REVISTA DE CRÍTICA LITERARIA
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REVISTA DE CRÍTICA LITERARIA
REVISTA DE CRÍTICA LITERARIA LATINOAMERICANA cinismo de los procesos de dominación social. De este modo la densidad del aspecto simbólico y su peso decisivo en estos procesos de opresión siguen siendo un elemento opaco y muchas veces paradójico. Allí es donde encuentran los más genuinos estudios culturales su campo de trabajo específico. Alejandro Solomianski California State University Los Angeles Cristina Ferreira Pinto. Gender, Discourse and Desire in Twentieth-Century Brazilian Women’s Literature. West Lafayette, Ind. : Purdue University Press, c2004; 208 pp. Nessas duas últimas décadas as investigações em torno da literatura brasileira de autoria feminina têm se multiplicado de forma significativa, alimentadas tanto pelo desejo de resgatar escritoras do passado que ficaram esquecidas às margens do cânone quanto de investigar e validar a produção de escritoras contemporâneas. Desvendar as singularidades dessa produção dando visibilidade às codificações de valor que operam na política da representação textual de modo a identificar as formas do diálogo que os textos estabelecem com seu tempo e lugar e, sobretudo, compreender até que ponto a literatura escrita por mulheres intervém nas ficções dominantes de identidade cristalizadas ao longo da história literária e da história de uma cultura tão patriarcal e conservadora quanto é a brasileira, têm sido um desafio. Pesquisadoras daqui e de lá, ao norte e ao sul do equador, têm se engajado nessa aventura e se surpreendido com descobertas que levam ao questionamento e deslocamento de sentidos naturalizados por saberes instituídos. Contudo –é importante que se faça essa ressalva– no quadro em que predominam estudos com ênfase em determinadas escritoras, ou na produção fe- 329 minina de determinados períodos, pode-se dizer que ainda são poucos os estudos de fôlego que, sustentados pelo viés crítico feminista, oferecem a amplitude histórica necessária para mapear continuidades e recorrências e, assim, asseverar a existência de determinados percursos, ou mesmo tradições, da literatura de autoria de mulheres. Esse é, sem dúvida, um dentre os méritos do livro de Cristina Ferreira-Pinto, que há muito vem se dedicando ao estudo da literatura brasileira, em particular a de autoria de mulheres, como ilustra seu O bildungsroman feminino: quatro exemplos brasileiros, publicado em 1990. Dessa vez, seu estudo propõe a leitura de um corpus representativo da produção do século XX, a partir de critérios recortados por um eixo temático que lhe permite distinguir certas linhas de força dessa produção. Partindo da constatação de que essa literatura emerge na contra-mão de uma formação canônica centrada na produção literária e cultural masculina e que, nessa condição, desloca paradigmas da ‘narrativa fundadora’ no que concerne figurações do corpo, sexualidade e desejo femininos, Ferreira-Pinto examina as especificidades da representação de um erotismo feminino na poesia e na ficção de escritoras do século XX, começando com a poesia de Gilka Machado, do início do século, passando por Clarice Lispector, Lígia Fagundes Telles, Lya Luft e Helena Parente Cunha, até chegar à Hilda Hilst, Sonia Coutinho, Marilene Felinto, Edla Van Steen, Myriam Campello, Márcia Denser e Marina Colasanti. No adensamento de seu trabalho analítico, cuja ênfase recai na produção dos anos 80 e 90, a autora vai pontuando a utilização, de parte das escritoras, de certas estratégias discursivas, o que lhe permite evidenciar o quanto essa literatura, mesmo em sua heterogeneidade, constitui um discurso contra-ideológico em relação ao discurso dominante da ideologia patriarcal e masculinista, responsável 330 RESEÑAS, No. 62 pela sedimentação na cultura e na literatura, de mitos culturais da femininidade que ainda permeiam o imaginário nacional através de sua disseminação, tanto na cultura popular quanto nos meios de comunicação de massa. Cabe destacar o fato de que a autora não somente tece relações de comparação –analogias e contrastes– entre os textos das escritoras mencionadas, mas também faz referências a nomes menos conhecidos, cujas obras se integram ao elenco da literatura brasileira do século passado. Dividido em seis capítulos, Gender, Discourse and Desire deriva sua proposta de uma série de questões críticas norteadoras cujas premissas têm instigado grandes debates entre posições divergentes no feminismo teórico uma vez que articulam a problemática de onde e como reivindicar a especificidade. O que constitui o erotismo feminino nos textos das escritoras brasileiras, o que seria uma definição apropriada de erotismo e quais os problemas em torno da criação de um discurso erótico feminino são questões que inscrevem o campo da produtividade textual de subjetividades necessariamente no campo da cultura, do poder disciplinador de seus discursos e de seu regime de verdade. Isso implica acercar-se da própria herança cultural constelada nos discursos fundadores da identidade nacional no século XIX, movimento que Ferreira-Pinto realiza em seu primeiro capítulo embora o faça de forma um tanto quanto sucinta, particularmente na discussão do projeto romântico, cujo contexto histórico-político e seu impacto nas formas de organização da vida social do país fica basicamente reduzido à constituição de mitos culturais, considerados repositórios imagéticos do corpo feminino subordinado ao desejo masculino.Por outro lado, as análises elucidativas e convincentes de quatro romances canônicos de autores que balizam a literatura brasileira da segunda metade do século XIX –Manuel Antônio de Almeida, José de Alencar, Aluísio de Azevedo e Machado de Assis– comprovam o quanto as representações do feminino, em sua intersecção com questões de diferença racial e de classe social, desvelam uma política textual pautada num sistema rígido de gênero-raça e de hierarquia de classe e, portanto, imbricada com os padrões de violência e exclusão constitutivos do período de formação da cultura brasileira, padrões esses, via de regra, travestidos sob a forma dos mitos sedutores da brasilidade que vigoram no cenário nacional, como o da democracia racial, o da não violência e o da mulata sensual. Nos capítulos subseqüentes, Ferreira-Pinto percorre os caminhos da busca de um discurso erótico feminino, iniciando com a precursora da poesia erótica, Gilka Machado, cuja obra permaneceu na obscuridade por mais de cinqüenta anos e que apenas de duas décadas para cá, graças aos esforços de feministas na academia, tem recebido a devida atenção crítica, o que ainda não significa que seu nome figure entre os nomes considerados canônicos, fato que pode ser atribuído ao conservadorismo do establishment crítico brasileiro, ainda muito avesso à crítica literária feminista. Aliás, a canonização de Julia Lopes de Almeida, também referida pela autora, é discutível, pois sua enorme produção romanesca, objeto de inúmeros trabalhos na última década, se situa à margem do cânone, particularmente se considerarmos a presença da escritora em obras de crítica e historiografia literária do passado e do presente como índice de legitimação.Creio que se pode considerar o caso de Lopes de Almeida como em processo de canonização. Também no referido capítulo, destacam-se as discussões sobre o erotismo como espaço de transgressão do binarismo que regula a expressão do desejo feminino e que levam a autora a fazer distinções pertinentes entre erotismo e pornografia bem como a estabelecer nexos entre o discurso erótico, em suas diferentes nuances REVISTA DE CRÍTICA LITERARIA LATINOAMERICANA e modalizações, com temas da identidade e auto-afirmação femininas, tópica constante na produção a partir dos anos 70. As referências a obras individuais e coletivas que avançaram substancialmente no tratamento dado ao erotismo feminino funcionam, estrategicamente, como portais de acesso para análises pontuais, do ponto de vista da realização formal dos textos em foco, o que revela a dimensão das conquistas, inovações e também limitações textuais/autorais/sociais dentro de um contexto de pesado legado patriarcal, muito embora a autora faça referências à evolução de padrões comportamentais e de valores sociais desde a década de 60. A propósito, a reiterada designação do referido período pelos termos ‘Revolução