REVISTA DE CRÍTICA LITERARIA

Transcrição

REVISTA DE CRÍTICA LITERARIA
REVISTA DE CRÍTICA LITERARIA LATINOAMERICANA
cinismo de los procesos de dominación social. De este modo la densidad del aspecto simbólico y su peso
decisivo en estos procesos de opresión siguen siendo un elemento
opaco y muchas veces paradójico.
Allí es donde encuentran los más
genuinos estudios culturales su
campo de trabajo específico.
Alejandro Solomianski
California State University
Los Angeles
Cristina Ferreira Pinto. Gender,
Discourse and Desire in Twentieth-Century
Brazilian
Women’s Literature. West Lafayette, Ind. : Purdue University
Press, c2004; 208 pp.
Nessas duas últimas décadas as
investigações em torno da literatura brasileira de autoria feminina
têm se multiplicado de forma significativa, alimentadas tanto pelo desejo de resgatar escritoras do
passado que ficaram esquecidas às
margens do cânone quanto de investigar e validar a produção de
escritoras contemporâneas. Desvendar as singularidades dessa produção dando visibilidade às codificações de valor que operam na política da representação textual de
modo a identificar as formas do
diálogo que os textos estabelecem
com seu tempo e lugar e, sobretudo,
compreender até que ponto a literatura escrita por mulheres intervém
nas ficções dominantes de identidade cristalizadas ao longo da história
literária e da história de uma cultura tão patriarcal e conservadora
quanto é a brasileira, têm sido um
desafio. Pesquisadoras daqui e de
lá, ao norte e ao sul do equador, têm
se engajado nessa aventura e se
surpreendido com descobertas que
levam ao questionamento e deslocamento de sentidos naturalizados
por saberes instituídos. Contudo –é
importante que se faça essa ressalva– no quadro em que predominam
estudos com ênfase em determinadas escritoras, ou na produção fe-
329
minina de determinados períodos,
pode-se dizer que ainda são poucos
os estudos de fôlego que, sustentados pelo viés crítico feminista, oferecem a amplitude histórica necessária para mapear continuidades
e recorrências e, assim, asseverar a
existência de determinados percursos, ou mesmo tradições, da literatura de autoria de mulheres.
Esse é, sem dúvida, um dentre
os méritos do livro de Cristina Ferreira-Pinto, que há muito vem se
dedicando ao estudo da literatura
brasileira, em particular a de autoria de mulheres, como ilustra seu O
bildungsroman feminino: quatro
exemplos brasileiros, publicado em
1990. Dessa vez, seu estudo propõe
a leitura de um corpus representativo da produção do século XX, a
partir de critérios recortados por
um eixo temático que lhe permite
distinguir certas linhas de força
dessa produção. Partindo da constatação de que essa literatura emerge
na contra-mão de uma formação
canônica centrada na produção literária e cultural masculina e que,
nessa condição, desloca paradigmas
da ‘narrativa fundadora’ no que
concerne figurações do corpo, sexualidade e desejo femininos, Ferreira-Pinto examina as especificidades da representação de um erotismo feminino na poesia e na ficção
de escritoras do século XX, começando com a poesia de Gilka Machado, do início do século, passando
por Clarice Lispector, Lígia Fagundes Telles, Lya Luft e Helena Parente Cunha, até chegar à Hilda
Hilst, Sonia Coutinho, Marilene
Felinto, Edla Van Steen, Myriam
Campello, Márcia Denser e Marina
Colasanti. No adensamento de seu
trabalho analítico, cuja ênfase recai
na produção dos anos 80 e 90, a autora vai pontuando a utilização, de
parte das escritoras, de certas estratégias discursivas, o que lhe
permite evidenciar o quanto essa
literatura, mesmo em sua heterogeneidade, constitui um discurso
contra-ideológico em relação ao discurso dominante da ideologia patriarcal e masculinista, responsável
330
RESEÑAS, No. 62
pela sedimentação na cultura e na
literatura, de mitos culturais da
femininidade que ainda permeiam o
imaginário nacional através de sua
disseminação, tanto na cultura popular quanto nos meios de comunicação de massa. Cabe destacar o
fato de que a autora não somente
tece
relações
de
comparação
–analogias e contrastes– entre os
textos das escritoras mencionadas,
mas também faz referências a nomes menos conhecidos, cujas obras
se integram ao elenco da literatura
brasileira do século passado.
Dividido em seis capítulos,
Gender, Discourse and Desire deriva sua proposta de uma série de
questões críticas norteadoras cujas
premissas têm instigado grandes
debates entre posições divergentes
no feminismo teórico uma vez que
articulam a problemática de onde e
como reivindicar a especificidade. O
que constitui o erotismo feminino
nos textos das escritoras brasileiras, o que seria uma definição
apropriada de erotismo e quais os
problemas em torno da criação de
um discurso erótico feminino são
questões que inscrevem o campo da
produtividade textual de subjetividades necessariamente no campo
da cultura, do poder disciplinador
de seus discursos e de seu regime
de verdade. Isso implica acercar-se
da própria herança cultural constelada nos discursos fundadores da
identidade nacional no século XIX,
movimento que Ferreira-Pinto realiza em seu primeiro capítulo embora o faça de forma um tanto quanto
sucinta, particularmente na discussão do projeto romântico, cujo
contexto histórico-político e seu impacto nas formas de organização da
vida social do país fica basicamente
reduzido à constituição de mitos
culturais, considerados repositórios
imagéticos do corpo feminino subordinado ao desejo masculino.Por
outro lado, as análises elucidativas
e convincentes de quatro romances
canônicos de autores que balizam a
literatura brasileira da segunda
metade do século XIX –Manuel Antônio de Almeida, José de Alencar,
Aluísio de Azevedo e Machado de
Assis– comprovam o quanto as representações do feminino, em sua
intersecção com questões de diferença racial e de classe social, desvelam uma política textual pautada
num sistema rígido de gênero-raça
e de hierarquia de classe e, portanto, imbricada com os padrões de
violência e exclusão constitutivos do
período de formação da cultura brasileira, padrões esses, via de regra,
travestidos sob a forma dos mitos
sedutores da brasilidade que vigoram no cenário nacional, como o da
democracia racial, o da não violência e o da mulata sensual.
Nos capítulos subseqüentes, Ferreira-Pinto percorre os caminhos
da busca de um discurso erótico
feminino, iniciando com a precursora da poesia erótica, Gilka Machado, cuja obra permaneceu na obscuridade por mais de cinqüenta anos e
que apenas de duas décadas para
cá, graças aos esforços de feministas na academia, tem recebido a
devida atenção crítica, o que ainda
não significa que seu nome figure
entre os nomes considerados
canônicos, fato que pode ser atribuído ao conservadorismo do establishment crítico brasileiro, ainda
muito avesso à crítica literária feminista. Aliás, a canonização de
Julia Lopes de Almeida, também
referida pela autora, é discutível,
pois sua enorme produção romanesca, objeto de inúmeros trabalhos na
última década, se situa à margem
do cânone, particularmente se considerarmos a presença da escritora
em obras de crítica e historiografia
literária do passado e do presente
como índice de legitimação.Creio
que se pode considerar o caso de
Lopes de Almeida como em processo
de canonização. Também no referido capítulo, destacam-se as discussões sobre o erotismo como espaço de transgressão do binarismo
que regula a expressão do desejo
feminino e que levam a autora a
fazer distinções pertinentes entre
erotismo e pornografia bem como a
estabelecer nexos entre o discurso
erótico, em suas diferentes nuances
REVISTA DE CRÍTICA LITERARIA LATINOAMERICANA
e modalizações, com temas da identidade e auto-afirmação femininas,
tópica constante na produção a partir dos anos 70. As referências a
obras individuais e coletivas que
avançaram substancialmente no
tratamento dado ao erotismo feminino funcionam, estrategicamente,
como portais de acesso para análises pontuais, do ponto de vista da
realização formal dos textos em foco, o que revela a dimensão das
conquistas, inovações e também
limitações textuais/autorais/sociais
dentro de um contexto de pesado
legado patriarcal, muito embora a
autora faça referências à evolução
de padrões comportamentais e de
valores sociais desde a década de
60. A propósito, a reiterada designação do referido período pelos
termos ‘Revolução Cultural’ (observe-se o uso das letras maiúsculas) é
discutível uma vez que se trata de
uma designação imprópria ao contexto brasileiro e totalmente deslocada de sentido político/ideológico
convencionado por experiências históricas específicas.
