Jornal da Imagem
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Parte integrante da Edição nº 354 – Fevereiro de 2008 Jornal da Imagem Caderno 2 Este encarte contém casos diversos enviados pelos leitores do Jornal da Imagem Caso 1 Figura1 – TC Abdome, fase arterial: Fígado com dimensões aumentadas apresentando múltiplas pequenas imagens hipodensas difusamente distribuídas pelo parênquima de ambos os lobos, na sua maioria menores do que 1,0cm Figura2 – RM Abdome, coronal pós contraste: Formações císticas distribuías por todos os segmentos hepáticos • H istória clínica Figuras 3 e 4 – TC Tórax/Alta Resolução: Cistos pulmonares de contornos irregulares, alguns com paredes levemente espessadas e outros formando conglomerados, com acometimento predominante nos lobos inferiores e médio. Ausência de linfonodomegalias mediastinais Paciente previamente hígido, 30 anos, masculino, sem antecedentes (pessoal ou familiar), sem outras queixas associadas, procurou o serviço por apresentar febre diária (máximo de 38,0 ºc), aliviada com uso de analgésicos há uma semana. Exame físico sem nenhuma particularidade. Caso 2 • H istória clínica – D.V.N, masculino, 11 anos – HMA Figura 1 – Desvio do processo odontóide para a esquerda Figuras 2 e 7 – Lesão expansiva com epicentro na massa lateral e arco anterior de C1, com extensão para partes moles perivertebrais com componente epidural, localizada predominantemente à direita da linha média, apresentando baixo sinal em T1 (axial e coronal) – Paciente com queixa de dor cervical há 1 mês e piora há 2 semanas Exame Físico – BEG, eupneico, corado, afebril – ACV,AR,AGI,AGU, SME e SNC: ndn Figuras 3, 5 e 6 – Tal imagem apresenta importante realce pós contraste (axial, coronal e sagital) Figura 4 – Alto sinal da lesão em T2. Presença de líquido no interior da articulação atlanto-dental Jornal da Imagem 2 São Paulo | FEVEREIRO | 2008 Caso 1 Drs. Alexandre Pasquali (R1) e Juliana Lobo (R2) Histiocitose de células de Langerhans com envolvimento hepático Diagnóstico Histiocitose de células de Langerhans. Discussão O termo histiocitose abrange uma série de síndromes que possuem um aumento anormal de células do sistema imune, os histiócitos, que incluem os monócitos, os macrófagos e as células dendríticas. A histiocitose engloba três classes, a das células de Langerhans (também conhecida como histiocitose X) e outras duas, a saber: não células de Langerhans (síndrome hemofagocítica) e síndrome maligna relacionada à histiocitose (linfoma de células T). A histiocitose de células de Langerhans é caracterizada pela proliferação de células de Langerhans em vários tecidos, sendo de etiologia desconhecida e reunindo três formas: Granuloma Eosinofílico, doença de Hand-Schüller-Christian e doença de Caso 2 Letterer-Siwe. As manifestações clínicas da histiocitose de células de Langerhans são muito variadas e dependem da extensão da doença. A doença é mais prevalente na faixa pediátrica e mais de noventa por cento dos casos ocorrem em pacientes com idade inferior a 21 anos. Os pulmões, os linfonodos, a medula óssea, o fígado, o baço, os ossos e a pele podem ser afetados. O envolvimento sincrônico dos pulmões e do fígado em pacientes sem quadro clínico exuberante é muito pouco freqüente. Zasshi e colaboradores relatam um caso em paciente assintomático com envolvimento de ambos os órgãos durante exame de rotina. Em uma série de relato de casos, Radin descreve o envolvimento isolado do fígado na histiocitose de células de Langerhans e sua apresentação radiográfica. Os histiócitos podem apresentar uma grande quantidade de lípides. Dessa forma podem se apresentar de variadas formas, de acordo com o método radiológico empregado e admitindo outros diagnósticos diferenciais. É notório destacar que o envolvimento hepático na histiocitose das células de Langerhans está relacionado com uma taxa de mortalidade maior. O acometimento pulmonar está relacionado com inflamação ao redor dos bronquíolos, acarretando inflamação e formação cística, a partir dos nódulos anteriormente formados pelo processo inflamatório. O volume pulmonar é preservado e o acometimento ocorre preferencialmente nos lobos superiores. Na radiografia simples pode apresentar um padrão intersticial em “favos de mel” e sua apresentação na