrangimentos e trazer a superfície àquilo que mora na escuridão dos sentimentos. Pelo que no desporto ficam à vista tanto as virtuosidades como as inabilidades, os feitos e os defeitos, as criações e as deformações, o melhor e o pior da condição humana. Mas será que continuam a merecer atenção no desporto os ideais que ele é suposto a perseguir? A pergunta é pertinente, porquanto o desporto se assume como a forma predominante da cultura na nossa época. Logo, como um dos meios mais poderosos de modelar os corpos e as almas. Artigo 03 - Jorge Bento.pmd 37 O desporto não é imune ao envolvimento. Por isto, nem tudo o que nele acontece suscita aprovação. E assim a crise de credibilidade que o afeta traduz uma desconfiança nos modelos de corpo e alma que nele se praticam. Com efeito, medram hoje nele almas e corpos aleijados, mancos e falhos de verticalidade e de reta intenção. Proliferam nele criaturas disformes, sem honorabilidade e sem alma e com corpo de monstrengo medonho e grosso. Enquanto as almas e os corpos configurados pelo ideal desportivo assistem atônitos ao aumento, a arrogância, a má consciência e a impunidade de figurões que se afirmam pelos desvios deste caminho. Há, pois, que acordar. Não acredito na utopia do homem novo. Parafraseando Octavio Paz, o homem é o inacabado, ainda que seja cabal em sua própria inconclusa; e por isto faz poemas, cria metas, princípios, imagens e ideais nos quais se realiza, sem se acabar nunca de todo. Ou seja, o homem é um ser inconcluso e a necessidade de o fazer e de todos os tempos e lugares e por todos os meios. Acredito, conseqüentemente, que o edifício mais alto, o monumento mais proeminente e a estátua mais bela é o ser humano. É o homem como pessoa. É nesta construção que vale verdadeiramente a pena investir e é ela que deve mobilizar os criadores e arquitetos de vanguarda. E acredito também que o desporto tem lugar significativo neste empreendimento. Bem maior do que aquele que lhe é reconhecido. Por ser um lugar da revelação e da descoberta. Nele descobrimos que dentro de nós moram possibilidades infinitas de sermos mais e melhores e que as coisas grandes são as pequenas e simples. E descobrimos também os outros e as diferenças que nos marcam e for mam a individualidade de cada um de nós; e que nisto somos todos iguais. No desporto todos têm lugar. Nós e os outros. O reconhecimento e o respeito pelas diferenças. A vivência é a aceitação natural da vitória e da derrota, do sucesso e do insucesso. Nele cultivam-se mais deveres e obrigações do que direitos e permissões. Ouvimos falar de ética e moral e aprendemos o seu significado e alcance. Ser desportista é ser e ter alma, força e vontade para renovar a vida de objetivos e sonhos ainda e sempre por cumprir. Para driblar os facilitemos que afastam da vida e do seu sentido. E ter o céu por limite! Digamos tudo isto as nossas crianças e jovens. Digamo-lhes que o desporto é uma terra dos vivos, da alegria, da liberdade, da iniciativa e ousadia. Digamo-lhes que o mundo é belo, que tem dias de sol e noites de luar e que a vida é uma aventura 27/04/04, 16:00 !& ação & movimento - março/abril 2004;1(1) fascinante quando moldada pela crença, pela afeição, pelo amor e entusiasmo. Deixemo-los experimentar que é assim. Que vale a pena participar na criação do futuro: seu e da humanidade. Ajudemo-los a descobrir e amar a terra, as coisas, as pessoas, os lugares. Só assim encontrarão a vida. E quanta é a vida que jorra no desporto! Nos jogos e brincadeiras em que as crianças medem e ganham habilidades e se libertam da dependência da sua natureza; em que são desafiadas a exercitar-se, a espiritualizar as forças físicas, a dobrar a sua inaptidão; a conquistar a liberdade, o sentido da vida e a condição humana também pelo aprimoramento do corpo; a prolongar o corpo biológico em corpo cultural e transcendente. Quanta vida e cidadania inundam as crianças no desporto! Porque nele cultivam a identidade e a assunção progressiva de responsabilidade pelo seu comportamento e pelo estilo de vida adotado, como sinal de apreço reconhecimento pela vida oferecida. Chamemos as crianças e os jovens para o desporto, porquanto este encerra um confronto simbólico com os problemas e dilemas humanos. Um campo de aprendizagem e exercitação de formas construtivas, autônomas e refletidas de lidar com regras, de desdobrar a competência moral, de forjar motivos e perspectivas de vida. O que convida a valorizar cada vez mais o desporto na escola, na família e na vida, sob pena de abdicarmos de um modo vivo de educar, de respeitar e realizar os direitos inalienáveis das crianças. O caminho do desporto vai na direção do homem e da vida, procurando tornar um e outra mais humanos! Vai na direção descortinada pelo poeta Eugenio de Andrade [5], na chegada e declínio de cada dia, frente a sua casa, na Foz do rio Douro no Porto: [...] a manhã desperta entre as palmeiras, sacode as crinas, e não tarda a transformar a terra num mar de cintilações. Começa então a surgir outra gente, essa sim, iluminada por um pequeno sol interior. Rapazes, mais raramente alguma rapariga, aos pares ou em pequenos grupos, em fatos leves, camisola e calção, correm na manhã, numa cadencia de relógio. Tem um ar lavado e uma beleza terrestre, simples, palpável, diante do mar. Às vezes fazem exercícios corporais junto às árvores, depois recomeçam a corrida, sonhando com triunfos não sei em que maratonas. São criaturas da minha simpatia, de costas para a febril respiração da cidade, que me trazem ao espírito outros rapazes, coroados Artigo 03 - Jorge Bento.pmd 38 pelo esplendor da própria juventude, atletas que os escultores gregos levaram para os mármores de Poros, ou que Pindaro imortalizou nas suas odes triunfais, cuja música, no declínio da tarde, escutamos ainda comovidos: Não creias, alma querida, na vida eterna: Mas esgota o campo do possível. O desporto anda por aí a desafiar-nos a esgotarmos o campo do possível no aprimoramento do homem, do seu coração e olhar, dos seus sentimentos e gestos, princípios e valores. Por isto, é absurdo depreciá-lo em nome do humanismo ou atentar contra este em nome do desporto. É antes legítimo e justo saudá-lo como um pilar do humanismo e augurar-lhe um longo futuro no cumprimento dessa missão. É imbuído desta crença e cheio de esperança que aqui deixo, como mensagem e como apelo, parte de um poema de Jose Gomes Ferreira: Acordai! Acordai, homens que dormis A embalar a dor, A embalar a dor dos silêncios vis! Vinde no clamor Das almas viris, Arrancar a flor Que dorme na raiz! Acordai! Acordai, raios e tufões Que dormis no ar, Que dormis no ar e nas multidões! Vinde incendiar De astros e canções As pedras e o mar O mundo e os corações. Referências 1. 2. 3. 4. 5. Ferreira, V. Invocação ao meu corpo. Lisboa: Livraria Bertrand, 1978. Meinberg, E. Die Moral im Sport. Edition Sport & Wissenschaft. Aachen: Meyer & Meyer, 1991. Lenk, H. Eigenleistung. Phaedoyer für eine leistungskultur. Zuerich: Interfrom,1983 Grupe Ommo. Sport and culture - the Culture of Sport. International Journal of Physical Education. Schomdorf: Karl Hofmann, 2ª. ed., v. 31, 1994. Andrade, E. O campo do possível. Revista da Corrida de S. João, Câmara Municipal do Porto, 1994. 27/04/04, 16:00 !' ação & movimento - março/abril 2004;1(1) ARTIGO ORIGINAL Olimpismo: conciliação entre iluminismo e romantismo Olympism: conciliation between iluminism and romantism Hugo Lovisolo, D.Sc Professor da Universidade Gama Filho (UGF-PPGEF) e da UERJ/FCS Resumo A argumentação sobre esporte e em especial sobre o Olimpismo e o futebol nos últimos 30 anos, passou por três viradas centrais na argumentação: do fundamento no interesse para o da identidade, da função da alienação para o da expressão da autenticidade e da avaliação moral negativa para a positiva. O autor trabalha suas oposições em termos dos tipos ideais que denomina de iluminismo crítico e de romantismo. Na primeira parte do trabalho, o autor salienta as características das três viradas em suas relações com a mudança na posição do observador ou epistemológica. Na segunda, as necessidades crescentes de conciliação entre ambas posições, e, a partir das mesmas, elaboram suas considerações sobre tendências do Movimento Olímpico. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras chave: olimpismo, iluminismo e romantismo Abstract The argumentation on sport and especially about Olympism and football for the last 30 years passed for three turning points in the argumentation: from the fundament in interesting to identity, from the alienation function to the authenticity expression and the negative moral evaluation for the positive. The author works its oppositions in terms of the ideal types that designate critical iluminism and romantism. In the first part of the work, the author pointed out the characteristics of the three turns in its relations with the position change of the observer or epistemologic. In the second part, the increasing necessities of conciliation between both positions, and, from the same ones, elaborate its considerations on the Olympic Movement tendency. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key-words: olympism, iluminism and romantism Artigo recebido em 20 de março de 2004; aceito em 15 de abril de 2004. Endereço para correspondência: Hugo Lovisolo, UGF, Rua Manoel Vitorino 625, Piedade 20748-900 Rio de Janeiro, RJ. E-mail: [email protected] Artigo 09 - Lovisolo.pmd 39 27/04/04, 16:00 " ação & movimento - março/abril 2004;1(1) Introdução Perspectivas e posições dos observadores O entendimento dos esportes de rendimento ou espetáculo pelas ciências sociais, e especialmente do futebol, essa paixão dominante na América Latina, passou por transformações significativas nos últimos 20 anos [1]. Até a década dos anos oitenta, grosso modo, dominava uma perspectiva crítica de base moral, influenciada pelo marxismo e pela Escola de Frankfurt que, trocando em miúdos, considerava o esporte e, em particular o futebol, uma variante do ópio dos povos, uma poderosa força de alienação dos dominados e de distanciamento, portanto, de seus verdadeiros interesses emancipatórios. Os esportes deslocariam os condenados da emancipação de seus verdadeiros interesses, concentrando suas energias em questões distantes daquelas que deveriam dominar seu cotidiano. Creio que, na América Latina, a obra crítica e relevante de Sebrelli [2] talvez seja o melhor exemplo deste entendimento. Os esportes foram compreendidos a partir das relações sociais de produção e poder, da dinâmica das classes sociais, com duas noções chaves profundamente relacionadas: alienação e controle. O esporte era visto como um campo de investimentos que, além de alienar, propiciava oportunidades para o desenvolvimento dos negócios, do capitalismo. O próprio Movimento Olímpico não estava distante destas considerações e foi representado como lugar de exaltação e alienação nacionalista, especialmente durante os tempos da guerra fria, e como campo de negócios de um reduzido grupo que participava do esquema, como é corrente dizer no Brasil. O resultado geral era o domínio de uma forte tendência a se considerar o esporte, em particular o espetacular, como funcional para a dominação de classes, quer sob o prisma da alienação e controle mediante o mecanismo básico de ocultamento e/ou deslocamento dos interesses , quer sob o menos freqüente do efeito especular de mobilidade social, a ilusão da ascensão social mediante o esporte por parte das camadas populares. A ilusão da mobilidade provocaria o efeito de aburguesamento, a perda do poder revolucionário da classe operária. O próprio Robert Michels expôs esse ponto de vista no contexto de sua teoria das elites, especialmente quando observa a vontade e oportunidade dos trabalhadores se tornarem pequenos burgueses. Na formulação dos discursos sobre o esporte, os analistas pareciam situar-se de forma distanciada em relação aos efeitos dos fenômenos esportivos. Em Artigo 09 - Lovisolo.pmd 40 outros termos, pareciam objetivar os fenômenos e consideravam que estavam além dos efeitos que provocavam nas massas ou nos apreciadores dos esportes. Não sabemos bem por qual razão, os observadores estariam fora dos efeitos alienantes do esporte. A única explicação seria a de que o trabalho teórico, com ou sem ruptura, protegeria dos efeitos da alienação. O exercício da razão levaria na direção das luzes. Neste sentido, o intelectual ou teórico representaria o futuro, o que está por vir, contra as massas que representariam o que já passou ou está deixando de ser. Contudo, a força emotiva da crítica tinha seu suporte no fundamento moral de considerar o bem da emancipação contra o mal da alienação, da dominação e do controle. As crenças dos amantes dos esportes sobre os mesmos eram produtos de processos de fetichização, mistificação, alienação, enfim, dos poderes da ideologia e, no fundamental, radicalmente diferentes das sustentadas pelos analistas. Denomino ao tipo ideal dessa junção das noções chaves da análise com o fundamento do valor moral e a posição do observador como perspectiva iluminista crítica. Diria que o último grande empreendimento dentro do iluminismo crítico na América Latina foi o de Sebrelli [2,3]. Creio que podemos também localizar, casos concretos, de um iluminismo sem adjetivos que percebe os problemas morais do futebol, porém enfatiza sua capacidade, no contexto e intenção educadora, de contribuir com o dever ser de um mundo moral e pacífico. Talvez no Barão de Coubertain, embora no seio de uma construção eclética, podemos encontrar essa posição: aperfeiçoamento moral gradativo mediante o esporte. As pretensões do estar a salvo dos efeitos alienantes da dinâmica social e os fundamentos da visão iluminada foram agudamente comentados por Enzenberger [4], tomando como modelo a crítica iluminada aos meios de comunicação de massas que, deve ser dito e, sob o ponto de vista da lógica argumentativa, a mesma que vigora na crítica aos efeitos dos esportes espetaculares ou mercantilizados. Esse estar a salvo do analista exige quer a revelação divina quer o corte ou ruptura epistemológica, gerado na fundação mítica e revolucionária da teoria que permite atingir a essência ou realidade dos fenômenos sociais [5,6]. Exige que no plano moral ou epistemológico exista uma diferença de qualidade entre as crenças dos atores sociais e a dos analistas. Observo que as evidências da teoria crítica carecem de sólidos fundamentos em suas relações com seus argumentos. A não participação política, por exemplo, pode tanto ser explicada sob o ponto de vista da alienação, quanto alternativamente sob o da racionalidade 27/04/04, 16:00 " ação & movimento - março/abril 2004;1(1) do ator na avaliação de custos e benefícios. Em outros termos, o ator pode considerar que os custos de fazer a revolução ou de participar da vida política superam seus benefícios. Na medida que a filosofia trabalhou a desconstrução das narrativas fundacionalistas, na medida que o alivio geral produzido pelo giro lingüístico enfatizou a importância das crenças e suas justificativas para uma audiência, creio que a continuidade tradicional entre as crenças dos amantes e promotores dos esportes e os analistas sociais foram retomadas e, mesmo, aprofundadas [7]. O restabelecimento de continuidades, entre o conhecimento do esporte de seus praticantes, torcedores e analistas, como depois comentarei, reforçou a possibilidade na preocupação ou esperança comum com o aperfeiçoamento ou melhoramento do esporte. Cresceu em oposição ao iluminismo crítico uma perspectiva metodológica marcada pela antropologia e pela história que pretendeu entender o fenômeno esportivo sob a perspectiva dos de dentro, dos nativos, dos que sentem emoção, identificação, pertencimento, amor pelo esporte. Esta perspectiva desenvolveu-se e, podemos afirmar que domina hoje uma interpretação quase oposta à construída pelo iluminismo crítico: o futebol e, de modo geral, o esporte, tornou-se espaço de formação de identidades e de expressão do nacional ou regional, de participação e pertencimento, de emoção e prazer, de recreação, criação e imaginação, embora continuem em pé a crítica à mercantilização do esporte. Neste sentido, o futebol passou a ser visto como expressão identitária e cultural que pode estar ao lado de outras artes populares, criando-se as afinidades entre tango e futebol e samba, carnaval e futebol. Um representante típico, que circula entre o jornalismo e as ciências sociais, é Galeano [8]. Ele junta o crítico iluminista radical da mercantilização do futebol com o não menos admirador romântico do esporte quando livre das mazelas de sua apropriação pelo capitalismo. Diria que é um representante típico do romantismo radical. De modo geral, o esporte passa a ser considerado como arte, embora com o qualificativo de popular, popart. Temos, portanto, uma significativa mudança, um conjunto de viradas, nas interpretações ou teorias postas em jogo para analisar o esporte. No caso do Brasil, os trabalhos excitantes de Roberto DaMatta contribuíram significativamente para essa mudança, papel semelhante ao desempenhado por Eduardo Archetti na Argentina, ambos, vale a pena registrar, são antropólogos profissionais com experiência profissional Artigo 09 - Lovisolo.pmd 41 internacional. O modo de operar de DaMatta é continuador do fundado por Gilberto Freyre. Destaca, talvez obsessivamente, a originalidade ou singularidade da cultura brasileira, tanto no relacionamento entre as raças (Freyre), os mundos ou esferas da cultura (DaMatta) quanto no próprio futebol (Freyre e DaMatta). A singularidade ou originalidade dos relacionamentos, práticos e simbólicos, dos brasileiros ou argentinos com o futebol, passou a ocupar o centro do cenário. Ao invés de alienação e controle, as palavras chaves passam a ser singularidade, identidade, emoção, criatividade, estilo, imaginação e outras da mesma matriz. A importância que ganhou a discussão dos estilos nacionais aparece como exemplar metonímico do conjunto das mudanças. Em ambos os países, o futebol se tornou um lugar de recriação, portanto, de criatividade. O futebol passou a ser exaltado por popular, participativo e enquanto expressão autêntica da cultura ou ser nacional. Deve ser destacado que comentaristas, ensaístas, poetas e artistas adotaram esta forma de tratamento na consolidação do futebol como esporte nacional no passado e ainda o fazem, embora não de forma sistemática, em suas narrativas e produções sobre o futebol [9,10]. A idéia que transmitem é que o futebol, imediatamente após ter sido trazido, tornou-se paixão nacional e não mero fogo de palha como acreditou no passado Graciliano Ramos [11]. A hipótese que manejamos é que temos, com o futebol, um efeito de escala rolante para trás, semelhante ao apresentado por Raymond Willians [12] em relação às idéias e sentimentos sobre o campo, mediante o qual os narradores da paixão do futebol outorgam-lhe um caráter de já constituída no passado, por vezes perdido e devendo ser resgatado, eliminando, assim, sua própria incidência sobre a formação dos gostos pelo futebol. Os autores que trabalham nesta perspectiva, se situam dentro de seus efeitos, sobretudo com sentimentos e emoções positivas em relação ao esporte que retomam e expressam os sentimentos populares e nacionais. Denominamos a esta perspectiva de romântica. Salientamos que sob seu ponto de vista há uma continuidade entre as crenças dos atores e dos analistas, embora a dos últimos esteja melhor justificada. Haveria também uma continuidade moral? Somos da opinião de que também passamos do domínio da crítica radical para a que pretende o aperfeiçoamento ou melhoramento do futebol. Cremos que há autores, e entre eles o próprio DaMatta, que tratam de conciliar as perspectivas iluminista crítica e a romântica. A operação se realiza mais ou menos da seguinte forma: sobre a base de 27/04/04, 16:00 " ação & movimento - março/abril 2004;1(1) destacar a emoção e o prazer, a participação e o pertencimento, a criatividade e expressão, relatam-se efeitos positivos dos esportes sobre a experiência da ordem social e pessoal, retomando-se, não raro, elaborações do esporte educacional, em especial o inglês, que afetaram as formulações do próprio formulador do olimpismo, o Barão de Coubertain. Assim, o esporte passa a desempenhar um papel singular no processo civilizador, como no caso de Elias, a obra de DaMatta nos preparou para aceitarmos a influência de Norbert Elias, e seu grupo de colaboradores, que colocou o esporte dentro do processo civilizador [13]. Neste caso, destaca-se a dinâmica e controle das emoções, no seio de mudanças gerais dos padrões de relacionamento, das configurações das sociedades que levariam a efeitos positivos em relação a regras e sua aplicação, e a valores como a igualdade diante da regra, entre outros. Creio que a perspectiva de DaMatta realiza uma conciliação entre a perspectiva iluminista e a romântica. Embora o entendimento do ser do esporte seja romântico, não deixam de ser destacados efeitos que correspondem a um dever ser da proposta de ordem iluminista de melhorar o mundo, por exemplo, em relação à universalidade da regra e a igualdade no jogo. Creio que este tipo de articulação argumentativa é recorrente e, como procurei demonstrar em outra parte, resulta tanto de processos de conciliação de valores inconciliáveis quanto de situarmos dentro e fora, ao mesmo tempo, do objeto de estudo ou da intervenção [14]. Observo que há, então, três aspectos em jogo: de um lado, as categorias de análise de raiz iluminista ou romântica; do outro, uma mudança na posição do observador, distanciado ou engajado nas crenças dos atores e, por último, uma mudança significativa na avaliação moral do esporte. O tipo ideal do iluminismo crítico implica a junção de categorias iluministas com o distanciamento do observador, entendido como proteção dos efeitos de alienação e controle, e de seu suporte a emoção, do esporte sobre o observador que se situa fora de sua atração e efeitos, Voltaire explicitou claramente esta posição. Formula, ao mesmo tempo, uma crítica moral a partir dos efeitos negativos do envolvimento com o esporte, (mercantilização, utilitarismo, etc.). O tipo ideal romântico emerge na junção das categorias românticas (recriação, pertencimento, expressão, autenticidade, entre outras) com o reconhecimento da paixão e gostos positivos do observador em relação ao esporte que fundamentam o entendimento interior que, no caso da estética romântica, significa usufruir, sentir prazer com a obra de arte e recriá-la, ou seja, ser Artigo 09 - Lovisolo.pmd 42 também o artista enquanto espectador. Há uma valorização moral positiva, quer quando se considera o exporte como expressão autêntica, quer quando em guinada iluminista, se valoriza como formador ou educador. A sedução pelo espetáculo esportivo Destaco, então, que a mudança de tratamento foi tanto interpretativa como emotiva. Num plano mais geral podemos relacionar as posições em curso com os modelos científico e literário ou artístico que tencionam os modos de entender as tarefas das ciências sociais. O texto clássico aqui parece que continua sendo o de Lepenies [15]. Observo que quando digo mudança emotiva não estou afirmando que passou a existir um tipo de relacionamento antes inexistente. Estou apenas afirmando que a emoção positiva e os afetos em relação ao objeto de conhecimento passaram a ser reconhecidos e valorizados no processo de produção de conhecimentos. Vejamos sinais ao alcance de todos dessa mudança. Uma atitude cada vez mais generalizada que ainda me surpreende e, reconheço, também me diverte, quando participo em reuniões de cientistas sociais que discutem o esporte, são as declarações de amor ao mesmo e, sobretudo, ao futebol. Os analistas aparecem como enamorados, entusiasmados, seduzidos pelo objeto. Não raro, os cientistas sociais passam a relatar anedotas e causos da mesma forma que torcedores e jornalistas. Não poucos, lembram um repertório invejável de dados e estórias. Este domínio do emotivo, esta paixão pelo objeto que se expressa mediante formas narrativas ficcionais, sugiro que aproxima, pelo lado popular, o cientista social do torcedor e do comentador esportivo. Assim, a ruptura ou corte epistemológico que supõe o modelo iluminista é abandonada, deixa de ser importante. A alienação e o controle apenas podem ser apontados por aquele que, por razões epistemológicas, ocupa uma posição superior. Quando se abandona a posição superior, que as noções de corte ou ruptura apontam, passamos a desenvolver um conhecimento apenas mais denso, mais rico, mais diferenciado. Enfim, a continuidade entre o conhecimento popular, no caso do torcedor, e o científico, no caso do analista social, se restabelece e temos então apenas diferenças de grau. Cremos que, no entanto, existe um modelo bem mais erudito de aproximação ao esporte mediante a reduplicação, embora com particularidades, do desempenho do crítico ou comentarista de artes. Diria que reservamos a denominação de crítico para a 27/04/04, 16:00 "! ação & movimento - março/abril 2004;1(1) formulação de avaliações argumentativas destinadas a um público de entendidos não raro os próprios críticos e artistas de obras eruditas, e a de comentarista para a avaliação argumentativa destinadas a um público amplo, de não especialistas, de obras populares. A distinção, então, implica o tipo de público, de linguagem e de desenvolvimento argumentativo. Os críticos devem manifestar sua paixão e sentimentos positivos pela arte, embora possam ser negativos diante de obras particulares. Da mesma forma, podemos afirmar sentimentos negativos diante de um jogo particular de futebol. Contudo, podemos fazer isso porque amamos a Arte ou o Futebol. Assim, a epistemologia da crítica artística parece demandar como condição de produção do conhecimento a relação emotiva positiva com seus objetos. O distanciamento, a falta de sentimentos, a equanimidade é suspeita na crítica das artes e, tudo indica, estamos mais perto de Nietsche, a defesa da paixão, do que de Espinoza, a defesa da equanimidade. Assim, o que os torcedores, jornalistas esportivos e críticos de artes têm em comum é a emoção em relação ao objeto. Eles gostam um bocado da arte ou do futebol, também é possível gostar de ambos. E isto significa que mediante a emoção se situam na perspectiva dos de dentro, do pertencimento ao campo de significados das obras que analisam. Mais ainda, eles afirmam que para falar com autoridade de arte ou de esportes é necessário amá-los de alguma forma. É necessário sentir o pertencimento ao campo de suas práticas e sentidos. A epistemologia que professam afirma que apenas se pode falar desde dentro. Acreditam que a perspectiva dos de dentro, dos que amam ou gostam, é superior àquela dos de fora, os distanciados ou indiferentes e, também, dos teóricos. Temos, assim, uma reviravolta na relação com os modelos anteriores nos quais as emoções ou não apareciam ou eram simplesmente negativas no processo de conhecimento dos fenômenos culturais e sociais. Conhecer a partir das emoções passou a ser epistemológica e moralmente correto: a feminista ardente aparece como a figura mais autorizada para estudar o feminismo! Em resumo, domina o sentimento e a idéia de que devemos partir dos sentimentos positivos para situarmos fora com conceitos e metodologias do distanciamento. O aperfeiçoamento desde dentro Se afirmarmos como fazíamos no passado recente que o esporte é o ópio do povo, estamos nos situando fora e, então, deriva-se que não se Artigo 09 - Lovisolo.pmd 43 pretende manter o esporte nem ajudar a um desenvolvimento superior, ético ou estético. Da mesma forma, se afirmarmos que a religião é o ópio dos povos é porque já estamos fora e, portanto, não temos nenhum compromisso com sua sobrevivência. Estamos dizendo que é um vício e que passaríamos melhor sem ele. Estaríamos afirmando que uma cultura nova deve ser uma cultura sem religião, da mesma forma que poderíamos afirmar que uma nova economia deveria ser sem exploração, uma política nova sem líderes políticos e um novo esporte sem competição. Pessoalmente, me resulta difícil imaginar uma cultura sem religião, uma economia sem algum tipo de exploração (apropriação do trabalho de outro), uma política sem líderes e um esporte sem competição. Alguma coisa central estaria sendo mudada na própria definição de cada um desses campos de atividade. Talvez devêssemos mudar as palavras, pois estamos afirmando com a qualificação de nova que dimensões centrais dos campos, com as quais recortamos e participamos de seus entendimentos, foram eliminadas. Em oposição, quando nos situamos dentro apenas podemos fazer duas coisas: deleitar-nos no elogio ou postular reformas que o aproximem de um ideal melhor. Deriva, então, a conciliação do iluminismo com o romantismo. Cremos que esta é a tendência central do Movimento Olímpico em seu agir a favor do fair play, contra o uso do dopping e, sobretudo, na escolha das sedes olímpicas em relação as quais o espírito de reforma e aperfeiçoamento é evidente, além das possíveis incidências dos negócios institucionais e talvez mesmo dos pessoais. Os jornalistas esportivos, por sua vez, também diariamente realizam esta operação, manifestam seu amor e reclamam por mudanças que melhorem o campo do esporte: ética do esporte e, sobretudo, de seus dirigentes, contra a violência, contra a corrupção, a favor da regra e a arbitragem limpa, enfim, os exemplos podem ser multiplicados. Embora reconheçam a ambigüidade ética do esporte, ele é aquilo que dele fazemos, acreditam que podem fazer dele alguma coisa melhor, depurá-lo do lado negro fazendo que, por exemplo, aumentemos o respeito voluntário pelas regras e diminuamos a violência entre jogadores e torcedores (processo civilizador). Uma boa parte dos que falam desde dentro do esporte, e que se consideram críticos do esporte que está ai, postulam reformas para seu aperfeiçoamento. Um exemplo notório é a crítica à mercantilização do esporte ou perda de uma condição originária, geralmente pura, pelo domínio da exploração capitalista. Essa crítica já estava na famosa obra de Huizinga, Homo ludens [16]. Claro exemplo também 27/04/04, 16:00 "" ação & movimento - março/abril 2004;1(1) são os professores de educação física críticos do sistema do esporte do rendimento, amam o esporte e pretendem reformá-lo para que perda seu caráter comercial, competitivo impuro ou degradado [17]. Contudo, algumas de suas propostas sobre o esporte modificam tanto seus aspectos centrais que dificilmente concordaríamos em chamar o que resulta de esporte. Por exemplo, quando parecem pretender eliminar a competição do esporte, talvez motivados por declarações um tanto fortes dos membros da escola de Frankfurt. O esporte socialista durante sua vigência tinha dois traços que o distinguiam do capitalista: era mais utilizado em benefício do Estado do que dos particulares e recompensava muito mais com benefícios não monetários do que monetários, o resto, isto é, o central, continuou igual. No caso de alguns dos países socialistas exacerbou-se o investimento bioquímico na maximização do desempenho esportivo. As experiências reais parecem indicar que há um núcleo duro do esporte que não pode ser modificado. Defendo o ponto de vista de que a relação emotiva atual com o esporte no campo das ciências sociais está levando na direção de teorias ou interpretações que destacam seus traços positivos, quer enquanto realidades presentes, quer enquanto aperfeiçoamento para o futuro se superarmos suas falhas ou degradações atuais. Da mesma forma que uma nova religião pode apenas manifestar uma vontade de superação das falhas da antiga, jamais uma eliminação dos aspectos centrais da religião, portanto se apresenta como retomada dos fundamentos puros. Concluindo, a análise atual das ciências sociais do esporte baseia-se no estabelecimento de relações emotivas, de pertencimento, de estar dentro, que leva apenas na direção do aperfeiçoamento do que está ai. Assim, também no campo do esporte, se manifesta o espírito reformista, incrementalista e aperfeiçoador da época? Cremos que apreendemos muito sobre o esporte com Ortega y Gasset. Também apreendemos que há um espírito de cada época. No campo do Artigo 09 - Lovisolo.pmd 44 Olimpismo, esse espírito é aperfeiçoador: da gestão democrática, das práticas que respeitam as regras, da transparência e igualdade da participação desigual, da orientação das sedes olímpicas que incida sobre a melhoria da qualidade de vida dos seus cidadãos, enfim, o Olimpismo para sobreviver terá que manifestar seus efeitos civilizatórios dentro e fora do esporte. Referencias 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. Lovisolo, H. Estética, esporte e educação física, Rio de Janeiro: Sprint, 1997. Sebrelli, J.J. La era del fútbol. Buenos Aires: Sudamericana, 1998. Sebrelli, J.J. Fútbol y masas. Buenos Aires: Galerna, 1981. Enzensberger. H.M. Mediocridad y delirio. Barcelona: Anagrama, 1991. Lovisolo. H. Mídia, lazer e tédio. Revista Brasileira de Ciências da Comunicação, 2002. Land, M. A mente externa, a ética naturalista de Daniel Dennet. Rio de Janeiro: Garamond/Faperj, 2001. Rorty, R. Esperanza o conocimiento? 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New York: Colombia Univesity Press, 1984. ♦ 27/04/04, 16:00 "# ação & movimento - março/abril 2004;1(1) ARTIGO ORIGINAL Do jogo com esforço ao jogo sem esforço From the game with effort to the game without effort Rui Proença Garcia Professor associado da Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física, Universidade do Porto, Portugal Resumo Partindo da compreensão que o desporto moderno é uma manifestação lúdica, contendo uma idéia de rendimento em busca de uma superação expressa pelo corpo em esforço, pretende o autor analisar um paradoxo que atualmente parece surgir na nossa sociedade: a negação do esforço em atividades lúdicas próximas do desporto. Para tal, analisou a evolução paradigmática do desporto, tendo verificado que desde a Revolução Industrial a idéia do corpo em esforço foi um valor importante e que atualmente um grande número de atividades que invocam o estatuto de desportivas anulam esta dimensão ética. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras-chave: jogo, esforço, desporto moderno Abstract From the understanding point of view that modern sport is a ludic manifestation, having an idea of searching for an express overcoming for the body under effort, the author intends to analyze a paradox that currently seems to appear in our society: the negation of the effort in ludic activities close to sport. For such, the paradigmatic evolution of sport was analyzed, and found that since the Industrial Revolution the idea of the body in effort was of great value and that actually a large number of activities that invoke the statute of sporting annuls this ethical dimension. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key-words: game, effort, modern sport Artigo recebido em 15 de março de 2004; aceito em 15 de março de 2004. Endereço para correspondência: Prof. Dr. Rui Proença Garcia, Universidade do Porto, Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação, Rua Dr. Plácido da Costa 91, 4200-450 Porto, Portugal, E-mail:[email protected] Artigo 06 - Rui Proença.pmd 45 27/04/04, 16:00 "$ ação & movimento - março/abril 2004;1(1) Introdução É exatamente a análise deste paradoxo que queremos aqui equacionar. Uma das tarefas que a nossa juventude acadêmica queria resolver era estabelecer uma inequívoca definição de desporto. Após muitas consultas, rapidamente percebemos que esta tarefa seria simples e rápida, tal era a quantidade de dados carreados pela literatura desportiva. Porém, com o natural decurso temporal, aquilo que parecia ser uma tarefa curta e simples tornou-se impossível, pois concluímos que o conceito desporto não resiste ao imediatismo das definições. A erosão do tempo rapidamente desgasta as diferentes definições. Após esta triste conclusão, resolvemos então ir em busca daquilo que Mircea Eliade entende ser o mais importante numa mensagem, qual seja o seu núcleo cristalino [1] . Retiramos do desporto moderno tudo aquilo que faz parte da evolução da tecnologia (não esquecer, na esteira de Marcel Mauss [2], que também existe uma tecnologia corporal) e conseguimos chegar ao tal núcleo cristalino do desporto. Entendemos que o desporto é uma manifestação lúdica, provida de uma idéia de rendimento em busca de uma constante superação, sendo que estas três categorias se expressam pelo corpo. Tal como um cientista no seu laboratório fizemos várias experiências. Estudamos modalidades clássicas, tal como o futebol. A hipótese confirmou-se. Depois averiguamos as novas modalidades de tipo recreativo, como o skate e o surf. A hipótese também foi confirmada. Não satisfeitos, ainda fomos em busca dos idosos, embora aqui cheios de dúvidas. Para nosso espanto, a hipótese ainda resistia a todos os ataques conceptuais e empíricos. Fomos à escola pública. O mesmo. Fomos às academias e o resultado foi novamente idêntico. Tudo o que vimos, retirando obviamente a especificidade de cada local, foram manifestações lúdicas, preceituando um constante rendimento, seja ele qual for, nem que seja apenas envelhecer menos rapidamente em busca da superação das tarefas inerentes a atividade, seja uma final olímpica ou a mobilidade mínima para a afirmação de uma autonomia. E tudo isto através do corpo em situação de esforço. Sim, porque há muitas outras atividades que se desenrolam em busca ou de acordo com os três princípios anteriormente enunciados, mas sem a intervenção do corpo esforçado. É desta forma que entendemos a importância do corpo para a compreensão do desporto moderno e de todas aquelas atividades associadas ao movimento desportivo. Mas o corpo está numa encruzilhada nesta nossa sociedade. Se por um lado o corpo em esforço é glorificado, por outro é negado. Artigo 06 - Rui Proença.pmd 46 O desporto e o paradigma da revolução industrial O desporto moderno assenta as suas bases no triplo paradigma da Revolução Industrial: a organização, o rendimento e o triunfo [3]. Com base nestes princípios o corpo foi olhado como um instrumento do e para um progresso pretensamente ilimitado. O desporto moderno, filho como é da tradição racionalista e desenvolvido nos anos dourados da Revolução Industrial, mais que espalhar a lógica de uma sociedade, assume-se como um verdadeiro microcosmos desta. A idéia do progresso ilimitado, consubstanciado no desporto pela idéia do recorde, quiçá o aspecto mais simbólico do desporto moderno, assenta nas premissas do próprio industrialismo. A idéia do progresso, base da concepção do recorde, apareceu na Europa Ocidental Setecentista, como parte integrante da atitude iluminista e da fé do triunfo da razão. Previa-se a extensão da sociedade fundamentada nesta razão a todo os povos deste mundo. O desporto, constituindo-se como a atividade lúdica expressiva desta nova maneira de interpretar o mundo autêntica mundividência , racionalizou o jogo, e intentou em afastar deste a sua dimensão aleatória. É evidente que o desporto não conseguiu romper totalmente com aquilo que é denominado jogo, assumindo-se como um equívoco a visão de uma descontinuidade entre estes dois fenômenos. O acaso, característica essencial do jogo, persiste no desporto moderno nenhuma ciência ou forma de pensar conseguiu eliminá-lo por completo. Aliás, pensamos que quando tal fato for atingido, deixará de haver desporto. Os novos desportos continuam a acentuar o elemento aleatório nas suas práticas, uma vez que estão sujeitos à força da natureza, e esta continua a não ser totalmente previsível para a ciência e quase totalmente imprevisível para o praticante. Frente ao exposto, entendemos o desporto como sendo o ludismo industrializado, tal era a força que os princípios determinantes da Revolução Industrial impregnavam a atividade. A organização, motor da nova lógica produtiva a lógica da massificação e da especialização de funções que tem a sua expressão máxima no fordismo com o famoso modelo T, o rendimento e o triunfo são a base desta nova concepção de atividade física. Como seria de esperar, sendo o corpo entendido como a expressão micro de um cosmos, este desporto invoca, e ao mesmo tempo produz, um 27/04/04, 16:00 "% ação & movimento - março/abril 2004;1(1) determinado tipo de corpo que poderemos considerar mecânico. A excelência do funcionamento dos órgãos era, e ainda é, procurada a todo o custo, não havendo muitas vezes a noção dos limites do homem, podendo levantar essa busca incessante de rendimento algumas questões éticas. Aliás, muito recentemente, num seminário internacional de atletismo, foi afirmado que o homem não tem limites e que, por isto, haverá sempre recordes para bater e mais velocidade para atingir. Esta infeliz conclusão nos remete para a profética e arrepiante declaração de Karl Kraus: De que serve a velocidade se pelo caminho se lhe vazou o cérebro? [4]. Foi, talvez, este homem progressivamente descerebralizado que deu origem a inúmeros ataques ao desporto de competição e ao surgimento de variados movimentos que defendem outros entendimentos para a prática física. Em grande pane, foi o extremismo de uns que levou outros a extremarem a sua luta contra o desporto. Já Eckhard Meinberg nos alertou para o fato de grande pane destes inflamados ataques ao desporto se deve a perdas da dimensão humanista da competição, em que muitas vezes a exceção é tomada como o todo [5]. Atualmente uma nova tríade paradigmática convive com aquela outra anteriormente enunciada que, como já tivemos oportunidade de apresentar, justifica, legitimou e legitima o desporto de alto rendimento: a saúde, a beleza e a juventude. É notória a evolução conceitual de uma expressão corporal mais de tipo materialista para uma outra que nos atrevemos de classificar de espiritual, indo ao encontro de uma expressão enunciada por Hans Lenk, não interessando apenas na excelência da máquina, mas determinada dimensão constitutiva do homem, especialmente ligada a valores existenciais [6]. Também através desta concepção surge uma outra visão do corpo. O rendimento absolutizado e único começa a conviver com uma outra dimensão, na qual cada qual procura o seu próprio nível de reivindicação do rendimento, naquilo que Gervilla [7] considera ser o pluralismo axiológico da nossa sociedade. Frente a esta autêntica balcanização axiológica, também o corpo (re?) aparece como um valor importante neste final de século. Alain Touraine considera ser este período da nossa sociedade caracterizado, entre outros aspectos, pela emergência do corpo que o racionalismo moderno havia rejeitado, reprimido ou encarcerado, pensando nós que há razões que justificam este novo estatuto do corpo na nova hierarquia axiológica [3]. Ao longo de inúmeras gerações, o trabalho produtivo assumiu-se e ainda se assume em pratica- Artigo 06 - Rui Proença.pmd 47 mente todo o mundo, como o tempo mais sério das nossas vidas, numa clara ruptura com aquilo que era corrente em sociedades primitivas e mesmo em sociedades pré-industriais mais recentes. O trabalho aparece assim como o fator organizativo da nossa existência, obcecando, como nos lembrou Ortega y Gasset [8], o homem. A nossa sociedade incorporou este conceito de tal forma que se criaram justificações para tudo tendo como fundamento o próprio trabalho, identificando este a nossa vida. O trabalho aparece não só como um dever social, mas também como um fim em si: o homem tem a obrigação de melhorar o seu desempenho, tendo o desporto servido inúmeras vezes para garantir este objetivo. O desporto emanado desta sociedade, denominada por Lipovetsky [9] como sendo do dever, tinha também que corresponder às exigências de uma certa hierarquização axiológica do tempo. E o desporto inspirado no esforço, na moral, no dever, na exaltação do esquecimento da sua pessoa, enfim, é um desporto no qual o prazer aparece, mas onde não é propriamente o fundamental. O novo desporto e o novo paradigma: Jogo sem esforço Atualmente assistimos a uma clara mudança dos valores fundamentais da sociedade. A sociedade do dever, na perspectiva de Lipovetsky [9], encontra-se no seu crepúsculo, estando a ser substituída por uma outra na qual impera uma ética indolor. O mesmo autor afirma ainda que o esforço deixou de estar na moda e, por isto, a nossa própria existência não comporta mais em exclusivo atividades desportivas centradas no sentimento do dever. Desta forma, não faz mais sentido um desporto baseado apenas nas normas rígidas da sociedade industrial expoente visual da modernidade , mas sim um novo desporto no qual o prazer da atividade se sobreponha à obediência. O corpo libertou-se da idéia de uma obrigação interior, podendo finalmente ser devidamente escutado em atividades desenvolvidas longe das pedagogias austeras da vontade. Como nos assevera Edgar Morin, o tempo livre agora disponível possibilitou ao homem o reencontro com os seus próprios ritmos sacrificados no tempo mecânico, programado, cronometrado, acelerado, breve, enfim, submetido à lógica da máquina infernal. Este novo tempo livre é assim, também, um tempo de reflexão, de expressão de uma vida interior e, acima de tudo, um reencontro com a criatividade [10]. A enunciação da trilogia que mencionamos, saúde, beleza e juventude, tem que ser entendida numa 27/04/04, 16:00 "& ação & movimento - março/abril 2004;1(1) dupla perspectiva: das razões expressas ou manifestas e das razões latentes. Estudos que temos efetuado mostram que a saúde e a razão mais apontada para justificar a prática da atividade física. Se apresentarmos a tricotomia saúde, beleza e juventude como opções para escolher aquela que melhor justifica determinada prática, indubitavelmente a escolha recairá na saúde. Contudo, se em vez da apresentação tricotômica falarmos e convivermos demoradamente com as pessoas, verificaremos que afinal não é propriamente a saúde a causa fundamental da prática desportiva. Detectamse facilmente outras razões, nas quais o parecer bem, o estar na moda e ter um corpo de acordo com os atuais padrões de beleza imperam de maneira determinante. A dimensão saúde apresenta-se assim como um efeito e não propriamente como um fundamento credível destas práticas das modernas academias desportivas. A própria Organização Mundial de Saúde (OMS) tem consciência da falibilidade da argumentação da atividade física em prol da saúde. Com efeito, num estudo publicado em 1991, verificou-se que a razão expressa pela maioria de jovens para a prática desportiva era possuir um bom aspecto físico. A saúde, como é de esperar nestas idades, não é causa determinante para a prática desportiva. Os resultados que temos encontrado nos nossos estudos com pessoas pertencentes a escalões etários mais avançados estão de acordo com estudos de outros países europeus, onde por exemplo, na Espanha cerca de metade da população feminina que habitualmente recorre às academias afirma que o faz somente por motivos estéticos. Aliás, é prática corrente a enorme afluência às academias nos meses imediatamente anteriores ao verão, não sendo muito perceptível a dimensão saúde nesta opção. A razão latente nestas atividades é a busca da beleza física. A esta expressão desportiva, associam-se outras práticas, notadamente aquelas que mimetizam a idade, como as cirurgias plásticas e os produtos para disfarçar os inevitáveis efeitos do envelhecimento. Por outro lado, instalou-se um novo comércio, o dos produtos light e diet, isto é, produtos com poucas calorias ou mesmo nenhuma. Passe a propaganda: é a coca-cola sem calorias, é a cerveja e mesmo o vinho sem álcool entre uma lista interminável de outros produtos. Cada vez mais aparecem propostas para a construção corporal sem esforço, sem atividade física e sem sacrifício. São os produtos adelgaçantes, ou os comprimidos que fazem perder 10 quilos em 30 dias e que atuam enquanto a pessoa dorme, lê Artigo 06 - Rui Proença.pmd 48 um livro ou executa tarefas domésticas; produtos estes de tal forma eficazes que a empresa devolve o dinheiro se o emagrecimento não acontecer. E tudo sem esforço. Tudo sem atividade física e com resultados imediatos. Note-se ainda que cada vez mais a procura destes produtos aumenta em populações jovens, que poderiam conseguir os mesmos resultados com uma prática física regular. Aquilo que sempre foi conseguido através do dever é agora conseguido sem esforço: prazer sem esforço parece ser o lema do nosso tempo. Há, no entanto, razões objetivas para que a procura destes produtos estéticos se dê. Infelizmente a globalização, processo inicialmente econômico, afetou de grande modo a sociedade ocidental. A cultura do shopping center, da fast food, criou novas necessidades e novas práticas alimentares. O imobilismo da juventude é um dado incontornável. Acontece e agora é potenciado por estas novas centrais do consumo. O corpo, depois, é que sofre as conseqüências. Sem hábitos desportivos para contrabalançar as práticas consumistas dos modelos norte-americanos, o mais fácil é recorrer aos milagres conseguidos pelos laboratórios. A sociedade, esteticamente repressiva, pede um determinado tipo de constituição corporal. Em contrapartida, o conforto consumista produz um outro tipo de corpo. Desta dicotomia a autoimagem corporal, como é sabido, sai afetada. Um famoso psiquiatra norte-americano, Harry Sullivan, pensa que o homem possui um eu ideal, por ele aceito, apesar de não se realizar no dia-a-dia. Talvez aqui se possa recordar o poema Dispersão, de Mário de Sá-Carneiro. Com efeito, tal como nos diz o poeta, a imagem projetada pelo espelho raramente é aquela imaginada pelo próprio eu. O eu ideal, neste caso o eu corporal ideal, pode não coincidir com o eu corporal real. Entre a auto-imagem e a imagem visível para os outros, podem existir diferenças. E a consciência destas diferenças pode ainda ser obtida na própria imagem, como nos lembra Paul Feyereband quando relata a história de alguém que quando caminhava na direção de uma parede viu um vagabundo com um aspecto duvidoso avançado na sua direção, sem perceber de imediato que a parede era um espelho e que, por isto, o vagabundo era ele próprio. Depois, quando se apercebeu do equívoco, o outro transformou-se numa bela figura humana [11]. No que concerne a multiplicação da nossa própria imagem, Unamuno vai ainda um pouco mais longe que os autores anteriores ao afirmar que em cada Tomás existem três Tomases: o que ele crê ser, o que os demais crêem que ele e o que ele é só mesmo 27/04/04, 16:00 "' ação & movimento - março/abril 2004;1(1) Deus conhece [12]. E são estas diferenças que levam muitas vezes à dissimulação, a determinado tipo de sacrifícios e a verdadeiras amputações, isto é, a preponderância da imagem relativamente ao todo do ser humano. Baudelaire, noutros tempos, afirmava que o coração poderia converter-se num espelho de si mesmo. Agora, parece ser o corpo, no seu limite exterior, este espelho, mas se possível um espelho não plano, a fim de evitar que mostre exatamente aquilo que somos. Embora conscientes do risco que poderá acarretar a afirmação que se segue, não cremos que a aquisição da nossa forma corporal se esgote no processo biológico denominado morfogênese, o qual Jacques Monod descreveu tão pormenorizadamente [13]. Aliás, mesmo a clonagem, a hibridação, a engenharia genética são intervenções humanas na morfogênese, mas esta ultrapassa a própria biologia. A forma corporal do homem é também fruto do ambiente sociocultural a que o indivíduo pertence. Lembra-nos o escritor Luís Sepúlveda que a vida da floresta temperou-lhe o corpo. Adquiriu músculos felinos... [14]. Para além de todos os processos naturais morfegenéticos, outros há, talvez mais sutis, mas nem por isso menos importantes, que contribuem decisivamente para a forma que o nosso corpo acaba por ter, o que nos leva a pensar que efetivamente o corpo é tratado como um bocado de madeira que cada um talhou e arranjou a sua maneira. Comenius vai ainda mais longe ao ver o corpo humano como uma construção, afirmando: com efeito, quanto ao corpo, construído com arte admirável..., remetendo assim a gênese da sua forma para outra entidade que não o simples desencadear de reações bioquímicas. Então, todo este processo de construção da imagem corporal não é somente uma cópia de um modelo externo, mas como nos assevera Merleau-Ponty [15], o interior do exterior e o exterior do interior, tanto da própria pessoa como da sociedade onde está inserida. Parece-nos, então, ser legítimo falar de um Corpo Humano, entidade abstrata, e de um corpo humano, ou seja, a realização espaço-temporal dessa entidade abstrata que efetivamente o corpo parece ser. Aqui é justo recordar um grande escritor da lusofonia, Teixeira de Pascoaes [16], mormente quando nos assegura que se o criar é divino, é humano o corrigir. Cada vez mais o nosso homem tende a corrigir a criação. E por isto mesmo é humano. Como conseqüência daquilo que denominamos de morfogênese cultural do corpo humano, este diferencia-se de sociedade para sociedade, e mesmo de região para região , como é o caso de Portugal, Artigo 06 - Rui Proença.pmd 49 quando comparamos o corpo alto e esguio procurado nas regiões urbanas e o corpo mais robusto, como acontece nas zonas rurais. A sociedade urbana de hoje persegue um corpo jovem, magro e belo. É um corpo que cultiva a dimensão vertical, renunciando aquele que se curva e se vira para o chão. Tenta negar o corpo vencido pela inexorabilidade do tempo, numa luta desigual e condenada a derrota eterna. O corpo das pessoas expressa a sociedade de que faz parte. Há autores que ainda vão mais longe afirmando que se pode ler no corpo a imagem da sociedade ou do universo. Nesta linha de pensamento incluímos ainda o jesuíta brasileiro Henrique Vaz, nomeadamente quando afirma numa das suas obras que no aqui e agora do espaço-tempo cultural estão presentes as técnicas de adestramento ou modelagem da figura corporal, como a ginástica, bem como as condutas interpessoais que se exprimem predominantemente através do corpo, como o jogo (...) [17]. O corpo é assim afetado pelas experiências sociais, pelas normas e valores do grupo em que se inclui. Ora, uma vez que esta sociedade cada vez mais tem necessidade de utilizar o prefixo pós para se caracterizar, o corpo humano progressivamente também se aproxima de uma idéia de pós-orgânico, afastando-se pelo menos de um orgânico natural e indo ao encontro de um novo conceito de órgão um órgão mecanizado ou informatizado. A figura no cinema americano do Robocop, um superpolícia cuja grande parte do corpo é mecânico e cujo cérebro se assemelha mais a um computador e por isto incapaz de expressar sentimentos , é um bom exemplo disto. No caso do novo homem, o pós-orgânico cujo nascimento já nem é exclusivamente um assunto tipicamente feminino, mas da engenharia, onde o corpo não é mais uma encarnação do self , podemos falar da coisa extensa (o cartesiano res extensa) tal como os defensores da psicomotricidade apontam. Mas este homem não é o nosso núcleo de estudo. O nosso homem, mesmo sujeito à somatização da sociedade, age e interage com o corpo. Modela-o de acordo com valores. Como temos explanado, são várias as razões explicativas para a incrível importância da imagem corporal nos dias de hoje. Cremos, baseados em vasta bibliografia, que isto se deva fundamentalmente à precariedade dos valores, ao pragmatismo da vida. Na realidade, o corpo-objeto, entidade anatômica e orgânica, é uma realidade bem identificada e delimitada. O corposujeito, situado algures numa dimensão relativista e por isto menos imediata e mais complexa, é algo abstrato, 27/04/04, 16:00 # ação & movimento - março/abril 2004;1(1) distante dos valores prevalecentes da nossa sociedade, deste nosso tempo, nesta sociedade da imagem, como muito bem caracterizou Marc Auge [18]. Com efeito, vivemos numa sociedade que privilegiou o sentido da visão em detrimento dos demais, constuindo-se este aspecto como uma das suas características mais peculiares. A imagem constitui-se assim numa qualidade intrínseca das coisas e dos seres, sendo esta qualidade o nosso cartão-de-visita ou, como aponta Anthony Giddens, a nossa narrativa de autoidentidade perante a sociedade [19]. Numa época onde a mudança poderia assumirse como a palavra-chave da sociedade, a juventude aparece como um valor fundamental a ser mantido. Mas o corpo-objeto jovem é efêmero, e precário. Para corresponder às necessidades recorreu-se, então, à dimensão subjetiva do próprio corpo. A sociedade construiu assim o seu próprio corpo, um corpo pretensamente jovem, numa clara tentativa de anulação da coordenada antropológica tempo, tornando-o prisioneiro da essência consumista do nosso viver quotidiano. Este consumismo, na miragem do corpo jovem, passa pelo constante aparecimento de novas práticas. É a ginástica aeróbia que pode ser de baixo ou alto impacto, é a localizada, é o step, é o cardio que pode ser funk ou training. O importante é diversificar os nomes, apresentá-los em inglês, e introduzir tecnologias computorizadas apropriadas. Depois, a imaginação criará a ilusão de uma juventude corporal retomada. Eckhard Meinberg [5] já nos alertou para esta realidade, apontando o sonho da juventude eterna como algo compreensível para esta sociedade em que o envelhecimento é entendido como um mal. O mesmo autor destaca como imperativo supremo da atualidade a expressão mantenha-se jovem durante o maior período de tempo possível. Aparece, assim, o bodystyling como prática artificial da conquista da juventude. Mas como o exercício físico é desgastante aparecem por todos os lados novas técnicas ou produtos de emagrecimento, ou para embelezar, para que sem esforço pois estamos numa sociedade onde o dever está para além da moda possamos modelar o corpo de acordo com os padrões socialmente aceitáveis. Boaventura Sousa Santos considera estas práticas físicas ou parafísicas como o segundo turno de trabalho do homem de hoje [20]. Afinal na sua agenda, cada vez mais, o homem moderno, para além e a par das suas reuniões executivas, destina parte do dia ao seu clube desportivo , muitos deles, agora rebatizados de centros de beleza. Artigo 06 - Rui Proença.pmd 50 Portanto, parecer bem, estar de acordo com as normas estéticas atuais, ter um aspecto saudável, nem que as práticas para obter este aspecto sejam tudo menos saudáveis, é uma necessidade do tempo atual que cada vez mais atinge uma maior população. Se em outros tempos a beleza era quase exclusiva da mulher jovem, agora praticamente nenhum setor populacional escapa a busca deste atributo. Sendo a imagem do corpo valorizada como é neste nosso tempo e sociedade, em que a aparência corporal, o visual, o vigor físico, o vestuário, a maquiagem assumem um estatuto de relevo, e poder-se-á questionar qual o critério para diferenciar o tempo de trabalho do tempo livre. Parece-nos ser esta uma questão de grande interesse, pois a idéia generalizada que atribui uma seriedade ao trabalho produtivo e uma nãoseriedade ao tempo não produtivo onde destacamos o tempo do desporto, especialmente o denominado de recreação não resiste à evidência de que ter um corpo belo, moldado em função das normas estéticas vigentes, é muitas vezes uma exigência para o rendimento do trabalho, tornando assim promíscua a relação do tempo de produção com a do tempo de lazer. Nos trabalhos que temos desenvolvido, quer na cidade quer em zonas rurais submetidas ou não à lógica industrial, temos observado situações onde o corpo humano se transforma admiravelmente através de autênticas técnicas miméticas, sacrificiais, ou através de verdadeiras mutilações, tentando parecer aquilo que a própria sociedade exije que ele seja. Frente a todas estas situações do nosso quotidiano que revelam esta incessante busca de uma estética corporal, é relativamente fácil relembrar a história de Narciso, vendo nestas práticas uma obsessão doentia pela perfeição. Nós, no entanto, não queremos acreditar naquilo que parece ser uma evidência. Entendemos ser este autêntico culto do corpo a materialização pessoal de dois valores emergentes, associados à nossa sociedade: a beleza e a juventude. Este emergir de um novo culto pelo corpo, cuja construção é apresentada como não tendo limites, obriga-nos a refletir outros aspectos da nossa realidade, inclusive em nível profissional. Um dos autores que nos últimos tempos tem esclarecido algumas das dúvidas surgidas pelo nosso dia-a-dia profissional tem sido Anthony Giddens [19]. Numa época em que a pensamento temos que associar o prefixo pós para ser atual (passe o paradoxo), Giddens nos esclarece o que significa a modernidade e a pós-modernidade. Para o autor, a nossa sociedade, longe de estabelecer uma ruptura acentuada com a sociedade industrial, radicaliza alguns dos princípios fundamentais desta. 27/04/04, 16:00 # ação & movimento - março/abril 2004;1(1) O princípio do progresso ilimitado surgiu, ou pelo menos foi intensamente vivido, pela Revolução Industrial. O desporto, contextualizando-o à sua imagem, levou este princípio a um ponto quase extremo. Com efeito, o desporto moderno, radicalizando a constante busca deste ponto ômega pretensamente inatingível, desviou lenta, mas seguramente grande parte da sua orientação para fora da sua própria esfera. Cada vez mais a busca do rendimento foge aos profissionais clássicos da Educação Física e de Desporto, indo ao encontro de outras profissões como a medicina, tal a quantidade de meios ergogênicos necessários para se obter rendimentos desportivos de elevado nível. Admitimos a ingenuidade desta analogia entre a busca do recorde assentada no princípio do progresso ilimitado e o pensamento do britânico Anthony Giddens [19] acerca da classificação da nossa sociedade. Mas também no que diz respeito à construção do corpo que passa pela dimensão do corpo somático assistimos a um fenômeno quase ou mesmo idêntico. Desde sempre esta construção esteve associada a práticas físicas de tipo desportivo. O responsável por este processo era o profissional de Educação Física. Atualmente, fruto da importância social da imagem corporal, grande parte deste processo transferiuse para outras áreas, como, por exemplo, para a área dos profissionais da estética, totalmente alheios ao desporto, tanto no que diz respeito a sua prática como aos valores morais que ele invoca. Na cidade do Porto, como, aliás, um pouco por todo lado do nosso mundo, proliferam pequenos ginásios, academias e outros cetros de prática física que revelam bem a evolução conceitual que se tem registrado no grande campo que é o desporto. Uma destas academias denomina-se Fisical-Instituto de Beleza, e tem como logotipo duas figuras estilizadas em posições que sugerem movimentos típicos da ginástica desportiva. A palavra fisical parece ser um aportuguesamento da palavra inglesa physical que, segundo qualquer dicionário, invoca a prática de exercícios físicos. Assim, a palavra físico associada ao logotipo do ginásio não nos deixa dúvidas acerca do mundo sugerido: o do desporto. Mas estamos perante um instituto de beleza e não perante qualquer clube desportivo típico da cidade. O próprio conceito de clube, tradicionalmente ligado a determinados valores normalmente masculinos sofre também uma evolução, expressando outros valores, quiçá mais de acordo com a nova hierarquia axiológica do nosso tempo, que neste caso se aproxima dos valores estéticos. Artigo 06 - Rui Proença.pmd 51 Esta evolução do profissional de Educação Física que invoca esforço para o(a) esteticista que não o invoca e paradigmática daquilo que temos afirmado. Reabilitar o esforço para a construção corporal e também reabilitar uma profissão que nem sempre consegue marcar com rigor o seu espaço, mesmo compreendendo a diluição de fronteiras e identidades. Intimamente ligado a possível indefinição conceitual do profissional da Educação Física frente ao valor emergente, também o espaço físico do ginásio sofre uma evolução. Se antes o espaço da prática física era um espaço austero, por vezes demasiadamente frio, agora o novo ginásio aproxima-se do modelo do próprio instituto de beleza. E, substituindo austeridade, o novo ginásio contrapõe uma certa exuberância nas formas e uma luminosidade evidente. Junto aos aparelhos clássicos do desporto, também eles austeros, surgem agora novas máquinas coloridas revelando preocupações de design. E, substituindo a decoração clássica dos antigos espaços desportivos, constituída por fotografias de antigos campeões memória dos tempos áureos dos atletas que por ali passaram e autênticas referencias éticas para que se treine cada vez mais e melhor , os novos ginásios apresentam agora painéis com figuras humanas muito belas, porém anônimas e que em nada se relacionam com este espaço ou mesmo com as atividades ali desenvolvidas. Conclusões Embora acreditemos no nosso esquema conceitual inicial do lúdico, do rendimento e da superação através do corpo em esforço, percebemos agora uma encruzilhada. Aquilo que sempre foi uma característica humana parece agora ser vítima de um feroz ataque motivado pela nova hierarquia axiológica do nosso tempo, qual seja, a valorização do não esforço em detrimento do próprio esforço. Decerto, ainda visualizamos exemplos de inúmeras atividades da nossa sociedade que mantêm respaldo nos fundamentos antropológicos do desporto moderno, mas agora desprovidas da importante dimensão ética proporcionado pelo esforço. Inúmeros jogos, como, por exemplo, os de computador, mantêm intactas as categorias do lúdico, do rendimento e da superação, mas sem a intervenção em situação realmente de esforço para o corpo. Portanto, compete aos profissionais de Educação Física e de Desporto, especialmente no seu trabalho cotidiano com os alunos em diferentes níveis de ensino 27/04/04, 16:00 # ação & movimento - março/abril 2004;1(1) e práticas, assegurarem a manutenção do valor decisivo que o corpo em esforço produz. Reabilitar o jogo corporal na escola é reabilitar um importante valor que a roda do tempo parece tentar esquecer. Reabilitar o jogo corporal na escola é, no final de tudo, também reabilitar uma dimensão ética da nossa profissão. Por isto, é também reabilitar a profissão dos educadores. 7. Referências 12. 1. 2. 3. 4. 5. 6. Eliade, M. Traité dhistoire des religions. Paris: Librairie Payot, 1970. Mauss, M. Sociologie et anthropologie. Paris: Press Universitaires de France, 1989. Touraine, A. Crítica da modernidade. Lisboa: Instituto Piaget, 1994. Ribeiro, A. Karl Kraus e o modernismo. Revista Crítica de Ciências Sociais, v.35, p.149-163, 1992. Meinberg, E. Para uma nova ética do desporto. Desporto, Ética, Sociedade - Actas de Congresso. Porto: J. Bento e A. Marques, 1900. p. 69-76. Lenk, H. Notes regarding the relationship between the philosophy and the sociology of sport. International Review for the Sociology of Sport, v.2, p. 83-92, 1986. Artigo 06 - Rui Proença.pmd 52 8. 9. 10. 11. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. Gervilla, E. Postmodernidad y educación: valores y cultura de los jóvenes. Madri, Dykinson, 1978. Ortega y Gasset, J. Sobre a caça e os touros. Lisboa: Cotovia, 1989. Lipovetsky, G. O crepúsculo do dever: a ética indolor dos novos tempos democráticos. Lisboa: Dom Quixote, 1994. Morin, E. Um ano sísifo: diário de um fim de século. Men-Martins: Europa-América, 1998. Feyerabend, P. Diálogo sobre o método. Lisboa: Presença, 1991. Entralgo, PL. Idea del hombre. Barcelona: Galaxia Gutenberg, 1996. Monod, J. O acaso e a necessidade. Men-Martins: Europa-América, s/d. Sepulveda, L. O velho que lia romances de amor. Porto: Asa, 1997. Merleau-Ponty, M. O olho e o espírito. Lisboa: Veja, 1997. Teixeira de Pascoaes. A saudade e o saudosismo. Lisboa: Assírio e Alvim, 1998. p. 242. Vaz HCL. Antropologia filosófica. S. Paulo: Ed. Loyola, 1993, v.1. Auge, M. Pour une anthropologie des mondes contemporaines. 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Porto: Afrontamento, 1996. ♦ 27/04/04, 16:00 #! ação & movimento - março/abril 2004;1(1) ARTIGO ORIGINAL O costume e a origem da normatização no desporto Costume and origin of the normatization in sport Eduardo Augusto Viana da Silva* Professor Titular no Mestrado em Ciências dos Desportos e Educação Física da UERJ, na Disciplina Sociologia da Educação Física e dos Desportos e Administração Desportiva, Professor de Direito Desportivo da Pontifícia Universidade Católica RJ, Professor de Teorias Geral do Estado Ciência Política da Universidade Estácio de Sá RJ Resumo O presente artigo focaliza o esporte como um fato social, sua importante função sociológica no final do Século XX, início do próximo século; a sociologia como fonte de Direito Desportivo; a correspondência entre a norma de cultura e a norma jurídica no desporto; a norma consuetudinária no desporto e a universalização do direito desportivo. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras-chave: Norma consuetudinária no deporto, direito desportivo. Abstract The present article focus the sport as a social fact, its important sociological function at the end of the 20th century, beginning of next century; the sociology as the Sport Law resource; the correspondence between the culture and adjective law in the sport; the Sports Consuetudinary Law and universality of the Sport Law. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key-words: Sports Consuetudinary Law, Sport Law. . Artigo recebido em 10 de outubro de 2003; aceito em 15 de março de 2003. Endereço para correspondência: Eduardo Augusto Viana da Silva, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Educação Física e dos Desportos, Mestrado em Ciências dos Desportos, Rua Francisco Xavier 524, sala 9.122, bloco F, Maracanã 20550-013 Rio de Janeiro RJ, E-mail:[email protected]. Artigo 01 - Eduardo Augusto.pmd 53 27/04/04, 16:00 #" ação & movimento - março/abril 2004;1(1) Introdução Torna-se óbvio que o primeiro passo para uma compreensão sociológica do esporte é encará-lo como um fato social, ou seja, como algo socialmente construído, que existe fora das consciências individuais de cada um, mas que se impõe como uma força imperativa capaz de penetrar intensamente no cotidiano de nossas vidas, influenciando os nossos hábitos e costumes, até porque, com ele nos deparamos desde o alvorecer de nossas vidas, de forma idêntica com o que acontece com a língua, a religião etc., que nos é herdado pelo nosso meio no início da infância. A presença do esporte entre nós é tão impositiva que, muitas vezes, alguém que mantêm-se alheio ao esporte de seu grupo social se sente, de certa forma, como uma pessoa não integrada, que vive à margem da sociedade. Já vimos o esporte como um dos mais importantes fenômenos de massa deste final de século, que se constitui a nível individual um fator de aptidão física e mental instrumento de socialização e educação, meio de encontro do homem com a natureza e que ainda aproxima o homem de seus semelhantes e do seu próprio interior. Por outro lado, a nível coletivo, mobiliza grupos populacionais; projeta sua importância nos campos cultural, político, social e econômico; constitui-se ainda: instrumento diplomático, fator de controle social, meio de catar-se das multidões, agente de paz, promotor de exportações, cultura e desenvolvimento, e, como corolário constitui-se, no mundo de hoje, numa larga via de reumanização. Por tais razões, torna-se evidente a função social do desporto em nossos dias. Para se avaliar, no campo internacional a amplitude do desporto, basta lembrar que a FIFA congrega atualmente 206 países filiados, o que vai muito além do que o conjunto de países membros da ONU. Na vida de hoje, junto com a arte e as chamadas atividades de expressão cultural, o esporte é, talvez, o veículo de integração humana que assume a maior importância. Na unidimensionalidade, na luta do dia a dia, a busca da sobrevivência da sociedade hodierna,de consumo, pós-moderna, como queiram, onde a pessoa cai no individualismo desagregador, e com ele chega à solidão, ao alheiamento e ao isolamento, surge o esporte, em suas diversas formas, inclusive como lazer passivo dos espectadores do evento espetáculo esportivo, como forma para surgimento Artigo 01 - Eduardo Augusto.pmd 54 e consolidação do hoje já tão escasso sentimento comunitário e de solidariedade. Por outro lado, como fator de integração social, age não apenas através do intercâmbio e da competição interna, mas também através das participações das representações nacionais, nas pugnas internacionais, que mobilizam toda a população, futebol na copa do mundo, por exemplo. Como fator de integração, de transmissão e renovação cultural, no esporte se integram e se identificam pessoas de condições culturais, sociais e econômicas diversas, além de proporcionar, no seu âmbito, ao surgimento de lideranças. Por constituir-se um veículo terapêutico e de compensação de desajustes pessoais das grandes concentrações urbanas, o esporte leva à multidimensionalidade, ao rejeitar exclusividade aos fins utilitários de caráter restrito, facultando o equilíbrio entre: espírito e o corpo; a afetividade e a energia; o indivíduo e o grupo. A sociologia como fonte do direito desportivo Em que pese ser a sociologia uma ciência teórica dos fatos sociais, não se abstrai a possibilidade de exercer funções práticas na formulação da política da legislação, para a ciência do direito. A sociologia como ciência teórica das realidades sociais, é um dos instrumentos indispensáveis para abordar o tratamento dos problemas sociais práticos. O esporte, com as diversas funções sociais que desempenha, com o direito gerado em suas manifestações e no seu vasto campo de ação, vai buscar subsídios no tratamento dos problemas sociais práticos exercitados pela sociologia. As normas, os princípios jurídicos, em suma o direito e a justiça, seus valores, critérios ideais, têm de ser aplicados, ou pelo menos projetados à realidade social concreta, em nosso caso, à realidade do esporte, em um lugar certo, numa certa situação histórica, para que a aplicação prática desses valores ou princípios axiológicos a uma realidade social concreta, possa indicar o programa ideal do direito adequado para a situação esportiva particular. Sem dúvida a experiência prática constitui-se fonte e maneira eficaz de desenvolver as tarefas concretas da elaboração da lei e da persecução do direito e da justiça. São Tomaz de Aquino afirmou a existência de princípios racionais de valor imutável para toda conduta humana. Mas, advertiu: esses princípios têm o caráter de regras generalíssimas, que, por si mesmas, 27/04/04, 16:00 ## ação & movimento - março/abril 2004;1(1) não constituem ainda normas diretamente aplicáveis à regulamentação de uma sociedade(Summa Teológica). Então, para obter tais normas aplicáveis, necessário torna-se reportar essas diretrizes genéricas à realidade concreta que se precisa regulamentar e, aí então, fabricar a norma específica, resultante da combinação dos critérios racionais genéricos com os materiais sociais particulares que se pretende regular. No caso do direito e da legislação do desporto há que cogitar-se do duplo conceito de norma de direito e norma de cultura, que, segundo a lição de Ihering: O direito não é senão o produto, a fixação da cultura, preenchendo tais normas de cultura todas as lacunas em que possa incorrer o direito positivo. A norma de cultura integra-se no conjunto das regras referentes aos usos sociais, ao estado de civilização ao convencionalismo, aos costumes, à norma, à religião, ao equilíbrio da convivência humana, em suma aos preceitos da vida aceitos pacificamente e desenvolvidos, porque se harmonizam com as manifestações de consciência social generalizada na comunidade [1]. Nesse mesmo sentido, Max Meyer asseverou que a cultura define normas em que se baseia o direito. Como em outro qualquer campo da vida-social, a norma jurídica no desporto, perde eficácia, quando não se molda a norma de cultura. As normas consuetudinárias no desporto As fontes históricas e os recursos aplicados à sua realização constituem apanágio do sentimento do povo e do espírito com que o povo anima as instituições desportivas. Assim sendo, a vida do desporto é movimento popular da vida social, ativada sem interferência estatal e do seu poder de coerção, sendo na maioria dos casos, indiferente até à organização política do Estado, constituindo a soma condensada dos costumes, tendências, manifestações do instinto, da alma e do espírito do povo. As normas do desporto, o direito e a legislação especializada emanarão naturalmente dos regulamentos, regras e preceitos criados pela própria instituição do desporto. O Estado naturalmente incorpora à sua ordem jurídica o elenco de normas emanadas do esporte, garantindo o seu cumprimento. Por tal razão sempre encontramos em nossa legislação esportiva a consagração do princípio que impõe: A adoção do código de regras da entidade desportiva internacional a que estiver filiada cada Artigo 01 - Eduardo Augusto.pmd 55 modalidade desportiva. Consta do teor do D.L. nº 3199/41, da lei nº 6251/75, da lei nº 8672/93 e da lei 9615/98. Tal situação leva a concluir também que existe um direito internacional do desporto, universalização do direito desportivo. Assim, as atividades desportivas proporcionam a auto-regulamentação do desporto, aliás, não destoa do que acontece, de modo em geral em todo o direito, que emerge da sociedade, sob pressão dos fatos sociais, vindo em conseqüência a lei para consagrá-lo, sistematizá-lo e ordená-lo. A limitação do direito se dá em função da utilidade geral e, assim, o costume inaugura a cristalização do direito, que em suas origens e desenvolvimento cinge-se numa manifestação natural e necessária da vida da comunidade, como a língua, o pensamento, o caráter geral, sendo certo que: É da consciência popular que surgem os principais preceitos da ciência jurídica. Nesse sentido aduz João Lyra Filho: Será demasia do pensamento acreditar em autonomia legislativa, sobretudo em matéria de desporto. Esta evidência é que se traduz no costume como fonte do direito, donde podemos concluir que: O direito desportivo é constituído pelo conjunto de normas escritas e consuetudinárias que regulam a organização e a prática do desporto em geral e das questões jurídicas que situam a existência do desporto como fenômeno da vida social [1]. Em sentido amplo o direito desportivo acompanha a formação dos direitos civil, penal, administrativo, do trabalho, financeiro, comercial, etc. Em sentido restrito é a soma das leis internas, criadas e formalizadas dentro e por inspiração do desporto. Oliveira Viana [2] em Instituições políticas brasileiras asseverou: Dominados pela preocupação do direito escrito, não vendo nada além da lei, os nossos juristas esquecem este vasto sub mundo do direito costumeiro de nosso povo, de cuja capacidade criadora o direito desportivo é um dos mais belos exemplos, porque o sistema de instituições sociais que servem aos desportos, saídos do seio do povo, da massa urbana, como emanação sua traz impressa a sua marca indelével e oferece uma esplêndida sistematização institucional. Universalização do direito desportivo origens As raízes brotaram na tradição helênica, que nos informa sobre as origens do direito desportivo através dos preceitos e regras dos jogos daquela civilização. Tais regras eram submetidas a aprovação dos sábios da época, daí a importância e transcendência pública dos eventos. 27/04/04, 16:00 #$ ação & movimento - março/abril 2004;1(1) O direito desportivo de então, já continha características de sanção, necessárias a garantia do cumprimento das regras e normas dos jogos. A transgressão implicava em penas corporais e pecuniárias. A aplicação das normas e das penas cabiam aos juízes , Hellanodice, sem abstrair os encargos do comissário de polícia , Alitarco. Aí se encontra o primeiro vestígio da presença da autoridade pública no desporto, aceita pelo direito desportivo de então, o que leva a concluir: O desporto alimenta boa parte das manifestações da vida social e por isso, requer organização jurídica apta a prescrever a disciplina de sua organização institucional. O desporto moderno projetou-se com expressão de amplitude geral, que influência o comportamento dos homens e renova os marcos da convivência social. O desporto resiste às divergências religiosas, étnicas, políticas, ideológicas, etc., e, talvez por isso não possa submeter-se ao direito comum de cada nação, pois, este se define em função de convicções doutrinárias, religiosas, ideológicas, econômicas, etc. Daí a necessidade de um direito próprio para regular e disciplinar as relações esportivas, que seja impermeável, principalmente às ideologias e as crenças. O direito desportivo encontra-se, freqüentemente em conflito com a positividade das ordenações jurídicas do direito comum codificado, escapando às revelações das crenças e as doutrinas e ideologias várias, além disso, neutraliza até as divergências e ameniza os ódios e as colidentes posições políticas. É, portanto, função política do Estado apoiar os objetivos desportivos, promover o fomento do desporto e amparar o seu crescimento, e, até reforçar sua fisionomia independente. Sendo o desporto alheio aos diversos credos, políticos e religiosos, o direito desportivo e a legislação desportiva emanarão naturalmente dos regulamentos, regras e preceitos criados pela própria instituição do desporto. Segundo Jean Azema in La Responsabilité en Matière de Sports, O Direito Desportivo compreenderá três formas: O Direito Disciplinar, O Direito Costumeiro e o Direito Estatutário. Oriundo das manifestações da vida social, o esporte e suas manifestações, somente poderão vir a ser reprimidas pelo poder político, que tem o dever de zelar pelas relações da vida em comunidade, quando vier, o esporte, a se desviar a ponto de comprometer o bem geral. Artigo 01 - Eduardo Augusto.pmd 56 Por razões idênticas não são factíveis regras de jogos privativas de um Estado, nem, legislação comparada, em pontos fundamentalmente contraditórios, para cotejo do direito desportivo internacional, construído a maneira de cada país e resultante do poder arbitrário de homens desviados do sentido social necessário a vida e à coexistência. O direito emerge da sociedade, sob pressão dos fatos sociais, vindo em conseqüência a lei para consagrá-lo, institucionalizá-lo e ordená-lo. Conforme já foi explicitado, neste raciocínio, que as atividades desportivas proporcionam a auto regulamentação do desporto. Por último, temos ainda que considerar a existência de dois fatos no evento desportivo: a Competição e a Exibição. A Competição é a prova que apura a capacidade desportiva. A Exibição é o espetáculo, a manifestação do interesse que a prova desportiva possa demonstrar. Quanto maior o apelo, o interesse popular, a animação, maior a intensidade do espetáculo. O direito que alcança o espetáculo não apresenta conteúdo especificamente desportivo, podendo prevenir incidências no campo do delito e das contravenções. Por isso já existem normas disciplinadoras da ação dos espectadores, em razão principal da preservação de situações que possam comprometer o desempenho técnico, além das implicações legais, do hoje existente esporte negócio, do marketing e do merchandising. Os autores especializados são unânimes: Direito Desportivo é um direito autônomo, o que colocamos reservas, pois, autonomia no direito, não é caminho de tão facilitado trajeto. Autônomo é o ramo jurídico possuidor de objeto próprio e definido e, por estes parâmetros, o Direito Desportivo é autônomo. Mas, dentro da realidade científica do direito, nenhum ramo na verdade é autônomo, pois todos se entrelaçam a ponto de chegar a confundir seus princípios, na perfeita dependência recíproca, pois cada um per se nada mais representa que os aspectos distintos de uma só coisa: O Fenômeno Jurídico. A autonomia então é relativa, atendendo a objetivos específicos. Referências 1. 2. Lyra Filho J. Introdução ao direito desportivo. Rio de Janeiro: Irmãos Pongelti, 1992. p.360. Melo Filho A. Direito desportivo. Fortaleza: IOCE, 1983. ♦ 27/04/04, 16:00 #% ação & movimento - março/abril 2004;1(1) ARTIGO ORIGINAL Análise do horário mais adequado para realizar uma atividade aeróbica no município de Caratinga-MG Analysis of the more adjusted schedule to carry out an aerobic activity in the city of Caratinga MG Marcus Vinícius de Mello Pinto*, Maurício Gonçalves Pereira**, Marcos Pereira Quintão** * Professor Titular de Biofísica da Faculdade de Fisioterapia e Medicina da Fundação Educacional de Caratinga - MG ** Acadêmicos do 10º período de Fisioterapia da Faculdade de Fisioterapia de Caratinga MG FAFISC Resumo Neste artigo, foi verificado em que período do dia, a variação da pressão arterial e a variação da freqüência cardíaca, foram mais fisiológicos para o organismo humano, numa caminhada. Foi feito um estudo experimental, no município de CaratingaMG, com uma amostra humana de 13 indivíduos.Todos os participantes caminharam por 1 hora, nos 3 períodos do dia e em dias alternados. Não foi possível evidenciar uma estatística significativa da variação da pressão arterial e freqüência cardíaca nos diferentes períodos do dia. Porém quando analisada a preferência subjetiva individual, evidenciamos uma estimada escolha para o período noturno. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras-chave: pressão arterial, freqüência cardíaca, caminhada, período do dia Abstract In this article, was checked in what period of the day, the variation of the blood pressure and the variation of the cardiac frequency, were more physiological to the human organism, in a walk. An experimental study was made, at the country of CaratingaMG, with a human sample of thirteen individuals. All participants walked for one hour, on the three periods of the day in different days. It was not possible to make a significant statistic of blood pressure variation and cardiac frequency on the different periods of the day. However when analyzed the individual subjective preference, we noticed a choice for the nightly period. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key-words: blood pressure, cardiac frequency, walk, period of the day Artigo recebido em 15 de março de 2004; aceito em 15 de abril de 2004. Endereço para correspondência: Marcus Vinicius de Mello Pinto, Faculdade de Fisioterapia e Medicina da Fundação Educacional de Caratinga MG, E-mail: [email protected] [email protected] Artigo 05 - Marcus Vinícius.pmd 57 27/04/04, 16:00 #& ação & movimento - março/abril 2004;1(1) Introdução Nos últimos quinze anos, a prática da caminhada, como modalidade de atividade aeróbica, vem aumentando muito entre a população brasileira, tornando-se um fenômeno social inquestionável. Porém, a maior parte dos participantes desta modalidade física está desenvolvendo os programas sem critérios e ao mesmo tempo deixando a deriva os fundamentos básicos da prática de exercícios físicos [1,2]. Segundo estatística norte-americana, foi observado que dentre os programas de atividade física de resistência aeróbica, a caminhada foi a que teve maior adesão. Esta atividade pode ser considerada um esforço físico seguro, pois, os riscos de lesão cardiovascular são reduzidos quando respeitados os padrões mínimos de segurança [1]. Por isso, é grande o nosso interesse em desenvolver um trabalho mais especializado em cima dessa prática de atividade aeróbica, para que de modo sistemático e inteligente se maximizem os efeitos biopositivos e minimizem os efeitos bionegativos, tão indesejáveis na caminhada. O sistema cardiovascular proporciona aos músculos um fluxo contínuo de oxigênio e nutrientes, de modo que um alto rendimento energético pode ser mantido por um considerável período de tempo [3]. Para o coração bombear eficientemente e as circulações sistêmica e pulmonar operarem em sincronia deve haver coordenação dos eventos do ciclo cardíaco, [4] ciclo esse, que é composto por eventos cardíacos que ocorrem do início de cada batimento até o início do seguinte. Cada ciclo é desencadeado pela geração espontânea no nó sinusal e de um potencial de ação [5]. O sistema cardíaco bombeia de 5 a 6 litros por minuto de sangue em um indivíduo em repouso [6]. Durante o exercício físico pode-se verificar um notável desempenho do coração, que chega a bombear 4 vezes o seu volume de repouso, aumentando de 5 a 6 litros por minuto até 20 a 25 litros por minuto o seu débito cardíaco [7]. Em geral, quanto mais freqüente for o batimento cardíaco por minuto, mais sangue ele poderia bombear, respeitando certas limitações importantes [5]. A freqüência cardíaca tem uma importância capital para uma adaptação precisa do desempenho do coração às condições de esforço.O coração pode aumentar a sua freqüência cardíaca de 70 batimentos por minuto em repouso até a 200 batimentos por minuto sob esforço máximo, triplicando dessa Artigo 05 - Marcus Vinícius.pmd 58 maneira o volume-minuto máximo do não treinado, que pode alcançar até 20 a 25 litros [7]. A onda de sangue existente com a contração dos ventrículos e o subseqüente escoamento observado durante o relaxamento, cria alterações da pressão dentro das artérias [3]. A pressão mais alta durante o ciclo cardíaco e que ocorre durante a contração ventricular é a pressão sistólica e a pressão mais baixa alcançada antes da próxima contração ventricular é a pressão diastólica.[3]. Em repouso a pressão sistólica gerada pelo coração é de aproximadamente de 120 mmHg e de 70 a 80 mmHg durante a diástole, isto, considerando um indivíduo hígido [3]. Em uma atividade física aeróbica em ritmo estável como a caminhada, ocorre um aumento do fluxo sanguíneo e esse maior fluxo sanguíneo observado durante o exercício moderado e rítmico, causa uma rápida elevação da pressão sistólica, em torno de 30%, nos primeiros minutos do exercício. A seguir a pressão arterial se equilibra em 140 a 160 mmHg. Durante esse tipo de exercício, a pressão arterial diastólica varia muito pouco, não sendo comum alterações significativas dos valores obtidos durante o repouso [3,8]. O produto da freqüência cardíaca pela pressão sistólica proporciona uma estimativa conveniente da carga de trabalho imposta ao miocárdio. Esse índice além de ser utilizado em importantes estudos dos efeitos dos treinamentos com exercícios sobre o desempenho cardíaco nos pacientes com cardiopatias vai ser ponto chave de orientações de fisioterapeutas e educadores físicos para a prática adequada da atividade física em indivíduos hígidos, atletas e/ou cardiopatas [3]. Os fatores ambientais influenciam a taxa metabólica em repouso. O aumento metabólico em repouso em um clima mais quente é de 5% a 20%, o que leva a um maior consumo de oxigênio, em torno de 5% e conseqüentemente ao aumento da freqüência cardíaca [3]. Exercício e calor alteram o ciclo cardíaco [9]. Milhões de pessoas realizam exercícios físicos nos mais diversos locais, como academias, parques recreativos, praças de forma orientada ou não, contudo, esses indivíduos estão expostos, durante boa parte do ano, a uma condição térmica desfavorável, característica do Brasil, que são temperatura e umidade elevadas. Esses fatores em conjunto com a prática de atividade física e a outras condições facilitadoras podem promover distúrbios termorregulatórios associados ao calor, que poderão modificar a característica de saúde, de biopositividade que o exercício deva promover [2]. 27/04/04, 16:00 #' ação & movimento - março/abril 2004;1(1) Portanto, é responsabilidade para fisioterapeutas, educadores físicos e de outros profissionais que atuam no meio esportivo aprender a identificar, intermediar e, melhor ainda, prevenir o aparecimento de um problema termorregulatório associado ao calor, de forma a permitir a maior segurança possível ao praticante de atividade física [2]. O objetivo deste artigo é verificar em qual período do dia a variação da pressão arterial e a variação da freqüência cardíaca são mais fisiológicos para o organismo humano numa atividade aeróbica, como a caminhada, no município de Caratinga-MG. Materiais e métodos Este estudo experimental foi desenvolvido na praça Cesário Alvim, no turno matutino, vespertino e noturno, no município de Caratinga-MG, Brasil, sempre com a supervisão de um profissional habilitado. Para coleta de dados, foram avaliados 16 indivíduos, porém apenas 13 concluíram a prática proposta. Dos 13 participantes da nossa pesquisa, 4 são do sexo masculino e 9 do sexo feminino com idade compreendida entre 20 a 40 anos, média de 25 anos de idade, sendo que todos os indivíduos já habitam há mais de 4 anos no município e já se encontram completamente aclimatados. Foram excluídos os indivíduos que se encontravam com um tempo de sedentarismo superior a 3 meses e que tinham uma idade inferior a 20 anos e superior a 40 anos, indivíduos treinados e indivíduos com história de alterações cardiovascular e respiratório. Primeiramente, os participantes foram esclarecidos sobre a pesquisa, sendo que todos assinaram um termo de consentimento e de permissão para a sua participação. Cada pessoa submeteu a um questionário de avaliação cardiovascular e respiratório contendo os seguintes itens: Identificação do paciente Dados vitais História patológica pregressa História social Foram utilizados para o presente estudo um esfingmomanômetro aneróide da marca BD e um estetoscópio da marca BD, um freqüencímetro da marca Polar, um cronômetro da marca Timex, uma mesa e uma cadeira. A aferição da pressão arterial foi realizada na artéria braquial, no braço direito com o mesmo a 90° e apoiado sobre uma mesa, com o indivíduo na posição sentado. Foi feita uma aferição antes da atividade física, certificado que o indivíduo se Artigo 05 - Marcus Vinícius.pmd 59 encontrava em repouso por pelo menos 5 minutos, e uma aferição no final da atividade física realizando a mesma técnica. A mensuração da freqüência cardíaca foi realizada automaticamente pelo freqüencímetro. Era mensurada antes do inicio da atividade física e no final respeitando os mesmos critérios utilizados na mensuração da pressão arterial. Foram colhidas as preferências de cada participante em relação ao horário em que obteve melhor e pior desempenho físico. Todos os dados eram anotados na ficha de avaliação de cada individuo. Cada participante realizou uma caminhada moderada em ritmo estável por 1 hora em um circuito retangular, nos turnos matutino no período de 8 às 10 horas-, vespertino no período de 15 às 17 horas e noturno no período de 19 às 21 horas em dias alternados. Resultados Os resultados estatísticos foram realizados utilizando o t-student. O valor t-student calculado é igual a 1,78 sendo menor que o valor de t-student tabelado revelando, estatisticamente, que não há diferença significativa entre as médias das pressões sistólicas, coletadas no período da manhã, com a parte da noite, em função do teste ao qual foram submetidos. O valor de t-student, para pares de médias de freqüências cardíacas calculadas, é igual a 1, o que é inferior ao t-student tabelado, ocorrendo aceitação de HO, ou seja, estatisticamente a média da freqüência cardíaca final de manhã é igual a média da freqüência cardíaca final da tarde.Os mesmos resultados acima são válidos para as médias das freqüências cardíacas do período da tarde e para o período da noite.Estatisticamente as médias são iguais. Fig. 1 - Representação gráfica das médias das pressões arteriais sistólicas e diastólicas iniciaisCaratinga- MG, 2003. 27/04/04, 16:00 $ ação & movimento - março/abril 2004;1(1) Fig. 2 - Representação gráfica das médias das pressões arteriais sistólicas e diastólicas finais Caratinga, MG, 2003. Fig. 3 - Representação gráfica das médias das freqüências cardíacas iniciais e finais Caratinga-MG, 2003. A média das freqüências cardíaca inicial apresentou uma igualdade, sendo que em todos os períodos do dia analisados foi encontrado 78 batimentos por minuto (bpm). As médias finais foram de 109 bpm pela manhã, 112 bpm à tarde e 108 bpm à noite. A variação da freqüência cardíaca foi mais alta à tarde, em torno de 34 bpm, seguido pelo período da manhã com uma variação de 31 bpm e o período da noite com a menor variação, em torno de 30 bpm. Os resultados das preferências de cada participantes foram os seguintes: todos os 13 (100%) escolheram o período da manhã como o pior horário, 20% escolheram o período vespertino como um horário intermediário e 80 % escolheram o período noturno como o melhor horário. Discussão As figuras 01 e 02 representam as médias aritméticas da pressão arterial sistólica e diastólica inicial e final, respectivamente e a figura 03, a média aritmética das freqüências cardíaca inicial e final de uma atividade física aeróbica. A média das pressões arterial sistólica inicial foi de 96mmHg no período da manhã, 100mmHg no período da tarde e 104mmHg no período da noite. A média da pressão arterial diastólica inicial foi de 59mmHg no período da manhã, 60mmHg à tarde e 66mmHg no período da noite. Em se tratando das médias das pressões artérias finais foram encontrados os seguintes resultados: Pressão sistólica de 101mmHg no período da manhã, 103mmHg no período da tarde e 105mmHg no período da noite; Pressão diastólica de 56mmHg no período da manhã, 58mmhg no período da tarde e 62mmHg no período da noite. Em relação às variações, foi encontrada uma diferença de +5mmHg pela manhã, +3mmHg pela tarde e +1mmHg pela noite quando comparado os valores das pressões sistólicas. Quando comparado às pressões diastólicas, foi encontrada uma variação de -3mmHg no período matutino, -2mmHg no período vespertino e -4mmHg no período noturno. Artigo 05 - Marcus Vinícius.pmd 60 Os resultados da nossa pesquisa não podem ser considerados como absolutos. Eles podem ajudar a divulgar experiências profissionais entre fisioterapeutas, educadores físicos dentre outros profissionais que atuam utilizando a caminhada como modalidade terapêutica. Podem gerar hipóteses para serem investigadas em pesquisas futuras, fornecer material para o ensino da profissão, motivar a prática profissional e auxiliar a formular parâmetros e guias de práticas. Em análise dos resultados, pode observar-se que nas variáveis, freqüência cardíaca e pressão arterial, não houve variações significativas. As variações da pressão arterial sistólica e pressão arterial diastólica ficaram dentro do parâmetro fisiológico para uma atividade física aeróbica moderada. As mesmas não alteraram mais do que 10 mmHg. Segundo Lima [10], em um estudo da monitorização da pressão arterial em normotensos e hipertensos, encontraram resultados similares, não tendo também oscilações das pressões arterial sistólica e arterial diastólica maior que 10 mmHg, quando comparadas aos níveis de repouso. A freqüência cardíaca não variou mais do que 34 batimentos por minuto, ficando também dentro da média fisiológica permitida para indivíduos normotensos em uma atividade aeróbica moderada. Analisando os período matutino, vespertino e noturno não foi possível determinar, objetivamente o horário mais apropriado para a prática da caminhada, observando as variáveis citadas anteriormente. Lima [1] relata que as caminhadas podem ser realizadas a qualquer hora do dia ou da noite. 27/04/04, 16:00 $ ação & movimento - março/abril 2004;1(1) Em análise às preferências dos indivíduos que caminharam, em relação ao período do dia, houve uma porcentagem de 100% de insatisfação para o período da manhã, como o período de maior desconforto, ou seja, o período em que ocorreram elevados efeitos bionegativos. Esses efeitos indesejáveis da prática da caminhada no período matutino são justificados por Lima [1], relatando que enquanto dormimos mantemos nosso organismo trabalhando numa taxa metabólica muito baixa e ela aumentará gradativamente em função das solicitações físicas ao qual o organismo é exposto. Horta [11] reporta ainda que, tendo a última alimentação ocorrida de 10 ou 12 horas em relação ao despertar, as reservas energéticas não se encontram máximas. Além disso, a atividade física reduz mais ainda as reservas energéticas sanguíneas, podendo com freqüência, instalar quadro clínico de fadiga, vertigens, cefaléias, dentre outros. Vários desses sintomas foram relatados pelos participantes do presente estudo, no período da manhã. Apesar dos valores numéricos terem sido estatisticamente insignificantes, a SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia) [12] tem demonstrado que grande parte dos ataques cardíacos ocorrem nas primeiras horas da manhã, quase sempre durante ou após um esforço físico. Fox [13] diz ainda que, os horários de temperatura extrema devem ser evitados, como por exemplo, no inverno, em que o ar frio é um agente agressor à mucosa respiratória. Astrand e Rodahl [14] reportam que, em situações de extremo calor, os sintomas como câimbras, sÍncopes, exaustão, podem tornar-se verdadeiros. Como o presente estudo foi realizado no inverno e ainda as mais baixas temperaturas constatadas no período matutino, a citação anterior pode vir a justificar a não preferência do período matutino para a prática da caminhada. Conclusão Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. A análise dos dados do presente estudo indicou que não houve diferença significativa nas variações da freqüência cardíaca e pressão arterial com a prática Artigo 05 - Marcus Vinícius.pmd da caminhada nos 03 períodos do dia. Entretanto, na análise das preferências individuais, verificou que o período noturno foi o de maior efeitos biopositivos, ficando o período matutino o de elevados efeitos bionegativos, segundo os relatos dos participantes da pesquisa. Entrementes, não verificamos inviabilização do estudo pelas limitações apresentadas, pois, o mesmo forneceu informações que consideramos preciosas para dar continuidade em investigações futuras. 61 14. Lima DF. Caminhada: teoria e prática. Rio de Janeiro: Sprint, 1998.p. 105. Marins JCB. Acidentes Termorregulatórios Associados ao Calor e à Atividade Física. Revista Mineira de Educação Física, Viçosa, v. 6, n. 1, p. 5-17, 1998. McArdle WD, Katch FI, Katch VL. Fisiologia do Exercício: Energia, Nutrição e Desempenho humano. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1992. p. 510. Moore KL. Anatomia: orientada para a clínica. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1994. p. 831. Guyton A.C, Hall JE. Tratado de Fisiologia Médica: 9. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1997. p.1014. Ganong WF. Fisiologia Médica.15. ed. Rio de Janeiro: Prentice-Hall do Brasil, 1993. p. 560. Dortmund RR. A Atividade Física e o Coração. Rio de Janeiro: Medsi, 1991. p. 187. Marins JCB, Giannichi RS. Avaliação & Prescrição de Atividade Física: guia prático. Rio de Janeiro: Shape, 1996. Timerman A, Cezar LAM. et al. Manual de Cardiologia: Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo. Atheneu, 2000. p. 590. Lima EG, Marsaro EA, Vasquez EC. Efeito do Condicionamento Físico Sobre a Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial em Normotensos e Hipertensos. Disponível em: < http://www.org.br/ abc> Acesso em: 17 julho 2003. Horta L. Alimentação no esporte. Rio de Janeiro: Nórdica, 1989. IV Diretrizes brasileiras de hipertensão arterial. 2002, Campos do Jordão-SP: Sociedade Brasileira de Hipertensão - SBH, Sociedade Brasileira de CardiologiaSBC, Sociedade Brasileira de Nefrologia- SBN, 2002. Fox EL, Bowers RW, Fos ML. Bases fisiológicas da Educação Física e Desportos. Rio de Janeiro: Guanabara, 1991. Astrand P, Rodahl K. Tratado de Fisiologia do Exercício. