2015 - Fraternidade Hermetica

Transcrição

2015 - Fraternidade Hermetica
Janeiro 2015
O CONDE CAGLIOSTRO
Primeira parte
Quem foi Alessandro Cagliostro?
O escritor francês Marc Haven escreveu no início do século XX uma biografia de Cagliostro, intitulada “O
Mestre Desconhecido”, com abundante bibliografia, demonstrando grande
interesse pelo personagem misterioso que tinha chamado muita atenção ao seu
redor, bem como à sua obra.
Baixo, corpulento, moreno, sobrancelhas espessas e cabelos negros, o misterioso
conde siciliano parecia mais com um sátiro do que com Ganimedes.
Não obstante a forma física pouco atraente, exercia um fascínio irresistível sobre o
sexo feminino, e desde muito jovem teve fama de grande sedutor.
Sobre as origens de Cagliostro, numerosas lendas existem. A mais fantástica de
todas, diz que ele foi filho natural do nobre dom Manuel Pinto de Fonseca, Grão-Mestre da Ordem de
Malta, o qual reservadamente teria confessado ter tido um filho natural que viajava sob falso nome pela
Europa, filho que amava afetuosamente e do qual guardava o segredo da origem sob o mais zeloso
segredo.
Outros o consideram descendente de um príncipe árabe residente na Sicília, no período de dominação
muçulmana. Enfim, presumiu-se que fosse Apolônio de Tiana, renascido com as vestes de Giuseppe
Balsamo em virtude da metempsicose.
O verdadeiro nome do conde Cagliostro era Giuseppe Balsamo, nascido em Palermo em 1743. Ainda
criança ficou órfão do pai, e sua mãe, Felicia Bracconieri, não dispondo de muitos meios para a educação
daquele filho sensível e inteligente, mandou-o estudar em um seminário.
Aos 13 anos, já noviço, foi destinado ao convento de Caltagirone e entregue aos cuidados especiais do
boticário, com o qual aprendeu os primeiros elementos da botânica oculta. Na biblioteca do convento, o
jovem noviço teve também a extraordinária sorte de estudar os Arcanos da ciência no “Código dos Sete
Sábios”, livro que pertenceu ao Grão-Mestre da Ordem do Templo e que chegou até o convento não se
sabe de que forma. Por causa de sua particular índole, o hábito de frade começou a lhe incomodar, e logo
abandonou o convento para retornar à casa materna, na qual para poder viver praticou a arte do desenho,
sombreando, reproduzindo e imprimindo os desenhos realizados com caneta e tinta de quina. Aperfeiçoou
a caligrafia e tornou-se muito hábil na escritura de códigos e de testamentos. Neste ambiente de cônegos e
tabeliães surgiu a história do prateiro Marano, que acusando Balsamo de bruxaria o constringiu a
abandonar precipitosamente Palermo.
Durante a fuga parou em Messina, onde conheceu um misterioso personagem chamado Altotas, dito o
Cosmopolita, que o aperfeiçoou empiricamente na espagiria e o instruiu na transmutação dos metais, na
fixação do mercúrio que convertia em ouro. O misterioso Altotas era um “expert” na hiperquímica, na
preparação da pedra filosofal, do ouro potável e do elixir vitae. Enfim, ensinou a Balsamo o segredo de um
medicamento denominado o Grande Sábio, do qual o conde se serviria no futuro como "medicina
universal". Embarcaram juntos em um veleiro para o Egito e durante o percurso pararam na ilha de Rodes,
famosa pelo "Código dos Sete Sábios", que continha os arcanos da magia egípcia. Nesta Giuseppe Balsamo
foi definitivamente iniciado nos quarenta dias passados em companhia de Altotas, quando no Egito.
Durante a viagem de retorno parou na ilha de Malta para visitar o Grão-Mestre
da Ordem de Malta, mecenas e protetor dos alquimistas, que estava morrendo.
Pinto, antes de morrer, recomendou o jovem “filho” a um cavalheiro que estava
partindo para Nápoles, e deu-lhe dinheiro e cartas de recomendações para os
príncipes da Europa. Com estas credenciais no bolso foi recebido em Nápoles
pelo Príncipe Luigi d’Aquino de Caramanica, o qual praticava a alquimia ensinada
pelo príncipe Raimondo di Sangro e o introduziu em seu laboratório de química
oculta.
Na primeira vez em que viajou para Roma, apaixonou-se por uma belíssima jovem de nome Lorenza
Feliciani, com a qual casou-se, encontrando afetuoso acolhimento na casa dos sogros Pasqua e Giuseppe
Feliciani. Lorenza era uma mulher de apenas quatorze anos, muito graciosa, com olhos azuis vivissimos,
cabelos longos e louros, pele branquissima como uma Nossa Senhora. Foi educada pela mãe para o vínculo
sagrado do matrimônio e dedicou-se à vida conjugal ligando-se àquele homem, amado por ela, com toda a
abnegação de uma jovem de firmes princípios.
“Por acaso encontrei uma senhorita de qualidade e de nível bom: Serafina Feliciani. –declarou Cagliostro
aos inquisidores durante um interrogatório -Tinha apenas deixado a sua adolescência, a sua beleza e a sua
personalidade acenderam o meu coração, paixão que dezesseis anos de matrimônio fortificaram ainda
mais”.
Giuseppe Balsamo, no entanto, não querendo abusar da hospitalidade dos Feliciani, encontrou uma
ocupação recrutando-se como oficial do Rei da Prússia no regimento do coronel Marquês Alliata, ele
também siciliano e do qual gozava da proteção e da amizade. O marquês tinha fama de possuir o segredo
da arte real e logo fez do jovem Balsamo, sobre o qual pesava o preocupante boato de ser propenso à
ciência divinatória dos sonhos e de possuir o dom de descobrir através de uma visão os tesouros
escondidos, um seu discípulo.
Lorenzina e o conde foram então para Bérgamo, com a missão de engajar recrutas para o rei da Prússia.
Partiu em seguida para Madri, e na Espanha começou a exercitar a medicina curando particularmente os
doentes de sífilis, doença conhecida naquela época com o nome de “mal francês”. Da
Espanha foi para Lisboa, recebido por dom Juan Menina, rico mercador português
com negócios na América do Sul. Pouco tempo depois, Giuseppe e Lorenza
atravessaram o Canal da Mancha, indo para a Inglaterra. Durante a travessia Lorenza,
que estava grávida, teve um aborto e perdeu o filho. Em Londres o conde Cagliostro
encontrou novamente o nobre Alliata, do qual havia se separado em Bérgamo, e
colocou em prática as suas habilidades de desenhista colocando-se ao serviço de
alguns senhores que o empregaram como pintor.
Continuou seguindo viagem com a sua amada esposa, com o propósito de ir para a França; próximo a
Dover, Balsamo errou o caminho e perdeu-se na floresta. Desesperado e com muito frio, não sabia o que
fazer e aonde ir até que à distância apareceu uma luz que lentamente movimentava-se. Acelerou o passo e
chegou próximo a um muro no qual notava-se a abertura de um antro. Vencido pelo frio e pela angústia,
resolveu entrar naquele antro. Improvisamente ouviu vozes e um clarão lhe turvou a vista. Entrou, sentouse no chão apoiando-se em uma parede e, sem forças, abandonou-se e logo adormeceu.
Contou em seguida ter tido uma visão durante a qual lhe apareceram Enoch e Elias, os quais o elegeram
seu continuador, dando-lhe como brasão uma serpente com a maçã na boca, ferida com uma flecha, bem
como o dom de prolongar a vida dos homens, de socorrer os indigentes e de propagar a ciência dos
egípcios.
Foram tais as coisas que o conde Cagliostro realizou a seguir. Quando despertou estava ao lado de seu
cavalo, continuou a viagem para Dover e no dia seguinte atravessou o Canal da Mancha em um
providencial veleiro que dirigia-se para Boulogne, na França.
À amedrontada mulher, que pensara ter para sempre perdido o marido, contou depois que naquele antro
Enoch e Elias, em um carro de fogo, disseram-lhe: “Estaremos COM VOCÊ”. Isto me basta, eu serei
chamado CONDE CAGLIOSTRO (que significa “Bom Vento”) e vocês testemunharão que EU SOU QUEM EU
SOU. Lorenza foi então regenerada e declarada Mestra, assumindo o nome de Condessa Cagliostro.
Foi então para Estrasburgo, onde começou a reunir os primeiros discípulos. Informado sobre a morte de
Pinto, seu presumido pai, retornou para a ilha de Malta para homenagear a tumba do Grão-Mestre da
Ordem. Em Malta teve uma segunda visão de Enoch e Elias, os quais lhe confirmaram o especial mandato
iniciático.
A fama de curandeiro e de taumaturgo corria pela Europa, e em toda cidade onde parava deixava
testemunhos tocantes de sua generosidade e de curas que ele realizava gratuitamente aos infelizes e aos
pobres. Enfim, falava-se dele como sendo um autêntico santo, capaz de realizar milagres e prodígios.
Cagliostro porém tinha uma grande culpa, não tinha se submetido à Igreja e - pior ainda - tinha se afiliado
na Inglaterra à seita dos franco maçons, condenada pela Igreja de Roma por heresia. À medida em que sua
fama avançava, multiplicavam-se contra ele as acusações de impostura e de trapaça, espalhadas
provavelmente pelos religiosos que o odiavam, não obstante fosse ele recebido pelos príncipes em todas as
cortes européias, da Polônia, da Rússia, da França e da Inglaterra, e apesar de ser seguido por nobres
senhores, necessitados de curas e de conselhos, que o consideravam como um enviado
do Céu.
Sempre acompanhado pela fiel mulher Lorenza, à qual tinha dado o pseudônimo de
Serafina, em 1784 fundou em Lyon, na França, uma nova loja maçônica denominada “A
Sabedoria Triunfante” que baseava-se na tradição egípcia. Nos rituais desta maçonaria
de Rito Egípcio, fala-se das quarentenas e da regeneração física e moral do homem, no
qual está previsto o uso de um misterioso elixir de vida. Durante uma reunião com os
seus afiliados previu a Revolução Francesa e a destruição da Bastilha, assim como a
queda do velho regime.
Confiando no fato que não estava acusado de nenhum delito no Estado Pontifício, apesar de saber do ódio
que a Santa Inquisição nutria por ele, por causa da excomunhão pronunciada pela Igreja contra a
Maçonaria, decidiu ir para Roma, onde pensava ficar alguns meses antes de transferir-se definitivamente
para Nápoles, tendo a vontade de fundar na cidade partenopeia o Rito Egípcio, mas Roma foi a última
etapa do seu longo peregrinar de nobre viajante.
Dos documentos oficiais e das histórias contadas pelos escritores, resulta que Cagliostro foi preso pelos
guardas pontifícios e conduzido ao Castelo de Santo Ângelo, enquanto Lorenza, também presa, foi
conduzida ao monastério de S. Apolônia em Trastevere e confiada às curas de um hábil confessor que
conseguiu com boas maneiras e com as ameaças do fogo eterno tirar da pobre Serafina uma confissão
cheia de acusações contra o marido.
As presumidas confissões de Serafina serviram para a Santa Inquisição preparar o processo contra Giuseppe
Balsamo, acusado de magia, bruxaria, heresia e de ter sido fundador e propagador da magia egípcia.
Culpado, foi condenado à morte. Lorenza Feliciani ficou no monastério sob a guarda da madre superiora,
enquanto que a pena de Cagliostro foi convertida em prisão perpétua, tendo sido preso na fortaleza de San
Leo.
Em San Leo, Cagliostro, submetido a contínuas vexações e torturas por parte de seus carcereiros,
aterrorizados pela ideia que o mago pudesse fugir ou ser liberado, não viveu por muito tempo. Durante
uma das tantas perquirições às quais era submetido foi encontrada com ele uma anotação que dizia:“Pio
VI, para aderir aos desejos da rainha da França causou a minha pena e aquela da inocência. Desgraça para a
França, desgraça para Roma e para os seus aderentes”.
Em 26 de agosto de 1795, Giuseppe Balsamo foi encontrado morto em sua cela. De acordo com a história
oficial, o seu corpo, lançado no lixo, nunca foi encontrado.
1 – continua
BEETHOVEN
Quem é o herói? É aquele que não abdica, que nunca se abstém, que segue adiante superando os
obstáculos, que utiliza a coragem, a tenacidade e o otimismo como armas mentais.
Beethoven é um herói. Resistiu a todos os ataques. Um acaso o fez nascer em um ambiente
desvantajoso, filho de um alcoólatra e de uma empregada doméstica? Ele consegue do mesmo
jeito elevar-se. Aquele ávido tenor falido, seu pai, o constringe a aprender o cravo dando-lhe
muitas surras e o violino dando-lhe muitos pontapés, não lhe deixa comer, o insulta, o humilha?
Beethoven amará igualmente a música. Os pais lhe dão pouco afeto, não sabendo bem nem
mesmo o que seja? Beethoven adorará o amor. Aos vinte e seis anos fica surdo e a surdez o faz
sofrer e isola-o sempre mais? Mesmo assim, excetuando suas primeiras três obras, realizará toda a
sua obra sem nada escutar. O seu mal lhe impede relações sociais, conjugais, de amizade, o
condena à solidão, lhe impede de conhecer o prazer? No crepúsculo da vida escreverá todavia um
Hino à Alegria.
Eric-Emmanuel Schmitt – Quando penso que Beethoven morreu enquanto ainda vivem tantos
cretinos.
GIULIANO KREMMERZ: MATERIALISMO E REALIDADE MÁGICA
O materialismo do qual – sem razão – o hermetismo é acusado por alguns teósofos, não é o conceito
convencional do qual se faz progressiva propaganda por todos os adoradores da matéria.
Eu respeito profundamente todos os comentadores e os anotadores e os vulgarizadores da ciência da
verdade escondida, de Confúcio a Lao Tze, de Buda a São Paulo, de Allan Kardec à Blawaski, mas mesmo
olhando horrorizado toda a grandiosidade das vulgarizações e adaptações sociais, eu digo que quem nos
acusa de materialismo vulgar, assim como aquele do século XVIII que nos foi predicado nas escolas
experimentais, nunca entendeu o que seja, como corpo de filosofia, o ocultismo antigo e tradicional.
Na Porta Hermética e nos Elementos de magia natural e divina, eu reduzi os princípios fundamentais ao
alcance de todas as mentes.1
O universo é uno. O mundo é uno. A vida é una. Tudo aquilo que é, ou seja o Ser, é uno. Se quem faz
profissão de pedagogia de perfectibilidade não aceita este princípio, fortaleza sobre a qual se desenvolve
toda a doutrina filosófica da iniciação mágica, ensinará talvez uma coisa mais grandiosa, mais elevada, mais
incrível do que a quinta-essência, mas não tem nada a ver com o fundamento unitário da nossa filosofia
hermética. Ora, ao contrário, aceitado o princípio, não se pode pretender nenhuma divisão substancial e
profunda entre matéria e espírito; classificação que parece partidarismo e exaltação: tanto no cientista
vulgar que concebe um erro, a matéria obediente a leis não inteligentes, como no místico religioso – que
quer se confundir com o hermetista sábio – que presume uma inteligência exterior e separada da
realização dos meios e como suficiente a si mesma.
Se a primeira hipótese do tudo matéria fosse verdadeira, os supostos cientistas negariam a própria
inteligência de julgamento. Se tudo é matéria e fenômeno químico-físico não inteligente, aquele que tira
dos tolos tais inefáveis teorias não possue o discernimento e o juízo de entender nada, e se entende-o e
examina-o e formula uma opinião, quer dizer que nega a sua manifestação essencial de observador agudo.
Se a segunda hipótese do tudo espírito fosse uma verdade, o sensível, isto é a percepção transitória do real,
não procederia do conflito entre a imagem subjetiva do mundo e a sua manifestação mecânica.
A realidade mágica está no equilíbrio entre a inteligência livre e o fenômeno da sensibilidade orgânica. A
vulgaridade é capturada e escravizada pelo fenômeno. A aristocracia inteligente está fora do domínio da
imperfeição aterrorizante ou sedutora do fenômeno exterior. Porém dentro e fora a natureza do Ser, a lei é
única porque também o fenômeno de ordem físico e químico pressupõe a inteligência efetiva e relativa
senão absoluta das causas.
A iniciação no sentido profundo da magia e do hermetismo, não deve ser confundida com o misticismo,
que em um comentador de Augusto Comte encontro definido como sendo uma tendência a admitir o
sobrenatural fora do raciocínio por experiência imediata. A iniciação à verdade profunda e única da
Unidade daquilo que existe deve ser entendida como participação à arte da criação consciente, então o
sobrenatural no sentido profano não existe se todas as manifestações são compreendidas na Natureza que
é a Unidade. A arte mais requintadamente intelectual, a música por exemplo, é espírito de harmonia, mas a
harmonia pressupõe o som e então o instrumento ou órgão que o emite: um grande musicista espiritual
interiormente, isto é subjetivamente, se se recolhe sente a melodia evocando a recordação do som que é
um fenômeno físico, e se quiser nos fazer ouvir precisa do violino ou do piano ou da orquestra.
O pintor, o escultor, o arquiteto, mesmo na concepção mais sublime da forma espiritualmente entendida,
devem evocar a matéria na qual a ideia captura imagem interiormente, e se quiserem participá-la aos
outros precisam dos meios físicos relativos, a cor, a mármore ou a argila, a pedra e o cimento... que são
matéria na qual está trancado o espírito da ideia artística concebida interiormente como ato criativo livre.
Eu evito de falar de espiritualismo religioso para não entrar em um campo que não é o nosso e também
para não perturbar nenhuma fé, mas nesta época na qual tanto se fala de filosofia religiosa é necessário
admitir que existe uma necessidade de pesquisa das finalidades e da origem da matéria vivente fora do
dogma, pelo contrário em livre contradição com ele, para tornar conhecível o segredo do incognocível dos
filósofos escolásticos. Mas isto socialmente e intelectualmente não é um fenômeno novo e é antirreligioso
porque é contra a fé que essencialmete constitue a religião mística. Por conseguinte para fazer um pouco
de livre crítica a este estado atual das fofocas humanas não se pode deixar fugir o caráter de novidade ou o
pretexto de novidade que acompanha a floração muito eloquente da moderna pesquisa pseudo científica:
o oriente, farol de verdade e pai de toda doutrina verdadeira. O moderno teosofismo é fundado sobre a
1
Os “Elementos de magia natural e divina” foram publicados no I° Vol. da “Ciência dos Magos”, Devir, São Paulo,
2014. A “Porta Hermética” será pubicada no II° Vol. da “Ciência dos Magos” em preparação.
base indiscutível de um axioma que é muito discutível por quem está fora do argumento, que a filosofia
mística do oriente é a avó respeitável de todas as verdades religiosas do mundo contemporâneo, e que em
seu saco contém todas as inefáveis verdades do absoluto. Isto acontece no ocidente Europeu, enquanto
que na América florescem e brotam as grandes seitas do cristianismo livre, isto é fora da Igreja de Roma e
fora das reformas: o sentimentalismo neste neo cristianismo que não tem nada a ver com Jesus Cristo, faz
equilíbrio à invasão da ideia búdica, a qual permite às nossas grandes crianças sedentas de poesia e de
mistério de propagar ideias pestíferas que se aceitam e seduzem sem o benefício da análise desapaixonada;
enquanto as ideias, aquelas ideias muito indianas, deveriam educar os neo crentes à possibilidade
inverossímil da renúncia e do não querer, ao contrário afirmam-se com o ideal de conquista e de
propaganda que faz pensar seriamente à pergunta ingênua: se os bikku e os priores de conventos ou
eremitérios indianos fazem a propaganda, com o exemplo pessoal, com o desejo ou com o não desejo de
difundir a ideia epidêmica da identificação da alma particular no universal.
A iniciação não é um sonho se é por si mesma a suprema das aspirações à forma e à criação do ser, forma e
criação transitória mas aspiração suprema e absoluta se se olha do ponto de vista subjetivo da nossa
ciência de perfectibilidade no relativo concreto. Acusar a iniciação hermética como sendo um materialismo
que prevarica é o mesmo que querer ler as esplêndidas páginas de De Lorenzo que faz em prosa poesia
maravilhosa sobre os acenos das ideias místicas das raças indo-europeias, e culpá-las da visão ínsita da
suprema perfeição espiritual. Certas formas de poesia religiosa são de grande necessidade para as almas
modernas como as fabulosas aventuras da Fada Biancaspina são uma diversão prazerosa para as meninas
que estão cansadas da escola e da gramática. Analisar estes sonhos é uma obra cruel, porque mata as
imagens inverossímeis, irreais, absurdas e estúpidas que dão uma hora de felicidade para quem precisa
encontrá-la e procurá-la de qualquer maneira e em qualquer lugar. É necessário definir por crueldade a
volontária interrupção de visões que aliviam o gênero humano do tédio da vida cotidiana no inverossímil e
beato reino das lorotas. Por que se vai ao teatro para assistir a uma comédia que faz rir? Para rir. Se ao
espectador que ri vocês sugerem malinconicamente que tudo é irreal vocês terão cometido um delito
bestial e feito perder ao alegre espectador o preço exato pago no caixa do espetáculo.
Cito um escrito de De Lorenzo2.
“Neste culto sagrado do fogo primaram sobre todas as raças indo-europeias, talvez por uma inata
disposição originária, que via no fogo o elemento da vida por excelência, ao qual podiam também confiar
os seus corpos após a morte, e talvez também como vaga reminiscência da importância da luz e do calor
nos gelados planaltos, dos quais estas partiram, para descer e difundirem-se em lugares mais quentes,
acariciadas pelas ondas do Oceano Índico, do Mediterrâneo do Atlântico. Em todas as manifestações,
sagradas e profanas, destas raças, na vida como na arte, o fogo chameja como o elemento e o símbolo
fundamental do universo: das mais antigas poesias védicas e do antigo culto persa, condensado por
Zaratustra, passando pelas heróicas fogueiras da Ilíada e pelo sagrado culto de Vesta em Roma, até as
manifestações germânicas, das quais Wagner deu a mais moderna e poderosa representação no fogo, que
atrai Siegfried e no qual se consome Valquíria: “Ah, ardor de alegria! Brilhante esplendor! Radiante agora
aberta está diante de mim o caminho. No fogo banhar-me! No fogo encontrar a esposa!”.
Reduzindo à realidade da prosa toda esta bela poesia, eu deveria dizer que no fogo do qual surge tal
límpida fonte de ideias vivas nas raças humanas foi a festa para combater o frio: física e não metafísica –
medo de atormentar-nos com a falta de vida que é calor – materialismo puro e simples. A cruz ansata, que
é a cruz idiana, da qual cada extremidade é uma ansa ou braço curvo, pode abrir a mil reflexões
metafísicas, a mais de mil sutis imagens de eternas leis – porém ao caso prático hoje é definida
prosaicamente como um primitivo instrumento para bater sobre a pederneira e fazer sair faíscas.
2
Giuseppe De Lorenzo (1871 – 1957) foi um geógrafo e geólogo italiano, docente da Universidade de Nápoles.
Ocupou-se também de indologia e divulgou na Itália o conhecimento do Budismo. Foi sócio da Accademia Nazionale
dei Lincei.
Se materialistas somos nós que queremos a precisa visão das coisas reais, não menos materialismo
enconde-se sob as palavras da bela exposição. O homem é como foi e como será, ligado ao princípio da
conservação da forma e da felicidade temporânea mesmo que transitória e rápida. O hino ao fogo religioso
provém de uma felicidade material que a chama dá ao homem que tem frio e sofre o frio. O autor
implicitamente o diz.
Um outro trecho de De Lorenzo:
“Nesta voz divina de Jesus, predicante na Galileia, ouvia-se como o eco enfraquecido de uma grande, santa
voz, que, cinco séculos ainda antes de Cristo, no vale do Ganges, nas sedes aonde floresceram os hinos a
Agni, tinha proclamado: <Um cárcere é a casa, um monturo: livre céu a pelegrinagem>; e ele também, o
asceta Gautama, tinha se destacado da casa e da família, para retirar-se na ermida, aonde tinha predicado
aquela doutrina de renúncia ou de extinção, que hoje é ainda espiritualmente seguida por quinhentos
milhões de budistas acolhidos na Ásia”.
Os quais quinhentos milhões possuem casa quem rica e quem imunda e no entanto o espírito de Gautama
faz sonhar que não possuir casa é melhor do que possuí-la. Materialismo real e sonho como tempero.
Quem prescinde da ideia transitória do materialismo da vida e se lança alma e corpo no sonho abandona a
casa e vai para o deserto, na solidão pelegrinando. Se chove e se a noite é gelada refugia-se em um antro
que, vice-versa, é uma casa em embrião. É materialismo o meu ou a realidade do ser é tal que não se pode
distinguir o espírito separado da matéria? Coberto com cobertores macios, a lareira flamejante no quarto,
um magnífico havana entre os lábios, é sedutor pensar que lá fora caem os flocos de neve e que o homem
livre, emancipado, superior à vulgar humanidade estaria gloriosamente próximo da verdade girando por aí
selvagem em meio à espessa floresta... que delicioso sonho enquanto a preguiçosa voluptuosidade nos
detém na cama. Se você deixa a cama e corre para a realização do sonho embaixo de uma tempestade de
água fria será o primeiro a dizer: quanto me faria bem um pequeno aquecedor!
E De Lorenzo o reconhece em seguida:
“E assim dois terços da inteira humanidade, mais ou menos um bilhão de homens, mesmo não seguindo-a
praticamente, adoram idealmente uma doutrina, que renega toda forma de vida deles: o que seria um
testemunho da absurda incongruência do espírito humano, se não fosse ao invés a mais admirável prova da
excelência da santa doutrina, brilhante como um resplendente sol sobre o turvo rio da humanidade,
irresistivelmente e perpetuamente arrastada a viver da sua inexaurível sede da existência”.
Aqui poderia-se perguntar o porque de uma adoração ideal de uma doutrina que não se segue é uma
mirável prova da excelência da santa doutrina? Eu não entendo senão pensando na fábula da Fada
Biancaspina: porque fatalmente ligados à existência, é necessário sonhar, porque o homem, criança até na
velhice, precisa do sonho e da consolação. Nesta finalidade de consolar a humanidade sofredora Confúcio
está de acordo com Buda, e Maomé com os outros. Maomé ensina a resignação com Alá que quer assim e
assim – Buda brinca em mil ocasiões e ao rico que viu destruída a sua riqueza ele diz literalmente assim:
“Quem é rico de filhos pode ser feliz com os filhos, o pastor pode ficar feliz com o rebanho: o apego, eu
digo, faz alegrar os homens; não alegra a quem não se apega mais a nada”.
Quer dizer que a alegria é o resultado de um apego à vida que no caso é determinada pelos filhos e pelo
rebanho, como nos outros casos poderia ser uma mulher bela ou uma caderneta de poupança ou um prato
de nhoque.
Depois acrescenta:
“Quem é rico de filhos pode entristecer-se pelos filhos, o pastor pode entristecer-se pelo rebanho: o apego,
eu digo, faz entristecer os homens; não se entristece quem não se apega a mais nada”.
Quer dizer que a tristeza é sempre causada pelo apego às coisas. Então o apego às coisas causa alegria e
tristeza. O destaque é a salvação. Separe-se das coisas se você quiser a salvação.
Eu conheço muitos homens sérios, com juízo, serenos, capazes de resolver uma equação com dezessete
incógnitas na vida, e que diante do dito áureo atribuído a Buda amolecem até chegar a chorar e sentem-se
dentro deles, no profundo da oitava personalidade da imbecilidade oriental, mover a admiração pela justa
filosofia deste destaque – bem entendido não fazem nada na prática, não se cansam nem mesmo para
perceberem exatamente o porque amolecem, o porque acham que seja sublime a sofística resposta do
vice-pai eterno dos orientais. Se estes homens sérios, com juízo, serenos pensassem que a piada do Buda
quer dizer isto: para ser feliz, não deve amar, entenderiam rapidamente que só o supremo sentimento
egoístico da salvação contra tudo e todos, pode fazer parecer bonito o enunciado de uma renúncia e uma
separação de tudo e de todos, que é ante-humana e ante-civil, isto é inverossímil porque contra a natureza
do indivíduo terrestre, seja um gato, seja uma mulher, seja um homem. O amolecimento admirativo diante
de sermãozinhos deste tipo – poderíamos recordar centenas – é o mesmo fenômeno psicológico que se
percebe em muitos ateus declarados os quais ao ouvir a novena de Natal, com a gaita de foles, fazem vir as
lágrimas de crocodilo e exclamam impávidos: Oh! Santa poesia do presépio! é o mesmo milagre que
acontece com os homens mais pacíficos do mundo, que nunca usaram um sabre ou um cabo de vassoura e
que ao som de uma marcha militar sentem no profundo da décima personalidade oculta agitar-se um
espírito guerreiro que fumaria cachimbo com Aquiles e Napoleão Bonaparte.
Porque a verdadeira peste oriental que influiu por séculos no ocidente e na civilização grego latina e que
tornou possível a vitória do cristianismo e a transformação do mundo naquilo que é – e que deveria ser
melhor – foi a gradual insinuação na Europa dos melancônicos achados sobre a renúncia a qualquer coisa
que é parte principal e integrante da vidaOs estudos religiosos modernos sobre o caldeísmo, sobre o
simbolismo egípcio, sobre o paganismo na sua totalidade, são tentativas rudimentais de reconstrução de
filosofias hieráticas das quais não se conhece a essência por falta de dados precisos. O caldeísmo mágico e
a hierocracia tebana originaram-se realmente das concepções doentes indo-iranianas? Era aquela que
nos parece rudimental concepção religiosa da Etrúria e do Lácio menos ou mais estúpida do que a invasão
religiosa oriental? O primeiro culto oriental que invadiu Roma, o qual abreviava a irradiação ocidental, dois
séculos antes da era vulgar, foi aquele da grande deusa da Frígia, adorada em Pessinunte e na Ida, Magna
Mater deum Idea. Com este culto aparecem os primeiros sinais da psicologia doente do oriente no mundo
que deve ser transformado pouco a pouco. Os padres da Deusa que se chamaram galos, entravam no
exercício violento de seus cultos em condições de assustadora ferocidade contra si mesmos: danças
desgrenhadas, feridas e lacerações do próprio corpo, exaltavam-se ao ver o sangue com o qual banhavam
os altares (sacrifício cruento) e chegavam, no paroxismo da loucura religiosa, de cortar os órgãos viris. Hoje
dizemos que é uma forma de loucura religiosa assim como era considerada pelos Romanos horrorizados de
então que, ainda não empestados pelas extravagâncias orientais, consideraram a castração um delito
contra a sociedade. E aquela era também uma renúncia parcial... que lentamente associou-se a todas as
outras mil renúncias que vieram, em pedaços e de contrabando introduzidas no ocidente com os cultos de
todas as religiões orientais, até a ideia sacrifical do martírio cristão que espera depois da morte a coroa do
prêmio – até em suma à primeira fórmula cristã que era a renúncia ao bem e ao mal da terra – renúncia
que em um segundo momento levou a constituição capitalística da sociedade moderna e a plutocracia até
as ordens religiosas e o alto clero.
1 – continua
AS PALAVRAS DE POTÊNCIA E OS CARACTERES DOS ENTES
Muitas pessoas que ocuparam-se de Magia, por simples curiosidade, ou por desejo verdadeiro de
conhecimento, ou para impossessar-se dos fabulosos poderes, ficaram muito maravilhadas ao encontrar,
em qualquer ritual, fórmulas que continham palavras que de maneira alguma eram ininteligíveis e sinais,
geométricos ou não, chamados “caracteres” ou “sigilos” de “espíritos”, dos quais é sugerido o uso, sem
portanto dar-lhes um significado.
Eu já acenei brevemente a este fato, escrevendo sobre as ervas mágicas, explicando alguns significados.
É oportuno notar, antes de mais nada, que quase todas as palavras dos rituais, são verdadeiros nomina
barbara, isto é palavras de outras línguas – latina, grega, hebraica, caldaica, egípcia – mal transcritas em um
primeiro momento, e depois sempre mais deformadas pelos copistas ignorantes e por também ignorantes
autores. Seria então suficiente reduzi-las à grafia original para obter o exato significado, que, quase sempre,
indica atributos particulares do Ente supremo. Por ex. o Eye Seraye que se lê em todos os lugares, seria
mais bem transcrito em Eièh ascèr Eièh – um dos “nomes divinos”, extraído do Êxodo, cap. III, vers. 14,
aonde o próprio Deus, na sarça ardente, responde a Moisés que o interrogava, nominando a si mesmo:
A.H.I.H.
A.SC.R.A.
H.I.H.
que equivale, de acordo com uma das muitissimas interpretações a: “Eu sou Aquele que é”.
Em outros casos é oportuno, de acordo com quanto aconselha Trithemius, transcrever as palavras em
caracteres caldaicos, porque estas possuem, as vezes, significado naquela língua, usada pelos sacerdotes de
um povo que foi entre os primeiros e principais depositários da Tradição Mediterrânea. Além disso
encontram-se nos textos palavras, que, de qualquer maneira, não podem ser reconduzidas a um possível
significado, seja porque são compostas as vezes somente por vocais, ou por consoantes, ou por
agrupamento das mesmas, que não podem ser absolutamente interpretadas ou por derivação filológica.
Tais seriam as verdadeiras “palavras de potência”.
As palavras de potência, chamadas assim no Egito, tiveram vários nomes, de vários povos e de várias
escolas ou ordens eram usadas por alguns; assim por ex. foram chamadas pelos Gregos: άσημα όνόματα,
termo, o primeiro, que pode indicar, não somente que tais nomes são ininteligíveis, e obscuros, mas
também, de acordo com outros significados, que são desconhecidos pelo profano, que são, talvez também,
nomes sem sinal, isto é nomes cujo som profundo não pode ser dito ou percebido senão em uma
fulguração do espírito livre de qualquer ligação corpórea. Existe uma pista sobre a existência deles nas
diferentes formas da Tradição, chegados até nós, como sons mágicos, nomina arcana, e, particularmente,
as combinações e permutações de vocais foram chamadas voce misticae ou sílabas místicas. Foram
chamadas pelos Gregos de λόϒοι σπερματιχοι, ou “palavras causais”, e, na tradição Hindu, mantra, ou
nomes naturais, entendendo com isto, que tais palavras pertenceriam à língua originária e perfeita na
correspondência entre o termo, que conteria a essência da coisa e a coisa significada.
Apesar das realizações das palavras de potência desenvolverem-se em um plano essencialmente prático,
no qual é melhor manter-se livre de qualquer teoria ou preconceito, aceno brevemente o lado doutrinal
que refere-se a elas.
Na suprema potência o Verbo realiza-se totalmente e perfeitamente, porque contém em si o princípio de
toda manifestação, e, nesta, atua-se com linear correspondência entre a vontade realizadora e o ente
realizado.
A palavra é o meio da realização, e pode ser conduzida também à percepção humana, levando-a a uma
oitava humanamente sensível.
Que a palavra seja um tal meio, é indicado pela lei analógica, observando como cada manifestação tenha
origem em um centro de potência que age transmitindo a sua energia em ondas particularmente amplas e
frequentes. Tais ondas podem ser percebidas como sons.
E também por analogia pode-se intuir a lei de formação dos caracteres dos entes, recordando os gráficos
de Lissajous, obtidos com o diapasão, e as bizarras figuras que obtém Chladni fazendo vibrar lâminas sutis
de areia finissima espalhadas.
A palavra, então, não é somente som, mas também forma. Por isso a cada ente corresponde o seu nome e
o seu caractere, ou marca. Nome e caractere referem-se somente a ele e a nenhum outro.
Os elementos tradicionais desta doutrina são conservados no Sepher Jetzirah, livro cabalístico por
excelência; aonde o conceito sonoro muda com o conceito luminoso, e os nomina arcana e as signatura
rerum, juntos, são chamados ou nomes, ou letras de luz.
LUZ
Fevereiro 2015
GIULIANO KREMMERZ: MATERIALISMO E REALIDADE MÁGICA
Ora esta crítica da ideia religiosa e da contradição nos termos de ser e desejar é indicada a nós como
essencial da natureza humana – da qual o iniciado típico, isto é o homem que quer se tornar o patrão de
todas as formas ilusórias, deve aprender que a natureza em toda a sua manifestação é una: na
manifestação do obstáculo à vida divide-se entre o espírito de alcançar a criação do meio adequado à
própria existência e a necessidade (matéria) que a constringe: o binômio do bem e do mal; eu disse tantas
vezes e de tantas maneiras diferentes. Sermos acusados de propagandistas do erro materialista quer dizer
que aos inscritos na nossa escola nós predicamos e ensinamos o fatalismo e a necessidade: duas coisas que
temperadas com longas disquisições teosóficas são o substrato das filosofias orientais que hoje são
confundidas pela maior parte das pessoas com o hermetismo, com as ciências ocultas e com a iniciação
mágica coisas que não tem nada em comum com elas, mesmo sem a permissão da Blawatski e da Besant.
A bagunça e a confusão que se produzem na mente dos homens mesmo cultíssimos entre as ideias
religiosas e a ciência das forças inteligentes não manifestas e manifestas da vida, geram o mal entendido
sobre o qual jogam todos os tocadores de ouvido, que a verdade mágica e hermética é parte da intuição
metafísica da fé; por isso o espiritismo kardecista que por sua natureza é de índole religiosa e afetiva, então
sentimental, acreditou-se, e muitos acreditam ainda, que faça parte importante do hermetismo científico –
o qual está fora de qualquer religião e de qualquer crença. Ciências ocultas, ocultismo hermetismo mágico
seriam etiquetas de garrafas para xaropes se toda a sua essência consistisse naquele tanto que se escreve e
se discute. A Teosofia moderna demonstra compreender em si todas estas presuntas ciências e tem a
presunção de julgá-las, de saber sobre o seu nascimento e morte e de arquivá-las em um canto do grande
arquivo filosófico do qual dispõe, e certas definições da magia e do ocultismo as dissolve nos livros, segura
de que ninguém as pegue com as pinças, para mostrá-las ao público que das tantas opiniões faz uma
grande salada. Em tempos de liberdade seria estúpido não reconhecer em cada pessoa que conhece a arte
do escrever o direito de imprimir um monte de coisas bobas sobre as ciências ocultas e de contorsões
críticas e de julgamentos e de condenações a esta ou àquela parte do conhecimento que se queira
examinar. Quem protesta? quem poderia protestart? Cornélio Agrippa, Tritêmio, Paracelso, Lullo, Arnaldo
de Villanova, Trevisano estão mortos e se voltaram a viver estarão sorrindo da precipitação com a qual
julga-se aquilo que nunca nem se estudou nem se praticou, e dirão que aprendem coisa sem precedentes
sob o nome deformado de uma ciência que é a deles, e que não tem nada que se assemelhe à deles. O
público não sabe nada? Ouve só um sino e acredita que seja de bronze porque não sabe que é de terracota.
Trevisano, Agrippa, Tritêmio, Paracelso, Lullo, Villanova não protestam, deixam passar, deixam dizer; por
que deveriam protestar? – eu que não sou nenhum dos supracitados senhores, tenho o dever de defender
a nossa ideia porque por espírito partidário não as desnaturem e nos façam parecer diferentes com o
público com o qual não temos contato.
Recentemente eu lí uma conferência do prof. Deussen da Universidade de Kiel feita para a Royal Asiatic
Society de Bombaim sobre a Filosofia do Vedanta nas suas relações com a metafísica ocidental. Inútil dizer
que para o ilustre professor existem somente o Vedanta, Platão e Kant, isto é o oriente, um filósofo grego e
o pensamento alemão. Para fazer entender ao leitor como estamos longe do entender-nos e fazer com que
nos entendam, é necessário que eu reproduza um trecho.
“Este mundo é mâyâ, é ilusão, não é a verdadeira realidade; assim é o mais profundo pensamento do
Vedanta esotérico, alcançado não através do tarka silogizante mas através da anubhava, através do dirigir-
se deste mundo variado para o mais profundo recesso do nosso próprio si (Atman). Façam isso se puderem,
e serão conscientes de uma realidade muito diferente da realidade empírica, de uma realidade sem tempo,
sem espaço, sem mudança e sentirão e experimentarão como tudo aquilo que é exterior a esta única
realidade verdadeira é pura aparência, é mâyâ, é sonho.
“Esta foi a via seguida pelos pensadores indianos e por uma via semelhante, mostrada por Parmênides,
Platão chegou à mesma verdade, quando reconhece e ensina que este mundo é um mundo de sombras e
que a realidade não está nestas sombras mas atrás delas.
“O acordo sobre este ponto do Platonismo ou do Vedantismo é maravilhoso, mas os dois assimilaram esta
grande verdade metafísica por intuição; a doutrina deles é verdadeira mas eles não são capazes de provála, e nisto são insatisfatórios. E aqui grande luz e apoio ao pensador indiano e grego vem da filosofia de
Kant, o qual seguiu uma via completamente diferente, isto é não aquela da intuição Vedântica e Platônica,
mas a via do raciocínio abstrato e da prova científica. A grande obra de Kant é uma análise da mente
humana não na maneira superficial de Locke, mas tal que alcançou o verdadeiro fundamento dela. E assim
fazendo, Kant chegou à conclusão, com surpresa do mundo e sua, que os três elementos essenciais do
mundo externo – isto é o espaço, o tempo e a causalidade – não são como nós naturalmente acreditamos,
eternos fundamentos de uma realidade objetiva, mas somente subjetivas e formas inatas de intuição do
nosso próprio intelecto”.
Ora o ilustre conferencista que refere o que seja o pensamento indiano aconselha no primeiro período
“façam isto se puderem”. E o meio? o prof. Deussen, daquilo que diz, sucessivamente, parece que queira
dizer que o Vedanta como Platão tenham chegado a esta conclusão por intuição. Então meio ou receita
para se chegar lá não existe – mas esta é simplesmente uma sua opinião porque a receita existe (não
intuitiva mas prática – o que demonstra que também na India existiram iniciados no nosso sentido) e se
sabe encontrá-la pode achá-la nas Upnekat de Anquetil du Perron traduzido com dificuldade há cem anos.
Platão o divino vinha da iniciação órfica primitiva e também tinha chegado lá com a sua receita, que
obscuramente ele mesmo recorda para quem a conhece em um lugar no qual menos parece ser
apropriado. Kant ao contrário provou somente aquilo que apresentou-se para ele intuitivamente, o
conceito do absoluto negativo do qual a cabala medieval está repleta de exemplos e de sutis exames
minuciosos. Na Porta Hermética eu falo sobre isso com uma certa profusão com as bases pitagóricas. Ora
se a linguagem do Vedanta e de Platão falam de formas ilusivas na visão do mundo e filósofos de fama
transportam tudo isso no campo da metafísica por intuição, não nos maravilhamos se a Ciência Cristã pega
literalmente a coisa e canta o estribilho: os sentidos físicos são o engano absoluto, se o Budismo e o neo
budismo insistem sobre o sonho da vida real que chamam não real porque ilusiva.
Do nosso ponto de vista os verdadeiros livros clássicos orientais são aqueles de origem iniciática, isto é
aqueles que foram escritos ou agrupados por possessores do segredo prático por voltarem-se, como diz
Deussen, para o mais profundo recesso do próprio si, não com a frase façam aquilo que puderem, mas com
a certeza de chegar lá logo. Eis porque, não sabendo e não encontrando o segredo, os modernos
comentadores, mesmo se vocês os fizessem sentir o cheiro, diriam que nós somos menos espiritualistas de
quanto eles acreditam ter se tornado traduzindo o conceito da illusão negativa com o sonho da realidade
da vida, coisa que não é verdadeira nem para os loucos que estão no manicômio. O Bramanismo que
possuía o segredo é aquele que menos de todas as formas orientais é estudado e investigado, e se algum
mortal sortudo descobrisse o arcano, mudaria de opinião até sobre o modo de entender os textos que
parecem ser cândidos lírios brancos do mais alegre espiritualismo religioso, porque a verdade está, no
universo, universal de inteligência e realização, espírito e matéria, dois nomes que formam uma coisa só, o
Ser, aquilo que é, que será, que foi eternamente.
E já que pela centésima vez eu respondi a estas dúvidas das almas incertas, não quero deixar o leitor sob o
peso de uma pergunta fastidiosa: A morte é ou não é uma liberação das correntes terrestres e uma nova
etapa para a evolução do espírito ou inteligência humana? Eu deveria responder categoricamente sim ou
não. Mas o meu dever é aquele de não substituir-me ao hermes e de não dogmatizar uma crença. Porém
eu digo somente que para obter uma resposta precisa ao quesito é necessário não afastar-se do método da
pesquisa subjetiva, sem misticismo e sem preconceito ascético.
A situação política do quesito (política de polis: cidade ou mundo exterior) é debatida em filosofia: os
materialistas dão grande, imensa, única importância aos sentidos e à razão; os ascetas dizem que os
sentidos são enganosos, vacilante a lógica humana com as suas premissas e ilações; quem segue os
primeiros nega a percepção hermética que também é parte fundamental de cada movimento intelectivo;
quem se deixa seduzir pelos segundos repele como sendo escória todo o fruto da humana investigação e ao
seu hermes, andrógeno, macho e fêmea, intelecto e adaptação, coloca um par de asas suplementares e faz
um deus fantástico que, à prova, ao mundo dos sentidos exteriores não se aproxima e fica fora de todo
fundamento da cabala antiga. Hermes diz: aquilo que está no alto é como aquilo que está embaixo. Se
intelecto e matéria mais grave são dois extremos, o milagre da vida é idêntico em um e no outro, as leis da
matéria são analógicas àquelas do seu espírito. O fenômeno da criação espiritualmetne, isto é na
inteligência, acontece em um campo obscuro, astral, assim como embaixo, na matéria mais sensível,
acontece na obscuridade mais profunda da matriz.
Surpreender o fenômeno intelectual é impossível sem alcançar o destaque, a separação... vejam só a
pobreza da linguagem! uso duas palavras que por si mesmas são impróprias e não dizem nada, porque são
pegas da vida das coisas e na filosofia oculta (unitária) não podem de acordo com o rigor das palavras
acontecer nem destaque nem separação.
Porém como na matéria, assim no espírito, eternamente abraçados em um admirável amplexo, existem
duas polaridades, então duas sensibilidades das quais a mais sutil procede da negação da mais pesada, e
vice-versa. Neste conflito determina-se na relatividade intelectiva da vida o equilíbrio do termo médio, o
magnetismo hermético ou integral que é o instrumento mágico por excelência, porque é apto à
compreensão íntegra e dividida das forças sensíveis nos dois extremos: coisa ou fenômeno não possível
para os materialistas da matéria embaixo, nem para os espiritualistas que concentram toda psico-dinâmica
no intelecto mais elevado, para o extremo polo da sensibilidade sutil.
Eu sinto que esta explicação não é eficaz para interpretar o pensamento da iniciação hermética por duas
razões: pela falta de palavras novas que eu não posso criar faltando para muitos a ideia da coisa, e pelo
erro da educação filosófica profana que torna impreparado o leitor para a análise das causas dinâmicas de
toda ação da inteligência humana nas relações da criação sensível embaixo.
A única advertência, que é indispensável para quem me lê, é que este falar aparentemente difícil é e
continuará tal para todos aqueles que não praticam, mas falam muito; praticar entendo em si o difícil
exercício para a percepção da sensibilidade que se torna luz e espírito intelectivo na obscuridade misteriosa
da origem de cada um de nós. Escrever e falar de magia no sentido arcaico não significa ser mago: cujo
mago se produz e se cria em um processo contínuo de autocriação com a determinação das análises mais
íntimas da sensualidade e do sentimento fora do preconceito do ascetismo e do materialismo mecânico,
primeiro, e depois com a iniciação ao arcano.
A minha linguagem, quando parece ser obscura e não posso torná-la mais explícita, servirá como sinal para
a vida misteriosa do praticante que entenderá quando chegará o momento como e quanto ele se encontre
nas condições às quais eu aceno. Então só havendo bem presente aquilo que eu digo agora e que disse em
tantas maneiras tantissimas vezes, compreenderá como tantos videntes, tantos santos, tantos perfeitos
(queridos ou acreditados) ou como tantos cientistas vulgares e filósofos, tenham cada um definido e visto a
seu modo a morte como uma liberação, uma pena, um prêmio, um fim, uma transição, um fenômeno de
ordem exclusivamente químico-físico. A verdade está em nós, se sabemos mudar a obra religiosa de fé e a
pseudocientífica da filosofia vulgar em uma análise equilibrada dos fatores do grande arcano da vida. Se
esta verdade vivente em nós, estivesse em nosso possesso, e quiséssemos revela-la para o mundo profano
todos achariam que não se parece com nenhuma das concepções usuais.
Na Porta Hermética eu dei os elementos gerais para intuir da maneira mais verdadeira possível o quesito
que se propõe o homem que instintivamente (!!) tem medo de morrer enquanto que um estado de loucura
suicida em outros casos lhe faz procurar a morte. A humanidade contemporânea não está madura (e nunca
estará) para ter o direito ao conhecimento ilimitado dos segredos conquistáveis e conquistados da sua
Aristocracia, e aquilo que eu escrevi é tudo aquilo que os melhores, os aspirantes merecedores, na
multidão podem entender para entrar no labirinto com um fio de Ariadne e conquistar a parte de verdade
que cabe a cada um – mas se em um primeiro aspecto a ignorância grita que a Magia também para o
problema da morte é materialista, coloquem debaixo do nariz o retrato de Mercúrio Cilenio, ultima
consummatio, a parte mais etérea da matéria mortal e imortal – digam que o segredo das religiões não
está na conquista do céu mas da terra – e que só a ciência é universal, porque da terra eleva-se para o céu,
fala com as divindades caídas, com as vivas, com as moribundas, com os espíritos de luz que possuem
corpo luminoso e preside eternamente as criações dos novos deuses.
Porém repitam muito alto que nós fugimos de todas as formas das loucuras e não encorajamos nenhuma
delas – e combateremos até a consumação dos tinteiros e da relativa tinta contra toda loucura de
conquista da morte por direito à utopia do espírito livre.
Eu gostaria de uma filosofia da história realmente sem rancores e sem parcialidade que à bondade, ao
sacrifício, à imolação dos santos vividos sobre a terra desse a coroa da glória em um sentido moderno,
como a medalha ao valor civil, como a coroação aos sumos poetas, como as estátuas aos libertadores dos
povos; e gostaria que as virtudes civis e sociais dos grandes ascetas e dos soldados místicos da fé fossem
laicamente ensinadas como exemplos nas escolas. Sem discutir se estes santos tenham feito muitas obras
boas para agradarem os seus deuses ou por espírito sincero de abnegação social, é injusto que toda a soma
das virtudes praticadas na humanidade por verdadeiros mártires do bem seja esquecida. Porém da maior
parte é necessário com igual coragem estigmatizar os atos de loucura filosófica aos quais muitas jovens
existências imitam exemplarmente.
De um estudo do dr. Barraud, Promenade d’um médicin à travers l’histoire pego alguns exemplos da
História de S. Ilário, bispo de Poitiers e companheiro de S. Martim de Tours. S. Ilário é uma das figuras
típicas dos santos milagrosos da Idade Média do 4º século. Foi a Roma para combater os Arianos e o
antepapa Leão e leva para Poitiers a relíquia, a barba de S. Pedro, e assume o bispado. Uma mulher estava
para dar banho em seu filho e, atraída pela multidão que recebia triunfalmente S. Ilário, esquece o filho
que afoga no banho. Então a infeliz pega o cadaverzinho e o leva para Ilário o qual rezando e chorando
realiza o milagre de ressucitá-lo. Depois resssuscita dois mortos dos quais um tinha se enforcado por
desespero.
