Turismo sustentável e desenvolvimento local
Transcrição
Turismo sustentável e desenvolvimento local
@local.glob Global Thinking for Local Development Pensamento Global para o Desenvolvimento Local Pensamiento Global para el Desarrollo Local Número 4 - Ano de 2007 Edição: Programa Delnet – Centro Internacional de Formação da OIT Turismo sustentável e desenvolvimento local © Yann Arthus-Bertrand/La Terre vue du Ciel - Paisagem agrícola perto de Cognac, Charente, França (0°17’ O - 45°42’N) • TURISMO E TERRITÓRIO: O DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL NO CENTRO DO DEBATE Ángel L. Vidal e Diego Márquez • A VALORIZAÇÃO DA CULTURA LOCAL E DO TERRITÓRIO ATRAVÉS DO TURISMO Experiências e boas práticas de Etiópia, Peru, Espanha, Portugal, Itália e França • FORTALECENDO AS REDES DE TURISMO COMUNITÁRIO: REDTURS NA AMÉRICA LATINA Carlos Maldonado • ENTREVISTAS - Roberto Smith, Presidente do Banco do Nordeste do Brasil - Antonio Muñoz, Diretor-Geral de Planejamento e Ordenamento Turístico da Junta de Andaluzia, Espanha Delnet • EDUCAÇÃO TURÍSTICA E MODELOS DE FORMAÇÃO Aprofundar a gestão e a planificação dos destinos turísticos Jafar Jafari • A RECONSTRUÇÃO APÓS O TSUNAMI E O TURISMO: UMA SEGUNDA CATÁSTROFE? Tourism Concern (Reino Unido) O Programa Delnet do Centro Internacional de Formação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Agência Especializada das Nações Unidas, desde 1998 apoia e fortalece os atores locais nos processos de desenvolvimento dos territórios em que atuam. É dirigido a técnicos, gestores e responsáveis de instituições públicas e privadas implicados nos processos de desenvolvimento local, fornecendo formação, informação, assessoria técnica e ferramentas para o trabalho em rede, através da utilização das tecnologias da informação e comunicação. Delnet conecta mais de 71 países e mais de 2.000 pessoas e instituições em todo o Mundo em português, espanhol e inglês. Equipe Editorial Emilio Carrillo – Especialista Internacional em Desenvolvimento Local e Professor de Economia na Universidade de Sevilha. Vice-prefeito e Secretário de Urbanismo do Município de Sevilha, Espanha María José Mallo – Responsável de atividades do Programa Delnet do Centro Internacional de Formação da OIT Diego Márquez – Assessor do Programa Delnet em Desenvolvimento Local e Turismo e Especialista em Comunicação Martha Pacheco – Chefe do Programa para as Américas do Centro Internacional de Formação da OIT Nuno M. Pereira Gonçalves de Castro – Responsável de atividades do Programa Delnet do Centro Internacional de Formação da OIT Ángel L. Vidal – Manager do Programa Delnet do Centro Internacional de Formação da OIT Coordenação Alice Vozza – Responsável de atividades do Programa Delnet do Centro Internacional de Formação da OIT Gráfica Projeto gráfico, ilustração das capas de seção e empaginação Marco Giacone Griva – Criações de Gráfica Computadorizada, Turim, Itália Foto da Capa © Yann Arthus-Bertrand/La Terre vue du Ciel Paisagem agrícola perto de Cognac, Charente, França (0°17’ O - 45°42’N) No século XIX, a filoxera (uma doença provocada por um inseto parasita parecido com o pulgão) aniquilou as vinhas da região de Charente, assim como quase metade de todas as videiras em França. Grande parte das castas dessa região foi substituída por cultivos de cereais, que ainda predominam na paisagem atual. Contudo, foram-se reintroduzindo as vinhas em redor da cidade de Cognac, onde a produção do licor que leva o seu nome (conhaque) continuou a aumentar. A variedade de uva “ugni blanc” (conhecida localmente como “Saint-Émilion”), que cresce em solo argiloso, produz um vinho que se destila e envelhece em pipas de carvalho, dando origem ao conhaque. A quantidade de vinho atualmente em processo de envelhecimento ultrapassa o equivalente de mil milhões de garrafas. A denominação comercial “Cognac” está reservada unicamente a esta zona mediante um decreto de 1909 e divide-se em seis denominações de origem. Na região de Cognac podem-se encontrar mais de 15.000 vinhas numa área de 900 km2, que produzem mais de 190 milhões de garrafas deste prestigioso licor ao ano. Mais de 90 por cento do conhaque é exportado, principalmente para os Estados Unidos da América e o Japão, mas também para outros países europeus. Desde 1990, Yann Arthus-Bertrand sobrevoa centenas de países. As suas fotos aéreas, que não podem dissociar-se da sua perspectiva, convidam-nos a refletir sobre a evolução da Terra e o futuro dos seus habitantes. Ao longo dos últimos 50 anos, os seres humanos alteraram os ecossistemas mais rapidamente e intensamente do que em qualquer outro período da história humana. Barreiras ao nosso ecossistema aparecem em todos os lados: água potável, águas oceânicas, florestas, ar, solos férteis, espaços abertos... Chegados a este ponto crítico, a alternativa que uma política de desenvolvimento sustentável oferece deveria ajudar a trazer à tona as mudanças necessárias para “solucionar as necessidades do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras poderem prover às próprias necessidades”. Cada indivíduo pode e deve agir e contribuir para o futuro do Planeta e da humanidade, começando desde já. Página web: http://www.yannarthusbertrand.org Secretaria de Redação Programa Delnet CIF/OIT Tel: +39 011 693 6365 - Fax: +39 011 693 6477 E-mail: [email protected] As denominações usadas, conforme a prática seguida pelas Nações Unidas, e a forma de apresentação dos dados nas publicações da OIT não implicam uma consideração crítica por parte da Organização Internacional do Trabalho em relação à situação jurídica dos países, às áreas ou territórios citados ou às suas autoridades, nem sobre a delimitação das suas fronteiras. A responsabilidade das opiniões expressas nos artigos, estudos e em outras colaborações assinados pertence, exclusivamente, aos seus autores e a sua publicação não significa a aprovação da OIT. As referências a empresas ou a processos ou produtos comerciais não implicam qualquer aprovação por parte da OIT, assim como o fato de empresas ou processos ou produtos comerciais não serem mencionados não implica uma desaprovação. ADVERTÊNCIA A utilização de uma linguagem que não discrimine nem marque diferenças entre homens e mulheres é uma das preocupações da nossa Organização. Porém, tal uso no nosso idioma apresenta soluções muito variadas, sobre as quais os lingüistas ainda não chegaram a um acordo. Neste sentido, e com o intuito de evitar a sobrecarga gráfica que implicaria utilizar “o/a” para marcar a presença de ambos os sexos, optamos por utilizar o clássico masculino genérico, considerando que todas as menções nesse gênero representam sempre todos, homens e mulheres, abrangendo claramente ambos os sexos. Editado pelo Centro Internacional de Formação da OIT, Turim, Itália © 2007 Centro Internacional de Formação da OIT Índice Editorial................................................................................................................................................................... iii I - Turismo sustentável e desenvolvimento local Turismo e território: o desenvolvimento local sustentável no centro do debate Ángel L. Vidal e Diego Márquez................................................................................................................................ 2 Fortalecendo as redes de turismo comunitário - REDTURS na América Latina Carlos Maldonado..................................................................................................................................................... 8 Educação turística e modelos de formação Jafar Jafari.................................................................................................................................................................15 Turismo sustentável e desenvolvimento local: experiências em África, América Latina e Europa................ 22 Turismo na Etiópia: uma alternativa de futuro sustentável Mark Chapman....................................................................................................................................................... 23 Peru: Sê realista, pede o impossível Héctor Abarca Torres e Luis Villacorta Santamato................................................................................................. 29 Espanha: O patrimônio histórico é um valor social Isabel Rodríguez..................................................................................................................................................... 33 Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança Emilio Carrillo......................................................................................................................................................... 38 II - Entrevistas Reforçar o desenvolvimento socioeconômico no Nordeste do Brasil mediante o turismo Entrevista a Roberto Smith Presidente do Banco do Nordeste do Brasil................................................................................................................................. 46 Diferenciação e sustentabilidade na Andaluzia: os desafios de um destino turístico consolidado Entrevista a Antonio Muñoz Diretor-Geral de Planejamento e Ordenamento Turístico Secretaria de Turismo, Comércio e Desporte da Junta de Andaluzia, Espanha........................................................................49 III - @global…@local Cidades e Governos Locais Unidos II Congresso Mundial, Jeju 2007 - As cidades mudam e transformam o mundo............................................................. 54 Como medir o impacto econômico da frequência turística de um destino Philippe Caparros.................................................................................................................................................... 55 Emprego turístico e micro-empresas: uma alternativa para os países em desenvolvimento Fanny Kauffman...................................................................................................................................................... 58 O turismo cultural como instrumento de desenvolvimento local Claudia Toselli......................................................................................................................................................... 60 Por um turismo responsável e solidário: a experiência italiana Alfredo Somoza....................................................................................................................................................... 65 IV - Espaço aberto A reconstrução após o tsunami e o turismo: uma segunda catástrofe? Relatório da Tourism Concern. ...................................................................................................................................70 Resenha de livros O negócio da felicidade. Desenvolvimento e marketing turístico de países, regiões, cidades e locais Idéias para um Turismo Responsável. Guia Ético de Viagens....................................................................................... 72 Organizações Internacionais: A Organização Mundial do Turismo OMT premeia Rede Europeia de Turismo de Aldeia Apolónia Rodrigues..................................................................................................................................................74 O Programa Delnet do Centro Internacional de Formação da OIT Descrição e objetivos do Programa Delnet...................................................................................................................76 @local.glob - número 4, 2007 @ local.glob (Pensamento Global para o Desenvolvimento Local), nasceu em abril de 2005 por iniciativa do Programa Delnet do Centro Internacional de Formação da Organização Internacio- nal do Trabalho e é avalada pelo seu Conselho Editorial, no qual estão presentes pessoas com ampla experiência no mundo do desenvolvimento local e entidades de reconhecido prestígio internacional. Para esta publicação escolhemos como título @local.glob já que vamos tentar prover, em cada número, um espaço aberto de opinião, intercâmbio e pensamento em apoio aos processos de descentralização e desenvolvimento local num mundo globalizado. O local e o global interagindo, sendo causa e efeito do debate, da análise, da reflexão sobre a complexidade do nosso mundo. O desenvolvimento local surgiu há já muitos anos pela via prática, quando os atores locais começaram a enfrentar problemas concretos de gestão e crescimento do próprio território. Atualmente, a comunidade internacional reconhece oficialmente o papel crucial que os governos locais desempenham na realização de políticas sustentáveis de desenvolvimento econômico, social e ambiental. Desde @local.glob, consideramos conveniente dar um passo mais e pôr o desenvolvimento local na primeira fila, dando-lhe o papel que deve ter no mundo globalizado. É necessário criar um pensamento sólido que surja da experiência dos atores locais de todo o mundo e que se traduza em políticas concretas de desenvolvimento do território. Para que as políticas de desenvolvimento local sejam eficazes, é preciso também um quadro teórico. Porém, é igualmente crucial que este quadro teórico provenha de experiências concretas, dos acertos e dos fracassos, do que foi aprendido das melhores práticas, mas também dos erros do cotidiano. Cada número desta revista é possível graças à colaboração de pessoas e instituições que no seu trabalho cotidiano demonstram o seu forte compromisso com os processos de descentralização e de desenvolvimento local e que, através dos seus artigos, colocam a sua grande experiência à disposição, apostando neste espaço de diálogo construtivo, de reflexão e participação. Editorial C om este número da revista @local.glob quisemos abrir um espaço de reflexão e análise sobre a importância que o turismo assumiu nas últimas décadas em todo o mundo, assinalando as enormes potencialidades que este oferece para o desenvolvimento sustentável dos nossos territórios. A teoria econômica ensina-nos que o turismo é uma das atividades mais rentáveis na história do planeta. Trata-se de um setor que não conhece fronteiras, não só pelo fato de basear-se nas viagens, mas também porque as ramificações da sua indústria tocam múltiplos aspectos do nosso quotidiano. O rumo atual da globalização, de qualquer forma, também nos impõe avaliar quais são os riscos de apostar no turismo como motor do desenvolvimento e em que medida é possível combinar o impulso a esta atividade econômica com a sustentabilidade social e ambiental. Frisar o vínculo entre turismo e desenvolvimento significa analisar em que condições o turismo pode contribuir de forma efetiva para a luta contra a pobreza, a injustiça social e a deterioração ambiental e como pode, promovendo o respeito, a hospitalidade e o diálogo, transformar-se num instrumento para a resolução de conflitos entre culturas. Nas próximas páginas encontrarão casos concretos que estão trabalhando nessa direção: experiências turísticas consolidadas e que contam com o beneplácito de empresas e instituições internacionais, mas também idéias inovadoras e boas práticas no setor baseadas numa atenta planificação e valorização dos recursos locais. Fala-se de turismo e desenvolvimento sócio-econômico na região Nordeste do Brasil; da sustentabilidade de um destino turístico amplamente reconhecido como a Comunidade Autônoma da Andaluzia, em Espanha; do fortalecimento das redes de turismo comunitário na América Latina e das diretrizes para estabelecer códigos de conduta que se projetem nas esferas das políticas do Estado e da cooperação internacional; de alternativas de futuro para as terras altas da Região de Amhara, uma das áreas mais pobres da Etiópia; da procura de soluções urbanísticas que saibam conjugar progresso e tradição em São Pedro de Carabayllo (Lima, Peru); do risco de criar uma segunda catástrofe nos processos de reconstrução turística após o tsunami no sudeste asiático; de turismo responsável e solidário, através da experiência de uma ONG italiana que visa sustentar processos de desenvolvimento autônomo e integrar comunidades marginais no mundo do turismo sustentável; de conceitos e instrumentos desenvolvidos em França para medir o impacto econômico da frequência turística de um destino; do emprego turístico e do fomento do setor turístico local e micro-empresarial; do turismo cultural como motor de desenvolvimento; de modelos de formação e educação no setor com o objetivo de melhorar os processos de gestão e planejamento estratégico dos destinos. fl @local.glob - número 4, 2007 iii Editorial Menciona-se o turismo e o desenvolvimento territorial, de uma perspectiva ética e de sustentabilidade, seguindo a rota traçada pelos diferentes autores que, num cenário internacional de desequilíbrios, conflitos e desigualdades, se focalizam no local e nos abrem assim as portas a novas formas de conceber o turismo e as viagens, no respeito do patrimônio natural, cultural e humano que todas as comunidades, em cada território de destino, conservam. Equipe Editorial @local.glob Programa Delnet Centro Internacional de Formação da OIT Turim, Setembro de 2007 iv número 4, 2007 - @local.glob @local.glob Turismo sustentável e desenvolvimento local •Ángel L. Vidal e Diego Márquez - Turismo e território: o desenvolvimento local sustentável no centro do debate •Carlos Maldonado - Fortalecendo as redes de