tomografia de tórax de alta resolução com cistos de paredes finas com a distribuição peculiar citada anteriormente é, praticamente, patognomônica da doença. Como diagnóstico diferencial temos a linfagiomatose. O diagnóstico radiológico da histiocitose de células de Langerhans pode ser, em muitos casos, específico para a doença. Porém, deve-se firmar um diagnóstico por métodos patológicos para a doença, como a pesquisa de um grupo de antígenos específicos ou, mesmo, com a demonstração dos grânulos citoplasmáticos de inclusão. Referências bibliográficas 1.Nihon Kokyuki Gakkai Zasshi, “ A case of pulmonary Langerhans` cell histiocytosis with liver involvement” 2004 Oct; 42 (10):924-7. 2.D. Randall Radin “Langerhans Cell Histiocytosis of the Liver: Imaging Findings”, AJR 159:63-64, July 1992. 3.Yoshikawa J, Matsui 0, Takashima T, et al. Fatty metamorphosis in hepatocellular carcinoma: radiologic features in 10 cases. AiR 1988;151:717-720. Drs. Luis Filipe de Souza Godoy (R1), Adriano Marcelino Salgado (R2) e Marcos Felippe de Paula Correa Granuloma Eosinofílico Diagnóstico Granuloma eosinofílico. Discussão Granuloma Eosinofílico é uma apresentação mais branda da Histiocitose de Células de Langehans que inclui ainda outras formas mais graves, que são a Doença de Letterer-Siwe e de Hand-Schüller-Christian. As alterações patológicas são predominantemente ósseas, embora ocasionalmente possa ocorrer envolvimento pulmonar. As crianças, especialmente do sexo masculino, entre 3 e 12 anos são mais comumente afetadas, embora essas lesões possam ser ob- servadas em adolescentes e adultos jovens. Somente em casos excepcionais encontra-se a patologia em pessoas de meia idade. Qualquer estrutura óssea pode ser afetada. No entanto, crânio, arcos costais e fêmur são os locais mais comuns. Lesões solitárias são mais freqüentes que lesões múltiplas, quando acometem mais de um sítio, as lesões secundárias aparecem dentro de 1 a 2 anos após o surgimento da primeira lesão. A maioria dos pacientes não tem sintomas, embora dor localizada, edema e até fraturas patológicas possam ocorrer. À radiografia simples são características áreas radiotransparentes, com margens bem definidas e muitas vezes de tamanho consi- derável. Embora na fase ativa não ocorram margens escleróticas, a fase cicatricial, que geralmente ocorre por regressão espontânea, é marcada por esclerose periférica em torno da lesão e leve reconstituição da estrutura óssea. Seqüestros ósseos “em botão” podem ser observados. A radiografia simples é o principal exame para o diagnóstico, embora quase sempre este não possa ser confirmado sem estudo anátomo-patológico. TC é particularmente útil em avaliar áreas de anatomia complexa como mastóide, junção atlanto-axial, elementos vertebrais posteriores e na avaliação de partes moles. A RM pode mostrar lesões baixo sinal em T1 e alto sinal em T2 que podem realçar após injeção do contraste. O valor da RNM está no seu alto grau de sensibilidade, no entanto a especificidade é baixa. O componente de partes moles geralmente é mal definido, com sinal heterogêneo o que pode mimetizar tumores malignos, infecção e fraturas de estresse. Referências Bibliográficas: 1. Sutton, D.; Tratado de Radiologia e Diagnóstico por Imagem, 6 edição, 2003. 2. Khan, A.N.; Eosinophilic granuloma, Skeletal. www.emedicine.com, 2007. Caderno 2 3 São Paulo | FEVEREIRO | 2008 Caso 3 • H istória clínica Paciente masculino, de 30 anos, casado, trabalha como churrrasqueiro. Figuras 3, 4 e 5 – Tomografia computadorizada, cortes axiais mostram tumoração de partes moles calcificada, adjacente à base da falange proximal do 3º quirodáctilo esquerdo, com plano de clivagem com a cortical Figuras 1 e 2 – Radiografias simples mostram formação com calcificações grosseiras junto a falange proximal do 3º quirodáctilo esquerdo Figura 6 – Tomografia computadorizada, corte coronal demonstra irregularidade de contornos e presença de calcificações no interior do tumor Refere dor na mão esquerda com aumento de volume da região da falange proximal do 3º quirodáctilo, iniciada há cerca de cinco meses. Apresenta piora do estado doloroso e edema durante as atividades laborativas. Os sintomas melhoram ao repouso. Ao exame físico apresentava aumento de partes moles na região