Até aqui tudo bem.
Depois começa a ocupar-se dos interesses espirituais da família: era casado e tinha uma filha a qual desde o
seu retorno dizia-lhe cem vezes por dia: quando você me doará a Margarida e a rica vestimenta isto é a jóia
do Paraíso e a Vida eterna? e S. Ilário rezou, jejuou, fez todo tipo de penitência e a filha pegou uma febre
terçã e morreu. Foi o suficiente: S. Ilário anunciou para a mulher tal boa notícia, e a mulher então suplicou
para que ele fizesse o mesmo com ela. E como bom marido Ilário acontentou-a, rezando e jejuando, a fez
morrer.
Ora se esta história de Idade Média, que não vale a pena comentar, nos parece simplesmente uma forma
de delinquência da religiosidade, em um santo que ressuscita os mortos e manda para o purgatório os vivos
e nos faz sentir piedade pela dignidade do animal homem, não é porque queremos fazer materialismo mas
queremos fazer entender sobre quais ideais de loucura foi trabalhando o conceito vulgar da grande
passagem, que, vice-versa, é uma necessidade natural de... viver.
A confusão entre o ascetismo, misticismo, e preparação hermética, já que, como eu disse, muitos criticam
sem refletir, fez maravilhar alguns com o fato que nós não obrigamos os discípulos a um regime
exclusivamente vegetariano, e eis a culpa: a nutrição animal é impura. Não fazemos e não dizemos
despropósitos! A sentimentalidade do vegetarianismo, assim como a absoluta abstinência do vinho e das
substâncias fermentadas representa uma via do progresso evolutivo do homem, quando este se dá para a
vida de contemplação no sentido religioso e ascético. Este método é, filosoficamente, compreendido e
explicado na magia ou arte Grande e Grande Ciência que compreende os diversos coeficientes para a
manifestação do poder divinizador no homem e na família e na sociedade humanaOs cultos não são magia,
mas estão compreendidos na ciência da magia que os explica ou os prepara. A preparação ao poder mágico
ou ao hermetismo puro e simples é de índole diferente: o seu programa pode ser explicado em poucas
palavras: tornar os poderes integrativos do intelecto humano (vontade) senhor absoluto do invólucro
animal para fazer dele um servo obediente e pronto para a autoridade psicodinâmica que existe em nós:
purificar-se de todo obstáculo ao livre exercício da vontade inteligente sobre o corpo, instrumento
necessário para a vida humana: liberar-se de qualquer necessidade. Desta explicação emerge claramente
que a vida do asceta não é esta, porque o asceta mesmo que seja constantemente vegetariano e uma
pessoa que jejua é um homem livre só em parte porque cria para si mesmo a necessidade de não viver
senão daquela maneira. O abstêmio que não pode beber o vinho é imperfeito humanamente tanto quanto
um homem ao qual falta um dedoNo dia em que quiser demonstrar que pode, o asceta ou o místico não
poderá; o primeiro viandante que passa pela rua valerá mais do que ele enquanto que um discípulo do
hermetismo exercitado para a privação e para a satisfação da vida corpórea de acordo com a sua vontade,
pode ser asceta com o asceta e beber vinho com o viandante dando a este o exemplo de como se possa
beber e não ficar bêbedo.
Fico triste de ter que voltar ainda uma vez a falar da propaganda europeia do misticismo de forma oriental
e de recordar que todas as manias do nosso misticismo nos vêm daquela origem. Boissier na Religion
romanie d’Auguste aux Antonins reconhece a honestidade da religiosidade romana primitiva até quando
não chegaram até ela elementos importados e crenças orientais. Franz Cumont, Professor na Universidade
de Gand, em uma explêndida conferência escreve assim: A mitologia (de Roma) não possuía a sedução
poética da grega, os seus deuses não possuíam a beldade imperecível dos Olímpicos, mas eram mais morais
ou pelo menos pretendiam ser. Um bom número deles eram simples qualidades personificadas, a Modéstia
como a Piedade. Todos impunham aos homens – através dos censores – a prática das virtudes nacionais, ou
seja úteis para a sociedade, a temperança, a coragem, a castidade, a obediência aos pais e aos magistrados,
o respeito do juramento das leis e todas as formas do patriotismo. Sem dúvida, servindo os deuses com
exatidão, esperavam deles benefícios tagíveis mais do que bençãos espirituais, mas o realizar
rigorosamente os ritos inculcava fortemente a ideia de um dever para com a divindade correlativo ao dever
para com a pátria. Como depois foi se perdendo, quem não sabe que vá ler e esteja atento a todas as
invasões orientais que trouxeram ideias de espiritualização, de purificação e de imortalidade feliz. O oriente
nos presentiou com a ideia da reconquista da pureza primitiva perdida e então a ideia da penitênica e da
moritificação. Assim vem se desenvolvendo a grande preocupação do nosso destino após a morte, e
Arnóbio torna-se cristão porque ficou persuadido que só Cristo pudesse dar-lhe a imortalidade.
Ora, presentemente, com o substrato criado em nós por tantos séculos de Cristianismo, a concepção da
saúde da alma e do seu avançamento com os predicados orientais passados através das almas semíticas da
Inglaterra e da América do Norte, faz julgar toda manifestação de pesquisa positiva, apenas com a
aparência iniciática antiga, com os critérios de purificação religiosa e não tem nada a ver com o hermetismo
que é uma ciência positiva.
O hermetismo pede temperança, e na temperança estão encerradas todas as virtudes, não a abstinência.
Nela estão contidas as virtudes civis da moralidade absoluta e não temporânea, geográfica e caduca. O
hermetismo mira à integração dos poderes humanos no equilíbrio do espírito intelectivo e da matéria. O
hermetismo é uma realização de caridade e de solidariedade humana, contra todo preconceito de
misticismo templário ou laico. Então os nossos ritos não podem ser impuros porque o nosso céu é uma lei
aonde está escrito entre outras coisas que quem quebra paga e que o filósofo mais ilustre é o papagaio do
Brasil.
O CONDE CAGLIOSTRO
Última parte
O ENCANTAMENTO ALQUÍMICO
A alquimia, ou seja a ciência que acreditava-se permitisse convertir os metais vis em nobres e criar
medicamentos aptos para curar toda doença e para prolongar a vida humana, foi praticada com
particular dedicação por Cagliostro. Atraído por tudo aquilo que pudesse provocar o curioso
intelecto, ansioso para entrar nas novas correntes, nas doutrinas mais originais, nas teorias
filosóficas provenientes do Oriente, ricas de elementos mágicos e cabalísticos (na Europa existiam
muitissimas lojas dedicadas à hermenêutica alquímica), ele foi sem dúvida um intérprete do
espírito inovativo que caracterizou o século XVIII.
A sorte de Cagliostro, de fato, está indissoluvelmente ligada à sua capacidade de encarnar
complexas e variadas personalidades: mago, médico, vidente, filantropo. Porque no século
dezessete a necessidade de chegar o mais próximo possível da compreensão do sobrenatural tinha
contagiado todas as classes sociais (fascinadas pelo culto do maravilhoso, produzido pelo
iluminismo e pela hermenêutica alquímica), Cagliostro decidiu realizar a determinante função de
divulgador de uma ciência que antes dele era reservada a poucos iniciados, sendo considerada
difícil e proibida. Para poder assumir o papel de esoterista e de homem de pensamento ele teve,
então, que assumir a figura do mago-vidente mas também do médico-taumaturgo. Os dotes
taumatúrgicos, no século XVIII eram frequentemente relacionados com aqueles alquímicos e
consequentemente a figura do alquimista assumiu a dignidade e o fascínio de quem conserva o
mais profundo segredo do conhecimento, necessário para saber manobrar as teorias relativas à
imortalidade da alma e à metempsicose, alimentadas no século de Cagliostro por aqueles filósofos
que estavam interessados em uma investigação de caráter espiritualista e materialista.
Cagliostro, então, sobe para a categoria de sábio, consciente seja da importância da matéria da
qual conhece os mistérios seja do respeito das regras que governam deontologicamente esta
ciência: a sua proverbial filantropia inspirou-se, provavelmente, justamente nos princípios da
filosofia alquímica que impediam todo gênero de especulação sobre o conhecimento de
metodologias destinadas exclusivamente ao melhoramento das condições de vida do homem. Os
conhecimentos alquímicos de Cagliostro não resolvem-se, então, no puro e simples procedimento
empírico para a preparação de unguentos e medicamentos, mas aspiram ao alcance de uma gnose
esotérica que consinta a máxima elevação espiritual.
O ensinamento que Cagliostro obteve de Althotas foi importantissimo. Após o ano de 1772
encontrou o monge beneditino Dom Antoine Pernety, homem de vasta erudição que tinha sido
chamado na corte de Frederico II da Prússia, aonde tinha conhecido importantes homens de
cultura que tinham-no iniciado nas ciências herméticas. Parece que Pernety fundou um próprio
rito ao qual participou Cagliostro, seu defensor. Justamente por causa desta excelente
frequentação, Cagliostro soube que não era possível interpretar a alquimia como uma prática
fundada em destiladores e alambiques, mas que ao contrário era necessário entendê-la como uma
ciência hermenêutica que procura o segredo da pedra filosofal, com o auxílio de antigas escrituras
egípcias e gregas. Consequentemente, ele assumiu a função de guardião dos arcanos da natureza,
ocultados nos antigos caracteres hieróglifos. De fato, de acordo com o que foi transmitido por
Hermes Trismegisto, só poucos aderentes à filosofia alquímica podiam ser considerados antigos
sábios egípcios realmente merecedores de participar do conhecimento mais profundo,
oportunamente velado por enigmas e linguagens de difícil interpretação. Só quem possui o mais
autêntico espírito alquímico terá condições para compreender a verdade escondida em fatos
aparentemente bizarros, inverossímeis, às vezes até mesmo antitéticos e fantásticos e para
empregá-la para objetivos benéficos. Cagliostro, aderindo a estes conceitos, encarnou em si a
antiga sabedoria da hermenêutica e a habilidade prática do empirista.
O SODALÍCIO MAÇÔNICO
O famoso romance de Alexandre Dumas dedicado a Cagliostro (o título original é Joseph Balsamo
e constitui o primeiro livro do ciclo dumasiano dos Mémoire d’un médicin), começa com a
descrição de um rito maçônico: no monte Tonnerre, em uma noite iluminada por uma sugestiva
procissão de tochas, um fascinante viajante, depois de ter contado as fantásticas ações da própria
vida e após ter superado extraordinárias provas de coragem e lealdade, revelará para os
seguidores de uma loja maçônica que é o líder supremo, o “Grande Cofto”. Cagliostro, então,
como pode-se ver desde o prólogo do romance, recusa a religiosidade institucional e escolhe um
percurso alternativo, feito de práticas esotéticas e herméticas que tinham convergido nas mais
importantes lojas maçônicas da Europa.
A ideologia maçônica sofreu no século XVII uma impetuosa e rápida propagação, como
testemunha o irreprimível incremento de ordens e ritos inspirados em antigas fontes sapienciais e
em cativantes filosofias esotéricas. A fusão de gnose e rito mistérico, claramente perceptível
desde o procedimento iniciático, tinha dado vida a um conjunto de verdades de difícil codificação,
sobrevividas à ruína e ao esquecimento das grandes civilizações do passado que tinham-lhe dado
origem, alcançáveis só por alguns escolhidos. Por isso a tradição maçônica foi distinguida com uma
auréola com condições de satisfazer a íntima necessidade dos acólitos que, enquanto eleitos,
realizavam a delicada tarefa de esconder o conhecimento dos segredos do estrago dos profanos: a
adesão à maçonaria comportava a aprendizagem de conhecimentos de caráter teúrgicocabalístico que consentiam desenvolver uma certa propriedade do oculto. Baseando-se, então, em
rígidas regras de prudência confirmadas por um inviolável juramento, a maçonaria desenvolveu
uma estrutura caracterizada por uma filiação fraterna, em condições de superar qualquer
dissidência.
Em Londres (1776), Cagliostro tinha aderido à loja “A Esperança”, obtendo prestígio e
notoriedade: fez amizades muito sólidas com os estrangeiros e os burgueses que o afascinante
mundo maçônico tinha atraído, entrando em contato com as ideias de tolerância religiosa e de
liberdade intelectual defendidas pela maçonaria inglesa e com os segredos dos cavaleiros
templários, guardados pela maçonaria dos “altos graus”. Tirando a ideia de um antigo manuscrito,
iniciou a maçonaria de rito egípcio, baseada em práticas rituais que tinham como objetivo a
regeneração do corpo e da alma. Podiam fazer parte da loja todos os inscritos na maçonaria
comum, tanto homens como mulheres: Cagliostro, O Grande Cofto, dirigia a loja, enquanto que
Lorenza, a condessa Serafina, realizava as assembléias femininas com o título de “Rainha de Sabá”.
Em 1784 foi convidado para participar do convênio dos Philalèthes, uma associação maçônica que,
reivindicando entre os próprios seguidores numerosos pesquisadores esotéricos, queria indagar
sobre as origens da Franco-Maçonaria. Todavia, pretendendo um ato de submissão ao rito egípcio,
ele constringiu os Philalèthes a não dar continuidade ao convite. O mestre celebrou a fundação da
loja egípcia Isis com uma solene cerimônia à qual participaram nobres, eclesiásticos e militares.
Falou-se por muito tempo sobre o evento, até quando o affaire du collier conseguiu ofuscar a
notoriedade adquirida com sacrifício junto às refinadas e cultas cortes da época. A Igreja
dogmática, aquela que Cagliostro tinha contrastado, interviu implacavelmente, recorrendo a todos
os instrumentos de perseguição, o primeiro entre todos o Santo Ofício, diante do qual se tentou
diminuir fortemente justamente a atividade maçônica com a finalidade de escapar das acusações
de sedição, magia, deísmo e heresia.
A PRISÃO E O EXAME DA INQUISIÇÃO
Provocou muito clamor em toda a Europa a improvisa notícia, divulgada habilmente por muitos
jornais e revistas, da inesperada prisão do conde Cagliostro. O fato aconteceu em Roma, no dia 27
de dezembro de 1789, por ordem do papa Pio VI que, preocupado com os relatos sobre os
excepcionais poderes e sobre as ações do nosso personagem, decidiu colocar nas mãos da
Inquisição romana o destino do conde Cagliostro. O “Grande Cofto” teve então que enfrentar os
métodos impiedosos e cruentos do tribunal mais temido daquela época, o Santo Ofício. Tinha sido
instituído em 1542 pelo papa Paulo III aconselhado pelo cardeal Gian Pietro Carafa (futuro papa
Paulo IV), vindo da Espanha aonde tinha assistido pessoalmente à repressão de toda tendência
erética efetuada pelo feroz organismo inquisitório aperfeiçoado por Tomas de Torquemada, o
primeiro e mais famoso “grande inquisidor”, que tinha condenado à morte milhares de presuntos
eréticos.
A ocasião para a prisão apresentou-se logo após às acusações movidas por Lorenza Feliciani que,
tendo encontrado um refúgio seguro em Roma, junto à sua família, decidiu fazer importantes
revelações sobre as atividades praticadas pelo marido e sobre as constrições que tinha suportado:
ela era proibida com a força de frequentar a Igreja e de visitar os parentes. Já em Londres Lorenza
tinha tentado denunciar o marido, mas Cagliostro tinha conseguido salvar-se induzindo-a a
retratar; desta vez, ao contrário, com a ajuda dos parentes que subscreveram numerosas
delações, ela tinha conseguido o objetivo mais importante: Pio VI pessoalmente, após ter se
consultado com alguns cardeais e com o Secretário de Estado Zelada, deliberou a prisão de
Cagliostro que foi conduzido imediatamente para a prisão do Castelo Sant’Angelo, enquanto que
Lorenza foi mandada para o monastério de Sant’Apollinare em Trastevere, a disposição do Santo
Ofício. Com um preciso decreto o pontífice, de fato, tinha confiado ao Supremo Tribunal a tarefa
de examinar os documentos e os objetos que tinham sido sequestrados no momento da prisão.
Amplas faculdades, foram concedidas aos inquisidores que não tinham necessariamente que
referir os fatos à Congregação, mas podiam agir com a máxima rapidez na investigação e na
acusação, para concluir o delicado processo. As acusações feitas a Cagliostro consistiam
principalmente na instigação e na propagação da Loja Maçônica e no exercício de perigosos e
enganadores princípios heréticos: mesmo preso nos calabouços do Castelo Sant’Angelo, a
fortaleza papal mais segura, ele parecia ser perigoso para a estabilidade do papado minado,
segundo Pio VI, pela impiedade e pela iniquidade inerentes nos ensinamentos e nos mistérios
predicados, visando diminuir as verdades da fé. Maximamente execrável, também, era
considerada a arte divinatória que em mais de uma ocasião Cagliostro tinha demonstrado praticar,
tirando proveito dos instrumentos cujo uso resultava contrário à doutrina cristã. Ele, então, foi
apresentado pelo Santo Ofício como o líder de um culto teúrgico. A Inquisição de Pio VI, na sua
luta impiedosa contra a maçonaria, não viu ou não quis ver que na realidade dos fatos faltavam as
provas necessárias para incriminar o conde. Na acusação foi dada grande importância ao Rituel de
la Maçonnerie Egyptienne,3 o manuscrito que continha as teorias e as teses maçônicas divulgadas
por Cagliostro. O Santo Ofício decidiu dar este material para ser examinado a dois espertos sobre a
matéria, o dominicano Tommaso Vincenzo Pani, comissário geral da Inquisição, e Padre Francesco
Contarini, consultor do Santo Ofício. A obra foi marcada como ímpia e acusada de conter a
impostação doutrinal de princípios heréticos e maçônicos, perigosos para a integridade das
crenças católicas. O pontífice pôde assim mandar destruir o manuscrito e todos os instrumentos
maçônicos sequestrados na Villa Malta. A execução da sentença aconteceu em uma cerimônia
pública dita sermo generalis ou auto de fé: diante de uma multidão que aclamava foram
queimados os livros e os objetos do rito egípcio. Depois de poucos dias, Cagliostro foi levado para
as tenebrosas prisões da fortaleza de San Leo, aonde descontou a pena de prisão perpétua;
punição talvez bem mais grave, para um espírito livre, do que a pena de morte que Pio VI
suspendeu pouco antes da efetiva atuação.
Fim
Giamblico
Os mistérios egípcios
Livro VIII. 6-8
3
Uma curiosidade: parece que o primeiro manuscrito do Rituel de la Maçonnerie Egyptienne tenha sido redigido por
Cagliostro em língua portuguesa.
6. [Astrologia e destino, de acordo com os egípcios. A teoria das duas almas nos escritos
herméticos.]
Você, portanto, diz que a maior parte dos egípcios faz depender nossa livre vontade pelo movimento das
estrelas. Assim como é, devo explicar mais detalhadamente, começando com as concepções herméticas. O
homem, como dizem esses escritos, tem duas almas: uma vem do primeiro inteligível e participa também
do poder do demiurgo, a outra é gerada em nós pelo movimento dos corpos celestes, no qual entra a alma
que contempla a Deus. Sendo assim, a alma que nos vem dos mundos acompanha os movimentos destes
mundos, enquanto a alma derivada pelo inteligível, de forma inteligível presente em nós, está acima do
ciclo do provir e atravès dessa vamos nos livrar do destino, e subamos aos deuses inteligíveis : a teurgia
que eleva-se para o não-gerado realiza-se de acordo com esta vida.
Março 2015
Apresentação do livro A CIÊNCIA DOS MAGOS Volume I°
(Livraria Martins Fontes Paulista dia 6-3-2015)
Boa noite a todos,
a minha intenção é dividir a apresentação do livro de Giuliano Kremmerz A CIÊNCIA DOS MAGOS
em duas partes:
-
Na primeira parte desejo falar sobre o autor.
Na segunda parte tentarei expor com poucas palavras os conceitos utilizados pelo autor
para explicar a oculta ciência hermética.
A biografia de Kremmerz pode ser lida com detalhes no livro, sendo assim prefiro contar aqui
alguns fatos de sua vida que considero muito importantes e que darão a possibilidade a todos de
conhecer melhor um homem tão misterioso.
Kremmerz nasceu em Nápoles em 1861 em uma das cidades mais mágicas da Itália. O seu nome
de batismo era Ciro Formisano. A sua era uma família de classe média a qual possuía no centro de
Nápoles uma casa bastante cômoda. Um dos quartos desta casa foi alugado para um farmacêutico
que se chamava Pasquale De Servis. Fato está que este senhor De Servis era um afiliado à Ordem
Egípcia, Ordem sobre a qual falarei em seguida. Este misterioso personagem não demorou muito
para perceber no jovem Formisano traços de um homem predestinado a cumprir um destino não
comum e dotado de especiais dons espirituais. Decidiu então iniciar Formisano na Ordem dandolhe o nome iniciático de Kremm-erz, nome que tem origem em um hieróglifo egípcio e que na
nossa língua latina significa Leão Solar.
Na verdade a tarefa para a qual estava destinado Ciro Formisano pedia um ser com a força e a
vontade de um leão e uma espiritualidade de caráter solar.
Esta misteriosa Ordem Egípcia que desperta tanta curiosidade e interesse na Europa e fora dela
requer uma breve explicação para que se possa entender o contexto no qual cresceu o nosso
autor.
A origem desta Ordem é muito antiga. Existem vestígios de um templo consagrado à deusa Ísis nas
proximidades de Nápoles que foi dirigido por uma classe de sacerdotes isíacos. Estas pessoas
tinham a missão de transmitir os seus conhecimentos. Do mundo antigo então, através de vias
misteriosas, a sabedoria isíaca chegou até os palácios dos nobres napolitanos e nas Academias dos
filósofos renascimentais. Saíram destas escolas filósofos como Giordano Bruno e Giovambattista
della Porta e também Cornelio Agrippa; quando esteve em Nápoles para escrever a sua célebre
Filosofia Oculta inspirou-se nos conhecimentos destas escolas.
Esta sabedoria de caráter hermético-pitagórico foi utilizada também por Tommaso Campanella
que morou em Nápoles como homem livre e como prisioneiro da Santa Inquisição por suspeita de
heresia, e finalmente entrou nos palácios dos nobres príncipes Raimondo di Sangro, Luigi d’Aquino
que iniciou o conde Cagliostro na magia egípcia.
Foi justamente no grande palácio do príncipe Raimondo di Sangro, alquimista e maçom, que
nasceu a ordem hermética. A Ordem da qual restam notícias históricas certas foi fundada com
cobertura maçônica e sofreu numerosas perseguições por parte da Santa Inquisição, chegou até o
final do século XIX nas lojas dirigidas por Domenico Bocchini, Giustiniano Lebano, insigne cabalista
e mestre de Kremmerz, Pasquale de Servis e outros. A Ordem era muito fechada e não permitia a
divulgação de sua doutrina de caráter hermético-pitagórico-cabalístico.
Desta Ordem nasceram tantas coisas, além da Maçonaria Egípcia de Cagliostro, o mais antigo rito
de Memphis que sofreu sucessivamente muitos abusos e profanações em diversas partes da
Europa.
Conto estes fatos primeiro porque conheço o interesse existente no Brasil por parte de muitos
estudiosos da tradição esotérica napolitana, e também para que se tenha uma ideia precisa sobre
a seriedade e a pureza da tradição egípcia, egípcia de nome mas italiana de fato.
No final do século XIX o episódio mais surpreendente na vida de Giuliano Kremmerz foi a sua
partida para a América do Sul. Sobre esta viagem podem ser feitas somente algumas suposições,
porque os motivos reais continuam ainda hoje sendo misteriosos.
Giuliano Kremmerz já era mestre de hermetismo e de terapêutica, dotado de um alto nível
cultural (conhecia as línguas antigas muito bem e era um excelente escritor) mas achamos que a
incentivá-lo a ir para a América Latina tenha sido o interesse pelas tradições de outros países e em
particular as tradições botânicas e xamânicas.
Desembarcou em Montevidéu no Uruguai e de lá tranferiu-se para Buenos Aires. Foi muito bem
acolhido pela numerosa comunidade italiana e colaborou com alguns jornais argentinos
trabalhando como jornalista.
Logo depois decidiu viajar para o Brasil onde visitou Mato Grosso. Podemos imaginar como era o
Mato Grosso no final do século XIX: uma terra inexplorada e perigosa para qualquer viajante. Do
Brasil foi para a Bolívia e provavelmente visitou o Perú. Foi durante a sua estadia na América do
Sul que Kremmerz estudou medicina e especializou-se em homeopatia. Com muito dinheiro ganho
na bolsa retornou para Nápoles.
Em Nápoles com a autorização dos Doze Supremos Velhos Mestres do Colégio Operante da Ordem
Egípcia funda a Fraternidade Terapêutica Mágica de Myriam. Era o ano de 1909.
Por que o nome Myriam, o que Kremmerz queria dizer com esta palavra? Myriam é uma palavra
arcana e cabalística que não tem nada em comum com o misticismo cristão ou judaico. A “Ciência
dos Magos” está repleta de definições sobre a Myriam e eu tentarei fazer uma síntese e dar uma
visão precisa.
“Myriam é a alma humana virgem e desprovida de todas as imperfeições e das impurezas
humanas e assim volta para o estado operante através do amor fraterno que dá a possibilidade ao
princípio divino que está dentro de nós de realizar qualquer milagre.”
Por que a palavra Myriam está associada à palavra Terapêutica e a à Magia? Kremmerz responde:
“Onde quer que você olhe, encontra uma dor. Quem sofre? - É a matéria. O espírito humano que é
divino, não sente a dor senão por causa da sua involução na matéria. Se suporta a matéria, ele
sofre como esta; se consegue dominá-la, ele a cura”.
Portanto é claro que a Myriam é uma fraternidade de homens e mulheres que ajudam a aliviar o
sofrimento humano. De que maneira? Por quê?
A resposta nos dá um importante discípulo de Kremmerz:
“A Myriam, treinando o discípulo no benéfico e pietoso exercício da terapêutica, entendida como
medicina a distância, conduzia-o, com a sua luminosa e potente teurgia, a um grau de pureza e de
transparência espiritual.”
Magia é a ciência que trata da força e da unidade da matéria que coloca o homem em contato
com as forças da natureza e em comunicação com o mundo invisível e com o mundo espiritual.
Tem origem na palavra antiga mag que significa poder de transe ativo que coloca em comunicação
o corpo lunar do homem com a corrente astral do universo.
A prática da medicina oculta era realizada com a fórmula latina pro salute populi que é a mais
potente lei de amor conhecida na terra.
Não se trata daquele amor profano que encontramos no mundo vulgar do espetáculo, nem
daquele místico das religiões monoteístas que esperam passivamente cair do céu a graça divina,
trata-se daquele amor sagrado que lemos no Simpósio de Platão e que na visão da doutrina
hermética é uma força mágica sutil capaz de fazer coisas extraordinárias, sobretudo ajudar a curar
uma pessoa que sofre. Kremmerz, para fazer entender a lei do amor, repetia aos seus discípulos
este aforismo: imaginem que o vosso maior inimigo peça ajuda para um problema de saúde: vocês
seriam capazes de ajudá-lo amando-o com o amor como aquele que sente a mãe pelo filho?
Kremmerz dizia que este era o amor mais sublime existente na terra.
Após a fundação Kremmerz organizou a fraternidade de Myriam em Academias, as quais reuniam
nas maiores cidades italianas os candidatos que aspiravam fazer parte da escola, os quais eram
chamados irmãos e irmãs e praticavam os ritos de magia cerimonial da Escola e unidos de acordo
com a lei numérica e pitagórica dos números utilizavam a força coletiva a favor daqueles que
pediam ajuda. Tudo isto acontecia desinteressadamente, sem nenhuma compensação. Segundo a
lei de Hermes dar sem esperar nada em troca é um dos principais segredos do sucesso da Escola.
A situação política e social na Itália começou a piorar com o início da primeira guerra mundial.
Muitos irmãos foram obrigados a partir para a guerra e Kremmerz que tinha previsto uma piora
geral seja na Itália seja na Europa decidiu transferir-se para o Principado de Mônaco, em
Montecarlo, quase na fronteira com a Itália aonde continuava a receber os seus discípulos e de
onde não foi difícil continuar a dirigir a Myriam.
Mas o pior ainda estava por vir e chegou com a vitória política do fascismo na Itália. Na verdade o
fascismo não teria prejudicado as sociedades esotéricas italianas mesmo porque os maiores
expoentes do fascismo eram maçons com altos graus do Rito Escocês. Mas quando Mussolini
assinou com a Igreja Católica os Tratados Lateranenses, o antigo ódio da igreja contra a maçonaria
e contra as sociedades esotéricas voltou com força e o papa constringiu Mussolini a assinar as leis
que julgavam ilegais a maçonaria e qualquer sociedade considerada secreta.
A Myriam não escapou desta nova perseguição e algumas Academias (aquela de Roma
principalmente) foram saqueadas pela polícia. Alguns irmãos foram obrigados ao silêncio e outros
escolheram a via do exílio.
Kremmerz morreu em Montecarlo em 1930 e as Academias ficaram praticamente inativas até o
final da segunda guerra mundial. Os discípulos mais fiéis continuaram a praticar os Ritos da Escola
de maneira reservada e secreta.
Logo após o final da segunda guerra, nos anos 50 os discípulos mais fiéis reuniram-se em Roma e
decidiram reativar as Academias e reunir todos os escritos de Kremmerz o qual tinha colaborado
com algumas revistas importantes como o “Mondo Secreto” o “Commentarium” a “Medicina
ermetica” e outras de menor importância. Decidiram então fazer uma só obra.
Nasceu assim a Opera Omnia de Giuliano Kremmerz que foi publicada pela primeira vez em 1954
pela CEUR de Roma e à qual sucessivamente foi dado o título de “A Ciência dos Magos”. A obra era
e continua a ser publicada em 4 volumes: os três primeiros contém os escritos do Mestre, e o
último volume é um Dicionário de termos herméticos, mágicos, alquímicos.
A decisão nasceu de uma série de circunstâncias: a primeira foi aquela de dotar as Academias com
um instrumento de estudo e de conhecimento baseado na palavra e nos escritos do próprio
Mestre da Myriam, a segunda era o fato evidente que na Itália e também fora da Itália a ciência
mágica e o esoterismo em geral exerceram uma grande influência na cultura, na literatura, na
poesia e na música. Obras como aquelas de Guénon, Evola, Reghini estavam presentes em todas
as bibliotecas públicas e privadas dos homens de cultura juntamente com os livros dos antigos e
dos modernos alquimistas e hermetistas como Paracelso, Agrippa, Papus, Tritêmio, Eliphas Levy,
Cagliostro. Lembro aqui que um maestro como Nino Rota, autor de célebres músicas para filmes,
além de ser um myriâmico, possuía uma das maiores bibliotecas alquímico-herméticas.
Fora da Itália, viviam na França grandes estudiosos e em Amsterdã, na Holanda, existe a Biblioteca
Filosófica Hermética que recolhe numerosos manuscritos e obras de hermetismo.
As leis contra as sociedades secretas e a guerra constringiram, como eu acenei antes, muitos
esoteristas italianos a um verdadeiro êxodo. Deixaram a Itália além de Kremmerz, o mestre
Amedeo Armentano que em 1924 chegou em São Paulo, o príncipe Leone Caetani (membro da
Ordem Egípcia) que foi para o Canadá e o engenheiro Manlio Magnani que deixou a Itália em
1928.
É importante a este ponto chamar a atenção de todos vocês sobre a figura e as atividades de
Manlio Magnani, porque é verdade que Kremmerz deixou rastros importantes da sua presença na
América Latina e provavelmente Manlio Magnani foi atraído pela cidade de Buenos Aires
justamente por causa desta antiga presença do Mestre na Argentina.
Mas o verdadeiro fundador da Fraternidade Hermética na América Latina foi Manlio Magnani.
Como eu disse Magnani chegou em Buenos Aires em 1928 e foi acolhido calorosamente pela
numerosa comunidade italiana que naqueles anos exercitava uma forte influência na maçonaria e
nas maiores organizações esotéricas. Magnani atravessava o Atlântico com o grau de Mestre de
Myriam, tendo sido iniciado diretamente por Kremmerz na Itália, com o grau de 33 do Rito
Escocês, com a qualificação de Superior Incógnito do Martinismo e de Grande Inspetor do Rito de
Memphis. Enfim Magnani conhecia muito bem a cabala e a alquimia e era um discípulo pitagórico
do Mestre Armentano. Então era uma personalidade de grande valor e de grande importância
moral e espiritual.
Em Buenos Aires Magnani fundou a primeira Academia latino-americana da Fraternidade
Hermética, traduziu os rituais em espanhol e teve os seus primeiros importantes discípulos.
Em 1930 por causa de problemas de trabalho entrou em contato com o Mestre Armentano no
Brasil, o qual o convidou para transferir-se para São Paulo aonde poderia ajudá-lo a encontrar um
trabalho.
Magnani continuou dirigindo a Academia que tinha fundado em Buenos Aires mesmo estando em
São Paulo e criou juntamente com Armentano e outros residentes nesta cidade um pequeno
cenáculo de italianos que praticava estudos de caráter pitagórico-cabalístico-hermético.
Era um grupo muito fechado e reservado. Mas todos mantinham relações muito cordiais e
amigáveis com a comunidade italiana que naqueles anos exercitava em São Paulo uma influência
muito forte na cultura paulista. Testemunha disto são os numerosos jornais em língua italiana que
eram publicados nesta cidade, assim como a presença de inúmeras personalidades importantes
como Nino Daniele que na Itália tinha sido secretário de D’Annunzio e que colaborava com os
maiores jornais paulistas.
É significativo que o primeiro sodalício hermético no Brasil tenha nascido justamente em São
Paulo. Ele morreu nesta cidade. Os seus escritos sobre a cabala e sobre o hermetismo ainda são
inéditos: alguns escritos foram traduzidos para o português e publicados no site da Fraternidade
Hermética.
Começarei agora a falar sobre o primeiro volume da obra “A Ciência dos Magos”.
Em primeiro lugar é necessário que eu explique o significado do desenho publicado na capa do
livro que na realidade é o símbolo da Fraternidade Hermética na América Latina.
Podemos observar um duplo círculo que envolve as letras S.P.H.C.I. O duplo círculo em sua
essência mágica representa a união dos irmãos que pertencem a esta escola, mas ao mesmo
tempo é magneticamente construído como círculo mágico de defesa contra todos os perigos que
possam vir do mundo profano. As letras são as iniciais da frase SCHOLA PHILOSOFICA HERMETICA
CLASSICA ITALICA que desde a primeira fundação de Giuliano Kremmerz em 1909 representou a
Fraternidade com as características de Escola. É inútil dizer que aqui “filosofia” tem que ser
entendida na sua etimologia clássica de “amor pela sabedoria”. A estrela a 5 pontas simboliza o
homem integrado nos seus poderes mágico-espirituais e recorda em primeiro lugar o pentáculo
pitagórico e a grande importância que Pitágoras dava ao número 5. No Renascimento a estrela a 5
pontas foi desenhada por Leonardo da Vinci no homem com os braços e as pernas abertos. Em
volta da estrela encontramos a palavra grega IUGHIEIA que em latim significa salus e em
português saúde. É uma ulterior confirmação da finalidade primeira da Escola. Enfim no centro da
estrela podemos ver um sol com 12 raios e aqui o simbolismo cósmico-astrológico é claro e
representa a aspiração máxima do discípulo hermético que é aquela de integrar-se na força de
Osiris, após haver superado a prova isíaca.
O livro que estou para apresentar está dividido em cinco partes e algumas introduções:
Antes de entrar em detalhes desejo dizer algumas coisas sobre o estilo literário de Giuliano
Kremmerz. O seu não era um estilo fácil para a leitura, em primeiro lugar pela matéria tratada e
depois pelo modo de escrever usado no final do século XIX que comporta muitas dificuldades de
interpretação seja para o leitor italiano seja para um tradutor em uma língua estrangeira. À parte
tudo isso Kremmerz pela sua natureza de napolitano culto amava ser irônico e brincalhão e usava
muito metáforas e às vezes sem querer dificultava a compreensão do leitor que não estava
acostumado com uma leitura daquele tipo. Cito as suas próprias palavras:
“Desejo não ser colocado entre os retóricos e os traidores do escrever bem quando eu, talvez
sendo o primeiro, quero apresentar todo um conjunto de doutrinas que são exatas e imutáveis e
que pertencem à prótase da ciência secreta e sagrada que ninguém desvendou até hoje ao público
não preparado e que ninguém pode desvendar a todos em sua integridade. Por isso o discípulo
bondoso não se preocupe muito com a forma gramatical de certas frases minhas e procure
assimilar o sentido oculto, que é essencialmente científico.”
“Estudar a Magia e aplicar a Teurgia, não significa estudar os fenômenos que alcançam os
sentidos físicos, mas estudar as leis ocultas e produzir os fenômenos manifestos: e como todas as
ciências a Magia deve ser estudada com atenção antes de mais nada na sua parte doutrinária e em
um segundo momento na sua aplicação; porém antes de entender as coisas pertencentes à ciência
é necessário entender o valor das palavras que são empregadas.”
Esta era também uma regra dos alquimistas renascimentais e é evidente que Kremmerz não podia
distanciar-se de seus mais célebres antepassados no expor uma doutrina como aquela hermética.
E dizia também:
“Eu lhe aviso, oh discípulo, que a minha linguagem será clara, e se você não se sente à altura de
seguir-me, não poderá me dizer que eu lhe vendi pão preto ao invés de torta de ricota”.
Na introdução encontramos uma biografia de Kremmerz, um índice da sua produção literária e
alguns escritos dedicados ao Mestre e à sua Escola.
A primeira parte é dedicada à Introdução à Ciência do Oculto.
Aqui encontramos o propósito do Autor de introduzir (como a própria palavra diz) o leitor no
conhecimento de um argumento que nos anos nos quais Kremmerz escrevia era já muito
conhecido. É importante saber que, enquanto ele descreve outras formas de ocultismo como a
teosofia, o espiritismo, o mesmerismo, a mediunidade, a hipnose etc. ele é sempre muito educado
e correto, porque o seu objetivo principal era aquele de fazer conhecer aos seus leitores os outros
métodos, demonstrar os erros de maneira prática e confrontá-los com a ciência mágica.
São importantes nesta parte os capítulos dedicados ao espiritismo e às aparições das almas dos
mortos e às citações de alguns escritos de eminentes cientistas da sua época que tinham
publicado o resultado de suas experiências com médiuns e ocultistas das diferentes associações
ditas espiritualistas.
A segunda parte é dedicada aos Elementos de magia natural e divina.
Aqui entramos no vivo da escola hermética e é pedida uma grande atenção por parte do leitor que,
após esta leitura, poderia ter algum interesse direto nas atividades da escola.
De fato nesta parte do livro Kremmerz descreve o papel e a importância do Mestre na Fraternidade
e a maneira como o Discípulo deve colocar-se diante dele.
O Mestre é representado como um sol e o discípulo como uma lua, porque o discípulo absorve e
reflete os raios de um sol assim como faz a lua satélite com o sol planeta.
O simbolismo é evidente: o discípulo deve somente silenciar e aprender, ou seja absorver o mais
possível os ensinamentos preciosos que lhe chegam através do Mestre.
Este silêncio nas antigas escolas pitagóricas durava 5 anos, hoje estamos em plena democracia e o
período de silêncio foi reduzido, mas não foi reduzido o aprendizado que pode durar um tempo
indeterminado se o discípulo não dá provas de amadurecimento espiritual.
É necessário que eu fale sobre a diferença entre magia natural e divina que representa o tema
dominante desta parte do livro.
Cito as palavras de Kremmerz:
Eu divido a MAGIA, ou Sabedoria Arcana, em duas grandes partes: a Natural e a Divina. A primeira
estuda todos os fenômenos ligados às qualidades ocultas do organismo humano e o modo de
obtê-los e reproduzí-los nos limites do organismo empregado como meio. A segunda é dedicada a
preparar a ascensão espiritual do estudioso, de modo que torne possíveis as relações do homem
com as naturezas superiores invisíveis ao olho vulgar”.
A terceira parte é dedicada às Instruções para a preparação dos discípulos.
Aqui são suficientes poucas palavras já que Kremmerz dá alguns conselhos práticos aos aspirantes
estudiosos de magia. Induzia-os sobretudo a praticar porque também em outras partes do livro
ele tinha dito repetidas vezes: não acreditem nas minhas palavras, mas experimentem aquilo que
eu digo, porque eu posso enganá-los até quando vocês não tiverem a confirmação daquilo que eu
ensino.
A quarta parte é dedicada aos mistérios da taumaturgia.
Eu diria que é a parte mais importante e mais difícil do livro. Tentarei dar uma breve ideia.
Nesta parte a linguagem do Autor torna-se mais enigmática porque é necessário comentar e expor
a lei divina do Homem como Unidade absoluta. Entramos então nos mistérios mais recônditos da
cabala e do pitagorismo mágico e é pedida por parte do leitor uma concentração muito grande.
Não obstante tudo falar de taumaturgia, ou seja da arte de fazer milagres, que é a arte da
piromagia ou magia do fogo, não é sempre fácil e permitido.
Todos sabemos que cientificamente o milagre não existe: quantos fenômenos que no passado
foram considerados milagrosos com o tempo foram explicados pela inteligência e pela pesquisa
científica. O próprio poder intuitivo do homem pode ser visto como uma qualidade taumatúrgica,
quando realmente é a fonte de suas maiores descobertas.
Mas Kremmerz com os mistérios da taumaturgia mirava mais alto e mais longe. Aonde?
Esta é a parte do livro na qual Kremmerz fornece as chaves para tirar os véus de alguns arcanos da
magia, relativos ao discípulo reintegrado na sua unidade divina e natural que possui o poder de
restituir a saúde para quem não a possui ou de transformar-se em um deus.
Chegamos assim na última parte do livro: nas finalidades da medicina hermética.
Para não repetir as coisas já ditas citarei as palavras de Kremmerz:
uma doença quando se manifesta é sinal de um desequilíbrio interior no homem; por isso o desejo
de Kremmerz com toda a sua fraternidade era aquele de integrar a medicina do homem com a
medicina espiritual hermética. Isto significa que a Fraternidade Hermética não quer substituir a
medicina oficial, ao contrário quer operar lá onde a medicina oficial demonstra os seus limites e as
suas lacunas e em alguns casos ajudá-la a superar estes limites e a preencher estas lacunas.
Eu gostaria de concluir com uma mensagem de fé e de esperança. O Brasil é o único país fora da
Itália que está traduzindo a Opera Omnia de Kremmerz, e isto lhe permitirá preparar uma elite
espiritual e iniciática que justifique as afirmações de Manlio Magnani em seu escrito sobre “o
futuro do Brasil”. Magnani tinha a certeza que o Brasil teria um futuro, mas fundava a sua certeza
na possível aparição de sábios e de homens espiritualizados capazes de iluminar, como faróis o
futuro de um povo. Muito obrigado.
Mithra e a iniciação hermético-solar
História de um Culto
As primeiras notícias sobre o Deus Mithra vieram da arcaica tradição
dos Vedas hindus e precisamente do mais antigo, o Rig-veda, que
enquadra a divindade em questão como regente de um mundo
perfeito de origens agora esquecidas, protetor da Ordem Universal junto ao deus Varuna.
Encontramos Mithra, sucessivamente, em uma outra tradição de origem iraniana, onde, além de
que no antigo Irã, também áreas como a Capadócia, Comagena, do Ponto e as terras dos Mitannihurriti, assume o valor da Divindade tutelar do Pacto, do Juramento: tal característica, não só
valeu a aquisição de uma confirmação de puro guerreiro, mas também, na antiga Pérsia, permitiu
que o seu culto se tornasse a base do sistema feudal do império. O
contato com o mundo ocidental e portanto com a Romanidade
aconteceu, com a expansão dela mesma, a obra dos legionários,
ainda que Plutarco na "Vida de Pompeu" narra os "estranhos ritos"
celebrados por piratas da Lícia; o culto entrará oficialmente em
Roma somente em 66 d.C., levado por Tiridade, rei da Armênia, em
visita a Nero.
O contato com o mundo greco-romano, com as suas instituições mistéricas (muitas são as
semelhanças com os Mistérios de Eleusis) e com a filosofia neoplatônica - como demonstram
várias obras de Porfírio -, forjaram uma verdadeira e própria via iniciática hermética, reservada a
poucos eleitos, sempre ao abrigo nos seus Mitreus (centro de devoção dos seguidores de Mithra),
nas suas grutas subterrâneas reservadas ao culto, que simbolicamente podemos associar ao mito
platônico da caverna: Mithra nasce alquimicamente da pedra, como a verdadeira Luz incubada e
se manifesta na obscuridade da noite. Só uma tardia vulgarização pôde assimilar-lhe o papel de
Soter (salvador), e uma reforma, desejada por Diocleciano, Galério e Licino o proclamou "Deus Sol
Invictus Mithrae Promotor dos seus impérios", assimilando o culto àquele oficial e imperial de
Hélios, introduzido em Roma por Aureliano.
Uma breve introdução histórica se revelou necessária para enquadrar as raízes do Culto, que
pouco a pouco andou completando-se, seguramente para melhor manifestar toda a sua
potencialidade espiritual, que é de natureza hermética, então de origem primordial, real e
iniciática. O mito e a tradição fazem recordar Mithra por dois momentos fundamentais do seu
percurso esotérico: pelo seu nascimento da rocha e pelo assassinato do touro sacrifical, que não
assume somente o valor renovador do cosmos, mas possui uma bem mais alta e elevada
valoração espiritual. Tudo se enquadra em uma visão de mundo puramente solar.
Pouco ou nada se poderá compreender de tal culto mistérico, se não possuir tal perspectiva polar,
tal atitude guerreira, de superação mágica, portanto superação ativa.4
As correspondências astrais e metálicas
O termo hermético empregado neste contexto deve ser entendido no mais profundo de seu
significado, não apenas na mais considerada e geral acepção alquímica, mas como símbolo
unitário (do verbo grego sùmballo), síntese de domínios diversos mas correlatos, que através dos
diversos graus de iniciação à Divindade da Luz, do Pacto e do Fogo, nos permitirão com-preender a
essência mais elevada que a Tradição tenha jamais expresso.
Encontramos as indicações de Celso (Origines, Contra Celsum, Vl, 22), segundo o qual no culto
Mithriaco (e dele dão evidência também as testemunhas parietais nos diversos mitreus
encontrados como aquele de Cápua, de Ostia), houvesse uma estreitíssima conexão entre uma
hierarquia de planetas e de metais, além do setenário musical. A cada grau da iniciação que será
sucessivamente examinada, será possível associar um Astro-Divindade de referência e um metal,
que os caracterizaram, agora mais esotericamente, com função anagógica. Tudo nos reconduzirá
4
Uma tradução do grego com comentário do "Ritual Mithriaco do Grande Papiro Mágico de Paris" editado
por Arturo Reghini, Giulio Parise e outros, foi publicada na revista UR (1927). A imagem de Mithra no topo
figurava no texto que colocamos acima.
para as sete operações da Arte, as sete portas de Mithra, que são as sete purificações do Mercúrio
Filosofal: "É preciso purificar o Mercúrio pelo menos sete vezes. Agora o banho para o Rei está
pronto". (Filalete, Epistola de Ripley, cap. LI).
Os sete graus de transmutação
O testemunho arqueológico que nos pode ser de ajuda para compreender o complexo sistema
iniciático do culto de Mithra é seguramente o pavimento mosaico presente no mitrau de
Felicissimo da Óstia, denominado Escala das Sete Portas. Seja Celso seja Porfírio nos falam de uma
iniciação com sete diferentes graus de conhecimento e, como nas sete portas da Óstia, cada um é
representado pelo animal simbólico e pelo Astro/Divindade de referência.
O primeiro grau é representado pelo Corax (Corvo), ele é a base do culto Mithriaco, o neófito que
defronta as primeiras provas de humildade, de controle do ego, de manter o segredo.
Simbolizado precisamente por um corvo, é o mensageiro dos Deuses que revelam Mithra, tendo
em Hermes-Mercúrio a própria divindade tutelar. O despertar é o início da retificação de myste, o
despertar da própria essência solar: a cada retificação se pode reconectar aos centros de luz,
chakra na tradição hindu ou sephira naquela cabalística, ao longo do canal vertical que percorre a
coluna vertebral, expressão exata de um Caduceu Hermético que encontramos entre os símbolos
de Hermes e do Corax, onde se entrelaçam as energias lunares e solares, mercuriais e sulforosas,
ao longo daquele que é denominado o "canal de Brahma".
No primeiro grau é possível conectar o chakra Muladhara, em correspondência com o osso sacro,
sede da Kundalini adormecida ou a décima sephira Malkuth, o nível mas baixo e obscuro da Árvore
Sephirótica. Não se esqueça, além disso, como ao negro corvo e à primeira purificação de
Mercúrio está ligada a primeira operação alquímica, aquela da calcinação:"com a calcinação todas
as coisas corpóreas tornam-se carvão e cinzas" (Paracelso, De natura rerum libri novem, Edizione
Phoenix).
O segundo grau é representado pelo Nymphus (Crisálida), relativo à tomada de consciência do
iniciado, do processo ascensional que o espera, como atesta a representação de Eros e Psique no
mitreu de Cápua, uma nova luz que surge e vem conduzida pelo Amor em direção ao céu das
estrelas fixas: não casualmente, de fato, a divindade tutelar de Nymphus é Venus. No
microcosmos, nos centros de vida sutil o segundo grau se identifica com o segundo chakra
Swadhistana, localizável na zona da púbis, ou com a nona sephira Yesod, ambas expressas por
símbolos que se remetem ao mundo de água, da lua, como expressão do inconsciente e da
dimensão astral. Alquimicamente se passa à segunda operação, denominada putrefação:"tudo o
que é vivo nela morre, tudo o que é morto nela ganha a vida" (Paracelso).
O terceiro grau é aquele do Miles (Soldado), simbolizado pelo escorpião, representa mediante a
consagração a Mithra e a recusa da coroação humana ("Mithra é a minha coroa"), o ingresso do
iniciado na Milícia Celeste , aqueles que combatem pelo Fogo e a Luz, tendo em Marte a própria
divindade tutelar. É o chakra Manipura onde fica a sede do fogo, em correspondência com o plexo
solar, a oitava sephira Hod, a sapiência e a coletividade, portanto Mithra que sai armado da gruta
platônica para combater, com a lança de Marte, para enfrentar um caminho obscuro que não
conhece, é o elemento do ferro que se ativa, o irracional que busca purificar-se, a força guerreira
cega, instintiva, que começa a via para a própria purificação: alquimicamente se chega a terceira
operação, aquela da solução, quando se produz a união progressiva e não violenta do fixo com o
volátil...O Fogo deve ser agora mantido baixo!
O quarto grau é representado pelo Leão e tem como divindade planetária protetora a Júpiter: é a
visão da essência solar e cardíaca, de Apolo, através do qual continua a purificação do fogo
interior, agora manifesto em sentido eminentemente filosófico e vitorioso, que se prepara para a
viagem iniciática: não é casual a função que os Leões tinham no interior da comunidade mithríaca,
como guardiões, precisamente, do fogo e do altar sacrificial. Alquimicamente se passa para a
operação da destilação, quando numerosas purificações dos "resíduos" tendem a fazer volatilizar
os espíritos: estamos no quarto chakra Anahata e a sétima sephira, em correspondência com a
zona cardíaca, quando inicia a espiral hermética, sede da Vitória, da Sapiência e do Divino interior,
concluindo-se assim o Nigredo para "a manifestação do branco".