turismo comunitário - REDTURS na América Latina •Jafar Jafari - Educação turística e modelos de formação •Experiências em África (Etiópia), América Latina (Peru) e Europa (Espanha) •Emilio Carrillo - Boas práticas, boas políticas Turismo e território: o desenvolvimento local sustentável no centro do debate Turismo e território: o desenvolvimento local sustentável no centro do debate Ángel L. Vidal Manager do Programa Delnet de Apoio ao Desenvolvimento Local Centro Internacional de Formação da Organização Internacional do Trabalho (CIF/OIT) Turim, Itália Diego Márquez Assessor do Programa Delnet em Desenvolvimento Local e Turismo e perito em Comunicação Granada, Espanha N ós, seres humanos, sempre quisemos conhecer Evidentemente estes viajantes precursores da moderni- para além das nossas limitações e por isso via- dade não eram turistas no sentido restrito do termo. Mas é jamos. Desde os tempos mais remotos que se co- habitual serem citados pela sua “ânsia de conhecimento”, nhecem casos de expedicionários e viajantes que percor- que hoje na era da Internet e dos vôos a baixo custo, leva reram o nosso planeta conhecendo e descobrindo outras milhões de pessoas a deslocar-se todos os dias para des- latitudes, abrindo rotas comerciais, tratando de conhecer e cansar vendo outras formas de vida, conhecendo outras compreender (e, por vezes, infelizmente destruir) civiliza- culturas, provando outros sabores, longe dos locais onde ções e formas de entender o mundo. vivem. No entanto, poderíamos dizer que a viagem, entendida Já no século XX, o tempo de ócio deu lugar ao turismo como prazer e ócio, surgiu de forma significativa no século como fenômeno sócio-econômico globalizado. Neste início XVIII, quando as classes acomodadas de diversos países do século XXI, podemos sem dúvida nenhuma afirmar que europeus começaram a empreender viagens em que des- a atividade turística é, provavelmente, a atividade econô- cobriam os mistérios de África ou o conhecimento acumu- mica mais importante à escala internacional, não só pelos lado durante séculos na Roma clássica. Meses de perma- ótimos resultados econômicos que obtém em cada ano, nência fora dos seus países de origem davam, aos jovens mas também porque afeta diretamente a natureza huma- ingleses e franceses, os esquemas e as idéias para ampliar na, porque influi na dinâmica das mudanças sociais e eco- horizontes e continuarem contribuindo para o desenvolvi- nômicas e porque pode mudar mento da ciência nas suas diferentes disciplinas e, assim, negativo – o modelo de desenvolvimento de um território, das economias dos seus países. de uma cidade, de uma vila. – no sentido positivo ou Mais tarde, estas viagens de conhecimento estenderam- Segundo a Organização Mundial do Turismo (OMT)1, se aos cidadãos abastados das Américas – da Argentina e esta atividade converteu-se em muitos países na primeira do Chile até aos Estados Unidos e ao Canadá –, intelectuais atividade econômica e na de mais rápido crescimento ao e cientistas viajaram pela Europa para explorar e conhecer nível da mobilização de divisas e da criação de emprego. o legado dos seus antepassados. Definitivamente, é no sé- O turismo é transversal e influi de forma direta ou indi- culo XVIII onde podemos encontrar as raízes de um fenô- reta em muitos setores econômicos que nele participam. meno como o turismo, que hoje ocupa os centros históricos Assim, para além de ser uma das principiais fontes de de qualquer grande cidade do mundo, dos mais exóticos e emprego, estimula os investimentos em infra-estruturas recônditos lugares naturais aos lugares que foram o berço que, para além dos turistas, beneficiam os residentes lo- de civilizações milenárias. cais. Por sua vez, as receitas obtidas através dos impostos 1 Para mais informações acerca da OMT: http://www.unwto.org/index_s.php. número 4, 2007 - @local.glob gerados pelo turismo são valiosas para as diversas administrações públicas. Mas o turismo é também um ponto de encontro, gérmen de novas relações internacionais, de conhecimento mútuo entre culturas e crenças aparente- FONTE: Ángel L. VIDAL Turismo e território: o desenvolvimento local sustentável no centro do debate mente antagônicas. Ano após ano, os números não deixam margem para dúvidas acerca do potencial econômico do turismo. O último Barômetro da OMT sobre o Turismo Mundial indica que 2006 foi um novo ano recorde para o turismo, que voltou a obter resultados superiores à média. No total, registraram-se em todo o mundo 842 milhões de viagens e um crescimento no número de turistas de 4,5%, tendência que se consolidará em 2007, ano que, segundo este Barômetro, constituirá o quarto ano consecutivo de crescimento sustentado do setor. Este cenário, em que o turismo se converte numa das faces mais visíveis da globalização, tem também uma importante dimensão local que é aquela que gostaríamos de abordar neste número da revista do Delnet @local.glob - Pensamento Global para o Desenvolvimento Local. Porque estarão todos os territórios preparados para enfrentar os desafios que uma atividade como o turismo, de excelentes Betancuria, Ilhas Canárias, Espanha resultados macroeconômicos, coloca? - Quais são os riscos que uma comunidade local pode enfrentar, se quiser Marrocos, Tunísia e o Egito. apostar simultaneamente no turismo e na sustentabilidade do seu desenvolvimento? - Quais são as vantagens e os O ordenamento territorial também pode ser um grande inconvenientes de um modelo de desenvolvimento local aliado do turismo se tivermos em conta os planos con- cujo motor econômico é o turismo? Estas são algumas das juntos nos quais os requisitos urbanísticos e turísticos do perguntas que, segundo diferentes pontos vista, os autores território se conciliem. Caso contrário, podemos encontrar dos artigos desta edição, irão abordar. experiências – infelizmente mais abundantes do que seria aconselhável – nas quais uma atividade turística desenfreada arrasa costas e espaços naturais que dificilmente serão Vantagens e desvantagens do desenvolvimento recuperáveis nos próximos anos e, além do mais, deixam turístico para os territórios gravíssimos problemas estruturais no território, desde a especulação urbanística até à gestão de recursos escassos Cada caso é um caso, mas poderíamos enumerar uma lista como a água, para não falar dos múltiplos problemas meio- de vantagens e desvantagens que os territórios costumam ambientais. enfrentar quando querem tornar o turismo um aliado para o seu desenvolvimento local. Uma associação harmônica entre turismo e desenvolvimento local sustentável põe a tônica nos tipos de turismo Entre as vantagens, a principal poderia ser o impacto di- mais baseados no respeito pelo meio-ambiente, na quali- reto e indireto que o turismo pode ter sobre a economia dade em vez da quantidade, na sustentabilidade a médio e local. São muitos os povos que, após anos de desestrutu- longo prazo mais do que na exploração de recursos a curto ração social provocada pela recessão da produção agrícola prazo. Supostamente, esta abordagem resultará também ou ganadeira, abriram a porta do relançamento com a ati- a favor de uma disponibilidade construtiva e participativa vidade turística. Podem-se encontrar exemplos na Europa, que irá ganhando terreno à fórmula tradicional turística do na América Latina e em países do norte de África, como sol e praia, que teve a sua grande eclosão nos anos setenta @local.glob - número 4, 2007 Turismo e território: o desenvolvimento local sustentável no centro do debate FONTE: Ángel L. VIDAL – para o que vem de fora, traduzindo os sinais de trânsito ou as indicações de algumas lojas, pode conduzir, em casos extremos, na quase perda do idioma local substituindo-o pelo idioma do grupo turístico maioritário na zona. Por outro lado, há destinos, sobretudo aqueles cujas propostas estão mais ligadas ao turismo de sol e praia, que apresentam uma importante massificação dos seus espaços públicos nas épocas altas, normalmente no Verão. Por isso, todos os atores privados e públicos do desenvolvimento turístico estão, nos últimos anos, a prestar uma especial atenção à não sazonalidade da oferta turística, diversificando as atrações para os visitantes, para que não Ebeltoft, Dinamarca se produzam roturas que possam prejudicar o destino e o bem-estar dos seus cidadãos, bem como a imagem que os do século passado. turistas levam do mesmo. Outra grande contribuição que a atividade turística pode trazer a um território concerne Finalmente e falando da relação entre desenvolvimento os investimentos local, turismo e emprego, embora seja verdade que a ati- em infra-estruturas que usualmente são feitos quando se vidade turística gera uma quantidade significativa de pos- aposta no turismo. Estas infra-estruturas (desde estradas, tos de trabalho, também é certo que se trata de postos de linhas ferroviárias, aeroportos, até instalações públicas trabalho não qualificados, de caráter sazonal e em condi- de lazer e desportivas e mesmo hospitais) beneficiarão de ções precárias. Assim, este é um tema para o qual devemos imediato os turistas, mas também os habitantes do terri- estar especialmente atentos caso se pretendam construir tório. estratégias de desenvolvimento turístico que contribuam positivamente para o desenvolvimento sustentável do nos- Outro efeito potencialmente positivo é que a chegada so território. de visitantes significa um olhar alheio sobre o território e produz muitas vezes uma revalorização do autóctone que Definitivamente, torna-se necessário combinar estraté- pode ser de grande interesse para muitos territórios que gias que equilibrem o bom serviço prestado aos turistas e sacrificaram a sua identidade noutros momentos históri- a qualidade de vida dos habitantes. Porque a verdadeira cos. Para além do patrimônio propriamente dito, está-se a questão, que aqui mais nos interessa, é que muitos recuperar – ou a valorizar – para o turismo, mas também territórios, em todo o mundo, estão a apostar no tu- para as novas gerações dos próprios territórios, importan- rismo, devendo esta aposta contribuir positivamen- tes aspectos da cultura local tais como a gastronomia tra- te para o seu desenvolvimento local sustentável, nos dicional, o folclore, os ritos ancestrais, etc. domínios econômico, social, meio-ambiental e cultural. Falámos até agora das vantagens, mas também temos que abordar alguns aspectos da “outra face da moeda”. O desenvolvimento turístico como aliado do Um dos riscos que o turismo pode trazer a um território é a homogeneização que muitas povoações e cidades desenvolvimento local sustentável: a importância do planejamento estratégico estão a sofrer devido ao investimento de grandes empresas turísticas, as quais acabam por impor as suas regras Articular una aliança estratégica entre a atividade tu- no momento de fazer turismo. Por sua vez, muitas zonas rística e os seus operadores e o desenvolvimento local vêem os seus costumes diluídos através dos visitantes sustentável de um território não é tarefa fácil e, em con- que nelas fixam a sua segunda residência. O que a prin- sequência, é necessário utilizar uma ferramenta impres- cípio poderia ser a deferência – e inteligência empresarial cindível que nos permita abordar a análise dos problemas número 4, 2007 - @local.glob Turismo e território: o desenvolvimento local sustentável no centro do debate complexos de forma inter-relacionada: o planejamento estratégico. A todo o momento, e tal se articula com a idéia sistêmica que não devemos perder de vista, devemos recordar que todo o produto tem um ciclo de vida que deve ser consi- Em termos concretos, dois territórios costeiros da mesma derado para poder utilizar a reengenharia de algum ou de região, com um clima de características similares, seguirão todos os aspectos do mesmo que não estejam a funcionar dois caminhos bem diferentes, dependendo do fato do seu bem. Qualquer produto, e também o destino turístico, pas- desenvolvimento turístico se incluir ou não dentro de uma sa pelas fases de: nascimento – descoberta; crescimento estratégia geral de planejamento estratégico. – lançamento; amadurecimento – estagnação e declínio. Temos que partir de uma premissa inevitável que já men- Há que estar atento e avaliar continuamente, a partir das cionamos anteriormente: o turismo é mais do que uma perspectivas quantitativa e qualitativa, como evolui a ofer- atividade econômica, mas é, antes de tudo, uma atividade ta turística apresentada no segmento de mercado em que econômica. foi inserido. Para tal, temos que olhar o destino como um sistema e ter em conta que todo o enlace territorial e o seu Por isso e falando de planificação, têm que se construir ordenamento estão a funcionar direta ou indiretamente propostas cujo eixo central é a qualificação dos recursos para o cliente que consome o produto turístico. As linhas humanos locais para que, no centro da nossa oferta turís- de atuação que derivam desta afirmação são, sem dúvida, tica, se situe o atendimento ao cliente e a qualidade e sus- muito ambiciosas, mas são as que garantirão o êxito do tentabilidade do produto turístico: já não é suficiente uma destino a longo prazo. oferta baseada na exibição de riqueza patrimonial ou natural de um município, seja uma torre de valor arquitetônico incalculável ou uma praia de águas cristalinas. E não se deve esquecer os atores privados, ou seja, os que intervêm de e para o território: hotéis, restaurantes, centros comerciais, resorts, organizadores de eventos im- O destino turístico, o nosso território, deve funcionar portantes, etc. Da mesma forma, os operadores turísticos como um produto e para configurar esse produto devemos incluídos em pacotes e trajetos turísticos que sejam do nos- planificar, ter em conta tudo o que precisamos para pôr em so interesse estratégico, multiplicando o efeito do esforço marcha uma atividade turística rentável, mas que seja tam- aglutinante que façamos a partir do território. bém sustentável e que contribua para o desenvolvimento harmônico desse nosso território. Diante da complexa segmentação do mercado turístico proposta nos últimos anos, existem duas grandes tendên- Uma grande parte do êxito de muitas propostas ba- cias2 que os destinos devem abordar a partir de uma di- seia-se em reconhecer o destino como mais um produto mensão sistêmica – num quadro que abarque todo o terri- inserido num mercado e que funciona como um sistema tório e não apenas as áreas relacionadas diretamente com turístico. É um produto que, dentro dos postulados do a gestão turística – para evitar efeitos contraproducentes. planejamento estratégico aplicável a qualquer atividade, Estas tendências são uma diversificação da oferta turísti- necessita de um diagnóstico prévio a que se seguirá uma ca e, na mesma linha, uma personalização crescente do fase para a definição de estratégias e objetivos que darão destino como produto turístico. Tudo isto, sem perder de lugar, por sua vez, a uma série de políticas e atuações lo- vista a sustentabilidade econômica, social, meio-ambiental cais concretas. e cultural que deve estar sempre no centro de um modelo de desenvolvimento local sustentável. Dependendo do segmento de mercado a que nos dirigimos, teremos que nos concentrar num dos diferentes tipos de turismo. A qualidade que é cada vez mais exigida pelos Postulados da comunidade internacional para um turistas e a necessidade por parte destes de um lazer ativo, turismo sustentável está a fazer aparecer novos e competitivos tipos de turismo como o turismo ativo, meio-ambiental, de aventuras, cultu- Na atualidade, existem numerosos organismos internacio- ral, de saúde e termais, etc.. nais, especialmente do Sistema das Nações Unidas, com 2 EJARQUE, J. (2003). La destinazione turistica di successo. Marketing e management. Editorial Hoepli, Milão, Itália. @local.glob - número 4, 2007 Turismo e território: o desenvolvimento local sustentável no centro do debate FONTE: Ángel L. VIDAL tico que potenciem o referido setor nos países mais pobres, para assim impulsionar as suas economias e as suas condições de vida. O turismo também deve ser uma plataforma para a interculturalidade5, para o diálogo entre diferentes formas de conceber o mundo, assim como para a hospitalidade e respeito pelos forasteiros, sem que isso pressuponha uma eliminação da identidade de quem os recebe. Muitos turistas do século XXI viajam interessados em conhecer as culturas autóctones e tentam envolver-se nelas o mais possível. Neste sentido, estão a ganhar muita força tipos de turismo como o rural ou o gastronômico, que conjugam o prazer com o conhecimento. A atividade turística, observada a partir da perspectiva do desenvolvimento local sustentável, não pode deixar de lado o problema da pobreza, um problema multidimensional que deve ser abordado a partir dos âmbitos local, nacional e internacional. O turismo sustentável pode e deve ser uma ferramenta importante para a redução da Peñíscola, Valencia, Espanha pobreza, dado o seu potencial de criação de emprego, de geração de renda e pela sua capacidade para contribuir e a OMT e a OIT3 à cabeça, que lideram iniciativas e docu- melhorar as condições de vida no território através da ati- mentos que tratam de articular o turismo e a sua garantia vidade turística. de futuro, a sustentabilidade, a partir de uma tripla perspectiva4: Visando a sustentabilidade social, econômica, ambiental e cultural, em 1999 foi criado o Código Ético Mundial • o crescimento e o desenvolvimento social e econômico; para o Turismo6. • a preocupação pelo meio-ambiente; • a dimensão cultural do território. Segundo a OMT, determinaram-se neste documento quais eram os grandes princípios de um desenvolvimento Estas idéias de sustentabilidade têm que constituir um sustentável e responsável do turismo: eixo fundamental de desenvolvimento e de evolução do turismo mundial. Assim, os atores locais estão a tomar em • como instrumento de orientação para todos os atores, consideração as agendas globais e idéias como as da Agen- diretos e indiretos, públicos, privados e para a socieda- da Local 21, surgida em 1992 e que, ligada a esta atividade de civil; econômica, procura conciliar o respeito pelo meio-ambien- • como mecanismo para fomentar a integração de políti- te com a estruturação de produtos turísticos nos territórios. cas estratégicas, legislações e regulamentos à escala in- E sobretudo, dentro da sustentabilidade sócio-econômica ternacional, regional, nacional e da comunidade local; antes mencionada, a luta contra a pobreza. O anterior Se- • como estratégia para o trabalho da própria OMT nas cretário-Geral das Nações Unidas (ONU), Kofi Annan, pediu suas relações com o setor e com outros organismos em 2006 às principais entidades implicadas no setor turís- que configuram o mercado turístico mundial. Ver o portal da Rede de Turismo Comunitário na América Latina (REDTURS), patrocinado pela OIT: http://www.redturs.org/. Programa Delnet CIF/OIT (2004). Noticias Delnet. Turismo e desenvolvimento local sustentável: elementos para um debate. Conclusões da Reunião Internacional de peritos organizada pelo Programa Delnet CIF/OIT sob o auspício da Fundação CajaGRANADA e a colaboração técnica do departamento de turismo da cidade de Turim - Turismo Torino. Editado pelo Programa Delnet CIF/OIT, Turim, Itália. 