Cultural’ (observe-se o uso das letras maiúsculas) é discutível uma vez que se trata de uma designação imprópria ao contexto brasileiro e totalmente deslocada de sentido político/ideológico convencionado por experiências históricas específicas. A par de insights críticos em relação às diferenças entre os romances de Lya Luft e de Lygia Fagundes Telles e os contos de Sonia Coutinho, as discussões sobre o gótico, o fantástico e o grotesco como veículos para a representação do desejo feminino, nos capítulos 3 e 4, ficam prejudicadas por duas razões Primeiramente, porque essas categorias, definidas superficialmente em poucos parágrafos, são trabalhadas quase que de forma a se tornarem superpostas e, nesse sentido, vão perdendo suas distinções conceituais ao longo das análises. Conseqüentemente, sua apropriação reverte num discurso crítico pouco claro como, por exemplo, há contradições entre a afirmação generalista de que o grotesco, como estratégia de auto-representação inscreve uma forma de autocensura e o grotesco visto como estratégia de uma representação positiva, de celebração da sexualidade, como quer a autora ao apontar a utilização da paródia em Sonia 331 Coutinho, a qual estaria a exigir uma leitura mais exploratória e amparada conceitualmente. Segundo, porque particularmente nesse capítulo, o discurso está marcado por expressões tais como ‘condição humana’, ‘ ser humano’, ‘crise do indivíduo’, que soam como resquícios da crítica passada e não condizem com a orientação do discurso feminista adotado. No desdobramento do tema do erotismo e identidade, o capítulo 5 constitui, no meu entender, o segmento mais original do livro na medida em que postula, com a devida sustentação, a existência de uma tradição de literatura lésbica na literatura brasileira de autoria de mulheres, com destaque para as discussões em torno da própria dificuldade de se conceituar a categoria ‘literatura lésbica’, para as ponderações em torno da literatura e o contexto de repressão da sociedade colonial brasileira e para análises textuais instigantes sobre uma questão absolutamente marginalizada e que ainda agrega muitos preconceitos, não somente no campo dos estudos literários, mas no campo da cultura, de maneira geral. A originalidade do capítulo não o isenta, todavia, do risco de um certo essencialismo, decorrente do lugar onde a autora inscreve sua posicionalidade para enunciar o desejo lésbico na literatura como espaço para a expressão autêntica (o termo é da autora, o grifo é meu) da sexualidade feminina, ou da afirmação libertadora da sexualidade feminina, enunciados que se prestam a pressupor, tanto a negação de um dos impulsos fundacionais do feminismo utópico que é o deslocamento do binarismo de gênero através das transformações de homens e mulheres, quanto a aceitação da impossibilidade de auto-realização feminina no eixo da heterosexualidade, que pode não ser simplesmente compulsória, com toda a carga de negatividade que o atributivo denota, mas efeito de uma escolha. E é precisamente à luz da posicionalidade referida acima que o último capítulo, que versa 332 RESEÑAS, No. 62 sobre a capacidade feminina de intervenção no campo da heterosexualidade na ficção de Márcia Denser e Marina Colasanti, perde força persuasiva. As interpretações são, no geral, perspicazes, mas alguns posicionamentos geram desconforto, particularmente diante de um discurso que reivindica o olhar queer como posição privilegiada na rejeição de categorias fixas de identidade, olhar que as mulheres na heterosexualidade poderiam imitar desde que engajadas, à maneira das lésbicas, nesse processo. Por que não um olhar feminista? Não é a rejeição de categorias fixas de identidade a pedra de toque do feminismo desde sempre? Do ponto de vista formal/metodológico, o livro é organizado em torno do eixo unificador anunciado no título, com capítulos que desdobram o foco temático numa visão diacrônica do desenvolvimento da literatura de mulheres no século XX. Apresenta um ecletismo teórico, entendido aqui não no sentido da utilização de procedimentos analíticos orientados por diferentes teorias, mas no sentido da incidência de citações que aparecem a medida em que a leitura as solicita e que procedem de uma diversidade de lugares teóricos, cujas diferenças não são equacionadas com nenhum tipo de reflexão, o que pode ser considerado como uma postura acrítica em relação à teoria. Assim, comparecem entre os nomes de críticos literários brasileiros e estrangeiros, nomes expoentes do campo da teoria contemporânea como Louis Althusser, George Bataille, Terry Eagleton, Michel Foucault, Hèléne Cixous, Luce Irigaray, Adrienne Rich, Gloria Anzaldúa, Teresa De Lauretis, entre outros. Nesse horizonte de diferenças, o que causa maior estranhamento é o uso da obra de Georges Bataille como referência para uma abordagem do erotismo declinado no feminino uma vez que o contexto de suas reflexões sobre desejo e gozo ou jouissance assinala a presença de uma marca gendrada situada dentro da economia do desejo masculino. É necessário frisar que o seu modelo de transgressão, em sua pretensão de universalidade, ou seja, de dizer sobre o desejo humano, subentende um outro, com uma cena de transgressão sous rature onde a profanação da mulher (ou a prostituição, para usar seu termo) já ocorreu e sobre a qual o modelo geral pode ser formulado. O aspecto inumano da atividade erótica está associado à ausência da mente racional, portanto, calcado no feminino que é apresentado como o objeto isolado da contemplação do voyer. Além disso, sua afirmação sobre a morte como dimensão da experiência erótica, citada pela autora, está associada a certos pressupostos sobre linguagem (descontinuidade) e silêncio (continuidade) concebidos dentro de um paradigma tradicional que só pode fazer sentido segundo a lógica de um pensamento masculinista que chegou ao seu limite e não consegue resolver e traduzir jouissance em termos de vida, como observa uma de suas estudiosas, a feminista francesa Annie Leclerc. Ainda na linha das molduras teóricas, não poderia deixar de pontuar a grande lacuna no livro de Ferreira-Pinto que é a ausência da conceituação de desejo.Pode-se inferir que o termo derive de uma apropriação freudiana uma vez que não há elementos que o aproximem do uso pósestruturalista, isto é, do desejo como função psicolingüística, situada em termos de necessidade e demanda referenciado na psicanálise lacaniana. Mas mesmo em Freud, o sentido do desejo é perpassado pelo inconsciente e processos de recalcamento e não pode ser facilmente assimilado apenas como gratificação física da libido. Utilizado por Ferreira-Pinto como um dos eixos temáticos, associado à representação de personagens definidos em termos de mulheres e homens, o termo desejo estaria mais associado a uma noção freudiana sobre a sexualidade, apropriada pelo senso comum, na qual o desejo está em relação direta com expressões da REVISTA DE CRÍTICA LITERARIA LATINOAMERICANA sexualidade (gratificações eróticas) ou com o ato sexual, tanto no contexto do falocentrismo quanto fora dele. Em outras palavras, o sentido é restritivo, com raras exceções, como na leitura de Clarice Lispector na qual a autora qualifica o impulso erótico como energia psíquica investida na busca de auto-conhecimento e auto-consciência . Teria sido muito produtivo se a autora tivesse explorado o porque das escritoras dos anos 80 e 90 como Helena Parente Cunha, Marilene Felinto e Márcia Denser não conseguirem resolver ambigüidades e impasses na representação do desejo feminino mesmo quando questionam a fundo as convenções de gênero e denunciam suas formas de socialização e cerceamento da consciência feminina com respeito a suas potencialidades e capacidade de ação enquanto sujeitos, individual e coletivamente falando. O fato de não apresentarem resoluções narrativas satisfatórias é uma questão crítica de extrema importância que remete às condições de possibilidades de seu tempo, ao modo de produção discursivoideológica da sociedade ‘real’ que tomam como referente, às questões não resolvidas, ou melhor, às dores da identidade/nacionalidade. Mas para que essa visada fosse possível, seria necessário um aprofundamento dos aspectos sócio-históricos e políticos da sociedade brasileira, sobre os quais há poucas pinceladas. A questão da emergência de um discurso pós-moderno contraideológico, tal