O quinto grau é aquele de Perses (Persa), o guerreiro indo-europeu que entra na porta dos
infernos, simbolizada por Cautopates, o dadoforo com a tocha voltada para baixo, não por acaso
assimilado a Herperus, a estrela da noite, e sob a tutela astral e divinal da Lua. Inicia o processo de
recapitulação do próprio microcosmo, dos estados sublunares e psíquicos: aqui o guerreiro
através a noite da alma, com o valor já de um desperto, aquele que já superou a prova eleusiana
do sono iniciático, então presente em si mesmo, receptivo para os ensinamentos da Grande Mãe,
da Lua, do Feminino que percorre simultaneamente a Natureza e o seu interior. O quinto chakra é
aquele denominado Vishudda, localizado na altura da garganta, ou a quinta sephira (a ordem
sephirótica se mostra só aparentemente anômala, sendo sobre escala de dez e não de sete)
Geburah, precisamente o guerreiro, a separação de tudo o que é material, propriamente humano:
a sublimação, a quinta operação alquímica, separa, mediante ao fogo, o espiritual do corporal. A
noite não pode ser eterna e Hesperus se transforma em Lucífero, a estrela da manhã, como Cautes
substituiu Cautopetes, o archote se levanta ao Céu, tendo atingido o iniciado ao sexto grau,
aquele de Heliodromus (mensageiro do Sol), a Porta dos Céus, onde, sob a tutela astral e divina do
Sol, se reúne aquele que foi precedentemente purificado: aqui está lanus da tradição romana, aqui
a chave de prata de Perses torna-se chave de ouro, é a composição do Rebis, do masculino e do
feminino, do solar e do lunar, é a realização de Albedo, o acesso aos estados supra-individuais, é a
Prata filosofal que se manifesta e que inicia a sua transmutação
em Ouro. Não por acaso aqui se reconecta ao sexto chakra,
Ajna, sede do Terceiro Olho de Shiva, entre as sobrancelhas,
onde o deus interior encontra, como já observado, a sua
contraparte feminina, a Shakti; cabalisticamente pode-se
referir a segunda sephira, Chokmah, sede da Sabedoria.
A Tauromachia (batalha do touro)
O exame do sexto grau da iniciação mithriaca, aquela do Pater, comporta necessariamente um
aprofundamento do mito central e fundador do culto em questão, isto é o sacrifício cosmogônico
e esotérico do touro: tal mito, junto à tutela mithriaca dos pactos e dos juramentos, é
seguramente presente desde as origens da divindade e representa simbolicamente o mais alto
valor metafísico.
Mithra nascido da rocha no dia do Solstício de Inverno e que saiu da caverna com o grau de Miles,
sabe do dever de sacrificar o touro, por ordem dos Deuses, sob o comando do seu mensageiro, o
corvo Hermes. Ela salta sobre o dorso do touro, mas não o mata de imediato, resiste esperando
que o touro se canse e o imola, dolorosamente, somente quando este tiver entrado na gruta. O
significado macrocósmico do rito é de renovamento do cosmos, da sua manifestação: o sangue
que jorra da ferida do animal é a linfa que faz renascer a vida: Porfírio o define pai do mundo e de
Tudo. Mas este é um significado mais profundo do rito, que vai além da dimensão mítica, por
ascender à mais pura espiritualidade, à mais cristalina ascese interior.
A imolação do touro é realizada pelo Pater, o chefe sacerdotal da comunidade mithriaca, aquele
que é o responsável pela transmissão da Sapiência Arcana, aquele que possui o cetro do Mago,
como Saturno, sua Divindade tutelar. Se em Heliodromos houve a conjunção do Rei e da Rainha,
do masculino e do feminino, do solar e do lunar, o Pater deve efetuar a última operação, a última
fixação, a última purificação dos elementos terrestres e lunares.
No sistema hindu dos chakras este corresponde ao sétimo, Sahasrara, ou à primeira sephira
cabalística, Keter, situada sobre a cabeça, lugar de conjunção da Sushuma com o Divino,
realização dos estados supra-individuais e completo despertar da Kundalini.
No sétimo grau do Pater, Saturno se ilumina e retorna regente do mundo e do tempo, deus da
Tradição Primordial, Chumbo que se purifica e se transmuta em Ouro. Nesta ótica se pode
absolutamente compreender a correspondência da iniciação mithriaca com o desenvolvimento da
Arte Metálica. Temos já indicado para a espiral hermética de J.G. Gichtel: nessa o princípio é
representado pelo Sol-Ouro na região cardíaca, o qual, mediante um movimento centrípeto
dissolve os elementos superiores naqueles inferiores através do cozimento com Fogo e depois,
com um movimento centrífugo, o reconduz à sua real essência. Se encontra, portanto, diante de
um símbolo no qual o plumbeo Saturno da região da coroa (topo da cabeça) se dissolve na Lua Prata da região sacral para tornar-se, como dito, áureo; Júpiter - Estanho da região frontal se
dissolve em Mercúrio da região umbilical; Marte - Ferro da região laríngea se dissolve em Venus Cobre da região lombar.
A realização do Uno
Muitos são os escritos, os artigos, os textos que profundamente tem indagado a essência
tradicional, espiritual e simbólica da iniciação mithriaca, mas, infelizmente, poucos evidenciaram
bem como o sétimo grau deste culto mistérico, aquele do Pater, não representava a última etapa
da ascensão ao Divino.
Se profanamente se provasse de esquematizar o processo iniciático do qual se é escrito, seria
possível confrontá-lo, reduzindo o setenário em forma quaternária, às várias fases da Obra
Alquímica e à subdivisão microcosmica operada por Kremmerz e pela Escola Hermética.
De fato, as primeiras quatro figuras que partem do Corax e chegam ao Leão é possível compará-las
às quatro operações da Obra ao Negro, o Nigredo (calcificação, putrefação, solução, destilação),
enquanto a figura de Pherses, sob a égide astral da Lua, e aquela de Heliodromos, portador do Sol
mas não o Sol, configuram a dimensão divina da nua Diana, da imortalidade virtual, portanto da
realização da Obra ao Branco, Albedo.
O estado de Pater, portanto, não constitui, como muitos poderão arriscar, a fixação áurea do
Rubedo, mas só a sua parte inicial, o Solve, que necessita de um posterior desenvolvimento, de
um Coagula: também simbolicamente, muito frequente, a figura de Mithra vencedor tem sido
aproximada a Águia, único animal a olhar de perto o Sol... mas não ainda identificado com esse.
Tais aproximações poderão resultar mais pontuais ao se refazer, como antecipado, a doutrina
esotérica de Giuliano Kremmerz e de toda a Tradição Ocidental. Nesta existem quatro corpos que
caracterizam o homem: o corpo saturnino (no sentido obscuro e dual que tem tal referência
divina), portanto material e passageiro; o corpo lunar, portanto a esfera aquática, da paixão, dos
sentimentos, gota da Anima Mundi; o corpo mercurial, portanto a esfera do intelecto, do
Demiurgo, do Ser, simbolizado não casualmente pela Águia; enfim, o corpo solar, isto é a esfera do
Infinito, que em matemática se exprime como um oito posto horizontalmente (∞), ou seja
coincidência de dois mundos (Céu e Terra, Ser e Vir a Ser,...) que antes com o oito posto
verticalmente (8) mediava e hierarquizava a manifestação, da Identidade Suprema, onde não
existe diferença entre Ser e não-Ser, onde a essência solar é em si, portanto não manifesta,
consequentemente "essência polar".
Se Saturno/Zervan é o Senhor do Tempo, se é a completude daquilo que na doutrina herméticoalquímica vem denominada Obra ao Amarelo, ou seja o último Solve, Ele é, segundo quanto relata
Porfírio, na sua obra Sobre a filosofia dos oráculos, Aiòn, a Eternidade, o Bem Supremo de Platão
(não erroneamente alguns estudiosos e autores, como Platão no Timeu, tem identificado Saturno
e Aiòn, sendo as duas faces da mesma operação), a Essência Original, da qual foram emanadas as
várias divindades da tradição greco-romana: aqui se efetua a Realização Última, para além das
estátuas da Alma e do Nous, como se "procedia" em Eleusis, a completude do último Coagula, do
Rubedo.
Se o Pater é a transmutação do corpo em espírito e do espírito em corpo sobre a terra, Aiòn é o
vôo e a identificação na direção das estrelas, é o homem divino, é Mithra que abandona
definitivamente o humano e o terrestre para tornar-se ele mesmo a essência arcana de Helios:"Ele
entra em íntima relação com o Divino... ele se vê transformado no Divino mesmo... vida dos Deuses
e dos homens divinos e perfeitamente felizes: longe dos outros que estão embaixo, superior aos
prazeres deste mundo, fuga do Uno para o Uno". (Plotino, Enéadas, VI, 9, 11).
Luca Valentini
(ensaio publicado no n° 5, Outubro de 2011, na revista Betile, Cagliari)
A medicina não é indústria
A medicina não é indústria, é uma ciência que prescinde das lojas, e os
médicos são ou devem sentir-se sacerdotes diante da dor que
atormenta um corpo enfermo. A este sacerdote, feito e preparado nas
escolas experimentais, falta em muitos momentos, muitas vezes em um
dia, a alma para sentir-se em possesso de um espírito vivificante e
criador, eminentemente hermético, que possa dar novamente a saúde
a um organismo que se desorganiza. A ciência humana é imperfeita.
Aonde chega a clínica, o exame químico e microscópico, não chega o
poder terápico: tantas são as escolas, tantas são as imperfeições.
Similia similibus e contraria contrariis são dois caminhos que levam à
vitória quando a Natureza ( um símbolo abstrato que lembra o
paganismo) est optima medicatrix. (imagem a esq. Apolo medico).
Abril 2015
INFLUÊNCIA E VESTÍGIOS DAS CIÊNCIAS ESOTÉRICAS EGÍPCIAS EM NÁPOLES .
“Um dia os deuses que exerceram domínio sobre a terra, serão restaurados e instalados em uma cidade no extremo
confim do Egito, uma cidade que será fundada em direção do sol que se põe e na qual acorrerá, por mar e por terra, a
inteira raça dos mortais”.
(Asclepius, texto do Corpus Hermeticum)
Outras poucas culturas, antigas e modernas, exerceram tanta influência sobre o Ocidente como
aquela do Antigo Egito, com o seu imenso patrimônio de sugestões, crenças religiosas, arte,
conhecimentos científicos e, não último, doutrinas esotéricas.
Verificando quanto a cultura egípcia tenha permeado naquela ocidental e demonstrando que tal
influência vai muito além da moda de uma época, é suficiente pensar a quanto já o mundo da
Grécia Antiga e de Roma sentiram o fascínio da “Terra Negra”, terra de sábios e de ciência; em
como o mito de Ísis e Osíris tenha sido importante para o nascimento das religiões sucessivas; ao
véu de mistério que ainda circunda os segredos das pirâmides e a língua dos escribas etc.
Ainda hoje a cultura moderna inspira-se muito no imaginário do Antigo Egito no que se refere à
música, à arte, à arquitetura, à literatura, ao cinema etc. repropondo em chave nova as sugestões
e as riquezas de uma cultura complexa, refinadíssima e milenária.
No que se refere especificamente à influência que as ciências esotéricas egípcias e os
ensinamentos veiculados destas exerceram sobre a cultura ocidental, é suficiente pensar na
tradição hermética na Europa nos séculos XVI e XVII; na Maçonaria do século XVIII, passando pelas
modernas correntes ocultistas e tradicionalistas do século XIX e da primeira parte do século XX.
Porém é necessário fazer um esclarecimento importante.
Quando se fala de “ciências esotéricas egípcias”, não se faz referência a um patrimônio de
conhecimento que chegou imutável até nós da terra das pirâmides e que se refere, então, ao
período da antiguidade tardia, mas de um saber focalizado na espiritualidade da tradição egípcia
assim como historicamente foi recebida e feita própria pela cultura egípcia-alexandrina que se fez
intérprete deste antigo conhecimento.
O saber egípcio, além disso, foi considerado desde a antiguidade um patrimônio a ser divulgado
somente aos iniciados e de domínio, então, do esoterismo. Nesta ocasião nos ocuparemos de
mostrar como aquele imenso patrimônio de doutrinas e ciências egípcias (ou presuntas tais), que
por sua importânica e pelo seu suposto poder eram consideradas, “esotéricas”, tenham exercido
particular influência sobre o esoterismo italiano desde a antiguidade até hoje e, em particular,
sobre uma cidade cuja complexidade social e cultural, assim como a sua rica história, a tornam
única não só na Itália mas em todo o mundo: Nápoles.
A velha capital do Reino das Duas Sicílias, antiga colônia grega dos séculos VIII-VII a.C., era
denominada “Partênope”, e refundada sucessivamente, após a destruição da primeira posse,
assumiu o nome de “Neápolis” (cidade nova) no século VI a.C. Graças à sua posição geográfica e às
ligações com a mãe pátria, Neápolis tornou-se logo um dos centros portuais mais importantes e
estratégicos do Mediterrâneo. Os tráficos comerciais tornaram a cidade florente e,
consequentemente, meta de pessoas de raças e nacionalidades diferentes. Nápoles, de fato, é
uma cidade que se modelou durante milênios sobre os sedimentos estratificados das diferentes
culturas e dos povos que a dominaram e nela se estabeleceram levando consigo as próprias
religiões, usos e costumes. Encruzilhada de diferentes culturas, atesta-se em Nápoles, no curso da
sua história, a presença também de várias tradições iniciáticas, cenáculos culturais e associações
secretas. Não é um caso, então, que segundo alguns estudiosos a primeira loja maçônica no
território italiano tenha nascido justamente nesta cidade, e não em Florença como muitos
afirmam.
Dos cultos egípcios às escolas pitagóricas, passando pela tradição hermética e alquímica e a
influência das culturas árabes e hebraicas, nas veias de pedra desta cidade escorrem rios de
sabedoria milenária e arcana que no curso dos séculos favoreceu o proliferar de escolas e
academias, e acolheu sábios, cientistas, literatos, filósofos e esoteristas do nível de Frederico II da
Germânia, Tommaso Campanella, Arnaldo de Villanova,
Raimondo Lullo, Giordano Bruno, Raimondo Di Sangro,
Giuliano Kremmerz e muitos outros mestres de
sabedoria conhecidos e desconhecidos.
Os primeiros sinais de contato entre Nápoles e o Egito
remontam praticamente ao tempo da sua fundação.
Segundo Ruggero di Castiglione em Nápoles desde a
antiguidade proliferaram associações que praticavam
ritos órfico-dionisíacos e isíacos. Segundo o autor o culto
de Ísis chegou na cidade graças aos tráficos comerciais
que viram mercantes médio-orientais chegarem nos
portos itálicos para o comércio de bens. Muitos destes
mercantes ficavam na próxima Puteoli (Pozzuuoli) e
foram os artífices da rápida difusão do culto isíaco no território partenopeu e campano em geral.
Em Pompeia ainda hoje podem ser vistos sinais tangíveis da difusão do culto da deusa lunar Ísis e
em Nápoles ainda existem uma inscrição votiva dedicada à deusa (IIº século a.C.), uma estátua e a
recordação de um pequeno templo contruído pelos devotos de Ísis na “Reggio Nilensis”. Na cidade
ainda hoje existe também, um lugar chamado “Piazzetta Nilo”, denominado também “Largo Corpo
di Napoli”.
Do porto de Pozzuoli difundiu-se em toda a área campana também o culto de Serápis (A versão à
maneira grega de Osíris) cujo centro de emanação principal foi o templo, erguido no IIº século
d.C., dedicado a esta divindade masculina. Quase certamente os primeiros a praticarem os cultos
egípcios na Itália foram os imigrados estrangeiros. Muito cedo, porém, os cultos de Ísis e de
Serápis difundiram-se também entre os habitantes do lugar, pessoas de diferentes etnias e classes
sociais e da Itália o culto propagou-se sucessivamente
também em outras partes do Império Romano.
Na zona da Piazzetta Nilo5, posicionada no centro histórico
de Nápoles (na rua inferior entre Piazza San Domenico
Maggiore e Largo Corpo di Nápoli), estabeleceu-se desde a
primeira idade imperial uma comunidade de mercantes e
marinheiros egípcios provenientes da Alexandria do Egito.
Tal comunidade – cujas colônias eram chamadas pelos
napolitanos “nilesi” – estabeleceu-se na área da cidade
grega, justamente a “Regio Nilensis” e possuía uma própria
5
Na Piazzetta Nilo encontrava-se a sede da Ordem Egípcia que autorizou Giuliano Kremmerz a fundar a Fraternidade
Terapêutica Mágica de Myriam (ndt).
“rua” chamada “Vicus Alexandrinus” (a atual Via Nilo).
Quase certamente também existia neste lugar um templo dedicado à Deusa Ísis. Ainda hoje o
largo, que se abre a Oriente da Praça San Domenico Maggiore, conserva o nome deste rio,
verdadeira divindade para os egípcios, da qual depiendia a própria vida do povo. A divindade
fluvial é representada por uma estátua em mármore branco (conhecida como “o Corpo de
Nápoles”) erguida pela comunidade alexandrina que vivia em Nápoles no período romano entre o
IIº e o IIIº século d.C. Após diversos séculos de esquecimento a escultura marmórea foi encontrada
acefala em época medieval logo após a demolição da velha sede do Assento do Nilo. Por causa da
ausência da cabeça foi interpretada erroneamente como sendo a estátua de um personagem
feminino, também pela presença de algumas crianças (os
putos) que parecem amamentarem-se no seio materno. A
obra, segundo as crônicas antigas, simbolizava a cidade
mãe que amamentava os próprios filhos; deste fato nasceu
o nome Cuorpo ´e Napule (Corpo de Nápoles), que
estendeu-se até o Largo aonde ainda está localizada.
No século XVII foi acrescentada à estátua pelo escultor
Bartolomeo Mori uma cabeça masculina barbuda. Ele
substituiu o braço direito e colocou em seu lugar uma
cornucópia, a cabeça de um crocodilo próximo aos pés, a
cabeça de uma esfinge colocada embaixo do braço
esquerdo e os putos. A escultura representa o Deus Nilo
como um velho barbudo e seminu deitado sobre as ondas
do rio, com os pés colocados próximos à cabeça (não mais
visível) do crocodilo, símbolo do Egito, e que apoia-se com
o braço esquerdo na esfinge, segurando com a mão direita
a cornucópia. No peito um puto tenta subir, porvavelmente
represente um afluente do rio. A base sobre a qual hoje
está posicionada a estátua remonta, ao século XVIII,
quando durante o reino de Carlos de Bourbon foi
novamente restaurada.
A propósito do culto de Ísis em Nápoles, Marcello Vicchio acredita que: “A presença de um templo
dedicado a Ísis, sinaliza a presença de um grupo de fiéis muito consistente que reunia-se ali e,
provavelmente, também uma tradição alquímica e hermética que perpetuava-se naquele
ambiente”.
Os mistério ligados à deusa Ísis, associada à lua, eram então, muito provavelmente, praticados
pela comunidade de alexandrinos presente em Nápoles em época romana. Esposa e irmã de
Osíris, Ísis, como é conhecida, é a deusa egípcia mais conhecida e venerada e influenciou
particularmente os cultos helenísticos. Era considerada uma divindade ligada à magia e ao reino
do além, mas também a deusa da natureza fecunda, esposa fiel, mãe solícita e benfeitora do Egito.
O culto isíaco deixou um sinal tangível na cultura napolitana. Pode ser reconhecido, por exemplo,
no ferro de cavalo que muitas vezes acompanha o corno nos ritos supersticiosos típicos do folclore
napolitano. Este ferro de cavalo seria – segundo alguns estudiosos – nada além do que os cornos
algumas vezes presentes na representação da deusa, que além da sua representação clássica de
mulher vestida com uma longa túnica que leva na cabeça o símbolo do trono e segura na mão o
ankh (chave da vida ou cruz ansata) – às vezes é representada associada a Hathor (divindade
antiquissima da mitologia egípcia, ligada ao arquétipo das Grandes Mães proto-históricas), com os
cornos bovinos, entre os quais está encerrado o sol.
Os cornos seriam também a imagem arcaica que
indica o ventre materno o qual, juntamente com a
meia lua, são os símbolos de fertilidade da mulher.
Na antiguidade durante o ano eram celebradas várias
festividades em homengem de Ísis. Entre estas existia
uma particularmente importante: o “Navigium Isidis”,
“A nave de Ísis” que era celebrada na primeira lua
cheia após o equinócio de primavera (segundo outros
no dia 5 de março) e consistia em uma procissão em
máscara na qual uma embarçação (um pequeno
modelo de madeira) era carregada com homenagens floreais e outras ofertas. A festa venerava a
deusa como sendo a protetora dos navegantes e marcava a reabertura da navegação colocada sob
a sua tutela. Os fiéis em procissão levavam a estátua até a praia e levavam até o mar a “nave de
Ísis”. A festa já era celebrada no Egito dos Ptolomeus (IIIº séc. a.C.), e teve uma grande difusão
durante a época imperial em todo o Império Romano. Apuleio nas Metamorfoses, texto mais
conhecido com o nome de Asno de ouro (Livro décimo primeiro, IX-XVII), descreve esta procissão:
Este ritual público referia-se àquele análogo que se realizava próximo a Alexandria do Egito, na
ilha de Faros, aonde a deusa Ísis era venerada como “Pelágia” (marina) e assumia o título de
“Faria”.
Sempre permanecendo dentro das práticas devocionais, existem algumas semelhanças
importantes entre o culto dos mortos da tradição egípcia e aquele da tradição napolitana. Seja nas
tumbas egípcias, seja naquelas napolitanas usava-se colocar objetos que pudessem “ser úteis”
para a alma na vida após a morte. Além disso, coisa mais interessante, no Bairro Sanità, que fica
no centro de Nápoles, existe um cemitério muito importante para os napolitanos: “Cemitério das
Fontículas” uma antiga necrópole pagã aonde era atuado um sistema de inumação que recorda
aquele da mumificação. Até 1700 as inumações eram feitas em nichos com forma de cadeira com
embaixo um vaso (as “cantarelle”) sobre a qual o cadáver era colocado sentado, em posição
faraônica, com o objetivo de fazê-lo secar através de vazamento (“escoadura”) dos líquidos
corpóreos no vaso abaixo.
Talvez seja um caso, mas em Nápoles existem hoje duas igrejas dedicadas a uma santa muito
particular: Santa Maria Egípcia, uma freira e eremita egípcia nascida em Alexandria do Egito em
344, a sua história é particularmente rica de elementos simbólicos, e hoje é venerada como santa
da Igreja católica, daquela ortodoxa e daquela copta. Uma destas é a igreja de Santa Maria Egípcia
em Forcella (ou igreja de Santa Maria Egípcia em Olmo), igreja monumental e jóia do barroco
napolitano, situada atrás do bairro popular. A outra eleva-se na colina de Pizzofalcone da qual leva
o nome (igreja de Santa Maria Egípcia em Pizzofalcone) e é uma das basílicas da cidade.
No que diz respeito em maneira mais específica às ciências esotéricas egípcias, segundo alguns
estudiosos a comunidade de egípcios presente em Nápoles desde a época imperial levou à
integração e à fusão dos mistérios egípcios com a espiritualidade de um centro de sabedoria itálica
preexistente que remonta a Pitágoras, levando à formação de uma ordem esotérica depositária de
uma tradição iniciática egípcio-itálica. Tal tradição teria sido passada graças à obra de círculos
iniciáticos secretos da época romana através da Idade Média e da época renascimental, até os
nossos dias, manifestando-se periodicamente em algumas formas exteriores através de
organizações de adeptos como os Rosa-Cruzes e outras que manifestavam claras referências à
tradição e à simbologia egípcia nos próprios rituais e mitos de origem. Mesmo não podendo
provar historicamente a veridicidade destas teorias, não se pode porém excluir a priori que
alguma coisa de verdadeiro possa existir.
Segundo o escritor e diretor Mariano Iodice, em Nápoles existiria um verdadeiro triângulo mágico
em cujos vértices estão localizados importantes lugares: Piazzetta Nilo, da qual falamos acima, a
Basílica de São Domenico e Palácio di Sangro. Os três edifícios, além de serem ligados através de
corredores subterrâneos, fariam parte de um triângulo esotérico ligado por um particular centro
de forças. Efetivamente os três lugares com certeza têm alguma coisa em comum: levam todos em
um certo sentido para o Egito.
Sobre as relações entre Piazzetta Nilo e a terra dos faraós nós já falamos. No Convento de São
Domenico, o dominicano Giordano Bruno (1548-1600) estudou de 1562 a 1565 e ali ordenou-se
padre. Bruno, como já se sabe, foi condenado a morte por heresia pela Igreja porque, entre outras
coisas, dizia que a religião cristã era uma direta emanação da religião egípcia; o Palácio di Sangro
(próximo ao qual encontra-se a Capela Sansevero, na qual está conservada a misteriosa estátua do
Cristo Velado) pertencia a Raimondo di Sangro, VIIº Príncipe di Sansevero (1710-1771), alquimista,
maçom e estudioso – coincidentemente – de esoterismo egípcio. Além disso, entre 1773 e 1776
também foi morar em Nápoles Giuseppe Balsamo (1743-1795), “Conde Cagliostro”, cujas teorias e
práticas iniciáticas inspiravam-se todas no Egito. Cagliostro foi o criador na França de uma
“Maçonaria de Rito Egípcio” depois de ter sido discípulo de um “Filósofo Napolitano”, com muita
probabilidade o cavalheiro Luigi d’Aquino, ilustre maçom, membro da Loja da Perfeita União e
discípulo predileto do príncipe di Sangro. Pode-se afirmar, então, que a Maçonaria de Rito Egípcio
do Grande Cofto, que em Nápoles era chamado: “Marquês Pellegrini” (e acreditava-se que fosse o
detentor do “segredo das pirâmides”), reivindicava as próprias origens da cidade de Nápoles e de
um grupo de iniciados que viviam na principal cidade campana aonde, segundo alguns, já existia
há séculos um centro iniciático de origem egípcia que remontava aos alexandrinos adoradores da
deusa Ísis. A capital do Reino das duas Sicílias seria então o berço da tradição esotérica ocidental
derivante do Egito, e daquela parte da Maçonaria que refere-se a esta. Este centro iniciático
egípcio, depositário de um conhecimento oculto, ligaria figuras de grandes esoteristas como
Giordano Bruno, o príncipe Raimondo di Sangro, o Conde Cagliostro e outros.
Entre as associações iniciáticas napolitanas devem ser recordadas o Rito de Misraim e a Ordem
Egípcia, com a sua emanação externa mais recente: a Fraternidade Mágica Terapêutica de Miriam,
escola filosófica-hermética clássica itálica, fundada por Giuliano Kremmerz, cujo nome de família
era Ciro Formisano (1861-1930). Kremmerz, que define Nápoles um “segundo Egito”, narra sobre a
chegada das doutrinas secretas egípcias na Campania através da história de Mamor Rosar Amru,
último dos Pontífices de Ísis, que chegou em Pompeia para refundar na costa campana os ritos
isíacos.
Mas continuemos com ordem.
As ligações entre o filósofo nolano Giordano Bruno, mártir do pensamento livre, e a sabedoria
egípcia são muito profundas. Giordano Bruno dizia que a religião mágica egípcia era a única
verdadeira religião e a mais antiga do mundo, e que a causa da sua corrupção e declínio deveria
ser atribuída ao Cristianismo e ao Judaísmo. Segundo o nolano, para que se acalmassem as
controvérsias religiosas na Europa, era necessário retornar ao hermetismo mágico da tradição
egípcia que ele considerava a religião do intelecto e da mente conseguida superando o culto do sol
visível. Muitas das suas obras são ricas de referências a esta religião mágica e, nestas, ataca-se o
Cristianismo, causa do seu fim. No Spaccio della bestia trionfante (1584), por exemplo, Bruno
glorifica a religião mágica dos egípcios já que, tal fé, era para o filósofo, o culto de Deus nas coisas,
melhor de qualquer outra religião porque mais tolerante e razoável. Nesta obra Bruno aspira a
uma reforma moral e religiosa da sociedade. O filósofo napolitano, influenciado pela leitura do
Corpus Hermeticum, aderiu plenamente ao egipcianismo hermético que não era outra coisa senão
o egipcianismo interpretado pelos neoplatônicos da antiguidade tardia e profetizou um retorno à
tradição egípcia, a única capaz de oferecer uma solução à controvérsia religiosa, consistente em
uma reforma moral e na construção de uma ética de utilidade social. Também nas suas obras: De
gli eroici furori e Spaccio della bestia trionfante está presente a religião egípcia como sendo a
única, segundo o filósofo, capaz de contemplar o divino em todas as coisas.
Raimondo di Sangro, príncipe di Sansevero, foi um literato, cientista, homem de armas e primeiro
Grande Mestre da Maçonaria napolitana, entre os personagens mais interessantes do Iluminismo
partenopeu. Di Sangro dedicou-se nos laboratórios do seu palácio a obras de alquimia operativa e
a experimentos científicos e artísticos de todo tipo com resultados surpreendentes para a época
que deram-lhe rapidamente a fama de homem genial. A sua concepção do conhecimento foi
prevalentemente esotérica e muitos dos seus segredos ainda estão envolvidos no mistério. Uma
prova do seu gênio e da sua cultura é a Capela de Sansevero, maravilha artística absoluta, com a
sua complexa simbologia esotérica. Raimondo di Sangro foi um epígono da tradição alquímica e,
segundo muitos, um “grande iniciado”. Assim está escrito na sua lápide: “Homem extraordinário
predisposto a todas as coisas que ousava intraprender [...] célebre indagador dos mais recônditos
mistérios da Natureza”. O nome de Raimondo di Sangro é também ligado indissoluvelmente ao
nascimento e ao desenvolvimento da Maçonaria napolitana, esta também conectada com uma
presunta antiga sabedoria dos antigos egípcios. Esta ligação entre Maçonaria e Egito, mesmo não
sendo provável historicamente, parece ser realmente muito forte e caracteriza a Instituição
maçônica (ou pelo menos uma parte importante dela) desde as suas origens especulativas no
início do século XVIII.
Data convencional do nascimento da Maçonaria napolitana é o ano de 1728,
ano de fundação da Loja La Perfetta Unione assim como se pode ver em um
sigilo (encontrado em 1930) redondo que possui no centro uma pirâmide
egípcia e uma esfinge, juntamente com outros elementos e um escrito. Neste
sigilo existe a primeira ligação com o Egito – no que se refere à maçonaria
napolitana – como fonte de saber iniciático.
O sigilo pertenceu durante um certo período a di Sangro que tornou-se, com
muita probabilidade, Mestre Venerável da Loja napolitana Perfetta Unione
em 1744. Ligada à figura de di Sangro, existe aquela do cavalheiro Luigi D’Aquino que, como
dissemos, foi muito provavelmente mestre e inspirador de Giuseppe Balsamo “Conde Cagliostro”.
A prova da ligação “egípcia” que une D’Aquino e Cagliostro está no fato que nos anos 60 do século
dezoito, (segundo alguns) o cavalheiro D’Aquino introduziu no Corpus doutrinário da Loja dos Di
Sangro uma operatividade secreta que acreditava-se derivasse da antiga sabedoria sacerdotal
egípcia e caldeia, e que aprendeu em Malta, aonde foi iniciado junto a alguma associação
esotérica. É possível, porém, que tal ritualidade e símbolos egípcios estivessem já há muito tempo
presentes em algumas lojas napolitanas. Povavelmente Cagliostro pegou os seus rituais egípcios
justamente na Loja dos Di Sangro com a finalidade de criar a sua Maçonaria de Rito Egípcio
(Misraim) após ter sido iniciado a tais segredos por D’Aquino em Nápoles entorno ao ano 1776.
Entre 1810 e 1813, os irmãos Bédarride, foram iniciados em Nápoles pela Ordem de Misraim e, em
seguida, transplantaram tal rito na França, oficializando-o em Paris em 1814. Mesmo não podendo
provar com certeza histórica a filiação direta entre Cagliostro e as lojas egípcias Misraim presentes
na Itália meridional, é todavia provável que tenha existido uma conexão direta.
Segundo Marcello Vicchio o Rito Egípcio era composto por 90 graus, mais quatro últimos que
receberam o nome de Arcana Arcanorum ou Escala de Nápoles. Estes graus, altamente iniciáticos,
teriam origem em um conhecimento secreto de origem egípcia e seriam, de acordo com o que
dizia Cagliostro, a chave para a construção de um “corpo de glória” que permitiria, graças a
práticas de alquimia interna, alcançar a imortalidade. Dos ambientes próximos ao Príncipe de
Sansevero, coração do “Egito napolitano” originaram-se então seja o Rito de Misraim, seja a
Ordem Egípcia.
Oficialmente o Rito de Misraim foi fundado em Veneza em 1801 por Filalete Abraham, mas sobre
as suas verdadeiras origens existem muitas dúvidas. É mais lógico acreditar, como muitos
estudiosos acreditam, e observando quanto foi dito acima, que o Rito tenha tido origem, ou pelo
menos uma primeira difusão se são aceitadas as origens orientais, na Itália Meridional e no
específico em Nápoles entorno ao ano 1774 através de personalidades próximas ao Príncipe de
Sansevero que, iniciados em Malta, levaram para a cidade os conhecimentos iniciáticos relativos a
este. Justamente em Nápoles foi constituído de fato um Supremo Conselho dos Grandes Ministros
que constituíram por sua vez uma Ordem Maçônica Egípcia que provavelmente difundiu o Rito no
resto da Itália e na França.
Formas de ritos ligados de alguma maneira ao Egito e ao hermetismo estavam presentes não só
em Nápoles, mas em muitas outras cidades do Mediterrâneo, principalmente portuais, ligadas por
uma espécie de enredo oculto. Além da Maçonaria Egípcia operou então em Nápoles uma outra
Ordem iniciática que vinha de doutrinas esotéricas egípcias: a dita acima Ordem Egípcia, da qual é
difícil reconstruir as origens, mas que segundo alguns remontaria à colônia egípcia que tinha se
estabelecido em Nápoles no IIº século na zona da atual Piazzetta Nilo que fundiu os seus
conhecimentos com a tradição iniciática pitagórica itálica já presente em Nápoles. Em época mais
moderna o desenvolvimento da Ordem se deve a Domenico Bocchini, iniciado no Rito Egípcio de
Cagliostro.
Discípulos de Bocchini como Giustiniano Lebano e Pasquale De Servis foram os renovadores desta
Ordem Egípcia ou Grande Oriente Egípcio.
Giustiniano Lebano (1832-1909) foi um continuador, na segunda metade do séc. XIX, desta linha
hermética napolitana que assumiu nova forma na Ordem Egípcia. Lebano era filho de Filippo dos
marquêses de Sessa Cilento, um jurista que tinha participado dos movimentos cilentanos de 1828.
Viajou muito tanto na Itália quanto no exterior, foi iniciado na Maçonaria e teve um
relacionamento direto na França com o ocultista Eliphas Lévi e com o escritor Alexandre Dumas
com o qual frequentou em Palermo uma loja memphitica. Reconstituiu em Nápoles a Ordem
Egípcia e assumiu o nome iniciático de Sairitis-Hus. A esta Ordem aderiram importantes
personalidades políticas da época e membros proeminentes da classe dirigente do Estado unitário.
Segundo Gian Mario Cazzaniga, além disso:
“Com a presença de ligações herméticas e egípcias na cultura napolitana, não só referentes ao
Misraim, deve ser coligado o aumento de lojas memphiticas italianas no Cairo e na Alexandria do
Egito, a partir dos anos cinquenta, lojas que com Nápoles, Palermo e Livorno terão numerosos
relacionamentos. No Egito se chegará à constituição de um Santuário de Memphis, Grande
Oriente Nacional do Egito (…). Trata-se de uma obediência que exercerá uma forte influência
sobre os oficiais do exército e sobre os setores reformadores da corte, influência que
desaparecerá só no início do século vinte com o afirmar-se da hegemonia inglesa.
A Ordem Egípcia, através do iniciado Giuliano Kremmerz, ou Kremm-erz, (Ciro Formisano), que
pertencia a esta Ordem e era afiliado ao Rito Egípcio Antigo, teria dado origem à mais recente
manifestação desta antiga tradição iniciática: a Fraternidade Terapêutica de Miriam (ou Schola
Philosophica Hermetica Classica Italica) uma associação ainda existente de origem egípciapitagórica.
Kremmerz fundou a Fraternidade Terapêutica Mágica de Miriam (ou Myriam) em 1896, mas esta
manifestou-se exteriormente só em dezembro de 1898 através de uma circular na qual declaravase de querer restaurar uma “Fraternidade espiritualista mágica (…) baseando-se nas antiquissimas
sacerdotais isíacas egípcias, das quais a mais recente e conhecida imitação é a Rosa+Cruz”. A
Fraternidade ocupa-se de medicina hermética e de terapêutica mágica. “Miriam” equivale a Maria
e então à deusa Ísis, seja entendida como alma humana que concebe o
Verbo divino, seja como a “Minerva médica” que cura. A Fraternidade de
Miriam nascia então sob a proteção de um Grande Oriente Egípcio,
emanação daquela Ordem Egípcia que continuava a tradição de magia
egípcia napolitana da qual Lebano foi um dos principais expoentes.
Uma outra prova, desta vez muito mais tangível, da profunda ligação visível
e invisível que une a maior cidade campana com a antiga sabedoria egípcia
e com o Egito em geral ainda hoje, é a explêndida “Coleção Egípcia” do
Museu arqueológico nacional de Nápoles (MANN), considerado entre os
mais importantes museus arqueológicos do mundo no que se refere à
história de época romana. A coleção egípcia conservada neste museu é por
importância a segunda na Itália depois daquela do Museu Egípcio de Turim,
e a primeira no que se refere à antiguidade. A coleção é composta por materiais e descobertas
compradas por privados nas primeiras décadas do século XIX e por escavações de época borbônica
na área vesuviana e flégrea. São de grande importância as obras pertencentes à Coleção Borgia
reunida na segunda metade do século XVIII pelo Cardeal Stefano Borgia que conseguiu, graças ao
favor de missionários, reunir um grande número de objetos provenientes do Egito, além de muitos
manuscritos coptas. Esta coleção testemunha o interesse europeu pelo antigo Egito em um
período anterior à expedição napolitana que fará explodir a moda pela “Terra dos faraós”. A
coleção egípcia de Nápoles, com a variedade de suas descobertas, oferece numerosos
testemunhos da civilização egípcia do Antigo Reino até a época ptolemaica-romana .
Mauro Ruggiero
(Conferência realizada dia 28 de janeiro de 2015, no Instituto Italiano de Cultura do Cairo, Egito.)
Mauro Ruggiero (1979) é PhD candidate em Línguas e Literaturas românicas da Universidade Carlo IV de Praga.
Jornalista e ensaísta, trabalha no Instituto Italiano de Cultura de Praga e é membro da European Society for the
Study of Western Esotericism (ESSWE).
Heinrich Cornelius Agrippa von Nettesheim: O que é magia, em quantas partes se
divide e quais os requisitos que deve possuir quem a professa
A magia é uma ciência poderosa e misteriosa, que abraça a profundíssima contemplação das
coisas mais secretas, a natureza destas coisas, a potência, a qualidade, a substância, a virtude e o
conhecimento de toda a natureza; nos ensina de que maneira as coisas difiram e concordem entre
elas, produzindo assim os seus maravilhosos efeitos, unindo as virtudes das coisas com a sua
mútua aplicação e unindo e dispondo as coisas inferiores passivas e congruentes com os dons e
virtudes superiores.
A Magia é a verdadeira ciência, a filosofia mais elevada e perfeita, em breve a perfeição e a realização de
todas as ciências naturais, porque toda a filosofia regular divide-se em Física, Matemática e Teologia.
A Física nos revela a essência das coisas terrenas, as suas causas, os seus efeitos, as suas estações, as suas
propriedades, anatomiza as suas partes e procura aquilo que possa concorrer para torná-las perfeitas,
segundo estes interrogativos:
Quais elementos compõem as coisas naturais? Qual é o efeito do calor? O que são a terra e o ar e o que
produzem? Qual é a origem dos céus? Do que dependem as marés e o arco-íris? Quem empresta para as
nuvens o poder de gerar os raios que rasgam o ar? Qual é a força oculta que faz vagar pelos céus os
cometas e faz com que a terra entre em convulsão? De onde vêm as mineiras de ouro e de ferro?
A Física, que é a ciência especulativa de todas as coisas naturais, responde a todas estas perguntas.
A Matemática nos faz conhecer as três dimensões da natureza e nos faz compreender o movimento e o
caminho dos corpos celestes. E, como diz Virgílio:
…porquê o Sol governe o mundo com os doze signos, porquê as Plêiades e as duas Ursas e todas as outras
estrelas percorram as vias do céu, porquê nos seja permitido ver os eclipses de Sol e de Lua, porquê o Sol se
ponha cedo no inverno e faça com que as noites sejam longas.
Além disso a Matemática nos permite prever as mudanças do tempo e nos faz conhecer as estações mais
propícias para a semeadura e para a colheita e quando seja oportuno navegar ou derrubar as árvores nas
florestas.
A Teologia nos faz compreender o que é Deus, a mente, os anjos, as inteligências, os démons, a alma, o
pensamento, a religião, os sacramentos, as cerimônias, os templos, as festas e os mistérios. Esta trata da fé,
dos milagres, da virtude das palavras e das imagens, das operações secretas e dos sinais misteriosos e,
como diz Apuleio, nos ensina as regras das cerimônias e quanto a Religião nos ordena nos permite e nos
proibe.
A Magia recolhe em si estas três ciências tão fecundas de prodígios, as funde e as traduz em ato.
Por isso com razão os antigos a consideravam a ciência mais sublime e mais digna de veneração.
Os autores mais célebres aplicaram-se nela e a revelaram e entre estes distinguiram-se muito Zamolxis e
Zoroastro, tanto que foram considerados por muitos os inventores desta ciência. Abbaris, Charmondas,
Damigeron, Eudóxio, Hermippus seguiram as pistas que eles deixaram, assim como outros ilustres autores,
entre os quais citamos Mercúrio Trismegisto, Porfirio, Giamblico, Plotino, Proclo, Dardano, Orfeu de Trácia,
o grego Gog, Germa o babilônio, Apolônio de Tiana e Osthanes, do qual Demócrito de Abdera comentou e
fez conhecer as obras que estavam sepultadas no esquecimento. Além destes Pitágoras, Empédocles,
Demócrito, Platão, e outros sumos filósofos, fizeram longas viagens para aprendê-la e quando voltaram
demonstraram quanto a estimavam e a conservaram zelosamente escondida. Sabe-se também que
Pitágoras e Platão convidaram sacerdotes de Mênfis para aprendê-la com eles e que visitaram quase toda a
Síria, o Egito, a Judeia e as escolas Caldeias para não ignorarem os seus grandes e misteriosos princípios e
para possuir esta ciência divina.
Aqueles então que quiserem dedicar-se ao estudo da Magia, deverão conhecer a fundo a Física, que revela
as propriedades das coisas e as suas virtudes ocultas; deverão ser doutos em Matemática, para indagar os
aspectos e as imagens dos astros, dos quais originam-se as propriedades e as virtudes das coisas mais
elevadas; e enfim deverão entender bem a Teologia que dá o conhecimento das substâncias imateriais que
governam todas estas coisas. Porque não pode existir nenhuma obra perfeita de Magia, e nem mesmo de
verdadeira Magia, que não abrace estas três faculdades.
Maio de 2015
INTRODUÇÃO AO IIº VOLUME DA CIÊNCIA DOS MAGOS de GIULIANO KREMMERZ
No Iº Volume da “Ciência dos Magos” estão reunidos os escritos que Giuliano Kremmerz, nos anos 1898 –
1899, publicou na Revista “Il Mondo Secreto”.
Nestes escritos Kremmerz expôs a doutrina mágica, indicando as suas bases
principais e definindo os seus possíveis campos de ação.
No IIº Volume estão reunidos outros escritos, que foram publicados
posteriormente, com exceção de “Anjos e Demons6 do Amor” de 1898; neste
encontramos reunido tudo o que Kremmerz publicou na revista
“Commentarium” (anos 1910-1911), encontramos a importante obra “A Porta
Hermética” (ano 1910), “O Tarô do ponto de vista filosófico” (de 1910 a 1923)
e “Medicina Dei” (1921).
Em muitas partes destas obras, Kremmez não limita-se mais a expor a doutrina
mágica, mas se propõe de tentar o experimento.
Na presente Introdução nos limitaremos a examinar os aspectos principais
desta tentativa prática.
A Magia, que mais adiante Kremmerz definirá ‘Ciência Integral’, não deve restar uma filosofia vazia e
leviana, mas deve se tornar ação e o campo de ação pode ser somente pro salute populi.
Procuremos então ver, segundo quanto está exposto nas obras citadas no IIº Volume, as orientações sobre
as quais Kremmerz entende edificar o próprio experimento de Schola Hermética.
Este exame resulta muito útil também na nossa época, época na qual podem ser vistas Escolas Iniciáticas,
também Kremmerzianas, que baseiam-se em princípios não sempre aderentes à pureza da Ideia original.
Já no início do “Commentarium” delineia-se o primeiro objetivo.
A Escola deve ser experimental, longe da fé em qualquer nome ou mestre, e deve ser a aplicação positiva
das forças mentais e orgânicas do indivíduo humano.
Não deve envolver-se em questões filosóficas transcendentais, empurrada pelo sentimento ao invés da
razão. Não deve ter como alvo reformas religiosas nem ambições messiânicas. Deve basear-se sobretudo
em uma experimentação concreta.
Então uma Escola que extrai a teoria da prática e não vice-versa: uma Escola de materialismo psicológico e
não uma seita.
Kremmerz define o seu experimento uma pequena missão: “não fé em ídolos, não fé em super-homens,
não aquiescência àquilo que vão filosofando ou brandindo como positivo um certo número de estudiosos
do incrível, não credulidade cega, mas experimentar, provar e depois acreditar com o nosso método
filosófico italiano, com os pés no chão, sem prosopopeia pomposa, sem inclinar-se à seitas, à apostolados,
à padres superiores de religiões novas ou renovadas.”
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Demon (do grego antigo δαίμων, dáimōn, “ser divino”) na filosofia grega é um ser colocado entre aquilo que é Divino
e aquilo que é humano, com a função de intermediar entre estas duas dimensões, e não deve ser confundido com o
“demônio” que em algumas religiões representa uma entidade malvada.
Lendo estas palavras e olhando à nossa volta, observando as várias escolas iniciáticas e esotéricas, também
kremmerzianas, que hoje estão presentes e que muitas vezes cobatem-se entre si, sentimos uma
“amargura profunda”, que Kremmerz cita no Prefácio à Segunda Edição de “Il Mondo Secreto” com o título
“Aos discípulos da Grande Arte”.
Mestres, Hierofantes, Detentores de pseudossegredos iniciáticos prosperam no ambiente atual esotérico,
atraindo para os seus fantásticos mundos muitos discípulos místicos, que têm medo de experimentar em si
mesmos a verdadeira liberação interior.
Então Kremmerz propõe uma continuação positiva e concreta aos “Elementos de magia natural e divina”,
publicados no “Mondo Secreto”, e citados no Iº Volume da “Ciência dos Magos”. Propõe um programa
humano e simples, sem programas presuntuosos.
É sobre estas bases que entende fundar uma Fraternidade Espiritualista Mágica, modesta e prática, que
oriente as forças desenvolvidas a favor dos sofredores: nasce assim a Fraternidade Terapêutica-mágica de
Miriam, tendo como exemplo as “antiquíssimas sacerdotais isíacas egípcias, das quais a mais recente e
conhecida imitação é a Rosa+Cruz”.
Mas também sobre a Terapêutica devemos ser concretos: não devemos nos tornar “energúmenos
enfatuados”, que prometem aos doentes a cura contra as leis naturais e divinas. Devemos ser
experimentadores, que procuram desenvolver uma força e uma inteligência herméticas, harmônicas e
equilibrantes.
E Kremmerz caracteriza ainda melhor esta Escola-Fraternidade: não deve haver pontífices, mas só alguns
“melhores” que dirigem; não deve se tornar uma seita; não deve haver nenhuma finalidade de lucro e não
devem existir contribuições, porque “a ideia caminhará de qualquer maneira”.
Vejamos então o que se pretende do discípulo desta Escola: “A única coisa que eu pretendo, é que o
espírito liberal desta prova se torne sangue e carne em cada um de vocês e que as ideias absorvidas, aceitas
por livre exame, tornem-se consciência de cada um de vocês, e que estas ideias não sejam expressas
somente em prosa e em versos, mas sejam vividas, assim o hermetismo encontrará no exemplo prático de
cada um, imitadores a cada passo”.
E a Schola não deve ser uma academia de erudição e de vanglória pessoal, mas deve ser prática, exercício,
educação: então uma academia para um rigoroso trabalho sobre si mesmo.
Quem se aproxima do hermetismo geralmente tem sede de teorias, quer explicações antes de iniciar a
experimentar: não é correto agir assim, “o noviço deve inclinar-se à necessidade da experiência”.
Então uma Schola que se propõe uma educação experimental.
Kremmerz é muito explícito a este respeito: “Veja que eu lhe falo seriamente, não acredite em mim até
quando eu não tiver feito provar a você que pode fazer e produzir aquilo que eu disse, que pode ver e
confirmar exatamente o que eu lhe ensino, a pequena, a mesquinha coisa de saber a pequena verdade da
grandissima arte hermética”.
E aos muitos, que hoje como naquela época, proclamam-se Grandes Mestres, Hierofantes, Pontífices ele
recorda:
“Mestre – magister – pontífice? Mas somos homens! Destruamos os mal-entendidos. Na nossa escola o
mestre é, sem eufemismos, um docente de coisas elementares, ou seja de coisas do jardim de infância”.
E as Ideias, que são intuídas e nas quais se acredita, devem se tornar sangue e serem vividas
cotidianamente.
Não devemos estudar hermetismo, mas devemos nos tornar hermetistas e viver como tais. É necessária
uma transformação.
Devemos nos tornar capazes de manter íntegra a própria liberdade interior.
Kremmerz de fato escreve: “A escola filosófica clássica exclui qualquer meio de possesso da vontade de um
homem inteligente ou simplesmente evoluível.
… A nossa é escola de liberdade espiritual, estandarte que nunca se curvará. Ensina a manter íntegra a
consciência dos outros, seja ou não condiscípulo, e não a corrigi-la por constrição.”
Como estamos distantes de misticismos e de dependências, que são criados, deliberadamente ou
inconscientemente, em algumas escolas pseudoiniciáticas!
Mas esta integridade da própria consciência, livre de condicionamentos externos, é uma meta que deve ser
alcançada.
É este o trabalho sobre si : trabalho difícil, constante, rigoroso, sem álibis e sem desculpas.
Kremmerz diz:
“Eu disse que a preparação para o estudo hermético deve consistir no reeducar si mesmo, despindo-se de
todo o reboco e da falsidade que a educação comum nos deu.
… Educar e refazer a própria consciência, despindo-a de toda influência da qual é escrava: superstição
histórica, ambiente, hábito, clareza de visão, imitação servil dos tipos conhecidos. [...] O hermetismo se
abre somente para as consciências já despidas de todos os fatores obscuros, guiadas por uma moral pura,
não veladas por nenhuma paixão, nem mesmo pela percepção da própria infalibilidade. Toda a chave
mestra do conceito educativo da própria personalidade, está justamente nesta purificação da consciência
da neblina da convenção humana.