5 Quadro teórico da Especialização em Turismo Sustentável e Desenvolvimento Local do Programa Delnet CIF/OIT. 6 Mais informações em: http://www.unwto.org/code_ethics/pdf/languages/Codigo%20Etico%20Espl.pdf. 3 4 número 4, 2007 - @local.glob A OIT põe a tônica sobre o turismo de qualidade ligado ao trabalho decente7. Só se existirem boas condições de trabalho, que favoreçam a boa disposição das pessoas que trabalham na hotelaria, na restauração ou nos transportes, FONTE: Ángel L. VIDAL Turismo e território: o desenvolvimento local sustentável no centro do debate para citar apenas três atividades, os turistas irão ter uma boa experiência que favoreça a sua fidelização ao destino turístico. O trabalho decente é um fim em si mesmo. Tanto no turismo, como nos outros setores produtivos. Adicionalmente, é necessário dar atenção ao fato de um produto turístico ser especialmente sensível ao fator humano representado pelos trabalhadores e trabalhadoras que o vão tornar real, o produto, o destino turístico, no momento ou no período de tempo em que o cliente o consome. Pode-se, portanto, afirmar que o posto de trabalho e as condições de trabalho com qualidade vão redundar muito favoravelmente em serviços turísticos de qualidade. Turim, Itália O trabalho decente não é um conceito compatível com rosas campanhas e declarações segundo as quais se devem a falta de respeito pelos direitos humanos e a equidade ir construindo alternativas8. Há países com campanhas es- de gênero. Muitas empresas e administrações públicas já pecíficas para a consciencialização do turismo e numero- não permitem no dia-a-dia que num complexo hoteleiro sas instituições internacionais que estão a dar atenção a ou num parque temático se violem direitos básicos, ou se este tipo de campanhas, sobretudo naquelas zonas onde o promovam condições de trabalho desumanas ou que di- turismo sexual causa mais prejuízos9. ferenciem de um modo irregular homens e mulheres. Mas tem que se continuar a trabalhar na consciencialização dos Em conclusão, o turismo ao serviço do desenvolvimento principais atores turísticos, através de campanhas públicas local sustentável pode dotar-nos de armas que façam com e de sensibilização geral. que o século XXI termine melhor do que começou. A tarefa não é fácil, mas cabe destacar que todos os atores, interna- Quando se fala de ataques aos direitos humanos no tu- cionais, regionais e locais, estão de acordo em salientar o rismo, primeiro pensamos no turismo sexual. Não faltam potencial do turismo para fortalecer políticas sustentáveis razões para isso, pois trata-se de uma “indústria” que não para além das fronteiras de um município ou de um país; cessa e cujos resultados econômicos se incrementam, cada proporcionar um ordenamento urbanístico compatível com ano, de forma alarmante. o ser humano; ser aliado das políticas de proteção do ambiente que contribuam a impedir as alterações climáticas e A luta contra o turismo sexual, assim como contra o esclavagismo e o trabalho infantil, conta também com nume- criar padrões de consumo e de comportamento responsáveis, superando línguas e credos. A abordagem setorial é a plataforma que a OIT utiliza para tratar todos os aspectos do trabalho em diversos setores da atividade econômica. Oferece uma visão importante do mundo do trabalho, pois junta os mandatários da OIT à escala internacional, regional e nacional. O setor da Hotelaria, da Restauração e do Turismo (HRT) foi definido pela OIT, em 1980, no quadro das atividades setoriais da Organização: http://www.ilo.org/public/spanish/dialogue/sector/sectors/tourism.htm. 8 ECPAT International (End Child Prostitution Child Pornografy and Trafficking of Children for Sexual Purposes) é uma rede de organizações e indivíduos que trabalham em conjunto para a eliminação da prostituição infantil, da pornografia infantil e do tráfico de crianças para fins sexuais. Em conjunto com a OMT, elaborou o Código de Conduta contra o Turismo Sexual. A ECPAT, juntamente com a UNICRI (sigla em inglês do Instituto das Nações Unidas para a Investigação sobre o Crime e a Justiça), pôs em marcha o Programa de Ação para combater o tráfico de menores de idade para fins de exploração sexual comercial. O programa está a ser implementado em três países piloto: Costa Rica, Tailândia e Ucrânia. 9 Há diversas campanhas postas em marcha pela OMT, através do seu grupo operativo sobre “Turismo e controle da prostituição infantil”, pela OIT, pela UNICEF, pela Cimeira Euro-asiática, etc. 7 @local.glob - número 4, 2007 Fortalecendo as redes de turismo comunitário Fortalecendo as redes de turismo comunitário REDTURS na América Latina Globalização e turismo comunitário A insuficiente dinâmica das atividades agro-pecuárias tra- FONTE: REDTURS Carlos Maldonado Especialista em políticas de emprego e desenvolvimento empresarial Oficina Internacional do Trabalho (OIT) dicionais e o deficiente desempenho das pequenas unidades produtivas impedem que a grande maioria da população rural da América Latina goze de empregos estáveis e de rendimentos suficientes que lhes garantam um nível de vida decente. Os processos de exclusão social e política explicam o déficit histórico em matéria de educação, formação profissional, nutrição e saúde, acumulados pelos estratos sociais mais vulneráveis do setor agro-pecuário, o que resulta numa baixa produtividade trabalhista e numa reduzida capacidade para desempenharem tarefas qualificadas e bem remuneradas. A globalização econômica é responsável por mudanças O autor do artigo, Carlos Maldonado, com o Presidente da Bolívia Evo Morales, durante o V Encontro Consultivo de REDTURS no comportamento dos consumidores, tais como: a procura de novas vantagens competitivas e a crescente utiliza- uma opção consistente perante as novas dinâmicas do ção das tecnologias de informação e comunicação. Estes mercado, pois os seus produtos valorizam a identidade fatores têm maior incidência em setores dinâmicos, como o cultural e fomentam intercâmbios vivenciais, permitindo turismo, que apresenta uma expansão sustentada à escala ao visitante desfrutar de experiências originais, combi- mundial1. Devido ao fenômeno da massificação, um cres- nando atrações culturais e ecológicas, marginalizando o cente segmento de turistas reclama produtos inovadores, turismo de massa. Porém, as referidas comunidades en- vivências culturais autênticas e destinos naturais genuínos. frentam o mercado com sérias limitações, pois são excluí- A força do turismo e das suas novas correntes representam das das instituições e discriminadas em relação ao acesso uma fonte de oportunidades para os pequenos negócios, aos recursos produtivos, serviços públicos e mercados. na medida em que estes sejam capazes de oferecer produ- Esta situação evidencia o paradoxo da pobreza que afe- tos que conjuguem atributos de originalidade e de autenti- ta muitas comunidades: sendo potencialmente ricas em cidade, fontes de diferenciação e de competitividade. atrações, estas não podem ser transformadas em recursos e em ativos empresariais para serem valorizados através A oferta turística das comunidades rurais aparece como do mercado. 2 Segundo a Organização Mundial do Turismo (OMT), até 2020, o fluxo internacional de viagens crescerá cerca de 6% ao ano, sendo que o número total de viajantes será, nessa altura, previsivelmente de 1.600 milhões. 2 Maldonado, C. (2005). Síntesis analítica y comparada de 23 estudios de caso de etnoturismo comunitario en América Latina, OIT, SEED, Genebra, Suíça. 1 número 4, 2007 - @local.glob Fortalecendo as redes de turismo comunitário O turismo comunitário na América Latina é um fenômeno que surgiu nas duas últimas décadas e num contexto terminadas operações, como por exemplo, o número de visitantes a ecossistemas frágeis; de grandes mudanças econômicas, sociais e políticas, tais • um laxismo na aplicação das disposições que tendem como, a liberalização dos fluxos comerciais e financeiros; a compatibilizar o desenvolvimento do turismo e a pre- a vigência dos novos paradigmas do desenvolvimento sus- servação do patrimônio das culturas locais; tentável e a responsabilidade social das empresas. O fenô- • a eliminação das normas relativas ao uso preferencial meno conheceu uma relativa prosperidade em zonas de de recursos locais: mão-de-obra, alimentos, equipa- excepcional beleza paisagística, dotadas de atrativos cul- mentos e materiais. turais e de vida campestre, tanto em territórios municipais como em áreas públicas periféricas. Embora o GATS preveja, em teoria, a generalização dos benefícios da liberalização dos serviços, a pouca ou ne- Embora o turismo constitua uma fonte complementar de nhuma participação das comunidades rurais nas instân- emprego e de renda para um crescente número de comu- cias de tomada de decisão que regulam a atividade eco- nidades da região, existe consenso sobre o fato de que este nômica constitui uma ameaça real. O turismo comunitário não pode, por si só, suprimir as insuficiências que o meio pode esperar por um futuro sustentável, na medida em que onde operam possui. Efetivamente, ainda há muito a fazer as políticas públicas se adaptem e apliquem com firmeza no âmbito das políticas públicas para atingir os meios ne- um conjunto de regras de jogo que preserve a diversidade cessários para a criação e o desenvolvimento das pequenas cultural e a coesão social, os ecossistemas e a sua biodiver- empresas, principalmente no que se refere ao acesso às in- sidade. Sem essas regras, o desenvolvimento do turismo fra-estruturas produtivas, aos novos mercados, à melhoria continuará a marginalizar e empobrecerá ainda mais as das qualificações profissionais e à supressão das barreiras comunidades afetadas. legais e institucionais. A este respeito, convém referir que os apreciáveis resul- REDTURS: desafios e estratégias tados alcançados através de programas de turismo se explicam graças a fatores tais como a vontade política em ge- O desafio das comunidades rurais da América Latina con- rar consensos e concretizar resultados com organizações siste em dotarem-se de estruturas e meios de pressão po- comunitárias; a um alto grau de complementaridade e de lítica que lhes permitam ter maior poder de decisão sobre flexibilidade das instituições públicas; à procura de efeitos as suas condições de vida e de bem-estar, fomentando sinérgicos resultantes de uma eficaz coordenação entre uma nova ordem nas relações econômicas e institucio- atores locais, nacionais e cooperação internacional. nais. Só aumentando o seu poder de negociação, as orga- 3 nizações comunitárias conseguirão, por um lado, impulTendo em conta o impacto do turismo nas sociedades sionar políticas públicas que incentivem os seus projetos locais, é necessário ter cuidado com os efeitos negativos produtivos e, por outro, assinar acordos comerciais justos do Acordo Geral sobre Comércio e Serviços (GATS das suas com os operadores turísticos nacionais ou multinacio- siglas em inglês) impulsionado pela Organização Mundial nais. do Comércio (OMC). Os riscos de enfraquecimento das políticas e das práticas de desenvolvimento sustentável do Para atingir este objetivo, o primeiro imperativo consis- turismo são óbvios. Efetivamente, o referido acordo exige te em estimular processos associativos que: articulem efi- uma liberdade quase ilimitada para que as empresas mul- cientemente a oferta de serviços; procurem uma inserção tinacionais possam aceder aos mercados nacionais, operar competitiva nos mercados e fomentem o uso sustentável em qualquer zona do país e gozar de um tratamento não do patrimônio comunitário. O segundo imperativo é o de discriminatório. As potenciais áreas de conflito podem gra- melhorar a capacidade de gestão autônoma, tanto no âm- vitar em torno de três eixos: bito empresarial como no quadro organizacional, qualificando para tal recursos humanos e líderes de uma nova • um enfraquecimento das normas que restringem de- geração. Enríquez, F.; Maldonado, C. (2007). Restaurando la esperanza con comunidades indígenas de Guatemala, OIT, série REDTURS, WP80, Genebra, Suíça. 3 @local.glob - número 4, 2007 Fortalecendo as redes de turismo comunitário REDTURS: QUEM SOMOS? Somos uma rede de comunidades, instituições de apoio e recursos humanos que compartilhamos uma visão do desenvolvimento sustentável do turismo. Procuramos compatibilizar os objetivos da eficiência econômica com os princípios de equidade social, da identidade cultural e da preservação dos recursos naturais. A nossa missão é apoiar os processos de formação e fortalecimento das redes de turismo comunitário da América Latina, com o fim de diversificar as suas fontes de emprego e de renda, de valorizar a sua cultura e preservar a coesão social. mento e sustentabilidade5. Governos locais e comunidades: uma agenda vigente Este tema responde ao papel principal que os atores locais vêm desempenhando no desenvolvimento econômico e na procura de opções para gerar emprego, renda e bem-estar social. Efetivamente, as comunidades podem contribuir para fortalecer o tecido social e produtivo, dinamizando um leque de atividades e de recursos do território, acres- Para responder a estes desafios, a REDTURS fomenta o diálogo social e alianças entre organizações comunitárias, entidades públicas, empresas privadas, ONG´s, Universidades e Agências de Cooperação. A OIT fornece assistência técnica e apoio institucional com o fim de facilitar o acesso, em condições de equidade, dos pequenos negócios rurais a serviços de desenvolvimento empresarial e a novos mercados. Pensamos, assim, contribuir para a concretização de três objetivos de Desenvolvimento do Milênio: erradicar a pobreza extrema, promover a igualdade entre os gêneros e garantir a sustentabilidade do meio ambiente. centando valor aos bens e serviços e revitalizando o seu “El Portal de las Culturas Vivas” http://www.redturs.org. comunitárias no planejamento, a gestão e a avaliação das patrimônio. Por sua vez, os governos locais são chamados a contribuir substantivamente através da criação de um ambiente favorável para os pequenos negócios, dotandoos de serviços básicos, estimulando as redes de integração produtiva e eliminando as barreiras administrativas e legais que travam o seu desenvolvimento. Os grupos de trabalho do evento acordaram, como princípios base, os seguintes: a descentralização, a democratização, a participação ativa e equitativa das organizações políticas e os planos de turismo. O planejamento tem que se efetuar respeitando os princípios de consulta e partici- Em resposta às tendências do mercado e às aspirações formuladas por numerosas organizações indígenas e cam- pação estipulados no Convênio 169 da OIT, assim como os direitos territoriais e culturais. ponesas da região, a OIT criou a Rede “de Turismo Sustentável” (REDTURS). O seu propósito é acompanhar as O turismo comunitário é um fenômeno recente e não comunidades nos processos de reflexão, procurar soluções conta ainda com as políticas e quadros normativos ade- e aplicar estratégias que lhes permitam competir com van- quados para o seu desenvolvimento. Portanto, os governos tagens no mercado, potencializando as suas forças e supe- locais, em estreita colaboração com as organizações co- rando suas fraquezas. munitárias, promoverão uma ampla aplicação da seguinte agenda: Nesta perspectiva, 16 organizações, provenientes de 13 países, foram convocadas para o “Quinto Encontro Con- • definição dos papéis dos atores locais no desenvolvi- sultivo das Comunidades”, co-organizado pelo Governo mento do turismo: municípios, organizações comuni- da Bolívia e pela OIT. À semelhança dos precedentes, este tárias e sociais, universidades e empresas privadas; evento propôs compartilhar experiências, debater opções • promulgação de leis e normas que regulem e incenti- 4 e concertar propostas orientadas para fortalecer o caráter vem o exercício do turismo comunitário; sustentável do turismo comunitário. Foram abordados dois • concertação de políticas e programas, incorporando temas previamente selecionados no último encontro: Go- os objetivos e contributos específicos das comunidades vernos municipais e turismo comunitário: uma agenda para rurais nos planos estratégicos de desenvolvimento mu- o desenvolvimento local participativo e Organizações de turismo comunitário: linhas de orientação para o seu fortaleci- 4 5 nicipal; • reconhecimento, proteção e promoção do patrimônio OIT: Chamada do V Encontro Consultivo das Comunidades, Bolívia 14-18 de Maio, 2007. OIT: Memória do IV Encontro Latino-americano. Códigos de conduta e uso de marcas, Panamá, série REDTURS, 2006, WP77. 