como apontado pela autora, também mereceria ponderações de várias ordens que pudessem responder pelas especificidades estruturais da realidade brasileira e a relação problemática com o chamado pós-moderno. Enfim, independentemente dos pontos discutíveis aqui levantados em relação a aspectos do livro de Cristina Ferreira-Pinto, cabe a ele o mérito de oferecer uma nova perspectiva sobre a produção de escritoras do século XX a partir de um tema atual que não só coloca em evi- 333 dência a existência –e a diferença– de uma tradição literária de mulheres no Brasil, mas também contribui sobremaneira para trazer ao debate a articulação de questões de gênero e sexualidade com a problemática de raça e classe, particularmente no contexto brasileiro, o que ainda constitui um terreno pouco explorado em termos de crítica literária, predominantemente territorializada na ideologia dominante do discurso patriarcal. É um estudo que, através de uma leitura cuidadosa e convincente dessa literatura, desvela a violência real e simbólica endêmica às formas de vida social, o que faz das lutas das mulheres pela expressão dos seus desejos tanto mais difícil quanto mais necessária e inevitável. Resta destacar a inclusão de um Apêndice com excelentes traduções das citações em português ao longo dos capítulos e, principalmente, de poemas de Gilka Machado e de Marina Colasanti, permitindo o acesso para falantes de língua inglesa. Rita Terezinha Schmidt Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Dante Milano. Obra reunida. (org. e estab. do texto: Sérgio Martagão Gesteira). Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2004. 530 pp. (Coleção Austragésilo de Athayde, 21). O poeta Dante Milano (18991991) tem, finalmente, sua Obra reunida, com a chancela definitiva da Academia Brasileira de Letras, no volume 21 da prestigiosa coleção Austregésilo de Athayde. Organizada por Sérgio Martagão Gesteira, que também procedeu ao estabelecimento do texto, e com uma acurada apresentação crítica de Ivan Junqueira, o alentado volume de 532 páginas reúne toda a poesia do autor, além de traduções, prosa, textos sobre literatura, dois ensaios, algumas cartas e, ao final, uma bio- 334 RESEÑAS, No. 62 bibliografia comentada. Gesteira juntou ainda, nesta homenagem, o poema “Terzinas para Dante Milano”, no qual Ivan Junqueira celebra a presença e o legado do poeta, e se declara “seu herdeiro e seu irmão”. Posta em evidência, a obra de Dante Milano emerge da penumbra e passa a reclamar seu lugar no sistema da moderna poesia brasileira do século XX. Sim, porque nos panoramas oficiais, o poeta carioca, que estreou em 1920 e apoiou à distância a instauração e o desenvolvimento do movimento modernista, sem nele se engajar diretamente, não é uma figura destacada. Muitas vezes seu nome não é sequer citado. Alguns atribuem este esquecimento à escassa presença editorial do poeta que, recluso e avesso às glórias efêmeras, manteve-se à margem da vida literária, embora fosse reconhecido por grandes nomes como Manuel Bandeira, João Cabral e Drummond. Seu único livro, editado à sua revelia graças a uma conspiração de amigos, veio a lume em 1948, pela célebre José Olympio. E foi reeditado, com acréscimo de inéditos, em 1958 (Agir) e em 1971 (Sabiá). Em 1979, numa edição da UERJ/Civilização Brasileira, toda a sua poesia foi reeditada, acrescida de boa parte da prosa e das traduções de poesia. Postumamente, saiu pela Editora Firmo, de Petrópolis, a última edição de suas Poesias (1994). Assim, acreditamos que a maior responsável pelo esquecimento imposto ao poeta não foi a “escassez editorial”, e sim a sua posição independente, à margem das tendências estéticas comprometidas com os desdobramentos modernistas, agravada por sua reclusão literária. A rigor a poesia de Milano não se enquadra nos figurinos modernistas stricto sensu. E isso sempre foi, para os críticos –formados pela mentalidade modernista–, um critério de exclusão. Basta lembrar que os poetas da chamada Geração de 45 foram sumariamente execrados por “trair” os ideais de 22, acusados de adotar procedimentos cria- tivos “superados” e passadistas. No que concerne a Dante Milano, a sua exclusão é agora um problema a solucionar, já que, de fato, o poeta não assumiu uma posição modelar e, portanto, canônica, nos grupos herdeiros da Semana de 22. Ivan Junqueira chama a atenção, com muita propriedade, para o fato de que “o Modernismo pouco ou nada tinha a oferecer-lhe em termos de subsídio literário ou de plataforma estética. E mais: à época da agitação modernista, o poeta Dante Milano já estava pronto, infenso, portanto, a quaisquer aquisições mais profundas e radicais do ponto de vista formal, ainda que aberto e sensível às conquistas expressionais do movimento” (p. xxi). Isso explica muita coisa e põe em xeque os critérios de eleição dos poetas representativos, se baseados apenas na sua contribuição modernista à poesia brasileira do século XX. Aliás, o poeta baiano Sosígenes Costa (1901-1968) tem uma trajetória semelhante à de Milano. Era igualmente avesso à vida literária e publicou, também por iniciativa de amigos, apenas um livro em vida, Obra poética (1969). Como Milano, Sosígenes foi posto à margem, limitado a notas de rodapé dos panoramas, embora tivesse deixado uma volumosa produção que, reunida e editada na Bahia, em 2001, por ocasião de seu centenário, soma 531 páginas. Estes poetas emergem do limbo com uma força poética extraordinária e nos estimulam a repensar as classificações, as listas de nomes, as antologias e o próprio cânone, impondo-nos a obrigação de rever os panoramas críticos e os conceitos de avaliação. Na verdade, trata-se de poetas modernos, para além dos ismos taxionômicos e classificatórios. Eles requerem uma outra atitude crítica, não restritiva e agrupadora, mas inclusiva e reconhecedora, disposta a avaliar cada obra poética e cada autor em sua singularidade, minimizando o critério das filiações e da presença ostensiva na vida literária da época. Por REVISTA DE CRÍTICA LITERARIA LATINOAMERICANA este prisma, poetas como Sosígenes Costa e Dante Milano ganham relevo e importância, pela contribuição particular e pelo que acrescentam à poesia, independentemente de sua “desatualização” com os procedimentos correntes de seu tempo, muitos dos quais simples modismos passageiros. Esgotados o impacto e o barulho dos ismos, essas obras vão aos poucos se fazendo notar, ampliam-se as leituras e os admiradores, conferindo-se aos autores o reconhecimento que, por póstumo, resulta talvez mais consistente e duradouro. Nesta Obra reunida, a poesia de Dante Milano convida o leitor a uma viagem fascinante por um terreno lírico praticamente desconhecido. Há muito que se apreciar e estudar na sua poética. A aparente simplicidade dos assuntos, o vigor do pensamento metafísico, a confeição cristalina dos versos, o ritmo e a musicalidade personalíssimos, a clareza das imagens e do vocabulário, a requintada ironia ao tratar de questões da existência, da vida, do amor e da morte. Alguns estudiosos assinalam a sua aproximação lírica com Manuel Bandeira, seu amigo e admirador, o que é muito justo, sobretudo se levarmos em conta um poema como “Lágrima negra” (p. 157). Mas é possível sentir também em alguns de seus poemas uma certa consangüinidade com a poesia de Cecília Meireles, no tocante à concepção musical dos versos, à leveza das imagens e à visão do poeta como ser devotado à própria poesia. Para especular, vejamos os versos de Dante, no poema “Divertimento”, nos quais afirma: “Acariciar a água de um rio / E sentir-lhe o estremecimento / Da pele, o fundo calafrio. / Eu distraído, mas atento, / Pensando...em quê? Sério, sorrio.../ Oh secreto divertimento.” (p. 133). Confira-se, ainda, “Descobrimento da poesia” (p. 21), que mostra, em certa medida, um impulso lírico correspondente, em sua concepção, ao poema “Motivo”, de Cecília Meireles. 