interfalangeana proximal entre o 3º e 4º quirodáctilos esquerdos. Esse abaulamento era endurecido e doloroso à palpação, porém não havia limitação funcional dos movimentos. Caso 4 • H istória clínica Paciente do sexo feminino, 48 anos, com história de dor e encurtamento do membro inferior esquerdo desde a infância. Ao exame físico apresentava acentuada limitação à flexão do joelho esquerdo. Refere diversas cirurgias ortopédicas prévias. O estudo radiográfico revelou: ausência da cabeça femoral e acentuada displasia acetabular, osteopenia predominando no membro inferior esquerdo, hipoplasia da asa ilíaca esquerda, sinais de manipulação cirúrgica/alongamento da diáfise femoral esquerda, esclerose subcondral no compartimento femorotibial medial direito e lateral esquerdo, acentuada redução volumétrica do terço proximal da fíbula esquerda, ilhota óssea na diáfise proximal da tíbia direita, reação osteofitária na cabeça femoral e acetábulo direito, acentuada esclerose cortical na diáfise médio/proximal do fêmur direito, reação osteohipertrófica no trocanter maior direito (Figs.1 e 2). Figura 1 – Sinais de múltiplas ciruragias para alongamento femoral e encurtamento (círculos) da fíbula (seta) Figura 2 – Ausência da cabeça femoral e acentuada displasia acetabular, hipoplasia da asa ilíaca esquerda. Figura 3 – Classificação proposta por Levinson e colaboradores: A – Cabeça femoral presente, acetábulo sem alterações, segmento femoral curto, presença de conexão óssea entre componentes femorais, cabeça femoral localizada no acetábulo e varo subtrocantérico. B – Possui cabeça femoral, acetábulo normal ou moderadamente displásico, segmento femoral curto, não há conexão óssea entre a cabeça e colo femoral e a cabeça femoral encontra-se situada no acetábulo. C – Ausência da cabeça femoral ou ossículo representando a mesma, acetábulo severamente displásico, segmento femoral curto, pode existir conexão óssea entre o ossículo proximal e o segmento femoral e ausência de conexão entre o fêmur e o acetábulo. D – Não há cabeça femoral nem acetábulo e o segmento femoral é curto e deformado. Jornal da Imagem 4 São Paulo | FEVEREIRO | 2008 Caso 3 Dr. Paulo Marcelo Floss, Dra. Daniele Cavalheiro Vieira e Dr. Renato Soares de Faria Periostite reativa florida – Relato de caso Diagnóstico Periostite reativa florida. Discussão A periostite reativa florida (PRF) é uma lesão óssea benigna e rara, também conhecida como Pseusotumor fibroósseo dos dígitos. Trata-se de um tumor ósseo portador de fibrose e produtor de cartilagem, sendo considerado como uma variação da miosite ossificante. Afeta os dedos das mãos e dos pés, geralmente na face volar da falange proximal do 2º e 3º, mais comum em pacientes jovens (20-30 anos), com predomínio do sexo feminino. A causa é desconhecida, porém 50% dos pacientes referem algum tipo de traumatismo prévio, sendo este o dado mais comum nas descrições da literatura. Ocorre edema, eritema, tumefação e crescimento progressivo do tumor com tempo médio de 2 meses até o diagnóstico. É uma massa de tecidos moles, contendo calcificações ou ossificada, geralmente de contornos lobulados ou irregulares. Se a reação inflamatória fica restrita ao periósteo, desenvolve-se uma periostite fusiforme localizada, que com o amadurecimento incorpora-se à cortical óssea, formando o típico pseudotumor fibroósseo. Pode ter hiperostose e raramente contém destruição da cortical. Caso 4 A histopatologia descreve como sendo uma lesão com áreas irregulares de tecido fibroso em processo de osteogeinização com calcificações, associada a áreas de formação cartilaginosa. Os principais diagnósticos diferenciais, além da própria miosite ossificante, são a Osteocondromatose Parosteal Bizarra (Nora´s lesion) que é uma lesão séssil em contato com a cortical óssea e produz um componente de cartilagem mais abundante que a PRF. Outro diagnóstico diferencial importante é o osteossarcoma e suas variações (parosteal e periosteal), que provoca proliferação desordenada do tecido ósseo e destruição do mesmo. O tratamento é a excisão cirúrgica da lesão e a taxa de recorrência é baixa. Referências Bibliográficas 1.Resnick D, Kransdorf MJ: Soft tissue disordes in Bone and joint imaging – 3rd edition, 2005. 