10 número 4, 2007 - @local.glob Fortalecendo as redes de turismo comunitário local, da identidade cultural, dos seus valores, das suas instituições e práticas sociais; • respeito pelas decisões das comunidades e dos povos Federações nacionais e associações locais de turismo comunitário participantes no V Encontro Consultivo OIT-REDTURS indígenas no que se refere ao uso e destino dos seus territórios, incluindo o direito à recusa da atividade turística. Para atingir estes objetivos, as autoridades municipais devem: • fornecer e gerir serviços públicos que contribuam para incrementar a qualidade e a competitividade dos serviços turísticos fornecidos pelas pequenas empresas locais6; • garantir a segurança dos cidadãos, a saúde pública e a dotação de infra-estruturas; • atribuir incentivos econômicos, financeiros e tributários para estimular o arranque e a expansão das iniciativas de turismo comunitário; • afetar recursos e destinar um orçamento anual para a sua promoção e desenvolvimento; • apoiar a promoção e difusão dos empreendimentos turísticos locais, mediante a realização de feiras e festivais que difundam e valorizem os usos e costumes locais; • facilitar o acesso a serviços financeiros, assessoria e formação técnica; • criar uma unidade técnica que responda às necessidades do turismo comunitário; • avaliar os impactos do turismo nos domínios econômico, sócio-cultural, ambiental e político-institucional, 1. RITA: Rede Indígena de Turismo do México. 2. SENDA SUR: Rede de Turismo de Chiapas Ecotours e Etnias, México. 3. FENATUCGUA: Federação Nacional de Turismo Comunitário de Guatemala. 4. MUTU: Rede de Turismo Comunitário Garífuna, Honduras. 5. RENITURAL: Rede Nicaraguense de Turismo Rural. 6. ACTUAR: Associação Costa-Riquenha de Turismo Rural Comunitário. 7. COOPRENA: Rede de Turismo Rural Comunitário da Costa Rica. 8. Rede de Turismo dos Povos KUNA, Panamá. 9. KAÍ ECOTRAVEL: Operador Turístico Comunitário, Colômbia. 10. FEPTCE: Federação Plurinacional de Turismo Comunitário do Equador. 11. Associação de Turismo Comunitário Llachón, Puno, Peru. 12. TUSOCO: Rede Boliviana de Turismo Solidário Comunitário. 13. TURISOL: Rede Brasileira de Turismo Solidário Comunitário. 14. Rede de Parques Comunitários Mapu Lahual, Chile. 15. Rede de Turismo Camponês dos Vales Calchaquíes, Salta, Argentina. 16. Rede Provincial de Turismo Rural de Base Comunitária de Jujuy, Argentina. procurando minimizar ou corrigir os efeitos negativos e potenciar os benefícios para as comunidades. Um estudo realizado às organizações participantes no evento revelou que estas sofrem de sérias debilidades deO imperativo da sustentabilidade das organizações rivadas da sua limitada capacidade de gestão, insuficiente rentabilidade da prestação de serviços realizada, alta de- Tendo em conta que o fomento do turismo e das suas ativi- pendência de recursos externos, reduzido associativismo dades complementares procura elevar o nível do bem-estar e escassa formalização. Não obstante, para aproveitar os das comunidades, salvaguardando os seus direitos territo- pontos fortes do patrimônio comunitário e as oportunida- riais e o seu patrimônio cultural genuíno, os organismos de des que o mercado gera, os representantes comunitários apoio têm direcionado a sua reflexão para um tema crucial, propuseram uma série de medidas para orientar as futuras ou seja, para a consolidação das estruturas associativas do ações de cooperação. As mesmas organizam-se em quatro turismo comunitário da região. Tal significa: organizações grupos temáticos: i) fortalecimento institucional comunitá- dotadas de uma capacidade de auto-gestão, crescente efici- rio; ii) competências para o desenvolvimento empresarial; ência na prestação de serviços aos seus sócios e suficientes iii) estratégias de mercado e comercialização; e iv) finan- meios para assegurar a sua sustentabilidade. ciamento. Os serviços públicos referem-se às acessibilidades, água potável, construção de esgotos, saúde, depósito e tratamento de resíduos sólidos, eletricidade, telecomunicações, transportes e sinalização das vias. 6 @local.glob - número 4, 2007 11 Fortalecendo as redes de turismo comunitário Em síntese, preconizaram-se as seguintes ações: vantagens de se organizarem os objetivos da organização e o seu compromisso com o bom funcionamento • organizar redes e associações locais que se constituam como espaços de encontro, auto-gestão e organização para apresentar soluções adequadas às necessidades dos seus associados; da mesma; • desenvolver produtos comunitários com base em nichos de mercado prometedores; • estimular todas as comunidades para se integrarem no • fortalecer as estruturas federativas nacionais, assim portal da REDTURS e para participarem tanto no seu como a sua capacidade autônoma de representação, di- boletim como no primeiro guia impresso de turismo álogo e negociação com outros atores; comunitário da América Latina; • optar pelo planejamento estratégico, a médio e longo prazo; • incidir crescentemente nas instâncias de planificação e gestão de políticas de turismo, envolvendo líderes comunitários nas esferas de decisão política; • subscrever alianças e convênios de cooperação com instituições públicas, privadas e de cooperação internacional (OIT, OMT, PNUD), evitando a criação de relações de dependência; • formar recursos humanos para a utilização de instru- • desenhar páginas inovadoras na Web e oferecer produtos originais para conseguir um bom posicionamento nos motores de busca da Internet; • estabelecer alianças com universidades, ONG´s e outras instituições com o objetivo de obter apoio para: a promoção, a assessoria a voluntários e a aprendizagem de idiomas; • fomentar a criação de operadores de turismo comunitário para comercializarem, no mercado internacional, os produtos das redes nacionais; mentos internacionais relacionados com os direitos co- • negociar, com doadores, as condições adequadas para letivos, tais como o Convênio 169 da OIT, o Convênio que os fundos sejam utilizados diretamente pelas co- sobre a Diversidade Biológica, a Declaração do Québec munidades ou pelas suas organizações. Nesta óptica, sobre Ecoturismo, entre outras; reforçar-se-á previamente a capacidade de gestão e de • as comunidades devem promover, conforme adequado, iniciativas familiares empresariais, associativas e comunitárias, diferenciando o seu produto para evitar a concorrência desleal; • procurar-se-á dar formação integral e permanente, cobrindo falhas como o atendimento ao cliente e operação monitorização das organizações interessadas; • exigir transparência na utilização dos fundos da cooperação externa; • dar prioridade ao investimento em infra-estruturas nas comunidades, aspectos que foram anteriormente esquecidos pelo Estado e pela cooperação. de serviços turísticos; a administração de negócios; o desenho e diversificação de produtos; a promoção e co- Finalmente, os participantes aprovaram as “Diretrizes mercialização; a legislação turística, trabalhista e am- para os códigos de conduta do turismo rural comunitário biental; as competências para o desempenho de cargos na América Latina”7 um instrumento pioneiro e vital para executivos e de liderança; promover o desenvolvimento sustentável na região. Uma • consciencializar os membros sobre a necessidade e as síntese das mesmas inclui-se como anexo. OIT-REDTURS: Diretrizes para os códigos de conduta do turismo rural comunitário na América Latina, Panamá, Novembro de 2005 e La Paz, Maio de 2007. 7 12 número 4, 2007 - @local.glob Fortalecendo as redes de turismo comunitário Síntese das diretrizes para os códigos de conduta do turismo rural comunitário na América Latina O presente texto reúne e difunde uma síntese das linhas de orientação propostas pelas organizações de turismo rural comunitário da América Latina para elaborar os códigos de conduta do turismo. Os mesmos foram deliberados e aprovados durante o IV e o V Encontro Consultivo Regional da REDTURS, celebrados no Panamá (Novembro de 2005) e na Bolívia (Maio de 2007), com o apoio da OIT e dos governos dos países mencionados. O “código de conduta” inspira-se nas vivências das comunidades e das suas organizações e enriquece os princípios e orientações contidas nas Declarações de Otavalo (2001) e de São José (2003), sobre turismo rural comunitário, assim como no Convênio N°169 da OIT sobre povos indígenas e tribais (1989). O processo social de construção deste instrumento ultrapassa o âmbito do turismo e transcende as fronteiras nacionais. O mesmo evidencia não apenas a problemática das comunidades com maiores níveis de exclusão social e política do continente, mas define também um conjunto de prioridades que se projetam nas esferas das políticas do Estado e da cooperação internacional. As diretrizes dividem-se, em função do objetivo proposto, em cinco grandes categorias: 1) Diretrizes para garantir o reconhecimento dos direitos das comunidades indígenas e rurais nas políticas e programas de turismo Estabelece-se uma série de medidas resultantes do direito das comunidades em decidir as suas prioridades de desenvolvimento, destacando que elas devem ser as principais beneficiárias da atividade turística - se decidem optar por esta ou não - a fim de beneficiar de uma vida digna. Os governos devem reconhecer e fortalecer os direitos econômicos, trabalhistas e culturais das comunidades, em particular sobre as suas terras e territórios, para que os possam exercer plenamente face a todos os atores da cadeia turística. O princípio da solidariedade e respeito mútuo entre os turistas e as comunidades anfitriãs inclui todos os domínios da vida destas últimas: valores, instituições, usos e costumes, assim como manifestações distintas do seu patrimônio cultural. Os operadores turísticos devem aceitar as normas que as comunidades decidiram aplicar nos seus territórios para prevenir os impactos sociais, culturais e ambientais do turismo. As comunidades, por seu lado, têm que promover a participação consciente dos seus membros, através de ações de educação e de formação, velando pela qualidade dos serviços que provêm do turismo. 2) Diretrizes para assegurar às comunidades o máximo de benefícios econômicos resultantes do turismo Para assegurar a participação das comunidades nos benefícios econômicos resultantes do turismo é necessário que a atividade turística contribua para o desenvolvimento local sustentável e para uma distribuição mais justa da riqueza gerada. Tal implica que: (i) se invista na formação de recursos humanos e na construção de capacidades para que as comunidades possam desenhar e auto-gerir os seus planos estratégicos e de negócios; (ii) se melhore a infra-estrutura e os serviços públicos de forma a elevar a competitividade turística; (iii) se alargue a repartição de benefícios ao maior número de pessoas, incentivando a criação de redes de base territorial e fundos de investimento comunitário; (iv) se fomente a equidade de gênero, garantindo a homens e a mulheres um igual acesso a recursos produtivos, a oportunidades de emprego e renda, assim como às instâncias de tomada de decisões. As comunidades devem estabelecer, com os governos e com os operadores turísticos, as políticas de incentivo ao turismo, as estratégias de promoção e de marketing, os critérios de qualidade dos serviços, assim como a adoção de princípios éticos nos negócios. O setor privado e as comunidades estabelecerão acordos de cooperação e métodos transparentes de fixação de preços, respeitando os respectivos contributos para o produto, garantindo assim uma repartição equitativa dos benefícios gerados pelo turismo. 3) Diretrizes para preservar o habitat natural e a integridade das terras e territórios das comunidades indígenas e camponesas As autoridades ambientais e turísticas acordarão, com as organizações municipais, o desenho e a aplicação de @local.glob - número 4, 2007 13 Fortalecendo as redes de turismo comunitário políticas e quadros legais que protejam os territórios e os recursos naturais destas últimas. Os referidos instrumentos contemplarão o planejamento e a gestão sustentável dos territórios e a prossecução de programas de educação ambiental para a população local, em particular para as crianças e para os jovens. Organizar-se-ão campanhas de informação e sensibilização dirigidas a consciencializar e a estimular nos turistas, nos guias e nos operadores turísticos comportamentos de respeito pelos recursos do território que visitam. As comunidades, os governos e as organizações da sociedade civil cooperarão para difundir as tecnologias e práticas de preservação dos ecossistemas e da biodiversidade sustentadas nos conhecimentos ancestrais; a utilização de energias renováveis e não contaminantes; a racionalização do uso da água; a gestão dos detritos sólidos e das águas residuais de origem doméstica ou turística. Nos territórios municipais, incentivar-se-ão o cultivo orgânico a reflorestação das terras ameaçadas pela erosão; a proteção das espécies autóctones ou o seu repovoamento; a regulamentação da caça e a erradicação da confecção de artesanato e pratos típicos com flora e fauna em perigo de extinção. Deve-se proibir e sancionar o tráfico de espécies e a extração não autorizada de material genético. 4) Diretrizes para preservar a autenticidade e valorizar a riqueza do patrimônio cultural das comunidades anfitriãs do turismo O turismo deve ser um instrumento para preservar as culturas locais e revitalizar os valores e as expressões da identidade étnica e comunitária. As suas organizações velarão pela integridade e pela autenticidade do patrimônio cultural, evitando que as pressões comerciais o deteriorem ou desvirtuem. Cada comunidade deve dotar-se de um código de conduta para garantir um desenvolvimento social e cultural harmônico do turismo, estabelecendo regras para os visitantes, nos seguintes aspectos: acesso a lugares históricos e sagrados; direito de propriedade sobre imagens, símbolos e conhecimentos coletivos, as suas aplicações e comercialização; proteção dos seus membros e, em especial, das crianças de qualquer tipo de tráfico ou abuso. Adicionalmente, as comunidades incutirão e formarão os seus membros para alcançarem uma cultura de serviço e segurança para o turista; fomentarão a interpretação histórica e cultural, incluindo experiências que valorizem as tradições agronômicas, gastronômicas, artesanais e artísticas, respondendo às expectativas dos turistas. Proibir-se-á o tráfico de peças arqueológicas, pessoas e espécies e sancionar-se-ão severamente os membros que se encontrem envolvidos nessas atividades ilícitas. 5) Diretrizes para fortalecer instituições, formas de participação e coesão social das comunidades mediante a atividade turística A planificação e a gestão do turismo devem constituir oportunidades para fortalecer as instituições comunitárias, os seus processos democráticos de participação e de tomada de decisões, visando alcançar objetivos comuns de maior alcance. Nesta óptica, promover-se-á a formação de associações de turismo entre territórios vizinhos e a outra escala. Impulsionar-se-ão iniciativas de equidade de gênero no acesso e controle dos recursos, posições de liderança e de distribuição dos benefícios. As iniciativas das pessoas e das suas famílias, com espírito empreendedor, devem ser estimuladas, no respeito das regras de distribuição dos rendimentos que previnam os riscos de diferenciação social e de tensões entre gerações. As organizações comunitárias estabelecerão alianças e acordos com operadores de turismo, universidades, ONG´s e organismos internacionais para formarem os seus quadros e fortalecerem a sua capacidade institucional de resposta ao mercado e para realizarem negócios sustentáveis que conduzam ao bem-estar das comunidades, da economia local e do país, em geral. Para uma visão integral do documento, consultar http://www.redturs.org seção documentos. 