335 Como poeta, Dante Milano também cuidou de questões literárias. Nos seus textos sobre literatura avulta, sobretudo, a opinião de um leitor envolvido, reflexivo, lido e bem informado. Em geral, sua análise é intuitiva, sem aparato crítico nem método fechado, mas com a clarividência e a sutileza que a sua sensibilidade de poeta e leitor atento lhe faculta com naturalidade. Geralmente curtos, seus textos refletem posições pessoais, de autor mesmo, perante questões de interesse teórico, mas se mantendo sempre como uma escrita literária. Ele reflete, opina, comenta, mas sem impor ensinamentos a quem o lê. São interessantes suas impressões sobre o conceito de originalidade em literatura, suas reflexões sobre Dante Alighieri, Baudelaire, Mallarmé, Antero de Quental, Augusto dos Anjos, Joaquim Nabuco, Alberto de Oliveira, Luiz Delfino, Graça Aranha. Seu pequeno estudo sobre Castro Alves é antológico, pelo equilíbrio do seu ponto de vista, ao valorizar a tradição, criticando certa tendência do momento. “A poesia moderna e suas teorias quiseram isolar-nos demais do Passado. De todo o monturo da literatura passada, poucos nomes resistem à nossa exigente admiração”. E adiante: “Porém, às vezes, penso: se Castro Alves não existisse? Então vejo a falta que ele faria ao Brasil, à sua literatura paupérrima. (...) Ele foi uma etapa, uma etapa gloriosa...” (p. 454). Destacam-se ainda as suas considerações sobre a condição do poeta na modernidade, sobretudo nos textos “Poesia e burguesia” (p. 416-418) e “Separação ou decadência do poeta” (p. 426-428), nos quais trata de questões ainda hoje atuais nas discussões teóricas da poesia. Já nos dois ensaios, “O verso dantesco” e “Leopardi”, observa-se, nitidamente, a capacidade analítica e o senso crítico de Dante Milano. Outro legado valioso de Milano é, sem dúvida, a sua tradução de poesia: Dante Alighieri (Três cantos do Inferno), Charles Baudelaire (38 336 RESEÑAS, No. 62 poemas das Flores do mal), Mallarmé (3 poemas), De Plutarco a Shakespeare (Antônio e Cleópatra). A importância desse corpus se deve não somente pela contribuição em si, mas pela lição que acrescenta à difícil arte de traduzir poesia, a par de sua concepção e seu talento ao propor soluções originais, ao recriar poemas célebres da tradição literária universal. Nesta Obra reunida a apresentação do poeta, crítico e tradutor Ivan Junqueira é de grande importância, pois ultrapassa o mero caráter introdutório. Sua abordagem reorienta críticos e ensaístas, ao apontar critérios e caminhos para uma compreensão da obra e da personalidade poética de Dante Milano. Junqueira discute a condição de “maior vocação póstuma” outorgada ao poeta pelos que o conheceram de perto. Passa em revista opiniões de poetas e críticos como Manuel Bandeira, João Cabral, Drummond, Sérgio Buarque de Holanda, Franklin de Oliveira, Paulo Mendes Campos, todos ressaltando a grandeza da poesia milaniana. Junqueira também destaca aspectos fundamentais da obra do autor, para caracterizar a sua “poética do pensamento emocionado” (p. xxii), o que o aproxima do pensamento estético de T.S. Eliot e de Fernando Pessoa, segundo o critério do “objective correlative” (p. xxiii) e a idéia de que a poesia é produto do “pensamento que se emocionaliza” (p. xxiv). Numa visão estritamente textual, o ensaísta destaca os elementos estilísticos que constituem a poesia milaniana, chamando a atenção para a sua “irrepreensível unidade –unidade de forma, de estilo, de linguagem, de abordagem temática, de ritmo e até de vocabulário” (p. xxiv). Junqueira não apenas afirma isso, mas o demonstra analiticamente, procedendo ao estudo de passagens significativas de diversos poemas, enfatizando os aspectos temáticos e estilísticos do autor. Ivan Junqueira comenta também a escassa, mas expressiva for- tuna crítica de Dante Milano. Dialogando com a opinião crítica de Sérgio Buarque de Holanda, concorda com a noção de “realismo estético” para explicar a singular posição do autor na sua época. Com Franklin de Oliveira, concorda que na sua poesia a emoção “está governada pela inteligência, refeita, restaurada, reconstituída sob o império da lucidez” (p. xliii). Já Paulo Mendes Campos considera Milano um antilírico. Junqueira não o refuta inteiramente, mas relativiza essa opinião: “Há lirismo, sim, amiúde sinistro, mas também talvez fantasmagórico, talvez algo visionário.” E, logo adiante: “Lírico ou antilírico, o poeta nos revela de fato um acentuado fascínio pelos aspectos sinistros da vida. (p. xlviii). Ao cotejar a poesia de Dante Milano com a tradição universal, relacionando-a ao pensamento estético de Wordsworth, Eliot, Pessoa, Pound, e destacando sua predileção por Dante Alighieri, Horácio, Virgílio, Leopardi, Camões, Baudelaire, Mallarmé, autores sobre os quais escreveu estudos e/ou dos quais traduziu vários poemas, Ivan Junqueira dá uma chave de abordagem do poeta carioca, para além de um quadro estritamente local, apresentando-o numa perspectiva bem mais ampla de análise. Por isso, sua apresentação crítica constitui uma matriz seminal de análise, oferecendo não só uma súmula estrutural da poética milaniana, mas também um enquadramento de abordagem que poderá orientar futuros estudos sobre o autor. Como organizador, Sérgio Martagão Gesteira mantém-se discreto, contentando-se em assinar apenas uma “Nota explicativa” (p. lxiiilxvi), adequado modo de esclarecer os critérios, as escolhas e os procedimentos de seu trabalho. Nada mais louvável, pois a obra fala por si mesma. Ao organizar e fazer o estabelecimento do texto, com as cuidadosas correções e atualizações ortográficas, Gesteira dá uma contribuição importantíssima para o acervo bibliográfico da poesia bra- REVISTA DE CRÍTICA LITERARIA LATINOAMERICANA sileira. Sem dúvida, um trabalho de muito mérito, digno de um competente pesquisador universitário. Aleilton Fonseca Universidade Estadual de Feira de Santana Academia de Letras da Bahia Enrique Flores. Los tigres del miedo. Páginas fantásticas de Macedonio Fernández. México, UNAM (IIF/ CEL), 2004. Col. de Bolsillo, 24; 97 pp. Macedonio Fernández (Buenos Aires, 1874-1952), es uno de los autores iberoamericanos modernos que mayor complejidad presentan. Narrador, teórico, poeta, pensador y, quizá predominantemente, un gran conversador a quien publicar le resultaba poco relevante, el conocimiento de su obra ha quedado mediado sobre todo por las referencias que de él hace Jorge Luis Borges (piénsese en sus palabras ante la tumba de Macedonio, en que Borges reconoce haberlo admirado “hasta la trascripción”; o en el epígrafe macedoniano a “Cirugía psíquica de extirpación” en la edición de Sur de 1941, donde asegura que era tan desmesurado el encomio de Borges hacia él que terminaba por ser el autor de lo mejor que el otro había producido). Precursor “putativo” del ultraísmo argentino, pero también del microrrelato moderno, se trata de un autor “de culto”, por su dificultad y su extrañeza. Una de las características que al parecer definen la obra del argentino, tiene que ver con que la utilización del lenguaje en Macedonio resulta –a decir de Helena Beristáin– irreductible: si la lógica establece mecanismos como la síntesis, que logran reducir los discursos a sus elementos mínimos, y por este medio en otros narradores la trama puede ser recontada y abreviada, en Macedonio no puede sintetizarse la anécdota, o parafrasearse, porque no sigue un sistema 337 verdaderamente narrativo. Así ocurre, por ejemplo, en sus Papeles de Recienvenido. Ante esta recusación de la narratividad en diversos órdenes, quedan únicamente formulaciones seudo narrativas; a decir de Macedonio, por ejemplo, “los y y los ya hacen narrativa a cualquier sucesión de palabras, todo lo hilvanan y 'precipitan'“ (“Cirugía psíquica de extirpación” nota 6). Quizá ante esta lúcida autoconciencia antinarrativa, habría que subrayar que se trata de un autor mucho menos ajeno a las discusiones literarias y culturales de época que lo que normalmente imaginamos. Se han encontrado dedicatorias y menciones que lo ponen en circuito intelectual con Ramón Gómez de la Serna, Xul Solar, José Ingenieros, Alfonso Reyes, a más de los ultraístas porteños. Valga el siguiente ejemplo: “A Ramón Gómez de la Serna. / Al mayor realista del Mundo como no es. / Macedonio Fernández / (El metafísico del Mundo como No-Ser)”. Enrique Flores, con innegable valentía, hace su propia selección macedoniana y pone en relieve para este ensayo que hoy presentamos textos menos leídos y conocidos de este de por sí poco leído y desconocido autor: los cuentos “Tantalia”, “Suicidia”, “Cirugía psíquica de extirpación” o “Donde Solano Reyes era un vencido y sufría derrotas cada día”. Flores ata cabos, y empieza por hacer un muy breve y puntual recuento sobre la crítica macedoniana, anunciándonos cómo el orden de aparición de las diversas ediciones generó la sucesión de