Então somente o noviciado hermético acena a dar os seus frutos, quando a consciência está livre para
avaliar uma dupla corrente:
1 . – A sensória ou sensitiva que chega até nós da periferia:
2 . –A instintiva, que começa a desnudar as tendências do homem antigo em nós.”
Parece simples o que foi dito aqui, mas na verdade é a parte mais difícil do percurso hermético: é
necessário lutar consigo mesmo.
Interromper este contínuo e rigoroso trabalho sobre si, que Kremmerz enuncia claramente em poucas
linhas, arrisca comportar muitas vezes um reforço das cristalizações egoicas, criando assim personalidades
ego hipertróficas.
Depois de colocadas estas bases para a criação de uma Fraternidade Hermética e Terapêutica, delineia-se
de maneira ainda mais clara o objetivo prático que Kremmerz se propõe:
“A missão hermética deve se realizar contra a ignorância e a superstição em prol das massas, que devem
ser redimidas pela ciência do homem: então um altar à ciência humana contra a ignorância.”
Tudo o que foi exposto até agora é o que Kremmerz escrevia no “Commentarium”.
Na outra obra publicada no IIº Volume da “Ciência dos Magos”, “A Porta Hermética”, são ainda mais
delineadas as características da Escola Hermética Kremmerziana.
Nesta obra, que pode ser vista justamente como um ‘Manifesto’, Kremmerz funda, em uma graciosa
casinha circundada por roseiras, branca como a neve, em cima de uma pequena colina com um manto
verde perene, “entre um copo de grignolino7 e um risoto lígure”, a “Escola Integral Itálica”.
Quanto estamos distantes da prosopopeia mofada de velhas lojas!
Ele define a Magia como Ciência Integral, com a missão de “tornar a ciência que oficialmente é ensinada
nas universidades completa com o estudo e o conhecimento das forças latentes na natureza e no homem.”
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Grignolino é um vinho italiano da região do Piemonte.
Começa-se a ir além da simples ideia de uma Fraternidade Terapêutica: esta se torna também uma Escola
Integral, aonde é ensinada e colocada em prática a ‘Ciência Integral’, que é definida assim por Kremmerz:
“Integrar significa tornar inteira ou perfeita.
Integração é o método complementar para tornar a ciência que oficialmente é ensinada nas universidades
completa com o estudo e o conhecimento das forças latentes na natureza e no homem.
Então ciência integral da natureza objetiva, magia natural e ciência integral humana, que é a magia divina
porque desperta e exercita e desenvolve em nós os atributos que a ignorância até agora atribuiu aos
deuses.”
Esta se propõe o conhecimento da individualidade latente no homem, com o objetivo de utilizar as forças
latentes assim individuadas pela vida real, a benefício dos menos provistos, sobretudo “combatendo o mal
sob qualquer forma de ignorância e de prepotência.”
“Quem sente de poder assinar embaixo deste programa ideal deve considerar-se livremente um nosso
companheiro, em nome da Luz que dá a ciência contra qualquer superstição religiosa e sectária.”
E é confirmado o que já foi expresso no “Commentarium”: “A nossa deve ser Escola Integral, não seita, não
igreja, não sinagoga, não púlpito. Escola é método investigativo, é educação, é treinamento independente e
superior a todos os mundos fabulosos da religião e das irmandades dependentes deles.”
Esta Escola Integral Itálica deve recordar as abstrações integrais de Pitágoras, valores absolutos que devem
ser livres de qualquer forma de misticismo.
Só desta maneira, abandonando formas místicas nos confrontos de pseudo mestres exteriores, pode-se
chegar a sentir a voz do verdadeiro Mestre Interior. Kremmerz diz: “Então o mestre aparece para você,
sobre você, em você, e diante de você.”
Então a Escola Integral Hermética deve possuir “o caráter da impersonalidade e da não fé na palavra do
docente.”
Além disso na “Porta Hermética” Kremmerz indica com breves frases o trabalho que deve ser feito sobre si
mesmo, com a finalidade de alcançar esta ‘neutralidade hermética’, que por si só consente de ouvir a
palavra do Mestre Interior:
“Seja temperante nos pensamentos, sóbrio nas ações.
Considere o seu semelhante como carne da sua carne. [...]
Domine os seus sentidos e não faça com que eles assumam o controle sobre a sua razão.
Use as coisas de acordo com a sua potência para usá-las.
Não chegar à saciedade de nada do que deseje.
Não preferir parecer ao invés de ser: seja para você.
Não aspirar aquilo que é dos outros por vaidade e por utilidade sua.
Aspire e pretenda se você tiver a consciência que fará melhor e será útil para os outros.
[…] É necessário que a mente domine absolutamente o animal e disponha dele de acordo com a sua
vontade.”
Parecem conselhos simples de boa conduta e na maior parte das vezes são lidos rapidamente e não
aplicados, indo inutilmente a procurar em outras páginas a solução e a revelação de presuntos ‘arcanos’.
Kremmerz também percebia isso; de fato ele escreve: “Parece pouco, é verdade, o muito que eu disse.”
Mas nós realmente provamos, com rigor e continuidade, aplicar na vida cotidiana cada um destes
preceitos? Nós alguma vez provamos pegar cada uma das indicações citadas acima e aplicá-la por um
período determinado, até que se torne o nosso comportamento habitual?
Se provarmos realmente fazê-lo, perceberemos que não se trata de coisa simples, mas de um trabalho
extremamente difícil, que coloca em evidência todas as nossas cristalizações egoicas, as nossas opiniões já
estabelecidas, o nosso inteiro modo de ver/criar o ambiente no qual vivemos. Só uma observação acurada
primeiro e um trabalho de desconstrução de percursos cristalizados depois, pode consentir aquela
purificação, que levando à ‘neutralidade hermética’ consente descobrir o Mestre Interior.
Na própria obra “A Porta Hermética”, além de expor alguns princípios doutrinais profundos, é também
indicada a missão, análoga àquela dos verdadeiros Rosacruzes Herméticos. A tal propósito Kremmerz cita
um símbolo, o Character Adeptorum e diz assim:
“O círculo eterno é uma rosa. É um símbolo, um caráter, nada a mais. Mas é a chave daquilo que faziam os
Rosacruzes, daquilo que praticavam e de como produziam os grandes e pequenos milagres de Pharmaco
Catolico. Gloria in excelsis Deo et in terra pax hominibul bonae voluntatis. Deve ser assim também para a
escola integral.”
Kremmerz percebe perfeitamente a dificuldade desta tentativa prática, mas não obstante isto, ele entende
levar adiante esta Ideia e esta Missão.
Na conclusão da “Porta Hermética”, de fato, ele diz:
“As ideias úteis caminham apesar dos obstáculos e da indiferença. [...] Eu sorrio se as pessoas ineptas,
céticas por inércia de pensar, dirão que somos desperdiçadores de tempo. Não perderemos nem um
minuto, caminharemos provando, tentando, corrigindo-nos, indagando, procurando para servir-nos de uma
virtude divina que o mundo parece desconhecer.”
Nos escritos citados com o título “O Tarô do ponto de vista filosófico” Kremmerz se propõe um objetivo
ainda mais ambicioso.
Não só a criação de uma Fraternidade Terapêutica-mágica, não só uma Escola Integral Itálica, mas a missão
de abrir um novo horizonte para a ciência oficialmente aceita: “uma tarefa muito valiosa de integrar em um
só feixe de doutrina experimentada todo o poder da matéria humana da qual a religião, transgredindo,
desnaturou a concepção.”
Então a necessidade de uma ‘Ciência Integral’, como base para uma “Escola Novissima”, que “dará caráter
ao pensamento da interpretação Pitagórica itálica do magismo, e além, acima do magismo, superando as
particularidades dos rituais, afirmará a imortalidade luminosa do espírito inteligente da matéria, passando
da concepção simbólica da esfinge humana ou humanizada ao conseguimento divino de um átomo matéria
pensamento.”
Na Obra “Medicina Dei”, publicada no IIº Volume da “Ciência dos Magos”, Kremmerz confirma quanto esta
obra prática deve estar fora de toda forma de misticismo passivo. Ele diz:
“O misticismo religioso, o evangélico, o espiritualista, o … materialista, o comunista, são variedades da
turva loucura humana que convertiu o paraíso da terra em inferno da cidade filosófica. A ciência dos Magos
é uma ciência difícil de ser ensinada, e dificílima de ser aprendida, porque deve ser entendida fora de todo
misticismo especial.”
Nestas breves noções, tiradas das obras publicadas no IIº Volume da “Ciência dos Magos”, delineia-se
precisamente aquela que era a missão prática de Kremmerz, missão que tinha que ser realizada pro salute
populi: uma Escola Integral, fora das seitas e das velhas gangrenosas carcaças dos templos, que conseguisse
falar de maneira clara aos homens de boa vontade, que indicasse uma via prática e experimental, tal para
reencontrar o Mestre no interior de si, o Verdadeiro Mestre que podia indicar a origem daquela força
benéfica, a ser colocada a serviço da humanidade sofredora.
Kremmerz tentou por anos realizar este Ideal, mas reconheceu, com “um sentimento de amargura
profunda” ter conseguido fazer somente tentativas.
Diz no escrito precedentemente citado “Aos discípulos da grande Arte”:
“Eu acreditava que a humanidade estivesse muitos séculos adiante e em vinte anos eu realizei somente
tentativas ou provas. Nada de concreto... ou melhor, de concreto as muitas penas que eu fabriquei com as
minhas mãos.”
Não devemos nos desesperar: hoje, se quisermos ser coerentes com este Ideal, devemos contudo tentar
levar adiante este ambicioso projeto. Talvez não se consiga realizar a Ideia, mas pelo menos um Sinal e um
Testemunho serão deixados.
FDA
Nota: O II° Volume da "CIÊNCIA DOS MAGOS" traduzido em Português será em breve publicado no Brasil
pela Editora Devir de São Paulo.
PRIMEIROS CONTACTOS ENTRE HERMETISMO E MAÇONARIA
Dos escritos de Buhle, de Ragon, e dos mais recentes de Hohler, de
Silberer e de Wirth, resulta claro que entre o hermetismo e a maçonaria
existiram contactos desde os primeiros anos do século XVII.
Um exemplo de contacto mais antigo, entre simbolismo maçónico e
alquímico, encontra-se nas obras do Cardeal Nicolò da Cusa, o grande filósofo
pitagórico do século XV, e precisamente em duas passagens das “Excitationum
ex sermonibus”1, das quais já nos ocupámos e reproduzimos no artigo “Sobre a
origem do simbolismo maçónico”.
Mas existem outros contactos, de origem talvez ainda mais antiga, entre a
tradição das corporações dos pedreiros e a tradição hermética, os quais, se não
erramos, não foram ainda observados pelos escritores de hermetismo e pelos
autores de estudos maçónicos.
Pelo menos nuns dez daqueles antigos documentos maçónicos, conhecidos sob o nome de “Old
Charges”, encontra-se mencionada uma singular (sic) figura de maçon que, parece-nos, pode e deve ser
identificada com a de um obscuro mas importante alquimista medieval.
No manuscrito da “Grande Loja”, escrito em 1583 e publicado pela primeira vez por Hughan nos seus
“Old Charges”, encontra-se a seguinte passagem relativa a este maçon2:
“Curiosos homens da arte (craft) viajaram amplamente por diversos lugares, alguns para aprender
ainda mais a arte e a habilidade, outros para ensinar os que tinham pouca capacidade, e assim aconteceu
que existiu um curioso maçon, chamado Naymus Graecus, que tinha estado na construção do Templo de
Salomão, e veio para França onde ensinou a ciência da maçonaria aos franceses. E naquele lugar havia um,
da linhagem real de França, chamado Carlo Martello, homem que muito amava a arte e atraiu este Naymus
Graecus, aprendendo com ele a arte...”.
A mesma história, mais ou menos, encontra-se no manuscrito Wood, de 1610, no M. Buchanam,
publicado pela primeira vez por Gould3, e em outros oito manuscritos do século XVII e do princípio do
século XVIII4. No importante manuscrito de Tew (T. W.), que leva o título “The Book of Masons” e que é
talvez anterior a 1680, mas cuja última redacção deve datar, segundo Gould,5 de antes da Reforma (1534),
é contada também a mesma coisa. Expondo o conteúdo deste manuscrito, Gould escreve6 “Conheçamos
em seguida um singular maçon que assistiu à construção do Templo de Salomão, vindo em seguida para
1
Rev. Pat. N. de Cusa Card., Opera, Basilea 1565, pág. 632.
2
Confr. History of Freemasonry and Concordant Orders, Boston and New York 1891, pág. 189.
3
Confr. R. F. Gould, History of Freemasonry, London 1887, vol.I, págs. 93-100.
4
Ibidem, I, 97.
5
Confr. R. F. Gould, Histoire Abregée de la Franc-Maçonnerie, Bruxelles 1910, pág. 223.
6
Ibidem, pág. 224.
França ensinar o ofício da maçonaria às pessoas deste país; é mencionado com o nome de Mammongretus
e Memongretus. Mas o “t” foi mal escrito, em vez de um “c” e pode-se afirmar com confiança que o Grecus
que encontramos no manuscrito da Grande Loja e nos do grupo Sloane é a última parte do nome
originalmente escrito. Apesar disto, a forma precisa das duas primeiras sílabas da palavra não pode ser
reconstituída; é quase certo que principia com um M, como podemos deduzir da ortografia da palavra
noutros manuscritos mais estritamente ligados ao de Tew: Maymus, Marcus, Mamus, Minus etc., e a
personagem que o escriba tinha no espírito era talvez Maimonide, isto é Moisé ben Maimon (conhecido
igualmente sob o nome de Maimuni), que morreu em 1204 e escreveu sobre o Templo de Jerusalém; o
compilador pensava que fosse sem dúvida um grego”.
Esta identificação do “singular maçon” com o famoso autor do “Guia dos Perdidos”, além de ser
completamente arbitrária, tem também o defeito de pressupor, no compilador do manuscrito, uma
ignorância realmente muito forte, porque é preciso ser muito ignorante para ver um grego no talvez mais
célebre dos escritores hebraicos.
Ao invés, parece-nos muito mais simples e natural, sem precisar de fazer cálculos sobre hipotéticos
despropósitos alheios nem alterar grafias, identificar o singular maçon destes antigos documentos
maçónicos com o alquimista Marcus Graecus, autor de um “Liber ignium ad comburendos ostes” muito
conhecido, no qual se encontra, entre outras coisas, a menção mais antiga à pólvora de canhão. Um
manuscrito exemplar deste livro, do final do século XIII, existe na Bibliothèque Nationale de Paris e um
outro manuscrito exemplar, do mesmo período, na Biblioteca Real de Mónaco. Foi impresso pela primeira
vez durante o I Império, por iniciativa de Napoleão; depois, em 1842 e 1866, por Hoefer nas duas edições
da sua “Histoire de la Chimie”; em 1891, em francês, por Poisson; finalmente, Berthelot publicou a edição
crítica em 1893.
Berthelot, que dedica o quarto capítulo do primeiro volume de sua obra: “La Chimie au Moyen Age”
ao estudo do “Liber Ignium” observa que Marcus Graecus não é conhecido na História da antiga alquimia
(grega) e não figura nos textos da “Collection des Alchimistes Grecs”.
Mas como de um Marco alquimista se fez repetida menção na “Tabula Chimica” de Senior Zadith,
como é também citado numa outra obra alquímica latina derivada do árabe, isto é, num comentário à
Turba Philosophorum (séc. XIV), e como é citado também nas obras alquímicas árabes, conclui-se que deve
ter existido, sob o nome deste autor, uma obra alquímica em árabe, de uma certa autoridade, que se liga à
tradição dos antigos alquimistas gregos.
Se este alquimista, recordado nos textos árabes e latinos da Turba e do Zadith, for o mesmo que
escreveu o Liber Ignium, é uma questão que Berthelot colocou, sem poder resolvê-la; mas a nós basta e
interessa o constatar que os textos do Liber Ignium, ainda que inéditos até ao início do século XIX, eram
conhecidos desde o século XIV, porque contêm uma série de artigos que são comuns ao tratado De
Mirabilibus, do século XIV, devido a um aluno de Alberto Magno.
Além disso, em obras de Cardano, Porta, Biringuccio, cujas primeiras edições são do século XVI,
Marcus Graecus é citado; e Berthelot refere a existência, em Inglaterra, de um outro manuscrito exemplar
deste livro.
Ele conclui dizendo que parece tratar-se de uma tradução latina, feita no século XII ou XIII, de um
daqueles tratados técnicos de receitas transmitidos e refeitos incessantemente pela Antiguidade, através
do Oriente árabe e do Ocidente latino.
Nada impede, então, de admitir que o compilador do manuscrito maçónico original, que mencionava
o singular maçon Marcus Graecus, tenha tido conhecimento deste alquimista cuja habilidade no “fogo
grego”, nos petardos e em todas as operações através do fogo era assim conhecida.
E é muito curioso que o simbolismo dos “trabalhos de mastigação” dedique uma parte tão grande à
“pólvora de canhão”, que se encontra, como vimos, mencionada pela primeira vez no “Liber Ignium”.
Naturalmente, a afirmação de que este singular maçon teria assistido à construção do Templo de
Salomão não deve ser levada à letra, mas na sua acepção alegórica: o compilador do manuscrito faz notar o
excepcional valor iniciático de Marcus Graecus, ou seja, a sua habilidade na “arte”, coloca-o em relação
directa com a fonte da tradição maçónica, fazendo dele um dos que assistiram, senão participaram, na
edificação do Templo da Cidade Santa, símbolo do sagrado templo interior e universal, ou seja, da
hierarquia espiritual suprema, transmissora, herdeira e depositária da tradição iniciática primordial e
eterna.
Isto demonstraria que, no início do século XVI, existia nas corporações dos pedreiros uma
consciência, mais ou menos clara e precisa, da conexão da irmandade maçónica com a tradição da “arte
sagrada” e o conhecimento de que um mistério igual se escondia sob os simbolismos arquitectónico e
alquímico.
A coisa torna-se ainda mais interessante quando a relacionamos com um outro importante
pormenor, contido nestes mesmos manuscritos que falam de Marco Greco, bem como em documentos
maçónicos mais antigos, que pertence também à tradição hermética pura.
Uma antiga tradição hermética conta como os antigos sábios, antes que viesse o dilúvio, gravaram
sobre tábuas as sete artes liberais, para que pudessem sobreviver.
Segundo esta tradição, Hermes Trimegisto foi o primeiro que, depois do dilúvio, descobriu estas
tábuas no vale de Ebron; por ele, através da “Tábua de Esmeralda”, foram depois transmitidas estas
ciências, em particular a ciência hermética.
Um antigo opúsculo de alquimia, atribuído a Alberto Magno (1193-1280), refere a tradição desta
maneira7: “Alexandre o Grande em suas viagens encontrou o sepulcro de Hermes, pai de todos os filósofos,
cheio de todos os tesouros não metálicos, mas de letras áureas, escritas na Tábua de Zarad (in tabula
Zaradi), a qual escritura é também contida nos últimos livros que Galeno compôs...”.
Cita mais amplamente a tradição um famoso alquimista italiano, Bernardo Trevisano (1406-1490)8:
“O primeiro instaurador da arte química, depois de seu esquecimento após o dilúvio, foi Hermes Trimegisto,
como se lê nos livros memoriais da história das antigas acções, em Imperial, e na exposição da Tábua
smaragdina feita por Claveto... Deste homem (Hermes) se lê nas escrituras (Bibliis) que foi o primeiro a
entrar no vale de Ebron e ali encontrou sete placas de pedra, sobre as quais estavam escritas pelos sábios,
antes que acontecesse a inundação das águas, as sete artes liberais, cada uma somente em seus princípios,
para que não caíssem no esquecimento... A partir do dilúvio, Hermes precedeu todos nesta descoberta, por
meio das tábuas encontradas por ele no vale de Ebron, o lugar onde Adão ficou depois do exílio do Paraíso
Éden. De Hermes chegou a muitos outros por meio do livrinho que escreveu: Tábua Smaragdina”. Depois
disto, o bom Trevisano reproduz a Tábua Smaragdina.
Também Giovan Francesco Pico della Mirandola, citando várias opiniões sobre a origem da alquimia,
cita esta tradição9: “Outros preferem Hermes Trimegisto como príncipe da química faculdade escrita em
algumas tábuas de pedra encontradas próximo à cidade de Hebron”.
Um escrito da segunda metade do século XVI, atribuído a Gerhard Dorn, um dos principais discípulos
de Paracelso, cita a tradição da seguinte maneira10: “Adão, o primeiro que praticou e inventou as artes e
esta (a química), por meio da luz do conhecimento de todas as coisas antes e depois do pecado, que lhe foi
concedida por Deus, teve um presságio de que o mundo iria ser renovado por meio da água, ou melhor,
castigado, e quase destruído. Por isso aconteceu que os seus sucessores ergueram duas tábuas de pedra
sobre as quais esculpiram todas as artes naturais desde os seus princípios, e em caracteres hieroglíficos, de
maneira que este presságio fosse notado também pelos vindouros, e fosse observada uma madura previsão
no tempo dos futuros perigos. Passado o dilúvio, Noé encontrou uma das tábuas na Arménia, no monte
Araroth, por meio da qual se designavam as relações do firmamento superior e do globo inferior e os cursos
7
Confr. Alberti Magni, De Alchemia in theatrum Chemicum, 1692, Vol. II, pág. 527. Confr. também a Opera Omnia de
Alberto Magno-Lugduni, 1651, no final do volume XXI.
8
Confr. Bernardi Trevisani, De Secretissimo Philosophorum opere chimico, em Theat. Chem., 1602, 1, 774. Ver também
em Mangeti, Bibliotheca Chemica Curiosa, II, 388. Existe também uma edição em francês (Anversa, 1567).
9
Confr. Joanni Francisci Pici Mirandulae, De Auro, em Magneti, II, 563.
10
Gerardi Dornei, Congeries paracelsicae Chemiae de Trasmutatione metallorum, em Theat. Chem., 1613, II, 592. Ver
também Magneti, II, 444. Os escritos de Dorn apareceram em 1567, 68, 69.
dos planetas11. Portanto as noções universais, deste modo deduzidas particularmente em diferentes
ocasiões, restam diminuídas em suas forças, de maneira que esta separação torna este astrónomo e mago,
o outro cabalista, e o quarto alquimista, o qual vulcânico Abrahm Tubalchain, astrólogo e aritmético
máximo, as levou do Egipto para as regiões de Chanaan12”.
Vindo para tempos muito mais próximos aos nossos, num escrito atribuído a um dos vários
hermetistas que se esconderam sob o pseudónimo de Filaletes (segunda metade do século XVII),
encontramos a seguinte versão desta tradição hermética13: “Alguns querem esta ciência derivada de
Enoch14, o qual, prevendo o dilúvio, escreveu sobre pequenas tábuas as sete ciências liberais (entre as quais
a química), e deixou-as aos vindouros. Hermes, de facto, entrando no vale Hebron, encontrou aquelas que
hoje se chamam esmeralda, e de lá tirou a sua sabedoria”.
E um autor pouco mais antigo, numa primeira tentativa de crítica, examina assim esta tradição 15: “A
tradição pela qual, séculos depois do dilúvio, esta tábua em um antro perto de Hebron foi tirada das mãos
do cadáver de Hermes por uma mulher chamada Zara, é aceitável se referida a Sara, mulher de Abraão”.
Neste ponto Kriegsmann, que noutra obra sua tinha demonstrado que Hermes é Chanaan, neto de
Noé, observa que existe concordância de tempo e lugar, já que Chanaan e Sara são do mesmo tempo e
lugar. Diz o nosso autor que está correcto, uma vez que a cidade de Hebron foi construída por Heth, filho
de Chanaan, ou seja Hermes, na qual se fixou Abraão.
Esta opinião é partilhada por Borricchio, que refere o que escreve Kriegsmann no seu De ortu et de
Progressu Chemiae (1668). Não acreditamos que Kriegsmann e Borricchio estejam certos. Vimos de facto
que o texto de Alberto Magno, conhecido e citado por Trevisano, diz que foi Alexandre o Grande a
encontrar, no sepulcro de Hermes, a “Tabula Zaradi”; o «i» final terá sido tomado em seguida para o sufixo
do genitivo e, com a queda fácil do «d», eis-nos em presença de Zara, que Kriegsmann faz coincidir com a
mulher Sara. Ao invés, é muito mais provável que a tábua smaragdi se tenha tornado, através das
deformações da palavra, que apresenta as formas smaraldi, smaraudi e aos erros dos copistas, a tábua
zaradi.
Substancialmente, esta tradição atribui o mérito de ter encontrado estas sete (ou duas) tábuas de
pedra a Hermes, que se tornou então o pai de todos os filósofos. As tábuas foram esculpidas e preparadas
por sábios antigos ou por Enoch.
Passemos agora a confrontar esta tradição hermética com a maçónica contida nas “Old Charges”.
O manuscrito Matthew Cooke, que, voltando ao princípio do século XV, é anterior a Trevisano, depois
de ter falado dos quatro filhos de Lamech, ou seja de Jabal, Jubal, Tubal-cain e Naama, e das várias artes e
11
Na Tábua de Esmeralda estão exactamente estabelecidas as relações entre o que está em cima e o que está em
baixo, e também as funções do Sol, da Lua e da Terra, entendidas hermeticamente.
12
É interessante observar que, neste texto post-paracélsico do século XVI, se considera uma pessoa só Vulcano
alquimista e Tubalchain aritmético máximo; de Tubalchain é feita menção no mais antigo documento maçónico
conhecido, o manuscrito Matthew Cook compilado, segundo Gould, no início do século XV.
13
Confr. Philaletae Tractatus de Metallorum Metamorphosi, Cap. II, em Magneti, II, 679.
14
Também Enoch, filho de Caim, que deu o nome à primeira cidade construída, Enochia, é uma personagem que
figura nos antigos documentos maçónicos. Segundo o antigo manuscrito citado na nota precedente, “nesta cidade a
ciência da Geometria e da Maçonaria foi pela primeira vez inventada e cultivada”. Naturalmente, também a cidade é
um símbolo equivalente ao do templo do qual falámos antes. Enoch, em hebraico, significa iniciado. A Bíblia menciona
um Enoch, filho de Jared, às vezes confundido com Enoch filho de Caim, o qual não morreu mas foi levado do mundo e
chamado perto do Senhor.
15
Confr. Commentarioli interpretis tabulae Hermeticae, de W. Christoph. Kriegsmann, 1657, na Bibliot. Chem. De
Mantiga, 1, 384.
ciências descobertas por estes, prossegue assim 16: “E estes quatro irmãos souberam que Deus se teria
vingado do pecado, ou com o fogo ou com a água. E fizeram o que puderam para salvar a ciência que
tinham descoberto, aconselharam-se entre eles e exercitaram todos os seus talentos. E disseram que
existiam duas espécies de pedra, de tal forma que uma, chamada mármore, não teria sido queimada; e a
outra, chamada “Lacero” (bordo), não teria sido submersa na água. E assim decidiram escrever todas as
ciências que tinham descoberto sobre estas duas pedras, de modo que, se Deus se vingasse com o fogo, o
mármore não se queimaria; e, se com a água, a outra não seria afundada. E encarregam o irmão mais
velho, Jabal, de fazer duas colunas destas duas pedras, isto é, de mármore e de “Lacero”, e de escrever
sobre estas duas colunas todas as ciências e as artes que estes tinham encontrado; e ele assim fez. Então,
podemos dizer que foi ele o mais sábio em ciência, porque principiou e concluiu o seu objectivo antes do
dilúvio de Noé.
Felizmente, sabendo da vingança que Deus iria mandar, os irmãos não sabiam se iria ser através do
fogo ou através da água. Sabiam, por uma espécie de profecia, que Deus iria mandar um ou outra, e por
isso escreveram as suas ciências sobre as duas colunas de pedra. Alguns dizem que escreveram sobre as
pedras todas as sete ciências. Como os irmãos tinham em mente que uma vingança viria, logo que Deus
mandou a sua vingança, veio um tal dilúvio que todo o mundo foi submerso e todos os homens morreram
com excepção de somente oito pessoas. Foram elas Noé, sua mulher, seus três filhos e suas mulheres, de
cujos filhos o mundo todo descendeu. Chamaram-se Shem, Ham e Japhet. Este dilúvio foi chamado o dilúvio
de Noé, porque ele e os seus filhos se salvaram. E muitos anos depois do dilúvio, segundo a crónica17, estas
duas colunas foram encontradas, e a crónica diz que um grande erudito (clerk, clericus), Pitágoras,
encontrou uma, e Hermes, o filósofo, encontrou outra; e ensinaram as ciências que encontraram escritas
nelas.
Notamos que, no original francês da obra de Bernardo Trevisano, na edição de 1741 da Bibliothèque
des Philosophes Chimiques, as tábuas esculpidas pelos sábios são de mármore. Neste documento maçónico,
e na crónica em que se apoia, as tábuas são duas, como na variante da tradição hermética dada por Dorn;
existe uma de mármore como na variante dada por Trevisano, uma delas encontrada por Pitágoras, a outra
por Hermes, como na tradição hermética.
O manuscrito da “Grande Lodge” (1583) e o manuscrito Buchanam contam quase a mesma coisa. A
única diferença é que a pedra não submergível, neste chama-se Laterno (e no manuscrito Tew chama-se
later, ou seja, tijolo), e o mérito da descoberta das colunas é atribuído só a Hermes. “O grande Hermarine,
diz o manuscrito da “Grande Lodge”18, que era filho de Cubry, o qual Cubry era filho de Semm, que era filho
de Noé. O mesmo Hermarine foi em seguida chamado Hermes, o pai da sabedoria; ele encontrou uma das
duas colunas de pedra, e encontrou as ciências escritas sobre elas, e as ensinou aos outros homens”.
O manuscrito Buchanam diz19 exactamente o mesmo, aproximando-se ainda mais da tradição
hermética, qualificando Hermes com a frase tradicional do hermetismo: pai de todos os sábios.
Parece-nos evidente que estamos em presença de uma mesma tradição. A tradição da arte maçónica
e a tradição da arte hermética transmitem ambas a recordação da sua derivação e identidade com a
tradição da arte sagrada, divina e real.
16
Matthew Cook, em The History of the Ancient and Honorable Fraternity of Free and Accepted Masons, Boston and
New York, 1891, pág. 180.
17
Refere-se a um Polycronicon precedentemente mencionado. Segundo Gould, seria o Polycronicon de Higden; mas
nós não encontramos nada de quanto relatamos.
18
Confr. History of the Ancient and Honorable Fraternity of Free and Accepted Masons, pág. 188.
19
Confr. R.F. Gould, History of Freemasonry,London 1887, Vol. I, pág. 95.
As “Old Charges”, fazendo remontar e derivar a arte maçónica ou geométrica, de Enoch, de Tubalcain
e de Hermes, apresentam os títulos da nobreza e pureza iniciática da Irmandade Maçónica.
E quando, nos séculos. XVI e XVII, alguns hermetistas, como Elias Ashmole e outros maçons
adoptados, vieram a conhecer, por meio destes e de outros documentos semelhantes, a tradição maçónica,
as semelhanças que encontrámos não podem ter-lhes escapado, devendo ter tirado a conclusão de que as
duas tradições diferiam só no simbolismo do qual faziam uso, mas não na sua origem, nem na doutrina
oculta sob diferente véu.
Isto explicaria o porquê, em certo momento (1613), os símbolos maçónicos do esquadro e do
compasso terem feito uma consistente aparição, substituindo os símbolos puramente herméticos em
algumas figuras simbólicas usadas pelos hermetistas e explicaria o particular interesse dos hermetistas pela
maçonaria e vice-versa, bem como o viçoso florescimento de símbolos herméticos e de graus puramente
herméticos, desde o princípio da fundação da Grande Loja de Londres.
A infiltração e a influência do hermetismo encontraria a sua plena justificação na existência destes
antigos contactos entre maçonaria e hermetismo, precedentes, e em muito, ao período áureo de Maier, de
Basilio Valentino e de outros hermetistas e rosacruzes que usaram, nas suas figuras alegóricas herméticas,
símbolos maçónicos como o esquadro, o compasso, a pedra cúbica.
A existência dos graus herméticos no Rito Escocês Antigo e Aceite (cuja expressão ordo ab chao tem
uma referência hermética precisa) resulta então perfeitamente natural e justificada.
A análogas conclusões se chegaria, provavelmente, confrontando a tradição maçónica e a templária,
uma vez que o simbolismo da edificação do templo deve necessariamente apresentar pontos de contacto
com o simbolismo da liberação e da defesa do templo; e tal como aos hermetistas não podem ter escapado
as semelhanças das tradições hermética e maçónica, assim aos templários não podem ter escapado certas
analogias entre as duas tradições e entre os dois simbolismos, maçónico e templário; o que torna pelo
menos verosímil ou significativa a tradição segundo a qual os templários, no tempo da perseguição,
procuraram e encontraram refúgio nas corporações dos pedreiros-livres, e justifica plenamente a existência
dos graus templários no Rito Escocês Antigo e Aceite.
Arturo Reghini
Publicado na revista Era Nuova, 1925
A BEBIDA DO PADRE ZAGO PARA A CURA DO CÂNCER
Nascido em Progresso (Rio Grande do Sul) Romano Zago,
descendente de uma família italiana, é um padre
franciscano.
Estudou filosofia em Daltro Filho e Teologia em Divinόpolis,
no Mato Grosso. Foi nominado professor no seminário de
Taquari onde tinha iniciado os seus estudos; em 1971
formou-se em letras e ensina Francês, Espanhol, Português e
Latim. Atualmente mora em Porto Alegre.
“O aloé, ou Babosa, - declarou o franciscano – é muito
conhecida no Brasil, minha mãe nos dava sempre como
calmante, quando éramos crianças e nos feríamos brincando ou para tantas pequenas coisas ligadas aos
problemas físicos. Mas naquela época eu não pensava que uma planta tão pequena e conhecida pudesse
possuir um poder curativo tão grande”.
Misturando o suco obtido após bater as folhas da planta com simples mel de abelhas e grapa, obtém-se
um composto de propriedades curativas extraordinárias.
Como o padre chegou até a fórmula da “bebida”
“Honestamente eu não tenho a pretensão de ser considerado o criador ou o inventor do método. Muito
menos de apresentar-me como sendo o pioneiro, ou em outras palavras, como o primeiro que aplicou
esta fórmula com êxito positivo. Isto de fato não corresponderia à verdade. Outros, muito antes do que
eu, deveriam apropriar-se, justamente, de tal direito”. Com estas palavras, o Padre Romano Zago quer
acentuar o fato de ter sido o principal difusor, não o inventor da fórmula que, na realidade, preparou
tendo-a conhecido através da sabedoria popular e do padre Arno Reckzigel, Padre provincial durante o
seu cargo no Rio Grande do Sul.
O mérito do Padre Romano Zago, este humilde mas incansável frade franciscano, é aquele de ter
perseguido, com grande determinação e constância, a difusão do preparado a base de aloé, aperfeiçoado
por ele, primeiro através da subministração direta, em infinitas pessoas que iam até ele com o desejo de
obter pelo menos a esperança de cura no momento difícil da “doença do século”, para eles ou para os
seus familiares; e depois com diversas publicações que tornaram a fórmula do Aloé do Padre Romano
Zago conhecida também no Ocidente, entre as quais o livro “O câncer tem cura”.
Os ingredientes
O particular sucesso da fórmula se deve aos seus três ingredientes: primeiro de tudo ao aloé, e depois ao
mel e à grapa. Por que estes ingredientes, por que o mel e a grapa (ou
conhaque ou cachaça) para acompanhar as propriedades do aloé? “A
explicação é simples” dirá o próprio Padre Romano. E de fato é assim. De
fato o mel, sempre que se trate de mel de abelhas, natural e não (muito)
tratado, possui a propriedade de veicular, de conduzir as substâncias
curativas contidas no suco do aloé, até os receptores mais remotos do nosso
organismo, permitindo ao preparado de exercer a sua ação benéfica.
Quanto à grapa, esta efetua uma ação de vasodilatação, ou seja alarga os vasos sanguíneos facilitando a
depuração geral do organismo. Assim o sangue pode purificar-se, eliminando as substâncias infectantes.
Além disso, o organismo humano não teria condições de absorver integralmente o líquido viscoso e rico
de propriedades, ou seja a aloína, que jorra quando se corta uma planta de aloé, sem dissolvê-lo em um
destilado.
Como se prepara e se toma – as reações do nosso organismo
E eis a fórmula definitiva do Aloé do Padre Romano Zago.
INGREDIENTES:
Meio quilo de mel de abelhas (mel biológico de acácia)
40-50 ml (mais ou menos 6 colheres) de destilado (Grapa, Conhaque, Whisky, cachaça etc.)
350/400 gramas de folhas de Aloé Arborescens.
Como se prepara?
A resposta é fornecida pelo próprio Padre: “Tirar os espinhos das bordas das folhas e o pó depositado
nelas, utilizando um pano seco ou uma esponja. Cortar em pedaços as folhas (sem tirar a casca) e colocálas no liquidificador juntamente com o mel e com o destilado escolhido. Bater bem e o preparado está
pronto para o consumo. Não deve ser filtrado, nem cozido, mas só conservado com atenção na geladeira
em um vidro escuro, bem fechado”.
As doses que o padre aconselha são de uma colher de sopa meia hora antes de cada uma das três
refeições principais. O produto deve ser bem agitado antes do uso. Assim que acabar o primeiro vidro, é
oportuno consultar o médico para entender o estado da doença. Com base nas observações médicas,
após uma pausa de alguns dias, poderá ser repetido o ciclo de cura, até a eliminação do mal.
O aloé utilizado deve ser uma planta madura, então de pelo menos quatro anos, e é importante que
também o mel seja de ótima qualidade e sobretudo natural, justamente por causa da sua característica
de “transportador” das substâncias benéficas contidas no aloé.
Quanto às reações que a subministração do aloé pode dar, Padre Romano Zago precisa que estas não
devem amedrontar. Representam de fato a expulsão, a liberação completa por parte do organismo das
substâncias impuras, e sobretudo, quando se verificam, tem uma duração limitada, de um a três dias no
máximo.
Em quem toma a bebida a base de aloé podem-se então verificar erupções cutâneas, ou diarreia ou nos
casos mais acentuados, ânsia de vômito: mas tudo isso, segundo Padre Romano, indica que estamos no
caminho certo, e que os esforços feitos começam a dar os próprios frutos. Todos podem tomar o
preparado, ele só é desaconselhado para as mulheres grávidas, por causa da particular condição em que
se encontram.
Junho 2015
PARACELSO
Felipe Aurélio Teofrasto Bombasto Von Hohenhein, médico que tornou-se famoso sob o
pseudônimo de "Paracelso", nasceu no dia 10 de novembro de 1493 em Einsiedeln, povoado de
Suíça.
Recebeu o nome de Teofrasto, em memória do pensador grego Teofrasto, por quem o Dr.
Hohenhein, seu pai, tinha profunda admiração.
Quanto ao pseudônimo de Paracelso, ele o recebeu de seu próprio pai, ainda jovem, o qual fazia
alusão que seu filho, já era mais sábio que Celso famoso médico e contemporâneo do Imperador
Augusto.
Foi uma criança de pequena estatura e doentia, e por sugestão de seu pai faziam longas
caminhadas, afim de que recebesse os efeitos benéficos do ar livre.
Foi em razão dessas excursões pelos campos, que aprendeu os nomes e virtudes das ervas e
plantas medicinais, conheceu os diversos modos de utilizá-las, tanto venenos como seus
antídotos, tornando-se profundo conhecedor da arte de preparar toda espécie de poções
medicinais.
Suas primeiras lições de Latim, Botânica, Alquimia, Medicina, e Teologia lhe foram transmitidas
por seu pai e, ainda muito jovem, foi enviado à famosa escola de Beneditinos do Mosteiro de
Santo André para dar início a seus estudos.
Foi então que conheceu o Bispo Eberhard Baumgartner, o qual era considerado um dos
alquimistas mais notáveis da época. Foi tal o empenho que Paracelso dedicou aos estudos e
práticas de laboratório que criou condições para iniciar um trabalho que iria surpreender seu
século.
Por volta de 1510, transferiu-se para Basiléia, onde ingressou na Faculdade de Medicina; nas horas
vagas dedicavase ao Ocultismo e utilizava a Astrologia, em conjunto com os estudos de medicina,
pois a ciência experimental estava ainda por nascer.
Naquele tempo o misticismo e a magia conviviam com as teorias mais antagônicas e os homens
mais célebres lhes rendiam homenagem. Dedicou-se ao estudo do verdadeiro misticismo, o qual
relacionava diretamente a inteligência humana com a de Deus.
Em seus Livros e escritos de cirurgia, relata que teve os melhores mestres nessa ciência e que
tinha lido e meditado os textos dos homens mais notáveis, tanto da atualidade quando do
passado.
Nas obras que faziam parte da biblioteca de seu pai, Paracelso dedicou especial interesse à leitura
do Abade Tritheme; foi tão grande o seu entusiasmo que resolveu ir ao encontro do seu autor, em
Wurzkurg, onde veio a tornar-se seu discípulo.
Naquela época, Tritheme era considerado um bruxo perigoso, pelos ignorantes, pois penetrara
nos mistérios da Natureza e do mundo espiritual; foi o primeiro a falar da transmissão de
pensamento (Telepatia), sendo notável Criptógrafo e Cabalista.
Por volta de 1519 iniciou estudos sobre as Ciências Ocultas, sob a orientação do mestre Tritheme,
vindo a conhecer as forças misteriosas do mundo visível; empregou o imã e foi o precursor do
magnetismo de Mesmer; como propósito de fazer o bem ao semelhante que se lançou nas
investigações e experiências da Magia Divina, buscando na Ciência Hermética a produção de
essências para empregá-las na cura de doenças.
A Criopéia (arte de fazer ouro) fez parte de seus estudos, e tão logo satisfez sua curiosidade não
prosseguiu nessa obra, mas aproveitou grande número de práticas alquímicas que segundo sua
opinião podiam ser desenvolvidas e aplicadas à medicina.
Para ele os fogos do fornilho crisopéico tinham outras utilidades e aquelas que atuavam sob a
divina intuição, logo se transformavam em fogos purificadores em benefício da humanidade.
Observou que toda a substância dotada de vida orgânica, embora aparentemente inerte, encerra
grande variedade de potências curativas.
As obras de Paracelso que tratam de Ciências Ocultas, Astrologia, Magia e Alquimia, contém frases
obscuras que somente homens de Desejo conhecem em seu total valor.
Os alquimistas velaram principalmente seus segredos por meio de símbolos e frases alegóricas, a
que os profanos atribuíam as mais grotescas interpretações, quando tomadas ao pé da letra.
Como discípulo de Tritheme, Paracelso assimilou sua terminologia e em seu vocabulário chama o
princípio da Sabedoria de Adrop e Azane, que correspondem a uma tradição esotérica da Pedra
Filosofal, onde Azoth é o princípio criador da natureza ou força vital espiritualizada, Cherio é a
quintessência de um corpo, seja ele animal ou mineral; é o seu quinto princípio ou potência,
Derses é o sopro oculto da terra que ativa seu desenvolvimento.
Segundo sua interpretação a Magia é a Sabedoria; é o emprego consciente das forças espirituais
que visa a obtenção de fenômenos visíveis ou tangíveis, reais ou ilusórios, é o uso do poder da
vontade, do amor e da imaginação, representa a força mais poderosa do espírito humano
empregada em prol do bem. Assim, o glossário de Paracelso se caracteriza pelo caráter oculto de
uma terminologia, no entanto, a chave dessa linguagem misteriosa não se perdeu, foi guardada
pelos cabalistas e transmitida oralmente entre os iniciados.
Defendia a teoria da transmutação dos metais em substâncias diversas, aceitas até os dias de hoje;
suas investigações principais ocuparam-se das propriedades curativas dos metais conhecida
atualmente como Metaloterapia. Suas investigações culminaram na teoria das três Substâncias,
onde todos os corpos estão formados por três princípios básicos, que ele chamou de Enxofre,
Mercúrio e Sal, os quais não devem ser confundidos com os assim chamados pela química
moderna pois, tem um significado simbólico, onde: o Enxofre (carga energética) significa o fogo, o
Mercúrio (princípio úmido (líquido) representa a água e o Sal (parte mais sólida representa a terra
ou ainda a Volatilidade, Fluidez ou Solidez. Cada substância ou matéria em crescimento é
constituída de Sal, Enxofre e Mercúrio; a força vital consiste na união dos três princípios, uma
tríplice ação; a ação da purificação por meio do Sal, dissolução e consumação pelo enxofre e a
eliminação pelo Mercúrio, o qual absorve o que o Sal e o En-xofre repelem.
Ainda na maioria dos três princípios, considerava como premissa de toda atividade a parte
constitutiva de todos os corpos: Alma, Corpo e Espírito, de uma matéria que é única. Em sua obra
"ARQUIDOXO MÁGICO", que trata de amuletos e talismãs, é que Paracelso expõe seus
conhecimentos da imensa força do magnetismo, combinando metais sob determinadas influências
planetárias com o objetivo de curar doenças. Entre os metais utilizados destacam-se ouro, prata,
cobre, ferro, estanho, chumbo e mercúrio, no total de sete, com signos celestes e caracteres
cabalísticos.
Em "AS PROFECIAS", publicadas pela primeira vez na língua alemã por volta de 1530, estavam 32
gravuras simbólicas que tinham sido encontradas no monastério de Darthauser em Nurenberg;
cada gravura estava acompanhada de uma legenda escrita em um estilo obscuro e enigmático,
com textos de difícil interpretação; neles estariam guardadas os acontecimentos do futuro em
uma espécie de filme, porém cujo desenrolar seria independente da sequência cronológica.
A sua "FILOSOFIA OCULTA" possui um especial interesse, por conter opiniões sobre as artes
mágicas.
Na "BOTÂNICA OCULTA" diz que para conhecermos o mundo das plantas do ponto de vista oculto,
devemos necessariamente estudá-las em suas relações com o Macro e o Microcosmo. Cada
planeta é como uma estrela terrestre, suas propriedades celestes se acham inscritas nas cores das
pétalas e suas propriedades terrestres na forma das folhas; toda a magia nelas esta contida, uma
vez que em seu conjunto as plantas representam a potência dos astros; o Reino Vegetal esta sob a
influência dos planetas e tem como finalidade alimentar o homem e curar suas doenças. Em seu
corpo físico atua a alimentação, em seu corpo magnético atuam pela cura de suas doenças e em
seu corpo astral: sonho ou êxtase.
As virtudes curativas do Reino Vegetal foram celebradas desde os tempos mais remotos, o próprio
nome helênico do Deus da Medicina ESCULÁPIO (filho de Apolo e Corônis) significa o bosque, a
Esperança da Saúde.
Toda a magia do reino vegetal esta no conhecimento do "Espírito das Plantas", conhecidos na
antigüidade sob os nomes de Dríadas, Hemadríadas, Silvanos e Faunos. Chama de Silvestre os
habitantes dos bosques e de Ninfas aos das plantas aquáticas. Estes pertencem aos Elementais
segundo a classificação do Ocultismo, sendo habitantes do plano astral.
Paracelso foi um cabalista, sua filosofia espiritual advinda do Neoplatonismo teve como base a
união da Divindade; soube identificar a mão de Deus em toda a natureza, nas profundezas das
montanhas onde os metais esperam que a sua vontade os colocasse em contato com os homens,
na abóbada celeste onde estão o Sol e as Estrelas, nas ribeiras onde são derramadas toda a sorte
de alimentos e bebidas para o homem e nos verdes campos e bosques onde crescem as ervas e
frutos enfim, ele via que a terra era a grande obra de Deus e que era preciosa a seus olhos.
O pai da Medicina Hermética faleceu em 24 de setembro de 1541 aos 48 anos de idade; sendo
velado na igreja de São Sebastião, onde conforme seu último desejo lhe foram entoados os Salmos
1, 7 e 30. Seu corpo repousou até meio século em Salsburg na Áustria.
Em sua obra "TRATADO DAS DOENÇAS INVISÍVEIS", nos diz que se quisermos buscar a Deus,
devemos buscá-lo dentro de nós mesmos, pois fora jamais o encontra-remos. O Reino de Deus,
dizia ele, contém uma relação intima com nossa vida de Fé e de Amor, uma infinidade de mistérios
que a alma penetrante vai descobrindo uma por uma.
São os mistérios da Magia Divina, que todos aqueles que investigam com a pureza de sua Alma,
acabam encontrando.
Sephariel
PROVIDÊNCIA, VONTADE, DESTINO: UMA INTERPRETAÇÃO SIMBÓLICA DO
TEOREMA DE PITÁGORAS
René Guénon em sua obra “O Rei do Mundo” no VIIIº capítulo escreve: “o período atual é então
um período de obscurecimento e de confusão; as suas condições são tais que, enquanto
persistirem, o conhecimento iniciático deve necessariamente continuar escondido; por isso o
segredo nos “Mistérios” da antiguidade dita “histórica” (a qual não remonta nem mesmo ao início
de tal período) e nas organizações secretas de todos os povos: organizações que conferem uma
iniciação efetiva lá onde ainda existe uma verdadeira doutrina tradicional, mas oferecem somente
a sombra quando o espírito de tal doutrina não vivifica mais os símbolos que são somente a
representação exterior, e isto porque, por vários motivos, toda ligação consciente com o centro
espiritual do mundo já não existe, aquilo que é o sentido mais específico da perda da tradição,
aquilo que concerne em particular modo este ou aquele centro secundário, que já não possui uma
relação direta e efetiva com o centro supremo. Se deve então, como já dizíamos acima, falar de
alguma coisa de escondido ao invés de realmente perdido, porque não para todos está perdido e
algumas pessoas o possuem ainda integralmente; e, se assim for, outros têm sempre a
possibilidade de achá-lo, com tanto que o procurem como deve ser procurado, ou seja que tenham
uma intenção direta de maneira que, através das vibrações harmônicas que desperta de acordo
com a lei das “ações e reações concordantes”, esta possa colocá-los em comunicação espiritual
efetiva com o centro supremo. Esta direção da intenção possui contudo, em todas as formas
tradicionais, a sua representação simbólica; estamos falando da orientação ritual: esta, de fato, é
justamente a direção para um centro espiritual que, qualquer que seja ele, é sempre uma imagem
do verdadeiro “Centro do Mundo”»8.
Entre as virtudes pedidas para o desenvolvimento espiritual, não existe uma mais importante e
atualmente menos considerada do que a “Fé” 9. A expressão “fé cega” parece assimilar esta
qualificação a uma crença plena do indivíduo, mas incapaz de orientar a aspiração ao
Conhecimento efetivo. Tentaremos, ao contrário, mostrar que a Fé encontra-se em estreita
relação com a intelectualidade mais elevada, sendo um elemento central para a correta
orientação da intenção e, segundo a citação que abre o nosso artigo, estabelecer uma
“comunicação espiritual efetiva com o centro supremo”.
Referindo-se à doutrina pitagórica, ilustrada por Fabre d’Olivet 10, René Guénon faz notar como
“a Vontade “reforçada” da fé (e por isso mesmo associada à Providência) podia subjugar a própria
Necessidade, comandar a Natureza e operar milagres”. Esta frase é carregada de significados.