A par de insights críticos em
relação às diferenças entre os romances de Lya Luft e de Lygia Fagundes Telles e os contos de Sonia
Coutinho, as discussões sobre o gótico, o fantástico e o grotesco como
veículos para a representação do
desejo feminino, nos capítulos 3 e 4,
ficam prejudicadas por duas razões
Primeiramente, porque essas categorias, definidas superficialmente
em poucos parágrafos, são trabalhadas quase que de forma a se
tornarem superpostas e, nesse sentido, vão perdendo suas distinções
conceituais ao longo das análises.
Conseqüentemente, sua apropriação reverte num discurso crítico
pouco claro como, por exemplo, há
contradições entre a afirmação generalista de que o grotesco, como
estratégia de auto-representação
inscreve uma forma de autocensura e o grotesco visto como estratégia de uma representação positiva, de celebração da sexualidade,
como quer a autora ao apontar a
utilização da paródia em Sonia
331
Coutinho, a qual estaria a exigir
uma leitura mais exploratória e
amparada conceitualmente. Segundo, porque particularmente nesse
capítulo, o discurso está marcado
por expressões tais como ‘condição
humana’, ‘ ser humano’, ‘crise do
indivíduo’, que soam como resquícios da crítica passada e não condizem com a orientação do discurso
feminista adotado. No desdobramento do tema do erotismo e identidade, o capítulo 5 constitui, no
meu entender, o segmento mais
original do livro na medida em que
postula, com a devida sustentação,
a existência de uma tradição de literatura lésbica na literatura brasileira de autoria de mulheres, com
destaque para as discussões em
torno da própria dificuldade de se
conceituar a categoria ‘literatura
lésbica’, para as ponderações em
torno da literatura e o contexto de
repressão da sociedade colonial brasileira e para análises textuais instigantes sobre uma questão absolutamente marginalizada e que ainda
agrega muitos preconceitos, não
somente no campo dos estudos literários, mas no campo da cultura, de
maneira geral. A originalidade do
capítulo não o isenta, todavia, do
risco de um certo essencialismo,
decorrente do lugar onde a autora
inscreve sua posicionalidade para
enunciar o desejo lésbico na literatura como espaço para a expressão
autêntica (o termo é da autora, o
grifo é meu) da sexualidade feminina, ou da afirmação libertadora da
sexualidade feminina, enunciados
que se prestam a pressupor, tanto a
negação de um dos impulsos fundacionais do feminismo utópico que é
o deslocamento do binarismo de
gênero através das transformações
de homens e mulheres, quanto a
aceitação da impossibilidade de auto-realização feminina no eixo da
heterosexualidade, que pode não
ser simplesmente compulsória, com
toda a carga de negatividade que o
atributivo denota, mas efeito de
uma escolha. E é precisamente à
luz da posicionalidade referida acima que o último capítulo, que versa
332
RESEÑAS, No. 62
sobre a capacidade feminina de intervenção no campo da heterosexualidade na ficção de Márcia Denser e Marina Colasanti, perde força
persuasiva. As interpretações são,
no geral, perspicazes, mas alguns
posicionamentos geram desconforto,
particularmente diante de um discurso que reivindica o olhar queer
como posição privilegiada na rejeição de categorias fixas de identidade, olhar que as mulheres na heterosexualidade poderiam imitar
desde que engajadas, à maneira das
lésbicas, nesse processo. Por que
não um olhar feminista? Não é a
rejeição de categorias fixas de identidade a pedra de toque do feminismo desde sempre?
Do
ponto
de
vista
formal/metodológico, o livro é organizado em torno do eixo unificador
anunciado no título, com capítulos
que desdobram o foco temático numa visão diacrônica do desenvolvimento da literatura de mulheres no
século XX. Apresenta um ecletismo
teórico, entendido aqui não no sentido da utilização de procedimentos
analíticos orientados por diferentes
teorias, mas no sentido da incidência de citações que aparecem a medida em que a leitura as solicita e
que procedem de uma diversidade
de lugares teóricos, cujas diferenças
não são equacionadas com nenhum
tipo de reflexão, o que pode ser considerado como uma postura acrítica
em relação à teoria. Assim, comparecem entre os nomes de críticos
literários brasileiros e estrangeiros,
nomes expoentes do campo da teoria contemporânea como Louis Althusser, George Bataille, Terry Eagleton, Michel Foucault, Hèléne
Cixous, Luce Irigaray, Adrienne
Rich, Gloria Anzaldúa, Teresa De
Lauretis, entre outros. Nesse horizonte de diferenças, o que causa
maior estranhamento é o uso da
obra de Georges Bataille como referência para uma abordagem do
erotismo declinado no feminino
uma vez que o contexto de suas reflexões sobre desejo e gozo ou jouissance assinala a presença de uma
marca gendrada situada dentro da
economia do desejo masculino. É
necessário frisar que o seu modelo
de transgressão, em sua pretensão
de universalidade, ou seja, de dizer
sobre o desejo humano, subentende
um outro, com uma cena de transgressão sous rature onde a profanação da mulher (ou a prostituição,
para usar seu termo) já ocorreu e
sobre a qual o modelo geral pode ser
formulado. O aspecto inumano da
atividade erótica está associado à
ausência da mente racional, portanto, calcado no feminino que é apresentado como o objeto isolado da
contemplação do voyer. Além disso,
sua afirmação sobre a morte como
dimensão da experiência erótica,
citada pela autora, está associada a
certos pressupostos sobre linguagem (descontinuidade) e silêncio
(continuidade) concebidos dentro de
um paradigma tradicional que só
pode fazer sentido segundo a lógica
de um pensamento masculinista
que chegou ao seu limite e não consegue resolver e traduzir jouissance
em termos de vida, como observa
uma de suas estudiosas, a feminista
francesa Annie Leclerc. Ainda na
linha das molduras teóricas, não
poderia deixar de pontuar a grande
lacuna no livro de Ferreira-Pinto
que é a ausência da conceituação de
desejo.Pode-se inferir que o termo
derive de uma apropriação freudiana uma vez que não há elementos
que o aproximem do uso pósestruturalista, isto é, do desejo como função psicolingüística, situada
em termos de necessidade e demanda referenciado na psicanálise
lacaniana. Mas mesmo em Freud, o
sentido do desejo é perpassado pelo
inconsciente e processos de recalcamento e não pode ser facilmente
assimilado apenas como gratificação física da libido. Utilizado por
Ferreira-Pinto como um dos eixos
temáticos, associado à representação de personagens definidos em
termos de mulheres e homens, o
termo desejo estaria mais associado
a uma noção freudiana sobre a sexualidade, apropriada pelo senso
comum, na qual o desejo está em
relação direta com expressões da
REVISTA DE CRÍTICA LITERARIA LATINOAMERICANA
sexualidade (gratificações eróticas)
ou com o ato sexual, tanto no contexto do falocentrismo quanto fora
dele. Em outras palavras, o sentido
é restritivo, com raras exceções,
como na leitura de Clarice Lispector
na qual a autora qualifica o impulso
erótico como energia psíquica investida na busca de auto-conhecimento
e auto-consciência .
Teria sido muito produtivo se a
autora tivesse explorado o porque
das escritoras dos anos 80 e 90 como Helena Parente Cunha, Marilene Felinto e Márcia Denser não
conseguirem resolver ambigüidades
e impasses na representação do desejo feminino mesmo quando questionam a fundo as convenções de
gênero e denunciam suas formas de
socialização e cerceamento da consciência feminina com respeito a
suas potencialidades e capacidade
de ação enquanto sujeitos, individual e coletivamente falando. O fato
de não apresentarem resoluções
narrativas satisfatórias é uma
questão crítica de extrema importância que remete às condições de
possibilidades de seu tempo, ao modo
de
produção
discursivoideológica da sociedade ‘real’ que
tomam como referente, às questões
não resolvidas, ou melhor, às dores
da identidade/nacionalidade. Mas
para que essa visada fosse possível,
seria necessário um aprofundamento dos aspectos sócio-históricos e
políticos da sociedade brasileira,
sobre os quais há poucas pinceladas. A questão da emergência de
um discurso pós-moderno contraideológico, tal como apontado pela
autora, também mereceria ponderações de várias ordens que pudessem responder pelas especificidades estruturais da realidade brasileira e a relação problemática com
o chamado pós-moderno.
Enfim, independentemente dos
pontos discutíveis aqui levantados
em relação a aspectos do livro de
Cristina Ferreira-Pinto, cabe a ele o
mérito de oferecer uma nova perspectiva sobre a produção de escritoras do século XX a partir de um tema atual que não só coloca em evi-
333
dência a existência –e a diferença–
de uma tradição literária de mulheres no Brasil, mas também contribui sobremaneira para trazer ao
debate a articulação de questões de
gênero e sexualidade com a problemática de raça e classe, particularmente no contexto brasileiro, o que
ainda constitui um terreno pouco
explorado em termos de crítica literária, predominantemente territorializada na ideologia dominante do
discurso patriarcal. É um estudo
que, através de uma leitura cuidadosa e convincente dessa literatura,
desvela a violência real e simbólica
endêmica às formas de vida social, o
que faz das lutas das mulheres pela
expressão dos seus desejos tanto
mais difícil quanto mais necessária
e inevitável. Resta destacar a inclusão de um Apêndice com excelentes traduções das citações em
português ao longo dos capítulos e,
principalmente, de poemas de Gilka
Machado e de Marina Colasanti,
permitindo o acesso para falantes
de língua inglesa.