tres tipos de crítica: metafísica, humorística y novelística. La suya se propone como una suerte de cuarta posibilidad: inspirado en el estudio psicoanalítico lacaniano de Germán Leopoldo García Macedonio Fernández: la escritura en objeto (1975), el investigador mexicano decide revisar el móvil del miedo como motor literario en la obra de Fernández. Análisis tematológico y formal, profundo, a pesar de su brevedad, éste será un estudio quizá de 338 RESEÑAS, No. 62 doble vía, pues, advierte Flores, parafraseando a García, quien parafrasea a su vez a Macedonio, es sabido que el argentino “realza dos parejos modos de la Pretextación”: hay “tigres que causan miedos”, y “miedos que causan tigres” (28). Realiza así Flores, una lectura que nos gusta denominar de la opacidad del texto, opacidad cada vez más puesta en relieve en torno a los estudios de la vanguardia: el detenimiento en la palabra que –desde la poética propuesta por Macedonio– rompe la idea de trascendencia pues sistemáticamente no connota, queriendo voluntariamente ser mera denotación. En el cuento “Tantalia”, por ejemplo, la historia trata sobre un hombre incapaz de amar a quien su novia le regala un trébol para que desarrolle su afectividad. Esto resulta contraproducente, pues, citando a Macedonio en el cuento, “Empiezan a temer que la plantita muera y muera con ella uno de ellos y lo que es más: el amor de ellos, única muerte que hay. [...] Resuelven entonces, de noche, en un paraje no reconocible para ellos, perderla en un vasto trebolar[...]”. El trébol de amor en “Tantalia” deja de ser símbolo de los amantes, según expresan los personajes; pero vuelve a representarlos, en su martirio. Pasa entonces a representar la paradoja escritural macedoniana: el enamorado roba un segundo trébol del trebolar y se dedica a torturarlo, como en suplicio de Tántalo, permitiéndole oír el frescor y ver el agua, sin recibirlos. El párrafo citado termina así: “El mundo es de inspiración tantálica: despliegue de un inmenso hacerse desear que se llama Cosmos, o mejor: la Tentación. Todo lo que desea un trébol y todo lo que desea un hombre le es brindado y negado. Yo también pensé: tienta y niega” (“Tantalia”, 1930). La “representación no connotativa”, que escoge ser significante y no significado, teoría y no ficción, vuelve finalmente a ser connotación, irremediablemente, aunque sea a nivel metaficcional: no un lenguaje que permita o impida ver otros elementos, sino que impida de manera sistemática la posibilidad de una lectura trascendente que hable de otro tema que el de su propia construcción. Si para el Tántalo mitológico el infierno era un inmenso lago para morir de sed (en donde con agua hasta las rodillas, el condenado no lograba saciarla, pues el líquido le resbalaba de la boca; y, rodeado de árboles cargados de frutas, no podía aplacar el hambre pues las ramas se le escapan de las manos), dice Flores, también “tantaliza el texto Fernández, atormentando una imagen que habiendo sido, una vez, vista y deseada, se brinda y se niega continuamente; manteniéndola siempre fuera del alcance, fuera de contexto, más allá de la imagen” (Flores, 39). Esta ambivalencia entre opacidad y trascendencia, connotación siempre hacia lo literario, parece una preocupación consciente y relativamente temprana en el orden de escritura de Macedonio, muchas veces no resuelta. Así encontramos, en la recientemente reeditada Libra –publicación de 1929 en que aparece el primer fragmento de la Novela de la eterna– una reflexión de Macedonio dentro de una carta dirigida a Francisco Luis Bernárdez, fechada el 20 de mayo: “La misma metáfora, que es todavía para mí lo único cierto, lo único genuinamente literario, lo que no hay en ninguna otra bellarte, puede usarse, a veces, no por sí sino como signo de exaltación, pues en todo estado álgido tendemos a la comparación o metáfora: primero, la halla la exaltación, y, segundo, la profiere su ímpetu; es causa y signo (es casi común a todos los signos ser signos de las causas). Para mí la metáfora es la única interjección literaria; las interjecciones comunes son música, sonidos de la exaltación, no hallazgos conceptivos, ideas de la exaltación (ideas de semejanza). Pero lo cierto es que no sé nada todavía, y me queda todo el problema de la técnica: símbolos, alucinación, cotidianismo, REVISTA DE CRÍTICA LITERARIA LATINOAMERICANA biografía, sucesos. Y lo peor es que nunca ansié tanto ser afortunado en un libro.” Quizá Flores se sostiene por esto en una necesaria línea doble: piensa en tigres y tréboles, extirpaciones y suicidios, desde lineamientos temáticos y formales, en torno a una escritura permanentemente puesta en abismo. Era una línea de lectura que faltaba a Macedonio, en ese “ensayo de un nuevo género literario: el cuento sin literatura, incongruente casi y sin elegancias y que por lo mismo deja irritantemente grabado el solo hecho esencial”. Tal vez sea también lo que hacen Henry González Martínez y Carlos González, en trabajos muy recientes. En la mirada final sobre Los tigres del miedo, Macedonio está escribiendo, y Flores está leyendo, buscando un momento apacible en una lectura / escritura por demás inestable (quizá por eso lo conveniente de la brevedad de esta colección de bolsillo). Sirva el comentario para la invitación a la lectura de un autor de culto –repetimos– orgulloso de serlo. Recordemos que se preció de decir: “No se olvide que soy el único literato existente de quien se puede ser el primer lector”. Yanna Hadatty Mora Universidad Nacional Autónoma de México Luis Cárcamo Huechante y José Antonio Mazzotti. “Poesía y globalización”, sección monográfica de la Revista de Crítica Literaria Latinoamericana, año XXIX, Nº 58. Lima-Hanover NH, 2do. Semestre del 2003; pp. 7362. Cuando de números monográficos se trata, la reunión en torno a un tema puede resultar tan dispar, fructífera y/o monótona que a veces la tarea en común de hablar de un mismo tema podría terminar siendo contraproducente. No es lo que ocurre, sin embargo, con el número 339 cincuenta y ocho de la Revista de Crítica Literaria Latinoamericana, dedicada íntegramente a la profusa relación de “Poesía y globalización”. Desde un principio, los editores –José Antonio Mazzotti y Luis Ernesto Cárcamo Huechante– ponen en claro cuáles son sus intenciones al reunir estos ensayos, a saber: del fenómeno hegemónico de la globalización y su acelerado intercambio de signos simbólicos, que vino de la mano de un neoliberalismo que, en el caso de Latinoamérica, ha tenido consecuencias fatales, ambos autores remarcan su paradójica relación con la poesía. Y uso el adjetivo de paradójica porque, en la misma medida que la globalización tiende a borrar las fronteras nacionales (o por lo menos a ponerlas en segundo plano), este mismo proceso ha significado, en el caso del discurso poético, una acentuación de lo local y sus dinámicas propias (los ensayos de Soledad Bianchi y especialmente el de Raquel Olea son elocuentes al respecto). Se podría decir incluso: la propia naturaleza de la poesía (que no sabemos exactamente cuál es, pero que al menos para Cárcamo y Mazzotti ofrece la posibilidad de la inmediatez, de la experiencia no mediatizada del texto en tanto cuerpo) opone una resistencia natural al dictado homogéneo y global. Sin embargo, ni Cárcamo ni Mazzotti plantean que la poesía sea ajena a la globalización que hoy por hoy acapara todos los flujos mediáticos y culturales. En este sentido, ambos autores son enfáticos en señalar cómo los flujos migratorios del sur hacia el norte, la masividad del consumo en términos simbólicos y reales, establecen el campo de acción en torno o sobre o con el cual la poesía contemporánea debe lidiar. Aun más: muchos de los ensayos de este volumen sólo se entienden si son puestos en la perspectiva de una oposición entre la afirmación o la sobrevivencia de lo local como una forma de disputar los espacios públicos, y de otro lado la globalización como un proceso que enfatiza la hegemonía de los capi- 340 RESEÑAS, No. 62 tales extranjeros por encima de los estados-nación (Negri, Hardt) a la vez que es asumida por una anónima sociedad civil que ve en ella la posibilidad de insertarse en un mercado (de ¿espectadores?, ¿consumidores?) mucho más amplio. Esta lucha por el sentido se ve particularmente ilustrada en el ensayo de Miguel Ángel Zapata sobre la poesía de José Kozer en