Antes de mais nada, coloca em evidência o estreito vínculo entre Fé e Providência, ou seja a
Vontade do Céu. De fato, as duas primeiras seriam como as duas faces da segunda; a Fé seria a
Vontade do Céu segundo uma prospectiva ascendente, a Providência segundo uma prospectiva
descendente, sempre com relação à percepção humana. A Fé poderia então ser considerada como
o ponto de união entre a Vontade do Céu e aquela do homem, através do qual a primeira age
sobre a segunda ou, mais exatamente, como a virtude que permite a identificação das duas
(destruindo a ilusão separativa).
Na Fé temos então a chave para a vitória do homem sobre o Destino. Na medida em que cede à
sua Vontade humana (ou Livre Arbítrio), será presa da fatalidade; na medida em que tem Fé,
poderá tornar-se “transparente” para a Vontade do Céu para que governe os seus passos e assim
“subjugar a própria Necessidade, comandar a Natureza e operar milagres”, ou seja, liberar-se dos
obstáculos do seu Destino de homem mortal.
A expressão desta relação na vida do homem é dada por um símbolo ao qual o Pitagorismo dá
uma grande importância, herdado no Ocidente e ainda tido em grande consideração pela
Maçonaria. Trata-se do triângulo retângulo de proporções 3-4-5, cujas propriedades são
apresentadas na proposição 47 do Iº Livro dos Elementos de Euclides, bem conhecido como
Teorema de Pitágoras. Não por nada, esta figura constitui a “jóia” ou insígnia própria do Past
Master e, privo da hipotenusa, do Venerável Mestre de uma Loja.
A doutrina tradicional indica neste triângulo o equilíbrio entre a Providência (lado 3), a Vontade
humana (lado 4) e o Destino (lado 5), sendo esta relação de equilíbrio a permitir de avançar
harmoniosamente no caminho espiritual11 (cfr. Fig. 1).
8
No Islam, tal orientação (qiblah) é como a materialização, se assim pode-se dizer, da intenção (niyah).
A orientação das igrejas cristãs é um outro caso particular que refere-se essencialmente à mesma ideia.
9
Aqui “fé” não deve ser entendida no sentido de “crença”, mas no sentido clássico e mágico de fides, como
personificação da lealdade e da honra. Fides de fato era a deusa romana da fidelidade e da lealdade. (ndt)
10
11
A. Fabre d’Olivet, Les Vers Dorés de Pythagore expliqués, Paris, Treuttel & Würtz, 1813.
“O equilíbrio entre a Vontade e a Providência de um lado e o Destino do outro era simbolizado geometricamente
pelo triângulo retângulo cujos lados são proporcionais respectivamente aos números 3, 4 e 5, triângulo ao qual o
Pitagorismo atribuía uma grande importância, e que, por uma coincidência também muito digna de nota, possui a
mesma importância na tradição extremo-oriental. Se a Providência é representada pelo 3, a Vontade humana pelo 4 e
o Destino pelo 5, neste triângulo se tem: 32+42=52; a elevação ao quadrado dos números indica que isto se refere ao
domínio das forças universais, ou seja propriamente ao domínio anímico, aquele que corresponde ao Homem no
De fato, a Tradição através dos textos sagrados nos ensina que o homem, “criado a imagem e
semelhança de Deus”, é por direito colocado no Centro do nosso mundo ou, segundo um
vocabulário mais técnico, do nosso estado de manifestação. Desta posição privilegiada ele é
chamado para exercer a função de intermediário entre todos os outros seres, dos quais é
responsável, e o Princípio Universal do qual tudo origina-se. Esta condição, propriamente
paradisíaca, é própria ao Homem Verdadeiro ou Primordial 12 e refere-se àquela que a tradição
greco-romana denominava Idade do Ouro. Todavia, um mau uso do maior dom que Deus tenha
concedido ao homem (a Vontade ou Livre Arbítrio) provocou aquilo que em termos bíblicos é
conhecido como “Queda”, ou seja a perda efetiva da centralidade da qual estamos falando. 13 A
partir daquele momento, o homem, afastado do seu lugar natural, empurrado pela própria
vontade de afirmação individual, vai em direção da descida que o arrasta sempre mais para baixo,
longe da divina Providência, sujeito consequentemente às vicissitudes do Destino e ao sofrimento.
Figura 1
O “equilíbrio” do triângulo pitagórico encontra-se na perfeita harmonia das proporções dos
seus três elementos. A tensão e o progresso da Vontade em direção deste equilíbrio consentem ao
iniciado de aproximar-se da Providência reduzindo gradualmente a influência do Destino. Levar o
iniciado a alcançar primeiro, e depois estabilizar esta proporção, é precisamente o trabalho
próprio de uma organização iniciática. A cada indivíduo corresponde uma própria figura triangular
que reflete a sua condição (não existem dois seres iguais), em um trabalho iniciático operativo as
indicações que receberá serão específicas à sua própria natureza, a situação pessoal que atravessa
e ao ambiente vital no qual se exprime. Mesmo que pareça contraditório com quanto observado
acima, é possível que tais indicações vão no sentido de um trabalho de reforço da Vontade,
evidentemente quando esta se encontre abaixo da condição de equilíbrio porque muito fraca.
Em todo caso, é importante observar que o início deste processo de “retorno” à Providência,
marcado pela troca de orientação na aplicação da Vontade, é determinado pela capacidade de
“macrocosmo”, e ao centro do qual, enquanto termo mediano, encontra-se a vontade no “microcosmo” “ (cfr. R.
Guénon, A Grande Tríade, Atanor).
12
Então também ao Homem Universal, indistinguível pelo Homem Verdadeiro para os seres individuais (crf. R.
Guénon, A Grande Tríade, Atanor) “ [...] aquele que superou o estado humano, elevando-se ao longo do eixo para os
estados superiores, é por isso mesmo “perdido de vista”, se podemos exprimir-nos assim, para todos aqueles que
estão neste estado e ainda não chegaram no seu centro, incluídos aqueles que possuem graus iniciáticos efetivos, mas
inferiores àquele de “homem verdadeiro”. Estes não possuem portanto nenhum modo para dintinguir o “homem
transcendente” do “homem verdadeiro”, já que, do estado humano, o “homem transcendente” não pode ser visto
senão através da sua “pista”, e esta “pista” é idêntica à figura do “homem verdadeiro”; de tal ponto de vista, um é
então realmente indiscernível do outro”).
13
É importante esclarecer que, quando falamos de Vontade nos referimos aqui ao Livre Arbítrio e não àquilo que
conhecemos como “força de vontade”, esta última imprescindível para todo iniciado e que, ao contrário, se reforça e
unifica com o desenvolvimento espiritual. (cfr. Giuliano Kremmerz, A Ciência dos Magos, Iº Volume, Devir, São
Paulo).(ndt)
reconhecer um Princípio transcendente e submeter-se a ele, capacidade que não é outra coisa
senão a Fé, e isto dá o peso justo ao seu grau de importância como elemento de realização. 14
Não era nossa intenção conduzir um estudo exaustivo de todas as possibilidades simbólicas
encerradas no triângulo pitagórico 3-4-5, coisa além disso impossível dada a natureza do símbolo,
com indefinidas interpretações possíveis, mas só colocar em evidência a profundidade de um dos
significados que lhe são próprios. Talvez não seria privo de interesse estudar a relação entre este e
a representação simbólica da mannifestação, magistralmente descrita no Le Symbolisme de la
Croix de Guénon. Esperamos que estas breves notas possam contribuir para devolver à Fé o lugar
que pensamos lhe pertença, assim como iluminar um pouco a importância da herança do
Pitagorismo, segundo René Guénon, na única iniciação de caráter propriamente ocidental que
sobreviveu até hoje 15. Deixamos ao leitor interessado o aprofundamento das questões tocadas
pelo presente estudo, limitando-nos somente a notar ainda como a “jóia” do Past Master em uma
Loja maçônica não possa ser senão o próprio triângulo pitagórico 16.
Albano Martín De La Scala
Fonte: http://www.letteraespirito.com/
Julho 2015
INTRÔDUÇÃO AO RITUAL DA MAÇONARIA EGÍPCIA DE CAGLIOSTRO
Em sua grande obra sôbre Cagliostro, aparecida em 1912 17, o Dr. Marc
Haven havia manifestado ,a intenção de publicar uma edição completa do
Ritual da Maçonaria Egípcia, acompanhada de comentários. A guerra de
1914 o impediu de realizar tal projeto. Foi necessário esperar mais de
trinta anos para mandar à impressão o texto completo dêste Ritual,
estabelecido com base numa cópia do manuscrito original, a única que
conhecemos, feita em 1845 por M. Guillermet, porta-estandarte do
Silêncio Perfeito e atualmente em nosso poder.
Infelizmente, os comentários que deviam enriquecer êste Ritual não foram
14
“A Vontade humana, unindo-se à Providência e colaborando conscientemente com ela”, pode equilibrar o Destino e
chegar a neutralizá-lo – “Colaborar assim com a Providência, é aquilo que, na terminologia maçônica, chama-se
propriamente trabalhar para a realização do “plano do Grande Arquiteto do Universo” (cfr. Considerações sobre a
Iniciação, cap. XXXI)” (cfr. R. Guénon, A Grande Tríade).
15
Crf. René Guénon – Considerações sobre a Iniciação – S. Paulo, Irget, 2008.
16
“[…] a possibilidade de perda existe até quando o ser não estiver ainda reintegrado no “estado primordial”, mas
passa a não existir a partir do momento no qual ele tenha alcançado o centro da individualidade humana; e é por isso
que pode-se dizer que aquele que chegou a este ponto, ou seja à conclusão dos “pequenos mistérios”, já está
virtualmente “liberado”, embora não possa estar efetivamente liberado se não tiver percorrido a via dos “grandes
mistérios” e realizado finalmente a “Identidade Suprema” (cfr. R. Guénon, Considerações sobre a Iniciação ibid., cap.
XXXIX).
17
Le Maître inconnu, Cagliostro. Etudes historique et critique sur la Haute Magire. Paris, 1912. Dorbon ainé, édlteur
redigidos; apenas algumas notas lacônicas esclarecem R ou precisam o simbolismo de certas
passagens.
Para proporcionar aos leitores que não puderam ler “Le Maítre inconnu”, uma idéia do que foi
Cagliostro, e prepará-los para a leitura do Ritual, citaremos aqui algumas belas passagens do Dr.
Marc Haven, sôbre um assunto de que lhe custara doze anos de estudos históricos e de pesquisas
através da Europa.
°°°
Da mesma forma que surgem, às vêzes, no céu monótono, aparentemente imutável, imprevistos
astros temporários, ou fugitivos cometas cujo retôrno apenas alguns sábios aguardavam, assim
também, em certas datas, passam pela humanidade sêres estranhos que prendem a atenção de
tôda uma época. Não são nem heróis nem conquistadores, nem fundadores de raças ou
reveladores de novos mundos; aparecem, brilham, desaparecem, e, após sua partida, o mundo
aparenta não haver mudado, mas durante sua brilhante manifestação, todos os olhares estiveram
invencivelmente presosa êles. Os sábios se sentiram perturbados por suas palavras; os homens de
ação se espantaram de encontrar indivíduos que os dominavam sem esfôrço; a multidão das
gentes simples os seguiu, sentindo reinar nêles uma 'intensidade vital, uma bondade
desconhecida, um poder oculto caridoso com suas fraquezas e benfazejo às suas dores. Estas
aparições não constituem apanágio de uma raça ou de um século; quanto mais se remonta na
história, no Oriente como no Ocidente, a cada curva da jornada desponta um dêstes homens. É
difícil falar dos mais antigos; sôbre êles, como sôbre os meteoros, são falhos os documentos.
Quantos nos são desconhecidos! E quanto àqueles cujos nomes chegaram até nós, como tornar a
encontrar sua verdadeira fisionomia de então, quando as interpretações ingênuas da lenda e as
intervenções pouco escrupulosas dos fundadores de seitas, revestiram êstes homens de uma
roupagem que os desfigurava? Nada mais vemos que Gautama divinizado em suas estátuas de
Buddha. Que foi Orfeu? Que foram Apolônio de Tiana e Merlin, o Encantador?
Nos tempos modernos, esclarece-nos melhor a história a fisionomia dêsses personagens? Também
não. Aqui surgem outros obstáculos; a crítica severa, mais apta para destruir que para consolidar
as reputações, julgando segundo os conceitos do dia e segundo o caminho percorrido, é incapaz
de retroceder no tempo, para ver os homens à luz de seu século.
Os grandes químicos da Idade Média são, para os nossos sábios atuais, escolares visionários; os
grandes filósofos do passado prepararam Descarte e Kant. Apraz-nos olhá-los por êste canto da
luneta: a comparação nos engrandece.
Mas, colocar-nos no estado de ignorância de seu tempo, considerar a superioridade de energia, de
intuição, de julgamento que êles tiveram sôbre seus contemporâneos, seria dar-lhes uma
grandeza tal, que nosso próprio porte, em relação ao nosso século, nos pareceria outro tanto
diminuído. Este ponto de vista não agrada a muitos historiadores. Um Paracelso perturbou a
Europa, acordou espíritos adormecidos? A crítica acha nêle erros científicos, ridículos
imperdoáveis, fraquezas indignas dum espírito forte, em número bastante grande, para que sua
imagem, reduzida e deformada numa pequena caricatura, para proveito dos maiores homens
modernos, não possa mais suscitar admiração e reconhecimento.
Se a história profana nos engana, se a lenda, religiosa, nos transvia em relação a êsses grandes
nomes, a tradição popular nos conserva seu nome e a narração de suas maravilhas. Cada nação se
recorda dos seus e da época perturbada em que viveram, pois é sempre num período crítico que
se ouve falar dêles. Chegam na hora e no país em que, havendo uma forma social alcançado sua
completa realização, tende já a deteriorar-se; quando os esforços lentos e contínuos do espírito
humano, em lugar de convergirem, como o haviam feito até ali, para a constituição e o
fortalecimento de um organismo social, de um dogma religioso, de uma síntese científica,
começam a divergir e abalam o edifício construído pelas gerações precedentes.
As organizações religiosas, misteriosas e autoritárias em seus princípios, ambiciosas e totalmente
humanas em suas obras, envelhecem depressa; só os jovens deuses produzem seus milagres. O
progresso das ciências, contra o qual têm sempre elas a fraqueza de reclamar, corrói seus
pedestais; tomba o poder religioso; a fé na própria ciência se enfraquece diante das modificações
contínuas das teorias e do aparecimento de novos fatos. Ao mesmo tempo que abandona os erros
antigos, o homem visa e aguarda a posse de conhecimentos ilimitados, de fôrças insuspeitadas
que as descobertas quotidianas ,tomam sem cessar mais prováveis. O bem-estar material e a
riqueza se tornam crescente apanágio de um pequeno número, enquanto que as necessidades, os
desejos e os sofrimentos também aumentam, porém para a massa.
É que, como todo corpo vivo, uma sociedade traz em sua própria divisão orgânica o germe de sua
des-truição futura. Desde que seja atingido o seu completo desenvolvimento, acentua-se a
especialização das funções, aumenta a oposição dos interêsses, exacerba-se a luta de classes; uma
doença mortal mina o organismo social. Os filósofos, os legisladores e os estadistas sentem o
perigo e a sua impotência pessoal, e se deixam cair no ceticismo e na inação.
Na hora em que está morta a religião de um povo, em que a dúvida filosófica penetrou todos os
espíritos, em que os homens não buscam na vida senão o acréscimo de gozos imediatos, e, na
ciência, senão os meios de os. conseguir, e em que a distribuição desigual das alegrias e das dores
é agravada pelo longo exercício de uma ordem social sempre insuficiente, essa hora é a que
precede uma revolução e também a que vê surgir um dêstes sêres bastante poderosos para
galvanizar almas demasiado dolorosas ou excessivamente arruinadas.
É a lei geral, periódica, e não o quadro de uma época excepcional, o que aí indicamos. Indagai dos
espe- cialistas que viveram no passado a vida de tal raça, muito antiga; dos eruditos que, nos
tempos modernos, estudaram profundamente a evolução de um povo ou de uma dinastia, e todos
dirão que constataram a eclosão, o desenvolvimento, as fases desta mesma moléstia de que
morrem os organismos sociais; que assistiram à agonia de um século e que no leito do moribundo
viram, com efeito, passar figuras indecisas, singulares; talvez alguns confessarão mesmo que
ficaram estonteados, se não forem demasiado historiadores.
O fim do século XVIII foi uma época dêste gênero, e Cagliostro foi um dêstes homens. Em meio de
padres desabusados, de ricos senhores enfastiados, de sábios duvidando de tudo, de desgraçados
à míngua de tudo, êle revelou a esperança e a vida, pela autoridade de sua palavra e o poder de
seus atos.
O que êle foi é difícil de dizer; o que êle não foi é evidente, e seus contemporâneos bem o sabiam.
°°°
Cagliostro não escrevia, e declarava-se ignorante dos livros antigos; mais agia do que ensinava.
Falava aos homens em particular, e não ao mundo sábio em geral; não encabeçava nenhuma
escola.18
Quando um enviado de Deus fala de sua pátria, da vida, do amor, que o espírito insufla, êle não
pertence mais a uma época, e sua voz, eco do verbo eterno, pode vibrar às vêzes estranhas
sonoridades. Cagliostro falava e agia superiormente, em nome do poder que lhe havia sido
outorgado por Deus - dizia-o êle próprio - e seus ensinamentos cada um podia compreender mais
ou menos.
Cagliostro não se dirigia ã imaginação, e sim ao espírito; não era a razão o que êle repudiava, mas
os raciocinadores orgulhosos e ignorantes, cujos ouvidos estão sistematicamente fechados a tudo
o que nunca tenham ouvido. Afinal, somente êsses os declaravam ininteligíveis; os espíritos mais
abertos, imparciais, mesmo fora de seus discípulos, apreciavam seu saber e só se encantavam com
a sua conversação.
Aquêles que o ouviam freqüentemente e meditavam suas palavras, as compreendiam -cada vez
mais: as contradições aparentes se desfaziam e o liame que, no comêço, parecia faltar entre os
diferentes assuntos que êle abordava, surgia em sua reflexão. A vida de Cagliostro se mostrava em
harmonia com suas palavras; sua doutrina explicava seus podêres; seus atos demonstravam a
verdade de suas teorias. Estivesse no laboratório, na casa de um doente ou no mundo, tornava-se
cada vez mais compreensível, maior e mais atraente. Êle próprio encorajava êsses homens de boa
vontade, revelando-se-lhes em dias jamais suspeitados por outros.
Do fundo de seus discursos, do meio de suas digressões, de seus atos, chegavam êles a destrinçar
alguns princípios, sempre os mesmos, a reencontrar algumas leis morais que deviam orientar sua
conduta; tornavam-se a rota iniciática de que falava Cagliostro, essa rota que conduz à
imortalidade e todo o poder. Sempre escavar, sempre semear, e deixar os outros recolherem os
frutos, caminhar sem cessar mais adiante, aceitar tôdas as tarefas que os outros rejeitam 19, certo
de que a natureza nada ocultará, de que o céu dará tudo àquele que é incapaz de se utilizar da
natureza por si mesmo, vencer sua alma pela paciência, eis a doutrina que ensinava Cagliostro.
É uma doutrina? A palavra é imprópria: era uma escola de energia, de abnegação, de firme
confiança nofuturo. Seus discípulos se sentiam mais fortes e melhores perto dêle; partiam cheios
de ardor, esforçavam-se por viver assim alguns instantes, e depois voltavam, depressa esgotados,
para beber de nôvo e mais ardentemente dar fonte de vida. Cada luta os tornava aptos para
receber mais, cada iluminação nova lhes acrescia a fôrça da alma; êles o sentiam, o verificavam, e
sua fé aumentava com as provas.20
1 – continua
Daniel Nazir
18
L'Evangile de Cagliostro. Introduction do Dr. M. Haven. Libraire Hermétique, Paris, 1910.
19
Era o aforismo dos mestrese m hermetismo: “Procura a matéria entre as mais vis, entre os refugos que os homens
calcam aos pés diàriamente”.
20
Le Maître inconnu, Cagliostro op.cit.
ELOGIO DO COELUM
(Notas sobre reencarnação e palingenesia)
“A civilização perdeu o contato com a noite”, escreveu Henry Beston 21 em 1928. “Com as luzes,
tiramos a santidade e a beleza da noite ao redor das florestas e dos mares; as pequenas aldeias,
até mesmo os cruzamentos, não terão nada de tudo isso. As pessoas modernas talvez têm medo
da noite? São assustadores a serenidade, o mistério do espaço infinito, a majestade das estrelas?”
As fortes luzes das cidades iluminando a noite ofuscaram o céu e as estrelas e então privaram o
homem do bem inefável que se esconde nas profundezas escuras do coelum e nos privaram
sobretudo do valor analógico do ofuscamento, perdemos não tanto o efeito romântico do céu
escuro iluminado pelas estrelas, mas justamente o bem precioso desta analogia com a nossa
consciência e com a nossa alma.
Não é um paradoxo afirmar que as luzes da cidade simplesmente iluminaram as coisas próximas e
ofuscaram as coisas distantes, ou melhor as luzes menores ofuscaram as luzes maiores. Ou para
dar o exemplo da estrela, que – como diz Dante no “Convívio” – é brilhante, mas cuja visão pode
desaparecer por causa da luz do sol ou por causa da neblina. Mas é justamente no distante universo que se esconde o segredo da vida e da morte.
Estas palavras me fazem recordar aquilo que escreve Kremmerz a propósito do coelum.
Como resposta a alguns setores de ocultistas da sua época, Kremmerz nos “Diálogos sobre o
hermetismo” diz: “Mas coelum vem de coelare, esconder, ocultar como um véu. Os deuses estão
todos nos céus naquele ponto do horizonte aonde as nossas recordações silenciam e começa a
surpreendente mineira do desconhecido de hoje, que antes foi a nossa vida e a nossa respiração.”
Kremmerz tenta dar uma resposta sobre o difícil tema da reencarnação, erroneamente
interpretada pelos espíritas como sendo o retorno de um morto em um corpo vivente, precisando
que a “ideia antiga, aquela atribuída a Pitágoras (...) é mais sintética, mas não explica como e
através de qual caminho ele tivesse se colocado em um corpo novo. A reencarnação é própria de
um estado no qual se alcançou uma determinada finalidade da integração humana”. Na verdade
estas últimas palavras do Mestre ocultam um mistério que ele, assim como os pitagóricos, não
podia divulgar com leviandade.
Magnani no “Supremo Vero” faz o seguinte comentário sobre a reencarnação: “Dito isto deve-se
falar de reencarnação somente nos casos nos quais a individuação se produz com um máximo de
integração humana.
Entre estes casos encontraremos o homem justo de Platão, nunca o encontraremos no homem
honrado aclamado grande pelos seus contemporâneos.
Para a maioria, então, não existe reencarnação, mas o retorno a um estado anímico coletivo do
qual emanam sucessivamente e ininterruptamente as inumeráveis tentativas destinadas a
21
https://it.wikipedia.org/wiki/Henry_Beston
procurar a consequência da individuação. Por isso, a reencarnação é um fato aristocrático. O
processo entendido assim, a palavra reencarnação resulta imprópria ou insuficiente de significado
e a substituímos com humanação que é mais apropriada, porque retorna somente em uma
entidade real que já alcançou uma maior aproximação do estado de verdadeiro homem e que pode
conseguir realizá-lo completamente”22.
Mas a explicação mais precisa e documentada sobre a reencarnação é dada pelo pitagórico Arturo
Reghini que conhecia muito bem o argumento. Ele escreve:
“Desde a época da XII dinastia no Egito achava-se ser possível a osirificação de um vivente. A pele
que constitui o símbolo desta passagem pela pele, substituída depois por um lençol, encontra-se
talvez no sudário que envolvia o defunto órfico e corresponde, talvez, ao velo de ouro. As palavras
metamorfose, metensomatose (ensinadas por Pitágoras e não metempsicose), transformação
exprimem conceitos análogos.
A palingenesia pitagórica não deve ser confundida com a metempsicose, nem com a
metensomatose, nem com a migração ou μετοικησις, nem uma lei geral nem uma graça concedida
pela divindade; mas é uma operação, um trabalho, é a “grande obra”, atuada deliberadamente e
tecnicamente, segundo um rito apropriado ou τεχνη que Platão e Máximo de Tiro chamam “arte
regia”. A tradição hermética designa com o nome de grande obra a transmutação da pedra
filosofal em ouro, a tradição maçônica designa com o mesmo nome a transformação da pedra
bruta em pedra polida da mestria necessária para a construção do templo; as duas tradições
chamam “arte regia” o rito a ser executado para se obter a realização da obra.
A palingenesia não é subordinada à morte do corpo, nem consequência necessária dela, e os
“Versos de Ouro” não encorajam ao suicídio quando incitam o discípulo a liberar-se dos vínculos do
corpo; esta não consiste no morrer e depois nascer ainda uma vez em uma vida como aquela
humana terrestre ou outra, mas no nascer novamente como diz a própria palavra. A palingenesia
não coincide com a metempsicose, e muito menos com a ideia moderna espírita e teosófica da
reencarnação. A confusão, acontece por causa do mistério pitagórico, acontece por causa da má fé
dos inimigos do pitagorismo, desde a antiguidade. Hoje em dia são muitas as escolas pseudoiniciáticas que defendem e ensinam a doutrina da reencarnação (não se sabe muito bem do que),
apoiando-se no presunto ensinamento pitagórico. A compreensão que estes pretensos iniciados
têm das coisas espirituais tem a mesma fineza daquela dos fiéis crentes os quais obstinam-se, não
obstante as taxativas e repetidas distinções e advertências de Paulo de Tarso, no conceber a
ressurreição cristã grosseiramente, como uma verdadeira reencarnação ou ressurreição da carne.
[...] A palingenesia pitagórica (que não é a reencarnação) é o nascimento para a “vida nova”, o
segundo nascimento do homem novo, a ressurreição dos mistérios.
A palingenesia, ou seja o renascer pitagórico, deve ser conectada ao conceito órfico-pitagórico do
corpo prisão e à possibilidade da alma que “só em casos excepcionais consegue (antes de ser
liberada com a morte) revelar-se, na forma de um <conhecimento superior> do qual poucos são os
privilegiados: que às vezes acontece nos sonhos proféticos, na excitação estática, no furor
báquico”.
22
Manlio Magnani, Supremo Vero, IGNIS 2004.
A palingenesia na qual Pitágoras iniciava os discípulos era aquela dos mitérios de todas as épocas
e de todos os lugares, chamada justamente renascimento no Vedanta, no hermetismo, no
cristianismo, o renascer necessário para entrar no Reino dos Céus, na “Vida Nova”.”23
Para voltarmos ao título do presente artigo ou seja ao valor iniciático e escondido do céu,
Kremmerz acrescenta que “o invisível está ao alcance dos nossos olhos, mas existe muita gente
que não aperfeiçoou a visão e não vê”: isto acontece porque nós, confirmando aquilo que
dizíamos acima, na maioria das vezes, não vemos por causa da nossa visão ofuscada pelas luzes
deslumbrantes da ignorância e do domínio dos sentidos. E então reencontramos a analogia com as
luzes da cidade que permitem ver as coisas próximas mas não nos permitem ver com os olhos do
espírito, por causa do escurecimento, o céu estrelado. (Salilus)
Pro salute populi
As propriedades milagrosas da arruda
Ao longo das costas do Mediterrâneo poderia esconder-se uma nova esperança contra o
glioblastoma, o câncer no cérebro mais difundido e agressivo. Um estudo pré-clínico, conduzido
em laboratório e ainda não sobre os doentes, sugere que o extrato aquoso de uma planta muito
comum na Itália (difundida também na Amérida Latina, ndt) e utilizada pela tradição rural como
uma decocção – a Arruda graveolens – pode matar as células tumorais poupando as células sãs. A
pesquisa conduzida por cientistas da Segunda universidade dos Estudos de Nápoles (Sun) foi
publicada em março na ‘Plos One’.
“O glioblastoma multiforme – explica em uma nota Luca Colucci-D’Amato, docente de Patologia
geral do Departamento de Ciências e Tecnologias ambientais biológicas e farmacêuticas da Sun – é
um tumor cerebral altamente agressivo cujo prognóstico ainda é infausto. Apesar da terapia
cirúrgica, a quimio e a radioterapia, só mais ou menos 5% dos pacientes atingidos sobrevive. Para
os outros a morte chega mediamente em mais ou menos 15 mêses do diagnóstico”. Portanto
“existe um grande esforço da pesquisa biomédica para procurar novos remédios ou terapias em
condições de contrastar este tumor e de melhorar a sobrevivência dos pacientes”.
O estudo mostrou como o extrato aquoso obtido com a arruda consiga induzir a morte de células
de glioblastoma cultivadas em vidro. Além disso, ao contrário de medicamentos usados na
quimioterapia para este tumor, a substância resultou inócua quando administrada sobre células
neuronais não proliferativas e diferenciadas. Portanto o extrato de arruda parece que discrimina
entre as células cancerígenas e aquelas normais, matando as primeiras e deixando viver as outras.
“As substâncias naturais – evidencia Ciniglia, docente de Botânica da Sun – representam uma
importante fonte de novas moléculas com atividade terapêutica em muitas doenças incluído o
câncer. Em particular, a Arruda graveolens L. é uma planta herbácea muito difundida na Itália, da
família das Rutáceas, à qual pertencem também as mais conhecidas frutas cítricas.
Frequentemente se desenvolve perto dos litorais, nas planícies e nas rachaduras dos muros”.
23
Arturo Reghini – “DICIONÁRIO FILOLÓGICO” no vocábulo “Palingenesia”- IGNIS, 2004.
Uma erva conhecida há muito tempo pela medicina. “As primeiras indicações terapêuticas da
arruda – lembra o especialista – remontam aos tratados do Corpus Hippocraticum, aonde era
indicada para curar doenças pulmonares, ou usada também contra a angina na faringe ou para
reduzir o inchaço do baço. Ulteriores experimentos estão sendo feitos para definir os mecanismos
moleculares da ação terapêutica da arruda”.
Fonte: http://www.adnkronos.com/salute/medicina/2015/06/30/una-pianta-mediterraneasperanze-contro-cancro-cervello_8OrZvAlAj5xWpjsfufExrM.html
Agosto 2015
INTRÔDUÇÃO AO RITUAL DA MAÇONARIA EGÍPCIA DE CAGLIOSTRO
Se às vêzes êle utilizava certos processos vizinhos do magnetismo, fazia-o tal
qual praticava a medicina clássica, tal qual trabalhava em seu laboratório ou se
interessava por empreendimentos industriais. Não o deixava indiferente
nenhum ramo das ciências humanas, pois nesse ramo via a parte de verdade que
exprimia, mas não fazia disso comércio e nem se atinha exclusivamente a isso.
Em cada uma das cidades onde habitou, sua atividade era empregada de um
modo diferente. Dava seu tempo, seus remédios e seu dinheiro aos doentes que
se apresentavam, e passava a outros trabalhos.
Cagliostro falava com autoridade, sem violência ; vivia como tôda gente,
sõbriamente mas sem privações; cuidava dos doentes sem fórmulas nem a exorcismos24, simplesmente,
segundo a natureza de suas moléstias e por tôda a espécie de métodos. (Reprovaram-no mesmo de não os
curar com remédios anódinos e ao alcance de todo médico. Êle sabia o que fazia, - explicava-o às vêzes. Sua
teologia se limitava a preceitos muito simples, inteligíveis a todos 25. Enfim, sua vida ativa, suas relações,
suas viagens, seus outros estudos, suas obras sociais ocupavam uma grande parte de seu tempo para que
pudesse limitar seu papel ao de curador.
Se se ocupou de Alquimia na Polônia, se fêz dela tema de suas conversações com entusiastas desta ciência,
não se pode, porém, identificá-Io com um Duchanteau, um Lascaris, cuja contínua preocupação consistiu
em saber se o forno químico consistia de três estágios ou se o sangue era primeiro matéria, a menos que
não fôsse urina.
Cagliostro mostrava muitos diamantes aumentados pela arte hermética; afirmava a existência da
transmutação metálica, mas isso era para êle a expressão de uma verdade ainda ignorada das ciências
naturais.26 Não falava de outro modo da direção dos balões, das regiões desconhecidas da terra ou da via
secreta dos vegetais. E como êle vivia largamente de seus próprios recursos, nada pedindo e dando
bastante, não se pôde determinar a origem de sua fortuna nem o fim pessoal de sua atividade maçônica.
Os próprios maçãos, não podendo arregimentá-lo nem emprega-lo, preferem romper com êle; no entanto,
foi impossível comprometê-lo quer numa intriga política, quer numa falcatrua, tal como o caso do Colar, do
qual êle saiu indene, muito honrosamente. Nem obteve bens, nem encargos, nem dignidades dos grandes
admitidos junto dêle. Era impossível dizer-se que êle era um agitador político ou' um intrigante ambicioso27.
24
“Jamais misturei o diabo com meus trabalhos, nem jamais usei coisas tendentes à superstição”. Procés de
J. Bálsamo, pág. 1791, in-8.°, págs. 189 e 192.
25
“Amai e adorai do Eterno de todo o vosso coração; acarinhai e servi vosso próximo, fazendo-lhe todo
bem de que fordes capazes; consultai vossa consciência em tôdas as vossas ações”. - Patente de la Sagesse
Triomphante et Interrogatoire in Vie de J. B., págs. 173 e 209.
26
As revistas cientificas de nossos dias estão cheias de comunicações sôbre as transformações de urânio
em radio, a emanação radiante em hélio e do hélio em chumbo: a transformação é coisa agora admitida e
provada, mesmo para outras séries que não a de uranio. Que homenagem aos velhos alquimistas! Esta
nota foi escrita em 1912. Depois, as pesquisas cientificas sôbre a constituição do atomo confirmaram
completamente a teoria alquimica da unidade da máteria, para confinar na horrenda invenção da bomba
atomica.
27
Evangile de Cagliostro. Introdução do Dr. Marc Haven.
Assim, visto do exterior, através dos documentos que relatam seus feitos e hábitos, Cagliostro permanece
misterioso. Tendo tido em seu tempo tantos inimigos quantos admiradores, êle sofreu o impacto das
opiniões contraditórias.
Ainda se discutem acerbamente os seus atos, o que equivale dizer que se ataca a êsmo a sua memória,
preferindo a crítica sempre destruir seus altares antigos do que dêles construir novos. Os historiadores,
sobretudo, o tratam muito mal, e Cagliostro não passa, para êles, de um aventureiro transviado no meio
dos acontecimentos do século XVIII.
Além de que, isso se concebe se se consideram as fontes fáceis, sempre as mesmas, às quais têm êles
recorrido: panfletos emanados dos adversários por êle feitos por sua grande liberdade de palavra, pela
originalidade de seus atos e sobretudo pelo requisitório redigido pelo Santo Ofício, sob o titulo: “Vida de
José Bálsamo”.
Sabe-se, com efeito, que Cagliostro foi citado em 27 de dezembro de 1789 perante a Inquisição pela
Congregação do Santo Ofício, e condenado, em 7 de abril de 1791, ã prisão perpétua, numa fortaleza, “por
haver incorrido nas censuras e penas pronunciadas contra os heréticos formais, os dogmatizantes, os
heresiarcas e os mestres, e discípulos- da magia supersticiosa”.
No curso dos múltiplos interrogatórios dum longo processo, que durou vinte e sete meses, suas respostas
fazem pensar nas admiráveis réplicas de Joana d°Arc, citada, pelo mesmo delito, perante outros juízes, três
séculos antes. Em vão o Santo Ofício se esforçou por provar sua culpabilidade e por identificá-lo com um
obscuro indivíduo chamado José Bálsamo. Subsiste completo mistério sôbre as origens dêste grande
taumaturgo.
Mas que importavam a seus discípulos as horas de sono de Cagliostro? Que importavam à história as
jornadas mudas de sua infância?
Êle parecia secar as lágrimas, aliviar os feridos da vida, dar ao viajor extraviado fôrça e coragem para
caminhar até a luz, semear nas trevas a alegria e a beleza, iluminar aquêles heróicos, gloriosos copeiros do
licor da imortalidade. Eis o que importa à humanidade, o de que a terra se lembra; são êsses os diamantes
que a terra abrigava preciosamente em seu seio e que assinalarão eternamente cada um dos atos de sua
vida. Essas letras de luz podem ser lidas; essas vozes da terra podemos ouvir e falam dêle.
Se nossa vista está muito turva e nossos ouvidos muito moucos para perceberem tal testemunho, pelo
menos não será a frases de gazeteiros nem a relatos de policiais que perguntaremos seu nome, seus títulos
e sua raça. É o próprio Cagliostro quem nô-los dirá. Façamos passar diante de nós os quadros desta
existência maravilhosa, que tentamos restabelecer em sua verdadeira luz, êsses dez anos de ensinamentos,
de benefícios e de martírios; evoquemos aquelas multidões de joelhos, aquêles grandes da terra, tão
pequenos diante dêle; revejamos aquêle ser, tão sublime no amor como na sabedoria, e ao clarão desta
visão luminosa, retomemos as páginas, tão odiosamente ridicularizadas, em que Cagliostro nos falou. de
si28. Eis o que lefemos ali:
28
Mémoire pour le comte de Cagliostro accusé contre le Prooureur général. S. L. (Paris), 1786, in-16, pág.
112 e segs.
“Eu não pertenço a nenhuma época, nem a nenhum lugar. Fora do tempo e do espaço, meu ser espiritual
vive sua existência eterna, e se mergulho meu pensamento no curso das idades, se estendo meu espírito
para um modo de existência afastado daquele que percebeis, eu me torno aquilo que desejo. Participando
conscientemente do Ser absoluto, regulo minha vida segundo o meio que me envolve. Meu nome é o de
minha função, e eu o escolho, assim como a minha função, porque sou livre; meu país é aquêle em que fixo
momentâneamente meus passos. Datai-vos desde ontem, se o quiserdes, erguendo-vos pelos anos vividos
por ancestrais que vos foram estranhos; ou desde amanhã, pelo orgulho ilusório de uma grandeza que
talvez jamais será vossa; quanto a mim, sou aquilo que é.
“Não tive pai: diferentes circunstâncias de minha vida me fizeram conjeturar grandes e impressionantes
verdades sôbre êste assunto; mas os mistérios desta origem, e as relações que me ligam a êste pai
desconhecido, são e permanecem segredos meus. Que aquêles que forem chamados a adivinhá-los,a
entrevê-los, como o tenho feito, me compreendam e me aprovem. Quanto ao lugar, à hora, em que meu
corpo material, há quarenta anos, se formou nesta terra; quanto à família que para tal escolhi, quero
ignorá-la; não quero lembrar-me do passado para não aumentar as responsabilidades já pesadas daqueles
que me conheceram, pois está escrito: “Não farás cair o cego”.
Não nasci da carne, nem da vontade do homem: nasci do espírito. Meu nome, aquêle que me pertence e é
meu, aquêle que escolhi para aparecer em vosso meio, eis o que reclamo. Aquêle nome que me deram em
meu nascimento, aquêle que me deram em minha juventude, aquêles sob os quais, noutras épocas e
lugares, fui conhecido, abandonei-os, como abandonaria roupas fora de moda e daí em diante inúteis.
“Eis-me: sou nobre e viandante; falo, e vossa alma treme ao reconhecer antigas palavras; uma voz, que está
em vós e que estêve morta durante longo tempo, responde ao apêlo da minha. Eu ajo, e a paz retorna aos
vossos corações, a saúde aos vossos corpos, a esperança e a coragem a vossas almas. Todos os homens são
meus irmãos, todos os países me são caros; eu os percorro para que em tôda a parte possa o Espírito
descer e encontrar uma via para nós. Aos reis, cujo poder acato; não peço senão hospitalidade em seus
domínios, e quando me é concedida, passo, fazendo em tôrno de mim o maior bem possível; mas limito-me
a passar. Sou um nobre viandante?
“Como o vento Sul 29, como a brilhante luz do Zêníte que caracteriza o pleno conhecimento das coisas e a
comunhão ativa com Deus, eu me dirijo para o Norte, para a bruma e o frio, abandonando, em tôdas as
partes por onde passo, algumas parcelas de mim mesmo, gastando-me, diminuindo-me em cada estação,
mas vos deixando um pouco de claridade, um pouco de calor, um pouco de fôrça, até que eu seja
finalmente detido e fixado ao têrmo de minha carreira, na hora em que a rosa florescerá sôbre a cruz. Eu
sou Cagliostro.
“Por que necessitais de alguma coisa mais? Se fôsseis filhos de Deus, se vossa alma não fôsse tão vã e tão
curiosa, já teríeis compreendido!
“Mas necessitais de detalhes, de sinais e de parábolas; ora, escutai! Retrocedamos bem longe no passado,
já que o quereis.
“Tôda luz vem do Oriente; tôda iniciação, do Egito. Tive três anos como vós, depois sete anos, depois
homem adulto, e a partir dessa idade, não mais contei. Três setenários de anos fazem vinte e um anos e
realizam a plenitude do desenvolvimento humano. Em minha primeira infância, sob a lei de rigor e de
29
Cagliostro, segundo duas raízes italianas, pode ser interpretado: o Vento Sul que se fixa, que adoça e
tempera.
justiça30, sofri no exílio, como Israel entre as nações estrangeiras. Mas como Israel teve consigo a presença
de Deus, como um Metraton o guardava em seus caminhos, também um anjo poderoso velava por mim,
dirigia meus atos, esclarecia minha alma desenvolvendo as fôrças latentes em mim31. Era meu mestre e
meu guia.
“Minha razão se formava e se precisavaá eu não interrogava, eu me estudava e tomava consciência de tudo
que me rodeava. Fiz viagens, várias viagens, tanto etôrno da câmara de minhas reflexões como nos templos
e nas quatro partes do mundo. Mas quando eu queria penetrar na origem de meu ser el subir até Deus
num arroubo de minha alma, então minha razão impotente silenciava e me deixava entregue a minhas
conjeturas.
“Um amor que me atraía para tôda criatura, de .maneira impulsiva, uma ambição irresistível, um
sentimento profundo de meus direitos a tôdas as coisas da terra ao céu, me impeliam e me arremessavam
à vida, e a experiência progressiva de minhas fôrças, de sua esfera de ação, de seu jôgo e de seus limites,
constituíram a luta que tive de sustentar contra os podêres do mundo32. Fui abandonado e tentado no
deserto; lutei com o anjo como Jacó, com os homens e com os demônios, e êstes, vencidos, me ensinaram
os segredos atinentes ao império das trevas, para que eu jamais possa me desviar de nenhuma das rotas
das quais não se volta. '
“Um dia - após quantas viagens e anos! - o Céu aquiesceu aos meus esforços: êle se lembrou de seu
servidor e, revestido de hábitos nupciais, tive a graça de ser admitido, como Moisés, diante do Eterno 33.
Desde então recebi, com um nôvo nome, uma missão única. Liberto, e mestre da vida, só tenho almejado
empregá-la na obra de Deus. Eu sabia que Êle confirmaria meus atos e minhas palavras, como eu
confirmaria Seu nome e Seu reino sôbre a terra. Existem sêres que não têm mais anjo guardião34, e eu fui
um dêsses.
“Eis aí minha infância, minha juventude, tal qual o reclama vosso espírito inquieto e desejoso de palavras.
Mas que vos importa que haja ela durado mais ou menos anos, que haja se escoado em vossos países ou
nos de vossos pais? Não sou um homem livre? Julgai meus hábitos, isto é, minhas ações; dizei se são boas;
dizei se as haveis visto mais poderosas, e daí em diante, não vos ocupeis mais de minha nacionalidade, de
minha posição e de minha religião.
“Se, prosseguindo o curso feliz de suas viagens, qualquer dentre vós aportar às terras de Oriente que me
viram nascer, que êle se lembre somente de mim, que êle pronuncie meu nome, e os servidores de meu pai
lhe abrirão as portas da cidade santa. Então, que êle volte a dizer a seus irmãos se entre vós abusei de um
prestígio enganador, se em vossas moradas tomei algo que não me pertencia!”
Daniel Nazir
2 - continua
30
Médíne, loc. cit.
31
Althotas, loc. cit.
32
Trébisonde, loc. cit.
33
La Mecque, loc cit.
34
Mort d'Althotas, cit.
LEONE CAETANI: O PROBLEMA DO MOMENTO PRESENTE
A Iniciação Mediterrânea teve e tem até hoje, como Seu fundamento, a APOCATASTASIS, ou seja a
Re-Integração na Divindade, em contraposição à semítica “ressurreição da carne”. Aquilo que é
corruptível, sujeito a degradação e mutação química, como o corpo, não pode ressurgir, mas é
inevitavelmente destinado a perecer. Mas aquilo que os Egípcios definiam AKH, e os GregoRomanos chamavam NOUS, está destinado à imortalidade, com tanto que Este eleve-se até a
união com o plano Divino. Por isso a “vida eterna”, prometida pelos apóstolos das religiões
semíticas NÃO EXISTE senão para pouquíssimos.
A maior parte dos homens sofrirá a ENSOMATOSIS, a incorporação do AKH em um novo invólucro
corpóreo, como um evento fora do alcance da consciência, então sem nenhuma recordação das
próprias existências passadas, que podem ser recordadas só atingindo aquela límpida fonte de
MNEMOSINE que é revelada aos iniciados. Os Cultos Misteriosos, sejam Egípcios, Helênicos, ou
outro qualquer, não conhecem, nem poderia ser diferente, guerras religiosas que miram impor a
própria crença a outros homens. Os Egípcios eram muito tolerantes e abertos a outras religiões,
assim como os Gregos e os Romanos: de fato, surgiu em Roma, o Santuário dedicado ao Deus
“Desconhecido” que indicava como Eles respeitavam e muitas vezes veneravam os Deuses de
outros povos tanto que os Cultos de Ísis e Mitra, que eram originários da Pérsia, difundiram-se
muitíssimo durante o período imperial.
A Divindade Única, Absoluta, revelada, deixa sempre os homens cegos e fracos e tal fraqueza
aumenta lá onde a transmigração do Espírito é negada: única vida, único Deus, é igual a
intolerância, opressão, arbítrio, fanatismo. Os Cristãos lamentam-se tanto das perseguições
sofridas e esquecem-se das perseguições praticadas por eles no decorrer da história: os hereges
foram executados somente por cultivarem opiniões diferentes da oficial (e na língua grega AIRESIS
significa “ESCOLHA”, ou seja alguma coisa de normalmente lícito, já que cada um deveria ser livre
para realizar a escolha religiosa que mais lhe agrada, e ao contrário torna-se ilícito e persecutório),
além disso é conhecido o rancor com o qual foram atacados hebreus e muçulmanos: quando
Godofredo de Bulhão conquistou Jerusalém todos os seguidores de Maomé foram executados
mas não se comportou assim Sal-Haal-ud-Din, que nós europeus chamamos Saladino, que
generosamente, quando Jerusalém caiu novamente em mãos sarracenas, salvou a vida de todos
os cristãos presentes! Talvez um pouco menos mas o próprio hebraísmo, e em parte também o
Islã, mancharam-se com graves culpas quanto à intolerância religiosa, sempre pela mesma
obstinada convicção de dever “converter” o próximo e mudar o mundo!
Porque, os Deuses Egípcios, assim como os gregos e os Romanos e aqueles dos povos nórdicos,
não são divindades reveladas mas são impostos como necessidade que surgiu da experiência, ou
seja são expressões de forças concebíveis como motores de fenômenos naturais, o Culto relativo a
eles, diferentemente do que acontece nas Religiões de Abraão, só pode ser Misterioso, e pode ser
revelado através de etapas sucessivas que comportam iniciações que não a todos, e de maneira
nenhuma ao vulgo, podem ser concedidas! Então em Heliópolis era ensinado o Mistério da TriUnidade (que é muito diferente do cristão “Uno e Trino”), em Mênfis aquele da encarnação e em
Tebas aquele da ressurreição.
Hoje, na Europa cristã, a imaculada conceição e a transubstanciação, são igualmente impostas
tanto para a velhinha como para o ilustre cientista! O equívoco democrático, inadmissível no
domínio do Espírito, infectou o mundo Ocidental até a gangrena e se não se sai deste equívoco o
fim do Ocidente (ou seja da Europa), até o próximo século será inevitável.
Leone Caetani di Sermoneta, 1912
(A fotografia “Leone Caetani em Montecarlo com a família em 1923”, foi tirada da obra “L’Arcano degli
Arcani” – Ed. Rebis, com a permissão do Editor).
Pro salute Populi
APOLOGIA DO SAL
Um colaborador do jornal “Il Messaggero” faz este panegírico do sal.
“Vocês querem conhecer quais e quantas virtudes possui o cloreto de sódio, vulgarmente
conhecido com o nome de “sal de cozinha”? Muito bem, direi imediatamente!”
“É um ótimo antisséptico, um tônico excelente e um bom estimulante. Um saquinho de sal
quente colocado sobre a parte do corpo que sofre, alivia o sofrimento produzido pela dor de
dente e pelas nevralgias.”
“Em todas as doenças da boca e da garganta a água salgada constitui um excelente gargarejo.”
“Na crupe das crianças uma colher de café de sal refinado misturado com uma colher de mel,
libera milagrosamente a garganta da criança e permite esperar sem muita inquietação a chegada
do médico.”
“Nas torções dos pés, banhos feitos com água com muito sal, fazem desaparecer o inchaço quase
que imediatamente.”
“Lavando-se os cabelos com água e sal pelo menos uma vez por semana previne-se ou se
interrompe a queda dos cabelos.”
“O sal é um excelente creme dental, tira o tártaro, reforça as gengivas e torna mais brancos os
dentes.”
“A água salgada quente, na qual se coloque um pouco de vinagre, alivia e às vezes cessa a
disenteria.”
“Na dispepsia, nas cólicas intestinais, e em muitos distúrbios digestivos é ótima a água salgada
fria.”
“A água salgada morna tira a inflamação dos olhos. Também é um excelente emético conveniente
para o caso de uma urgência.”
“O sal em pó ajuda muitíssimo nas nevralgias e nos reumatismos da cabeça, cheirando um pouco
como se faz com o rapé.”
“Esfregando a sola dos pés com sal em pó, usando um pano áspero, antes de uma longa corrida, o
pé ficará sempre fresco.”
“O sal na água do banho, a fortifica quase como aquela do mar.”
“As estampas enxaguadas com água salgada recobram a primitiva vivacidade.”
“Um pouco de sal no leite de cal que usam os pedreiros para pintar os muros, torna-o mais
aderente e pode economicamente substituir o leite que se usa geralmente para este objetivo.”
“Os tapetes polvilhados com sal, antes de varre-los, não soltam o pó e as cores ficam brilhantes.”
Publicado no “Commentarium” Revista dirigida por Giuliano Kremmerz, ano 1910.