2.Kransdorf MJ, Meis JM: From the archives of AFIP. Extraskeletal osseous and cartilaginous tumors of the extremities. Radiographics vol 13, 853-884. 3.Jambhekar, Nirmala, et al; Florid reactive periostitis of the hands Skeletal Radiology vol 33, 663-665, 2004. 4.Porter AR, Tristam TA, et al: Florid reactive periostitis of the phalanges. AJR vol 144, 617-618, 1985. Drs. Frederico Guilherme de Paula Lopes Santos e Denise Tokechi do Amaral Deficiência femoral focal proximal Diagnóstico Deficiência femoral focal proximal. Discussão Deficiência Femoral Focal Proximal (DFFP) é uma anomalia congênita rara com incidência de 1,92 em 100.000 nascidos vivos. Caracteriza-se por disgenesia e hipoplasia da porção proximal do fêmur e do acetábulo em graus variáveis. Na maioria das vezes é uma desordem de ocorrência isolada, sendo unilateral em 90% dos casos. Diversas classificações são sugeridas baseadas na presença e localização da cabeça e colo femoral. Levinson e colaboradores classificaram a DFFP em quatro classes (Fig.3): Classe A – É a forma mais branda. Caracteriza-se por: cabeça femoral presente, acetábulo sem alterações, segmento femoral curto, presença de conexão óssea entre componentes femorais, cabeça femoral localizada no acetábulo e varo subtrocantérico, em geral com pseudoartrose; Classe B – Possui cabeça femoral, acetábulo normal ou moderadamente displásico, segmento femoral curto, não há conexão óssea entre a cabeça e colo femoral e a cabeça femoral encontra-se situada no acetábulo; Classe C – Ausência da cabeça femoral ou ossículo representando a mesma, acetábulo severamente displásico, segmento femoral curto, pode existir conexão óssea entre o ossículo proximal e o segmento femoral e ausência de conexão entre o fêmur e o acetábulo; Classe D – Forma mais severa. Não há cabeça femoral nem acetábulo e o segmento femoral é curto e deformado. Os achados radiográficos mais freqüentes são: fêmur encurtado com porção distal normal, atraso na ossificação da cabeça femoral, deformidade subtrocantérica em varo ou pseudo-artrose. Anormalidades secundárias da pelve e acetábulo são comuns. O principal diagnóstico diferencial pelos achados radiográficos é o desenvolvimento de coxa vara. Esta última carac- teriza-se por anormalidades progressivas, bilaterais, menos severas, de surgimento tardio e relacionadas a um decréscimo verdadeiro no ângulo cabeça-eixo femoral, o que se opõe à deformidade subtrocantérica em varo que ocorre na DFFP. Referências Bibliográficas 1.Resnick D, Kransdorf MJ. Bone and Joint Imaging. 3rd Ed. Philadelphia: Elsevier Saunders, 2005; 1338-39. 2.Hamanishi, C. Congenital Short Femur: Clinical, Genetic and Epidemiological comparison of the naturally occurring condition with that caused by Thalidomide. J. Bone Joint Surg 1980; (62): 307-19. Caderno 2 5 São Paulo | FEVEREIRO | 2008 Caso 5 • H istória clínica Figuras 1 e 2 – Tomografia computadorizada de abdome sem contraste: rins de dimensões aumentas com cálculo coraliforme bilateral. Observa-se coleção hipodensa perirrenal adjacente ao pólo superior do rim direito Figuras 3 e 4 – Tomografia computadorizada de abdome nas fases pré e pós-contraste: coleção perirrenal direita heterogênea, com limites bem definidos apresentando realce periférico. Observe o rim direito hidronefrótico e com aspecto em “pata de urso”, característico desta doença Figura 5 – Ultra-sonografia do abdome superior: rim direito mostrando cálculos nos grupos calicinais superior, médio e inferior com hidronefrose importante. Nota-se coleção hipoecóica heterogênea bem delimitada em topografia perirrenal anterior Figura 6 – Pós operatório de nefrectomia a direita: distorção arquitetural, redução importante da espessura parenquimatosa com exsudato purulento onde demonstrou-se grande quantidade de macrófagos com inclusões lipídicas Caso 6 • H istória clínica Masculino, 13 anos, com quadro de sinusite não tratada há sete dias. Há dois dias com abaulamento frontal “flutuante” à palpação, cefaléia intensa e rebaixamento no nível de consciência. TC de seios da face no plano axial. (A) A imagem pós-contraste demonstra o abscesso nas partes moles da região frontal e o empiema subdural frontal esquerdo, determinando compressão do lobo frontal e do ventrículo lateral adjacentes, bem como herniação subfalcina para a direita. (B) A