el período de 1983-1993. Por paradójico que parezca, en un principio este ensayo parece tener poco o nada que ver con el tema de la monografía. Zapata se detiene con morosidad en los recovecos que cubre la poesía de Kozer y en cómo esta deviene en una especie de refugio para el hablante, refugio en el cual éste puede guarecerse del cruce heterogéneo de identidades que amenaza (pero también enriquece) la suya misma. Vale la pena revisar someramente el caso del poeta cubano: nacido en La Habana, pero residente desde principios de los sesenta en Nueva York, e hijo también de un emigrante ruso que terminara por desembarcar luego de un largo periplo en tierras cubanas, Kozer –de acuerdo a lo que señala Zapata– busca en la descripción minuciosa del espacio hogareño la solución de los múltiples enclaves culturales en que se desenvuelve su obra y (también) su biografía, aunque sin renegar necesariamente de ellos. El tráfico que aquí se pretende poner bajo control cuenta con otros circuitos de circulación: así para Luis Antezana la poesía (o lo poético, de lo que tampoco se intenta en este ensayo una definición cabal), encuentra su recorrido por el mundo globalizado a través de su incorporación al formato de los medios de comunicación (y entretención) masiva. Pareciera que, en esta redefinición del (los) espacio(s) que le corresponde hoy en día ocupar a la poesía, un tema que preocupa a la mayoría de los ensayistas aquí reunidos es la disparidad de los polos de la comparación. El papel principalísimo de la globalización pareciera amedrentador ante el supuestamente alicaído rol social que puede jugar la literatura –y, en especial– la Cenicienta en que se ha convertido la poesía. Sin embargo, poner en cuestión estas dos ideas que muchos asumen como hechos consumados, como datos previos de la discusión, resulta en varios de estos artículos materia feraz para la escritura. Es así como Fernando Rosenberg, en uno de los ensayos más lúcidos y lucidos de este número, “La sinrazón poética en tiempos de globalización”, disecciona con una claridad que es de agradecer el dilema que muchos estudiosos enfrentan (y ante el cual muchos fracasan), aquel de verse en la obligación, que por lo demás nadie les ha encomendado, de defender a la poesía como si fuera el último bastión de resistencia frente a la modernidad, el último reducto de una experiencia auténtica (con resabios románticos y romanticones de por medio), lo que no la libra, ante la contundencia de los hechos, de tener que conformarse con una incómoda dignidad que más parece el sinónimo de una derrota. La nostalgia como bandera de lucha, parece decirnos Rosenberg (y en lo cual también concuerda el texto de Kirkpatrick), no es más que el tono elegíaco de aquellos que no pueden ver sino con resignación “la fuerza desterritorializadora y corrosivamente antifundacional de la globalización” (p. 43). La opción entonces no es la celebración ni la asunción de los parámetros que hoy por hoy se imponen, sino el ser capaces de responder cuál es el papel que el discurso poético juega en este nuevo contexto, si es que juega alguno. En este marco, parece improbable la recuperación de un supuesto papel como guardián de la conciencia crítica, que Jameson propone para la lírica. Y esto porque en la medida en que se le sigan proponiendo papeles redentoristas (el tan manido estigma del poeta como guardián del mito, en la frase ya famosa de Jorge Teillier, o el autoproclamado representante colectivo del Neruda previo al vigésimo Congreso), lo único que se logrará es REVISTA DE CRÍTICA LITERARIA LATINOAMERICANA devolver a la poesía a un lugar previo o fuera de la historia, desde el cual es incapaz de dialogar con ésta. Lo mismo ocurre cada vez que el poeta (y por extensión, la poesía en su conjunto) ocupa el rol del rebelde tolerado o admitido dentro de ciertos márgenes, una rebeldía individual que sin embargo es incapaz de articular sentidos colectivos. Y cuando lo hace, como por ejemplo en el caso de aquellos discursos que nos son presentados como el resultado de una hibridación victoriosa (especialmente algunos provenientes del Caribe, otros borderlines como cierta zona del discurso poético mapuche, cuyos imaginarios pese a todo no se desmarcan de imaginarios de raigambre primermundista), una hibridación que al prescindir del fundamentalismo de los orígenes se presenta a sí misma como una superación de ellos y, en consecuencia, como un discurso más “verdadero”. Para ir terminando: la relación entre poesía y globalización no puede ser satisfecha, entonces, con la mera incorporación de un tema y un léxico nuevos en el poema, o con la reseña de la(s) jerga(s) de las tribus urbanas, como una forma de “poner al día” el discurso lírico. Nada de nuevo hay en esto y en realidad elude antes que enfrenta el verdadero desafío, cual es entender no sólo que el poema ofrezca de una localidad, una textura o la inmediatez de lo corpóreo por oposición al sistema global, sino que la poesía asuma esta nueva lógica no como un nuevo estímulo ante el cual reaccionar o un nuevo embate al que enfrentar, sino como un lugar para su enunciación que es a la vez movedizo y temporal, híbrido y paradójicamente aurático y, por sobre todo, la condición necesaria de su existencia. Cristián Gómez O. Universidad de Iowa 341 Miguel Ángel Zapata, Moradas de la Voz. Notas sobre la poesía hispanoamericana contemporánea. Lima: Universidad Nacional Mayor de San Marcos, 2002, 224 pp. Moradas de la voz es un libro de ensayos que estudia la poesía latinoamericana de la segunda mitad del siglo XX. Su autor, el poeta y crítico peruano Miguel Ángel Zapata, ha publicado los volúmenes de poesía Imágenes los juegos, 1987; Poemas para violín y orquesta, 1991 y Lumbre de la letra, 1997, entre otros; libros de crítica sobre la poesía de Carlos Germán Belli, 1995, Antonio Cisneros, 1998 y Oscar Hahn, 2000; la antología Nueva poesía latinoamericana, 1999 y antologías de poesía peruana. En este libro ha elegido transitar un espacio intermedio entre la crítica académica y la reflexión ensayística más intuitiva, siguiendo el ejemplo de poetas como Octavio Paz y José Emilio Pacheco, que se desdoblan en críticos para poner su saber hacer poético y su educación estética al servicio de la interpretación crítica. El tema que vertebra el libro es la relación de la poesía y los poetas con el espacio urbano, que desde la época de Baudelaire se ha transformado en una experiencia generadora de una espiritualidad única, que los poetas han asociado con los aspectos más variados de la existencia humana. En sus ensayos estudia a poetas consagrados por la crítica nacional e internacional y el público lector, como Nicanor Parra, Antonio Cisneros, José Emilio Pacheco, Carlos Germán Belli, Oscar Hahn, que han marcado cambios profundos en el lenguaje poético del continente, y otros de fama nacional en constante crecimiento por la calidad de su obra poética, como Víctor Manuel Mendiola, Pedro Lastra, Jaime Sabines, J. A. Mazzotti, Jorge Teillier y José Carlos Becerra. El libro se abre con un ensayo introductorio, “Moradas”, en el cual Zapata analiza las características 342 RESEÑAS, No. 62 más sobresalientes de la poesía contemporánea. Como lo indicó Paz, señala Zapata, “lo moderno es una tradición” (12). Zapata estudia la poesía latinoamericana comenzando en 1910, luego pasa a la promoción de los poetas nacidos entre las décadas del veinte y el cuarenta (Belli, Cardenal, Pizarnik), y los nacidos después del cuarenta. Indica que la poesía latinoamericana dialoga con comodidad con una serie de corrientes poéticas, particularmente la francesa y la norteamericana, y con la rica tradición en lengua española. En los países hispanohablantes se ha ido enriqueciendo e independizando la sensibilidad de los hablantes y diversificándose el registro de los poetas, hasta hacer de la poesía de la lengua un mapa tan variado como el de su geografía y el de su historia. Zapata divide el libro en dos partes, la primera de ensayos extensos y bien documentados, dedicados a la poesía de Parra, Cisneros, Pacheco, Hahn, Ollé y Becerra. Al comentar a estos poetas analiza el uso del lenguaje poético, su visión de la modernidad, su relación con la poesía europea y norteamericana. Sus observaciones son originales, su pensamiento crítico está liberado del hiperracionalismo académico, dejando fluir su intuición de