Rita Terezinha Schmidt
Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Brasil
Dante Milano. Obra reunida.
(org. e estab. do texto: Sérgio
Martagão Gesteira). Rio de Janeiro: Academia Brasileira de
Letras, 2004. 530 pp. (Coleção
Austragésilo de Athayde, 21).
O poeta Dante Milano (18991991) tem, finalmente, sua Obra
reunida, com a chancela definitiva
da Academia Brasileira de Letras,
no volume 21 da prestigiosa coleção
Austregésilo de Athayde. Organizada por Sérgio Martagão Gesteira,
que também procedeu ao estabelecimento do texto, e com uma acurada apresentação crítica de Ivan
Junqueira, o alentado volume de
532 páginas reúne toda a poesia do
autor, além de traduções, prosa,
textos sobre literatura, dois ensaios,
algumas cartas e, ao final, uma bio-
334
RESEÑAS, No. 62
bibliografia comentada. Gesteira
juntou ainda, nesta homenagem, o
poema “Terzinas para Dante Milano”, no qual Ivan Junqueira celebra
a presença e o legado do poeta, e se
declara “seu herdeiro e seu irmão”.
Posta em evidência, a obra de
Dante Milano emerge da penumbra
e passa a reclamar seu lugar no
sistema da moderna poesia brasileira do século XX. Sim, porque nos
panoramas oficiais, o poeta carioca,
que estreou em 1920 e apoiou à distância a instauração e o desenvolvimento do movimento modernista,
sem nele se engajar diretamente,
não é uma figura destacada. Muitas
vezes seu nome não é sequer citado.
Alguns atribuem este esquecimento à escassa presença editorial
do poeta que, recluso e avesso às
glórias efêmeras, manteve-se à
margem da vida literária, embora
fosse reconhecido por grandes nomes como Manuel Bandeira, João
Cabral e Drummond. Seu único livro, editado à sua revelia graças a
uma conspiração de amigos, veio a
lume em 1948, pela célebre José
Olympio. E foi reeditado, com
acréscimo de inéditos, em 1958
(Agir) e em 1971 (Sabiá). Em 1979,
numa edição da UERJ/Civilização
Brasileira, toda a sua poesia foi reeditada, acrescida de boa parte da
prosa e das traduções de poesia.
Postumamente, saiu pela Editora
Firmo, de Petrópolis, a última
edição de suas Poesias (1994).
Assim, acreditamos que a maior
responsável pelo esquecimento imposto ao poeta não foi a “escassez
editorial”, e sim a sua posição independente, à margem das tendências
estéticas comprometidas com os
desdobramentos modernistas, agravada por sua reclusão literária.
A rigor a poesia de Milano não
se enquadra nos figurinos modernistas stricto sensu. E isso sempre
foi, para os críticos –formados pela
mentalidade modernista–, um critério de exclusão. Basta lembrar
que os poetas da chamada Geração
de 45 foram sumariamente execrados por “trair” os ideais de 22, acusados de adotar procedimentos cria-
tivos “superados” e passadistas. No
que concerne a Dante Milano, a sua
exclusão é agora um problema a
solucionar, já que, de fato, o poeta
não assumiu uma posição modelar
e, portanto, canônica, nos grupos
herdeiros da Semana de 22. Ivan
Junqueira chama a atenção, com
muita propriedade, para o fato de
que “o Modernismo pouco ou nada
tinha a oferecer-lhe em termos de
subsídio literário ou de plataforma
estética. E mais: à época da agitação modernista, o poeta Dante
Milano já estava pronto, infenso,
portanto, a quaisquer aquisições
mais profundas e radicais do ponto
de vista formal, ainda que aberto e
sensível às conquistas expressionais
do movimento” (p. xxi). Isso explica
muita coisa e põe em xeque os critérios de eleição dos poetas representativos, se baseados apenas na sua
contribuição modernista à poesia
brasileira do século XX. Aliás, o
poeta baiano Sosígenes Costa
(1901-1968) tem uma trajetória semelhante à de Milano. Era igualmente avesso à vida literária e publicou, também por iniciativa de
amigos, apenas um livro em vida,
Obra poética (1969). Como Milano,
Sosígenes foi posto à margem, limitado a notas de rodapé dos panoramas, embora tivesse deixado uma
volumosa produção que, reunida e
editada na Bahia, em 2001, por
ocasião de seu centenário, soma 531
páginas.
Estes poetas emergem do limbo
com uma força poética extraordinária e nos estimulam a repensar as
classificações, as listas de nomes, as
antologias e o próprio cânone, impondo-nos a obrigação de rever os
panoramas críticos e os conceitos de
avaliação. Na verdade, trata-se de
poetas modernos, para além dos
ismos taxionômicos e classificatórios. Eles requerem uma outra atitude crítica, não restritiva e agrupadora, mas inclusiva e reconhecedora, disposta a avaliar cada obra
poética e cada autor em sua singularidade, minimizando o critério
das filiações e da presença ostensiva na vida literária da época. Por
REVISTA DE CRÍTICA LITERARIA LATINOAMERICANA
este prisma, poetas como Sosígenes
Costa e Dante Milano ganham relevo e importância, pela contribuição
particular e pelo que acrescentam à
poesia, independentemente de sua
“desatualização” com os procedimentos correntes de seu tempo,
muitos dos quais simples modismos
passageiros. Esgotados o impacto e
o barulho dos ismos, essas obras
vão aos poucos se fazendo notar,
ampliam-se as leituras e os admiradores, conferindo-se aos autores o
reconhecimento que, por póstumo,
resulta talvez mais consistente e
duradouro.
Nesta Obra reunida, a poesia
de Dante Milano convida o leitor a
uma viagem fascinante por um terreno lírico praticamente desconhecido. Há muito que se apreciar e
estudar na sua poética. A aparente
simplicidade dos assuntos, o vigor
do pensamento metafísico, a confeição cristalina dos versos, o ritmo
e a musicalidade personalíssimos, a
clareza das imagens e do vocabulário, a requintada ironia ao tratar de
questões da existência, da vida, do
amor e da morte.
Alguns estudiosos assinalam a
sua aproximação lírica com Manuel
Bandeira, seu amigo e admirador, o
que é muito justo, sobretudo se levarmos em conta um poema como
“Lágrima negra” (p. 157). Mas é
possível sentir também em alguns
de seus poemas uma certa consangüinidade com a poesia de Cecília
Meireles, no tocante à concepção
musical dos versos, à leveza das
imagens e à visão do poeta como ser
devotado à própria poesia. Para especular, vejamos os versos de Dante, no poema “Divertimento”, nos
quais afirma: “Acariciar a água de
um rio / E sentir-lhe o estremecimento / Da pele, o fundo calafrio. /
Eu distraído, mas atento, / Pensando...em quê? Sério, sorrio.../ Oh secreto divertimento.” (p. 133). Confira-se, ainda, “Descobrimento da
poesia” (p. 21), que mostra, em certa medida, um impulso lírico correspondente, em sua concepção, ao
poema “Motivo”, de Cecília Meireles.
335
Como poeta, Dante Milano
também cuidou de questões literárias. Nos seus textos sobre literatura avulta, sobretudo, a opinião de
um leitor envolvido, reflexivo, lido e
bem informado. Em geral, sua análise é intuitiva, sem aparato crítico
nem método fechado, mas com a
clarividência e a sutileza que a sua
sensibilidade de poeta e leitor atento lhe faculta com naturalidade.
Geralmente curtos, seus textos refletem posições pessoais, de autor
mesmo, perante questões de interesse teórico, mas se mantendo
sempre como uma escrita literária.