14 número 4, 2007 - @local.glob Educação turística e modelos de formação Educação turística e modelos de formação Aprofundar a gestão e a planificação dos destinos turísticos Jafar Jafari Editor Chefe Annals of Tourism Research, Estados Unidos da América E-mail: [email protected] Artigo publicado na versão original em inglês na TedQual, uma publicação da Organização Mundial do Turismo, Número 5, 01/2002. Nota do editor: Por ocasião do Seminário sobre Desenvolvimento de Recursos Humanos do Conselho de Educação, que teve lugar em Madrid durante a Feira Internacional de Turismo (FITUR) em 2000, o Dr. Jafari apresentou e analisou diversos modelos de formação e educação turística. Após a reunião, diversos países membros da Organização Mundial do Turismo (OMT) solicitaram uma cópia do seu discurso. Para uma sua versão revista no número especial sobre Gestão de destinos turísticos (OMT/THEMIS. Número 5, 01/2002). FONTE: JAFAR JAFARI tornar essa apresentação mais acessível a todos, foi publicada Introdução pais: organismos governamentais, universidades públicas Todos os países membros da OMT estão conscientes de que e privadas e pelos setores industriais. Estes utilizam uma o sucesso continuado do seu setor turístico dependerá da combinação de modelos de desenvolvimento de recursos forma como a mão-de-obra atual e futura estiver preparada humanos com o objetivo de responder eficazmente às ne- para responder às diversas necessidades deste multifaceta- cessidades de gestão dos destinos turísticos nos respecti- do setor. Os países que dependem dos rendimentos do tu- vos países. Trata-se pois, de identificar quais são os diver- rismo conhecem a importância que o desenvolvimento dos sos modelos utilizados atualmente e de analisar as suas recursos humanos tem na gestão e no funcionamento do principais características. Este “inventário” de modelos turismo e também sabem muito bem que a popularidade e pode servir de guia para os países membros da OMT e para um crescimento contínuo e sustentável dos seus destinos outros destinos turísticos interessados em decidir quais as turísticos estão diretamente relacionados com a qualida- suas opções de desenvolvimento dos recursos humanos, se de da mão-de-obra do setor. Por conseguinte, assimilaram já existem nos seus territórios ou não, assim como decidir esta necessidade e estão a atuar neste domínio à medida se é necessário adotar ou adaptar outras alternativas para que começam a lutar pelo seu espaço nesta indústria glo- a sua implementação. bal altamente competitiva. Para levar a cabo esta análise, a mão-de-obra do setor Os esforços em matéria de formação e de educação turís- turístico (que emprega mais de 7 milhões de trabalhado- tica têm sido assumidos pelo menos por três atores princi- res nos Estados Unidos, por exemplo, e mais de 120 mi- @local.glob - número 4, 2007 15 Educação turística e modelos de formação lhões em todo o mundo) é representada na forma de uma conjunto, como se relacionam com os sistemas sóciopo- pirâmide. Vários estudos sugerem que o reduzido grupo de líticos mais amplos que formam a atividade turística, etc. gestão, administração e direção ocupe o vértice da pirâmi- Da mesma forma, o segundo grupo de barras verticais que de, que um grupo de pessoal intermédio e de supervisores se estreitam para cima, sugere que as tarefas executadas ocupe a parte central e que um grupo mais numeroso de pelos trabalhadores manuais situados na base da pirâmide trabalhadores pouco ou nada qualificados, ocupe a base da sejam limitadas ao seu “posto de trabalho”. pirâmide. A Figura 1 evidencia outras diferenças significativas enNo turismo, tal como em muitas outras áreas, costu- tre os extremos opostos da pirâmide, onde a largura das mam utilizar-se os dois termos “educação” e “formação” respectivas barras representa o grau com que são exigi- de forma indistinta. Neste artigo, o termo “formação” re- das cada uma das tarefas, incluindo uma combinação en- fere-se à oferta dirigida aos que precisam de aperfeiçoa- tre educação e formação na parte central da pirâmide. Por mento profissional ou desejam realizar trabalhos manuais, exemplo, o plano de estudos concebido para o grupo da e “educação” aos que estão interessados em ocupar luga- parte superior deve dotar os estudantes de uma “capaci- res executivos ou de direção. Tal como sugere a Figura 1, dade conceptual”, criada, como dissemos, num quadro o vértice e a base contrastam um com o outro, pelo que multidisciplinar adequado. Do mesmo modo, os programas a análise de um deles também serve para definir o outro. de formação dirigidos aos grupos situados na base da pi- Dada a natureza do turismo, aqueles que querem ocupar râmide fornecer-lhes-ão as “aptidões técnicas”. As outras altos cargos diretivos devem seguir um plano de estudos barras, situadas ao mesmo nível, são o “trabalho intelec- multidisciplinar e completo para realizar as tarefas repre- tual” em oposição ao “trabalho manual”, “diacronia” (visão sentadas num primeiro grupo de barras verticais na parte de futuro a partir do presente e do passado) em oposição esquerda do gráfico. Estes cursos têm a finalidade de pro- a “sincronia” (visão do aqui e agora) e o “saber por quê” porcionar aos executivos, atuais e futuros, do setor público em oposição ao “saber fazer”: trata-se de dois conjuntos de ou privado uma visão global do turismo, da inter-relação e barras que, apesar da sua aparente separação, servem para interdependência entre os vários setores que o compõem, diferenciar a educação da formação. das mudanças e das tendências de cada um deles e do seu A forma variável do terceiro grupo de barras verticais Fig. 1 da Figura 1 está condicionada ao fato de os empre- Educação turística – Formação contínua Educação Trabalho inteletual Profissionalismo Visão Capacidade Diacronia Hospitalidade de campo conceptual Saber porquê Cosmopolitismo gados dos grupos situados no vértice, no centro ou na base da pirâmide estarem em contato direto com os turistas (empregados em contato direto com o público, por oposição aos empregados que não estão em contato com o público). Sem dúvida que os trabalhadores atendendo diretamente os turistas necessitam de um maior nível de educação e formação nas tarefas desempenhadas perante o público. Por este motivo, as barras não Posto Aptidões Saber fazer de trabalho técnicas Sincronia Formação Trabalho manual se estreitam na parte superior nem na parte inferior, embora a sua dimensão ao 16 número 4, 2007 - @local.glob Educação turística e modelos de formação longo da pirâmide reflita o maior e menor grau do contato novos e antigos. As características deste modelo são as que mantêm com turistas. O “profissionalismo” é impor- seguintes: tante em todas as categorias da mão-de-obra, mas manifesta-se em maior medida nas situações de contato dire- • formação em função das necessidades; to com o público, tal como a “hospitalidade”. Sobre esta • resposta a situações específicas; característica, devemos ter em conta que esta indústria é • formação na época baixa; ao mesmo tempo uma arte e uma ciência, onde a hospi- • formação como requisito para a promoção na carreira; talidade é a arte (ou a alma) e o turismo é a ciência (ou • utilização dos conhecimentos internos para oferecer o corpo). Em qualquer dos casos, independentemente de como se faça a distinção entre ambos, os trabalhadores cursos de formação; • contratação de formadores externos a tempo parcial. que estão em contato direto com turistas devem dominar a arte da comunicação para atrair, receber e alojar e ser- 2. O modelo de educação secundária vir adequadamente clientes nacionais e internacionais, com origens e expectativas muito diferentes. Por último, Nos últimos anos, alguns dos destinos turísticos começa- o “cosmopolitismo” refina ainda mais o conceito e a prá- ram a dar formação ao nível do ensino secundário. Deste tica da hospitalidade e do turismo. Os programas de edu- modo, facilita-se a entrada no mercado de trabalho dos jo- cação e formação para trabalhos em contato direto com vens interessados em desempenhar um trabalho manual o público devem abordar o conhecimento das culturas (base da pirâmide), no âmbito da hospitalidade e do turis- de mercados geradores de turistas, tanto próximos como mo. As características específicas deste modelo são as se- distantes, com o objetivo de garantir uma comunicação guintes: intercultural eficaz, tanto da sua cultura nativa imediata como de outras culturas. Neste caso, o cosmopolitismo • oferecer formação profissional em matéria de hospitali- exige também que os empregados em contato direto com o público, independentemente do lugar da pirâmide em dade e turismo; • aumentar a sua atratividade para os estudantes devido que se encontrem, falem pelo menos um dos idiomas dos principais mercados. à possibilidade de ser gratuito; • permitir a especialização setorial, conseguir o apoio do setor; • apoiar pessoas recém-formadas, com ciclos de forma- Modelos de formação e educação ção curtos no setor do turismo; • orientar os melhores estudantes para ingressarem na universidade; Tendo a Figura 1 como pano de fundo, podem esboçar-se vários modelos de educação e formação atualmente utili- • criar escolas em todos os pontos do país. zados, de uma forma ou outra, à escala mundial. Embora a lista não seja exaustiva, inclui um leque de opções que se 3. O modelo da associação comercial podem utilizar sozinhas ou em conjunto. Os modelos não estão ordenados em função da sua importância, mas a lista Algumas associações comerciais ampliaram os seus ser- começa com os programas de formação (trabalho manual) viços e oferecem formação e educação aos seus membros. e finaliza com os modelos de educação (trabalho intelectu- As características específicas deste modelo são as seguin- al). Com o objetivo de nos mantermos fiéis ao espírito ori- tes: ginal do discurso apresentado na FITUR 2000, mantivemos o formato do mesmo, realizando apenas pequenas altera- • refletir sobre as necessidades do setor; ções para um melhor esclarecimento. • integrar a educação como um benefício para os mem- 1. O modelo interno • unir os negócios setoriais para atingir objetivos parti- Como o título indica, cada negócio, seja um hotel ou uma • melhorar os serviços prestados em todos os setores e bros; lhados; agência de viagens, costuma atuar com caráter interno regiões; e independente, oferecendo o seu próprio programa de • utilizar os conhecimentos internos e externos; formação no posto de trabalho a todos os empregados, • trabalhar com outras associações setoriais. @local.glob - número 4, 2007 17 Educação turística e modelos de formação 4. O modelo autônomo • reúne professores de diversas disciplinas; • necessita de um orçamento limitado e pequenas mu- Este modelo corresponde aos programas escolares ou uni- danças na atribuição do pessoal; versitários tradicionais, com módulos de diferente duração, • conta com o interesse de toda a universidade; que propõem programas de formação e educação geral ou • atrai estudantes de outras disciplinas; especializada in situ, por exemplo, em hotéis ou restauran- • abre perspectivas multidisciplinares; tes. As características específicas deste modelo são as se- • conduz a títulos superiores. guintes: 7. O modelo finlandês • reunir professores e estudantes, sob um mesmo teto, durante um longo período de tempo; • desenvolver e oferecer um plano de estudos de caráter interno; • depender menos das condições e dos recursos externos; • responder às indústrias para suprirem as suas necessidades de formação em gestão; Trata-se de criar um modelo à escala nacional. Chama-se modelo finlandês porque este país conseguiu implementar, com sucesso, uma rede educativa especializada que reúne professores e conhecimentos de diversas universidades. O seu modelo conhecido como Rede Universitária Finlandesa de Estudos Turísticos (Finnish University Network for Tourism Studies – FUNTS), é composta por 20 distritos repar- • ter em conta as influências do mercado; tidos por todo o país, que funcionam através de uma sede • incorporar os conhecimentos práticos na formação em centralizada. As características específicas deste modelo sala. 5. O modelo de especialização departamental são as seguintes: • utilizar as faculdades existentes em todo o país; • fomentar a responsabilidade educativa em todo o Estes programas, sob a forma de cursos especializados país; com caráter optativo (por oposição ao obrigatório), esta- • utilizar uma base multidisciplinar ampla e completa; beleceram-se nos departamentos tradicionais das universi- • Incluir bases adequadas para diplomas de pós-gradua- dades, tais como os que oferecem licenciaturas em gestão, antropologia ou economia. As características específicas deste modelo são as seguintes: ção e para investigação; • permitir que cada estudante obtenha uma licenciatura na sua própria universidade; • preparar os estudantes para acederem a diversos pos- • organiza-se a oferta de docentes a partir de um único departamento; tos de trabalho na administração pública e nas empresas privadas. • não precisa de pessoal nem orçamento suplementares; • interessa a estudantes de outras disciplinas; 8. O modelo de formação no estrangeiro • dá lugar a tese e trabalhos de investigação; • conduz à obtenção de títulos superiores; Nos países que não contam com nenhum tipo de progra- • fomenta o interesse pelo turismo entre os vários estu- ma especializado no setor turístico e inclusive nos que de- dantes. les dispõem, muitos estudantes viajam para outros países onde existem programas de estudos que gozam de maior 6. O modelo à escala do campus universitário reconhecimento neste domínio. As características específicas deste modelo são as seguintes: Neste caso, uma determinada universidade reconhece a importância da hospitalidade e do turismo, mas não dispõe • basear-se nas opções do país anfitrião; de recursos para criar um programa especializado na ma- • oferecer um amplo leque de universidades e progra- téria. Em consequência, recorre a professores de discipli- mas; nas afins e a recursos diversos para oferecer programas de • organizar programas com durações diferenciadas; substituição, que mais tarde poderão dar lugar a um pro- • propor ajuda financeira interna ou externa; grama independente. As características específicas deste • aprender outros idiomas e conhecer outras culturas; modelo são as seguintes: • incluir matérias relacionadas com o país de origem. 18 número 4, 2007 - @local.glob Educação turística e modelos de formação 9. O modelo “iraniano” pode criar-se em qualquer outro lugar, seja pelas mesmas ou por diferentes razões. As características específicas des- Para que os países com limitada experiência educativa pos- te modelo são as seguintes: sam oferecer um programa completo em matéria de hospitalidade e turismo, há a possibilidade de que uma universi- • juntar instituições educativas plenamente implantadas, dade estrangeira consolidada ofereça licenciaturas nesses de diferentes países; países. Este modelo é chamado de modelo “iraniano”, já • aproveitar os pontos fortes de cada uma delas; que o referido país estabeleceu uma ponte educacional bi- • promover o intercâmbio de professores e estudantes de lateral com uma universidade britânica, que disponibiliza diversas disciplinas; uma licenciatura em Teerã, sem que os estudantes irania- • estimular o multilinguismo; nos tenham que ir para o campus britânico. As caracterís- • utilizar os conhecimentos e perspectivas da oferta e da ticas específicas deste modelo são as seguintes: procura, como pode ser o caso destes agrupamentos geográficos; • preparar antecipadamente formadores locais; • permitir a especialização de um programa ou produto. • disponibilizar um grau do segundo ciclo 2 + 1 (por exemplo, 2 anos no país de origem e o último ano na 12. O modelo da OMT universidade estrangeira); • adaptar o plano de estudos para refletir os valores do país anfitrião; A colaboração também pode revestir outras formas. A Organização Mundial do Turismo desenvolveu um programa • oferecer aos estudantes britânicos a possibilidade de educativo mundial sobre o turismo, que está em constante realizarem trabalhos de investigação ou no terreno do evolução. O seu Conselho de Educação já levou esta rede campus estrangeiro; cooperativa a um nível superior. As características especí- • estabelecer um campus “satélite” no país anfitrião, com ficas do modelo da OMT são as seguintes: o objetivo de ampliar o seu alcance regional; • dar aos professores do país anfitrião a oportunidade de mais tarde, ensinar no Reino Unido. • oferecer múltiplas opções; • lecionar especialidades difíceis de encontrar em determinados lugares; 10. O modelo regional • ministrar cursos durante todo o ano (já que se encontram tanto no hemisfério Norte, como no hemisfério Vários países vizinhos podem juntar forças para oferece- Sul); rem programas de educação e de formação para a região. • propor opções que possam combinar-se entre si; As características específicas deste modelo são as seguin- • compatibilizar programas em diversas universidades; tes: • oferecer cursos de reciclagem para professores. • reconhecer que os países vizinhos têm necessidades semelhantes; • ter consciência de que os países vizinhos podem constituir possíveis destinos e mercados turísticos; 13. O modelo “Educando educadores” da OMT Este último exemplo é, entre outras coisas, um programa de arranque destinado a ajudar os países membros da OMT • tirar partido das semelhanças culturais e linguísticas; a formar os professores que participarão no sistema edu- • formar corpos docentes e de estudantes de diversas cativo turístico. A OMT já levou a cabo este programa