gran lector de poesía. Estos ensayos son valiosos aportes que enriquecen la bibliografía crítica de estos poetas. El extenso ensayo sobre Cisneros no sólo estudia la poesía urbana de éste, sino que hace una historia del desarrollo de la lírica moderna en relación a la ciudad, mostrando cómo la subjetividad se moldea en su interacción con el arte. El aporte de Cisneros es crear una conciencia especial de la relación de la ciudad con su historia social. En el caso de Pacheco, Zapata explica su visión apolítica y apocalíptica de la ciudad; en Hahn, describe sus imágenes visionarias y fantásticas. Con Carmen Ollé la visión erótica se funde al paisaje urbano, como en Baudelaire. En la segunda parte del libro, Zapata intenta escribir un tipo de ensayo más breve y ágil. Estos estudios de la poesía de Varela, Belli, Ramos Sucre, Teillier, Goldemberg, Morales, Watanabe, entre otros, dan una visión sintética de aspectos de su obra esenciales para situarla en relación a la poesía de su tiempo. Por ejemplo, sobre la poética de Goldemberg, muestra cómo la memoria y la experiencia del tiempo, sellan y vuelven esenciales la experiencia del exilio; destaca la curiosa relación desarrollada entre el exiliado y la lengua de expresión elegida, que es un símbolo que lo une a la distante imagen paterna: el Perú, su patria. En el caso de Yolanda Westphalen, asocia su imagen de “luz interior” con la imagen poética favorecida por la poeta norteamericana Emily Dickinson, y muestra cómo esa luz interior transfigura los objetos, creando una poesía femenina de un intimismo único. En todo este libro notamos el buen dominio crítico de Miguel Ángel Zapata, así como su relación creativa con un género difícil como es la poesía. Porque la conoce como creador y lector, Zapata nos trae una originalidad de visión notable en este volumen, que deberá ser consultado por todos los estudiosos de la poesía latinoamericana contemporánea. Alberto Julián Pérez Texas Tech University Eduardo Chirinos. Nueve miradas sin dueño. Ensayos sobre la modernidad y sus representaciones en la poesía hispanoamericana y española. Lima: Fondo Editorial de la Pontificia Universidad Católica del Perú y Fondo de Cultura Económica, 2004, 206 pp. Escritos durante la estadía del autor en diferentes universidades estadounidenses, y publicados previamente entre 1998 y 2003 en revistas académicas, los diez trabajos aquí reunidos tienen como protago- REVISTA DE CRÍTICA LITERARIA LATINOAMERICANA nistas al nicaragüense Rubén Darío, el mexicano José Juan Tablada, los peruanos Martín Adán, José María Arguedas y Blanca Varela, el argentino Juan Gelman, la uruguaya Cristina Peri Rossi y los españoles Jaime Gil de Biedma, Claudio Rodríguez y Pere Gimferrer. Una de las certezas que ha dejado en el autor la escritura de estos ensayos consiste en “comprobar que en el texto literario ocurre lo que Slavoj Zizek [en El sublime objeto de la ideología] ha observado respecto de la mercancía y el sueño: que toda pregunta por la ‘forma’ debe ser formulada no en torno a los ‘contenidos’ que supuestamente oculta, sino en torno a las razones por las que los contenidos adoptan precisamente esa ‘forma’” (13). El primer ensayo trata sobre el libro de Darío Los raros, publicado inicialmente en Buenos Aires en 1896, y que “recoge retratos y semblanzas literarias escritas entre 1893 y 1896 para diversos diarios y revistas” (19). Es preciso señalar que la inclusión de este estudio, como del dedicado a la novela de Arguedas y, de manera lateral, a la de Adán, son justificados por el autor al ocuparse de “obras que, de un modo u otro, proponen una reflexión sobre el destino del lenguaje poético en sus respectivas comunidades” (15). Para Chirinos Los raros “es una declaración de principios respecto del quehacer poético y de los roles que le correspondió jugar a los poetas en la conflictiva etapa de la modernidad y de la instauración de un mercado” (21). En nombre de la salud de sus propias sociedades estos escritores se ven convertidos en los Otros, seres anormales, endemoniados o locos como los nombra en una carta el propio Darío utilizando “los términos y argumentos del adversario para luego desacreditarlos hábilmente” (20). Chirinos resalta el carácter programático del libro, el cual se manifiesta en la reivindicación de estos escritores más allá de sus diferencias y en una “defensa cerrada” hacia su estética. La con- 343 dena de las sociedades hacia estos escritores raros no es por una vocación vista como diabólica o enfermiza sino que resulta de “las consecuencias sociales de una modernidad que no les ofrecía ningún espacio de sobrevivencia” (22). Asociados a “nociones de autoexclusión, originalidad morbosa y decadentismo” (26), estos escritores más que “excrecencias de la modernidad” se tratan de su “otra cara” (en frase prestada de Octavio Paz). A través de la mirada que de ellos ofrece el poeta nicaragüense, Chirinos ve “las tribulaciones de Darío frente al mercado, el utilitarismo y la ciencia que amenazaban no solo con destruir el escaso prestigio social del que aún gozaban los poetas, sino con desterrarlos (esta vez de manera definitiva) de la República y convertirlos en ‘otros’” (23). Consciente de esta amenaza “los más conspicuos entre los declarados ‘otros’ por la nueva normativa del Centro en Europa fueron reunidos por un poeta mestizo de Nicaragua como modelos para los poetas de la periferia quienes, a su vez, estaban sufriendo el proceso de conversión en ‘otros’ por parte de sus propias sociedades” (24). En ese sentido, Los raros se trata de un “libro de advertencia” ante los cambios producidos por el arribo de la modernidad a Hispanoamérica, cuyas “consecuencias nefastas” fueran denunciadas por Rubén Darío en su obra. En el siguiente ensayo Chirinos analiza el poema de Tablada “El automóvil en México” publicado en 1918. En el mismo, el poeta mexicano expresa su “fascinación y rechazo frente a los logros de la modernidad”, lo que da pie a Chirinos para plantear a esta poesía como una “poética de la desconfianza”; lo cual no impide que en su prosa Tablada difunda “las expresiones más modernas del espíritu” (37). Prosa en la cual “su desconfianza ante lo moderno adquiere un carácter razonado” (46). Este razonamiento lleva al mexicano a “incorporar creativamente los bienes artísticos de la modernidad”, aunque conside- 344 RESEÑAS, No. 62 rando sus “productos industriales” como “innecesarios e incluso peligrosos” (38). Estos “desajustes” entre una poesía de carácter “nomádico” y una prosa más bien conservadora, llevan a Chirinos a plantear que, más allá de las “comprobaciones empíricas” propias de una realidad latinoamericana “con los vestigios aun vigentes del pasado colonial”, existe “un entramado de circunstancias que moldearon la percepción de los intelectuales hispanoamericanos frente a la intrusión agresiva de la modernidad” (Ibidem). El tiempo de Tablada (o el de López Velarde, ejemplificado también en el ensayo) es el de un “complejo aprendizaje de los códigos que trajo consigo la aparición del automóvil [el cual] estaba destinado a convivir con la amenaza de la modernidad que venía empaquetada con el rótulo del modo de vida norteamericano y los cambios que éste demandaba” (40). El “recurso del humor” es uno de los “mecanismos de defensa” utilizados por Tablada para “conjurar la amenaza moderna”. Aliado al humor está la “‘monstrificación’ de los nuevos artefactos a partir de referentes propios de la tradición clásica y cristiana”, en los que el automóvil más que “emblema tangible de la modernidad” resulta siendo “la degradación residual de una vieja tradición” (40-1). Con ambos elementos (humor y monstrificación), que nutren su “poética de la desconfianza”, José Juan Tablada “consiguió innovar, aunque de manera menos audaz que sus contemporáneos futuristas, los procedimientos de escritura” (44). Paralela a su desconfianza, el escritor mexicano ofrece una “advertencia frente a los poderes de una modernidad que a sus ojos solo podía ofrecer muerte y destrucción”. Y es que no olvidemos que son los años de la Primera Guerra Mundial, “la primera en emplear con efectos destructivos aquellos artefactos diseñados para el bienestar del hombre” (47). El tercer ensayo se ocupa de “Poemas underwood” de Martín Adán, en realidad un poema de casi cien versos que forma parte de su novela La casa de cartón de 1928. La lectura