Setembro 2015
INTRÔDUÇÃO AO RITUAL DA MAÇONARIA EGÍPCIA DE CAGLIOSTRO
De tôdas as realizações espirituais de Cagliostro, a que pareceu prender-lhe particularmente o coração, foi
a criação e o desenvolvimento da Ordem — quase diríamos super ordem — maçônica, a qual êle chamava a
Maçonaria Egípcia. A maçonaria, pouco conhecida e nascendo dificultosamente de 1717 a 1740, havia
tomado, de 1773 a 1775, uma extensão e uma influência enormes na Europa. Em 1776 contavam-se
trezentas lojas, onde se encontravam nobres, padres e pequenos burgueses, malgrado as rivalidades de
precedência, as divisões de tendências ou de formas, e se trabalhava ativamente. As estatísticas oficiais,
publicadas desde o comêço do século XIX, indicam nessa época um total de 137.675 lojas ativas em todo o
mundo, compreendendo vinte e um milhões e trezentos mil maçons. Concebe-se que o desenvolvimento
da ordem tinha sido muito rápido para ser dirigido e controlado por um poder central, e que numerosos
cismas deviam se originar daí. Mas, se às vêzes questões fúteis de forma ocupavam inutilmente as Lojas
que se esforçavam por resolvê-las, um mesmo sentimento de fraternidade unia, no fundo, todos êstes
homens. Uma só coisa faltava : uma direção espiritual; com efeito, a maçonaria ignorava suas origens,
como seu fim. Acossada à esquerda pelo G. O., que queria realizar reformas intelectuais e políticas, e à
direita pelas intrigas dos Jesuitas, e não sabendo em geral ó que encerravam seus arquivos, o que
significavam seus símbolos e qual pedra bruta precisava trabalhar, a maçonaria agitava braços possantes,
mas a êsmo, e só pela necessidade de transbordar as fôrças de que seu organismo regorgitava. Em meio
destas rivalidades e destas incertezas, os homens desejosos de conciliação organizavam com grande
dificuldade convênios para tentar agrupar e unificar seitas de tendências tão diversas ; conseguir saber
quais homens ou quais princípios dirigiam a maçonaria, e se nada existia de tudo isso, quais homens seriam
dignos de tal coisa, qual ideal devia ser símbolo de fé desta sociedade uni-versal. Mas tais esforços
permaneciam estéreis, não obstante a boa vontade daqueles que os tentavam, e a franco-maço-naria, após
cada convênio, saía tão desorientada, tão incerta como antes.
Percorrendo cidades adormecidas, já marcadas para um terrível despertar, em Paris como em S.
Petersburgo, Cagliostro havià encontrado por tôda parte, nas lojas ma-çônicas, apesar da clareza de visão
do fim a atingir, um mesmo desejo de verdade, de saber e de justiça, as mesmas aspirações juvenis, que
tornavam a maçonaria o único orga-nismo vivente da época. Infundir o espírito cristão, o espírito de
sabedoria e de verdade neste organismo jovem, ativo, que ia realizar grandes empreendimentos na vida do
mundo, tal foi o objetivo de Cagliostro. Para isso, era mister que êle pudesse dirigir tôda a maçonaria,
arrancá-la das intrigas humanas, orientá-la para a luz. Sem dúvida que êle exco-gitou isso várias vêzes
diante de Lyon ; sua resolução de se fazer mação, êle, tão independente, tão individual, e o zêlo que pôs
em continuar suas relações com as Lojas em suas viagens, .mostram que .êle preparava lentamente a
realização de seu projeto ; mas foi em Lyon que se definiu sua obra maçônica. Tendo sido suplicado a
formar discípulos, êle aquiesceu, e, com doze rapazes, recrutados entre os mais conhecidos membros do
Perfeito Silêncio e da Sabedoria, fundou, no mesmo local desta antiga Loja, uma nova oficina sob a
denominação de : "A Sabedoria Triunfante". No início, seu objetivo era apenas a possibilidade de falar em
par-ticular aos que êle havia escolhido e de ter um local discreto, reservado, onde lhes pudesse
desenvolver as faculdades, dar provas da realidade e da amplitude de seus podêres. Todavia, nem bem
formada a Loja, neste meio ardente, as maravilhas se sucederam. Novas curas, ensina-mentos relativos a
todos os assuntos, a ciências divinas sobretudo, experiências com os discípulos, constituíam os trabalhos
teóricos e práticos de tôdas as reuniões. Calcula-se quanto deviam ter ansiado os discípulos por ligá-lo
definitivamente a êles e à sua cidade. Cagliostro era bem o que êles procuravam e que não ousavam
esperar encontrar ; só dêle poderia vir uma doutrina perfeita, só dêle a regeneração da maçonaria, a saúde,
a renovação do mundo. Suplicou-se-lhe que codificasse seus ensinamentos e desse a todos os que êle
julgasse dignos de os receber, um dogma, um ritual e um templo, para poderem pensar, orar, cooperar por
mais tempo com êle, sob sua direção. As reuniões efetuadas em sua presença, num local comum com
outras Lojas tão diferentes da sua, pareciam irrespei-tosas. Cagliostro aceitou e agradeceu. Prometeu que o
templo teria uma consagração sem paralelo ; que lhe daria o título e os podêres de Loja-Mãe do rito
egípcio, e que conferiria a seus "queridos filhos", num Ritual, a expo-sição da única e pura doutrina
maçônica. Quer o Ritual da Maçonaria Egípcia tenha uma ori-gem antiga ou tenha sido remanuseado
sômente por Cagliostro, ou quer êle seja totalmente nôvo, ditado por Cagliostro a secretários, ou obra
comum sua e de algum de seus discípulos versados na ciência maçônica, basta estudá-la para constatar a
elevação do sentimento religioso que o inspirou, a identidade das idéias principais com tudo o que ensinava
e praticava Cagliostro, para reduzir a nada tôdas as calúnias assacadas contra êste rito. É o que vamos fazer,
resumindo, tão breve quanto possível, as noções teóricas sôbre Deus, o mundo e o homem, as práticas
concernentes à dupla regeneração, as indicações morais dadas ao iniciado, que se acham dissemi-nadas
aqui e ali, sem os cadernos dos três graus da Maçonaria Egípcia. Estas teorias e sua prática são conservadas
no Ritual e nos Catecismos da Maçonaria Egípcia, publicados hoje pela primeira vez, na íntegra. É dali que
extraímos os dados abaixo enunciados, e por nós citados tão textual-mente quanto possível. Mas, nestes
ritos, a doutrina se acha envolvida de símbolos, ornada de alegorias, disse-minada em discursos de
recepção ou em formas de iniciação, visando tornar os cadernos desta ordem tão análogos quanto possível,
externamente, àqueles que habitualmente estu-davam os maçãos a que eram destinados. Tivemos que os
escoimar, coordenar e resumir. Todavia o resto é inte-ressante de se ler: a história resumida e simbólica da
maçonaria, a escolha de nomes, sinais e números, revelam ao observador a simplicidade da doutrina, e sua
antiga e tradicional verdade. Nas preces que acompanham a abertura dos trabalhos, nos discursos de
recepção, perpassa um sôpro profundamente religioso e sincero, que não se encontra nos rituais das outras
ordens.
***
Os trabalhos maçônicos são inteiramente espirituais, e outra finalidade não têm senão merecer serem
admi-tidos no templo de Deus. O homem, criado à imagem e semelhança de Deus, é a mais perfeita de suas
obras. Enquanto êle conservou sua inocência, governou todos os sêres, mesmo os anjos, fôrças
inteligentes, ministros de Deus, intermediários entre as criaturas e o criador. Mas, após a sua queda, a harmonia do universo foi corrompida e o homem mergulhado na matéria. Seu trabalho para de nôvo
encontrar a original pureza e o poder que eram seu apanágio, tornou-se, assim, considerável, e o objetivo
da iniciação é conduzir o homem decaído à reconquista de sua dignidade perdida. Esta regeneração deve
ser dupla : moral e física. Para que um profano se torne filho de Deus, é mister, primeiro, que nêle se
desperte o desejo para isso ; que comece a orientar sua vida nesse sentido, e que lhe corrija os desvios. Se
é sincero em seus esforços, Deus suscita em sua rota um de seus eleitos para ajudá-lo. Dêste mestre êle
aprende que o trabalho consiste em glorificar Deus (regeneração espiritual), em fazer-se o apóstolo e
sacrificador de sua onipotência, em penetrar no santuário da natureza (rege-neração intelectual), e em
purificar os elementos em si (regeneração social e física)35. Glorificar Deus em si, é reformar seu interior,
mor-tificar-se, não por austeridades exteriores, mas por lutas interiores. O trabalho é longo e a paciência
35
Nascer de nôvo, eis o que requereu o Salvador daqueles que querem participar de seu reino, tanto judeus como
pagãos. João II, 23; III, 21. Os rabinos designavam também a mudança da natureza que devia ser feita entre os
prosélitos, pelas palavras:
Jesus disse que êste nôvo nascimento deve ser duplo: do espirito, primeiro;
da água, a seguir. (Esprit 'et príncipe vital). Olshausen, Com-mentaire d l'Evangile de Saint-Jean. Neuchatel 1844, in
8.9, pág. 100.
necessária ; não se alcançam sem muitos sofrimentos, diz o ritual de aprendiz. Praticar a caridade, vivificar
em si a fé pura, sem deixar se desenvolvam as superstições, eis as duas virtudes fundamentais. Penetrar no
santuário da natureza e adquirir o conhecimento, não o das ciências humanas, mas a noção direta dos
sêres, o pleno domínio dos assuntos, a par da prática da caridade. Enfim, a transformação do homem velho
no homem nôvo não pode ser feita senão por uma conduta inteiramente oposta à que se manteve até
então. É necessário viver oculto e impenetrável, chegar a ser livre quanto aos prejuízos e bens do mundo ; é
necessário chegar a poder dizer a palavra de passe dos companheiros : Sum, qui sum. A regeneração física
do corpo segue êsses preceitos ; destina-se a prover o espírito de uma fôrça vital isenta das taras
hereditárias ou adquiridas, que a má higiene, os hábitos, as paixões, a influência do meio, imprimem profundamente em cada ser. Cagliostro deu detalhes precisos para esta cura fisiológica, dos quais se tem
estüpidamente zombado, e que têm sido sempre apresentados aos leitores como o único segrêdo do
Grande Mestre. Vê-se, ao contrário, que essa não era senão uma mínima parte, a última da obra36. Esta
descrição das fases da regeneração física, desti-nada a excitar a imaginação, contém, além disso, o resumo
simbólico de tôda a renovação do ser. Tomando-a literal-mente, sem fazer notar que é extraída de um
ritual maçônico, armaram um arranjo para lhe ridicularizar os detalhes. Êsse processo daria o mesmo
resultado, aplicado a todos os sacramentos ou ritos de um culto qualquer 37. Quando o homem triplamente
regenerado possui uma alma sã num corpo são, Deus consagra nêle o mestrado pelo influxo de sua graça38.
Êle se torna, então, um mestre, um Eleito ; êle goza os conhecimentos e todo o poder que Deus, no
princípio, havia concedido ao homem, e os conserva enquanto se conformar escrupulosamente com as leis
de seu nôvo dever. Êle não tem mais necessidade da proteção, nem do auxílio de nenhum mortal, e é reconhecido por suas obras39. Êle possui o poder da visão beatífica e da evocação dos espíritos superiores. (São
as duas modalidades, a ativa e a passiva, de uma mesma faculdade, aquela que conhece o mundo
espiritual). Da mesma forma que o homem comum, vivendo no mundo material, pode perceber e agir,
assim também o homem regenerado pode perceber e agir no mundo espi-ritual em que êle vive. Quer a
percepção se produza por intermédio de um terceiro, com ou sem aparelho, ou direta-mente no espírito do
Eleito, ou quer se torne perceptível a vários, simultâneamente ou sucessivamente provocada em outros,
tudo isso constitui tão só diferenças de processos, de ação ou de detalhes. Um astrônomo pode fazer um
36
O Catecismo do Mestre diz que ela segue e deve seguir a regeneração moral realizada por uma retirada de quarenta
dias sob a vigilância de um amigo, e com a ajuda de alguns medicamentos purificadores, e depois vitalizantes.
Cagliostro os tomava sob forma de pós (chamados refrescantes), e de líquidos fortificantes, gôtas brancas, bálsamo do
Grande Mestre.
37
Se se quiser refletir maduramente em tôdas as teorias e práticas medicinais, sem espírito prevenido; considerar que
as células do intestino se renovam em quarenta e oito horas, e as outras, menos rápido, mas bastante regularmente
para que se possa admitir que em sete anos num organismo nada subsiste do que o constituía materialmente sete
anos antes; que, em certas moléstias, as destruições e regenerações orgânicas se fazem em massa, nalgumas horas;
que o jejum foi sempre empregado em medicina e religião, como o mais poderoso mé-todo purificador, verificar-se-á,
sem dúvida, que o "charlatanismo" de Cagliostro se presta menos ao riso que a ignorância de seus zombadores.
38
"Obtém-se a graça sobretudo por atos: viver a vida de todos, na sociedade em que o Céu vos colocou, respeitandolhe as leis, e sobretudo consagrando-se à felicidade e ao soerguimento de seu próximo, eis o primeiro dever de um
filósofo e a obra agradável a Deus". Rituel de Maitre, pág. 13.
39
"Será reconhecido por sua paciência, por sua candura, pela correção de seus atos, por seu êxito e sua maneira de
operar, que não deve ser senão a de implorar ao grande Deus e de governar os sete anjos primitivos, sem jamais
recorrer a uma via supersticiosa ou idólatra". Ritual, pág. 63. Vê-se que a iniciação descrita e oferecida por Cagliostro,
diferencia-se de tôdas as outras: nem fraqueza, nem superstição. Êle proclama a alta dignidade do homem, seu direito
de governar; doutro lado, nem orgulho nem temeridade, pois êle ensina a seus discípulos que a conservação dos
podêres recebidos está intimamente ligada ao contínuo exercício da santidade.
rapaz de laboratório observar e descrever as fases de um fenômeno celeste, ou observá-los êle próprio,
com a vista no telescópio, e descrever aos seus ouvintes o que êle vê. Pode ainda tirar uma fotografia do
que registra seu aparelho, projetar a placa numa tela visível a todos, e, num jato, fazê-los ver em tôda uma
sala a imagem do que êle percebeu. Assim, o astrônomo fará para o mundo sideral o que o Eleito pode
fazer, o que Cagliostro fazia, para o mundo espiritual. Mas pode se levar mais longe a analogia : o astrônomo poderia ensinar ao seu rapaz, a um aluno, como, em sua ausência, amanhã, à mesma hora, ou no
próximo ano à mesma época, êles poderão, com tais e tais pre-cauções, seguindo tal método, encontrar-se
nas condições em que se produzirá o fenômeno, e como suas observações, bem feitas, poderão lhes dar as
mesmas noções, e ainda outras, talvez mais precisás, sôbre o astro ou estado do céu examinado. Se se trata
de um rapaz de laboratório, ignorante, o trabalho, malgrado tôda a boa vontade por êle aplicada, será ora
bom, ora inútil ou absurdo. Se o método e o aparelho foram confiados a um colega, o sábio poderá
transmitir seus podêres quase integralmente, e as operações ulteriores equivalerão às do "primitivo mestre
operador". Esta transmissão de podêres se efetua da mesma maneira no mundo espiritual para o Eleito de
Deus. O símbolo disso tem permanecido nas formas e ritos de instalação de certas Lojas, no cerimonial de
transmissão de certas dignidades eclesiásticas ou nobilárias ; mas enquanto aí não passa isso de letra morta
e recordação estéril, Cagliostro, na maçonaria egípcia, transmitia efetivamente seus podêres e seus eleitos
puderam também transmiti-los. Da mesma forma que os mestres primitivos escolhe-ram seus adeptos
consoante seus caracteres e as faculdades que nêles dormitavam40, para lhes desenvolver as
personalidades latentes ao máximo de sua potência, assim também o Eleito escolhe e desenvolve um
iniciado, e lhe transmite, ao atingir sua evolução o grau requerido, os conhecimentos e os podêres que lhe
abrem um mundo nôvo41. No entanto, é mister frisar que o iniciado formado por um Eleito de Deus, não
tem, segundo o ritual de Cagliostro, senão um poder limitado à sua individualidade espiritual ; êle não é um
adepto42. Êle tem grandes escolhos a evitar43 e pode mesmo alterar estas faculdades e perder êstes
podêres, como o dissemos mais acima. Só se sobe o primeiro degrau ; mas, é entre êstes iniciados de um
grau inferior que, "pela graça de Deus" e segundo seu progresso, poderão se revelar os eleitos suscetíveis
de atingir o mestrado absoluto. Aquêle que vive no mundo espiritual, que ali vê, ouve e age, tem, por isso
mesmo, sôbre o mundo material, um poder incompreensível aos profanos, e que pode se aplicar também à
cura dos homens doentes como à dos metais imperfeitos. Êle pode penetrar também, fàcilmente, nos
segredos dos cérebros humanos, como nos destinos ocultos das nações. Cagliostro demonstrou tão
freqüentemente a realidade dêstes podêres, que seus historiadores, os mais severos, seus inimigos, e até
seus juízes eclesiásticos, não os puderam negar. Êle dava provas de tudo o que afirmava ; com que direito,
40
Pentágono próprio a cada indivíduo, que o coloca em relação com o único anjo correspondente a êsse pentágono.
(Ritual, pág. 116). Pela regeneração, o homem não recebe um caráter oposto à sua natureza, porém ela transforma e
glorifica nossa natureza pessoal; eleva-nos a um poder superior da vida e da existência. (H. Olshausen: Cornment à
l'Evangile de Saint-Jean, Neuschâtel 1884).
41
Eis as verdadeiras chaves do Templo, as palavras de passe, as câmaras ou apartamentos, em que o iniciado só pode
penetrar "sem bastão e sem chapéu" (Ritual, pág. 91), e que jamais deve revelar. As religiões e a maçonaria têm
sepultado tudo isso no esquecimento por sua ignorância, e no ridículo por suas indiscrições; mas os filhos de Deus
conservam o espírito e a realidade das iniciações. Elas são imperecíveis, e Deus suscitaria sêres para alimentar a
chama do santuário, se não se encontrassem, em cada geração, os que por si mesmos tomam esta tarefa misteriosa
de conservar a vida pela qual o mundo subsiste.
42
Ele não pode comunicar-se senão com o anjo cujo sêlo e cifra existem em seu pentágono; não tem poder próprio,
senão o de seu mestre. (Ritual, pág. 115).
43
Cagliostro insistiu bastante sôbre êstes perigos e sôbre os meios de os evitar. (Ritual, pág. 42).
então, se pretenderia negar as noções espirituais pelas quais êle explicava seu poder?44. Esperamos que o
leitor, depois de haver percorrido atentamente as páginas precedentes, procure abordar com proveito o
estudo do Ritual e dos Catecismos da Maçonaria Egípcia, sem se deixar desapontar pelo seu simbolismo tufado, vestimenta um pouco antiquada, sob a qual foram apresentados aos homens de boa vontade, numa
época tão diferente da nossa, ensinamentos da mais alta espiritualidade.
DANIEL NAZIR
A TRAGÉDIA DO TEMPLO
O milizia del ciel cu’io contemplo.
(Dante, Paraíso, XVIII)
No dia 19 de Março de 1314, ao pôr do sol, terminava em Paris,
numa ilhazinha do rio Sena, uma das maiores tragédias de que a História se
lembra.
Sobre uma fogueira erguida com grande pressa pelos soldados de
Filipe, o Belo, na ilha dos Hebreus, ao lado do palácio real, dois hereges
relapsos eram mortos a fogo lento. Desprezado o perdão oferecido contra
uma retratação, suportavam em silêncio, com sobre-humana força e
serenidade, aquele tormento de poucas horas que coroava um outro de
muitos anos. Entre o fumo e as chamas chegava até eles a simpatia da
multidão reverente e o beijo do sol que morria. Jacques de Molay, Grão
Mestre da Ordem do Templo, e Geoffroi de Cherney, Mestre da Normandia,
recolhiam as suas consciências naquele domínio interno de paz que a
caridade cristã nem por ferro nem por fogo pode tirar aos homens de boa
vontade. A tradição quer, e nenhum historiador pode demonstrá-la errada,
que Jacques de Molay, antes de perder os sentidos, falou ao povo do alto do
seu patíbulo.
H. C. Lea dedicou a este argumento umas cem páginas da sua “História da Inquisição na Idade
Média”. Porque, segundo Lea, o processo dos Templários é um exemplo típico do procedimento
inquisitorial; neste é clara a desesperada condição, sem defesa, da desgraçada vítima, uma vez caída sob a
terrível acusação de heresia e colhida na inexorável engrenagem da máquina inquisitória. Todos os
documentos e histórias deste processo narram, com efeito, uma história de crueldades e perfídias, de
abusos e horrores indizíveis.
Venerando no aspecto, grande ainda nos ânimos pelo poder que teve, tornado sacro pelo
martírio, invocou para a Ordem a proteção de São Jorge, o santo dos cavaleiros, e chamou a juízo, para
prestar contas dos seus débitos, o Papa em um mês e o Rei em um ano.
Pouco mais de um mês depois, morria Clemente V, com o corpo corroído pelo lupus e a alma,
talvez, pelo remorso das suas grandes culpas: o envenenamento de Henrique VI, a ruína dos Beguinos e a
dos Templários. Sete meses depois, restituía a pouco bela alma a Deus Filipe IV, ainda jovem, num acidente
de caça.
Não nos é possível expor, ainda que sumariamente, a História da Ordem. Contentar-nos-emos
com traçar em grandes linhas o processo e a condenação dos cavaleiros templários. No mais, remetemos o
leitor para as obras nem numerosas nem definitivas sobre este interessante assunto.
A acusação genérica de heresia, formulada contra a Ordem por Filipe, o Belo, com a ajuda
complacente do Inquisidor da França, explicitava acusações particularmente grosseiras, risíveis, absurdas
em si mesmas. Nela se pretendia que, no recebimento de um neófito, o preceptor o conduzia atrás do altar,
44
Lembramos ao leitor que, a não ser algumas frases, esta introdução foi composta de textos extraídos das obras do
Dr. Marc Haven: L'Evangile de Caggliostro, Le Maitre inconnu.
ou à sacristia ou a outro lugar secreto, mostrava-lhe um crucifixo, fazia-o renegar Jesus e cuspir três vezes
sobre a cruz. Que o neófito era despido e o preceptor o beijava três vezes, nas nádegas, no umbigo e na
boca. Que se declarava a ele então o amor inatural (unnatural lust, diz Lea), garantindo-lhe que era muito
praticado na Ordem. Que a corda usada pelos Templários, dia e noite, sobre a camisa, como símbolo de
castidade, era consagrada envolvendo-a em volta de um ídolo com cabeça humana e uma grande barba, e
que esta cabeça (o famoso Baphomet), ainda que conhecida só pelo Grão Mestre e pelos anciãos, era
adorada nos Capítulos. Acusavam-se, enfim, os padres da Ordem de não consagrar a hóstia na celebração
da missa.
Estas são as acusações loucas, incoerentes, inverosímeis para qualquer cérebro que não tivesse
sido irremediavelmente deformado pelo fanatismo católico, e estas foram as acusações que os pobres
Templários tiveram que confessar para não morrer sob a tortura.
O Inquisidor da França, portanto, tomando conhecimento da acusação de heresia, persuadiu
Filipe a prender os cavaleiros que se encontrassem nos seus Estados e levá-los para um exame diante da
Inquisição. Na manhã de 13 de Outubro de 1307, quase todos os templários do reino foram aprisionados de
surpresa. No Templo de Paris foram presos cento e quarenta templários, com De Molay e os chefes da
Ordem em primeiro lugar; e o riquíssimo tesouro da Ordem caía nas avaríssimas mãos do rei, já muito
endividado com os cavaleiros do Templo. Assim Filipe retribuía àqueles que, poucos anos antes, o tinham
protegido e salvo da revolta popular provocada pela falsificação da moeda.
A Inquisição começou logo o trabalho. E trabalhou tão bem que, de duzentos e trinta e oito
capturados no Templo de Paris, somente três conseguiram não confessar nada. Obrigava-se a confessar,
para dizer a verdade, à saída da sala de tortura, e fazia-se com que a vítima jurasse que era livre e não
obrigada pela força ou pelo medo; mas, para compreender que tipo de liberdade era esta, basta considerar
que a desgraçada criatura sabia bem como, retirando o que tinha dito ou prometido dizer sob a corda, se
expunha a nova tortura ou ao patíbulo, como herético relapso. Em Paris, 36 Templários morreram sob
tortura e, no resto da França, a mortalidade manteve esta espantosa proporção de 25 por cento.
Naturalmente, De Molay não foi poupado. Parece que fez uma breve confissão, se bem que os
documentos papais relativos ao processo estejam tão cheios de falsidades que não se pode ter nos mesmos
senão escassíssima confiança.
Inquirido de novo, como exemplo, sempre aos cuidados de Filipe, que agia agora de bem e de
acordo com Clemente V, De Molay teria confirmado as precedentes confissões e pedido humildemente a
absolvição e a reconciliação.
Pois bem, na bula papal de 12 de Agosto de 1309, emitida cinco dias antes deste exame ter início,
já vinham referidos os seus resultados, sem omitir, claro, que as confissões tinham sido livres e
espontâneas. Não espanta, então, que em Novembro, quando uma comissão papal leu esta bula papal a De
Molay, ele tenha ficado estupefato; a seguir, indignado, desejou que com a ajuda de Deus fossem usados,
em pessoas tão perversas, os costumes dos Sarracenos ou dos Tártaros que degolavam ou cortavam em
dois aqueles que falseavam a verdade.
Os príncipes cristãos, a quem Filipe tinha anunciado a descoberta da heresia dos Templários,
instigados por Clemente V, procederam também contra os cavaleiros, deste modo perseguidos por toda a
Europa e até nas distantes ilhas do mediterrâneo; e salvo em alguns países como Aragão e Inglaterra, onde
os Templários tinham amigáveis relações com os respectivos reis, a perseguição não conheceu piedade.
Clemente V, que tinha convocado o Conselho de Viena para julgar a Ordem do Templo como corporação,
tinha muita pressa; e porque lhe era urgente ter muito material para levar para o Conselho, incitava os
tribunais a procederem etiam contra juris regulam.
E os tribunais desdobravam-se, de tanto zelo; torturavam-se de novo os pobres prisioneiros,
queimando-se aqueles que se negavam a confirmar as precedentes confissões. Os oficiais e membros da
Ordem estavam agora espalhados pelas prisões da Europa. Até o Papa teve o descaramento de citar a
Ordem para comparecer diante do Conselho, através de seus delegados e procuradores.
O Papa reservava-se o direito de julgar diretamente De Molay e os principais oficiais da Ordem,
agindo com habilidade para impedi-los de comparecer diante do Conselho. Os outros cavaleiros, dispersos,
isolados, desanimados, acostumados a obedecer e não a tomar iniciativas, não souberam nem puderam
defender eficazmente a Ordem.
Clemente, porque a Ordem não tinha mandado os seus chefes e procuradores para defendê-la,
propôs sem dúvida a condenação. Foi nomeada uma comissão para discutir o assunto e escutar os
relatórios dos inquisidores; e um dia, diante desta comissão, apresentam-se sete Templários oferecendo-se
para defender a Ordem em nome de dois mil cavaleiros, vagueantes pelas montanhas da província de Lion.
Ao invés de escutá-los, o Papa faz com que os metam na prisão; alguns dias depois, dois heróis
comparecem para refazer a oferta, sem temor pela sorte de seus irmãos. A estes Clemente faz prender
também. O Conselho hesitava diante da infâmia de uma condenação sem defesa. Sem as pressões do Papa
e de Filipe não teria talvez condenado os Templários. O fato de terem desaparecido dos arquivos as atas do
Conselho de Viena é bastante significativo. Mas Filipe, o Belo, agitando o espantalho da condenação de
Bonifácio VIII por heresia, que levava naturalmente a invalidar as nomeações dos cardeais de Bonifácio e
logo, também, a validade da eleição de Clemente V, conseguiu fazer prevalecer a sua vontade. Em Março
de 1312, Clemente apresentava, a um consistório secreto de prelados e cardeais, uma bula na qual, depois
de ter admitido que as provas recolhidas não justificavam canonicamente a definitiva condenação da
Ordem, invocava o escândalo caído sobre esta e a necessidade de tomar conta das suas propriedades na
Terra Santa para anulá-la provisoriamente. Por outro lado, um mês depois, uma outra bula com ordenança
apostólica abolia irrevogavelmente a Ordem, colocava-a sob perpétua proibição e excomungava ipso facto
quem quer que tivesse querido entrar nela e usar as roupagens talares. As grandes propriedades da Ordem
do Templo foram transferidas para a dos Hospitalários de São João de Jerusalém mas foi herança quase
nominal, tão larga brecha fizeram com a violência e com a fraude Felipe e outros príncipes. O julgamento
dos cavaleiros foi remetido para os conselhos provinciais, com exceção do Grão Mestre e dos chefes.
Para investigar os processos contra estes e absolvê-los ou condená-los, Clemente nomeou uma
comissão de três cardeais que, com outros prelados, emitiram uma sentença de prisão perpétua. Em 19 de
Março de 1314, Jacques de Molay, Hugues de Peraud, Visitante da França, Geoffroi de Charney, e Godefroi
de Gonneville foram trazidos das prisões onde tinham definhado por quase sete anos e conduzidos a um
palco erguido em frente a Notre-Dame, para que ouvissem ler esta condenação. Tudo parecia então
acabado quando, para maravilha da multidão recolhida em torno e maravilha dos prelados, De Molay e
Geoffroi de Charney se levantaram. Declararam-se culpados, não dos delitos pelos quais eram acusados,
mas de não terem defendido a Ordem para salvar as suas vidas; a Ordem era pura e santa, falsas as
acusações, arrancadas à força as confissões. Assim dizendo, bem sabiam qual era a inevitável
consequência.
Quando Filipe soube da inesperada novidade, ficou furioso. Mas o caso era simples: as leis
canônicas prescreviam que um herético relapso devia ser queimado sem mesmo ser escutado. Os fatos
eram notórios e não ocorria esperar o juízo formal de uma comissão papal, bastava uma breve consulta ao
Conselho.
No mesmo dia, ao pôr do sol, a pira desprendia aquelas duas grandes almas de qualquer nuvem
de mortalidade. Faltou aos outros dois a coragem de imitá-los, aceitaram a condenação e pereceram
miseravelmente na prisão.
A heresia templária.
Deste modo caía a grande Ordem militar e contemplativa, que reunia os dois caracteres que a
Índia tinha separado nos dois ashram dos brâmanes e dos guerreiros.
Os templários foram realmente culpados de heresia? Tiveram realmente a intenção de formar um
domínio temporal? Depois de seis séculos, a questão ainda não foi resolvida. Até o próprio Lea, que
encontra também no fator econômico a explicação da tragédia templária, reconhece que esta promete ser
um dos problemas jamais resolvidos da História.
Que Filipe IV, endividado para com a Ordem, financeiramente acabado a ponto de falsificar
moeda, tenha agido por avidez, não existe nenhuma dúvida; também Dante, testemunha respeitável, o
ataca com toda a sua força, acusando-o de ter levado no Templo “as cúpidas velas”. Mas a verdade deste
fato não basta para excluir as suas heresias, e se apenas a cobiça tivesse movido Filipe, talvez ele tivesse
dirigido as mesmas acusações contra a Ordem dos Hospitalários, mais rica até do que a do Templo. É
verdade que, a Filipe, preocupado em reforçar e estender o seu domínio na França, devia incomodar muito
o poder dos Templários, completamente independentes dele e do Papa porque, de fato, a única autoridade
temporal e espiritual para os Templários era o seu Grão Mestre. E mais ainda tinha que preocupar-se Filipe
porque De Molay tinha mudado o quartel general da Ordem, de Chipre para Paris, coisa muito estranha
para uma Ordem que tinha como único objetivo designado o de combater na Terra Santa; acrescia o muito
inquietante e recente exemplo dos cavaleiros teutônicos que tinham criado um domínio na Alemanha
setentrional.
Egoisticamente e politicamente falando, Filipe tinha todas as razões para agir como agiu; mas
estas razões puramente econômicas e políticas, suficientes para explicar a ação do rei da França, não são
suficientes para excluir a possibilidade da heresia templária.
Naturalmente, não pretendemos falar de uma heresia mesquinha, como a que foi resumida nas
ridículas acusações citadas anteriormente, nem de uma simples heterodoxia formalística, mas de uma
possível heresia muito mais radical, de uma autonomia mental e espiritual dos dirigentes em relação à
autoridade católica, que, baseando-se numa maturidade interior, se elevasse sem dúvida acima de
qualquer expressão de credos, fórmulas, emblemas e cerimônias.
Metafisicamente falando, está fora de qualquer dúvida que a rigidez da disciplina e a abdicação da
individualidade devia levar também os Templários àquela superioridade espiritual que é consequência
natural, e se manifesta, por exemplo, nos Jesuítas, uma Ordem muito semelhante à Templária, pela férrea
disciplina, espírito hierárquico e outras qualidades.
Para nós, a falsidade das acusações de grosseiras práticas heréticas é evidente. As confissões
somente ocorreram sob tortura ou o medo dela. Mas a questão da possibilidade de heresia templária,
entendida num sentido mais profundo e mais sério, fica em aberto. Vamos examiná-la por um momento,
mesmo sabendo que o auxílio das considerações históricas, por si só, não pode levar a decidi-la
definitivamente, num sentido ou no outro.
Recordemos o fundo histórico da questão: a grande luta entre a Igreja e o Império. Recordemos o
pulular das heresias por toda a França, a Itália e grande parte da Europa, e a natural simpatia dos heréticos
pelos gibelinos. E consideremos a importância que devia ter, aos olhos dos combatentes, uma Ordem
possante, riquíssima, independente e ainda por cima envolvida no segredo. Absolutamente autônoma, pela
própria bula de fundação e pelas breves papais, impenetrável a estranhos graças ao mistério,
organicamente homogênea e obediente à autoridade absoluta do Grão Mestre, a Ordem constituía um
perfeito e temível instrumento de ação, um instrumento ideal para quem tivesse querido tentar uma
mudança social ou apenas isolar-se, como numa fortificação medieval, das autoridades e da sociedade
daquele tempo. A falta de provas materiais não basta para excluir que a fundação da Ordem ou, mais tarde,
o Grão Mestrado tenha ficado nas mãos de homens livres de devoção para com a Santa Sé e também para
com a crença cristã; que, ao contrário, se existiram intenções heréticas, qualquer prova material deve ter
sido escondida com cuidado, por ser muito perigosa dado o fanatismo e a Inquisição, e porque qualquer
ligação exterior era supérflua numa sociedade que tirava a sua força não de uma comunidade de crenças
mas da férrea lei pela qual os irmãos deviam obedecer passivamente às ordens dos seus superiores. A
Ordem do Templo, enfim, era uma Ordem militante, não missionária e, se herética, devia tentar opor-se à
religião dominante não com a propaganda mas com a ação.
Inútil, então, procurar nos arquivos a prova da heresia templária. Faltando meios melhores, só a
análise das suas atitudes e o conceito tradicional que ficou poderão iluminar a questão.
Não obstante isto, através da necessária aparente ortodoxia da mesma regra da Ordem, pode-se
encontrar indícios muito interessantes. O parágrafo 12, por exemplo, da “Règle du Temple”, publicada por
Henri de Curzon, permite à Ordem fazer recrutamento entre os cavaleiros excomungados, abrindo assim
um comodíssimo refúgio a todos os perfeitos, cátaros, albigenses, patarinos e heréticos de toda espécie.
Muito significativa é também a grande semelhança entre a Ordem do Templo e a Ordem dos Assassinos, a
poderosa associação contemporânea oriental, dependente da autoridade absoluta do Velho da Montanha.
Semelhantes nas duas Ordens o segredo, as iniciações, os trabalhos, a organização, o espírito de hierarquia
e a disciplina.
Na luta entre a Igreja e o Império, os Templários não podiam manifestar abertamente as suas
simpatias porque a função da Ordem era explicitamente outra. Todavia, quando Urbano IV preparava uma
cruzada contra Manfredi, Etiénne de Sissy, marechal da Ordem e preceptor de Pulha, recusou dar-lhe
ajuda; e ao Papa, que lhe ordenou demitir-se do seu cargo, respondeu de maneira audaz que nenhum Papa
se tinha intrometido nos negócios internos da Ordem, e que só se demitiria do seu cargo perante o Grão
Mestre, que lho tinha conferido. Urbano excomungou-o e a Ordem defendeu-o, reprovando ao Papa
querer desviar para a cruzada contra Manfredi as forças destinadas à guerra na Palestina.
Uma outra forte presunção de heresia pode ser encontrada interpretando o canto fechado dos
poetas do amor e o simbolismo da gaia ciência dos trovadores que tomavam com tanto prazer, como tema
das suas canções, a lendária Ordem do Graal, da qual a do Templo parecia a real manifestação.
O lugar que Dante dá aos Templários na Divina Comédia mostra a importância que, segundo ele, a
Ordem tinha na vida política do seu tempo. Dante, que atacou tão terrivelmente os franciscanos, os
dominicanos e, em geral, os papas, a Igreja e o clero, não tem nenhuma palavra contra os Templários; pelo
contrário, defende-os abertamente; e os Templários, Filipe o Belo e Clemente V constituem enorme parte
da alegoria política da Comédia.
Por todo o poema os tem sempre presentes. Agride o Papa e Filipe sempre que tem uma ocasião,
invoca a vingança de Deus contra eles e, na grande visão final do Purgatório, reconhece, na meretriz, a
Igreja e, no gigante que peca na sua companhia, Filipe. Clemente V tem o seu lugar assegurado entre os
simoníacos porque agiu por dinheiro contra os Templários e, para vingar a morte de Jacques de Molay,
queimado vivo com a cabeça para cima, Clemente é destinado a tomar o lugar de Bonifácio e ser queimado
com a cabeça para baixo: e “farà quel d’Alagna esser più giuso”.
E isto diz Dante depois de ter glorificado, alguns versos antes, o imperador e as brancas estolas,
isto é, os Templários.
Dante, de fato, bem sabendo que, pela regra templária inspirada em São Bernardo, o hábito
branco com a cruz vermelha era reservado apenas aos Templários, e conhecendo bem a bula de Clemente
V que excomungava ipso facto quem tivesse ousado vestir o hábito dos Templários, reveste com a estola
branca os beatos do Paraíso, aproveitando habilmente o cômodo refúgio oferecido por um passo do
Apocalipse; e é São Bernardo, ele também revestido com a estola branca (como Dante cuidadosamente
especifica) que o conduz à última visão. Assim fazendo, desafiava deliberadamente a Igreja; e esta apologia
e glorificação manifesta é muito calorosa e insistente, a dor e o desdém muito fortes para não serem
intimamente ligados aos ideais mais caros a Dante; o ter feito da tragédia templária um elemento
fundamental da alegoria política leva a deduzir que, no seu pensamento, a Ordem do Templo estava
estreitamente associada à sua Monarquia condenada por heresia pela Igreja.
A ortodoxia católica dos Templários, como a de Dante, é então mais do que suspeita aos olhos do
observador despreocupado e não superficial. Esta impressão concilia-se perfeitamente com o conceito
tradicional da Ordem do Templo, transmitido a nós pelas sociedades secretas posteriores.
A herança templária.
A tradição afirma, no entanto, que a Ordem continuou a existir, mesmo depois e não obstante a
condenação papal. Num livro raro e secreto – A Sketch of The History of The Knights Templars – impresso
em apenas cem exemplares, em 1833, do qual é autor James Burnes, Grande Oficial da Ordem do Templo,
conta-se que Jacques de Molay, prevendo o seu martírio, nomeou para seu sucessor, em poder e
dignidade, Giovanni Marco Larmenio, de Jerusalém.
Desde então, a linha dos Grão Mestres manteve-se regular e ininterrupta; o original do
documento de transmissão assinado por todos os Grão Mestres e que Burnes cita no seu livro, encontra-se
em Paris, junto dos antigos estatutos, rituais, sigilos, etc.; e no Convênio geral da Ordem que teve lugar em
Paris, em 1810, foi examinado por mais ou menos duzentos Cavaleiros Templários.
Em 1811, Napoleão mandou chamar o Grão Mestre da Ordem, Bernard Raymond e ordenou-lhe
que a celebração do aniversário do martírio de Jacques de Molay fosse feita publicamente com grande
pompa religiosa e militar. Foi enorme a maravilha e infinitos os comentários provocados por esta grande
cerimônia pública. Bem poucos, com efeito, chegaram a compreender a razão de Napoleão dar tanta
importância à tragédia ocorrida cinco séculos antes. Mas talvez alguns dos nossos leitores tenham intuído
as profundas razões ideais do interesse imperial e ligado, numa visão sintética, uns e outros
acontecimentos, de tempos diferentes.
Outros documentos e manuscritos que referem a história da Ordem, antes e depois da
condenação, encontram-se nos arquivos do Grand Prieuré Indépendent d’Helvétie, que hoje é a quinta
província da Ordem do Templo. Segundo estes manuscritos, de harmonia com a tradição maçônica, os
Templários fugidos do desastre na Suécia, Noruega, Irlanda e Escócia continuaram a Ordem e, para melhor
fugir das perseguições, esconderam-se dentro da corporação dos pedreiros livres, continuando, dentro
desta e em segredo, a Ordem. Foi permitido aos cavaleiros casarem-se, para poder continuar a Ordem em
seus filhos; e, para maior segurança, por mais ou menos três séculos, nenhum estranho foi iniciado no grau
de Mestre Escocês, sendo tal grau reservado somente aos filhos da Ordem.
Sobre as ligações e a derivação da Maçonaria da Ordem do Templo, todos os autores maçônicos
se encontram de acordo.
Sem entrarmos nas complicadíssimas questões de explicações maçônicas, recordamos como o
ritual e consequentemente os trabalhos do grau mais importante do Rito Escocês, o 30°, o cavaleiro
Kadosh, se inspira unicamente no martírio de Jacques de Molay; e a palavra de passe do grau parece tirada
dos versos nos quais Dante invoca a vingança divina sobre Clemente V e Filipe o Belo. E porque o espírito
herético da Ordem maçônica não descende certamente das inocentes guilds e corporações medievais de
pedreiros, é bem presumível que, em última análise, remonte mesmo à Ordem Templária. Em todo caso, é
certo que o grau político do Rito Escocês, o Rito maçônico mais difundido, tira dos Templários a sua
derivação ideal; «vingança, vingança, oh Senhor», grita ainda hoje o cavaleiro templário.
E a vingança realizou-se em parte, por obra justamente da Maçonaria.
Quase a tornar evidente o caráter fatal da Revolução, a némesis dos reis da França levou-os a
expiar o delito de Filipe exatamente no quartel general da Ordem, transformado para estes na prisão do
Templo.
É conhecido o fato de que, no dia da execução de Luís XVI, um gigante horrível e barbudo, uma
espécie de gênio diabólico da Revolução, sempre presente quando havia padres a serem decapitados, subiu
ao patíbulo e, pegando no sangue real, borrifou as cabeças em torno gritando: Peuple français, je te baptise
au nom de Jacques et de la Liberté.
A continuação exterior da Ordem do Templo e o conceito que ficou na Ordem maçônica
harmonizam-se então ao indicar-nos a profunda heterodoxia da grande Ordem medieval.
A Maçonaria e as numerosas ordens templárias hoje existentes são os herdeiros históricos,
exteriores da Ordem do Templo. Mas a continuação interior, espiritual, não parece enfim associada a esta
exterior derivação.
Todavia, a herança templária não pode ter sido perdida. Também é fatal que a vingança se
complete e pereça pela espada quem com a espada feriu. Aqueles que conhecem a imaterial indestrutível
natureza dos seres vêem, na perpetuidade puramente espiritual das individualidades, a base e a prova de
uma herança real; e quando esta existe, não é senão um problema de tempo e de contingências ver-se a
sua inexorável manifestação no mundo dos homens.
Arturo Reghini
A VERDADE HERMÉTICA É CONFIRMADA PELA CIÊNCIA
Nosso DNA é um biocomputador”, dizem cientistas russos.
Pesquisa scientíficas estão explicando os fenômenos como a clarividência, a intuição, atos espontâneos de
cura e autocura e outros.
Quando cientistas começaram a desvendar o mundo da genética, compreenderam a utilidade de apenas
10% do nosso DNA.
O restante (90%) foi considerado “DNA LIXO”, ou seja: sem função alguma para o corpo humano.
Porém, este fato foi motivo de questionamentos, pois alguns cientistas não acreditaram que o corpo físico
traria algum elemento que não tivesse alguma utilidade.
E foi assim que o biofísico russo e biólogo molecular Pjotr Garjajev e seus colegas iniciaram pesquisas com
equipamentos “de ponta”, com a finalidade de investigar os 90% do DNA não compreendido.
E os resultados apresentados são fantásticos, atingindo aspectos antes considerados “esotéricos” do nosso
DNA.
O QUE AS PESQUISAS ESTÃO CONCLUINDO?
1. O DNA tem capacidade telepática
A partir das últimas pesquisas, cientistas concluíram que o nosso DNA é receptor e transmissor de
informações além do tempo-espaço.
Segundo essas pesquisas, o nosso DNA gera padrões que atuam no vácuo, produzindo os chamados
“buracos de minhoca” magnetizados! São “buracos de minhocas” microscópicos, semelhantes aos “buracos
de minhocas” percebidos no Universo.
Sabe-se que “buracos de minhocas” são como pontes ou túneis de conexões entre áreas totalmente
diferentes no universo, através das quais a informação é transmitida fora do espaço e do tempo.
Isto significa que o DNA atrai informações e as passa para as células e para a consciência, uma função que
os cientistas estão considerando como a internet do corpo físico, porém muito mais avançada que a
internet que entra em nossos computadores.
Esta descoberta leva a crer que o DNA possui algo que se pode chamar de telepatia interespacial e
interdimensional. Em outras palavras, O DNA está aberto á comunicações e mostra-se suscetível a elas.
Pesquisas relacionadas à recepção e transmissão de informações através do DNA estão explicando os
fenômenos como a clarividência, a intuição, atos espontâneos de cura e autocura e outros.
2. Reprogramação do DNA através da mente e das palavras.
O grupo de Garjajev descobriu também que o DNA possui uma linguagem própria, contendo uma espécie
de sintaxe gramatical, semelhante á gramática da linguagem humana, levando-os a concluir que o DNA é
influenciável por palavras emitidas pela mente e pela voz, 45 confirmando a eficácia das técnicas de
afirmação, de hipnose (ou auto hipnose) e de visualizações positivas.
Esta foi uma descoberta impressionante, pois diz que se nós adequarmos as frequências da nossa
linguagem verbal e das imagens geradas por nosso pensamento, o DNA se reprogramará, aceitando uma
nova ordem e uma nova regra, a partir da ideia que está sendo transmitida.
O DNA, neste caso, recebe a informação das palavras e das imagens do pensamento e as transmite para
todas as células e moléculas do corpo, que passam a ser comandadas segundo o novo padrão emitido pelo
DNA.
Os cientistas russos estão sendo capazes de reprogramar o DNA em organismos vivos, usando as
frequências de ressonância de DNA corretas e estão obtendo resultados bastante positivos, especialmente
na regeneração do DNA danificado!
Utilizam para isso a Luz Laser codificada como a linguagem humana para transmitir informações saudáveis
ao DNA e essa técnica já está sendo aplicada em alguns hospitais universitários europeus, com sucesso em
vários tipos de câncer de pele. O câncer é curado, sem cicatrizes remanescentes.
3. O DNA responde á interferências da Luz Laser
Continuando nessa linha de pesquisas, o pesquisador russo Dr. Vladimir Poponin, colocou o DNA em um
tubo e enviou feixes de Luz Laser através dele. Quando o DNA foi removido do tubo, a Luz Laser continuou
a espiralar no DNA, formando como que pequenos chacras e um novo campo magnético ao redor do
mesmo, maior e mais iluminado que o anterior.
O DNA mostrou-se agir como um cristal quando faz a refração da Luz, concluindo que o DNA irradia a Luz
que recebe.
45
Aqui devemos lembrar o poder no uso da palavra mencionada por Kremmerz em suas "Obras Omnia". Kremmerz
nunca fala sobre o DNA, mas chega à mesma conclusão conhecendo bem as forças que governam o corpo humano
através de sua forma e composição quádrupla.
Esta descoberta levou os cientistas a uma maior compreensão sobre os campos eletromagnéticos ao redor
das pessoas, assim como também compreenderam que as irradiações emitidas por curadores e sensitivos
acontecem segundo esse mesmo padrão: receber e irradiar, aumentando e preenchendo com Luz o campo
eletromagnético ao redor.
Assuma o Comando do seu Ser!
As pesquisas estão ainda em fases iniciais, e os cientistas acreditam que ainda vão descobrir muitas outras
coisas interessantes!
Por enquanto, as conclusões nos estimulam a continuarmos com as técnicas de afirmações positivas,
cuidando dos nossos pensamentos e das imagens por ele geradas, a fim de que as transmissões sejam
correspondentes a saúde, ao bem estar e a harmonia, enviadas não apenas ao DNA como também para
todo o corpo!
Tenho certeza de que o nosso DNA agradece por suas informações positivas transmitidas a ele!
Que tal melhorar as suas transmissões verbais e mentais?
Comunique-se positivamente com seu corpo e reprograme seu DNA!
Fonte: “Vernetzte Intelligenz” de von Grazyna Fosar und Franz Bludorf.
http://www.fosar-bludorf.com
http://www.youtube.com/watch?v=COkbjvK0qws
-Dalila Lubiana
Educadora, administradora, palestrante, facilitadora de formações em ioga.
Autora do livro Liberdade atrás das grades - pedagogia social, política pública e cultura de paz.
“No dia em que eu morrer, vão me perguntar: ‘o que você fez com o amor que coloquei dentro de você?’”
(Parábola dos Talentos).
Outubro 2015
Viagem nos mistérios da alquimia
A PORTA MÁGICA DE ROMA
Durante a minha busca para alcançar os objetivos que me propus tive a ocasião de poder conhecer, além
de importantes personagens, lugares sagrados, símbolos misteriosos e preciosidades que, como se
chamassem a atenção da minha mente adormecida, despertaram-na para a espiritualidade.
Eu gostaria de poder iniciar com o fabuloso incipit: “era uma vez” mas não, não era uma vez; exisste agora,
e ficará para sempre firme para testemunhar a via iniciática que eu comecei a percorrer. Eu me refiro à
Porta Mágica de Roma 46, monumento diante do qual, pelo menos uma vez na vida, deveríamos nos retirar
em contemplação. Afinal é a representação que comprova uma eternidade passada que segue a pedra
filosofal.
Um dia, passeando com o meu inesquecível galgo pelos jardins da atual Praça Vittorio, da qual eu não
conhecia absolutamente as características da sua estrutura arquitetônica, percebi um chamado que vinha
de um canto da praça, uma espécie de atração magnética. Um convite oculto para percorrer a distância
que se passava entre mim e uma estranha descoberta arqueológica que estava entre as palmeiras e os
oleandros. Lembro-me que em seguida pensei quanto fosse grande a mãe natureza para ter tido prudência
de protegê-lo contra olhares não cuidadosos. Eu me aproximei ainda mais e encontrei-me diante de uma
porta murada, contornada com uma moldura de pedra, sobre a qual estavam gravados belos símbolos e
epígrafes incompreensíveis para mim.
Depois de um pouco de tempo, um homem, que apareceu do nada, com um chapéu preto, echarpe preta
e paletó cinza, falou comigo, como se tivesse percebido o meu estado perplexo no observar o
monumento. Ele me disse, com perentoriedade que, se eu quisesse examinar a fundo aquilo que
representava aquela estranha porta, que aparentemente não conduzia a nenhum lugar, eu teria que
estudar muito bem por que ela estava ali e o que representava. Enquanto eu examinava com outro
espírito o artefato, assim como apareceu, o homem desapareceu.
Uma estranha sensação ficou comigo por todo o resto do dia e assim a curiosidade me levou a investigar a
fundo. A Porta Mágica, Alquímica ou Hermética entrou prepotentemente na minha vida. Não me
aventurarei no campo arquitetônico e artístico do monumento, o qual de fato não é tão importante destes
pontos de vista. Mas examinarei a obra no seu mais entusiasmante significado esotérico, alquímico e
hermético. Mas antes, breves alusões históricas e legendárias, ajudarão a compreender as motivações que
impulsionaram quem realizou esta “misteriosa” Porta, para fazer com que os segredos ocultos fossem
passados para a posteridade.