em nacionalidades; • oferecer experiências práticas nos vários países; numerosos países. As características específicas do modelo de formação são as seguintes: • ministrar cada parte do programa num país diferente. • contribuir para definir os parâmetros; 11. O modelo Norte-Sul • ajudar os países membros a ajudarem-se a si mesmo; • implementar meios e ferramentas de instrução; Este modelo é muito semelhante ao anterior, mas surge por • esboçar os procedimentos e práticas; motivos diferentes. O gérmen desta relação de colabora- • determinar os níveis de educação e formação; ção foi criado entre a Finlândia, a Suécia e a Espanha, mas • proporcionar assessoria e apoio à distância. @local.glob - número 4, 2007 19 Educação turística e modelos de formação Todos os modelos • Será que o meu país está preparado para conservar, no futuro, a sua quota no mercado mundial? Estes treze modelos, entre outros, apresentam uma ampla variedade de programas ou configurações que podem faci- O setor está preparado. Mas o seu país estará pre- litar, em qualquer lugar, a formação e a educação da mão- parado? de-obra do setor turístico. Juntos, articulam uma variedade de modelos que se podem utilizar conjuntamente ou em separado. Apresentam diversas opções, tais como: • Já dispomos de uma base de conhecimentos sobre turismo que se estende com rapidez, a milhares de institutos e universidades, bem como a empresas privadas, Opções geográficas: que utilizam abundantes recursos para criar e promo- • programas locais; ver programas de formação e educação em todo mun- • programas provinciais ou estatais; do (Figura 2). • programas nacionais; • Contamos com uma visão de conjunto de toda a gama • programas regionais; de atividades no âmbito da hospitalidade e do turismo, • programas internacionais. que servem de guia para os modelos de formação e educação a todos os níveis (Figura 1). Opções de filiação: • programas escolares ou universitários tradicionais; • programas baseados no setor ou que recebem apoio do Ações e estratégias mesmo; • programas governamentais ou que recebem o apoio do Governo; • uma combinação dos programas anteriores. É sobejamente conhecida a importância da educação e da formação, bem como do investimento no desenvolvimento dos recursos humanos. Um campo de conhecimentos multidisciplinar que permite delinear, entre outras coisas, a Opções de nível: estrutura, o funcionamento, os requisitos operativos, as es- • programas de formação profissional; tratégias sóciopolíticas e os desafios que o turismo propõe. • programas de licenciatura; A fim de empreender, de forma coerente, esforços educati- • programas de mestrado; vos que respondam exatamente às necessidades dos recur- • programas de doutoramento. sos humanos do país, é necessário obter a participação dos principais interessados tendo em vista integrar o turismo Perguntas: nas bases do conhecimento e na indústria. Face aos modelos aqui apresentados, o leitor poderá formular uma série de perguntas relacionadas com a situação O crescente caráter turístico da indústria: da formação ou da educação no setor turístico do seu país, • exige a participação e a ajuda dos governos; tais como: • necessita do compromisso e da participação da indústria; • Como são os modelos educativos do meu país? • Quantos estudantes começam e acabam anualmente • precisa da participação e do estímulo das associações comerciais. estes programas? • O seu número é suficiente, tendo em conta o crescimento anual do turismo? • Que programa baseado no setor existe e que apoios recebe? O turismo como disciplina científica: • insta à participação dos governos; • precisa do compromisso das universidades; • depende do apoio da indústria. • Qual dos modelos anteriores não existe no meu país? • Que modelos ou novos modelos se devem promover e porquê? A contribuição do seu próprio país: • os programas e as medidas de formação e educação • Que nível de formação deve ser reforçado e porquê? no setor turístico do seu país deviam ter-se iniciado há • Será que o meu país está a responder de forma eficaz muito tempo atrás; às suas necessidades atuais? 20 • com a colaboração de todos e mediante uma combina- número 4, 2007 - @local.glob Educação turística e modelos de formação Departamento ou Disciplina Curso de Turismo Os fundamentos multidisciplinares do turismo Fig. 2 ção de modelos de desenvolvimento de recursos huma- socioculturais do turismo, como também reduzirá seus nos, o seu país será capaz de fazer com que o cresci- custos associados, o que resultará em favor dos turis- mento da sua indústria turística seja mais sustentável e tas, dos operadores e dos destinos. Nos próximos anos, a dinâmico e, portanto, ocupar um lugar mais importante gestão e o planejamento sistemático dos destinos turísti- neste mercado mundial cada vez mais competitivo. Além cos continuarão a atingir maiores quotas de sofisticação do mais, graças à utilização de modelos adequados para e de integração, como resultado da utilização no setor o desenvolvimento dos recursos humanos, o país an- de modelos de desenvolvimento dos recursos humanos fitrião não só multiplicará os benefícios econômicos e implementados de forma firme e estratégica. @local.glob - número 4, 2007 21 Boas práticas de desenvolvimento local - Introdução Turismo sustentável e desenvolvimento local: experiências em África, América Latina e Europa @ local.glob oferece ao mundo local um espaço para que os seus protagonistas chave apresentem as experiências mais bem sucedidas de desenvolvimento realizadas nos seus territórios. Conforme a definição de melhores práticas para o desenvolvimento e a melhoria das condições de vida adotada pelas Nações Unidas1, são considera- das “experiências de sucesso” e “boas práticas de desenvolvimento local”, todas aquelas iniciativas que contribuem para melhorar as condições de vida dos habitantes de um determinado território e que apóiam os processos de desenvolvimento local e descentralização, fortalecendo a capacidade e o reconhecimento dos atores locais e das suas comunidades. Se estiverem interessados em publicar uma boa prática de desenvolvimento local nesta seção da revista, podem descarregar o modelo de documentação disponível na página web do Delnet ou entrar em contato com a equipe de redação: [email protected]. Introdução O trio de experiências práticas de desenvolvimento local que se encontram nas páginas anteriores – localizadas em África (Meket Woreda, região de Amhara, Etiópia), América (São Pedro de Carabayllo, Peru) e Europa (Carmona, província de Sevilha, Espanha) – centram-se em torno de boas práticas no setor do turismo. No entanto, as três têm o mesmo fio condutor, embora mais profundo: a valorização da cultura local do próprio território e da população que o habita. Na percepção do desenvolvimento vigente até finais dos anos 70, causou surpresa a inclusão da cultura e da identidade local entre os parâmetros que o podem promover. Isto, apesar de há algum tempo, vários territórios terem encontrado, na manutenção e na potencialização da sua idiossincrasia e das suas tradições, um foco de geração de riqueza e emprego. Uma circunstância que não passou despercebida ao desenvolvimento local que não teve qualquer dúvida em incluir a cultura local nos seus âmbitos preferidos de trabalho. A este respeito, há que sublinhar que as estratégias de desenvolvimento entendem a atuação relativa à cultura do território, sublinhando, no entanto, a necessidade tanto de uma atitude passiva - de defesa e conservação, como de uma atitude ativa, verdadeira alavanca para o desenvolvimento. Embora se trate de esferas diferentes, a forma de enfrentar a cultura e o meio ambiente é metodologicamente muito idêntica, tal como se viu nas experiências que foram analisadas em números anteriores desta revista. Na perspectiva da atitude passiva (expressa de modo não pejorativo, mas de forma descritiva), as populações locais têm que manter e preservar os seus valores culturais e a sua identidade. É um direito seu, mas também uma obrigação. Em especial, na era da globalização, onde a ameaça de homogeneização pesa sobre todo o planeta, pode perder-se ou ficar reduzida a meros episódios essa grande riqueza da humanidade que constitui a diversidade cultural. E isto, proposto de forma generosa e aberta, sem nenhum rebate de fundamentalismo exclusivo e utilizando a própria valorização como forma de respeitar e valorizar igualmente os outros. [continua na página 38] 1 Fonte: Programa de Melhores Práticas e Liderança Local de UN-HABITAT. 22 número 4, 2007 - @local.glob Boas práticas de desenvolvimento local - Etiópia Turismo na Etiópia: uma alternativa de futuro sustentável Meket Woreda, Região de Amhara Mark Chapman Assessor em matéria de turismo comunitário Serviço de apoio técnico da ONG TESFA INFORMAÇÃO CHAVE Localização geográfica Meket Woreda, Região de Amhara, Etiópia Localização temporal Data de início das atividades: Novembro de 2003 Data (efetiva ou prevista) de finalização das atividades: As atividades das primeiras empresas comunitárias de turismo terminarão em Junho de 2007 Setor / âmbito de atividades Organização executora Organizações patrocinadoras e/ou colaboradoras Responsáveis e pessoas de contato Orçamento total e perfil financeiro • Desenvolvimento econômico e criação de emprego • Desenvolvimento rural • Erradicação da pobreza • Gestão do meio ambiente • Turismo sustentável e comunitário TESFA (Tourism in Ethiopia for Sustainable Future Alternatives) Organização Não Governamental (ONG) que trabalha exclusivamente em atividades de turismo comunitário, que proporcionam oportunidades alternativas de geração de renda nas comunidades rurais empobrecidas, utilizando medidas orientadas para a conservação (ou melhoria) do meio ambiente. • Irish Aid (Irlanda) • Save the Children (Reino Unido) • Embaixadas do Reino Unido, Alemanha e Países Baixos • Setor público e setor privado No âmbito das suas responsabilidades sobre questões ambientais, existem planos de colaboração futura com a Sociedade Zoológica de Frankfurt, bem como com a TESFA, para o desenvolvimento do setor turístico em Abuna Yoseph. Mark Chapman – Assessor em matéria de turismo comunitário – Serviço de apoio técnico da TESFA Million Eshete – Diretor da TESFA – Serviço de apoio técnico da TESFA - PO Box 3211, Code 1250, Addis Abeba - Telefone: +251 11 122 5024 / 124 7231 Mark: [email protected] ou [email protected] Million: [email protected] Página web: http://www.community-tourism-ethiopia.com Os fundos totais para 2006-2007 (algumas subvenções são válidas até Dezembro de 2007 e outras até Junho de 2007) ascendem a 2.350.000 birr (aproximadamente 160.000 dólares americanos). Fontes de financiamento: • Irish Aid: 72%. Em virtude do acordo atual, esta subvenção entrou em vigor em Setembro de 2006 e está disponível até Dezembro de 2007. • Save the Children (Reino Unido): Projeto de fomento dos meios de subsistência em Meket. 14% deste projeto é assegurado pela Embaixada dos Países Baixos, que por sua vez financia a TESFA. Desde Novembro de 2003, que a TESFA é co-beneficiária da organização Save the Children (Reino Unido), que também proporcionou uma ajuda adicional mediante a implementação de um escritório no terreno e o uso de alguns veículos. O acordo atual expira no final de Junho de 2007. Os recursos financeiros aqui calculados compreendem 50% da subvenção de 2006, mais o subsídio para Janeiro-Junho de 2007. • Embaixada do Reino Unido: 10%. Esta subvenção está incluída no programa de pequenas subvenções da dita embaixada. • Embaixada da Alemanha: 4%. Trata-se de uma pequena subvenção da embaixada. • Também existe um pequeno financiamento privado. • Co-participações governamentais de diversos níveis do governo. @local.glob - número 4, 2007 23 Boas práticas de desenvolvimento local - Etiópia SIITUAÇÃO INICIAL, GRUPO META E FORMULAÇÃO DAS PRIORIDADES ços de orientação, de controle de qualidade e um sistema de reservas. 3.Constituir a médio prazo novas redes de empresas co- A zona de Meket Woreda está situada nas terras altas munitárias de turismo com estrutura própria. da Região de Amhara e é uma das áreas mais pobres da 4.Estabelecer mecanismos destinados a conseguir que Etiópia. Os crescentes níveis de pobreza desta área têm os serviços de apoio, tais como os sistemas de reser- origem numa série de causas subjacentes, entre as quais vas, a comercialização, a ajuda técnica e a promoção, se encontram o crescimento da população, a progressi- continuem sendo rentáveis e sustentáveis a longo pra- va diminuição do tamanho das explorações agrícolas, a zo. degradação do meio ambiente e os sucessivos desastres naturais, sobretudo a seca. Atualmente, a maioria dos lu- A estratégia que se deve adotar nas comunidades é a de gares em Meket sofre de uma insegurança crônica para fomentar um sentido de “responsabilização” e fortalecer ao conseguir alimentos, o que significa que, inclusivamente mesmo tempo a capacidade de gestão e direção de uma num bom ano de chuvas, a sua própria produção agrícola empresa de turismo de forma transparente, eficiente e pro- pode não satisfazer as necessidades alimentares mínimas fissional. Isto implica um nível de participação muito alto e e, como resultado, as famílias dependem todos os anos a adaptação do projeto ao ritmo de vida das comunidades das ajudas do Governo (sob a forma de gêneros ou nume- locais. rário). Declaração da missão da TESFA: O turismo comunitário proporciona uma possibilidade de geração de renda que não se relaciona com a agricultura. A TESFA deseja colaborar com as comunidades locais para Atualmente, está demonstrado que existe mercado para realizar melhorias duradouras em seus modos de vida, me- este tipo de atividades e que a população local pode gerir diante o desenvolvimento das suas próprias empresas rela- estas iniciativas, assim como beneficiar das mesmas. cionadas com o turismo, e ao mesmo tempo contribuir para a proteção do seu meio ambiente e cultura. A TESFA selecionou diferentes localidades com possibi- A TESFA procura que o seu trabalho constitua um catali- lidades para o desenvolvimento do turismo comunitário e, sador para o início de um processo que se torne sustentável depois, tentou que as comunidades locais com estruturas do ponto de vista comercial e considera que as soluções para comunais muito antigas participassem nestes projetos. No o alívio da pobreza se encontram precisamente na sociedade caso da comunidade se mostrar interessada (como acon- civil e na população pobre das zonas rurais. A TESFA aplica- tece), a TESFA começa então a prestar ajuda para o de- rá métodos baseados na participação, através da colaboração senvolvimento de empresas comunitárias de turismo. A com as comunidades locais, e fará uso dos mesmos princí- comunidade converte-se assim num grupo integral em que pios dentro da sua própria organização e nas relações com o participam todos os cidadãos residentes nesse lugar. seu pessoal. Ao mesmo tempo, a TESFA aspira desenvolver a longo prazo uma comunicação, um entendimento e ligações (nacionais e internacionais) entre a população pobre das zo- OBJETIVOS E ESTRATÉGIA DA INICIATIVA nas rurais da Etiópia e povos de outras origens culturais e econômicas. Objetivo de desenvolvimento: Contribuir para a redução da pobreza e para a conservação do meio ambiente mediante a utilização do turismo comu- MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS nitário, como modo de vida sustentável. Em Setembro de 2003, a Save the Children (Reino Unido) Objetivos específicos da iniciativa: contratou os serviços da TESFA como co-beneficiário, atra- 1.Apoiar e fortalecer a capacidade das empresas comuni- vés do projeto de fomento dos meios de subsistência em tárias de turismo, para que cresçam e se convertam em Meket (financiado, por sua vez, pela Embaixada dos Países negócios turísticos sustentáveis e de qualidade. Baixos), e o trabalho começou em Novembro de 2003. Além 2.Estabelecer uma estrutura local sustentável que pro- disso, a Save the Children proporciona uma ajuda adicional porcione às empresas comunitárias de turismo servi- mediante a implementação de um escritório no terreno e 24 número 4, 2007 - @local.glob Boas práticas de desenvolvimento local - Etiópia o uso de alguns veículos. O acordo atual expira em finais retirar, a comunidade não seja capaz de prosseguir com a de Junho de 2007, ou seja, no final do projeto de fomen- gestão da iniciativa por sua conta. to dos meios de subsistência em Meket. A subvenção de 2006 ascendeu a cerca de 416.000 birr (aproximadamente Portanto, é necessário que a ONG consulte continua- 50.000 dólares americanos, segundo a taxa de câmbio vi- mente a comunidade para conhecer as suas intenções e gente neste momento). Para a primeira metade de 2007, a decisões, ainda que isto atrase o progresso da iniciativa. subvenção eleva-se a 115.000 birr, ou seja, cerca de 13.000 É imprescindível estabelecer a participação dos benefici- dólares americanos. ários o mais depressa possível, e a situação perfeita seria que contribuíssem de alguma forma para o seu custo, com A Irish Aid concedeu um subsídio para ajudar a TESFA mão-de-obra ou material. Devido ao vínculo que existiu a criar instituições sustentáveis que permitam que as ini- entre a TESFA e o projeto da organização Save the Children, ciativas de turismo comunitário possam auto-financiar- isto