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987. ♦ 27/04/04, 16:00 $ ação & movimento - março/abril 2004;1(1) Resumos American Institute for Cancer Research in Washington, D.C.2004 Pedômetros: inúmeros estudos mostram que eles podem fazer a diferença American Institute for Cancer Research recomenda pelo menos uma hora diária de atividade física moderada como parte de um estilo de vida saudável para reduzir o risco de câncer. Os pedômetros são dispositivos eletrônicos que podem ser presos num cinto ou cintura da calça para medir os passos dados. Profissionais da saúde recomendam atingir o objetivo de 10.000 passos por dia. Estudos mostram que o uso de pedômetros, quando usados corretamente, motiva as pessoas a serem mais ativas, perdem peso, melhoram sua aptidão e pressão sangüínea Amol Saxena DPM et al, The American Journal of Sports Medicine, 11 de março de 2004 Evans NA, Am J Sports Med 2004 Mar-Apr;32(2):534-42 Rompimento da fascia plantar em atletas Objetivo: Educar os profissionais de medicina dos esportes a estender o prazo de retorno do atleta a atividade depois de sofrer uma ruptura de fascia plantar. Métodos: Pacientes atletas com rupturas de fascia plantar e subseqüente tratamento foram reavaliados. Os diagnósticos foram baseados em achados clínicos, e estudos radiográficos foram efetuados. Os pacientes foram tratados de 2 a 3 semanas com uma bota abaixo do joelho ou bota alta, sem suporte de peso, e por mais 2 ou 3 semanas com suporte de peso na bota. Os pacientes eram tratados com fisioterapia. Resultados: Dezoito atletas, incluindo 6 atletas de elite, foram avaliados. A idade média foi 40,9 ± 13,2 anos e 12 do sexo masculino e 6 do feminino. O acompanhamento pós-lesão foi de 42 meses. A duração dos sintomas antes da fascia plantar variou de 0 a 52 semanas. Apenas duas rupturas foram medianas. Quatro pacientes tomaram injeção antes da ruptura. Cinco pacientes usaram ortose antes do ferimento; e 14 usaram após a lesão. Todos os pacientes retornaram para atividade física após 2 a 26 semanas (média, 9,1 ± 6,0 semanas). Atletas corredores compuseram predominantemente o coorte; outros jogavam tênis, voleibol e basquetebol. Conclusão: Usando o protocolo de tratamento, os pacientes com ruptura da fascia plantar podem conseguir resultados favoráveis com o completo retorno a atividade. Nenhum dos 18 pacientes teve nova lesão, ou seqüela pós-ferimento, ou necessidade cirurgia, contrário a outros estudos. Conceitos atuais em esteróides anabólicos andrógenos Esteróides anabólicos andrógenos (EAA) são derivativos sintéticos da testosterona. De acordo com as pesquisas e relatórios, o uso legal ou ilegal destas drogas está ganhando popularidade. A testosterona restaura os impulsos sexuais e aumenta a massa muscular, fazendo com que aumentem na sociedade duas preocupações: aperfeiçoamento do corpo masculino e sustentação da libido masculina. Os efeitos anabólicos de Resumos.pmd 62 27/04/04, 16:00 $! ação & movimento - março/abril 2004;1(1) EAA têm sido questionados por décadas, mas investigações científicas recentes de doses suprafisiológicas sustentam a eficácia destes regimes. A testosterona tem potentes efeitos anabólicos no sistema músculoesquelético, incluindo um aumento na massa magra corporal, hipertrofia das fibras musculares dependendo da dose e aumento da força muscular. Para os atletas que requerem velocidade e força e o desejo de renovar a cosmética do músculo, esteróides ilegais são uma poderosa isca, apesar do risco de efeitos laterais subjetivos. Estudos clínicos recentes descobriram novos usos terapêuticos para as doses fisiológicas de EAA, sem nenhum efeito adverso significante a curto prazo. Como conseqüência dos avanços científicos importantes durante a década passada, os efeitos positivos e negativos de EAA confirmam uma reavaliação. Diretrizes para uma avaliação clínica de usuários de AAS serão apresentadas aos profissionais de medicina esportiva. Furlanello F et al, Ital Heart J 2003 Dec;4(12):829-37 Efeitos arritmogênicos de drogas ilícitas em atletas Arritmias cardíacas estão entre as mais importantes causas de nãoelegibilidade para atividades esportivas e pode ser decorrente de diferentes causas: cardiomiopatias, miocarditis, anormalidades coronárias, doenças valvulares, distúrbio primário elétrico, abuso de drogas ilícitas. A lista de drogas ilícitas proibidas pelo Comitê Olímpico Internacional e anualmente atualizadas pela Agência Mundial Anti-Doping inclui as seguintes classes: estimulantes, narcóticos, agentes anabólicos (esteróides androgênicos e outros tais como b-2 estimulantes), hormônios peptídeo, miméticos e análogos, diuréticos, agentes com atividade anti-estrogênica, agentes mascarados. A maioria das drogas pode causar, direta ou indiretamente efeito arritmogênico, a curto, médio e longo prazo, uma grande variedade de arritmias cardíacas (focal ou reentrada, supraventricular e/ou ventricular), letal ou não, mesmo em sujeitos saudáveis sem histórico clínico com doenças cardíacas anteriores. Portanto, deixando o abuso de difusão de drogas ilícitas entre atletas, o cardiologista que está no gerenciamento de atletas arrítmicos deve sempre levar em consideração a possibilidade que as arritmias sejam provenientes da aceitação de drogas ilícitas (ocasionalmente mais de um tipo), especialmente se não há sinais de doença cardíaca presente. Por outro lado, na presença de doença cardíaca latente subjacente incluindo cardiomiopatias hereditárias com risco de morte cardíaca súbita, drogas ilícitas poderiam induzir a efeitos arrítmicos cardíacos graves. Maughan RJ et al, School of Sport and Exercise Sciences, Loughborough University, Loughborough LE11 3TU, UK Resumos.pmd 63 Suplementos dietéticos Para um treinamento eficiente, o uso de suplementos nutricionais pelos atletas, torna o treino mais consistente e intensivo e facilitam a recuperação entre as sessões de treino, reduzindo interrupções no treino por motivo de doença ou lesão, e melhora a performance competitiva. Pesquisas mostram que a prevalência do uso de suplementos está distribuída entre homens e mulheres esportistas, mas o uso de alguns desses produtos é relatada por uma pesquisa base e muitos podem ser prejudiciais ao atleta. Alimentos especiais esportivos, incluindo barras e bebidas energéticas, 27/04/04, 16:00 $" ação & movimento - março/abril 2004;1(1) têm um papel importante a desenvolver, e alguns suplementos protéicos e alimentos substitutos podem ser benéficos em algumas circunstâncias. Onde existe uma deficiência demonstrada de um nutriente essencial, um consumo alto de alimentos ou suplementos pode ajudar, mas muitos atletas ignoram a necessidade de precaução no uso de suplementos e tomar suplementos em doses que não são necessárias ou podem ser prejudiciais. Muitos suplementos oferecem uma melhoria na performance; isto inclui creatina, cafeína, bicarbonato e outros. Não existe evidência que pró-hormônios tais como androstanediona são efetivos em aumentar a massa muscular ou força, e esses pró-hormônios podem resultar em conseqüências negativas para a saúde, assim como resultados positivos no teste antidoping. Edison Alfredo de Araújo Marchand, www.efdeportes.com, julho 2001 A influência da atividade física sobre a saúde mental de idosos Muitos estudos apontam a possibilidade de pessoas fisicamente ativas apresentarem uma melhor saúde mental do que sedentários. Existem evidências de que idosos internos apresentam maiores índices de depressão do que os não internos, que a boa saúde física e mental em idosos tem estreita relação e, de que as atividades sociais refletem de modo positivo no bem-estar físico e emocional desses indivíduos. Por este motivo o estudo do processo de envelhecimento é fundamental para o futuro próximo, criando a possibilidade de prevenir problemas físicos, mentais e sociais com esta população. Edisangela Fonseca Alves et al, www.eddeportes.com, agosto 2001 Proveitos do exercício físico na prevenção e tratamento da obesidade infanto-juvenil Nossa pesquisa tem como objetivo verificar se a prática regular de exercícios físicos contribui na redução do percentual de gordura. Onde desenvolvemos esta produção científica como uma pesquisa de campo, com cunho experimental. A qual foi realizada com um grupo constituído de 14 crianças e adolescentes, com faixa etária entre 9 e 17 anos, previamente diagnosticados como obesos e com sobrepeso, sendo estes alunos do Grêmio Escolar Graccho Cardoso localizado na cidade de AracajuSergipe. Dividimos a fase de experimentação em três etapas: pré-teste, execução de atividades e pós-teste, tendo como variável controle apenas o exercício físico. Realizamos o pré-teste onde coletamos as medidas de nove dobras cutâneas, sete circunferências, o peso e a estatura. A segunda etapa da fase experimental foi realizada com a nossa interferência pedagógica. E no pós-teste coletamos os mesmos dados do pré-teste. Os resultados foram estudados de acordo com cinco variáveis: percentual de gordura médio, peso corporal (kg), gordura corporal (kg), excesso de gordura (kg) e massa magra corporal (kg). Esses resultados foram submetidos a cálculos pela inferência estatística do teste t de Student com nível de significância 5%. O resultado encontrado confirma a hipótese de que a prática regular de exercícios físicos reduz o percentual de gordura e conseqüentemente previne a proliferação das células adipócitas durante a infância e adolescência, assim como trata a obesidade. Resumos.pmd 64 27/04/04, 16:00 $# ação & movimento - março/abril 2004;1(1) Diabetes Care, janeiro 2004 A nova pirâmide alimentar inclui atividade física para tratar a obesidade epidêmica O governo americano pretende renovar as diretrizes da famosa pirâmide alimentar que foi lançada em 1992, em clínicas de saúde e refeitórios escolares, com ênfase em carboidratos de pães e grãos e pelo menos 5 refeições por dia incluindo frutas e vegetais. A obesidade tem aumentado consideravelmente, e hoje em dia aproximadamente 61% dos americanos adultos são obesos e acima do peso. Os centros de controle e prevenção de doenças recomendam 30 minutos por dia de exercícios moderados como caminhar, andar de bicicleta. Mais de 60% não conseguem esses níveis. Estudos mostram que os americanos comem mais gordura e açúcar e muito menos frutas e vegetais do que o recomendado. Por exemplo, uma mulher deveria comer 52% mais frutas para satisfazer os requisitos nutricionais, enquanto que o homem deveria comer o dobro de frutas que ele come para estar de acordo com o que os profissionais recomendam. Os americanos não se interessam pelos vegetais como espinafre e legumes como a ervilha e o feijão, dois grupos de comida que deixam uma grande variedade de nutrientes enquanto possuem baixas calorias. As mulheres, precisam comer 330% mais vegetais verdes enquanto o homem 406% para satisfazer os requisitos. Apesar de não poder controlar a obesidade epidêmica, o governo pretende fazer uma drástica revisão geral da pirâmide alimentar e tentar reduzir aos poucos o problema da obesidade. British Medical Journal, janeiro 2004 Prática de exercícios prolonga a sobrevivência de pacientes com insuficiência coronária aguda A prática de exercícios prolonga o tempo de morte e internação hospitalar de pacientes com insuficiência coronária aguda devido à disfunção ventricular sistólica de acordo a uma meta-análise publicada em janeiro de 2004 no British Medical Journal. Um estudo randomizado que incluiu 801 pacientes estáveis com menos de 50% da fração de ejeção ventricular esquerda foi realizado. Um programa de 8 semanas foi administrado a 395 pacientes. Um total de 406 sujeitos atuou como controle. Durante o acompanhamento no período de 159 a 2284 dias, houve 88 mortes no grupo de exercício, com tempo médio do evento de 618 dias. No controle, houve 105 mortes, com uma média de evento de 421 dias, portanto, mortalidade foi reduzida com o exercício. Morte e internação hospitalar também foram menores nos pacientes do grupo de exercício. Este endpoint secundário foi alcançado em 127 pacientes exercício e 173 no controle. Tempo médio de internação hospitalar 426 e 371 dias respectivamente. Os investigadores concluíram que não há evidencia que um programa de exercícios supervisionado para pacientes com insuficiência coronária possa ser arriscado e há uma clara evidência para a redução na mortalidade. Resumos.pmd 65 27/04/04, 16:00 $$ ação & movimento - março/abril 2004;1(1) Diabetes in control, 4 fevereiro de 2004 Crianças de 3 anos de idade levam vida sedentária Novas descobertas sugerem que mesmo crianças de 3 anos não estão fazendo exercícios suficientes, aumentando a preocupação com o peso, risco de futuras doenças, bem estar psicológico, comportamento e capacidade de compreensão. No primeiro estudo para avaliar os movimentos dos pré-escolares, cientistas descobriram que crianças de 3 anos de idade são fisicamente ativas apenas 20 minutos por dia, muito menos do que o recomendado por dia para esta idade. No estudo publicado na revista Lancet este mês, cientistas recrutaram 78 crianças. Cada criança de 3 anos usou um acelerômetro, um monitor do tamanho de uma caixa de fósforos ajustado ao cós, durante uma semana. O dispositivo, usado desde que a criança se levantava até a hora que se deitava, fazia uma leitura minuto por minuto do modelo de atividade física e número de calorias queimadas. Crianças menores de 3 anos estavam queimando ± 1,300 calorias por dia menos do recomendado, ou seja, 1500 calorias. Existem realmente apenas duas possibilidades, atividade reduzida ou aumento de consumo alimentar. Porém, os dados indicam que as crianças de 3 anos estão comendo 25% menos do que as crianças de 25 anos atrás. Não obstante, os níveis de atividade física reduziram dramaticamente nos últimos 20 anos. No estudo, as crianças passavam entre 9 ou 10 horas do seu dia quase sem se movimentar o suficiente para queimar as calorias necessárias. Os principais culpados são a televisão e o vídeo, mas fora de casa eles também são menos ativos do que deveriam ser. A maioria dos trajetos são feitos de carro e muitas crianças andam em carrinhos quando poderiam estar andando. Os riscos da criança sedentária vão além da obesidade, crianças ativas tendem a ser mais comportadas e cientistas suspeitam que aprendem com mais eficácia, talvez porque a atividade física é um estímulo para o desenvolvimento do cérebro. Resumos.pmd 66 27/04/04, 16:00 $% ação & movimento - março/abril 2004;1(1) Normas de publicação ação & movimento A revista ação & movimento é uma publicação com periodicidade bimestral e está aberta para a publicação e divulgação de artigos científicos das áreas relacionadas à Educação Física. Os artigos publicados na ação & movimento poderão também ser publicados na versão eletrônica da revista (Internet) assim como em outros meios eletrônicos (CD-ROM) ou outros que surjam no futuro, sendo que pela publicação na revista os autores já aceitem estas condições. A revista acção & movimento assume o estilo ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Os autores que desejarem colaborar em alguma das seções da revista podem enviar sua contribuição (em arquivo eletrônico/ e-mail) para nossa redação, sendo que fica entendido que isto não implica na aceitação do mesmo, o que será notificado ao autor. O Comitê Editorial poderá devolver, sugerir trocas ou retorno de acordo com a circunstância, realizar modificações nos textos recebidos; neste último caso não se alterará o conteúdo científico, limitando-se unicamente ao estilo literário. 1. Editorial Trabalhos escritos por sugestão do Comitê Científico, ou por um de seus membros. Extensão: Não devem ultrapassar três páginas formato A4 em corpo (tamanho) 12 com a fonte Times New Roman com todas as formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobrescrito, etc; a bibliografia não deve conter mais que dez referências. 2. Artigos originais São trabalhos resultantes de pesquisa científica apresentando dados originais de descobertas com relação a aspectos experimentais ou observacionais, e inclui análise descritiva e/ou inferências de dados próprios. Sua estrutura é a convencional que traz os seguintes itens: Introdução, Métodos, Resultados, Discussão e Conclusão. Texto: Recomendamos que não seja superior a 12 páginas, formato A4, fonte English Times (Times Roman) tamanho 12, com todas as formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobre-escrito, etc. O total de caracteres não deve ultrapassar 25.000/30.000 caracteres, inclusos espaçamentos. Tabelas: No máximo seis tabelas, no formato Excel/Word. Figuras: No máximo 8 figuras, digitalizadas (formato .tif ou .gif) ou que possam ser editados em Power-Point, Excel, etc. Bibliografia: É aconselhável no máximo 50 ref. bibliográficas. Os critérios que valorizarão a aceitação dos trabalhos serão o de rigor metodológico científico, novidade, interesse profissional, concisão da exposição, assim como a qualidade literária do texto. 3. Revisão São trabalhos que versem sobre alguma das áreas relacionadas à Educação Física, que têm por objeto resumir, analisar, avaliar ou sintetizar trabalhos de investigação já publicados em revistas científicas. Quanto aos limites do trabalho, aconselha-se o mesmo dos artigos originais. 4. Atualização São trabalhos que relatam informações geralmente atuais sobre tema de interesse dos profissionais de Educação Física (novas técnicas, normas-publicacao.pmd 67 legislação, por exemplo) e que têm características distintas de um artigo de revisão. 5. Relato de caso São artigos que representan dados descritivos de um ou mais casos explorando um método ou problema através de exemplo. Apresenta as características do indivíduo estudado, com indicação de sexo, idade. 6. Comunicação breve Esta seção permitirá a publicação de artigos curtos, com maior rapidez. Isto facilita que os autores apresentem observações, resultados iniciais de estudos em curso, e inclusive realizar comentários a trabalhos já editados na revista, com condições de argumentação mais extensa que na seção de cartas do leitor. Texto: Recomendamos que não seja superior a três páginas, formato A4, fonte Times New Roman, tamanho 12, com todas as formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobre-escrito, etc. Tabelas e figuras: No máximo quatro tabelas em Excel e figuras digitalizadas (formato .tif ou .gif) ou que possam ser editados em Power Point, Excel, etc Bibliografia: São aconselháveis no máximo 15 referências bibliográficas. 5. Resumos Nesta seção serão publicados resumos de trabalhos e artigos inéditos ou já publicados em outras revistas, ao cargo do Comitê Científico, inclusive traduções de trabalhos de outros idiomas. 6. Correspondência Esta seção publicará correspondência recebida, sem que necessariamente haja relação com artigos publicados, porém relacionados à linha editorial da revista. Caso estejam relacionados a artigos anteriormente publicados, será enviada ao autor do artigo ou trabalho antes de se publicar a carta. Texto: Com no máximo duas páginas A4, com as especificações anteriores, bibliografia incluída, sem tabelas ou figuras. Preparação do original 1. Normas gerais 1.1 Os artigos enviados deverão estar digitados em processador de texto (Word), em página de formato A4, formatado da seguinte maneira: fonte Times New Roman, tamanho 12, com todas as formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobrescrito, etc. 1.2 Numere as tabelas em romano, com as legendas para cada tabela junto à mesma. 1.3 Numere as figuras em arábico, e envie de acordo com as especificações anteriores. 27/04/04, 16:00 $& ação & movimento - março/abril 2004;1(1) As imagens devem estar em tons de cinza, jamais coloridas, e com qualidade ótima (qualidade gráfica 300 dpi). Fotos e desenhos devem estar digitalizados e nos formatos .tif ou .gif. 1.4 As seções dos artigos originais são estas: resumo, introdução, material e métodos, resultados, discussão, conclusão e bibliografia. O autor deve ser o responsável pela tradução do resumo para o inglês e também das palavras-chave (key-words). O envio deve ser efetuado em arquivo, por meio de disquete, zipdrive, CD-ROM ou e-mail. Para os artigos enviados por correio em mídia magnética (disquetes, etc) anexar uma cópia impressa e identificar com etiqueta no disquete ou CD-ROM o nome do artigo, data e autor, incluir informação dos arquivos, tais como o processador de texto utilizado e outros programas e sistemas. 2. Página de apresentação A primeira página do artigo apresentará as seguintes informações: - Título em português e inglês. - Nome completo dos autores, com a qualificação curricular e títulos acadêmicos. - Local de trabalho dos autores. - Autor que se responsabiliza pela correspondência, com o respectivo endereço, telefone e E-mail. - Título abreviado do artigo, com não mais de 40 toques, para paginação. - As fontes de contribuição ao artigo, tais como equipe, aparelhos, etc. 3. Autoria Todas as pessoas consignadas como autores devem ter participado do trabalho o suficiente para assumir a responsabilidade pública do seu conteúdo. O crédito como autor se baseará unicamente nas contribuições essenciais que são: a) a concepção e desenvolvimento, a análise e interpretação dos dados; b) a redação do artigo ou a revisão crítica de uma parte importante de seu conteúdo intelectual; c) a aprovação definitiva da versão que será publicada. Deverão ser cumpridas simultaneamente as condições a), b) e c). A participação exclusivamente na obtenção de recursos ou na coleta de dados não justifica a participação como autor. A supervisão geral do grupo de pesquisa também não é suficiente. 4. Resumo e palavras-chave (Abstract, Key-words) Na segunda página deverá conter um resumo (com no máximo 150 palavras para resumos não estruturados e 200 palavras para os estruturados), seguido da versão em inglês. O conteúdo do resumo deve conter as seguintes informações: - Objetivos do estudo. - Procedimentos básicos empregados (amostragem, metodologia, análise). normas-publicacao.pmd 68 - Descobertas principais do estudo (dados concretos e estatísticos). - Conclusão do estudo, destacando os aspectos de maior novidade. Em seguida os autores deverão indicar quatro palavras-chave para facilitar a indexação do artigo. 5. Agradecimentos Os agradecimentos de pessoas, colaboradores, auxílio financeiro e material, incluindo auxílio governamental devem ser inseridos no final do artigo, antes das referências, em uma secção especial. 6. Referências As referências bibliográficas devem seguir o estilo ABNT . As referências bibliográficas devem ser numeradas por numerais arábicos entre parênteses e relacionadas em ordem na qual aparecem no texto, seguindo as seguintes normas: Livros - Número de ordem, sobrenome do autor, letras iniciais de seu nome, ponto, título do capítulo, ponto, In: autor do livro (se diferente do capítulo), ponto, título do livro, ponto, local da edição, dois pontos, editora, vírgula, ano da impressão, ponto, páginas inicial e final, ponto. Exemplos: Livro: May M. The facial nerve. New-York::Thieme, 1986. Capítulo ou parte de livro: Phillips SJ. Hypertension and Stroke. In: Laragh JH, editor. Hypertension: pathophysiology, diagnosis and management. 2nd ed. New-York:: Raven press, 1995. p.465-78. Artigos Número de ordem, sobrenome do(s) autor(es), letras iniciais de seus nomes (sem pontos nem espaço), ponto. Título do trabalho, ponto. Título da revista ano de publicação seguido de vírgula, número do volume, número do fascículo, páginas inicial e final, data e ponto. Não utilizar maiúsculas ou itálicos. Devem ser citados todos os autores até 6 autores. Quando mais de 6, colocar a abreviação latina et al. Exemplo: Almeida C, Monteiro M. Descrição de duas novas espécies (Homoptera). Revista Brasileira de Zoologia, Curitiba, v.9, n.1/2, p.5562, mar./jun.1992. Os artigos, cartas e resumos devem ser enviados para: Jean-Louis Peytavin Atlantica Editora Rua da Lapa, 180/1103 - Lapa 20021-180 Rio de Janeiro RJ Tel: (21) 2221 4164 E-mail: [email protected] 27/04/04, 16:00 $' ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) educação física e desportos Índice Volume 1 número 2 - maio/junho de 2004 E DITORIAL Pedagogia do movimento como prática integralizadora, Luiz Alberto Batista ..................................... 71 A RTIGOS ORIGINAIS Características da relação da massa corporal, estatura, dobras cutâneas força e maturação sexual em escolares de dois níveis sócio-econômicos de Uberlândia, Humberto de Carvalho, Sérgio Pepato .................................................................................................................... 73 Perfil de praticantes de atividade física na pista do Maracanã, Valdo Vieira, Marcos Santos Ferreira ........................................................................................................................ 81 REVISÃO Que visão sobre velhice norteia as pesquisas na área da educação física? Rosemary Rauchbach ................................................................................................................................................... 91 Psicomotricidade: um olhar descritivo de suas vertentes, Danielle Mendonça e Silva, Atos Prinz Falkenbach .................................................................................................................................................. 102 AT UA L I Z A Ç Ã O A vontade de poder no jogo, Jeferson José Moebus Retondar ...................................................................... 112 A experiência do risco no alpinismo, Ana Luísa Pereira ................................................................................. 124 RESUMOS ................................................................................................................................................................ 129 NORMAS DE PUBLICAÇÃO .................................................................................................................... 134 EVENTOS ................................................................................................................................................................. 136 indice+sumario+editorial.pmd 69 12/07/04, 14:17 % ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) educação física e desportos Editor Luiz Alberto Batista (UERJ) Conselho editorial Antônio Teixeira Marques (Universidade do Porto - Portugal) Christian Pociello (Universidade de Paris XI - França) Eduardo Augusto Viana da Silva (UERJ) Fernanda Barroso Beltrão (UFRJ, UCB) Francisco Sobral (Universidade de Coimbra - Portugal) Heron Beresford (UERJ, UCB) Jacques de France (Universidade de Paris X - França) João Ricardo Moderno (UERJ) Jorge Olimpo Bento (Universidade do Porto - Portugal) José Manuel da Costa Soares (Universidade do Porto Portugal) José Sérgio Leite Lopes (UFRJ, Museu Nacional) José Silvio de Oliveira Barbosa (UERJ) Marco Antonio Guimarães da Silva (UFRRJ, UCB) Martha Lovisaro do Nascimento (UERJ) Paulo Coelho de Araújo (Universidade de Coimbra - Portugal) Paulo Farinati (UERJ) Ricardo Vélez Rodrigues (UFMG) Vernon Furtado de Silva (UERJ, UCB) Rio de Janeiro Rua da Lapa, 180/1103 20021-180 - Rio de Janeiro - RJ Tel/Fax: (21) 2221-4164 / 2517-2749 e-mail: [email protected] www.atlanticaeditora.com.br São Paulo Praça Ramos Azevedo, 206/1910 01037-010 - São Paulo - SP Tel: (11) 3362-2097 Assinaturas 6 números ao ano + 1 CD-ROM R$ 144,00 Rio de Janeiro: (21) 2221-4164 Representante de Assinatura: A.Shalon (11) 3361-5595 Colaboradora da redação Guillermina Arias Editoração e arte Andréa Vichi Administração Bárbara de Assis Jorge Editor executivo Dr. Jean-Louis Peytavin [email protected] Publicidade e marketing René Caldeira Delpy Jr. [email protected] (21) 2221-4164 Atendimento ao assinante Ingrid Haig Redação e administração (Todo o material a ser publicado deve ser enviado para o seguinte endereço) Jean-Louis Peytavin Rua da Lapa, 180/1103 20021-180 - Rio de Janeiro - RJ Tel/Fax: (21) 2221-4164 [email protected] Atlântica Editora edita as revistas Diabetes Clínica, Fisioterapia Brasil, Enfermagem Brasil, Nutrição Brasil e Neurociências. I.P. (Informação publicitária): As informações são de responsabilidade dos anunciantes. © ATMC - Atlântica Multimídia e Comunicações Ltda - Nenhuma parte dessa publicação pode ser reproduzida, arquivada ou distribuída por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia ou outro, sem a permissão escrita do proprietário do copyright, Atlântica Editora. O editor não assume qualquer responsabilidade por eventual prejuízo a pessoas ou propriedades ligado à confiabilidade dos produtos, métodos, instruções ou idéias expostos no material publicado. Apesar de todo o material publicitário estar em conformidade com os padrões de ética da saúde, sua inserção na revista não é uma garantia ou endosso da qualidade ou do valor do produto ou das asserções de seu fabricante. indice+sumario+editorial.pmd 70 09/07/04, 15:34 % ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) EDITORIAL Pedagogia do movimento como prática integralizadora Luiz Alberto Batista Editor científico Doutor em Ciências do Desporto, Professor do Programa de Pós-Graduação do IEFD/UERJ nas disciplinas Método Científico e Biomecânica O profissional de Educação Física lida, direta e intensamente, com a cultura do movimento corporal do ser humano, em todas as suas dimensões, empreendendo ações educativas diversas. Esta atuação implica em utilizar uma série de informações e procedimentos, oriundos de diferentes fontes, promovendo um constante entrosamento entre ciência, técnica e vivência acumulada, com o propósito genérico de educar. Neste contexto a quantidade de conhecimentos que perpassam um simples procedimento profissional pode ser extremamente variável. Provavelmente, quanto mais complexa for a ação, na qual estiver o professor envolvido, e mais intrincados forem os propósitos objetivados, maiores serão a quantidade e profundidade dos conhecimentos necessários à configuração estrutural das ações empreendidas. Estas últimas, consequentemente, também deverão configurar-se com maior grau de complexidade, de forma a delinear uma trama de base mais adequada ao suporte que devem fornecer. Este quadro de alta complexidade é necessário e pertinente, tendo em vista as características particulares, que compõem a totalidade do corpo biofísico, psíquico, social e histórico com e para o qual trabalhamos. De certa forma é com o propósito de agir sobre estas características, seja utilizandoas, ou provocando alterações no estado de seu diversificado rol, ou mesmo procurando fazer estas duas coisas, que conduzimos nossos processos de intervenção educativa. Sendo assim, parece ser producente aceitar como fato concreto, a existência de várias e diversificadas abordagens indice+sumario+editorial.pmd 71 através das quais é possível, parcialmente, compreender tanto os pacientes de nossas intervenções profissionais, quanto as ações que deles emanam. Dizemos parcialmente, pois é desta forma que o movimento corporal é abordado quando utilizamos estratégias diversas tomando como base orientações, simplesmente, multidisciplinares. Alias este é o único compromisso possível para uma abordagem assim configurada, a saber: Propiciar o entendimento das partes de um todo. Nada para além disso ela se obrigada a alcançar e, em virtude disto, é o máximo que lhe podemos cobrar. Com certeza os estudiosos do assunto e os leitores mais atualizados objetar-nos-ão afirmando que tal tema, o da multidisciplinaridade, já está ultrapassado e que debate-lo não significa trabalhar qualquer grau de novidade. Alias o consenso acerca desse fato parece ser uma realidade já há algum tempo. A própria constituição das grades curriculares dos cursos de Educação Física, desde sempre multidisciplinares, é uma evidência cabal da concretude de tal perspectiva. Não obstante a precisão de tal objeção, entendemos que a discussão sobre multidisciplinaridade pode ter sido superada nos debates calorosos entre doutos, porém seus efeitos parecem não terem sido ainda superados no contexto da prática docente concreta, onde tal lógica ainda é dominante. Infelizmente os fatos têm demonstrado que adotar a premissa da composição multifatorial, acima mencionada, não significa promover compreensão dos fenômenos do contexto educacional na sua completude. Como foi dito a compreensão 12/07/04, 14:17 % ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) é parcial, o que faz com que, na maioria dos casos, o exame e a intervenção se façam de maneira fragmentada. Ao que parece, formar um professor de Educação Física proficiente em diferentes campos de conhecimento não tem garantido a concretização de uma abordagem interdisciplinar no momento em que o mesmo implementa suas ações técnico-profissionais. O que se vê, na atualidade, é a presença marcante de uma tendência, segundo a qual o profissional utiliza, para justificar suas ações, as informações provenientes do campo de conhecimento que domina com maior profundidade, deixando de considerar algumas variáveis intervenientes, talvez, hierarquicamente, mais importantes em determinadas circunstâncias, pelo fato delas não serem contempladas pelo setor do qual retiram sua sustentação epistêmica. O resultado disto é um quadro, comumente encontrado em nossos dias, no qual o professor fundamenta suas ações em alguns poucos campos, quando não em um só, ou em uma única fonte, de conhecimento. Muito embora não vejamos este fato como um erro do profissional, dado ser ele pertinente ao estado da arte dominante no presente momento, é preciso ter claro que esta, provavelmente, não é a forma mais produtiva de atuação, o que nos remete à necessidade de promover efetivas mudanças no quadro atual. Acreditamos que no decurso desta mudança devemos, obrigatoriamente, passar pela identificação dos pontos comuns, presentes nos eventos abordados, evoluir para a promoção das relações entre os campos de conhecimento existentes, com vistas a um produto integrado. Novamente poderão objetar-nos indicando que mesmo a defesa da necessária interdisciplinaridade não constitui um tema novo, com o que concordamos completamente. No entanto, muito embora a discussão acerca da interdisciplinaridade esteja avançada no campo do debate teórico, lembramos que no ambiente da efetiva prática profissional ainda não superamos, em amplitude significativa, a multidisciplinaridade. As histórias de sucesso, no sentido dessa superação, ainda são pontuais, muitas vezes casuais e não generalizáveis. Parece-nos por demais esgotado o modelo, ainda predominante no contexto atual, segundo o qual proporcionamos uma formação multidisciplinar aos futuros professores de Educação Física na expectativa de que, a partir da posse dessa base eles evoluam, quase que de forma indice+sumario+editorial.pmd 72 espontânea e autônoma, para uma aplicação interdisciplinar dos conteúdos, no decurso de seu exercício profissional. Sem dúvida alguma, já há algum tempo debatemos acerca da interdisciplinaridade e, ao que parece, é chegada a hora de transcendermos à discussão no campo teórico, fazendo com que ela se efetive na prática. Segundo nosso ponto de vista abundam conhecimentos específicos e faltam estratégias de integração, sendo necessário instrumentalizar os profissionais com equipamentos pedagógicos que os possibilitem tornar efetiva a trama interdisciplinar necessária à efetivação de atos educativos integralizados. Existe, portanto, uma demanda de conhecimentos necessários à instrução de tais processos e urge instituirmos a sua elaboração e veiculação, o que nos leva à obrigação de produzir-se distintos materiais, não obstante a vasta quantidade de informações já produzidas. Sendo assim algumas ações podem ser empreendidas no sentido de contribuir com a construção, com o exame investigativo e com a veiculação de estratégias pedagógicas integralmente consolidadas, tais como: inventariar o acervo de conhecimento existente através de intensos e extensos trabalhos de revisão, com o propósito de analisarmos o seu conteúdo e verificarmos em que medida as informações produzidas atendem à perspectiva da formação de estratégias pedagógicas, como as acima tipificadas, assim como identificar quais são as carências gnoseológicas a serem supridas no sentido de propiciar o alcance de tal meta; formular propostas, rigorosamente fundamentas, a serem utilizadas na estruturação de trabalhos de investigação científica acerca de questões oriundas do contexto da prática pedagógica, assim como na estruturação das próprias estratégias pedagógicas, como forma de atualizar o repertório técnico das pessoas que atuam nesses contextos; relatar casos, oriundos da vivência empírica de professores de Educação Física, quando no exercício de sua prática profissional, nos quais estão presentes contextos problemáticos permeados por fatos inerentes às discussões pedagógicas acima tipificadas; apresentar os resultados de pesquisas científicas originais as quais tenham sido elaboradas para examinar problemas provenientes do contexto da pedagogia cultural do movimento humano, de forma que a comunidade de especialistas possa ratificar ou promover a retificação do produto de tais investigações, colaborando com a consolidação e crescimento deste setor. 12/07/04, 14:17 %! ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) ARTIGO ORIGINAL Características da relação da massa corporal, estatura, dobras cutâneas força e maturação sexual em escolares de dois níveis sócioeconômicos de Uberlândia Characteristics of the relation of the weight body, height, cutaneous folds and sexual maturation in scholars of two social and economical levels from Uberlândia Humberto de Carvalho*, Sérgio Pepato** *Professor de Cinesiologia do Curso de Educação Física da Faculdade Santa Giulia, **Coordenador do Curso de Educação Física da Faculdade Santa Giulia Resumo O presente estudo teve como objetivos verificar a relação entre massa corporal, estatura, dobras cutâneas, força de preensão manual e maturação sexual entre escolares de dois níveis sócio-econômicos distintos (nível sócio-econômico baixo e nível sócioeconômico médio-alto). Foram avaliadas aproximadamente 1200 crianças na faixa etária de 6 a 16 anos de idade, de ambos os sexos, de 3 escolas públicas do ensino fundamental da cidade de Uberlândia MG. Todos os testes e medidas foram realizados na escola, com exceção do teste de maturação sexual que foi realizado em casa acompanhado pelos pais ou responsáveis, juntamente com um questionário para avaliar o nível sócio-econômico. Só participaram da pesquisa aquelas crianças cujos pais ou responsáveis autorizaram a realização do trabalho assinando uma carta de consentimento. Foi aplicado o teste U de Mann-Whitney, considerando-se o sexo e a faixa etária dos sujeitos a fim de observar o grau de significância obtido com sujeitos de ambos os níveis sócio-econômicos. O nível de significância foi estabelecido em 0,05, em uma prova bilateral. Os resultados desse estudo mostraram que nos dois níveis sócio-econômicos as crianças têm um desenvolvimento similar, portanto o nível sócio-econômico provavelmente não tenha influenciado decisivamente para o desenvolvimento corporal dessas crianças e desses adolescentes, entretanto as crianças do nível sócio-econômico médio-alto mostraram maiores valores de dobras cutâneas com relação ao sexo masculino, determinando provavelmente um possível nível de sobrepeso e obesidade maior que no nível sócio-econômico baixo. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras chave: escolares, antropometria, composição corporal, crescimento e desenvolvimento. Artigo recebido em 25 de maio de 2004; aceito em 5 de junho de 2004. Endereço para correspondência: Humberto de Carvalho, Av. Bélgica 614, Tibery, 38405-030 Uberlândia, MG Tel: (34) 32136230, E-mail: [email protected] Artigo 02 - Humberto.pmd 73 09/07/04, 15:34 %" ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) Abstract The objectives of this current research was to verify the relationship among body weight, height, cutaneous folds, manual catch strength and sexual maturation among elementary schools students from different social and economical levels (low and middle-high social and economical level). It was evaluated roughly 1200 children aged 6-16 years old, both sexes, from three public elementary schools from Uberlândia-MG. All the tests and measures had been carried through in the school with exception of the test of sexual maturation that was carried through in their house followed by parents or their responsible together with a questionnaire to evaluate the social and economical level. Those children had only participated of the research whose responsible or parents had authorized the accomplishment of the work signing an assent letter. It was applied the U Mann-Whitney test, considering sex and age of the students in order to observe the significance degree obtained in both social and economical levels. The significance level was established in 0,05, in a bilateral proof. This research has showed that children have a similar development in both social and economical levels. Therefore, probably the social and economical level havent influenced decidedly in the body development of these children and teenagers. However, the children from middle-high social and economical level showed larger values of cutaneous folders in relation to male sex, established probably a possible overweight and obesity higher than in lower social and economical level. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key words: Scholars, anthropometry, body composition, growth and development Introdução É creditada aos organismos jovens, a atribuição de crescer e desenvolver, através de um processo evolutivo desde a concepção até a idade adulta. Larson [1] cita que o crescimento é o aumento na massa e no tamanho total do corpo; e o desenvolvimento é a mutação e diferenciação dos tecidos e órgãos. Cronologicamente, a adolescência corresponde ao período de 10 a 19 anos, sendo este dividido em duas fases: fase 1-10 a 14 anos, e fase 2-15 a 19 anos. A faixa etária compreendida entre 10 e 14 anos inclui o início das mudanças puberais. E segundo a Organização Mundial da Saúde OMS citada por Albano [2], o término da fase de crescimento e de desenvolvimento morfológicos ocorre no período de 15 a 19 anos. A estatura humana torna-se maior e o crescimento se dá mais rapidamente, na proporção em que maior seja a riqueza do país, melhores sejam as casas, as roupas e a nutrição e menores sejam o trabalho, a fadiga e a privação durante a infância e a juventude; em outras palavras, as circunstâncias que acompanham a pobreza retardam a idade na qual é atingida a estatura completa e diminuem a estatura humana [3]. Alguns estudos com crianças e adolescentes, contudo, mostraram associação entre IMC e gordura corporal como os de Pietrobelli et al. [4], de Daniels et al. [5], e de Freedman [6]. Força muscular é definida como o pico ou torque desenvolvido durante um esforço máximo voluntário, Artigo 02 - Humberto.pmd 74 [7]. Na literatura, existe informação suficiente sobre os fatores que determinam força e a treinabilidade dessa capacidade em adultos [8]. Em contrapartida, pouco se sabe a respeito dos determinantes de força ou sua treinabilidade em crianças. Porém o estudo do desenvolvimento da força no adolescente é de grande importância, pois a força é a essência do movimento [9]. Durante este período a força passa a ter um papel fundamental na Educação Física, que nesta fase deve se caracterizar pelo refinamento das habilidades motoras aprendidas nas fases anteriores do desenvolvimento [10]. Para que este trabalho seja conduzido de forma adequada torna-se imprescindível o conhecimento do nível de desenvolvimento em que se encontra o aluno para que sejam feitos ajustes na intensidade de trabalho, grupamento de alunos de forma homogênea, visando assegurar a cada criança ou adolescente a oportunidade de desenvolver plenamente as suas capacidades [11]. Malina e Mueller [12] enfatizam a importância das relações entre dimensões corporais, expressa por relações de peso e estatura, e de medidas de força. As modificações somáticas, segundo Parisková [13], devem-se a mudanças importantes no plano funcional do organismo as quais fazem desenvolver maior capacidade para o exercício físico, como resultado do desenvolvimento muscular que acontece sobretudo no sexo masculino. O conjunto de transformações que ocorrem durante o desenvolvimento varia de indivíduo para indivíduo, de acordo com as características genético- 09/07/04, 15:34 %# ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) hereditárias e das interferências do próprio meio em que cada um vive, pois o que define o crescimento e o desenvolvimento é a interação entre o potencial genético e as condições ambientais [14]. As disparidades sócio-econômicas existentes no nosso país nos levam a crer que possa haver diferenças consideráveis não apenas nas variáveis peso, altura e gordura subcutânea, mas também nos graus de maturação sexual de seus habitantes quando relacionados a cada faixa etária. Acreditamos que tal afirmação também é verdadeira para uma cidade como Uberlândia, caracterizada como de porte médio com aproximadamente 500 mil habitantes, onde vivem pessoas e diversas classes sociais, coexistindo um baixo nível sócio-econômico e cultural das periferias, com a população que vive na região central da cidade, de maior poder aquisitivo, social e cultural. Entretanto ao par desta diversidade social existem poucas pesquisas nacionais correlacionando simultaneamente as variáveis que aqui foram enfocadas. Neste sentido, pretendemos realizar um estudo envolvendo o peso, estatura, força, dobras cutâneas e o estadiamento dos graus de maturação sexual através das características da pilosidade pubiana, relacionando-os com a idade cronológica. Estes dados serão obtidos de escolares do primeiro grau, pertencentes a famílias caracterizadas como oriundas de dois níveis sócio-econômicos. Material e métodos O presente estudo teve como objetivos verificar a relação entre massa corporal, estatura, oito dobras cutâneas (bíceps, tríceps, sub-escapular, supra-ilíaca, peitoral, abdominal, coxa, e panturrilha) força de preensão manual e maturação sexual em escolares em dois níveis sócio-econômicos distintos (baixo e médioalto), com o intuito de contribuir ao melhor conhecimento dos aspectos antropométricos e da aptidão física relacionada à saúde e de analisar o nível de desenvolvimento em que se encontram os alunos do ensino fundamental da cidade de Uberlândia MG. Para o desenvolvimento do estudo foram avaliadas aproximadamente 1200 crianças de 6 a 16 anos de idade, de 3 escolas públicas que atendem a essa faixa etária e aos níveis sócio-econômicos. As escolas foram previamente notificadas e agendaram o período para o recebimento da equipe a fim de explicar o trabalho a ser desenvolvido e como este seria realizado. As medidas e os testes realizados na escola foram feitos em forma de circuito. Foram montadas estações Artigo 02 - Humberto.pmd 75 para cada medida e teste a serem realizados, e as crianças passaram por cada uma das estações, findando a avaliação. Este esquema de avaliação mostrou-se bastante dinâmico e produtivo. A massa corporal foi medida seguindo a padronização proposta por Gordon et al. [15] . O avaliado deve estar em pé, de costas para a escala da balança, com afastamento lateral dos pés, estando a plataforma entre os mesmos. Em seguida, ele se coloca sobre e no centro da plataforma, na posição anatômica com a massa do corpo igualmente distribuído entre ambos os pés, ereto e com o olhar num ponto fixo à sua frente. O avaliado deve usar o mínimo de roupas possível e a medida é registrada com uma resolução de 100 g. A medida da estatura será realizada seguindo a padronização proposta por Gordon et al. [15]. O avaliado deve estar descalço ou com meias finas e o mínimo possível de roupas para que a posição do corpo possa ser vista. Deve ficar em posição anatômica, sobre a base do estadiômetro, que deve formar um ângulo reto com a borda vertical do aparelho. A massa do avaliado deve ser distribuída em ambos os pés, e a cabeça posicionada no Plano Horizontal de Frankfurt. Os braços, livremente soltos ao longo do tronco, com as palmas voltadas para as coxas. O avaliado deve manter os calcanhares unidos e tocando a borda vertical do estadiômetro. Para o teste de força, de acordo com França e Vívolo [16], foi utilizado um dinamômetro manual em que o avaliado na posição ortostática segura o aparelho com a mão e com o braço estendido ao longo do corpo, realiza-se a preensão manual. Esse processo foi realizado três vezes e utiliza-se a maior das medidas. A padronização para as medidas de espessura de dobras cutâneas utilizadas neste estudo foi a mesma descrita por Costa [17]. As medidas de dobras cutâneas foram sempre realizadas no hemicorpo direito do avaliado, utilizando o dedo indicador e o polegar da mão esquerda para diferenciar o tecido adiposo subcutâneo do tecido muscular. Aproximadamente a um centímetro abaixo do ponto de reparo pinçado pelos dedos introduz-se as pontas do compasso. Para a execução da leitura aguardouse em torno de dois segundos. Foi enviado para aos alunos participantes da pesquisa uma anamnese em que pudemos avaliar o nível sócio-econômico das crianças. Na anamnese constou também o teste de maturação sexual pelo grau de pilosidade pubiana proposto por Tanner [18]. Uma prancha composta por seis figuras em vários graus de desenvolvimento. A criança, em casa, acompanhada dos pais ou responsáveis assinala na 09/07/04, 15:34 %$ ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) Maturação sexual; FM Força de preensão manual; TR dobra cutânea do tríceps; SE dobra cutânea sub-escapular; PT dobra cutânea da panturrilha; PE dobra cutânea do peitoral; BI dobra cutânea do bíceps; SI dobra cutânea supra-ilíaca; Ab dobra cutânea abdominal; CX dobra cutânea da coxa. A seguir veremos as tabelas com médias e desvio padrões dos dados coletados e também as probabilidades encontradas através da aplicação do teste de Mann-Whitney a fim de observarmos o grau de significância dos dados para meninos e meninas de seis a dezesseis anos de idade, sendo escolares do ensino fundamental da cidade de Uberlândia, de dois níveis sócio-econômicos. prancha a figura que mais se assemelha com sua região pubiana. Os pais receberam uma carta explicando o propósito das avaliações. Somente participaram do estudo aquelas crianças cujos pais ou responsáveis autorizaram por meio da assinatura da mesma consentindo a realização do estudo. Resultados e discussões Os resultados desse estudo foram organizados em tabelas para facilitar a análise e discussão dos dados. Para facilitar o entendimento das tabelas a seguir tem-se: P Massa corporal; E Estatura; MS Tabela I - Médias das medidas obtidas com sujeitos do sexo feminino, com idades variando entre 6 e 16 anos, nível sócio-econômico baixo. Idades 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 P 23,78 23,35 23,78 28,49 30,33 37,67 43,10 49,79 48,55 57,28 54,74 E 119,59 122,68 121,89 131,56 136,86 145,47 151,25 155,22 158,00 158,26 154,22 MS 1,12 1,00 0,98 1,18 1,33 2,05 2,92 3,26 4,43 4,50 3,20 FM 7,56 9,56 9,89 11,92 14,04 15,89 19,02 22,09 23,33 24,56 24,70 TR 10,91 8,59 9,18 10,93 11,28 11,93 13,09 14,77 13,50 18,26 16,88 SE 7,98 6,01 7,13 7,17 7,58 8,98 11,15 12,68 13,07 18,58 15,02 PT 13,73 11,88 12,14 12,96 12,33 14,56 15,92 17,76 15,18 19,36 16,88 PE 8,30 6,62 7,58 7,96 8,17 9,40 11,79 12,39 12,10 15,80 12,66 BI 6,82 5,47 5,68 6,48 6,13 6,82 7,29 8,22 6,70 9,76 9,50 SI 9,01 6,27 7,33 8,89 10,19 11,74 13,86 15,74 13,89 17,82 18,82 Ab 11,55 8,37 9,63 11,83 13,46 16,01 18,27 21,85 20,41 28,78 23,00 CX 14,79 13,45 13,77 12,49 13,10 15,13 13,34 16,33 17,18 18,76 15,48 Tabela II - Valores de desvios padrão, relativos às medidas obtidas com sujeitos do sexo feminino, com idades variando entre 6 e 16 anos, nível sócio-econômico baixo. Idades 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 P 6,57 2,83 4,14 6,11 6,16 9,68 10,93 14,09 6,06 7,25 14,71 E 7,69 6,96 6,00 6,41 7,25 7,71 8,18 6,85 4,72 8,38 7,46 MS 0,48 0,00 0,00 0,46 0,56 1,32 1,13 1,32 0,75 1,20 1,30 FM 3,65 2,69 2,16 2,86 3,49 4,12 3,28 4,20 2,94 4,17 7,46 TR 4,91 2,64 2,90 3,76 3,39 4,76 4,87 7,13 3,79 5,30 6,86 SE 6,74 2,53 4,81 3,74 3,10 5,69 6,54 7,96 6,14 7,53 9,29 PT 4,10 3,09 3,15 3,00 3,81 3,88 4,37 5,72 4,46 5,33 6,18 PE 4,71 2,66 4,71 4,21 3,41 4,29 5,18 6,94 3,54 3,44 3,30 BI 2,54 2,05 2,41 3,23 2,44 3,42 3,36 4,54 2,12 3,38 4,42 SI 6,77 3,50 5,45 6,16 6,56 8,26 10,10 10,28 6,06 11,20 9,82 Ab 7,88 3,74 6,31 7,06 7,04 8,80 11,36 11,86 7,09 9,14 11,50 CX 4,70 3,63 6,43 4,35 6,14 6,95 5,90 10,52 6,62 10,56 7,02 Tabela III - Médias das medidas obtidas com sujeitos do sexo feminino, com idades variando entre 6 e 16 anos, nível sócio-econômico médio-alto. Idades 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 Artigo 02 - Humberto.pmd P 21,02 26,88 29,59 29,72 35,00 39,18 42,32 48,97 52,14 50,86 59,03 E 116,12 125,40 130,41 133,14 138,72 147,12 152,72 157,91 157,57 161,88 163,03 76 MS 1,17 1,12 1,05 1,23 1,53 2,12 3,15 4,03 4,48 4,50 5,33 FM 6,67 8,81 11,75 12,45 14,22 16,81 18,67 23,00 36,17 69,64 89,50 TR 8,70 11,80 15,91 11,09 12,02 12,41 12,36 13,10 13,85 12,93 15,47 SE 5,35 7,09 9,50 7,84 8,41 8,69 8,70 10,73 11,99 10,30 14,83 PT 9,6 12,92 14,24 13,79 14,17 14,05 14,29 15,91 15,93 14,88 18,330 PE 5,22 9,78 10,68 9,35 11,04 10,36 10,14 11,04 10,75 11,74 12,6 BI 5,83 8,08 7,44 6,44 7,37 7,63 7,13 7,31 6,95 6,79 7,37 09/07/04, 15:34 SI 4,02 10,41 10,73 9,67 11,98 11,73 12,51 14,58 13,66 13,18 16,37 Ab 7,17 12,74 14,04 12,59 16,02 16,28 17,48 18,48 19,65 19,38 21,87 CX 8,33 12,45 16,15 15,36 14,47 13,11 11,30 12,53 15,56 12,60 16,33 %% ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) Tabela IV - Valores de desvios padrão, relativos às medidas obtidas com sujeitos do sexo feminino, com idades variando entre 6 e 16 anos, nível sócio-econômico médio-alto. Idades 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 P 2,56 7,59 7,36 8,13 9,20 9,20 7,31 11,30 11,31 9,60 10,26 E 6,20 7,30 7,02 6,92 7,40 7,28 6,45 5,95 16,31 4,95 11,33 MS 0,41 0,35 0,23 0,63 0,72 1,00 1,32 0,88 1,05 0,92 1,15 FM 2,32 2,56 2,71 2,90 3,18 4,02 4,10 4,61 46,36 87,94 95,58 TR 2,39 6,34 13,75 4,00 5,02 3,98 4,46 5,52 5,29 2,21 9,50 SE 1,22 3,77 6,35 4,57 5,78 4,90 3,43 5,95 6,79 4,38 10,42 PT 2,24 3,87 3,73 3,72 4,12 3,70 3,48 5,18 5,06 3,92 5,64 PE 1,69 7,63 4,62 3,64 5,26 3,92 3,83 4,69 3,98 4,03 9,32 BI 2,45 4,68 2,93 2,70 3,52 3,59 3,08 3,56 3,18 1,90 6,00 SI 1,91 10,59 7,64 5,62 7,94 7,00 6,77 9,04 8,24 7,72 12,92 Ab 2,89 10,46 8,07 6,17 9,38 7,73 8,00 8,05 8,79 8,02 15,92 CX 2,28 7,31 6,65 5,18 6,27 5,74 6,26 8,61 7,15 5,89 13,00 Tabela V - Médias das medidas obtidas com sujeitos do sexo masculino, com idades variando entre 6 e 16 anos, nível sócio-econômico baixo. Idades 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 P 22,16 23,68 25,52 29,38 34,66 34,31 39,58 46,99 52,15 55,60 51,60 E 118,93 121,78 127,20 132,70 138,72 141,38 148,27 157,11 161,61 170,30 169,30 MS 1,50 1,67 1,61 1,95 2,22 2,45 3,04 4,15 4,46 5,00 4,50 FM 9,50 10,56 11,25 14,55 15,98 17,05 21,60 25,21 28,91 36,67 32,38 TR 8,99 7,96 7,65 8,60 10,21 9,06 11,10 9,70 9,75 8,15 6,90 SE 5,37 6,29 6,71 7,42 8,98 7,94 8,89 7,88 9,35 7,21 6,95 PT 11,80 11,48 11,44 12,94 15,14 12,96 14,43 14,18 13,80 13,20 9,88 PE 6,43 6,33 5,71 7,14 8,03 8,50 8,63 7,74 7,83 6,32 5,08 BI 4,98 4,74 4,01 5,28 5,96 5,24 6,77 4,77 5,24 4,20 3,62 SI 5,61 5,81 5,61 7,17 8,83 8,18 8,78 8,06 8,53 7,38 4,70 Ab 7,34 7,62 6,78 10,43 12,20 11,20 13,04 11,95 11,86 12,23 7,62 CX 11,09 11,65 11,60 11,39 14,51 12,90 13,46 13,45 13,14 11,80 10,28 Tabela VI - Valores de desvios padrão, relativos às medidas obtidas com sujeitos do sexo masculino, com idades variando entre 6 e 16 anos, nível sócio-econômico baixo. Idades 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 P 4,11 5,33 5,80 6,43 11,16 6,81 9,40 11,16 10,48 7,25 6,91 E 5,28 4,65 6,85 5,44 7,03 6,12 5,40 9,09 9,08 7,90 7,68 MS 0,52 0,92 0,76 0,78 0,80 0,95 0,91 1,19 1,04 0,63 1,29 FM 2,70 2,96 3,00 3,40 4,72 3,29 3,95 7,19 8,77 5,43 5,02 TR 4,34 4,73 3,92 4,37 5,45 4,13 5,73 5,20 3,83 3,54 4,24 SE 2,13 5,13 5,29 6,48 8,84 6,07 6,73 5,17 5,33 1,29 2,85 PT 4,27 4,92 3,44 4,47 4,51 4,60 3,79 4,21 3,95 5,20 4,02 PE 4,67 5,28 3,86 5,79 6,74 5,67 5,87 6,57 4,66 2,69 1,35 BI 3,04 2,69 2,64 4,12 4,47 2,69 5,13 3,08 3,25 1,88 1,88 SI 4,74 6,09 5,52 6,82 9,90 8,79 8,10 7,26 6,07 3,15 2,75 Ab 6,17 7,61 5,81 9,53 10,73 8,52 10,73 9,20 7,23 8,81 3,81 CX 5,77 7,04 5,28 7,22 10,34 6,09 6,20 8,12 5,67 4,62 5,82 Tabela VII - Médias das medidas obtidas com sujeitos do sexo masculino, com idades variando entre 6 e 16 anos, nível sócio-econômico médio-alto. Idades 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 Artigo 02 - Humberto.pmd P 22,65 26,28 32,25 33,31 37,71 41,19 42,95 50,93 53,93 63,12 63,16 E 119,10 122,37 130,53 134,40 140,84 146,78 149,78 158,32 164,24 167,11 172,08 77 MS FM 1,50 7,38 1,86 10,50 1,53 13,13 1,62 14,09 2,38 16,44 2,47 17,91 3,45 20,16 4,06 30,44 4,66 43,22 4,46 36,50 5,44 100,00 TR 7,95 11,88 12,01 12,25 12,79 12,41 12,07 12,11 10,65 10,71 9,21 SE 5,52 7,93 7,87 10,86 11,31 10,34 9,72 10,76 10,19 10,67 10,62 PT 9,50 11,95 15,47 14,72 13,80 15,14 13,85 14,54 13,74 13,74 13,79 PE 5,98 8,88 9,03 11,37 13,23 12,69 11,88 11,48 10,10 9,53 9,34 09/07/04, 15:34 BI 5,08 7,20 6,61 7,43 8,35 8,15 7,48 6,49 5,63 5,63 4,54 SI 4,30 7,86 9,65 11,88 13,14 12,43 11,24 12,51 10,92 10,10 8,88 Ab 6,00 11,58 13,99 15,85 17,02 16,10 16,05 16,29 14,83 16,12 14,13 CX 9,90 14,28 17,14 17,46 16,79 16,07 14,37 14,01 12,61 12,27 11,50 %& ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) Tabela VIII - estão demonstrados os valores de desvios padrão, relativos às medidas obtidas com sujeitos do sexo masculino, com idades variando entre 6 e 16 anos, nível sócio-econômico médio-alto. Idades 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 P 1,80 4,83 5,35 8,28 9,76 10,98 9,82 13,97 13,48 16,09 12,77 E 5,53 5,36 5,73 4,30 6,89 7,09 7,08 8,32 7,64 10,68 4,56 MS 0,58 0,90 0,64 0,50 0,98 0,90 1,01 1,30 0,85 0,88 0,53 FM 5,25 3,86 2,50 2,32 3,44 4,05 5,38 28,43 50,26 7,56 97,70 TR 2,01 3,99 4,25 6,56 6,22 6,31 5,56 6,69 6,69 5,84 4,53 SE 1,91 5,09 4,86 7,71 7,52 7,66 6,44 8,08 7,72 6,13 6,09 Com o objetivo de verificar a existência ou não de diferenças significativas entre as medidas de massa corporal, estatura, maturidade sexual, força manual, dobras cutâneas (bíceps, tríceps, subescapular, supra-ilíaca, peitoral, abdominal, coxa, e panturrilha), obtidas com sujeitos de nível sócio- PT 2,08 3,50 3,72 5,47 4,02 5,59 4,29 4,92 4,62 4,53 3,73 PE 2,18 4,34 3,90 8,06 8,04 7,53 6,64 7,36 7,12 6,52 4,74 BI 1,78 3,64 2,65 4,64 5,24 4,83 4,96 4,72 4,37 4,10 3,14 SI 1,58 5,00 5,77 9,46 8,88 10,40 8,25 10,70 10,49 8,79 7,63 Ab 1,07 7,09 8,07 10,89 10,66 11,46 9,68 11,25 12,36 13,31 10,98 CX 3,17 3,58 6,64 9,14 7,81 9,32 6,77 7,65 7,36 9,03 2,64 econômico baixo e de nível sócio-econômico médio-alto, foi aplicado o teste U de MannWhitney [19], considerando-se o sexo e a faixa etária dos sujeitos. O nível de significância foi estabelecido em 0,05, em uma prova bilateral. Tabela IX - Probabilidades encontradas, quando da aplicação do teste de Mann-Whitney às medidas obtidas com elementos do sexo feminino, pertencentes aos dois níveis sócio-econômicos, com idades variando de seis a dezesseis anos de idade. Idades P E MS FM TR SE 6 0,4202 0,1612 0,4741 0,1825 0,2931 0,7786 7 0,4462 0,4726 0,0900 0,5701 0,2763 0,4858 8 0,0593 0,0490* 0,2611 0,2348 0,0178* 0,5167 9 0,2004 0,2987 0,8623 0,4757 0,9342 0,5818 10 0,0852 0,4922 0,3131 0,8862 0,7701 0,6698 11 0,2590 0,1933 0,2959 0,3069 0,2521 0,3434 12 0,9050 0,4260 0,4584 0,6124 0,4736 0,2499 13 0,9830 0,2013 0,0219* 0,5738 0,5367 0,2803 14 0,3226 0,2943 0,7290 0,2494 0,9682 0,2912 15 0,2072 0,4623 0,7804 0,5971 0,0208* 0,0238* 16 0,6547 0,1011 0,0685 0,2967 0,6547 0,4561 (*) p < 0,05 PT 0,0227* 0,6476 0,1867 0,2590 0,0401* 0,6685 0,1026 0,2742 0,9943 0,0742 0,6528 De acordo com os resultados demonstrados na tabela IX, foram encontradas diferenças significantes entre as variáveis seguintes: 13 anos Maturidade sexual, sendo que as medidas mais elevadas foram às relativas ao nível sócio-econômico médio-alto; 15 anos Dobras cutâneas dos tríceps, dobras cutâneas sub-escapulares, dobras cutâneas dos peitorais e dobras cutâneas dos bíceps, sendo que as medidas mais elevadas foram às relativas ao nível sócio-econômico baixo. Entre sujeitos com 7, 11, 12, 14 e 16 anos não foram encontradas diferenças significantes entre as medidas. 6 anos Dobras cutâneas das panturrilhas e dobras cutâneas das coxas, sendo que as medidas mais elevadas foram as relativas ao nível sócioeconômico baixo; 8 anos Estatura e dobras cutâneas dos tríceps, sendo que as medidas mais elevadas foram as relativas ao nível sócio-econômico médio-alto; 9 anos Dobras cutâneas da coxa, sendo que as medidas mais elevadas foram às relativas ao nível sócio-econômico médio-alto; 10 anos Dobras cutâneas das panturrilhas e dobras cutâneas dos peitorais, sendo que as medidas mais elevadas foram as relativas ao nível sócioeconômico médio-alto; Artigo 02 - Humberto.pmd 78 PE 0,1720 0,5279 0,1063 0,0612 0,0255* 0,1417 0,1970 0,5459 0,1219 0,0460* 0,4561 BI 0,3624 0,1986 0,1062 0,8579 0,1769 0,1040 0,7743 0,5943 0,9788 0,0454* 0,2967 SI 0,0541 0,5567 0,3456 0,2738 0,4532 0,3846 0,5329 0,8203 0,5026 0,4623 0,8815 Ab 0,3269 0,3382 0,2529 0,4615 0,4922 0,5724 0,7381 0,3598 0,5153 0,0519 0,5486 CX 0,0021* 0,4998 0,4578 0,0430* 0,2394 0,1241 0,0745 0,1475 0,2508 0,2030 0,8808 De acordo com os resultados demonstrados na tabela X, foram encontradas diferenças significantes entre as variáveis seguintes: 7 anos Dobras cutâneas dos tríceps, dobras cutâneas dos bíceps e dobras cutâneas das coxas, sendo 09/07/04, 15:34 %' ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) Tabela X - Probabilidades encontradas, quando da aplicação do teste de Mann-Whitney às medidas obtidas com elementos do sexo masculino, pertencentes aos dois níveis sócio-econômicos, com idades variando de seis a dezesseis anos de idade. Idades P 6 0,5082 7 0,1091 8 0,0001* 9 0,1463 10 0,1382 11 0,0026* 12 0,0656 13 0,2116 14 0,8526 15 0,3643 16 0,0641 (*) p < 0,05 E 0,9242 0,7086 0,0301* 0,2459 0,3413 0,0007* 0,4010 0,4421 0,1340 0,7415 0,2801 MS 1,0000 0,4929 0,8548 0,1437 0,8205 0,9066 0,0153* 0,7336 0,4698 0,1953 0,1546 FM 0,5325 0,8028 0,0159* 0,8700 0,3232 0,5059 0,7068 0,2949 0,5562 0,6786 0,2139 TR 0,8498 0,0080* 0,0005* 0,0685 0,1995 0,0114* 0,1700 0,2296 0,6530 0,5090 0,1218 SE 0,7403 0,1645 0,3856 0,0652 0,0473* 0,2483 0,1429 0,1294 0,6272 0,5636 0,1649 que as medidas mais elevadas foram as relativas ao nível sócio-econômico médio-alto; 8 anos Entre todas as medidas, com exceção de Maturidade Sexual e de Dobras cutâneas subescapulares, sendo que, nas outras variáveis, as medidas mais elevadas foram as relativas ao nível sócioeconômico médio-alto; 9 anos Dobras cutâneas dos bíceps e dobras cutâneas das coxas, sendo que as medidas mais elevadas foram as relativas ao nível sócio-econômico médio-alto; 10 anos Dobras cutâneas sub-escapulares, Dobras cutâneas dos peitorais e Dobras cutâneas subrailíacas, sendo que as medidas mais elevadas foram as relativas ao nível sócio-econômico médio-alto; 11 anos Peso, Estatura, Dobras cutâneas dos tríceps, Dobras cutâneas dos peitorais, Dobras cutâneas dos bíceps, Dobras cutâneas supra-ilíacas e Dobras cutâneas abdominais, sendo que as medidas mais elevadas foram as relativas ao nível sócioeconômico médio-alto; 12 anos Maturidade sexual, Dobras cutâneas dos peitorais, Dobras cutâneas supra-ilíacas e Dobras cutâneas abdominais, sendo que os valores mais elevados foram os relativos ao nível sócio-econômico médio-alto. Entre sujeitos com 6, 14, 15 e 16 anos não foram encontradas diferenças significantes entre as medidas. Conclusão Conclui-se que as comparações realizadas durante a pesquisa com relação às variáveis estudadas para ambos os sexos não demonstraram no geral diferenças significativas, no entanto tivemos esporadicamente algumas faixas etárias que revelaram essas diferenças tais como: massa corporal, estatura, força de preensão manual e maturação sexual. Artigo 02 - Humberto.pmd 79 PT 0,1561 0,4761 0,0014* 0,2374 0,4113 0,0789 0,5592 0,5428 0,6791 0,8365 0,1228 PE 0,6030 0,0667 0,0020* 0,0972 0,0060* 0,0042* 0,0062* 0,0110* 0,3285 0,3425 0,0505 BI 0,6029 0,0237* 0,0006* 0,0402* 0,0885 0,0039* 0,1506 0,2879 0,6615 0,6493 0,5881 SI 0,8872 0,0778 0,0031* 0,0719 0,0248* 0,0108* 0,0088* 0,0364* 0,9570 0,8044 0,1223 Ab 0,7055 0,0810 0,0002* 0,0772 0,1112 0,0304* 0,0094* 0,0948 0,8573 0,6489 0,1891 CX 0,6366 0,0217* 0,0056* 0,0123* 0,1760 0,1615 0,3810 0,5897 0,3435 0,6798 0,8651 Os resultados do trabalho não permitem afirmar que essas diferenças tenham acontecido por fatores exógenos tais como a alimentação, higiene corporal ou até mesmo cultural. Essa justificativa ainda esta imbricada no tipo de pesquisa desenvolvida, uma vez que utilizamos o método transversal de análise estatística. Especificamente nas dobras cutâneas, no sexo feminino não tiveram um comportamento diferente das variáveis anteriores. Já no sexo masculino, no nível sócioeconômico médio-alto de 7 a 12 anos as médias de dobras cutâneas foram significativamente maiores, provavelmente pela qualidade da ingestão calórica e principalmente pelo tipo de atividade desenvolvida durante o cotidiano dessas crianças, uma vez que no nível sócio-econômico médio-alto suas atividades são desenvolvidas através de diversões eletrônicas e outras voltadas para o desenvolvimento cognitivo com os jogos de tabuleiros etc, que ativa a intelectualidade em contrapartidas o outro nível desenvolve atividades de lazer em praças, ruas ou nos quintais tendo um dispêndio energético maior que seu companheiro ¨privilegiado¨. Notadamente essa pesquisa mostrou que nos dois níveis sócio-econômicos as crianças têm um nível de desenvolvimento similar, portanto o nível sócioeconômico não tenha influenciado decisivamente para o desenvolvimento corporal dessas crianças e desses adolescentes, no entanto a criança que provavelmente é mais sedentária (nível sócio-econômico médio-alto) mostrou dobras cutâneas mais altas, determinando um possível nível de sobrepeso e obesidade maior que o nível sócio-econômico baixo. Referências 1. Larson LL. Physical activity and the growth and development of bone and joint structures. In: Rarick 09/07/04, 15:34 & ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) GL. Physical Activity: Human growth and development. Londres: Academic Press, 1973 p.3359. 2. Albano RD, Buongermino SS. Estado nutricional de adolescentes: risco de sobrepeso e sobrepeso em uma escola pública do Município de São Paulo. Cad. Saúde Pública, v.17, n.4, 2001. 3. França J, Silva RM, Augusto C. Tendência secular da altura na idade adulta de crianças nascidas na cidade de São Paulo entre 1950 e 1976. Rev. saúde pública, v.34, n.6, 2000. 4. Pietrobelli A, Faith MS, Allison DB, Gallaher D, Chiumello G, Heymsfield C. Body mass index as a measure of adiposity among children and adolescents: A validation study. J. Pediatr., v.132, p.204-210, 1998. 5. Daniels SR, Khoury PR, Morrison JA. The utility of body mass index as a measure of body fatness in children and adolescents: Differences by race and gender. Pediatrics, v.99, p.804-807, 1997. 6. Freedman DS, Khan LK, Dietz WH, Srinivasan SR e Berenson GS. Relationship of childhood obesity to coronary heart disease risk factors in adulthood: The Bogalusa Heart Study. Pediatrics, v.108, n.3, p.712-8, 2001. 7. Sale DG. Testing strength and power. In: MacDougall JD, Wenger HA e Green H.J (Ed.) Physiological Testing of High-Performance Athlete. 2.ed. Champaign: Human Kinetics, 1991. p.21-106. 8. Green HJ. What do tests measure? 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Estatística não - paramétríca, para as ciências do comportamento.São Paulo: McGraw-Hill, 1975. ♦ 09/07/04, 15:34 & ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) ARTIGO ORIGINAL Perfil de praticantes de atividade física na pista do Maracanã Profile of individuals who exercise on the running/walking track around Maracanã Stadium Valdo Vieira*, Marcos Santos Ferreira** * LABESPORTE/Universidade Castelo Branco, **Laboratório de Atividade Física e Promoção da Saúde (LABSAU)/ Instituto de Educação Física e Desportos/Universidade do Estado do Rio de Janeiro Resumo A adesão ao exercício físico é um processo complexo e multidimensional. Assim, o conhecimento do perfil dos praticantes é fundamental para o estabelecimento de ações eficazes de promoção e de manutenção da prática regular de exercícios. Com o objetivo de identificar o perfil dos praticantes de exercício da Pista do Maracanã, foram aplicados 289 questionários semiestruturados a sujeitos que compuseram uma amostra acidental. As questões abordavam aspectos relativos a dados pessoais, condicionantes da adesão e hábitos de prática do exercício. Os dados coletados foram analisados à luz da estatística descritiva e de teorias sobre a adesão ao exercício físico. Dos respondentes, (a) 49,1% são homens e 50,9% mulheres; (b) 71,3% apontaram como motivo para escolha da pista do Maracanã a proximidade de suas residências; (c) 72,3% praticavam exercícios buscando melhores condições de saúde; (d) 67,8% apenas caminhavam; (e) 79,8% não fazem aquecimento; (f) entre os que possuíam orientação para a prática do exercício, 41,9% apontaram o médico como orientador do exercício e 40,2% o professor de Educação Física. Os resultados revelaram que mulheres e homens utilizaram equilibradamente a pista do Maracanã; a proximidade de instalações para a prática do exercício exerce papel importante na escolha do local de exercício; a idéia de que a prática regular de exercícios traz benefícios à saúde parece estar difundida entre os praticantes; a caminhada é a atividade mais praticada; diretrizes básicas de prática de exercícios parecem não ser respeitadas pelos praticantes; o médico e o professor de educação física dividem a preferência dos usuários da pista como profissionais orientadores. Porém, para ampliar o poder de generalização desses resultados, sugerimos a utilização de amostras probabilísticas e mais amplas em futuros estudos. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras-chave: adesão, atividade física, lazer, promoção da saúde. Artigo recebido em 29 de junho de 2004; aceito em 1 de julho de 2004 Endereço para correspondência: Marcos Santos Ferreira, Rua São Francisco Xavier, 524 sala 8133 bloco F Rio de Janeiro RJ, Tel.: (21) 2587-7847, E-mail: [email protected] Artigo 06 - Marcos.pmd 81 09/07/04, 15:34 & ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) Abstract Exercise adherence is a complex multidimensional process. Therefore, knowledge of the profile of physically active individuals is crucial to determine actions that are effective for regular exercise promotion and maintenance. In order to identify the profile of individuals who exercise on the running/walking track around Maracanã Stadium, 289 semi-structured questionnaires were applied to an accidental sample. Questions included personal data, adherence determinants and physical exercise habits. Data analysis was based on descriptive statistics and theories related to physical exercise adherence. Among answerers, (a) 49.1% were men and 50.9% were women; (b) 71.3% pointed proximity from home as the reason to chose Maracanã track; (c) 72.3% practiced physical exercise in order to improve their health conditions; (d) 67.8% walked; (e) 79.8% did not warm-up; (f) among those who had exercise guidance, 41.9% pointed a physician and 40.2% pointed a physical education teacher as the guiding professional. According to the results, there is a balance between female and male use of Maracanã track; proximity of physical exercise equipments plays an important role in the choice of a place to exercise; the idea that regular exercise is beneficial for health is apparently well known; walking is favorite activity; basic principles of physical exercise practice apparently are not followed by subjects; physicians and physical education teachers share Maracanã tracks users preference as guiding professionals. Nevertheless, a wider generalization of results presented requires further studies using broader probabilistic samples. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key words: adherence, physical activity, leisure, health promotion. Introdução A idéia de que o exercício faz bem à saúde parece estar difundida na sociedade e encontrar suporte nos inúmeros benefícios da atividade física relatados na literatura. Parecem estar bem estabelecidas as relações entre a inatividade física e vários problemas de saúde, tais como doenças arteriais coronarianas, hipertensão, obesidade, osteoporose, alguns tipos de câncer e diabetes [1,2]. Há estudos ainda que apontam associações entre atividade física regular e um baixo índice de mortalidade em diferentes populações [3,1]. Com o cuidado de não se traçar uma relação causal entre atividade física e saúde, é possível afirmar que a aptidão física se manifesta como referência importante para a questão da saúde com base em duas tendências. A primeira delas aptidão física relacionada a habilidades tem como objetivo viabilizar desempenhos, de acordo com as necessidades da vida cotidiana, do mundo do trabalho, dos esportes e das atividades recreativas. A segunda tendência aptidão física relacionada à saúde preocupa-se mais em difundir qualidades que precisam ser trabalhadas constantemente para se obter o nível ideal desejado, como condicionamento aeróbio, força e resistência muscular, flexibilidade e composição corporal ideal. Conquanto a primeira tendência seja importante para a idéia de aptidão física permanente, observa-se uma preocupação maior com os componentes da aptidão Artigo 06 - Marcos.pmd 82 física relacionada à saúde, já que essa necessita de uma manutenção constante pela prática regular do exercício. O Colégio Americano de Medicina Desportiva [4] reconhece que a prática regular e bem orientada de atividade física pode proporcionar benefícios relacionados à saúde. No que se refere a benefícios na esfera biológica, poderíamos citar a redução da pressão arterial em indivíduos que a têm ligeiramente elevada; a diminuição de triglicerídios sangüíneos e de lipoproteínas de baixa densidade (LDL) e o aumento do bom colesterol (HDL); a redução do peso e gordura corporais; o aumento da tolerância à glicose; o aumento da densidade óssea, entre outros. A possibilidade de a prática regular de atividades físicas contribuir para o bem-estar psicológico também é apontado por alguns autores. Como benefícios, apresentam-se a melhoria da autoestima, do autoconceito, da auto-imagem, do humor, além da redução da ansiedade, do estresse e da depressão [5,6]. Para o alcance de todos esses benefícios, porém, o exercício necessita ser feito com moderação [4]. O exercício feito de forma vigorosa pode desencorajar a pessoa a continuar a prática regular, uma vez que aumenta as possibilidades de dores musculares ou de lesões. Guedes e Guedes [7] acrescentam que para se produzirem os efeitos desejados, é necessário combinar a freqüência, a duração, a intensidade e o tipo de exercício físico. Esses componentes serão distintos entre 09/07/04, 15:34 &! ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) as pessoas, levando-se em conta, por exemplo, os objetivos e o nível de aptidão em que a pessoa se encontra. Tomando por objetivo a promoção da saúde, trinta minutos é o tempo mínimo preconizado. Segundo Guedes e Guedes [7], independentemente da duração do exercício, ele deverá apresentar três momentos distintos: a parte preparatória, a principal e a final. O objetivo da fase preparatória (aquecimento) é predispor o organismo para um esforço mais intenso, de modo a evitar súbitas alterações fisiológicas e minimizar a possibilidade de ocorrência de lesões, permitindo o funcionamento orgânico diante do esforço físico com maior eficiência. As atividades mais comuns nessa fase são caminhadas, trotes e exercícios de flexibilidade. A parte principal teria o objetivo de desenvolver os componentes aeróbio e muscular, envolvendo atividades como corrida, caminhada, ciclismo, natação, exercícios abdominais e de flexão e extensão de membros superiores e inferiores. A parte final (volta à calma), que visa proporcionar ao organismo um retorno gradativo aos níveis de repouso, inclui, em geral, atividades leves de relaxamento e exercícios de flexibilidade. Storchi e Nahas [8] apresentando os resultados de sua pesquisa com os praticantes de atividade física nas ruas de Florianópolis, constataram que 73,9% não realizam aquecimento prévio, 53,0% não realizam a volta à calma e 61,2% não controlam a intensidade de esforço. Isso pode significar que um grande número de praticantes não possui conhecimentos referentes à prática de atividade física. O ACSM [4] aconselha a aprender tudo que puder sobre o exercício a ser realizado, pois compreendendo profundamente os benefícios de um programa regular de atividade física, a pessoa estará mais inclinada a segui-lo. E afirma, que quanto mais informado, mais razões a pessoa terá para desenvolver um programa de condicionamento físico seguro e eficiente. Storchi e Nahas [8] em sua pesquisa com praticantes de atividade física em Florianópolis constataram que 73,6% dos homens e 66,0% das mulheres não eram orientados por profissionais para a prática de exercícios. A nosso ver, todos os que não possuem informações suficientes sobre como realizar os exercícios (duração, freqüência, intensidade), independentemente de idade, sexo ou fatores de risco, deveriam passar por uma avaliação profissional. A questão da segurança, do bem maior do ser humano, que é a vida, deve ser preservada. Será que um leigo sabe o que é um exercício moderado? Em conversas informais com praticantes de exercício, que não possuem orientação profissional, não é raro presenciar Artigo 06 - Marcos.pmd 83 a disseminação da idéia de que se deve sempre forçar (aumentar) a intensidade dos exercícios para se obterem melhores resultados, o que, como se sabe, pode provocar danos à saúde. No que se refere às barreiras para a prática regular do exercício físico, elas não são poucas, o que acaba concorrendo para um baixo índice de adesão. Segundo Nunomura et al. [9], menos de vinte por cento da população dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha praticam exercícios regularmente. A falta de tempo é um dos fatores mais comumente apresentados pelas pessoas como barreira à prática regular da atividade física [10,11]. A classe social, o nível de instrução, a faixa etária, o sexo, entre outros fatores, inclusive os de ordem cultural, como os estereótipos, são fatores limitantes do tempo disponível. Segundo Marcellino [11], todas essas variáveis têm como pano de fundo a questão econômica. Nunomura et al. [9] afirmam que a inclusão e a manutenção da atividade física nos hábitos cotidianos, aspectos fundamentais para a obtenção dos efeitos positivos dos exercícios sobre a saúde, associam-se aos estados socioeconômicos, influências culturais, idade, estado de saúde e a motivação para a sua prática. Segundo Storchi e Nahas [8], a prática da atividade física está sujeita a fatores como a natureza do trabalho, personalidade, composição corporal, forma física, quantidade e uso das horas de lazer e acesso a esportes e à recreação comunitárias. Certamente, o padrão de vida é fator preponderante para alguém se envolver na prática de exercícios, mantê-la ou abandoná-la. Pesquisa realizada por Storchi e Nahas [8], por exemplo, revela que os praticantes de exercícios na Avenida Beira-Mar, em Florianópolis, pertencem principalmente às classes média e alta. A história de vida e os aspectos biográficos da pessoa também são importantes para a escolha da atividade física como um hábito [12]. Pais que obrigam seus filhos a praticar atividades que não desejam, muitas vezes, para se realizar ou para superar traumas por meio dos filhos, não costumam ter sucesso em seu intento. Nunomura et al. [9] complementam que os estágios da vida e o comprometimento com a família e os filhos podem ser um fator importante na decisão de manter ou abandonar a atividade física. No que concerne ao ambiente, lugares com altos índices de poluição atmosférica, de difícil acesso, e ainda com transporte de massa deficiente são aspectos ambientais inadequados à prática regular da atividade física [12]. Para Sallis et al. [13], o acesso a instalações é uma variável que interfere na escolha da pessoa em 09/07/04, 15:34 &" ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) se exercitar. A proximidade do local para a prática de exercícios, por exemplo, reduz o tempo de deslocamento da pessoa e, portanto, concorre para a adesão ao exercício físico. Um espaço bastante representativo para a prática da atividade física é o espaço público como calçadas, ruas, praças e ciclovias. Segundo Marcellino [11], as pessoas deveriam ter oportunidades para a prática da atividade física, de modo que se faz necessária a criação de condições para que essas pessoas tenham um espaço adequado para o alcance de seus objetivos. Bracht [14] acrescenta que a população deve construir seu lazer, não apenas o consumir, e, com isso, construir sua cidadania numa perspectiva crítica. Nesse sentido, a ampliação dos espaços públicos também deve ser vista como um objetivo a ser perseguido por todos os cidadãos, fisicamente ativos ou não, para que seja mais fácil a opção por um hábito de vida ativa. Além disso, a adaptação de espaços também deve ser vista como uma ação importante do poder público, principalmente nos grandes centros urbanos, como o Rio de Janeiro, em que os espaços públicos destinados à prática de atividades físicas sofrem com a especulação imobiliária e parecem diminuir a cada dia. Por outro lado, há que se reconhecer que a ampliação dos espaços não é o bastante se esses não estiverem adequados à prática, se não houver disponibilidade de tempo por parte da população e orientação adequada para o lazer. Segundo Bramante [15], esses aspectos devem estar contemplados em toda política no campo do lazer. Segundo o autor, o que comumente se observa em muitas cidades brasileiras é o oferecimento à população de um cardápio de eventos desconectados entre si, sem o devido planejamento e a necessária avaliação, tanto quantitativa como qualitativa de seus resultados, o que acaba por diluir as ações no campo do lazer. Portanto, no que se refere ao espaço, ele só será adequado e, conseqüentemente, poderá haver um aumento do nível de adesão à prática de atividade física, ou ainda, uma diminuição do número de desistências, se conhecer mos as necessidades individuais, de acordo com as características regionais e populacionais [16]. Lasco et al. [16] relatam um caso, ocorrido na cidade de Atlanta, nos Estados Unidos: através de organizações comunitárias, foram coletadas opiniões sobre os principais problemas da população, juntamente com levantamento dos problemas de saúde. Verificou-se que um dos principais problemas levantados era a hipertensão arterial. Implantou-se, então, um programa de atividade física e de reeducação alimentar. Participaram do projeto 70 mulheres Artigo 06 - Marcos.pmd 84 obesas, com idade entre 18 e 59 anos, residentes numa região carente da cidade. Mediante estratégias educativas e ambientais, com monitoração da dieta, visitas de educadores de saúde pública às casas das pessoas, participação ativa com comentários e incorporação de sugestões das pessoas nos programas, foram obtidos excelentes resultados como a redução do peso corporal e a diminuição da pressão arterial das participantes. Segundo Dishman, Sallis e Orenstein [17], para se ampliar o número de pessoas fisicamente ativas em todas as camadas da população é fundamental um maior conhecimento dos condicionantes comportamentais da adesão ao exercício. Sendo assim, para que sejam oferecidas atividades e oportunidades que venham ao encontro das necessidades e motivações individuais e populacionais, torna-se importante conhecer as expectativas de grupos específicos e seus hábitos, de forma a estimular a incorporação e a manutenção de hábitos de vida [15,18]. Com o objetivo de melhor compreender as variáveis intervenientes na adesão ao exercício físico e, de certa forma, contribuir para a implementação de políticas públicas na área de esportes e lazer, buscamos identificar o perfil dos usuários de um local do Rio de Janeiro tradicionalmente utilizado para a prática de exercícios: a Pista do Maracanã. Materiais e Métodos Trabalhamos com uma amostra nãoprobabilística, do tipo acidental. Como instrumento para a coleta dos dados, valemo-nos de um questionário semi-estruturado. Após passar por um pré-teste e pelo julgamento de dois expertos, chegamos à versão final do questionário, cuja distribuição foi feita por vinte pessoas, espalhadas ao longo da pista, que, sem interromper o exercício dos praticantes, explicavam sucintamente o objetivo da pesquisa e solicitavam a devolução do questionário num prazo máximo de dois meses. Foram distribuídos 1000 (mil) questionários da seguinte maneira: 400 (quatrocentos) na manhã de uma quartafeira; 200 (duzentos) na noite desse mesmo dia; e 400 (quatrocentos) na manhã do domingo subseqüente. Antes do primeiro dia de distribuição dos questionários, uma urna lacrada com cadeado, foi colocada em frente ao portão 18 do Maracanã. Após dois meses, a urna foi recolhida, contabilizando-se a devolução de 289 (duzentos e oitenta 09/07/04, 15:34 &# ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) e nove) questionários que compuseram a amostra deste estudo. Vale ressaltar que o fato de a distribuição dos questionários ter sido feita em uma quarta-feira e em um domingo pode ter deixado de fora pessoas que praticavam atividade física nos demais dias da semana, o que pode ser considerado uma limitação do estudo. Vale assinalar ainda a dificuldade que tivemos em distribuir os questionários para alguns ciclistas que passavam em grande velocidade. Embora tenhamos identificado na observação sistemática que os ciclistas constituíam um percentual menor em relação aos demais praticantes, reconhecemos a possibilidade dessa dificuldade na distribuição ter influenciado nos dados quantitativos obtidos para os ciclistas em nossa pesquisa. Portanto, uma limitação do estudo. Apresentação e Discussão dos Resultados Dos dados obtidos com a aplicação dos questionários, apresentamos a seguir apenas aqueles mais relevantes. Sendo assim, dos 289 questionários devolvidos, 49,1% (n=142) foram respondidos por homens e 50,9% (n=147) por mulheres. Por observação, constatamos anteriormente que não havia a predominância expressiva de um sexo sobre o outro, o que se reproduziu na amostra investigada (Tabela 1). Tabela I- Distribuição dos praticantes por sexo e faixa etária. Faixa etária (anos) Homens f (%) 15 34 (23) 16,2 35 54 (62) 43,7 55 74 (50) 35,2 + 75 (6) 4,2 Não informou (1) 0,7 Total (142) 100 Mulheres f (%) Total f (%) (29) 19,7 (78) 53,1 (37) 25,2 (2) 1,3 (1) 0,7 (147) 100 (52) 18,0 (140) 48,4 (87) 30,1 (8) 2,8 (2) 0,7 (289) 100 Storchi e Nahas [8], em seu estudo sobre a prática espontânea de atividades físicas nas ruas de Florianópolis, também haviam observado uma proximidade entre os percentuais de praticantes do sexo masculino (52,1%) e feminino (47,9%). O preconceito em relação à prática de exercícios e a dupla jornada de trabalho já foram considerados fatores que dificultavam as mulheres a praticar exercícios. Pelo menos no que diz respeito à Pista do Maracanã, parece haver um equilíbrio entre praticantes de ambos os sexos homens. Esse dado, porém, deve ser analisado com extrema parcimônia uma vez que em estudos de maior abrangência populacional identifica-se prevalência de sedentarismo maior ora em mulheres, ora em homens [19,20]. Artigo 06 - Marcos.pmd 85 A faixa etária de 35 a 54 anos obteve a maior incidência, com um total de 48,4%, sendo 43,7% de homens e 53,1% de mulheres. A pesquisa de Storchi e Nahas [8], embora realizada com pessoas acima dos trinta e cinco anos, apontou a mesma faixa etária como a de maior incidência, com 78,4%. Em nossa pesquisa, o percentual de praticantes com idade superior a 55 anos foi de 32,9%. Uma incidência superior à da faixa etária compreendida entre 15 e 34 anos, que registrou 18,0% do total. No entanto, na Pesquisa sobre Padrões de Vida realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o maior percentual de pessoas fisicamente ativas foi encontrado na faixa etária de 10 a 19 anos (39,9%) [21]. Parece que a pista do Maracanã, por se tratar de um local público, reúne pessoas de mais idade. Os mais jovens parecem preferir outros espaços para a prática de exercícios. Na tabela 2, identificamos a distribuição dos praticantes de acordo com o número de residentes na moradia. Tabela II Distribuição dos praticantes que moram sozinhos e acompanhados. Moram Homens f % Sozinhos (13) 9,2 Acompanhados (129) 90,8 Total (142) 100 Mulheres Total f % f % (15) 10,2 (28) 9,7 (132) 89,8 (261) 90,3 (147) 100 (289) 100 Entre os 129 homens que vivem acompanhados, 3 vivem com o(s) filho(s), 7 marcaram o item outro, 15 moram com os pais, 37 com a esposa e 67 com a esposa e filho(s). Das 132 mulheres que moram acompanhadas, 17 residem com o(s) filho(s), 18 com os pais, 29 com o esposo, 58 com o esposo e o(s) filho(s) e 10 com outro(s). No estudo de Storchi e Nahas [8], 90,8% dos homens e 78,7% das mulheres praticantes de exercícios em Florianópolis são casados, dados que, segundo os autores, eram previsíveis, por se tratarem de indivíduos de meia idade. Em nosso estudo, verificamos que 90,3% do total de praticantes moram acompanhados, sendo que, 66,1% do total moram com o seu cônjuge ou com o seu cônjuge e o(s) filho(s). Acompanhamos o raciocínio daqueles autores, quando julgam serem previsíveis esses dados, devido às faixas etárias predominantes dos praticantes de exercícios no Maracanã. Com relação ao grau de instrução, identificamos bom nível de escolaridade entre os praticantes do Maracanã, dos quais 83,7% possuem no mínimo o ensino médio, e 56,7% cursaram, pelo menos, o ensino superior (Tabela 3). Storchi e Nahas [8] também encontraram bom nível de escolaridade 09/07/04, 15:34 &$ ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) em seu estudo, uma vez que 68,9% dos homens e 38,3% das mulheres possuíam nível superior completo. Esse resultado deveu-se, possivelmente, ao nível sócio-econômico da população estudada, que, segundo os autores, era constituída pelas classes média e alta. Em nosso estudo, analisando o grau de instrução e a atividade profissional, concluímos que os praticantes do Maracanã pertencem em sua maioria à classe média. Tabela III Grau de instrução dos praticantes. Grau de Instrução Alfabetizado Ensino fundamental Ensino médio Graduação Pós-graduação Não informou Total Homens f % (0) 0 (18) (41) (63) (18) (2) (142) 12,7 28,8 44,4 12,7 1,4 100 Mulheres f % (1) 0,7 (23) (37) (64) (19) (3) (147) 15,7 25,2 43,5 12,9 2,0 100 Total f % (1) 0,4 (41) 14,2 (78) 27,0 (127) 43,9 (37) 12,8 (5) 1,7 (289) 100 Com o objetivo de identificar o(s) motivo(s) que levou(ram) os usuários a escolher a pista do Maracanã como local de prática, valemo-nos de uma questão aberta. As respostas a esse item podem ser observadas na Tabela 4. Tabela IV Motivos apontados pelos praticantes para a escolha da Pista do Maracanã Motivos Homens Proximidade da residência 108 Espaço adequado 41 Outros praticando exercícios 4 Segurança 5 Condições financeiras 1 Perto do trabalho 1 Acompanhar alguém 1 Fácil acesso 4 Projeto Saúde e Lazer1 0 Não declarou 1 Mulheres 98 38 6 2 5 5 3 0 2 6 Total 206 79 10 7 6 6 4 4 2 7 Embora a resposta fosse aberta, 71,3% dos praticantes apontaram a proximidade de suas residências à pista como motivo para escolha do local para a prática de exercícios. Entendemos que esse resultado reforça as hipóteses apontadas por Sallis et al. [13] de que o acesso a instalações é uma variável que interfere na escolha da pessoa em se exercitar [13] e de que há uma associação entre a proximidade de locais e a freqüência na prática de exercícios [22]. Esses autores afirmam que a oferta de instalações para a prática do exercício serve não só de estímulo visual, mas chama a atenção das pessoas para a questão da Artigo 06 - Marcos.pmd 86 prática do exercício, reduzindo barreiras físicas e psicológicas associadas ao exercício, uma vez que a proximidade do local para a prática de exercícios diminui o tempo de deslocamento da pessoa e o estresse gerado pelo trânsito [13]. Outro motivo apontado por 27,3% dos praticantes para a escolha da pista do Maracanã foi a adequabilidade do espaço para a prática de seus exercícios. Isso reforça a opinião de que se devem conhecer as características da população local, seus interesses, diversificando as possibilidades de atividade física com o intuito de atender a um maior número de praticantes. Ainda com relação à tabela 4, vale registrar o terceiro item mais indicado: outras pessoas praticando exercícios. Como vimos, a atividade física pode trazer benefícios sociais ao indivíduo ao estimular novas amizades e conhecimentos. Além disso, a presença de outras pessoas praticando atividade física pode aumentar a sensação de segurança. Consideramos esse dado (outras pessoas fazendo exercício) muito importante para a adesão à prática regular de atividade física. Não é demais lembrar que o apoio do cônjuge exerce influência positiva na adesão à prática de exercícios físicos [23]. Na tabela 5, encontram-se o(s) motivo(s) que levou(aram) os usuários da pista do Maracanã a praticar exercícios. Para responder a essa questão fechada, o respondente podia assinalar mais de uma alternativa e, ao marcar o item Outros, pedia-se que ele especificasse o motivo. Tabela V Motivo(s) que levou(aram) os praticantes a praticar exercícios Motivos Saúde Emagrecimento Recomendação médica Lazer Estética Outros Não declarou Homens 112 45 47 53 25 7 0 Mulheres 97 79 57 36 51 4 1 Total 209 124 104 89 76 11 1 Os resultados da tabela 5 revelam que o principal motivo que levou os usuários à prática do exercício físico foi a saúde, com 72,3% de respostas assinaladas. Percentual próximo ao verificado na pesquisa de Florianópolis [8], na qual 71,6% dos indivíduos alegaram praticar atividade física para manter a saúde. Esses dados tendem a sugerir que a associação entre aptidão física e saúde pode favorecer a adesão à prática de exercícios [18]. Por outro lado, há pesquisas muito mais abrangentes em termos amostrais que apontam que 09/07/04, 15:34 &% ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) a saúde não é a principal motivação para a prática de exercícios. A Pesquisa sobre Padrões de Vida (PPV), por exemplo, realizada pelo IBGE em convênio com o Banco Mundial, abrangeu cerca de 5000 domicílios em 554 setores nas regiões Nordeste e Sudeste do país e teve como objetivo fornecer infor mações adequadas para o planejamento, acompanhamento e análises de políticas econômicas e programas sociais em relação aos seus impactos nas condições de vida domiciliar [21]. No que se refere ao exercício físico, o estudo identificou que 19,2% das pessoas declararam praticá-lo semanalmente. Porém, quando considerada freqüência igual ou superior a três vezes por semana e duração igual ou maior que 30 minutos, a proporção de declarantes fisicamente ativos reduziu-se para 7,9%. Quando indagadas sobre os principais motivos para a prática do exercício físico, cerca de 74,5% das pessoas que declararam praticar exercício semanalmente apontaram o lazer, a diversão e a estética. Nesse grupo, apenas 10,4% apontaram a saúde, a fisioterapia e o aconselhamento médico como motivos para a prática de exercícios físicos. Já estudo realizado no final da década de 80, encomendado pelo Ministério da Saúde, revelou números um pouco diferentes, embora proporcionalmente similares. Das 2003 pessoas entrevistadas, 33,0% declararam praticar exercícios regularmente e somente 10,0% admitiram fazê-lo com freqüência superior a duas vezes semanais [24]. Diferentemente do estudo anterior, os principais motivos alegados para a prática do exercício foram a manutenção da saúde e da resistência física. Ao se considerarem esses dados, é possível afirmar que, no que se refere à motivação para a prática de exercícios, os dados são conflitantes, o que coloca em dúvida a idéia, razoavelmente aceita pelo senso comum, de que a saúde é a principal motivação para a prática de exercícios. O emagrecimento foi assinalado como motivo à prática do exercício por 42,9% dos praticantes. A obesidade, que hoje é tida como um dos maiores problemas de saúde pública [25,26], está associada a outros distúrbios como as cardiopatias e a hipertensão. Até pouco tempo atrás, as pessoas recorriam apenas a dietas, a maioria delas sem embasamento científico. Hoje, com a propagação da informação de que a obesidade é prejudicial à saúde, a prática regular e adequada da atividade física surge como alternativa potencial para seu combate. O tempo de prática de exercícios dos usuários da pista do Maracanã pode ser observado na tabela 6. Artigo 06 - Marcos.pmd 87 Tabela VI Tempo de prática de atividade física dos respondentes. Tempo de prática Menos de 1 mês 1 a 3 meses 3 a 6 meses 6 meses a 1 ano Mais de 1 ano Total Homens f % (12) 8,4 (19) 13,4 (26) 18,3 (39) 27,5 (46) 32,4 (142) 100 Mulheres f % (8) 5,4 (33) 22,5 (32) 21,8 (41) 27,9 (33) 22,4 (147) 100 Total f % (20) 6,9 (52) 18,0 (58) 20,0 (80) 27,8 (79) 27,3 (289) 100 Levando em conta que a pista do Maracanã existe há 15 anos aproximadamente, consideramos reduzida a parcela de 27,3% de pessoas que praticam exercício há mais de um ano. Do total de praticantes, 22,5% (n = 32) dos homens e 18,4% (n = 27) das mulheres interromperam a rotina de exercícios durante o período em que praticavam atividades. O período de interrupção foi de até um mês para 17 homens e 16 mulheres, de um a três meses para 9 homens e 8 mulheres e de mais de três meses para 6 homens e 3 mulheres. Vale citar que a prática regular de exercícios é um comportamento complexo (bem diferente do uso habitual do cinto de segurança, por exemplo). Em muitos casos, a adesão ao exercício é efêmera; há aumento na prática de exercícios quando há estímulos para tal sendo constantemente veiculados. Uma vez retirados, a adesão tende a voltar aos níveis iniciais [27]. De acordo com King [28], vistas a abrangência e a complexidade do problema do sedentarismo, a alteração desse quadro aponta para a necessidade de ações nos níveis ambiental, organizacional, institucional, social e legislativo. Na tabela 7, é possível identificar as atividades praticadas na pista do Maracanã. Tabela VII Atividades praticadas na pista do Maracanã. Atividade Homens f % (94) 66,2 (16) 11,3 Caminhada Corrida Caminhada e Corrida (9) 6,4 Caminhada e Ciclismo (6) 4,2 Ciclismo (4) 2,8 Corrida e Ciclismo (3) 2,1 As três atividades (2) 1,4 Outro(s) (8) 5,6 Total (142) 100 Mulheres f % (102) 69,4 (13) 8,8 (7) Total f % (196) 67,8 (29) 10,0 4,8 (16) 5,6 (9) 6,1 (6) 4,1 (4) 2,7 (1) 0,7 (5) 3,4 (147) 100 (15) 5,2 (10) 3,5 (7) 2,4 (3) 1,0 (13) 4,5 (289) 100 A caminhada, que aparece como a atividade física mais praticada na pista do Maracanã, também o foi na pesquisa de Storchi e Nahas [8]. Nesse estudo, a caminhada era praticada por 48,3% dos homens e 09/07/04, 15:34 && ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) 87,2% das mulheres. É possível que o fato de a caminhada ser menos traumática para o sistema ósteomio-articular que a corrida e requerer menos equipamentos contribua para a sua preferência pelos praticantes da pista do Maracanã. Essas suas peculiaridades fazem com que a caminhada possa ser praticada por pessoas das mais diversas faixas etárias. Investigamos ainda se os usuários da pista praticavam exercícios sob a orientação de algum profissional. Aos que eram orientados, indagamos que profissional os atendia; aos que não eram, perguntamos a que profissional eles recorreriam se pudessem. Os resultados são apresentados nas tabelas 8, 9 e 10. Como era de se esperar, a maioria (60,6%) dos respondentes não possui orientação profissional (Tabela 8). Por se tratar de um espaço público, onde as atividades não são supervisionadas diretamente por um profissional, como em uma academia, nos surpreendeu o alto percentual encontrado de praticantes com orientação profissional, que foi de 39,4%. Tabela VIII Praticantes orientados por profissionais. Orientação profissional Sim Não Total Homens (%) 40,8 59,2 100 Mulheres (%) 38,1 61,9 100 Total 39,4 60,6 100 Quando indagados a respeito do profissional orientador, o médico e o profissional de Educação Física dividiram a preferência dessa parcela de praticantes (41,9% e 40,1%, respectivamente) (Tabela 9). De certa forma, esse equilíbrio na preferência por médicos e profissionais de Educação Física se repete entre os que afirmaram não ter orientação para a prática do exercício (38,9% e 46,4%, respectivamente) (Tabela 10). Podemos argumentar que, apesar de o professor de Educação Física ser o profissional competente para a orientação da prática de exercícios, função legalmente estabelecida com a regulamentação da profissão em 1998, o médico ainda é considerado por boa parte dos usuários um profissional competente para a prescrição e orientação de exercícios físicos. Outra possibilidade a ser considerada para a explicação desse fenômeno é a maior acessibilidade do médico para as pessoas em comparação com o profissional de Educação Física, que se dá muito em função da proliferação de planos de saúde que atendem à classe média. Pelo menos para os praticantes da pista do Maracanã, parece que os Artigo 06 - Marcos.pmd 88 médicos vêm sendo considerados como aptos a orientar sobre a prática do exercício. Tabela IX Profissionais orientadores dos praticantes. Profissional Homens (%) Médico 27,4 Ed. Física 52,8 Fisioterapeuta 12,0 Nutricionista 7,8 Outro 0 Total 100 Mulheres (%) 55,8 27,9 8,8 6,1 1,4 100 Total (%) 41,9 40,1 10,4 6,9 0,7 100 Tabela X Profissionais eventualmente procurados pelos praticantes sem orientação. Profissional Ed. Física Médico Fisioterapeuta Nutricionista Outro Total Homens (%) 44,9 39,0 8,8 7,3 0 100 Mulheres (%) 48,0 38,8 6,2 6,2 0,8 100 Total (%) 46,4 38,9 7,5 6,8 0,4 100 Analisando, porém, a escolha do profissional orientador tomando por base o sexo do(a) praticante, constatamos um dado bastante interessante. Verificamos que 55,8% das mulheres são orientadas por médicos, enquanto que 52,8% dos homens por profissionais de Educação Física. Ou seja, o médico aparece como orientador da maioria das mulheres e o profissional de Educação Física da maioria dos homens. Mesmo considerando que as mulheres possam ter confundido orientação para prática da atividade física com recomendação médica (vale lembrar que foi por recomendação médica que 104 praticantes, sendo 57 mulheres, começaram a praticar exercícios vide Tabela 5), julgamos esse dado no mínimo curioso, e que, portanto, merece ser investigado mais detalhadamente em estudos futuros. No que se refere às sessões de exercícios realizadas na pista do Maracanã, os resultados demonstram que, na grande maioria dos casos, as sessões de treinamento não possuem os três momentos aconselhados: fase preparatória (aquecimento), parte principal e parte final (volta à calma) (Tabela 11). Dos praticantes investigados, apenas 11,7% admitiram incluir esses três momentos em sua sessão diária de exercícios. Além disso, 79,8% dos praticantes não fazem aquecimento pré-atividade (Tabela 11). Como visto, o objetivo do aquecimento é preparar o organismo para um esforço mais intenso, de modo a evitar súbitas alterações fisiológicas e a minimizar a possibilidade de lesões. Tendo em vista o exposto, tendemos a concordar com Storchi e Nahas [8] 12/07/04, 17:28 &' ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) Tabela XI Descrição da sessão de atividades físicas realizadas. Atividades Homens (%) Somente 65,9 Aquecimento/atividade principal/alongamentos 8,8 Atividade principal/alongamentos 6,6 Aquecimento/atividade principal 12,1 Atividade principal/exercícios sobrecarga 3,3 Outros 3,3 Total 100 quando afirmam que os praticantes necessitam receber melhores orientações sobre a prática de exercícios. Conclusões Em que pese a limitação da amostra acidental, é possível afirmar que há um equilíbrio no uso da pista do Maracanã por mulheres e homens. Em relação à faixa etária, embora tenhamos encontrado usuários adolescentes de 15 anos e idosos com 81 anos, não há uma distribuição uniforme entre as faixas etárias. A prevalência situa-se entre 35 e 54 anos. A escolha da pista do Maracanã se deve principalmente à proximidade das residências dos usuários. Esse resultado reforça a hipótese de que a proximidade de locais e a freqüência na prática regular de exercícios estão diretamente associadas. Esse resultado leva-nos a encarar a ampliação quantitativa de espaços adequados como importante ação do poder público no sentido de ampliar a participação das pessoas em atividades físicas. A idéia de que o exercício físico, praticado regularmente, traz benefícios à saúde parece estar difundida entre os usuários da pista do Maracanã, uma vez que a maioria dos usuários apontou a saúde como motivo que os levou a praticar atividade física. Isso pode sugerir que a associação entre aptidão física e saúde esteja disseminada entre aqueles que optam por praticar exercícios. A caminhada é a atividade mais praticada na pista do Maracanã, seguida, embora de longe, pela corrida. Atribuímos esse resultado ao fato de esse espaço propiciar essencialmente a realização dessas atividades. Outro possível motivo para a preponderância da caminhada é o fato de ela ser uma atividade de fácil execução e que menos possui contra-indicações e, portanto, poder ser praticada por pessoas de diferentes faixas etárias e competências motoras. Ao mesmo tempo, diretrizes básicas de prática de exercícios parecem não ser seguidas pelos usuários da pista, haja vista que o aquecimento ou a volta à calma não são Artigo 06 - Marcos.pmd 89 incluídos pela grande maioria dos usuários em suas sessões de exercícios. No que concerne à orientação para a prática da atividade física, o médico e o profissional de educação física dividem a preferência dos usuários da pista. O médico, embora não habilitado para a prescrição de exercícios físicos, ainda é lembrado por praticantes de atividade física para assumir essa função. Analisando, porém, a escolha do profissional tomando por base o sexo do(a) praticante, as mulheres parecem preferir a orientação dos médicos, enquanto que os homens do profissional de educação física. Esse achado, cuja explicação foge ao escopo deste estudo, é no mínimo curioso e, portanto, merece ser investigado mais detalhadamente em estudos futuros. Mulheres Total (%) (%) 62,2 64,0 14,6 11,7 11,0 8,8 4,9 8,5 7,3 5,3 0 1,7 100 100 Referências 1. Blair SN et al. Influences of cardiorespiratory fitness and other precursors on cardiovascular disease and allcause mortality in men and women. JAMA. v.276, p.205210, 1996. 2. NIH Consensus Conference. Physical activity and cardiovascular health. JAMA. v.276, p.241-246, 1996. 3. Paffenbarger RS, Lee IM. Physical Activity and Fitness for Health and Longevity. Res Q Exerc Sport, v.67, p.1128, 1996. 4. American College of Sports Medicine. Programa de Condicionamento Físico da ACSM. 2.ed. São Paulo: Manole, 1999. 5. Nieman DC. 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Rosemary Rauchbach, M.Sc.* *Docente no Curso de Educação Física UNIANDRADE, Coordenadora do Programa Idoso em Movimento, Secretaria Municipal do Esporte e Lazer Curitiba, Gerontóloga pela SBGG Resumo O objetivo deste estudo foi analisar os pontos de conflito da práxis da pesquisa científica no que diz respeito à avaliação do idoso na área da atividade física. Os dados foram coletados através da análise documental de periódicos nacionais de expressão nos meios científicos da Educação Física e Gerontologia, bem como Anais de Congressos Nacionais, abrangendo o período compreendido entre 1995 a 2001. Observou-se que a partir do Ano Internacional do Idoso, 1999, houve uma mudança no enfoque das pesquisas sobre o envelhecimento. O foco hoje é o paradigma da capacidade funcional e o que está em jogo é a autonomia. Com a visão de saúde dentro de uma nova ótica resultante da interação multidimensional entre saúde física, mental, independência na vida diária, interação social, suporte familiar e independência econômica, há uma preocupação maior em descrever o perfil sócio-cultural da população estudada, e não só quantificar os resultados, mas embasar as observações, através de imagens e depoimentos. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras-chave: avaliação, atividade física, idoso. Abstract The purpose of this study was to analyze the scientific research praxis of senior physical activity evaluation. The data was collected from documental scientific periodicals of physical activity and Gerontology, as well as Annals of National Congresses from 1995 to 2001. The results showed that the year 1999, when the International Year of Older Persons were created, was the starting point of a major changing on researches about aging. The methodology moved to focus a multidimensional interaction among physical and mental health, social interaction, independence in daily life, family support and economic independence. The results also demonstrated at evidence from the literature that the cultural partner profile was based not only by quantifying the data but also by using observations, through images and depositions. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key-words: evaluation, physical activity, elderly. Artigo recebido em 20 de maio de 2004; aceito em 25 de maio de 2004. Endereço para correspondência: Rosemary Rauchbach, Rua Castro Alves, 832 apto 6-B Água Verde 80240-270 Curitiba PR, Tel: (41) 2441242, E-mail: [email protected] Artigo 08 - Rosemary.pmd 91 09/07/04, 15:34 ' ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) Introdução Ao final do século vinte foram grandes as preocupações da sociedade e seus governos quanto ao envelhecimento populacional, e aos problemas decorrentes da falta de políticas públicas que atendessem o idoso. O governo brasileiro, em colaboração com o Programa para o Envelhecimento da Organização Mundial de Saúde, convocou um encontro internacional em julho de 1996, para desenvolver uma agenda para o restante do século 20 e mais além. Participou deste encontro um grupo multidisciplinar de especialistas de todo o Brasil, assim como de 21 países. O documento resultante dessa reunião ficou conhecido como Declaração de Brasília. Esta declaração leva em consideração o Plano de Ação de Viena para o Envelhecimento, das Nações Unidas, e é coerente com as convenções assinadas no Cairo, Copenhaguem e Beijing; com a Carta de Ottawa sobre Promoção de Saúde e com o Habitat II. Um dos princípios de ação e recomendações destacadas foi: (...) Capacidade de pesquisa deve ser desenvolvida a fim de avaliar e definir necessidades, desenvolver e avaliar modelos de intervenção, disseminar melhores práticas e subsidiar políticas. Treinamento para utilizar a informação existente e desenvolver novos bancos de dados é parte da construção da capacidade de pesquisa. Bancos de dados longitudinais que facilitem o monitoramento e determinação da pesquisa, incluindo métodos de pesquisa quantitativos, qualitativos, de participação e ação. Ênfase deve ser dada à pesquisa aplicada. (...) [1]. Na mesma época o Governo Federal regulamentou através do Decreto nº 1.948, de 03 de julho de 1996 a Política Nacional do Idoso (Lei n° 8.842, de 04/01/94), destinada não apenas aos que estão velhos, mas também àqueles que vão envelhecer [2,3]. No sentido de colocar em prática as ações preconizadas nesta política, os órgãos governamentais propuseram um plano de ação conjunta Plano integrado de ação governamental para o desenvolvimento da política nacional do Idoso [4], que trata de ações preventivas, curativas e promocionais objetivando a melhor qualidade de vida ao idoso. Tendo como um dos objetivos específicos: (...) coordenar, financiar e apoiar estudos, pesquisas, levantamentos e publicações que ampliem os conhecimentos sobre o idoso na área social; Criar um banco de dados com vistas a subsidiar os programas do Governo Federal para esse segmento; (...) Artigo 08 - Rosemary.pmd 92 Da mesma forma destaca a atividade física como um dos meios de promoção da saúde em diferentes ações entre as Secretarias. Com todo esse movimento dos meios políticos e sociais, as Instituições de Ensino Superior vieram a despertar para o fato da necessidade de ampliar o número de pesquisas nas áreas que até então eram feitas em sua maioria por outros órgãos. No que diz respeito às pesquisas relacionadas ao movimento humano e ao envelhecimento, foram necessários um esforço maior, pois essas até então eram direcionadas às populações mais jovens assim como os testes e avaliação da performance motora [5]. Considerando o envelhecimento como um processo multidimensional e singular, os pesquisadores depararam-se com a amplitude e diversidade da pessoa envelhecida, vendo a necessidade da criação, adaptação e validação dos instrumentos de avaliação e a determinação de classes as quais esses instrumentos se prestariam. A classificação da população idosa, segundo sua capacidade de realizar as atividades de vida diária, e a avaliação do desempenho motor vieram ao encontro das necessidades dos profissionais em avaliar o impacto da prática sistemática da atividade física em idosos participantes de programas regulares, como no diagnóstico das condições iniciais para prescrição das atividades [6]. No entanto os testes propostos para avaliação do desempenho motor podem apresentar limitações, pois quando se atem em só quantificar deixa de avaliar a forma com que o idoso se adapta às tarefas [6]. Assim como os testes de autopercepção que podem ser afetados por diferentes fatores: a falta de compreensão dos questionamentos, diminuição da memória e outros [5]. Há uma concordância entre os autores [6,7,8,9,5], que a avaliação do idoso deve abranger múltiplos aspectos que um só instrumento não é o suficiente para avaliar o processo de envelhecimento e suas nuances. Diante do exposto, é que esse estudo tem como objetivo analisar a prática da pesquisa científica no campo da Educação Física, no que se refere à avaliação do idoso, seus resultados e suas limitações com a visão multidimensional da gerontologia. Levantando a questão; Qual a extensão do conhecimento nas diferentes áreas necessário para avaliar a pessoa em processo de envelhecimento? Sendo que o envelhecimento se serve de diferentes ramos da ciência para a sua explicação e compreensão, e seja qual for a abordagem que se empregue ao se olhar para uma pessoa em envelhecimento observa-se um contexto de difícil delimitação, pois segundo [10], esse processo envolve as dimensões biológicas, psíquicas, sociais, 09/07/04, 15:34 '! ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) culturais e estéticas, que transcende a forma de observação científica e técnica, onde a fragmentação do objeto que o isola ou arranca do contexto original não explica o fenômeno. Pois, o velho e o processo do envelhecimento, só pode ser explicado na integridade de suas características. Este estudo levou em consideração as pesquisas publicadas em revistas especializadas no campo da Educação Física e Gerontologia, como também em Anais de Congressos Brasileiros de 1995 a 2001. O estudo foi assim delimitado pela própria evolução histórica da gerontologia no Brasil. Para Papaléo Netto [11], a pesquisa em gerontologia teve seu avanço com a abertura dos cursos de Pós-graduação e Universidades da Terceira Idade. E na promulgação de políticas nacionais para o idoso (1996) e para a saúde do idoso (1999). Segundo Neri [11], o número de artigos científicos, capítulos e trabalhos apresentados em congressos tiveram sua maior expressão a partir de 1996. Justificando dessa forma a escolha dos periódicos e anais de congressos por serem elas as fontes primárias encontradas. Metodologia Este estudo caracteriza-se por uma pesquisa de natureza descritiva na linha crítico-dialética da investigação científica produzida historicamente nesta área. Essa escolha metodológica tem sua explicação na própria concepção da Gerontologia como ciência e seu caráter multidimensional de investigação [11]. Pois a dialética entende a realidade a partir do conflito e da contradição para que se possa fazer uma transformação. Sendo os fatores sócio-econômicos e políticos que condicionam o fenômeno, mas também é por ele determinado, vê-se nas pesquisas produzidas por grupos inseridos em Instituições a sua natureza, enquanto linha de pesquisa e os resultados por ela perseguidos como um fator histórico determinante. Essa investigação propôs-se no primeiro momento fazer um levantamento das pesquisas que abordam a avaliação do idoso e a atividade física, abrangendo periódicos Nacionais de expressão nos meios científicos da Educação Física e Gerontologia e Anais de Congressos Nacionais datados de 1995 a 2001. Com o objetivo de investigar a metodologia e os instrumentos utilizados como também o propósito a qual a pesquisa se destinou. Esses foram previamente catalogados e separados por área de interesse, autor e assuntos relevantes ao longo do ano de 2001. Artigo 08 - Rosemary.pmd 93 Em um segundo momento, as observações foram descritas e analisadas em uma abordagem crítica dialética, lembrando que o método dialético está intrinsecamente voltado para o real e articulado ao movimento da sociedade. Sociedade essa entendida aqui como sendo a elite dos profissionais que estudam e pesquisam o envelhecimento. Discussão Na análise inicial dos dados, fez-se necessário destacar as diferentes formas de intervenção segundo as linhas de pesquisas utilizadas no Campo da Educação Física e da Gerontologia que investiga os efeitos da atividade física. Lembrando que a postura de investigação científica na gerontologia é estudar o mesmo objeto simultaneamente sob várias óticas e ciências distintas, dando uma visão multidimensional da pessoa envelhecida. Freqüentemente, fazia parte do estudo uma equipe interdisciplinar, predominando a utilização de mais de um instrumento de análise. Um composto de três fontes de coleta de dados, tais como: Ficha/ cadastro ou prontuário, questionário com perguntas abertas e fechadas e uma avaliação física e/ou exame clínico. Caracterizando as pesquisas como descritivas e analíticas e de observação participante. Os dados eram tratados pela estatística descritiva na caracterização da população estudada, como também por uma estatística mais elaborada [12-14]. Nas pesquisas onde o enfoque era predominantemente da Educação Física aplicada ao idoso [15-18], o que se constatou foi a utilização de no máximo dois instrumentos de coleta dos dados, uma ficha/cadastro e/ou um questionário/ entrevista ou uma bateria de testes de aptidão física e/ou funcional. Os dados eram tratados por uma estatística mais elaborada e os resultados apresentados em tabelas e/ou gráficos explicativos. O profissional que segue uma das linhas de pesquisa utilizadas predominantemente na Educação Física tende a deter-se na interpretação dos dados pelo viés da análise estatística, deixando os dados subjetivos/ qualitativos com um breve comentário na conclusão do trabalho [19,20]. Assim existe uma clara diferença entre as duas formas de observação e pesquisa; enquanto a preocupação maior do gerontólogo é com o processo de adaptação e construção dos instrumentos adequados à população estudada e descrição das observações [6,21,22,23]. 09/07/04, 15:34 '" ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) Pontos de conflito Um dos pontos de maior conflito observado foi a determinação da população abrangida pelas pesquisas. Sendo que, os autores ao classificarem seus estudos, para a terceira Idade, Idosos, adultos maduros, acima de 50 anos de idade, estavam se referindo a mesma população, mas cuja abordagem teórica e tratamento metodológico se diferenciaram no que diz respeito ao entendimento do ser velho. Isso se deve, em grande parte ao fato de os mecanismos básicos de envelhecimento e a mensuração da idade biológica serem indefinidos. Papaléo Netto [24], salienta ainda como causas de erro, a falta de conhecimento de doenças associadas ao envelhecimento e a dificuldade de distinção entre senescência e senilidade, ou seja, entre as manifestações peculiares do envelhecimento e as decorrentes de processos mórbidos comuns em pessoas idosas. Não raramente, alguns idosos apresentam modificações anatômicas evidentes sem correspondentes funcionais. Assim como idosos com osteoporose avançada, diagnosticada através de radiografia e densiometria óssea, podem não referir qualquer manifestação da doença ou relatar fraturas em sua história pessoal. É possível, nesse caso considerá-lo livre de doença e, portanto, selecioná-lo como saudável. Outro fator de erro, segundo esse mesmo autor é a utilização da idade cronológica como critério para estabelecer o limite entre o adulto jovem e o idoso. Desde que a Organização Mundial da Saúde estabeleceu como limite divisório entre o adulto e o idoso, nos países em desenvolvimento, a idade de 60 anos. Esse critério cronológico tem sido adotado na maioria dos trabalhos científicos. Já que não existem marcadores biológicos eficazes e confiáveis para a determinação da idade biológica. A seguir alguns critérios de seleção da população encontrados: (...) ser saudável, ou seja, não apresentar doença cardíaca coronariana, diabetes mellitus insulinodependente, hipertensão arterial, osteoporose e/ou outras condições crônicas. (...) não fazer uso regular de hormônios, diuréticos e/ou estrógenos.(...) [25]. (...) os critérios de inclusão foram ser homens, possuir idade igual ou superior a 50 anos, estar em bom estado de saúde não possuindo patologias ou ingerindo medicamentos (...) [26]. A população investigada compreendeu indivíduos sadios, de ambos os sexos, com idades entre 50 e 70 anos que não praticaram nenhum tipo de exercício físico nos 6 meses que antecederam o estudo [15]. Artigo 08 - Rosemary.pmd 94 Isto é, a população acima descrita, os fisicamente saudáveis se classificariam como pertencentes ao nível IV [9], isto é, realizam trabalho físico moderado, esportes de resistência e jogos. São capazes de fazer todas as atividades avançadas da vida diária e têm aparência física mais jovem em relação às demais pessoas de sua idade. E todo e qualquer resultado dessas pesquisas se prestariam apenas a idosos com as mesmas características físicas e sócias culturais. O que corresponderia a uma parcela muito pequena do universo da população idosa brasileira. Papaléo Netto [24] enfatiza que considerar os resultados obtidos com essa população, com um envelhecimento bem sucedido da qual foram excluídos os portadores de envelhecimento comum, como padrão de referência nos Programas de Atividades, generalizando assim a toda uma população envelhecida é um erro. O mesmo se pode dizer quando a população em questão é institucionalizada. Onde a heterogeneidade decorrente dos processos mórbidos comuns do envelhecimento dificulta a caracterização do grupo estudado. Deve-se ter em mente a grande variedade entre as pessoas de um mesmo grupo etário, e principalmente, entre grupos etários diferentes dentro do conjunto total de idosos. É necessário estar ciente de que fatores tais como idade cronológica, raça, cultura e outros ligados ao estilo de vida, como hábito de fumar, ingestão de bebidas alcoólicas, sedentarismo e dieta inadequada são fundamentais e o seu não reconhecimento ou sua valorização poderão dar origem a interpretações não válidas. É importante lembrar que o envelhecimento comum é determinado pela cultura e nível social. Matsudo, Matsudo e Araújo [27] comentam que a manutenção da habilidade física no processo de envelhecimento está associada a um melhor nível educacional. Não são evidenciadas nas pesquisas relacionadas à Atividade Física, anteriores a 1999, a preocupação quanto à descrição da população nos seus diferentes aspectos: sócios culturais, econômicos e de saúde. Dificultando dessa forma a reprodução do estudo em um momento posterior. Tipos de estudos A escolha da metodologia e dos instrumentos utilizados está diretamente correlacionada com o tipo de estudo em questão. Foram encontradas pesquisas de três tipos, segundo a classificação de Papaléo Netto [24]: de observação, de intervenção e metodológico. Um dos estudos é o de observação, aqueles destinados à coleta de informações para descrição 09/07/04, 15:34 '# ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) de um fenômeno, estabelecer perfil de uma determinada população e posteriormente formulação de hipóteses. Podendo ser de caráter retrospectivo, quando esses dados são obtidos de documentos ou cadastros já existentes, como também prospectivos; estudos transversal e longitudinal. Nas pesquisas avaliadas foram observadas que em sua maioria eram estudos de intervenção, onde uma determinada população era submetida a um experimento (programa de atividades) e posteriormente os dados tratados por métodos estatísticos. Os estudos metodológicos tratam da construção e validação dos instrumentos de medida e principalmente na tradução e adaptação daqueles construídos para uma população com uma cultura diferente da brasileira. Destacaram-se pela sua relevância em fundamentar a discussão deste estudo. Quanto aos métodos estatísticos, Papaléo Netto [24] ressalta como fator de incidência em erro a qualidade e o tamanho da amostra, isto é: que a amostra seja extraída de população com distribuição normal. Lembrando que a variabilidade entre idosos é seguramente maior do que a observada em adultos jovens. E quanto maior o tamanho da amostra, mais as distribuições amostrais aproximam-se da distribuição normal (N>30). Alguns exemplos de seleção da amostra: (...) Para o estudo foram selecionadas 30 idosas acima de 60 anos que tinham condições de realizar o programa proposto, 16 constituíram o grupo experimental e 14 o grupo controle. Completaram o programa 27 idosas, 12 do grupo controle e 15 idosas do grupo experimental [28]. A amostra foi constituída por 30 sujeitos com idade cronológica entre 60 e 79 anos (...), sendo oito de sexo feminino e 22 do sexo masculino que participam regularmente de um programa de atividade física (...). Neste programa os indivíduos são submetidos a exames clínicos, laboratoriais e teste ergométrico. Os sujeitos deste estudo não manifestaram qualquer patologia e, portanto, não faziam uso de medicamentos. Apesar de estarem familiarizados com ambientes de laboratório, os indivíduos eram inexperientes em pesquisas e/ou instrumentos utilizados pela aprendizagem motora [29]. O estudo foi realizado com 12 indivíduos do sexo feminino com idade entre 62 e 78 anos, recrutados nas proximidades da (...) foram submetidos a uma avaliação médica inicial, que incluiu exames clínico e bioquímico, (...) Foram adotados como critérios de exclusão para participar do estudo: indivíduos engajados em algum tipo de programa de exercício Artigo 08 - Rosemary.pmd 95 físico regular nos 3 meses anteriores ao estudo, graves insuficiências cardíaca, coronariana, (...) [19]. Analisando os exemplos acima descritos, quanto ao tamanho da amostra é possível inferir, que os autores podem considerar esse fator secundário ao selecionar os idosos. Esse se torna relevante à medida que os objetivos propostos pela pesquisa demonstrem a necessidade na comparação de grupos e para tanto a escolha do método estatístico adequado é que vai determinar a validade do experimento. Um dos pontos a salientar seria a dificuldade em ter um grupo controle fidedigno, devido a grande variabilidade do processo de envelhecimento individual. Seleção e aplicação dos instrumentos A escolha do instrumento de avaliação está intrinsecamente relacionada à percepção do nível de envelhecimento da população estudada, para tanto é necessário ao pesquisador um entendimento profundo no que diz respeito ao processo de envelhecimento e suas conseqüências. Serão detalhados alguns dos instrumentos que se mostraram conflitantes tanto na sua gênese como na sua aplicação para população em questão. O que se tem observado nas pesquisas em relação à avaliação inicial do idoso é a importância dada ao índice de massa corporal, composição corporal e na relação cintura quadril, justificando-se que essas medidas, são indicativos na predisposição do indivíduo a certas doenças [30,31,32,20]. Segundo Nahas [33], o índice de massa corporal (IMC) representa apenas uma estimativa razoável da composição corporal, adequada para adultos, que não sejam atletas ou que tenham uma massa muscular muito desenvolvida. Outros estudos, também concluíram que esse não é um bom parâmetro de avaliação antropométrica para idosos, muito menos se for utilizado isoladamente [34,35]. Sendo assim, considerar essa medida como um único dado significativo para uma população idosa, pode incorrer em um grande erro, devido as variáveis do envelhecimento que desviam ainda mais os resultados esperados. Lembrando que no processo de envelhecimento há uma perda geral de massa total do organismo, variável em velocidade e quantidade de indivíduo para indivíduo, como perda de massa óssea de um lado, mas ao mesmo tempo a calcificação de alguns tecidos ou substituição por tecido fibroso e adiposo do outro. Salientando ainda, que o idoso tem uma história de atividades que lhe proporcionou uma certa estrutura corporal que determinou seu peso ósseo e massa muscular que podem estar camuflados 09/07/04, 15:34 '$ ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) atrás de um envoltório externo envelhecido, e que dificulta qualquer mensuração. No que diz respeito a indivíduos com idades mais avançadas, Bray [20] propôs uma estratégia que consiste em acrescentar uma unidade aos valores de IMC para cada década de vida, a partir dos 25 anos de idade. Os autores comentam ainda que em uma pesquisa envolvendo vários países nos cinco continentes, Launer & Harris, apresentaram resultados que estendem ainda mais a relatividade da normatização do IMC. Examinaram dados de idosos de ambos os sexos, estratificados em três grupos etários (60 a 69, 70 a 79 e acima de 80 anos) e pertencentes a diferentes grupos étnicos, como parte de suas conclusões propuseram que a localização geográfica seja um fator que influencia o IMC de pessoas idosas, sendo necessário levá-lo em conta além de aspectos como idade e sexo. Outras medidas também encontradas nas diferentes pesquisas em relação à composição corporal do idoso são: as dobras cutâneas e perímetros, que também levam como justificativa alguns indicadores associados ao estado nutricional e aos riscos de saúde devido ao acúmulo de gordura. Quanto às dobras cutâneas as mais utilizadas nas pesquisas com idosos foram: a do tríceps, subescapular, supra-ilíaca e em alguns casos, axilar média, coxa e panturrilha medial. Dos perímetros, a circunferência do braço e perna. Como também: abdômen, panturrilha e coxa. Independente das dobras ou perímetros escolhidos o importante a salientar é o propósito das medidas, tendo em vista a característica individual de envelhecimento. Já que as pesquisas utilizam essas medidas para avaliar o perfil da população estudada como também em estudos comparativos. Going et al. [31,32], fizeram uma análise crítica dos resultados disponíveis na literatura e enfatizaram que a maioria dos estudos comparativos conclui que os sujeitos idosos fisicamente ativos ou que treinam apresentam porcentagens menores de gordura corporal, valores menores de dobras cutâneas do tronco e menor circunferência de cintura, embora muitos desses dados podem ter vindo de estudos com limitações metodológicas importantes na seleção da amostra. Independente disso o processo de envelhecimento determina modificações típicas na composição do corpo, com tendência a ganho de peso devido a aumento do tecido adiposo e perda de tecido muscular e ósseo [36]. A relação cintura e quadril é um dos indicadores mais utilizados no diagnóstico de obesidade central, por sua relação com as doenças cardiovasculares. Artigo 08 - Rosemary.pmd 96 Sendo que os valores esperados são variáveis dependendo da técnica da medida, do sexo e da idade. Considerando ainda que os limites de RCQ utilizados na definição de aumento de riscos são baseados em evidências de populações específicas de brancos e podem não ser apropriada para mulheres, idosos e algumas etnias. Entre os idosos, valores habitualmente maiores são encontrados, impossibilitando uma definição exata do nível utilizado na conceituação de obesidade central [21]. Lembrando que com o envelhecimento, ocorrem transformações que particularizam o uso da antropometria na análise da obesidade. Há uma perda progressiva da massa magra com aumento da proporção de gordura corpórea, além da diminuição da estatura, relaxamento da musculatura abdominal, cifose e alteração da elasticidade da pele [21]. Em relação ainda às medidas antropométricas, foi observado que em muitas pesquisas houve uma preocupação na coleta dos dados IMC para caracterização da população conjuntamente com outros dados específicos de cada investigação, mas nenhuma referência aos mesmos na discussão e conclusão do estudo. Fica aqui a pergunta: Será que foi pela variabilidade dos valores e dificuldade de fazer uma associação com o que a ciência diz ser verdadeiro? Ou esses dados farão parte de um estudo posterior? Quanto aos testes que per mitem medir indiretamente as variáveis metabólicas, O teste de caminhada de 6 minutos e o de marcha estacionária de dois minutos, os testes da milha, de Cooper, a caminhada de 3 Km e o teste de 800 metros. Nas pesquisas analisadas, observou-se a necessidade de adaptação de alguns desses testes, principalmente em se tratando de populações institucionalizada, onde um número relativamente expressivo de idosos não foi capaz de realizar o teste, desafiando a criatividade do pesquisador e fazendo o que a gerontologia preconiza; colocando em questão o método, sem que a observação científica fosse prejudicada. Teste proposto: caminhada de 800 metros, número de avaliados 16, grupo experimental e 14, grupo controle. Deixaram de realizar o teste, quatro do grupo experimental e 3 do grupo controle. Adaptação feita pelos pesquisadores: Para as idosas que não conseguiram concluir o teste de resistência, foram anotados a distância em que conseguiram realizar e o tempo que foi gasto para o mesmo [28]. Dos testes que avaliam força e resistência muscular os que claramente não se adaptam a população em questão e que merecem serem 09/07/04, 15:34 '% ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) discutidos são: testes de impulsão vertical sem auxílio dos braços por Soares & Sessa, [37] e o teste de uma repetição máxima (1-RM) e suas variantes (2-RM a 20-RM). Esse último largamente utilizado em trabalhos de pesquisa internacional com idosos dos níveis IV e V, mesmo não sendo recomendados para essa população [38]. No teste de impulsão vertical o avaliado se coloca em pé, com os calcanhares no solo, pés paralelos e corpo lateralmente à parede, com os membros superiores levantados verticalmente. Considera-se como ponto de referência a extremidade mais distal das polpas distais da mão dominante. Após a determinação do ponto de referência, o avaliado se afasta ligeiramente da parede, no sentido lateral, para então realizar três saltos consecutivos, mantendo-se com os braços elevados verticalmente. Ao comando do avaliador de Atenção! Já! , o avaliado é orientado a saltar e tocar as polpas digitais da mão dominante no ponto mais alto. Durante o movimento, o braço não dominante deverá se manter constantemente elevado. O salto será inválido ser for precedido de marcha ou movimentação dos braços. [37] Esse é o típico teste que segundo a Ueno [5], foi construído inicialmente para populações mais jovens e adaptada para o idoso, sem levar em conta as diferenças individuais e os fatores motivacionais. Geralmente empregado a idosos do grupo IV e V, [9], ou caracterizados como fisicamente saudáveis e que estejam engajados a algum programa de atividade. Pois exige um grau de aptidão motora na execução do mesmo. Papaléo Netto [24] adverte que muitos idosos não apresentam alterações funcionais e nem manifestam qualquer queixa proveniente dos efeitos devastadores da osteoporose, por exemplo, podendo ser considerados, aparentemente saudáveis. E em um teste como esse o impacto produzido pela queda do corpo após a impulsão pode levar a fratura de vértebras como também provocar alterações nas articulações responsáveis pela absorção do impacto. O teste de uma repetição máxima como já foi comentado não é indicado para a população idosa [38]. Justamente pela forma a qual é estimado o valor da carga, onde por tentativa e erro é determinada a quantidade máxima possível de peso que pode ser levantada em uma única execução completa. O teste exige um maior tempo de adaptação, o idoso é mais sensível às mudanças ambientais sejam elas físicas ou emocionais, e qualquer distração pode levar a uma lesão. As pesquisas têm salientado a importância do Artigo 08 - Rosemary.pmd 97 trabalho com carga para um aumento da força muscular e como conseqüência deter ou até mesmo reverter, o processo da osteoporose. Esse é um posicionamento largamente difundido pelo American College of Sports Medicine e World Health Organization [39]. Mas o que deve ser levantado é a questão da adaptação do idoso tanto aos testes como a atividade utilizando como recurso os equipamentos costumeiramente utilizados para aquisição de força. Deve-se levar em consideração que as pesquisas que apontam os benefícios assim como os testes empregados às mesmas foram construídos e aplicados a uma população culturalmente diferente do idoso brasileiro. Quanto à avaliação da força e resistência da musculatura abdominal, [17], em um estudo sobre a influência do treinamento físico no meio aquático para mulheres na terceira idade. Refere-se a ele como o mais complicado na execução, devido dificuldade dos idosos em fazer o movimento completo exigido, pela falta de força mínima. Havendo a necessidade de adaptação do mesmo. Essa dificuldade achada pelos pesquisadores pode ser explicada pelo próprio processo do envelhecimento estrutural. Outro instrumento discutível são os que avaliam a força de membros superiores, os dinamômetros. Alguns autores [20] preferem esse tipo de instrumento pela facilidade de aplicação e obtenção direta dos resultados. Mas em se tratando de uma população que apresenta um processo acentuado do envelhecimento, como a institucionalizada tem-se que levantar algumas questões. Primeiro, as alterações articulares próprias que dificultam a apreensão. Segundo a falta de força na mão pode ser proveniente de contração crônica nos grupos musculares adjacentes. Para Monteiro [40], uma prescrição segura e eficiente do trabalho de força em idades avançadas deve encontrar seus alicerces na determinação das cargas de esforço, bem como em seu ritmo de progressão. Dentro deste contexto, é importante destacar que as sessões convencionais que envolvem o trabalho de força podem ser desestimulantes, não encontrando grande aceitação por parte dos idosos. Por isto, o treinamento deve ser integrado a outras atividades que proporcionem uma redução do caráter monótono que normalmente cerca a rotina dos exercícios para o desenvolvimento da força. Outro ponto importante é o conhecimento das características clínicas e da integridade do aparelho locomotor do praticante, para a determinação do repertório de exercícios. 09/07/04, 15:34 '& ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) Questionário/ entrevista - suas limitações Na análise das pesquisas o que os autores salientaram quanto aos instrumentos utilizados podese destacar: inadequação e/ou limitação do instrumento a população em questão, o envolvimento do entrevistador e entrevistado como um limitador na objetividade da entrevista, O tempo de aplicação do questionário e/ou entrevista e a necessidade de junto aos dados quantitativos combinar com as informações qualitativas. Optouse por fazer referência apenas a alguns autores, pela profundidade e detalhamento dos resultados das pesquisas, servindo as demais como suporte teórico para futuras discussões. Uma das questões discutida é a avaliação do nível de atividade física entre os idosos, pois os instrumentos encontrados na literatura têm sua limitação em diferentes pontos, tais como: as versões traduzidas esbarram nas diferenças culturais e/ou sociais, necessitando de estudos quanto à fidedignidade e reprodutibilidade para a população brasileira [23]. Perguntas que dizem respeito às atividades ligadas ao trabalho para pessoas aposentadas e a imprecisão das respostas devido ao registro de memória. [27]. Para Mânica [41], em idosos a implementação de instrumentos de relato de atividade física geralmente utilizadas em adultos jovens pode levar a dados incompletos e inconsistentes devido a mudanças de hábitos relacionados à aposentadoria e ao aparecimento de doenças ou disfunções. Quanto aos testes de autopercepção, Ueno [5] salienta, que os mesmos vêm sofrendo críticas quanto à validade e reprodutibilidade devido à diminuição da memória, a não compreensão do enunciado das questões, as respostas podem ser influenciadas por parentes e amigos. Faria, Oliveira e Morais [42] observaram que aspectos cognitivos; tanto o analfabetismo como pessoas intelectuais interferem na interpretação de escores de instrumentos simplificados. Como também alguns autores relataram que as dificuldades visuais e auditivas dos participantes da pesquisa comprometiam a interpretação dos questionamentos. Moreira [43]; Russell [44] refletem sobre o trabalho de campo e a relação entre entrevistador e o entrevistado, as implicações éticas e metodológicas sem perder a objetividade da pesquisa. O envolvimento entre os interessados, a invasão da intimidade, a impossibilidade de transcrição de dados como: expressões de rosto e postura corporal, uma linguagem não verbal que muitas vezes opõe-se ao verbalizado. Artigo 08 - Rosemary.pmd 98 A necessidade da criação de instrumentos mais adequados que se adaptem tanto à população quanto ao objetivo em questão está explícito pelo número de pesquisadores que relatam em seus estudos a elaboração de questionário com perguntas abertas e fechadas que contemplem seus questionamentos. Jacob Filho, Paschoal e Litvoc [45] propõem um instrumento de avaliação de Qualidade de Vida para o idoso que une a sensibilidade à simplicidade da aplicação. É composto por três partes independentes, mas complementares, a primeira parte composta de nove itens, destina-se a conhecer os desejos e temores do idoso, detectando ainda os determinantes de QV na opinião dos mesmos, as questões são predominantemente subjetivas. As demais com formato clássico avaliam o estado de saúde absoluto e relativo. Em outro estudo, Flores [22] descreve um instrumento de avaliação que aborda os principais aspectos da saúde global do idoso (Perfil Pluritemático Simplificado para Idosos, PPSI), composto por 86 questões, distribuídas em seis módulos. Lembrando que na maior parte das pesquisas são utilizados fichas/ cadastros ou prontuários com questões específicas de cada Instituição que de uma maneira ou outra são registros e fontes de dados para pesquisas. Interpretação dos resultados / Conclusão A problemática encontrada em algumas pesquisas quanto à interpretação dos resultados é: Comparação dos resultados com outras populações, sem levar em consideração a história social e cultural, as quais determinam a reação do idoso perante o teste proposto. Deterem-se apenas nos dados numéricos. Omitir dados. Feitas algumas avaliações que deixaram de ser comentadas ou citadas na conclusão. Fazer a pesquisa com uma população específica e generalizar os resultados para toda uma população idosa. Se a escolha do instrumento de avaliação está intrinsecamente relacionada à percepção do nível de envelhecimento e para tanto é necessário ao pesquisador um entendimento profundo do processo de envelhecimento. A interpretação dos resultados depende muito mais da vivência do pesquisador com o campo. Pois saber observar como os idosos se comportam e adaptam-se às dificuldades do envelhecer é fundamental para não incorrer em erro. Um outro ponto a salientar é quanto ao período destinado à aplicação do programa de treinamento, 09/07/04, 15:34 '' ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) 12 semanas. Quando as pesquisas são realizadas por grupos de estudo mantidos por uma instituição, o tempo destinado ao estudo não ultrapassa os três meses, entre avaliação inicial, aplicação do programa e avaliação final. Em uma abordagem gerontológica dos resultados, Madureira e Lima [17], declaram: (...) esperávamos resultados mais satisfatórios nas variáveis estudadas. Porém por outro lado constatamos que ocorreram modificações no cotidiano destes sujeitos. (...) Como pode ser visto o ganho na esfera psicossomática foi subjetivamente muito superior que os dados objetivamente coletados e acompanhados pela nossa equipe. Apesar da falta de rigor metodológico nas filmagens, foi possível visualizar melhora qualitativa (...) consideramos a necessidade de se ter especial atenção na análise dos dados quando friamente calculados podendo não apresentar diferenças significativas matematicamente. Contudo, segundo o relato de cada sujeito (subjetivamente) a melhora significativa, seja na diminuição da dor (...) em suas atividades de vida diária. Talvez os testes aplicados não fossem os mais indicados para o tipo de estudo que empreendemos, mas eram os que tínhamos acesso para aplicação, devido, entre outros fatores, ao instrumento, o tempo para coleta de todos os dados (...) condição física de alguns sujeitos era um fator limitante (...) patologias que dificultavam explorar melhor, as qualidades e capacidades físicas. Em outro estudo, Pain et al [13] afirmam: Portanto quando ouvimos uma senhora de 69 anos de idade dizer: Nunca pensei que fosse dançar algum dia na minha vida, muito menos com essa idade e visualizar a alegria estampada no rosto de todas as mulheres durante a atividade física, percebemos que talvez isso não possa ser mensurado, mas temos uma certeza; estamos no caminho certo. Wenger [46] enfatiza a necessidade de combinar dados qualitativos e quantitativos em estudos longitudinais sobre o envelhecimento, entendendo que a forma de adaptação do idoso às situações de vida auxilia na forma de intervenção do profissional. Andreotti e Okuma [6] também se referem à necessidade de observar a forma com que o idoso se adapta às tarefas e sugerem a utilização da filmadora como recurso. Bibliografia utilizada Sendo a gerontologia uma área interdisciplinar foram poucas as pesquisas que utilizaram referências Artigo 08 - Rosemary.pmd 99 de áreas afins para fundamentar seus estudos. A bibliografia encontrada baseia-se em estudos internacionais na área da atividade física e saúde. Os autores mais citados cujas pesquisas fundamentaram e orientaram a grande maioria dos estudos nacionais foram: Fiatarone, Matsudo, Mazzeo, Osness, Okuma, Pollock, Raso, Rikli, Shephard, Spirduso, entre outros. Cujos temas versavam exclusivamente sobre a atividade física e envelhecimento. Há o predomínio dos artigos científicos de periódicos indexados e são raros os livros citados. Conclusões Levando em conta o objetivo desse estudo, que foi analisar a prática da pesquisa científica no campo da Educação Física no que diz respeito à avaliação da pessoa idosa. Cadastrar os instrumentos, verificar a aplicação da metodologia, levantar os resultados e catalogar as sugestões. E considerando o grande volume de publicações científicas que surgiram a partir do Ano Internacional do Idoso, 1999, chegamos ao final desse estudo com uma sensação que ficou muita coisa ainda para analisar. Apesar de que a tendência que está se apresentando em algumas pesquisas nesses três últimos anos é bem diferente do corte inicial, 1995. Hoje podemos encontrar um enfoque mais amplo sobre as particularidades do envelhecimento nas pesquisas na área da atividade física. Uma preocupação maior em descrever o perfil sócio-cultural da população estudada. Adaptação tanto dos instrumentos quanto dos protocolos de treinamento. Segundo Okuma [47], em uma análise crítica dos modelos de atividades físicas, antes propostos, observou a utilização de estratégias de intervenção cujo estímulo era externo ao indivíduo, numa tentativa de levá-lo a alcançar aquilo que é considerado bom pela ciência e pelo meio e não, necessariamente, por ele. Em outras palavras, esses modelos vêm estabelecer, a priori, metas a serem atingidas a partir de padrões preestabelecidos: são comportamentos motores a serem seguidos, níveis mensuráveis de saúde, percentual de peso a ser perdido, eficiência de determinados órgãos e regiões do corpo, e assim por diante. Essa postura já está mudando, como mostra a pesquisa desenvolvida por Zago et al. [18], os quais mostraram o conhecimento sobre o envelhecimento, quando oportunizaram durante a realização do protocolo de treinamento que os participantes vivenciassem uma variedade de atividades motoras. 09/07/04, 15:34 ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) Dessa forma os idosos utilizaram o interesse individual para uma participação mais prazerosa nas atividades. A opção por esta característica de treinamento foi devido a uma maior abrangência de várias habilidades e capacidades físicas proporcionando assim uma maior aproximação com a vida cotidiana do idoso (...). A construção e adaptação de testes, que têm como objetivo avaliar o idoso em todas as suas dimensões, vêm sendo desenvolvida por pesquisadores que olham o envelhecimento pela ótica da gerontologia. A preocupação em não só quantificar os resultados, mas embasar as observações, depoimentos, expressões através de outros instrumentos mesmo que esses não tenham sido validados como uma filmadora vem enriquecer e conferir alma às pesquisas. Para Ramos [48], nos dias de hoje estamos à frente do paradigma da capacidade funcional e o que está em jogo é a autonomia. Com a visão de saúde dentro de uma nova ótica resultante da interação multidimensional entre saúde física, mental, independência na vida diária, interação social, suporte familiar e independência econômica. O bem-estar na velhice, ou saúde num sentido amplo, seria o resultado do equilíbrio entre várias dimensões da capacidade funcional. Uma das justificativas para essa tomada de consciência é justamente o número de cursos de pósgraduação na área do envelhecimento nesses últimos anos. Ampliando o acesso a informações e oportunidades de vivenciar o trabalho com essa faixa de população. Chego à conclusão que está havendo um despertar por parte dos pesquisadores na área da Educação Física para o fato do envelhecimento ser um processo complexo e que necessita uma abordagem multidimensional. E que são necessárias novas investigações. Principalmente estudos longitudinais, nas diferentes regiões do Brasil. Respeitando seu povo e sua cultura. 11. Referências 18. 1. 2. 3. Pessini L. Envelhecer com dignidade. O Mundo da Saúde, São Paulo, v.21, n.4, p.195, 1997. Congresso Nacional (Brasil). Lei nº 8.842/94 . Disponível em URL: http://www.saudeemmovimento.com.br Acesso em: 01 março 2002. Congresso Nacional (Brasil). Decreto nº 1948/96. Artigo 08 - Rosemary.pmd 100 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 19. 20. Disponível em URL: http://www.saudeemmovimento. com.br Acesso em: 01 março 2002. MPAS/SAS. Plano integrado de ação governamental para o desenvolvimento da política nacional do idoso. Brasília: Secretaria da Assistência Social. 1997. Ueno LM. 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Objetiva precisar de forma sintética os principais fundamentos das vertentes da psicomotricidade, bem como os respectivos procedimentos didáticos. Estuda e caracteriza as principais vertentes da psicomotricidade que são: a reeducação psicomotora, a terapia psicomotora e a educação psicomotora, esta última vertente também se desdobrou em psicomotricidade funcional e psicomotricidade relacional. Para esta finalidade investiga, a partir de autores como Aucouturier, Lapierre, Vayer, Levin, Ajuriaguerra, Negrine, Le Camus, entre outros, os fundamentos de cada vertente que são: a) finalidade; b) área de base; c) autores de base; d) principais autores; e) obras e publicações. Também analisa os procedimentos didáticos que são: a) a relação adulto/criança; b) a composição dos grupos; c) a organização e proposição da prática; d) desenvolvimento das rotinas; e) avaliação; e f) postura corporal diante da criança. O rebuscamento teórico realizado permitiu o desenvolvimento de dois quadros síntese que organiza e ilustra em forma de paralelo os fundamentos e os procedimentos didáticos de cada vertente da psicomotricidade. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras-chaves: psicomotricidade, reeducação psicomotora, terapia psicomotora, educação psicomotora. Abstract The present essay studies and characterizes the nuances of psychomotricity and its development as an area of knowledge. It aims at showing briefly the main supports of the psychomotricity sources, as well as its pedagogical procedures. The main sources are characterized as: the psychomotor reeducation, the psychomotor therapy, and the psychomotor education, the latter one is unfolded in functional psychomotricity and relational psychomotricity. The study is based on Aucouturier, Lapierre, Vayer, Levin, Ajuriaguerra, Negrine, Le Camus, and others, considering the following aspects: a) purpose; b) foundation area; c) foundation authors; d) main authors; e) works and publications. It also analyses the pedagogical procedures as: a) the relationship adult/child; b) the organization of the groups; c) the organization and the practical proposition; d) development of the routines; e) assessment; and f) corporal attitude before the child. The theoretical support permitted the development of two tables which organize and show parallelly the foundations and pedagogical procedures of each source of psychomotricity. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key words: psychomotricity, psychomotor reeducation, psychomotor therapy, psychomotor education. Artigo recebido em 3 de junho de 2004; aceito em 7 de junho de 2004 Endereço para correspondência: Atos Prinz Falkenbach, Rua Cristiano Grün, 205/404, 95900-000 Lajeado, RS, Tel: 51-37147000, E-mail:[email protected] Artigo 03 - Atos.pmd 102 09/07/04, 15:34 ! ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) Introdução A Psicomotricidade e as suas diversas nuanças foram tomadas como objeto de reflexão e de estudo neste ensaio. O presente estudo é produto da dedicação e envolvimento dos autores desde larga data em relação ao conhecimento e a práxis da Psicomotricidade. De um lado como professor universitário e pesquisador contínuo da área da Psicomotricidade como prática educativa com crianças de diferentes níveis de desenvolvimento e, por outro lado, na posição de acadêmica do Curso de Educação Física, em exercício intenso de iniciação científica em nível de graduação. A dinâmica histórica da Psicomotricidade e as suas contribuições teóricas para diferentes práticas e diferentes formações constituíram-se de um componente instigador para o desenvolvimento de um estudo que possibilita a análise e a reunião destas distintas faces da Psicomotricidade e as suas repercussões ao conhecimento produzido nas diferentes formações acadêmicas iniciais. A problematização deste estudo pode ser iniciada citando Negrine [1] estudioso do tema da Psicomotricidade, que assinala esta área como um verdadeiro mosaico de práticas e vertentes teóricas. Em virtude disso, podemos compreender que é natural poder ocorrer dificuldades na compreensão e na exatidão de suas informações e contextualizações históricas entre os acadêmicos de cursos que se aproximam desta necessidade teórica e que dão os seus primeiros passos na formação inicial. Por compreender que a Educação Física não é constituída somente por exercícios e gestos esportivos técnicos, mas também por movimentos que representam as manifestações do comportamento humano, buscamos estudar o processo da evolução histórica da Psicomotricidade, tentando dar conta das principais correntes, desde o surgimento dos primeiros estudos biomédicos da Psicomotricidade até as concepções mais integralizadoras do movimento. Adotar a Psicomotricidade como tema de estudo trata-se de uma atividade extremamente complexa e exaustiva. Não queremos repetir o exercício denso e minucioso de Le Camus [2] ao investigar e descrever detalhadamente a história e as influências da Psicomotricidade nas intervenções corporais com fins reeducativos e terapêuticos. Porém desejamos introduzir o presente ensaio com um sucinto histórico da Psicomotricidade, apresentar as concepções que originaram o termo Psicomotricidade, bem como as suas vertentes atuais. Na seqüência, o estudo procura analisar as características das diferentes Artigo 03 - Atos.pmd 103 abordagens da Psicomotricidade a partir de três grandes vertentes: a Reeducação Psicomotora, a Terapia Psicomotora e a Educação Psicomotora. Finalmente nos propomos em organizar uma reunião de conhecimentos respectivos às três grandes vertentes citadas, como uma contribuição de síntese nesta complexa área. Atualmente coexistem diversas escolas em distintas vertentes na área da Psicomotricidade. A história da Psicomotricidade nos conta que, por um largo tempo, tratou o ser humano de forma fragmentada, baseada nos princípios fundamentais do dualismo cartesiano, que consistem em separar o corpo e a alma. Descartes [3] prediz que o corpo é apenas uma coisa externa que não pensa, e que a alma, não participa de nada daquilo que pertence ao corpo. Posteriormente passou-se a considerá-lo em sua totalidade, isto é, o corpo começa a ser visto como uma unidade que expressa sentimentos e emoções que movem suas ações [4]. A palavra psicomotor foi utilizada inicialmente, por volta de 1870, para nomear as regiões do córtex cerebral situadas além das áreas propriamente motoras, onde pode-se operar a junção, ainda misteriosa, entre imagem mental e movimento. Na atualidade o termo passa a ser compreendido como a busca entre a reunião entre as atividades psíquicas e motrizes das crianças [2]. Negrine [5] explica que o termo Psicomotricidade originou-se na França, no final do século XIX e no início do século XX. Inicialmente esteve vinculado a estudos de neuropsiquiatria infantil apresentado por Dupré. Os estudos deste neuropsiquiatra abordam a síndrome da debilidade motriz e a síndrome da debilidade mental. Expondo pela primeira vez o que se costumou denominar de Psicomotricidade da criança, verifica-se que, nesta fase, a Psicomotricidade esteve inserida no eixo biomédico. A prática da Psicomotricidade seguia o modelo racionalista e dualista, com ênfase nos aspectos motores do movimento humano. Levin [6] explica que a prática psicomotora tem seu início com Edouard Guilmain em 1935. Este médico inicia um novo método que chama de Reeducação Psicomotora. Tal método consistia na aplicação de baterias de testes psicomotores para a avaliação do perfil da criança. Estabelece-se, então, um exame psicomotor padrão e um programa de sessões de acordo com as características dos distúrbios motores que o indivíduo apresenta, orientando as modalidades de intervenção do terapeuta. Na década de 70, são citados diferentes autores como: J. Bergès, R. Diatkine, B. Jolivet, C. Launay e S. Lebovici que definem a Psicomotricidade como 09/07/04, 15:34 " ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) uma motricidade em relação [2]. Esta concepção começa a delimitar uma diferença na postura do psicomotricista em relação às posturas racionalistas. Inicia-se um abrandamento da técnica instrumentalista - postura reeducativa -, permitindo maior espaço à relação, à afetividade e ao emocional postura terapêutica. Começa aqui o surgimento da Terapia Psicomotora. Os psicomotricistas, agora preocupados com a vida emotiva de seus pacientes, começam a citar vários autores da psicanálise, como S. Freud, M. Klein, D. Winnicott, W. Reich, P. Schilder, J. Lacan, M. Mannoni, F. Dolto e Sami Ali. Com isso, surgem novas perspectivas clínicas teóricas no campo psicomotor [6]. Diante de obstáculos que foram encontrados por Aucouturier e Lapierre [7], com a prática da reeducação psicomotora, surge a necessidade de uma prática educativa que trabalhe e valorize o desenvolvimento das potencialidades da criança, pois, para eles, a reeducação psicomotora estava sendo geradora de insegurança, culpa e ansiedade. Surge aqui à idéia da Educação Psicomotora. A Psicomotricidade de cunho educativo deve estar destinada a crianças em idade pré-escolar, pois nesta faixa etária, pode-se buscar diferentes formas de exteriorização corporal, além de explorar diferentes formas de expressão e de comunicação (5). Permitindo uma rica vivência simbólica, a ação psicopedagógica pode favorecer uma diversidade de estratégias que visam o avanço da comunicação, da exploração corporal e do vivenciamento simbólico. Atualmente existem dois eixos pelos quais a Educação Psicomotora avança: a Psicomotricidade Funcional e a Psicomotricidade Relacional. A primeira toma como referência inicial o perfil psicomotriz da criança avaliada a partir de testes padronizados, e que se serve de famílias de exercícios como atividademeio. A segunda utiliza como atividade-meio a ação de brincar, a representação mental que move e que acompanha a ação da criança, isto é, utiliza-se do jogo como elemento pedagógico [5]. Baseado nestas premissas e com o objetivo de aprofundar o conhecimento acerca da Psicomotricidade e das concepções de suas vertentes, o presente estudo é proposto. Acreditamos que, ao estudar e refletir sobre sua origem e sobre suas principais vertentes, uma base de compreensão sintética sobre esta complexa área de conhecimento se concretiza. Neste sentido o presente estudo é uma contribuição com a comunidade acadêmica com os conhecimentos aqui desenvolvidos. Desejamos, também, que o estudo possa contribuir com bases históricas e metodológicas a Artigo 03 - Atos.pmd 104 respeito da prática da Psicomotricidade para a Educação Física, assim como apresentar de forma didática a descrição, a análise e a categorização das características das principais vertentes da Psicomotricidade. Na seqüência refletimos os tópicos que são abordados em cada uma das vertentes da Psicomotricidade: a) finalidade; b) área de base; c) autores de base; d) principais autores; e) obras e publicações; f) a relação adulto/criança; g) a composição dos grupos; h) a organização e proposição da prática; i) desenvolvimento das rotinas; j) avaliação/acompanhamento; e h) postura corporal diante da criança. As principais vertentes da psicomotricidade Com o intuito de facilitar a compreensão das características das principais vertentes da Psicomotricidade, algumas características são analisadas e destacadas em cada uma delas. No desenvolvimento deste exercício de categorização é necessário um prévio entendimento a respeito do que cada um destes aspectos possibilita entender e que são: a) finalidade: procuramos entender o objetivo principal das distintas vertentes, ou seja, o propósito de sua prática; b) área de base: compreender qual área do conhecimento originou seus fundamentos, visto que a Psicomotricidade busca constantemente um fundamento teórico em outras áreas do conhecimento; c) autores de base: são os autores clássicos que nortearam as bases teóricas de cada vertente; d) principais autores e obras e publicações: destaca os autores que foram destaques em suas idéias e pesquisas para as modificações e contribuições da Psicomotricidade, suas obras são referências originais para a compreensão da evolução e da dinâmica da práxis da Psicomotricidade. Outro pólo de categorias analisa e descreve os aspectos práticos da Psicomotricidade, caracterizados pela influência de distintos estudos e fundamentos na Psicomotricidade que são: a relação adulto/criança; a composição dos grupos; a organização e proposição da prática; o desenvolvimento das rotinas; avaliação/ acompanhamento e postura corporal diante da criança. Reeducação psicomotora A vertente denominada Reeducação Psicomotora destina-se a crianças que apresentam déficit em seu funcionamento motor. Essa abordagem tem por finalidade ajudar a criança a reaprender como se executam ou se desenvolvem determinadas funções motoras. Para isso, avalia-se o perfil 09/07/04, 15:34 # ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) psicomotor da criança, utilizando métodos que consistem na aplicação de baterias de testes psicomotores [8]. Após o diagnóstico, a criança é submetida a um programa de sessões que tem como objetivo suprir as dificuldades aparentes [5]. Esta abordagem tem como base estudos da neuropsiquiatria infantil. Com abordagem centrada no desenvolvimento motor e entende o ser humano como um corpo instrumental, isto é, uma máquina de movimento, que, caso não estiver funcionando, deve ser reparada [6]. Le Camus ao analisar os estudos de Guilmain explica que a sessão de reeducação psicomotora destina-se, a três propósitos principais: reeducar a atividade tônica (com exercícios de atitude, de equilíbrio e de mímica); melhorar a atividade de relação (com os exercícios de dissociação e de coordenação motora com apoio lúdico); desenvolver o controle motor (com exercícios de inibição para os instáveis e de desinibição para os emotivos) [2]. Um aspecto importante a destacar é que Guilmain deu início à tentativa de acoplar a psicologia à educação física, devido ao fato de ter como base teórica os estudos de Wallon [9], que relacionam motricidade e caráter. Com isso, surge um paralelismo entre fenômenos psicológicos e fenômenos motores [2]. O início da reeducação psicomotora esteve centrado em uma prática focada no desempenho da criança frente aos seus métodos. Tratava-se de uma prática diretiva, mecanicista e dualista, com controles em relação aos sentimentos e emoções da criança em suas ações. Aucouturier, Darrault e Empinet [10], em conjunto com outros estudiosos do tema, começou a sentir a necessidade da evolução de seus ensinamentos e de suas práticas. O grupo estava preocupado em trabalhar com uma abordagem relacional. Abordar a globalidade da criança é respeitar sua senso-motricidade, sua sensorialidade, sua emocionalidade, sua sexualidade, trata-se de respeitar a unidade de funcionamento da atividade motora, da afetividade e dos processos cognitivos; respeitar o tempo da criança, sua maneira totalmente original de ser no mundo, de viver, de descobrir, de conhecêlo, tudo simultaneamente. A principal mudança na evolução da reeducação psicomotora está na compreensão do corpo como uma unidade e cujo movimento possui significado. Com isso a postura do reeducador frente à criança toma outra direção: ele passa a entendê-la como um ser de expressividade psicomotora. Sua relação com a criança passa a ser de empatia, de escuta, de interação e de ajustamento constante [10]. Artigo 03 - Atos.pmd 105 Outro aspecto importante que é citado nesta nova fase da reeducação psicomotora é que a formação do reeducador é composta por uma trilogia efetuada simultaneamente: a formação pessoal, a formação teórica e a formação prática. Ambas completam-se e enriquecem-se umas às outras [10]. A formação pessoal tem como objetivo melhorar a disponibilidade corporal do adulto a partir de vivências corporais. Mobiliza as áreas da afetividade, da sexualidade e dos fantasmas, proporcionando mudanças de atitude e de tomadas de consciência. A formação teórica surge da necessidade que o psicomotricista tem em justificar, analisar e refletir sobre as principais teorias que baseiam seus procedimentos. E a formação prática oportuniza a vivência concreta de seus estudos com as crianças [10]. Esses mesmos autores determinam que a reeducação psicomotora é destinada a crianças com idade até oito anos, pois entendem que, após essa idade, a prática psicomotora passa a ser uma prática corporal composta de atividades físicas com outras finalidades e não mais reeducativas. A evolução que a reeducação psicomotora passou foi o primeiro passo de uma trajetória que a Psicomotricidade ainda percorre, isto é, o desenvolvimento de uma abordagem cada vez mais preocupada com o ser humano em sua totalidade inserido em um contexto sócio-cultural. Terapia psicomotora A vertente chamada de Terapia Psicomotora é um desdobramento da vertente da reeducação psicomotora. Esta vertente se originou da compreensão de que o movimento é linguagem e, portanto, expressa os sentimentos, emoções, desejos e demandas do ser humano. É destinada às crianças normais e com necessidades especiais que apresentam dificuldades de comunicação, de expressão corporal e de vivência simbólica [5]. Através da avaliação, diagnóstico e tratamento, esta abordagem possibilita, por meio da relação terapêutica, a compreensão das patologias psicomotoras e suas conseqüências relacionais, afetivas e cognitivas, tendo sempre como referência o desenvolvimento psicodinâmico da motricidade da criança [11]. Expoentes desta vertente é o estudo de caso clássico de Aucouturier e Lapierre com o menino Bruno, bem como Vecchiatto que descreveu um processo original da terapia psicomotora com um menino com síndrome de Down. A terapia psicomotora utiliza-se das contribuições da teoria psicanalítica. Nesta vertente os 09/07/04, 15:34 $ ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) psicomotricistas estão atentos à vida emotiva de seus pacientes, delegando importância à emoção, à expressão e à afetividade. O corpo é considerado como uma unidade que conjuga a emoção e a motricidade [6]. Ajuriaguerra [12] explica que a terapia psicomotora não se restringe somente a modificar o tônus de base e as habilidades de posição e rapidez, mas modificar o corpo em seu conjunto, no modo de perceber e apreender as aferências emocionais. Para Aucouturier e Lapierre [13], a criança possui problemas, deficiências e falhas. Cabe ao terapeuta reconhecer suas potencialidades e trabalhar com o que há de positivo na criança, partindo daquilo que ela faz espontaneamente, daquilo que sabe fazer, do que gosta de fazer. A formação do terapeuta é composta pela mesma trilogia que foi citada e explicada na reeducação psicomotora, adicionando-se, ainda, formação continuada e supervisão permanente, pois estas é que lhe possibilitam bases para o desenvolvimento de sua prática [10]. A sessão de terapia psicomotora se desenvolve de forma individualizada. A relação que o terapeuta estabelece com a criança é de sintonia, escuta, empatia e o seu corpo é o depósito das emoções da criança. Neste caso o tempo da sessão é de acordo com a disponibilidade da criança [13]. Levin [6] explica que a terapia psicomotora centra o seu olhar a partir da comunicação e da expressão do corpo, no intercâmbio e no vínculo corporal, na relação corporal entre a pessoa do terapeuta e a criança em diálogo de empatia tônica. Na forma de pensar de Negrine [5], o trabalho terapêutico, a partir da perspectiva lúdica, requer disponibilidade corporal do psicomotricista com a criança com necessidades especiais, pois através dos estímulos e intervenções sistemáticos, tem a possibilidade de criar atitudes comportamentais na criança. Este nível de intervenção do psicomotricista é que diferencia a Psicomotricidade terapêutica da educativa. Nesta abordagem cabe ao terapeuta uma constante adaptação à evolução da criança, um domínio na trilogia da formação, uma forte capacidade de escuta e o mais importante, não impor às crianças os seus desejos e sim ajudá-las na evolução e na criação de seus próprios desejos. Educação psicomotora A vertente denominada Educação Psicomotora surge embalada pela dinâmica evolução das vertentes Artigo 03 - Atos.pmd 106 reeducativa e terapêutica. A Educação Psicomotora vem com a finalidade de ocupar os espaços educativos com grupos de crianças. Os psicomotricistas perceberam que esta vertente poderia vir a se constituir no processo inicial da educação da criança, justamente por compreender o período da infância como aquele que constitui e alicerça as bases emocionais e afetivas do ser humano. As bases educativas empreendidas pela Educação Psicomotora são as mais diversas, porém vamos apresentar duas concepções contemporâneas, a partir de dois estudiosos da temática, que ilustram o desdobramento que se seguiu nesta vertente. De um lado Le Boulch [14] que explica que a Educação Psicomotora é formadora de uma base indispensável a toda criança, pois tem como objetivo assegurar o desenvolvimento funcional, de outro lado Negrine [5] compreende a Educação Psicomotora como o meio lúdico-educativo para a criança expressar-se por intermédio do jogo, do exercício e da comunicação entre crianças por intermédio da expressividade motriz. A Educação Psicomotora atualmente se divide em dois eixos: a Psicomotricidade Funcional e a Psicomotricidade Relacional. Negrine define o aspecto que diferencia as duas práticas, elucidando que o ponto fundamental da passagem da Psicomotricidade Funcional à Relacional é a utilização do jogo (brincar da criança) como elemento pedagógico. Psicomotricidade funcional Para Negrine [5], a Psicomotricidade Funcional compreende o desenvolvimento psicomotriz a partir de bases teóricas de neuroanatomia funcional. Tal fundamento se situa na concepção de que o processo de desenvolvimento humano é decorrente dos processos de maturação. Neste prisma as habilidades motrizes seguem um padrão evolutivo e poderiam ser avaliadas através de exercícios testes padronizados para as diferentes idades. Variáveis como sexo, fatores culturais, experiências vivenciadas, não são levadas em conta. Na avaliação do perfil psicomotor da criança algumas variáveis são analisadas, como por exemplo: equilíbrio estático e dinâmico, coordenação visomanual (movimentos finos e delicados), sincinesias, paratonias, lateralidade e orientação espacial [5]. Este mesmo autor explica que a Psicomotricidade Funcional se sustenta em diagnósticos do perfil psicomotriz e na prescrição de exercícios para sanar possíveis descompassos do desenvolvimento motriz. A estratégia pedagógica baseia-se na 09/07/04, 15:34 % ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) repetição de exercícios funcionais, criados e classificados constituindo as famílias de exercícios para as finalidades de equilíbrios estáticos e dinâmicos, de flexibilidade, agilidade, destreza e outras funções psicomotoras. Picq e Vayer [8] explicam que, após a análise dos problemas encontrados, a Psicomotricidade Funcional tem a finalidade de educar sistematicamente as diferentes condutas motoras, permitindo assim uma maior integração escolar e social. Em suas primeiras obras, Aucouturier e Lapierre explicam que a organização espaço gráfica, necessária para a aquisição da leitura e da escrita, necessitava da prévia organização do espaço de modo geral e inicialmente corporal [7], com isso determinam como objeto de sua prática, crianças com algum grau de dificuldade de aprendizagem (disléxicos, disgráficos, agitados), traçando o perfil psicomotor da criança para, depois, apresentar tabelas de exercícios com o objetivo de sanar os problemas. Igual como Lapierre e Aucouturier, Negrine também se dedicou aos estudos e a prática da Psicomotricidade Funcional. As sessões eram destinadas a crianças com problemas de aprendizagem, mais especificamente na leitura, na escrita e no cálculo matemático.Tal método se sustenta no discurso de que o desenvolvimento de certas habilidades motrizes permite a melhora do desempenho nas aprendizagens cognitivas. O desenvolvimento da sessão de Psicomotricidade Funcional é estruturado de forma que o aluno imite os modelos de exercícios préprogramados, que são propostos pelo professor (...) A criança não tem escolha, todas ao mesmo tempo devem realizar os exercícios que são propostos [5]. O professor utiliza-se de métodos diretivos, tornando seu aluno dependente de suas ações, não dando espaço para que a criança realize atividades que per mitam explorar o mundo simbólico, impedindo a exteriorização de sua expressividade motriz. Em relação aos métodos diretivos, Negrine [5] chama a atenção para o fato de que estes estão relacionados a estratégias pedagógicas voltadas à correção. O gesto motriz que não é realizado conforme a solicitação do professor é considerado errado. Deste modo, criam-se inibições e resistências de exteriorização corporal, e, devido a isso, a avaliação se torna uma ação puramente quantitativa, valorizando a correta execução dos exercícios propostos. A relação que o psicomotricista funcional tem com a criança é uma relação de comando é uma intervenção no corpo de forma mecânica [15], e o Artigo 03 - Atos.pmd 107 contato corporal entre eles ou com outras crianças só ocorre se estiver determinado no exercício proposto. É importante salientar que existem vários autores que estudam e aplicam a Psicomotricidade Funcional, tais como: Le Boulch, Picq, Vayer, Costallat, Velasco e outros. Este eixo da Educação Psicomotora é seguido por professores de Educação Física, mas o desenvolvimento dessa prática se assemelha muito a forma tradicional de uma aula de ginástica. Psicomotricidade relacional Na origem da Psicomotricidade Relacional sua abordagem se fundamentou particularmente nos aspectos psicanalíticos da relação do adulto com a criança. Tal fundamento se baseia na relação primária, da mãe com a criança, temática tão bem explorada pelos psicanalistas Winnicott, Dolto, Mahler, Klein, Spitz para citar aqueles que influenciaram a Psicomotricidade Relacional. Apesar desta forte origem Negrine também compreendeu que esta prática deveria se fundamentar na psicopedagogia, uma vez que se trata de uma prática educativa. Lapierre [16] ensina que a Psicomotricidade Relacional é o inverso da expressão corporal, pois na expressão corporal o sujeito conhece o tema sobre o qual interpreta com o corpo. Em psicomotricidade relacional ocorre o contrário, pois a tarefa do psicomotricista é de descobrir o tema sobre o qual o corpo está espontaneamente expressando. Nesse sentido a psicomotricidade relacional potencia a comunicação do adulto com as crianças e entre elas, engloba uma série de estratégias de intervenções e de ações pedagógicas que servem como meio de ajuda aos processos de desenvolvimento e de aprendizagem da criança. Negrine [5] explica que a psicomotricidade relacional utiliza-se da ação do brincar como elemento motivador para provocar a exteriorização corporal da criança, pois entende que a ação de brincar impulsiona processos de desenvolvimento e de aprendizagem. Essas estratégias de intervenções pedagógicas criam, também, condições favoráveis para a construção de um vocabulário psicomotor amplo e diversificado e servem como meio de melhora das relações da criança com o adulto, com os iguais, com os objetos e consigo mesma. A utilização de métodos não-diretivos permite que a criança manifeste todo seu interesse, atitudes e valores que retratam as emoções e os sentimentos de cada momento vivido. Tal atitude pedagógica permite que o psicomotricista faça interpretações significativas das ações que a criança experimenta quando se 09/07/04, 15:34 & ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) exterioriza, seja através da mímica, dos gestos ou das produções plásticas. Para isso é necessário que tenha uma atenção maior, pois deve observar e identificar as crianças que mais necessitam de seu auxílio [5]. No que diz respeito à relação adulto/criança é fundamental que o psicomotricista ajude a criança a realizar tudo aquilo que ainda não é capaz de realizar sozinha; é necessário que ele exerça um papel de mediador, seja para provocar a sua exteriorização, seja para dar segurança, seja para determinar limites à criança. Na relação do psicomotricista com a criança, o toque corporal é um forte aliado, pois com ele vínculos afetivos são estabelecidos, dando segurança e ajuda à criança. O papel do psicomotricista é de ajuda, entretanto ele também interage, sugere, propõe, estimula e escuta a criança [5]. É importante ressaltar que existem nuances dentro da psicomotricidade relacional, e que autores que tiveram a mesma formação inicial, no decorrer de seus estudos acabam, seguindo linhas diferentes, como por exemplo: Aucouturier, Lapierre e Negrine. Aucouturier determina que, na sessão, o jogo de pulsão (jogo sensório-motor classificação de Piaget) deve ser potencializado, e a prática da psicomotricidade tem sua função até os oito anos, por outro lado Lapierre entende que o jogo simbólico é que deve ser potencializado, e que a Psicomotricidade deve se aplicar às crianças, aos adolescentes e também aos adultos. Uma característica importante a respeito da psicomotricidade relacional de Aucouturier, que é seguida por diversos psicomotricistas, é que a organização da sessão segue uma seqüência temporal, isto é, a criança deve seguir uma determinada ordem para executar os jogos: momento inicial ou ritual de entrada; jogos de segurança profunda, jogos de prazer sensório-motor; jogos simbólicos; narração de história, atividades de representação e momento final ou ritual de saída [17]. Outro aspecto importante a ressaltar, que é bem diferente do contexto escolar brasileiro, é que a sessão é realizada somente em ambientes fechados, sala de Psicomotricidade, que possuem materiais fixos (escadas, barra de equilíbrio, tatames) e diversos materiais complementares (blocos de espuma, aros, bola grande bichos de pelúcia, cordas, fantasias). Estes ambientes possuem também mesa com cadeiras e material audiovisual e musical, e o grupo de crianças é em número bem reduzido [17]. Apesar de Negrine obter uma formação na Escola de Expressão e Psicomotricidade de Barcelona cujos pressupostos seguem as orientações de Bernard Aucouturier, a sua linha de pensar a Psicomotricidade está configurada dentro de uma perspectiva educativa Artigo 03 - Atos.pmd 108 e preventiva. É importante destacar que este destacado autor nacional se diferencia dos demais autores devido a alguns fatores como: a) utilizar referencial teórico com elementos da antropologia, da psicopedagogia que contribuem e enriquecem à tradicional visão psicanalista; b) inovar com a utilização dos referenciais teóricos de Vygotsky, que contribui para uma mudança na compreensão psicopedagógica do desenvolvimento e aprendizagem infantil; c) explicar que em um ambiente lúdico a criança faz uma trajetória denominada de trajetória lúdica e o seu movimento flutua entre o movimento técnico e o faz-de-conta, isto é jogar simbolicamente; d) estruturar a organização da prática psicomotriz educativa com grupos de crianças, adequada para o ensino regular e os diversos contextos que promovem. Um exercício de síntese das vertentes da psicomotricidade Ao longo do estudo das vertentes da Psicomotricidade percebemos que estas se desenvolvem e evoluem conforme as concepções de autores, que modificam suas abordagens em razão dos processos reflexivos e práticos que levam a cabo. Trata-se de um processo dinâmico que os autores realizam em sua ação-reflexão-ação, fato que permite evoluir de acordo com a forma de pensar a Psicomotricidade. Este fato demonstra que a Psicomotricidade não é uma prática estagnada em um tempo e em um espaço, mas ao contrário, seus autores refletem, alimentam e exercitam constantemente as suas práticas, o que possibilita entender a Psicomotricidade como uma prática dinâmica e em constante inovação. Estudamos que cada vertente possui distintas finalidades. A Reeducação Psicomotora destina-se às crianças que apresentam déficit em suas funções psicomotrizes. Tem por finalidade ajudar a criança em reeducar determinadas funções motoras. A Terapia Psicomotora tem por finalidade tratar as patologias psicomotoras de crianças normais ou com necessidades especiais que apresentam dificuldades de comunicação, de expressão corporal e de vivência simbólica. Em relação à Educação Psicomotora, apesar do viés comum na educação, percebemos finalidades distintas para a Psicomotricidade Funcional e Relacional. A primeira tem por finalidade melhorar as aprendizagens cognitivas e o comportamento da criança com o auxílio das famílias de exercícios. Atende às necessidades conteudistas da escola como escrever, ler e calcular. A segunda utiliza-se do brincar como 09/07/04, 15:34 ' ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) um meio de ajudar na construção da personalidade integral da criança. Com relação à área de base e autores de base, a Reeducação Psicomotora se sustenta na área do conhecimento biomédico (neuropsiquiatria infantil). Tem como autores de base Dupré e Wallon, o primeiro correlacionando o movimento e a inteligência, o segundo aproximando o movimento e a construção do caráter da criança. A Terapia Psicomotora tem suas bases teóricas na psicanálise, sustentadas pelas obras de Wallon e Rogers. Por outro lado, a Educação Psicomotora se alicerça na área do conhecimento da psicopedagogia, sendo Piaget o autor de base da Psicomotricidade Funcional, enquanto que, na Psicomotricidade Relacional, o autor que sustenta sua concepção é Winnicott [18]. Deve-se destacar que mais adiante, nos anos 90, Negrine sustenta sua prática com forte contribuição psicopedagógica de Vygotsky. No corpo do estudo descrevemos as trajetórias de cada vertente de acordo com as concepções dos autores. O exercício de síntese que realizamos neste momento permite apresentar os autores de referência em cada uma destas vertentes destacadas nas descrições anteriores. É importante ressaltar que os autores são apresentados na perspectiva contemporânea, ou seja, a forma atual de pensar destes autores, visto que a trajetória de pensar de muitos destes veio evoluindo em função da continua inovação dos seus estudos. A Psicomotricidade ganhou muito com esta dinâmica sempre inovadora dos seus autores, o percurso da Psicomotricidade alterou e modificouse inúmeras vezes, aspecto que contribuiu para o enriquecimento epistemológico da área. Entre os principais autores, estudiosos da Reeducação Psicomotora compreendemos que pode haver destaque para Guilmain, Darrault, Defontaine e Empinet, enquanto que na Terapia Psicomotora os autores Ajuriaguerra e Levin são os mais notáveis. Já na Psicomotricidade Funcional destacam-se os autores Le Boulch, Picq, por outro lado Aucouturier, Lapierre e Negrine são os autores de referência na Psicomotricidade relacional. Inúmeras são as obras e publicações que tratam da psicomotricidade em sua trajetória, mas neste item descrevo as que desempenharam maior influência sobre a forma de pensar daquele período. A obra intitulada Manual de reeducación psicomotriz 1º, 2º e 3º año de Defontaine, é o conjunto histórico destacado no âmbito da reeducação psicomotora. Na terapia psicomotora, as obras principais são: La educacion psicomotriz como terapia Bruno, de Aucouturier e Artigo 03 - Atos.pmd 109 Lapierre, e A clínica psicomotora, de Levin. Na educação psicomotora funcional, as obras que exerceram maior influência são: A educação pelo movimento, de Le Boulch, e Educação psicomotora e retardo mental, de Picq e Vayer. Por outro lado, a obra Simbologia do movimento, de Aucouturier e Lapierre foi o impulso inicial para as reflexões e estudos sobre a Psicomotricidade Relacional. Não podemos deixar de destacar a trilogia Aprendizagem e desenvolvimento infantil vols. 1, 2 e 3 que Negrine publicou a partir da conclusão dos seus estudos de doutoramento inspirado na temática jogo e psicomotricidade. Com a análise dos itens, a relação adulto/criança; a composição dos grupos; a organização e proposição da prática; o desenvolvimento das rotinas; avaliação/ acompanhamento e postura corporal diante da criança, cada vertente apresentou distintas características no desenvolvimento de sua prática. Na Reeducação Psicomotora, o adulto utilizase de métodos diretivos na realização de sua prática, normalmente não interage com a criança, exerce uma relação de comando. O desenvolvimento das sessões ocorre de acordo com a necessidade da criança. O atendimento é feito a grupos pequenos, ou individuais. A avaliação é determinada a partir de testes que determinam o perfil psicomotor da criança. A Terapia Psicomotora permite a criação de atitudes comportamentais na criança a partir dos estímulos e intervenções que o psicomotricista faz constantemente. O trabalho terapêutico, a partir da perspectiva lúdica, requer escuta, ajuda e disponibilidade corporal do psicomotricista. Há interação corporal com a criança, de forma que o corpo do psicomotricista e os objetos se tornem o depósito das emoções da criança. A sessão é realizada de forma individual, utilizando-se de métodos não diretivos e o psicomotricista avalia a criança conforme a sua evolução. Na Psicomotricidade Funcional, o psicomotricista exerce uma relação de comando com a criança, raramente ocorrem contatos corporais. A criança deve seguir os modelos que lhe são propostos, há correção e diretrizes precisas de execução dos movimentos. O psicomotricista faz uso de métodos diretivos para a realização das atividades que são préprogramadas, e a sessão é destinada a grupos de crianças em um mesmo nível de desenvolvimento. A Psicomotricidade Relacional permite a relação do psicomotricista com a criança. Favorece uma relação de ajuda, de escuta, de mediação, de interação e de provocação a novos desafios. Ocorre o contato corporal entre ele e as crianças, e entre elas mesmas. A sessão é destinada a grupos de crianças em 09/07/04, 15:34 ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) Tabela I - Características dos fundamentos das vertentes da Psicomotricidade. Reeducação psicomotora Terapia psicomotora Psicomotricidade funcional Psicomotricidade relacional Finalidade Reeducação das funções psicomotoras Tratar patologias psicomotoras, afetivas, relacionais e cognitivas Sanar problemas motores, melhorar as aprendizagens cognitivas e o comportamento da criança Desenvolver as potencialidades relacionais da criança utilizando a ação do brincar Área de base Biomédica neuropsiquiatria infantil Psicanálise Psicopedagogia Psicopedagogia Autores de base Dupré Wallon Rogers Wallon Piaget Winnicott Vygotsky Principais autores Guilmain, Defontaine Ajuriaguerra Levin Le Boulch Picq e Vayer Aucouturier Lapierre Negrine Obras e publicações Manual de reeducación psicomotriz 1º, 2º, 3º año La educacion psicomotriz como terapia Bruno A educação pelo movimento Simbologia do Movimento Educação psicomotora e retardo mental Aprendizagem e desenvolvimento infantil vols 1, 2 e 3 A clínica psicomotora Tabela II - Procedimentos didáticos das vertentes da Psicomotricidade. Reeducação psicomotora Terapia psicomotora Psicomotricidade funcional Psicomotricidade relacional Relação adulto/criança Comando, não interage Escuta, ajuda, interação e disponibilidade corporal Comando e direção, é o modelo da criança Ajuda, escuta, estímulo, interação e intervenção Composição dos grupos Grupos pequenos, Individual Individual Grupos em um mesmo nível de desenvolvimento Grupos de diferentes níveis de desenvolvimento Organização e proposição da prática Programa de sessões de exercícios conforme a necessidade da criança Atividades em que objetos e o corpo do terapeuta se tornem o depósito das emoções da criança Atividades pré-programadas, famílias de exercícios. Proposição de circuito sensório motriz Ritual de entrada; atividades livres de expressão, construção e comunicação; Ritual de saída Desenvolvimento das rotinas Método diretivo Método não diretivo Método diretivo Método não diretivo Avaliação/ acompanhamento Bateria de testes que determinam o perfil psicomotor Avalia conforme a evolução da criança Correção do erro, padrão de movimento certo e errado Despertar de zonas proximais na criança Postura corporal diante da criança Não ocorre contato corporal Ocorre contato corporal Raramente ocorre contato corporal Ocorre contato corporal diferentes níveis de desenvolvimento e sua rotina se organiza em três momentos chaves: 1º) ritual de entrada, 2º) atividades livres de expressão, construção e comunicação e 3º) ritual de saída. O psicomotricista utiliza-se de métodos não diretivos para a realização de sua prática, na sua avaliação não emite juízo de valor, mas procura estar atento ao Artigo 03 - Atos.pmd 110 despertar e o desenvolvimento de novas potencialidades nas crianças. Conclusão Antes de finalizar este ensaio sobre a Psicomotricidade realizamos um exercício de síntese em 09/07/04, 15:34 ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) forma de quadros, que permite ilustrar a trajetória percorrida neste estudo que procedemos. Os quadros que são organizados possuem como objetivo apresentar de uma forma didática a descrição e a categorização das principais vertentes da Psicomotricidade. Acreditamos que, dessa forma, o leitor possa ter uma visão panorâmica da evolução e das diferenças que cada uma das vertentes apresenta. O primeiro quadro trata das características de fundamento de cada vertente, enquanto o segundo quadro aborda as repercussões destes fundamentos nos procedimentos de sua prática. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. Artigo 03 - Atos.pmd 8. 9. 10. 11. 12. 13. Negrine A. Terapias corporais: a formação pessoal do adulto. Porto Alegre: Edita, 1998. Le Camus J. O corpo em discussão: da reeducação psicomotora às terapias de mediação corporal. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986. Descartes R. Discurso do método. São Paulo: Martins Fontes, 1999. Falkenbach AP. A educação física na escola: uma experiência como professor. Lajeado: Univates, 2002. Negrine A. O corpo na educação infantil. Caxias do Sul: EDUCS, 2002. Levin E. A clínica psicomotora: o corpo na linguagem. Petrópolis: Vozes, 1995. Aucouturier B, Lapierre A. A simbologia do movimento: 111 14. 15. 16. 17. 18. psicomotricidade e educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1986. Picq L, Vayer P. Educação psicomotora e retardo mental: aplicação aos diferentes tipos de inadaptação. 4. ed. São Paulo: Manole, 1985. Wallon H. As origens do caráter na criança. São Paulo: Nova Alexandria, 1995. 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A revisão de literatura no campo interdisciplinar do imaginário e algumas observações do cotidiano de práticas de jogos mostraram-nos que o terreno da luta entre Apolo (agonismo) e Dioniso (ludicidade) acontece sob a regência de Hermes (o mensageiro dos deuses). Nesse sentido, o jogo apresenta-se como rica realidade simbólica, presente em todas as culturas e instaurador de uma relativa abertura no mundo real através do mundo próprio do imaginário, no qual, o homem projeta-se à frente através do exercício da criação, re-criação, da fantasia, dos desejos, das paixões, dos sonhos e crenças profundas em si enquanto construtor da realidade e da vida como possibilidade de acontecimento. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras-chaves: jogo, poder, acaso. Abstract The main purpose of this study is to demonstrate that the play, since antique Greece, is associated to a double character: the apollonian and the Dionysian, antagonist forces that keep their harmony beyond one movement of tension and struggle. The literature review about the theme and some observations in the everyday life of the play has shown us that the fight arena between Apollo (agonism) and Dionysius (play) happens under Hermes regency (the gods messenger). In this sense, the play can be viewed like an element that makes possible a relative aperture in the real world through its imaginary world, where the man go on to the top in his exercise of creation and re-creation, fantasy, production of desires and passions, like a constructor of the reality and the life as a happening possibility. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key words: play, power, chance. Artigo recebido em 18 de maio de 2004; aceito em 7 de junho de 2004. Endereço para correspondência: Jeferson José Moebus Retondar, Rua Martinho José Santana 157, Castelo São Manoel, Corrêas 25720-142 Petrópolis, Rio de Janeiro, E-mail: [email protected] Artigo 04 - Jeferson.pmd 112 09/07/04, 15:34 ! ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) Introdução Uma criança que constrói e destrói seu castelo de areia pelo simples prazer de construir e destruir; um adulto que inicia um jogo sem preocupação outra que não o próprio jogar, e aos poucos vai se envolvendo de tal maneira que o que antes era puro deleite passa a ser uma questão de honra, de tensão profunda, enfim. Será que podemos dizer que há um jogo puramente lúdico, competitivo, de azar, de vertigem, tal qual podemos dizer que o sol é o astro que ilumina e a noite o fenômeno que escurece? Acredito que o exemplo que irei demonstrar lance algumas dúvidas face à pureza do sentido que o jogo pode adquirir para ser explicado em sua totalidade como sendo desta ou daquela natureza. Refiro-me a uma experiência da qual, de alguma forma, muitos já participaram: trata-se daqueles encontros de amigos que acabam culminando num jogo de confraternização. No início os ânimos são contemplativos, alegres, festivos, pois o papel do jogo parece ser o de mediar a intensa felicidade, o prazer que todos ali compartilham materializado no singelo passatempo. Porém, à medida que o jogo vai avançando, os jogadores estando mais envolvidos nessa realidade, o que inicialmente tinha o sentido de deleite, de passatempo, passa a ter no seu bojo elementos de superação, auto-superação, tensão e incerteza. Em alguns casos, o que era um despretensioso jogo pode transformar-se em discussões, bate-bocas com inúmeros desdobramentos. O fato, entretanto, é que o sentido inicial do jogo aos poucos foi se modificando, transformando o que antes era uma brincadeira descompromissada em luta acirrada de valores, status, crenças, prestígio, auto-estima, etc. Por que será que o jogo mudou de sentido? Será que o sentido do jogo é dado a ele antes deste se realizar, ou melhor, será que o sentido escolhido para um determinado jogo pode ser fielmente vivenciado do início ao fim sem qualquer interferência de outros sentidos? Tenho para mim que não conseguiremos, responder tais perguntas de forma conclusiva, mas certamente iremos nos esforçar para nos aproximarmos de uma verdade sobre tal questão. Pois se a paixão só pode ser vencida por uma paixão mais forte; se a felicidade é uma luta permanente com seu contrário, a infelicidade, da mesma forma que a consciência existe como superação da alienação; é no jogo das tensões que provavelmente encontraremos uma luz que possa justificar sua própria existência a partir de seu contrário, a escuridão. O jogo é uma construção humana e, pois, simbólica. O jogo só existe quando a ação humana Artigo 04 - Jeferson.pmd 113 funda no movimento do jogado um lugar social de sentidos, de significados que escapam na sua totalidade a uma explicação racional. Assim, pode-se ficar jogando uma bola repetidas vezes para o alto e isso não significa que o indivíduo está jogando, pois pode estar somente se exercitando, remetendo a ação a uma finalidade prática de manutenção da musculatura ou coisa do gênero, isto é, agindo com uma finalidade externa à sua própria realização. Mas, por outro lado, este mesmo exercício pode se transformar em jogo quando o indivíduo atribuir imaginariamente um sentido para a bola que não ela mesma, isto é, representá-la como objeto de desafio, de teste, de deleite. E aí, o que era exercício tornouse jogo, podendo transformar-se novamente em exercício, numa cadeia infinita de construção e desconstrução; num eterno movimento de ir e vir. Esse ir e vir, a nosso ver, assume o sentido de tensão, e não o do balançar natural de uma gangorra que, ao subir, pela necessidade física do peso que a projeta para baixo tem necessariamente que descer; ou como o pêndulo do relógio ou o balanço das ondas do mar, que por uma condição física própria vão e vêm infinitamente sem trazer qualquer prejuízo ou transformação para o mundo. Ao contrário, o movimento de ir e vir do jogo tomado como produção simbólica é sempre tenso, contraditório, lutando ao mesmo tempo pela embriaguês e pela sobriedade, pela aniquilação através do esquecimento do indivíduo e pela atualização viva da presença lúcida do mesmo indivíduo. Nesse sentido é que o jogo se apresenta para nós como um locus privilegiado de tensão em que emerge o homem como possibilidade de acontecimento, como possibilidade de construção de sua realidade, sempre, apesar de... Ou seja, a produção de alguns sentidos do ato de jogar, a tomada de partida no interior do jogo é sempre uma decisão muito séria para quem joga, pois na medida em que o jogo se abre para o simbólico a certeza é sempre uma possibilidade frágil e efêmera. Daí o seu permanente trânsito, a sua indefinição como marca e o seu repetir-se como busca incessante de preencher alguma coisa que faltou ser preenchida, mas que nunca o será totalmente. Dioniso - Apolo ou Lúdico - Agonístico O povo grego conheceu e sentiu as angústias de uma existência que tinha de conviver com os poderes titânicos das forças da natureza. A criação de seus mitos explica-se em grande parte pelo sentido de aproximação e de destruição do mistério que se abatia sobre eles, mas na medida em que a vitória se impunha 09/07/04, 15:34 " ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) enquanto impossível, a convivência com a Moira teve que ser mediada por um mundo estético capaz de promover, no mínimo, o distanciamento dos homens com o mistério. Portanto, criam-se os deuses Olímpicos. Nietzsche [1], em A origem da tragédia, faz duas perguntas fundamentais: se o espírito dionisíaco (aquele que cultua as festas, a música ensurdecedora, o transe através de movimentos contínuos e de mudanças abruptas, a provocação do estado de embriaguês) resulta menos de uma expansão da felicidade, do deleite, do prazer, do que da profunda angústia, miséria e melancolia, as quais são anestesiadas pelo estardalhaço e alvoroço da metamorfose; e se o desejo do horrível, a cultuação dos primeiros Helenos ao cruel, ao pessimismo, à desgraça, à tragédia, radicaria menos na necessidade de expressar a vida como uma sabotagem da felicidade, mas antes estivesse pautada justamente na força da alegria, da saúde exuberante e do excesso de vitalidade. Ou seja, Nietzsche inverte o sentido comumente tomado de que a tragédia grega é expressão do pessimismo da vida, enquanto que as festas, o êxtase proporcionado pelos cultos posteriores à tragédia são a expressão mais lídima de afirmação da vida, da felicidade e da força. Em outros termos, questiona que na época considerada como de declínio da cultura helênica pode ter acontecido justamente o inverso, isto é, a elevação da consciência sobre a vitória do otimismo, e o predomínio da razão utilitária sendo muito mais uma derrota contemporânea do que uma vitória da razão humana. O que nos interessa destacar aqui é que a evolução progressiva da arte grega está associada a um duplo caráter: do espírito apolíneo e do espírito dionisíaco, que, segundo Nietzsche, são instintos impulsivos que caminham lado a lado, mas constantemente em pé de guerra, desafiando e excitando um ao outro com intuito de dar origem a novas criações, a emergência da obra e da experiência estética. Apolo é o Deus que representa o espírito da individuação, isto é, que fala de si, de sua aparência através dos gestos e olhares; que põe ordem no caos dos sentidos, tornando-os inteligíveis, palpáveis logicamente. Enquanto que Dioniso é aquele que através do êxtase destrói a individuação, que faz o homem se perder de si mesmo momentaneamente para retornar do mundo imaginário mais aliviado, mais calmo. Nietzsche [1] leva a grandes conseqüências suas reflexões sobre a tragédia grega, a partir do aprofundamento da tese de que só é possível compreender os gregos quando se destrinchar profundamente o sentido do espírito dionisíaco. Para Artigo 04 - Jeferson.pmd 114 nós, entretanto, a apropriação de Dioniso e Apolo caminha no sentido de tão somente identificar, já desde a Grécia Antiga, a tensão entre dois espíritos que, na sua luta incessante, são capazes de fazer emergir a criação; onde a existência de um necessariamente passa pela supressão momentânea do outro, numa luta infinita de contrários. O que Nietzsche [1] denominou de instintos dionisíacos e apolíneos, a nosso ver, não remete ao sentido de fisiologicamente determinado, mas antes de misteriosamente criado. Não por um deus com formas e forças, mas por um deus mistério. Em estado de jogo, o homem enquanto ser simbólico e enraizando num tempo histórico determinado, dá forma à sua luta entre anjos e demônios; bem e mal, certo e errado, lúdico e agonismo, com diferentes tinturas. Ressalta-se que, a introdução do conectivo e apresenta-se muito mais como um artifício didático para apresentar alguns pares de opostos em permanente tensão do que uma radical separação onde cada um desses pares de opostos possuísse uma identidade definida, independente do outro. Da mesma forma que Dioniso só pode ser explicado por Apolo, o contrário também é verdadeiro. Ou seja, a unidade é a tensão Dioniso-Apolo, e a materialização, historicamente falando, pode se dar em determinado momento e em determinada cultura, ora predominando o espírito apolíneo, ora predominando o espírito dionisíaco. Se é infinito esse trânsito, esse movimento de alternância, pois o absoluto é o próprio sufocar da vida enquanto experiência criadora, infinita também é a experiência de criação que emerge dessa luta. Daí estarmos tentados a crer que o jogo enquanto possibilidade simbólica não se esgota jamais em seus sentidos, em suas conexões de imagens, de produção de desejos, de exploração da vida tomada como em grande medida fundada no mistério. Retornar ao jogo é, em outros termos, retornar para uma nova possibilidade do Ser no seu mundo; é inventivamente apropriar-se do mundo de forma simbólica para dar-lhe novas texturas, cores, sons, ritmos e gostos. O jogo não pára porque a vida exige misteriosamente o movimento sempre para além daquilo que está pronto. O resultado do jogo, seu desfecho, é sempre por demais rápido: ao mesmo tempo em que proporciona alegria, conjuga contraditoriamente a tristeza do tempo passado. A fotografia da vitória momentânea de Apolo ou Dioniso no jogo, profundamente vivida, se dá em lapsos de segundos: é a pilhéria onde se deveria ser sério; o drible mágico, o gol arrebatador, longe das 09/07/04, 15:34 # ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) determinações táticas e prévias do como jogar; é o cair do dado preenchedor da lacuna que faltava; é a superação das regras fundadoras de um novo jogo dentro do jogo; enfim, é o momento que misteriosamente acontece em decorrência da luta travada entre forças antagônicas que, no auge de seu embate, tendem a sobrepujar uma a outra na direção do profundamente sentido, porém impossível de ser dito através das palavras, com tudo aquilo que se quer significar. É a vitória de Dioniso sobre Apolo, do êxtase sobre o controle, que a meu ver fundamenta profundamente aquilo que venho denominando de jogo. Jogo enquanto construção simbólica O jogo não é gratuito, como muitos pensam. Jogar é sempre se colocar em jogo frente a si ou frente aos outros. Se a tese nietzschiana sobre o sentido dionisíaco da existência estiver realmente correta, o jogo, tomado geralmente como expressão de liberdade, de alegria, de espontaneidade, de celebração profunda da vida, pode, no fundo, estar evocando a desgraça do homem contemporâneo, a sua vida brutalizante, a sua falta de liberdade, o seu profundo pessimismo diante da vida, a consciência de sua fragilidade enquanto ser perecível, não olímpico, não eterno. Mas, como o jogo não pára, e como não estamos propondo nestas breves reflexões uma discussão sociológica sobre jogo e sociedade, mas antes discutindo o jogo dentro do campo interdisciplinar do imaginário social como produção eminentemente humana, pois simbólica, fica apenas registrado que, muito mais do que catarse social, o jogo como objeto de estudo pode ser capaz de desvelar as próprias raízes que sustentam as sociedades, com suas problemáticas e definições, que se situam, concomitantemente num tempo historicamente determinado e em traços estruturalmente reforçados ao longo das épocas. Quando se pensa de forma assistemática e imediata sobre a possível personificação do jogo, de maneira geral acredito que a imagem de Dioniso tende a ser predominante em relação à de outros deuses, principalmente em relação a Apolo. Se apresentarmos Dioniso e Apolo via Nietzsche a origem da tragédia grega, cabe-nos agora apresentar com um pouco mais de rigor o Deus Dioniso e o Deus Apolo, com todas as suas possíveis características, a fim de ampliar a discussão acerca da tensão permanente no jogo enquanto espaço de luta, enquanto construção humana simbólica. Artigo 04 - Jeferson.pmd 115 Segundo Brandão [2], Apolo nasceu no dia sete do mês délfico Bísico que em nosso calendário situase entre a segunda metade de março e a primeira metade de abril. Conta-se que quando nasceu, cisnes brancos deram sete voltas em torno da ilha de Delfos. Daí que as festas principais em sua homenagem aconteciam no dia 7 de cada mês, da mesma forma que as consultas ao Oráculo de Delfos se davam no dia 7 do mês Bísio. O número 7 é o número de Apolo, o número sagrado, perfeito, pois além de representar a data de seu nascimento e o número de voltas dadas pelos cisnes em Delfos, representa também a sua lira com 7 cordas e sua doutrina, resumida em 7 máximas, atribuídas aos 7 sábios. Apolo é reconhecido como aquele que realiza a harmonia entre as partes, o equilíbrio entre as tensões. É o verdadeiro mediador das paixões humanas: longe de querer suprimi-las, Apolo tão somente trata de orientá-las no sentido de uma crescente espiritualização, ou consciência do homem de si mesmo. É reconhecido também na literatura como um deus agrário, isto é, aquele que protege as sementes e as lavouras das pragas, dos espíritos malignos e dos lobos. Além das lavouras, Apolo também protege os viajantes, as casas, os marinheiros e a tripulação que navega. Apolo é um fiel intérprete da vontade de Zeus. É um deus oracular, ainda que algumas respostas a seus consulentes sejam marcadas por forte ambigüidade. Desde o século VIII a.C. Apolo era tido como mestre do canto, da música e da poesia, manifestações através das quais fazia-se revelar em grande medida as mensagens de Zeus. Figura bela e majestosa, Apolo é o deus do sol, do brilho; aquele que ilumina o caminho. Amou e foi objeto de desejo de diversas ninfas, e com algumas teve filhos, cada qual trazendo um traço marcante de sua personalidade. Mas nem todos os seus amores foram devidamente correspondidos: obteve muitos sucessos e alguns fracassos. Mas a grande aventura de Apolo, e que irá transformá-lo no senhor do Oráculo de Delfos, não foi amorosa, mas a morte do dragão Píton, o vigilante do oráculo. Após matar Píton, Apolo ficou um ano no Vale de Tempe a fim de purificar-se das manchas de sangue deixadas pelo dragão, as quais deveriam ser limpas para não contaminar o próprio deus. Para perpetuar a memória do triunfo de Apolo sobre Píton e para se ter o dragão in bono animo, e este é o sentido dos Jogos Fúnebres, celebravam-se lá nas alturas do Párnaso, de quatro em quatro anos, os Jogos Píticos [2]. 