Ele reflete, opina, comenta, mas
sem impor ensinamentos a quem o
lê. São interessantes suas impressões sobre o conceito de originalidade em literatura, suas reflexões sobre Dante Alighieri, Baudelaire, Mallarmé, Antero de Quental, Augusto dos Anjos, Joaquim
Nabuco, Alberto de Oliveira, Luiz
Delfino, Graça Aranha. Seu pequeno estudo sobre Castro Alves é antológico, pelo equilíbrio do seu ponto de vista, ao valorizar a tradição,
criticando certa tendência do momento. “A poesia moderna e suas
teorias quiseram isolar-nos demais
do Passado. De todo o monturo da
literatura passada, poucos nomes
resistem à nossa exigente admiração”. E adiante: “Porém, às vezes,
penso: se Castro Alves não existisse? Então vejo a falta que ele faria ao Brasil, à sua literatura paupérrima. (...) Ele foi uma etapa,
uma etapa gloriosa...” (p. 454). Destacam-se ainda as suas considerações sobre a condição do poeta na
modernidade, sobretudo nos textos
“Poesia e burguesia” (p. 416-418) e
“Separação ou decadência do poeta”
(p. 426-428), nos quais trata de
questões ainda hoje atuais nas discussões teóricas da poesia. Já nos
dois ensaios, “O verso dantesco” e
“Leopardi”, observa-se, nitidamente, a capacidade analítica e o senso
crítico de Dante Milano.
Outro legado valioso de Milano
é, sem dúvida, a sua tradução de
poesia: Dante Alighieri (Três cantos
do Inferno), Charles Baudelaire (38
336
RESEÑAS, No. 62
poemas das Flores do mal), Mallarmé (3 poemas), De Plutarco a
Shakespeare (Antônio e Cleópatra).
A importância desse corpus se deve
não somente pela contribuição em
si, mas pela lição que acrescenta à
difícil arte de traduzir poesia, a par
de sua concepção e seu talento ao
propor soluções originais, ao recriar
poemas célebres da tradição literária universal.
Nesta Obra reunida a apresentação do poeta, crítico e tradutor
Ivan Junqueira é de grande importância, pois ultrapassa o mero caráter introdutório. Sua abordagem
reorienta críticos e ensaístas, ao
apontar critérios e caminhos para
uma compreensão da obra e da personalidade poética de Dante Milano. Junqueira discute a condição de
“maior vocação póstuma” outorgada
ao poeta pelos que o conheceram de
perto. Passa em revista opiniões de
poetas e críticos como Manuel Bandeira, João Cabral, Drummond,
Sérgio Buarque de Holanda, Franklin de Oliveira, Paulo Mendes
Campos, todos ressaltando a grandeza da poesia milaniana. Junqueira também destaca aspectos fundamentais da obra do autor, para
caracterizar a sua “poética do pensamento emocionado” (p. xxii), o
que o aproxima do pensamento estético de T.S. Eliot e de Fernando
Pessoa, segundo o critério do “objective correlative” (p. xxiii) e a idéia
de que a poesia é produto do “pensamento que se emocionaliza” (p.
xxiv). Numa visão estritamente textual, o ensaísta destaca os elementos estilísticos que constituem a
poesia milaniana, chamando a
atenção para a sua “irrepreensível
unidade –unidade de forma, de estilo, de linguagem, de abordagem
temática, de ritmo e até de vocabulário” (p. xxiv). Junqueira não apenas afirma isso, mas o demonstra
analiticamente, procedendo ao estudo de passagens significativas de
diversos poemas, enfatizando os
aspectos temáticos e estilísticos do
autor.
Ivan Junqueira comenta também a escassa, mas expressiva for-
tuna crítica de Dante Milano. Dialogando com a opinião crítica de
Sérgio Buarque de Holanda, concorda com a noção de “realismo estético” para explicar a singular posição do autor na sua época. Com
Franklin de Oliveira, concorda que
na sua poesia a emoção “está governada pela inteligência, refeita,
restaurada, reconstituída sob o império da lucidez” (p. xliii). Já Paulo
Mendes Campos considera Milano
um antilírico. Junqueira não o refuta inteiramente, mas relativiza essa
opinião: “Há lirismo, sim, amiúde
sinistro, mas também talvez fantasmagórico, talvez algo visionário.”
E, logo adiante: “Lírico ou antilírico,
o poeta nos revela de fato um acentuado fascínio pelos aspectos sinistros da vida. (p. xlviii). Ao cotejar a
poesia de Dante Milano com a tradição universal, relacionando-a ao
pensamento estético de Wordsworth, Eliot, Pessoa, Pound, e destacando sua predileção por Dante
Alighieri, Horácio, Virgílio, Leopardi, Camões, Baudelaire, Mallarmé,
autores sobre os quais escreveu estudos e/ou dos quais traduziu vários
poemas, Ivan Junqueira dá uma
chave de abordagem do poeta carioca, para além de um quadro estritamente local, apresentando-o numa perspectiva bem mais ampla de
análise. Por isso, sua apresentação
crítica constitui uma matriz seminal de análise, oferecendo não só
uma súmula estrutural da poética
milaniana, mas também um enquadramento de abordagem que
poderá orientar futuros estudos sobre o autor.
Como organizador, Sérgio Martagão Gesteira mantém-se discreto,
contentando-se em assinar apenas
uma “Nota explicativa” (p. lxiiilxvi), adequado modo de esclarecer
os critérios, as escolhas e os procedimentos de seu trabalho. Nada
mais louvável, pois a obra fala por
si mesma. Ao organizar e fazer o
estabelecimento do texto, com as
cuidadosas correções e atualizações
ortográficas, Gesteira dá uma contribuição importantíssima para o
acervo bibliográfico da poesia bra-
REVISTA DE CRÍTICA LITERARIA LATINOAMERICANA
sileira. Sem dúvida, um trabalho de
muito mérito, digno de um competente pesquisador universitário.
Aleilton Fonseca
Universidade Estadual de
Feira de Santana
Academia de Letras da Bahia
Enrique Flores. Los tigres del
miedo. Páginas fantásticas de
Macedonio Fernández. México,
UNAM (IIF/ CEL), 2004. Col. de
Bolsillo, 24; 97 pp.
Macedonio Fernández (Buenos
Aires, 1874-1952), es uno de los autores iberoamericanos modernos
que mayor complejidad presentan.
Narrador, teórico, poeta, pensador
y, quizá predominantemente, un
gran conversador a quien publicar
le resultaba poco relevante, el conocimiento de su obra ha quedado
mediado sobre todo por las referencias que de él hace Jorge Luis Borges (piénsese en sus palabras ante
la tumba de Macedonio, en que
Borges reconoce haberlo admirado
“hasta la trascripción”; o en el epígrafe macedoniano a “Cirugía psíquica de extirpación” en la edición
de Sur de 1941, donde asegura que
era tan desmesurado el encomio de
Borges hacia él que terminaba por
ser el autor de lo mejor que el otro
había producido). Precursor “putativo” del ultraísmo argentino, pero
también del microrrelato moderno,
se trata de un autor “de culto”, por
su dificultad y su extrañeza.
Una de las características que
al parecer definen la obra del argentino, tiene que ver con que la
utilización del lenguaje en Macedonio resulta –a decir de Helena Beristáin– irreductible: si la lógica
establece mecanismos como la síntesis, que logran reducir los discursos a sus elementos mínimos, y por
este medio en otros narradores la
trama puede ser recontada y abreviada, en Macedonio no puede sintetizarse la anécdota, o parafrasearse, porque no sigue un sistema
337
verdaderamente narrativo. Así ocurre, por ejemplo, en sus Papeles de
Recienvenido.
Ante esta recusación de la narratividad en diversos órdenes,
quedan únicamente formulaciones
seudo narrativas; a decir de Macedonio, por ejemplo, “los y y los ya
hacen narrativa a cualquier sucesión de palabras, todo lo hilvanan y
'precipitan'“ (“Cirugía psíquica de
extirpación” nota 6). Quizá ante
esta lúcida autoconciencia antinarrativa, habría que subrayar que se
trata de un autor mucho menos
ajeno a las discusiones literarias y
culturales de época que lo que normalmente imaginamos. Se han encontrado dedicatorias y menciones
que lo ponen en circuito intelectual
con Ramón Gómez de la Serna, Xul
Solar, José Ingenieros, Alfonso Reyes, a más de los ultraístas porteños. Valga el siguiente ejemplo: “A
Ramón Gómez de la Serna. / Al mayor realista del Mundo como no es. /
Macedonio Fernández / (El metafísico del Mundo como No-Ser)”.