imagem com janela óssea demonstra o seio frontal completamente preenchido por material com baixos coeficientes de atenuação. A.F.B., 29 anos, negro, procedente de Conceição das Alagoas (MG) apresentando dor abdominal importante de predomínio em flancos, associado a febre diária (38°C) há um mês. Relata ponderal de aproximadamente 10kg neste período. Sem antecedentes mórbidos. Exame físico: desidratado, taquicárdio, taquipnéico. PA: 100x60 mmHg. Giordano + bilateralmente. Laboratório: Hemograma: leucocitose importante com desvio à esquerda. Urina I: piúria maciça. Jornal da Imagem 6 São Paulo | FEVEREIRO | 2008 Caso 5 Drs. Luís Ronan Marquez Ferreira de Souza e Bruno Doriguetto Couto Ferreira Pielonefrite xantogranulomatosa Diagnóstico Pielonefrite xantogranulomatosa. Discussão É uma forma incomum de infecção renal bacteriana crônica e supurativa que provoca a destruição do parênquima renal e sua substituição por macrófagos carregados de lipídios. A doença é usualmente unilateral, podendo ser difusa, segmentar ou focal. Geralmente esta associada à nefrolitíase obstrutiva. A urinocultura geralmente é postitiva, Proteus vulgaris é comumente encontrado em aproximadamente 60% dos casos, porém pode não ser o agente etiológico. Outros organismos isolados mais comu- mente são P. mirabilis e E. coli. Pode ocorrer em qualquer idade, sendo encontrada predominantemente em mulheres por volta da quinta e sexta décadas, e nos pacientes diabéticos. Os cálculos são comuns, podendo existir calcificação parenquimatosa. A infecção pode ser localizada ou envolver todo o rim; algumas vezes pode extenderse para produzir uma massa na região superior do ureter, ou envolver a gordura perirrenal. A ultra-sonografia é útil no diagnóstico podendo identificar: rim aumentado de volume com contornos suaves e desarranjo arquitetural associado a massas líquidas com tendência à coalescência, Caso 6 dilatações do sistema coletor e cálculos. A PXG focal será vista como uma ou mais massas hipoecóicas, muitas vezes associadas a um cálice único, com cálculo obstrutivo observado próximo à papila. A PXG focal é difícil de ser diferenciada ultra-sonograficamente de um abscesso e neoplasias renais sólidas ou císticas. A tomografia computadorizada é particularmente útil no diagnóstico e na avaliação da extensão da doença, por melhor analisar o comprometimento parenquimatoso. A extensão perinefrética nos rins lembra o aspecto de “pata de urso” ou “cacho de uvas”, como descrevem alguns autores. A identificação da lesão extra-renal da PXG, como o envolvimento da parede abdominal, é importante no sentido de planejar melhor a cirurgia, no caso, por exemplo, da existência de uma fístula. Referências Bibliográficas 1.Rumack CM, Wilson SR, Charboneau JW. Tratado de ultra-sonografia diagnóstica 3ª ed. Rio de Janeiro, Elsevier, 2006, 337-341. 2.D’Ippolito G, Tokechi D, Shigueoka DC, Ajzen S. Tomographic aspects of xanthogranulomatous pyelonephritis and related complications. São Paulo Medical Journal 1996; 114(1): 1091-1096. 3.Kenney PJ. Imaging of chronic renal infections. AJR 1990; 155: 485-494. Dr. Fabrício Pereira Andrade (Caso cedido pelo Dr. Antônio José da Rocha – Santa Casa de São Paulo) Pott’s puffy tumor Diagnóstico Pott’s puffy tumor. Discussão Sir Percival Pott descreveu esta patologia originalmente em 1760 como uma complicação pós-traumática. Entretanto, é mais comumente vista como uma complicação de sinusite frontal. Tratase de uma osteomielite com abscesso subperiosteal que se apresenta como uma formação expansiva “flutuante” na região frontal. “Pott’s puffy tumor” é uma complicação rara que acomete mais freqüentemente crianças e adolescentes, podendo ocorrer excepcionalmente nos adultos. Poucos casos foram descritos na era pós-antibioticoterapia. A doença pode decorrer da disseminação de uma sinusite do seio frontal que evolui para osteomielite adjacente e extensão do material purulento anteriormente, determinando um aumento de partes moles na região frontal. Pode estar ainda associada a complicações intracranianas, como empiema epi ou subdural, meningite, abscesso cerebral e trombose venosa cortical. A extensão ao compartimento intracraniano pode ocorrer diretamente através do osso frontal (erosão) ou por uma tromboflebite das veias