46
Os leitores podem aprofundar o argumento através da leitura da “Porta Hermética”, texto já traduzido em
português e que será publicado no IIº volume da Ciência dos Magos de Giuliano Kremmerz e do livrinho de Pietro
Bornia – A Porta Mágica de Roma: estudo histórico.
No ano de 1656, entre a via Merulana e atrás da localidade que constitui hoje a vila Caserta, existia a Vila
Palombara. A propriedade que estava onde hoje está a Praça Vittorio Emanuele, foi comprada em 1620 por
Oddone Palombara, marquês de Pietraforte. O lote estendia-se por mais ou menos 80.000m².
Da planimetria de 1748 nota-se que o latifúndio era hexagonal embora irregular. Eram cinco os acessos à
propriedade. Nas proximidades do ingresso secundário, existia uma portinha, a nossa portinha mágica. No
centro da propriedade existia uma casinha. Com o passar do tempo a família Palombara se extinguiu e a
vila se estragou e foi praticamente desmantelada.
O marquês Massimilano Palombara vivia na vila e, amante da alquimia, tinha construído um laboratório no
térreo da casinha.
Uma manhã, do ingresso que dava na Via Merulana, entrou um viajante vestido como um peregrino, o qual
dava a impressão de observar o interior da vila como se procurasse alguma coisa específica. Avisado sobre
isso, o marquês fez com que conduzissem o peregrino até a casinha. O visitante apresentou-se diante do
marquês, com um macinho de erva nas mãos. À pergunta sobre o por que levava erva nas mãos, o viajante
respondeu que tinha entrado justamente para colhê-la e, sabendo quanto o marquês se interessasse aos
processos alquímicos para transformar matérias em ouro, ele queria demonstrar-lhe que a obra era difícil
mas não impossível e queria observar como ele trabalhasse e o que estava preparando. Depois não hesitou
em acrescentar à mistura a erva que tinha colhido. Depois, prometendo que no dia seguinte o ouro
apareceria, pediu a chave do laboratório onde dormiu para poder controlar o procedimento. No dia
seguinte, batendo na porta do laboratório, o marquês não encontrou mais o viajante mas descobriu com
surpresa tirinhas de ouro puríssimo derivantes do preparado. Porém o peregrino deixou algumas fórmulas,
símbolos e enigmas escritos que testemunhariam o sucesso da alquimia.
(Como não paragonar a aparição do Peregrino diante do marquês com aquela do homem que eu encontrei
na Praça Vittorio?)
Uma parte das fórmula foi gravada na sala da casinha e outra parte nas ombreiras e na soleira da porta
mágica. O marquês, que nunca conseguiu produzir o ouro apesar das indicações, quis imprimir a fórmula no
mármore para deixar bem à vista dos viajantes, esperando que alguém pudesse decifrar a sua receita.
Sabe-se com certeza que as pessoas que ali passavam ficavam curiosas e paravam para observá-la
justamente porque a soleira, as ombreiras e a arquitrave estavam decoradas com sinais cabalísticos,
inscrições latinas e hebraicas e símbolos misteriosos. Alguém dizia que era a porta do laboratório alquímico
do marquês, que tinha tentado produzir ouro extraindo-o da urina solidificada.
Em 1873 a Comissão Arqueológica daquela época decidiu decompor a porta e reconstruí-la nos jardins da
Praça Vittorio Emanuele ao lado do Castelo da Água Júlia. Ao lado da Porta também foram colocados dois
anões egípcios em pedra provenientes das escavações do Quirinal. Infelizmente durante os transportes a
Porta foi um pouco danificada nas ombreiras. Um verdadeiro delito como veremos em seguida.
CIÊNCIA OCULTA, ALQUIMIA E HERMETISMO DO MARQUÊS DE PALOMBARA
Como sabemos, a ciência oculta que no antigo Egito era a ciência de Hermes, tem como base três leis: a
unidade o binário e a trindade. O conjunto das leis entrelaçam-se e unem-se para formar o quaternário
(3+1=4).
A Trindade é representada pelo triângulo equilátero e se separa em três termos: Pensamento, matéria e
movimento. Ou saber, vontade, ação ou também ciência, alma e energia. As diversas religiões deram a esta
lei universal nomes diferentes mas com princípio idêntico e nunca inalterado. E assim BRAMA, SIVA e
VISNÚ – OSIRIS, ÍSIS E HÓRUS – PAI, FILHO e ESPÍRITO SANTO – SOL, TERRA e LUA.
Os cultores da arte alquímica, antes de prepararem-se para a empresa, tinham que estudar todas as
disciplinas esotéricas. Estes estudos estão indicados no Nuctemeron de Apolônio de Tiana e são
simbolizados com os doze arcanos maiores do Tarô e particularmente: o Prestidigitador (o malabarista), a
Papisa (a ciência Oculta), o Papa (Gran Hierofante), o Eremita (o Iniciado), a Roda da Fortuna (a luz Astral),
o Pendurado (o Alquimista), o Mundo (o Grande Arcano). Os estudos então compreendiam, a fisiologia, a
cosmogonia e a teogonia.
Mas que iniciados podiam ser aqueles que não reconheciam a existência de alguns códigos como:
1 – O Uno está em tudo.
2 – O visível é a exteriorização do invisível.
3 – Aquilo que está no alto é como aquilo que
está embaixo.
4 – A natureza é completamente renovada pelo fogo.
Estes eram os trabalhos e os estudos com os quais se entretinha o Marquês de Palombara, na
cansativa mas sublime obra. Os testemunhos do intenso trabalho efetuado, ainda estão gravados em
parte nas zonas marmóreas da porta mágica. Como já foi descrito muitas epígrafes e símbolos já
desapareceram mas aqueles que podem ser admirados na porta, dos quais citarei alguns, são
realmente explicativos:
Na rosácea superior aparece o Hexagrama sigilo do Rei Salomão que mostra, acima dele, uma cruz latina
símbolo do planeta Terra. No centro um pequeno círculo, símbolo do Universo, com um pontinho no centro
símbolo da Divindade. Os dois representam a dualidade, Uno e o Tudo. A epígrafe pode ser lida na
circunferência externa e diz: CENTRUM IN TRIGONO CENTRI (O centro está no triângulo central). Considerese que o ulterior significado pode ser traduzido assim: O FUNDAMENTO DE TUDO ENCONTRA-SE NA
TRINDADE. O triângulo com o vértice significa: aquilo que desce do alto como a água, a materialização, a
involução do espírito. Aquilo com a ponta para o alto significa: aquilo que exalta, por isso o fogo, a
espiritualização. O sigilo de Salomão quer representar a combinação de fogo e água, aquilo que é positivo e
aquilo que é negativo, o Sol e a Lua. Desce-se na Terra e retorna-se para o Céu. A comunhão entre o
Homem e o Universo.
Na faixa da circunferência exterior pode-se ler: TRIA SUNT MIRABILIA DEUS ET HOMO MATER ET VIRGO
TRINUS ET UNUS. Significa três são as coisas maravilhosas: o Deus homem (o Cristo), a Virgem Mãe (a
Natureza), a Trina Unidade (a Trindade). Daquilo que foi dito conclue-se que a obra generativa do
alquimista, para ter sucesso, tinha que ser feita implorando, sem descanso, a ajuda do Grande Arquiteto do
Universo. O que pode ser dito sobre quem gravou estes enigmas? É certo e confirmado que não podia ser
nem ateu, nem incrédulo: muito pelo contrário.
Exatamente gravado na soleira da porta, como se quem passasse pelo último dos três degrauzinhos, tivesse
de qualquer maneira que interiorizar a mensagem, lê-se: SI SEDES NON IS (se você se sentar não irá
adiante). Frase particular que não pode deixar de ser lida ao contrário, um Palíndromo potente que chama
a atenção: SI NON SEDES IS (se você não se sentar irá adiante). Um convite à operosidade que não pode e
não deve ser abandonada. Não é um aviso exclusivamente dirigido aos alquimistas praticantes mas é um
convite também ao estudo, à contínua pesquisa do si para todos os adeptos e não adeptos. O dito latino
AGERE NON LOQUI (operar não tagarelar) é a prova do mesmo conceito.
Historicamente os alquimistas não tiveram vida fácil e Dante também na Divina Comédia colocou-os no
décimo círculo do Inferno usando os versos: “Mas das cavas caí na derradeira Por sentença de Minos
rigorosa: Foi meu crime a alquimia traiçoeira”.
No décimo círculo Dante, acompanhado por Virgílio, ouve vindo de baixo lamentos tão piedosos que teve
que tampar os ouvidos. Um fedor de membro em cancrena saiu do círculo. Os dois poetas descem até a
barreira e de lá Dante pode ver o fundo, onde são punidos os falsificadores de metais (alquimistas).
Dante naquele contexto, vê dois danados que sentam-se apoiados um no outro, cobertos com crostas e
sarna; os dois coçam-se com violência por causa da terrível coceira, e tiram as cascas como uma faca tira as
escamas de um peixe. Virgílio convida o discípulo a falar com os dois danados e Dante pergunta-lhes quem
são, para que possa levar notícias sobre eles para a Terra. Um dos dois apresenta-se como sendo Griffolino
d’Arezzo, condenado à fogueira por Albero de Siena não pelo pecado que desconta no Inferno, ou seja a
alquimia, mas porque brincando tinha-lhe dito de saber voar. Albero tinha mandado que lhe mostrasse se
fosse verdade, e porque Griffolino não pôde fazê-lo o nobre habitante de Siena tinha pedido ao bispo da
cidade, para queimá-lo como herege. Porém ele foi destinado ao Xº Círculo por Minos porque tinha
praticado a alquimia.
Naquela época era normal considerar os alquimistas hereges, além disso a alquimia, do árabe al-kì-mi-ia
(arte da transmutação), era a ciência que agia sobre a vida atômica e molecular e sobre os seres das
famílias vegetais e animais. O poder eclesiástico podia temporizar sobre a heresia dos alquimistas, que
substituiam-se com as suas “magias” ao Criador? Além disso, uma das maiores e interessantes operações
alquímicas era a procura da pedra filosofal, a assim dita a Grande Obra. O fermento capaz de converter
qualquer metal em ouro. E aqui deve ser considerado como lei o aforismo: “IGNE NATURA RENOVATUR
INTEGRA” (toda a natureza se renova com o fogo) e cujas iniciais dão a sigla INRI. Por isso os alquimistas
foram considerados hereges apesar de seus antecessores que, já milhões de anos antes, estavam muito
presentes no Egito com o corpo sacerdotal de Tebas, Menfis e Heliópolis chamado Hermes Trismegisto. Os
hebreus tiveram Moisés, os gregos e os itálicos Pitágoras. De fato, o assim dito documento de Damasco
descoberto em Qumran (atual Cisjordânia) em 1954, testemunha a história da comunidade Essênia, à qual
parece que pertenceram José de Arimateia e o próprio Jesus. O nome essênios deriva do aramaico Asya
que significa médico.
O documento refere a extraordinária capacidade que possuíam de curar o corpo e a mente através do uso
de raizes, folhas, flores etc., rituais para o afastamento dos espíritos malvados e conhecimentos secretos
que remontam às tradições caldaicas e Salomônicas.
Como já dito os monumentos alquímicos na Europa são pouquíssimos. Dois encontram-se na França, um na
Suiça e um na Itália. Na França podemos admirar a igreja de Notre Dame e a Saint Chapelle, onde auto
relevos testemunham os seus significados esotéricos. São Marcelo que bateu no dragão com o báculo, e
anjos em poses estranhas em volta da Virgem e do Redentor.
Na Suiça existe uma estufa de maiólica decorada com dezesseis medalhões que representam um processo
alquímico. E na Itália, o único monumento deste gênero é a Porta Mágica.
A procura do método de transmutação dos metais em ouro originou processos de diversos tipos e relativa
importância.
Foi assim que os árabes inventaram o alambique e produziram a aguardente, que Alberto Magno
encontrou os processos da copelação (particular tratamento dado pelos fornos à copela) do ouro e da
prata, Lullo descobriu a preparação dos Óleos essenciais, Paracelso pôde estudar o zinco, Brandt encontrou
o fósforo.
Nem mesmo no início da Renascença quando surgiu um verdadeiro gênio, um tal Antoine Lavoisier que
descobriu a composição da água, a combustão dos corpos, a essência dos óxidos e a lei da conservação da
matéria “Nada se cria, nada se perde” (as bases da química moderna) os castigadores tiveram piedade. Na
realidade, acusado de desfalque, foi preso. A sua verdadeira culpa? Aquela de ter doado as suas
descobertas à avidez humana que, quando se apresenta, torna impossível prosseguir na obra de justiça.
Lavoisier foi guilhotinado em Paris em 1794.
Porém nós não devemos temer que um Tribunal Eclesiástico nos atormente como atormentou Galileo,
Giordano Bruno, Campanella, Cagliostro. Porque como diz Giuliano Kremmerz, “a palavra Magia soa mal
para muitos que desconhecem a tradição. É só substituí-la com duas palavras “Ciência Integral”. E assim o
exemplo dos poucos, se multiplicará, como o pó de projeção dos alquimistas, cem mil vezes o número”.
Mas por que o marquês de Palombara utilizou como testemunho para a posteridade uma porta? Talvez ele
quis transmitir aos possíveis possessores da chave que poderiam atravessar a soleira que divide a matéria
do transcendente?
A PORTA MÁGICA DOS INCAS
Sobre isso para provar o que digo existe uma outra porta que está na América Latina, no Perú: a porta
mágica de Aramu Muru. Esta era associada ao nome de um antigo sacerdote inca da Ordem dos Sete
Raios: Aramu Muru. Este, um dia partiu para Cusco para levar um grande disco de ouro. Durante a viagem
desapareceu misteriosamente e os antigos habitantes do Lago Titicaca deram o seu nome à porta em sua
homenagem. É importante acentuar o fato que o desaparecimento do sacerdote fosse contemporâneo à
tomada de Cusco por parte das tropas espanholas: daquilo que algumas lendas dizem ele teria se refugiado
na montanha por medo que lhe fosse roubado o disco de ouro. Quando chegou diante da porta de pedra
teria realizado ritos conhecidos só por poucos iniciados e teria entrado em uma outra dimensão através do
portal. A porta tem contemporaneamente a função de dividir dois ambientes (espaço e tempo) e de
consentir a passagem de um para o outro. Estes ambientes podem ser considerados físicos e hiperfísicos.
Se se possui uma chave, física ou hiperfísica, a porta se abrirá. Independentemente das lendas, estou
sempre mais convencido que a chave mestra deve ser procurada dentro de nós. Encontremos a chave e
abramos a porta e poderemos observar o longo caminho frondoso que leva até o conhecimento interior.
Vistas da soleira, lá longe, as paralelas estendem-se, encontram-se magicamente, e aquele pontinho muito
distante, meta cobiçada, poderá ser alcançado. Nos ajudarão as árvores ao longo do caminho, nos
protegerão dos ventos gelados da profundidade e nos defenderão das emboscadas que nos lança o nosso
ego. Ele destemido está ali, sempre atento para desfrutar qualquer futil desmoronamento, concentrado
como é para roubar o lugar “momentaneamente ocupado”, que pertence ao nosso si. A conquista do pódio
do si, não deve ser entendida como um dom reservado a poucos mas está a disposição de qualquer pessoa
que deseje realizar-se espiritualmente. Não é o destino que constrói a nossa vida mas somos nós, com as
nossas atitudes, que o construímos momento por momento. Plasmemos o nosso destino, poderemos
descobrir-nos realizados, e o objetivo, aquele do nosso verdadeiro ser, será qualitativamente sublime,
justamente e perfeitamente em harmonia com o Universo.
Ir. Kirman
PRIMEIROS CONTACTOS ENTRE HERMETISMO E MAÇONARIA
Dos escritos de Buhle, de Ragon, e dos mais recentes de Hohler, de Silberer e de Wirth, resulta
claro que entre o hermetismo e a maçonaria existiram contactos desde os primeiros anos do
século XVII.
Um exemplo de contacto mais antigo, entre simbolismo maçónico e alquímico, encontra-se nas
obras do Cardeal Nicolò da Cusa, o grande filósofo pitagórico do século XV, e precisamente em
duas passagens das “Excitationum ex sermonibus” 1.
Mas existem outros contactos, de origem talvez ainda mais antiga, entre a tradição das
corporações dos pedreiros e a tradição hermética, os quais, se não erramos, não foram ainda
observados pelos escritores de hermetismo e pelos autores de estudos maçónicos.
Pelo menos nuns dez daqueles antigos documentos maçónicos, conhecidos sob o nome de “Old
Charges”, encontra-se mencionada uma singular (sic) figura de maçon que, parece-nos, pode e
deve ser identificada com a de um obscuro mas importante alquimista medieval.
No manuscrito da “Grande Loja”, escrito em 1583 e publicado pela primeira vez por Hughan nos
seus “Old Charges”, encontra-se a seguinte passagem relativa a este maçon2:
1
Rev. Pat. N. de Cusa Card. Opera, Basilea 1565, pág. 632.
“Curiosos homens da arte (craft) viajaram amplamente por diversos lugares, alguns para aprender
ainda mais a arte e a habilidade, outros para ensinar os que tinham pouca capacidade, e assim
aconteceu que existiu um curioso maçon, chamado Naymus Graecus, que tinha estado na
construção do Templo de Salomão, e veio para França onde ensinou a ciência da maçonaria aos
franceses. E naquele lugar havia um, da linhagem real de França, chamado Carlo Martello, homem
que muito amava a arte e atraiu este Naymus Graecus, aprendendo com ele a arte...”.
A mesma história, mais ou menos, encontra-se no manuscrito Wood, de 1610, no M.
Buchanam, publicado pela primeira vez por Gould 3, e em outros oito manuscritos do século XVII e
do princípio do século XVIII4. No importante manuscrito de Tew (T. W.), que leva o título “The
Book of Masons” e que é talvez anterior a 1680, mas cuja última redacção deve datar, segundo
Gould,5 de antes da Reforma (1534), é contada também a mesma coisa. Expondo o conteúdo
deste manuscrito, Gould escreve6 “Conheçamos em seguida um singular maçon que assistiu à
construção do Templo de Salomão, vindo em seguida para França ensinar o ofício da maçonaria às
pessoas deste país; é mencionado com o nome de Mammongretus e Memongretus. Mas o “t” foi
mal escrito, em vez de um “c” e pode-se afirmar com confiança que o Grecus que encontramos no
manuscrito da Grande Loja e nos do grupo Sloane é a última parte do nome originalmente escrito.
Apesar disto, a forma precisa das duas primeiras sílabas da palavra não pode ser reconstituída; é
quase certo que principia com um M, como podemos deduzir da ortografia da palavra noutros
manuscritos mais estritamente ligados ao de Tew: Maymus, Marcus, Mamus, Minus etc., e a
personagem que o escriba tinha no espírito era talvez Maimonide, isto é Moisé ben Maimon
(conhecido igualmente sob o nome de Maimuni), que morreu em 1204 e escreveu sobre o Templo
de Jerusalém; o compilador pensava que fosse sem dúvida um grego”.
Esta identificação do “singular maçon” com o famoso autor do “Guia dos Perdidos”, além de
ser completamente arbitrária, tem também o defeito de pressupor, no compilador do manuscrito,
uma ignorância realmente muito forte, porque é preciso ser muito ignorante para ver um grego no
talvez mais célebre dos escritores hebraicos.
Ao invés, parece-nos muito mais simples e natural, sem precisar de fazer cálculos sobre
hipotéticos despropósitos alheios nem alterar grafias, identificar o singular maçon destes antigos
documentos maçónicos com o alquimista Marcus Graecus, autor de um “Liber ignium ad
comburendos ostes” muito conhecido, no qual se encontra, entre outras coisas, a menção mais
antiga à pólvora de canhão. Um manuscrito exemplar deste livro, do final do século XIII, existe na
Bibliothèque Nationale de Paris e um outro manuscrito exemplar, do mesmo período, na
Biblioteca Real de Mónaco. Foi impresso pela primeira vez durante o I Império, por iniciativa de
2
Confr. History of Freemasonry and Concordant Orders, Boston and New York 1891, pág. 189.
3
Confr. R. F. Gould, History of Freemasonry, London 1887, vol.I, págs. 93-100.
4
Ibidem, I, 97.
5
Confr. R. F. Gould, Histoire Abregée de la Franc-Maçonnerie, Bruxelles 1910, pág. 223.
6
Ibidem, pág. 224.
Napoleão; depois, em 1842 e 1866, por Hoefer nas duas edições da sua “Histoire de la Chimie”; em
1891, em francês, por Poisson; finalmente, Berthelot publicou a edição crítica em 1893.
Berthelot, que dedica o quarto capítulo do primeiro volume de sua obra: “La Chimie au
Moyen Age” ao estudo do “Liber Ignium” observa que Marcus Graecus não é conhecido na
História da antiga alquimia (grega) e não figura nos textos da “Collection des Alchimistes Grecs”.
Mas como de um Marco alquimista se fez repetida menção na “Tabula Chimica” de Senior
Zadith, como é também citado numa outra obra alquímica latina derivada do árabe, isto é, num
comentário à Turba Philosophorum (séc. XIV), e como é citado também nas obras alquímicas
árabes, conclui-se que deve ter existido, sob o nome deste autor, uma obra alquímica em árabe,
de uma certa autoridade, que se liga à tradição dos antigos alquimistas gregos.
Se este alquimista, recordado nos textos árabes e latinos da Turba e do Zadith, for o mesmo
que escreveu o Liber Ignium, é uma questão que Berthelot colocou, sem poder resolvê-la; mas a
nós basta e interessa o constatar que os textos do Liber Ignium, ainda que inéditos até ao início do
século XIX, eram conhecidos desde o século XIV, porque contêm uma série de artigos que são
comuns ao tratado De Mirabilibus, do século XIV, devido a um aluno de Alberto Magno.
Além disso, em obras de Cardano, Porta, Biringuccio, cujas primeiras edições são do século
XVI, Marcus Graecus é citado; e Berthelot refere a existência, em Inglaterra, de um outro
manuscrito exemplar deste livro.
Ele conclui dizendo que parece tratar-se de uma tradução latina, feita no século XII ou XIII, de
um daqueles tratados técnicos de receitas transmitidos e refeitos incessantemente pela
Antiguidade, através do Oriente árabe e do Ocidente latino.
Nada impede, então, de admitir que o compilador do manuscrito maçónico original, que
mencionava o singular maçon Marcus Graecus, tenha tido conhecimento deste alquimista cuja
habilidade no “fogo grego”, nos petardos e em todas as operações através do fogo era assim
conhecida.
E é muito curioso que o simbolismo dos “trabalhos de mastigação” dedique uma parte tão
grande à “pólvora de canhão”, que se encontra, como vimos, mencionada pela primeira vez no
“Liber Ignium”.
Naturalmente, a afirmação de que este singular maçon teria assistido à construção do
Templo de Salomão não deve ser levada à letra, mas na sua acepção alegórica: o compilador do
manuscrito faz notar o excepcional valor iniciático de Marcus Graecus, ou seja, a sua habilidade na
“arte”, coloca-o em relação directa com a fonte da tradição maçónica, fazendo dele um dos que
assistiram, senão participaram, na edificação do Templo da Cidade Santa, símbolo do sagrado
templo interior e universal, ou seja, da hierarquia espiritual suprema, transmissora, herdeira e
depositária da tradição iniciática primordial e eterna.
Isto demonstraria que, no início do século XVI, existia nas corporações dos pedreiros uma
consciência, mais ou menos clara e precisa, da conexão da irmandade maçónica com a tradição da
“arte sagrada” e o conhecimento de que um mistério igual se escondia sob os simbolismos
arquitectónico e alquímico.
A coisa torna-se ainda mais interessante quando a relacionamos com um outro importante
pormenor, contido nestes mesmos manuscritos que falam de Marco Greco, bem como em
documentos maçónicos mais antigos, que pertence também à tradição hermética pura.
Uma antiga tradição hermética conta como os antigos sábios, antes que viesse o dilúvio,
gravaram sobre tábuas as sete artes liberais, para que pudessem sobreviver.
Segundo esta tradição, Hermes Trimegisto foi o primeiro que, depois do dilúvio, descobriu
estas tábuas no vale de Ebron; por ele, através da “Tábua de Esmeralda”, foram depois
transmitidas estas ciências, em particular a ciência hermética.
Um antigo opúsculo de alquimia, atribuído a Alberto Magno (1193-1280), refere a tradição
desta maneira7: “Alexandre o Grande em suas viagens encontrou o sepulcro de Hermes, pai de
todos os filósofos, cheio de todos os tesouros não metálicos, mas de letras áureas, escritas na
Tábua de Zarad (in tabula Zaradi), a qual escritura é também contida nos últimos livros que Galeno
compôs...”.
Cita mais amplamente a tradição um famoso alquimista italiano, Bernardo Trevisano (14061490)8: “O primeiro instaurador da arte química, depois de seu esquecimento após o dilúvio, foi
Hermes Trimegisto, como se lê nos livros memoriais da história das antigas acções, em Imperial, e
na exposição da Tábua smaragdina feita por Claveto... Deste homem (Hermes) se lê nas escrituras
(Bibliis) que foi o primeiro a entrar no vale de Ebron e ali encontrou sete placas de pedra, sobre as
quais estavam escritas pelos sábios, antes que acontecesse a inundação das águas, as sete artes
liberais, cada uma somente em seus princípios, para que não caíssem no esquecimento... A partir
do dilúvio, Hermes precedeu todos nesta descoberta, por meio das tábuas encontradas por ele no
vale de Ebron, o lugar onde Adão ficou depois do exílio do Paraíso Éden. De Hermes chegou a
muitos outros por meio do livrinho que escreveu: Tábua Smaragdina”. Depois disto, o bom
Trevisano reproduz a Tábua Smaragdina.
Também Giovan Francesco Pico della Mirandola, citando várias opiniões sobre a origem da
alquimia, cita esta tradição9: “Outros preferem Hermes Trimegisto como príncipe da química
faculdade escrita em algumas tábuas de pedra encontradas próximo à cidade de Hebron”.
Um escrito da segunda metade do século XVI, atribuído a Gerhard Dorn, um dos principais
discípulos de Paracelso, cita a tradição da seguinte maneira 10: “Adão, o primeiro que praticou e
inventou as artes e esta (a química), por meio da luz do conhecimento de todas as coisas antes e
depois do pecado, que lhe foi concedida por Deus, teve um presságio de que o mundo iria ser
renovado por meio da água, ou melhor, castigado, e quase destruído. Por isso aconteceu que os
seus sucessores ergueram duas tábuas de pedra sobre as quais esculpiram todas as artes naturais
desde os seus princípios, e em caracteres hieroglíficos, de maneira que este presságio fosse notado
também pelos vindouros, e fosse observada uma madura previsão no tempo dos futuros perigos.
Passado o dilúvio, Noé encontrou uma das tábuas na Arménia, no monte Araroth, por meio da qual
se designavam as relações do firmamento superior e do globo inferior e os cursos dos planetas 11.
Portanto as noções universais, deste modo deduzidas particularmente em diferentes ocasiões,
7
Confr. Alberti Magni, De Alchemia in theatrum Chemicum, 1692, Vol. II, pág. 527. Confr. também a Opera Omnia de
Alberto Magno-Lugduni, 1651, no final do volume XXI.
8
Confr. Bernardi Trevisani, De Secretissimo Philosophorum opere chimico, em Theat. Chem., 1602, 1, 774. Ver
também em Mangeti, Bibliotheca Chemica Curiosa, II, 388. Existe também uma edição em francês (Anversa, 1567).
9
Confr. Joanni Francisci Pici Mirandulae, De Auro, em Magneti, II, 563.
10
Gerardi Dornei, Congeries paracelsicae Chemiae de Trasmutatione metallorum, em Theat. Chem., 1613, II, 592. Ver
também Magneti, II, 444. Os escritos de Dorn apareceram em 1567, 68, 69.
11
Na Tábua de Esmeralda estão exactamente estabelecidas as relações entre o que está em cima e o que está em baixo, e
também as funções do Sol, da Lua e da Terra, entendidas hermeticamente.
restam diminuídas em suas forças, de maneira que esta separação torna este astrónomo e mago,
o outro cabalista, e o quarto alquimista, o qual vulcânico Abrahm Tubalchain, astrólogo e
aritmético máximo, as levou do Egipto para as regiões de Chanaan12”.
Vindo para tempos muito mais próximos aos nossos, num escrito atribuído a um dos vários
hermetistas que se esconderam sob o pseudónimo de Filaletes (segunda metade do século XVII),
encontramos a seguinte versão desta tradição hermética13: “Alguns querem esta ciência derivada
de Enoch14, o qual, prevendo o dilúvio, escreveu sobre pequenas tábuas as sete ciências liberais
(entre as quais a química), e deixou-as aos vindouros. Hermes, de facto, entrando no vale Hebron,
encontrou aquelas que hoje se chamam esmeralda, e de lá tirou a sua sabedoria”.
E um autor pouco mais antigo, numa primeira tentativa de crítica, examina assim esta
tradição15: “A tradição pela qual, séculos depois do dilúvio, esta tábua em um antro perto de
Hebron foi tirada das mãos do cadáver de Hermes por uma mulher chamada Zara, é aceitável se
referida a Sara, mulher de Abraão”.
Neste ponto Kriegsmann, que noutra obra sua tinha demonstrado que Hermes é Chanaan,
neto de Noé, observa que existe concordância de tempo e lugar, já que Chanaan e Sara são do
mesmo tempo e lugar. Diz o nosso autor que está correcto, uma vez que a cidade de Hebron foi
construída por Heth, filho de Chanaan, ou seja Hermes, na qual se fixou Abraão.
Esta opinião é partilhada por Borricchio, que refere o que escreve Kriegsmann no seu De ortu
et de Progressu Chemiae (1668). Não acreditamos que Kriegsmann e Borricchio estejam certos.
Vimos de facto que o texto de Alberto Magno, conhecido e citado por Trevisano, diz que foi
Alexandre o Grande a encontrar, no sepulcro de Hermes, a “Tabula Zaradi”; o «i» final terá sido
tomado em seguida para o sufixo do genitivo e, com a queda fácil do «d», eis-nos em presença de
Zara, que Kriegsmann faz coincidir com a mulher Sara. Ao invés, é muito mais provável que a tábua
smaragdi se tenha tornado, através das deformações da palavra, que apresenta as formas
smaraldi, smaraudi e aos erros dos copistas, a tábua zaradi.
Substancialmente, esta tradição atribui o mérito de ter encontrado estas sete (ou duas)
tábuas de pedra a Hermes, que se tornou então o pai de todos os filósofos. As tábuas foram
esculpidas e preparadas por sábios antigos ou por Enoch.
Passemos agora a confrontar esta tradição hermética com a maçónica contida nas “Old
Charges”.
12
É interessante observar que, neste texto post-paracélsico do século XVI, se considera uma pessoa só Vulcano
alquimista e Tubalchain aritmético máximo; de Tubalchain é feita menção no mais antigo documento maçónico
conhecido, o manuscrito Matthew Cook compilado, segundo Gould, no início do século XV.
13
Confr. Philaletae Tractatus de Metallorum Metamorphosi, Cap. II, em Magneti, II, 679.
14
Também Enoch, filho de Caim, que deu o nome à primeira cidade construída, Enochia, é uma personagem que figura
nos antigos documentos maçónicos. Segundo o antigo manuscrito citado na nota precedente, “nesta cidade a ciência da
Geometria e da Maçonaria foi pela primeira vez inventada e cultivada”. Naturalmente, também a cidade é um símbolo
equivalente ao do templo do qual falámos antes. Enoch, em hebraico, significa iniciado. A Bíblia menciona um Enoch,
filho de Jared, às vezes confundido com Enoch filho de Caim, o qual não morreu mas foi levado do mundo e chamado
perto do Senhor.
15
Confr. Commentarioli interpretis tabulae Hermeticae, de W. Christoph. Kriegsmann, 1657, na Bibliot. Chem. De
Mantiga, 1, 384.
O manuscrito Matthew Cooke, que, voltando ao princípio do século XV, é anterior a
Trevisano, depois de ter falado dos quatro filhos de Lamech, ou seja de Jabal, Jubal, Tubal-cain e
Naama, e das várias artes e ciências descobertas por estes, prossegue assim 16: “E estes quatro
irmãos souberam que Deus se teria vingado do pecado, ou com o fogo ou com a água. E fizeram o
que puderam para salvar a ciência que tinham descoberto, aconselharam-se entre eles e
exercitaram todos os seus talentos. E disseram que existiam duas espécies de pedra, de tal forma
que uma, chamada mármore, não teria sido queimada; e a outra, chamada “Lacero” (bordo), não
teria sido submersa na água. E assim decidiram escrever todas as ciências que tinham descoberto
sobre estas duas pedras, de modo que, se Deus se vingasse com o fogo, o mármore não se
queimaria; e, se com a água, a outra não seria afundada. E encarregam o irmão mais velho, Jabal,
de fazer duas colunas destas duas pedras, isto é, de mármore e de “Lacero”, e de escrever sobre
estas duas colunas todas as ciências e as artes que estes tinham encontrado; e ele assim fez.
Então, podemos dizer que foi ele o mais sábio em ciência, porque principiou e concluiu o seu
objectivo antes do dilúvio de Noé.
Felizmente, sabendo da vingança que Deus iria mandar, os irmãos não sabiam se iria ser
através do fogo ou através da água. Sabiam, por uma espécie de profecia, que Deus iria mandar
um ou outra, e por isso escreveram as suas ciências sobre as duas colunas de pedra. Alguns dizem
que escreveram sobre as pedras todas as sete ciências. Como os irmãos tinham em mente que uma
vingança viria, logo que Deus mandou a sua vingança, veio um tal dilúvio que todo o mundo foi
submerso e todos os homens morreram com excepção de somente oito pessoas. Foram elas Noé,
sua mulher, seus três filhos e suas mulheres, de cujos filhos o mundo todo descendeu. Chamaramse Shem, Ham e Japhet. Este dilúvio foi chamado o dilúvio de Noé, porque ele e os seus filhos se
salvaram. E muitos anos depois do dilúvio, segundo a crónica 17, estas duas colunas foram
encontradas, e a crónica diz que um grande erudito (clerk, clericus), Pitágoras, encontrou uma, e
Hermes, o filósofo, encontrou outra; e ensinaram as ciências que encontraram escritas nelas.
Notamos que, no original francês da obra de Bernardo Trevisano, na edição de 1741 da
Bibliothèque des Philosophes Chimiques, as tábuas esculpidas pelos sábios são de mármore. Neste
documento maçónico, e na crónica em que se apoia, as tábuas são duas, como na variante da
tradição hermética dada por Dorn; existe uma de mármore como na variante dada por Trevisano,
uma delas encontrada por Pitágoras, a outra por Hermes, como na tradição hermética.
O manuscrito da “Grande Lodge” (1583) e o manuscrito Buchanam contam quase a mesma
coisa. A única diferença é que a pedra não submergível, neste chama-se Laterno (e no manuscrito
Tew chama-se later, ou seja, tijolo), e o mérito da descoberta das colunas é atribuído só a Hermes.
“O grande Hermarine, diz o manuscrito da “Grande Lodge” 18, que era filho de Cubry, o qual Cubry
era filho de Semm, que era filho de Noé. O mesmo Hermarine foi em seguida chamado Hermes, o
pai da sabedoria; ele encontrou uma das duas colunas de pedra, e encontrou as ciências escritas
sobre elas, e as ensinou aos outros homens”.
16
Matthew Cook, em The History of the Ancient and Honorable Fraternity of Free and Accepted Masons, Boston and
New York, 1891, pág. 180.
17
Refere-se a um Polycronicon precedentemente mencionado. Segundo Gould, seria o Polycronicon de Higden; mas
nós não encontramos nada de quanto relatamos.
18
Confr. History of the Ancient and Honorable Fraternity of Free and Accepted Masons, pág. 188.
O manuscrito Buchanam diz19 exactamente o mesmo, aproximando-se ainda mais da
tradição hermética, qualificando Hermes com a frase tradicional do hermetismo: pai de todos os
sábios.
Parece-nos evidente que estamos em presença de uma mesma tradição. A tradição da arte
maçónica e a tradição da arte hermética transmitem ambas a recordação da sua derivação e
identidade com a tradição da arte sagrada, divina e real.
As “Old Charges”, fazendo remontar e derivar a arte maçónica ou geométrica, de Enoch, de
Tubalcain e de Hermes, apresentam os títulos da nobreza e pureza iniciática da Irmandade
Maçónica.
E quando, nos sécs. XVI e XVII, alguns hermetistas, como Elias Ashmole e outros maçons
adoptados, vieram a conhecer, por meio destes e doutros documentos semelhantes, a tradição
maçónica, as semelhanças que encontrámos não podem ter-lhes escapado, devendo ter tirado a
conclusão de que as duas tradições diferiam só no simbolismo do qual faziam uso, mas não na sua
origem, nem na doutrina oculta sob diferente véu.
Isto explicaria o porquê de, em certo momento (1613), os símbolos maçónicos do esquadro e
do compasso terem feito uma consistente aparição, substituindo os símbolos puramente
herméticos nalgumas figuras simbólicas usadas pelos hermetistas e explicaria o particular
interesse dos hermetistas pela maçonaria e vice-versa, bem como o viçoso florescimento de
símbolos herméticos e de graus puramente herméticos, desde o princípio da fundação da Grande
Loja de Londres.
A infiltração e a influência do hermetismo encontraria a sua plena justificação na existência
destes antigos contactos entre maçonaria e hermetismo, precedentes, e em muito, ao período
áureo de Maier, de Basilio Valentino e doutros hermetistas e rosacruzes que usaram, nas suas
figuras alegóricas herméticas, símbolos maçónicos como o esquadro, o compasso, a pedra cúbica.
A existência dos graus herméticos no Rito Escocês Antigo e Aceite (cuja expressão ordo ab
chao tem uma referência hermética precisa) resulta então perfeitamente natural e justificada.
A análogas conclusões se chegaria, provavelmente, confrontando a tradição maçónica e a
templária, uma vez que o simbolismo da edificação do templo deve necessariamente apresentar
pontos de contacto com o simbolismo da liberação e da defesa do templo; e tal como aos
hermetistas não podem ter escapado as semelhanças das tradições hermética e maçónica, assim
aos templários não podem ter escapado certas analogias entre as duas tradições e entre os dois
simbolismos, maçónico e templário; o que torna pelo menos verosímil ou significativa a tradição
segundo a qual os templários, no tempo da perseguição, procuraram e encontraram refúgio nas
corporações dos pedreiros, e justifica plenamente a existência dos graus templários no Rito
Escocês Antigo e Aceite.
Arturo Reghini
(Era Nuova, 1925)
19
Confr. R.F. Gould, History of Freemasonry,London 1887, Vol. I, pág. 95.
AS ABELHAS ESTÃO MORENDO
Em Virgílio, o maior poeta da Latinidade e um dos maiores poetas de todos os tempos, no quarto livro das "Geórgicas"
as abelhas tiveram seu maior poeta e o mundo das abelhas tem inspirado as páginas mais elevadas, as mais sublimes
de toda a literatura latina.
“Se a raça humana se extinguisse, a natureza não sofreria qualquer prejuízo, mas se as abelhas morrem a natureza
morre” (Anonimo, XVIII. Sec.)
Felix qui potuit rerum cognoscere causas, Virgilio, Georgiche, II, 490
As abelhas não estão se adaptando bem às mudanças climáticas. Ao invés de migrarem para o
norte para buscarem temperaturas mais clementes, estes insetos cruciais para a polinização estão
morrendo, de acordo com um estudo divulgado nesta quinta-feira.
A pesquisa publicada na revista Science é o primeiro estudo que explica a responsabilidade da
mudança climática para o declínio das populações de abelhas e mamangabas a nível mundial.
Até agora, os principais suspeitos desta diminuição eram a utilização de pesticidas, doenças e
parasitas.
"Imagine um parafuso. Agora imagine que o habitat das abelhas é no centro do parafuso", disse o
principal autor do estudo, Jeremy Kerr, professor de macroecologia e conservação na
Universidade de Ottawa.
"Conforme o clima esquenta, as espécies de abelhas e mamangabas são esmagadas por este
'parafuso climático' que comprime as zonas geográficas onde o inseto consegue viver", explicou.
"O resultado é o declínio rápido e generalizado dos polinizadores em todos os continentes, que
não é devido ao uso de pesticidas ou à perda de habitat", acrescentou.
Para o estudo, os pesquisadores analisaram quase meio milhão de registros - anotados por
museus e cientistas voluntários - de 67 espécies de abelhas e mamangabas na América do Norte e
Europa desde o início dos anos 1900.
"O território abrangido pelas abelhas no sul da Europa e da América do Norte caiu cerca de 300
quilômetros. O escopo e o ritmo destas perdas são sem precedentes", disse Kerr.
Esses insetos "geralmente não conseguem" migrar para o norte. Ao contrário das borboletas, que
se mudam mas não desaparecerem, acrescentou o estudo.
As abelhas são muito importantes para a agricultura e para a vida silvestre porque polinizam
plantas, flores e frutos.
Caso as emissões de efeito estufa não sejam reduzidas, a redução da polinização poderia fazer que
algumas plantas, frutos ou legumes se tornem mais escassos e mais caros, alertou o estudo.
Fonte: http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/aquecimento-global-esta-matando-abelhas
Novembro 2015
A LAMENTAÇÃO MELANCÓLICA DE HIPÓCRATES
Uma viagem na arte médica da Renascença
A lição da Renascença está sempre viva e operante na nossa cultura, já que
esta não representa somente um período histórico, mas exprime uma
condição da alma, que volta a iluminar-se toda vez que a ação humana é
oprimida por períodos de torpor e obscurantismo. Se na arte e na filosofia, a
tradição renascimental continuou, com modos e tempos diferentes, a
exercitar o próprio influxo, em campo médico-científico esta reduziu-se à
pura curiosidade histórica. Sufocada pelo impetuoso desenvolvimento
tecnológico, aquela fonte inesgotável de criatividade, de consciência das
capacidades humanas, foi considerada sem condições de oferecer nenhuma
contribuição válida. Mas a referência aos pais da ars médica (Hipócrates,
Avicenna, Galeno) conservou-se como puro testemunho de deferência, a
memória da medicina renascimental foi quase removida, como se tudo
aquilo que pertence à época precedente a Galilei seja alguma coisa da qual
envergonhar-se. Esta vontade de livrar-se da má consciência de práticas antigas, como magia, astrologia e
alquimia, comportou um afastamento daquela filosofia da natureza, que consentia ao médico perceber que
tudo está ligado a tudo e que a ciência, sozinha, não pode dar resposta a todas as perguntas, sem uma
visão monística do homem e do universo.
Diferentemente dos antigos, que possuíam um grande talento no compreender as verdades
progressivamente, já que a atenção era voltada para fatos particulares. Esta mudança de prospectiva
comportou uma mudança de imagem: continuamente ocupados em seguir as conquistas do progresso
técnico-científico escolheram sacrificar aquela união entre medicina e filosofia que sempre caracterizou
suas formações humanísticas.
A célebre sentença de Hipócrates segundo a qual o médico que se torna filósofo é semelhante a um deus,
retomada posteriormente por Galeno (“Nullus medicus nisi philosophus”), tornou-se na Renascença um
verdadeiro dogma. “Se não são astrônomos já falta uma asa para eles; se não são nem mesmo filósofos,
falta-lhes também a outra”, sentenciou Philipp Theophrast Bombast von Hohenheim dito Paracelso, um dos
principais depositários daquele orgulho intelectual, bem como daquela sensibilidade, às vezes mística, no
que diz respeito à natureza, que foram características peculiares do espírito renascimental. A consciência
da sintonia entre homem e natureza, entre microcosmo e macrocosmo, entre “interno” e “externo”, que
Giordano Bruno admirou nele, ao ponto de definí-lo “médico que chega a fazer milagres”, fazia com que
considerasse a filosofia mãe da medicina, já que permite conhecer a natureza: “E o que mais pode ser esta
natureza senão a filosofia, o que pode ser a filosofia senão a natureza invisível? Só quem é filósofo é digno
de aventurar-se na arte médica”. A mentalidade experimental é continuamente chamada em causa como
distinção entre velho e novo, entre Idade Média e modernidade: não obstante isso esta não era
completamente ausente na medicina renascimental. O apelo ao experimento é continuamente lembrado
por Cardano e Paracelso e é absolutamente o fundamento da “Academia dos Segredos” de Giovan Battista
Della Porta, cujo estatuto declara o preciso objetivo de testar receitas e medicamentos , para estabelecer a
real eficácia. O ponto não era, então, a atitude diante da experimentação, mas o seu objeto e os meios
utilizados para realizá-la. Se hoje pode parecer ridículo tentar curar a dor de cabeça com sangrias e
esconjuros, não parecerão menos ridículas muitas das nossas atuais convicções daqui a cinco séculos. É
verdade, alongamos muito a nossa vida média, mas contemporaneamente depauperamos o planeta;
vencemos muitas doenças mas, ao mesmo tempo, determinamos, com a poluição, a difusão de outras,
cujos efeitos arriscam de incidir dramaticamente sobre as gerações futuras. Abstraindo-nos da roda do
tempo, na qual a sobrevivência do indivíduo é irrelevante, quem deve ser considerado mais louco?
Olhemos então, com indulgência estes precursores da ciência moderna, nos quais também coabitaram
desenvoltamente ciência e magia. Eles não tinham consciência das infinitas aplicações práticas do método
experimental pelo qual, toda vez que a realidade se revelava diante de seus olhos tornava-se muito
complexa para uma explicação racional, procuravam conforto na fabulosa tradição mágica medieval. A
prática mágica apresentava-se como a única via praticável pelo sábio para desfrutar as enormes
potencialidades da natureza, entendida como força operante no criado. Paracelso considerava a magia
“praeceptor et paedagogus”, uma mestra que ajuda a descobrir os segredos da natureza: “quem não
compreende a natureza da-lhe o nome de bruxaria, mas é uma verdadeira arte, que pede somente fé”.
Girolamo Cardano, mesmo acolhendo crenças e superstições de todo tipo, concebeu ideias profundamente
inovadoras, antecipando os eventos com surpreendentes intuições, confirmadas depois de séculos pela
ciência oficial. Os dez livros do Contradicentium medicorum, nos quais confrontou as opiniões dos maiores
médicos com relação às diferentes doenças, representam um admirável exemplo de estudo diagnóstico
diferencial. Descreveu analiticamente as várias formas de doenças mentais, foi um dos primeiros a curar a
febre tifoide e a sífilis, e a intuir a incidência das alergias. Os seus estudos de fisionômica, anteriores
àqueles de Della Porta, contém observações e avaliações que serão retomadas por Cesare Lombroso, pai da
antropologia criminal. Quem reprova, ou até mesmo ri dos extravagantes remédios ou dos rituais que
abundam nas prescrições de Cardano e Paracelso, deve ler as curas dadas a seus pacientes por luminares
daquela época: causa maravilha que alguém conseguisse sobreviver! Mesmo conservando como um
tesouro as experiências do passado, o mérito principal destes homens foi aquele de ter novamente
confiança nas próprias observações, ao invés de confiar na autoridade dos antigos, valorizando aqueles
vínculos entre médico e doente, que foram marcados pela inquisição como magia demoníaca, a serem
destruídos com golpes de malleus maleficarum. E este sentido do clamoroso gesto de Paracelso que, em
Basileia, em 1527, queimou simbolicamente, em uma das fogueiras acendidas no dia de São João, a Summa
do saber médico. Um ataque frontal aos colegas arrogantes, escravos de uma obediência passiva às teorias
galeno-aristotélicas, que reconduziam todas as doenças e as relativas curas a rígidos esquemas
predefinidos. No Labyrinthus medicorum errantium, depois de filosofia, astronomia e alquimia, ele designa,
como quarto fundamento da medicina, a virtude, entendida como aquele sentimento de compaixão, que
antepõe o real bem estar do doente ao ganho e aos privilégios de casta. Deste ponto de vista, a medicina
renascimental ainda tem alguma coisa para ensinar àquela moderna, na qual a burocratização da função do
médico está levando a considerar o paciente como um fator a ser administrado em termos de controle não
da saúde, mas da despesa. Agora que a marcha triunfal do experimentalismo diminui o ritmo, percebe-se a
necessidade de prestar atenção na pessoa na sua totalidade, naquele equilíbrio osmótico entre organismo
humano e ambiente circundante, que foi durante séculos progressivamente sacrificado a uma fé absoluta
no progresso tecnológico. Os problemas éticos apresentados pela genética, as dúvidas gnoseológicas,
geradas pelas observações da física quantística, evidenciam a necessidade de uma união entre
conhecimento científico e investigação filosófica. Diz respeito ao médico a não fácil tarefa de conjugar estas
duas fundamentais capacidades do espírito humano, harmonizando os antigos conhecimentos com os
novos, interpretando as novidades tendo em mente os princípios conhecidos, porque não existe ciência
nova que não se torne velha, e não existe uma velha que em um determinado momento não tenha sido
nova. Olhe então, sem dificuldade, oh moderno Asclépio, para os seus antepassados do Renascimento!
Reconquiste este pedaço da sua história, antes de continuar o caminho: “São raizes amputadas que
brotam, são coisas antigas que voltam, são verdades ocultas que se manifestam: é uma nova luz que após
uma longa noite desponta no horizonte e hemisfério do nosso conhecimento, e pouco a pouco aproxima-se
do meridiano da nossa inteligênica”. (Giordano Bruno).
GUIDO DEL GIUDICE
O Círculo Mágico
Todos autores de livros que lidam com magia cerimonial
que dão relatos sobre conjuração e invocação de seres
de qualquer espécie apontam que o círculo mágico tem
nisto o mais importante papel. Centenas de instruções
podem ser encontradas de como fazer círculos mágicos
para alcançar os mais variados objetivos, por exemplo
com Albertus Magnus, na Clavicula Salomonis, na
Goethia, na Magia Naturalis de Agripa, na Magia
Naturalis de Fausto e nos velhos grimórios. É dito em
todos lugares que quando invocando ou chamando um
ser, deve-se ficar dentro do círculo mágico. Mas uma
explicação do simbolismo esotérico do círculo mágico é
raramente dada. Consequentemente eu tenho a
intenção de dar ao estudioso impaciente uma descrição
completa e satisfatória do círculo mágico de acordo com
as leis e analogias universais.
Um verdadeiro círculo mágico é a rapresentação simbólica do macrocosmo e do microcosmo, ou seja, do
homem perfeito. Ele fica para o início e o fim como para o alfa e o omega, assim como para a eternidade,
que não tem início nem fim. O círculo mágico, consequentemente, é um diagrama simbólico do infinito, da
divindade em todos seus aspectos, e pode ser compreendida pelo microcosmo, ou seja pelo adepto
verdadeiro, o perfeito mago.
Desenhar um círculo mágico significa simbolizar o divino na sua perfeição, para obter contato com ele.
Acontece, acima de tudo , no momento que o mago está no centro do círculo mágico, pois por este ato o
contato com a divindade está demonstrada graficamente. É o contato do mago com o microcosmo em seu
"maior passo" de consciência.
Consequentemente, do ponto de vista da magia, é muito lógico que ficar no centro do círculo mágico é
equivalente a ser, na consciência de quem fica, em unidade com a divindade universal. Disto pode-se ver
claramente que um círculo mágico não é somente um diagrama para proteção de influências negativas não
desejadas, mas segurança e inviolavilidade são trazidas através desta consciência e contato espiritual com o
altíssimo.