del poema tiene como objetivo develar la función que el mismo cumple “en relación al cuerpo central del relato”, así como indagar por “el papel simbólico que desempeña Ramón en la aventura literaria de Martín Adán” (56). La muerte de Ramón, amigo del narrador de la novela, y la inclusión del poema a mitad de la misma, sirven para leer “al joven Adán, quien detrás de la máscara que confunde a Ramón con el narrador, ofrece las claves de su destino literario” (Ibidem). Una de esas claves tiene que ver con la propuesta del poema hacia “la aventura de una salida a lo que podríamos llamar la ‘calle real’, es decir a aquella creada con los materiales de la modernidad y que se encuentra regida por una voluntad urbanista (o ‘urbanizadora’)”, lo que de alguna forma le otorga al narrador “un lejano parentesco con el romántico flâneur tal como lo describe Benjamin” (59). La asociación entre urbanismo y modernidad (acompañada por la presencia de lo norteamericano) “carga de ironía” a la mirada crítica de Adán. En esa línea, y después de realizar una comparación entre “Poemas underwood” con otros del español Pedro Salinas y del peruano Carlos Oquendo de Amat en los que el término underwood también se encuentra presente, Chirinos pasa a establecer la opción por el cinismo que extrae de su lectura del poema-puente de La casa de cartón. “La escritura como desenterramiento” es el título del ensayo en el que Chirinos analiza la novela póstuma de Arguedas El zorro de arriba y el zorro de abajo de 1971. Obra en la que “la distinción entre narrador y autor recomendada por el análisis estructural resulta poco menos que frívola” dado que “la obsesión por el suicidio amenaza no solo la vida del narrador-autor, sino también la vida de la materia narrada” (81-2). Chirinos analiza tres pasajes del libro “donde las refle- REVISTA DE CRÍTICA LITERARIA LATINOAMERICANA xiones lingüísticas del autornarrador son consustanciales a la reflexión sobre su destino personal y social” (87). La lectura que respecto a Arguedas ha realizado Mario Vargas Llosa (condensada en su ensayo La utopía arcaica de 1996) es reiteradamente refutada y/o enmendada a lo largo del texto. Y es que para Chirinos la apuesta de José María Arguedas en esta novela “por un lenguaje utópico ‘cargado’ de pensamiento mítico que no tema apelar al ánima vital de la naturaleza, y que a la vez sea capaz de poner en escena la amalgama de frustraciones, miedos y deseos que nos configuran como seres sociales, se sitúa más allá de los límites que impone la historia inmediata y se convierte en una utopía deseable” (94). El siguiente ensayo tiene como tema Dibaxu, poemario de Juan Gelman publicado en Buenos Aires en 1994. Se trata “tal vez [d]el único libro de poemas de amor escrito en lengua sefardí por un escritor hispanoamericano”; poemas que han sido también “traducidos al español moderno por su autor” (99). Chirinos expresa que ante estos poemas sefarditas no puede sustraerse “del deseo de celebrar en el canto del amor más puro la dolorosa experiencia del exilio” (100). En este trabajo se acentúa el acercamiento intradisciplinario (es decir, de la crítica literaria como ejercicio de análisis y comentario textual) que ha venido caracterizando al autor desde su primer libro de ensayos El techo de la ballena (Lima: Fondo Editorial PUCP, 1991) o en su miscelánea de escritos sobre literatura Los largos oficios inservibles (Lima: Grupo Editorial Norma, 2004); acercamiento que nutre también las crónicas de Epístolas a los transeúntes (Lima: Fondo Editorial PUCP, 2001) o los comentarios que forman parte de su ficcional revista de literatura El fingidor (Lima: Fondo Editorial PUCP, 2003), de donde procede una versión anterior de este ensayo. No se puede dejar de considerar tampoco 345 un libro mucho más orgánico como La morada del silencio (Lima: Fondo de Cultura Económica, 1998), cuyo origen se ubica en la tesis doctoral que Chirinos escribiera para la Universidad de Rutgers. De todos los ensayos que conforman el libro, el único no publicado previamente es el dedicado a Blanca Varela, por lo que suponemos que este es el texto que “solicitó su ingreso” tardíamente (16); es decir, a pesar de que el autor ya tenía decidido el título, dando como resultado nueve miradas para diez ensayos. El poema “Ejercicios materiales” de Varela, el cual forma parte de un poemario del mismo nombre, publicado en 1993, es leído correlativamente a los Ejercicios espirituales de San Ignacio de Loyola, publicados en Roma en 1548. En abierta antítesis con el texto ignaciano, el poema de Varela propone “en la caída la experiencia final para llegar a una suerte de santidad negativa” (125). También, en el poema de Varela “se plantea el deseo de sacar del ‘interior’ del cuerpo el poema y hacerlo ‘exterior’ como quien saca a luz algo tan corpóreo y propio como un hijo” (119). El siguiente ensayo analiza el poemario Babel Bárbara de Cristina Peri Rossi, publicado en Caracas en 1990. El libro contiene “una teoría del aprendizaje amatorio” sobre la base “del mito de la Torre de Babel”; su historia “trata de la convivencia entre una mujer y su propio deseo convertido en mito” (136-7). Sin embargo, esta obra también “puede leerse como una meditación acerca de los límites del lenguaje poético” (140). Estos límites se desplazan a su vez hacia “la oscura multiplicidad del sexo femenino”, históricamente reprimido por la cultura clásica y cristiana; sexo (vagina, vulva) hoy definido positivamente por feministas como Luce Irigaray (citada por Chirinos) como “dos labios que se besan continuamente” (146). En suma, teoría, mito, historia y límites coinciden en una “síntesis simbólica” en la que “la aparición de la palabra no es 346 RESEÑAS, No. 62 solo un hecho lingüístico sino también una experiencia corporal” (147). Los tres ensayos finales están dedicados a sendos autores españoles. El que trata sobre Gil de Biedma analiza en dos de sus poemas “el extraño vínculo que existe entre la poesía y la sensibilidad infantil” (153), tema constante en las reflexiones del poeta barcelonés. Como concluye Chirinos: “Para Gil de Biedma asumir la ‘mentalidad adulta’ no solo significa establecer las coordenadas histórico-sociales y literarias en las que se hallaba inscrita su infancia, sino servirse a conciencia de ellas para escenificar su propia situación […] en el presente” (167). Por su parte, el trabajo dedicado a Claudio Rodríguez busca establecer la “secreta unidad” de su obra, “sus complejos y sorprendentes vasos comunicantes” (173). Hay que mencionar que uno de los versos de este autor sirve de epígrafe al libro, verso que inspira además el título del mismo. El concepto de ebriedad (y sinónimos o derivados como embriaguez, borrachera e incluso brindis) sirve a Chirinos para realizar la lectura de la actitud asumida en esta obra poética: “en una sociedad que convierte el arte en mercancía y al artista en productor” Rodríguez opta por la embriaguez como “una forma eficaz de resistencia contra dichas maniobras” (177-8). Finalmente, completa el libro un análisis al poema de Pere Gimferrer “Mazurca en este día”, incluido en su poemario Arde el mar de 1966. “Leídos treinta y cinco años después”, escribe Chirinos, “los poemas de este libro confirman su importancia capital en el panorama de la poesía española de este siglo” (189). El ya mencionado acercamiento intradisciplinario de Eduardo Chirinos nos permite leer eruditos análisis que iluminan aspectos sin duda vitales en lo relativo a la literariedad de las obras escogidas. Sin embargo, estos aspectos (la búsqueda de lo literario) en el análisis de Chirinos solo cumplen en parte con la búsqueda de razones para explicar por qué algunos contenidos escogen sus formas, para remitirnos a la cita inicial de Zizek. Por eso, pese a sus méritos innegables, algo nos hace esperar una armazón más consistente entre los diez ensayos más allá del hecho de tratar de poetas hispanohablantes y sus conflictos, en algunos casos, con la modernidad. Este último concepto podría haber sido explorado de manera más amplia echando mano de herramientas interdisciplinarias, historicistas, desde hace varios lustros frecuentes en el quehacer crítico de la academia norteamericana. Pese a todo, se trata de un excelente libro de ensayos literarios, digno de reconocimiento, por lo que resulta recomendable. Paolo de Lima Universidad de Ottawa