09/07/04, 15:34 $ ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) Um detalhe curioso diz respeito ao fato da premiação dos Jogos Olímpicos ser feita com uma coroa de louros. Em um dos amores malsucedidos de Apolo, conta-se que o deus da beleza zomba do poder divino das flechas de Eros, filho de Afrodite. Eros, ao se ver humilhado, resolveu flechar Apolo com a seta do amor; e, por seu turno flechou Dáfne com a flecha da aversão, da repulsa, da indiferença frente ao amor. Assim, apesar da beleza encantadora de Apolo, Dáfne fugiu para as montanhas e, ao se ver acossada pelo Apolo apaixonado, pediu a seu pai, Pereu, o deus-rio, que a transformasse em alguma coisa para se livrar do apaixonado. E foi transformada em uma árvore de louros (em grego dáphene), que se tornou a árvore predileta de Apolo. Mas, continuando: Apolo, o novo senhor do Oráculo, trouxe idéias novas para conciliar as tensões existentes entre as pólis gregas, bem como erradicar a lei de Talião olho por olho, dente por dente, substituindo-a pela justiça dos tribunais. Com isso, Apolo reforça o seu valor de mediador, de equilibrador das tensões, a condição por excelência do auto conhecimento. Em outros termos, Apolo mostra aos simples mortais o caminho que vai da adivinhação ao conhecimento. Daí a inteligência, a ciência, enfim, o uso da razão ser considerado um modelo divino. Em uma palavra, a serenidade e não a compulsão pelo conhecimento, enquanto dominação da razão utilitária apolínea torna-se para o homem grego o emblema da perfeição espiritual, do equilíbrio e da verdade. Dos três filhos de Zeus (Hermes de Trismegisto, Apolo e Dioniso), foi Apolo que se reservou o direito de ser o mais fiel intérprete do pai. Hermes caracteriza-se marcantemente como o mensageiro predileto dos deuses, aquele que transita com velocidade e profundo conhecimento entre o céu, a terra e o inferno. Já Dioniso é o deus da metamorfose, da transformação, do permanente trânsito, do movimento encarnado que aproxima, através do êxtase, da embriaguês, o homem dos imortais. Nascido da coxa de Zeus por ter sido arrancado do ventre de sua mãe, Sêmele, por um raio enviado pelo próprio Zeus, que a fulminou, Dioniso tornou-se tão poderoso, em função da sua estreita proximidade com Zeus, que desceu até o fundo do Hades para de lá arrancar sua mãe e conferir-lhe imortalidade. Dioniso, tão logo nasce, é levado para o monte Nise e entregue aos cuidados das Ninfas e Sátiros, que cuidavam dele numa sombria gruta com intensa vegetação e parreiras de uva maduras. Certa vez, já na sua adolescência, Dioniso colhe alguns desses cachos, espreme as frutas em sua taça de ouro e bebe Artigo 04 - Jeferson.pmd 116 o suco em companhia de seus protetores. Daí nasce o vinho, que, ao ser bebido repetidas vezes por Dioniso, as Ninfas e os Sátiros os coloca em estado de profunda embriaguês, levando-os a dançar vertiginosamente até caírem semidesfalecidos. Surgem então a cada ano, em Atenas, a propósito da colheita de uvas, festas com danças em homenagem a Baco ou Dioniso, onde se bebia até se cair. Entretanto, este semidesfalecimento não era causado somente em função do efeito do vinho no organismo, mas também pelo êxtase e entusiasmo proporcionados por essas festas. O sair de si implicava um mergulho de Dioniso em seu adorador através do (enthusiasmós), entusiasmo. O homem, simples mortal, (antróphos), em êxtase e entusiasmo, comungando com a imortalidade, tornava-se (anér), isto é, herói, um varão que ultrapassa o (métron), a medida de cada um [2]. Essa ultrapassagem através do êxtase e do entusiasmo remete ao sentido de ator, isto é, daquele que emerge sendo capaz de responder à realidade através do êxtase e do entusiasmo. Nesse sentido, Dioniso é aquele que provoca a quebra de um conjunto de valores construídos socialmente. Na medida em que o êxtase faz o homem evadir-se da vida real, há uma abolição momentânea entre ser mortal e imortal. Ou seja, a distância entre estes se reduz e, em função disso, Dioniso é exorcizado por Apolo. O sair de si implica numa integração maior com o deus, Dioniso, e o entusiasmo é ter um deus dentro de si, identificar-se com ele, co-participar da divindade. A possessão dionisíaca é a expressão máxima do homem com o divino, através da celebração dos mistérios, a partir das orgias, do transe, do êxtase, da agitação incontrolável e frenética. Dito de outra maneira, a mania (a loucura sagrada) e a orgia fazem emergir com toda força a liberdade que se segue pela transformação, pela liberação de energias que, ao serem liberadas purificam-se. Nesse sentido, pode-se compreender melhor porque Dioniso, uma divindade tão integrada ao próprio homem, foi amplamente contido, repudiado pela pólis de homens e deuses apolineamente orientados. Ratificando: Dioniso é o deus da metamorfose e do movimento que não conhece nem fronteiras nem culturas. Ao suscitar a embriaguês, o transe, o erotismo, a fertilidade, universaliza-se através de seus próprios temas; com isso passa a ser reconhecido como tal, isto é, um deus universal. Surge com a mesma velocidade que desaparece: em lapsos, momentos mágicos e fugidios. Como deus da vegetação, é tido como o deus da vida e da morte: o deus do ciclo vital, do perecível 09/07/04, 15:34 % ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) e do imperecível, dos ritmos sazonais. De qualquer maneira, Brandão [2] nos diz que antes de Dioniso o mundo grego era dividido em mundo dos mortais, de um lado, e de outro, o mundo dos imortais. Com a metamorfose promovida por Dioniso através do êxtase e do entusiasmo, o homem tornou-se mais próximo dos deuses. Ou seja, os mortais, ao se alienarem, acreditavam na possibilidade de transfiguração, pois Dioniso é o deus que possibilita o mergulho profundo do homem em si mesmo. Aprofundando o aspecto do movimento, da metamorfose, Marcel Detienne [3] nos oferece uma rica contribuição a respeito de Dioniso, a qual fazemos questão de apresentar assumindo o risco de nossa intervenção interpretativa, que, diga-se de passagem, muito se alinha à compreensão desse mito conforme discutido por Brandão [2]. Para Detienne [3], Dioniso é o único deus encontrado nas regiões da Grécia que mais vive itinerando. Ou seja, é o deus que em parte alguma se sente definitivamente em casa. Sua casa é o mundo. O ponto fixo ameaça sua liberdade de vagar por Argo, Lesbo, Elêuteras, Olímpia, Taso, Delfos, Orcômero, até as ilhas misteriosas do Atlântico. Em cada um desses lugares surge inesperadamente, brincando, saltando, dançando, passando rasteira, rasgando as coisas e punindo aqueles que o desrespeitam, levando-os ao delírio ensandecido, à loucura, à infâmia e até ao homicídio. O rei Preto, da Argólia, tinha três filhas. Todas elas se recusavam a prestar culto a Dioniso. De início, somente essas três foram punidas com a mania da loucura, mas logo em seguida todas as mulheres de Argólia foram atacadas pelo mesmo mal e passaram a matar seus próprios filhos; abandonaram suas casas e desapareceram nos bosques. Nessa história Dioniso aparece enquanto força epidêmica, difundindo o sacrifício coletivo. Daí Dioniso poder ser considerado também como um deus epidêmico, de forte proliferação. Uma outra marca caracterizadora de Dioniso é sua condição de permanente estrangeiro, não tanto pela sua vida nômade, mas principalmente por sua vocação de sempre se revelar para os outros mascarado. Dioniso não é um deus identificável pela sua aparência, ao contrário, Dioniso afirma sua natureza epifânica de deus que não pára de oscilar entre a presença e a ausência [3]. O Dioniso que aparece em Tebas é aquele pronunciado pelo sábio Tirésias: o que inventou o néctar dos deuses - a bebida extraída da uva que tem o poder de acalmar as angústias, evocar com rapidez o sono, deflagrar a ousadia e a coragem daqueles que Artigo 04 - Jeferson.pmd 117 nunca o foram em sua vida normal, enfim, bebida mágica criada por Baco. Na proximidade do culto a Dioniso, quando este aparece no dia de sua festa nos seus altares e templos levantados, acontece da vinha crescer várias vezes, do vinho brotar já preparado da própria terra, jorrando em abundância e beleza. Nas festas de Dioniso, o transe provocado pelo vinho e pelos movimentos frenéticos do dançar, girar, rodar, pular e saltar têm seu início através dos pés. Isto é, o salto dado pelos pés é o primeiro movimento caracterizador do transe; o segundo, não menos marcante, é praticado por todos os que participam dessas festas: é o jogo de saltar em um pé só (como se fossem sacis ), ou quando se inicia o jogo de amarelinha) chamado de askôliasmós, verbo cujo sentido relaciona-se à ameaça dos andróginos apresentados por Platão no Banquete: Essas estorvantes criaturas de quatro braços e quatro pernas começam a ser disciplinadas pelos deuses, que se partem ao meio. Mas se, porventura, elas perseverassem na arrogância, seriam de novo cortadas ao meio, de modo que só poderiam caminhar com uma única perna, como sacis (askôliázein) [3]. Da mesma forma que nas festas dionisíacas o vinho jorra da terra e das jarras dos apaixonados pela bebida, Dioniso apresenta-se saltitante e malicioso com as suas jogadas de pernas, por exemplo, através de inúmeras rasteiras dadas nos simples mortais, que fazem uns serem objeto de riso de outros; é o deus que traiçoeiramente leva as mulheres até o transe e aplica-lhes rasteiras impiedosamente. Poderíamos, diante da nova observação feita acima, perguntar: Se Dioniso aparece em suas festas com tanto sarcasmo, brincadeira, trapaça, punições, errâncias, metamorfoses, não teria ele muitos inimigos? A resposta é negativa. Isto porque Dioniso escolhe, seleciona o palco onde pode ser reconhecido como deus, ainda que nas suas várias formas e manifestações muito de humano ele apresente. Sua humanidade reside, a nosso ver, no seu trânsito permanente, na sua metamorfose de construtor e re-construtor de sua realidade. Seu Ser é o Transformar-se. Daí não possuir lugar fixo, destino cego e finalidade a atingir. Sua finalidade é sempre um novo re-começo, o desesperado mais uma vez insaciável. Apolo ponderação - Dionísio desequilíbrio Se Apolo personifica o ponderado, o equilibrado, o autêntico jogador de xadrez, Dioniso é o desequilíbrio, a embriaguês, o êxtase apaixonado pelo 09/07/04, 15:34 & ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) movimento; é aquele que constrói e destrói o castelo de areia pelo simples fato de brincar de construir e destruir. Sua responsabilidade radica na idéia de infinitude e de êxtase pelo processo vivido. Enquanto que em Apolo a mediação do processo faz-se necessária para se atingir o fim almejado. A dimensão lúdico-agonista é a alma do jogo fundada sobre o solo do acaso. Dioniso-Apolo formam a unidade daquilo que estamos chamando de jogo enquanto produção humana. Sua apropriação ao longo das épocas pode fazê-lo aparecer com mais predominância para o lúdico ou para o agonismo, entretanto, acreditamos que esta seja a primeira forma de apropriação do jogo para se poder compreender, se assim for o objetivo, o próprio movimento social em que se vive. Uma sociedade onde há o predomínio e a proliferação do jogo enquanto produto lúdico muito provavelmente se diferenciará de uma sociedade onde haja a mesma proliferação do jogo, porém enquanto produto competitivo. Não significa dizer que o jogo se reduza na sua compreensão a um reflexo da sociedade, muito pelo contrário. O que temos discutido até agora é justamente o oposto, isto é, que os jogos podem ser apropriados pela cultura e que as suas necessidades sócioorganizacionais de difusão de modelos de ser e de aparecer são um fato inequívoco sociologicamente falando. Mas, certamente, tal apropriação social não se faz suficiente para dizer o que o jogo é, nem para explicar o profundo significado desse fenômeno como eficaz instrumento de sedução, de encantamento e envolvimento dos indivíduos. Longe de queremos ter a arrogância de responder a pergunta de tamanha envergadura, isto, entretanto não nos impede de aventarmos algumas hipóteses de trabalho, como por exemplo, o fato de que o homem, por ser um animal simbólico, necessita se relacionar com a vida para além de uma percepção imediata do real, isto é, necessita fantasiar, criar um mundo ficcional, desejante, apaixonante que sempre o remeta à frente. No movimento do jogado, ao evadir-se da vida real, o indivíduo cria um mundo imaginário onde o real é percebido numa outra perspectiva de Ser; isto é, ele apresenta-se como um Tornar-se que momentaneamente pode ser fotografado devido à necessidade fundamental de expressão da liberdade criadora e infinita da condição humana. Nesse sentido, o jogo apresenta-se como um estado de tensão entre Apolo-Dioniso, ora um querendo predominar, ora o outro querendo tomar as rédeas do jogo. Movimento este embalado pela necessidade espiritual do homem em dialogar com uma realidade que sempre lhe escapa na totalidade Artigo 04 - Jeferson.pmd 118 de sua razão, mas que, contraditoriamente, pode leválo a perseguir cada vez mais esse mundo, através de seu fazer enquanto possibilidade de ser no mundo. Tanto o mito de Apolo quanto o de Dioniso nos falam de problemas fundamentais que são colocados até hoje como um desafio para a convivência social: o limite e a transgressão; a natureza e a cultura; o signo e o símbolo; o inteligível e o sensível; o corpo e a mente. A compreensão desse mundo bipartido é uma necessidade que vem desde a construção do mundo mítico, na Grécia Antiga, indispensável para a própria organização da vida na pólis. O bem e o mal, o justo e o injusto, o verdadeiro e o falso assumem formas, cores, sons e movimentos. A apropriação das muitas bipartições assumiu contornos próprios nas diversas sociedades, seja no aprofundamento da divisão do trabalho, seja na divisão sexual dos papéis sociais, entre outros aspectos. Parece que para nós, ocidentais, é muito penoso compreender a realidade sem pensarmos, em alguma medida, de forma dicotômica. E isto, a meu ver, transcende a condição de classe, pois sagrado e profano, revolucionário e conservador, trevas e luz, direita e esquerda são temas que perpassaram as épocas e os contextos culturais no Ocidente. Acredito que, de alguma forma, esse traço marcante de compreensão dicotômica da realidade foi passado através das gerações, de forma consciente ou inconsciente, desde a civilização que é tomada como, se não a primeira, a mais influente do pensamento ocidental: a civilização greco-romana. É nesse contexto que, quando se fala sobre jogo, a idéia de um jogo puramente lúdico ou agonístico tende a predominar. Muitas vezes o jogo se apresenta como oposto ao esporte, da mesma forma que o lazer se opõe ao trabalho. Ora, essa divisão é uma construção social da realidade, não é um dado, uma coisa pronta, natural. Ao contrário, se Apolo e Dioniso (e faço questão de introduzir o conectivo e de acréscimo e separação) apresentamse como personificação da própria condição humana, isto não significa dizer que no próprio Apolo não esteja contido o lado dionisíaco, ou vice-versa. Se para a organização política da pólis grega a figura de Apolo se apresentava mais apropriada para legitimar a necessidade de convivência entre os homens, certamente que esta sobre valorização só pode existir porque a figura de Dioniso caminhava no sentido contrário, como mau exemplo, desagregação. Entretanto, a nosso ver, isso não significa dizer que Apolo e Dioniso são realidades separadas que de vez em quando se comunicam, mas, antes, uma unidade de forças contrárias em permanente tensão. 09/07/04, 15:34 ' ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) A nossa apropriação dos mitos de Apolo e Dioniso é no sentido de entendê-los como fazendo parte de uma mesma unidade que se chama homem. Afinal, não podemos esquecer que Apolo, Dioniso e Hermes são gerados por Zeus, isto é, possuem um mesmo tronco genético; são diferentes, mas familiares; distantes e próximos ao mesmo tempo. É nesse sentido de unidade de forças contrárias que neste nosso momento de análise concebemos o jogo como dimensão que traz consigo em seu interior a presença de Apolo-Dioniso. Daí uma singela brincadeira poder transformar-se em luta, em desafio conflitante, da mesma forma que um jogo institucionalizado (esporte) poder fazer aparecer em alguns momentos a pilhéria, a gratuidade, a zombaria. Pois o jogo não é alguma coisa, mas é sempre uma possibilidade de tornar-se; é um movimento, não algo pronto, acabado; é uma construção humana. Dimensionar o movimento de tensão inerente ao jogo mais para um sentido em detrimento de outro significa conduzi-lo para o predomínio de uma direção, mas isso não significa que essa direção vá se dar de forma plena, na sua totalidade, do início ao fim. Na medida em que se apresenta como movimento, o fundamento maior do jogo não é o produto de sua realização, ainda que imaginariamente muitos sentidos o motivem, mas a própria construção da realização enquanto experiência vivida. O fato de Zeus, o pai supremo, ter tido Apolo, Dioniso e Hermes como filhos nos fornece um importante argumento para ratificar que o jogo, enquanto movimento de tensão entre Dioniso e Apolo, também se tensiona com Hermes, formando então não mais uma díade, mas uma tríade tensionante: Dioniso-Apolo-Hermes. A dialética de Heráclito propõe a imagem da lira como capaz de mostrar a tensão necessária de contrários, destituída de qualquer juízo moral. Para haver som da lira é preciso haver diferença das notas musicais. Agora, o movimento que proponho para a compreensão do jogo não é mais construção/des-construção, mas, construção/des-construção/re-construção. A brincadeira de uma criança que constrói e desconstrói o seu castelo de areia assume um novo sentido, qual seja, a de que construir e des-construir implica profundamente numa re-construção simbólica de si mesmo, ainda que sem qualquer necessidade moral, exterior ao próprio processo de criação, mas profundamente ligada à sua necessidade espiritual de se relacionar com o mundo de forma simbólica. Tal movimento não pode ser visto mais como fim em si mesmo, pois ele é, ao mesmo tempo, fim e meio em si mesmo: fim porque não deseja ser Artigo 04 - Jeferson.pmd 119 reconhecido moralmente; meio porque, ao não desejar ser reconhecido, se apropria do mundo com a máxima liberdade e gratuidade, para melhor se reconhecer simbolicamente nele. O jogo é o jogar a vida como possibilidade de acontecimento. Sua tensão Dioníso-Apolo-Hermes talvez jamais será resolvida ou controlada totalmente. Seu controle absoluto significa a morte do jogo. Se Dioniso é o deus do movimento, das paixões, Apolo é o mediador, o equilibrado, e Hermes o místico, o mensageiro dos deuses. Daí acreditar que quem joga aciona ao mesmo tempo a pilhéria, a disputa e a fé. E, se falamos um pouco sobre a tensão entre DionisoApolo, faz-se mister introduzir neste jogo tenso a figura um pouco esquecida de Hermes de Trismesgisto, sob o signo do acaso, com a intenção de ampliar a tensão, formando uma tríade indissociável: Dioniso-Apolo-Hermes. Se Hermes é o mensageiro dos deuses aquele que conhece o segredo dos três mundos - céu, inferno e terra -, significa dizer que não há nada que aconteça que não se torne inteligível a Hermes. Assim, podemos dizer que no mundo de Hermes não há lugar para o acaso. Mas será que no mundo dos simples mortais o acaso não nos ronda como um fantasma que ora nos atormenta e ora nos felicita, fazendo com que recorramos aos deuses para nos salvar do imprevisível? O acaso no jogo Em entrevista a Emile Noel [4], o lingüista Jean Claude Milner nos diz que a palavra hasard em francês dependendo do contexto, tanto pode significa azar quanto acaso (que, etimologicamente, é uma palavra de origem árabe que significa jogo de dados). Diferente da palavra arbitrário, porque em alguma medida sugere alguém que arbitre alguma coisa, mesmo que seja um legislador fictício. Esta primeira demarcação entre acaso e arbitrário torna-se fundamental na medida em que algumas importantes áreas do conhecimento (como, por exemplo, psicanálise, artes plásticas, artes sonoras, literatura, biologia molecular, paleontologia, genética das populações, física estatística, matemática), quando solicitadas a discutir sobre a existência ou não do acaso, o que é e o que representa em cada uma dessas áreas, não conseguem ir além de algumas observações bem genéricas: O acaso não existe; É uma maneira de falar de probabilidade; Não é uma palavra adaptada, prefiro usar contingência etc. De uma forma atenuada ou não, alguns representantes das áreas supracitadas procuram negar a existência do acaso. Entretanto, a mecânica quântica é uma das 09/07/04, 15:34 ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) poucas áreas do conhecimento que afirma enfaticamente a presença e a necessidade do acaso. Jean Marc Levy Leblond [4] nos diz que é possível ver funcionar na teoria quântica uma espécie de acaso fundamental destituído de qualquer espécie de mecanismo subjacente a ele. Ocorre que, com o desenvolvimento da física atômica, abriu-se uma nova possibilidade de olhar diferenciadamente os mesmos objetos que se via sob a perspectiva macroscópica. Ou seja, observou-se que não era mais suficiente identificar a localização de um objeto e saber sua velocidade para poder dizer aonde se iria encontrá-lo ulteriormente, já que é impossível, nessa nova realidade, dizer com precisão onde o objeto se encontra e qual a sua velocidade exata. Entretanto, ao se evocar a noção de acaso pode-se dizer que o objeto que partiu de um ponto aproximado de A tem probabilidade de se encontrar neste ou naquele local. Ou seja, o interesse maior agora não é mais saber o local preciso onde se encontrará, por exemplo, um elétron, mas sim, de encontrá-lo neste ou naquele lugar. A dificuldade na teoria quântica de se precisar o local do objeto, bem como sua velocidade, quiçá seu ponto de chegada, está ligada ao fato de que o objeto nunca fica, mas sempre está em algum ponto. Assim, cada vez que se tenta definir uma dessas grandezas, por exemplo, a velocidade do elétron, perde-se com isso a precisão de sua posição, e, assim reciprocamente. Ao passo que na física clássica, para se saber qual o estado de um elétron, basta saber sua posição e velocidade. Ou seja, para a física clássica a posição de um elétron é real, possível de ser apreendida. Já na física quântica a posição real de um objeto não existe, pois ele permanentemente se movimenta. Logo, como seria possível dizer onde é que se encontra um objeto, sem cair em arbitrariedades, se ele vibra de um lado a outro? Não significa, no entanto, dizer que na teoria quântica o acaso intervém sempre e em toda parte, pois não se trata uma teoria totalmente entregue ao aleatório. Até porque, segundo Leblond [4], o reinado do aleatório não é destituído de leis, pois há leis que governam o acaso, cabe apenas descobri-las. Dito de outra maneira, ainda que a teoria quântica reconheça e trabalhe com o acaso, ao que nos parece a idéia é sempre a de que no mundo da ciência e da vida como um todo o acaso não existe. Pois no fundo há sempre uma causa ou um conjunto de causas que o determinam, ainda que isto se apresente obscuro para nós. O fato é que é extremamente difícil conceber a realidade, seja a da ciência seja a da existência cotidiana, sem estar passível de ser descoberta para que possa ser controlada. Artigo 04 - Jeferson.pmd 120 A necessidade imperiosa do controle da realidade abafa a idéia do conhecimento como descoberta, e da vida como possibilidade de acontecimento. Mas se há um esforço enorme para negar o acaso, é porque em alguma medida seu contrário, a certeza, o controle da realidade, se tornaram condições necessárias e exigências da própria vida contemporânea. Em relação a este aspecto, o que nos interessa apenas é discutir e reforçar a tese de que o homem busca na crença um refúgio para não enfrentar a vida como mistério. No campo da Filosofia, podemos dizer que essa crença não é somente de ordem mística, mas também de ordem racional. Ou seja: na contemporaneidade, a salvação do homem moderno face ao inusitado, ao incontrolável, ao real acontecido, é a razão. Assim, entre a razão e o acaso impõe-se a verdade como elemento de mediação, ou melhor dizendo, de negação do próprio movimento do acaso. Se seguirmos o raciocínio de Bornheim [5], poderemos perceber que o acaso, na contemporaneidade, é o diabo que tem de ser extirpado a todo custo. Hoje, o sentido daquilo a que nos referimos acima com o nome de verdade nada mais é que o resultado de uma adequação. Ou seja, a verdade hoje é aquilo que se adequa com a formulação de uma idéia de um determinado indivíduo face à realidade de um dado objeto. Assim, quando há coincidência entre a idéia e a funcionalidade do objeto, tem-se a verdade sobre o objeto. A cadeira é um objeto que serve para os corpos se acomodarem sentados; portanto, a cadeira é real, isto é, encerra uma verdade enquanto cumpridora dessa função, da mesma forma que a bola é um objeto utilizado no jogo. Entretanto, essa forma simplória de conceber a realidade nunca foi tratada a partir de uma lógica dicotômica entre sujeito e objeto, onde, a partir da onipotência da razão, formuladora da idéia pelo sujeito, a verdade das coisas seria concebida como evidente, natural, pois óbvia por demais. A dicotomia sujeito (aquele que formula a idéia) e objeto (aquele que possui uma materialidade) é uma construção social metafísica para conceber a realidade das coisas no mundo, que, diga-se de passagem, não garante de fato qualquer autonomia, seja do sujeito, seja do objeto. Pois se o ato de pensar se apresenta como ponto de partida seguro do sujeito para manipular o objeto, decompondo-o e recompondoo através de critérios pré-estabelecidos na direção do desvelamento da natureza do objeto, isto significa dizer que o meio, o método, passa a ganhar estatuto de fundamental importância para o domínio, o controle da realidade. 09/07/04, 15:34 ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) Na medida em que há um sujeito que cria a idéia do objeto e sofistica essa criação e a separação entre um e outro, o meio, o caminho seguro passa a ser a formulação mais importante para se chegar ao conhecimento da verdade. Nesse sentido, a permanência ainda em nossos tempos de uma visão dicotômica de mundo, e, conseqüentemente, do conhecimento, permite cada vez mais a consolidação e a legitimação do método, do caminho seguro, ou o mais seguro possível, como traço determinante da produção do conhecimento sobre o mundo. Posto isto, a verdade da realidade é sempre alguma coisa que pode ser conseguida através do caminhar através de caminhos seguros. Com isso, elimina-se (ou acredita-se eliminar) o acaso enquanto elemento desviante, desestruturador da ordem previamente estabelecida. O método se instaura como a forma mais forte de negação do acaso, do inusitado, do imprevisível; o inesperado é a própria materialização do equívoco metodológico, sua fraqueza. Portanto, a palavra de ordem da contemporaneidade é sistematizar, racionalizar ao máximo as ações dos indivíduos e instituições para se adquirir cada vez mais controle, domínio sobre a realidade contra as desmedidas do imprevisível, do acaso, do destino acidental. Tal sistematização percebemo-la cotidianamente, basta olharmos com um pouco mais de cuidado a organização de um banco, de um shopping, de uma fábrica, de um supermercado. Cada vez mais, esforçase (principalmente com o auxílio do computador) para fazer com que o sistema se realize com a mais perfeita eficiência, isto é, com velocidade e sem margem de erro, de imprevistos. Neste sentido, estou tentado a crer que a sociedade contemporânea ocidental e a globalidade do capitalismo são realidades incontestes, necessitando aperfeiçoar-se cada vez mais com modelos sistêmicos de organização social. Contando com a legitimação dos sujeitos sociais que, diante de uma realidade inesperada, imprevisível ou assistemática, pedem e denunciam a falta de sistematicidade racional como meio de assegurar-lhes mais tranqüilidade e domínio sobre o real, o imprevisível, o acaso, é afastado (a duras penas, é claro) da vida enquanto elemento da realidade. Entretanto, o pensamento hegemônico de que a vida é um sistema um bem articulado e seguro não significa imediatamente que seja capaz de atender e satisfazer à realidade humana em sua totalidade. Ao contrário, o que podemos perceber no cotidiano é justamente o crescimento da procura pelo uso de drogas, os diversos comportamentos compulsivos, os medos e as crenças desmedidas face aos discos Artigo 04 - Jeferson.pmd 121 voadores, a depressão, o estresse, psicoses e neuroses das mais diversas, a crescente diversidade de esportes ditos radicais (que remetem o indivíduo a dialogar permanentemente com a morte) que, guardadas as devidas proporções, podem também ser incluídos como elementos de negação à concepção de uma vida fundada no estrito controle racional. Comunicação e velocidade Da mesma forma, a sociedade do espetáculo ou da comunicação necessita aperfeiçoar sempre mais a comunicação entre os indivíduos e entre indivíduos e mundo planetário, e com isso aliena a relação espaço-temporal, fundando a realidade virtual. A ordem é a velocidade, a mudança cada vez mais rápida das verdades e da forma como os indivíduos interagem com estas. Mas, paradoxalmente, se a sociedade do espetáculo cria o sujeito que velozmente se comunica (e aí podemos ver o aspecto positivo da aproximação dos humanos, da infinita possibilidade de relação entre eles), no interior do mesmo movimento cria-se o sujeito cada vez mais informado e, ao mesmo tempo, solitário. Confinado a uma tela, a um conjunto de fios e de sistemas, o indivíduo social se atomiza solitariamente em um mundo virtual de coisas e sentidos apreendidos principalmente pela visão, que o transpassa passível e docilmente, enredando-o numa trama imaginária de aparências, onde o real transforma-se em simulacro e a verdade torna-se sedução. Cria-se o sujeito comunicativo e, ao mesmo tempo, o sujeito calado, silencioso: o espectador por excelência. Segundo Bornheim, o planeta passou a ser esse enorme objeto, atravessado de racionalidade e sempre mais submisso ao controle humano. E então parece que, em conseqüência da vitória do racionalismo, o acaso simplesmente desaparece, e já nem se percebe em que lugar ele poderia ser acomodado [5]. Entretanto, podemos perceber, por exemplo, no cerne dos espetáculos esportivos, das grandes competições e torneios, uma luta meio que neurótica (permitam-me a profundidade psicológica do termo) para conjugar a todo custo o previsível com o imprevisível. Um espetáculo esportivo obedece a diversas formas de racionalidade, o tempo de duração, local determinado, comportamento previsto para os árbitros, os meios de comunicação, os repórteres, os textos produzidos com uma lógica do resultado a partir da situação das equipes no torneio, seus ídolos, o condicionamento físico da equipe, a temperatura ambiente, altitude, condições do local de jogo... 09/07/04, 15:34 ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) Contudo, a vida do jogo, ao estruturar-se profundamente no acaso, no imprevisível acaba frustrando a racionalidade previsível que tropeça em ardis produzidos pelo próprio acaso e que, eufemisticamente assumem as seguintes imagens: Zebra; Impossível; Um lapso; Inexplicável; Deu branco no time; Amarelou... Mas, no fundo, são imagens que, contraditoriamente, são capazes de tornar o jogo uma realidade menos enfadonha do que a realidade e suscitar o mais uma vez. Ou seja, é o élan misterioso do jogo que garante a sua qualidade de evocador do desejo humano enquanto lugar da liberdade da criação, re-criação... aventura. Longe de qualquer relação determinística com ele. Pois, se não for assim, torna-se exercício, realidade enfadonha tal qual a própria realidade racionalmente exacerbada. Da mesma forma, Sartre acredita na intuição enquanto fonte originária do acaso, pois existir para ele é estar aí, na vida. Com isto, ele vê na criatividade humana enquanto inventora da realidade, ou melhor, dos sentidos que projetam o homem no mundo; distante de qualquer comportamento necessário e condicionante do homem, antecipando a própria ação realizadora do homem. Isto é, Sartre acredita na vida enquanto possibilidade de acontecimento; enquanto mistério que aos poucos vai se descortinando, e não se desvelando, no processo de construção do próprio caminhar, no seguir em frente. No campo específico do jogo ou das teorias que são apropriadas para discutir, pensar e operacionalizar o jogo e os múltiplos sentidos que o enredam, estou convencido de que o acaso é um componente fundamental para se compreender melhor o jogo e o jogado. O acaso é uma realidade no jogo, quer se apresente sobre a forma mais pura (através dos jogos ditos de azar) ou das demais categorias de jogos onde o acaso se apresenta em níveis diferenciados de apropriação. O fato é que o acaso no jogo não é uma questão de gênero, mas de nível. Ou seja, em todo jogo o acaso é aquilo que permite a diferenciação clássica entre o preestabelecido e a aventura; a certeza e a incerteza; a razão e o imprevisível; o enfadonho do motivante. Portanto, torna-se fundamental discutir o acaso enquanto componente inerente ao jogo, sem perder de vista a totalidade da realidade, na qual encontra-se também inserido e representado. Pois, na medida em que o jogo se apresenta com relativa autonomia da realidade, ela é vista como uma espécie de abertura mágica; ele relativiza o próprio sentido do acaso e de tantos outros elementos que aparecem na esfera do jogo, o que não significa que tais elementos não estejam Artigo 04 - Jeferson.pmd 122 também atrelados a uma compreensão mais ampla, isto é, que os sentidos construídos na esfera do jogo nada têm a ver com a realidade, ao contrário, pois o que há é uma tensão entre os sentidos produzidos na esfera do jogo da vida e na esfera dos jogos de lazer. Se há uma espécie de combate travado entre o jogo institucional, ou esporte, e o jogo com predominância lúdica, este embate se dá no sentido de minimizar o acaso, e não de sofisticação ou não das regras. É claro que a maior racionalização do jogo - com seus códigos e as expectativas destes derivadas - dá-se aparentemente pela necessidade de aprimoramento para melhor enfrentar o adversário na esfera competitiva. E aí as regras tornam-se mais rígidas, porque necessárias na busca de sua legitimação e na formação de uma identidade do próprio jogo e do jogado. Entretanto, não são as regras que tornam os jogos mais ou menos estimulantes, envolventes ou competitivos, mas sim a força, a presença do acaso enquanto elemento fundamental no jogo. Os jogos ditos de azar, ou mesmo aqueles jogados sem outro compromisso que não a pilhéria, o gracejo, a zombaria, são fundamentados a partir da predominância do acaso. Daí sua natureza absoluta de motivar ou não-motivar, de ganhar ou perder, de sucesso ou insucesso. Dificilmente há meio termo quando o jogo vive sob o predomínio do acaso. Pois Dioniso, como vimos, é o deus do movimento, da metamorfose; ele muda muito rapidamente de humor e de lugar, pois não se contenta com meiaemoção, meia-festa, meio-envolvimento: Ou se vive intensamente o jogo ou não se vive. Jogo e esporte no Brasil No Brasil, no campo da educação física, antes da década de 80, muito pouco ou nada se discutia sobre o caráter do jogo enquanto fenômeno humano e simbólico. O jogo já era uma realidade dada, pronta, acabada, principalmente em suas regras que o circunscreviam a uma dada classificação e incorporação no quadro da ação pedagógica. Era um tema muito óbvio para ser objeto de preocupação, principalmente por parte dos professores de educação física. Quando muito, sua relevância e justificativa se dava sempre como acessório a outros conteúdos, a outras atividades dentro e fora da sala de aula, como, por exemplo, o seu papel catártico, que até hoje impera como uma das justificativas, legitimadas no âmbito escolar para sua incorporação nos programas pedagógicos nas escolas de 1a à 8a séries. Por outro lado, os termos jogo e esporte sempre se confundiram. E como o esporte, em função de 09/07/04, 15:34 ! ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) sua racionalização, está mais afinado com a sociedade moderna, não foi à toa que sobressaiu em demasia em relação ao jogo, que não é institucionalizado. Não quero dizer que a sociedade conspirativamente criou o esporte moderno e o utilize como meio de divulgação de propaganda capitalista ou socialista. Esta seria uma interpretação muito ingênua e funcionalista de teorias críticas, como, por exemplo, o marxismo. Mas também não podemos dizer que o esporte, na sua formação e estruturação, advindas da luta entre formações espontâneas de indivíduos (que tendenciosamente aderiam emocionalmente à prática do jogo) e a sociedade (que via nele uma importante forma de controle social e de adequação), esteja isenta do interesse de interferir na realidade concreta do jogo, através da racionalização exacerbada, pode cooptálo à luz da lógica estrutural da sociedade moderna. Essa questão é sociologicamente tão óbvia, que para nós basta ilustrar os milhões envolvidos nos Jogos Olímpicos e toda a sua espetacularização em relação à evidência de marcas, valores, crenças, costumes que são acionados pela sociedade do consumo. E, de um modo não tão menor, porém com outro formato, os milhões que envolvem os grandes torneios e campeonatos a nível nacional ou regional, explorados por empresas privadas das mais diversas ordens, onde o fim último é o retorno financeiro, o lucro. Daí cada vez mais apostar e exacerbar a racionalidade das ações do jogo em si, e do próprio movimento do jogado ( táticas, técnicas), com o intuito de superar o outro para a própria sobrevivência enquanto profissão, espetáculo e fonte de lucro. Ou seja, o élan de glória, da competição pelo prazer de representar uma comunidade, uma nação, ou o espírito aventureiro de se colocar frente a frente com o desconhecido subsume-se em signos de distinção social: lucro, status social, interesse privado. Nesse contexto, então, é impossível falar sobre o acaso, ou melhor, pensar o acaso como realidade, ainda que ele esteja presente, um pouco adormecido. O acaso é a própria desgraça da ordem. É o avesso da sistematização necessária para a estruturação de uma equipe espetacular. Ele é a própria desordem. De qualquer maneira, o acaso desempenha papel fundamental, porque mesmo sendo adormecido a Artigo 04 - Jeferson.pmd 123 pauladas pela racionalidade sistêmica e endêmica da modernidade, ainda assim é quando ele acorda momentaneamente que é possível ver o jogo jogado com toda a sua força, pois destituído de certezas e de precondições que necessariamente remetem a uma dada direção. Mas se há um predomínio visível dos jogos intitucionalizados em relação aos nãoinstitucionalizados, por conta de uma cooptação da própria organização social a uma realidade extremamente significativa para o homem, face a consolidação e o enraizamento da modernidade enquanto estilo de vida, isto não significa dizer que o jogo (movimento com predomínio do lúdico) seja a antítese do esporte (predomínio do agonismo). Pois se assim o concebêssemos estaríamos dissociando Apolo-Dioniso-Hermes. Nesse sentido, o que há é uma tensão permanente entre o jogo institucionalizado, quando ganha a forma de não-institucionalizado, nem que seja por alguns instantes quando emerge o lúdico, e seu contrário, que também é verdadeiro: o jogo nãoinstitucionalizado ganhando forma de disputa, de performance, ainda que momentaneamente. O jogo, tomado genericamente enquanto fenômeno humano e social que perpassa os esportes, inscreve-se no seu tempo, pois a predominância ou tendência para o lúdico (brincadeiras, lazer), para o agonismo (competições, grandes cerimoniais) ou para o misticismo (jogos de azar) dialetiza com a sociedade enquanto produto construído socialmente, ainda que não explicado de todo pela própria sociedade. Referências 1. 2. 3. 4. 5. Nietzsche FW. A origem da tragédia. 2.ed. Lisboa: Guimarães Editores, 1972 Brandão JS. Mitologia grega. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1992. Detienne M. Dioniso a céu aberto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. Noel E. O acaso hoje. Rio de Janeiro: Gryphu, 1993. Novaes A. (Org). Rede imaginária: Televisão e democracia. In: Bornheim G. Racionalidade e acaso. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. ♦ 09/07/04, 15:34 " ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) ATUALIZAÇÃO A experiência do risco no alpinismo Risk in climbing Ana Luísa Pereira, M.Sc.* *Docente de sociologia do desporto na Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto Resumo Os alpinistas encontram-se em situação de risco quando partem numa expedição cujo objetivo seja o de realizar uma atividade em elevada altitude ou uma atividade classificada com elevado grau de dificuldade. O presente trabalho pretendeu analisar o modo como os alpinistas percebem os riscos inerentes à sua prática através das suas experiências subjetivas e assim saber se os alpinistas tomam riscos de um modo consciente. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com 20 alpinistas de alta montanha, em que a sua análise, através da técnica de análise de conteúdo, explorou a forma como a percepção do risco se constitui como um elemento fundamental no alpinismo. Através das categorias criadas foi possível reconhecer que o risco é percebido por todos os alpinistas como sendo inerente à sua atividade e que, por conseguinte, eles estão perfeitamente cientes relativamente à sua existência e com o qual se têm que confrontar. A análise do discurso sugere uma mudança na tomada de risco ao longo da vida, a qual é promovida não só pela experiência adquirida, mas também pelas alterações decorrentes do ciclo de vida. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras-chave: alpinismo, percepção de risco. Abstract When climbers move out on a high-altitude expedition or other vertical mountain experience, it is almost certain that they are already in a risk situation. This paper is related to the way climbers perceive the climbing inherent risks through their subjective experiences and tries to find out if climbers are consciously risk takers. Our data were collected through twenty in-depth interviews conducted with climbers, and an analysis explores how perception of risk is constructed as a fundamental element in climbing. Thus, it seems to be very clear among all climbers of our study that risk is inherent to this activity, therefore they are perfectly aware of this real existence and they all perceive risk as a fact which they have to deal and confront. The discourse analysis suggests a differentiation throughout life concerning risk-taking among climbers, which is provided not only with their different risk perception acquired by experience, but also with changes regarding the different stages of life. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key words: climbing, risk perception, risk taking, Artigo recebido em 20 de maio de 2004; aceito em 15 de junho de 2004. Endereço para correspondência: Ana Luísa Pereira, Gabinete de Sociologia do Desporto, Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física, Universidade do Porto, Rua Dr. Plácido Costa 91, 4200-450 Porto, Portugal, E-mail: [email protected] Artigo 01 - Ana.pmd 124 09/07/04, 15:34 # ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) Introdução O alpinista permanece, dentro do nosso imaginário, como uma das figuras de aventureiro da nossa sociedade, pois os caminhos que tem que percorrer nas suas conquistas são recheados de emboscadas e obstáculos naturais [1]. De fato, os alpinistas encontram-se em situação de risco quando partem numa expedição cujo objetivo seja o de realizar uma atividade em elevada altitude ou uma atividade classificada com elevado grau de dificuldade. Muito freqüentemente, o alpinismo é percebido como um jogo que coloca em evidência um lugar de existência entre o prazer e a vertigem [2], sendo, talvez, esta a razão pela qual é apontada como uma das atividades físicas que maior risco envolve [3]. Quando o objetivo é conquistar os cumes mais altos ou mais difíceis, como por exemplo o do Everest ou as Torres del Paine, as condições aí encontradas, mesmo após aclimatação, são tão adversas, devido às condições de hipóxia, às reduzidas temperaturas e aos incidentes imponderados, que mesmo os alpinistas aclimatados e mais experientes podem chegar aos limites de sobrevivência [4]. Por ser uma atividade de lazer que encerra em si um elevado risco durante a sua prática, o alpinismo, corresponde ao que Stranger [5] considera ser uma das características emergentes do lazer na sociedade contemporânea. Neste sentido, vem ao encontro daquilo que Giddens [6] estabelece como sendo uma tendência decorrente da própria sociedade atual, uma sociedade de incerteza com uma cultura de risco, sendo este um conceito que o mesmo autor considera de fundamental para o modo como a sociedade se organiza. A adoção ativa de certos tipos de risco é, de acordo com Giddens [6], uma parte importante do clima de risco. O mesmo autor refere ainda que certos aspectos ou tipos de risco, nos quais incluímos os riscos subjacentes à prática do alpinismo, podem ser valorizados em si mesmos. Material e Métodos Este trabalho explora a concepção de risco dos alpinistas e a sua necessidade pelo mesmo, considerando se a atividade se desenvolve, ou não, no desejo de risco como auto-expressão e como forma de tornar as suas vidas distintas, sob a perspectiva do conceito de distinção [7]. O conceito de risco será limitado ao modo como é percebido individualmente e enquanto tomado de modo voluntário, dado que é um elemento constitutivo da Artigo 01 - Ana.pmd 125 escalada e do alpinismo [8]. O objetivo deste estudo é compreender o modo como os alpinistas percebem os riscos inerentes à sua prática através das suas experiências subjetivas e perceber se os alpinistas tomam o risco conscientemente e porquê. Foram efetuadas entrevistas semi-estruturadas [9] com 20 alpinistas, 15 portugueses e 5 espanhóis residentes na Província da Catalunha, com idades compreendidas entre os 25 e os 43 anos. Dos entrevistados, 5 estiveram no Everest e apenas um não esteve acima dos 4000m. As entrevistas, depois de escutadas e transcritas integralmente, foram sujeitas à técnica de análise de conteúdo [10,11], emergindo para a discussão as seguintes categorias relacionadas com o risco, estabelecidas a posteriori [11]: concepção de risco; percepção e controle do risco; risco como desafio; prazer pelo risco e integridade física e risco. Resultados e discussão Num cenário que pode ser extremamente hostil, tal como o que envolve a prática do alpinismo, existem pelo menos três ordens de fatores que conferem risco à atividade, designadamente, os fatores inerentes ao meio, as características das atividades e o próprio sujeito, enquanto elemento ativo [12]. Os alpinistas deste estudo referem-se aos fatores inerentes ao meio como sendo riscos objetivos, i.e., aqueles riscos que são incontroláveis, tais como os desprendimentos de pedras que podem estar sempre a acontecer, ou a falta de oxigênio, a diferente pressão atmosférica e o frio. Os riscos relacionados com o indivíduo, enquanto elemento ativo, são compreendidos como subjetivos, uma vez que há uma série de conceitos e conhecimentos que a pessoa tem, são os chamados perigos subjetivos, face à análise desse conjunto de fatores, decidimos!. Percepção do risco No alpinismo existe uma percepção do risco, porque este é real. Praticar alpinismo é como um jogo com a própria vida [2]. Como bem expressa um alpinista, no alpinismo perder pode-se escrever com maiúsculas!. Existe uma concordância generalizada entre os alpinistas quanto ao fato de que esta é uma atividade de risco, com risco real, demonstrando uma perfeita consciência quanto à concreta existência do mesmo, já que a partir do momento em que calço os crampons, eu sei que vou encontrar risco. Para além disso, consideram que o risco está inerente, sendo muitas vezes vivido como positivo, 09/07/04, 15:34 $ ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) quase como um tempero para melhor apreciar a atividade [13]. Na realidade, seria inconcebível viver uma aventura sem o estímulo do risco, na medida em que representa o triunfo face aos outros [14]. É de aceitar que os alpinistas percebam o risco como algo fundamental na sua vida, dado que no seu quotidiano não podem viver situações tão excitantes. Assim sendo, pensamos que a procura de risco pode ser explicada através do conceito de excitação discutido por Elias e Dunning [15]. Quando nos detemos perante mudanças sociais e culturais da sociedade contemporânea, verificamos que o lazer é cada vez mais compreendido como uma forma de auto-realização e autodesenvolvimento. O alpinismo configura-se, igualmente, como uma atividade que representa uma tentativa para alcançar uma certa liberdade das forças externas compulsivas do ambiente físico e cultural de cada um [16]. Fato que é corroborado por Williams e Donnelly [8] ao sugerirem que através do alpinismo as pessoas parecem motivadas para procurar lugares nos quais possam escapar das circunstâncias sufocantes produzidas na sociedade, procurando, então, ambientes naturais como a montanha. Controlo do risco Lyng [17] propõe o conceito de edgework para classificar o risco tomado de forma voluntária, estabelecendo como categorias, as qualidades individuais e as capacidades relevantes para a experiência de edgework. Acima de tudo são características de natureza cognitiva, uma forma especial de controlo mental. Similarmente, os participantes deste estudo enfatizam a questão do controlo mental, considerando a disciplina fundamental para conseguirem atingir os seus objetivos. Em altitude, o alpinismo é 80% psicológico e 20% físico. ( ) A disciplina, muita disciplina... há que manter uma passada, não pára, mesmo que a propensão seja parar para descansar...; Se a mente falha... o corpo pode estar em forma, mas a força vai-se! Múltiplas situações limites controlam-se com a cabeça!. Quando o alpinista menciona que está sempre a superar-se a si próprio, revela um desejo por situações que envolvam mais esforço na sua performance. Não apenas controlando o risco, mas também ultrapassando todos os obstáculos, o que lhe proporciona algumas sensações, nomeadamente, uma sensação muito forte de adrenalina). Existe, igualmente, uma tendência para seguir pela via mais complexa, até porque se eu já faço um 8 B com Artigo 01 - Ana.pmd 126 corda, agora quero é experimentar um 8 A sem corda. Contudo esta emoção ou o prazer subjacente nem sempre se revela explicitamente como sendo uma procura de algo mais arriscado por parte dos alpinistas, na medida em que estes consideram apenas que é o desafio da superação... por acaso nunca pensei em termos de risco. Para além disso, embora possam procurar ativamente por situações de risco, não parecem fazê-lo pelo «gozo» dos resultantes sentimentos de receio, procuram, sim, controlar essa sensação [18]. O que de fato parecem apreciar é a exaltação que se segue ao controle de uma situação, à partida incontrolável [19]. Assim sendo, a maior satisfação ou sentimento de competência resulta do fato de se ser capaz de controlar o, aparentemente, incontrolável. O risco como desafio e prazer Em determinadas atividades como o alpinismo, o cenário invoca situações de risco que não são evitadas e que podem providenciar uma situação na qual a fatalidade é quase criada ativamente [6]. Como «confessa» um alpinista: ... se não houvesse risco, ou pelo menos um bocadinho de risco.... São vários os autores [8,2] que afirmam que os praticantes não fariam esta atividade se não houvesse risco. De fato, Elias e Dunning [15] referem-se ao risco como sendo essencial para inúmeras atividades de lazer, constituindose, para além disso e freqüentemente, como parte do prazer. Porém, mesmo que o risco seja percebido como necessário, não significa que se queira a sua materialização [2], significa, sim, um desejo de ultrapassar o que quer que possa suceder. Esta relação entre o perigo e a superação de dificuldades, promove sensações de prazer (idem). Conseqüentemente, poderá dizer-se que o risco assumido voluntariamente está estreitamente relacionado com o risco assumido como prazer [20], caso contrário, se o risco fosse sentido como perigo e não como desafio, a atitude mais comum seria a de o evitar. O fato de se aceitar o risco nesta atividade pode estar relacionado com o significado pessoal e com a necessidade de risco subjetivo [12], uma vez que vivemos numa sociedade onde se procura tornar tudo cada vez mais seguro [14]. Contrariamente às sociedades tradicionais, onde o risco era compreendido como algo a evitar, é possível observar que na sociedade contemporânea ocidental começa a emergir um novo conceito de aventura, cujo significado está relacionado com a superação de situações arriscadas, sendo que o risco é percebido como um fim em si mesmo [14]. A vivência de 09/07/04, 15:34 % ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) aventuras plenas de risco, permite, segundo Le Breton [14], confirmar a existência, uma vez que se desafia a morte e se tem a oportunidade de certificar a vida. Neste sentido, pode desvelar-se uma razão ontológica para a prática do alpinismo, dado que através da mesma, os alpinistas sentem que realmente estão vivos. Também é possível entrever que os alpinistas percebem a sua atividade como forma de tornar a sua vida distinta quando afirmam que quando estou na montanha corto com o quotidiano e quando isso acontece é como viver uma aventura. É algo que expande o nosso livro pessoal e temos oportunidade de ser os autores da nossa vida, ou, chegar lá cima, a um sítio que seja o mais inacessível para todos, aonde só poucos chegam.... De acordo com Bourdieu [21], quando percebidas através de categorias sociais, as diferenças entre as atividades convertem-se em posições simbólicas, i.e., em sinais distintos. Assim sendo, escolhendo o alpinismo como prática diferente e diferenciadora, os alpinistas diferenciam a sua vida, tornando-a distinta. Logo, a prática desta atividade pode ser compreendida como uma forma de tornar a vida distinta, demonstrando gostos diferentes dos demais. Risco e ciclo de vida São os mais jovens que assumem um prazer aliado às situações de alto risco, sugerindo mesmo que quanto mais arriscada for uma atividade que se realize com sucesso, maior é o prazer. São, pois, os mais novos que revelam ser importante viver como que um flirt com o perigo [22]. Os alpinistas deste estudo reconhecem a sua atitude face ao risco, estando conscientes quanto à sua falta de experiência na sua juventude, a qual poderia ter gerado interpretações errôneas com conseqüências, eventualmente, graves, pois quando se é mais jovem, fazem-se imprudências... Com 18 anos, sem nunca ter feito um curso de escalada, fazia vias que não sabia que grau eram. Parece haver uma tendência para se ser aventureiro quando se é jovem [23], até porque este é um período de descoberta, sendo, portanto, entre os mais novos que encontramos mais comportamentos de risco [14]. Porém, há mudanças ao longo da vida, porque, entretanto, com os anos tornamo-nos mais tranqüilos . Adicionalmente, aqueles alpinistas que já são pais (p/ exp.) evitam situações de risco, dado que tudo mudou. Compreendi que existe alguém muito frágil que precisa de mim. Risco integridade física Embora seja difícil precisar estatisticamente o número de mortes no alpinismo, nas expedições ao Artigo 01 - Ana.pmd 127 Everest, um em cada oito indivíduos morre [24] e por cada quatro pessoas que atinjam com sucesso o cume do Everest, morre uma [25]. São dados que demonstram o risco real deste tipo de atividade. É provável, até, que não haja nenhum alpinista «himalaiano» que não tenha perdido um amigo num acidente de montanha [24]. Quase todos os alpinistas que estiveram no Everest têm «histórias» para contar: Era uma expedição internacional, éramos quatro catalães e dois suíços, os dois suíços morreram!. Porém esta não é uma razão para que deixem de continuar a fazer expedições aos Himalaias, pelo contrário, a morte de companheiros de expedição parece ser uma justificativa para continuar a investida, dado que a melhor homenagem que poderíamos fazer a duas pessoas como aquelas, que haviam perdido a vida por algo que não era tangível, era subir ao cume por elas!. Seria de esperar que este tipo de acontecimentos modificasse, ou pelo menos influenciasse as futuras expedições [26], no entanto, verifica-se uma contínua participação em determinadas atividades que possam tornar-se ainda mais perigosas, particularmente, para aqueles que já sofreram congelamentos. É como se os alpinistas não se lembrassem dos momentos penosos pelos quais passaram, o que, de certa forma, explica o fato de voltarem para mais aventura [25]. Embora os alpinistas mencionem algumas dificuldades e desconforto inerentes à sua atividade, tal como outros participantes em atividades caracterizadas pela existência de risco [18], a maioria das narrativas realçam antes as boas experiências, porque é mais forte a atração que me oferece a montanha, do que estar no sofá com o comando à distância (...) temos que buscar o nosso espírito de liberdade. Mais do que isso, por vezes parecem não estar conscientes da sua real fraqueza, caso contrário não afirmariam que um congelado, dificilmente se irá congelar duas vezes!, apesar da maior susceptibilidade a congelamentos mais severos nas expedições posteriores [27]. Conclusão Sem dúvida que o alpinismo ocorre num ambiente de risco do qual todos os alpinistas deste estudo têm perfeita consciência, sendo que freqüentemente é vivido como um fim em si mesmo, dado que pode suscitar sensações agradáveis. Para além disso, o controle do risco parece conferir uma sensação de poder sobre as circunstâncias e, conseqüentemente, uma sensação de controle sobre a própria vida. 09/07/04, 15:34 & ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) A prática desta atividade pode ser considerada como uma forma de tornar a vida distinta através da vivência de situações diferenciadas do quotidiano e díspares relativamente aos outros. Adicionalmente, a possibilidade de confronto real com a morte ou acidente afigura-se como uma forma simbólica de dar significado à existência. Não obstante, é de salientar que as sensações de prazer aliadas ao risco parecem modificar-se ao longo da vida, não apenas pela experiência adquirida e pelo desejo de outras sensações, como também pelas responsabilidades advindas da fase do ciclo de vida, nomeadamente, tornar-se pai. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. Referências 1. De Léséleuc E. Lescalade contemporaine: goût du risque ou passion de la... lecture? Agora Debats Jeunesse, v.11, p.65-72, 1998. 2. De Léséleuc E. Le plaisir du vide. Approche psychanalytique des relations aux vertiges chez les gripeurs et les alpinistes. Corps et Culture, v.2, p.31-44, 1997. 3. Natalier K. Motorcyclists interpretations of risk and hazard. Journal of Sociology, v. 37, n. 1, p. 65-80, 2001. 4. Hornbein T. The cost of high-poxia. Journal of Wilderness Medicine, v.3, p. 234-236, 1996. 5. Stranger M . The aesthetics of risk. Int. Rev. Soc. Sport, v.34, n.3, p.265-276, 1999. 6. Giddens A. Modernidade e identidade pessoal. Oeiras: Celta, 1994. 7. Bourdieu P. Le sens pratique. Paris: Les éditions de minuit, 1980. 8. Williams T, Donnelly P. Subcultural production, reproduction and transforming climbing. Int. Rev. Soc. Sport, v. 20, n.1-2 p. 3-17, 1985. 9. Ghiglione R, Matalon B. O inquérito. Teoria e prática. Oeiras: Celta, 1993. 10. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. 11. Vala J. A análise de conteúdo. In: J. 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High Altitude Medicine and Physiology. New York: Oxford University Press, 2000. ♦ . Artigo 01 - Ana.pmd 128 09/07/04, 15:34 ' ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) Resumos Oehlert K et al., Sportverletz Sportschaden 2004; 18(2):80-4 Lesões no handebal Introdução: O objetivo deste estudo foi mostrar, através de um vídeotape, as lesões ocorridas num time de handebol europeu. Métodos: Um vídeotape contendo 59 lesões durante um torneio olímpico de handebol foram analisadas por dois observadores (cientista do esporte, cirurgião ortopedista). Foram avaliados os seguintes parâmetros: região corporal, posição no campo, contato/não-contato, ataque/defesa, jogadores de campo/goleiro. Resultados: O maior número de lesões foram localizadas na cabeça (N = 20), nos membros inferiores (N = 15), tórax e abdômen (N = 9) e membros superiores (N = 9). Quanto às posições, as maiores lesões foram no meio campo (N = 20), seguidas da posição esquerda (N = 13) e posição direita (N = 9). O maior número de jogadores com lesões eram atacantes (84%), e na maioria dos casos os jogadores de campo eram atacados (97%). 86% das lesões foram causadas por contato. Conclusão: A cabeça tem um alto risco e predominantemente por contato. As lesões de contato poderiam ser reduzidas pelos árbitros. As lesões que não são ocasionadas por contato deveriam ser evitadas através de treinamentos coordenados e especializados. Kuster M., Sportverletz Sportschaden 2004; 18 (2):80-4 Efeitos do esporte e da mídia na força da musculatura do tronco, postura e flexibilidade da coluna vertebral em adolescentes de 12 a 14 anos Introdução: Dores na coluna e postura incorreta são cada vez mais comuns em crianças e adolescentes. Falta de movimento, exercícios físicos insuficientes e longas horas de TV e PC são conhecidos como fatores de risco para dores crônicas na coluna na fase adulta. Métodos: Num estudo seccional cruzado, foi avaliada a força da musculatura do tronco, postura e flexibilidade da coluna vertebral de 200 crianças em idade escolar que não praticavam exercícios (117 meninas, 83 meninos). As variáveis independentes foram conseguidas através de um questionário padronizado: idade, altura, peso, gênero, horas semanais gastas com TV/PC e esportes. Variáveis dependentes: parâmetro da coluna vertebral, exame realizado com o Sistema Zebris CMS e IPN Back Check. Resultados: O tempo gasto diante do PC e TV teve efeitos negativos no parâmetro da coluna vertebral, enquanto que esportes foram positivos. Conclusão: As crianças necessitam, no mínimo, 30 minutos diários de movimento por razões preventivas e de saúde. Hreljac A, Med Sci Sports Exerc., 36(5):845-9, 2004 Impacto e lesões por sobrecarga em corredores A corrida é uma das atividades durante a qual as lesões originadas por sobrecarga ocorrem com mais freqüência na extremidade inferior. O objetivo deste artigo é fazer um estudo de revisão relacionado às lesões Resumos.pmd 129 09/07/04, 15:34 ! ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) originadas por sobrecarga em corredores, com ênfase no efeito das forças de impacto. Pesquisas recentes sugerem que corredores que aplicam altas e rápidas forças de impacto quando estão correndo, têm alto risco de desenvolver lesões originadas por sobrecarga na extremidade inferior. Modificações nos programas de treinamento poderiam ajudar aos corredores com lesões a retornar a corrida num tempo de reabilitação reduzido, entretanto, seria melhor orientar ao corredor sobre o potencial da lesão antes de participar de um programa de corrida. Um dos objetivos de futuras pesquisas deveria concentrar-se na prevenção e intervenção precoce das lesões na corrida. Este objetivo poderá ser concluído se alguns testes facilmente administrados forem desenvolvidos e possam prognosticar o nível de risco que o corredor possa encontrar nos diversos níveis de intensidade de treino, duração e freqüência. O desenvolvimento desse processo de avaliação pode orientar o médico na identificação de corredores com alto risco de desenvolver lesões originadas por sobrecarga. José Irineu Gorla et al., www.eddeportes.com, junho 2004 Estudo da força muscular localizada em lesados de medula Nossa pesquisa teve como objetivo principal realizar testes de resistência muscular localizada de membros superiores, em duas amostras diferentes. Uma amostra era composta por pessoas paraplégicas, com 05 a 17 anos de lesão em media; outra amostra era composta por pessoas sem qualquer tipo de adaptação motora, ou seja, pessoas ditas normais. Os resultados foram obtidos a partir de testes de rosca de biceps, supino horizontal, extensão de tríceps, e da dinamometria. Testes que foram escolhidos em função da possibilidade igual de realização em ambas amostras. Os resultados demonstraram que em todos os testes realizados a amostra de paraplégicos obteve resultado superior que os ditos normais. O fato da utilização de cadeiras mecânicas pode ter sido o fator que determinou este resultado, tendo em vista que todos os avaliados são praticantes de atividades físicas e não atletas. O objetivo da pesquisa foi alcançado, confirmando que a resistência muscular localizada de paraplégicos ativos é superior a resistência muscular localizada de pessoas dita normais e ativas Can F., Acta Orthop Traumatol Turc 2004; 38 suppl. 1:151-62 Reabilitação e retorno de crianças aos esportes Há uma crescente incidência de lesões entre crianças e adolescentes devido a um aumento na participação de atividades esportivas. Lesões originadas por sobrecarga, são vistas com freqüência nesta faixa etária devido às características do esqueleto imaturo, mudanças nas estruturas do músculo do esqueleto relacionadas com o crescimento, e perfil específico das lesões. O tratamento consiste na determinação dos fatores predispostos, restauração biomecânica normal, alívio da dor e inflamação, e implementação de uma reabilitação ativa. Além disso, deve possibilitar aos pacientes o retorno às atividades da vida diária, com o conhecimento da possibilidade de reincidência. Um programa de reabilitação, envolvendo estágios (agudo, subagudo e último) e o retorno ao esporte, deveriam ser planejados para melhorar a performance das habilidades motoras e específicas do esporte. Resumos.pmd 130 09/07/04, 15:34 ! ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) Kollipara S et al., School Nurse News 2004;21(3):12-6, maio de 2004 Diógenes Alves, www: fisiculturismo.com.br, setembro de 2002 Resumos.pmd 131 Diabetes e atividade física na escola Atividade física e exercício são componentes críticos no manejo do diabetes. Todos podem se beneficiar com exercícios regulares mas cada vez é mais importante para os estudantes com diabetes. Além disso, para manter a saúde cardiovascular e controlar o peso, atividade física pode ajudar a reduzir os níveis de glicose no sangue e aumentar a sensibilidade à insulina. Com a incidência quase epidêmica da obesidade infantil e diabetes tipo 2 na juventude, atividade física deveria fazer parte da vida diária das escolas para todas as crianças. Estudantes com diabetes deveriam participar intensamente nas aulas de educação física e times esportivos. Para manter os níveis de glicose no sangue dentro das médias estabelecidas durante os exercícios, devem ser feitos ajustamentos na insulina e consumo alimentar dos estudantes com diabetes tipo 1. Para prevenção da hipoglicemia, também se necessita checar, freqüentemente, os níveis de glicose no sangue enquanto estiverem engajados na atividade física. Instrutores de educação física e orientadores do esporte devem estar prontos para reconhecer e ajudar no tratamento da hipoglicemia. Uma fonte de ação rápida de glicose e um medidor de glicose deveriam sempre estar disponível, junto com água. Um plano estudantil de tratamento médico do diabetes, plano de cuidado de enfermagem ou qualquer outro plano deveria incluir instruções específicas. O risco do uso de suplementos alimentares Todo dia, milhões de pessoas, tanto atletas como não atletas, procuram suplementos alimentares, na busca de produtos para melhorar sua performance e sua estética, mesmo havendo divergências científicas a respeito da melhora da performance e o prometido resultado de alguns produtos. Ainda falta a garantia dos efeitos pelos laboratórios e uma regulamentação específica sobre os produtos, surgindo dúvidas sobre sua eficácia, e o mais importante, não se garante a inexistência de efeitos colaterais adversos à saúde. Os suplementos que estão na lista popular entre os de maior risco a saúde e que tiveram sua comercialização proibida pela portaria da vigilância sanitária em nosso país, são os compostos com efedrina. A efedrina possui a mesma estrutura química das anfetaminas e seus efeitos são similares: aumento dos batimentos cardíacos, pressão arterial, tremores e nervosismo. O uso de efedrina objetiva principalmente a diminuição da gordura corporal através do aumento da taxa metabólica e diminuição do apetite. Entretanto, seu uso para este fim só é concebível em pequenas doses para pessoas obesas, e não da forma como é comumente utilizada por freqüentadores de academia. Mesmo assim, os resultados para os obesos não permanecem, sendo revertidos com a interrupção da droga. Outro suplemento de risco é a androstediona. Este pró-hormônio esteróide é convertido em testosterona e, pelas informações dos laboratórios, esta aumentaria a massa muscular e a força, mas estes efeitos não foram confirmados em estudos. Entretanto, os homens que usam androstediona apresentam queda dos níveis de HDLcolesterol, e aumento nos níveis séricos de estrógeno, causando evidências de conseqüências adversas ao sistema circulatório com o uso prolongado, ou com altas doses desta suplementação. Outro produto que traz risco a saúde é a Yoshimbine, que teria o poder de aumentar a produção de 09/07/04, 15:34 ! ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) testosterona sérica, e com este fato, aumentar a massa muscular, perda da gordura corporal e de ter poder afrodisíacos, entretanto, nenhuns destes efeitos foram confirmados. Foram reportados efeitos colaterais, desde dores de cabeça, enxaqueca e nervosismo até a efeitos graves, como: aumento da pressão arterial, elevação dos batimentos cardíacos, palpitações cardíacas e alucinações. Existem também os suplementos que são utilizados para uma melhor qualidade de vida ou desempenho físico (comprovados cientificamente), entretanto o uso inadequado pode levar a problemas de saúde grave. Um exemplo clássico é sobre os complementos minerais e vitaminas, em que dietas pobres podem levar a deficiência e grandes doses podem ser altamente tóxicas. Um exemplo clássico é a falta de ferro em que sua deficiência pode levar a perda da performance nos trabalhos de endurance. Porém, megadoses criam desequilíbrios em outros minerais, sobretudo na absorção do cobre, e seu uso prolongado pode gerar problemas cardiovasculares. Outros suplementos que apresentam resultados científicos, porém sua má administração e uso abusivo a longo prazo podem gerar efeitos colaterais perigosos á saúde, são: a creatina e a suplementação de proteínas. Diversos estudos relataram alguns sintomas gastro intestinais como náuseas vômitos e/ou diarréias com o uso de creatina. A suplementação de creatina não deveria ser uma prática comum entre as pessoas que tem alguma propensão a desenvolver doenças renais e aquelas que já possuem algum tipo de disfunção renal. Apesar dos riscos da desidratação ainda não serem comprovados, grande parte dos laboratórios de creatina aconselha uma maior ingestão de água, numa tentativa de redução das possibilidades do usuário desidratar-se. De acordo com as evidências encontradas na maioria das pesquisas, a suplementação de creatina parece ser uma prática clinicamente segura, quando usada em doses descritas na literatura. A suplementação protéica é uma prática comum entre praticantes de musculação, e, de fato, o treinamento de força resulta em uma necessidade diária maior de proteínas. Entretanto seu uso abusivo, por exemplo, 2,4 g por quilograma de peso por dia já é capaz de induzir a queima do excesso de aminoácidos, em que níveis elevados de cetose, acidez e amônia podem levar, a longo prazo, a sobrecarga renal, desidratação e problemas cardiovasculares. Enfim, um controle maior das autoridades em saúde para o controle na produção e comercialização destes produtos se faz necessário, como também uma melhor conscientização da comunidade sobre o assunto e um controle maior por parte de agentes de saúde (sejam eles nutricionistas, médicos ou professores de musculação) no esclarecimento e no uso adequado destes produtos que devem ser utilizados apenas por recomendação de um nutricionista. R Braham et al., Br J Sports Med 2003;37:45-9 O efeito do suplemento de glucosamina em pessoas sofrendo regularmente de dores no joelho Objetivo : O objetivo deste estudo foi examinar os efeitos do suplemento oral de glucosamina na habilidade funcional e no grau de dor experimentada por indivíduos que têm dores no joelho regularmente. A maioria, devido à perda precoce da cartilagem articular, e possivelmente osteoartrite. Métodos: Sujeitos receberam um suplemento de glucosamina (G) (n = 24) ou placebo (P) (lactose) (n = 22) durante 12 semanas com uma dose de 2000 mg por dia. Neste período, quatro sessões de testes foram conduzidas, com variação da dor no joelho e função avaliada por Resumos.pmd 132 09/07/04, 15:34 !! ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) testes clínicos e funcionais, dois questionários (Escore do resultado de lesão no joelho e osteoartrite KOOS) e (Escala de dor no joelho KPS) e avaliação subjetiva dos participantes. Resultados: O escore do teste funcional e clínico melhorou com o tempo (efeitos principais: p < 0,05, p < 0,01) mas, não houve diferenças significantes entre os dois grupos. Os resultados do questionário registraram um efeito significativo por tempo (p < 0,05), mas o grupo glucosamina teve uma melhoria significativa nos escores de qualidade de vida na 8ª. semana e 12 (p < 0,05), e escores KPS mais baixos (p < 0,05) do que o grupo placebo. Nas auto-avaliações das mudanças através do período de 12 semanas de suplemento, 88% (n = 21) do grupo glucosamina relatou um certo grau de melhora nas dores de joelho vs. apenas 17% (n = 3) do grupo placebo. Conclusões: Os resultados sugerem que, suplementação com glucosamina pode proporcionar um certo grau de alívio e melhoria em pessoas que experimentam dores regulares no joelho, que podem ser originadas por uma perda precoce da cartilagem lesionada e/ou osteoartrite. As tendências nos resultados também sugerem que, com uma dosagem de 2000 mg por dia, grandes melhorias estão presentes depois da 8ª. semana. Resumos.pmd 133 09/07/04, 15:34 !" ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) Normas de publicação ação & movimento A revista ação & movimento é uma publicação com periodicidade bimestral e está aberta para a publicação e divulgação de artigos científicos das áreas relacionadas à Educação Física. Os artigos publicados na ação & movimento poderão também ser publicados na versão eletrônica da revista (Internet) assim como em outros meios eletrônicos (CD-ROM) ou outros que surjam no futuro, sendo que pela publicação na revista os autores já aceitem estas condições. A revista ação & movimento assume o estilo ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Os autores que desejarem colaborar em alguma das seções da revista podem enviar sua contribuição (em arquivo eletrônico/ e-mail) para nossa redação, sendo que fica entendido que isto não implica na aceitação do mesmo, o que será notificado ao autor. O Comitê Editorial poderá devolver, sugerir trocas ou retorno de acordo com a circunstância, realizar modificações nos textos recebidos; neste último caso não se alterará o conteúdo científico, limitando-se unicamente ao estilo literário. 1. Editorial Trabalhos escritos por sugestão do Comitê Científico, ou por um de seus membros. Extensão: Não devem ultrapassar três páginas formato A4 em corpo (tamanho) 12 com a fonte Times New Roman com todas as formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobrescrito, etc; a bibliografia não deve conter mais que dez referências. 2. Artigos originais São trabalhos resultantes de pesquisa científica apresentando dados originais de descobertas com relação a aspectos experimentais ou observacionais, e inclui análise descritiva e/ou inferências de dados próprios. Sua estrutura é a convencional que traz os seguintes itens: Introdução, Métodos, Resultados, Discussão e Conclusão. Texto: Recomendamos que não seja superior a 12 páginas, formato A4, fonte English Times (Times Roman) tamanho 12, com todas as formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobre-escrito, etc. O total de caracteres não deve ultrapassar 25.000/30.000 caracteres, inclusos espaçamentos. Tabelas: No máximo seis tabelas, no formato Excel/Word. Figuras: No máximo 8 figuras, digitalizadas (formato .tif ou .gif) ou que possam ser editados em Power-Point, Excel, etc. Bibliografia: É aconselhável no máximo 50 ref. bibliográficas. Os critérios que valorizarão a aceitação dos trabalhos serão o de rigor metodológico científico, novidade, interesse profissional, concisão da exposição, assim como a qualidade literária do texto. 3. Revisão São trabalhos que versem sobre alguma das áreas relacionadas à Educação Física, que têm por objeto resumir, analisar, avaliar ou sintetizar trabalhos de investigação já publicados em revistas científicas. Quanto aos limites do trabalho, aconselha-se o mesmo dos artigos originais. 4. Atualização São trabalhos que relatam informações geralmente atuais sobre tema de interesse dos profissionais de Educação Física (novas técnicas, normas-publicacao.pmd 134 legislação, por exemplo) e que têm características distintas de um artigo de revisão. 5. Relato de caso São artigos que representan dados descritivos de um ou mais casos explorando um método ou problema através de exemplo. Apresenta as características do indivíduo estudado, com indicação de sexo, idade. 6. Comunicação breve Esta seção permitirá a publicação de artigos curtos, com maior rapidez. Isto facilita que os autores apresentem observações, resultados iniciais de estudos em curso, e inclusive realizar comentários a trabalhos já editados na revista, com condições de argumentação mais extensa que na seção de cartas do leitor. Texto: Recomendamos que não seja superior a três páginas, formato A4, fonte Times New Roman, tamanho 12, com todas as formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobre-escrito, etc. Tabelas e figuras: No máximo quatro tabelas em Excel e figuras digitalizadas (formato .tif ou .gif) ou que possam ser editados em Power Point, Excel, etc Bibliografia: São aconselháveis no máximo 15 referências bibliográficas. 5. Resumos Nesta seção serão publicados resumos de trabalhos e artigos inéditos ou já publicados em outras revistas, ao cargo do Comitê Científico, inclusive traduções de trabalhos de outros idiomas. 6. Correspondência Esta seção publicará correspondência recebida, sem que necessariamente haja relação com artigos publicados, porém relacionados à linha editorial da revista. Caso estejam relacionados a artigos anteriormente publicados, será enviada ao autor do artigo ou trabalho antes de se publicar a carta. Texto: Com no máximo duas páginas A4, com as especificações anteriores, bibliografia incluída, sem tabelas ou figuras. Preparação do original 1. Normas gerais 1.1 Os artigos enviados deverão estar digitados em processador de texto (Word), em página de formato A4, formatado da seguinte maneira: fonte Times New Roman, tamanho 12, com todas as formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobrescrito, etc. 1.2 Numere as tabelas em romano, com as legendas para cada tabela junto à mesma. 1.3 Numere as figuras em arábico, e envie de acordo com as especificações anteriores. 09/07/04, 15:34 !# ação & movimento - maio/junho 2004;1(2) As imagens devem estar em tons de cinza, jamais coloridas, e com qualidade ótima (qualidade gráfica 300 dpi). Fotos e desenhos devem estar digitalizados e nos formatos .tif ou .gif. 1.4 As seções dos artigos originais são estas: resumo, introdução, material e métodos, resultados, discussão, conclusão e bibliografia. O autor deve ser o responsável pela tradução do resumo para o inglês e também das palavras-chave (key-words). O envio deve ser efetuado em arquivo, por meio de disquete, zipdrive, CD-ROM ou e-mail. Para os artigos enviados por correio em mídia magnética (disquetes, etc) anexar uma cópia impressa e identificar com etiqueta no disquete ou CD-ROM o nome do artigo, data e autor, incluir informação dos arquivos, tais como o processador de texto utilizado e outros programas e sistemas. 2. Página de apresentação A primeira página do artigo apresentará as seguintes informações: - Título em português e inglês. - Nome completo dos autores, com a qualificação curricular e títulos acadêmicos. - Local de trabalho dos autores. - Autor que se responsabiliza pela correspondência, com o respectivo endereço, telefone e E-mail. - Título abreviado do artigo, com não mais de 40 toques, para paginação. - As fontes de contribuição ao artigo, tais como equipe, aparelhos, etc. 3. Autoria Todas as pessoas consignadas como autores devem ter participado do trabalho o suficiente para assumir a responsabilidade pública do seu conteúdo. O crédito como autor se baseará unicamente nas contribuições essenciais que são: a) a concepção e desenvolvimento, a análise e interpretação dos dados; b) a redação do artigo ou a revisão crítica de uma parte importante de seu conteúdo intelectual; c) a aprovação definitiva da versão que será publicada. Deverão ser cumpridas simultaneamente as condições a), b) e c). A participação exclusivamente na obtenção de recursos ou na coleta de dados não justifica a participação como autor. A supervisão geral do grupo de pesquisa também não é suficiente. 4. Resumo e palavras-chave (Abstract, Key-words) Na segunda página deverá conter um resumo (com no máximo 150 palavras para resumos não estruturados e 200 palavras para os estruturados), seguido da versão em inglês. O conteúdo do resumo deve conter as seguintes informações: - Objetivos do estudo. - Procedimentos básicos empregados (amostragem, metodologia, análise). normas-publicacao.pmd 135 - Descobertas principais do estudo (dados concretos e estatísticos). - Conclusão do estudo, destacando os aspectos de maior novidade. Em seguida os autores deverão indicar quatro palavras-chave para facilitar a indexação do artigo. 5. Agradecimentos Os agradecimentos de pessoas, colaboradores, auxílio financeiro e material, incluindo auxílio governamental devem ser inseridos no final do artigo, antes das referências, em uma secção especial. 6. Referências As referências bibliográficas devem seguir o estilo ABNT . As referências bibliográficas devem ser numeradas por numerais arábicos entre parênteses e relacionadas em ordem na qual aparecem no texto, seguindo as seguintes normas: Livros - Número de ordem, sobrenome do autor, letras iniciais de seu nome, ponto, título do capítulo, ponto, In: autor do livro (se diferente do capítulo), ponto, título do livro, ponto, local da edição, dois pontos, editora, vírgula, ano da impressão, ponto, páginas inicial e final, ponto. Exemplos: Livro: May M. The facial nerve. New-York:Thieme, 1986. Capítulo ou parte de livro: Phillips SJ. Hypertension and Stroke. In: Laragh JH, editor. Hypertension: pathophysiology, diagnosis and management. 2nd ed. New-York: Raven press, 1995. p.465-78. Artigos Número de ordem, sobrenome do(s) autor(es), letras iniciais de seus nomes (sem pontos nem espaço), ponto. Título do trabalho, ponto. Título da revista ano de publicação seguido de vírgula, número do volume, número do fascículo, páginas inicial e final, data e ponto. Não utilizar maiúsculas ou itálicos. Devem ser citados todos os autores até 6 autores. Quando mais de 6, colocar a abreviação latina et al. Exemplo: Almeida C, Monteiro M. Descrição de duas novas espécies (Homoptera). Revista Brasileira de Zoologia, Curitiba, v.9, n.1/2, p.5562, mar./jun.1992. Os artigos, cartas e resumos devem ser enviados para: Jean-Louis Peytavin Atlantica Editora Rua da Lapa, 180/1103 - Lapa 20021-180 Rio de Janeiro RJ Tel: (21) 2221 4164 E-mail: [email protected] 09/07/04, 15:34 Calendário de eventos SOGAPE - Sociedade Gaúcha de Psicologia do Esporte Informação: (51) 3315-7036 [email protected] 2004 JULHO AGOSTO 16 a 18 de julho ENAF Belo Horizonte Movimento Assessoria de Eventos Ltda. Informação: (35) 3222-2344 [email protected] 21 a 24 de Julho Congresso Brasileiro de Esporte e Cidadania Rio de Janeiro - RJ Informações: (21) 3974-2035 [email protected] http://www.congrex.com.br/ esportecidadania 22 a 24 de Julho II Encontro Brasileiro de Fisiologia do Exercício Sociedade Brasileira de Fisiologia do Exercício Hotel Glória - RJ Informações: www.sbfex.com.br/ 23 a 25 de Julho I Seminário Internacional de Psicologia do Esporte e do Exercício Qualificando profissionais na prática Vida Centro de Estudos eventos.pmd 136 7 de Agosto a 12 de Setembro I Regional de Voleibol Masculino Incentivo à Prática no Litoral Norte do RS Secretaria Municipal de Cultura, desporto e turismo Capão da Canoa - RS Informação: (051)6252112 www.pmcc.com.br 19 a 21 de Agosto 25 de Setembro a 1 de Outubro X Congresso de Ciências do Desporto e de E. F. dos Países de Língua Portuguesa Os desafios da renovação Universidade do Porto Informação: [email protected] OUTUBRO 8 a 12 de outubro 37º. ENAF Poços Movimento Assessoria de Eventos Ltda. Informação: (35) 3222-2344 [email protected] 9 a 12 de Outubro de 2004 I Fórum Catarinense de Ciências do Esporte e Saúde Fundação Municipal do Esporte de Florianópolis Florianópolis- SC Informação: (48) 248-0002 5ª Fitness Brasil Norte-Nordeste Atividade Física e Bem Estar Salvador Informação: (11) 5053-2699 [email protected] SETEMBRO NOVEMBRO 23 a 27 de Setembro III Conferencia Internacional de Educación Física Terapéutica y Especial La Rehabilitación en la Comunidad y la Atención a la Diversidad Habana, Cuba Informação: [email protected] 7 de Novembro de 2004 2ª Taça Piracicaba de Taekwondo por Equipes Taekwondo Associação Piracicaba de Taekwondo Piracicaba - SP Informação: (19) 3432-4003 [email protected] 09/07/04, 15:34 !% ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) educação física e desportos Índice Volume 1 número 3 - julho/agosto de 2004 EDITORIAL Necessária vitalidade da cultura esportiva, Luis Alberto Batista 139 ARTIGOS ORIGINAIS Os determinantes da aderência à atividade física no contexto escolar, Cristiano José Martins de Miranda 141 A luta da capoeira: reflexões acerca da sua origem, Paulo Coelho de Araújo, Ana Rosa Fachardo Jaqueira 148 Culturas populares na formação do profissional de educação física: sentidos e significados do carnaval, Maria José Alves da Silva Oliveira 157 RELATO DE CASO Programa Curitibativa perfil de saúde e aptidão física da população curitibana, Silvano Kruchelski, Rosemary Rauchbach 167 ATUALIZAÇÃO Nutrição do atleta e imunidade, Luana Caroline dos Santos, Natascha Toral, Márcia Daskal Hirschbruch, Isa de Pádua Cintra, Mauro Fisberg 175 Badminton: O esporte e suas qualidades, Rogério Farias de Melo 183 COMUNICAÇÃO BREVE Considerações a respeito da relação professor-aluno no contexto da reabilitação cardíaca, Jerusa Mônica de A. Souza 189 RESUMOS 192 NORMAS DE PUBLICAÇÃO 198 EVENTOS 200 !& ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) ISSN 1806-9436 educação física e desportos Editor Luiz Alberto Batista (UERJ) [email protected] Conselho editorial Adroaldo Cezar Araújo Gaya (UFRGS) Alberto Reinaldo Reppold Filho (UFRGS) Alex Itaboray (INUAF-Lole Portugal) Ana Maria Medeiros de Abreu Faro (Universidade de Coimbra Portugal) Antônio Carlos Stringhini Guimarães (UFRGS) Antonio Teixeira Marques (Universidade do Porto Portugal) Artur Manuel Romão Pereira (Universidade de Coimbra Portugal) Astrogildo Vianna (UERJ) Carlos Adelar Abaide Balbinotti (UFRGS) Fernanda Barroso Beltrão (UFRJ, UCB) Francisco Sobral (Universidade de Coimbra Portugal) Genni Togun (UERJ) Guilherme Locks Guimarães (UERJ) Guilherme Pacheco (UGF) Heron Beresford (UERJ, UCB) Jefferson Retondar (UERJ) João Ricardo Moderno (UERJ) Jorge Olimpio Bento (Universidade do Porto Portugal) José Manuel da Costa Soares (Universidade do Porto Portugal) José Silvio de Oliveira Barbosa (UERJ) Marco Antonio Guimarães da Silva (UFRRJ, UCB) Paulo Coelho de Araújo (Universidade de Coimbra Portugal) Paulo Farinati (UERJ) Ricardo Demétrio de Souza Petersen (UFRGS) Ricardo Vélez Rodrigues (UFMG) Vernon Furtado de Silva (UERJ, UCB) Rio de Janeiro Rua da Lapa, 180/1103 20021-180 Rio de Janeiro RJ Tel/Fax: (21) 2221-4164 / 2517-2749 e-mail: [email protected] www.atlanticaeditora.com.br São Paulo Praça Ramos Azevedo, 206/1910 01037-010 São Paulo SP Tel: (11) 3362-2097 Assinaturas 6 números ao ano + 1 CD-ROM R$ 144,00 Rio de Janeiro: (21) 2221-4164 Representante de Assinatura: A.Shalon (11) 3361-5595 Editor executivo Dr. Jean-Louis Peytavin [email protected] Publicidade e marketing René Caldeira Delpy Jr. [email protected] (21) 2221-4164 Colaboradora da redação Guillermina Arias [email protected] Editoração e arte Cristiana Ribas [email protected] Administração Bárbara de Assis Jorge [email protected] Atendimento ao assinante Ingrid Haig [email protected] Redação e administração (Todo o material a ser publicado deve ser enviado para o seguinte endereço) Jean-Louis Peytavin Rua da Lapa, 180/1103 20021-180 Rio de Janeiro RJ Tel/Fax: (21) 2221-4164 [email protected] Atlântica Editora edita as revistas Diabetes Clínica, Fisioterapia Brasil, Enfermagem Brasil, Nutrição Brasil e Neurociências. I.P. (Informação publicitária): As informações são de responsabilidade dos anunciantes. © ATMC - Atlântica Multimídia e Comunicações Ltda - Nenhuma parte dessa publicação pode ser reproduzida, arquivada ou distribuída por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia ou outro, sem a permissão escrita do proprietário do copyright, Atlântica Editora. O editor não assume qualquer responsabilidade por eventual prejuízo a pessoas ou propriedades ligado à confiabilidade dos produtos, métodos, instruções ou idéias expostos no material publicado. Apesar de todo o material publicitário estar em conformidade com os padrões de ética da saúde, sua inserção na revista não é uma garantia ou endosso da qualidade ou do valor do produto ou das asserções de seu fabricante. !' ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) Editorial Necessária vitalidade da cultura esportiva Luiz Alberto Batista Editor científico Doutor em Ciências do Desporto Coordenador de Pós-graduação do IEFD/ UERJ Coordenador do Laboratório de Biomecânica do IEFD/UERJ [email protected] No sentido antropológico do termo, Cultura consiste no conjunto de padrões de comportamento, crenças, conhecimentos, costumes, que distinguem um grupo social. Em seus ensaios sobre cultura Bronislaw Malinowski1 estabelece a interessante vinculação entre o conteúdo de uma cultura e as necessidades imanentes do grupo que a produziu e produz. O referido pensador propõe que as necessidades humanas constituem fator fundamental para a geração de conteúdo cultural. Se aceitarmos essa proposição como premissa verdadeira e admitirmos também que, no contexto atual, o sentido de necessidade pode ultrapassar o conteúdo daquilo que é básico para o ser humano garantir sua sobrevivência, visto que podemos criar a sensação de necessidade sem que ela seja categoricamente vital, vislumbraremos a dimensão da quantidade de conteúdo cultural possível de ser elaborado. Em que pese o fato de muito dele não estar diretamente e obrigatoriamente relacionado com as necessidades básicas daqueles que o criaram, ou mesmo daqueles que o consomem e consumirão. Essa perspectiva parece constituir um interessante ponto de partida, certamente não o único, no sentido de entendermos o porquê da necessária diversidade cultural do ser humano. O termo necessária diversidade se aplica, pois que os homens não são iguais em todo o espaço ou todo o tempo, suas necessidades diferem e, sendo assim, a elaboração cultural precisa ser por natureza, diversificada no tempo e no espaço. Assim compreendida, é admissível que a cultura total de uma sociedade possa, para efeito de estudo, ser decomposta em estruturas culturais menores, a partir de um grupo de referências que garantam a unidade funcional das sub-culturas delineadas, oriundas de necessidades tipicamente específicas. Desta forma admitimos a existência de um subconjunto cultural que tenha como referência elementos pertinentes ao universo do Esporte. Em outras palavras, servindo-nos das premissas propostas por Malinowski, uma cultura possuidora de um cerne formado pelas respostas culturais às necessidades relativas a tudo aquilo que o Esporte, como espaço de elaboração cultural, pode atender. Sem querer prolongar nessa discussão, visto que isso certamente ultrapassaria o espaço disponível de momento, assim como o atual estado da arte de minhas capacidades intelectuais acerca do tema, julgamos ser interessante considerar o fato de que, seguindo a linha de pensamento acima exposta, dentro da cultura esportiva que perpassa nossas vidas, " ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) existe um núcleo gerado por respostas que virão suprir às necessidades imanentes à nossa existência como seres biológicos, físicos, sociais, emocionais, etc... Em outras palavras, existe conteúdo da cultura esportiva que assume status de vital importância para o ser humano, muito embora, como já antecipamos, nem todo ele o é. Um outro ponto interessante, para além dessa evidente essencialidade, é que o conteúdo cultural é produto de criação, o que eleva o homem a uma condição de produto/produtor do mesmo e, em mais um ponto, a uma condição de agente ativo no processo que determina o rumo das questões implicadas também em sua qualidade de vida. A intima relação entre cultura esportiva e existência humana, no que tange ao conjunto total de seus seres e fazeres, encontra-se ricamente registrada na história da humanidade. Uma apropriação rica, relativamente recente e expressiva desse tipo de relação, pode ser obtida através da apreciação do papel da cultura esportiva na manutenção do regime soviético2. Muito embora os profissionais de Educação Física não sejam os únicos seres humanos produtores de cultura esportiva, é discutível inclusive que sejam os mais produtivos neste sentido, certamente eles podem interferir sensivelmente sobre a condição de saúde desta, em vários e diferentes aspectos, faça ele uso ou não desse legado. Quando não faz uso desse direito corre o sério risco de atuar por omissão. Isto não seria um problema se o conteúdo cultural fosse perene e a qualquer momento pudéssemos recuperá-lo e vitaliza-lo. No entanto ele não o é. A história da humanidade tem demonstrado que toda cultura é mortal 3 e, nos sabemos, tudo que não é cuidado tem morte precoce. Diante do exposto parece ser mister que cuidemos de nossa cultura esportiva, assumindo o papel que nos cabe, de fato e de direito. Precisamos cuidar da cultura esportiva, não exacerbando as ações extrativistas depredativas, impedindo que elas se sobreponham às interações harmônicas construtivas. Orientados por uma perspectiva ecológica, é fundamental que criemos estratégias de manejo sustentável para lidarmos com a cultura esportiva. Examinemos, pois, a cultura consumida, não importando sua fonte, no sentido de atribuir-lhe seu real valor no contexto de nossa sociedade. Divulguemos o conteúdo da cultura esportiva mundial, com o propósito de criar tradições, não pelo seu valor rigidez e sim pela preservação de uma memória histórica local e universal. Trabalhemos e valorizemos a cultura esportiva nativa no sentido de fortalecer o senso de origem e garantir seu espaço no acervo total. Partindo desse ideário cabe-nos, como veículo de conhecimento, contribuir com a divulgação, recenseamento, viabilizando um espaço de crítica sensata e construtiva da cultura esportiva como um todo, de maneira que fortalecendo-a estejamos, indiretamente, fortalecendo a nós mesmos e à nossa profissão. 1 MALINOWSKI, B. A Scientific Theory of Culture and other essays. New York: John Hawkins & Associates, 1976. 2 KUKUSHKIN, G. I. The System of Physical Education in the USSR. Moscow: Raduga Publishers, 1983. 3 JOKL, Ernst. Cultural Anthropology of Sport and Physical Education. Illinois: Charles C Thomas, 1964. " ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) ARTIGO ORIGINAL Os determinantes da aderência à atividade física no contexto escolar Determinants for physical activity in the school universe Cristiano José Martins de Miranda, M.Sc.* * Docente de Ciência do Desporto no Colégio Militar do Rio de Janeiro Resumo O estudo tratou do comportamento dos determinantes da aderência à atividade física, no caso específico do adolescente escolar, tendo como objetivo desvelar e examinar seu ponto de vista acerca da dinâmica estrutural da aderência à atividade física no contexto escolar. Tratou-se de um estudo de caso com abordagem qualitativa, tomando como caso específico a visão de trinta adolescentes, alunos de três instituições de ensino. A coleta de dados baseou-se em entrevista não estruturada focalizada, sendo as informações categorizadas, através de análise temática, em quatro categorias, a saber: prazer, utilidade, suporte e organização. A interpretação dos resultados aponta que, se o objetivo de levar o adolescente à aderência à atividade física for abraçado pelo sistema escolar atitudes deverão ser tomadas com o intuito de aumentar a organização para a prática de atividade física nas escolas, melhorar o suporte dado aos alunos para esta prática, conscientizar os adolescentes de sua utilidade e, impreterivelmente, tornála prazerosa. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras-chave: atividade física, aderência, adolescência, escola. Abstract This study is about the adherence determinants behavior, specifically of school teenagers.The aim of this study is to unveil and to inspect their point of view about the dynamic structure of the exercise adherence in the school universe. It was a case study with qualitative approach, having thirty actors, who were students of three schools. The data collected were based in an unstructured focused interview, whose information was categorized, through the thematic analysis, in four categories: pleasure, support, utility and organization. The outcomes showed that, if the aim to conduct teenagers to exercise adherence become important to the school system, some attitudes should be taken. An integral effort should be undertaken to enhance the school organization for exercise, to improve the support gave to students to become active, to notify the teenagers about exercise utilities and, imperatively, to make the school physical activity enjoyable. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key-words: physical activity, adherence, adolescence, school. Artigo recebido em 16 de agosto de 2004; aceito em 18 de agosto de 2004. Endereço para correspondência: Cristiano José Martins de Miranda, Rua Carvalho Alvim, 406/ 501, 20510-100, Rio de Janeiro, RJ, Tel: 21-25710535, E-mail: [email protected] " ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) Introdução Vários benefícios resultantes da prática regular de atividade física são apontados pela literatura científica [1]. No entanto os níveis de aderência das pessoas à prática são inferiores àqueles desejados pelos profissionais de saúde pública [2], o que contribui com a instalação e progressão de um número acentuado de doenças hipocinéticas, que na população adulta brasileira se apresenta como uma das principais causas de óbito [3]. Esse fato se torna ainda mais alarmante, uma vez que o sedentarismo se apresenta de maneira crescente na infância e na adolescência [4]. Desta forma, estabelecer estratégias para despertar no indivíduo o gosto pela atividade física, o mais cedo possível torna-se necessário e em nossa opinião, a escola, por suas características, é uma instituição que pode contribuir, efetivamente, para a formação de indivíduos praticantes regulares de atividade física. No entanto apesar de vários estudos sobre os determinantes da atividade física terem sido realizados, estando disponível na literatura uma longa lista destes, pouco se sabe a respeito da dinâmica destes determinantes na infância, na adolescência e, principalmente, no que diz respeito à atividade física na escola. Acreditamos que o esclarecimento acerca de como se processa a dinâmica da aderência à atividade física na escola traria a tona informações a serem utilizadas no embasamento adequado para o planejamento e futura execução de estratégias visando o aumento da aderência ao estilo de vida ativo por parte de adolescentes participantes do sistema formal de ensino. Em face desses elementos, o problema tratado por estudo consiste no fato de não conhecermos, com precisão científica, os determinantes da aderência à atividade física na adolescência, o que limita a capacidade de elaboração e realização de estratégias voltadas a sua efetiva implantação e sedimentação. Partindo dessa questão de base, nosso objetivo foi desvelar e examinar o ponto de vista de alunos adolescentes acerca da dinâmica estrutural da aderência à atividade física no contexto escolar. Material e métodos Muito embora o estudo sobre aderência a atividade física não seja exatamente uma novidade, a especificidade de nosso enfoque fez com que a investigação se localizasse, no ponto de vista da maturidade científica, em uma fase equivalente à História Natural de uma ciência [5]. Por isso, entendemos a necessidade de desenvolver um trabalho que valorizasse a descrição de contexto. Seguiu-se, então, para a investigação, a perspectiva do estudo de caso [6], através de uma abordagem do tipo fenomenológica, tomando como caso específico o dos adolescentes, alunos de três instituições de ensino. Dado o nosso interesse de enfoque, buscamos examinar o objeto de estudo em seu ambiente natural, isto é, no contexto escolar, através dos significados que os adolescentes dão as coisas e fatos presentes na escola em relação à aderência à atividade física. Da primeira fase deste estudo, fase exploratória, eclodiram três questões críticas, a saber: 1. De que maneira o contexto escolar influencia a aderência à atividade física por adolescentes? 2. Quais são os determinantes da aderência à atividade física presentes no contexto escolar? 3. Os determinantes clássicos da aderência à atividade física são os mesmos presentes no contexto escolar? Nesta fase, delimitamos nosso objeto, escolhemos as escolas com as quais trabalhamos, realizamos o levantamento do referencial teórico para embasar nosso estudo e depois de havermos definido as categorias de estudo, estabelecemos um contato com o discurso dos sujeitos, de forma que pudéssemos desvelar os indicadores de presença das categorias nos mesmos. Seguindo a estratégia prevista para uma abordagem do tipo qualitativa, a exploração do discurso teve lugar até o momento em que percebemos um esgotamento significativo dos possíveis indicadores. Na segunda fase deste estudo, depois de identificados os elementos-chave e os contornos aproximados do problema, retomamos a coleta sistemática de informações, utilizando a entrevista não estruturada focalizada. Os atores foram 30 adolescentes de idade variando entre 13 e 18 anos (média = 15,07 anos), sendo 10 moças (33,3 %) e 20 rapazes (66,6 %) alunos de três escolas da rede municipal, rede particular e rede federal de ensino, cursando da 7.ª série do ensino fundamental ao 3.º ano do ensino médio. As entrevistas foram gravadas em fita cassete, com a permissão dos entrevistados, sendo-lhes garantido o sigilo e o anonimato através da utilização de nomes fictícios. O cenário foi composto pela quadra de esportes da escola municipal, a quadra do colégio particular, a arquibancada do ginásio esportivo e a sala de judô do colégio federal. Na terceira fase desse estudo, os dados foram analisados por meio do método de análise de conteúdo categorial [7]. "! ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) Iniciamos a análise, através da transcrição das fitas cassetes contendo as entrevistas realizadas e para a subseqüente análise dos dados, resolvemos considerar como unidade de registro o tema e como unidade de contexto o trecho da entrevista que mostra a presença do tema. Na fase de exploração do material dividimos as entrevistas em unidades de contexto, de acordo com os temas encontrados. Foram encontrados 21 temas, a saber: adequação das atividades, atividades extra-classe, bem-estar, busca de objetivos, condições físicas do colégio, disponibilidade material e espacial, estímulo, habilidade motora, informação de progresso, opção de escolha, organização do tempo, organização, prazer, proibições e regras, quantidade de material, quantidade de aula, suporte do professor, suporte dos colegas, suporte dos outros funcionários, valor da profissão, valorização da atividade. As 21 unidades de código temáticas encontradas foram reagrupadas em 4 categorias, a saber: prazer, utilidade, suporte e organização. Assim, sempre que nas unidades de registro percebíamos a presença do sentimento de prazer na atividade física, realizada no contexto escolar, associávamos isso à categoria prazer. Sendo assim, o indicador da categoria prazer foi a presença deste tema nas unidades de contexto selecionadas. Destarte, as unidades de contexto que tratavam do gosto pela atividade física, do bem-estar proveniente desta prática, da alegria, do divertimento, da satisfação, do contentamento de desejos, da felicidade, do conforto, entre outros e de sentimentos antagônicos a estes foram colocadas nesta categoria, pois esses eram indicadores de prazer. A idéia de suporte, apresentada neste estudo, está ligada às atitudes tomadas no contexto escolar pelo sistema escolar, pelos professores, pelos funcionários e/ ou pelos colegas do adolescente com o intuito de estimular, incentivar, orientar, sustentar, encorajar, manter, apoiar, proteger, amparar, auxiliar, suportar sua pratica de atividade física, sendo esses temas os indicadores desta categoria. A categoria utilidade se refere à percepção do adolescente de conseqüências positivas advindas da prática de atividade física. Seus indicadores são a presença de temas referentes a finalidades, benefícios, resultados, conseqüências, objetivos, utilidade e/ ou necessidade de prática de atividade física nas unidades de contexto selecionadas. Nesse estudo, organização foi considerada o conjunto de condições da escola e as estratégias utilizadas para a prática de atividades físicas, isto é, os meios que a escola possui e os mecanismos utilizados por ela para dar condições de prática de atividades físicas aos adolescentes. Os indicadores da categoria organização foram a presença de temas referentes aos meios que a escola possui ou não, tais como espaço físico e material didático esportivo, e aos mecanismos utilizados pela escola para dar condições de prática de atividade física aos adolescentes, como a organização da grade horária, a oferta de atividades e material, e as normas da escola em relação a esta prática. Conforme poderá ser notado, esses determinantes não se apresentam de maneira isolada. Muitas vezes, eles operam como determinantes recíprocos, usando o conceito desenvolvido por Bandura [8]. Nesse caso, o formato de um é, em grande parte das situações, responsável pela forma de apresentação do outro. Por isso, quanto maior a presença de cada um deles no contexto escolar, maior será sua associação reproduzível ou relação preditiva com a aderência à atividade física na adolescência. Ao final deste estudo buscamos, através da interpretação dos dados estabelecer uma relação entre nossos achados e o processo de aderência à atividade física do adolescente no contexto escolar. Resultados e discussões Analisando as falas dos adolescentes entrevistados chegamos a quatro categorias, como já mencionamos anteriormente, que se constituem nos determinantes da aderência à atividade física presentes no contexto escolar, a saber: o prazer, a utilidade, o suporte e a organização. O prazer, que segundo Ferreira Neto [9], é uma satisfação vivida e experimentada como agradável, completa e feliz, que deve ser vivenciada em aulas de educação física no ensino fundamental é um determinante clássico da aderência à atividade física. A esse respeito, Dishman & Sallis [10] apresentaram o prazer no exercício com evidência de associação positiva com a atividade física em revisão de literatura de trabalhos realizados até 1988. E, segundo Wenger & Hellerstein [11], o divertimento e a alegria são fatores positivos que afetam a aderência a um programa de condicionamento físico. Os dados provenientes das falas dos adolescentes a respeito da relação do prazer com a aderência à atividade física revelam o prazer como determinante da aderência à atividade física: Olho, eu faço mais atividade física porque eu gosto (Waldyr). O prazer torna a obrigatoriedade desnecessária: eu gosto de esporte, se tiver que fazer ou não, obrigado ou não, eu faço (Félix). "" ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) Além disso, as falas dos adolescentes mostram que o prazer supera a necessidade de finalidade utilitária da atividade física, supera barreiras, se apresenta nas aulas de educação física, dependendo, no entanto do tipo de atividade física proposta. Assim como o prazer o suporte também é um determinante da aderência à atividade física presente na literatura. King [12] apresenta o suporte social como uma das variáveis que influencia mais freqüentemente a adoção e a manutenção da prática de atividade física. Franklin, Bryant, Peterson [13] apontam a falta de suporte de pessoas importantes, os exercícios realizados sem companhia, a falta de feedback positivo e a liderança pobre como fatores determinantes da não aderência à atividade física. Os dados deste estudo apontam a escola como incentivadora da aderência à atividade física: Bem, a escola me incentiva muito a fazer esportes e outras coisas mais, eu sempre procuro vir à educação física. E praticar, fazer certo (Fernanda). E indicam como é importante o incentivo dos professores no desenvolvimento do gosto pela prática de atividade física: E possa até incentivar de uma forma que a gente possa gostar dessa atividade e possa até praticá-la no futuro, ou até como profissão (Roberto). Os adolescentes apontam o professor de educação física como o mais apto a orientar a prática de atividade física que deve ser realizada com atenção e paciência: A maioria dos colegas meus, que gostam também de natação, que faziam natação e não fazem mais é porque os professores deixavam você lá nadando e não queriam nem saber. Eles não davam, não ficavam olhando ali, olha, está fazendo braçada errada, está fazendo pernada errada, você tem que se direcionar, tem que respirar de determinado modo. E os professores não têm feito isso (Maria). Além disso, os dados revelam: a necessidade de maior atenção aos alunos com dificuldades, a importância do suporte no momento do sentimento de insucesso do aluno, a importância do elogio e da relação professor-aluno amistosa. O suporte do professor também é considerado pelo adolescente como um superador de barreiras: Primeiramente, os técnicos. Eles estimulam muito, né... mas o estimulo que o professor, o treinador passa pra gente é legal. Então, sei lá, ele estimula tanto a gente que a pista assim, pra gente, fica maravilhosa pra gente correr. E eu também acho legal este estímulo que eles dão. Porque o atleta, por exemplo, com o estímulo o atleta passa a querer mais e mais sempre mais sempre buscar mais e mais (Isabel). Na fala dos adolescentes, também está presente a importância do suporte dos colegas: Ah, os meus colegas sempre me incentivam e tal, eles procuram ajudar ao máximo, eles gostam também, então eles vão vir praticar junto comigo, e tudo mais. Isso é mais um incentivo para você praticar um esporte com seus amigos, é mais um incentivo. Então, eu acho que é muito bom você, a influência que os seus amigos fazem quanto a minha prática de atividade física é muito importante (Roberto). Ainda em relação aos colegas, os adolescentes relatam sua preferência pela pratica de atividade física em sua companhia, consideram que seu suporte evita abandonos e dizem se influenciar pelos resultados obtidos por eles. Ademais, os adolescentes apontam a importância da prontidão dos funcionários para dar as condições, ajudar e orientar a prática de atividade física e indicam como relevante a fala das pessoas importantes da escola: ... diretor também deveria estimular. Em vez dele falar só de Marechais e etc. e tal. Não que ele pare de falar disso, mas que ele, sei lá, obtenha um espaço pequinininho pra falar da educação Física no colégio entendeu? (Isabel) Tal como aos determinantes tratados anteriormente, também encontramos referência à percepção de utilidade advinda da prática de atividade física na literatura. Dishman & Sallis [10] apresentam a expectativa de saúde e outros benefícios advindos da prática de atividade física com fraca ou confusa evidência de relação positiva com a atividade física em obras publicadas até 1991. Além disso, segundo a teoria da utilidade particular esperada, o indivíduo escolhe entre um rol de alternativas a aderência a determinado comportamento de acordo com a avaliação feita por ele da utilidade ou do valor do resultado associado com a alternativa e da probabilidade particular de ocorrência do resultado se a alternativa é escolhida [14]. A cerca deste determinante nossos dados demonstram a não percepção de utilidade como motivo da não aderência à atividade física: Aqueles que não gostam não vêm porque acham que não serve pra nada é o meu caso também, mas eu sei que no futuro eu vou ter as conseqüências, porque eu "# ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) não pratico esporte, não faço nada, com certeza eu vou ficar mais velho, bem mais rápido (José). E a percepção de utilidade como motivo da aderência à atividade física Não é porque eu aprendi. Eu faço atividade física porque eu acho importante(...) Importante pro seu... para a saúde do seu corpo, para saúde mental... (Teófilo) A esse respeito os adolescentes apontam como utilidades provenientes da atividade física: a saúde, a aptidão física, a prevenção do uso de drogas, a preparação psicológica, o desenvolvimento das relações interpessoais e a mobilidade social. Na literatura científica também encontramos menção à organização como determinante da aderência à atividade física. A esse respeito, por exemplo, Pereira [15] considera que a exercitação física continuada e otimizada individualmente somente pode ocorrer de forma concreta, se para tal houver determinadas condições. Franklin, Bryant & Peterson [13] consideram que um dos passos para aumentar o interesse dos participantes, entusiasmo e, finalmente, a longa aderência é prover instalações para o exercício através de equipamento e ambiente adequado. Em nosso estudo, encontramos que condições ligadas à organização do tempo, a oferta de atividades, a disponibilidade espacial e material da escola são determinantes da aderência à atividade física de adolescentes, presentes no contexto escolar: E apontam como negativa a utilização de espaço de educação física por outra atividade no horário das aulas. Ademais os adolescentes indicam como positiva a opção de escolha das atividades que podem ser realizadas: Bem no caso eu faço a natação assim a relação é que é bom que aqui no colégio tem várias opções aí eu, a natação não é qualquer lugar, não é qualquer colégio que possui uma natação, o colégio é uma boa relação. Assim Todos os alunos do colégio militar têm uma boa relação com os esportes, o militar faz questão dos alunos poderem Ter esporte à vontade tem uma relação que eu acho muito bom isso Ter várias opções, que não tem em qualquer colégio (Waldyr). Conclusão Após o exame do relato dos alunos, é possível mostrar como estes determinantes se relacionam neste contexto e qual a contribuição de cada um no processo de aderência à atividade física do adolescente. Pelo que foi visto, a estruturação do processo de aderência à atividade física na adolescência, especificamente no contexto escolar no grupo examinado, pode ser representada por meio do esquema, a seguir: Processo de aderência à atividade física do adolescente, no contexto escolar O tempo, o tempo, porque pra praticar exercício eu tenho que ter um tempo, pra poder dividir exercício com o estudo... (Isabel) Nas falas dos adolescentes os dados apontam que: a escola limita a prática externa e proporciona tempo por meio das aulas de educação física, há necessidade de aumento na quantidade de aulas de educação física, deveria ser permitida a utilização dos tempos vagos entre as disciplinas e das instalações da escola fora do horário das aulas para a prática de atividade física Além disso, os adolescentes consideram importante a disponibilidade de material e espaço físico para a prática de atividade física: Você vendo um colégio assim, com boa estrutura, você logo se empolga para fazer as coisas, está sempre querendo mais. Agora, assim, se o colégio fosse todo mal estruturado, tudo quebrado, não ia dar nem ânimo de fazer (Félix). O esquema mostra a relação existente entre as quatro categorias estudadas e a aderência à atividade física e as setas indicam, além do processo de aderência à atividade física, a influência entre os determinantes. "$ ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) Pelo que foi visto, é condição sine qua non, que o adolescente pertença a um ambiente que lhe forneça um mínimo de organização. Dessa maneira adolescentes que não fazem parte deste tipo de ambiente têm dificuldade em iniciar o processo de aderência à atividade física por carência de condições para esta prática. A interpretação de nossos achados, no entanto, nos permite acreditar que, adolescentes que possuam alto conteúdo de prazer e utilidade na prática de atividade física, além de forte suporte, possam exercer pressão para que condições para a prática de atividade física sejam criadas. Alto conteúdo de prazer na prática de atividade física está ligado, diretamente, a aderência à atividade física. No entanto, adolescentes com nível baixo de prazer, elemento fundamental neste processo, precisam de algum conteúdo de utilidade para se manterem ligados a ela. Adolescentes que apresentam dificuldades em aderir à atividade física, pela falta de sentimento de prazer e percepção de utilidade, precisam de algum conteúdo de suporte. O suporte funciona como um carreador, que orienta, apóia e incentiva o adolescente no caminho em direção à aderência à atividade física, fazendo que ele, supere barreiras e passe a derivar mais prazer e utilidade da prática desta atividade. Por tudo isso, o adolescente que provavelmente atingirá a aderência à atividade física é aquele que além de pertencer a um ambiente que lhe fornece organização para a prática de atividade física, apresenta uma das características abaixo: a) alto nível de prazer na prática de atividade física; b) algum nível de prazer na prática de atividade física aliado a alto nível de percepção de utilidade desta prática; c) algum nível de prazer, utilidade e suporte para a prática de atividade física. Nessa estrutura, a organização funciona como uma base para a aderência à atividade física por ser ela que dá as condições desta prática ao adolescente, tais como tempo, espaço e material. Além disso, essas condições influenciam nos resultados da prática de atividade física, alterando a percepção de sua utilidade pelo adolescente. Elas também permitem prática variada ou restrita de atividade física, assim como menor ou maior conforto nesta prática, o que influencia o sentimento de prazer daí proveniente. No entanto, de nada vale a organização, se o adolescente não apresentar intenção contínua de realizar atividade física, aderindo, conseqüentemente, a esta prática. A intenção de aderir à prática de atividade física surge no adolescente se ele sente prazer e/ ou percebe utilidade nela. Desta maneira, algumas vezes, é necessária a ajuda externa, o suporte, para que o adolescente perceba esta utilidade ou que pode obter prazer nessa prática para criar a intenção de aderência à atividade física. A intenção de aderência não significa exatamente que o indivíduo vá aderir a determinando comportamento, no entanto, ela é a chave iniciadora do processo. Além disso, com o suporte adequado, o adolescente que inicialmente não vê utilidade na prática de atividade física, passa a acreditar nela e a objetivála, funcionando este desejo como porta de entrada do adolescente para o processo de aderência à atividade física. Contudo, para que esse processo se complete, é necessário que com o decorrer do tempo, o adolescente sinta prazer neste comportamento. Destarte, nossos achados, referentes ao poder do prazer e da utilidade, de levar os adolescentes à superação de barreiras à aderência à atividade física, permitem-nos algumas conclusões. Se o adolescente apresentar alto sentimento de prazer na prática de atividade física, no contexto escolar, a probabilidade dele aderir a esta será muito grande, uma vez que o prazer nesta prática leva o adolescente a superar barreiras como a ausência de suporte e a fraca organização, não importando sua percepção da utilidade da atividade física que pretende realizar. Por outro lado, se o sentimento, do adolescente, de prazer advindo da prática de atividade física for insuficiente, ele necessitará perceber alguma utilidade para se aderir a ela. Na maioria dos casos, para chegar a essa percepção, o adolescente precisa receber suporte do ambiente que lhe cerca. Ao finalizarmos este estudo, acreditamos que nos aproximamos do conhecimento acerca do processo de aderência à atividade física por adolescentes e de seus determinantes presentes no contexto escolar. De acordo com os dados encontrados, concluímos que o processo de aderência à atividade física, no contexto escolar, segue, de uma maneira geral, a linha deste processo em outros ambientes. Contudo percebemos que um vasto campo, ainda, tem que ser percorrido nesta área de conhecimento. Estudos que comparem o processo de aderência à atividade física e seus determinantes em contextos escolares de diferentes padrões socioeconômicos e culturais precisam ser realizados. Além disso, a manipulação experimental desses determinantes aliada à observação longitudinal do processo de aderência à atividade física, em diferentes contextos escolares, pode revelar facetas ainda não desveladas. "% ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) Como suspeitávamos, nossos achados mostram a importância do contexto escolar na aderência à atividade física na adolescência e, desta forma, julgamos, neste comportamento por toda a vida. Neste aspecto, a escola pode contribuir tanto para a formação deste hábito no adolescente, como oferecendo atividades em suas instalações para a comunidade, da qual fazem parte seus ex-alunos. Sendo assim, se o objetivo de levar o adolescente à aderência à atividade física for, realmente, abraçado pelo sistema escolar, algumas medidas deverão ser tomadas com o intuito de melhorar a organização para a prática de atividade física nas escolas, desenvolver o suporte dado aos alunos para esta prática, conscientizar os adolescentes de sua utilidade e, impreterivelmente, torná-la prazerosa. Entendemos que para o alcance destes objetivos, um esforço integrado deve ser feito pelos órgãos dirigentes da educação, pela direção da escola, seus professores e funcionários. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. Referências 1. 2. 3. 4. AMERICAN COLLEGE OF SPORTS MEDICINE. Guidelines for exercise testing and prescription. 5. ed. Baltimore: Williams & Wilkins, 1995. DISHMAN, R. K.; DUNN, A. L. 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O objetivo desse estudo foi levantar argumentos sobre a origem da Capoeira com base em fatos coletados em um trabalho de investigação que se iniciou em 1989 e transcorre até os dias de hoje. Concluímos que a Capoeira, como manifestação de cultura corporal, muito embora seja um produto de sincretismo, é uma atividade genuinamente brasileira. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavra-chave: capoeira, contexto cultural, origem. Abstract Nowadays, Capoeira constitute a body work that is present in the cultural context of many countries, mainly in European continent. In spite of the fact that Brazilian people have been the leading diffusers of this activity, there is a controversy regarding its origin, as some assume that it is from African and others from indigenous origin. The purpose of this study is to search about Capoeiras origin based on collected data from a research that started in 1989. We conclude that, although Capoeira is a syncretism product, its a authentic Brazilian activity. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key-words: capoeira, cultural context, origin. Artigo recebido em 24 de agosto de 2004; aceito em 30 de agosto de 2004. Endereço para correspondência: Professor Doutor Paulo Coelho de Araújo,Universidade de Coimbra, Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física Estádio Universitário Pavilhão III Santa Clara 3040-156 Coimbra Portugal "' ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) Introdução Sendo a Capoeira uma das atividades culturais relevantes do contexto cultural brasileiro, e após quase quatro séculos de existência, constatamos que ela assume atualmente diversos contornos de expressividade que marcam fortemente os campos etnográficos, desportivos, educacionais e lúdicos da sociedade brasileira, sendo na atualidade, difundida e conhecida em muitos países nos diversos continentes, essencialmente, como prática de defesa pessoal. Entendo ser esta atividade uma expressão de aspectos plurais, não só evidenciadas através das emanações anteriormente referidas, mas também nas suas expressões como matéria de ensino, como atividade lúdica e, mais recentemente como desporto, é a Capoeira um fenômeno sociocultural que certamente recupera o valor e a importância da comunidade negra transferida e escravizada no Brasil colonial e imperial e que, trazendo elementos da sua cultura, proporcionaram conjuntamente com outros elementos de cultura de outros povos que para o nosso país acorreram por fatores diversos nos distintos períodos históricos brasileiros, a formação da bagagem cultural do povo brasileiro, onde esta arte apresenta um alto grau de representatividade. Reconhecendo que aspectos de multiracialidade, de conjunturas econômicas, sociais e políticas, distintas nos diversos períodos históricos do Brasil, proporcionaram a criação desta arte enquanto manifestação guerreira, bem como de igual modo contribuíram para a ocorrência de modificações estruturais que possibilitaram transformações na sua forma original permitindo-lhe afirmar-se com uma gama multivariada de representações. Face a estas multivariadas representações, é que numa primeira impressão, pudemos constatar através de exaustivos levantamentos bibliográficos, carências quanto a presença de trabalhos científicos nos campos onde a Capoeira encontra significado como objeto de estudo e já anteriormente referenciados, os quais, não possibilitam ainda a configuração de um perfil adequado desta arte, capaz de explicitar toda a sua dimensão sociocultural. Hoje no Brasil, o número mais significativo de obras sobre a Capoeira concentra-se no campo da expressão agonística de defesa pessoal e desportiva, baseando-se fundamentalmente, na descrição do corpo de movimentos que esta encerra a partir dos seus estilos, com a tentativa de fazê-la reconhecida no âmbito das expressões corporais de luta, através de elementos diversos, onde sobressaem os de caráter jurídicos e organizacionais, sem contudo deter-se em interpretações que a justifiquem histórico, social e antropologicamente em qualquer das suas emanações. Nos campos histórico-social e antropológico, verificamos que o estudo mais referenciado sobre a Capoeira data de 1968, obra esta que serve como ponto de partida para estudos desta natureza, tendo sido por outro lado, pouco ou quase nenhuma até a década de 90, novas interpretações desta atividade nos mais variados campos já aqui referenciados. Somente a partir da década referida, verificamos a produção de novos estudos de cariz históricosociológicos e antropológicos, elaborados ao nível das formações pós-graduadas de mestrados e doutoramentos em várias áreas científicas, e com as mais distintas abordagens sobre a Capoeira, não se constatando no quadro dos interesses dos pesquisadores, estudos que aprofundassem o conhecimento sobre a origem da luta brasileira, quiçá por entender já se ter esgotado as explicações nos trabalhos apresentados sobre esta temática. Quanto a não abordagem sobre a temática da capoeira e em particular sobre a sua origem pelos estudiosos da área das ciências sociais e humanas, da Educação Física e Desportos e outras áreas afins, com o aprofundamento que se faz necessário, levantamse-nos algumas considerações, quando constatamos da análise bibliográfica efetuada até o momento, não terem sido ainda esgotadas todas as interpretações ou explicações que ajudem a clarificar a origem da luta brasileira, se considerarmos as mais recentes descobertas documentais, algumas posturas revisionistas de trabalhos anteriores e até mesmo alguns inovadores e, por conseguinte, o avolumar-se de novos estudos sobre a luta brasileira, os quais, por si só justificam a premência da adoção de novas abordagens quer numa perspectiva macro quer numa perspectiva micro. Acreditamos que a falta de abordagens mais aprofundadas sobre o assunto referido no parágrafo anterior, decorre não somente da pouca reflexão dos estudiosos das áreas aludidas mas, fundamentalmente, condicionados pela aceitação incondicional das posições presentes na literatura específica que tratou sobre esta matéria no contexto da luta brasileira, por serem os seus difusores grandes nomes da historiografia e etnografia brasileira, e por isso, enquadrados como pertença das bibliografias básicas1 que deram e ainda dão suporte à grande maioria dos estudos realizados. Mesmo reconhecendo a importância dos autores que primeiro retrataram a luta brasileira, facilmente constatamos serem em número insignificante aqueles que se aventuraram na abordagem sobre a sua origem, evidenciando-se tão somente, um claro posicionamento dicotômico dos mesmos sobre a possível # ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) origem da luta brasileira, sem quaisquer fundamentos que as sustentassem cientificamente, o que por si só, propiciariam dúvidas razoáveis e passíveis de maiores questionamentos e conseqüentes aprofundamentos sobre esta matéria. Este não foi o entendimento da maioria dos estudiosos da Capoeira nos seus mais variados campos científicos, que preferindo admitir um dos posicionamentos constantes na literatura, como indubitável verdade, fundamentalmente por serem proferidas por grandes ícones da historiografia brasileira, colocaram-se na cômoda posição da aceitação incondicional de uma das teorias, uma indígena outra africana, relegando-se para segundo plano, o aprofundamento de tais questões, se não relevantes para os seus estudos, relevantes seriam para o conhecimento desta expressão corporal essencialmente nacional. Materiais e métodos Seguiu-se a estratégia de uma exploração etnográfica com ênfase na análise documental. Compuseram o corpus de analisis, para esta primeira etapa da investigação, documentos e obras bibliográficas que fizessem alusão ao tema origem da capoeira ou que, em alguma magnitude, oferecessem informações que pudessem sustentar a formulação de premissas e hipóteses, assim como estimativas conclusivas, acerca do assunto em foco. Resultados e discussão A origem da capoeira: a perspectiva macro No que refere-se ao estudo das primeiras influências e condições que contribuíram para o aparecimento da Capoeira no Brasil, inicialmente, enquanto arte guerreira, por certo, somente o período colonial contenha elementos que clarifiquem esta questão e, por conseguinte, a origem da Capoeira em território nacional. Indubitavelmente, é neste período histórico referido que ocorrem fatores determinantes para que se promovam interpretações sobre a origem da expressão foco deste estudo, já que ocorre um significativo fluxo do tráfico negreiro das mais distintas regiões africanas, o registro da presença de outros contingentes populacionais europeus e não europeus, e as primeiras evidências da presença da luta da Capoeira em várias cidades do Brasil colonial, e não exclusivamente nos estados da Bahia e Rio de Janeiro. A partir de 1535, dá-se início o processo continuado do tráfico negreiro para o Brasil, que segundo Verger2, dividir-se-ia em quatro ciclos bem distintos entre si, e deveras significativo quanto à distribuição geográfica dos conjuntos populacionais africanos traficados, permitindo-nos assim, a identificação das áreas de tráfico e, conseqüentemente, dos possíveis grupamentos étnicos, independentemente do quantitativo dos stocks que formaram ao longo dos tempos a construção do Brasil, que com seus elementos de cultura, influenciaram significativamente as matrizes culturais deste país emergente, onde a Capoeira, inquestionavelmente, tem um lugar de destaque. Quanto à influência africana na Capoeira, consideramo-la ponto assente, visto identificarmos na sua passada e atual forma de expressividade, elementos culturais africanos3, que nem por isso, poderíamos considerá-los exclusivos para o contexto da luta brasileira, face à escassez de estudos que as confirmem absolutamente. Os estudos dos autores referidos, incluindo-se ainda o realizado por Nina Rodrigues, promovem a aproximação de uma delimitação geográfica, que não se podendo considerá-la como a mais rigorosa, poderíamos considerá-la como aquela possível, em face de circunstâncias diversas que concorreram para esta delimitação, e que no caso da luta brasileira, muito contribuiria para o prosseguimento de novos estudos que concorressem para a identificação das matrizes étnicas africanas e respectivos elementos culturais africanos (música, dança, cânticos, jogos, lutas, instrumentos musicais e outras emanações) que permitiram a invenção da Capoeira no Brasil. Ao analisar a bibliografia referente à luta brasileira produzida a partir da primeira metade do século XX, mais especificamente, no que diz respeito ao assunto foco deste ensaio, constatamos ser a referência de Manuel Querino4, aquela que primeiro atribui ao grupamento oriundo de Angola, a matriz da Capoeira, quiçá influenciado pelas informações prestadas por Spix e Martius que consideraram o exclusivismo banto na formação étnica brasileira, os quais influenciaram igualmente autores como Alceu Maynard Araújo5, Edison Carneiro6 e Câmara Cascudo7, que admitiram em seus trabalhos, ser esta prática oriunda do continente africano, mais especificamente de Angola e de forma categórica. As posições apresentadas continuam a repetir-se em quase todos os estudos sobre a Capoeira e sua origem elaboradas no contexto do século passado, onde deduzimos serem estas primeiras, simplistas e carentes de aprofundamentos, o que se compreende para aquele momento de cientificidade etnográfica/ etnológica e pela escassez de elementos de natureza diversas, não se admitindo nos tempos que correm, a # ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) inexistência de qualquer posição revisionista e de aprofundamentos sobre este assunto, que evidencie as matrizes influenciadoras para quaisquer dos elementos que no passado e na atualidade, concorreram para o seu aparecimento e posterior consolidação como expressão verdadeiramente nacional. Além dos autores brasileiros que fizeram referência da origem Banto para o contexto da Capoeira, encontramos apenas um autor americano8 que se estende para além da mera referência a este stock africano, para deduzir igualmente, serem procedentes do Kongo a maior parte dos movimentos da capoeira, enunciando um série destes como constitutivo de expressões corporais de matrizes diversas, buscando aproximá-los dos atuais movimentos da luta nacional, excluindo-se qualquer consideração as inúmeras expressões dos inúmeros grupos étnicos africanos traficados para o Brasil, e nunca estudados em pormenor quer no Brasil quer no exterior, no que respeita as suas distintas expressões de cariz corporal, as quais, por certo, para alguns dos movimentos aludidos, se mostrariam semelhantes na forma e função, ou mesmo diferente desta última. Nesta mesma linha de análise promovida pelo autor americano, poderíamos aludir a uma série de movimentos oriundos de expressões corporais de outras matrizes étnicas africanas e distintas das anteriormente referidas, e pesquisadas em arquivo histórico da cidade de Lisboa9, bem como por referências constantes de literaturas sobre os povos africanos produzidas por autores portugueses10. Todavia, entendemos que uma mera citação de tais expressões/movimentos sem quaisquer aprofundamentos sobre as suas funções, origens, localização em território africano e brasileiro, contexto histórico, em nada acrescentaria aos estudos que buscam o aproximar das influências étnicas e correspondentes matrizes culturais de expressividade corporal, que concorram para elucidar de uma vez por todas as discussões em torno da origem da Capoeira, que ainda hoje pendem para o exclusivismo do grupamento Banto. Quer no Brasil quer em outros países onde existiu o tráfico negreiro, não nos foi possível ainda detectar estudos consistentes sobre os jogos e entretens da totalidade dos grupos africanos traficados, inclusive do grupamento banto, que nos permitissem promover apreciações entre o original e o derivado de expressões diversas que concorressem para aproximações das possíveis influências para a origem desta luta, bem como de outras expressões brasileiras, ainda carentes de uma melhor análise. Ao rever todas as posições que defendem a origem negra da luta, seja ela como matriz genuína do continente africano ou como invenção dos africanos no Brasil, em detrimento das possíveis influências de outros grupos populacionais do continente europeu e asiático e dos ameríndios brasileiros presentes no período colonial, deduzimos serem ainda tais estudos, incipientes para se adotar qualquer das colocações aqui referidas como explicativa para o fato analisado. Entretanto, não podemos deixar de referenciar que durante todos este anos, o discurso geral entre os que estudam a expressão brasileira, é o de que inexiste qualquer expressão semelhante à Capoeira no continente africano, levando-nos a concordar com a segunda posição apresentada nas linhas deste parágrafo, acrescentando-se ainda influências de outros contingentes também já referidos, destarte a ausência de dados que a confirme absolutamente. Ainda nesta perspectiva da análise macro, sobre a origem da luta brasileira, encontramos autores que defendem a posição de ser ela indígena, quer pela referência de uma dança/luta de guerra quer pela denominação usada para identificar esta expressão. Sobre a primeira alusão, são poucos os textos que elaboram esta abordagem, encontrando apenas um autor 11 que consubstancia a sua colocação com algumas indicações bibliográficas, apesar de não assumi-la como matriz principal da Capoeira, e a qual, do nosso ponto de vista, carecem ainda de aprofundamentos que possam confirmá-la como mais uma das matrizes que influenciaram a invenção desta expressão de luta no Brasil. No que respeita à vinculação de um vocábulo, como elemento indicativo de ser esta expressão de luta brasileira originária de uma matriz indígena, parece-me ainda incipiente para que se possa afirmar categoricamente qualquer relação que se lhe atribua vínculo de matriz primeira. Nas referências de Ayrosa12, detectamos a alusão de vários significados do termo capoeira, do quais depreendemos para o étimo Tupy, distintos sentidos, um deles imbuído de incorreção13 lingüística, que não concorrem direta ou mesmo indiretamente para que se afirme a origem ou mesmo a influência indígena da luta. Acerca da influência dos grupamentos oriundos dos continentes europeu e asiático no contexto da Capoeira, obviamente nada encontraremos na literatura sobre este fato, todavia, não podemos esquecer que muitos foram os autores que retrataram a presença de cidadãos europeus e chineses14 no contexto das fazendas para em conjunto com os grupamentos africanos, realizarem as tarefas que lhes eram próprias. Quanto aos primeiros, podemos apenas referir a existência da Savate em território # ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) francês e o Box em Inglaterra, e ao segundo, um leque significativo de expressões seculares de luta, que em algum momento da história da luta brasileira, poderia ter concorrido, senão para a sua origem, pelo menos para o seu dinamismo. À guisa de conclusão deste bloco, temos a dizer sobre a origem macro da capoeira, é de que nada temos a dizer de concreto sobre as várias matrizes que influenciaram a invenção da Capoeira, entretanto, urge iniciarmos um estudo o mais abrangente quanto possível das expressões corporais de todos os grupos étnicos africanos traficados para o Brasil, e igualmente, dos povos europeus e orientais naqueles momentos históricos, de forma a identificar todas as matrizes culturais que contribuíram para a invenção da Capoeira no Brasil e os seus conseqüentes dinamismos. A origem da Capoeira: A perspectiva micro. Partindo da premissa de que a Capoeira foi uma invenção das várias matrizes culturais presentes num momento histórico brasileiro, logo brasileira, e analisando alguns posicionamentos mais recentes que contestam a primazia do estado da Bahia como espaço de eclosão desta expressão de luta, entendemos ser curial abordarmos o aparecimento desta manifestação no cenário nacional, de forma a esclarecer aspectos relevantes sobre a sua estruturação, e quiçá, possíveis influências formadoras, de modo a contrariar posições regionalistas, que mais confundem do que esclarecem, no que tange a alguns aspectos relevantes para o seu conhecimento. Quanto à delimitação geográfica no Brasil e considerando a perspectiva micro aludida, o trabalho centrar-se-á no levantamento das informações referentes à presença da Capoeira nos Estados da Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, e São Paulo, por considerar historicamente, serem estes centros os mais importantes sob a ótica do aparecimento e desenvolvimento, da difusão e transformação desta arte guerreira em solo brasileiro. A história conhecida da Capoeira ao longo dos tempos, sempre referiu-se ao estado da Bahia e, mais especificamente à cidade do Salvador e o seu Recôncavo, como o berço e celeiro de praticantes da luta brasileira, quer através de inúmeras literaturas publicadas pelos folcloristas nacionais na primeira metade do século XX quer pela tradição oral dos principais expoentes desta expressão corporal, que apesar da quase inexistência15 de dados, fundamentalmente escritos, que evidenciassem claramente a presença da Capoeira neste estado, nunca impossibilitaram que esta tradição oral perpassassem indelevelmente todo o século passado, apesar de constatarmos na última década do século anteriormente referido, algumas posições que contestam tal título, em detrimento de um outro estado que ao longo do século XIX, apresentou um leque bastante diversificado de elementos documentais. Em contraposição à escassez documental no estado da Bahia que faça alusão a luta brasileira, encontramos para o estado do Rio de Janeiro, referências documentais de várias ordens que retratam efetivamente a presença da Capoeira nos períodos históricos brasileiros, encontrando no início do século XX quem a defendesse como sendo, expressão por excelência carioca16, apesar de argüir a sua gênese em dois pontos diversos: ao Norte de Pernambuco e ao Sul, aqui no Rio. Na atualidade, encontramos alguns posicionamentos que buscam enquadrar as afirmações do autor das sentenças em destaque, associadas ao significativo acervo documental carioca em contraposição à escassez documental baiana, e aos movimentos de prédesportivização 17 da luta brasileira, ocorridos concomitantemente nos estados anteriormente mencionados, como dados e fatos suficientes para que se possa deduzir a gênese desta luta para a cidade do Rio de Janeiro. Ao defender a gênese da expressão corporal de luta brasileira para dois contextos espaciais distintos, por si só, já evidencia a falta de elementos consistentes do seu autor, para que se pudessem afirmá-la como carioca, assim como, todas as outras considerações que foram formuladas no decurso do século passado em consonância com a afirmação proferida, visto serem todas estas imbuídas de um bairrismo muitas vezes visceral e, igualmente, desprovidas de aprofundamentos científicos que as confirmem categoricamente. Deste modo, cabe-me elaborar questões que poderiam concorrer para refletir das posições assumidas que são: Que local do norte de Pernambuco a que o autor se refere? Quais os dados e fatos que concorreram para o assumir da posição do autor em relação aos dois estados? Quais fontes foram usadas pelo autor que concorreram para este posicionamento? Por certo, muitas outras questões poderiam ser colocadas sobre que elementos permitem tais colocações, padecendo as afirmações proferidas, até ao momento, dos mesmos defeitos que decorrem das tradições orais que afirmaram sobre a gênese baiana da luta, ou seja, da falta do rigor científico que se exige nestes casos. Fundado ainda na colocação de Lima Campos, de que no norte do estado de Pernambuco poderia ter ocorrido a gênese desta expressão, levou-nos a rever os principais autores18 que dedicaram seus estudos a retratar o cotidiano dos pernambucanos #! ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) nos seus mais diversos aspectos. Deste retrospecto, constatamos efetivamente, a presença da capoeira nos costumes pernambucanos a partir da primeira metade do século XIX, quando associada ao entrudo, à proteção dos figurões daquela época, aos processos eleitorais ou no acompanhamento da guarda que leva música. Estas formas de expressividades, muito semelhantes àquelas constatadas em outros estados brasileiros no espaço de tempo referido, mas não se constatando qualquer tipo de referência documental que aludisse à luta estudada, mas que inegavelmente, nos leva a concluir pela existência de uma forma de expressão com as características semelhantes àquelas constatadas em outros rincões nacionais do Brasil colonial. O comportamento dos capoeiras pernambucanos quando acompanhavam os batalhões do Quarto e do Espanha, atingiram ao longo dos tempos proporções de que não há exemplo, levando com que o governo deste estado viesse a proibir os desfiles dos indivíduos aludidos à frente dos batalhões aquartelados no Recife, gerando no decurso deste século o desaparecimento gradual dos ditos indivíduos e, por conseqüência, o aparecimento dos denominados brabos, uma nova espécie de indivíduos capoeiras, e da expressão de igual denominação para identificar-se como sendo o passo. Mais uma vez, se pode concluir pela existência desta expressão de luta em mais um dos estados brasileiros, sem com que possamos estabelecer qualquer fundamento concreto sobre a gênese da Capoeira na sua perspectiva micro. Durante muito tempo, somente aos estados anteriormente referidos se atribuíram a presença da Capoeira nos costumes dos indivíduos coloniais, tenham sido eles realizados por escravos, forros, libertos, negros, mestiços, brancos e índios. Todavia, revendo as novas fontes documentais de arquivos nacionais sobre os costumes dos indivíduos nas metrópoles e nos diversos períodos históricos brasileiros, curiosamente, constatamos igualmente a presença desta luta nos costumes paulistanos19 por todos os períodos referidos, concomitantes às emanações da expressão em estudo, na Bahia, Rio de Janeiro e Recife, donde depreendemos não ter sido exclusivo de qualquer estado brasileiro esta forma de emanação corporal, e nem descortinamos os fatores concorrentes para o seu aparecimento e desenvolvimento nos aludidos locais, isto em face da escassez de análises pormenorizadas para este fenômeno, a nosso ver, decorrentes da aceitação incondicional das posições presentes nas bibliografias básicas deste assunto. Apesar de não termos ainda evidências de sua contextualização histórica, como aquelas encontradas nos estados do Rio de Janeiro e Pernambuco, onde são retratados episódios de concreta emanação da luta brasileira, visto muitos daqueles tratarem genericamente de indivíduos capoeiras, logo efetivos marginais, certo é que, ao ser proibida a sua prática nas praças, ruas, casas públicas ou em qualquer outro lugar também público, praticar ou exercer o jogo denominado de capoeira ou qualquer outro gênero de luta20, é incontestável ter existido nos períodos aludidos esta denominação, sem contudo deixar-nos quaisquer indícios em inúmeros documentos históricos. Vale ressaltar, que mesmo sendo pouco referido nas literaturas atinentes à Capoeira, e no que respeita à sua presença como elemento dos costumes nacionais de indivíduos de distintos estados brasileiros, encontramos ainda alusão à luta brasileira no longínquo Maranhão21. Ao reconhecer a existência desta expressão de luta no período em foco e no estado mencionado, podemos deduzir do texto transcrito, que a mesma já se praticasse há algumas décadas passadas pelos grupamentos marginais da sociedade maranhense e igualmente reprimidas pelas forças da lei e da ordem como se faziam em outros estados brasileiros rotineiramente. Teria sido esta forma de expressividade mais uma expressão subsidiária daquilo a que chamamos Capoeira? Como teria chegado a tão longínqua paragem? Quais características demarcavam esta expressão? Quais os grupamentos humanos que estão na construção do Maranhão? São estas muitas das questões ainda por responder e que poderiam trazer luz às influências formadoras da nossa Capoeira nas perspectivas aqui analisadas. Ainda no nordeste brasileiro podemos encontrar algumas outras expressões que nos permitiriam aproximarmo-nos das principais raízes influenciadoras da invenção da Capoeira no Brasil, e quiçá compreender os seus dinamismos e difusão por todo o território nacional, se considerarmos que tais expressões como o Batuque na Bahia e a dança do Bate-Coxa (semelhantes a pernada carioca) possam ter sido as formas primárias da manifestação que hoje identificamos como a prática de luta brasileira por excelência, sem desmerecer outras tantas práticas desenvolvidas ao longo dos períodos colonial, imperial e republicano e ainda pouco estudadas, onde citamos a título de exemplo o Maculelê, prática pírrica de negros nos engenhos de açúcar da Bahia. Conclusão Considerando as perspectivas aqui enquadradas sobre a gênese da Capoeira entendemos que: Na perspectiva Macro a) São ainda insuficientes os estudos realizados sobre quaisquer dos grupamentos humanos que concorreram para a formação do Brasil, princi- #" ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) palmente sobre os africanos e indígenas brasileiros, que nos permitam concluir sobre a gênese africana ou ameríndia; b) São inexistentes estudos científicos que tivessem promovido análises das expressões corporais de cariz diversos dos grupamentos humanos presentes nos períodos históricos brasileiros, que nos permitissem promover aproximações com a luta brasileira; c) Os estudos que aludiram a influência de uma matriz africana para a luta da Capoeira, apresentamse simplistas e desprovidos de quaisquer fundamentos científicos; Na perspectiva Micro a) Os elementos factuais, documentais e orais sobre a gênese da Capoeira para quaisquer dos estados brasileiros, não nos permitem ainda elaborar conclusões efetivas; b) São superficiais e tendenciosos os estudos que buscam determinar a origem da capoeira para quaisquer dos estados brasileiros; c) A presença da Capoeira simultaneamente em muitos estados brasileiros, pode indiciar a prática de distintas formas ou de distintos estágios de desenvolvimento da luta brasileira nos diversos períodos históricos brasileiros; d) Foram pouco estudadas as distintas emanações de lutas registradas nas literaturas ou mesmo de qualquer outro cariz, que concluísse pela superioridade de um grupamento humano, seja ele africano ou não. Sendo assim, após tecer essas considerações acerca da gênese da Capoeira, considerando a inexistência em África de expressão similar in totum, e acreditando que todos os grupamentos humanos presentes no Brasil dos tempos idos possam ter contribuído para a invenção da luta, estamos em crer, ser esta expressão corporal uma forma de manifestação genuinamente nacional, restando-nos tão somente, a identificação das matrizes e conseqüentemente dos grupos que em maior ou menor grau concorreram para a sua estruturação. Referências ARAÚJO, A.M. Cultura popular brasileira. 3.ed. São Paulo: Melhoramentos, 1977. p. 89-116. ARAÚJO, P. de C. A falta de rigor científico nos estudos sobre capoeira. In: MARQUES, J.B.A. A Ciência do Desporto a Cultura e o Homem. Porto: Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física,1993. p. 215-226. ARAÚJO, P. de C. Análise historiográfica da bibliografia básica utilizada nos estudos sobre a capoeira. 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Etnias e culturas no Brasil, p. 106107. De acordo com os estudos realizados por Arthur Ramos, pode afirmar-se a existência de grupos negros entrados no Brasil, de conformidade com as culturas que representavam. (...). a) Culturas Sudanesas, representadas principalmente pelos povos iorubanos, da Nigéria (nago, ijechá, eubá,ou egbá, ketu, ibadan, yebu ou ijebu e grupos menores); b) Culturas Guineanos-sudanesas islamizadas (...) : peul (fulá, fula etc); mandinga (solinke, bambara etc); haussa; tapa,borem,gurunsi e outros grupos menores; c) Culturas Bantas, constituídas por inúmeras tribos dos seguintes grupos: angola-congolês e contra-costa. 4 Querino, Manuel. A Bahia de outrora, p.67. O Angola era, em geral, pernóstico, excessivamente loquaz, de gestos amaneirados, tipo completo e acabado do capadócio e o introdutor da capoeiragem na Bahia 5 Araújo Maynard, Alceu. Cultura Popular Brasileira, p.102. O excelente esporte de ataque e defesa, trazido pelos negros de Angola, foi largamente praticado no Brasil onde estiveram presentes os escravos daquele estoque racial africano (...) 6 a) Carneiro, Edison. Negros Bantus, Cap. 2, Capoeira de Angola, p.147. Divertimento velho no Brasil, a capoeira.Tão velho, supponho, quanto o tráfico de negros bantus...; b) Carneiro, Edison. Capoeira, p.3. Dá-se o nome de capoeira a um jogo de destreza que tem as suas origens remotas em Angola 7 Cascudo, Câmara. Folclore do Brasil, Capoeira, p.179-189. A unanimidade das fontes brasileiras indica a Capoeira como tendo vindo de Angola. Sempre nos faltou a informação africana sobre as origens da Capoeira no Brasil. Existe em Angola a nossa Capoeira nas raízes formadoras (...). Ressaltamos que a posição de Cascudo foi fundada em informações prestadas pelo etnógrafo e pintor Albano Neves e Sousa, que aludiu ser a NGolo a Capoeira, informação esta, reconsiderada aquando de entrevista a mim concedida, que culminou na produção de um novo ensaio. 8 a) Thompson, Robert Farris. Tough Guys do Dance, p.138/140; Nestes textos o autor cita as seguintes expressões ou movimentos: Yínama bandama, tuumba; Knocking and Kicking; Afro-cubana Maní ou Bombosa; Lagya 9 Na pesquisa em Lisboa, identificamos expressões de cariz ritual e festivo dos países Costa do Marfim, Nigéria, Sudão, Tanzânia, em que muitos dos seus movimentos assemelhavam-se aos da atual capoeira. 10 a) Barbosa, Alexandre. Guinéus, p.70-73; b) Quintino, Fernando R. Lutas corpo-a-corpo e o jogo da Mantampa; c) Carreira, António. Mandingas da Guiné Portuguesa, Cap. VII, Vida Mental a) Jogos e entretens, p.215-219.; d) Moreira, José M. Fulas do Gabú, Vida Psíquica, p.217-218. 11 Rocha, Luis C. Krummenauer. Praticando Capoeira. Teses que comprovam a brasilidade da capoeira, p.10-13. POSTURA aprovada pelo Conselho Geral em 01/02/1833. Publicada 14/03 do dito ano. POSTURA (Novas) Municipais da Cidade de Sorocaba, aprovadas provisoriamente pelo Govêrno da Província pelo Exmo. Governo da Província de 07/10/1850, que se acham afecta a Assembléia Provincial. Título VIII Sobre jogos, entrudos e marcos nas ruas de ouro e prata. Art.151º. POSTURA da Câmara Municipal da Vila de Cabreuva, de 14/09/1859. Art 39º. QUERINO, M. A Bahia de outrora. Vultos e fatos populares. Salvador: Livraria Progresso, 1946, v. 3, 328p. (Coleção de Estudos Brasileiros). QUINTINO, F.R.R. Lutas corpo-a-corpo e o jogo da Mantampa . Instituto de Alta Cultura. Junta de Investigações Científicas do Ultramar. In Memoriam. António Jorge Dias. II. Lisboa, s/d. p. 375-380. REVISTA DO ARQUIVO PÚBLICO ESTADUAL DO RECIFE. Um Tempo do Recife. Recife: Secretaria da Justiça, 1978. p.113-115. REVISTA DO ARQUIVO MUNICIPAL. 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Chamavam-no então co puera, isto é, roça abandonado, e que, na boca dos mestiços e civilizados, transformou-se em capueira. 14 a) Freyre, Gilberto. Sobrados e Mucambos, tomo 2, p.455459, b) Avé-Lallemant, Robert. Viagem pelo Norte do Brasil, v. 2., p.195-238; c) Costa, Maria de Fátima G. O Brasil de hoje no espelho do século XIX, 2. ed., Rugendas J.M. Negros em repouso, p.62/63. 15 Quando aludimos a quase inexistência de dados, levamos em consideração de que a legenda elaborada por Herculano Gomes Mathias para ilustrar a prancha 27 de Rugendas denominada São Salvador, decorre de inferência fundamentada em dados que o seu autor possuía para promover tal colocação e, portanto, seria este um dado a ser considerado como indicativo da existência da Capoeira em Salvador no mesmo lapso de tempo do Rio de Janeiro. 16 Lima Campos. A capoeira, p.192. 17 Lacé Lopes, André L. A capoeiragem no Rio de Janeiro, primeiro ensaio, p.39. 18 Os autores revistos foram: a) Sette, Mário. Maxabombas e Maracatus; b) Duarte, Ruy. História Social do Frevo; c) Oliveira, Valdemar. Frevo,Capoeira e Passo; d) Costa, F.A.Pereira da. FolK-Lore Peranmbucano; Arquivo Público Estadual. 19 a) Bruno, Ernani Silva. História e tradições da Cidade de São Paulo. v. 2. Atas da Câmara Municipal de São Paulo, XXXVI, p.59 b) Novas Posturas Municipais da Cidade de Sorocaba, aprovadas provisoriamente pelo Govêrno da Província pelo Exmo. Governo da Província de 07/10/ 1850, que se acham afecta a Assembléia Provincial. Título VIII Art. 151º; b) Postura da Câmara Municipal da Vila de Cabreuva, de 14 de Setembro de 1859. Art 39º 20 Postura aprovada pelo Conselho Geral em 01 de Fevereiro de 1833. Publicada em 14/03/1833; 21 Martins, Dejard. Esportes: Um mergulho no tempo, p.179. Diário do Maranhão 10/01/1877. Tem sido visto, por noites sucessivas, um grupo que, no canto escuro da rua das Hortas sair para o largo da cadeia, se entretém em experiências de força, quem melhor dá cabeçada, e de mais fortes músculos, acompanhando sua inocente brincadeira de vozarios e bonitos nomes (...) ♦ #% ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) ARTIGO ORIGINAL Culturas populares na formação do profissional de educação física: sentidos e significados do carnaval Popular culture for qualification in physical education: carnival aspects and meanings Maria José Alves da Silva Oliveira, D.Sc.* * Professora Adjunta da UERJ, Instituto de Educação Física e dos desportos, Cadeira de Educação Física Folclore e Cultura Popular Resumo Os objetivos deste estudo consistem em: identificar os sentidos expressos nos discursos de populares praticantes do carnaval; identificar, através do discurso veiculado por professores de folclore e cultura popular em exercício em cursos de formação de profissionais de Educação Física , os sentidos referentes à manifestação do Carnaval; e analisar pontos de convergência e/ou de divergência existentes nos discursos dos docentes e dos praticantes populares do carnaval. A investigação foi de natureza qualitativa e de caráter exploratório. O instrumento utilizado foi a entrevista semi-estruturada. O corpus do estudo foi constituído pelos discursos de dez informantes, sendo cinco praticantes do carnaval e cinco professores universitários do Rio de Janeiro. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras-chave: carnaval, folclore, cultura popular. Abstract The aims of this study were as follows: 1) to identify what underlies the Carnival spirit through the words of ordinary people who take active part in Carnival festivities and professors of Folklore and Popular Culture actively engaged in training Physical Education instructors; and 2) to analyze if the speech of these two groups appears to be alike or differ. It is a qualitative and exploratory study and the instrument used is a semi-structured interview. The study corpus consisted of the speech of ten speakers of which five were Carnival lovers and five were professors of university of Rio de Janeiro. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key-words: carnival, folklore, popular culture. Artigo recebido em 20 de agosto de 2004; aceito em 22 de setembro de 2004. Endereço para correspondência: Maria José Alves da Silva Oliveira, UERJ, Instituto de Educação Física e dos Desportos, Rua São Francisco Xavier, 524, 20550-013 Rio de Janeiro, RJ. #& ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) Introdução Vivemos na atualidade um momento de mudanças onde cada vez mais à compreensão da cultura nos seus diferentes matizes torna-se determinante para a compreensão de uma sociedade. O modelo de pensamento construído em nossa sociedade levou-nos a subestimar os valores, as crenças, enfim, todo o aparato simbólico de que se valem as pessoas para dar conta de modo eficiente do seu cotidiano. Passamos a ignorar que a cultura seja ela erudita ou espontânea, emerge dos discursos no cotidiano de forma mesclada, misturada e, não raro, marcada por profundas contradições. Assim sendo, a cultura, enquanto conjunto complexo de conhecimentos, crenças, valores e costumes adquiridos pelos homens em sociedade, tornou-se opaca; os significados, desligados das suas raízes, tornaram-se pouco compreensíveis. Esquecemos que os termos indicam não uma divisão real, mas uma diferença de julgamento. A cultura popularesca 1, que é o espaço de referencia entre a cultura erudita e a espontânea, no modelo racional predominante na nossa sociedade, tornou-se padronizada, veiculando uma visão de homogeneidade que nos dá a ilusão de que as contradições não existem2. As normas, valores e sinais de pertencimento, que são partilhados de modo simbólico pelos membros das diferentes comunidades, perderam seu caráter polissêmico e, por conseguinte, a capacidade de explicar o modo particular dessa comunidade pensar, sentir e agir sobre o mundo. Deixou-se de privilegiar a perspectiva que admite que os sentidos se organizam num sistema simbólico que reflete e regula as práticas sociais cotidianas. A propósito, Ferreira e Eizirik observam que isso é vivido de tal forma pelos agentes sociais que passa a representar para o grupo o sentido de verdadeiro. Nesta perspectiva, com a qual concordamos, as relações sociais apresentam dimensões físicas, materiais e simbólicas. Segundo Ferreira e Eizirik , isso implica dizer que as crenças, os mitos, os tabus se concretizam em práticas sociais coletivas, expressão de aspirações e de motivações dos integrantes do grupo. O não reconhecimento desta microcultura, que se constrói no cotidiano de cada comunidade em particular, implica o desconhecimento dos processos eleitos em cada uma delas para dar conta da construção efetiva da cidadania. Ignorar esta cultura, este caudal de onde emerge a cidadania, e tomá-la como uma coisa dada, e não como um espaço onde se opera a passagem da não cidadania para a cidadania. Urge, portanto, que mergulhemos neste microespaço vivo e efervescente para que possamos conforme Ferreira recuperar o sentido do agir humano nem sempre pilotado pela razão ou consciência. Em que pese à forca dos argumentos a favor da incorporação do estudo deste cotidiano para compreender a cidadania e, por conseguinte, do imaginário que lhe dá consistência, esta nem sempre tem sido a postura da universidade brasileira. Arroyo admite que os profissionais de educação, e diríamos particularmente os de Educação Física, via de regra, tem-se respaldado em referenciais de cidadania que não a valorizam como produto de uma construção em que a liberdade é sua referencia básica. Assim, desvalorizam a visão de cidadania enquanto cidadania possível3, isto é, a cidadania que se constrói a partir de condições concretas e objetivas. Ainda neste sentido, Ferreira observa que é importante que os professores conheçam o paradigma liberal de cidadania para que possam cotejá-lo com a nossa cidadania efetiva, identificando os desvios e as contradições. Cabe aos profissionais de terceiro grau investir em estudos que possam resgatar a verdadeira dimensão de cidadania plena. Segundo Costa, cabe a eles contribuírem para a organização de um novo tempo onde o desenvolvimento, a renovação e a identificação de valores culturais legitimados sejam a alavanca para a modernização da sociedade como um todo. Os caminhos e descaminhos de construção da cidadania precisam ser visitados e revistados, compreendidos e explicitados. Segundo Ferreira, isto implica dizer que a comunidade precisa ser vista de modo especial, a partir e nas suas ações cotidianas como produtora cultural de representações. Quer dizer, não bastam estudos das condições efetivas da educação, mas também torna-se necessário o conhecimento do campo simbólico, onde se integra e se realiza o cotidiano educacional. É neste contexto que acreditamos que a Educação Física se inscreva enquanto atividade capaz de contribuir para a construção da cidadania e, sobretudo, de um modelo de universidade que, rompendo com o modelo vigente, privilegie a construção do saber a partir da montagem de relações não-verticalizadas com as comunidades periféricas. Trata-se de uma perspectiva de Educação Física que não se conforma mais com os modos tradicionais de apropriação do saber em que o modus faciendi do cidadão comum não era considerado relevante. A visão que nos respalda aqui emerge de uma concepção de universidade polemizadora, rebelde, que permanentemente questiona, faz e refaz o seu #' ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) modo de lidar com a cultura e a ciência. Neste sentido, concordamos com Buarque quando ele admite que a universidade tem a missão de organizar a rebeldia intelectual como forma de revolucionar permanentemente o pensamento nas ciências, nas artes, nas tecnologias e nas reflexões filosóficas, fortalecendo as condições de formação dos cidadãos para que estes possam usar esta rebeldia no processo de criação material e cultural da sociedade. A universidade não pode mais organizar a cultura para a comunidade, mas sim a partir de uma comunidade. O intelectual que precisamos formar tende para o perfil do intelectual orgânico, no sentido de Gramsci. Intelectual que, no seu fazer cotidiano, confere à Educação Física uma dimensão sóciohistórico-político-cultural que a torna densa e prenhe dos significados legitimados que emergem da cultura popular. Intelectual que explora, enfim, a polissemia do termo cultura, na perspectiva de apreender os diferentes caminhos de construção da cidadania. Mas, afinal, em que medida estamos formando este profissional? Desde a década de 60, as universidades brasileiras vêm formando profissionais a partir da idéia de currículo mínimo (Parecer 894/ 69, Resolução 69/ 69 do Conselho Federal de Educação CFE). Esta idéia, no campo particular da Educação Física, contribuiu para a produção de profissionais pouco sensíveis às peculiaridades locais, pouco críticos e, sobretudo, despreparados para compreender os traços que compõem a identidade dos diferentes grupos que convivem em nossa sociedade. Por conta disto, deixavam estes profissionais de privilegiar em suas propostas metodológicas as singularidades que mostram como a cidadania efetivamente se constrói. Com a emissão da Resolução 03/87 (CFE), tivemos uma substancial mudança no modo de conceber a formação dos profissionais de Educação Física. Esta resolução, a um só tempo, resgatou a autonomia das universidades, rompeu com a idéia de currículo mínimo e priorizou o respeito às peculiaridades locais das diferentes regiões onde se instaura o curso universitário. Além disso, estabeleceu eixos articuladores para balizar o curso, o que sugere uma mudança de atitude diante da Educação Física. A propósito, o Parecer 215/ 87 do CFE admite que mais do que uma mudança de estrutura curricular impõe-se uma mudança de atitude por parte destes profissionais e das leis que a forma. Isto quer dizer que a reformulação do curso de formação universitária em Educação Física atende as condições necessárias, em nível legal, para a formação de profissionais críticos, engajados e competentes política e tecnicamente. Entretanto, fica claro também na Resolução 03/87 que a formação mais adequada de profissionais depende de uma mudança de atitude destes educadores, sobretudo dos que atuam na esfera da docência em cursos de formação nesta área. Admitimos que, sendo os profissionais universitários de Educação Física responsáveis pela interpretação e veiculação dos referenciais, inclusive os de cidadania, contidos na Resolução 03/87, seriam eles pessoas que reúnem possibilidades para suscitar mudanças de atitude em seus alunos. Consciente de que estas modificações têm mais possibilidades de ocorrer nas disciplinas que lidam com a cultura popular e o folclore, optamos por constituir os objetivos do presente trabalho a partir de estudo relativo a disciplina Folclore e Cultura Popular no curso de formação profissional em Educação Física. Propomo-nos, pois, a investigar em que medida os sentidos veiculados no discurso dos professores dos cursos de graduação em Educação Física se aproximam dos sentidos veiculados no discurso dos praticantes da comunidade em relação à festa do carnaval. Dentre as diferentes manifestações do folclore e da cultura popular, o carnaval constitui uma fonte privilegiada para a compreensão dos valores e costumes da sociedade brasileira e do modo singular como esses valores e costumes vem sendo, ao longo de sua trajetória histórica, percebidos e partilhados. Estas práticas festivas tornam-se relevantes para a compreensão da lógica que ordena as relações das forças simbólicas que aí são expressas na integração do homem, de seu corpo, de seus sentidos e sentimentos. Os objetivos do estudo são: a) identificar os sentidos expressos no discurso de populares praticantes de carnaval; b) identificar, através de discurso veiculado por professores de Folclore e Cultura Popular em exercício, em cursos de formação de profissionais de Educação Física, os sentidos referentes à manifestação do carnaval; c) analisar pontos de convergência e/ou de divergência existentes nos discursos dos docentes (professores universitários de Folclore e Cultura Popular) e dos praticantes populares de carnaval. Em função dos objetivos, foram formuladas questões orientadoras para investigação: a) os professores universitários da disciplina Folclore e Cultura Popular veiculam em sua pratica profissional significados legitimados pela cultura popular em relação ao carnaval? b) que sentidos predominantes (latentes, emergentes, e instaurados) a manifestação carnaval podem ser encontrados nos discursos dos professores universitários de Folclore e Cultura Popular e dos $ ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) praticantes populares de carnaval? c) há convergências e divergências nos sentidos predominantes veiculados pelos discursos destes dois segmentos? Neste contexto, considerando-se que, dentre as diferentes manifestações populares o carnaval emerge como uma das expressões mais típicas do folclore nacional, e considerando-se que esta manifestação (carnaval) mostra como a cultura popular se constrói e perpassa as representações que norteiam a vida das pessoas, optamos por elegê-lo como categoria para a nossa investigação. Interessa-nos o estudo do carnaval porque percebemos que a forma de representá-lo tem implicado modos variados de conceber o corpo e a ludicidade, e de trabalhar com a expressão corporal socialmente aceitável para cada contexto. O carnaval desvela modos variados de conceber as disciplinas corporais instituídas pela ordem social e os diferentes modos de se contrapor a elas. Como festa caótica que é, ancorada no seu sentido etimológico polissêmico festa da carne , o carnaval nos sugere re-visitar os processos de constituição das normas instituídas para o exercício da expressão corporal durante os folguedos na atualidade. O estudo desta manifestação cultural, marcado pelo toque de Midas do negro4, pode revelar ao mesmo tempo como o negro vem resistindo às pressões do discurso oficial e como vem negaceando e negociando sentidos para preservar sua identidade. Ao sugerir a abolição temporária das margens do socialmente aceitável, o carnaval permite a compreensão do corpo em diferentes dimensões. Permite-nos compreender, por exemplo, como os membros das comunidades concebem a idéia de participação nesta festa popular em que o povo fazedor de carnaval passa a condição de figurante e o leigo de condição social privilegiada e alçado à condição de destaque. O estudo do carnaval do Rio de Janeiro permitenos, sobretudo, mostrar que as comunidades que fazem o carnaval não aceitam passivamente a disciplina imposta pelas entidades oficiais organizadoras da festa (Riotur, Liga das Escolas de Samba, etc.), as quais, ao mesmo tempo que lhes inventam a liberdade, inventam e exercitam processos de conformação dos corpos, inscrevendo-os no campo do risível, do caricatural. Este estudo permite-nos também cotejar o modo de apropriação desta festa (carnaval) por parte dos docentes da disciplina Folclore e Cultura Popular, como a visão desta manifestação na perspectiva dos populares, reais fazedores de carnaval. O presente estudo é de natureza qualitativa e de caráter exploratório. Inscreve-se na esfera dos estudos descritivos e interpretativos. Pauta-se, sobretudo, na tentativa de dar conta de uma situação social particular, utilizando-se de várias fontes de informação. Para a coleta de dados, utilizamos a entrevista semi estruturada. Referenciais para a Análise do Discurso. Na análise dos dados coletados, buscamos respaldo na Análise do Discurso, com base em fragmentos discursivos dos autores Orlandi, Bakhtin e Brandão. Este instrumental metodológico se organiza a partir de uma matriz teórica de análise, que visa a dar conta dos sentidos latentes, emergentes e instaurados, cujas marcas, coexistentes, podem ser captadas através do intradiscurso5. Por discurso entendemos o espaço de conflito permanente onde o outro exerce papel fundamental na constituição do sentido. Nesta perspectiva, o dialogismo que marca a identidade do discurso tornase tributário da heterogeneidade. A relação de um discurso com outros estabelece uma espécie de jogo em que os sentidos flutuam de acordo com a influencia que estes exercem sobre o discurso referencia. Torna-se relevante, neste caso, não apenas o estudo da homogeneidade, mas, sobretudo, das características destas interfaces, desta heterogeneidade que passa a condicionar o ritmo dos movimentos do discurso. O conceito de formação discursiva passa a ser visto, então, não como uma linguagem para todos, como era usual, mas como várias linguagens em uma única. Torna-se relevante neste tipo de análise a compreensão da emergência do diferente, do contraditório, do subjacente. Isto implica a compreensão da emergência do diferente, do contraditório, do subjacente. Isto implica a compreensão da formação discursiva conceito nuclear da Análise de Discurso não como um bloco compacto e coeso que se opõe a outras formações discursivas, mas como uma formação que carrega na sua constituição o heterogêneo sem fronteiras fixas estabelecidas. Portanto, a formação discursiva e concebida aqui como uma formação vazada por várias formações discursivas, o que nos remete necessariamente as relações interdiscursivas. Ao se conceber a heterogeneidade, como a entendemos nesta proposta, a noção de interdiscurso sofre uma sensível mudança: o ethos 6 (marca individual do sujeito) ganha a dimensão de mediador entre o homogêneo e o heterogêneo, entre o um e o outro, e o outro no um. Assim sendo, ao lado da polifonia, no sentido de Bakhthin, que antes apenas dissolvia o sujeito que se desloca na sua ânsia de completude, salpicando a sua trajetória com marcas da sua individualidade. $ ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) A análise do enunciado como unidade autônoma passa a não ser suficiente para a compreensão do discurso. Torna-se relevante, portanto, compreender os processos dinâmicos que propiciam a emergência deste discurso, remetendo-o a seu espaço de origem. Refiro-me ao espaço de enunciação, onde o discurso sob a forma de intradiscurso ganha consistência e materialidade7. Ao nos posicionarmos assim, queremos demarcar a existência de um conjunto de crenças e valores que, se por um lado emergem no discurso enquanto marcas de uma coletividade, por outro emergem como singularidade na fala dos atores sociais. Cumpre-nos, portanto, observar que o não dito se esgueira pelos interstícios das palavras, pelos espaços vazios, pela penumbra, enfim, pelos caminhos da dissimulação, tal como observou Olivenstein. Não pode haver teorização causal ou interpretativa do não-dito, sob pena de se cair no folclore. A teoria do não-dito e a não-teoria: uma seqüência ampla e flexível que se modifica à vontade. Não existe uma estruturação do não-dito como existe por exemplo uma estruturação da libido na teoria freudiana. Há herança transmitida ao pé do ouvido, no segredo e, por outro lado, trabalho de construção e destruição permanente, de adesão e de dúvida, de distância e de proximidade instantânea. A referência que fazemos neste estudo ao espaço do não-dito não é para dizer que dele vamos dar conta, mas para mostrar que estamos cônscios de que ele vagabundeia sorrateiro e perspicaz por entre as palavras, postergando sempre a sua chegada, não damos contas de marcas, pistas dos desbocamentos do sujeito, mas jamais do seu posicionamento real. Em nosso processo de análise, vamos prestar especial atenção aos deslocamentos do sujeito e a sua forma singular de enunciar, tentando situar seu enunciado no seu espaço de enunciação, tentando compreender o jogo das interfaces discursivas. Vamos levar em conta que sem dito não há não-dito, que sem não-dito não mais dito. Há ordem, morte (Olivenstein). A propósito, Orlandi observa que o implícito e o não-dito que se define em relação ao dizer. O silêncio, ao contrário, não é o não-dito que sustenta o dizer mas aquilo que é apagado. A constituição da nossa matriz teórica de análise baseia-se no pressuposto de que no discurso coexistem: a) o sentido latente; b) o sentido emergente; c) o sentido instaurado. O sentido latente é produto de processos históricos variados, emerge enquanto reminiscência discursiva, resquício de memória. Ele nos permite compreender a instabilidade como elemento cons- titutivo do discurso. O já-dito, inevitavelmente disperso pelo discurso em construção, marca sua filiação mostrando que ele nasce de um discurso anterior apontando para um outro. A configuração semântica do discurso muda à medida que fragmentos dos discursos são incorporados a um discurso novo. Os sentidos latentes contidos nestes fragmentos tendem, assim, a marcar a dinâmica de constituição dos discursos, propiciando a emergência de novos sentidos. Funcionam como o substrato dos sentidos emergentes e instaurados, sem pertencer exclusivamente a nenhum deles. Situam-se na esfera do silêncio constitutivo, encontram-se no ponto de ruptura entre o sentido apagado e o privilegiado. Eles apontam para o não-dito enquanto para excluída, apagada, colocada de lado Diferenciamse do implícito que, no nosso entendimento, está ao lado do sentido instaurado. Representam, enfim, aquilo que é preciso não dizer para que o texto se feche, seja coerente, não-contraditório. O sentido emergente encontra-se no nível da dialogicidade ante o discurso hegemônico e o nãohegemônico. Opõe-se ao discurso instaurado e encontra-se comprometido com os sentidos latentes. Aponta para a polissemia ampla (sentidos latentes), mas emerge sob a forma de paráfrase. Não afronta diretamente discurso hegemônico; atua escamoteando os sentidos privilegiados por aquele; reapresenta pontos de resistência. Seus efeitos mostram divergência. A longo prazo, instituem a ruptura com o discurso hegemônico e tendem a instalar uma nova ordem. A emergência deste sentido mostra a todo instante que, como diz Robert Schwart, apud Orlandi, as idéias não têm um lugar, têm muitos. Isto implica dizer que os sentidos são sempre relativos, que as idéias não têm lugar absoluto. O sentido emergente guarda íntima afinidade com o sentido latente. Ele possui história, seu processo de constituição não rompe com os sentidos latentes que compõem o imaginário social do espaço de onde emerge, ele apenas desliza seus sentidos. Entretanto, este processo de deslizamento, que se dá por força do confronto com o discurso hegemônico, ofusca sua ligação com uma história de constituição dos sentidos, isto é, com o lugar onde foram efetivamente construídos. Em conseqüência, estes sentidos se mostram com a aparência de deslocados, isto é, despossuídos de uma carga semiótico-semântica que os liga efetivamente a um espaço em particular. Portando, constitui tarefa, através da análise, recolher pistas, compreender e tentar explicar este processo de recomposição que se dá a conhecer sob a forma de deslocamento de sentido. $ ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) O sentido instaurado inscreve-se na esfera do discurso hegemônico. Sua eficácia se produz a partir da criação da idéia de deslocamento real. Atua de forma indiscriminada, criando certeza. Sua força aumenta à medida que cria a idéia de que os sentidos não emergem de um processo histórico. Assim sendo, o discurso instaurado trabalha com a perspectiva de que o sentido é, ao contrário do emergente, que o admite como processo onde o sentido está sendo. O silêncio, na perspectiva do sentido instaurado, coincide com o implícito. Esta manobra ocorre por conta da ideologia. O sentido instaurado, no nosso entendimento, coincide com a interdição, com a censura: o sujeito é impedido de inscrever-se em formações discursivas determinadas. Torna-se importante observar nos movimentos deste discurso os processos que respondem pelo recalque, pelos sentidos não privilegiados, excluídos do processo de enunciação. Este discurso nos ajuda a compreender a interferência da ideologia no discurso, isto é, o modo como a organização do sentido é trabalhada pela ideologia. Além disso, permite compreender os movimentos do discurso emergente. Não quereremos dizer com isso que haja oposição entre ambos. Não se trata de um jogo posicional mas, sobretudo, de um jogo estratégico. Ambos, discurso instaurado e discurso emergente, transitam na esfera do jogo. O primeiro jogo aposta na possibilidade de aprisionar o significante, enquanto o segundo negaceia8 negando de forma velada esta possibilidade. É sobretudo a idéia de movimento que está por trás deste jogo. Não há limites para cada um deles, não há margens pré-estabelecidas, apenas a insustentável leveza dos sentidos que teimam em flutuar, deslocando-se do parafrástico ao polissêmico sem regras fixas que lhes possam determinar a emergência neste ou naquele espaço. Constitui, portanto, tarefa da análise recolher marcas, pistas que remetem a tentativas de aprisionamento do significante do discurso. Características do grupo amostral A parcela do grupo amostral, referente aos cinco docentes de Folclore e Cultura Popular, atua há mais de cinco anos em cursos de formação universitária de profissionais de Educação Física, no Estado do Rio de Janeiro, e é formada por profissionais que detêm experiência no meio acadêmico. A outra parcela do grupo se refere aos cinco praticantes de carnaval, residentes no Morro da Mangueira, que atuam há mais de cinco anos como membros da escola de samba do mesmo nome. Destacam-se entre estes atores socais: dirigentes da escola de samba Estação Primeira de Mangueira, membros da ala velha-guarda, Mestre-Sala e Porta-Bandeira, entre outros. A metodologia aplicada para seleção das duas amostras foi a da escolha proposital. Consideramos satisfatório o grupo amostral constituído para este estudo, pelas razões enumeradas a seguir. Em Análise do Discurso parte-se do pressuposto de que as formações discursivas moralizam com relativa eficiência os discursos dos atores sociais. Por esta razão, não necessitamos de uma grande amostra para verificar marcas homogeneizadoras ou heterogeneizadoras presentes nos discursos. Em outras palavras, podemos dizer que o grupo amostral constituído e suficiente para verificar as tendências discursivas das populações estudadas. Além disso, os deslocamentos do sujeito, bem como os sentidos que emergem do espaço do dito ou do não-dito, podem ser captados satisfatoriamente através dos discursos do grupo amostral que constituímos. Vale frisar que para se aprender os movimentos do interdiscurso, a relação de um discurso com outros discursos, não são necessários grandes grupos amostrais, mas apenas grupos com discursos qualitativamente diferentes (como é o caso dos grupos apresentados, de professores e de praticantes de carnaval), desde que se determinem eixos comuns de análise, como é o caso apresentado. As perguntas contidas no roteiro da entrevista visavam dar conta de sentidos predominantes na representação do carnaval, presentes nos discursos dos professores de Folclore e Cultura Popular dos cursos universitários de Educação Física do Estado do Rio de Janeiro e nos discursos dos praticantes do carnaval. O estudo revelou que nos discursos de ambos os grupos, professores e praticantes, ocorrem movimentos de aproximação e distanciamento dos atores sociais em relação a duas idéias, que convencionamos denominar neste estudo de entrudo e padronização. O primeiro termo remete a idéia de polissemia, de abertura, enquanto o segundo remete a de fechamento, de monossemia. Os sentidos que se aproximam do entrudo tendem a coincidir com o carnaval simples e espontâneo do povo. Predomina neste a idéia de brincadeira descompromissada, a idéia de caos. Por outro lado, os sentidos que migram em direção a padronização tendem a inscrever a festa carnaval nas proximidades da seriedade. Neste caso, o riso perde parte de sua plasticidade e fica, via de regra, restrito aos limites da ironia. Tal movimento restritivo, porém, não possui a força necessária e suficiente para $! ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) desequilibrar o discurso e inscrevê-lo de forma definitiva no espaço do riso reduzido. Ocorrem, nos discursos dos atores sociais, movimentos pendulares que fazem o sujeito constantemente oscilar entre a afirmação e a negação do riso, no sentido rabelaisiano descrito por Bakhtin. Podemos dizer que os sentidos da festa carnavalesca, que se opõe à padronização, mostram que o riso não se contenta com o lugar que se lhe destina nesta visão de carnaval. Ele se recusa a permanecer bem comportado nos limites estabelecidos por este sentido de carnaval marcado pela predominância do artificialismo e, sobretudo, pela tendência a não considerar as margens como parte constitutiva da dinâmica de seu processo de construção. Na prática, isto significa dizer que o riso verdadeiro, amplo, transformador, tende a vazar e a emergir dos discursos, mostrando uma visão de totalidade do mundo. Neste sentido, ele se opõe de forma velada ou ostensiva ao riso caricatural de sentido reduzido, restrito, da festa carnavalesca. O riso não-reduzido questiona a ilusão de aprisionamento de um sentido do riso contido na padronização. Nesta perspectiva, o riso carnavalesco transcende a esfera da ironia, do escárnio, do riso parcial que não aponta para a totalidade. É portanto este movimento de oscilação, de vaivém, que o discurso dos atores sociais revela. Os fragmentos discursivos analisados neste trabalho apontam para movimentos irregulares do sujeito, ora em direção ao riso reduzido (padronização), onde se dimensiona a festa carnavalesca na perspectiva do divertimento ligeiro, ou uma espécie de castigo útil que a sociedade usa para os seres inferiores e corrompidos; segundo Bakhtin, ora em direção ao riso universal amplo (entrudo), onde, ao contrario, admite-se que o que é essencial e importante pode inscrever-se na esfera do cômico. Nesta perspectiva, explora-se o uso de sentidos positivos associados à festa do Carnaval. E sobretudo a totalidade que se dá a conhecer nesta visão, através de sentidos latentes e emergentes, apontando para uma constituição diferente, transformadora dos sentidos da festa carnavalesca. Embora existam fortes indicadores de atitudes de resistência frente aos sentidos privilegiados pela padronização, de modo geral o que predomina nas entrevistas é esta perspectiva. Assim sendo, o carnaval construído pelo discurso destes atores sociais, considerando-se principalmente os depoimentos dos professores de Folclore e Cultura Popular, tende a transitar sobretudo na esfera da ironia, do caricatural, conferindo ao discurso uma perspectiva estética aparentemente não coincidente com a visão dos praticantes do carnavalesco: a festa carnaval reduzida à dimensão do samba-enredo, o que sufoca e limita seus sentidos múltiplos, sua polissemia a uma dimensão quase monossemia, na qual a fluidez e a dinamicidade errante do carnaval tendem a não ser privilegiadas. A tendência à monossemia, ao fechamento, aparece nos discursos de ambos os grupos. Isso quer dizer que existe uma divergência discursiva que os torna fortemente afetados pela padronização. Há, todavia, pontos de divergência significativos entre os discursos de professores de Folclore e Cultura Popular e os de praticantes do carnaval, se considerados separadamente. Ou seja, enquanto no primeiro grupo (professores) predomina uma forte tendência a padronização, havendo uma quase homogeneidade em relação a esta perceptiva, no segundo grupo esta tendência tornasse mais fraca, o que fortalece os movimentos em direção ao entrudo, a polissemia, a abertura de sentidos da festa carnavalesca. Estas tendências nos sugeriram que o processo de análise e interpretação dos dados deveria ser realizado em dois movimentos diferentes. O primeiro, que denominamos endógeno, preconizava a análise isolada de cada grupo. Verificamos, assim, movimentos de aproximação e afastamento de cada grupo em relação ao entrudo e a padronização. O segundo processo, que denominamos exógeno, visava mostrar como cada grupo se comportava em relação ao outro. Verificamos, assim, os pontos de convergência ou divergência discursiva entre os grupos. Estes foram, em linhas gerais, os procedimentos que nortearam os processos de análise das entrevistas. Os processos discursivos investigados apontaram representações da festa carnavalesca que implicam emergência de marcas que ora caminham na direção de convergência de sentidos, ora no caminho inverso. Este processo oscilante, contraditório, perpassa os discursos de ambos os grupos pesquisados, mostrando que as mudanças que aparecem na superfície discursiva podem não corresponder ao que está silenciado na estrutura profunda do discurso (não-dito). As incongruências que afloram à superfície discursiva têm que ser cautelosamente avaliadas sob a égide das condições de produção, porquanto são elas, em última análise, que dão conta dos deslocamentos do sujeito e conferem a logicidade e a respectiva noção de fechamento aos textos. Nesta perspectiva, o estudo das contradições remete a processos de resistência ao discurso hegemônico, denunciando a existência de fragmentos discursivos que apontam para dimensões da festa carnavalesca ainda pouco exploradas. $" ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) Na expectativa de balizar e conferir maior consistência à análise e a interpretação das informações, apropriamo-nos das idéias de entrudo e padronização já referenciadas no texto para dar conta dos pedaços de memória (latências) dispersas nas produções discursivas dos atores sociais; e, sobretudo, para a forma como eles se organizam no discurso sobre o carnaval atual. O estudo revelou a ocorrência de uma tendência do grupo de professores de Folclore e Cultura Popular a convergir na direção da marca lingüística escola de samba. Nesta perspectiva, os discursos deste grupo foram influenciados pelo sentido que o discurso hegemônico privilegia nesta marca, qual seja, o de escola enquanto espaço formal de aprendizagem e troca de conhecimentos. Tal se verifica apesar da significância dos discursos que denunciam a pouca legitimidade do discurso hegemônico, como podemos observar no recorte que abaixo: Hoje em dia eu vejo o carnaval na escola de samba e sinto uma tristeza muito grande eu vejo um poderio, uma hegemonia cultural muito grande. (Informante 10) De modo geral, os membros deste grupo tendem a não questionar de forma intencional e sistemática esta visão reduzida do carnaval, que tende assim a ser visto como catarse. Por outro lado, o grupo de praticantes, de forma velada ou ostensiva, frontaliza-se com este discurso, como e exemplificado pelo informante 4, no recorte abaixo: Hoje, o carnaval sofreu uma influência totalmente diferente daquela que foi concebida anteriormente; a pureza, aquela pureza que (... ) vinha assim do fundo do coração, essa pureza eu creio que existe muito pouco, porque os sambistas naturais conceberam a idéia de carnaval como se fosse uma forma de alegria, uma forma de... sonho... assim como se fosse uma utopia. E num outro recorte, ao responder a perguntachave ele diz: Eu faria um efeito todo vindo da alma que [não] seria nada destas fantasias mirabolantes, destas fantasias pesadas, essas alegorias que se colocam nada disso (sic). Isso daí foi uma forma de engodar o povo. A verdadeira essência [do carnaval] ela acabou. (Informante 4) Assim sendo, o grupo de participantes tende a não se conformar com a visão sustentada pelo discurso hegemônico, propondo uma visão de carnaval que transcende a perspectiva visual e de samba do carnaval atual. Se eu fosse idealizar um carnaval eu entraria na avenida fazendo todo o povo sonhar que está vendo uma coisa mas, que na realidade, o que estava vendo era outra totalmente diferente. (Informante 4) Caminha, portanto, o informante na direção do carnaval de sentido aberto, polissêmico, aproximandose da perspectiva rabelaisiana de carnaval, que investe na constante e produtiva emergência de sentidos. Verifica-se assim, comparando-se ambos grupos, certa divergência, porquanto na mesma marca lingüística sentidos diferentes são priorizados. Com relação à marca participação ocorre o mesmo, pois enquanto nos discursos dos professores de Folclore e Cultura Popular esta marca remete, sobretudo, ao divertimento ligeiro, a catarse, no discurso dos praticantes ela ganha a dimensão de oportunizadora da preservação da identidade do grupo. Assim sendo, enquanto o professor de Folclore e Cultura Popular vê o praticante de carnaval como um integrante de uma Escola apenas, este se vê como um membro de uma família (a família Mangueirense, por exemplo), para quem o desfile constitui apenas um dos muitos momentos de encontro, de interação desta família. Há, portanto, algo mais forte que os une. O professor de Folclore e Cultura Popular não capta o sentido da marca Nação Mangueirense, que, sob a égide do símbolo da Escola (a bandeira), abriga um grupo que se singulariza por lutar pela preservação de sua identidade, de sua forma singular de ver, sentir e realizar o carnaval. Há também uma certa divergência no que tange a apreensão dos sentidos desta marca. O estudo nos mostra que as convergências intragrupais deslocam os grupos para espaços diferenciados, favorecendo a captação de certos sentidos que o outro grupo não privilegia. Isto provoca movimentos de convergência intragrupal (no mesmo grupo) que respondem pela ocorrência da homogeneidade discursiva de cada grupo. Entretanto, como o discurso de ambos os grupos é caracteristicamente poroso, isto é, vazado pela heterogeneidade, o que na prática se verifica é a emergência de um discurso gingado, contraditório, oscilante. Assim sendo, embora os discursos tenham caminhado para o predomínio de uma divergência discursiva intragrupal, estes pontos de contato (heterogeneidade), que na verdade representam a existência de marcas do discurso do outro, favorecem a construção de processos discursivos diferenciados. Em outros termos, isto quer dizer que quanto mais integração ocorrer entre os grupos (professores de folclore e Cultura Popular e praticantes do Carnaval), mais ampla e mais profunda será a mudança dos discursos de ambos. Aqui, portanto, está o ponto mais delicado do processo, porque o discurso acadêmico tem uma $# ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) tendência universalizante, enquanto os discursos dos praticantes têm um viés singularizador. Logo, se a universidade não tiver a sensibilidade necessária para captar os sentidos que emergem do discurso do outro, corre o risco de captar apenas a literalidade; e, pior que isto, de impor esta visão como única e verdadeira. A universidade precisa rever seu posicionamento e reavaliar seus métodos, para poder efetivamente transformar sua práxis e oferecer uma real contribuição àqueles que nela buscam não o conhecimento apenas, mas, sobretudo, compreender e se apropriar dos processos que tornam o conhecimento possível. Conclusão É preciso, portanto, que a universidade, exercite o hábito de ir a comunidade como quem vai a uma roda de capoeira, com o espírito aberto para jogar não o jogo das palavras, mas, sobretudo, o das crenças, dos valores e sentidos privilegiados por aqueles atores sociais; com os ouvidos aguçados para ouvir não só a música que ela tradicionalmente admitiu como correta, mas também aquela que os atores sociais produziam de forma legítima e que corresponde às notas que se harmonizam com um modo singular de se expressar; e, finalmente, com os olhos atentos para não deixar que a beleza da ginga e das negaças dos atores sociais impeçam-na de aprender que os movimentos e as evoluções que ali se apresentam como produto são, na verdade, a parte aparente de um intenso e profundo processo dialético de continua criação. A partir das interpretações do estudo, sugerimos a criação nas instituições universitárias de núcleos integrados de estudos e preservação do Folclore e da Cultura Popular. Visa-se, com isso, construir um espaço onde seja preservada a memória cultural do País e onde os estudantes universitários possam desenvolver-se com atitudes críticas e éticas de investigação, preocupados com o folclore e a cultura popular nas relações com a construção da cidadania, a partir e com os construtores do carnaval no Rio de Janeiro. Referências ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1982. ARROYO, M. Educação e exclusão da cidadania. In: BUFFA, E. et al. Educação e cidadania: quem educa o cidadão? São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1991. AYALA, M. Cultura popular no Brasil. Rio de Janeiro: Ática,1987. BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: HUCITEC, 1992. BAKHTIN, M. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Brasília: Universidade de Brasília, 1993. BRANDÃO, C. R. A cultura na rua. Campinas: Papirus, 1989. BRANDÃO. O que é folclore. São Paulo: Brasiliense, 1993. BRANDÃO, H. H. N. 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Vale ressaltar que o autor opõe o termo cultura espontânea (ou popular) à cultura erudita. 2 Contradições surgidas no confronto entre o discurso hegemônico e o não-hegemônico. 3 Este autor discorda da tese da imaturidade política do povo e também da idéia de preparo para a cidadania. Participação compreende cidadania não como doação mas, sim como construção. Nesta perspectiva, Arroyo abre espaço para que a cidadania seja vista não apenas como algo vinculado à escola, mas sobretudo como algo que se constrói no cotidiano, seja instrumental (onde a escola se inscreve), seja no espaço não-escolar, onde os valores e crenças da comunidade predominam. 4 A expressão Toque de Midas do negro busca uma analogia como o rei Midas, cujo toque transformava tudo em ouro. Nesta perspectiva, usamos a mesma idéia para mostrar que a criatividade do negro, o seu toque original, transformou o carnaval europeu no carnaval brasileiro, cuja organização e movimentação não possui paralelo no mundo. 5 Com este procedimento e de acordo com Brandão (1994), afirmamos a nossa concordância com a visão de Maingueneau, que não admite a formação discursiva como um bloco fechado (homogêneo). Em contrapartida, opomo-nos à perspectiva de Foucault, sustentada na Arqueologia do saber, na qual o autor define formação valorizando apenas a homogeneidade como elemento constituído do discurso, sem levar em conta a heterogeneidade. 6 Filhos é entendido neste estudo na perspectiva de Votre, que observa o que se caracteriza como ethos de um locutor seu tom específico, escapa à previsão e denota contradição, ruptura, negociação, de alguma forma desautorizada a expectativa, faz-se por razões que cabe investigar, e não acontece por acaso. 7 Por materialidade entendemos o espaço que confere sentido ao intradiscurso. Assim sendo, a materialidade corresponde à opacidade do discurso, a qual só pode ser transformada em relativa transparência pela análise do espaço de produção do discurso. 8 Negacear é um termo usado na acepção de dissimular; o termo, neste sentido, baseia-se na idéia de subversão onde, sem afrontar a ordem vigente, silenciosamente, constrói-se uma outra ordem de sentidos prenhe de legalidade e identificada com a perspectiva do falante que dela se apropria. ♦ $% ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) RELATO DE CASO Programa Curitibativa perfil de saúde e aptidão física da população curitibana Curitibativa program profile of health and physical aptitude of Curitibas population Silvano Kruchelski*, Rosemary Rauchbach** * Especialista em Didática do ensino Superior PUCPR, Secretaria Municipal do Esporte e Lazer Curitiba, Responsável científico pelo protocolo do adulto Programa Curitibativa, ** Docente no Curso de Educação Física UNLANDRADE, Coordenadora do Programa Idoso em Movimento, Secretaria Municipal do Esporte e Lazer Curitiba, Responsável científico pelo protocolo do idoso Programa Curitibativa Resumo O Programa Curitibativa dentro de uma política de prevenção e qualidade de vida tem como um de seus objetivos a avaliação da população curitibana que através de instrumentos específicos avalia: o nível de atividade física habitual, a estimativa de risco cardíaco, o comportamento funcional corporal relacionados à força muscular (abdômen e mãos), flexibilidade, composição corporal (IMC) e padrão de obesidade (ICQ) e ainda registra dados importantes de saúde como freqüência cardíaca, pressão arterial, índices glicêmico e de colesterol. Foram avaliadas, 2843 pessoas, sendo: 1.798 mulheres e 1.045 homens. A população foi classificada: em inativos ou levemente ativos, moderadamente ativos, ativos e muito ativos. Maior parte da população encontrase na faixa de moderadamente ativos (44,49%) e inativos ou levemente ativos (26,22%). A mulher curitibana tem uma prevalência geral de atividade física habitual menor do que o homem, considerando todas as faixas etárias conjuntamente, mas com o passar da idade torna-se mais ativa, ao inverso do homem. Índices preocupantes de risco cardíaco estão presentes em 7,96% das mulheres e 13,34% dos homens. Níveis de força abdominal são significativamente mais altos em pessoas mais ativas em comparação às pouco ativas, principalmente para os homens. A Relação Cintura-Quadril (RCQ) verificada apresenta mulheres com maiores médias de risco (acima de 0,85) do que os homens (acima de 0,95), principalmente com o passar da idade e redução do nível de atividade física habitual. De acordo com o Índice de Massa Corporal (IMC), a prevalência de obesos é de 15,7% dos homens e 17,9% das mulheres e sobrepesos de 42,1% dos homens e 32,1% das mulheres, faixas de composição corporal que inspiram cuidados relacionados à saúde, e que são progressivamente menos prevalentes quanto maior o nível de atividade física. Índices de flexibilidade fraco ou regular estão presentes em 66,5% da população.A população avaliada apresentou índices de glicemia acima da faixa recomendável (60 a 160 mg/dl) em 3,98% das mulheres e 4,47% dos homens, e prevalência de colesterol na faixa de risco alto (acima de 240 mg/dl) em 6,35% das mulheres e 6,81% dos homens. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras-chave: atividade física habitual, saúde, perfil da população curitibana. Artigo recebido em 22 de junho de 2004; aceito em 16 de agosto de 2004 Endereço para correspondência: Rosemary Rauchbach, Rua Castro Alves, 832 apto 6-B, Água Verde, 80240-270 Curitiba PR, Tel: (41) 2441242, E-mail: [email protected] $& ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) Abstract The aim of the Curitibativa Program in a political sense of prevention and quality of life is to evaluate the population of Curitiba. It checks out: the level of habitual physical activity, the estimation of cardiac risk , the corporeal functional behavior related to muscular strength (abdomen and hand), flexibility, body mass and the obesity standard and also register important data such as cardiac frequency, arterial pressure, glucose and the cholesterol levels. 2843 people (1798 women and 1045 men) were evaluated. The population was classified as follows: inactive or slightly active, moderate active, active and much active, from these: 44,49 % are moderate active and 26,22% inactive or slightly active. Cardiac risk factors are present in 7,96 % women and 13,34% men. Levels of abdominal strength are significant higher in people who are more active, mainly for men. In relation to waist-hip, women show larger risk averages (over 0,85) than men (over 0,95). According to the Body Mass Index, the prevalence in obese people is 15,7% men and 17,9% women and overweight people 42,1% men and 32,1% women. Poor and regular flexibility index is present in 68,3% of the total population . The population evaluated showed glucose above the recommended level (60 a 160 mg/dl) in 3,98% women and 4,47% men and prevalence of cholesterol in risk level (over 240 mg/dl) in 6,35% women and 6,81% men. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key-words: habitual physical activity, health, Curitiba population profile. Introdução O Programa Curitibativa da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer surgiu em 1997 com o objetivo de orientar a população do Município, sobre a importância da atividade física para a qualidade de vida. Em sua evolução histórica, deixou de só conscientizar e passou a avaliar, para determinar o perfil de saúde e aptidão física da população, e oferecer subsídios necessários para a boa opção de um estilo de vida saudável. Nos dias atuais abrange diferentes campos, da prática da atividade a buscas de soluções fundamentadas em dados cientificamente levantados. Considerando que a população da cidade de Curitiba é de mais de 1.700.000 habitantes, uma demanda consideravelmente grande, dentro dos padrões de desenvolvimento urbano, no que diz respeito aos espaços de lazer e ofertas de atividades que busquem a qualidade de vida, o programa cresce como alternativa nas políticas de Esporte e Lazer e qualidade de vida. A forte influência da mídia nos últimos tempos, que constantemente edita matérias relacionadas à saúde e qualidade de vida, oportuniza às pessoas conhecimento sobre hábitos saudáveis relacionados principalmente à alimentação e exercícios físicos, e desta forma divulga e provoca a procura por atividades que melhorem o bem-estar geral. A proposta do Programa Curitibativa encaixa-se perfeitamente neste contexto contemporâneo de empreender a atividade física, até porque atitudes de prevenção, promoção e proteção à saúde, prática almejada na aplicação nas variadas ações do Programa, traduzem diminuição nos gastos públicos com saúde, inclusive através da esperada conscientização da população confirmada pelo aumento da demanda aos serviços oferecidos nos Centros de Esporte e Lazer, mais recentemente. O Programa implantou um protocolo de avaliação para a população adulta (18 a 59 anos), através do qual é possível verificar; o nível de atividade física habitual, a estimativa de risco cardíaco, o comportamento funcional corporal relacionados à força muscular (abdominal e MMSS), flexibilidade, composição corporal (IMC) e padrão de obesidade e ainda registra dados importantes de saúde como freqüência cardíaca, pressão arterial, índice glicêmico e de colesterol. No estudo, aqui apresentado, foram analisadas 2843 pessoas, sendo: 1.798 mulheres e 1.045 homens. E os dados foram organizados segundo o nível de atividade física habitual, em: 1. Levemente ativos (inativos). 2. Moderadamente ativos. 3. Ativos. 