O mago que fica no centro do círculo mágico é protegido de qualquer influência, não importa que seja má
ou boa, pois ele próprio está, de fato, simbolizando o divino no universo. Adicionalmente, por permanecer
no centro do círculo mágico, o mago também representa a divindade no microcosmo e controla e governa
os seres do universo em um modo totalitário.
A essência esotérica do mago que permanece no centro do círculo mágico é, consequentemente, muito
diferente da qual os livros de evocação usualmente mantém. Se um mago que está no centro do círculo
mágico não estiver consciente do fato que ele está, no momento, simbolizando Deus, o divino e o infinito,
ele não estará apto a praticar qualquer influência em qualquer ser de qualquer espécie. O mago é, naquele
momento, uma perfeita autoridade mágica a quem todos poderes e seres devem obedecer de modo
inquestionavel, definitivo e completo.
Sua vontade e as ordens que ele dá a seres e poderes são equivalentes à vontade e ordens do infinito, do
Divino, e devem conseqüentemente ser incondicionalmente respeitadas por todos os seres e poderes que
o mago conjurou.
Se o mago, durante tais operações, não tiver a atitude correta sobre seus atos, ele degrada a si mesmo para
um feiticeiro, um charlatão, que simplesmente gesticula e não tem contato verdadeiro com o mais elevado.
A autoridade do mago, em tal caso, seria certamente duvidosa.
Além disto, ele estaria em perigo de perder seu controle sobre tais seres e poderes, ou , o que seria pior,
ser zombado por eles, não falando das outras supresas não desejadas e previstas e dos fenômenos
acompanhantes que ele estaria exposto, principalmente se forças negativas estiverem envolvidas.
O modo no qual o círculo mágico é formado depende do grau de maturidade e da atitude individual do
mago. O diagrama, que é o desenho pelo qual a divindade é expressa no círculo, é sujeito aos conceitos
esotericos do Mago.
Conduzindo-se com estes fatos em mente, torna-se natural que o círculo mágico deve ser desenhado em
completa concordância com os pontos de vista e maturidade do mago. O iniciado que está consciente da
harmonia do universo e sua hierarquia exata irá, certamente, fazer uso de seu conhecimento quando
estiver desenhando o círculo mágico.
Tal mago pode, se desejar, e se a circunstancia permitir, desenhar dentro de seu círculo mágico diagramas
representando a inteira hierarquia do universo e assim entrar em contato (acordando sua consciência do
fato) com o universo muito mais rapidamente.
Ele é livre para desenhar, se necessário, muitos círculos a uma certa distância um do outro de modo a usalo para representar a hierarquia do universo na forma dos nomes divinos, gênios, príncipes, anjos e outras
potências.
Deve-se, com certeza, meditar apropriadamente e levar o conceito dos aspectos divinos em questão na
consideração quando do desenho do círculo. O mago verdadeiro deve conhecer que os nomes divinos são
designações simbólicas das qualidades e poderes divinos.
Isto é devido ao motivo de que enquanto desenha o círculo e entra os nomes divinos o mago deve também
considerar as analogias correspondentes ao poder em questão, tais como cor, número e direção, se ele não
quiser permitir que uma brecha em sua consciência venha à existência devido a ele não apresentar o
universo em sua completa analogia.
Cada círculo mágico, não importando se um desenho simples ou ou um complicado, sempre servirá ao seu
propósito, dependendo, claro, na faculdade do mago de trazer sua consciência individual em completa
concordância com a universal, a consciência cósmica.
Mesmo um largo barril de madeira faria o trabalho, com a condição de o mago ser capaz de encontrar o
relevante estado mental e estar completamente convencido que o círculo em cujo centro ele está
permanecendo representa o universo, o qual é em consequência, uma representação de Deus.
O mago irá perceber que quanto mais extensas suas leituras, maior sua capacidade intelectual e maior sua
bagagem de conhecimento será, mais complicado seu ritual e seu círculo mágico será de modo a construir
o suporte suficiente para sua consciência espiritual, a qual então tornará possivel uma conexão mais
facilitada do microcosmo e do macrocosmo no centro do círculo.
Para os círculos propriamente ditos, eles podem ser desenhados de vários modos para adequar-se às
circunstancias, à situação prevalescente, ao propósito, as possibilidades, não importando se eles são
simples ou se eles seguem um complicado sistema hierárquico.
Quando trabalhando ao ar livre, uma arma mágica, adaga ou espada deve ser usada para desenhar o círculo
no chão. Quando trabalhando em uma sala, o círculo pode ser desenhado no chao com um pedaço de giz.
Uma grande folha de papel pode ser usada para o círculo. O circulo mais ideal, entretanto, é o bordado ou
costurado em um pedaço de tecido, flanela ou seda, pois tal círculo pode ser posto no chão de uma sala ou
fora da casa. Os círculos desenhados em papel tem a desvantagem que o papel logo irá gastar-se e rasgarse em pedaços.
De qualquer modo, o círculo deve ser largo o suficiente para habilitar o mago mover-se nele livremente.
Quando desenhar o círculo, o estado mental apropriado e completa concentração são essenciais. Se um
círculo fosse desenhado sem a concentração necessária, o resultado seria um círculo sem dúvida, mas não
seria mágico.
O círculo mágico que foi feito em um pedaço de tecido ou seda deve ser redesenhado simbolicamente com
o dedo ou bastão mágico, ou com outra arma mágica; não esquecendo a necessária concentração,
meditação e estado mental. O mago deve, em tal caso, estar totalmente consciente do fato que não é a
arma mágica em uso que desenha o círculo, mas as faculdades divinas simbolizadas por aquele instrumento
mágico. Além disso, ele deve estar ciente que não é ele que está desenhando o círculo mágico no momento
de concentração, mas o Espírito Divino que está realmente guiando sua mão e instrumento para desenhar
o círculo.
Entretanto, antes de desenhar o círculo mágico, um contato consciente com o todo poderoso, com o
infinito, tem de ser trazido à tona pelo auxílio da meditação e identificação.
Não é dificil para ele imaginar que não foi ele, mas o espírito divino em todos seus aspectos elevados que
está realmente desenhando o círculo mágico que ele deseja ter. O mago tem consequentemente aprendido
também que no mundo do invisível não é o mesmo embora duas pessoas possam estar fazendo
fisicamente o mesmo, pois um feiticeiro, que não possui a maturidade necessária, nunca estará apta a
desenhar um verdadeiro círculo mágico.
O mago que está também familiarizado com Cabala pode desenhar outro círculo assemelhado a uma cobra
(nt:ourobos?) dentro do círculo interior e dividi-lo em 72 campos, dando a cada um destes o nome de um
gênio. Estes nomes de gênios, juntamente com suas analogias, deve ser desenhado magicamente através
da pronúncia correta.
Se estiver trabalhando com um círculo bordado em um pedaço de tecido, os nomes inseridos nos vários
campos devem também estar em latin ou hebrew. Eu deverei dar detalhes exatos sobre os gênios e suas
analogias. Um círculo bordado tem a vantagem de que pode ser facilmente estendido e dobrado
novamente sem ter que ser desenhado e carregado novamente cada vez que deve ser usado.
A cobra presente no centro não é somente a cópia de um círculo interior, mas acima disto, é o símbolo da
sabedoria. Além disto, outros significados podem ser atribuidos a este símbolo da cobra, por exemplo, a
força de uma cobra, o poder da imaginação, etc. Não é possivel dar uma completa descrição disto, pois iria
muito além do objetivo deste livro.
Um círculo mágico pode servir a muitos propósitos. Pode ser utilizado para evocações de seres ou como
meio protetivo contra influências invisíveis. Não é necessario em todos os casos que seja desenhado ou
posto no chão. Pode ser desenhado no ar com uma arma mágica, como a espada mágica ou bastão mágico,
sobre a condição de que o mago esteja completamente consciente da qualidade universal de proteção, etc.
Se nenhuma arma mágica estiver à mão, o círculo pode também ser efetuado com o dedo ou com a mão
somente, considerando que isto é feito com o espírito reto, em concordância com Deus. É mesmo possivel
formar um círculo mágico através da mera imaginação.
O efeito de tal círculo no plano mental ou astral, indiretamente e também neste mundo material depende,
neste caso, no grau e força de tal imaginação. A força agregante do círculo é geralmente conhecida na
magia magnética. Além disso, um círculo mágico pode ser produzido pela acumulação de elementos ou
pela condensação de luz. Quando praticando evocação ou invocação de seres, é desejável desenhar dentro
do círculo em que deve-se ficar outro círculo menor ou pentagrama com uma de suas pontas para cima, o
símbolo que representa o homem. Isto é então o simbolismo do pequeno mundo, do homem como mago
autêntico.
Os livros que lidam com a construção do círculo mágico claramente sustentam que durante o ato de
invocação o mago nunca deve deixar o círculo, o qual, em seu senso mágico, significa nada mais do que a
consciência ou contato com o Absoluto (i. e . o macrocosmo) não deve ser interrompida.
Desnecessário dizer que o mago, durante sua operação mágica com o auxílio do círculo mágico e com os
seres ficando em pé em sua frente, não deve pisar fora do círculo com seu corpo físico ao menos que ele
tenha terminado seu experimento e dispensado o ser relevante.
Tudo isto claramente mostra que o verdadeiro círculo mágico é realmente o melhor para praticar magia
cerimonial. O mago irá sempre descobrir que o círculo mágico é, em cada aspecto particular, o mais
elevado símbolo à mão.
É dificilmente necessário mencionar que o specimen de um círculo mágico, desde que cada mago irá agora
saber do que o que eu disse acima como ele tem que proceder, e é agora por sua conta fazer uso das
instruções dadas aqui.
Ainda ele nunca deve esquecer o principal, que é a orientação que ele precisa quando trabalha com um
círculo mágico, pois somente se ele alcançou o contato cósmico necessário através da meditação e
imaginação, i.e. a conecção pessoal com seu deus, estará ele qualificado para entrar no círculo e começar a
trabalhar dentro dele.
Mistérios da alquimia
Os homúnculos
Giuliano Kremmerz nos "Diálogos sobre o ermetismo" ("A Ciência dos Magos" Vol.III p.13)
escreve: "A magia não sabe o que fazer com a alma ou o vento saido dos mortos, a menos
que, como nos contos das “Mil e uma Noites”, qualquer Rei Salomão não se deu ao trabalho
de recolher a alma do falecido em uma panela, fecha-la e sela-la; ou, como fazia o abade
Geloni, não a recolhesse em um globo de vidro para fazer um botão da vara."
Mas quem foi o misterioso Abade Geloni mencionado por Kremmerz?
Encontramos o nome deste alquimista nos escritos de filósofos e alquimistas famosos. Além
de Kremmerz fala dele com grande detalhe, como veremos em breve, Hartmann em seu livro
sobre Paracelso.
Em maio 1890, apareceu no "Jornal Intimo", uma publicação escrita por Joseph Kammerer
que foi empregado doméstico, em 1773, de John Ferdinand de Kuffstein, um nobre austríaco,
maçom, rosa-cruz e necromante. Kammerer nos diz que Kuffstein conheceu o abade Geloni
na Calabria47 com o qual fez experimentos alquímicos para cinco semanas, a fim de construir
os espíritos ou os homúnculos: um cavaleiro, um arquiteto, um mineiro, um serafim, uma
freira, um espírito azul, um espírito vermelho foram encerrados em frascos de vidro cheios de água pura e
selados com bolhas de boi.
Em seguida, os "pequenos homens" foram enterrados em estrume de mula regados com um elixir especial,
47
Fizemos uma extensa pesquisa na Calábria obre o abade Geloni, sobrenome, talvez, de origem toscana, mas
infelizmente sem qualquer resultado. Não é impossível que por trás desse nome estava escondido um dos maiores
alquimistas da tradição rosacruziana-napolitana operante em todo o sul da Itália .
preparado em laboratório com ingredientes estranhos.
O abade Geloni alegou que para fazer ouro, esses materiais eram essenciais.
Kuffstein e Geloni executavam ritos a cada três dias no estrume e o incensavam. No final da quarta semana,
os espiritos eram crescidos; homens tinham barbas, suas unhas estavam sem corte. Os homúnculos foram
revestidos de seus atributos: coroas, cetros, armas e assim por diante.
Após este período Kuffstein saiu da Calábria e estabeleceu-se em Viena, onde ele trouxe também seus
"espíritos" monstrando-os as alguns de seus contemporâneos. O diplomata Max de Lambert considerou-os
"sapos horríveis". Porém, Francisco José de Você, um seguidor de Mesmer, ficou entusiasmado.
Kuffstein mostrou seus seres estranhos entre os horários de 23 e uma de manhã no palácio do Príncipe da
Annesberg. Kammerer teve a tarefa de transportar os recipientes que continham as criaturas, então eles
poderiam dar conselhos e previsões.
Tudo isso durou alguns anos e, em seguida, Kuffstein não mostrou nunca seus "homúnculos" e quando
perguntaram o que haviam se tornado aquelas criaturas estranhas, ele respondeu que tinha se liberado há
algum tempo e não queria saber nada sobre aqueles "seres infernais."
Além disso Kuffstein atribui à Geloni muitas maravilhas. Ele disse que o vi transmutar em ouro um grande
colar de chumbo depois esfregado com um corante e polvilhado com um pó vermelho.
Franz Hartmann em "O mundo mágico de Paracelsus", citando o grande Paracelsus, conta a história deste
misterioso alquimista e dos homúncolos. (tradução de Ilion)
Dezembro de 2015
GIORDANO BRUNO E OS ROSACRUZES
Um mistério revelado, entre magia, alquimia e filosofia
As pesquisas finalizadas para a realização da primeira tradução
italiana da Summa terminorum metaphysicorum48 me permitiram
iluminar um período de seis meses da atormentada peregrinatio de
Giordano Bruno (1548-1600) até agora permanecido na sombra.
Assim emergiu provas evidentes que confirmam aquele contato
entre o filosofo e um núcleo alemão da confraternidade dos
Rosacruzes, que no passado era somente uma hipótese49.
Personagem principal da história é o teólogo alquimista suíço
Raphael Egli (1559-1622), o qual convidou o Nolano para Elgg, nas
proximidades de Zurique, no castelo do seu patrocinador Johann
Heinrich Hainzel, oficialmente para realizarem um ciclo de
conferências de terminologia aristotélica. Será ele a publicar anos
depois, em duas ocasiões, o texto destas conferências, com o título
de Summa terminorum metaphysicorum. Ele é um personagem que
esteve por muito tempo subestimado porque, em consequência de alguns desagradáveis infortúnios
devidos à paixão pela alquimia, se protegeu escondendo sua abundante produção de textos alquímicos e
apocalípticos por trás de uma numerosa série de pseudônimos.
Só recentemente lhe foram atribuídas cerca de sessenta obras, que revelaram uma surpreendente
personalidade intelectual, ponto de ligação entre as correntes místicas e alquímicas da Alemanha e da
Suíça italiana do tardio sec. XVI e do início do sec. XVII.
Nestas ele abrange da análise das relações entre macro e microcosmos à profecia paracelsiana do retorno
de Elias Artista, da interpretação dos símbolos mágicos às teorias rosacrucianas. Foi também o autor, com o
pseudônimo de Filippo di Gabala50, da Consideratio Brevis, publicada na Alemanha junto ao Confessio
fraternitatis, um dos manifestos do movimento Rosacriciano, no qual faz referência a “confraternidade dos
cristãos batizados com o sangue rosa da cruz de Cristo” como fonte de verdadeira revelação.
Provavelmente em 1591 não só a confraternidade já era ativa na Alemanha, mas se encontrava em uma
fase de recrutamento e Raphael Egli era um ideal candidato para tornar-se um líder. Se é possível que já
durante a estadia em Zurique do filosofo Nolano tenham surgido sugestões rosacrucianas, é praticamente
certo que Egli levantou sucessivamente muitos dos conceitos assimilados durante sua participação das
ideias brunianas na doutrina dos Rosacruzes, da qual na Alemanha foi seguramente um inspirador. O
círculo de alquimistas de inspiração paracelsiana na qual Bruno foi acolhido como um mestre, constituiu
muito provavelmente o núcleo fundamental daquela seita de “Giordanisti”, que o filósofo se demonstrou
orgulhoso em mais de uma ocasião, com os seus companheiros de cela nas prisões venezianas, de ter
fundado na Alemanha.
48
Soma de termos metafísicos com o ensaio Bruno na Suíça entre alquimistas e Rosacrozes, a cura di G. del Giudice,
Roma, Di Renzo, 2010.
49
50
Cfr. Yates F. A., O iluminismo dos Rosa-Cruzes, Einaudi, Torino 1976.
Gabala recorda o título de um tratado de 1670 intitulado “O conde de Gabalis, conversações sobre ciências
secretas” cujo autor é Montfaucon de Villars , onde a leitura era recomendada por Giuliano Kremmerz.
À luz destas novas evidências, se colocava o problema de estabelecer se a frequentação aos ambientes
rosacrucianos teria sido uma etapa ocasional do movimento itinerário filosófico e existencial de Bruno, ou o
fluir evolutivo dos precedentes contatos no âmbito da confraternidade.
Para tal objetivo se revelou de extremo interesse o exame de um manuscrito conservado no antigo
depósito da Biblioteca Nacional de Nápoles, bem conhecido pelos estudiosos rosacrucianos pela implicação
sobre a presença, já na primeira metade do século XVI, de um núcleo de adeptos em Nápoles.
Se trata de uma coletânea de três textos diversos: ao relato de um colóquio no qual o pontífice Bonifácio
VIII pede ao grande alquimista Arnaldo de Villanova informação sobre a pedra filosofal e a uma coletânea
de experimentos alquímicos, segue um terceiro documento intitulado Observações invioláveis a serem
observadas pelos irmãos da Aurea Cruz ou da Rosa Cruz precedente a usual profissão. Este último é o mais
antigo estatuto rosacruciano até hoje conhecido, e nesse, a coisa agora mais interessante, se faz remontar
“as estreitíssimas leis e pactos” muito mais ao passado, diretamente aos anos 1542-43.51
Esta data corresponde perfeitamente à fundação em Nápoles de uma academia filosófica, obra do
intelectual Viterbese (região do Lácio) Girolamo Ruscelli, o qual, exatamente em meados de 1541, se
transferiu da residência romana do cardeal Grimani, para a napolitana de Alfonso D’Avalos, marquês do
Vasto. Intelectual fecundo, curador para o importante editor veneziano Valgrisi das obras de grandes
poetas (Ariosto, Boccaccio, Petrarca).
Ruscelli porém deve sua fama a publicação, com o pseudônimo de Dom Alessio Piemontese, de numerosas
coleções dos “segredos”, prescrições de variados gêneros, de predominante conteúdo alquímico, que se
tornaram um verdadeiro e próprio best-seller da época, com dezenas de edições nas principais línguas. No
prefácio aos Segredos novos da maravilhosa virtude, uma reedição publicada em 1567, um ano depois de
sua morte, Ruscelli descreve a constituição e a organização de uma academia filosófica “secreta”, de
caráter prevalentemente alquímico, na província do reinado de Nápoles. O “Príncipe e Senhor da terra” ao
qual ele faz referência é provavelmente Ferrante Sanseverino, príncipe de Salerno, aliado de D’Avalos, em
cuja corte, frequentada por muitos intelectuais, encontrou acolhimento e proteção.
O insucesso da conspiração tramada em 1563 contra o vice rei Pedro Alvarez de Toledo, que determinou a
caída e desgraça do príncipe, forçou a Ruscelli a abandonar precipitadamente o reino de Nápoles e a asilarse em Veneza.
O manuscrito de Nápoles, escrito inteiramente em Italiano, pertencia a um certo Andrea Segura, no qual
muitos quiseram reconhecer Francesco Maria Santinelli, autor rosacruciano muito ativo na cidade
partenopea (napolitana) precisamente naquele período, e proveio, junta de outros escritos alquímicos, do
convento de S. Domenico Maggiore, como menciona um catálogo redigido em 176452. A biblioteca do
convento continha uma rica seção de textos esotéricos, naturalmente proibidos, não somente pela sua
função de controle e censura, mas também pelo genuíno interesse que os eruditos homens da igreja, a
começar pelos papas, manifestavam pelos temas herméticos e alquímicos.
Não é de se admirar, portanto, que o jovem Nolano tenha conseguido nutrir a própria insaciável voracidade
de saber acessando, mesmo que as escondidas, os textos de autores fundamentais da tradição mágicohermética, como Paracelso, Cornélio Agrippa, Hermes Trismegisto e muitos outros. 53
51
A tese mais difundida e aceita é que a fraternidade Rosacruz tenha tido origem com Kassel na Alemanha em 1614.
Depois da leitura deste artigo é legitimo supor que o verdadeiro nascimento dos Rosacruzes seja verificada em
Nápoles na Itália “nos anos de 1542-1543”.
52
3 Cfr. Tommaso Kaeppeli. O.P., “Antiche biblioteche domenicane in Italia”, Archivum Fratrum Predicatorum, Roma,
XXXI , 1966, p.44.
53
Como é sabido naquele convento passaram também Tommaso Campanella e Tommaso Pignatelli; além disso nas
imediações daquele convento no Vico San Domenico Maggiore encontramos o Palácio do príncipe Raimondo di
Sangro e logo após a Piazzetta Nilo: esta última foi, segundo a tradição hermética napolitana, o centro oculto do rito
egípcio do qual falava Kremmerz e ao qual teve origem a Fraternidade de Myriam. Se observa no mapa de Nápoles
aqui publicado a proximidade entre eles dos lugares abaixo indicados (Ndc).
***
Entre os frequentadores da academia fundada por Ruscelli estava o jovem Giovanni Battista Della Porta,
cuja nobre família estava também sobre a asa protetora de Sanseverino. A Magia Naturalis (obra presente
no vasto Fundo Antigo da Biblioteca da via Senado, na preciosa e rara primeira edição, estampada na
Antuérpia em 1560 por Christophe Plantin), que ele afirma ter escrito com apenas 15 anos, poderia ser a
transcrição dos experimentos realizados na Academia de Ruscelli. Algum tempo depois, entorno aos anos
60 do século, Della Porta fundou em Nápoles a “Academia dos Segredos” com o mesmo objetivo declarado
de querer testar prescrições e expedientes, os famosos “segredos” justamente, para estabelecer a real
eficácia.
Conta-se que em 1566, no retorno de uma longa viagem pela Itália e Europa, ele examinou todos os
experimentos da sua academia, aprovando somente aqueles ratificados pela evidência dos resultados.
Na época Bruno fazia pouco tempo que havia entrado como noviço no convento de S. Domenico e muitas
vezes foi investida a sugestiva hipótese de um encontro com Della Porta. Além do interesse por
argumentos como a ars memoriae, a fisiognomica e a magia natural, compartilhavam a admiração pela
tradição egípcia. O ambiente alquímico, enquanto inspirado por um pampsiquismo telesiano ao qual Bruno
não era de todo alheio, jamais o convencerá de tudo, antes constituirá o argumento principal, tratado com
divertida ironia no seu Candelaio (da qual a Biblioteca da via Senado conserva a preciosa primeira edição,
impressa em Paris em 1582) ambientado em uma Nápoles, teatro dos alquimistas zombadores, astutos
cortesãos e habilidosos trapaceiros. A definição de “acadêmico de nenhuma academia”, que o filósofo dá a
si mesmo na comédia, poderia referir-se exatamente ao proliferar destas academias secretas, que Bruno
sentia afinidade por formação e interesses culturais, mas às quais era “relutante” em aderir pelo espírito de
independência e inconformismo e sujeitar-se a uma hierarquia e a um ordenamento.
Uma importância especulativa do mais vasto respiro orientava os seus estudos em senso infinitíssimo
reservando ao Egito hermético, “berço fluvial de todas as religiões”, o posto de civilização fabulosa “sede e
pilar do céu”, depositária daquele panteísmo transbordante do infinito do qual derivavam todos os outros
cultos.
***
No ano de 1562, pouco antes que Filippo com 14 anos de idade, da família dos “Bruni”, chegasse a Nápoles
para estudar com seus primeiros mestres, foi demolido o altar-mor de S. Domenico54, para transferir para
trás o coro que se encontrava ao centro da Igreja, abaixo desse foi encontrado uma lápide de mármore
com oito versos que se iniciam com “Nimbifer ille deo mihi sacrum invidit Osirim”.
A lápide se encontre hoje murada sobre a torre de sinos ao lado do portão do Convento e provaria que o
atual templo de S. Domenico era na origem dedicado ao culto de Osíris. A “Academia dos Segredos” tinha
duas sedes, uma para os amigos na cidade, no palácio dos Della Porta na Via Toledo próximo ao Largo da
Caridade, e uma privativa na colina, na vila chamada de as Duas Portas. Precisamente nas imediações desta
última, recentes descobertas da espeleologia urbana permitiram a determinação dos ambientes
54
Algumas fases sucessivas da história do Centro egípcio podem ser no mínimo intuídas daquilo que se refere aos
séculos entre 1500 e 1600: sabemos da presença em Nápoles nestes séculos da Academia de Pontano, de hermetistas
como Giordano Bruno, Tommaso Campanella e Tommaso Pignatelli, os quais estudaram no convento de San
Domenico Maggiore que surge especificamente nas proximidades da piazzeta Nilo e do Palácio de Sangro, do marques
Francesco Maria Santinelli (conhecido com o pseudônimo Frate Marcantonio Crassellame), um dos maiores
hermetistas do tempo e que frequentou em Roma a Academia de Cristina da Suécia e cujo trabalho foi a base do
Catecismo da Etoile Flamboyante do Barão de Tschoudy, em fim de Giovanni Battista Della Porta que presidiu a
Academia filosófica e hermética dos Segredos (Ndc).
subterrâneos, nos quais os adeptos da academia tinham as suas reuniões clandestinas e onde se podem
ainda observar afrescos e inscrições que atestam a prática de ritos de natureza hermética. 55
Tais cerimônias se ligam àquela tradição egípcia bem estabelecida em Nápoles e remonta às “colônias
nilesi” de mercadores alexandrinos, estabelecidos no corpo de Nápoles, exatamente na zona na qual Bruno
viveu os anos de sua formação e onde ainda hoje prevalece a estátua do deus Nilo. Estas influências nos
ajudam a compreender aquele importante componente de egipcianismo presente no pensamento do
filosofo, que levou Yates a intitulá-lo como “mago hermético”.56
A Academia filosófica de Girolamo Ruscelli e a Academia dos Segredos de Giovanni Battista Dela Porta
constituiriam, portanto, os precursores das associações rosacrucianas que o manuscrito de Segura de 1678
atesta serem ativas em Nápoles.
A existência na segunda metade do século XVI deste núcleo italiano do movimento é confirmada pelos atos
do processo no qual foi submetido, em 1676, pela Inquisição veneziana o cavalheiro de origem alemã
Federico Gualdi, acusado de praticar artes mágicas.
As notícias que lhe dizem respeito, a fronteira entre realidade e lenda, a ele atribuem a função de adepto
ou mestre de uma irmandade hermética, a autoria de numerosas obras de argumento alquímico, mas
também um segredo que o teria permitido de prolongar a vida até aos 400 anos de idade! A documentação
relativa ao processo, conservada próximo do Arquivo de Estado de Veneza, atesta, não obstante, sem
sombra de dúvidas a existência na Itália de uma Confraternidade da Aurea Cruz cuja conduta se
conformava às regras mencionadas no manuscrito de Segura57.
***
Que a Ordem dos Áureos Rosacruzes seja um produto de importação da Itália é confirmado também pela
análise do primeiro estatuto orgânico em língua alemã, que remonta à 1710, ano no qual Samuel Richter,
um pastor luterano de tendência pietista, discípulo de Paracelso e Jacob Böhme, publicou em Silesia, com o
pseudônimo de Sincerus Renatus, as Gesetze oder Reguln der Brüderschafft des göldnen Creutzes (Leis ou
Regras da Irmandade da Aurea Cruz). Elas não são outra coisa que a tradução dos 47 artigos do manuscrito
napolitano, que aqui se tornam 52. As ligeiras diferenças são devidas em grande parte ao fato que a
organização da corrente italiana se mostra muito mais ecumênica em relação a alemã, caracterizada
claramente em sentido luterano, como de resto esteve o círculo de Elgg. No estatuto, todavia, não se faz
referência a Christian Rosenkreuz e aos manifestos originários dos Rosacruzes, que remontam a 1614-1616
(Fama e Confessio Fraternitatis), mas sim à religião católica, ao imperador, e ao uso da pedra filosofal,
55
Segundo Giustinano Lebano, mestre da Ordem Egípcia e mestre de Kremmerz, a iniciação sempre foi conferida em
lugares arcanos e invisíveis e a Partenopea oculta, que sempre existiu, era inacessível e desconhecida aos profanos
(Ndc).
56
“A Terra (geografia) simbolizou a realidade produtiva; os animais a zona astral (Ibis); os astros com as configurações
estelares (planisfério) o mundo divino. Nas cidades de origem grega se encontram repetidos os ritos egípcios e em
Nápoles existe todo um antigo bairro que recorda não o Nilo rio, como dizem os arqueólogos, mas o Nilo sacro das
verdades e dos mistérios sacerdotais, dos quais nenhum dos profanos pode falar se antes não se iniciar nos mistérios
da magia que é a chave filosófica de todas as religiões. Onde o culto egípcio se afirmava com um nome e com um
monumento, lá se ensinava dos egípcios a ciência secreta, e Nápoles perpetuou por um longo período a tradição da
ciência oculta com o rito secreto egípcio no qual certamente foi inscrito G.B. della Porta. (Giuliano Kremmerz, A
Ciência dos Magos, Vol. I pag. 248). (Ndc)
57
Cfr. Tommaso Kaeppeli. O.P., “Antiche biblioteche domenicane in Italia”, Archivum Fratrum Predicatorum, Roma,
XXXI , 1966, p.44.
evidenciando a tendência da associação mais tarde religar-se ao núcleo originário italiano mais que aquele
alemão. Interessante notar que nos rituais das sociedades esotéricas de final dos ‘800 – e inícios dos ‘900 o
nome místico do Magister, “Pedemontanus de Rebus” 58 parece recordar aquele Alessio Piemontese
(Alexius Pedemontanus), que é o pseudônimo sob o qual Girolamo Ruscelli publicou os Segredos novos da
maravilhosa virtude.
À luz do que foi dito, Giordano Bruno poderia ter sido o elo de união entre a tradição associativa das
“academias” italianas e as irmandades proto-rosacrucianas alemãs. O interesse de Egli e Hainzel, grandes
colecionadores de textos alquímicos provenientes de todos os lugares, que andaram buscando em
Frankfurt, poderia ter sido ditado precisamente da fonte de Bruno de uma realidade de extremo interesse
como aquela napolitana, cuja fama certamente chegou até eles. Se tiveram contato com uma militância sua
ativa, talvez com o papel de Magister no movimento, Bruno deveria decepcioná-los. É todavia um fato que
sugestivos componentes do seu pensamento, do egipcianismo à teoria do macrocosmo e microcosmo,
constituem ainda hoje uma referência constante da doutrina rosacruciana. Ao avaliar estas analogias não
convém porém jamais esquecer o radical anticristianismo do Nolano. Para ele Cristo é somente um homem,
e a nenhum homem pode ser atribuída uma função de intermediador que qualquer um de nós já não
possua. Ele não aceita nenhuma autoridade humana no relacionar-se com um Deus de resto incognoscível
na sua verdadeira essência. A genealogia da antiga sapiência, para Giordano Bruno se detém no Egito. A
sua estrada é aquela dos Rosacruzes, depois de um caminho comum, divergem ao cruzamento com o
Cristianismo.59
Guido del Giudice
Fonte:https://www.academia.edu/5119136/Giordano_Bruno_e_i_Rosacroce._Un_mistero_svelato_fra_ma
gia_alchimia_e_filosofia
Tradução do Ir+2369
58
Sarnelli P., Vida de Giovanni Battista Della Porta Napolitano [1677], in G.B. Della Porta, Os zifere ou a escritura
secreta, a cura di R. Lucariello, Filema, Napoli, 1996.
59
Cfr. MacKenzie, Kenneth R.H, The Royal Masonic Cyclopaedia of History, Rites, Symbolism, and Biography, New
York, 1877.
Giulio Parise: COMUNICABILIDADE E INEFABILIDADE
São conhecidas em geral por quantos se ocupam do
ocultismo algumas observações e objeções que
espontaneamente se mostram, assim que o investigador
se introduz no exame dos múltiplos problemas que o
desconhecido apresenta, como também quando ele
tenta realizar aquilo que é sugerido pelas práticas rituais
que, mesmo não sendo muitas, mostram-se numerosas
em seu gradual desenvolvimento e na adaptação de cada
indivíduo ou grupo.
Uma das primeiríssimas coisas que se notam é a
declaração geral de incomunicabilidade, de inexprimível,
de segredo que deveria circundar todas as coisas ocultas,
declaração que naturalmente provoca um exame de
consciência no aspirante à iniciação, sobre as qualidades
de boa garantia que ele oferece e que o tornam digno de
participar dos arcanos da Escola, exame de consciência que é habitualmente negativo, se bem que
muito orgulho e muita presunção individual escondam dos outros tal resultado e se esforcem
muito por construir uma dignidade fictícia com elementos capturados do interior conturbado e do
orgulho (ou da exaltação do ego) desfigurados para a própria vantagem.
Após isso, existe a pergunta, formulada claramente para aquele ou aquele outro, de como se fala
sobre aquilo que é secreto, por que se fale , mesmo em público, e também por que são escritos
tantos e tantos volumes. As respostas podem ser diversas, mas todas mais ou menos semelhantes
e referentes a uma das três seguintes:
Primeiro caso: há quem assuma um comportamento enigmático, de perfeito “iniciado”, exibindo
um sorrisinho tolo que gostaria de dizer tantas coisas e não diz nada, arregala os olhos e os fixa
com a maior força de penetração possível sobre o interlocutor, põe para fora a voz mais cavernosa
de que seja capaz e responde “que o segredo existe, que o mistério existe, efetivamente, mas que
é conhecido somente por quem é iniciado, e que falar em público de coisas ocultas não as
prejudica absolutamente, seja pela necessidade da iniciação que pela sua compreensão, porque
falando disso, ainda que imperfeitamente, existem maiores possibilidades de induzir outros para a
iniciação, para uma maior evolução, etc., etc.”. Mas nem do segredo, nem da sua natureza, nem
hoje nem depois, o requerente obtém uma resposta mais satisfatória.
Segundo caso: a resposta é dada por um outro, naturalmente ele também “iniciado”, variando
ligeiramente a atitude da pessoa e o tom de voz, mais ou menos nestes termos: - “O segredo?
Não existe; o mistério? Muito menos; vínculos? Tampouco; obrigações? Também não; hierarquia?
Nem pensasr; são coisas de tempos passados, coisas da Idade Média. Hoje nós somos pessoas
modernas, que queremos colocar todas as coisas em seus lugares e dizemos assim para as coisas
que são assim, etc., etc.”. A conversa fiada continua com variações intermináveis, que podem
também originar longas divagações sobre o problema da consciência, sobre a imortalidade, magia,
sobre os rituais e sobre o que mais se queira, porque tudo deve ser claramente dito; mas se se
quisesse saber qualquer coisa de uma verdadeira realização um tanto sapiente, não se conseguirá
nada, porque não existe nada.
Muito mais difícil é encontrar uma pessoa que, sem tanta conversa em público ou em privado,
depois de ter olhado nos olhos do interlocutor, aconselhe-o ou de voltar simplesmente aos seus
afazeres inocentes cotidianos de bom homem, ou diga-lhe, então simples e brevemente: “Se quer
saber qualquer coisa, faça assim e assim”.
Este “assim e assim” contém um sistema de ensinamentos, um ritual.
E no que diz respeito a uma publicação, o caráter científico, a fidelidade de quanto é exposto e a
autoridade do escrito são dados unicamente para a absoluta experimentação das práticas
indicadas, sempre que se mantenham nos limites estabelecidos pela oportunidade moral e
naqueles marcados pela real experiência do escritor, que, além da indicação metodológica e
prática, saberá indicar como hipótese pessoal cada ulterior desenvolvimento e organização dos
primeiros, salvo, bem entendido, que também sobre isso ele seja efetivamente sapiente.
É portanto oportuno considerar que o verdadeiro conhecimento não se manifesta jamais por
palavras vazias ou inúteis “discussões”, e nem mesmo é absolutamente testemunhado por
exibições dos assim ditos “fenômenos”, mas pela transmissão do quanto é adequado ao aspirante
para que se torne consciente do objeto do “mistério”.
Saiba portanto reconhecer a verdade dos fatos reais e não se deixe iludir pela grande autoridade,
que procuram obter alguns charlatões do ocultismo. Eu lhe falei sobre uma “transmissão de ritos”.
Isto é a iniciação.
Pessoa atenta, você poderá pensar que em vários escritos foram dadas algumas, talvez muitas,
instruções e que por isso qualquer um que tenha lido, e quem sabe, memorizado o que foi escrito,
e também até “assimilando” a tal ponto para poder falar ou escrever desenvolvendo o exposto em
outro modo, pessoal e novo, juntamente com um conjunto de conhecimentos pegos em outros
livros, e se quiser também com grande exibição de erudição ocultista, filosófica, ou outra, seja
iniciado: NÃO!
A nossa Verdade não é matéria, nem folhas de papel ou palavras impressas, nem discurso longo
ou breve, nem pensamento nem gesto; é ação vital, é VIDA, e somente quem é vivo no espírito
pode transmiti-la a outro espírito, diretamente, e vivificá-lo.
Saiba entender que “transmitir” é como abrir a terra e colocar uma semente de vida nova – é
como luz da luz, chama da chama.
Quem pode transmitir, já possui. Se quem fala e pretende instruí-lo não comunica interiormente
com você e não faz vibrar a sua alma, quer dizer que a sua palavra é palavra vã, é palavra de
morte, não de vida. Para transmitir, para comunicar, é necessário possuir a comunicabilidade.
Fique atento porque não são simples frases, mas expressões que poderão fazer-lhe intuir – e não
acredito que se possa melhor exprimi-lo – como trabalha o Mestre no suscitar, além da barreira
que lhe é oposta pela natureza corporal e pelo complexo de conceitos e preconceitos, hábitos e
outros, aquele particular ato do espírito do discípulo, pelo qual esse se sente mexido
interiormente, cai um véu diante dele e diz: entendi, talvez sem poder exprimir aquilo que
efetivamente entendeu.
Creio que qualquer um tenha a prerrogativa de “pensar” reconhecer em si mesmo muitos
momentos nos quais viveu tal “iluminação”.
- Mas, então, a auto iniciação...?
Existe, como possibilidade, também essa. Mas recorde-se que se entre milhares de homens há um
ocultista, entre milhares de ocultistas só um que procura seriamente, sem dizer ou fazer tolices, e
entre milhares de pessoas “sérias” existe um iniciado, para um número indeterminado de
verdadeiros iniciados existe um “adepto”, que é coisa hierarquicamente muito diferente, porque o
termo designa quem chegou à conclusão da obra; entre estes, após aquela difícil seleção que eu
lhe indiquei, existirá talvez, muito talvez, quem é iniciado por si, é autodidata, e alcançou, sempre
com suas próprias forças, a realização.
Dadas as circunstâncias, os “talvez” serão muitos, e as dúvidas para uma tal possibilidade
muitíssimas. Uma autoridade indiscutível, Agrippa, fala muito claramente sobre os vários modos
da iniciação, dividindo todos os iniciados em três categorias: “Antes de mais nada aqueles que não
são nascidos da carne e do sangue, mas são nascido de Deus; logo após aqueles que são dignos
disso (dignificados) por um benefício da natureza e por um dom vindo do céu; os outros esforçamse para alcançarem com os méritos e com a arte, sobre os quais eu lhe darei maiores informações
pessoalmente”.60
O que significa, em outros termos, que existe:
- quem nasce nesta vida já investido do sacro caráter de iniciado, ou de adepto. Não procurar o
porquê:
- quem, por uma alta determinação que transcende as leis e as razões humanas, a um certo
momento e também sem uma razão ou um mérito especial aparente, é investido de poderes e de
conhecimentos que podem variar de um mínimo indeterminável, a um altíssimo grau;
- quem, enfim, com as próprias obras, constante, e harmoniosamente ordenado na obtenção de
uma realização espiritual, consegue atrair para si a vital potência do Logos na instrução ou no
Mestre finalmente encontrado, ou então nos momentos de inspiração que se sucedem – se tudo
procede segundo a lei – até o completamento, mas que também, se chegam até alguém, deverão
partir de alguém ou de alguma coisa.
Note todavia que Agrippa não usa o termo “auto iniciação”, nem acena remotamente, mas fala de
esforços para atingir o adeptado com os méritos e com a arte, sobre os quais dará informação
pessoalmente. Está claro?
Auto iniciação, então, é um neologismo que deve ser entendido cum grano salis tantas vezes
esquecido, porque não quer dizer de jeito nenhum que um homem possa inflar tanto o seu peito
para poder dizer um dia: a Terra é agora um átomo do meu corpo cósmico. – Não, quem possui tal
presunção, pode no máximo inchar-se até ao ponto de acabar como a clássica rã. – Auto iniciação
deve significar simplesmente que, sem ser por nascimento filho dos Deuses, e sem que lhe ocorra
60
C. AGRIPPA, Epistola V, 19 cit. de A. REGHINI em Estudo introdutivo de E. C. Agrippa, etc. p. LXXXII; Fidi, 1926 - etc.
AGR. De Occulta Philosophia. III, 36. O cursivo, importante advertência para o correspondente de Agrippa e para o
leitor, é nosso.
um dom sobre forma de investidura, se tem boa vontade, pode procurar e talvez encontrar a força
suficiente para começara a caminhar e seguir adiante até a meta distante, sem a possibilidade de
usufruir de um “meio rápido”, mas também sem recusar, e talvez procurando no momento
oportuno um pouco de ajuda, se às vezes as suas forças não forem suficientes para superar
sozinho passos que para você são muito difíceis, ou para pedir alimento e abrigo para o seu
cansaço.
A “Via” e o “Viajante” são símbolos bem antigos e bem conhecidos, embora possam desagradar
algum presunçoso que os considere a fundo em seus significados. Por exemplo, nisso, que se o
viajante nas vias do mundo deve ser são de corpo e vigoroso, ter boa visão e os braços fortes,
assim também quem quer avançar na nossa via deve ser perfeito no espírito e também no corpo,
sim senhor, também no corpo, por causa da inviolável lei das correspondências harmônicas. Caso
contrário, você pode imaginar um clarividente deformado ou um gago lutando com uma
interminável fórmula evocatória, cheia de “palavras de potência”? Poderia fazer muitas outras
considerações sobre o valor dos símbolos relativos ao viajante, que deixo como objeto de
meditação ao sábio leitor. Mas é importante ainda esclarecer uma outra coisa.
É sabido e reconhecido que, de qualquer forma que se aja, para sea avançar é necessário, ou pelo
menos útil, algo que não é atual em nós, ou seja, uma maior sabedoria, um maior conhecimento,
que nos guiem e aconselhem para proceder com mais segurança e com mais facilidade, sem temor
de errar, de perder a via, ou de precipitar-se no escuro – e que este “algo” é alguém que se
designa geralmente com o nome de Mestre, entenda-se como ele atua na transmissão de suas
instruções.
Considero agora o caso, que me permito de chamar normal, de uma pessoa com tanta sorte de
estar em condições fisiológicas e psicológicas normalmente perfeitas, e que um Mestre conceda a
ela a graça de conhecê-lo. Este conhecer verdadeiro, que pode acontecer também após um longo
tempo transcorrido em relações sociais exteriores, é aproximação e penetração de espíritos, como
repentina centelha luminosa e viva que ilumine com uma nova luz vital – e suscita uma sensação
nova, um estado novo de ser, uma consciência de imediata transformação.
Algumas pessoas são capazes de observar isso em si mesmas e recordá-lo, outros disso serão
conscientes mais tarde.
Ao discípulo são comunicadas poucas normas rituais – e ele, atento, sente vibrar em
profundidades ainda desconhecidas o misterioso significado das palavras novas; novas mesmo que
ele as tenha ouvido outras mil vezes de lábio mortal, novas , mesmo que ditem fórmulas arcanas
mil vezes lidas em escrituras mortas. Poucas e precisas normas, não detalhadas, não vulgarmente
explicadas. A palavra, o gesto, o olhar, são os meios de uma transmissão de significados que tem
raízes ocultas na alma e que são comunicadas à alma, não absolutamente novos na forma e às
vezes na essência, mas novos em seu valor de técnica e de experimentação.
Dito de outra forma: se entra em um campo de vibrações espirituais e de estados que, mesmo
sendo normalmente experimentados por cada indivíduo, com maior ou menor intensidade e
frequência, não são todavia nem adequadamente conhecidos, nem organizados e fixados por uma
serena introspecção e por uma calma vontade.
Toda a metodologia teúrgica e mágica consiste no provocar, desenvolver e dirigir a atividade do
espírito.
No início nunca é dada uma razão completa para as práticas; o depois explicará o antes; o
discípulo, realizando mais ou menos rapidamente a essência do rito, de acordo com o seu avançar,
torna-se consciente daquilo que realiza nos novos atos do seu espírito, nos novos estados, no
novo modo de ser e de operar. Ele, que em um primeiro momento tinha simplesmente a sensação
interior da via que era mostrada para ele, agora conhece o seu princípio, vê as suas pistas, além,
até onde a sua capacidade de visão alcança, na medida em que a chama acesa nele pode iluminar.
Ao redor existem ainda trevas densas. Orientar-se? Avançar? Assim, como nos caminhos da terra,
também nas outros caminhos existe a possibilidade de perder-se.
E eis o Mestre, guia segura e experiente, que aconselha e exorta, vigia os passos e as passagens
difíceis, adverte e previne as dificuldades, de maneira tal a estar preparado, e indica a melhor via,
segundo as forças, e ajuda. O que era em princípio, voluntariamente sem razão de ser, pouco a
pouco se explica. A gradual experiência abre ao discípulo também a compreensão intelectiva
daquilo que opera, e a comunicação constante com o Mestre lhe é útil onde com maior
intensidade empregar e compreender as experiências e ter a chave para outras, segundo a norma
de obter somente quanto é adequado às possibilidades da sua atual compreensão e realização.
Porque querer exprimir coisas ininteligíveis e irrealizáveis para uma pessoa, seria um erro.
Assim se pode entender o justo valor prático dos termos: comunicabilidade e inefabilidade,
devendo-se entender com o primeiro: quanto está adequado para ser absorvido no espírito, na
Mente, e realizado – e aquele que comunica faz compreender; com o segundo: quanto é oportuno
que não seja dito, porque ouvi-lo seria coisa inútil, ou danoso. (Luz)
Tradução do Ir+ 2369
OS NOMES DA LUA
Os nomes da lua nos 12 signos do zodíaco, relatados por Agripa e por os Mestres de hermétismo, de acordo
com a mitologia, são os seguintes:
ARTEMIS (ÁRIES) SELENE (TOURO) HEBE (GÉMEOS) HÉSTIA (CÂNCER) HÉCATE (LEÃO) DEMETER (VIRGEN)
AFRODITE(LIBRA) PERSÉFONE (ESCORPIÃO) SEMELE (SAGITÁRIO) ATENA (CAPRICÓRNIO) HERA (AQUÁRIO)
EOS (PEIXES)
Artemis dá o nome a Áries o primeiro signo astrológico do ano e por isso é bom conhecer a sua origem
mitológica:
O mito de Ártemis
Uma das doze divindade gregas do Olimpo, a mais popular das deusas
do panteão grego, inicialmente ligada à floresta e à caça, depois
associou-se também à luz da lua e à magia. Filha de Zeus e Letó e irmã
gêmea de Apolo e conhecida pelos romanos como Diana. Sua mãe foi
perseguida por Hera, a deusa rainha protetora do casamento e do
parto, que não quis receber quando estava preste a dar à luz, pois
odiava e perseguia as amantes de Zeus e os filhos de tais
relacionamentos. Esperando gêmeos chegou a ilha de Delos e deu a luz
no monte Cinto, primeiro ela, que revelou os seus dotes de deusa dos
nascimentos auxiliando no parto do seu irmão gêmeo, Apolo. Seu pai,
presenteou-a com arco e flechas de prata, além de uma lira do mesmo
material e seu irmão Apolo ganhou os mesmos presentes, só que de
ouro, obra de Hefesto, o deus do fogo e das forjas, também seu irmão
por parte de pai, e também deu-lhe uma corte de Ninfas, e fê-la rainha
dos bosques. Sendo considerada a mais pura e casta das deusas, era particularmente amada pelas Ninfas e
com elas dançava freqüentemente nas florestas como a luz prateada da lua. Representava para as
mulheres o que Apolo representava para os homens. Sendo uma infatigável caçadora e, apesar do seu voto
de castidade, apaixonou-se perdidamente pelo jovem Órion ou Orionte,
filho de Posêidon, também era um grande caçador como ela. Mas seu
irmão gêmeo não gostava dele e muito lhe desagradava a afeição da irmã
pelo jovem e, enciumado, decidiu impedir sua irmã de consorciá-lo.
Ardilosamente, uma vez estavam os dois em uma praia quando seu irmão
percebeu Órion mergulhado na água e somente com a cabeça de fora.
Apolo mostrou-lhe aquele objeto escuro para a sua irmã, desafiou-a em
acertá-lo. Vaidosa e sem saber que se tratava da cabeça de Órion, ela
prontamente retesou o arco e acertou-a com sua flecha. As ondas
trouxeram o corpo de Órion até a praia e ela, em sua dor, não querendo
que o amado desaparecesse para sempre, colocou-o entre as estrelas do
céu, onde ele aparece como um gigante com cinto e espada, vestindo
pele de leão e segurando uma clava, acompanhado pelo seu cão, Sírius.
Era muito severa também com os mortais que ousavam desafiá-la. Certa
vez, como de costume banhava-se nas águas das fontes cristalinas;
quando foi surpreendida pelo caçador Acteon que ali se dirigiu para saciar a sede. A vê-lo transformou-o
em um veado e tornou-o vítima da sua própria matilha que o estraçalhou. Foi freqüentemente confundida
com Selene ou Hécate, também deusas lunares e é conhecida como Cíntia, devido ao seu local de
nascimento, e foi ao longo dos tempos uma fonte inesgotável da inspiração dos artistas.
Nas festas em homenagem à lua eram sempre executadas danças de extrema sensualidade e havia
constantemente a presença de um ramo considerado sagrado. Ártemis é considerada uma virgem
responsável pelos partos, pois os mitos a retratam igualmente como o bebê que nasceu primeiro e ajudou
a mãe a parir o irmão Apolo.
Embora pareça contraditória esta personalidade ambígua de Ártemis, na verdade ela está associada á dupla
faceta do feminino, que protege e destrói, concebe e mata. Esta imagem da deusa é difundida
especialmente na Ásia Menor. Não se sabe exatamente onde e quando surgiu seu culto, pois os autores
que estudam o mito divergem quanto a este ponto.
Há estudos que situam Ártemis ao lado de outras potências lunares, tais como Hécate, também associada
às esferas infernais, e Selene; as três compunham uma espécie de trindade da Lua. Os italianos a conhecem
como Diviana, expressão que pode ser traduzida como Deusa, e pode ser facilmente ligada ao nome Diana.
Na Itália eles comemoravam sua festa no dia 13 de agosto, quando os cães de caça tinham seu momento
de glória e os animais ferozes eram deixados à vontade.

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