Enrique Flores, con innegable
valentía, hace su propia selección
macedoniana y pone en relieve para
este ensayo que hoy presentamos
textos menos leídos y conocidos de
este de por sí poco leído y desconocido autor: los cuentos “Tantalia”,
“Suicidia”, “Cirugía psíquica de extirpación” o “Donde Solano Reyes
era un vencido y sufría derrotas
cada día”. Flores ata cabos, y empieza por hacer un muy breve y
puntual recuento sobre la crítica
macedoniana, anunciándonos cómo
el orden de aparición de las diversas ediciones generó la sucesión de
tres tipos de crítica: metafísica,
humorística y novelística. La suya
se propone como una suerte de
cuarta posibilidad: inspirado en el
estudio psicoanalítico lacaniano de
Germán Leopoldo García Macedonio Fernández: la escritura en objeto
(1975), el investigador mexicano
decide revisar el móvil del miedo
como motor literario en la obra de
Fernández. Análisis tematológico y
formal, profundo, a pesar de su brevedad, éste será un estudio quizá de
338
RESEÑAS, No. 62
doble vía, pues, advierte Flores,
parafraseando a García, quien parafrasea a su vez a Macedonio, es
sabido que el argentino “realza dos
parejos modos de la Pretextación”:
hay “tigres que causan miedos”, y
“miedos que causan tigres” (28).
Realiza así Flores, una lectura
que nos gusta denominar de la opacidad del texto, opacidad cada vez
más puesta en relieve en torno a los
estudios de la vanguardia: el detenimiento en la palabra que –desde
la poética propuesta por Macedonio– rompe la idea de trascendencia
pues sistemáticamente no connota,
queriendo voluntariamente ser mera denotación. En el cuento “Tantalia”, por ejemplo, la historia trata
sobre un hombre incapaz de amar a
quien su novia le regala un trébol
para que desarrolle su afectividad.
Esto resulta contraproducente,
pues, citando a Macedonio en el
cuento, “Empiezan a temer que la
plantita muera y muera con ella
uno de ellos y lo que es más: el
amor de ellos, única muerte que
hay. [...] Resuelven entonces, de
noche, en un paraje no reconocible
para ellos, perderla en un vasto
trebolar[...]”.
El trébol de amor en “Tantalia”
deja de ser símbolo de los amantes,
según expresan los personajes; pero
vuelve a representarlos, en su martirio. Pasa entonces a representar
la paradoja escritural macedoniana:
el enamorado roba un segundo trébol del trebolar y se dedica a torturarlo, como en suplicio de Tántalo,
permitiéndole oír el frescor y ver el
agua, sin recibirlos. El párrafo citado termina así: “El mundo es de
inspiración tantálica: despliegue de
un inmenso hacerse desear que se
llama Cosmos, o mejor: la Tentación. Todo lo que desea un trébol y
todo lo que desea un hombre le es
brindado y negado. Yo también
pensé: tienta y niega” (“Tantalia”,
1930).
La “representación no connotativa”, que escoge ser significante y
no significado, teoría y no ficción,
vuelve finalmente a ser connotación, irremediablemente, aunque
sea a nivel metaficcional: no un
lenguaje que permita o impida ver
otros elementos, sino que impida de
manera sistemática la posibilidad
de una lectura trascendente que
hable de otro tema que el de su
propia construcción. Si para el Tántalo mitológico el infierno era un
inmenso lago para morir de sed (en
donde con agua hasta las rodillas,
el condenado no lograba saciarla,
pues el líquido le resbalaba de la
boca; y, rodeado de árboles cargados
de frutas, no podía aplacar el hambre pues las ramas se le escapan de
las manos), dice Flores, también
“tantaliza el texto Fernández,
atormentando una imagen que habiendo sido, una vez, vista y deseada, se brinda y se niega continuamente; manteniéndola siempre fuera del alcance, fuera de contexto,
más allá de la imagen” (Flores, 39).
Esta ambivalencia entre opacidad y trascendencia, connotación
siempre hacia lo literario, parece
una preocupación consciente y relativamente temprana en el orden de
escritura de Macedonio, muchas
veces no resuelta. Así encontramos,
en la recientemente reeditada Libra
–publicación de 1929 en que aparece el primer fragmento de la Novela
de la eterna– una reflexión de Macedonio dentro de una carta dirigida a Francisco Luis Bernárdez, fechada el 20 de mayo: “La misma
metáfora, que es todavía para mí lo
único cierto, lo único genuinamente
literario, lo que no hay en ninguna
otra bellarte, puede usarse, a veces,
no por sí sino como signo de exaltación, pues en todo estado álgido
tendemos a la comparación o metáfora: primero, la halla la exaltación,
y, segundo, la profiere su ímpetu; es
causa y signo (es casi común a todos
los signos ser signos de las causas).
Para mí la metáfora es la única interjección literaria; las interjecciones comunes son música, sonidos de
la exaltación, no hallazgos conceptivos, ideas de la exaltación (ideas
de semejanza). Pero lo cierto es que
no sé nada todavía, y me queda todo el problema de la técnica: símbolos, alucinación, cotidianismo,
REVISTA DE CRÍTICA LITERARIA LATINOAMERICANA
biografía, sucesos. Y lo peor es que
nunca ansié tanto ser afortunado en
un libro.”
Quizá Flores se sostiene por esto en una necesaria línea doble:
piensa en tigres y tréboles, extirpaciones y suicidios, desde lineamientos temáticos y formales, en torno a
una escritura permanentemente
puesta en abismo. Era una línea de
lectura que faltaba a Macedonio, en
ese “ensayo de un nuevo género literario: el cuento sin literatura, incongruente casi y sin elegancias y
que por lo mismo deja irritantemente grabado el solo hecho esencial”. Tal vez sea también lo que
hacen Henry González Martínez y
Carlos González, en trabajos muy
recientes.
En la mirada final sobre Los tigres del miedo, Macedonio está escribiendo, y Flores está leyendo,
buscando un momento apacible en
una lectura / escritura por demás
inestable (quizá por eso lo conveniente de la brevedad de esta colección de bolsillo). Sirva el comentario
para la invitación a la lectura de un
autor de culto –repetimos– orgulloso de serlo. Recordemos que se preció de decir: “No se olvide que soy el
único literato existente de quien se
puede ser el primer lector”.
Yanna Hadatty Mora
Universidad Nacional Autónoma de
México
Luis Cárcamo Huechante y José
Antonio Mazzotti. “Poesía y globalización”, sección monográfica de la Revista de Crítica Literaria Latinoamericana, año
XXIX, Nº 58. Lima-Hanover NH,
2do. Semestre del 2003; pp. 7362.
Cuando de números monográficos se trata, la reunión en torno a
un tema puede resultar tan dispar,
fructífera y/o monótona que a veces
la tarea en común de hablar de un
mismo tema podría terminar siendo
contraproducente. No es lo que ocurre, sin embargo, con el número
339
cincuenta y ocho de la Revista de
Crítica Literaria Latinoamericana,
dedicada íntegramente a la profusa
relación de “Poesía y globalización”.
Desde un principio, los editores
–José Antonio Mazzotti y Luis Ernesto Cárcamo Huechante– ponen
en claro cuáles son sus intenciones
al reunir estos ensayos, a saber: del
fenómeno hegemónico de la globalización y su acelerado intercambio
de signos simbólicos, que vino de la
mano de un neoliberalismo que, en
el caso de Latinoamérica, ha tenido
consecuencias fatales, ambos autores remarcan su paradójica relación
con la poesía. Y uso el adjetivo de
paradójica porque, en la misma
medida que la globalización tiende
a borrar las fronteras nacionales (o
por lo menos a ponerlas en segundo
plano), este mismo proceso ha significado, en el caso del discurso poético, una acentuación de lo local y sus
dinámicas propias (los ensayos de
Soledad Bianchi y especialmente el
de Raquel Olea son elocuentes al
respecto). Se podría decir incluso: la
propia naturaleza de la poesía (que
no sabemos exactamente cuál es,
pero que al menos para Cárcamo y
Mazzotti ofrece la posibilidad de la
inmediatez, de la experiencia no
mediatizada del texto en tanto
cuerpo) opone una resistencia natural al dictado homogéneo y global.
Sin embargo, ni Cárcamo ni
Mazzotti plantean que la poesía sea
ajena a la globalización que hoy por
hoy acapara todos los flujos mediáticos y culturales. En este sentido,
ambos autores son enfáticos en señalar cómo los flujos migratorios
del sur hacia el norte, la masividad
del consumo en términos simbólicos
y reales, establecen el campo de
acción en torno o sobre o con el cual
la poesía contemporánea debe lidiar. Aun más: muchos de los ensayos de este volumen sólo se entienden si son puestos en la perspectiva
de una oposición entre la afirmación o la sobrevivencia de lo local
como una forma de disputar los espacios públicos, y de otro lado la
globalización como un proceso que
enfatiza la hegemonía de los capi-
340
RESEÑAS, No. 62
tales extranjeros por encima de los
estados-nación (Negri, Hardt) a la
vez que es asumida por una anónima sociedad civil que ve en ella la
posibilidad de insertarse en un
mercado (de ¿espectadores?, ¿consumidores?) mucho más amplio.