4. Muito ativos. Atividade física habitual A distribuição por nível de atividade física habitual fundamentou-se no questionário de atividades físicas habituais, desenvolvido originalmente por Russel R. Pate University of South Carolina/EUA, traduzido e modificado por Nahas [1] e adaptado pelo programa Curitibativa da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer (Curitibativa SMEL/CuritibaPR (2001)). A escolha deste se deve por permitir investigar o nível de atividade física habitual, o qual considera atividades como tarefas domésticas, locomoção para o trabalho ou a outros locais, o esforço ocupacional diário, bem como todas as atividades esportivas ou de lazer, mostrando-se assim completo e suficientemente esclarecedor sobre o estilo de vida do avaliado, e quando somado as demais avaliações possibilita uma orientação segura para a manutenção ou mudança nos hábitos diários. Como resultado, obtiveram-se os seguintes dados: $' ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) Tabela I Prevalência do nível de atividade física habitual na população curitibana 2002/2003. Atividade física habitual Inativo (leve) Moderado Ativo Muito ativo Total n total % n fem % n masc % 745 1264 663 169 2841 26,22 44,49 23,34 5,95 100 482 858 391 67 1798 26,81 47,72 21,75 3,73 100 263 406 272 102 1043 25,22 38,93 26,08 9,78 100 Comparando os dados da tabela observa-se que o homem curitibano apresenta prevalência maior para os níveis de ativo e muito ativo em relação à mulher curitibana. Tais dados não consideram se o homem apresenta atividade ocupacional mais ativa do que a mulher, ou se destina tempo maior a atividades esportivas ou de lazer, mas podem inferir que a população masculina beneficia-se de uma vida mais ativa, apresentando indicadores mais saudáveis, o que não se configura na análise dos dados a seguir: Gráfico 1 Prevalência do nível de atividade física feminina por idade. relativo a este acontecimento, no sentido de compreender por que um comportamento diferente sobre um mesmo assunto (atividade física). A mulher parece se preocupar mais sobre sua saúde enquanto envelhece, e o homem parece se preocupar de menos sobre o mesmo fato? Será que este é um fator interveniente na maior longevidade feminina? Também é preocupante verificar que no homem a prevalência do nível de inativos cresce com o passar da idade e felizmente apresenta uma ligeira queda na faixa dos 50-59 anos. Estes dados sugerem um re-direcionamento das políticas públicas que envolvam a atividade física relacionada à saúde, principalmente o esporte e lazer, estimulando as pessoas à sua prática regular a fim de evitar o aparecimento das doenças hipocinéticas e crônico-degenerativas com o passar da idade, em especial ao homem. Risco cardíaco Gráfico 2 Prevalência do nível de atividade física masculina por idade. O questionário de avaliação do risco cardíaco de Michigan Heart Association [2], adaptado por Curitibativa SMEL/Curitiba-PR (2001), é uma estimativa que enriquece e possibilita orientação adequada sobre a adoção de hábitos saudáveis, e possui grande peso na avaliação, pois as pessoas mostram-se preocupadas com a sua saúde e parecem querer evitar uma morte prematura por ataque do coração. Gráfico 3 Prevalência do risco cardíaco em mulheres de todas as idades. Os gráficos 1 e 2 apresentam os dados de atividade física segmentando a amostra por sexo e faixa etária e, somando-se os percentuais de ativos e muito ativos, permitem verificar que, a mulher com o passar da idade, torna-se mais ativa, inversamente (mas não em números) do que ocorre com os homens. Tal observação sugere um estudo mais aprofundado % ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) Gráfico 4 Prevalência do risco cardíaco em homens de todas as idades. Analisando-se os gráficos acima, observa-se que a prevalência de índices de maior probabilidade de ocorrência de problemas cardíacos (moderado, alto e muito alto, somando-se os três índices) é de 7,96% para mulheres curitibanas e de 13,34% para homens curitibanos. Cada pessoa avaliada recebe a informação de que: alterando-se o estilo de vida nos aspectos de alimentação, atividade física e uso do tabaco, tais dados podem ser convertidos para índices menores de risco. Através deste instrumento, também pode ser verificada a prevalência de fumantes: 12,78% entre as mulheres e 15,36% entre os homens. Outro dado que consta na avaliação é a freqüência cardíaca de repouso, verificada com a pessoa sentada, com o intuito de determinar a zona alvo, através da fórmula de Carwonem [3], para a realização de atividades aeróbicas (entre 65% a 85%) direcionadas à saúde. Este dado permite orientar quanto à intensidade da atividade física que a pessoa pretende realizar com a finalidade de melhorar sua saúde. Força abdominal Segundo Nahas [1], uma boa condição muscular proporciona a realização das atividades de vida diária e esportiva com mais eficiência, menos fadiga e diminui o risco de lesões, ajuda na manutenção da postura, proteção das articulações evitando as dores nas costas (lombalgias) e ajuda a prevenir quedas a partir da meia idade. Os músculos abdominais, por sua situação no centro do corpo, são de vital importância para a manutenção da boa postura. O nível de força neles encontrado reflete o estado de força muscular geral. O Protocolo adotado foi o teste de Força abdominal do Eurofit para adultos [4] em 3 níveis, em que a pessoa avaliada deita-se de costas com as pernas flexionadas a 90° e os pés são apoiados pelo examinador. No primeiro nível, os braços do avaliado encontram-se estendidos e as palmas das mãos estão sobre os músculos das coxas, são executados 5 exercícios saindo da posição deitada até que as mãos toquem os joelhos. No segundo nível o avaliado cruza os braços junto ao peito de forma que as mãos toquem os ombros contrários, são executados 5 exercícios tocando os cotovelos no centro das coxas. No terceiro nível, o avaliado coloca as pontas dos dedos das mãos atrás das orelhas, e executa 5 exercícios também tocando os cotovelos nas coxas. O examinador deve anotar o número de repetições alcançadas pelo avaliado (0 a 15) e classificar o desempenho, onde os valores de 0 a 4 são considerados como fraco, de 5 a 9 regular, de 10 a 14, bom e 15 corresponde ao índice excelente. Os valores obtidos referentes à população curitibana apontam um decréscimo no índice alcançado de força abdominal com o passar da idade em quase todas as faixas por sexo, confirmando a relação entre a perda das funções corporais, entre elas a força, com o avanço da idade. Gráfico 5 Prevalência da força abdominal em mulheres por nível de aptidão física. Gráfico 6 Prevalência da força abdominal em homens por nível de aptidão física. Analisando os gráficos 5 e 6, pode-se observar que existe relação direta entre a atividade física e o aumento dos índices de força abdominal, de tal forma que as pessoas mais ativas apresentam prevalência para o nível de força excelente sempre maior do que as pouco ativas, inversamente ao que acontece com a prevalência para o nível de força fraco. Esta análise possibilita concluir que a mudança no estilo de vida, baseado no aumento do nível de atividade física, parece permitir, com relativa facilidade, ganhos de força muscular. % ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) Índice cintura-quadril (ICQ) De acordo com Nahas [5], a obesidade (excesso de gordura corporal) está associada à mortalidade precoce e a diversas doenças crônicas, como hipertensão, diabetes e coronariopatias, além de acarretar repercussões psíquicas e estigma social negativo. Além disso, também está associada à diminuição da capacidade de realizar esforço físico, o que aumenta a probabilidade de dependência para realizar funções da vida diária. Estas considerações, associadas ao fato de que o excesso de gordura corporal (sobrepeso e obesidade) é uma questão de saúde pública, reconhecida pela Organização Mundial de Saúde, como uma epidemia de proporções mundiais, sugerem intervenções severas e imediatas dos órgãos governamentais com programas de proteção à saúde. O índice cintura-quadril é obtido através da mensuração do perímetro da cintura na altura da cicatriz umbilical e do perímetro do quadril na sua parte mais protuberante. Divide-se o resultado da circunferência da cintura pelo quadril e então se obtém o índice. O valor encontrado é comparado pela tabela de classificação de Bray & Gray [2], e demonstra o risco a doenças crônico-degenerativas, onde índices mais altos indicam a propensão de acumular gordura na região abdominal, especialmente ao redor das vísceras (gordura abdominal visceral). Índices superiores a 0,95 para homens e 0,85 para mulheres representam alto risco para a saúde segundo Nahas [5]. Os gráficos confirmam a importância da atividade física no controle da obesidade. Quanto melhor é o nível de atividade física habitual, mais evidente o decréscimo do ICQ. Observa-se também que o grupo feminino apresenta maiores médias de risco (acima de 0,85), em relação ao grupo masculino (acima de 0,95), principalmente com o passar da idade. Índice de massa corporal (IMC) Obter uma classificação da população parece não ser tão simples, principalmente quando o assunto é composição corporal, e ainda mais se aplicado em uma população tão heterogênea quanto à de Curitiba, que apresenta uma miscigenação racial muito grande. Então, como determinar quem é obeso? A forma mais aceita internacionalmente que classifica os diferentes níveis de composição corporal é o índice de massa corporal (IMC), obtido através do resultado da divisão do peso em quilogramas pela altura, em metros, elevada ao quadrado. O IMC é uma estimativa que não leva em conta a constituição do avaliado, porém é perfeitamente aplicável em estudos de grandes populações. Gráfico 9 Prevalência do IMC na população feminina por nível de aptidão física. Gráfico 7 Média do ICQ masculino comparativa por aptidão e idade. Gráfico 10 Prevalência do IMC na população masculina por nível de aptidão física. Gráfico 8 Média do ICQ feminino comparativa por aptidão e idade. Os gráficos apontam que a atividade física tem relação direta com a composição corporal, pois a prevalência de sobrepeso e obesos é relativamente maior em levemente ativos e moderadamente ativos do que em ativos ou muito ativos. Com o passar da % ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) idade, o IMC aumenta, mas a atividade física assume grande importância no controle da obesidade, e parece que para o homem esta proteção é mais evidente, quando se compara a média encontrada para o IMC do grupo de ativos de 50 a 59 anos (IMC = 26,91) com a do grupo de inativos (leve) de 18 a 29 anos (IMC = 26,15), índices muito próximos para uma diferença de idade tão importante. Nas mulheres, a diferença das médias de IMC entre os níveis de atividade física não se mostra tão marcante quanto o grupo dos homens, que permite concluir que o risco obesidade é mais insistente para o sexo feminino, considerando o IMC concomitantemente com o ICQ, mesmo que predomine boas diferenças no nível de atividade física habitual, particularmente para as faixas etárias mais avançadas. Gráfico 11 Prevalência do índice de massa corporal (IMC) na população de Curitiba. Estes dados reforçam a preocupação com a epidemia de proporção mundial, anteriormente citada, principalmente por mais da metade da população total de Curitiba (51,7%) enquadrar-se nos índices de sobrepeso e obeso, de acordo com o gráfico a anterior, fato que evidencia a necessidade de ações no sentido de promover a mudança na vida das pessoas nos hábitos de alimentação e atividade física. Flexibilidade A característica física que deter mina a amplitude dos movimentos das articulações do corpo é chamada de flexibilidade. Segundo Nahas [1], pessoas com boa flexibilidade movem-se com maior facilidade e tendem a sofrer menos problemas de dores e lesões musculares e articulares, sobretudo na região lombar, e pessoas com pouca flexibilidade, têm a mobilidade reduzida e implicações para a saúde, como: problemas de posturas, limitada participação em atividades esportivas/recreativas, maiores riscos de lesões musculares e articulares e dores lombares. A falta de exercícios que promovam a flexibilidade pode facilitar a instalação lenta e progressiva de encurtamentos musculares, limitando a amplitude de movimentação da articulação, ocasionando má postura, ou ainda problemas mais sérios, como hérnia de disco (principalmente na região lombar) e lombo-ciatalgia, entre outros problemas que podem afetar o andamento normal da vida, reduzindo a capacidade de trabalho, elevando o nível de absenteísmo, como também aumentando os gastos públicos com tratamento de saúde. Como protocolo para a avaliação da flexibilidade, optou-se pelo teste linear de sentar e alcançar de Wells modificado [6]. O teste é realizado em um caixote de madeira de 30x30 cm, dotado de uma régua de medição recuada a 15 cm do local de apoio dos pés, onde a pessoa descalça, senta-se na frente do banco com as pernas esticadas e empurra com as mãos uma peça de madeira móvel sobre a régua de medição em três tentativas, sendo anotado o melhor resultado. Presume-se que com este teste possa-se verificar a incidência de encurtamentos na região posterior do corpo, principalmente da musculatura ísquio-tibial. Gráfico 12 Prevalência do índice de flexibilidade na população feminina por nível de aptidão física. %! ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) Gráfico 13 Prevalência do índice de flexibilidade na população masculina por nível de aptidão física. De acordo com os dados anterior mente apresentados, é possível observar que apesar da melhora do índice de flexibilidade em pessoas mais ativas, a prevalência dos índices fraco e regular permanece alta para os grupos de ativos e muito ativos independentemente do sexo. Ao somar estes dois índices não desejados (fraco e regular), obtémse prevalências muito altas em qualquer uma das faixas de aptidão. Considere-se ainda que maior parte da população encontra-se nas faixas de inativos e moderadamente ativos (70,71%). Justamente as faixas que apresentam maior prevalência de flexibilidade fraca ou regular. Encontrou-se também uma média de flexibilidade para o grupo feminino de 17,46, e para o grupo masculino de 15,75, valores enquadrados como regular na classificação da flexibilidade. Estes dados demonstram um perfil preocupante da população de Curitiba, confirmando a necessidade de orientação para programas que estimulem o alongamento, a fim de evitar os problemas decorrentes de encurtamentos musculares citados anteriormente. Força de preensão de mãos (Dinamometria) As mãos realizam uma multiplicidade de funções, que ocupa uma representatividade cerebral muito grande, a maior do córtex sensorial e motor [7]. As mãos são o sinal de independência das pessoas, indicam autonomia. A mão fraca ou debilitada pode obrigar a pessoa a depender de uma ou mais pessoas para realizar tarefas simples, como se vestir, tomar banho, cozinhar, escovar os dentes, alimentar-se, entre outras. Isto pode implicar, que um indivíduo com debilidade manual pode ter não somente a sua vida comprometida, mas também comprometer a rotina de outras pessoas de seu convívio. A maneira moderna de viver, com um grau cada vez mais elevado de comodismo, botões espalhados por todos os lados, basta apertar, mouse, televisão, Internet entre outros, propiciam o pouco uso de força manual e a instalação de doenças hipocinéticas, lesões por esforço repetitivo, ou simplesmente fraqueza das mãos, que pode ocasionar acidentes de menor ou maior proporção. Tabela II Média da força de preensão de mãos classificada segundo Borba [6]. Dinamometria feminino idade leve 18 - 29 anos 30 - 39 anos 40 - 49 anos 50 - 59 anos moderado ativo F F F F 54,02 - R 52,81 - F 51,11 - F 48,14 - F 54,78 - R 55,28 - R 55,58 - R 49,69 - F 57,58 61,81 58,25 50,17 leve 95,33 - R 89,84 - F 87,27 - F 83,17 - F moderado 95,80 - R 91,24 - F 87,79 - F 85,52 - R ativo 96,30 - R 94,13 - R 89,53 - F 85,17 - R Muito ativo 94,55 - R 83,63 - F 94,60 - R 89,43 - R 50,81 50,50 48,20 45,87 - Muito ativo - R B B R Dinamometria masculino idade 18 - 29 anos 30 - 39 anos 40 - 49 anos 50 - 59 anos F = Fraco R = Regular B = Bom MB = Muito Bom E = Excelente %" ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) O protocolo utilizado para a avaliação da força manual é a dinamometria [6], que consiste em apertar com as mãos, uma de cada vez, o dinamômetro utilizando a força máxima de cada mão. O avaliado deve segurar o dinamômetro com o braço direito flexionado, com a mão na altura do ombro e cotovelo baixo e então deve apertar o aparelho e estender o braço ao mesmo tempo. Repete o mesmo procedimento com o braço esquerdo. O avaliador anota os resultados e o índice alcançado corresponde à soma da força das duas mãos. Os dados permitem concluir que existe uma melhora significativa na força de mãos, quanto melhor é o nível de atividade física habitual, sendo mais constante para o grupo feminino. De maneira geral, o nível de força aumenta com a melhora da atividade física e diminui com o avançar da idade. Pressão arterial, glicemia e colesterol Se você quer viver bastante, arranje uma doença crônica e cuide muito bem dela [8]. Os indicativos de saúde de pressão arterial, glicemia e colesterol também fazem parte da avaliação, são referência importante no processo final de orientação e prescrição da atividade física, principalmente porque os dados são cruzados e a incidência de um ou mais indicativos ruins para saúde é tratada de forma especial, considerando cuidados na avaliação e indicando acompanhamento médico. A pressão arterial por ser um dado muito variável, não foi contemplada neste estudo. O teste de glicemia, utilizado como indicativo para o diabetes, apresenta como valores normais para testes a qualquer hora do dia entre 60 a 160 mg/dl [8]. A população avaliada apresentou valores acima desta faixa em 3,98% das mulheres e 4,47% dos homens. Os índices de colesterol considerados como normais não devem ultrapassar a 200 mg/dl, limítrofes entre 201 e 239 mg/dl e alto quando acima de 240 mg/dl [9]. A amostra estudada apresenta valores normais para 75,57% da população, sendo que na faixa limítrofe estão 15,12% dos homens e 19,25% das mulheres, e com risco alto de problemas cardíacos 6,35% dos homens e 6,81% das mulheres. Considerações finais Neste estudo encontram-se vários alertas para assuntos relacionados à saúde das pessoas. O caminho percorrido na era da modernidade tem feito muito mal às pessoas. Os avanços na medicina e a melhoria nas condições ambientais favorecem o aumento da expectativa de vida, mas a comodidade, a facilidade e a excessiva tecnologia deixam incertezas com relação a um pretendido futuro saudável. Será que o homem tenderá a viver confortavelmente doente? O Programa Curitibativa, com o objetivo de disseminar a prática de atividade física e provocar mudanças consistentes no hábito de vida das pessoas, pretende que este quadro seja revertido no futuro com a adoção de hábitos saudáveis. A conscientização da população sobre os aspectos da qualidade da vida ativa favorecerá que as pessoas possuam maior autonomia, independência, mobilidade, força e principalmente saúde. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. NAHAS, M.V. Atividade física, saúde e qualidade de vida. Conceitos e sugestões para um estilo de vida ativo. Londrina: Midiograf, 2001. PITANGA, F.J.G. Testes, medidas e avaliação em educação física e esportes. Salvador: Edufba, 2001. POLLOCK, M. L.; WILMORE, J. H. Exercícios na saúde e na doença. Avaliação e prescrição para prevenção e reabilitação. Rio de Janeiro: Medsi, 1993. MINISTERIO DE EDUCACION Y CULTURA. Eurofit para adultos - evaluación de la aptitud física en relación con la salud. Tampere/Finlândia: MEC, 1995. NAHAS, M. V. Obesidade, controle de peso e atividade física. Londrina: Midiograf, 1999. BORBA, A. S. S. Método de avaliação física e composição corporal. Curitiba: Targetsoft, 1996. MONTAGU, A. Tocar, o significado humano da pele. São Paulo: Summus, 1986. SILVEIRA NETTO, E. Atividade física para diabéticos. Rio de Janeiro: Sprint, 2000. JORGE FILHO, J. P. Em busca da saúde ideal, manual para uma vida saudável. Belo Horizonte: Leitura, 2001. ♦ %# ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) ATUALIZAÇÃO Nutrição do atleta e imunidade Athlete´s nutrition and immunity Luana Caroline dos Santos *, Natacha Toral *, Márcia Daskal Hirschbruch, M.Sc**, Isa de Pádua Cintra, D.Sc.***, Mauro Fisberg, D.Sc **** * Nutricionistas, especialistas em Adolescência pela Universidade Federal de São Paulo, mestrandas em Saúde Pública, área de concentração Nutrição pela Universidade de São Paulo, ** Nutricionista, Mestre em Ciências Aplicadas à Pediatria pela UNIFESP, *** Nutricionista, Professora adjunta do Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente do Departamento de Pediatria da UNIFESP, **** Professor Adjunto e Chefe do Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente do Departamento de Pediatria da UNIFESP Escola Paulista de Medicina e Diretor do Centro de Pesquisas Aplicadas a Saúde da Universidade São Marcos Resumo O exercício físico pode promover modificações no sistema imune do atleta. Enquanto a atividade moderada ou intensa controlada pode reduzir a susceptibilidade a infecções virais e bacterianas, sendo associada com a melhora da saúde geral, o treinamento exaustivo, a competição intensa e o overtraining podem causar imunossupressão temporária e elevar o risco de doenças. O controle desta imunossupressão tem incentivado a busca por suplementos nutricionais com fins imunomodulatórios tais como a glutamina, carboidratos, antioxidantes e lipídios. Destes, a suplementação de carboidratos parece ser a mais benéfica na limitação da imunossupressão, visto que os resultados observados até o momento com os demais suplementos são limitados e contraditórios. A educação nutricional continua sendo a principal estratégia do nutricionista no atendimento do atleta, contribuindo tanto para a redução das alterações imunes induzidas pelo exercício, quanto como um forte instrumento de garantia de saúde e qualidade de vida ao indivíduo. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras-chave: atleta, nutrição do atleta, imunidade, suplementos imunomoduladores. Artigo recebido em 01 de setembro de 2004; aceito em 22 de setembro de 2004. Endereço para correspondência: Luana Caroline dos Santos, Departamento de Nutrição, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Av. Dr Arnaldo, 715, 01246-904 São Paulo/SP, E-email: [email protected] %$ ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) Abstract Physical exercises may cause changes in immune system of athletes. Moderate activities are associated to the improvement of general health and can reduce susceptibility to viral and/or bacterial infections, while exhaustive training or intensive competition and overtraining may cause temporary immunodepression and higher risk of diseases. The control of this immunological decay has encouraged scientists to search for nutritional supplements with immunomodulatory purposes such as glutamine, carbohydrates, antioxidants and lipids. Among these, carbohydrates supplementation seems to be the most beneficial means for limiting imunosupression, since other supplements studies are limited and contradictory. Nutritional education is still the main strategy for nutritionists on athletes attending, contributing for the reduction of immunological alterations and also serving as a powerful instrument for ensuring health and quality of life to individuals. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key-words: athlete, athletes nutrition, immunity, immunomodulatory supplements. Introdução A nutrição adequada é fundamental em todos os tipos de exercícios físicos e, essencial para a redução do risco de diversas doenças crônico-degenerativas. A inter-relação entre alimentação saudável e atividade física afeta a saúde geral, a aptidão física e o desempenho nos esportes, além de ajudar na prevenção de lesões [1,2]. Atualmente, porém, muitos atletas adotam dietas desbalanceadas que os colocam em risco para deficiências nutricionais graves [3]. Essas deficiências podem alterar a imunocompetência e aumentar a ocorrência de infecções, que mesmo inofensivas à saúde podem interferir de maneira negativa na performance do atleta [2]. O exercício per si interfere na imunidade, principalmente os extenuantes e prolongados. Além do volume e da intensidade do exercício e treinamento, o estresse físico, ambiental e psicológico do atleta também devem ser considerados na avaliação da função imune [4]. Especula-se que além da importância da alimentação adequada na prevenção de deficiências e excessos de macro e micronutrientes que poderiam comprometer o estado nutricional do atleta, alguns fatores nutricionais poderiam modular as mudanças imunológicas induzidas pelo exercício [5]. Assim, o objetivo deste artigo é revisar as alterações imunes induzidas pelo exercício e a possível influência da nutrição na imunossupressão do atleta. Exercício e imunidade O exercício físico promove várias modificações no sistema imune, sendo que o tipo, a quantidade e o tempo dessas dependem da intensidade e duração dos exercícios e das características individuais do atleta [3,6]. Acredita-se que existam duas possibilidades de resposta do sistema imune ao treinamento. Por um lado, a prática regular de atividade física moderada pode reduzir a susceptibilidade a infecções virais e bacterianas, sendo associada com melhora da saúde geral, incluindo redução da pressão sanguínea e melhora da tolerância da glicose. Por outro lado, o treinamento exaustivo, a competição intensa e o overtraining podem causar imunossupressão temporária e elevar o risco de doenças [4,7,8]. Os mecanismos pelos quais os exercícios moderados ajudam a reduzir a susceptibilidade às infecções não são bem descritos na literatura. As possíveis explicações incluem a atuação do exercício físico na criação de um ambiente hostil aos patógenos invasores, como ocorre com a elevação da temperatura central que acompanha o exercício e a manutenção de um equilíbrio mais favorável entre o sistema imune, a resposta orgânica ao estresse e a liberação de neuro-hormônios/substâncias endócrinas (por exemplo, cortisol e adrenalina) [3]. Já os mecanismos responsáveis pelo aumento das infecções associadas ao exercício exaustivo envolvem alterações endócrinas (liberação hormonal via hipófise), neurais (ativação do eixo simpáticoadrenal) e modificações dos componentes do sistema imune [9]. As alterações endócrinas e neurais culminam com a estimulação das glândulas adrenais e conseqüente liberação de hormônios (como a adrenalina e cortisol), resultando num aumento da freqüência cardíaca, elevação da pressão arterial, aumento da temperatura corporal e do consumo de oxigênio, diminuição na produção de anticorpos, liberação de mais eritrócitos pelo baço e aumento da produção de leucócitos por este órgão [1]. As modificações do sistema imune são detalhadas a seguir. Alterações dos componentes do sistema imune A atividade física pode promover modificações na concentração, proporção e nas funções das células brancas do sangue, especialmente dos leucócitos polimorfonucleares (PMN), nas células natural killer e nos linfócitos, assim como pode afetar as imuno- %% ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) globulinas e outros fatores responsáveis pela imunidade [10]. Durante o exercício É fato conhecido que o exercício provoca aumento dos níveis de PMN, sendo a leucocitose relativamente proporcional à intensidade do exercício e ao menor preparo físico do atleta [11]. A leucocitose observada é resultante da ação mecânica devido ao aumento do débito cardíaco e o efeito da adrenalina, que movimentam os PMNs ao longo dos vasos sanguíneos e promovem a liberação destes nos pulmões, baço e fígado. Além disso, esses dois aspectos também promovem linfocitose, principalmente da população de células NK [10]. A função das células também parece estar aumentada, principalmente dos neutrófilos [6]. Se o exercício intenso exceder 30 minutos, e principalmente se este for excêntrico (correr em descida, por exemplo) pode ocorrer uma segunda elevação nos PMNs, devido principalmente ao cortisol que estimula a liberação destas células da medula e retarda sua entrada nos tecidos [10]. Imunoglobulinas As modificações nas imunoglobulinas séricas resultantes de atividade física são pequenas e parecem ser clinicamente normais [12]. Atenção especial vem sendo dada às imunoglobulinas salivares e, em particular, à IgA, por integrar a primeira linha de defesa contra microrganismos que têm como portas de entrada o nariz e a garganta [11]. No caso de exercícios muito intensos, especulase que os danos musculares são suficientes para desencadear respostas inflamatórias agudas, que envolvem uma cascata de complexas reações moduladoras do sistema imunológico, ativando e estimulando a liberação de inúmeros elementos, tais como TNF, interferons, interleucinas ou outras citocinas [3,11]. Depois do exercício Após um exercício de baixa intensidade e curta duração, os níveis de PMNs voltam rapidamente aos valores normais, porém com exercício extenuante e prolongado, seu retorno ao nível basal demora aproximadamente 24 horas [6]. A linfocitose é passageira e a contagem de linfócitos começa a diminuir dentro dos primeiros cinco minutos após o término do exercício. Nas duas horas seguintes, a queda continua e se situa em níveis abaixo da linha de repouso, até 36%, provavelmente pelo aumento acentuado da concentração do cortisol no decorrer da atividade sem a contrapartida da epinefrina, que diminui logo em seguida ao fim da atividade física. A contagem dos linfócitos ficará normalizada entre 6 e 24 horas depois de encerrada a atividade física [10]. Este período de relativa imunodepressão após a atividade física é conhecido como janela imunológica e se o período de descanso entre as sessões de treinamento e competições não forem suficientes para permitir o reestabelecimento da função imune, um aumento na sensibilidade para doenças infecciosas poderá persistir por mais tempo sobretudo das infecções de vias aéreas superiores [3,12]. Newsholme também relata maior probabilidade de ocorrência de transtornos intestinais como diarréia pelos mesmos fatores apontados anteriormente [7]. A maior predisposição a doenças também pode ocorrer em virtude de maior exposição dos atletas a diferentes patógenos e outros estressores do sistema imune como forte estresse psicológico, poucas horas de sono, estado nutricional deficiente e perda de peso [5,13]. Apesar do explicitado anteriormente nota-se que são necessários mais trabalhos para conhecer melhor a relação entre o exercício e a incidência de infecções [12]. Pyne e Gleeson afirmam que mesmo com mudanças significantes na concentração e atividade funcional dos parâmetros imunológicos após o exercício, estas não se manifestam necessariamente numa maior incidência de infecções e doenças [14]. Nutrição e imunidade A disponibilidade de nutrientes tem o potencial de afetar significativamente o sistema imune, visto que a maioria das respostas imunitárias envolve replicação celular e a produção de proteínas com funções específicas (citocinas e anticorpos, por exemplo). Outros mecanismos de interação nutrição-imunidade incluem alteração da imunidade celular, da capacidade bactericida dos fagócitos, da formação de complemento e da resposta proliferativa dos linfócitos T [2]. A possibilidade de reduzir a imunossupressão com o uso de nutrientes e suplementos nutricionais tem atraído os atletas de diversas modalidades, sobretudo aquelas que exigem maior resistência (como natação, maratonas e corridas), pois estes não conseguem reduzir a intensidade e a duração dos treinamentos diante da necessidade de competir com sucesso. Os nutrientes e suplementos mais consumidos e investigados com finalidade imunomoduladora são: glutamina, carboidratos e vitaminas e minerais antioxidantes [12]. %& ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) Glutamina A glutamina é o aminoácido mais abundante no organismo, sendo considerado não essencial no indivíduo em condições fisiológicas normais. É primariamente sintetizado no músculo-esquelético e pulmões, servindo como combustível para enterócitos e leucócitos e como precursor da síntese de nucleotídeos e glutationa (antioxidante); é também responsável pela manutenção do equilíbrio ácido-básico, entre outros propósitos. Durante estresse com catabolismo, a avidez dos enterócitos e leucócitos por glutamina pode exceder a síntese deste aminoácido, tornando-o condicionalmente essencial [15; 16]. Esta alteração da homeostase da glutamina corporal acontece no exercício intenso e prolongado, podendo repercutir na imunocompetência do atleta e aumentar a incidência de infecções do trato respiratório superior [17]. Alguns estudos realizados nos últimos anos têm verificado diminuição da glutaminemia durante e/ ou após exercício intenso e prolongado. Lehman et al verificaram em atletas participantes de ultra-triathlon, que 30 minutos após o término da prova, as concentrações de glutamina no plasma diminuíram de 468 µmol/l para 318 µmol/l, o mesmo que o observado por Rodhe et al. [18,19]. A possibilidade de suplementação com glutamina para manter a concentração plasmática deste aminoácido próximo aos níveis basais tem sido investigada como forma de reduzir as alterações do sistema imune induzidas pelo exercício [7]. Porém, diversos estudos demonstram que, apesar da manutenção da concentração de glutamina próximo às condições de repouso, a suplementação não influencia as alterações da resposta imune pósexercício [2,5,7,16,17,20]. Investiga-se também a relação da glutaminemia com a reposição do glicogênio muscular, pois acreditase que a utilização da glutamina pelo intestino pouparia a metabolização de glicose, que poderia ser liberada em maior escala para manter adequados os níveis glicêmicos e ser utilizada para a síntese do glicogênio muscular. Um baixo nível de glutamina poderia restringir a utilização de glicose e acarretar em prejuízo de várias funções dependentes desta, incluindo a síntese de glicogênio no músculo, de vital importância para o atleta [6,13]. Krzywkowski et al. realizaram um estudo de caso-controle para avaliar o papel da suplementação oral de glutamina no prejuízo da função linfocitária em atletas do sexo masculino. Os resultados mostraram menor queda da glutamina pós-exercício nos atletas suplementados com o aminoácido, mas nenhum efeito no trânsito de linfócitos, nas atividades das células NK, na proliferação das células T, nos níveis de catecolaminas, hormônio do crescimento, insulina ou glicose [20]. Assim, embora seja possível acreditar que o exercício induza reduções plasmáticas da glutamina, a relação deste fato com menor imunidade e proteção orgânica é ainda discutida [12]. Os resultados dos estudos são contraditórios exigindo mais investigações para elucidar o papel da suplementação com glutamina na manutenção das concentrações plasmáticas e musculares de glutamina durante o exercício, e sua correlação com o sistema imune, turnover protéico e regulação do metabolismo dos carboidratos [2,5,17]. Carboidratos A recomendação de ingestão diária de carboidratos em torno de 60 a 70% das suas necessidades calóricas diárias objetiva principalmente a recuperação dos estoques de glicogênio muscular e hepático para garantir a disponibilidade de carboidratos suficientes para o trabalho muscular dos dias sucessivos de treinamento [2]. Porém pesquisas recentes têm demonstrado que a adequação de carboidratos na dieta é também vital para o funcionamento do sistema imune; a glicose é uma importante fonte de energia para linfócitos, neutrófilos e macrófagos e a diminuição da sua concentração sanguínea relacionase com a ativação do eixo hipotalamo-hipófiseadrenal, aumento do hormônio adrenocorticotrófico e cortisol, maior concentração plasmática do hormônio do crescimento, redução da insulina plasmática e com efeitos variado da concentração sanguínea de adrenalina [12, 21]. Vários estudos têm sido realizados para testar esta relação. Em alguns, a ingestão de carboidratos antes, durante e depois do exercício (2-5 horas) foi associada com maior concentração de glicose no plasma, cortisol reduzido, menores perturbações na contagem de células imunes no sangue, redução da fagocitose dos monócitos, queda na atividade oxidativa e uma diminuição das respostas de citocinas pró e antiinflamatórias. Na maioria dos trabalhos, as respostas imunes e hormonais foram diminuídas após a ingestão de carboidratos comparadas com placebo [1,5,16]. Mitchell et al. compararam os efeitos de uma dieta rica em carboidratos (8,0g/kg de massa corporal) com uma dieta pobre neste macronutriente (0,5g/kg de massa corporal) em 10 atletas do sexo masculino, com um estado de depleção de glicogênio, após um exercício de longa duração. A concentração de glicose no plasma pós-exercício foi significativamente maior no primeiro grupo (4,62 %' ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) ± 0,26 mM vs. 3,19 ± 0,15 mM), assim como a concentração de glutamina (0,472 ± 0,036 mM vs. 0,410 ± 0,025mM). Entretanto os níveis de cortisol foram maiores no grupo com a dieta deficiente em carboidratos (587 ± 50nM vs. 515 ± 62nM), assim como o número circulante de leucócitos, neutrófilos e linfócitos em seguida ao exercício e 2 horas após o término deste. Não foi observada diminuição da proliferação de linfócitos induzida pelo exercício em ambos os grupos [21]. Enquanto algumas variáveis imunes parecem ser afetadas de maneira discreta pela ingestão de carboidratos, como a função dos monócitos e granulócitos, outras são influenciadas fortemente, tais como as concentrações de citocinas no plasma e a contagem de células sanguíneas [12]. Assim, pode-se afirmar que os resultados indicam benefícios da ingestão de carboidratos antes, durante e depois do exercício na redução do estresse fisiológico. Investigações mais completas serão importantes futuramente para a confirmação destes resultados sobre a imunocompetência de atletas. Antioxidantes O exercício físico intenso e contínuo é acompanhado pela produção de radicais livres, que podem inibir a atividade bactericida e de locomoção dos neutrófilos, reduzir a proliferação de linfócitos T e B, inibir as células NK e aumentar a síntese de interleucinas pró-inflamatórias [2, 22]. O aumento na síntese dos radicais livres parece ser devido à elevação do consumo de oxigênio durante o exercício [23,24] e ao estímulo das principais vias metabólicas envolvidas na formação destes, entre elas, respiração mitocondrial e degradação de bases purínicas seguida de oxidação pela xantina oxidase citoplasmática [24]. O aumento nos níveis de catecolaminas, a síntese de ácido lático, a elevada taxa de oxidação de hemoglobina (durante/depois exercício), o processo de isquemia reperfusão e o aumento da temperatura observados no exercício físico, também contribuem para o aumento dos radicais livres [25]. Alguns autores indicam, porém, um aumento do sistema antioxidante de defesa com os exercícios e treinamento, fato que compensaria o excesso de radicais livres gerados [5,22]. Não se sabe, entretanto, se esta adaptação seria suficiente para aqueles atletas que treinam intensamente. Assim, a suplementação com antioxidantes na modulação da função imune e melhora da performance tem sido investigada, mas como os resultados ainda são limitados e contraditórios, este tipo de suplemento não tem se demonstrado vantajoso [5,16,22]. A forma ainda mais segura e eficiente de se obter nutrientes antioxidantes é por meio da alimentação. Bacurau aponta que muitos indivíduos consomem menos desses alimentos (predominantemente frutas e vegetais) do que seria desejado [25]. Zinco O zinco é um importante antioxidante e a diminuição da sua disponibilidade provavelmente aumenta a síntese de radicais livres [26]. É essencial para o desenvolvimento do sistema imune, sendo que mais de 300 metaloenzimas foram identificadas como dependentes deste mineral, incluindo aquelas envolvidas na transcrição do DNA e na síntese de proteínas. Em casos de deficiência observa-se redução da proliferação de linfócitos, da produção de anticorpos, dos linfócitos T CD4+ e CD8+, da atividade do timo e da função fagocitária, além de prejuízo da atividade das células NK [2]. Como o zinco é perdido principalmente no suor e na urina e estas perdas estão aumentadas no exercício, é possível que um treinamento intenso possa induzir deficiência em atletas [2]. Tsuji et al observaram decréscimo significativo deste mineral em 14 nadadores, com idade entre 14 a 17 anos, durante o período de treinamento e pósexercício. A média da concentração plasmática de zinco oscilou de 18,8 mmol/l (antes do aquecimento) a 17,3 e 14,6 mmol/l, após 60 minutos do treinamento aquático e 30 minutos após o treinamento, respectivamente. O significado desta diminuição ainda está insuficientemente definido, podendo ser conseqüente apenas à redistribuição passageira deste mineral dentre os compartimentos orgânicos, em decorrência da atividade muscular intensa [27]. Devido à falta de estudos relacionando a função imune, exercício e zinco, as megadoses não são recomendadas. Os atletas devem ser orientados a incluir alimentos ricos em zinco na dieta (carnes, aves, peixes, produtos lácteos), enquanto os vegetarianos devem ser avaliados quanto à necessidade de suplementação. Outros nutrientes também devem ser citados, devido a relação destes com o funcionamento do sistema imune e possível influência na performance do atleta. Lipídios Os lipídios podem influenciar o sistema imune tanto de maneira direta, alterando a fluidez das membranas celulares, por exemplo, quanto indireta, através dos precursores eicosanóides [5]. & ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) Os eicosanóides representam um grupo de ácidos graxos oxigenados composto por 20 carbonos que têm como maior precursor o ácido araquidônico. Abrangem as prostaglandinas, leucotrienos e tromboxanas que funcionam como mediadores do processo inflamatório e incluem como alguns dos seus efeitos metabólicos a vasodilatação, o aumento da permeabilidade vascular e a quimiotaxia para os neutrófilos [28]. São produzidos de maneira mais potente pelos ácidos graxos poliinsaturados ômega-6, podendo interferir na defesa celular e resposta inflamatória. Os eicosanóides derivados do ômega-3 pertencem a classes diferentes e são menos potentes, podendo modular a resposta inflamatória exacerbada [15]. Especula-se que durante condições de estresse, como nos exercícios prolongados, a administração de uma dieta rica em w-3, peixes marinhos e seus óleos, poderia controlar a imunossupressão e reduzir a incidência de novas infecções [16]. Até o momento apenas estudos experimentais foram realizados, sendo evidenciada redução da imunossupressão ligada a IgM, redução da IL-1 e TNF em ratas submetidas a dietas ricas em w-3 [16]. Esses dados experimentais porém não podem ser extrapolados para a população e não justificam uma suplementação com esses ácidos graxos para os atletas. Ferro A deficiência de ferro prejudica vários aspectos da função imune incluindo a produção de IL-1 pelos macrófagos, a proliferação de linfócitos em resposta a mitogênese, a atividade das células NK e a hipersensibilidade cutânea retardada [2]. Em contraste, a suplementação excessiva deste mineral pode predispor o atleta a doenças infecciosas, principalmente porque ele catalisa a produção de radicais livres e pode comprometer a absorção gastrointestinal de zinco [25]. Deste modo, a orientação nutricional deve ser realizada no sentido de aumentar o aporte de ferro para atender as necessidades individuais de cada atleta. Atenção especial deve ser dada aos vegetarianos, aos adolescentes e as mulheres. Vitaminas B As vitaminas B6, B12 e folacina são particular mente impor tantes nas respostas imunes celulares. A Tiamina é necessária para a síntese de anticorpos [29]. Porém, os estudos envolvendo estas vitaminas, assim como outros grupos de micronutrientes e a imunidade do atleta ainda são escassos e inconclusivos. Conclusão Os atletas que praticam esportes intensos ou de longa duração são mais vulneráveis a infecções do trato respiratório superior em virtude das alterações imunológicas, neurais e endócrinas induzidas por este tipo de exercício. Embora tais infecções possam não ter importância clínica, elas podem comprometer de maneira negativa o treinamento e o desempenho em competições, representando grande fracasso para o atleta, seu time e/ou treinador. A imunossupressão pós-exercício é de origem multifatorial e embora seja impossível controlar os efeitos de todos os fatores contribuintes, pode ser possível minimizar alguns deles. Com este intuito alguns autores sugerem várias estratégias de intervenção, sendo a principal uma alimentação que atenda as necessidades nutricionais do atleta. Outras medidas são: aumento gradual e periódico do volume e carga de treinamento; empregar variações no treinamento para evitar monotonia e estresse; descanso suficiente com horas adequadas de sono, respeitando a individualidade de cada atleta; implementação de testes (físicos e psicológicos) para identificar sinais de deterioração de performance e manifestações de estresse físico; limitar a exposição, quando possível, a condições adversas (excesso de calor/frio, umidade, elevadas altitudes e áreas com excessiva poluição do ar) [4,12]. Uma nutrição adequada certamente garantirá uma ingestão adequada de oligoelementos sem a necessidade de suplementos especiais, salvo ocasiões especiais, dificuldade do atleta em alcançar as recomendações dietéticas, falta de disponibilidade de tempo para ingerir maior volume de refeição e/ou fracionar mais a dieta, etc. O uso de glutamina, antioxidantes e lipídios como suplementos revela resultados limitados e contraditórios, enquanto a suplementação de carboidratos parece ser a mais benéfica na limitação da imunossupressão. Pesquisas futuras permitirão maior certeza e fidedignidade dos resultados observados. Portanto, a educação nutricional continua sendo a principal estratégia do nutricionista no atendimento do atleta, contribuindo não só para redução das alterações da imunocompetência induzidas pelo exercício, mas como um instrumento relevante para obtenção de saúde e qualidade de vida do indivíduo. Referências 1. NIEMAN, D.C. 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O estudo exploratório revelou que o Badminton é muito fácil de aprender, o risco de acidentes e lesões é pequeno, pessoas de quase todas as faixas etárias e com os mais diversos graus de aptidão física podem praticá-lo, não há limitações climáticas para a sua prática que requer um baixo custo e espaços relativamente pequenos, além da real possibilidade de seu desenvolvimento no meio escolar. Estes dados sugerem estudos que tentem revelar o porquê do seu estado de arte no Brasil. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras-chaves: Badminton, cultura esportiva. Abstract On the strenght of Badminton be quite unknown in Brazil, the purpose of this study is to find out Badmintons characteristics that make this sport be part of the sport culture of many countries all around the world. The exploratory approach revealed that Badminton is easily learned, accident possibilities and game hazards are minimized, is a sport with great appeal for all ages, as well as for those of varying skill levels and degrees of physical stamina, can be played in all climate condition, needed equipment is inexpensive, requires little space and is an ideal activity for schools. These data suggest studies to reveal the reasons of its state of art in Brazil. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key-words: Badminton, sport culture. Artigo recebido em 23 de agosto de 2004; aceito em 30 de agosto de 2004. Endereço para correspondência: Rua Teodoro da Silva, 827 casa 7, 20560-000, Vila Isabel, Rio de Janeiro, RJ, Tel: 21-2578-4534 &" ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) Introdução O esporte tem hoje uma função muito importante na sociedade, sendo indiscutível, no ponto de vista de praticantes e educadores, seu papel no desenvolvimento educacional, fisiológico, psicológico e social daqueles que o praticam. A cultura esportiva atual é muita rica em conteúdo, existindo uma variedade muito grande de esportes praticados nos mais diversos países. Há aqueles comuns a uma determinada região ou país, outros, entretanto, são praticados em todos os continentes, gozando de popularidade mundial e, eventualmente, ascendem à condição de esporte olímpico. Apesar de pouco conhecido no Brasil, o Badminton é uma modalidade que ocupa esse segundo grupo. Esse fato, por si só, não causa espécie, pois um esporte para se tornar olímpico não precisa, necessariamente, ser praticado em todos os países do mundo. Acreditamos que diferentes fatores podem levar um determinado esporte a ser mais procurado do que outros, fazendo parte da cultura esportiva de um povo. O Badminton é um esporte de raquete, assim como o tênis, sendo que ao invés de uma bola, golpeia-se um objeto semelhante a uma peteca de pequenas dimensões (shuttlecock), podendo ser disputado por dois jogadores de cada lado ou por somente um jogador de cada lado. Um breve estudo sobre o Badminton permitenos perceber que ele apresenta características muito peculiares, as quais lhe dão uma certa singularidade em relação aos outros esportes. Acreditamos que essas características possam revelar os motivos de sua grande popularidade no resto do mundo, a despeito do que acontece aqui no Brasil. Segundo os estudos e relatos disponíveis, a prática esportiva pode trazer vários benefícios para o homem. Nessa perspectiva, de acordo com Breen, o Badminton proporciona uma exercitação de moderada a vigorosa, que pode contribuir para a melhora da eficiência do sistema cardiovascular e para ...o desenvolvimento de várias valências físicas, tais como: agilidade, flexibilidade, equilíbrio, resistência e a manutenção do tônus muscular [1]. Rutledge e Friedrich apresentam como benefícios fisiológicos do badminton o fortalecimento dos membros superiores e inferiores, o desenvolvimento do sistema cardiorrespiratório, ...da resistência, da coordenação neuromuscular e da agilidade... [2]. Os autores concordam com a idéia de que o Badminton, por meio da emoção e alegria, reduz a tensão, satisfaz o ego e traz a realização pessoal; assim como, preenche as necessidades psicológicas de jogar, se divertir e expressar emoções. Breen [1] argumenta que a esfera de ação do badminton dá oportunidade a todos de conhecer o conceito de jogo. Na infância, esse conceito está ligado às experiências divertidas. Enquanto no adulto, àquelas que proporcionam momentos de exaltação e orgulho em oposição à depressão. Para o autor, o Badminton é tido como uma modalidade esportiva na qual é possível efetivar a integração social de vários segmentos da sociedade. Sua prática é adequada a homens, mulheres, jovens e idosos, tornando muito popular a participação familiar. Segundo o autor, a frase você está muito velho para fazer isso e aquilo é comumente ouvida pelos adultos. Tendo em vista que no badminton um nível relativamente alto de sucesso pode ser alcançado em qualquer idade. Esse esporte parece ser ideal para promover a negação deste tipo de argumento. No campo psicológico, o autor afirma, que os movimentos vigorosos do Badminton podem contribuir com a diminuição das tensões emocionais. Grice acredita que o badminton atrai grupos de todas as idades e níveis de habilidade, tanto no homem, quanto na mulher. Para o autor, o jogador de ...Badminton pode aprender e apreciar benefícios sociais, recreacionais e psicológicos... [3]. Além dos benefícios fisiológicos, psicológicos e sociais, que a prática do Badminton pode proporcionar, é muito comum encontrarmos referência a uma variedade de elogios apontando outras vantagens que esse esporte apresenta. Davis ressalta que uma vantagem do Badminton reside no fato de que o jogador iniciante rapidamente se torna bom praticante, o suficiente para sustentar agradáveis e prolongados rallies [4]. Entende-se por ralllies o sustento de golpes sucessivos de um lado para outro pelos jogadores oponentes [5], ou simplesmente a troca de golpes durante uma jogada [1]. No caso do Badminton, um rally termina quando a peteca [1] fica fora de jogo, ou seja, quando ela toca o solo. Peteca é o termo comumente utilizado no Brasil como tradução de shuttlecock, implemento que é golpeado por meio da raquete. Davis defende que esta modalidade esportiva é ...um jogo que qualquer pessoa, mesmo com um mínimo de noção de bola, pode rapidamente fazer rallies [6] e que ...o iniciante pode fazer um jogo divertido já na primeira vez que joga [7]. Essas características parecem tipificar essa modalidade como um instrumento valioso a ser utilizado em um processo educacional. Admitimos que embora seja difícil jogá-lo com maestria, o Badminton é um esporte fácil de aprender no qual o iniciante sente prazer imediatamente, logo nos primeiros contatos com a modalidade. &# ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) Samuel acredita que o jogo de Badminton ...é uma atividade altamente sociabilizadora, pois a maioria das crianças e adultos pode jogar com sucesso logo depois de ser introduzido ao jogo. O autor revela que em um trabalho inédito, Docherty D. comparou a facilidade de aprendizagem do Tênis com a do Badminton por meninas de 15 anos nas aulas de Educação Física. O pesquisador obteve, entre outros, os seguintes dados: nas aulas de Tênis, em um período de 40 minutos a maioria das alunas deu somente de 15 a 20 batidas na bola e essa situação não mudou durante todo o ano, enquanto que nas aulas de Badminton, as alunas aprenderam a golpear a peteca na quarta aula e na décima lição já estavam obtendo bons resultados. Castilho escreveu que ...a principal vantagem do Badminton é ser muito fácil de aprender. Enquanto no Tênis são precisos meses até que se consiga devolver a bola corretamente, no Badminton a identificação com a raquete é praticamente imediata [8] No nosso modo de ver, o autor refere-se não só à raquete, como a todos os implementos e ao próprio jogo em si. Ong Sioe Khing, presidente da Associação Paulista de Badminton, no ano de 1986, argumenta, com base em sua vivência, que nesta modalidade esportiva a técnica e a tática são bem mais fáceis de assimilar que no Tênis [9]. A comparação entre o Badminton e o Tênis, no que tange ao tempo de demora para inserção do praticante iniciante, tem sido uma constante, principalmente nos veículos que buscam a popularização da prática de atividades físicas. Talvez isso aconteça em função da segunda ser uma modalidade mais conhecida no Brasil. Reitzfeld acostumado a lidar com o ensino e treino de esportes de raquete admite que o Badminton ...é o jogo de raquete mais fácil de se aprender.... [10]. Apesar de acreditarem que os jogadores mais avançados são os que alcançam a maior satisfação com o jogo, Vannier e Poindexter concordam com a idéia de que o ...o iniciante pode aprender rapidamente a golpear a peteca para cá e para lá através da rede... [11]. Os autores e práticos são unânimes em afirmar que o fato deste esporte não possibilitar o contato físico entre os adversários e ser praticado com um material muito leve, reduz a probabilidade de ocorrerem acidentes e lesões durante o jogo. Samuel ressalta que ...normalmente o Badminton não causa lesão ou oferece perigo para os participantes... [8], sendo este um dos critérios que possibilitam sua prática em qualquer idade. Rutledge e Friedrich lembram que o ...Badminton é um dos poucos esportes que podem ser jogados com razoável segurança, ainda que se usem óculos... [2]. Para Vannier e Poindexter a mínima possibilidade de ocorrerem acidentes é um dos motivos que tornam o jogo ideal para qualquer ocasião [11]. Certamente sabemos que há uma certa exacerbação na defesa do Badminton como sendo uma atividade inócua no que diz respeito à indução de lesões corporais. Sabemos, principalmente com o atual estado da arte na compreensão da influência dos aspectos Biomecânicos na instalação de quadros lesivos em função de práticas esportivas, que não existe atividade totalmente não lesiva. Porém, disto não temos dúvidas, o Badminton apresenta características que o tornam uma modalidade com muito menor probabilidade de gerar lesões corporais e, portanto, acessível a um número grande de tipos de pessoas. Sendo assim, por ser um jogo muito fácil de aprender, no qual o risco de acidentes e lesões é pequeno, pode levar-nos a acreditar que outra importante característica do Badminton é a de que ele pode ser praticado regularmente por homens e mulheres de diferentes idades, condições físicas e mentais. Breen defende a idéia de que o Badminton oferece lazer e oportunidade para qualquer pessoa, podendo ser jogado por crianças, adultos e pessoas da terceira idade de ambos os sexos, sendo por isso comumente chamado de esporte familiar. O autor ressalta que, diferentemente de muitos esportes, um nível relativamente alto de sucesso pode ser alcançado pelos idosos. Da mesma forma, o Badminton também dá oportunidade para a participação de pessoas com necessidades especiais. Rutledge e Friedrich esclarecem que o ...Badminton pode ser jogado quase que por qualquer pessoa: jovem ou anciã, alta ou baixa, obesa ou magra, homem ou mulher.... Complementam dizendo que ...o jogo constitui um bom exercício para todas as pessoas..., e que ...a participação conjunta de jovens e velhos de ambos os sexos é somente uma de muitas vantagens sociais que podemos atribuir ao Badminton. Muito poucas atividades se prestam tão eficazmente para a participação de homens e mulheres. Um pai e filho, ou toda uma família, podem desfrutar do jogo, juntos... [2] Ao destacar a participação de pessoas da terceira idade, os autores argumentam que ...muita gente de idade avançada pratica este jogo com regularidade.... Acrescentam ainda que ele ...pode ser praticado por toda uma vida... e esclarecem que ...quanto mais se envelhece, tanto menor é a atividade que se necessita (...) o Badminton é uma classe de atividade que pode ser gozada sem que se exija mais participação ativa do que a desejada pelo jogador.... No clímax de suas considerações acerca deste assunto, eles concluem que ...o Badminton, como entretenimento e como &$ ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) atividade física metódica, pode acrescentar anos a sua vida e vida a seus anos.... [2] Neste sentido, Davis afirma que ...qualquer um, homem ou mulher, de seis ou sessenta anos, pode jogar... [3]. O autor esclarece que a leveza do material utilizado permite que qualquer pessoa pratique Badminton, sem maiores problemas, até uma idade avançada. Para Seidel o ...Badminton é um jogo apreciado por indivíduos de todas as idades e habilidades. (...) o custo e as facilidades do jogo ajudam a torná-lo um esporte que se adapta a indivíduos de diferentes idades e habilidades.... O autor lembra também que o ...desafio fornecido atrai o homem e a mulher, o jogador recreacional e o ávido entusiasta... [12]. De acordo com Paulo Prouvot ...é possível jogar Badminton em qualquer idade. Isto porque o ritmo do jogo varia em função do nível dos jogadores... [8] Como o título de Badminton The lifetime Game of the Future, Samuel declara em seu texto que o ...Badminton reúne todos os critérios necessários para que um esporte seja praticado durante toda uma vida. O jogo pode ser praticado igualmente por indivíduos jovens e idosos e por homens e mulheres juntos... [8]. O fato de os torneios da Associação de Badminton dos Estados Unidos, incluindo o campeonato nacional, acontecerem em nove grupos de faixas etárias, de 11 até 70, dá uma idéia da diversidade da idade dos praticantes. Dentro do debate acerca das facilidades e vantagens há, em princípio, uma pequena discordância em relação ao local onde podemos praticar o Badminton. Embora alguns afirmem que o esporte pode ser praticado nos formatos indoor e outdoor, eles não deixam claro que, em nível competitivo, é praticamente impossível praticá-lo ao ar livre, pois, devido à leveza da peteca, uma simples brisa desvia a sua trajetória. Em treinamentos profissionais e competições oficiais, por exemplo, não se recomenda a prática outdoor. Do ponto de vista dos conceitos de aprendizagem motora, de acordo com a classificação proposta por Gentile [13], as habilidades motoras relativas ao Badminton são abertas, ou seja, as ações desenrolam-se em um ambiente que muda no tempo e no espaço. A ação externa do vento agindo sobre a peteca, não só aproximaria as habilidades motoras da extremidade desse espaço contínuo, como influenciaria no resultado do jogo, tornando o contigencial um fator crucial para o decurso do jogo. Isto não impede, entretanto, que o Badminton seja praticado de maneira informal em ambientes outdoors, como parques, jardins e até mesmo na praia. Algumas pessoas defendem a prática do Badminton unicamente em locais fechados e vêem nisso uma vantagem. Neste sentido, Davis explica que ...principalmente no inverno, ele proporciona exercício e diversão a despeito da neve, neblina, chuva e escuridão do inverno, enquanto outros esportes estão em paralisação... [6]. O fato de não existirem limitações climáticas para a sua prática é um dos fatores que levaram Khing a afirmar que o Badminton ...é o esporte do povo, em países como China, Índia e Japão, e faz uma concorrência tão grande que tem impedido a expansão do tênis profissional entre chineses e japoneses... [13]. Castilho, no entanto, argumenta que o fato de a modalidade não poder ser praticada ao ar livre parece ser a sua única desvantagem. [8] Não há dúvidas de que a prática indoor independe das condições climáticas, podendo acontecer em qualquer época e em qualquer região. Em princípio, esse fato pode não parecer relevante para um país com as condições climáticas como as do Brasil e até mesmo representar uma desvantagem, como pensa Castilho. Mas, se lembrarmos que no verão de diversas cidades do Brasil o sol escaldante limita e, por muitas vezes, impede a realização de atividades físicas e que a chuva leva à interrupção ou cancelamento de jogos previamente marcados, o fato de ele ser considerado uma atividade prioritariamente indoor pode muito bem ser uma vantagem. Ao traçarmos uma ligação do Badminton com outros esportes de raquete com o tênis e o squash, temos a impressão de que se trata de um esporte que requer altos recursos financeiros. Entretanto esta não é a realidade. Davis e Seidel concordam com a idéia de que o equipamento para iniciantes pode ser de expressivo baixo custo. Breen argumenta que ...um custo mínimo proporciona a todos a oportunidade participar.... [2] Vannier e Poindexter lembram que ...o equipamento necessário é barato... e este é um dos motivos que tornam a prática do Badminton uma ...atividade ideal para escolas, campos, organizações e diversões caseiras e familiares.... [11] Assim, o custo relativamente baixo para a prática do Badminton pode ser apontado como mais uma vantagem desse esporte. Existe unanimidade em afirmar que outra grande vantagem do Badminton é que a modalidade requer espaços relativamente pequenos. Na área necessária para uma quadra de futsal, handebol, basquetebol ou tênis de campo, é possível demarcar quatro quadras de Badminton. Considerando-se que essas quadras podem &% ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) ser todas ocupadas por jogos de duplas, teremos 16 pessoas praticando ao mesmo tempo, mais do que em qualquer dos desportos coletivos citados. Esse tipo de ocorrência faz com que se possibilite a prática do Badminton, mesmo se tratando de um esporte individual, em situações nas quais encontramos um grande número de pessoas, como nas turmas escolares. Sendo assim, o fato de ocupar espaços relativamente pequenos parece ser outra grande vantagem do Badminton. Desde a criação da primeira associação nacional de Badminton, em 1893, na Inglaterra, até os dias de hoje, o badminton apresenta uma crescente popularização. De acordo com Rutledge e Friedrich, o primeiro campeonato nacional aconteceu em 1893, em 1910 já havia mais de 300 clubes de Badminton na Inglaterra. O esporte ganha o mundo, e em 1934 é fundada a Federação Internacional de Badminton. Para termos idéia do que o Badminton representa para a Ásia, recorremos ao indonésio Ong Sioe Khing, que chegou ao Brasil em 1963 e estranhou o total desconhecimento do esporte, tão tradicional em seu país natal. Segundo Khing, ...o Badminton na Ásia é como o futebol na América do Sul... [10] Em 1986, como nos revela Dalcim, o Badminton já era uma das modalidades esportivas mais populares na Ásia e Europa, atingindo cerca de 180 milhões de praticantes em 70 países. Em países como China, Índia e Japão, ele já era considerado um esporte do povo. Tanese esclarece que em 1986 o Badminton só era pouco desenvolvido na América do Sul, América Central e África. [14] Segundo Samuel, uma reportagem feita pelo Conselho de Esporte Britânico, em 1979, revelou que o Badminton tornou-se o esporte com maior número de participantes nas Ilhas Britânicas. O autor ressalta também uma reportagem feita pelo colunista Frederick C. Kein, no Wall Street Journal, em 1987, que revela que ...na Inglaterra, o Badminton vem crescendo em uma proporção fantástica com uns 6000 clubes, 250.000 jogadores registrados e outros 2,5 milhões de participantes casuais... [8]. Lembra o autor que a despeito do status do badminton nos Estados Unidos, ele é extremamente popular na Europa e Ásia. O Badminton é o esporte nacional da Indonésia e da Malásia e extremamente popular na China, Japão, Dinamarca, Canadá, Inglaterra, Coréia do Sul e Tailândia. Apesar de não ser considerado ume esporte muito popular nos Estados Unidos, o autor esclarece que ...em 1985 havia cerca de 50.000 jogadores de Badminton nos Estados Unidos... [2]. Paige, numa publicação de 1985, afirma que ...o badminton é o maior esporte de raquete no mundo, nenhum outro está sequer perto. Foram exportados em Taiwan 70 milhões de raquetes de Badminton somente em 1984 [2]. O então presidente da Associação de Badminton dos Estados Unidos, Stanton Hale, afirma na edição de 18 de agosto de 1987 do Wall Street Journal que ...somente na Califórnia do Sul mais de 2000 jogadores de Badminton em quase 90 escolas secundárias competem todas as primaveras em competições escolares... e que ...a cada ano a United States Badminton Association sanciona mais de 150 torneios... A popularidade mundial do Badminton foi confirmada durante os Jogos Olímpicos de 1992, quando o número estimado em 1.1 bilhão de espectadores em todo o mundo assistiu pela televisão aos jogos que marcaram a estréia do referido esporte no evento. Grice não deixa dúvidas de que o Badminton ...é um dos esportes mais populares do mundo..., e que na Grã-Bretanha ele continua reinando como o esporte número um. Segundo o autor, ...o número de jogadores registrados na Inglaterra é de quase dois milhões [2]. Atualmente 131 países são membros da International Badminton Federation e o Badminton é considerado o segundo esporte mais praticado no mundo. Conclusão Percebe-se que os benefícios fisiológicos, psicológicos e sociais adquiridos com a prática do Badminton; a facilidade em aprendê-lo; o pequeno risco de acidentes e lesões; a possibilidade de uma extensa faixa etária de praticantes com diferentes graus de aptidões físicas ter condições de praticá-lo; o fato de não existirem limitações climáticas; o baixo custo e o uso de espaços relativamente pequenos formam um conjunto de vantagens que pode ser a razão desse esporte apresentar, em vários lugares do mundo, números expressivos no que diz respeito à quantidade de praticantes. Números que superam, em muito, o de outros esportes mais conhecidos no Brasil. Esses números, principalmente para nós brasileiros, podem parecer exagerados e até absurdos, pois aqui, no nosso país, o referido esporte apresenta uma realidade totalmente diferente dessas até aqui apresentadas. Interessante notar que, apesar das vantagens e facilidades apresentadas, para além de constituir um esporte de grande expressão na cultura olímpica, o && ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) Badminton não faz parte da nossa cultura esportiva, sendo praticamente desconhecido em grande parte do Brasil. Acreditamos que em favor de uma cultura esportiva diversificada, torna-se mister adquirir e divulgar conhecimentos que possam explicar o porquê desse estado da arte. Procurando estabelecer estratégias para desvelar possíveis causas para a instalação desse quadro, dedicamo-nos a desenvolver um estudo, com enfoque nos processos que levam à formação e mudança de cultura. Julgamos ser importante determinar os principais fatores que podem influenciar, inibindo ou facilitando, a incorporação de uma determinada modalidade esportiva a uma cultura já existente, para que possamos, com base nestes dados, difundir a modalidade e fazer uso de seu potencial educativo na formação plena das pessoas. Referências 1. BREEN, J. Winning Badminton. North Palm Beach: The Athletic Institute, 1983. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. RUTLEDGE, A.; FRIEDRICH, J. Badminton. Mexico: Editores Associados, 1971. p. 5-7. GRICE, T. Badminton: steps to success. Champign:Human Kinetics, 1996. p.1-2. DAVIS, P. Badminton complete. London: Kaye & Ward, 1974. WATSON, O. Longman Modern English Dictionary, 1976. DAVIS, P. How to play Badminton. London: Hamlyn, 1979. DAVIS, P. Play the game Badminton. London: Ward Lock, 1988. CASTILHOS, S. Badminton. Boa Forma. São Paulo, n. 54, 1991. DALCIM, J. Badminton. Match Point. São Paulo: Nesc, n.1, jun.1986. PLACAR. A glória do badminton. São Paulo: Abril, n. 787, jun. 1985. VANNIER, M.; POINDEXTER, H. Individual and Team Sports for Girls and Women. Philadelphia: W. B. Saunders, 1960. SEIDEL, B. et al. Sports skills a conceptual approach to meaningful movement. Dubuque: W. C. Brown, 1975. MAGILL, R. Aprendizagem Motora: conceitos e aplicações. São Paulo: Edgard Blücher, 1984. TANESE, I. Badminton. Match Point. São Paulo: n.3, agosto, 1986. ♦ &' ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) COMUNICAÇÃO BREVE Considerações a respeito da relação professor-aluno no contexto da reabilitação cardíaca Consideration about teacher-student relationship in the cardiac rehabilitation context Jerusa Mônica de A. Souza, M. Sc. Instituto de Educação Física e Desportos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro Resumo Este ensaio foi elaborado com o objetivo de apresentar algumas reflexões acerca da relação professor-aluno em aulas de Educação Física voltadas à reabilitação cardíaca. Uma abordagem de cunho exploratório no Programa de Reabilitação Cardíaca da Universidade do Estado do Rio de Janeiro permitiu identificar dados empíricos acerca do que seja o bom professor, na perspectiva dos alunos. Os dados obtidos nessa fase exploratória indicam ser necessário, e urgente, a realização de investigações específicas, com o propósito de identificar a precisão e possível grau de inferência das evidências observadas. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras-chaves: Educação física, intervenção pedagógica, relacionamento inter-pessoal, reabilitação cardíaca. Abstract The purpose of this essay was to show some reflection about teacher-student relationship in the cardiac rehabilitation classroom. Exploratory approach in the University of the State of Rio de Janeiro cardiac Rehabilitation program revealed empirical data about the good teacher, in the students perspective. Evidences obtained in this exploratory phase indicate that is necessary, and urgent, the realization of more specific research, intending to identify the precision and the inference degree of the observed evidences. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key-words: Physical education, pedagogic intervention, inter-personal relationship, cardiac rehabilitation. Artigo recebido em 22 de setembro de 2004; aceito em 22 de abril de 2004. Endereço para correspondência: Jerusa Mônica de A. Souza, UERJ, Instituto de Educação Física e dos Desportos, Rua São Francisco Xavier, 524, 20550-013 Rio de Janeiro, RJ. ' ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) Introdução Entendo que o processo ensino-aprendizagem se estabelece na medida em que interagimos distintos elementos, tais como: conteúdos de ensino, métodos, objetivos, professor e aluno, os quais Faria Jr 1 identificou como componentes fundamentais do processo didático e continuam sendo. Neste contexto a interação professor-aluno, segundo Libãneo2, é um aspecto importante da trama didática voltada à concretização, completa ou parcial, dos objetivos previstos para o processo de ensino. Sendo assim, proponho-me, neste breve ensaio, tecer algumas considerações a respeito desta relação, a partir de indicativos oriundos de duas fontes, a saber: a) na literatura, os quais tenho procurado examinar, no decurso de minha prática profissional, na expectativa de poder estimar o impacto desta relação na mudança de comportamento do aluno, no que diz respeito à busca de uma atitude mais positiva do mesmo, com relação à prática da atividade física voltada à reabilitação cardíaca; b) da minha vivência como professora em um programa voltado a reabilitação cardíaca. Relação professor-aluno O verdadeiro fazer-didático é aquele capaz de refletir corretamente cada situação de aprendizagem a partir do exame concreto da realidade onde educador e educando estão inseridos, envolvendo, cuidadosamente todos os dados necessários à sua solução que intrínsicamente será sempre parcial, porém aproximarse-á mais das necessidades.3 Como professora de Educação Física do programa de reabilitação cardíaca da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (PRC-UERJ), há doze anos, pude perceber que os momentos de interação professor-aluno compartilhados no cotidiano das aulas, eram instantes vividos de forma bastante espontânea, alegre e integradora. De acordo com Haidt4, é justamente no contexto da sala de aula , no convívio diário com o professor e com os colegas, que o ...aluno vai paulatinamente exercitando hábitos, desenvolvendo atitudes e assimilando valores.... Estas perspectivas da relação professoraluno, no meu entender, são fundamentais no trabalho pedagógico, principalmente em contextos de tão grande especificidade, como é o caso da reabilitação cardíaca. Deste modo, se conseguirmos identificar os fatores intervenientes em sua dinâmica, assim como os mecanismos pelos quais ela se processa, poderemos desenvolver ações de intervenção mais precisas e produtivas no sentido de desencadear mudanças comportamentais em nossos alunos. Fico ainda mais inclinada a aceitar essa possibilidade como um fato concreto e significativo quando constato que vários estudos ressaltam a importância da mudança de comportamento dos indivíduos, na busca de hábitos de vida mais saudáveis, como sendo essa essencial para a melhora da qualidade de vida da população que padece de problemas cardíacos. Concluo, portanto, que a importância do papel interventivo do professor, junto ao aluno, de forma a orientá-lo nesse processo de mudança é um fato. A apreciação de evidências empíricas presentes no contexto de minha prática docente no PRC-UERJ, levou-me a identificar indicadores que apontam para as dimensões da representação da relação professoraluno, a partir das imagens e conceitos formados pelos sujeitos participantes. Verifiquei, nas falas dos mesmos, expressões acentuadamente positivas no que diz respeito à relação professor-aluno, onde o aspecto afetivo foi sempre muito ressaltado. Neste sentido, Cunha, destaca que as justificativas apresentadas pelos alunos ao escolherem o o bom professor, estão muito voltadas para as questões pertinentes à relação professor-aluno. Estes enfatizam os aspectos afetivos no momento da escolha embora, valorizem o professor que é exigente e que cobra as tarefas. Esta questão do controle das atividades pelo professor, também foi constatada em nossas explorações, denotando a atenção, o incentivo e o cuidado do professor com o aluno. A competência profissional também é um aspecto ressaltado, nas falas dos sujeitos, perpassando a idéia de segurança e confiança no trabalho desenvolvido. Este fato é corroborado por autores como Rangel5 e Cunha, quando relatam , que é difícil o aluno, ao apontar o bom professor, não levar em consideração a competência profissional do mesmo. A idéia do professor amigo, da relação ser de igual para igual, ou seja, o lado humano da relação, também fica evidenciado na fala dos sujeitos. Enricone e outros compartilham desta visão abrangente da relação professor-aluno destacando que a prática educativa, estabelecida a partir dessa interação, extrapola os limites da sala de aula constituindo-se também numa prática social. Finalmente, parece ser dada importância à imagem do professor como elemento incentivador do processo ensino-aprendizagem. Seu bom humor, a sua participação nas atividades propostas e o seu entusiasmo ao desenvolver o trabalho, características apontadas por alguns participantes, parecem coadunar gerando um ' ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) mecanismo que age incentivando o processo de aprendizagem, tornando-o agradável e prazeroso para o aluno. Neste sentido, Matos e Graça e Haidt6, destacam a função do professor de transformar o processo ensinoaprendizagem em algo importante e prazeroso para o aluno. Acreditam, estes autores, que o interesse e o prazer na tarefa a ser desempenhada é que conduzirão o aluno ao sucesso da aprendizagem. Considerações finais Em síntese, acredito ser pertinente discutirmos o delineamento de uma didática específica em Educação Física, não importando qual seja a especificidade do setor de atuação do professor. Vislumbro na relação professor-aluno um dos pontos a serem trabalhados no contexto desta discussão e, como demonstrei, existem evidências empíricas que constituem um ponto de partida no sentido de uma melhor compreensão deste quadro, no que tange à relação professor-aluno em programas de reabilitação cardíaca. Evidências essas que encontram respaldo na literatura relacionada com o quadro problemático no qual está contido o presente tema. Ao que parece os aspectos da relação professoraluno, aqui evidenciados, reforçam a necessidade do professor , buscar informações em diferentes áreas de conhecimento para fundamentar a sua prática, de forma a atender as necessidades do aluno, propor- cionando ao mesmo vivências com a prática da atividade física, onde a competência técnica e o prazer estejam presentes. Porém trata-se de evidências empíricas, não sendo possível, no presente momento, inferir tais achados para um grupo maior de sujeitos. Sendo assim nosso passo consistirá em desenvolver um processo de investigação devidamente estruturada, no sentido de precisar os achados acima assim como determinar a sua abrangência. Entendemos que resultados de estudos com este teor possam contribuir, significativamente, com a concretização de processos pedagógicos que ajam sobre a totalidade do ser humano, configurando a Educação Física como ato educativo complexo e pleno. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. FARIA JR, A. G. Introdução à didática de educação física. Rio de Janeiro: Fórum, 1974. LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1994. CANDAU, V. M. (Org.). A didática em questão. Pressupostos teóricos para o ensino da didática. Petrópolis: Vozes , 1996. p. 38-46. HAIDT R. C. C. Curso de didática geral. São Paulo: Ática 1994, p. 55. RANGEL, M. Representações e reflexões sobre o bom professor. Petrópolis: Vozes, 1994. HAIDT R. C. C. Curso de didática geral. São Paulo: Ática 1994. ♦ ' ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) Resumos Ronald M. Evans, et al., PLoS Biology, Agosto de 2004 Pesquisadores criam rato maratonista Ao potencializar a função de apenas uma proteína, pesquisadores do Instituto Médico Howard Hughes, na Califórnia, criaram um rato maratonista geneticamente modificado capaz de correr o dobro do normal antes de ficar exausto. Segundo os pesquisadores, o descobrimento oferecerá pistas importantes sobre o mecanismo que ativa o desenvolvimento muscular e as mudanças fisiológicas produzidas pelo exercício. Além disso, também sugere uma forma de desenvolver drogas para melhorar o desenvolvimento muscular e que podem aumentar a resistência dos atletas. Durante os estudos, os pesquisadores exploraram os efeitos da alteração do gene para uma proteína chamada PPAR delta reguladora principal de muitos genes para potenciar a atividade dessa proteína, mas não esperaram os efeitos fisiológicos profundos e de grande alcance que esta única alteração genética produziria. Em trabalhos anteriores, os pesquisadores demonstraram que em vários tecidos, particularmente os tecidos adiposos, a ativação de PPAR delta aumentava com a queima de gordura e, como resultado, reduzia a massa do tecido adiposo. Ao realizar este experimento, no entanto, quando foram produzidos ratos com atividade PPAR delta potencializada, observou-se uma transformação importante nas fibras do músculo esquelético. Os ratos mostraram um grande aumento nas fibras musculares do tipo I e uma redução nas fibras musculares do tipo II. As fibras do tipo I são mais resistentes à fadiga. Isto se deve a sua grande quantidade de mitocôndrias centrais elétricas metabólicas da célula mediante as quais a gordura se converte em energia. Por outro lado, as fibras tipo II têm menos mitocôndrias e a energia é obtida a partir da glicose em vez das gorduras. Em conseqüência, estas fibras musculares se fadigam rapidamente. Antes da criação do rato alterado geneticamente, a única forma conhecida para aumentar a resistência era o treinamento físico. Os investigadores achavam que a PPAR delta potencializada permitiria apenas que o músculo queimasse mais gordura, mas não esperavam que o fizesse aumentando a população de fibras tipo I. Para confirmar que o aumento na atividade PPAR delta causava a transformação do músculo, os investigadores deram a ratos normais uma droga experimental que ativa a proteína. A droga está sendo desenvolvida para tratar pessoas com desordem do metabolismo lipídico. Foi observado que o tratamento com essa droga produz benefícios musculares e metabólicos similares ao que foi visto com o rato transgênico. Também foi observado que os ratos alterados geneticamente eram resistentes ao ganho de peso quando submetidos a uma dieta alta em gorduras e alta em calorias. Estes ratos maratonistas são resistentes ao ganho de peso mesmo que comam a mesma quantidade de alimentos que o rato normal e têm a mesma atividade. Logo, sua resistência ao ganho de peso não é simplesmente devido ao aumento de exercícios. De forma significativa, o crescente número de fibras musculares que queimam gordura parece por si mesmo proteger contra uma dieta alta em gorduras. Isso é importante '! ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) porque indica que a presença de mais mitocôndrias nos músculos destes animais provavelmente dê lugar a uma maior queima de gorduras e a liberação de certa energia na forma de calor. Isto faz acreditar que os corredores de grande distância, por exemplo, possuem um nível de proteção contra o aumento de peso inclusive quando não estão fazendo exercício. Portanto, em certo sentido, construíram um tipo de escudo metabólico que evita que ganhem peso. Além disso, quando os ratos normais receberam a droga que aumenta a atividade de PPAR delta, mostraram uma proteção virtualmente idêntica contra o ganho de peso. Os ratos geneticamente produzidos, também tinham níveis mais baixos de triglicerídeos intramusculares que se associam freqüentemente a resistência à insulina e ao diabetes em pessoas obesas. Os ratos maratonistas receberam esse nome quando foi testada a resistência dos animais numa roda para correr. Os ratos normais podem correr perto de 900 metros antes de perder a força, enquanto que os ratos com PPAR delta potencializada podiam correr 1800 metros, ou mais que uma milha, antes de ficar sem combustível. Além disso, o rato maratonista corre uma hora a mais do que os 90 minutos que corre um rato normal. A maioria dos fisiologistas acredita que a melhora do funcionamento por meio de treino é um processo complicado. O treinamento atlético modifica não só o conteúdo da fibra muscular como também melhora a circulação e a inervação dos neurônios motores desses músculos. O treino também re-desenha o coração para permitir que bombeie um maior volume de sangue. Portanto, os investigadores não esperavam que a mudança em um gene no músculo levasse a câmbios coordenados ao longo do corpo, que vão desde o sistema nervoso até o sistema cardiovascular e ao próprio músculo. Mas, o mais notável sobre este experimento é que a única mudança parece reorganizar o sistema inteiro. Isso indica que este complicado sistema pode modificar trocando-se apenas uma parte. Também demonstra que pode ser modificado geneticamente, sem o exercício mesmo. Isto significa que a ativação desta via poderia ser muito proveitosa para os pacientes que, de outra maneira, não poderiam fazer exercícios devido a seu peso ou a outros problemas que causem complicações. As drogas que ativam a via de PPAR delta poderiam aumentar a força muscular, combater a obesidade e proteger contra o diabetes. Adicionalmente, elas permitiriam as pessoas, como aos ratos, comer a mesma quantidade, mas aumentaria seu metabolismo para queimar mais energia. Os atletas poderiam abusar de tais drogas, já que poderiam tomá-las para melhorar seu rendimento. Noyes FR et al., Bone Joint Surg Am. Julho de 2004 Transplante de menisco Objetivo: O objetivo deste estudo foi avaliar os resultados de transplante de menisco em pacientes jovens depois de ter realizado uma meniscectomia. Métodos: Quarenta meniscos criopreservados foram implantados em 38 pacientes. 16 joelhos tiveram também transferências de auto-enxertos osteocondrais e 9 tiveram a reconstrução do ligamento do joelho. Os resultados clínicos e o índice de falha de todos os transplantes foram avaliados 40 semanas pós-operatório. As características de auto-enxerto do menisco foram determinadas utilizando um sistema que associava fatores subjetivos, clínicos e ressonância magnética. Resultados: Trinta e quatro pacientes (89%) disseram que houve uma melhora significativa no joelho. Antes da cirurgia, trinta pacientes (79%) sentiam dores exercendo as atividades diárias, mas apenas quatro (11%) '" ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) sentiam dor no final do acompanhamento médico. Enquanto uma dor acentuada estava presente na articulação tibiofemural de todos os quarenta joelhos antes da cirurgia, vinte e sete (68%) não sentiam dor e treze (33%) sentiam dor moderada na articulação no final do acompanhamento médico. Vinte e nove pacientes (76%) retornaram a praticar esportes leves de baixo impacto sem problemas. Concomitante, os procedimentos de transferência de auto-enxerto osteocondral e reconstrução do ligamento do joelho melhoraram a função do joelho e não houve aumento no índice de complicações. As características de auto-enxerto do menisco foram normais em dezessete joelhos (43%), houve alterações em doze (30%), e fracassaram em onze (28%). Conclusões: Os resultados de transplante de menisco são encorajados em termos de redução da dor e melhora da função do joelho. David S Ludwig et al., The Lancet 2004;364(9430) Reduzir o consumo de televisão deveria ser uma prioridade de saúde pública Estudo neozelandês confirma que passar mais de duas horas diárias diante da televisão durante a infância e a adolescência piora a saúde ao chegar na fase adulta. Os pesquisadores acompanharam um grupo de mil crianças desde os três anos de idade até os 26, e calcularam em que medida a caixa boba contribui para o agravamento da saúde a médio prazo. Assim, depois de descartar outros possíveis fatores, a culpam diretamente dos casos de obesidade (17%), níveis altos de colesterol (15%), tabagismo e 15% não estão com a forma física adequada. Ainda que os efeitos não tenham conseqüências clínicas imediatas, os autores enfatizam que estão reconhecidos claramente como fatores de risco cardiovascular que poderão trazer problemas no futuro. As razões deste pernicioso efeito radicam, em sua opinião, que o meio audiovisual oferece um ócio passivo que rouba o tempo que as crianças deveriam se dedicar a atividades que implicam mais exercício físico. Os especialistas recomendam não ultrapassar as duas horas diárias de TV. A tendência ao sedentarismo predispõe a obesidade. O ganho de peso recebe também a influência da publicidade, que incita a seguir hábitos pouco saudáveis, caracterizados pelo alto consumo calórico. Por este motivo, pesquisadores consideram que chegou o momento de proibir a publicidade alimentar direcionada as crianças. Quanto ao tabagismo, os investigadores apontam que as pessoas continuam fumando em programas de TV e filmes e vários esportes são patrocinados pelas empresas de cigarro, o que leva ao consumo. M Clare Robertson, et al., BMJ 2001;322:1-5 Exercícios em casa reduzem quedas em idosos Aproximadamente um terço das pessoas acima de 65 anos sofrem quedas a cada ano, uma porcentagem que aumenta entre 31% e 35% quando ultrapassam os 85 anos. Apenas com a realização de um programa de exercícios em casa, supervisionado por enfermeiras preparadas, essas cifras poderiam ser reduzidas e diminuir assim as lesões produzidas por escorregões e tropeções. Os investigadores analisaram previamente a eficácia, em pessoas com 75 anos ou mais, dos programas de exercícios individuais orientados por uma enfermeira. Um total de 240 mulheres e homens participou do estudo, dos quais 121 receberam treinamento e 119 fizeram parte do grupo controle. Os exercícios, prescritos por geriatrias e fisioterapeutas, estavam direcionados para o alongamento e exercícios '# ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) de equilíbrio, que aos poucos aumentavam a dificuldade, assim como um programa de caminhadas dirigidas. A intenção era que os participantes realizassem os exercícios pelo menos três vezes por semana durante sessões de 30 minutos e que caminhassem duas vezes durante a semana. As enfermeiras comprovaram a adesão a este treinamento que, posteriormente, foi comprovado através de entrevistas telefônicas. Os dados demonstram que a incidência de quedas foi reduzida em 46% no grupo que praticou exercícios em comparação com o grupo controle. Além disso, enquanto que com os que praticaram esporte não houve nenhuma hospitalização secundária a uma queda, cinco pessoas do outro grupo tiveram de ser hospitalizadas por este motivo. Os investigadores insistem em afirmar que os programas reduzem tanto o número de quedas como a gravidade das mesmas e o número de internamentos e que existe uma relação custo-benefício mais favorável entre as pessoas idosas. Daryl A. Rosenbaum, et al., Phys Sportsmed 2002;30(5) Lesões na prática de windsurfing Apesar de se atingem velocidades superiores aos 50 km por hora e, em certas ocasiões, saltos de até cinco metros de altura, o windsurfing é uma atividade pouco perigosa, sempre que o material se encontre em boas condições. O estudo indica que esta atividade apenas produz em média uma lesão por cada mil horas de prática. As extremidades inferiores parecem ser as mais afetadas, com um total de 45% do total de lesões registradas, na frente das superiores (19%) e as da cabeça e pescoço, que representam 18%. As entorses de tornozelo parecem ser o problema mais freqüente. Talvez o caso mais típico de lesão neste esporte, consista em que o praticante, possa perder o equilíbrio e cair, ainda que mantenha o pé preso na prancha. Esta situação gera forças que puxam pela articulação do tornozelo em sentido contrario e, em conseqüência, ocorre uma lesão do ligamento do tornozelo. Quanto às extremidades superiores, o traumatismo mais comum normalmente é a luxação do ombro. O windsurfing também provoca lesões na coluna devido às diferentes forças que incidem sobre a coluna vertebral, especialmente na região lombar, ao sustentar e manobrar a vela. Os problemas costumam se tornar crônicos e, curiosamente, acontecem com maior freqüência com os que têm o hábito de realizar saídas de longa duração e em zonas de ventos fortes. Quanto à segurança daquele que pratica esta atividade, o equipamento é a parte mais importante pois visa a sua proteção. Os fabricantes de material especializado para este esporte começam a tomar medidas para reduzir as lesões: a primeira delas consiste em trocar os materiais usados para prender o pé na prancha. O objetivo é a liberação mais fácil deste membro, impedindo-o de ficar preso no momento da queda. R Artal et al, Br J Sports Med 2004;37:6-12 Exercícios durante a gravidez e pós-parto Gravidez não deveria ser um estado de confinamento, e as mulheres grávidas sem qualquer tipo de complicação deve ser estimuladas a continuar ou iniciar atividades físicas. Atletas de passatempo ou competidoras sem nenhum tipo de complicação na gravidez podem continuar ativas durante a gestação. Todas as mulheres grávidas ativas devem fazer exames periódicos para verificar os efeitos de seus programas de exercícios no desenvolvimento do feto, e assim fazer os ajustes quando necessários. Mulheres com risco ou problemas '$ ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) obstétricos devem ser avaliadas antes de se recomendar a prática de atividade física durante a gravidez. Apesar do fato de que a gestação está associada a mudanças anatômicas e psicológicas, está confirmado que os exercícios trazem grandes benefícios à maioria das mulheres e os riscos são mínimos. E A L M Verhagen, Br J Sports Med 2004;38: 477-481 Estudo de coorte sobre lesões no voleibol Objetivo: Avaliar a incidência total de lesões graves e descrever os fatores associados com distensão do tornozelo. Métodos: 486 jogadores da segunda e terceira divisão do voleibol holandês participaram do estudo e foram acompanhados durante toda a temporada. Foram avaliados em três ocasiões durante a temporada (linha base, acompanhamento 1, acompanhamento 2). Todos os jogadores completaram um questionário (apenas na linha base) sobre as variáveis demográficas, participação no esporte, uso de medidas preventivas e lesões anteriores. Foi registrada a exposição de cada jogador durante os treinos e jogos durante uma semana. No caso de haver alguma lesão, o técnico entregava um formulário que deveria ser preenchido no período de uma semana. Resultados: 100 lesões foram relatadas, resultando numa incidência total de 2,6 lesões/1000 horas. A incidência de lesões graves foi 2,0/1000 horas. As distensões do tornozelo (n=41) foram as lesões mais graves e 31 (75%) de todos os jogadores com distensão do tornozelo relataram ter distensões anteriores. 25 lesões por esforço repetitivo foram relatadas. A incidência total de lesões por esforço repetitivo foi 0,6/1000 horas; o dorso e os ombros foram as partes do corpo mais afetadas. Conclusões: A distensão do tornozelo é a lesão mais comum no voleibol, contabilizando 41% das lesões relatadas. Lesões anteriores parecem ser importantes fatores de risco para a distensão do tornozelo. Os programas de prevenção de lesões deveriam se focalizar nas distensões de tornozelo e concentrar-se nos jogadores com distensões anteriores. de SantAnna GR, Simionato MR, Suzuki ME, Quintessence Int. 2004; 358:649-52 Odontologia desportiva: perfil bucal e salivar de um time de futebol feminino Odontologia esportiva tem sido considerada uma área proeminente da odontologia, já que a saúde dental pode limitar as habilidades dos atletas, tanto profissionais como não profissionais, em seus treinos e competição. A cárie dentária é associada ao uso freqüente de carboidratos, recomendados como uma fonte de energia para o exercício físico. Este estudo avaliou os perfis salivares (pH, índice de fluxo salivar, estreptococos mutantes do grupo mutans e lactobacilos) e os dentes cariados, perdidos e obturados de 18 jogadoras de futebol (13 a 19 anos) do Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa de São Paulo, antes e depois do treino. O índice de fluxo salivar apresentou uma redução significativa após o treino; no entanto, não houve alteração significativa no pH. 15% das jogadoras apresentaram 10(5) a 10(6) estreptococos do grupo mutans, e 66% apresentaram 10(3) lactobacilos. Muitos componentes salivares protegem contra microorganismos que causam infecções do trato respiratório superior (comum em atletas), assim como a participação no mecanismo de remineralização durante os desafios cariogênicos. Assim, devido ao índice de redução do fluxo salivar nesta população com um alto número de microorganismos cariogênicos, sugerese a ingestão de alimentos não cariogênicos nos intervalos regulares e manter os níveis de hidratação durante o treino. '% ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) A Robertson et al., Br J Sports Med 2004;38:173-176 Efeitos da massagem na perna para o restabelecimento das atividades de ciclismo de alta intensidade Objetivo: O efeito da massagem para se restabelecer de exercícios de alta intensidade é discutível. O objetivo deste estudo foi examinar os efeitos da massagem na perna comparada com o restabelecimento passivo da liberação da lactato, produção da força muscular e fadiga após exercícios repetidos de alta intensidade no ciclismo. Métodos: Nove participantes masculinos fizeram parte do estudo. Foram atendidos no laboratório em duas ocasiões em semanas separadas e no mesmo horário. O consumo alimentar e a atividade foram repetidos pelos dois dias precedentes em cada ocasião. Após as medidas na linha base do ritmo cardíaco e concentrações de lactato no sangue, os sujeitos realizaram um aquecimento padronizado na bicicleta ergométrica. Acompanhados por seis exercícios padronizados de 30 segundos de exercícios de alta intensidade, entremeados com 30 segundos de restabelecimento ativo. Após cinco minutos de recuperação ativa e 20 minutos de massagem na perna, os sujeitos realizaram um segundo aquecimento e o teste Wingate de 30 segundos. Amostras de sangue capilar foram recolhidas nos intervalos e foram registrados: o ritmo cardíaco, pico de força, média da força e índice de fadiga. Resultados: Não houve diferença na força média durante o início dos exercícios de alta intensidade (p=0,92). Não foi observado nenhum efeito significativo nas concentrações de lactato no sangue (p=0,82) ou ritmo cardíaco (p=0,81). Não houve diferença na força máxima (p=0,75) ou força média (p=0,66) no teste Wingate, mas um índice significativamente baixo foi observado no teste utilizando a massagem (p=0,004); índice médio de fadiga (DP) 30,2 v. 34,2 (3,3)%. Conclusões: Não foram observados efeitos fisiológicos mensuráveis utilizando a massagem na perna quando comparado com a recuperação passiva de exercícios de alta intensidade, mas o efeito subseqüente no índice de fadiga justifica outras investigações. El mundo, suplemento Salud, 17 de julho de 2004 Exercício de alta intensidade danifica o coração Praticar esporte é uma das medidas mais recomendáveis para cuidar da saúde cardiovascular. No entanto, nem todos os exercícios físicos são adequados neste sentido. De acordo com um estudo, realizado com três grupos de esportistas envolvidos em competições (natação, voleibol e futebol), as atividades de alta intensidade podem exercer, precisamente, um efeito nocivo para a saúde coronária, já que elevam os níveis de LDLcolesterol (ruim). Conforme observaram os autores deste estudo (pertencentes ao Departamento de Fisiologia da Universidade de Granada/ Espanha) os jogadores de voleibol e os jogadores de futebol apresentavam um perfil lipídico pior do que os nadadores. '& ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) Normas de publicação ação & movimento A revista ação & movimento é uma publicação com periodicidade bimestral e está aberta para a publicação e divulgação de artigos científicos das áreas relacionadas à Educação Física. Os artigos publicados na ação & movimento poderão também ser publicados na versão eletrônica da revista (Internet) assim como em outros meios eletrônicos (CD-ROM) ou outros que surjam no futuro, sendo que pela publicação na revista os autores já aceitem estas condições. A revista ação & movimento assume o estilo ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). Os autores que desejarem colaborar em alguma das seções da revista podem enviar sua contribuição (em arquivo eletrônico/ e-mail) para nossa redação, sendo que fica entendido que isto não implica na aceitação do mesmo, o que será notificado ao autor. O Comitê Editorial poderá devolver, sugerir trocas ou retorno de acordo com a circunstância, realizar modificações nos textos recebidos; neste último caso não se alterará o conteúdo científico, limitando-se unicamente ao estilo literário. 1. Editorial Trabalhos escritos por sugestão do Comitê Científico, ou por um de seus membros. Extensão: Não devem ultrapassar três páginas formato A4 em corpo (tamanho) 12 com a fonte Times New Roman com todas as formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobrescrito, etc; a bibliografia não deve conter mais que dez referências. 2. Artigos originais São trabalhos resultantes de pesquisa científica apresentando dados originais de descobertas com relação a aspectos experimentais ou observacionais, e inclui análise descritiva e/ou inferências de dados próprios. Sua estrutura é a convencional que traz os seguintes itens: Introdução, Métodos, Resultados, Discussão e Conclusão. Texto: Recomendamos que não seja superior a 12 páginas, formato A4, fonte English Times (Times Roman) tamanho 12, com todas as formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobre-escrito, etc. O total de caracteres não deve ultrapassar 25.000/30.000 caracteres, inclusos espaçamentos. Tabelas: No máximo seis tabelas, no formato Excel/Word. Figuras: No máximo 8 figuras, digitalizadas (formato .tif ou .gif) ou que possam ser editados em Power-Point, Excel, etc. Bibliografia: É aconselhável no máximo 50 ref. bibliográficas. Os critérios que valorizarão a aceitação dos trabalhos serão o de rigor metodológico científico, novidade, interesse profissional, concisão da exposição, assim como a qualidade literária do texto. 3. Revisão São trabalhos que versem sobre alguma das áreas relacionadas à Educação Física, que têm por objeto resumir, analisar, avaliar ou sintetizar trabalhos de investigação já publicados em revistas científicas. Quanto aos limites do trabalho, aconselha-se o mesmo dos artigos originais. 4. Atualização São trabalhos que relatam informações geralmente atuais sobre tema de interesse dos profissionais de Educação Física (novas técnicas, legislação, por exemplo) e que têm características distintas de um artigo de revisão. 5. Relato de caso São artigos que representan dados descritivos de um ou mais casos explorando um método ou problema através de exemplo. Apresenta as características do indivíduo estudado, com indicação de sexo, idade. 6. Comunicação breve Esta seção permitirá a publicação de artigos curtos, com maior rapidez. Isto facilita que os autores apresentem observações, resultados iniciais de estudos em curso, e inclusive realizar comentários a trabalhos já editados na revista, com condições de argumentação mais extensa que na seção de cartas do leitor. Texto: Recomendamos que não seja superior a três páginas, formato A4, fonte Times New Roman, tamanho 12, com todas as formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobre-escrito, etc. Tabelas e figuras: No máximo quatro tabelas em Excel e figuras digitalizadas (formato .tif ou .gif) ou que possam ser editados em Power Point, Excel, etc Bibliografia: São aconselháveis no máximo 15 referências bibliográficas. 7. Resumos Nesta seção serão publicados resumos de trabalhos e artigos inéditos ou já publicados em outras revistas, ao cargo do Comitê Científico, inclusive traduções de trabalhos de outros idiomas. 8. Correspondência Esta seção publicará correspondência recebida, sem que necessariamente haja relação com artigos publicados, porém relacionados à linha editorial da revista. Caso estejam relacionados a artigos anteriormente publicados, será enviada ao autor do artigo ou trabalho antes de se publicar a carta. Texto: Com no máximo duas páginas A4, com as especificações anteriores, bibliografia incluída, sem tabelas ou figuras. Preparação do original 1. Normas gerais 1.1 Os artigos enviados deverão estar digitados em processador de texto (Word), em página de formato A4, formatado da seguinte maneira: fonte Times New Roman, tamanho 12, com todas as formatações de texto, tais como negrito, itálico, sobrescrito, etc. 1.2 Numere as tabelas em romano, com as legendas para cada tabela junto à mesma. 1.3 Numere as figuras em arábico, e envie de acordo com as especificações anteriores. '' ação & movimento - julho/agosto 2004;1(3) As imagens devem estar em tons de cinza, jamais coloridas, e com qualidade ótima (qualidade gráfica 300 dpi). Fotos e desenhos devem estar digitalizados e nos formatos .tif ou .gif. 1.4 As seções dos artigos originais são estas: resumo, introdução, material e métodos, resultados, discussão, conclusão e bibliografia. O autor deve ser o responsável pela tradução do resumo para o inglês e também das palavras-chave (key-words). O envio deve ser efetuado em arquivo, por meio de disquete, zipdrive, CD-ROM ou e-mail. Para os artigos enviados por correio em mídia magnética (disquetes, etc) anexar uma cópia impressa e identificar com etiqueta no disquete ou CD-ROM o nome do artigo, data e autor, incluir informação dos arquivos, tais como o processador de texto utilizado e outros programas e sistemas. 2. Página de apresentação A primeira página do artigo apresentará as seguintes informações: - Título em português e inglês. - Nome completo dos autores, com a qualificação curricular e títulos acadêmicos. - Local de trabalho dos autores. - Autor que se responsabiliza pela correspondência, com o respectivo endereço, telefone e E-mail. - Título abreviado do artigo, com não mais de 40 toques, para paginação. - As fontes de contribuição ao artigo, tais como equipe, aparelhos, etc. 3. Autoria Todas as pessoas consignadas como autores devem ter participado do trabalho o suficiente para assumir a responsabilidade pública do seu conteúdo. O crédito como autor se baseará unicamente nas contribuições essenciais que são: a) a concepção e desenvolvimento, a análise e interpretação dos dados; b) a redação do artigo ou a revisão crítica de uma parte importante de seu conteúdo intelectual; c) a aprovação definitiva da versão que será publicada. Deverão ser cumpridas simultaneamente as condições a), b) e c). A participação exclusivamente na obtenção de recursos ou na coleta de dados não justifica a participação como autor. A supervisão geral do grupo de pesquisa também não é suficiente. 4. Resumo e palavras-chave (Abstract, Key-words) Na segunda página deverá conter um resumo (com no máximo 150 palavras para resumos não estruturados e 200 palavras para os estruturados), seguido da versão em inglês. O conteúdo do resumo deve conter as seguintes informações: - Objetivos do estudo. - Procedimentos básicos empregados (amostragem, metodologia, análise). - Descobertas principais do estudo (dados concretos e estatísticos). - Conclusão do estudo, destacando os aspectos de maior novidade. Em seguida os autores deverão indicar quatro palavras-chave para facilitar a indexação do artigo. 5. Agradecimentos Os agradecimentos de pessoas, colaboradores, auxílio financeiro e material, incluindo auxílio governamental devem ser inseridos no final do artigo, antes das referências, em uma secção especial. 6. Referências As referências bibliográficas devem seguir o estilo ABNT . As referências bibliográficas devem ser numeradas por numerais arábicos entre parênteses e relacionadas em ordem na qual aparecem no texto, seguindo as seguintes normas: Livros - Número de ordem, sobrenome do autor, letras iniciais de seu nome, ponto, título do capítulo, ponto, In: autor do livro (se diferente do capítulo), ponto, título do livro, ponto, local da edição, dois pontos, editora, vírgula, ano da impressão, ponto, páginas inicial e final, ponto. Exemplos: Livro: MAY, M. The facial nerve. New-York:Thieme, 1986. Capítulo ou parte de livro: PHILLIPS, S. J. Hypertension and Stroke. In: LARAGH J. H., (Ed.). Hypertension: pathophysiology, diagnosis and management. 