emissárias que comunicam o seio frontal com os seios durais. Devido ao fato da drenagem venosa da mucosa do seio frontal ocorrer através das veias diplóicas, que se comunicam com o plexo venoso dural, êmbolos sépticos podem ter origem em processos infecciosos do seio frontal e propagar-se através do sistema venoso. Assim, o envolvimento intracraniano é possível com ou sem erosão do osso frontal. Os organismos isolados são basicamente os mesmos envolvidos na sinusite crônica adquirida na comunidade (estreptococos, estafilococos e alguns anaeróbios). Um alto nível de suspeição clínica é necessário para o diagnóstico dessa rara, porém grave doença. Quando um paciente com celulite pré-septal, seja por trauma ou por processo infeccioso nasossinusal, apresenta-se com uma formação expansiva “flutuante” na região frontal, é necessária a investigação imediata por imagem, sendo a tomografia com contraste o melhor método para avaliação inicial, principalmente para a caracterização do envolvimento ósseo. A ressonância magnética é considerada o exame com maior sensibilidade e especificidade para a avaliação das complicações intracranianas. O tratamento requer drenagem cirúrgica e antibioticoterapia intensiva. Referências bibliográficas 1.Raja V, Low C, Sastry A, Moriarty B. Pott’s puffy tumor following an insect bite. J Postgrad Med 2007; 53:114-6. 2.Morón FE, Morris MC, Jones JJ, Hunter JV. Lumps and bumps on the head in children: use of CT and MR imaging in solving the clinical diagnostic dilemma. RadioGraphics 2004; 24:1655-1674. Caderno 2 7 São Paulo | FEVEREIRO | 2008 Caso 7 • H istória clínica Paciente do sexo feminino, 26 anos, refere que há dois dias passou a apresentar dor abdominal súbita, de forte intensidade, em hipocôndrio direito, que irradiava-se para o dorso e ombros. Figura 1 – Cortes axiais de tomografia computadorizada helicoidal (10/10mm) evidenciam área heterogêa nos segmentos V e VI do fígado Realizou ultra-som de abdômen, durante o atendimento na emergência, que evidenciou líquido livre na cavidade abdominal intraperitoneal de moderada quantidade acometendo os espaços de hepatorrenal e esplenorrenal (SIC), sendo então encaminhada para internamento. A paciente encontrava-se descorada (+/IV), com abdômen semigloboso, doloroso à palpação superficial difusamente, mais intensa a descompressão brusca em hipocôndrio direito. O hemograma apresentava leucocitose com monocitose e neutrofilia, TG0, TGP, fostase alcalina, gama GT, bilirrubinas e glicemia aumentados. As dosagens de alfa feto proteína, antígeno carcino embrionário, hemácias, hemoglobina, hematócrito, plaquetas, proteína total, albumina, RNI, amilase, creatinina, Na, K, Ca encontravam-se dentro dos valores normais. Paciente refere dislipidemia, diabetes mellitus tipo II, controlada com dieta. Nega uso de medicação hipoglicemiante, faz uso de contraceptivos oral há oito anos. Relata cesariana há 8 anos (G1 P1 Ao). O ultra-som de abdômen total, realizado durante o internamento, evidenciava fígado com lesão expansiva, heterogênea, predominante ecogênica, com áreas hipoecóicas centrais, localizada entre os segmentos V e VI, medindo 11,7 x 10,3 x 7,3 cm. Outra lesão é vista no segmento VII/VIII predominantemente hipercóica, com halo hipoecóico ao redor, medindo 2,6 x 2,4 x 1,8 cm. Figura 3 – Intra-operatório Presença de líquido livre intraperitoneal junto ao fígado/ rim direito/ rim esquerdo. A Tomografia computadorizada de abdômen total confirmou os achados ultrasonográficos (Figuras 1 e 2) e acrescentou a presença de líquido livre no espaço pleural à direita. A paciente foi submetida a hepatectomia (envolvendo parcialmente os segmentos V e VI), mais colescistectomia. Inventário da cavidade abdominal revelou (Figura 3): Moderada quantidade de sangue livre (em torno de 1 litro). Massa com aproximadamente 15 a 20 cm, de aspecto hemangiomatoso, “exofítica”, com base nos segmentos V e VI do fígado, adjacente a vesícula biliar, roto caudalmente (Figura 4), mas bloqueado pelo mesocolon e epiplon, restante do fígado e da cavidade sem alterações. Perda sanguínea estimada (2200 ml) Durante o ato cirúrgico optou-se pela não retirada da segunda lesão hepática acima descrita e seguimento da mesma por métodos de imagem. O exame macroscópico da peça cirúrgica