não foi fácil de conseguir, visto que o trabalho está se. No entanto, certos atrasos na autorização das ajudas relacionado com um programa de «dinheiro por trabalho», fizeram com que os fundos não fossem disponibilizados gerido pela dita organização. Aliás, as comunidades em até Novembro de 2006, embora o trabalho tenha começa- questão são tão pobres que inclusive se torna difícil ima- do em Setembro, isto é, aquando da entrada em vigor do ginar uma contribuição de alguns dólares para uma idéia acordo da subvenção. Em conformidade com o presente como o turismo comunitário, totalmente nova para elas. acordo, a subvenção durará até Dezembro de 2007. De todas as formas, espera-se que esta questão comece a ser equacionada na formulação de projetos futuros. Ao Em Setembro de 2006, o programa de pequenas subven- mesmo tempo, a ausência de mecanismos de participação ções da Embaixada do Reino Unido aprovou para a TESFA supõe uma maior dificuldade na hora de transmitir o signi- uma subvenção de 230.000 birr (25.600 dólares america- ficado do termo “responsabilização”. nos aproximadamente), com o fim de ajudar a criar estruturas sustentáveis, particularmente no campo da comer- Existem outras questões ligadas à compensação pela ex- cialização. Em Março de 2007, a Embaixada da Alemanha propriação de terras, que é um tema complicado no con- concedeu uma subvenção de 10.000 dólares americanos, texto etíope, devido ao fato do Estado ser proprietário de para cobrir alguns pequenos déficits de financiamento e todos os terrenos do país. A solicitação por via governa- permitir que a TESFA ampliasse as suas atividades e pu- mental do uso de uma parcela de terreno para levar a cabo desse trabalhar com comunidades do distrito vizinho de as atividades de um projeto é relativamente fácil, ainda que Woreda, situado numa montanha com uma importante no caso da TESFA não era a ONG que solicitava o terreno, biodiversidade chamada Abuna Yoseph. Além disso, ou- mas toda a comunidade. Portanto, tinha que ser esta a en- tras pequenas dotações financeiras permitiram que a TES- contrar a forma de compensar o usuário do terreno que FA adquirisse uma mota para melhorar o acesso às co- se encarregava do seu cultivo. Isto implicou atrasos im- munidades e é possível que se possa realizar ainda outra portantes, que já foram resolvidos mediante a concessão compra de caráter similar. aos titulares do terreno da responsabilidade remunerada de vigiar os mesmos. Por conseguinte, apenas falta que as comunidades, como coletivo, tramitem o seu direito de uso VARIAVÉIS DO PROCESSO: METODOLOGIA do terreno, o que está a ser feito atualmente. ADOPTADA E PROBLEMAS ENCONTRADOS Neste projeto, é particularmente importante o fato de Dentro do processo de desenvolvimento das empresas co- que a TESFA tenha considerado a necessidade de ter uma munitárias de turismo, isto é, os negócios de turismo aos estratégia de saída ou retirada desde o começo. Parte da quais a TESFA presta ajuda para a sua evolução e gestão receita obtida pelos turistas destina-se a apoiar uma em- através da comunidade, a estratégia chave consiste em presa de guias turísticos, que servirá de vínculo local para garantir que as comunidades gerem um sentido de “res- as localizações comunitárias, ao mesmo tempo que pro- ponsabilização”. O maior risco para tais projetos empre- porcionará guias experientes. Desta forma, um organis- sariais constitui o fato dos beneficiários considerarem a mo central recolhe os outros investimentos adicionais e ONG executora como uma fonte contínua de benefícios e usa-os para o desenvolvimento de serviços de comercia- o motor que move a atividade, e que, quando a ONG se lização e reservas. A idéia apresentada é de grande en- @local.glob - número 4, 2007 25 vergadura: uma série de redes de empresas comunitárias de turismo estabelecidas em todo o país, cada uma com a sua empresa de guias turísticos que serve de apoio local, FONTE: TESFA Boas práticas de desenvolvimento local - Etiópia e todas ligadas a um organismo central que proporciona um serviço de reservas, atividades de comercialização, promoção e ajuda técnica. Desde o princípio, que as comunidades receptoras aceitam a necessidade de que uma percentagem das quantidades pagas pelos visitantes (40% na atualidade) se destine a abranger serviços essenciais (guias, reservas, comercialização, garantia da qualidade, etc.). O desenvolvimento desta estratégia de saída é um projeto a longo prazo. Para que se concretize a idéia e para que Vista aérea da zona de Mequat Mariam, Região de Amhara, Etiópia as estruturas sejam sustentáveis é necessário que exista um processo de ampliação à escala nacional. Não obstan- servação do meio ambiente, mediante o uso do turismo te, atualmente a atenção centra-se em criar uma empresa comunitário como uma opção para um modo de vida sus- de guias que seja sustentável e que sirva de apoio à pri- tentável. As comunidades destinatárias às que a TESFA meira rede de empresas comunitárias de turismo, assim prestou ajuda para desenvolver as empresas comunitárias como em garantir que estas empresas se estabeleçam e de turismo, já conseguiram acumular rendimentos consi- progridam de forma sustentável. deráveis. Estes benefícios conseguiram-nos os indivíduos, em forma de salários e jornadas, bem como toda a comunidade, ao investir os lucros em seus próprios fundos co- RESULTADOS ALCANÇADOS munitários. As opiniões sobre a utilização destes fundos (dinheiro que agora está investido no banco) foram evo- O primeiro desafio que a TESFA enfrentou foi o de demons- luindo, ainda que pareça que as comunidades estão inte- trar que as comunidades agrícolas locais da zona rural ressadas em desenvolver algum sistema de aquisição de empobrecida da Etiópia, a maioria das quais analfabetas, cereais de zonas onde este é mais econômico e em épocas podiam ser capazes de superar o repto de estabelecer e ge- em que os preços sejam mais baixos, bem como um centro rir uma empresa de turismo. A comunidade inicial, situada de armazenagem. numa aldeia ou paróquia chamada Mequat Mariam, começou a trabalhar com turistas em Dezembro de 2003 com o Todavia há muito por fazer para conseguir atingir os ob- apoio do pessoal da TESFA, e, um ano mais tarde, estava a jetivos relativos ao desenvolvimento das empresas comuni- gerir as visitas turísticas sem assistência. A transcendência tárias de turismo e as estruturas a elas associadas. Ainda destes acontecimentos é evidente. que já se tenham realizado grandes avanços, há muito trabalho a fazer, especialmente no que respeita ao processo Para além disso, era necessário que as comunidades co- de institucionalização. meçassem a ver as oportunidades comerciais relacionadas com as empresas de turismo. Inicialmente, havia uma certa resistência a vender produtos, dado que não existem lojas SUSTENTABILIDADE DA INICIATIVA na comunidade e as famílias não comercializavam entre si. Era engraçado que, para adquirir uma ovelha, tinha que se Desde o princípio que a TESFA mostrou interesse em tra- seguir o agricultor até ao mercado para fazer a transação, balhar com organismos não governamentais que represen- caminhando durante três horas! Hoje em dia, a empresa tem a comunidade. As instituições governamentais existem comunitária de turismo compra ovos, galinhas, espinafres até ao nível «Kebele» (que abrange várias aldeias), mas este e outras verduras dentro da comunidade. considerou-se demasiado amplo. Portanto, a TESFA tentou encontrar associações baseadas na comunidade que tives- O objetivo geral do desenvolvimento da TESFA consiste sem o respeito das comunidades e determinassem a natu- em contribuir para a redução da pobreza e para a con- reza destas. A zona é predominantemente cristã ortodoxa 26 número 4, 2007 - @local.glob Boas práticas de desenvolvimento local - Etiópia FONTE: TESFA idéias importantes como a depreciação e o reinvestimento. Na realidade, é um longo processo, mas a TESFA tenta conseguir que o modelo final de empresa comunitária de turismo seja um negócio real, trabalhando da mesma maneira que qualquer outra empresa bem gerida do setor privado. Embora a TESFA trabalhe em zonas onde predomina a agricultura e com condições meio ambientais que não são perfeitas, as medidas de conservação do meio ambiente continuam a ser essenciais. Por conseguinte, limita-se o número de visitantes por localização a grupos de 6 a 8 Mulheres da comunidade de Aterow transportando água pessoas, a fim de restringir o uso dos escassos recursos, especialmente a água. Esta limitação deve-se também ao e existem estruturas muito antigas ligadas à Igreja, sendo desejo de preservar a relação visitante/anfitrião entre os a mais útil delas conhecida como «Idir» ou mais localmen- turistas e a comunidade, bem como para garantir que um te como «K’ire». Estas estruturas são, na realidade, grupos local não absorva todos os clientes e que estes se repar- formados dentro da paróquia, ainda que algumas vezes se tam por outras comunidades vizinhas. trate de toda a paróquia, em que se associam para se ajudar mutuamente, especialmente em caso de morte de um Entre outras medidas meio-ambientais incluem-se os familiar, a fim de compartilhar os custos do funeral e pres- sanitários de compostagem com separação da urina, a tar ajuda à família afetada. Geralmente, os grupos «K’ire» plantação de árvores autóctones, o estímulo das comu- selecionam indivíduos competentes e respeitados para nidades para que valorizem a flora e a fauna existentes fazer parte dos seus comitês e, além do mais, possuem como um recurso turístico, e medidas para controlar a um mecanismo para obrigar os seus membros a respeitar erosão. as normas, já que nenhuma família deseja encontrar-se «fora de K’ire», sendo esta a máxima sanção que se pode aplicar. LIÇÕES APRENDIDAS Como qualquer outra ONG na Etiópia, a TESFA tramita As principais lições aprendidas relacionam-se com a conti- o seu projeto por via governamental para a sua aprovação nuidade da experiência, embora muitas delas já se tenham e avaliação e, durante o período de aplicação, trabalha apresentado anteriormente. estreitamente com interlocutores governamentais em diversos níveis do governo. • Responsabilização: este é o ensinamento fundamental; os métodos de fortalecimento do sentido da “res- A TESFA acredita na necessidade de conseguir um equi- ponsabilização” devem estar sempre presentes. líbrio entre a comunidade, a sustentabilidade comercial e o meio ambiente, e considera que estes três aspectos da • Orientação comercial: desde o início, que é essencial iniciativa do turismo comunitário estão inter-relaciona- considerar a sustentabilidade da iniciativa a longo pra- dos de tal forma que não se pode ignorar a nenhum deles. zo, tendo em conta a necessidade de planificar tendo em Ainda que este organismo considere a comunidade como vista o momento em que já não exista o apoio financeiro ponto central, e é precisamente esta que recebe a forma- ou um sistema grátis de ajuda. Neste contexto, a organi- ção e capacitação para possuir e gerir um negócio, tam- zação deve fortalecer as boas práticas comerciais. bém garante a adoção de sistemas adequados de gestão empresarial. De fato, toda a organização do sistema de • Ritmo de desenvolvimento: é natural que os doado- gestão comunitária está orientada a emular a estrutura res exijam resultados dentro de um período de tempo de uma empresa, com as famílias como acionistas e o determinado e isto pode implicar uma execução apres- comitê como conselho de administração, supervisiona- sada. As comunidades têm um limite na quantidade de do por um diretor e o seu pessoal, e onde se discutem responsabilidades que podem assumir em cada mo- @local.glob - número 4, 2007 27 mento (como aliás acontece com todos nós) e, dependendo do nível de educação e experiência comercial, a execução pode ser mais ou menos rápida. De todas as FONTE: TESFA Boas práticas de desenvolvimento local - Etiópia formas, é vital que o processo de desenvolvimento não se realize de forma precipitada. Outra lição extraída que não foi discutida anteriormente é que a TESFA acredita que existem certas questões fundamentais que se devem tratar do ponto de vista do turismo, enquanto que há outras que se podem obviar dentro do mesmo contexto. Estas questões chave incluem sanitários confortáveis e livres de cheiros, água para se lavarem, uma cama cômoda, alimentos saudáveis e bons, e disponibilidade de bebidas (água potável, fundamentalmente, mas também cerveja, refrigerantes e, se possível, outros tipos Turistas hóspedes na comunidade, provando a cerveja local (kurefi) de bebidas). partidos são demasiado escassos e o nível de participação Existe uma ligação entre as expectativas, o custo e a na- individual é muito baixo) nem demasiado pequena (poucos tureza da experiência (ligada por sua vez à comercializa- indivíduos capazes de participar, recursos limitados e alto ção). O turismo comunitário pode-se organizar como uma nível de dívida externa). experiência de recuperação dos princípios básicos, com um estilo austero e simples e ao mesmo tempo seguro, relati- Outro ponto essencial é encontrar inicialmente um local vamente aos pontos fundamentais descritos anteriormen- que seja estratégico para o turismo. O lugar tem que gozar te. Se os turistas se alojam na aldeia de uma comunidade de um grande atrativo para que os turistas façam a viagem que é pobre, seria incorreto e pouco apropriado dispor de só para o ver, mas o êxito pode ser muito maior se estiver alojamentos e instalações de luxo. À parte as duvidosas situado num trajeto turístico estabelecido ou que obrigue consequências que têm os sanitários com cisterna e os apenas a um pequeno desvio para o visitar. Supostamente chuveiros de pressão em relação ao meio ambiente, estes existe a possibilidade de estabelecer viagens organizadas dispositivos não são necessários e é um erro investir neles. a lugares de interesse, ou inclusive um percurso especial, Além disso, é muito importante que as instalações sejam mas é necessário algum tempo para levar a cabo estas ati- simples e locais, a fim de que a comunidade se possa en- vidades e, a não ser que já exista uma afluência local de carregar das necessárias tarefas de manutenção, já que, do turistas, a tarefa poderia ser muito difícil. ponto de vista da sustentabilidade, não é conveniente ter que chamar especialistas externos para realizar trabalhos de canalização e outros similares. O formato do turismo de Meket, na região de Wollo, está baseado na caminhada, já que a paisagem, a topografia e o clima fazem com que este desporto seja de escolha lógica. Para além disso, a caminhada é uma atividade turística de TRANSFERIBILIDADE baixo nível técnico e constitui um meio perfeito para que os turistas estejam em contacto com a cultura local. Em qual- É essencial que o trabalho realizado em North Wollo se quer caso, é possível que este desporto não seja o ponto de reproduza noutras regiões da Etiópia. Muitos pontos-cha- partida mais apropriado em todos os locais, nem o único ve podem-se imitar, ainda que a existência de situações e que exista. Por exemplo, se as comunidades se encontram meios diferentes, tanto do ponto de vista social como geo- ao longo de um rio, pode ser conveniente estabelecer uma gráfico, signifique que se terão que realizar alguns ajustes. certa forma de transporte fluvial. Não obstante, a caminhada deve ser considerada como parte de qualquer atividade, Um elemento fundamental é a seleção de um tipo de co- sempre que seja viável. Se estes pontos poderem ser toma- munidade reconhecido e aceite a nível local, e que sirva de dos em conta, além das lições aprendidas, é indubitável que ponto de partida para o desenvolvimento. Esta comunida- o conceito de turismo comunitário desenvolvido em Meket de não deve ser nem demasiado grande (os benefícios re- se pode reproduzir noutras zonas. 