Esta lucha por el sentido se ve particularmente ilustrada en el ensayo
de Miguel Ángel Zapata sobre la
poesía de José Kozer en el período
de 1983-1993. Por paradójico que
parezca, en un principio este ensayo
parece tener poco o nada que ver
con el tema de la monografía. Zapata se detiene con morosidad en los
recovecos que cubre la poesía de
Kozer y en cómo esta deviene en
una especie de refugio para el hablante, refugio en el cual éste puede
guarecerse del cruce heterogéneo de
identidades que amenaza (pero
también enriquece) la suya misma.
Vale la pena revisar someramente
el caso del poeta cubano: nacido en
La Habana, pero residente desde
principios de los sesenta en Nueva
York, e hijo también de un emigrante ruso que terminara por desembarcar luego de un largo periplo
en tierras cubanas, Kozer –de
acuerdo a lo que señala Zapata–
busca en la descripción minuciosa
del espacio hogareño la solución de
los múltiples enclaves culturales en
que se desenvuelve su obra y (también) su biografía, aunque sin renegar necesariamente de ellos. El tráfico que aquí se pretende poner bajo
control cuenta con otros circuitos de
circulación: así para Luis Antezana
la poesía (o lo poético, de lo que
tampoco se intenta en este ensayo
una definición cabal), encuentra su
recorrido por el mundo globalizado
a través de su incorporación al formato de los medios de comunicación
(y entretención) masiva. Pareciera
que, en esta redefinición del (los)
espacio(s) que le corresponde hoy en
día ocupar a la poesía, un tema que
preocupa a la mayoría de los ensayistas aquí reunidos es la disparidad de los polos de la comparación.
El papel principalísimo de la globalización pareciera amedrentador
ante el supuestamente alicaído rol
social que puede jugar la literatura
–y, en especial– la Cenicienta en
que se ha convertido la poesía. Sin
embargo, poner en cuestión estas
dos ideas que muchos asumen como
hechos consumados, como datos
previos de la discusión, resulta en
varios de estos artículos materia
feraz para la escritura. Es así como
Fernando Rosenberg, en uno de los
ensayos más lúcidos y lucidos de
este número, “La sinrazón poética
en tiempos de globalización”, disecciona con una claridad que es de
agradecer el dilema que muchos
estudiosos enfrentan (y ante el cual
muchos fracasan), aquel de verse en
la obligación, que por lo demás nadie les ha encomendado, de defender a la poesía como si fuera el último bastión de resistencia frente a
la modernidad, el último reducto de
una experiencia auténtica (con resabios románticos y romanticones
de por medio), lo que no la libra,
ante la contundencia de los hechos,
de tener que conformarse con una
incómoda dignidad que más parece
el sinónimo de una derrota. La nostalgia como bandera de lucha, parece decirnos Rosenberg (y en lo cual
también concuerda el texto de Kirkpatrick), no es más que el tono
elegíaco de aquellos que no pueden
ver sino con resignación “la fuerza
desterritorializadora y corrosivamente antifundacional de la globalización” (p. 43). La opción entonces
no es la celebración ni la asunción
de los parámetros que hoy por hoy
se imponen, sino el ser capaces de
responder cuál es el papel que el
discurso poético juega en este nuevo
contexto, si es que juega alguno.
En este marco, parece improbable la recuperación de un supuesto
papel como guardián de la conciencia crítica, que Jameson propone
para la lírica. Y esto porque en la
medida en que se le sigan proponiendo papeles redentoristas (el tan
manido estigma del poeta como
guardián del mito, en la frase ya
famosa de Jorge Teillier, o el autoproclamado representante colectivo
del Neruda previo al vigésimo Congreso), lo único que se logrará es
REVISTA DE CRÍTICA LITERARIA LATINOAMERICANA
devolver a la poesía a un lugar previo o fuera de la historia, desde el
cual es incapaz de dialogar con ésta. Lo mismo ocurre cada vez que el
poeta (y por extensión, la poesía en
su conjunto) ocupa el rol del rebelde
tolerado o admitido dentro de ciertos márgenes, una rebeldía individual que sin embargo es incapaz de
articular sentidos colectivos. Y
cuando lo hace, como por ejemplo en
el caso de aquellos discursos que
nos son presentados como el resultado de una hibridación victoriosa
(especialmente algunos provenientes del Caribe, otros borderlines
como cierta zona del discurso poético mapuche, cuyos imaginarios pese
a todo no se desmarcan de imaginarios
de
raigambre
primermundista), una hibridación que al
prescindir del fundamentalismo de
los orígenes se presenta a sí misma
como una superación de ellos y, en
consecuencia, como un discurso más
“verdadero”.
Para ir terminando: la relación
entre poesía y globalización no puede ser satisfecha, entonces, con la
mera incorporación de un tema y un
léxico nuevos en el poema, o con la
reseña de la(s) jerga(s) de las tribus
urbanas, como una forma de “poner
al día” el discurso lírico. Nada de
nuevo hay en esto y en realidad
elude antes que enfrenta el verdadero desafío, cual es entender no
sólo que el poema ofrezca de una
localidad, una textura o la inmediatez de lo corpóreo por oposición al
sistema global, sino que la poesía
asuma esta nueva lógica no como
un nuevo estímulo ante el cual
reaccionar o un nuevo embate al
que enfrentar, sino como un lugar
para su enunciación que es a la vez
movedizo y temporal, híbrido y
paradójicamente aurático y, por
sobre todo, la condición necesaria
de su existencia.
Cristián Gómez O.
Universidad de Iowa
341
Miguel Ángel Zapata, Moradas
de la Voz. Notas sobre la poesía
hispanoamericana contemporánea. Lima: Universidad Nacional Mayor de San Marcos, 2002,
224 pp.
Moradas de la voz es un libro de
ensayos que estudia la poesía latinoamericana de la segunda mitad
del siglo XX. Su autor, el poeta y
crítico peruano Miguel Ángel Zapata, ha publicado los volúmenes de
poesía Imágenes los juegos, 1987;
Poemas para violín y orquesta, 1991
y Lumbre de la letra, 1997, entre
otros; libros de crítica sobre la poesía de Carlos Germán Belli, 1995,
Antonio Cisneros, 1998 y Oscar
Hahn, 2000; la antología Nueva
poesía latinoamericana, 1999 y antologías de poesía peruana. En este
libro ha elegido transitar un espacio
intermedio entre la crítica académica y la reflexión ensayística más
intuitiva, siguiendo el ejemplo de
poetas como Octavio Paz y José
Emilio Pacheco, que se desdoblan
en críticos para poner su saber hacer poético y su educación estética
al servicio de la interpretación crítica.
El tema que vertebra el libro es
la relación de la poesía y los poetas
con el espacio urbano, que desde la
época de Baudelaire se ha transformado en una experiencia generadora de una espiritualidad única,
que los poetas han asociado con los
aspectos más variados de la existencia humana. En sus ensayos estudia a poetas consagrados por la
crítica nacional e internacional y el
público lector, como Nicanor Parra,
Antonio Cisneros, José Emilio Pacheco, Carlos Germán Belli, Oscar
Hahn, que han marcado cambios
profundos en el lenguaje poético del
continente, y otros de fama nacional
en constante crecimiento por la calidad de su obra poética, como Víctor Manuel Mendiola, Pedro Lastra,
Jaime Sabines, J. A. Mazzotti, Jorge Teillier y José Carlos Becerra.
El libro se abre con un ensayo
introductorio, “Moradas”, en el cual
Zapata analiza las características
342
RESEÑAS, No. 62
más sobresalientes de la poesía contemporánea. Como lo indicó Paz,
señala Zapata, “lo moderno es una
tradición” (12). Zapata estudia la
poesía latinoamericana comenzando
en 1910, luego pasa a la promoción
de los poetas nacidos entre las décadas del veinte y el cuarenta (Belli, Cardenal, Pizarnik), y los nacidos después del cuarenta. Indica
que la poesía latinoamericana dialoga con comodidad con una serie de
corrientes poéticas, particularmente la francesa y la norteamericana,
y con la rica tradición en lengua
española. En los países hispanohablantes se ha ido enriqueciendo e
independizando la sensibilidad de
los hablantes y diversificándose el
registro de los poetas, hasta hacer
de la poesía de la lengua un mapa
tan variado como el de su geografía
y el de su historia.
Zapata divide el libro en dos
partes, la primera de ensayos extensos y bien documentados, dedicados a la poesía de Parra, Cisneros, Pacheco, Hahn, Ollé y Becerra.
Al comentar a estos poetas analiza
el uso del lenguaje poético, su visión
de la modernidad, su relación con la
poesía europea y norteamericana.
Sus observaciones son originales, su
pensamiento crítico está liberado
del hiperracionalismo académico,
dejando fluir su intuición de gran
lector de poesía. Estos ensayos son
valiosos aportes que enriquecen la
bibliografía crítica de estos poetas.