2. ed. NewYork: Raven press, 1995. p. 465-78. Artigos - Número de ordem, sobrenome do(s) autor(es), letras iniciais de seus nomes (sem pontos nem espaço), ponto. Título do trabalho, ponto. Título da revista ano de publicação seguido de vírgula, número do volume, número do fascículo, páginas inicial e final, data e ponto. Não utilizar maiúsculas ou itálicos. Devem ser citados todos os autores até 6 autores. Quando mais de 6, colocar a abreviação latina et al. Exemplo: ALMEIDA, C.; MONTEIRO, M. Descrição de duas novas espécies (Homoptera). Revista Brasileira de Zoologia, Curitiba, v. 9, n. 1/ 2, p. 55-62, mar./jun. 1992. Os artigos, cartas e resumos devem ser enviados para: Jean-Louis Peytavin Atlantica Editora Rua da Lapa, 180/1103 - Lapa 20021-180 Rio de Janeiro RJ Tel: (21) 2221 4164 E-mail: [email protected] Calendário de eventos 2004 28 a 31 de Outubro DEZEMBRO I Encontro Brasileiro de Avaliação Física OUTUBRO 7 a 9 de Outubro VIII Semana Científica da Faculdade de Educação Física da Univ. Federal de Góias Formação de Professores e Avaliação física nas academias, escolas e clínicas de emagrecimento FUNORTE Faculdades Unidas do Norte de Minas Informação: (38) 3690-3032 [email protected] ou [email protected] www.funorte.com.br (em construção) desafios para o mundo do trabalho Informação: (64) 441-1511/1500 [email protected] www.semcientificafefufg.ubbi.com.br NOVEMBRO 2 a 4 de Dezembro Congresso Nacional de Educação Física da FTC Faculdade de Tecnologia e Ciências de Salvador Curso de Educação Física Informes: (71) 281-8106 [email protected] 7 a 10 de Dezembro II Congreso Internacional de Luchas y Juegos tradicionales 8 a 12 de outubro 5 a 7 de Novembro 37º ENAF Poços VIII Encontro Fluminense de Educação Informação: (35) 3222-2344 [email protected] 9 a 12 de Outubro 5ª Fitness Brasil Norte-Nordeste Atividade Física e Bem Estar Salvador Informação: (11) 5053-2699 [email protected] 20 de Outubro V Jornada Preventiva do Curso de Fisioterapia-UVA Universidade Veiga de Almeida Informação: (21) 2574-8882 Profa. Ione Moézia de Lima Física Escolar Informação: (21) 2629-2808 / 2809 / 2810 [email protected] www.uff.br/gef/ 7 de Novembro 2ª Taça Piracicaba de Taekwondo por Cabildo Insular de Fuerteventura / Fed Insular de Lucha Canaria de Fuerteventura Fuerteventura Gran Canaria Espanha Informação: Dr. D. Fernando Amador Ramírez [email protected]; ponenciasjuegos@luch www.luchasyjuegos.com; www.wrestlingandgames.com Equipes 10 a 12 de Dezembro Taekwondo Associação Piracicaba de Taekwondo Piracicaba SP Informação: (19) 3432-4003 [email protected] I Encontro Nacional de Ensino de Artes e Educação Física Linguagens Artísticas e das Práticas Corporais na Educação Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN/DEF Informação: (84) 215-3451 [email protected] ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) educação física e desportos Índice Volume 1 número 4 - setembro/outubro de 2004 EDITORIAL O profissional de Educação Física e a técnica, Luis Alberto Batista .......................................................258 ARTIGOS ORIGINAIS A incidência de lombalgias e a relação com os desvios posturais da coluna vertebral no voleibol feminino, Adriana Moré Pacheco, Joseani Ceccato, Ivan Pacheco, Rosemary de Oliveira Petcowicz ..............................................................................................................................206 Aplicabilidade da biomecânica no ensino de habilidades motoras esportivas, Luis Alberto Batista ......................................................................................................................................................211 ATUALIZAÇÃO O desenvolvimento do handebol no Brasil e nos jogos olímpicos, Ana Flávia Paes Leme de Almeida ...........................................................................................................................226 A escalada e as ciências do desporto, Alex Itaborahy, Ana Abreu de Medeiro Faro, Glauber Ribeiro ............................................................................................................................................................232 Educação física na educação infantil uma prática vivenciada, Atos Prinz Falkenbach, Greice Drexsler, Verônica Werle ...............................................................................................................................245 O imaginário social e a incerteza na prática do judô, Marco Aurélio da Gama e Silva, Carlos Augusto de Alcântara Gomes ......................................................................................................................253 RESUMOS ..............................................................................................................................................................258 NORMAS DE PUBLICAÇÃO ...................................................................................................................262 EVENTOS ................................................................................................................................................................264 ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) ISSN 1806-9436 educação física e desportos Editor Luiz Alberto Batista (UERJ) [email protected] Conselho editorial Adroaldo Cezar Araújo Gaya (UFRGS) Alberto Reinaldo Reppold Filho (UFRGS) Alex Itaborahy (INUAF-Loulé Portugal) Ana Maria Medeiros de Abreu Faro (Universidade de Coimbra Portugal) Antônio Carlos Stringhini Guimarães (UFRGS) Antonio Teixeira Marques (Universidade do Porto Portugal) Artur Manuel Romão Pereira (Universidade de Coimbra Portugal) Astrogildo Vianna (UERJ) Carlos Adelar Abaide Balbinotti (UFRGS) Fernanda Barroso Beltrão (UFRJ, UCB) Francisco Sobral (Universidade de Coimbra Portugal) Genni Togun (UERJ) Guilherme Locks Guimarães (UERJ) Guilherme Pacheco (UGF) Heron Beresford (UERJ, UCB) Jefferson Retondar (UERJ) João Ricardo Moderno (UERJ) Jorge Olimpio Bento (Universidade do Porto Portugal) José Manuel da Costa Soares (Universidade do Porto Portugal) José Silvio de Oliveira Barbosa (UERJ) Marco Antonio Guimarães da Silva (UFRRJ, UCB) Paulo Coelho de Araújo (Universidade de Coimbra Portugal) Paulo Farinati (UERJ) Ricardo Demétrio de Souza Petersen (UFRGS) Ricardo Vélez Rodrigues (UFMG) Vernon Furtado de Silva (UERJ, UCB) Rio de Janeiro Rua da Lapa, 180/1103 20021-180 Rio de Janeiro RJ Tel/Fax: (21) 2221-4164 / 2517-2749 e-mail: [email protected] www.atlanticaeditora.com.br São Paulo Praça Ramos Azevedo, 206/1910 01037-010 São Paulo SP Tel: (11) 3362-2097 Assinaturas 6 números ao ano + 1 CD-ROM R$ 144,00 Rio de Janeiro: (21) 2221-4164 Representante de Assinatura: A.Shalon (11) 3361-5595 Editor executivo Dr. Jean-Louis Peytavin [email protected] Publicidade e marketing René Caldeira Delpy Jr. [email protected] (21) 2221-4164 Colaboradora da redação Guillermina Arias [email protected] Editoração e arte Cristiana Ribas [email protected] Administração Bárbara de Assis Jorge [email protected] Atendimento ao assinante Ingrid Haig [email protected] Redação e administração (Todo o material a ser publicado deve ser enviado para o seguinte endereço) Jean-Louis Peytavin Rua da Lapa, 180/1103 20021-180 Rio de Janeiro RJ Tel/Fax: (21) 2221-4164 [email protected] Atlântica Editora edita as revistas Diabetes Clínica, Fisioterapia Brasil, Enfermagem Brasil, Nutrição Brasil e Neurociências. 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Apesar de todo o material publicitário estar em conformidade com os padrões de ética da saúde, sua inserção na revista não é uma garantia ou endosso da qualidade ou do valor do produto ou das asserções de seu fabricante. ! ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) Editorial O profissional de Educação Física e a técnica Luiz Alberto Batista Editor científico Doutor em Ciências do Desporto Coordenador de Pós-graduação do IEFD/ UERJ Coordenador do Laboratório de Biomecânica do IEFD/UERJ [email protected] Ao conceito de profissão estão associadas as idéias de preparação especializada, obtenção de recursos necessários à subsistência, ocupação e ofício. Em parte, isso implica que em algum momento o futuro profissional deva ser submetido a um ensino que lhe proporcione o desenvolvimento das competências técnicas a serem utilizadas no setor escolhido. Em outras palavras ele deverá ser submetido a um ensino profissionalizante, um ensino destinado a formar técnicos em determinados ofícios ou profissões. Para além da aquisição de procedimentos e estratégias de intervenção, é nosso ponto de vista que, quando referimo-nos à formação profissional de um indivíduo, devemos considerar o fato de que esse deva ser preparado também para entender o seu verdadeiro papel no contexto da sociedade. Ou seja, é preciso, juntamente com a preparação do técnico especializado contribuir com a formação do cidadão, do ser político, no sentido que Antonio Gramsci atribui ao termo. Sendo assim, quando falamos de aquisição de acervo técnico, estamos tratando meramente de um dos aspectos da formação profissional. Não se trata, portanto, da defesa do desenvolvimento alienado de competências técnicas. Muito pelo contrário, acreditamos que qualquer profissional, de qualquer carreira, deva receber, durante sua formação, informações que o possibilitem ser crítico e mais atuante em mudanças que promovam a melhora da sociedade como um todo, visto não entendermos ser esta uma incumbência somente do professor de Educação Física, ou do professor de outras matérias, ou de qualquer outro profissional isoladamente. Quando levantamos a tese da ação profissional como elemento coadjuvante na melhora da sociedade, há também que se ter em conta o relativismo contido nesta última expressão, o que nos leva a formular a seguinte questão: Qual o melhor modelo de sociedade? Quando consideramos, por exemplo, o tipo de atuação do indivíduo, para alguns, o modelo ideal de sociedade é aquele onde reina a paz permanente em decorrência de uma estrutura formada por uma massa de sujeitos passivos, submissos, resignados a toda e qualquer ocorrência, tomando-as por desígnios divinos ou predestinação. Para outros o modelo ideal de sociedade é aquele no qual, muito embora a paz seja perene, o conflito é tido como saudável desde que reflita o inconformismo de seres sociais diante de situações adversas. Vários outros exemplos, acerca dos possíveis diferentes status do indicador atuação social, poderiam ser dados, demonstrando quão relativo pode ser o conceito de sociedade ideal. " ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) Porém, não obstante o tipo considerado, no que diz respeito ao exercício profissional atuar efetivamente na construção ou manutenção do modelo social pretendido, seja ele qual for, implica possuir competência técnica. Se um profissional intervém na dinâmica de uma sociedade, enquanto sujeito profissional, através do exercício das funções que lhe são pertinentes, o que acontece se o mesmo não possui sequer a competência técnica para fazê-lo, ou seja, se ele não é capaz de exercer bem sua profissão? Qual a sua legitimidade no contexto social? Que credibilidade possui para contribuir com mudanças mais amplas na sociedade? Qual será o seu real poder de intervenção? Um professor, por exemplo, antes de qualquer outra coisa tem que dominar as técnicas pertinentes ao exercício do magistério, para ter legitimidade social enquanto professor. Do contrário, sempre haverá alguém a levantar a tese de que seu permanente estado de luta social é simplesmente uma forma de camuflar sua incompetência técnicoprofissional. Diante de tal quadro corremos o risco de ver a legitimidade e relevância das lutas sociais do referido professor serem dilaceradas por sua manifesta falta de qualidade profissional. Assim, um profissional adquire legitimidade, no contexto de uma sociedade, quando atua com competência. Para atuar com competência é necessário que ele domine um certo número de técnicas referentes às tarefas a cumprir, fazendo-o da melhor forma possível, ou seja, dentro do mais alto padrão de qualidade disponível para a situação e para o momento. Estamos considerando aqui os indivíduos que atuam em um mercado de trabalho que reclama a qualificação, ou seja, estamos nos referindo àquelas funções que, excetuando-se raras ocorrências, não têm como ser exercidas, com resultados satisfatórios, sem que o agente das ações inerentes tenha passado por um período razoável de aprendizado e treinamento, seja ele de nível Técnico, Superior ou de pós-graduação. Este é o caso da Educação Física. Temos defendido perante a sociedade que o profissional deste setor tem que ser qualificado através de uma formação específica. O professor, assumimos, deve possuir o terceiro grau, um dos mais elevados graus de ensino-aprendizado de formação, ao qual uma fração muito pequena de nossa sociedade tem acesso. Temos consciência dos riscos possíveis resultantes de ações de Educação Física que não sejam delineadas e acompanhadas por profissionais competentes. Porém, se por um lado defendemos como real e legítimo o princípio de que um profissional de Educação Física deve possuir uma formação de terceiro grau, por outro é de fundamental importância que façamos acontecer, na prática, as conseqüências de tal requisito. Em outras palavras, é fundamental que haja diferenças de fato, e significativas, entre o trabalho do indivíduo qualificado e do não qualificado, para que o primeiro possa ser distinguido e socialmente legitimado como profissional, abrindo caminho para a efetivação de sua práxis. Sabemos que a Educação Física passou por um período, historicamente necessário, de uma intensa e saudável crítica aos modelos técnico-profissionais. No entanto é preciso não ver Tecnicismo em tudo, diferenciando, no que diz respeito à Técnica, o uso saudável do abusivo, com pena de abrirmos mão de tudo aquilo que nos possibilita sermos profissionalmente capazes. Além disso, muitos dos elementos técnicos profissionais adquiridos durante a nossa formação sofrem com um outro tipo de ataque. Não é ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) incomum escutarmos pessoas dizendo que: Se eu fosse utilizar tudo o que me ensinaram na faculdade, eu acabaria perdendo alunos ou ainda Se eu for fazer isso no meu local de trabalho o patrão me manda embora. Entendemos que algumas das orientações recebidas durante a formação só serão aplicáveis diante de situações ideais. Porém o grande problema não esta no fato de não utilizarmos tudo o que aprendemos, mas de não utilizarmos o que aprendemos quando podemos e de não lutarmos para que nos seja possibilitado fazer o nosso melhor. É muito mais fácil simplesmente argumentar que ...a teoria na prática é outra..., do que procurar superar as barreiras impostas à aplicação dos pressupostos que a primeira nos apresenta. Se buscarmos constantemente a superação dos obstáculos à aplicação do melhor de nosso repertório técnico, provavelmente nos depararemos com inviabilidades, porém também verificaremos que muito é possível de ser feito sem comprometer o atendimento aos nossos clientes. Muito pelo contrário, a constância do exercício de superação resultará, sempre, no melhor possível e, provavelmente abrirá caminho para que cheguemos mais próximos daquilo que for o ideal para o momento histórico. Não temos dúvidas de que aqui estamos diante de um severo paradoxo, visto que na busca de fazer valer essa qualidade profissional, através do uso pleno de nossa competência técnica, o tempo é o nosso pior inimigo assim como nosso melhor aliado. É o maior inimigo, pois o trabalho bem feito, até mesmo por ser mais crítico e diligente, implica em demanda de mais tempo para ser colocado em prática, enquanto que no de menor qualidade não se perde tempo com questões essências trabalhando-se apenas com as aparências, ou seja, com as primeiras impressões. Por outro lado o tempo é o maior aliado daquele que procura fazer o melhor, pois com o decurso do mesmo as pessoas começam a perceber os resultados. Se o trabalho não é bem realizado evolui, progressivamente, um processo de rejeição, e, ao contrário, se o trabalho tem qualidade instala-se a tão procurada aderência. No entanto para que isso aconteça e a rejeição não se volte contra a Educação Física, como um todo, é preciso que as pessoas submetidas aos processos que conduzimos tenham acesso a atuação profissional bem encaminhada, para que tomando-a como parâmetro, percebam a pertinência do que é corretamente realizado. Sendo assim entendemos que a legitimidade e identidade do profissional de Educação Física, perante a sociedade, são influenciadas pelo tipo de relação que este mantém com o acervo técnico referente ao seu ofício. Faz-se necessário, portanto, que, sem sermos tecnicistas, cuidemos da qualidade deste acervo, mantendo um estado constante de vigilância para ratificar o que é pertinente, retificar o que precisa ser melhorado e expurgar tudo aquilo que, efetivamente, não presta. # $ ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) ARTIGO ORIGINAL A incidência de lombalgias e a relação com os desvios posturais da coluna vertebral no voleibol feminino The incidency of low back pain and the relation of posture disorders in the vertebrale spine in female volleyball players Adriana Moré Pacheco, M.Sc.*, Joseani Ceccato** Ivan Pacheco, D.Sc.*** Rosemary de Oliveira Petcowicz, D.Sc.**** * Fisioterapeuta do Clube Grêmio Náutico União POA / RS, Fisioterapeuta da Clínica SOS Esporte, Ciências do Movimento Humano UFRGS, Professora do Curso de Fisioterapia da PUCRS. **Fisioterapeuta do Clube Grêmio Náutico União POA / RS, Fisioterapeuta da Clínica SOS Esportes, Especialista em Terapia Manual. ***Ortopedista e Traumatologista do Esporte da Clínica SOS Esportes, Ortopedista e Traumatologista do Esporte e Coordenador do Centro de Medicina e Reabilitação do Clube Grêmio Náutico União POA / RS, Ortopedista e Traumatologista do Esporte Clube São José Futebol, Diretor da Federação Gaúcha de Futevôlei e vice-presidente médico da Federação Gaúcha de Futebol, Mestre em Ciências do Movimento Humano UFRGS, Doutor em Ciências do Movimento Humano UFRGS. ****Médica pediatra, médica do Clube Grêmio Náutico União POA / RS, Mestre em Ciências do Movimento Humano UFRGS Resumo Este estudo teve como objetivo pesquisar a incidência de lombalgias e desvios posturais da coluna vertebral no voleibol feminino, avaliando o índice de dores lombares que apareceram nessas atletas durante o ano de 2002 e se essas dores estavam ou não relacionadas com os desvios posturais. Foram avaliadas 18 atletas praticantes de voleibol no mínimo há 05 anos, com idades entre 15 e 19 anos, independentes da cor, raça e categoria esportiva. Todas as atletas foram encaminhadas para o departamento de fisioterapia do Clube Grêmio Náutico União POA / RS, onde era realizada a avaliação postural com o objetivo de se traçar um perfil das jogadoras de voleibol. Porém os dados coletados das atletas que apresentavam queixas de dor lombar foram separados para a comparação. Os resultados apresentados foram expressos na forma de gráficos. De acordo com os achados da pesquisa, verificou-se que 13 atletas (72%) referiram dores lombares. No total das atletas avaliadas, 14 atletas (77%) apresentavam a coluna cervical normal, 5 atletas (27%) apresentavam escoliose torácica em C, 1 atleta (5%) apresentava escoliose torácica em S, 9 atletas (50%) apresentavam hiperlordose lombar e 4 atletas (22%) retificação lombar. Na avaliação geral dos desníveis da cintura escapular, 12 atletas (66%) estavam enquadradas nessa análise e nos desníveis da cintura pélvica, 13 atletas (72%). Conclui-se, então, que as atletas que apresentaram desvios posturais, nem sempre tinham queixas de dores lombares. Porém, se a análise for exclusivamente para a coluna lombar, a relação com as dores lombares são significativas. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras-chave: lombalgia, desvios posturais da coluna vertebral, voleibol. Artigo recebido em 5 de maio de 2004; aceito em 19 de outubro de 2004. Endereço para correspondência: Adriana Moré Pacheco, Rua Comendador Rheingantz, 362 601 B Auxiliadora, Porto Alegre RS, E-mail: [email protected] % ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) Abstract The aim of this paper was to observe the incidence of low back pain and postural abnormality of the spine, in female volleyball athletes. It was record the pain scale that appear at the athletes during the 2002 year, and if that pain was related or not with postural abnormalities. It were evaluated 18 female volleyball athletes with 5 years of play, and age between 15 to 19 years old, independently of race. All of them were reffered to rehabilitation department of Grêmio Náutico União of Porto Alegre RS, to postural avaliation. However, data of pain was separated to compare. According with findings, 13 athletes (72%) had lowback pain. In total of athletes, 14 (77%) had a normal cervical posture, 5 (27%) had one curve thoracic scoliosis, and 1 athlete (5%) with two curves thoracic scoliosis. Nine athletes (50%) had lumbar hiperlordosis and 4 athletes (22%) had retification at the lumbar region. On general avaliation of the scapular girdle, 12 athletes (66%) had side-to-side difference and 13 (72%) at the pelvic girdle. In this way, it conclude that athletes that had postural deviation, not always have lowback pain. However, with an analysis exclusively to lumbar region, the relation between back pain and postural abnormalities are significants. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key-words: low back pain, posture disorders in the vertebral spine, volleybal. Introdução Poucos estudos têm fornecido atenção às dores lombares em atletas e relacionando-as com desvios posturais da coluna vertebral. A dor se inicia ou é induzida por um trauma mecânico [1]. Por ser o voleibol uma modalidade esportiva que exige saltos, impulsões e deslocamentos [2], a coluna lombar é uma estrutura bastante exigida neste esporte. Só perde para as articulações do tornozelo e joelho, que são, nessa ordem, as articulações mais exigidas e que mais sofrem lesões [3]. A coluna inteira compreende quatro curvas fisiológicas que são determinadas pelo formato do disco intermediário e formam no segmento cervical uma lordose, no segmento torácico uma cifose, no segmento lombar uma lordose e no segmento sacral uma cifose. Estas quatro curvas atravessam, transversalmente, a linha vertical da gravidade para permanecer num estado de equilíbrio [4]. A coluna vertebral está equilibrada sobre uma base pélvica ondulante. A coluna cinética, ou coluna de movimento, flete-se e estende-se em um padrão de ritmo lombopélvico. Esse movimento uniforme do ritmo exige boa integração neuromuscular e flexibilidade adequada dos tecidos. Sendo assim, qualquer desequilíbrio dessa anatomia, pode acarretar aparecimento de curvaturas, que por serem classificadas como alterações fisiológicas, podem desencadear dor. A cifose, por exemplo, é um tipo de curvatura que pode se manifestar, principalmente na região da coluna torácica ou dorsal. Ela torna-se patológica, quando ultrapassa a extensão das oscilações fisiológicas e não pode ser compensada, gerando dores, principalmente no crescimento [5]. As escolioses são desvios da coluna no sentido lateral e rotacional. Assim, temos a formação de gibosidade vertebral na região torácica. As deformidades são avaliadas nas vistas anterior e posterior do plano coronal. As lordoses são as curvaturas fisiológicas observadas no perfil da coluna vertebral, sendo avaliada a convexidade da curvatura, que se manifesta na coluna cervical e na coluna lombar [6]. O aumento dessa curvatura é denominado de hiperlordose que se caracteriza por uma acentuação patológica e as atividades que exigem freqüentemente o arqueamento do dorso, o que é comum nos movimentos de saque e cortada do voleibol, podem causar lesões se a musculatura exigida não estiver bem alongada e fortalecida [4]. As lesões de hiperextensão são, geralmente, iniciadas pela dor lombar, caracterizando-se por uma lombalgia [7,2], que aparece comumente entre homens acima de 40 anos e com maior prevalência em mulheres entre 50 e 60 anos [8]. Por essa razão, as dores lombares em atletas, principalmente de voleibol, podem estar relacionadas com o aumento da lordose fisiológica, por mecanismos de estresse gerado pelas contrações vigorosas, velocidade do gesto esportivo, número de repetições e intensidade de treinos [7,2]. Portanto o objetivo do presente estudo é pesquisar a incidência de lombalgias e desvios posturais da coluna vertebral no voleibol feminino, avaliando o índice de dores lombares que apareceram nessas atletas durante o ano de 2002 e se essas dores estavam ou não relacionadas com os desvios posturais. & ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) Material e métodos A pesquisa foi desenvolvida a partir da elaboração de um questionário, com perguntas abertas e fechadas, para posteriormente ser aplicado. O questionário utilizado continha perguntas relacionadas a queixas de dores das atletas, manifestadas na coluna lombar. A amostra analisada foi composta por 18 atletas do voleibol feminino do Clube Poliesportivo Grêmio Náutico União de POA/RS, com idades entre 15 e 19 anos, independentes da cor, raça e categoria esportiva. As atletas que apresentavam queixas de dor lombar foram selecionadas pelo questionário aplicado e foram encaminhadas ao departamento de fisioterapia onde era realizada uma avaliação postural, em um posturógrafo, onde as atletas permaneciam na posição ortostática, sendo avaliadas nas vistas anterior, perfil e posterior, por três examinadores diferentes. Em cada uma destas vistas, foi observado as alterações das curvaturas fisiológicas da coluna vertebral. Após as observações, as avaliações dos três examinadores eram comparadas e retirava-se um único consenso de avaliação para cada atleta. Os dados foram tratados através da análise descritiva utilizando-se a planilha Excel da Microsoft. Das 18 atletas avaliadas, 13 (72%) referiram dores lombares e apenas 5 (28%) não se queixaram de dores lombares (Figura 3). Figura 3 Incidência de dores lombares. Na avaliação postural, os resultados apresentados para a coluna cervical, apontaram 2 atletas (11%) com retificação da coluna cervical, 2 atletas (11%) com hiperlordose cervical e 14 atletas (77%) com a curvatura da coluna cervical sem alterações (Figura 4). Figura 4 Alterações na coluna cervical. Resultados Todas as atletas avaliadas apresentavam entre 3 a 5 anos de prática esportiva. As freqüências de treinamento foram de 6x/ semana para 1 atleta (5%), 5x/ semana para 3 atletas (16%), 4x/ semana para 10 atletas (53%) e 3x/ semana para 5 atletas (26%) (Figura 1). Figura 1 Freqüência de treinos/semana. Na avaliação da coluna dorsal ou torácica, 3 atletas (16%) apresentavam retificação da cifose fisiológica; 5 atletas (27%) apresentavam escoliose torácica em C; 1 atleta (5%) apresentou escoliose torácica em S; 2 atletas (11%) apresentaram retificação mais escoliose; 2 atletas (11%) apresentaram cifose mais escoliose e 5 atletas (27%) apresentaram as curvaturas torácicas normais (Figura 5). Figura 5 Alterações na coluna torácica ou dorsal. 2). Todas as atletas treinavam 2 horas por dia (Figura Figura 2 Tempo (horas) de treino por dia. Na avaliação da coluna lombar, 5 atletas (27%) apresentaram a lordose lombar normal; 9 atletas (50%) apresentaram aumento dessa curvatura ' ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) caracterizada pela hiperlordose lombar e 4 atletas (22%) apresentaram retificação da lordose fisiológica (Figura 6). Figura 6 Alterações na coluna lombar. Na análise de alterações gerais da cintura escapular e da cintura pélvica, 12 atletas (66%) apresentaram desequilíbrio da cintura escapular e 13 atletas (72%) apresentaram desequilíbrio da cintura pélvica (Figura 7). Figura 7 Alterações gerais da cintura escapular e da cintura pélvica. Discussão Considera-se que a fraqueza muscular é um dos fatores de risco para lombalgias [9]. Estudos demonstram que 80% de todos os problemas lombares são de origem muscular, isto é, desequilíbrio muscular [2,10]. É muito importante salientar o papel dos músculos do tronco protegendo as estruturas espinhais contra cargas excessivas. Segundo Rowe [11], nos últimos anos, aumentaram os distúrbios musculoesqueléticos, em função da utilização incorreta da biomecânica humana. Sendo assim, o voleibol é uma modalidade esportiva que pode estar relacionada com o aumento da lordose fisiológica, por mecanismos de estresse gerado pelas contrações vigorosas, velocidade do gesto esportivo, número de repetições e intensidade de treinos [7,2]. Pollock e Wilmore [10] relatam que a incidência de dor lombar em atletas de voleibol é de 11%. Uma das causas para essa incidência pode ser a má postura que os atletas adotam em suas atividades, ou seja, segundo Veronesi e Azato [12], a postura é a posição do corpo no espaço, com referência especial as suas partes que exija o menor esforço, evitando fadiga desnecessária. Os resultados do nosso estudo corroboram com a literatura, pois as atletas do estudo já eram praticantes da modalidade há pelo menos 03 anos e, nesse período, mais da metade exerce os estresses lombares comentados na literatura, treinando numa freqüência de 4x/ semana. Ainda a favor do surgimento de dores lombares durante a prática esportiva, os nossos resultados concordam quando 72% das atletas avaliadas referiram dores lombares. Ao compararmos os achados posturais de cada segmento da coluna vertebral, notamos que a coluna cervical nada sofre de alterações decorrentes da prática esportiva do voleibol. O mesmo se observa na avaliação da coluna dorsal ou torácica, quando os números percentuais não ultrapassam os 50% da amostra. Por outro lado, na avaliação da coluna lombar, 50% das atletas do estudo apresentaram aumento dessa curvatura caracterizada pela hiperlordose lombar e essas alterações, de um modo geral, trouxeram um desequilíbrio entre as cinturas escapulares e pélvicas, apresentando-se alterações em até 72% na musculatura da cintura pélvica. Esses achados tornam-se importantes, na medida em que são provenientes de indivíduos que constantemente estão submetendo as suas colunas lombares a alterações biomecânicas advindas dos estresses causados pelos gestos esportivos que executam. Para se diminuir ou, talvez, cessar esse aumento da incidência de lombalgias, deve-se propor um programa de prevenção para que esses atletas possam desenvolver um bom treinamento e, principalmente, um bom desempenho em suas competições. Acreditamos que a instituição de um protocolo de exercícios para a utilização nos treinos físicos seja de grande relevância. Bons resultados podem ser obtidos quando se tem uma causa definida da lombalgia e quando se aplicam métodos específicos adequadamente. Se a dor lombar é causada principalmente por um encurtamento das estruturas posteriores, pode-se instituir então, um protocolo que vise o alongamento dessa cadeia, utilizando-se um ou outro método relevante, baseado em pesquisas da literatura. Conclusão As alterações posturais podem se manifestar com ou sem queixas de dor. Porém, se forças excedentes forem aplicadas nessas alterações, ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) provavelmente a exacerbação da dor irá acontecer. Assim, foi possível de se verificar no presente estudo que as atletas praticantes de voleibol, apresentam uma tendência de aumentar a curvatura fisiológica da coluna lombar, devido ao gesto esportivo que executam. Assim, as queixas de dores nessa região se manifestam com mais intensidade. Conclui-se, então, que na análise para a postura da coluna lombar, a relação com a incidência de lombalgias é confirmada. Referências 1. 2. 3. MOONEY, V.; SAAL, J. A.; SAAL, J. S. Evaluation and treatment of low back pain. Clin Symp, v.48, n.4, p. 1-32, 1996. FERRETTI, A.; De CARLI, A.; PAPANDREA, P. Volleyball Injuries A Colour Atlas of Volleyball Traumatology. Lasanne: Federation Internationale de Volleyball, 1994. p. 27-41. CARAZZATO, J.G.; CAMPOS, L.A.N., CARAZZATO, S.G. Incidência de lesões traumáticas em atletas competitivos de dez tipos de modalidades esportivas. Rev. bras. ortop, v.27, n.10, p.745-758. 4. CAILLET, R. Síndromes Dolorosas Lombalgia. 3. ed., São Paulo: Manole, 1998. 5. KAPANDJI, J.A. Fisiologia Articular. São Paulo: Manole, 1980. v.3. 6. KNOPLICH, J. Enfermidades da coluna vertebral. 2. ed., São Paulo: Paramed, 1986. 7. RASCH, P. J. Cinesiologia e anatomia aplicada. 7. ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1991. 8. MARRAS W.S. Occupacional low back disorder causation and control. Ergonomics, v. 43, p.880-902, 2000. 9. CARPENTER, D.M. et al. Effect of 12 and 20 weeks of resistence training on lumbar extension torque production. Phys Ther, v.71, n.8, p. 36-44, 1991. 10. POLLOCK, M.L.; WILMORE, J.H. Exercícios na saúde e na doença: avaliação e prescrição para prevenção e reabilitação. Rio de Janeiro: Medsi, 1993. 11. ROWE, M.L. Low back disability in industry: updated position. J. Occup. Med, p. 13:476, 1971. 12. VERONESI, J.R.J.; AZATO, M.F.K. Alterações posturais decorrentes da discrepância dos membros inferiores. Fisioter. Bras, v.4, n.3, p. 173-180. ♦ ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) ARTIGO ORIGINAL Aplicabilidade da biomecânica no ensino de habilidades motoras esportivas Biomechanics applicability in the sports motor skills teaching Luiz Alberto Batista, D. Sc.* Doutor em Ciências do Desporto Coordenador de Pós-graduação do IEFD/UERJ, Coordenador do Laboratório de Biomecânica do IEFD/UERJ Resumo O objetivo deste estudo foi constatar o nível de aplicabilidade dos conhecimentos produzidos em Biomecânica do esporte, no período de 1893 a 1980, ao contexto pedagógico do processo de ensino de habilidades motoras esportiva. Foi desenvolvido e validado um instrumento de análise de conteúdo, com base na proposta de Laurence Bardin, no qual foram operacionalizados dois critérios, a serem utilizados como parâmetros no exame do conhecimento, a saber: Propósitos e Tipos de sujeitos. Também foram identificadas as modalidades esportivas mais investigadas e os periódicos que mais veicularam as informações obtidas. Mil e quatorze (1014) trabalhos foram analisados e verificou-se que as investigações realizadas no período considerado não abordaram propósitos adequados ao Ensino de Habilidade Motoras Esportivas, assim como não tiveram como sujeitos de estudo aqueles típicos desse contexto. Sendo assim concluiu-se que o conhecimento examinado apresenta um baixo nível de aplicabilidade ao processo de ensino de habilidades motoras e que, muito embora a Biomecânica possa ser útil a este processo, é fundamental que existam investigações científicas especificamente desenvolvidas para atender à problemática aí presente. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras-chaves: biomecânica, habilidade motora esportiva. Artigo recebido em 12 de novembro de 2004; aceito em 16 de novembro de 2004. Endereço para correspondência: Luiz Alberto Batista, Laboratório de Biomecânica ou Núcleo de Pedagogia do Movimento Humano. Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Instituto de Educação Física e Desportos. Prédio João Lyra Filho Bloco F sala 8122, Rua São Francisco Xavier, 524 20550-013 Rio de Janeiro RJ, Tel: (21) 2587-7660, E-mail: [email protected] ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) Abstract The aim of this study was to establish the level of applicability of the knowledge produced in sports Biomechanics, in the period from 1893 to 1980, in the pedagogical context of the teaching process of sports motor skills. It was developed and validated an instrument of content analysis, based in the proposal of Laurence Bardin, which have been operating with two criteria, to be used as parameters in the examination of the knowledge that are: Intentions and Types of subjects. The sport modalities more investigated and the periodics which the gotten information were transmitted more frequently, have also been identified. A thousand and fourteen (1014) studies have been analyzed and we verified that the inquiries carried through in the considered period did not use adequate questions regarding the Sport Abilities Motor Learning, and also did not have as study subjects those typical ones of this context. Therefore, we concluded that the examined knowledge presents a low level of applicability concerning the process of motor skills education and that, although Biomechanics can be useful to this process, the existence of scientific investigations specifically developed to take care of this problematic is fundamental. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key-words: biomechanics, sports motor skills. Introdução Atualmente há um consenso entre estudiosos dos métodos e técnicas de ensino em Educação Física, acerca do fato de que, grande parte das informações utilizadas pelos professores provém de disciplinas científicas e acadêmicas originariamente ligadas, ou pertencentes, a outros setores do conhecimento que não o das Ciências do Esporte, ou mesmo da Educação Física como um todo. Este é o caso de setores como a Fisiologia, Psicologia, Aprendizagem, Sociologia, História e Biomecânica, dentre outros. Tais campos de conhecimento, por possuírem material que interessa a uma precisa interpretação do processo de Ensino do Esporte, passam por uma dinâmica de emigração epistêmica na qual o conteúdo é deslocado, inicialmente, para este último setor. As questões críticas envolvidas nesse processo de deslocamento ocupam o centro de nossas atenções neste momento e constituíram o foco do estudo ora relatado. O deslocamento de conhecimento não constitui uma problemática tão recente e de menor importância, como pode parecer a princípio. Na dimensão de um contexto cultural mais amplo, estudos têm desvelado aspectos, tanto positivos quanto negativos, advindos de tais ocorrências. Teorias como a de Cultural Transfer [1], têm demonstrado, já há algum tempo, a incontestável intimidade entre os elementos culturais e o seu ambiente gerador, o que dá uma orientação precisa para o tipo de conhecimento formulado, estabelecendo uma relação de pertinência plena entre este é o seu contexto de gênese. Do ponto de vista específico da teoria do Cultural transfer, transferir conteúdo cultural, de qualquer tipo, de um lugar para outro, significa, entre outras coisas, deslocá-lo mantendo sua estrutura original, sem buscar nenhum nível de adaptação, que seja significativa, às características do ambiente receptor. Sendo assim a expressão Transferência, aqui, é utilizada para denominar o que podemos chamar de um processo patogênico de deslocamento de conteúdo cultural. Partindo-se desta premissa admite-se que uma transferência de conhecimento, ou seja, a mera movimentação de um tipo de conteúdo cultural, pode resultar em desastrosas conseqüências ao progresso, tanto da dinâmica cultural que o gerou assim como a do contexto receptor. Enganamo-nos, portanto, quando admitirmos que somente a cultura receptora sofra com a Transferência. O que acontece, na prática, é que a cultura geradora precisa ser retro alimentada com os resultados da aplicação para que, tendo por base as informações obtidas por esse retorno, possa promover adaptações na estrutura de seu conhecimento aumentando seu valor de extensão. Do ponto de vista epistemológico essa é uma ocorrência extremamente saudável no que diz respeito ao crescimento qualitativo de um campo de conhecimento científico, no que tange ao seu valor Extensão. A esse fenômeno positivo chamamos Simbiose Epistêmica, pois que os dois pólos, produtor e consumidor, relacionam-se com vantagens mútuas. Quando o conhecimento é apenas transferido o processo não viabiliza o retorno de informações, ou o fará de maneira pouco proveitosa, sendo dificultado o uso das informações na remodelação do contexto produtor. Para o setor receptor vários são os indicativos de prejuízos, um dos quais é o quadro de dependência cultural possível de resultar do processo. Ele é um exemplo de como uma apreciação superficial pode ser extremamente ilusória e perigosamente ingênua. A História da humanidade tem demonstrado que, geralmente, em um processo ! ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) de dação e aquisição de conhecimentos há muito mais coisas em jogo do que um mero ato magnânimo dos transmissores. É possível constatar esse fato a partir da apreciação de estudos, como o levado a efeito pela UNESCO, sobre o assunto. Neste, um grupo de renomados cientistas, espalhados por todo o mundo, conclui, após uma rigorosa investigação, que perdurou durante vários anos, que ...milhares de seres humanos são subjugados através de formas opressoras de dominação, tanto encoberta como clara, porque eles têm pouco acesso ao conhecimento...[2]. Nessas situações o acesso é direcionado, intencionalmente, por aqueles que têm a posse das informações, geralmente seus produtores, e esse direcionamento se faz de acordo com os interesses de quem fornece. Há, portanto, fortes indicativos da existência de uma severa complexidade imanente ao processo de Transferência de conhecimento, ou seja, da movimentação acrítica deste. Urge-nos, portanto, destacar o fato de que tentar compreendê-lo a partir de uma visão simplificada do fenômeno, ou seja, como se o mesmo fosse um mero deslocamento, de um ponto a outro, de alguma quantidade de qualquer coisa, teria o efeito de fortalecer o desenvolvimento de possíveis aspectos negativos aí presentes. Nossa tese é de que isso acontece não importando se os pólos de referência para a movimentação são grandes sociedades ou setores autônomos de conhecimento técnico/científico. Seja em que contexto for, é preciso compreender que a Transferência, possui forma, especificidade, objetivos, causas, conseqüências, que configuram um aspecto multifacetado dificultando sobremaneira a pesquisa científica em torno dela. Chamamos a atenção para o fato de que já foram identificados traços da ocorrência de transferência no contexto da Educação Física, especificamente com relação ao conhecimento de Biomecânica utilizado como conteúdo em cursos de graduação no Brasil até o ano de 1989 [3]. Muito embora saibamos, como introduzimos há alguns parágrafos acima, que os citados conhecimentos tenham capacidades latentes de proporcionar uma quantidade expressiva de informações as quais, interagindo entre si, podem aumentar a probabilidade das certezas no ato do trato pedagógico dos elementos inerentes a um processo de ensino-aprendizado, a atuação direta no ensino de variadas habilidades esportivas e o envolvimento com a pesquisa no campo das Ciências do Esporte, têm nos levado a considerar que esse processo de uso não é automático e natural. O que se percebe, de princípio a partir de evidências empíricas, é que muito embora os conhecimentos se mostrem extremamente úteis à efetivação de nossa práxis pedagógica, a estrutura com a qual se apresentam hoje pode não ser plenamente adequada aos propósitos pretendidos com sua utilização. O universo causal para tal falta de sincronismo, é, provavelmente, amplo e diversificado. Pode ser, enquadrando nossa principal questão crítica, que o ambiente no qual o conteúdo informativo está sendo aplicado não possua características concordantes com as heranças epistemológicas herdadas do ambiente gerador deste último, não havendo, dessa forma, condições adequadas para a interação positiva e o desenvolvimento de ambos. Nossa busca se faz no sentido de procurar estratégias através das quais possamos potencializar as capacidades de setores de conhecimento no sentido de que eles possam ser efetivamente aplicados, ou seja, que sua utilização em contextos diversos proporcione resultados realmente positivos para todos os envolvidos. (o que signif Acreditamos, portanto, que o deslocamento de conhecimentos é uma problemática relevante e deva ser explorada, através de investigações científicas, na maior quantidade possível de detalhes, para que a importância de cada campo de conhecimento utilizado possa ser sustentada pelos resultados de um processo de aplicação eficaz e não pela autoridade de pessoas, programas, currículos, ou por outra forma qualquer de valorização do saber, que fuja ao cenário de uma real valorização epistemológica, no sentido de sua aplicabilidade plena. Guiados por essa motivação vimos, já há algum tempo, investigando certos campos do vasto repertório de conhecimentos científicos utilizados em Educação Física. No decurso desta empreitada nosso principal propósito tem sido estudar as nuances que se apresentam quando utilizamos conhecimentos científicos segundo modelo discutido acima. Neste artigo iremos apresentar uma parte dos resultados destes estudos, mais especificamente os resultados de uma pesquisa realizada no sentido de determinar o status do conhecimento produzido, por um campo científico, em um determinado período histórico. O material a ser apresentado constitui produto parcial resultante de inventário analítico no qual examinamos a produção mundial em Biomecânica, dita, do Esporte, veiculada em 87 anos, de 1893 até 1980. Buscamos identificar o possível grau de aplicabilidade do conhecimento " ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) produzido no período, aos processos de ensino de habilidades motoras esportivas. O termo Aplicabilidade é utilizado aqui como Valor, uma qualidade epistemológica. Procuramos identificar os estudos cujos conteúdos, de forma direta, pudessem ser relacionados com o Ensino do Esporte ou mesmo que apresentassem evidências de uma preocupação com esse tipo de utilização para as informações produzidas. Para tanto os conhecimentos foram caracterizados com base em distintos critérios. Os Propósitos, que nortearam a realização das investigações realizadas na geração dos conhecimentos em exame, e os Tipos de Sujeitos foram dois dos critérios utilizados no estudo global e são os dados relativos a eles que aqui apresentaremos. Por julgarmos importante esclarecermos os detalhes do processo metodológico utilizados para o desenvolvimento da investigação prolongaremos, para além do habitual, a apresentação deste item. O propósito de investigação e os sujeitos investigados Sabe-se que quando desenvolvemos uma investigação científica o propósito com o qual executamos o estudo está diretamente relacionado com a problemática a partir da qual nos debruçamos sobre o objeto. Portanto se o objeto é o que queremos conhecer o critério Propósito refere-se ao que queremos conhecer acerca do objeto. Para compreendermos como isto se dá na Biomecânica começamos por identificar os possíveis propósitos atrelados aos conceitos admitidos para esse campo científico no período em que o acervo de conhecimento, a ser examinado, foi gerado. No universo científico como um todo a Biomecânica é considerada como ...o estudo da mecânica de coisas vivas... [4] . Porém, quando nos inserimos no contexto específico dessa disciplina científica, podemos perceber que essa conceituação é, no sentido operacional, muito pobre. Ela não nós informa, nem sequer aproximadamente, acerca das características dinamizadoras desse campo de conhecimento. Percebe-se que a situação sinaliza à prudência, levando-nos a desenvolver um exame mais apurado do item em questão, ou seja, os possíveis propósitos a partir dos quais uma investigação em Biomecânica do Esporte é desenvolvida. Gerhard Hochmuth refere-se à Biomecânica do movimento corporal desportivo, relacionando seu desenvolvimento com o crescimento do interesse no aperfeiçoamento da técnica esportiva, surgido com a reconstituição dos ...Jogos Olímpicos de nossos tempos... [5]. Do ponto de vista do autor, atuando no contexto esportivo, a Biomecânica abarca para si os seguintes propósitos: a) Estabelecer de técnicas esportivas mais eficientes; b) Assentar princípios Biomecânicos gerais das técnicas esportivas mais eficientes; c) Desenvolver métodos de investigação; d) Elaborar bases Biomecânicas para exercícios especiais voltados ao desenvolvimento da força, velocidade, agilidade corporal, grau e rapidez de reação. Doris I. Miller e Richard C. Nelson conceituam Biomecânica como sendo ...a ciência que investiga os efeitos de forças internas e externas sobre os corpos vivos...[6]. Os autores defendem a idéia de que esta disciplina deve possibilitar, através das estratégias metodológicas que congrega, a realização de precisas avaliações quantitativas do desempenho humano. No âmbito da prática desportiva, a performance mencionada diz respeito à execução de movimentos que visam a resolução de tarefas motoras inerentes a esse mesmo ambiente. Para Wolfang Baumann a ...biomecânica é uma matéria das ciências naturais que se preocupa com a análise física dos sistemas biológicos, examinando, entre outros, os efeitos de forças mecânicas sobre o corpo humano em movimentos cotidianos, de trabalho e esporte... [7]. Ao se referir ao desporto argumenta que essa especialidade teve ter como propósito pesquisar o corpo humano e o movimento desportivo baseada nas leis e métodos mecânicos com a inclusão de reconhecimentos anatômicos e fisiológicos, podendo também elevar efeitos de processos de desenvolvimentos de habilidades, especialmente no treinamento técnico, e proceder aos exames de performances próprios para o diagnóstico de elementos estruturais representativos da Biomecânica. O autor complementa seus esclarecimentos citando que, segundo a visão de Gutewort e Thorhauer, a Biomecânica desportiva tem como propósito principal a análise e otimização da técnica desportiva tendo em conta o correlacionamento entre esta e o nível de força, assim como a influência das condições físico-mecânicas em termos de instalações e equipamentos. Apesar de não apresentarem um conceito explícito, os escritos de José Luiz Fraccaroli nos levam a acreditar que, do ponto de vista do autor, a Biomecânica é uma disciplina através da qual podemos estudar a ...máquina humana... através da # ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) utilização das ...leis da física.... Acredita o autor que essa disciplina possa ser integrada com ...a Fisiologia e a Técnica.... [8], na expectativa de que tal interação proporcione aos técnicos mais uma oportunidade para aprimorar o treinamento de futuros atletas. Fraccaroli declara que a interpretação mecânica dos movimentos corporais no campo desportivo ajuda no processo de obtenção do máximo de rendimento com um mínimo de dispêndio de energia. Que a análise mecânica justifica e esclarece mínimos detalhes acerca dos estilos de execução de técnicas desportivas e fornece informações para o condicionamento técnico que implica no aperfeiçoamento dos movimentos. De certo modo, defende que esse tipo de esclarecimento, acerca dos movimentos desportivos, deve permitir chegar-se às formas de movimentos mais corretas as quais, estando situadas entre determinados limites, não prejudiquem o organismo e assim, não criem sobrecargas funcionais ou condições em que, a curto ou longo prazo, possam originar processos patológicos. Nesse caso, o esclarecimento Biomecânico das atividades motoras do corpo humano possibilitaria a escolha de medidas preventivas mais eficientes, prevenindo os praticantes contra a ocorrência de acidentes. Jorge de Hegedus estabelece uma clara relação entre Biomecânica e técnica ao assumir que o ...o desporto está composto por uma grande quantidade de especialidades técnicas, sendo essas determinadas por uma série de ações baseadas na Física e na Biomecânica.... Esclarece também que ...as diferentes combinações de todos esses elementos, que têm uma utilidade determinada, são designadas como técnicas... [9]. Apresenta a Biomecânica como uma área de conhecimento voltada basicamente para a melhoria do rendimento técnico do desportista. Seja em função da ação investigatória sobre a estrutura corporal e motora do atleta, ou do exame das condições físicas (materiais e equipamentos) presentes no ambiente dentro do qual ocorre a concretização da prática. James Hay apresenta uma ...definição..., na qual esclarece que a ...biomecânica é a ciência relacionada com as forças internas e externas atuando sobre o corpo humano e os efeitos produzidos por essas forças... [10]. No que diz respeito ao propósito de se desenvolver uma investigação ele admite que o conhecimento de Biomecânica instrumenta professores e técnicos para escolher técnicas apropriadas e a detectar a origem causal de faltas. Rolf Wirhed, em um texto intitulado Biomecânica no esporte, desenvolve um raciocínio que nos permite estimar que, para ele, este ramo do conhecimento científico tem como tarefa ...a descrição de exercícios desportivos com a ajuda de leis Mecânicas... [11]. Segundo o autor as informações obtidas devem possuir o propósito de permitir ao professor entender melhor como e porque um exercício deve ser executado de uma determinada maneira. Jürgen Weineck apresenta uma compilação de um texto de H. Rieder na qual argumenta que a ...biomecânica contribui bastante para captar objetivamente os aspectos, sobretudo acerca da dimensão quantitativa dos caracteres do movimento.... Diz ainda que ela ...permite a objetivação da técnica, a descrição dos caracteres cinemáticos e dinâmicos... [...] ...a motivação de variantes técnicas racionais, a determinação de parâmetros técnicos dominantes - e assim deduzir as conseqüências que dizem respeito à escolha dos meios de treinamento... [12]. Eusebio Esparza endossa a idéia de que a biomecânica é uma das ciências que surgiram com o propósito de promover o rendimento dentro da prática desportiva. Segundo este autor, nos últimos tempos, a ...melhora dos resultados na alta competição tem muito que ver com a melhora da técnica desportiva, e esta, por sua vez, com o conhecimento Biomecânico aplicado... [13]. Luiz Irineu Settineri esclarece que a Biomecânica pode ser considerada como uma disciplina preocupada com o ...estudo anatomofisiológico e mecânico do movimento do homem e dos seus segmentos corporais... [14]. Quanto à vertente Biomecânica do esporte, acredita que os conhecimentos de tal setor têm sido utilizados com o propósito de desenvolver novas formas de execução dos movimentos ou de realizar determinados desportos. Harold Barrow e Janie Brown conceituam Biomecânica como ...a ciência de movimento humano que descreve o movimento do corpo humano utilizando os métodos da Mecânica e Física [15]. Fernando Vizcaíno argumenta que ...a biomecânica joga um papel fundamental na busca da melhor solução: a tarefa motora... e que ela ... se ocupa do estudo dos movimentos humanos a partir do ponto de vista das leis da física.... Assume que, quando o corpo examinado for o de um desportista, o estudo ...implicará a efetividade do sistema de movimentos para alcançar o máximo rendimento.... Na visão do autor, a Biomecânica tem como propósito a ....otimização mecânica do corpo humano do desportista para a realização do máximo resultado.... [16]. Donskoi e Zatsiorski esclarecem que ...a tarefa geral do estudo dos movimentos do homem na Biomecânica do desporto consiste em avaliar a efetividade da aplicação das forças para alcançar a execução mais perfeita do objetivo pretendido... [17]. $ ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) Como tarefas parciais da biomecânica os autores apresentam o estudo das questões fundamentais seguintes: a) estrutura, propriedade e funções motoras do corpo do desportista; b) técnica desportiva racional e c) aperfeiçoamento técnico do desportista. Jaune Sariola traz-nos a interessante visão de um especialista no desporto judô. Em seu modo de entender a ...importância das ciências de suporte ao treinamento dos desportos de elite é indiscutível.... Esclarece ainda que a ... Biomecânica ocupa, nesse sentido, um nível destacado, como ajuda ao ensino da técnica desportiva [18]. A grande diversidade de propósitos, emergidos com a dissociação dos conceitos, demonstra a amplitude de possibilidades, em termos de direções e sentidos, com as quais podem ser orientados os estudos em Biomecânica do desporto. Cabe esclarecer que Dissociação e Remontagem constituem noções complementares que compõem uma análise [19]. Procedendo a uma sistemática remontagem, tendo como material este variado conjunto de informações oriundas da visão de autores e especialistas acerca dos propósitos da Biomecânica, é possível, por uma seleção incidental, propor a formação de grupos, associando elementos com base na similaridade dos propósitos manifestos. O importante, neste ponto da nossa exposição, é que fique registrado que a biomecânica apresenta evidências de setorização, resultando, possivelmente, na consolidação de estruturas especializadas no atendimento particularizado de contextos particulares, dentre os quais o do desporto. Apesar de parecer redundante enfatizamos este ponto, pois ele é de fundamental importância para o entendimento de nossas argumentações posteriores. Em outras palavras os dados empíricos, contidos no discurso dos estudiosos e usuários da Biomecânica, apontam no sentido da existência de variados interesses a motivar os investigadores. A eficácia e eficiência da técnica motora no sentido da resolução da tarefa motora é um deles. A preocupação com a relação direta entre o entendimento dos princípios envolvidos na mecânica corporal e o nível de eficácia na obtenção dos resultados obtidos a partir dos movimentos corporais, é anterior a consolidação da própria Biomecânica [20]. Nesse caso o propósito que esta por trás dos procedimentos investigatórios, é o entendimento da relação que se estabelece entre a técnica e o melhor rendimento desportivo. Outras vezes o trabalho de investigação está preocupado em esclarecer o caráter lesivo contido na execução, o que se identifica com uma outra motivação, a qual optamos por tipificar como promoção da saúde. Nossa opção em estabelecer esse sub-critério funda-se na proposição de que a prevenção é um dos comportamentos implicados no complexo exercício de promoção da saúde [21,22,23]. Como se sabe, existe uma estreita relação entre mecanismo produtor da lesão e a Biomecânica do exercício desportivo, o que é uma realidade reconhecida por médicos especialistas no campo da traumatologia desportiva [24]. Alguns autores exploram a Biomecânica do desporto no sentido de verificar os aspectos lesivos das atividades motoras aí envolvidas. Acredita-se que, com base nas observações advindas desses estudos, medidas preventivas possam ser delineadas e implementadas a fim de se evitar a ocorrência de agressões à integridade física dos praticantes. Em outros trabalhos a motivação residiu na possibilidade de se apresentar descritivamente o fenômeno investigado. Nesse caso elegemos dois subcritérios que cobrem os estudos desenvolvidos com o propósito de descrever a habilidade motora e descrever uma situação. Assumimos aqui que: descrever consiste na ação de expor, da forma mais fidedigna possível, o que está sendo observado, sem adicionar ou retirar nada, nem tentar explicar, ou valorar os fenômenos, ou fazer as duas coisas. Além do fato, de uma forma geral, a descrição ser uma das fases a ser observada em qualquer estudo Biomecânico, em alguns casos ela foi a resposta plena ao problema de investigação posto, e, em virtude disto, o resultado final de certos trabalhos consistir na apresentação da mesma. Tal ocorrência esta perfeitamente de acordo com a realidade do setor, visto que, segundo Yeadon, as ...investigações do movimento humano podem ser descritivas, experimentais e teóricas... [25]. Sendo assim, o critério descrição Biomecânica da habilidade refere-se aos estudos que se preocupam única e exclusivamente com essa ação, ou seja, com a descrição do próprio movimento em estudo ou de elementos que estejam, em alguma medida, relacionados com o mesmo. A diferença entre os dois tipos de descrição reside na diferença daquilo que é descrito. Na descrição da habilidade, como o próprio nome já diz, o problema é o desconhecimento das características da técnica motora em foco, ou seja, dos detalhes dos movimentos corporais propriamente ditos. Ao tomarmos contato com esse tipo % ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) de descrição a impressão que temos é de estar vendo o movimento acontecer. Já o segundo tipo está voltado à exposição não do movimento, mas sim de certas características deste ou de um outro quadro Biomecânico qualquer. No que diz respeito a técnica de execução corporal do movimento desportivo a situação pode ser bem singular. Pode-se descrever, por exemplo, as características cinemáticas implicadas em uma ação sem, necessariamente, ter que se expor o movimento explorado. O exame exploratório nos demonstrou que estes dois tipos de descrição poderão estar contidos em um mesmo estudo. Para efeito de classificação, tendo em vista a importância que a exposição clara do movimento propriamente dito tem para as considerações que estabeleceremos no decurso de nossa avaliação, toda vez que um material apresentou, em concomitante, os dois tipos de descrição, nos o classificamos como estudo que apresenta a expressão observável da habilidade motora. Como se sabe, qualquer campo científico necessita possuir todo um conjunto de ferramentas operatórias especificamente elaboradas, como o são os equipamentos de estimulação controlada na fisiologia, instrumentos como o microscópio utilizado na biologia, procedimentos de exploração de sítios arqueológicos, as técnicas de entrevista nas ciências sociais e tantos outros. Nesse sentido, segundo Marconi e Lakatos, Técnica é um conjunto de preceitos ou processos de que se serve uma ciência; é a habilidade para usar esses preceitos ou normas, a parte prática. A metodologia científica utiliza inúmeras técnicas na obtenção de seus propósitos [26]. Alguns desses instrumentos podem ser utilizados em vários contextos como é o caso do Calibre Vernier que tanto pode ser utilizado no processo de confecção de peças de precisão em metalurgia, quanto na captura de informações acerca de determinadas dimensões corporais em cineantropometria, sendo utilizado como instrumento de mensuração nos dois casos. Há também o caso do eletrocardiógrafo que geralmente é utilizado para registrar o traçado do harmônico resultante das várias ondas geradas pelos potenciais de ação do coração, mas que pode também ser utilizado como cronógrafo no registro das características temporais da marcha humana. Outros tipos de instrumentos, equipamentos e processos são específicos a cada setor, sendo os mesmos criados, testados e retificados naquele mesmo contexto. Na biomecânica a situação não é diferente. Por isso é que o desenvolvimento de novos métodos, necessários a analise de certos parâmetros, deve ser considerado como uma parte importante do universo de investigação do desporto [27]. Sendo assim, é compreensível que estudos sejam realizados com o propósito de elaborar e validar procedimentos e instrumentos de investigação, constituindo-se, este outro tipo de trabalho, voltado a outro interesse, ou seja, ao desenvolvimento de processos. O ensino de habilidades desportivas é um subcritério que se diferencia dos anteriores na medida em que seu estabelecimento não foi fundado exatamente no fato de que se tenha constatado a existência de estudos realizados a partir dessa motivação. Em verdade ele identifica uma motivação que acreditamos possível de existir. O processo que consiste no esforço de ajudar a alguém que pretende adquirir a capacidade de executar técnicas motoras desportivas é extremamente complexo e específico. Difere, portanto, em vários aspectos, de outras relações, como aquelas nas quais a preocupação é com o aprimoramento de indivíduos que já sabem realizar tais habilidades. Jorge Bento ajuda-nos a entender tal especificidade ao indicar que neste contexto a preocupação deve transcender a adoção ...de um modelo de apresentação da técnica, próprio do desporto de alto rendimento..., visto que em contextos onde o aprendizado é o fator mais importante ...não interessa tanto a forma mais evoluída de uma modalidade desportiva. A questão do «volume» e do grau de dificuldade da matéria de exercitação aponta para um «quantum» de exercícios cor porais, corretamente doseados sob os aspectos dos objetivos, da adequabilidade às condições das crianças e jovens e às condições materiais e temporais realmente existentes... [28]. O ensino consiste em efetivar ações intencionalmente dirigidas, que devem respeitar processos concomitantes, tais como, por exemplo, a maturação no caso de crianças e jovens, mas que não deve se confundir com os mesmos. Desta forma os estudos que se voltam a esse universo devem estar especificamente articulados com os mesmos. Devem se preocupar com elementos de processo, de mudança e de desenvolvimento, visto que ações de muito pequeno curso temporal dificilmente podem ser caracterizadas como de aprendizado. & ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) Note-se que esse critério está diretamente relacionado com o objetivo de nosso trabalho e refere-se àqueles estudos que tem como principal preocupação os aspectos Biomecânicos da habilidade desportiva, os quais assumem importante papel no decurso de um processo de aprendizado. Eles devem retratar a dinâmica de tais processos. Sintetizando, o critério Propósitos pôde ser, a partir dos dados compilados, dividido em seis tipos, segundo os quais, o conhecimento levantado foi examinado e caracterizado, a saber: Tarefa; Promoção da Saúde; Promoção da saúde; Descrição de habilidade; Descrição de situação; Desenvolvimento de processos e Ensino de habilidades motoras. Além destes foi necessário criar subcritérios outros em função de estudos que, pela forma como foram apresentados, inviabilizaram a identificação clara dos propósitos e também de alguns poucos estudos que apresentam propósitos completamente fora do contexto investigado. Outro critério importante quando tratamos da aplicabilidade de um conhecimento está relacionado com os sujeitos investigados. Na Biomecânica, em alguns casos, o fenômeno estudado é gerado por estruturas físicas simuladoras e em outros pelo ser humano. É precisamente quando o corpo humano é estudado diretamente que o grau de variabilidade nas formas de abordagens e, consequentemente, no produto das investigações se vê aumentado. Isso porque ocorrem flutuações nos aspectos Biomecânicos envolvidos quando comparamos indivíduos de diferentes graus de experiência na execução de habilidades motora desportivas [29,30]. Ao reconhecermos que os estudos exploram o movimento corporal é preciso também reconhecer que os corpos não são idênticos entre si. Quando muito podemos distribuí-los em grupos mais ou menos homogêneos e aqui interessa-nos realizar uma classificação, tomando como referência o grau de envolvimento com a prática desportiva. Para cada grupo de corpos as formas de abordagem podem ser extremamente diferentes e, consequentemente, as correções e adequações feitas, por exemplo, sobre a técnica motora também o serão. O primeiro tipo de corpo é aquele que está no extremo inferior na escala de participação, no que tange à prática de atividades esportiva, o do indivíduo sedentário. Neste caso, encontramos todos os corpos que não estão envolvidos com nenhum tipo de prática de atividade física, a não ser aquelas necessárias ao cumprimento de tarefas da vida diária. Os movimentos gerados retratam a inatividade esportiva. Em outro grupo temos os praticantes, que são aqueles indivíduos que praticam o desporto como forma de lazer, ou de manutenção de saúde, ou ambos, sem, no entanto, estarem envolvidos em competições institucionalizadas e não obedecendo a planos de treinamento rigorosamente elaborados. Já os iniciantes caracterizam-se por estarem iniciando uma prática mais elaborada, obedecendo a um programa de treinamento mais rigoroso, podendo mesmo estarem projetando para o futuro a participação em competições institucionalizadas. Os indivíduos são, portanto, aprendizes e se encontram envolvidos com o aprendizado das técnicas básicas de execução dos esportes, seja para desfrutarem do prazer de praticá-los ou para participarem, até mesmo em nível profissional, de competições da modalidade. Os atletas iniciantes são indivíduos que já dominam as habilidades motoras básicas do esporte e participam de competições de pequeno porte. Chegamos enfim aos atletas de alto rendimento os quais se dedicam a prática do esporte em uma condição de alta performance, possuem excelência e buscam elevá-la aos limites da capacidade humana. Estão envolvidos com competições de grande porte. Em grande parte são indivíduos que atingem o status de esportistas profissionais, ou estão muito mais próximos desta condição. Sintetizando, com possibilidade de estarem se especializando na investigação de expressões motórico-esportivas que vão desde as condutas motoras de baixo ou nenhum valor técnico até àquelas que se encontram no limiar da capacidade humana, os estudos em Biomecânica exploram corpos que podem ser reunidos organizados segundo os seguintes subcritérios: Sedentários, Praticantes, Iniciantes, Atletas iniciantes e Atletas de alto rendimento. Além disso, como antecipamos, há a possibilidade de não termos nenhum tipo de corpo humano envolvido na produção de conhecimento e, assim sendo, há que se considerar a existência de um outro subcritério, a saber: Nenhum corpo humano. Estratégia de investigação No que tange a matriz teórica de base, nosso estudo fundamentou-se no pensamento epistemológico histórico-construtivista. Os argumentos contidos nas idéias de Gaston Bachelard [31] ' ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) permitiram-nos ver que, ao adquirir, historicamente, o estatuto de ciência, um campo passa a conter características específicas, dentre as quais aquelas que fazem com que o conhecimento cientificamente produzido seja prioritariamente adequado ao contexto no qual foi gerado. Em outras palavras pode-se dizer que, em termos de aplicabilidade, é no contexto gerador que o conhecimento científico tem garantido, de for ma plena, seus valores epistemológicos. Por isso, o fato de reconhecermos uma episteme como científica não significa que essa condição seja perene no espaço e no tempo, ou seja, que a valoração vigorará quando a mesma é utilizada em um contexto diferente daquele no qual se deu sua gênese. Para desenvolvermos a investigação optamos por utilizar uma abordagem Qualitativa, de cunho fenomenológico, em nossas explorações, mormente pelo fato dela permitir, em primeiro nível, a descrição de contextos, propiciando a obtenção de dados para subseqüentes avaliações [32]. Isto fizemos, por entendermos que na problemática ora tratada a discussão encontra-se, ainda, na fase naturalística de exploração científica. Seguindo diligentemente o fluxo de procedimentos previstos para esse tipo de abordagem, desenvolvemos uma leitura flutuante, a fim de estabelecer as questões críticas e levantar elementos metodológicos pertinentes à situação que se punha. Posteriormente iniciamos por descrever o contexto da produção científica em Biomecânica do desporto, focados em nosso interesse central, de forma a caracterizarmos o ambiente epistêmico onde foram, e estão sendo, construídas as estruturas epistemológicas dos conhecimentos em exame. Utilizando uma proposta de análise de conteúdo apresentada por Laurence Bardin [33], elegemos, dentre outros, os critérios Propósitos e Tipos de sujeitos, os quais se encontram detalhados na parte inicial deste relato. Estes foram utilizados na posterior análise e classificação descritiva do conteúdo epistêmico. Os critérios foram operacionalmente delineados a partir de informações coletadas durante a leitura flutuante, assim como no material empírico inerente aos processos de aprendizado de habilidades motoras esportivas. O corpus de análise utilizado nessa fase do estudo foi composto pelos títulos em Biomecânica levantados por James Hay [34]. Este autor utilizou como fontes os periódicos, livros, dissertações de mestrado e doutorado, realizados e veiculados por todo o mundo no período que vai de 1893 até 1980. Para o trabalho prático de análise dos textos foi elaborado um algoritmo implementado em Access for Windows. Este sistema de banco de dados foi escolhido por permitir uma razoável agilidade na captação das informações, constituir um software extremamente accessível, possível de ser programado segundo perspectivas específicas, sendo dotado dos recursos mínimos necessários à geração dos relatórios utilizados neste estudo. Autenticidade científica dos procedimentos de caracterização Os procedimentos de caracterização foram utilizados por quatro pessoas, que examinaram, em duas oportunidades distintas, um mesmo subconjunto do Corpus de Análise, em dois dias diferentes, com o objetivo de determinarmos os níveis de confiabilidade e objetividade, tendo sido utilizados, para, o teste de Wilcoxon e de Kruscalwallis, respectivamente. O subconjunto do corpus utilizado para o teste de autenticidade foi formado, intencionalmente, por artigos previamente selecionados, os quais continham, de forma dispersa, os elementos básicos da totalidade dos critérios a serem utilizados no exame. Após a apresentação dos critérios, organizados em um formulário na tela do computador, os examinadores sugeriram algumas mudanças na disposição dos campos do documento, no sentido de melhorar o processo de inserção de dados. As sugestões foram acatadas e o desenho do formulário foi alterado antes mesmo do primeiro teste de autenticidade. Para a=0,05 não foram encontradas diferenças significativas tanto no teste de confiabilidade quanto no de objetividade. Achados Nossa despretensiosa incursão ao passado do conhecimento biomecânico levou-nos a retroceder ao final do século XIX, precisamente ao ano de 1893 [35]. Muito embora saibamos que naquela época ainda não era reconhecido o nome Biomecânica no campo de conhecimentos que ora tratamos, o trabalho de Tait [35] apresentou uma configuração perfeitamente de acordo com os moldes daqueles que hoje são considerados como produção do referido setor e certamente por isso foi incluída no levantamento do professor James Hay [34]. ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) Desde aquele ano até 1980, em todo o mundo, não menos que 1731 trabalhos sobre Biomecânica relativa ao Esporte foram levados ao conhecimento do público. Cabe ressaltar também que esse valor correspondia a aproximadamente 25% de um universo de 6789 títulos, resultante de um levantamento que pretendeu cobrir a produção mundial no campo da Biomecânica como um todo. Digno de nota o fato de que o Esporte foi o setor que, quando considerado em separado, mais gerou conhecimentos em Biomecânica, no período considerado. Os esportes estudados Considerando a produção total, ou seja, levando em conta o que foi veiculado por todos os meios, é possível verificar que modalidades esportivas foram mais estudadas. A tabela I nos dá uma idéia dos esportes a partir dos quais o conhecimento foi gerado nesse período. Tabela I Modalidades Esportivas investigadas. Modalidades esportivas QTD Atletismo Natação Ginástica artística Esqui Ciclismo Halterofilismo Basebol Saltos ornamentais Futebol americano Basquete Remo Golfe Tênis Voleibol Hockey Patinação no gelo Arqueirismo Futebol Judô Water polo Lutas Canoagem Caratê Pára-quedismo Softball Vela Cricket Boxe Esgrima Mergulho Rugby Boliche Handebol 615 235 123 73 41 38 37 30 29 26 25 22 19 18 14 14 13 11 9 7 5 4 4 4 4 4 4 2 2 2 2 1 1 Como se vê nos oitenta e sete anos em que o conhecimento foi produzido, diferentes modalidades foram estudadas, sendo que de forma assistemática. Dentro desse conjunto pode-se ver que o Atletismo, a Natação e a Ginástica Artística, respectivamente, foram as mais investigadas. Se a princípio podemos ficar entusiasmados com a presença de grandes quantidades de produtos para alguns esportes, como é o caso do atletismo, é preciso levar em conta que esse é um caso atípico. Uma exceção, não uma regra. Como pode ser visto na compilação apresentada na tabela I, a grande maioria das modalidades foram muito pouco exploradas. Veja o caso do Handebol, que além de ser um esporte Olímpico e extremamente popular, especialmente nos países da Europa e, apesar disso, só aparece como modalidade estudada em um artigo. Mesmo no caso do atletismo, se dividirmos a quantidade de títulos pelo número de provas da modalidade e se considerarmos também que cada uma dessas provas suscita, provavelmente, uma grande quantidade de questões biomecânicas, concluiremos que, em termos relativos, o número de publicações é pequeno. Os periódicos Neste intervalo de tempo coube aos periódicos e boletins técnicos a maior percentagem de contribuição com o aumento do acervo. Eles veicularam não menos que 1014 dos 1731 trabalhos, o que significa uma participação, aproximada de 58,5%, na produção do período. Na tabela II, estão aqueles que se destacaram no registro e divulgação desse tipo de conhecimento. Tabela II Periódico que mais veicularam informações sobre Biomecânica do Esporte. PERIÓDICOS Qtd Research Quartely 178 Track Technique 145 Athletic Journal 100 Scholastic Coach 62 Yessis of Review of Soviet Physical Education and Sports 57 Leistungssport 47 Track and Field Quartely Review 44 Medicine and Sport 38 Modern Gymmast 29 Journal of Applied Physiology 21 Journal of Biomechanics 21 Ergonomics 17 Journal of Sports Medicine and Physical Fitness 17 Mechanics and Sports 17 Journal of Human Movement Studies 15 ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) PERIÓDICOS Qtd Research Journal of Physical Education Swimming Technique Teoriya I Praktika Fizicheskoi Kulturi Gymnast Orthopedic Clinics of North American American Journal of Sports Medicine New Zealand Journal of Physical Education American Journal of Physics 15 13 12 10 12 11 10 9 Vê-se que, do universo conhecido, foi o Research Quartely o periódico que mais publicou sobre Biomecânica do Esporte no período anterior a criação do Journal of Sport Biomechanics (atualmente Journal of Applied Biomechanics), seguido muito de perto pelo Track Technique e pelo Athletic Journal. Quanto ao propósito Como podemos ver pelo gráfico da figura 1 o exame desse conjunto de publicações, tomando como parâmetro o critério Propósitos, permitiu-nos constatar que a tendência foi do subcritério Tarefa se apresentar em posição de destaque na maioria dos casos, sendo ele o que predomina em quatorze dos periódicos considerados. Gráfico 1 Quantidade de publicações para cada propósito. Isto assegurou aproximadamente 43,7% de presença no cômputo total de artigos produzidos. Seguindo na consideração dos mesmos dados vemos que no outro extremo encontra-se o interesse pelo Ensino de Habilidades Motoras. Ele aparece em 0,29% dos casos, graças a três trabalhos publicados em três periódicos distintos, a saber: Research Quartely, Scholastic Coach e Ergonomics. Vê-se nitidamente, ainda no gráfico 1, que as posições intermediárias são ocupadas pelos outros propósitos. Para este grupo somente o American Journal of Sports Medicine e o American Journal of Physics não se preocuparam em nenhuma oportunidade com a Tarefa. No primeiro o interesse central foi a Promoção da Saúde e no segundo o Desenvolvimento de Processos. Quando examinamos os propósitos para cada periódico, em separado, constatamos que a distribuição de freqüência daqueles modifica-se de um caso para outro. Em periódicos como: Research Quarterly, Medicine and Science in Sport, Research Journal of Physical Education e New Zealand Journal of Physical Education, há quase que um equilíbrio entre o interesse na Tarefa e na Descrição de Situação, sendo que os dois predominam. Já no caso do Journal of Biomechanics e do Ergonomics a Descrição de Situação é superior e no American Journal of Physics ela é absoluta. Em outros periódicos, como o American Journal of Sports Medicine, a Promoção da Saúde apresentase em superioridade, ou mesmo tende a manter-se em equilíbrio com a Descrição de Situação, que é o que acontece no Orthopedic Clinics of North America e no Journal of Sports Medicine and Physical Education. Um outro grupo de periódicos concentrase maximamente na Tarefa, a saber: Scholastic Coach, Yessis of Review of Sovietic Physical Education and Sports, Leistungssport, Track and Field Quarterly Review, Swimming Technique, Gymnastic, Journal of Applied Physiology e Medicine and Science and Sport and Exercise. Alguns periódicos apesar de concentrarem o interesse na Tarefa combinam com a Descrição de Habilidade Motora, muito embora esta combinação não chegue a tender para um equilíbrio. O Track Technique, Athletic Journal e o Modern Gymnast são casos assim. O Journal of Human Movements Studies apresentou um equilíbrio entre Tarefa, Descrição de Habilidade Motora e Descrição de Situação. O Mechanics and Sports apresenta um quadro similar, sendo que vai ainda mais adiante pois veiculam também estudos voltados à Promoção da Saúde. Desta forma o material contido em cada periódico parece variar em função da diretriz mestre que este segue. Aqueles que estão ligados, por exemplo, ao campo prático da medicina veiculam conhecimentos mais ligado as questões relativas à saúde, Por outro lado, aqueles cuja diretriz é atender à técnicos esportivos, veiculam informações técnicas voltadas ao trabalho destes, no sentido de ajudá-los, sobretudo, a melhorar a performance dos atletas pelos quais são responsáveis. ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) No que tange aos executores constatamos que a grande maioria dos indivíduos examinados nos estudos é Atleta de alto rendimento (gráfico 2). Estes estão presentes em aproximadamente 70,0% do total de trabalhos examinados, enquanto que os iniciantes e os Atletas iniciantes aparecem em 0,49% e 0,39%, respectivamente, dos trabalhos examinados. Levando em conta os interesses que moveram os autores desses 17 artigos, vemos que, muito embora se trate de uma amplitude visivelmente restritiva de possibilidades o conhecimento veiculado foi ainda estruturado a partir da exploração de três temas diferentes, a saber: O aprendizado de habilidades motoras esportivas. O iniciante e A Criança. Em alguns casos foram combinadas essas três temáticas. Gráfico 2 Quantidade de publicações por tipo de sujeito O aprendizado de habilidades motoras esportiva Quanto ao tipo de executores O exame isolado dos periódicos nos mostrou que poucos desviam-se desta tendência de concentração e apresentam executores variados. Os poucos que o fizeram foram: Medicine and Science in Sport (alto rendimento 60% e praticantes 40%); o Ergonomics (alto rendimento 66,6%, praticantes 26,6% e iniciantes 6,6%) e, finalmente, o Orthopedic Clinics of North America. (praticantes 66,6%, sedentários e atletas de alto rendimento precisamente com 16,6% cada). Nos outros casos em que aparecem outros executores, para além do atleta de alto rendimento, a quantidade é severamente inexpressiva. Excetuando-se o American Journal of Sports Medicine (atletas de alto rendimento 83,3% e praticante 16,6%) em nenhum outro o atleta de alto rendimento ficou abaixo da marca de 90%. Produção relativa à criança e ao ensino Sem dúvida alguma o conjunto de conhecimentos veiculados em 87 anos é possuidor de uma quantidade respeitável de informações. Outrossim cabe detalhar que, muito embora os valores numéricos possam parecer muito elevados, a produção de conhecimentos voltados à discussão da criança, ou do aprendizado básico de habilidades esportivas, ou de ambos, foi encontrada em 17 de 1731 trabalhos, constituindo 0,98% da amostra. Os autores preocuparam-se, especificamente, com o fato do indivíduo ter que aprender uma determinada habilidade motora esportiva. Discutiram, baseados em conhecimentos da Física clássica, formas de movimentos corporais catalisadoras, ou seja, movimentos que levassem a um aprendizado mais rápido [36,37]; procuraram verificar em que medida as diferenças antropométricas [38], ou a capacidade de flutuação dos indivíduos em meio líquido [39], influencia no sucesso do aprendizado de habilidades motoras da natação. Também aparece a preocupação em desenvolver tecnologia que permita ao professor realizar uma melhor observação dos gestos e, conseqüentemente, ajude a melhorar a qualidade do ensino [40]. O iniciante Começamos por apontar os casos nos quais o binômio iniciante-aprendizado é textualmente referido pelos autores. Eles procuram estudar a correlação entre a conformação antropométrica do iniciante na natação e a velocidade de seu aprendizado [41]. Procuram identificar o quadro das mudanças na mecânica do comportamento motor de crianças iniciantes no Water polo, provocadas pelo manuseio de uma bola com características físicas diferentes daquelas que normalmente são utilizadas na prática dessa modalidade [42]. Outros trabalhos estão preocupados em apresentar as melhores técnicas motoras a serem utilizadas por iniciantes na prática do Esqui [43] e do atletismo [44], ou mesmo a descrição do quadro biomecânico que se apresenta quando da execução de uma habilidade motora por parte de um iniciante [45]. Em um outro caso o autor procura examinar as diferenças entre a expressão de uma mesma técnica motora, quanto executada por um iniciante e um atleta de alto rendimento [46]. ! ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) A criança Os trabalhos que tiveram a criança como seu principal objeto de conhecimento estão voltados para descrição. Seja a descrição de características extrínsecas, como a flutuabilidade em meio líquido [47] e as características cinemáticas da corrida [48], ou características intrínsecas como o comportamento cinematográfico, ou eletromiográfico, ou ambos, na execução de habilidades motoras da Natação [49,50]. Trinômio criança-aprendizado-iniciante Dois estudos nos chamaram a atenção pelo fato de procurarem trabalhar com a perspectiva de lidar com a complexidade fenomenológica típica do mundo real do ensino do esporte. Não procuraram fugir dela e nem mesmo utilizaramna como argumento para justificar a delimitação de seu estudo. Nesses dois estudos o investigador buscou descrever não só as características dos movimentos de corridas de crianças em idade pré-escolar [51] e escolar [52], como também, para além disso, procurou demonstrar as variações que denotam o desenvolvimento desses indivíduos ao final de um determinado período de tempo. Dessa forma o autor desenvolve um tipo de trabalho que se aproxima da investigação voltada para o processo de desenvolvimento da criança e não simplesmente a um momento desse processo. Conclusão A Biomecânica, dentre outras coisas, pode contribuir de várias e diferentes formas com um melhor desenvolvimento do processo pedagógico voltado ao Ensino de Habilidades Motoras Esportivas (EHME). Ela pode, por exemplo, orientar e justificar, para algumas situações, a aplicação do princípio de progressão pedagógica; fornecer base de conhecimento para o exame crítico de recursos didáticos (implementos e estratégias) utilizados em aulas de Esporte; colaborar no reconhecimento das reais cargas mecânicas impostas pelo uso de exercícios de aprendizagem e propiciar tanto o registro quanto o exame, de modelos ideais de técnicas esportivas que pudessem ser utilizados no trabalho de ensinar. Com base nos dados obtidos em nossa investigação, muito embora tenhamos aumentado nossa certeza de que a Biomecânica possui condições de ajudar, de forma substancial, no encaminhamento de um processo de ensino mais preciso e consciente, começamos a entender algumas das razões pelas quais isto não acontece. Talvez a mais forte delas seja o fato do EHME não fazer parte o conjunto de interesses que motivaram a produção de conhecimento. Além disso, vê-se também que a Biomecânica, no período analisado, voltou-se ao exame de sujeitos que estão muito distantes, tipologicamente falando, do processo EHME. Levando em conta o grau de domínio e envolvimento das habilidades esportivas, vimos que a maioria dos indivíduos são atletas de alto rendimento. Não se pode esperar que um ambiente epistemológico formalize estruturas nocionais adequadas a uma determinada perspectiva, se esta não faz parte do organismo estrutural deste mesmo ambiente. Somente casualmente se produzirá para o ensino, tendo em vista que não se pesquisa o ensino de forma sistemática e intencional. Um setor de conhecimentos científicos não pode servir para instrumentalizar a operacionalização de uma atividade profissional, se as informações que contém foram elaboradas a partir de fatos empíricos estranhos a esta atividade ou aos elementos do ambiente onde ela transcorre. Se por um lado nós, que atuamos na investigação em Biomecânica, temos certeza de que este campo de conhecimento reúne muitas das condições necessárias à geração de conhecimentos que podem, efetivamente, ser aplicadas aos processos de EHME, por outro os dados nos demonstram que estas informações não foram elaboradas, a princípio no período investigado. Diante disso acreditamos ser importante continuar investigando o processo histórico da gênese epistêmica da Biomecânica, no sentido de verificar se a tendência dominante no período investigado permanece, e, em concomitante, faz necessário que atuemos ativamente no contexto da produção, com o propósito de caracterizar mais adequadamente o ambiente epistemológico, para que, a par e passo, venhamos a construir uma região favorável a elaboração de conhecimentos que, efetivamente, possam ser utilizados nos processos de EHME. Bibliografia 1. 2. 3. CARNOY, M. Education as cultural imperialism. New York: Longman, 1974. UNESCO. Introduction. 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Provavelmente, o handebol nasceu da reunião de vários esportes da antiguidade, incorporando progressivamente características que dele fizeram o esporte que conhecemos hoje. O presente estudo teve por objetivo averiguar a origem e desenvolvimento do Handebol Brasileiro e sua participação nos Jogos Olímpicos. Em outras palavras, busca-se fazer uma análise da sua trajetória evolutiva e do alcance desse esporte no país, através de revisão bibliográfica e relatos da história do esporte nos Jogos Olímpicos. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras-chaves: história, handebol, Jogos Olímpicos. Abstract The handball gathers formative, educational and sportive qualities that make of it an activity appreciated by both genders and different ages. It is a collective sport that can be practiced in squares and in the beach. Furthermore, its dynamic and sociable. There are many versions for the handball origin and development. Some believe that the handball was created by combining elements from basketball and soccer, but with different characteristics and rules. However, a lot of civilizations used the ball as an implement for physical activity and leisure and, probably, handball arised from the combination of different and multiple ancient sport practices. The purpose of this study was to investigate, in a historical perspective, the beginning and development of the Brazilian handball and its participation in the Olympic Games. In other words, the study aims to analyze the trajectory of the handball in the country, by reviewing the available literature about the sport. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key words: history, handball, Olympic Games. Artigo recebido em 10 de outubro de 2004; aceito em 19 de outubro de 2004. Endereço para correspondência: Ana Flávia Paes Leme de Almeida, Av. Rodolfo de Amoedo 135 202 Barra da Tijuca 22620-350 Rio de Janeiro RJ, Tel: (21) 2429-3815 Email: [email protected] % ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) Introdução A importância de se conhecer a história de um desporto, como ele surgiu, onde e como ele progrediu, ajuda a compreender algumas questões de ordem desenvolvimentista e esclarece a atual posição deste no contexto nacional e internacional. Através de uma busca feita na Internet com as palavras-chave handebol / história e, em livros de handebol em português referentes à sua história no Brasil, pode-se constatar que o material disponível é escasso e pobre, sendo muitas vezes até contraditório, sobre a origem e desenvolvimento deste desporto. Assim sendo, este artigo tem como intuito principal reunir alguns dados que foram encontrados em diferentes fontes e organizá-los de forma a traçar um painel que leve a compreender um pouco melhor a sua história e o rumo do handebol, desporto tão praticado nas escolas brasileiras. Nesse contexto, busca-se estabelecer uma relação do desenvolvimento do desporto no país e a sua participação nos Jogos Olímpicos. Histórico do handebol no mundo O handebol, por suas qualidades excepcionais, sob o ponto de vista formativo, educacional e esportivo, é apreciado por ambos os sexos e por diversas idades. Além de oferecer várias qualidades que lhe são específicas, reúne as três fases atléticas naturais: correr, saltar e arremessar. É um esporte coletivo que pode ser praticado na quadra e na areia, é dinâmico, envolvente e, por conseqüência, socializador. Há muitas versões para a origem, criação e desenvolvimento do handebol em sua forma atual. Desde muito tempo, o homem utiliza-se da bola para práticas esportivas e, da reunião de vários esportes da antiguidade, surgiu o handebol moderno que hoje se conhece. Acredita-se que ele tenha surgido da fusão dos elementos que compõem o Basquetebol e o Futebol de Campo, no entanto, com características e regras que o diferenciam [1]. O que se sabe é que o handebol é um dos esportes mais antigos de que se tem notícia, tendo apresentado uma grande variedade de formas até a praticada atualmente. Talvez o registro mais antigo de que se tem conhecimento, envolvendo uma prática semelhante ao handebol, seja o Jogo de Urânia, descrito por Homero na Odisséia. A descrição do jogo encontra-se gravada em uma pedra na cidade de Atenas, datada de 600 a.C. [2]. Tratava-se de um jogo praticado com uma bola do tamanho de uma maçã, usando-se as mãos, mas sem balizas. Ainda segundo este mesmo autor, os romanos conheciam um jogo com bola praticado também com as mãos denominado Haspartum, conforme foi encontrado nos escritos do médico romano Cláudio Galeno (130 200 d.C.). Na Idade Média, por volta de 1170 a 1230, Walther von der Vogelwide descreveu um jogo praticado como lazer por rapazes e moças, o qual era fundamentado na troca de passes. Na França, Rabelais, entre 1494 e 1533, citava uma espécie de handebol em que os praticantes jogavam bola usando a palma da mão esprés jouaiant à balle, à la paume [3]. Em meados do século XIX, por volta de 1848, o professor de Educação Física, o alemão Holger Nielsen, adaptou o Haanbold-Spiel (Jogo de Handebol) para ser jogado em quadras, no Instituto de Ortrup, remodelando as regras e método como o jogo deveria ser praticado. Naturalmente, os alemães desenvolveram o esporte e finalizaram as regras em 1987, onde atualmente é baseado tanto o Handebol de Quadra (Indoor) quanto o Handebol Olímpico. Era composto por sete jogadores por time, em uma quadra pouco maior do que a de basquete, com gols de futebol de 2m de altura por 2,5m de comprimento [5]. Na mesma época, existia na Tchecoslováquia um jogo praticado num campo de 45 X 30m e com sete jogadores, que também era jogado com as mãos. O gol era feito em balizas de 3 X 2m. Este jogo, o Hazena, segundo a Confederação Brasileira de Handebol, foi regulamentado pelo professor Kristof Antonin, porém, somente em 1921 suas regras foram publicadas e divulgadas por toda a Europa. Fala-se também de um jogo similar na Irlanda, e no Sallon do uruguaio Gualberto Valleta, como possíveis precursores do handebol. Todavia, é bem aceito que o handebol como se joga hoje foi introduzido na última década do século XIX por Konard Koch, na Alemanha, tendo sido denominado de Raftball. Quem o levou para o campo, em 1912, foi o alemão Hirschmann, então secretário da Federação Internacional de Futebol [6]. O período da primeira Grande Guerra foi decisivo para o desenvolvimento do jogo, quando o professor de ginástica berlinense Max Heiser criou um jogo ao ar livre para as operárias da Fábrica Siemens, derivado do Torball (bola no gol). Este desporto, muito praticado por mulheres em 1915 em um campo de 20 X 40 metros, recebeu a adesão dos homens poucos anos mais tarde, o & ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) que obrigou a uma pequena alteração nas regras e ao aumento das dimensões do campo para as medidas do futebol [2]. Registros históricos revelam, um professor de Educação Física e um marinheiro alemão, Karl Schelenz, teria reformulado, em 1919, o Torball, alterando seu nome para Handebol [7]. As regras foram publicadas pela Federação Alemã de Ginástica para o jogo com 11 jogadores. A divulgação não foi tão difícil, visto que Karl Schelenz era professor de uma importante Universidade (Universidade de Berlim). Seus alunos, inclusive os estrangeiros, difundiram o jogo e suas regras para a Áustria e Suíça, além da própria Alemanha. Um ano mais tarde, o diretor da Escola de Educação Física da Alemanha, Carl Diem, tornou o jogo desporto oficial e, em 1925, Alemanha e Áustria fizeram o primeiro jogo internacional, com vitória da Alemanha por 6 a 3. Durante o seu desenvolvimento, o handebol não era reconhecido como um esporte independente. Assim como o basquete e o vôlei, os clubes eram representados pelas Associações de Educação Física e Associações Atléticas Nacionais. Em nível internacional, o handebol era representado pela Federação Atlética Amadora Internacional (FAAI). Como crescia o número de atuantes, foi criado em 1926 um Comitê Especial no VII Congresso da FAAI na Holanda, para a uniformização das regras do desporto, visto que havia discordâncias entre os países praticantes. Nessa época, foram adotadas como oficiais as regras vigentes na Alemanha (HandBrasil, s/d). A FAAI estava preparando e organizando a formação de uma associação internacional independente e exclusiva do handebol [5]. Em 1929, o handebol de campo tornou-se independente e foi fundada a Federação Internacional de Handebol Amador (FIHA). Suas regras foram publicadas em três idiomas, alemão, francês e inglês. Mesmo durante a segunda Guerra Mundial, o handebol não deixou de ser praticado, principalmente na Alemanha, a não ser no período de 1943 a 1946 por força dos bombardeios aliados. Após a Segunda Guerra Mundial, o jogo cresceu rapidamente no âmbito internacional e, em 1946, os dirigentes de handebol reuniram-se em Copenhague e fundaram a atual Federação Internacional de Handebol (IFH), com sede na Suíça, sob a presidência do sueco Costa Bjork [6]. Ainda que sem a participação dos alemães, criadores do jogo, os campeonatos mundiais foram reiniciados no campo em 1948 (para homens) em 1949 (para mulheres). No salão, já com os alemães, os certames foram reiniciados em 1954. O handebol foi praticado na maioria por jogadores amadores durante as décadas de 50 a 70, porém alguns jogadores mais destacados eram patrocinados pelos Governos ou por empresas privadas [5]. Por razões climáticas, falta de espaço para a prática em virtude da preferência pelo futebol e pelo reconhecimento de que era mais veloz, o handebol de salão passou a ter a preferência do público. Com isso, a modalidade se impôs progressivamente, a ponto de ser suspensa a realização de campeonatos mundiais de campo desde 1966. Hoje, o handebol leva multidões aos ginásios, principalmente na Europa, onde os grandes astros são bem pagos e reconhecidos. O handebol vem realizando a cada quatro anos seus campeonatos mundiais e olímpicos [8]. História do handebol no Brasil De acordo com [9], o handebol chegou ao Brasil após 1930, introduzido pelas colônias européias, fugitivas da guerra, e que procuraram os Estados do sul do país pela semelhança climática. Dessa forma, os brasileiros passaram a ter um maior contato com a cultura, tradição folclórica e, por extensão, com as atividades recreativas e desportivas por eles praticadas, dentre as quais o então handebol de campo. Mas foi o Estado de São Paulo o maior centro de desenvolvimento do esporte. Para se ter uma idéia, a Federação Paulista de Handebol foi fundada em 1940, enquanto a Confederação Brasileira de Handebol só foi fundada em 1979 [2] esclarece que o esporte, até então, estava restrito a São Paulo. Em termos nacionais, o marco inicial deve-se ao professor Auguste Listello que, em 1954, no Curso Internacional de Santos, ofereceu aos professores participantes a oportunidade de assistir a várias aulas de handebol, difundindo assim o jogo para outros Estados do país. Apesar da falta de intercâmbio com os principais centros da Europa, por falta de recursos, em 1958 o Brasil disputou o Campeonato Mundial na Alemanha e, a partir de 1970, começou a participar da Taça Latina, sendo vice-campeão em 1981 [8]. Nos Campeonatos SulAmericanos têm tido boa atuação, como se pode observar na Tabela I Participação Brasileira em Campeonatos Sul-Americanos da categoria adulto de 1990 a 2001: ' ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) Tabela I Participação do handebol brasileiro em Campeonatos Sul-Americanos categoria adulto. ANO CAMPEONATO SEXO LOCAL CLASSF 1990 1991 1992 1993 1994 1994 1994 1997 1998 1998 1998 1998 1999 1999 2000 2001 2001 Sul Sul Sul Sul Sul Sul Sul Sul Sul Sul Sul Sul Sul Sul Sul Sul Sul Masc. Fem. Fem. Fem. Fem. Masc. Masc. Masc. Fem. Fem. Masc. Masc. Fem. Masc. Masc. Fem. Masc. São Paulo (BR) Maringá (BR) São Gonçalo (BR) São Gonçalo (BR) São Gonçalo (BR) Sta. Maria (BR) São Paulo (BR) São Bernardo do Campo (BR) Assunção (Paraguai) Montevidéu (Uruguai) Recife (BR) Buenos Aires (Argentina) Cairú (BR) São Bernardo do Campo (BR) Buenos Aires (Argentina) Brasil São Bernardo do Campo (BR) 1º 1º 1º 1º 1º 1º 1º 3º 1º 1º 1º 2º 1º 1º 1º 1º 2º Americano Clubes Americano Americano Clubes Americano Clubes Americano Clubes Americano Americano Clubes Americano Clubes Americano Clubes Americano Americano Clubes Americano Americano Clubes Americano Clubes Americano Americano Americano Em 1971, o MEC, em face ao crescimento do desporto nas escolas, incluiu o handebol entre as modalidades dos III Jogos Estudantis Brasileiros, realizados em Belo Horizonte (MG) e, em 1972, nos Jogos Universitários Brasileiros realizados em Fortaleza (CE) [7]. Como ilustração, nos JEBs/72 o Handebol teve a participação de aproximadamente 10 equipes femininas e 12 masculinas. Já em 1973, nos IV JEBs em Maceió (AL), inscreveram-se cerca de 16 equipes femininas e 20 masculinas. O handebol de salão somente foi oficializado quando a Federação Paulista de Handebol instituiu o I Torneio Aberto de Handebol. O torneio foi disputado em campo improvisado, ao lado de um campo de futebol do Esporte Clube Pinheiros, campo este demarcado com cal (40 X 20m) e balizas com caibro de madeira (3 X 2m), de acordo com a Confederação Brasileira de Handebol. Em 1973, a antiga Confederação Brasileira de Desportos (CBD), órgão que congregava os desportos amadores a nível nacional, fez disputar, em Niterói, o primeiro Campeonato Brasileiro Juvenil para ambos os sexos. No ano seguinte, em Fortaleza, iniciou-se a competição para adultos [6]. Como outros Estados, além de São Paulo, passaram a disputar as competições de handebol, em 1980, um ano após a criação da Confederação Brasileira de Handebol, foi disputada a 1a.Taça Brasil de Clubes, na cidade de São Paulo, então sede da entidade. A Federação Internacional de Handebol (IHT) contabiliza 17 milhões de praticantes de handebol no mundo entre o sexo masculino e feminino, sendo que estão filiados a esta Federação 180 países e 200 mil equipes. Os países que se Lugar Lugar Lugar Lugar Lugar Lugar Lugar Lugar Lugar Lugar Lugar Lugar Lugar Lugar Lugar Lugar Lugar destacam nesta modalidade são Espanha, com 50 mil atletas federados, França com 300 mil federados e Alemanha com um milhão de federados. No Brasil, segundo a Confederação Brasileira de Handebol CBHb (2004), localizada em Aracaju (SE), existiriam 19.602 atletas de handebol cadastrados de ambos os sexos e em todas as categorias. Acredita-se que esses números alcancem 25.000, visto que muitos atletas não são federados. Existem 27 Federações Estaduais e 256 clubes que praticam esta modalidade esportiva, o que faz do handebol o terceiro esporte mais praticado no país, ficando atrás apenas do futebol e do futsal. O handebol e os Jogos Olímpicos A trajetória olímpica do handebol não é tão recente o Comitê Olímpico Internacional (COI) decidiu em 1934 que o desporto seria incluído nos Jogos de Berlim em 1936, o que realmente aconteceu, com a participação de 6 dos 26 países então filiados. O curioso é que o handebol só voltou aos Jogos Olímpicos em 1972, na mesma Alemanha, mas desta vez em recinto fechado, com sete jogadores de cada lado. Só em 1976 é que o handebol feminino foi admitido nos Jogos e não saiu mais do calendário olímpico [1]. No entanto, o Brasil só teve participação nos Jogos, 20 anos mais tarde, ou seja, em 1992, em Barcelona, e somente com a seleção masculina. A colocação obtida pela equipe masculina foi a 12°, último lugar. Já nos Jogos de Atlanta em 1996, a colocação subiu para penúltima, com o 11° lugar, também com a participação masculina. Em Sydney, em ! ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) 2000, a única seleção que participou foi a feminina, que ficou em 8° lugar entre dez participantes. Em 2004, pela primeira vez na história do handebol, o Brasil participou dos Jogos Olímpicos de Atenas com as seleções masculina e feminina simultaneamente. Foi também pela primeira vez que o desporto recebeu incentivo de uma empresa do porte da Petrobrás. Pela Tabela II pode-se acompanhar o desempenho do handebol brasileiro nos diferentes Jogos de que participou. Tabela II Participação do handebol brasileiro em Jogos Olímpicos. BARCELONA/ 1992 ATLANTA/ 1996 SYDNEY/ 2000 ATENAS/ 2004 Masculino Masculino Feminino Masculino e Feminino 12°Lugar 11°Lugar 8°Lugar 9° e 7° Lugar O handebol e o mercado de trabalho Pelo exposto, pode-se dizer que o handebol brasileiro vem cada vez mais se aperfeiçoando e ganhando espaço junto às seleções mundiais. No entanto, ainda está longe de ser um esporte profissionalmente rentável. Vale, nestes termos, citar entrevista realizada com o treinador da equipe de Handebol do América Futebol Clube. O professor Luciano, afirma que a maioria dos atletas não vive somente do Handebol, tendo que trabalhar para ganhar o seu sustento. Sendo assim, os atletas quando chegam para o treino já estão cansados e não rendem o que poderiam. Nesse caso, os atletas não conseguem chegar a um nível elevado de desempenho, ficando em colocações sofríveis nos Campeonatos, principalmente os nacionais. Esta é uma realidade não só do América, mas das equipes do Rio de Janeiro de forma geral. Sob esta perspectiva, é importante levar-se em consideração a história do handebol no Brasil em relação aos países europeus. O handebol ainda é um esporte relativamente novo em nosso país e não tem o apoio de empresas e da mídia, como nos países europeus. Mesmo assim, o handebol brasileiro assume posição de destaque no continente americano. É interessante citar que, no último Pan-Americano, em Santo Domingo, realizado em 2004, nossos atletas conquistaram medalhas de ouro, tanto no naipe masculino quanto no feminino. De acordo com Olivoto [10], o processo de desenvolvimento do desporto no Brasil ... sofre, como sofreu nos países onde este já se desenvolveu, restrições a seu desenvolvimento talvez por acomodamento, por não conhecer o esporte ou mesmo por não gostar deste. Seguindo estas hipóteses propostas por Olivoto [10], com relação à mídia, a única competição de handebol televisionada é o Campeonato Paulista, ficando assim o desporto com pequenas chances de divulgação. Por outro lado, seria através da divulgação pela televisão, o maior meio de comunicação de massa, que os esportes vêem aumentadas suas chances de crescer, tanto em número de praticantes, quanto em amantes do esporte. Se esta quantidade é elevada, as empresas começam a ver o esporte como uma boa oportunidade de marketing para seus produtos, já que ele consegue atingir um número grande de pessoas, tanto diretamente quanto indiretamente. Olivoto [10] reforça esse ponto de vista, afirmando: ...o handebol como conhecemos hoje, ainda se encontra sujeito a novas elaborações, visto que este não atinge, dentro das determinações de uma sociedade capitalista, as formas sistemáticas de esporte profissional. Ou seja, não leva multidão aos ginásios, não é divulgado nos meios de comunicação, não traz dividendos significativos a seus patrocinadores e sob estas restrições: busca-se elaborar, muitas vezes, uma outra identidade para que o handebol supere sua integração à sociedade de mercadorias. Cabe ainda esclarecer que, para que um desporto se solidifique e atinja uma grande massa populacional, é importante desenvolver sua base, ou seja, incentivar e investir na criação de escolinhas de handebol por todo o país. Com as escolinhas de handebol, seria possível fazer um trabalho pedagógico em longo prazo, atingindo um número grande de pessoas. Nessa linha de orientação me apoio em [11], que comenta, ...o papel da escola de esportes é muito importante por possibilitar a prática esportiva mais abrangente, fugindo do meio puramente competitivo. Aborda o esporte como forma de manifestação cultural e, por isso, mais livre, consegue captar maior número de praticantes, que em outra situação não teriam a chance de aprenderem ou desenvolverem uma ou mais atividades esportivas. Sobre este aspecto, parece que, a Confederação Brasileira deste desporto já toma algumas medidas em direção ao desenvolvimento de suas bases. Em entrevista dada ao site Tlach Notícias na Internet, o atual presidente da CBHb, Manoel Oliveira, fala dos projetos do esporte para descobrir novos talentos: ! ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) E visando o nosso futuro, estaremos dando início ao Projeto Caça-Talentos, que vai ser jogado no Brasil inteiro, nas fases municipal, estadual, e regional. A regional será dividida em oito grupos para, em seguida, a realização da fase nacional. Em cada uma das regionais, será criada uma seleção de cada naipe (masculino e feminino), com atletas de 16 anos este ano, que estarão com 24 nos Jogos Olímpicos de 2012. Com isso, mais a observação e o acompanhamento das comissões técnicas, esperamos dar uma grande movimentada na base do esporte. O handebol é muito praticado nas escolas e temos consciência de ter talento pelo Brasil inteiro. É igualmente importante cuidarmos da formação de profissionais que estarão trabalhando nesse processo e, produzirmos mais pesquisa sobre handebol, visto que a produção acadêmica nesta área é bastante escassa. Concluindo, para evoluir o handebol precisaria de uma maior cobertura da mídia e de um maior investimento na formação de atletas e profissionais qualificados para com eles lidar. Nesse último caso, criar especializações na área de handebol seria uma das possíveis soluções. No tocante à mídia, é evidente que depende de patrocinadores, que investem no esporte na medida em que atinge mais pessoas, nele identificando potencial para divulgação de sua marca. Alguns esportes, para entrar na mídia modificaram suas regras, para se tornarem mais atrativos: é o caso do voleibol, para mencionar um exemplo. Será que o handebol terá que mudar suas regras para ganhar mais espaço na mídia e conseqüentemente ter o incentivo de empresas? O esporte hoje está vinculado aos anseios da mídia e de patrocinadores? Essas são questões que deveriam ser colocadas por aqueles que militam no desporto, dirigentes, técnicos e atletas. Referências 1. DUARTE, O. História dos esportes. 3. ed. São Paulo: Senac, 2004. 2. MELLHEM, A. Brincando e Aprendendo Handebol. Rio de Janeiro:Sprint, 2002. 3. Confederação Brasileira de Handebol. O handebol no mundo. Disponível em: <http://www.brasilhandebol.com.br> Acesso em: set. 2004. 4. Confederação Brasileira de Handebol. O handebol no Brasil. Disponível em: <http://www.brasilhandebol.com.br> Acesso em: set. 2004. 5. HandBrasil: História Geral. <http://www.terravista.pt/ fernoronha/5070/HISTOR02.HTML> Acesso em: set. 2004. 6. LIMA, P.S. Fale com Handebol. Consulta em Setembro de 2004. <http://www.falecomhandebol.hpg.ig.com.br/ pagina_historia.htm> 7. TENROLLER, C. Handebol: Teoria e prática. Rio de Janeiro: Sprint, 2004. 8. NUNES, R.; NUNES, R. Hand campos. <http:// www.handcam.hpg.ig.com.br/historia.htm> Acesso em: set. 2004. 9. SANTOS, L. R. G. dos (2001). Handebol, 1000 exercícios. 3.ed. Rio de Janeiro: Sprint, 2001. 10. OLIVOTO, R. Handebol: uma visão político-crítica do seu desenvolvimento como desporto. Revista Digital: Buenos Aires, v. 9, n. 67, 2003. 11. OLIVEIRA, M de. Desporto de base. São Paulo: Ícone, 1998 ♦ ! ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) ATUALIZAÇÃO A escalada e as ciências do desporto Climbing and sport science Alex Itaborahy*, Ana Abreu de Medeiro Faro**, Glauber Ribeiro Pereira*** * Universidade de Loulé, ** Universidade de Loulé, FECDEF, Universidade de Coimbra, *** IEFD/Universidade do Estado do Rio de Janeiro Resumo O objetivo deste trabalho é apresentar a compilação de informações relativas aos diferentes aspectos técnicos pertinentes à prática da Escalada e investigados no âmbito das Ciências do Desporto. A escassa literatura científica acerca do tema foi levantanda e analisada de forma a que pudéssemos organizar e concentrar dados sobre diferentes aspectos desta prática de atividade física. Os resultados obtidos permitiram-nos estimar que a investigação científica, no campo das Ciências do Desporto, acerca da modalidade Escalada, encontra-se ainda em estágio inicial, com muitas informações ainda inconclusivas e que, por isso mesmo, faz-se necessário prosseguir nas investigações com o propósito de podermos atuar de forma mais segura e intencional nos processos de intervenção educativa, nos diferentes níveis de atuação. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavra-chave: escalada, ciências do desporto. Abstract The objective of this work is to present the compilation of relative information concerning the different technical aspects pertinent to the practice of the rock climbing which are investigated technical aspects in the field of the Sport Sciences. The scarce scientific literature regarding the subject was obtained and analyzed intending to organize and concentrate data about different aspects of this physical activity practice. The results have allowed us estimate that the scientific research, in the field of Sport Sciences, concerning the rock climbing is still in initial period of development, with much information still without conclusion and that, therefore, it is necessary to continue the inquiries intending to proceed with security and intention in the processes of educative intervention, in different levels of performance. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key-words: climbing, sport sciences. Artigo recebido em 12 de novembro de 2004; aceito em 17 de novembro de 2004. Endereço para correspondência: E-mail: [email protected] !! ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) Introdução Muito embora sejam tão antigas quanto outras, as modalidades de Atividades Físicas na Natureza vêm, em todo mundo, sendo inseridas no contexto acadêmico da Educação Física. Neste breve ensaio nos detemos ao exame do estado da arte da modalidade denominada Escalada. A escalada desportiva vem ganhando adeptos a cada ano e também vem adquirindo uma identidade que a permite separar-se do montanhismo. Antes, a prática da escalada estava intimamente relacionada com o montanhismo, como actividade complementar. Actualmente esta modalidade adquiriu um carácter de desporto e conta com praticantes que sequer estão interessados em expedições de montanha, preferem, antes, algumas horas ou mesmo minutos a deslocarem-se em uma parede artificial ou rochosa. É bem aceite que a prática da escalada desportiva, antes de adquirir independência do montanhismo, teve seu início com a necessidade constante de treinar as habilidades motoras relativa a esta modalidade independentemente das condições climáticas. Assim começaram as estratégias de escalada em ambiente fechado e a implementação de paredes artificiais em clubes, ginásios e escolas já é uma realidade cada vez mais comum nos aglomerados urbanos. O avanço na tecnologia no que respeita os equipamentos de segurança instiga o homem a estar sempre na busca de novos limites. Os calçados modernos permitem que o escalador obtenha um atrito necessário para o apoio dos pés em superfícies onde aparentemente não há ponto de apoio. O carbonato de magnésio usado nas mãos evita os efeitos indesejáveis de redução de atrito entre as mãos e a parede causada pelo suor. Os instrumentos de ligação são feitos de metal altamente resistente e de baixo peso. As cordas absorvem grandes quantidades de impacto. Há ainda um maior controle sobre a vida útil dos equipamentos. O grau de desenvolvimento da escalada permite a organização de competições em diversos níveis, designando diferentes modalidades de competição consoante suas características (escalada de velocidade, escalada de dificuldade, etc). Neste contexto as atenções são voltadas para os indivíduos que se destacam, aqueles que apresentam um melhor rendimento, surgem os especialistas. Os desempenhos, muitas vezes denominados atléticos devido ao grau de destreza exigida, têm chamado a atenção de estudiosos de diversas áreas de conhecimento das Ciências do Desporto. O crescente avanço tecnológico tem permitido a aplicação de testes em praticantes de modalidades que, outrora eram impraticáveis em decorrência de factores limitativos à investigação. Os parâmetros fisiológicos do esforço durante a escalada assim como o delineamento do perfil antropométricos dos praticantes têm sido frequentemente estudados pelos investigadores. Do ponto de vista conceitual entende-se por escalada a atividade física caracterizada pelo risco controlado, que consiste na progressão quadrúpede sobre um plano que tende para a vertical e tem como objectivo chegar sempre mais alto. [1]. O envolvimento físico do praticante é caracterizado por uma complexidade informal ligada à aleatoriedade de disposição das presas e formação da parede. A escalada é, portanto, uma atividade que envolve habilidades motoras abertas[2], visto que os alunos desta modalidade têm que resolver continuamente novos problemas impostos pela situação. È também uma atividade onde a segurança tem um papel primordial, visto que uma pequena falha pode traduzir-lhe em lesões graves ou até mesmo na morte do praticante. A escalada desportiva: breve retrospectiva histórica Ao que tudo indica a prática de escalar em rochas já com equipamentos de proteção previamente afixados ou mesmo em vias construídas em paredes artificiais iniciou com a necessidade de manter o treino para as expedições em alta montanha mesmo quando as condições climáticas fossem desfavoráveis. Rapidamente esta actividade ganhou popularidade e tornou-se uma modalidade praticada à parte do montanhismo. Atualmente é a variante de escalada mais procurada inclusive por crianças e adolescentes, tanto como desporto popular como de alto rendimento. O fundamento intelectual da escalada desportiva é a idéia da escalada livre, que provavelmente foi formulada pela primeira vez nos anos noventa do século XIX no âmbito de Eldsandsteingebirge na Suiça, por pioneiros como Óscar Schuster e Friedrich Meurer, assim como, ao mesmo tempo, por Frederick Mummery ao renunciar a uma ascensão ao Dent du Géant qualificando a montanha de ...absolutly inaccessible by fair means... [2]. Cabe esclarecer que escalada livre não significa escalar sem o uso de equipamentos de segurança, o que é denominada escalada em solo ou free solo. Escalada !" ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) livre, isso sim, significa escalar utilizando como apoios apenas os pontos naturais sendo que as cordas e demais equipamentos servem apenas para dar segurança ao escalador e não para auxiliar na progressão. A escalada desportiva, além de estar adquirindo uma autonomia própria, podendo ser praticada isoladamente do Montanhismo, tem ultrapassado os limites de uma prática com uma componente exclusivamente lúdica e recreativa. Nos últimos anos, uma forte componente competitiva vem tomando corpo no contexto da prática dessa modalidade [1]. Em relação às técnicas disponíveis verifica-se que existem algumas que, apesar de terem sido eficientes anteriormente, hoje são pouco utilizadas ou mesmo não realizadas, provavelmente em função do equipamento necessário para a sua concretização, aliado à evolução técnica no seu manuseamento, terem sido superados por outras estratégias que permitem o mesmo desempenho com melhor rendimento e maior segurança. Como antecipamos a corda, a segurança e os freios se empregam exclusivamente para a segurança, sendo que os únicos meios artificiais permitidos são os pés de gato e o magnésio para neutralizar o suor nas mãos. Encadear de uma via de escalada significa chegar ao seu final, constituindo assim a meta desportiva da escalada. Existem, evidentemente, vias de menor e maior grau de dificuldade, sendo portanto necessário, principalmente no que tange ao aspecto competitivo, que se criasse algum sistema através do qual fosse possível distingui-las quanto a esse critério. Neste contexto os graus de dificuldade nasceram da idéia de poder comparar vias entre si e em qualificar a via superada mediante a um objectivo mais elevado, e assim foram criadas as tabelas de dificuldade. Apesar do carácter subjectivo destas, tem-se verificado um consenso nas classificações das vias de escalada, ao que parece devido ao fato das memas serem efectuadas por praticantes de alto nível. A tabela de referência internacional mais utilizada para indicar os níveis de dificuldade na escalada é da União Internacional das Associações de Alpinismo, a UIAA. Porém, vários países possuem suas próprias tabelas de dificuldade. A tabela da UIAA consolidou-se definitivamente nos anos 60 e foi ampliada em 1979 para além do 7º grau [2]. A tabela I apresenta escalas de dificuldade adoptadas em diferentes países e suas equivalências relativamente a tabela da UIAA. Tabela I Diferentes escalas de dificuldade para escalada em rocha. Escala inglesa Escala francesa Escala norte-americana Escala UIAA D VD S I 2 3 4 5.6 5.2 5.3 5.4 5.5 V- I II III IV 5 5.7 5.8 V V+ VIVI VI+ VII- HS VS HVS E1 E2 E3 E4 E5 E6 E7 4ª 4b 4c 5a 6b 7a-7a+ 7b-7b+ 6c 7c-7c+ 5.9 5.10a 5.10b 5.10c 5.10d 5.11a 5.11b 5.11c 5.11d 5.12a 5.12b 5.12c 5.12d 5.13a 8a-8a+ 8b-8b+ 8c 5.13b 5.13.c 5.13d 5.14a 5b 6a-6a+ 5c 6b-6b+ 6a 6c-6c+ 7a 7b E8 5+ VII VII+ VIIIVIII VIII+ IXIX IX+ XX X+ XI- !# ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) Prévia da evolução histórica da escala Os primórdios da escalada O montanhismo é conceituado como a atividade de ascensão de montanhas por caminhada ou escalada. Devido ao fato do montanhismo terse iniciado nos Alpes, recebe também o nome de alpinismo, denominação que se generalizou, tornando-se amplamente aceite. A sua evolução passou por cinco etapas: primórdios, vanguarda, clássico, 1° período do montanhismo moderno e 2º período do montanhismo moderno. Por isso a cordilheira dos Alpes é considerada o berço do montanhismo. A primeira ascensão de vulto a um dos seus picos o Monte Aiguille, em território francês, foi feita por Antoine de Ville, que realizou uma verdadeira escalada sobre a rocha. Esse fato ocorreu em 1492 e causou enorme furor na época, pois acreditava-se que as altas montanhas eram habitadas por dragões e seres alienígenas. Tão imenso era esse temor, que as próximas conquistas alpinas importantes só ocorreram em 1744 (Monte Titlis), 1770 (Monte Buet) e 1779 (Monte Velan). Em Agosto de 1786, o médico Michel Gabriel Paccard e o montanhês, caçador e garimpeiro de cristais Jacques Balmat conseguiram atingir o teto da Europa Ocidental: o Monte Branco (4.807 m), situado nos Alpes francoitalianos. Tal aventura foi motivada por um prêmio oferecido por um cientista e naturalista suíço chamado Horace Bénédict de Saussure, que pensava fazer naquele cume alguns ensaios científicos. Um ano depois, o próprio Saussure, chegou ao topo do monte, integrando uma expedição com Balmat e outros 17 guias, e realizou ali diversas experiências. Durante os próximos 70 anos, algumas conquistas notáveis foram feitas na cadeia dos Alpes, entre elas o Jungfrau (1811), o Finsteraahorn (1812), o Watterhorn (1854) e o Monte Rosa (1855). Entretanto, só em 1856, quando um grupo de montanhistas conseguiu ascender ao cume do Monte Branco, sem auxílio de um guia experiente, é que o desporto começou a apresentar um surto de popularidade na Europa, encerrando desta maneira, o que podemos denominar como o período do montanhismo puramente exploratório e de propósitos científicos. Período de vanguarda Em 1857, data de fundação da primeira associação de montanhismo do mundo o Clube Alpino de Londres consequência natural do fato de serem os ingleses, senhores quase absolutos das escaladas alpinas. A seguir ao exemplo inglês, vários países apareceram com as suas organizações em toda a Europa, iniciando com a Áustria em 1862 e um ano depois, na Suiça e Itália. Em 1874, surgia o Clube Alpino Francês. Antes mesmo que muitos dos cumes alpinos fossem escalados pela primeira vez, esforços começaram a ser dirigidos para as montanhas de outras regiões do mundo. Os principais picos do Cáucaso foram conquistados por ingleses em 1868. Nos Andes, o Chimborazo foi vencido em 1880 e o ponto culminante das Américas, o Aconcágua (6.959 m) em 1897. Na África, foi escalado o pico mais alto do continente, o Kilimanjaro (5.895 m) em 1889, assim como o Kenya em 1899 e o maciço de Riwenzori em 1906. A seguir, vieram o Trisul (Himalaia) em 1907 e o teto da América do Norte o Monte McKinley (6.194 m), localizado no Alasca em 1913. Período clássico Corresponde ao período compreendido entre o final dos anos 20 e o início da Segunda Grande Guerra (1940) constitui a época clássica do montanhismo desportivo. Com o aparecimento das técnicas, foram vencidos desafios de vulto na cadeia dos Alpes como a face norte do Eiger em 1938 e em particular, no maciço dos Dolomitas e nas agulhas e paredões do maciço do Monte Branco. No Himalaia, uma expedição anglo-americana obteve êxito sobre o Nanda Devi em 1936; no Wyoming (EUA), a Devil Tower foi escalada no ano seguinte. Outros picos das montanhas rochosas ao Cáucaso e da Noruega à Antártica receberam logo as suas ascensões pioneiras. Registra-se nesta fase o aparecimento de escaladores habilidosos como o francês Pierre Allain e os italianos Emílio Comici, Ricardo Cassin e Giusto Gervasutti. Primeiro período do montanhismo moderno Este período compreendeu a segunda metade da década de 40 e toda a década de 50. Novas e difíceis vitórias foram conseguidas em toda a extensão da Cordilheira dos Alpes. Escaladores como Jean Couzy, Lionel Terray, Edourard Frendo, Louis Lachenal e Gaston Rébuffat deram continuidade às técnicas de escalada em rocha e gelo iniciais por Armand Charlet, Couttet, Simond e Pierre Allain. Nos Estados Unidos, consolidou-se o ataque às extensas paredes rochosas do vale do Yosemite: Lost Arrow (1947), Sentinel Rock (1950), Half Dome (1957) e um paredão de 1.000 metros no El Capitan (1958). Foi também a época de grandes feitos nas !$ ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) altas montanhas do Himalaia e do Karahoram, tais como: a primeira ascensão a um pico com mais de 8.000 metros, o Annapurna (8.078 m), em 1950, pelos franceses Maurice Herzog e Louis Lachenal; o Nanga Parbat (8.126 m), em 1953, pelo austríaco Hermann Buhl; o Everest, ponto culminante do planeta (8.872 m, segundo recentes medições por satélite), em maio de 1953, pelo neozelandês Edmund Hillary e o sherpa Tensing Norkay; e o K-2, segunda montanha mais alta do mundo (8.852 m, também aferido por satélite), em 1954, pelos italianos Achille Compagnoni e Lino Lacedelli. Segundo período do montanhismo moderno A partir do término da década de 50, apareceu o segundo período do montanhismo desportivo moderno, que se estende até nossos dias. Sucederamse várias conquistas de picos, agulhas e paredes nos Alpes e nas Dolomitas. No Yosemite, o El Capitan e o Half Dome receberam novas vias, fruto de escaladas atléticas de extrema dificuldade. Nos Andes da Patagónia, foram escalados a Torre Central del Paine (1963), o Cerro Torre (1974) e a Torre Eg ger (1975). Nas cadeias do Himalaia e Karakoram, com a redução do número de montanhas virgens por conquistar, novas vias de dificuldade cada vez maior foram abertas em picos anteriormente atingidos. Destacam-se os feitos de Reinhold Messner, que além de ter subido o Everest em 1978 sem recorrer a oxigénio engarrafado, o Nanga Parbat em 1979, e novamente o Everest em 1980, já escalou todos os picos do planeta com altitude superior a 8.000 metros. Tabela II Cronologia do montanhismo. Ano Montanha Acontecimento 1760 Mont Blanc (4808 m) 1786 Mont Blanc 1808 Everest (8848 m) 1953 Everest (8848 m) 1858 Kinabalu (4095 m) 1871 Kilimanjaro (5895 m) 1883 1888 Aconcágua (6962 m) Kinabalu (4095 m) 1889 Kilimanjaro (5895 m) 1890 K2 (8616 m) 1896-7 Aconcágua (6962 m) 1902 1924 Mount McKinley (6194 m) Everest (8848 m) 1966 Vinson Massif (2290 m) 1975 Everest (8848 m) 1979 K2 (8616 m) H.B. Saussure, cientista de Geneva ofereceu uma soma em dinheiro para quem descobrisse uma rota para o topo do Mont Blanc, criando uma nova actividade, o alpinismo. J. Balmat, um caçador de peles e cortador de vidro e o francês Dr. M.G. Paccard atingiram o topo do maior pico dos Alpes. Descoberta por militares britânicos a partir de registros cartográficos da Índia e Himalaia visando manter o domínio sobre a Índia. Hillary e Tenzing, da expedição britânica chefiada por J. Hunt, foram os primeiros a chegar ao topo. Os britânicos H. Low e S. St. John, este último cônsul em Bornéu, estiveram a 40 m do topo do pico St. John, acreditando ser este o mais alto do Kinabalu. O missionário inglês C. New, realizou a primeira subida registrada à linha de neve. Segundo um líder local, em conversa com New, outros grupos já haviam tentado escalar a montanha e retornaram com membros congelados. P. Güssfeldt, alemão, atingiu 6560 m sobre o cume noroeste A 3 de Março J. Whitehead, um investigador de história natural inglês, tornou-se o 1º ocidental a escalar o Lows Peak.0 O geógrafo alemão Professor H Meyer, L. Purtscheller e Y Louwa (guia da Tanzânia de 16 anos de idade) atingiram o ponto mais alto de Kibo pelo glaciar Ratzel. Acredita-se que a expedição de reconhecimento do italiano R. Lerco tenha sido a primeira a por os pés no K2 A expedição de E. FitzGerald, britânico, fez a 1ª escalada pela Rota Normal. O guia suíço M. Zurbriggen chegou ao topo sozinho em 14 de Janeiro de 1897. Alfred Brooks, do US Geological Survey primeiro a pisar o topo. Desaparecimento de G. Mallory e A. Irvine durante uma escalada. Não é possível saber o quão alto chegaram, mas sua história tornou-se lenda do alpinismo. Mallory participou das 3 expedições britânicas de 1921, 1922 e 1924. Primeira escalada feita pelos membros da American Antarctic Mountaineering Expedition. Junko Tabei, japonesa, foi a 1ª mulher a escalar que chegou ao topo do Everest (rota South Col). O italiano R. Messner e M. Dacher atingiram o topo pela rota sudeste (Abruzzi Spur). !% ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) A escalada enquanto objeto de estudo das Ciências do Desporto. O impulso de conhecer detalhes mais aprofundados acerca de modalidades de atividades de aventura tem sido fomentado pelo incremento na tecnologia disponível para investigação e numa tentativa de conhecer mais acerca dos limites do homem ou das exigências específicas destas modalidades desportivas, nota-se ainda uma pequena, mas crescente produção de conhecimento científico sobre atividades, até então, não convencionais. Neste contexto Slaugh et al. [3] efetuaram um estudo com a intenção de identificar indicadores de predição de performance de praticantes de escalada desportiva em rocha a partir da avaliação de características antropométricas, cinemáticas e cinéticas, colectadas de 52 praticantes (26 do sexo masculino e 26 do sexo feminino) de nível moderado para alto. Os sujeitos do sexo feminino apresentavam idade entre 18 e 41 anos e os do sexo masculino entre 18 e 45 anos. O nível de habilidade dos participantes era de 5,7 até 5,13d (escala norteamericana) para as moças e 5,1 até 5,14c para os rapazes. As variáveis antropométricas estudadas foram: massa corporal, massa gorda, estatura, envergadura, flexibilidade (sit and reach) e índice envergadura-massa corporal. As variáveis de força foram: pressão manual, puxada alta (lat pull down), suspensão na barra com cotovelos flectidos e força de flexão do tronco e o salto vertical. As variáveis cinemáticas analisadas foram: velocidade máxima e aceleração do Centro de Gravidade (CG), deslocamento do tronco (ângulo absoluto), velocidade máxima do movimento do punho esquerdo, aceleração angular máxima do antebraço esquerdo (a partir do ângulo absoluto) e o tempo gasto para atingir as medidas citadas. Às medidas em geral foram aplicados os seguintes tratamentos: média aritmética e desvio padrão para caracterizar os valores entre gêneros e equações de regressão múltipla para examinar as relações entre as variáveis e os critérios de performance para os dois grupos e para toda a amostra. Dos resultados obtidos destacamos: a velocidade vertical do CG foi a mesma para escaladores do sexo masculino e feminino. A diferença foi observada no tempo para atingir a velocidade vertical máxima do CG, a qual ocorreu mais cedo no caso dos sujeitos do sexo feminino. O mesmo ocorreu com a velocidade máxima do deslocamento vertical do punho esquerdo, não houve diferença significativa entre os valores obtidos pelos sujeitos de ambos os sexos. Porém, os homens levaram mais tempo para atingirem o pico de velocidade vertical do punho esquerdo, mas apresentaram valores de desvio padrão ligeiramente mais reduzidos. Foram verificados valores mais elevados de aceleração angular máxima do punho esquerdo para os indivíduos do sexo masculino. Para as medidas antropométricas, a maior variabilidade entre os gêneros foi observada na flexibilidade, com as moças apresentando valores de 14,7±15,1cm (sit and reach) enquanto os rapazes marcaram 8,2±9,1cm. para os valores de força normalizada, as moças apresentaram valores superiores para pressão manual. Ao contrário, na puxada alta (lat pull down) os valores normalizados foram superiores para os sujeitos do sexo masculino. No teste do salto vertical, os rapazes obtiveram uma média ligeiramente superior à das moças. A partir destes resultados, Slaugh et al. [3] consideram que, em geral, as técnicas de escalada requerem precisão no timing do movimento, o que indica a necessidade de paciência para escolher o movimento correto e o rápido movimento decisivo do suporte dinâmico (aceleração angular do antebraço esquerdo e velocidade vertical do punho esquerdo), sendo a hesitação prejudicial ao desempenho. Estes autores já esperavam que a força de pressão manual, a suspensão na barra e a puxada alta estivessem relacionados com o nível de prestação na escalada. Segundo eles, estes indicadores confirmam a predominância dos grupos musculares do segmento superior na escalada. Tabela III Correlações e R ajustado na composição de modelos de predição para os critérios de performance na escalada desportiva [3]. Mulheres Homens Global Variáveis R R2 ajustado -BF+Hang+COGVy -BF+Hang+LWVy -BF+Hang+Grip+LFAA+LWVy-timing COGVy .77 .71 .82 .59 .43 .61 BF= massa corporal gorda; Hang= suspensão na barra com cotovelos flectidos; COGVy= velocidade vertical do centro de gravidade corporal; LWVy= velocidade vertical do PUNHO esquerdo; Grip= força de pressão manual; LFAA= aceleração angular do antebraço esquerdo; timing COGVy= tempo para atingir a velocidade vertical máxima do centro de gravidade corporal. !& ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) Foi encontrada também uma relação inversa entre a prestação motora e a massa corporal gorda. Dos achados encontrados para as moças destacase a significância da força dos membros inferiores, o que parece ter ocasionado picos de acelerações e velocidades, provavelmente. Uma relação negativa com a estatura foi atribuída a uma menor exibição de força relativa dos membros superiores. Os resultados para os rapazes sugerem a importância da força dos membros superiores, manifestada nas diferenças na técnica e no timing de execução. O mesmo conjunto de dados permitiu incorporar a característica da flexibilidade como pré-requisito fundamental para a execução de posições ditas atléticas em escalada desportiva de dificuldade. Mais adiante iremos contrastar algumas das afirmações de Slaugh et al. [3] com os achados de outros autores. Especialmente no que respeita o papel dos grupos musculares dos membros superiores. Ao que parece os resultados apresentados não permitem explicitar o real papel destes grupos musculares e interpretações errôneas podem ser feitas a partir da afirmação sobre a predominância dos membros superiores na escalada. Perfil antropométrico do atleta da escalada É senso comum dizer que para optimizar o rendimento desportivo o atleta deverá apresentar algumas características antropométricas específicas, na mesma medida que determinados constitutivos fisiológicos dos sistemas bioenergéticos primários (ATP-CP, glicólise anaeróbia, metabolismo oxidativo), de despêndio energético, captaçãofixação-utilização do oxigênio, requerimentos de força e resistência muscular e padrão de recrutamento neuromuscular [4]. Como a prática da escalada desportiva tem sido intensificada relativamente há pouco tempo e com os avanços tecnológicos experimentados na área das Ciências do Desporto e Medicina Desportiva, vários autores têm realizado estudos visando caracterizar o perfil do praticante de escalada a fim de melhor compreender os factores que influenciam a performance para esta modalidade, a fim de verificar o nível de veracidade de afirmativas como as acima descritas. Watts et al. [5], coletaram dados de 39 atletas de competição de escalada desportiva em rocha (21 do sexo masculino e 18 do sexo feminino), os quais eram semifinalistas em uma competição internacional. As informações obtidas demonstraram que os atletas de elite da escalada apresentam estatura relativamente baixa (177,8±6,5cm para indivíduos do sexo masculino e 165,4±4,0cm para indivíduos do sexo feminino), bem como os valores de massa corporal (66,6±5,5kg e 51,5±5,1kg respectivamente para rapazes e moças). O somatório de sete dobras cutâneas encontrado foi de 37,8±6,8mm e 42,5±8,9mm para rapazes e moças respectivamente. Estes atletas apresentaram um percentual de gordura corporal extremamente baixo, sendo o valor médio obtido para rapazes igual a 4,7±1,3% e para moças 10,7±1,7% . Os valores obtidos de índice ponderal para os escaladores aproximam-se aos dos corredores de distância e bailarinos (43,8±4,8 para rapazes e 44,4±0,9 para moças) [4,5]. É interessante salientar que o nível de prestação motora para esta modalidade parece estar fortemente em harmonia com os indicadores antropométricos, uma vez que os valores de estatura foram ligeiramente mais baixos para os finalistas (nM=7; nF=6). Para além disso, as moças finalistas apresentaram um percentual de gordura ainda mais reduzido (9,6±1,9%) do que as semifinalistas. Para efeito de informação os níveis de dificuldade atingidos pelos finalistas foram 5,14a/8c (escalas norte americana e francesa respectivamente) para os rapazes e 5,13a/8a para as moças. Em outro estudo Watts et al. [6] verificaram dados de um grupo de onze praticantes de escalada em rocha do sexo masculino com habilidade para perfazer vias com dificuldade de 5.12a/7b (escala norte americana/escala francesa respectivamente) até 5,13d/8b. Estes indivíduos apresentaram estatura média de 175,6±8,9cm e a massa corporal de 65,9±8,6kg, com o somatório de pregas subcutâneas (protocolo de 7 pregas) igual a 40,8±7,3mm e o percentual de gordura de 5,4±1,5%. Grant et al. [7] também publicaram dados antropométricos recolhidos de 10 escaladores de elite do sexo masculino com habilidade para ultrapassar dificuldades de 5,10a/6a. Este grupo apresentou valores médios ligeiramente mais elevados de estatura (178,9±8,5cm), de massa corporal (74,5±9,6kg) e de percentual de gordura (14,0±3,7%). Os estudiosos comparam estes indicadores com os de um grupo de não escaladores e não foram encontradas diferenças significativas. Estes mesmos autores mediram os comprimentos dos braços e das pernas dos praticantes e dos não praticantes de escalada, não encontrando diferenças significativas entre os dois grupos, apesar dos não praticantes apresentarem resultados ligeiramente superiores. !' ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) Parece ser importante ressaltar que, apesar dos praticantes de escalada envolvidos neste estudo terem sido denominados escaladores de elite, a graduação por eles obtida na altura do estudo (5.10a/6a) não é considerada, atualmente, como sendo deste nível, mas sim do intermediário. Booth et al. [8] recolheram dados de 7 praticantes de escalada (6 rapazes e 1 moça) com habilidade ligeiramente superior aquelas dos examinados no estudo citado anteriormente (mínimo de 5,10c/6b e máximo de 5,11c/7a). A estatura média foi de 175,7±2,7cm e massa corporal igual a 62,6±3,3kg e a média obtida para o somatório de pregas cutâneas foi de 61,3±3,3mm, tendo sido utilizado um protocolo de 9 pregas. Em outro estudo, utilizando 15 praticantes de alto nível (5.12c/7c até 5.14b/8c) foram encontrados valores de estatura de 175,1±6,6cm, massa corporal de 67,2±6,3kg, somatório de 7 pregas cutâneas igual a 37,9±9,1mm e percentual de gordura igual a 5,2±1,5% [9]. Viviani e Calderan [10] estudaram a constituição corporal de 31 praticantes de escalada livre em Itália. Os valores médios encontrados para o somatótipo indicavam uma predominância do tipo mesomorfoectomorfo (2,0±0,6; 4,0±0,8; 3,7±0,9), perfil obtido em 54% da amostra. Os atletas desta modalidade apresentaram valores tão baixos de percentual de gordura (8,3%) quanto atletas de modalidades que requerem endurance, diferentemente daqueles atletas de modalidades que necessitam de potência anaeróbia. Os autores lembram que uma taxa alta de mesomorfismoectomorfismo implica em massa muscular relativa maior, característica essencial para arrancar e manter movimentos em uma parede, uma vez que a massa gorda torna-se uma carga importante nesse tipo de desporto. Um tamanho corporal reduzido e um físico ectomórfico são vantajosos para o escalador, pois isto resulta em um reduzido uso da força e do trabalho absolutos, necessários para sustentar e mover o corpo durante um evento [5]. Por outro lado, o aumento excessivo da massa muscular quando associado a diâmetros ósseos largos poderá ser contraproducente para o deslocamento em uma parede [10]. Os autores compararam os somatotipos obtidos dos praticantes de escalada livre com praticantes de outras modalidades disponíveis na literatura desportiva. Foi possível verificar que os escaladores livres apresentam o perfil morfológico próximo ao dos adolescentes italianos jogadores de futebol e atletas de salto. Também apresentaram valores aproximados aos dos corredores olímpicos juniores, corredores de longa distância australianos adultos e atletas de corridas de obstáculos. Os autores chamam ainda a atenção para as similaridades na forma corporal dos praticantes de escalada livre comparativamente a dois grupos de sujeitos não atletas: habitantes de Guiné Bissau e Himalaias. Ainda que as medidas de peso e altura não tenham apresentado valores aproximados, as classificações das componentes do somatótipo são muito próximas àquelas dos escaladores livre.. Aspectos psicológicos e bioquímicos Durante a prática de atividades de aventura os praticantes são submetidos ao stress fisiológico, proveniente das exigências físicas específicas da modalidade e ao stress psicológico, principalmente devido à ansiedade e à exposição a uma situação ambiental completamente diferente das situações de rotina. De fato, tentar manter o equilíbrio ou movimentar-se em um plano inclinado, vertical ou extra-prumado poderá desencadear respostas fisiológicas que podem ser confundidas com respostas às exigências do esforço. Bunting et al. [11] estudaram a influência do nível de condição física sobre a produção de catecolaminas e sobre a alteração da freqüência cardíaca ao comparar respostas fisiológicas e psicológicas obtidas em indivíduos diferentes níveis de preparação física, através da verificação das concentrações de epinefrina e norepinefrina urinárias e da aplicação de um teste para avaliar os níveis de ansiedade (Spielberg State Anxiety Inventory). Os resultados obtidos por Bunting et al. [11] sugerem que, sob situações de stress físico/ emocional provocado por atividades de aventura, o nível de condição física parece influenciar a amplitude da alteração da freqüência cardíaca e a excreção de noradrenalina. Força de preensão manual A maioria dos estudos sobre as características de força ou resistência muscular de praticantes de escalada tem utilizado a dinamometria manual como método de investigação e as interpretações têm sido feitas a partir do valor máximo de preensão manual. Os resultados obtidos em diferentes estudos têm sido similares, com excepção do estudo de Ferguson e Brown [12], que utilizaram um dinamômetro especificamente desenhado para o antebraço, podendo estar nesta modificação a causa dos valores mais elevados obtidos neste estudo em relação aos demais. A tabela IV mostra valores de preensão manual obtidos em diferentes estudos. " ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) Tabela IV Resumo dos dados de força de pressão manual de praticantes de escalada obtidos em diversos estudos. Autor(es) Watts et al. (1992)(n=21) Cutts et al. (1993)(n=13) Watts et al. (1993)(n=18) Grant et al. (1996)(n=10) Watts et al. (1996)(n=11) Ferguson e Brown (1997)(n=5) Watts et al. (1999a)(n=15) Nível Força de preensão manual Razão força/massa 5.13c / 8b 5.8-5.12a / 5b-7b 5.12c / 7c 5.10 / 6a 5.12a-5.13b / 7b-8b+ 5.11c-5.13b / 7a-8a 5.12c-5.14b / 7c-8b+ 516±64N 530±58N 342±52N 543± 30N 593±71N 728±50N 517±50N 0.78±0.06 0.75±0.10 0.65±0.06 0.77±0.75 Adaptado de Watts [4] Os valores absolutos de força de pressão manual de praticantes de escalada obtidos por Watts et al. [5] correspondem aos percentis 50 e 75 do North American age-matched norms (rapazes e moças respectivamente). Grant et al. [7] não encontraram diferenças significativas entre os valores de dinamometria manual entre escaladores de elite, recreativos e não escaladores para as medições efectuadas com a mão direita. Por outro lado as provas de dinamometria para a mão esquerda mostraram que os escaladores de elite apresentam valores de força significativamente mais elevados, indicando uma grande simetria entre o membro dominante e o não dominante para a variável força. Watts et al. [5,6] propuseram que a capacidade de escalar poderia ser predita a partir de uma equação de regressão que incluía a razão entre a força e a massa corporal e o percentual de gordura como variáveis independentes. Porém, o valor de r2 encontrado foi baixo (0.33). Russum [13], também aventou a possibilidade de que a habilidade de escalar ser predita a partir das correlações entre massa corporal, força dos ombros e força de pressão manual. Também neste caso o valor de r2 foi relativamente baixo (0,45), não sendo possível estabelecer equações de predição adequadas. A fraca associação entre as medidas de força de pressão manual e a performance na escalada parece ser explicada pela natureza das posições básicas empregadas para o ato de agarrar uma presa durante a escalada [4], as quais não são especificamente examinadas pelos testes comuns de prensão manual. Assim, as medidas de força manual efectuadas através da dinamometria manual convencional poderão gerar interpretações errôneas dos resultados devido à especificidade do gesto. Grant et al. [7] preocuparam-se com a especificidade do gesto e sua influência nos resultados da dinamometria manual e utilizaram metodologia mais específica para medir a força das mãos e dedos dos seus voluntários. Com o auxílio de transductores de força foi possível mensurar as forças produzidas em duas posições básicas de agarrar. Na posição aberta os valores de força encontrados foram de 455 ± 31N e 336 ± 23N para agarre com 4 e com 2 dedos, respectivamente. Na posição crimp os valores encontrados foram de 225 ± 16N e 151 ± 26N (para 4 e 2 dedos, respectivamente). Assim mesmo, apesar de os escaladores de elite apresentarem valores significativamente mais elevados em relação aos não praticantes, não houve diferenças significativas entre os praticantes de elite e os recreativos. Em outro estudo, Donnelly et al. [14] encontraram diferenças significativas entre os valores de força dos dedos de praticantes e não praticantes de escalada, porém não houve diferenças significativas nos valores de dinamometria manual padrão entre os mesmos grupos. A partir desses dados é possível estimar que a forma como os dedos são dispostos na presa influenciam a capacidade de produção de força e, por conseqüência a manutenção ou progressão na rocha. Freqüentemente os escaladores assumem posições nas quais a força da gravidade ajuda puxando os dedos no sentido da rocha. Sendo assim, principalmente nessas condições, a capacidade de resistir à fadiga, mantendo a posição, parece definir a capacidade do escalador sustentar-se na rocha. Os dados parecem indicar que que a resistência muscular isométrica é um componente importante para o sucesso na escalada. Contudo tem sido difícil mensurar resistência muscular de praticantes de escalada. Cutts e Bollen mediram integrais da curva força-tempo a 80% da força de pressão manual máxima e a 50% da força de aperto máxima. Os valores obtidos indicavam resultados mais elevados para praticantes de escalada relativamente aos não praticantes para força de pressão manual da mão esquerda e de ambas as mãos para força de prensão. Watts et al. [6] verificaram a resistência muscular isométrica a 70% da força máxima de pressão manual. O valor médio obtido por praticantes de elite foi de 34,5±10,2s. No estudo de Grant et al. [7] os escaladores de elite mantiveram a suspensão na barra com braços flectidos durante mais tempo do que os escaladores recreativos " ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) (53,1±13.2s e 31,4±9,0s respectivamente). O mesmo aconteceu ao comparar as puxadas na barra (pull-ups). Os escaladores de elite realizaram 16.2±7.2 repetições enquanto os recreativos executaram 3.0±9.0 repetições. Ferguson e Brown [12], que empregaram um dinamômetro especialmente confeccionado para o antebraço, compararam valores de pressão manual obtidos em indivíduos sedentários e praticantes de escalada. A resistência foi medida de duas formas: isométrica e isométrica rítmica (5 segundos de contração e 2 segundos de relaxamento). A carga utilizada no dinamômetro foi de 40% do valor máximo obtido em cada modo. A força de pressão manual máxima e o tempo de resistência isométrica não diferiram significativamente entre praticantes e sendentários, contudo, o tempo de resistência isométrica rítmica obtida pelos praticantes foi quase o dobro daquele obtido pelos não praticantes (853±76s e 420±69s respectivamente). Isto indica que escaladores treinados possuem maior capacidade vasodilatadora nos antebraços, podendo disponibilizar um maior suprimento de oxigénio e um maior grau de recuperação entre as contracções. Flexibilidade Freqüentemente os textos e manuais de escalada abordam a flexibilidade como uma componente importante da condição física específica para esta modalidade. Certas posições e movimentos realizados na atividade parecem requerer uma importante amplitude de movimento em articulações específicas. Algumas posturas e movimentos implicam em grande abdução e rotação externa do quadril. Movimentos que requerem passos largos, como quando um dos pés necessita ser colocado em um apoio superior e o outro mantém a sustentação do peso corporal requerem grande elasticidade dos músculos posteriores da coxa e flexibilidade da articulação do quadril. Apesar disso, pouco foi publicado acerca da flexibilidade em atletas de escalada. Grant et al. [7] aplicaram o sit-andreach test (flexibilidade dos quadris, posterior da coluna e extensores do quadril), foot-raise test (similar ao movimento de subir degrau) e o leg-span test (abdução do quadril) em praticantes e não praticantes de escalada. Os resultados para o teste do sit-and-reach foram considerados médios, sendo que não houve diferenças significativas entre escaladores de elite, recreativos e não praticantes. Os valores do teste foot-raise, apesar de mais elevados para os escaladores, também não apresentaram diferenças significativas. Por fim, no teste leg-span os valores foram significativamente mais altos para os escaladores de elite. Potência aeróbia Potência aeróbia é a capacidade de captação, absorção e utilização de oxigênio durante a realização de um determinado tipo de esforço corporal. Uma das formas de ser quantificada é através de um teste no qual o indivíduo é levado a executar exercícios físicos até atingir a exaustão. A mensuração frequentemente é feita através da análise dos gases respiratórios durante o exercício realizado em um ergômetro do tipo tapete rolante ou cicloergómetro estacionário. No caso da escalada, os resultados obtidos em estudos diversos apresentam-se diferentes, ao que parece, em função dos diversos tipos de ergômetros adoptados. Nos estudos que utilizaram o tapete rolante como ergômetro, os valores de VO 2 máximo para escaladores foram similares aos valores obtidos por atletas de desportos colectivos e ginastas. Este valor (55 ml.kg-1.min-1) é considerado excelente relativamente às normas de idade para a condição aeróbia geral, porém está abaixo dos valores normalmente alcançados por atletas de resistência (entre 65 e 80 ml.kg-1.min-1). Vale a pena lembrar que os resultados dos testes serão tão mais fiáveis quanto mais o protocolo deste se aproximar da situação real vivida na modalidade. A tabela V, apresenta a síntese dos resultados da medição do VO2 máximo obtidos em diferentes estudos. Reforçados por este pensamento, Watts e Drobish [15] coletaram dados preliminares para gasto energético durante uma escalada contínua utilizando uma parede de escalada rolante não motorizada Treadwall (Brewers Ledge, Inc.). O Treadwall permitia os ajustes de 80 até 102 graus a partir da horizontal, variando o nível de dificuldade de uma rota de escalada Tabela V Resumo de registos de VO2 máximo em escaladores de rocha. Autor(es) Billat et al. (1995) Billat et al. (1995) Wilkins et al. (1996) Watts et al (1998) Booth et al. (1999) Nível dos atletas Ergômetro VO máx. (ml.kg-1.min-1) >5.12a/7b >5.12a/7b >5.12a/7b 5.8-5.11b/5b-7a 5.10d-5.12d/6b-7a Tapete rolante Remo ergómetro Tapete rolante Tapete rolante Escalada em velocidade 54.8±5.0 22.3±2.6 55.2±3.6 52.0±4.7 43.8±2.2 " ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) previamente definida e permitindo que o escalador progredisse a seu ritmo. A rota definida com apliques modulares de presas na superfície do Treadwall foi definida como nível de dificuldade de aproximadamente 5,7/5a ao menor ângulo (inclinação positiva de 80° com a horizontal). O estudo contou com a participação de 16 sujeitos (9 rapazes e 7 moças). Estes escalaram durante 4 minutos para cada inclinação (80°, 86°, 91°, 96° e 102°) com intervalos de descanso de seis minutos entre cada vez. Como resultados observou-se que a distância percorrida (escalada) reduziu sensivelmente de 80° para 102° graus (passou de 89,9±21,7 pés para 27,0±13,3 pés respectivamente), houve um aumento da freqüência cardíaca a partir do incremento da inclinação, porém o VO2 máximo manteve-se quase inalterado a aproximadamente 30ml.kg-1.min-1. Os sujeitos deste estudo apresentaram um VO2 máximo de 52ml.kg-1.min-1 (em média) no teste do tapete rolante. Assim, a prova de escalada requereu menos do que 60% da potência aeróbia mensurada na corrida. Não havendo a variação do VO2 máximo a partir da alteração angular do Treadwall, o gasto energético permaneceu entre 10.4 e 11.2 kcal.min-1. Contudo, como a distância de escalada diminuiu com o incremento do ângulo, o gasto energético para cada metro de escalada sofreu um aumento significativo aos 96° e 102° (passando de 1,5 a 2,0 kcal.min-1 aos 80°-90° para 5 kcal.min-1 aos 102°. Em outro estudo, Billat et al. [16] testaram 4 praticantes de escalada de alto nível utilizando duas rotas de escalada (ambas com nível de dificuldade 5,12a/ 7b). Usaram uma bolsa de Douglas para coletar o ar expirado a cada 30 segundos durante a última metade de cada rota. Na via mais complexa, menos íngreme, mas que oferecia complexidade técnica os valores obtidos foram: VO2 máximo = 24,9±1,2 ml.kg-1.min1 , freqüência cardíaca = 176±14bpm e concentração de lactato sanguíneo = 5,75±0,95mmol.l-1. A segunda rota era mais íngreme, apresentando grande dificuldade física e os valores obtidos foram: VO2 máximo = 20,5 ml.kg-1.min-1, freqüência cardíaca = 159±15bpm e concentração de lactato sanguíneo = 4,30±0.77mmol.l1 . A partir de uma análise de movimento foi possível observar que os sujeitos utilizaram 63,9% do tempo da escalada com ações dinâmicas enquanto 37,9% do tempo foi gasto com manutenção de posturas estáticas. Watts et al. [6] utilizaram um analisador metabólico portátil (AeroSport TEEM 100) para efectuar a análise de gases respiratórios durante uma via classificada como 5,12a/7b com duração de 220"±015". O consumo de oxigênio registado (média) foi de 20,9±0,8ml.kg1 .min-1 com picos de VO2 de 27,4±1,0 ml.kg-1.min-1. Estes valores corresponderam a 33 a 38% e 43 a 50% (respectivamente) do VO2 máximo determinado previamente via tapete rolante. Durante a subida de 3 vias com diferentes dificuldades (fácil = 5,6/5a, moderada = 5,9/5c e difícil = 5,11+/7a) realizadas por 14 escaladores experientes, Mermier et al. [17] coletaram valores de freqüência cardíaca, VO2 (via bolsa de Douglas no último minuto de cada subida) e concentração de lactato. Observou-se o aumento dos valores da freqüência cardíaca com o aumento da dificuldade (142±19, 155±15 e 163±15 bpm para a via fácil, moderada e difícil respectivamente). O consumo médio de oxigênio foi de 20,7±8,1, 21,9±5,3 e 24,9±4,9 ml.kg-1.min-1. A concentração de lactado após o exercício foi de 1,64±0,63, 2,40±0,68 e 3,20±0,97 mmol.l-1. Utilizando um sistema portátil de análise metabólica, Watts et al. [9] analisaram as respostas fisiológicas durante a escalada desportiva e compararam os efeitos da recuperação activa e passiva para 15 sujeitos do sexo masculino com habilidade de escalar níveis de dificuldade entre 5,12c/7c e 5,14b/8c. A via de escalada escolhida apresentava o nível de dificuldade de 5,12b/7b em um muro indoor com duração média da escalada de 257±041. A análise de gases respiratórios contínua foi realizada com a média dos dados a cada 20 segundos. O consumo de oxigênio médio foi de 24,7±4.3ml.kg1 .min-1 e o pico de VO2 registrado foi de 31,9±5,3 ml.kg1 .min-1. Oito dos 15 sujeitos efetuaram a escalada com um período de recuperação passiva de 30 minutos em posição de sentado. Os outros sete sujeitos realizaram recuperação ativa pedalando um cicloergómetro a 25 Watts durante um período de recuperação também de 30 minutos. Os gases respiratórios foram analisados durante os 10 primeiros minutos de recuperação para ambos os grupos. O consumo total de oxigênio durante os 10 primeiros minutos de recuperação foi de 2,809±518 litros. A concentração de lactato aumentou de 3.2±0.8 mmol.l-1 como resultado da escalada, permanecendo elevado por 20 minutos no período de recuperação em ambos os grupos. Os níveis pré-escalada para concentração de lactato foram recuperados por volta de 30 minutos no grupo com recuperação ativa. No grupo em que a recuperação foi feita de forma passiva os níveis permaneceram elevados. Os autores observaram a ocorrência de um plateau no VO 2 após aproximadamente 80 a 100 segundos de escalada. Porém, devido a não medição do VO2 máximo, não foi possível determinar se este plateau representava um steady state metabólico. A ocorrência de um plateau de VO2 foi observada também por Booth et al. [8] durante a escalda de uma via de nível 5,10 com duração de 736"±033". O valor médio do pico de VO2 foi de 32,8ml.kg-1.min-1 durante a progressão. A partir do registro do consumo de "! ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) oxigênio durante a escalada em diferentes velocidades em um ergômetro vertical (Crestville Holings) pode ser mensurado o possível valor máximo para VO2 específico para escalada. A freqüência cardíaca e o VO2 aumentaram com o incremento da velocidade a permaneceram nos valores máximos de 190±4 bpm e 43,8±2,2 ml.kg-1.min-1 (respectivamente) a uma velocidade de 16 m.min -1. o pico de VO2 durante a ascensão foi de 75±4% dos valores máximos de VO2 dos sujeitos para a escalada. O mesmo comportamento foi observado por Watts et al. [18] durante a observação das respostas de VO2 e gasto energético para escalada em diferentes velocidades no Treadwall. Pelo fato de não terem sido feitas tentativas de chegar a exaustão, não é possível assumir que os valores obtidos para VO2 sejam o máximo específico para escalada. Mas, é digno de nota que o VO2 de 43,3±3,5 ml.kg -1 .min -1 a aproximadamente 12 m.min-1 é similar ao valor obtido no estudo de Booth et al [8]. Isto sugere que os valores máximos de VO2 específicos para escalada podem ser superiores aos 40 ml.kg-1.min-1, sendo superiores aos resultados obtidos em estudos anteriores. Aspectos de força e neuromusculares Os efeitos da escalada contínua sobre a força e a resistência muscular foram objectos de estudo de Watts et al. [8]. Os 11 sujeitos deste estudo apresentavam habilidade de nível entre 5,12a/7b e 5,13d/8b e escalaram um via contínua até cair. O tempo médio de escalada foi de 12,9±8,5 minutos. Os autores reportaram um decréscimo de 22% na força de pressão manual e de 57% na resistência de pressão manual, medida como tempo da manutenção do agarre do dinamômetro a 70% da contração voluntária máxima. Ambas as variáveis permaneceram baixas por 20 minutos do período de recuperação, sendo que o ritmo de recuperação da força foi mais rápido. O decréscimo da força apresentou forte correlação com o tempo de escalada (r = 0,7), mas com a concentração de lactato a correlação foi de fraca para moderada (r = 0,56). Estes dados encontram uma possível explicação no estudo realizado por Herzog, Leonard & Wu [19], que sugeriram que a redução da força esta relacionada com o trabalho produzido pela musculatura e não com a velocidade de encurtamento da mesma. Desta forma um tempo maior de escalada representaria um trabalho mecânico maior da musculatura e conseqüentemente uma redução mais acentuada da força muscular. Já o decréscimo da resistência muscular apresentou forte correlação com o tempo de escalada e com a concentração de lactato (r = 0,7 e r = 0,76, respecti- vamente). A concentração de lactato permaneceu elevada até aproximadamente 20 minutos após a escalada, contudo, a média de 4,1±1,2 mmol.l-1 aos 10 minutos de recuperação foi significativamente mais baixa do que a 1 minuto de recuperação (6,1±1,4 mmol.l-1). Quanto ao recrutamento neuromuscular Koukobis et al. [20] investigaram respostas electromiográficas em 4 músculos dos membros superiores de sete experientes praticantes de escalada durante uma tarefa de escalada que consistia em realizar 3 movimentos de suspensão na barra com os dedos, estando os antebraços em pronação. Foram registrados e normalizados os sinais electromiográficos dos músculos interósseos, braquiorradial, flexor superficial dos dedos e bíceps braquial. O EMG registrado de maior intensidade foi o do flexor superficial dos dedos (69% do EMG para contração voluntária máxima - CVM), que foi mantida durante a tarefa. O braquiorradial apresentou picos de 67% do EMG CVM no início da fase de suspensão. Contudo, é discutível a aplicabilidade deste estudo na escalada devido às características dos movimentos executados. Isto porque a suspensão e o retorno sem o apoio dos pés não são movimentos muito comuns na escalada desportiva. Watts et al. [21] registraram EMG dos flexores dos dedos durante um movimento específico de escalada com seis diferentes posições para as mãos. Os sujeitos realizaram movimentos de subida e descida em uma parede extra-prumada (45°) com módulos de presas a 18 polegadas de distância entre si. Para todas as posições de mãos os sinais EMG foram superiores aqueles obtidos na contracção máxima voluntária (CMV) obtida por dinamometria manual. O menor valor obtido nos movimentos de subida representou 172±48% da EMG CMV. A EMG para os movimentos descendentes registrou valores inferiores aos ascendentes, confirmando o não paralelismo entre o nível de força produzida e a amplitude do sinal EMG nas contrações excêntricas, contrariamente ao que ocorre com as contrações concêntricas e isométricas [22]. Segundo Enoka [23], o EMG reduzido durante uma contração excêntrica máxima sugere uma ativação incompleta do motoneurônio que inerva o músculo. Apesar disso, as diferenças entre os sinais EMG das contrações concêntricas e excêntricas registradas, respectivamente, nas subidas e nas descidas, não foram significativas. De uma forma geral os resultados dos valores de força manual obtidos para escaladores reforçam a idéia de que a dinamometria manual apresenta uma falha no que respeita a especificidade da força de pressão manual exigida na escalada. "" ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) Conclusão Como se pode perceber, muito embora a Escalada possa ser considerada hoje uma modalidade esportiva expressiva, com grande quantidade de praticantes por todo o mundo, o estado da arte no campo da investigação científica acerca de questões que emanam deste contexto ainda não nos permite fechar conclusões definitivas, na maior parte dos parâmetros técnicos considerados. É, portanto, fundamental que os estudos prossigam, em diferentes setores das Ciências do Desporto, para que possamos evoluir para um quadro de resultados mais conclusivos acerca dos aspectos relativos à realização desta importante modalidade esportiva. Tendo como base os resultados obtidos neste processo poderemos, de forma mais eficaz e eficiente, orientar o envolvimento das pessoas, seja qual for o propósito da prática, com essa modalidade, levando-os a executá-la com eficiência e rendimento. Bibliografia 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. DECAMP, E. Alpinism et escalade.Grenoble: Didier Richard, 1992. WINTER, S. Escalada deportiva con niños y adolescentes. Madrid: Desnivel, 2000. SLAUGH, R.; HYDER, M.; ABENDROTH S. Prediction models correlating performance of sport rock climbers. In: Proceedings of North American Congress on Biomechanics. Waterloo: University of Waterloo,1998. WATTS, P.B. Physiological aspects of difficult sport rock climbing. In: MESSENGER, N.; PATTERSON, W. ; BROOK, D. 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Através da metodologia da psicomotricidade relacional, o foco da prática de ensino se deu sobre o processo relacional no grupo e na trajetória lúdica das crianças. O uso dos instrumentos de observação, de entrevistas e do diário de campo permitiram evidenciar as seguintes repercussões no desenvolvimento da criança protagonista do estudo: a) passou a ser lembrado pelos colegas nas brincadeiras; b) integrou e envolveu-se em brincadeiras com os meninos e com as meninas; c) desempenhou participação em jogos simbólicos; d) experimentou situações de afetividade com os colegas e professores; e) ampliou a trajetória lúdica nas aulas. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras-chave: psicomotricidade, educação infantil, prática de ensino. Abstract The present article describes, analyses and explains a vivid pedagogical process of Physical Education in Children Education. It points out the investigative development through a case study of this pedagogical experience. The study was carried out based on the relational psychomotor methodology focusing the teaching practice on the relational process in the group and in the children entertaining development. The use of the observation tools, interviews, and field comments showed the following results in the development of the protagonist child of the study: a) the child started to be remembered by the classmates in the playing activities; b) engaged herself in the playing activities with both boys and girls; c) participated in symbolic games; d) experienced situations of affectivity with the classmates and teachers; e) extended the entertaining experience in the classes. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key-words: psychomotor, children education, teaching practice. Artigo recebido em 24 de agosto de 2004; aceito em 19 de outubro de 2004 Endereço para correspondência: Atos Prinz Falkenbach, Rua Cristiano Grün 205/404, 95900-000 Lajeado RS, Tel: (51) 3714-7000, E-mail: [email protected] "$ ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) Introdução Pode existir Educação Física na Educação Infantil? Talvez a pergunta precisaria de outra formulação, ou de um redirecionamento em sua composição, uma vez que a primeira vista parece querer provocar as discussões sobre os espaços pedagógicos da área da Educação Física. Caso houver esta primeira impressão devemos informar que não é o desejo neste momento. Mas como pergunta feita invocamos a questão de como está a prática da Educação Física neste nível de ensino, ou melhor, que relações educativas são efetuadas com a Educação Física neste ambiente de ensino. Com este ensejo inicial organizamos o ponto de partida para as reflexões que serão descritas a partir de uma prática vivenciada da Educação Física na Educação Infantil. A experiência pedagógica é fruto de vivências realizadas por acadêmicas do curso de Educação Física da UNIVATES Centro Universitário, na prática de ensino na Educação Infantil, no primeiro semestre de 2003, cujo desenvolvimento prático se deu em uma escola pública do município de Estrela. É necessário destacar que o exercício da prática de ensino faz parte da matriz curricular regular do Curso de Educação Física da UNIVATES e privilegia as experiências docentes dos acadêmicos com grupos de crianças na Educação Infantil. A organização do Curso de Educação Física com práticas regulares na Educação infantil se deve à necessidade de vivências relacionais dos acadêmicos, futuros professores de Educação Física, pois permite ao acadêmico conhecer e vivenciar a prática da Educação Física neste nível de ensino. Mais que isso, é importante reconhecer que quando a prática de ensino sob forma de estágio supervisionado está localizada no início do Curso1 possibilita aos acadêmicos um diálogo mais intenso com os professores formadores, neste caso o acadêmico conectado a uma prática se torna mais indagador porque vivencia situações problemas em suas aulas e acaba aproveitando melhor o conhecimento de seus professores. Ainda como forma de introduzir o leitor na compreensão das características do processo das Práticas de Ensino sob forma de Estágio Supervisionado é relevante destacar o fato de envolver a escolha de uma criança em especial no grupo-classe da prática. Trata-se do desenvolvimento de um estudo de caso. Este procedimento favorece o envolvimento dos futuros professores de educação física em um exercício de iniciação científica em sua prática 1 pedagógica no grupo de crianças, tal como será apresentado em pormenores no desenvolvimento deste artigo. Neste momento, podemos apresentar o exercício empreendido na vivência pedagógica de Educação Física com destaque para os seguintes aspectos: a) a proposição pedagógica e os seus fundamentos teóricos, em outras palavras, em que se fundamenta uma proposta de educação física na educação infantil; b) a metodologia organizada para a finalidade do desenvolvimento das aulas de Educação Física na Educação Infantil; e c) o procedimento de escolha da criança protagonista desta prática de ensino, bem como as análises e interpretações sobre as repercussões pedagógicas no seu comportamento relacional com o grupo. No processo de estudo para confecção desta proposta pedagógica abordamos temas relevantes como um pouco da história da Educação Física na Educação Infantil, os motivos para a definição do estudo de caso e a sua história prévia, bem como as influências da psicomotricidade relacional para essa faixa etária. Outro ponto fundamental do estudo dá destaque para alguns exemplos de procedimentos pedagógicos, sustentados na psicomotricidade e elaborados durante o processo pedagógico. Os procedimentos possibilitaram observar repercussões no desenvolvimento relacional da criança, estudo de caso, com o grupo e vice-versa. Também avaliamos os resultados alcançados e as repercussões desta experiência de ensino na formação de futuras professoras. A Educação Física pode estar na Educação Infantil? Ao perguntar sobre o espaço da Educação Física na Educação Infantil queremos refletir suas possibilidades de contribuição pedagógica nesse nível de ensino. É importante analisar que historicamente a Educação Física na Educação Infantil é possuidora de um caráter recreativo, prática que se ocupa de uma ação lúdica por intermédio da aplicação de jogos e de brincadeiras temáticas no coletivo e individual com as crianças. A forma de organização destes jogos e destas brincadeiras segue um modelo desenvolvimentista, fator que considera a maturação das capacidades internas como o habilitador para a prática de deter minadas A Prática de Ensino II Educação Infantil (4 a 6 anos) e a Prática de Ensino I Educação Infantil (0 a 3 anos) são desenvolvidas nos semestres 2 e 3 respectivamente no Curso de Educação Física da UNIVATES. "% ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) brincadeiras. Nesta perspectiva os jogos são categorizados por faixas etárias, determinados jogos somente podem ser compreendidos e praticados com a idade que os habilitam. Outro caráter que a Educação Física responde historicamente na Educação Infantil é a idéia de que as correções de problemas motrizes poderiam ser sanadas através da prescrição de exercícios baseados em avaliações com testes que tinham como modelo movimentos estereotipados que variavam de acordo com a idade, atribuição da psicomotricidade funcional 2 que enxerga o desenvolvimento de forma maturacional e racionalista.3 O desenvolvimento de continuados estudos sobre a temática da aprendizagem e do desenvolvimento infantil 4 permitem compreender que a base deste processo é muito mais cultural e psicoafetiva do que relacionadas ao ato do movimento correto, determinado por padrões de movimentos instituídos em testes psicomotores. Para além da recreação ou da prescrição de exercícios na forma de famílias de exercícios, a Educação Física na Educação Infantil pode contribuir com a compreensão da totalidade da criança por intermédio de sua atividade principal que é o brincar. Segundo Santin [1], filósofo que estuda as questões da Educação Física destaca que o professor de Educação Física e das práticas desportivas, mais do que saber técnicas e estratégias, precisará saber brincar. A psicomotricidade relacional utiliza-se do brincar como instrumento pedagógico sustentado pelos seus princípios pedagógicos que, segundo Lapierre [2], repercutem no equilíbrio da personalidade infantil, bem como na vida social da criança. Além dos conhecimentos psicanalíticos que fundamentaram as práticas psicomotoras de André Lapierre, outros autores comentam da importância de uma aprendizagem significativa na infância. Wallon [3] destaca o processo da aprendizagem por intermédio das relações afetivas, de modo que há aprendizagem e mobilização de energia em função do outro. Maturana [4] ensina sobre a biologia do amor, explica sobre a necessidade biológica da afetividade e sobre a aceitação do outro como legítimo outro na relação, ou seja, tratase de aceitar a outra pessoa como ela é e não como gostaria que fosse. Montagu [5] delega relevância para o toque corporal, segundo ele, as experiências táteis satisfatórias, principalmente nos primeiros anos de vida, favorecem o desenvolvimento físico, psíquico e social. Negrine [6] estudioso sobre o tema do jogo e da psicomotricidade analisa que o brincar é uma forma lúdica de aprendizado. É por intermédio do brincar que a criança avança em seus processos mentais elementares (pensamento, memória, atenção e percepção) para os superiores. Finalmente, Vygotsky [7] ensina sobre o processo de convivência entre as diferenças no grupo de crianças. As relações com os diferentes é alavanca para o despertar de novas zonas de desenvolvimento proximal. Os ensinamentos dos autores citados constituíram os subsídios para a caminhada pedagógica no processo dos encontros em que fomos professoras com o grupo das crianças. São referenciais que possibilitaram refletir e indicar rumos e possibilidades na prática com as crianças. Reconhecemos que o contínuo estudo dos referenciais desta prática de ensino oportunizou a revisão processual das estratégias pedagógicas na relação com o grupo, sempre com a finalidade de estar em coerência com os objetivos da prática de ensino de Educação Física. Outro envolvimento acadêmico com os referenciais estudados foi no processo de construção do conhecimento para a confecção de uma proposta pedagógica e que foi chave para o desenvolvimento das aulas. A partir destes referenciais, estudados em conjunto com as observações realizadas do grupo das crianças, empreendemos a construção de uma proposta pedagógica para o desenvolvimento da prática pedagógica da Educação Física com as crianças. A temática que norteou a ação pedagógica e também o tema principal desta prática de ensino é o processo de convivência das crianças deste grupo. Para essa finalidade organizamos a metodologia de um estudo de caso, aspecto que será abordado na composição dos instrumentos e dos procedimentos levados a cabo na prática pedagógica desta prática de ensino. 2 Vertente da Educação Psicomotora que se desdobra em Psicomotricidade Relacional e Psicomotricidade Funcional. 3 A base racionalista se justifica na forma de conceber os problemas de aprendizagem conteúdistas da escola (cálculo, escrita e leitura) relacionados com as habilidades e coordenações motoras. Nesta perspectiva as famílias de exercícios são aplicadas para auxiliar e mesmo corrigir determinadas dificuldades de aprendizagem. 4 As obras de Winnicott e Mahler na perspectiva psicanalítica, bem como de Vygotsky e Wallon com bases cognitivistas são exemplos clássicos. "& ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) Organizando a prática com as crianças Uma das perguntas iniciais que os acadêmicos do Curso de Educação Física fazem sobre o desenvolvimento das práticas de ensino na Educação Infantil é de como se podem ministrar aulas para crianças pequenas. A pergunta tem fundamento, uma vez que a Educação Física no nível de ensino da Educação Infantil é inédita para a maioria dos futuros professores de Educação Física. Pensando nesta fragilidade inicial do acadêmico, o Curso de Educação Física organizou em sua composição curricular, disciplinas que contribuem com a formação deste acadêmico para a competência relacional com as crianças. O corpo de conhecimentos das disciplinas iniciais do Curso favorece os aspectos básicos do desenvolvimento humano, das noções de aprendizagem, do conhecimento sobre a construção do vocabulário psicomotor da criança, de formação corporal do professor 5, fundamentos da psicomotricidade e práticas vivenciadas com grupos de crianças em conjunto com o professor da disciplina de Psicomotricidade. Nesse caso, os acadêmicos participam como auxiliares do professor da disciplina de Psicomotricidade, aprendendo a prática como participantes observadores na ação de dar aulas para as crianças. O conhecimento sobre os fundamentos da Psicomotricidade Relacional permitiu o desenvolvimento da prática pedagógica vivenciado com as crianças. Compreendendo que a Psicomotricidade Relacional se sustenta na ação do brincar como meio de manifestação e de aprendizagem e de desenvolvimento infantil, utilizamos experimentos e estratégias de intervenções e interações diversas com as crianças. Avaliamos que a ação pedagógica desempenhada na relação com as crianças é que permitiu enriquecer o conhecimento sobre a formação para ser professor. O ato de planejar as aulas, experimentar estratégias pedagógicas, avaliar os procedimentos e suas respectivas repercussões com as crianças, novamente planejar, experimentar e avaliar foi o que constituiu o verdadeiro processo de ação-reflexão-ação no processo das aulas 6. Antes de continuar a dar destaque para o processo vivencial com as crianças é necessário abordar as premissas pedagógicas da Psicomotri- cidade Relacional. De acordo com Negrine [6], há três finalidades principais, que são: 1- a experimentação corporal múltipla e variada; 2- o estímulo à vivência simbólica; 3- a comunicação como elemento de intervenção pedagógica de socialização e de exteriorização da criança. Em relação à finalidade da experimentação corporal múltipla e variada, Negrine [6] explica que numa sessão de educação psicomotriz, o facilitador (psicomotricista) deve atuar como facilitador e estimular que a criança experimente uma gama variada de movimentos, seja com o próprio corpo ou manipulando objetos das mais variadas formas, ou ainda utilizando disfarces. Entendemos que a experiência corporal múltipla e variada contribui para novas aprendizagens, pois possibilita modificar a forma de uso dos objetos através da criatividade, sem a obrigatoriedade de execução de movimentos pré-estabelecidos. A área da Educação Física constitui-se de um meio facilitador para estas vivências, visto que tem no corpo, seu mais completo instrumento de aprendizagem. O que se deseja explicar é que o movimento que a criança desempenha não está somente a serviço da sua atividade mecânica. A totalidade do movimento está justamente na compreensão de que o mesmo se dá em função das motivações para essa finalidade. Vygotsky [8] explica que o movimento está muito mais a serviço da memória do que da criatividade. Pensar nessa direção é reconhecer que a criança é motivada pelas imagens que já são conhecidas. Nesse prisma, a criança brinca para conhecer e conceituar suas experiências e relações, abordagem que permite entender a relação do brincar com os processos gnósicos da criança. É nesse sentido que Negrine [6] destaca que a capacidade que a criança tem de imitar o que está ao seu redor através da ação do brincar, permite compreender que os processos mentais elementares seguem um bom curso e irão se transformar progressivamente em processos mentais superiores. A capacidade de designar significado para as coisas e imitar o que vê é sinal de boa saúde como ensina Vygotsky [8]. É importante saber interpretar para identificar possíveis dificuldades e potencialidades e, assim, intervir de forma adequada. 5 As disciplinas de Desenvolvimento Humano, Psicomotricidade e Formação Pessoal formam uma tríade que se enriquece e fortalece mutuamente, possibilitando ao acadêmico o desenvolvimento da sua formação teórica, formação pedagógica e formação corporal do futuro professor de Educação Física na ação docente com a criança. 6 O processo vivencial com as crianças e o desenvolvimento das estratégias pedagógicas é detalhado no tópico Evidências de um processo vivencial com as crianças neste artigo. "' ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) A terceira finalidade básica da psicomotricidade relacional trata da comunicação como elemento de intervenção pedagógica. Negrine [6] explica que o psicomotricista não apenas utiliza as diferentes linguagens para fazer a criança evoluir, mas também se serve de diferentes estratégias de intervenção pedagógica para fazer a criança comunicar com as produções. A comunicação das produções é a valorização do ato de brincar pelo adulto. O adulto que valoriza o brincar da criança busca ajustamentos com os processos de conhecimento da criança, uma vez que o brincar está a serviço dos processos psicointelectuais desta. A comunicação é utilizada para socialização e a exteriorização da criança, além de ser um elemento de intervenção pedagógica. A comunicação tônica de qualidade pode ser favorecida tanto pela massagem nos ritos de saída, como também pelo contato que pode ser estabelecido no desenvolvimento das aulas. Sobre o exercício do estudo de caso: uma iniciação científica na prática de ensino de Educação Física No desenvolvimento da prática de ensino, após a escolha da escola e do grupo de crianças, há um momento inicial que trata das observações que são realizadas neste contexto. As observações contribuem para uma tomada de conhecimento das acadêmicas sobre o grupo das crianças, bem como a da ação pedagógica que a professora desempenha. São diferentes pautas selecionadas para a finalidade de conhecer o grupo para, posteriormente, iniciar as aulas. O momento das observações também permite destacar uma criança do grupo que merecerá uma atenção maior na prática. Trata-se do estudo de caso, ou seja, a criança que foi protagonista no processo das aulas que realizamos nesta prática de ensino. Gómez, Flores e Jiménez [9] comentam que o estudo de caso implica num processo de indagações que se caracteriza por um exame detalhado, compreensivo, sistemático e profundo do objetivo a ser alcançado, pois o estudo de caso se centra em um fenômeno concreto. Seguindo as orientações dos autores, procedemos às observações do grupo das crianças e constatamos que um menino salientava-se pela sua conduta em relação aos pares e também com a professora. Constatamos que o menino tinha maior facilidade de se relacionar com as meninas, principalmente durante a leitura do conto. Senta-se no círculo com o grupo, mas não vai em direção dos meninos. A disposição de meninos e meninas no círculo era evidente: os meninos se colocavam em um lado e as meninas sentavam no lado oposto dos meninos. Outra evidência foi de que as relações mantidas com meninos eram circunstancialmente verbais e aconteciam na sala em atividades dirigidas, como de pintar ou de leituras. Outra evidência foi a dificuldade de aceitação do grupo em relação a ele, principalmente em atividades livres. O grupo mantinha pouca relação, não o convidavam e tampouco dirigiam a atenção para o menino. A iniciativa de corresponder-se com os colegas era sem sucesso. Quando a professora solicitava uma composição em colunas de mãos dadas, era comum observar as crianças desviarem dele. Nesses casos, ele dava a mão para a professora. Observamos ainda que o menino demonstrava afetividade e cooperação com os colegas e professora. Seguidas aulas, ao término das mesmas, o menino nos procurava para dar beijos e abraços. Em situações de brincadeiras dirigidas pela professora, o menino fazia questão de ceder seu lugar e se engajava em auxiliar os colegas para realizá-la com sucesso. Em relação ao seu brincar, as observações realizadas puderam evidenciar que permanecia só e interagindo com o mesmo objeto. O menino pegava um cavalinho de madeira e o manipulava aparentemente sem maiores propostas e guardando-o em seguida. A partir destas evidências destacadas no período de observações, empreendemos uma busca documental e de organização de entrevistas para compor um pouco da história prévia da criança protagonista do estudo. Nessas análises e entrevistas compreendemos que se tratava de um menino com pouco relacionamento familiar, talvez devido a sua rotina diária. As entrevistas contam que pela manhã, o menino permanecia na instituição infantil onde almoçava e a tarde era levado diretamente para a escola em conjunto com sua irmã. Seu pai, agricultor, foi pouco presente em sua criação, e não ajudava financeiramente a família. A mãe era empregada doméstica e trabalhava em turno integral. Em entrevista realizada com a professora compreendemos que ela ressalta o menino com um comportamento independente, pois com freqüência ele a procurava para reclamar dos demais colegas. De posse do conteúdo da história prévia da criança protagonista do estudo mais as observações realizadas da prática pedagógica do grupo das crianças, passamos a descrever os procedimentos organizados com a finalidade de contribuir pedagogicamente nos avanços relacionais neste grupo # ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) por intermédio da metodologia da psicomotricidade relacional. O exercício de inclusão do menino na prática da Educação Física Exercitar o processo de inclusão do menino escolhido como o estudo de caso foi o ponto principal desta vivência pedagógica de Educação Física. Neste momento do artigo, apresentamos algumas experiências e repercussões pedagógicas desenvolvidas e organizadas para a finalidade de inclusão no grupo e da ampliação dos processos coletivos no grupo das crianças. Para essa finalidade partimos da metodologia do estudo de caso, bem como das observações e das entrevistas prévias que foram realizadas na escola, no grupo das crianças e com a professora. Centramos os esforços nos seguintes objetivos em relação à criança protagonista do estudo: a) favorecer experiências relacionais satisfatórias com os colegas do grupo; b) potencializar situações concretas de afetividade no grupo das crianças; c) ampliar a forma de brincar na aula de educação física, enriquecendo a sua trajetória lúdica. A psicomotricidade relacional, como prática pedagógica, foi abordada em acordo com as diferentes rotinas organizadas na prática da Educação Física com as crianças. As ações pedagógicas que empreendemos de forma coletiva foi de oportunizar a disposição de materiais diversificados e alternativos, sem formas pré-definidas. Para algumas crianças favorecendo práticas mais dinâmicas, como pular, rolar, arrastar sobre colchões, equilibrar sobre cadeiras e pendurar e balançar com as cordas. Outras crianças foram iniciadas em atividades de construção como o uso de caixas de papelão, os cones, as telas de tecido. Estes materiais foram bons recursos na criação e experimentação da montagem de casas, de barcos, de carros, de motocicletas, de acordo com as necessidades intrínsecas nas crianças, aprendendo a fazer uso plástico dos objetos e do próprio corpo. O desenvolvimento das atividades simbólicas se deu por meio da caixa de fantasias, elemento procurado por todas as crianças da turma. Os incentivos e participação das professoras nestas atividades também contribuíram para criação e vivências de novos personagens. Exemplos de atividades simbólicas foram: imitação de animais, de personagens do mundo infantil como as bruxas, as bailarinas, as rainhas, os super heróis, uso do tapete mágico, os membros da família entre outros. Para a finalidade de potenciar a vivência simbólica das crianças, organizamos os ritos de entrada com diferentes estratégias pedagógicas como: contar estórias, usar os fantoches para ilustração de personagens, expressar corporalmente as estórias, incentivar o pensar em algo diferente para brincar, apresentar novas fantasias e recursos plásticos para o uso simbólico das crianças. A comunicação do grupo das crianças foi potenciada nos ritos de entrada. Estimulamos a socialização através da exteriorização ao grupo das propostas de brincar de cada criança. Como facilitadores para a comunicação das crianças neste momento lançamos uso dos desenhos, da modelagem em argila e das estórias infantis. A proposta de solicitar a comunicação das crianças no rito de entrada permitiu perceber que o grupo das crianças vinha para as aulas com uma postura ativa, ou seja, vinha com proposições claras sobre o que iriam brincar na aula. Tal comportamento é bastante distinto do comportamento que pulula na tradicional prática pedagógica, em que as crianças vêm para as aulas com um comportamento passivo, esperando para saber o que vai ser proposto na aula. Ainda no rito de entrada organizamos os princípios de convivência no grupo. Neste sentido, fizemos prevalecer a compreensão de receptividade aos colegas e da convivência entre eles. Oportunizamos uma linguagem de escuta e de valorização da comunicação das crianças. Inicialmente escutar o outro é a premissa para poder falar, porém as crianças vão significando esse momento como um novo conhecimento de seus pares, em específico para aquelas crianças que poucas vezes manifestam-se nas aulas. Nesta perspectiva, o rito de entrada oportuniza a comunicação e o exercício desta para todas as crianças. No momento de brincar, estivemos atentos ao processo de comunicação que se manifesta pela via corporal e oral, através de intervenções e estímulos a brincadeiras por intermédio do toque corporal. No rito final, o uso da massagem foi o meio de exercitar e de estabelecer vínculos entre as crianças e os professores, das crianças entre as crianças, bem como de estar atentos às manifestações de possíveis comportamentos de tensão muscular nas crianças. Entre os procedimentos adotados, também é importante lembrar da criação de vínculo afetivo entre a turma, através de massagens em trios escolhidos pelos professores e no ato de pegar na mão de um colega para mostrar onde e como brincar. Estes procedimentos envolvem o toque corporal, cuja importância é ensinada por Montagu [5]. Favorecemos ainda as atividades coletivas por meio de regras pré-estabelecidas e pelo constante incentivo no desenvolvimento das sessões. # ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) Para ampliar a trajetória lúdica de modo que esta se tornasse mais rica, em algumas ocasiões foi necessário retirar algum objeto da aula, ou sua modificação através das regras estabelecidas no rito de entrada. As estratégias foram organizadas de acordo com as repercussões causadas na aula anterior, com os novos acontecimentos que surgiam e com os objetivos em uma atitude de ação-reflexão-ação das acadêmicas. Evidências da ação pedagógica: repercussões na ação da criança protagonista do estudo O exercício empreendido na prática de ensino da Educação Física com as crianças da Educação Infantil permite destacar dois aspectos que são interrelacionados: o primeiro aspecto trata do desempenho pedagógico levado a cabo na prática de ensino, ou seja, o exercício pedagógico de ser professor de Educação Física na Educação Infantil e, o segundo aspecto aborda o desenvolvimento da criança protagonista do estudo em acordo com os estímulos e a orientação pedagógica que organizamos com a finalidade de ajudar no seu processo de aprendizagem no grupo das crianças. O desenvolvimento da ação de ser professoras de Educação Física possibilitou aspectos importantes de uma qualificação pedagógica. Entendemos que o processo reflexivo de observar, planejar, acompanhar, interagir e intervir foi um dos exercícios aprendidos na ação de ser professoras. Não basta aplicar atividades, não se trata da busca de repertório de brincadeiras, menos ainda do desenvolvimento de características físicas ou do condicionamento e da aptidão física da criança. O que ficou evidenciado no processo de ser professoras de Educação Física foi a necessidade da organização pedagógica das rotinas das aulas. Trata-se de evidenciar momentos claros para o real exercício dos pressupostos organizados na proposta pedagógica da prática de ensino, ou seja, coerência no processo pedagógico. Como exemplo disto explicamos que o exercício da afetividade no grupo era realizado de forma rotineira e sistemática, privilegiando o real acompanhamento, percepção de avanços, organização de estratégias para melhorar as dificuldades e avaliação destes comportamentos relacionais no grupo das crianças. Outra percepção sobre a prática pedagógica das acadêmicas refere-se aos objetivos, que meios utilizar e como desempenhar uma prática que realmente repercuta e favoreça na aprendizagem das crianças. Não basta querer alcançar um objetivo geral com uma única estratégia, ele só será alcançado depois de se pensar uma série de pequenos objetivos, porém estes objetivos precisam estar atrelados a procedimentos e estratégias que dêem conta deles. Porém, nem sempre tudo acontece como o planejado; aprendeu-se a lidar com o desânimo de ter planejado algo que não deu certo, mas a satisfação de ultrapassar estas pequenas dificuldades também foi importante para a continuidade dos estudos e dos convencimentos para acreditar que as coisas são possíveis. O cumprimento das aulas da prática de ensino requisitou voltar à atenção para uma cuidadosa releitura dos diários de campo, instrumento utilizado no final de cada aula para descrição do que havia se passado na aula. Este instrumento proporcionou uma ampla visualização dos resultados alcançados na prática pedagógica com o menino protagonista do estudo, conforme destacamos sobre as relações com as crianças do grupo, o desempenho na trajetória lúdica das aulas. O menino passou a manter boas relações com o grupo, inclusive com os meninos, visto que com o estímulo destas relações ele passou a ser lembrado nos momentos dos ritos e passou a participar mais ativamente das brincadeiras livres. Tal processo se deu mediante os estudos e as estratégias para estabelecer vínculos afetivos entre as crianças. Para Falkenbach [10], as situações de afetividades por si somente possibilitam aos indivíduos a vontade de estabelecer trocas. Para Wallon [3], o indivíduo se constrói pelas suas influências de vínculo e de aproximação. Quanto a trajetória lúdica, o menino variou entre as atividades simbólicas e sensório-motoras, dando preferência as primeiras, quando imitava animais, super-heróis e participava de brincadeiras de construção. Os atos lúdicos do menino também contribuíram para sua inserção no grupo. Winnicott [11] refere-se ao brincar dizendo que é sinônimo de saúde e conduz ao relacionamento em grupo. Para Negrine [6], as atividades simbólicas são meio para a transformação de processos mentais elementares em superiores, conforme já visto. Em relação aos objetivos perseguidos na prática de ensino, podemos compreender os seguintes avanços relacionais da criança protagonista do estudo no grupo: a) passou a ser lembrado pelos colegas nos projetos que realizavam para brincar; b) integrou e envolveu-se em atividades concretas com os meninos e com as meninas; c) permitiu a ampliação de brincadeiras simbólicas, jogos de faz de conta; d) experimentou situações de afetividade com os colegas e professores na rotina das massagens no final das aulas; e) iniciou-se em um maior número de atividades diversificada da sua forma de brincar. # ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) Considerações finais Referências As evidências relacionais da criança protagonista do estudo se desenvolveram no processo pedagógico, cada nova situação-realidade conduzia as acadêmicas à reflexão e à criação de novas estratégias pedagógicas. Tal ação se tornou um meio importante pela qualidade das experiências vividas pelas professoras investigadoras. Como acadêmicas de um curso de licenciatura, a prática de ensino permitiu construir algumas convicções como a necessidade de educar de forma lúdica através do corpo, educar para as relações autênticas e de busca de ajustamentos entre as crianças. Conhecimento que permite conduzir as futuras professoras para um comportamento de auto-educação, disciplina e constante busca de novas alternativas de ensino que certamente se farão presentes como professoras de Educação Física. 1. SANTIN, S. Educação Física: uma abordagem filosófica da corporeidade. Ijuí:Unijuí, 2003. 2. LAPIERRE, A. A simbologia do movimento: psicomotricidade e educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988. 3. WALLON, H. As origens do caráter na criança. São Paulo: Nova Alexandria, 1995. 4. MATURANA, H. Emoção e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte: UFMG, 2002. 5. MONTAGU, A. Tocar: o significado humano da pele. São Paulo: Summus, 1996. 6. NEGRINE, A. O corpo na educação infantil. Caxias do Sul: Educs, 2002. 7. VYGOTSKY, L. S. Obras escogidas: fundamentos de defectología. Madrid: Visor, 1997. 8. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989. 9. GOMES, G. R.; FLORES, J. G.; JIMÉNEZ, J.G. Metodología de la investigación cualititativa.Archidona: Aljibe, 1986 10. FALKENBACH, A. P. A educação física na escola: uma experiência como professor. Lajeado: UNIVATES, 2002. 11. WINNICOTT, D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975. ♦ #! ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) ATUALIZAÇÃO O imaginário social e a incerteza na prática do judô Social imaginary and uncertainty in judo practices Marco Aurélio da Gama e Silva, M.Sc.*, Carlos Augusto de Alcantara Gomes, D.Sc.** *Professor Auxiliar IV da UFRJ,** Professor Adjunto IV da UFRJ Resumo O objetivo do presente trabalho é dissertar acerca do imaginário social e a incerteza dos praticantes de judô, do qual fazem parte os pais/responsáveis pelos atletas e seus professores, considerando os sentidos produzidos no ambiente entre o judô para, a partir daí, buscar identificar como nele surgem crenças, fantasias, necessidades e desejos, e como as formações ideológicas, influenciam seus indivíduos através dos seus comportamento e atitudes. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Palavras-chave: imaginário social, pratica de judô. Abstract The aim of this work is to dissert about the social imaginary and the judo apprentices uncertainty, of which participate parents/responsible for the athletes and their teachers, considering the signs produced in the environment in order to identify how beliefs, fantasies, needs and desires appear, and how ideological formations influence upon their individuals through their behavior and attitudes. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Key-Words: social imaginary, judo practices. Artigo recebido em 19 de outubro de 2004; aceito em 20 de outubro de 2004. Endereço para correspondência: Carlos Augusto de Alcântara Gomes, Av. Maracanã 1302 4º Andar 20550-001 Tijuca, Rio de Janeiro RJ, tel: (21) 2258-7399, E-mail: [email protected] #" ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) Introdução O imaginário social como representação da construção coletiva da sociedade tem sua dinâmica própria, por onde circulam sentidos produzidos das mais variadas formas, onde se faz presente o principio da incerteza de Werner Heisenberg e pode nos levar algumas vezes ao caos determinístico. A rede de sentidos referenciada no imaginário social acaba por orientar aspectos da conduta coletiva quando faz emergir valores normais e raciocínios como códigos coletivos. Estes são então internalizados sob a forma de necessidades, interesses e expectativas dos indivíduos presentes em cada cena social, em cada microcosmo, o que não nos distancia do principio da incerteza. O imaginário social dos praticantes de judô não é reflexo dessa realidade, mas sim seu fragmento; e este não pode ser identificado por procedimentos imediatos, tendo em vista a forma pela qual é instituído. Para investigá-lo, é necessário mergulhar nas formas de linguagem presentes em seu interior, e admiti-lo como sendo fonte assinalada/instituída dos sentidos da vida, porém como diz Jacob Pallis vivemos num mundo de incertezas. A tipologia no judô A tipologia do comportamento do judoca se apresenta como objeto de estudo, principalmente quando enfocamos a complexa rede de relacionamentos estabelecidos entre esses sujeitos. A dinâmica das trocas de informações e valores entre eles, com as previsíveis situações de harmonia ou conflito no momento em que se celebra o judô praticado nesse ambiente como um fato social. O judô desperta especial interesse, tendo em vista, as características do esporte como componente básico de análise, além da sua capacidade de alcance no que diz respeito ao apelo para recrutamento de novos adeptos como também na manutenção dos praticantes já existentes, esta manutenção é o próprio princípio da incerteza, pelo fato de não conseguirmos a satisfação de todos, quanto a sua própria realização quando atleta, visando seu desempenho quer em Shiais dentro ou fora da academia bem como uma permanência muito longa num mesmo Obi além de visar sua integridade física. Outra perspectiva importante a ser considerada, trata dos seus componentes educacionais e formativos presentes no discurso da maior parte dos seus praticantes, principalmente dos professores e pais, e da possibilidade mesmo remota de conquistar, em algum grau a tão decantada mobilidade social. Articulação do imaginário com o caos determinístico O pensamento herdado pode ser entendido como o legado das significações anteriores dos valores e sentidos das redes e sistemas, através dos quais foi possível a acomodação do caos que se deu, até então. O caos determinístico de onde, pouco a pouco emerge a razão. A perspectiva estrutural deste conceito remete, a um por vir constante e ressalta a história da humanidade como sendo a história do ser humano individual com seus próprios ideais e motivações, também pode ser entendida como uma emergência progressiva da racionalidade e dessa forma, uma criação imaginária, uma criação social-histórica. O imaginário radical no plano individual é denominado de imaginação radical, capacidade de pôr, criar, fazer-se para psique-soma, figuras como a participação do sentido como sempre figurado representado. Da mesma forma, como o imaginário social, a imaginação radical não existe no vácuo, mas se apóia, na forma de ser do sujeito como ser vivo e se encontra sempre numa relação de recepção/alteração com o que já havia sido representado por e para a psique. O imaginário social das crianças e dos jovens praticantes de Judô é uma representação da construção coletiva da sociedade e tem sua própria dinâmica, por onde circulam sentidos produzidos das mais variadas formas. A rede de sentidos referenciada no imaginário social acaba por orientar aspectos de conduta coletiva quando faz emergir valores, normas e raciocínios como códigos coletivos estes são então internalizados sob a forma de necessidades, interesses e expectativas individuais presentes em cada cena social, em cada microcosmo. O imaginário social das crianças e dos jovens praticantes de Judô não é reflexo dessa realidade, mais sim de seu fragmento, e este não pode ser identificado por procedimentos imediatos, tendo em vista a forma pelo qual é instituída. Para investigá-lo, foi necessário mergulhar nas formas de linguagem presentes em seu interior e admitilo como sendo fonte instituinte ou instituída dos sentidos da vida. O imaginário social dos praticantes de Judô, do qual fazem parte os pais e/ou responsáveis e seus professores, considerando os sentidos produzidos no âmbito do Judô para, a partir daí, ## ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) buscar identificar como nele surgem crenças, fantasias, necessidades e desejos e como as formações ideológicas, influenciam seus indivíduos através dos seus comportamentos e atitudes. O imaginário social do Judô muitas vezes confunde a sua prática como uma luta, que de seu fruto saem lutadores de rua como muitas vezes pensam os pais, o que é um grande equívoco para os que nele ingressam, pois o Judô apesar de ter vindo de uma arte marcial, no lato sensu, na realidade ele é um esporte e não uma fábrica de lutadores de rua, outrora era até mesmo dito que ele servia para defesa pessoal, o que não obstante é uma verdade pois os Katas mais avançados ensinam a defesas de armas. Mas o Judô num stricto sensu é visto como uma filosofia, que quando bem ministrado consegue até mesmo levar a seus praticantes a paz interior, ou seja, a prática do auto domínio reprimindo a violência inerente do ser humano e é esporte pedagógico sob todos os aspectos filosóficos, e é o que acreditamos que é a mensagem que Jigoro Kano quis transmitir por ocasião da criação do Judô. O determinismo apresenta-se hoje como sendo um modelo dinâmico tendo como base regras bem definidas e resultados pré-determinados apoiando-se em experiências anteriores. O determinismo sendo associado em intervalos de médio e longo prazo ao caos determinístico, por apresentar grande sensibilidade a pequenas variações, nas condições iniciais, leva-o a quebra do determinismo absoluto, relativando-o. As leis Newtonianas, que tem como base a força aplicada sobre os corpos que agem localmente que é o caso do judô , e as criações matemáticas dos séculos XVIII e XIX são discutidas nos trabalhos de Bernoulli, Euler e Lagrange. No século passado com o advento da mecânica quântica, as leis de Isaac Newton não se aplicam, pois a teoria probabilística, introduzida por Erwin Schödinger a substitui. Cabe ainda ressaltar que todos os cálculos dos físicos e engenheiros aeroespaciais, apesar de terem um ínfimo grau de flexibilidade, bem como com todo controle telemétrico não souberam evitar o desastre do ônibus espacial Challenger. Só após a realização de estudos foi detectado que o problema no combustível, dos foguetes propulsores, foi causado por condições climáticas. Hoje em dia, ainda, mantendo todos os cálculos, precisos, aeroespaciais, são lançados foguetes de pequeno porte, com o intuito de determinar as condições atmosféricas, e caças para voarem antes e até a hora do lançamento, avaliando as condições atmosféricas. Ainda assim os lançamentos dos novos ônibus espaciais têm que contar com a aprovação do meteorologista aeroespacial. Astrofísicos de outrora conseguiam prever quando haveria um eclipse, pois os planetas e todos os objetos macroscópicos funcionam de acordo com a física Newtoniana. Mas com advento da física microscópica, por exemplo, não sabemos como é a órbita de um elétron, ou seja, estamos diante de uma incerteza. Dentre os maiores adeptos do determinismo, que tivemos no século passado, citamos Albert Einstein. Em seus estudos, afirmava que tudo na natureza é relativo, e respondendo a indagação de Ian Stuart, se Deus joga dados? afirmou que não, ou seja, as leis divinas da natureza são determinísticas. O pensamento científico e filosófico da atualidade afasta-se das certezas determinísticas e mergulham em fundamentos caóticos. O matemático brasileiro Jacob Pallis salientou que na década de 60 do século passado, pensava-se que 90% dos fenômenos podiam ser descritos por equações diferenciais e só 10% não seriam representadas por elas. Hoje em dia é aceito que cerca de 10% tem expressões matemáticas e os demais 90% se enquadram ou no caos determinístico ou no caos total. A incerteza Idéias sobre o tempo surgiram quando Kurt Gödel, no início da década de 1950 apresentou no Congresso Internacional de Matemática em Massachutts, sua teoria para caracterizar a estrutura métrica do Universo, com base na geometria por ele escrita em 1949. Embora essa geometria tivesse legitimada sua contribuição por ter sido obtida como um caso particular das equações de Albert Einstein, da gravitação, possuía uma propriedade que a singularizou dentre as demais soluções, não só aquelas conhecidas na época, mas mesmo posteriormente e até os dias de hoje. A teoria de Gödel possui características novas. Coloca as questões de fundamento tão difíceis de serem resolvidas no interior da relatividade geral, desde então, ela tem alcançado um status extremamente alto dentre todas as possíveis geometrias. O princípio da incerteza de Werner Heisenberg diz, não existe meio de medir com precisão as propriedades mais elementares do comportamento subatômico, ou melhor, quanto #$ ação & movimento - setembro/outubro 2004;1(4) mais precisamente for medida uma propriedade digamos a velocidade de um elétron menos precisamente você pode conhecer outra nesse caso sua posição. Mais certeza de uma, mais incerteza de outra. Vivemos hoje, como diz Gailbraith, tempos de incerteza em todas as áreas do conhecimento e da vida. No Judô o principio da incerteza é bastante visível, pelo fato de que intenta entre dois atletas em dois eventos distintos e da mesma categoria, digamos olimpíada e campeonato mundial, um sai vitorioso numa e o outro na outra, em academias isto também é notado um dos atletas sempre perde de outro nos Handoris e quando chega em campeonatos ele ganha. Um outro fato interessante que pode ocorrer é quando treinamos três atletas pertencentes a mesma categoria, mesmo Obi, e o primeiro ganha do segundo, que por sua vez ganha do terceiro, que por sua vez ganha do primeiro. Análise do ambiente de incerteza do judô Estudos qualitativos buscam no ambiente natural os dados necessários tendo no pesquisador o seu mais fundamental instrumento. Dessa forma é através do contato prolongado e direto, entre o pesquisador e o local da pesquisa que se operam atividades dessa natureza. Existe, predominantemente, a coleta e manipulação de dados, descritivos. Pode haver nessa hora a utilização inclusive de fotografias, vídeos e observações in locu.. A investigação quanto ao processo constitui maior relevância que aquela referente ao produto. Nessa perspectiva o pesquisador deve patentear seu interesse relativo às formas através das quais serão manifestados os comportamentos, nos procedimentos interativos do dia-a-dia. Ainda nesta perspectiva, constitui para o pesquisador, objeto de grande interesse, o significado atribuído pelas pessoas para si mesmas e para as coisas. A visão do sujeito, ou seja, a maneira pela qual os informantes externam comportamentos em determinadas situações. Especial cuidado é recomendado ao pesquisador quando da revelação dos pontos de vista dos participantes. Segundo Goldenberg: um dos principais problemas a ser enfrentado na pesquisa