evidencia: Figura 2 – Cortes axiais de tomografia computadorizada helicoidal (10/10mm) evidenciam lesão arredondada, medindo cerca de espontaneamente hiperdensa, no segmento VII do fígado Figura 4 – Peça cirúrgica Porção de tecido hepático especificado como segmentos 5 e 6, pesando 626g e medindo 13 x l0 x 8 cm em seus maiores eixos. Exibe cápsula lisa, brilhante com áreas enegrecidas e esbranquiçadas. Aos cortes, parte da superfície é sólida e pardacenta e parte é cística com conteúdo enegrecido. Vesícula biliar previamente seccionada longitudinalmente medindo 7,5 cm de comprimento e 5,5 cm de perímetro interno. Apresenta-se parcialmente recoberta por serosa congesta, lisa e brilhante. A parede mede 0,4 cm de espessura e a mucosa é pardacenta aplanada de cor esverdeada com pontos amarelados. O coto cístico mede 0,3 cm de comprimento e tem luz pérvia. A peça não se acompanha de cálculos. O exame microscópico evidenciou cavidades preenchidas por sangue distribuídas randomicamente no parênquima hepático (Figura 5). A paciente evoluiu sem intercorrências obtendo alta no 7º dia pós-operatório. Realizou controle da segunda lesão hepática com ultra-som e tomografia computadorizada de abdômen após aproximadamente 1 ano, não apresentando alterações significativas da referida lesão. Realizou após 3 anos dosagem de alfa Figura 5 – Lâmina corada com hematoxilina/ eosina mostra vasos dilatados envoltos por parênquima hepático Table 1. Condições associadas a peliose hepática Drogas Esteróides anabolizantes Tamoxifen Contraceptivos orais Azatioprina Corticosteróides Infecções bacterianas • Endocardite • Tuberculose Gamaglobulinemias • Mieloma múltiplo • Macroglobulinemia de Waldenstrom Malignidades • Tumores malignos • Doença de Hodgkin Outras condições • Transplante cardíaco e renal • Hemodiálise crônica • Diabetes • Síndrome da imunodeficicência adquirida • Sprue • Vasculite necrotizante beta proteína e CEA que encontravam-se dentro dos valores normais e nova tomografia computadorizada que não evidenciou alterações significativas quando comparada com os exames anteriores, exceto pelo aparecimento de esteatose hepática. Jornal da Imagem 8 São Paulo | FEVEREIRO | 2008 Caso 7 Autores: Dra. Cynthia Maria Coelho Lins, Dr. Jorge Elias JúniorI, Dr. Valdair Francisco Muglia Peliose hepática com ruptura do fígado e hemorragia intraperitoneal: achados de imagem e correlação anatomopatológica Diagnóstico Peliose Hepática. Discussão A peliose hepática foi primeiramente descrita na literatura alemã em 1861 por Wagner e nomeada por Schoenlank em 1916[1-3]. É uma patologia benigna rara, caracterizada por espaços irregulares, cheios de sangue no fígado e dilatação sinusoidal hepática cística [1,2,4], de tamanhos variados, de menos de 1,0 mm a vários centímetros (4 ou 5 cm ) [1-5] sem localização preferencial no parênquima hepático [2,6-8]. A etiologia precisa dessa doença ainda não foi esclarecida [1,2,4,7,9]. Existem relatos da ocorrência da peliose hepática em paciente pós-transplante hepático e renal [1], acometidos por quadros crônicos de inanição, associada a tuberculose, a tumores malignos (mieloma múltiplo [4], macroglobulemia de Waldenstron, doença de Hodgkin [4], seminoma e particularmente o hepatocarcinoma) e diabetes mellitus [2,5-7,9,10]. Relata-se ainda a associação dessa patologia ao uso de drogas, tais como esteróides anabolizantes, contraceptivos orais [1,2,4,5], corticosteróides, andrógenos , tamoxifen, azatioprina [1,2,4-7,10]. A interrupção do uso de algumas dessas drogas ou antibióticoterapia apropriada podem levar a resolução da peliose [5,6,9]. Alguns pacientes com AIDS podem desenvolver peliose associada a angiomatose basilar secundária a infecção por Bartonella henselae e a organismo similar, Rochalimaea henselae (Tabela 1) [2,5,6,9]. Em 25-50% dos casos, nenhuma condição associada é identificada [4,7,9]. Nossa paciente apresentava como fatores de risco o uso de anticoncepcional oral há 8 anos e diabete melito. A prevalência da peliose hepática não é conhecida [3]. Sua incidência é de 0,13 % [5] e a exata incidência de hemorragia intra-hepática e intraperitoneal por ruptura também não foi estabelecida na literatura, entretanto essas complicações foram demonstradas desta forma em apenas 20 relatos de