El extenso ensayo sobre Cisneros no
sólo estudia la poesía urbana de
éste, sino que hace una historia del
desarrollo de la lírica moderna en
relación a la ciudad, mostrando cómo la subjetividad se moldea en su
interacción con el arte. El aporte de
Cisneros es crear una conciencia
especial de la relación de la ciudad
con su historia social. En el caso de
Pacheco, Zapata explica su visión
apolítica y apocalíptica de la ciudad; en Hahn, describe sus imágenes visionarias y fantásticas. Con
Carmen Ollé la visión erótica se
funde al paisaje urbano, como en
Baudelaire.
En la segunda parte del libro,
Zapata intenta escribir un tipo de
ensayo más breve y ágil. Estos estudios de la poesía de Varela, Belli,
Ramos Sucre, Teillier, Goldemberg,
Morales, Watanabe, entre otros,
dan una visión sintética de aspectos
de su obra esenciales para situarla
en relación a la poesía de su tiempo.
Por ejemplo, sobre la poética de
Goldemberg, muestra cómo la memoria y la experiencia del tiempo,
sellan y vuelven esenciales la experiencia del exilio; destaca la curiosa
relación desarrollada entre el exiliado y la lengua de expresión elegida, que es un símbolo que lo une a
la distante imagen paterna: el Perú,
su patria. En el caso de Yolanda
Westphalen, asocia su imagen de
“luz interior” con la imagen poética
favorecida por la poeta norteamericana Emily Dickinson, y muestra
cómo esa luz interior transfigura los
objetos, creando una poesía femenina de un intimismo único.
En todo este libro notamos el
buen dominio crítico de Miguel Ángel Zapata, así como su relación
creativa con un género difícil como
es la poesía. Porque la conoce como
creador y lector, Zapata nos trae
una originalidad de visión notable
en este volumen, que deberá ser
consultado por todos los estudiosos
de la poesía latinoamericana contemporánea.
Alberto Julián Pérez
Texas Tech University
Eduardo Chirinos. Nueve miradas sin dueño. Ensayos sobre la
modernidad y sus representaciones en la poesía hispanoamericana y española. Lima: Fondo
Editorial de la Pontificia Universidad Católica del Perú y
Fondo de Cultura Económica,
2004, 206 pp.
Escritos durante la estadía del
autor en diferentes universidades
estadounidenses, y publicados previamente entre 1998 y 2003 en revistas académicas, los diez trabajos
aquí reunidos tienen como protago-
REVISTA DE CRÍTICA LITERARIA LATINOAMERICANA
nistas al nicaragüense Rubén Darío, el mexicano José Juan Tablada,
los peruanos Martín Adán, José
María Arguedas y Blanca Varela, el
argentino Juan Gelman, la uruguaya Cristina Peri Rossi y los españoles Jaime Gil de Biedma, Claudio
Rodríguez y Pere Gimferrer. Una de
las certezas que ha dejado en el autor la escritura de estos ensayos
consiste en “comprobar que en el
texto literario ocurre lo que Slavoj
Zizek [en El sublime objeto de la
ideología] ha observado respecto de
la mercancía y el sueño: que toda
pregunta por la ‘forma’ debe ser
formulada no en torno a los ‘contenidos’ que supuestamente oculta,
sino en torno a las razones por las
que los contenidos adoptan precisamente esa ‘forma’” (13).
El primer ensayo trata sobre el
libro de Darío Los raros, publicado
inicialmente en Buenos Aires en
1896, y que “recoge retratos y semblanzas literarias escritas entre
1893 y 1896 para diversos diarios y
revistas” (19). Es preciso señalar
que la inclusión de este estudio,
como del dedicado a la novela de
Arguedas y, de manera lateral, a la
de Adán, son justificados por el autor al ocuparse de “obras que, de un
modo u otro, proponen una reflexión sobre el destino del lenguaje
poético en sus respectivas comunidades” (15). Para Chirinos Los raros “es una declaración de principios respecto del quehacer poético y
de los roles que le correspondió jugar a los poetas en la conflictiva
etapa de la modernidad y de la instauración de un mercado” (21). En
nombre de la salud de sus propias
sociedades estos escritores se ven
convertidos en los Otros, seres
anormales, endemoniados o locos
como los nombra en una carta el
propio Darío utilizando “los términos y argumentos del adversario
para luego desacreditarlos hábilmente” (20). Chirinos resalta el carácter programático del libro, el
cual se manifiesta en la reivindicación de estos escritores más allá de
sus diferencias y en una “defensa
cerrada” hacia su estética. La con-
343
dena de las sociedades hacia estos
escritores raros no es por una vocación vista como diabólica o enfermiza sino que resulta de “las consecuencias sociales de una modernidad que no les ofrecía ningún espacio de sobrevivencia” (22). Asociados
a “nociones de autoexclusión, originalidad morbosa y decadentismo”
(26), estos escritores más que “excrecencias de la modernidad” se
tratan de su “otra cara” (en frase
prestada de Octavio Paz). A través
de la mirada que de ellos ofrece el
poeta nicaragüense, Chirinos ve
“las tribulaciones de Darío frente al
mercado, el utilitarismo y la ciencia
que amenazaban no solo con destruir el escaso prestigio social del
que aún gozaban los poetas, sino
con desterrarlos (esta vez de manera definitiva) de la República y convertirlos en ‘otros’” (23). Consciente
de esta amenaza “los más conspicuos entre los declarados ‘otros’ por
la nueva normativa del Centro en
Europa fueron reunidos por un poeta mestizo de Nicaragua como modelos para los poetas de la periferia
quienes, a su vez, estaban sufriendo
el proceso de conversión en ‘otros’
por parte de sus propias sociedades”
(24). En ese sentido, Los raros se
trata de un “libro de advertencia”
ante los cambios producidos por el
arribo de la modernidad a Hispanoamérica, cuyas “consecuencias
nefastas” fueran denunciadas por
Rubén Darío en su obra.
En el siguiente ensayo Chirinos
analiza el poema de Tablada “El
automóvil en México” publicado en
1918. En el mismo, el poeta mexicano expresa su “fascinación y rechazo frente a los logros de la modernidad”, lo que da pie a Chirinos
para plantear a esta poesía como
una “poética de la desconfianza”; lo
cual no impide que en su prosa Tablada difunda “las expresiones más
modernas del espíritu” (37). Prosa
en la cual “su desconfianza ante lo
moderno adquiere un carácter razonado” (46). Este razonamiento
lleva al mexicano a “incorporar
creativamente los bienes artísticos
de la modernidad”, aunque conside-
344
RESEÑAS, No. 62
rando sus “productos industriales”
como “innecesarios e incluso peligrosos” (38). Estos “desajustes” entre una poesía de carácter “nomádico” y una prosa más bien conservadora, llevan a Chirinos a plantear
que, más allá de las “comprobaciones empíricas” propias de una realidad latinoamericana “con los vestigios aun vigentes del pasado colonial”, existe “un entramado de circunstancias que moldearon la percepción de los intelectuales hispanoamericanos frente a la intrusión
agresiva de la modernidad” (Ibidem). El tiempo de Tablada (o el de
López Velarde, ejemplificado también en el ensayo) es el de un “complejo aprendizaje de los códigos que
trajo consigo la aparición del automóvil [el cual] estaba destinado a
convivir con la amenaza de la modernidad que venía empaquetada
con el rótulo del modo de vida norteamericano y los cambios que éste
demandaba” (40). El “recurso del
humor” es uno de los “mecanismos
de defensa” utilizados por Tablada
para “conjurar la amenaza moderna”. Aliado al humor está la “‘monstrificación’ de los nuevos artefactos
a partir de referentes propios de la
tradición clásica y cristiana”, en los
que el automóvil más que “emblema
tangible de la modernidad” resulta
siendo “la degradación residual de
una vieja tradición” (40-1). Con ambos elementos (humor y monstrificación), que nutren su “poética de la
desconfianza”, José Juan Tablada
“consiguió innovar, aunque de manera menos audaz que sus contemporáneos futuristas, los procedimientos de escritura” (44). Paralela
a su desconfianza, el escritor mexicano ofrece una “advertencia frente
a los poderes de una modernidad
que a sus ojos solo podía ofrecer
muerte y destrucción”. Y es que no
olvidemos que son los años de la
Primera Guerra Mundial, “la primera en emplear con efectos destructivos aquellos artefactos diseñados para el bienestar del hombre”
(47).
El tercer ensayo se ocupa de
“Poemas underwood” de Martín
Adán, en realidad un poema de casi
cien versos que forma parte de su
novela La casa de cartón de 1928.
La lectura del poema tiene como
objetivo develar la función que el
mismo cumple “en relación al cuerpo central del relato”, así como indagar por “el papel simbólico que
desempeña Ramón en la aventura
literaria de Martín Adán” (56). La
muerte de Ramón, amigo del narrador de la novela, y la inclusión
del poema a mitad de la misma,
sirven para leer “al joven Adán,
quien detrás de la máscara que confunde a Ramón con el narrador,
ofrece las claves de su destino literario” (Ibidem). Una de esas claves
tiene que ver con la propuesta del
poema hacia “la aventura de una
salida a lo que podríamos llamar la
‘calle real’, es decir a aquella creada
con los materiales de la modernidad
y que se encuentra regida por una
voluntad urbanista (o ‘urbanizadora’)”, lo que de alguna forma le
otorga al narrador “un lejano parentesco con el romántico flâneur
tal como lo describe Benjamin” (59).
La asociación entre urbanismo y
modernidad (acompañada por la
presencia de lo norteamericano)
“carga de ironía” a la mirada crítica
de Adán. En esa línea, y después de
realizar una comparación entre
“Poemas underwood” con otros del
español Pedro Salinas y del peruano Carlos Oquendo de Amat en los
que el término underwood también
se encuentra presente, Chirinos
pasa a establecer la opción por el
cinismo que extrae de su lectura del
poema-puente de La casa de cartón.
“La escritura como desenterramiento” es el título del ensayo en el
que Chirinos analiza la novela póstuma de Arguedas El zorro de arriba y el zorro de abajo de 1971. Obra
en la que “la distinción entre narrador y autor recomendada por el
análisis estructural resulta poco
menos que frívola” dado que “la obsesión por el suicidio amenaza no
solo la vida del narrador-autor, sino
también la vida de la materia narrada” (81-2). Chirinos analiza tres
pasajes del libro “donde las refle-
REVISTA DE CRÍTICA LITERARIA LATINOAMERICANA
xiones lingüísticas del autornarrador son consustanciales a la
reflexión sobre su destino personal
y social” (87). La lectura que respecto a Arguedas ha realizado Mario Vargas Llosa (condensada en su
ensayo La utopía arcaica de 1996)
es reiteradamente refutada y/o enmendada a lo largo del texto. Y es
que para Chirinos la apuesta de
José María Arguedas en esta novela
“por un lenguaje utópico ‘cargado’
de pensamiento mítico que no tema
apelar al ánima vital de la naturaleza, y que a la vez sea capaz de
poner en escena la amalgama de
frustraciones, miedos y deseos que
nos configuran como seres sociales,
se sitúa más allá de los límites que
impone la historia inmediata y se
convierte en una utopía deseable”
(94).
El siguiente ensayo tiene como
tema Dibaxu, poemario de Juan
Gelman publicado en Buenos Aires
en 1994. Se trata “tal vez [d]el único libro de poemas de amor escrito
en lengua sefardí por un escritor
hispanoamericano”; poemas que
han sido también “traducidos al
español moderno por su autor” (99).
Chirinos expresa que ante estos
poemas sefarditas no puede sustraerse “del deseo de celebrar en el
canto del amor más puro la dolorosa experiencia del exilio” (100). En
este trabajo se acentúa el acercamiento intradisciplinario (es decir,
de la crítica literaria como ejercicio
de análisis y comentario textual)
que ha venido caracterizando al
autor desde su primer libro de ensayos El techo de la ballena (Lima:
Fondo Editorial PUCP, 1991) o en
su miscelánea de escritos sobre literatura Los largos oficios inservibles
(Lima: Grupo Editorial Norma,
2004); acercamiento que nutre
también las crónicas de Epístolas a
los transeúntes (Lima: Fondo Editorial PUCP, 2001) o los comentarios
que forman parte de su ficcional
revista de literatura El fingidor
(Lima: Fondo Editorial PUCP,
2003), de donde procede una versión anterior de este ensayo. No se
puede dejar de considerar tampoco
345
un libro mucho más orgánico como
La morada del silencio (Lima: Fondo de Cultura Económica, 1998),
cuyo origen se ubica en la tesis doctoral que Chirinos escribiera para
la Universidad de Rutgers.
De todos los ensayos que conforman el libro, el único no publicado previamente es el dedicado a
Blanca Varela, por lo que suponemos que este es el texto que “solicitó su ingreso” tardíamente (16); es
decir, a pesar de que el autor ya
tenía decidido el título, dando como
resultado nueve miradas para diez
ensayos. El poema “Ejercicios materiales” de Varela, el cual forma parte de un poemario del mismo nombre, publicado en 1993, es leído correlativamente a los Ejercicios espirituales de San Ignacio de Loyola,
publicados en Roma en 1548. En
abierta antítesis con el texto ignaciano, el poema de Varela propone
“en la caída la experiencia final para llegar a una suerte de santidad
negativa” (125). También, en el
poema de Varela “se plantea el deseo de sacar del ‘interior’ del cuerpo
el poema y hacerlo ‘exterior’ como
quien saca a luz algo tan corpóreo y
propio como un hijo” (119).
El siguiente ensayo analiza el
poemario Babel Bárbara de Cristina Peri Rossi, publicado en Caracas
en 1990. El libro contiene “una teoría del aprendizaje amatorio” sobre
la base “del mito de la Torre de Babel”; su historia “trata de la convivencia entre una mujer y su propio
deseo convertido en mito” (136-7).
Sin embargo, esta obra también
“puede leerse como una meditación
acerca de los límites del lenguaje
poético” (140). Estos límites se desplazan a su vez hacia “la oscura
multiplicidad del sexo femenino”,
históricamente reprimido por la
cultura clásica y cristiana; sexo
(vagina, vulva) hoy definido positivamente por feministas como Luce
Irigaray (citada por Chirinos) como
“dos labios que se besan continuamente” (146). En suma, teoría, mito, historia y límites coinciden en
una “síntesis simbólica” en la que
“la aparición de la palabra no es
346
RESEÑAS, No. 62
solo un hecho lingüístico sino también una experiencia corporal”
(147).
Los tres ensayos finales están
dedicados a sendos autores españoles. El que trata sobre Gil de
Biedma analiza en dos de sus poemas “el extraño vínculo que existe
entre la poesía y la sensibilidad infantil” (153), tema constante en las
reflexiones del poeta barcelonés.
Como concluye Chirinos: “Para Gil
de Biedma asumir la ‘mentalidad
adulta’ no solo significa establecer
las coordenadas histórico-sociales y
literarias en las que se hallaba inscrita su infancia, sino servirse a
conciencia de ellas para escenificar
su propia situación […] en el presente” (167). Por su parte, el trabajo
dedicado a Claudio Rodríguez busca
establecer la “secreta unidad” de su
obra, “sus complejos y sorprendentes vasos comunicantes” (173). Hay
que mencionar que uno de los versos de este autor sirve de epígrafe
al libro, verso que inspira además el
título del mismo. El concepto de
ebriedad (y sinónimos o derivados
como embriaguez, borrachera e incluso brindis) sirve a Chirinos para
realizar la lectura de la actitud
asumida en esta obra poética: “en
una sociedad que convierte el arte
en mercancía y al artista en productor” Rodríguez opta por la embriaguez como “una forma eficaz de resistencia contra dichas maniobras”
(177-8). Finalmente, completa el
libro un análisis al poema de Pere
Gimferrer “Mazurca en este día”,
incluido en su poemario Arde el mar
de 1966. “Leídos treinta y cinco
años después”, escribe Chirinos,
“los poemas de este libro confirman
su importancia capital en el panorama de la poesía española de este
siglo” (189).
El ya mencionado acercamiento
intradisciplinario de Eduardo Chirinos nos permite leer eruditos
análisis que iluminan aspectos sin
duda vitales en lo relativo a la literariedad de las obras escogidas. Sin
embargo, estos aspectos (la búsqueda de lo literario) en el análisis de
Chirinos solo cumplen en parte con
la búsqueda de razones para explicar por qué algunos contenidos escogen sus formas, para remitirnos a
la cita inicial de Zizek. Por eso, pese
a sus méritos innegables, algo nos
hace esperar una armazón más
consistente entre los diez ensayos
más allá del hecho de tratar de poetas hispanohablantes y sus conflictos, en algunos casos, con la modernidad. Este último concepto podría
haber sido explorado de manera
más amplia echando mano de herramientas interdisciplinarias, historicistas, desde hace varios lustros
frecuentes en el quehacer crítico de
la academia norteamericana. Pese a
todo, se trata de un excelente libro
de ensayos literarios, digno de reconocimiento, por lo que resulta
recomendable.
Paolo de Lima
Universidad de Ottawa

Documentos relacionados