casos [1,2,4,5,7]. A peliose pode ocorrer em outros órgãos, além do fígado, tais como baço, linfonodos, medula óssea, pulmão, pleura, rins, adrenais, estômago, íleo e retroperitônio [2,5]. Nós descrevemos um caso de uma paciente jovem com ruptura hepática espontânea secundária à peliose hepática, formação de lesão de aparência pseudotumoral devido à hemorragia, necrose e trombose intrahepática e sangramento intraperitoneal. A apresentação clínica da patologia é variável, na maioria das vezes, são casos assintomáticos ou resultam de um achado incidental de autópsia [1-3,5,6]. Os pacientes sintomáticos podem apresentar hepatomegalia, ascite, falência hepática, colestase, hipertensão portal com varizes de esôfago ou hemoperitônio secundário à ruptura intraperitoneal [1-7]. A peliose hepática raramente pode resultar em insuficiência hepática ou ruptura hepática espontânea como foi observada na paciente do presente caso. A peliose freqüentemente não é incluída no diagnóstico diferencial de disfunções hepáticas progressivas ou de hemorragias maciças, devido à raridade de ocorrência dessas complicações [3]. Se a peliose fosse colocada como hipótese diagnóstica nesses casos, muitas vidas poderiam ter sido salvas. A peliose deve ser sempre lembrada no diagnóstico diferencial em massas hepáticas. Os principais diagnósticos diferenciais são abscessos, metástases, linfoma, linfangioma e hemangiomatose, adenoma hepático e hiperplasia nodular hepática [1,2,5,6,11]. Os achados de imagem na US, CT e RM na peliose hepática são variáveis e não específicos [7]. O ultra-som pode mostrar lesões císticas no parênquima hepático que podem corresponder às cavidades cheias de sangue comumente vistas na anatomia patológica [1]. A ultra-sonografia evidencia nódulos ou massas isoladas ou múltiplas (variando de menos de um milímetro à vários centímetros), de ecogenicidade variável e muitas vezes heterogênea. Podem se apresentar iso, hipo ou mesmo mais ecogênicas que o parênquima adjacente, podendo também ser encontradas calcificações [1]. Algumas vezes identifica-se área com ecotextura difusamente heterogênea, que se mostra separada do parênquima hepático adjacente de forma tênue, representando área focal de acometimento pela peliose [1]. Essas lesões podem ser confundidas com cistos congênitos ou abscessos [3,7]. Ocasionalmente, lesões heterogêneas podem também ser vistas em outras doenças parênquimatosas difusas hepáticas. A peliose hepática distingui-se dos hemangiomas pela presença de tratos portais entre o estroma fibroso dos espaços sanguíneos (1). A tomografia computadorizada pode mostrar lesões pequenas (de poucos milímetros a 1-4 centímetros de diâmetro) no fígado. Essas lesões são tipicamente hipodensas na fase arterial e apresentam realce na fase venosa. Entretanto essas lesões também podem aparecer isodensas ao parênquima hepático na tomografia computadorizada contrastada [6]. Cavidades trombosadas podem aparecer como nódulos não contrastados. A aparência da peliose hepática na tomografia computadorizada pode ser difícil de diferenciar de abscessos, hemangiomatoses e metástases [3,5-7]. Um hematoma hepático pode ser associado a peliose hepática, aparecendo como lesão nodular e ser confundido como tumor hepático. A biópsia percutânea, geralmente utilizada para confirmação do diagnóstico das massas hepáticas, neste caso, não deve ser utilizada pela natureza vascular das lesões hepáticas da peliose, o que pode vir a ser um procedimento perigoso e até fatal [3,5,9]. A peliose em longo prazo pode levar tanto à fibrose peri-sinusoidal ou à hiperplasia nodular regenerativa. Alguns casos de regressão espontânea da peliose hepática foram descritos. O tratamento varia com a apresentação da doença, sendo a cirurgia o tratamento de escolha nas lesões hepáticas complicadas com hemorragia intraperitoneal. O diagnóstico da peliose hepática é feito, com, certeza, apenas pela histologia [1]. Referências Bibliográficas 1. Atila, K., et al., A rare clinical entity misdiagnosed as a tumor: peliosis hepatis. Ulus Travma Acil Cerrahi Derg, 2007. 13(2): p. 149-53. 2. Cerri, G.G. and I.R.S.d. Oliveira, Ultrasonografia abdominal. 2002, Rio de Janeiro: Livraria e Editora Revinter Ltda. 3. 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