28 número 4, 2007 - @local.glob Boas práticas de desenvolvimento local - Peru Sê realista, pede o impossível São Pedro de Carabayllo, Lima, Peru Arq. Héctor Abarca Torres Arq. Luis Villacorta Santamato INFORMAÇÃO CHAVE Localização geográfica Município de Carabayllo, Cidade de Lima, Peru Localização temporal Data de início das atividades: Agosto de 2003 Data (efetiva ou prevista) de finalização das atividades: • Projeto: Fevereiro de 2007 • Obras: Fevereiro de 2009 Setor / âmbito de atividades • Desenvolvimento econômico e criação de emprego • Financiamento do desenvolvimento local • Turismo sustentável • Conservação do patrimônio cultural • Melhoria das condições de vida • Reforço da identidade local Organização executora Universidade Católica Sedes Sapientiae Organizações • Getty Grant Program • Universidade de Lund (Suécia) • Diocese de Carabayllo • Universidade Católica Sedes Sapientiae patrocinadoras e/ou colaboradoras Responsáveis e pessoas de contato Orçamento total e perfil financeiro Arq. Luis Villacorta Santamato Correio eletrônico: [email protected] Arq. Héctor Abarca Torres Página web: http://www.hector-abarca.com ou http://www.ucss.edu.pe Projeto: 38.400 dólares dos Estados Unidos Contribuição Getty Grant Program 50%: 19.200 dólares dos Estados Unidos Obras: 420.000 dólares dos Estados Unidos SITUAÇÃO INICIAL, DEFINIÇÃO DO GRUPO META E DAS PRIORIDADES Considerado Patrimônio Nacional Imóvel desde 1980, Carabayllo é o único assentamento indígena do vale de Lima que não foi absorvido pelo explosivo crescimento São Pedro de Carabayllo, a 40 km a norte de Lima, fun- urbano dessa cidade. A sua situação, na periferia de uma dou-se como reduto indígena em 1571 e desenvolveu-se metrópole em crescimento, com mais de 8 milhões de como um assentamento humano rural. Atualmente, é um habitantes, supõe uma oportunidade para o desenvolvi- pequeno núcleo de 500 habitantes. A sua localização ge- mento de infra-estruturas de comunicação e de serviços, ográfica, embora longe das modernas vias de transporte, mas também uma ameaça de construção indiscriminada como por exemplo a Estrada Pan-Americana, fez com que de casas e urbanizações que podem pôr em perigo o seu permanecesse afastado da “modernidade” o que, por um meio natural e o equilíbrio social local. Dada a antiguida- lado, nos pode levar a pensar que tal constituiu um obs- de do assentamento, os habitantes de São Pedro desen- táculo ao seu desenvolvimento urbano e industrial, mas, volveram uma forte identidade histórica e cultural, desfru- por outro, permitiu preservar uma forma de vida mais tando com orgulho das suas festas e tradições. Trata-se tradicional, baseada na agricultura, num meio de grande de uma sociedade muito coesa do ponto de vista social, beleza natural. com vínculos sólidos, em muitos casos familiares, entre @local.glob - número 4, 2007 29 os seus habitantes e, em geral, embora as ruas ainda não estejam asfaltadas e ainda não se tenha instalado uma rede pública de saneamento, a renda obtida com o emprego agrícola satisfaz as necessidades básicas das famílias, as crianças têm escolaridade e não há nenhum problema FONTE: LUIS VILLACORTA Boas práticas de desenvolvimento local - Peru de segurança pública. A igreja de São Pedro constitui o elemento mais significativo da sua típica imagem de assentamento rural costeiro dos tempos da realeza. Cada espaço ou elemento que constitui esta igreja é reflexo das regulações da coroa espanhola, dos concílios limenses, do conhecimento empírico indígena e da influência da ação dos terremotos. Através do tempo, o europeu e o indígena amalgamaramse em todas as facetas da cultura, constituindo esta igreja um exemplo temporal e extraordinário de tecnologias sobrepostas. O problema de partida do projeto foi que este edifício, símbolo da cultura de São Pedro, ameaçava desmoronar, estando o teto, uma sobreposição do século XX, já mesmo a cair. Não se tratava apenas de um prejuízo para o patrimônio monumental do povo, mas sobretudo, para a Vista exterior da Igreja de São Pedro de Carabayllo cultura viva existente por trás dessa edificação. A vida do povo organiza-se em torno das festividades da igre- A idéia de fazer de São Pedro um destino de turismo re- ja, pelo que salvar a igreja significaria bem mais do que ligioso e musical, a partir da restauração da igreja, impli- salvar apenas um edifício, significaria salvar a vida da cava também um objetivo de desenvolvimento econômico, comunidade. gerando esta iniciativa novos empregos e mais recursos econômicos na comunidade que permitiriam, em primeiro Neste contexto surgiu a idéia deste projeto de restaura- lugar, financiar o próprio processo de restauração e, adicio- ção e da sua utilização como um objetivo de turismo reli- nalmente, contribuir a melhorar as condições infraestrutu- gioso e musical. rais da povoação. Em consequência, perseguiu-se, com esta experiência, OBJETIVOS E ESTRATÉGIA DA INICIATIVA um duplo objetivo: investir no legado cultural da comunidade e, através dela, também no seu futuro econômico. O projeto de restauração da igreja de São Pedro tinha, assim, como objetivo primário o fortalecimento e a preservação da identidade cultural local. MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS O próprio processo de restauração da igreja é já um ele- Levar a cabo a restauração de uma igreja real sem con- mento aglutinador que mobiliza e congrega a população tar, desde o início, com todos os meios necessários, é uma local, permitindo-lhes visualizar a importância e a riqueza tarefa complicada, mas não impossível. Para abordar este cultural do seu pequeno povo. A valorização do seu patri- desafio econômico, desenvolvemos a idéia de um plano co- mônio, implica o desenvolvimento de uma mentalidade nos mercial de turismo religioso. habitantes de São Pedro que protege as construções tradicionais face à “modernidade” indiscriminada e que orienta O território peruano é rico em manifestações culturais, a pesquisa de soluções urbanísticas que saibam conjugar considerando-se que existem cerca de 100.000 lugares progresso e tradição. unicamente arqueológicos. Como tal, é lógico compreen- 30 número 4, 2007 - @local.glob Boas práticas de desenvolvimento local - Peru der que a despesa pública seja dedicada principalmente projetos anteriores no Peru, assumiu 50% do orçamento de aos locais declarados pela UNESCO como Patrimônio da desenvolvimento do projeto de restauração. Humanidade. Além disso, são importantes destinos turísticos numa indústria de 1.545 milhões de dólares dos Estados Unidos (2006) e 1.8 milhões de visitantes estran- VARIAVÉIS DO PROCESSO: METODOLOGIA geiros, dos quais 80% são turistas culturais. Dados tal- ADOPTADA E PROBLEMAS ENCONTRADOS vez modestos em comparação com outros populares destinos regionais ou europeus. Mas, o turismo, devido ao A escassez de recursos convida sempre a que se procu- seu constante crescimento, estimado desde 1993 em 16% rem soluções inovadoras, pelo que, para cobrir parte do ao ano - superior à média mundial - converteu-se na se- restante financiamento, se celebraram convênios com en- gunda fonte de divisas do país, empregando cerca de 11% tidades educativas interessadas em participar num projeto da População Economicamente Ativa (PEA) . Contudo, os de características tão específicas. Faculdades de arquite- viajantes internacionais constituem apenas 28% do se- tura e escolas de negócios mostraram o seu interesse en- tor, sendo o turismo interno o que, pela sua grandeza, se viando os seus alunos dos níveis técnicos, licenciatura e converteu num importante instrumento dinamizador das mestrado. 1 economias locais. As estratégias de comunicação permitiram a participaA Diocese de Carabayllo, administradora dos bens da ção em conferências nacionais e regionais, com especia- igreja de São Pedro, que considera pertencer à sua juris- listas estrangeiros que se apresentaram em conferências dição, solicitou à Universidade Católica Sedes Sapientiae internacionais, seminários com moradores e autoridades UCSS (jovem universidade privada de profunda sensibili- locais, apresentações que despertaram surpresa e a sen- dade social) que assegurasse a gestão do imóvel. A UCSS sação, entre os residentes, de que algo de grande estava a trabalha há vários anos no setor cultural e as suas ativida- acontecer na sua pequena comunidade. des são profundamente apreciadas no Norte de Lima. Um dos seus projetos mais representativos é a organização de As limitações econômicas obrigaram a dedicar ao proje- concertos de música barroca com o coro Lima Triunfante, to horas extra ao horário regular de trabalho. As visitas às que executa arquivos musicais redescobertos dos séculos obras durante os fins-de-semana e as reuniões de trabalho XVI a XIX. A produção musical barroca limenha foi, naque- à noite foram uma constante. les séculos, tão profusa que as composições daquela época se encontram ainda hoje em arquivos de locais tão diversos como a Guatemala ou Sucre. Um ponto a destacar foi a realização de um cuidadoso estudo acústico da igreja, cujos resultados se compararam a demonstrações realizadas na Catedral de Lima, para evi- Daqui nasceu a idéia de organizar concertos de música tar possíveis perdas na qualidade sonora ou interpretativa. barroca na igreja real restaurada. Desde o início, assumiu- Os conhecimentos de um dos organizadores do projeto, o se que seria um trabalho de longo prazo, de financiamen- arquiteto e professor Luís Villacorta, sobre as propriedades to iminentemente internacional e com uma qualidade que acústicas dos materiais com que foram construídas as igre- justificasse o interesse das fundações internacionais dedi- jas reais, foram decisivos na gênese desta idéia de organi- cadas à preservação da arte. zar concertos barrocos e de os transformar num produto turístico com valor nos mercados internacionais, principal- O primeiro passo foi o desenvolvimento do Projeto de mente nos Estados Unidos. Villacorta e a equipe de peritos Restauração, para o que se convidaram profissionais de im- do Laboratório de Acústica da Faculdade de Arquitetura da portante trajetória internacional (que, conscientes do rigor Universidade Peruana de Ciências Aplicadas de Lima viram e da expectativa, prescindiram até cerca de 70% dos seus que o adobe e a quincha (sistema de armação de madeira honorários), o que tornou possível o pedido de apoio a dife- e cana ligada com cimento de barro) conferiam, às igrejas rentes instituições internacionais dedicadas à restauração reais, características acústicas particulares especialmente patrimonial. O Getty Institute de Los Angeles, com vários adequadas para a música barroca. A População Economicamente Ativa (PEA) compreende o potencial de mão-de-obra com que pode contar o setor produtivo, isto é, a população ocupada e a população desocupada (Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE: http://www.ibge.gov.br/). 1 @local.glob - número 4, 2007 31 Boas práticas de desenvolvimento local - Peru RESULTADOS ALCANÇADOS tes aos concertos o que, por sua vez, permitirá mobilizar outras pequenas atividades comerciais nos arredores da Na realidade, a concretização do projeto de restauração povoação. levou muito mais tempo do que o planificado. Contudo, a resposta positiva dos setores acadêmicos, eclesiásticos e comunais gerou laços, que ainda estão para ser explora- LIÇÕES APRENDIDAS dos. Presentemente, está-se a iniciar a recolha de fundos, à escala mundial, para iniciar a obra. Uma das atividades Os bens religiosos, como catalisadores de identidade, pelo previstas seria a realização de uma exposição de arte reli- interesse que despertam no turista cultural, local ou es- giosa peruana em Roma. trangeiro, devem ser redescobertos, em primeiro lugar, pelos próprios residentes. Cada população ou localida- O projeto, liderado pelo arquiteto José García Bryce de, desde a sua fundação, nasce construindo em torno e que contou com a participação de reconhecidos pro- de uma igreja e a evolução ocorrida ao longo dos séculos fissionais, como o Eng. Julio Vargas e a Arq. Mirna Soto, é particular e única para cada comunidade. São muitos está a ter também um forte impacto acadêmico. O pla- os povos como Carabayllo em que a população se dedica no de restauração da igreja de São Pedro foi apresentado principalmente à agricultura, não realizando outra ativi- no Seminário Internacional de Arquitetura, Construção dade econômica importante. Mas no seu meio, sob o pó de e Conservação de Edifícios de Terra em zonas sísmicas abandonadas edificações de terra, escondem-se exemplos (http://www.pucp.edu.pe/eventos/SismoAdobe2005/) e artísticos notáveis de arte, pinturas murais ou em tela, es- foi publicado em várias revistas especializadas. A experi- culturas em madeira policromada, ourivesaria e objetos ência proporcionou um modelo de conservação que pode litúrgicos de singular beleza, que sintetizam a riqueza da servir de exemplo a outros edifícios patrimoniais de carac- sua cultura. terísticas idênticas, na costa sul-americana. Atualmente, está-se a trabalhar em outros cinco proje- TRANSFERIBILIDADE tos de restauração que também incorporaram a componente da promoção de concertos de música barroca e o As obras realizadas até ao momento permitiram adquirir, desenho de rotas turísticas para comercialização no mer- em geral, uma série de conhecimentos, destrezas e com- cado norte-americano. petências que constituem um conhecimento passível de transferência. Definitivamente, acreditamos que através deste tipo de projetos se pode atingir o duplo objetivo de fortale- Imediatamente após o desenvolvimento do projeto para cer a identidade local para que as pessoas se possam a igreja de São Pedro de Carabayllo, a mesma equipe que sentir orgulhosas do lugar onde vivem e, simultanea- assumiu a sua gestão, apresentou um pedido de apoio mente, gerar emprego e postos de trabalho para a co- para a restauração de um segundo imóvel, o Centro His- munidade. tórico de Lima declarado Patrimônio da Humanidade. A gestão foi positiva, conseguiu-se o dinheiro e está-se a trabalhar com base na experiência adquirida, obtendo-se SUSTENTABILIDADE DA INICIATIVA ótimos resultados em menos tempo. O equilíbrio foi e será sempre frágil, o dinheiro é escasso A UCSS recebeu pedidos de assessoria para a gestão de e as necessidades grandes. Uma constante após as res- projetos culturais em alguns casos idênticos ao de Cara- taurações é a iminente deterioração dos monumentos a bayllo, como por exemplo a Universidade Nacional Mica- poucos meses do termo dos trabalhos, pois o adobe, pela ela Bastidas de Abancay. A Universidade Católica Sedes sua fragilidade, requer uma atenção permanente. Nesta Sapientiae considerou a criação de um escritório de Bens linha, o Arq. Héctor Abarca preparou um Plano de Manu- Culturais para formar pessoas comprometidas nesta ta- tenção com a tutoria da Universidade de Lund (Suécia) refa, continuar o trabalho de gestão de patrimônio, mo- que será implementado pelos moradores sob supervisão bilizar fundos e aplicar os conhecimentos adquiridos em da UCSS, com fundos provenientes dos futuros assisten- projetos específicos. 32 número 4, 2007 - @local.glob Boas práticas de desenvolvimento local - Espanha O patrimônio histórico é um valor social Município de Carmona, Sevilha, Espanha Isabel Rodríguez Coordenadora da Rota Bética Romana INFORMAÇÃO CHAVE Localização geográfica Município de Carmona, Província de Sevilha, Andaluzia, Espanha Localização temporal Data de início das atividades: 1985 Data (efetiva ou prevista) de finalização das atividades: Não há data prevista, a organização espera que o projeto se perpetue no tempo. Setor / âmbito de atividade • • • • • • Organização executora Prefeitura de Carmona Organizações patrocinadoras e/ou colaboradoras • Câmara de Comércio, Turismo e Desporte da Junta da Andaluzia (Governo Regional) • Divisão da Cultura da Junta da Andaluzia • Empresariado local Responsáveis e pessoas de contato Rocío Anglada Curado (Serviço Municipal de Arqueologia) [email protected] Ricardo Lineros Romero (Diretor do Museu da Cidade) [email protected] Paula Moreno Robledo (Diretora do Posto de Turismo) [email protected] Isabel Rodríguez (Coordenadora da Rota Bética Romana) [email protected] Orçamento total e perfil financeiro Descrever o orçamento do investimento e a origem dos fundos ao fim de todos estes anos é muito difícil. Em 1985, os orçamentos destinados ao patrimônio histórico e ao setor do turismo não existiam, assim como as respectivas Secretarias. Em 1995, criou-se o orçamento para o setor do turismo e em 1996 para o patrimônio histórico. Dez anos antes trabalhou-se com o orçamento de fundos do antigo Plano de Emprego Rural (PER), o qual apesar de ter como destino as escavações arqueológicas dirigia-se também à conservação dos monumentos e à montagem das primeiras exposições fundamentalmente para a população local. O orçamento é transversal, trabalhou-se com os fundos da Escola-Oficina para obter alguns recursos e como apoio à formação especializada em patrimônio histórico e turismo; com fundos da União Européia (FEDER e PRODER1) apoiaram-se empresas e a criação de grupos empresariais; com serviços sociais realizaram-se trabalhos patrimoniais com adultos, com as universidades criam-se cursos especializados, etc... Em qualquer caso, o orçamento direto e municipal é muito reduzido: o museu e serviço de arqueologia tem atualmente 160.000 dólares dos Estados Unidos anuais e o Posto de Turismo 175.000 dólares anuais. Patrimônio histórico Turismo sustentável Habitação Arquitetura e desenho urbano Desenvolvimento de recursos humanos e formação Infra-estruturas FEDER: Fundo Europeu de Desenvolvimento Rural e PRODER: Programa Operativo de Desenvolvimento e Diversificação Econômica de Zonas Rurais. 1 @local.glob - número 4, 2007 33 Boas práticas de desenvolvimento local - Espanha SITUAÇÃO INICIAL, DEFINIÇÃO DO GRUPO META E lógicas. A chegada a Carmona de um profissional formado DAS PRIORIDADES na nova museologia francesa, assim como a implicação da população local e a ligação de alguns estudantes locais, lançou o germe da engenharia patrimonial. lômetros de Sevilha, a capital da Andaluzia. Tem 27.221 habitantes, a sua superfície é de 924 quilômetros quadrados e a atual densidade populacional é de 29,1 habitantes por quilômetros quadrado. O principal setor da sua economia são os serviços e, em segundo lugar, podemos considerar o setor do turismo, em paralelo com o da construção. FONTE: ROTA BÉTICA ROMANA Carmona é uma pequena cidade interior, situada a 30 qui- Carmona é uma das cidades com maior tradição histórica da província de Sevilha. As suas diferentes denominações apregoam o papel de cidade nas distintas invasões que sofreu. O seu nome tem raiz na palavra semita Kar, que significa cidade, e explica-se através da sua provável fundação pelos fenícios. Os romanos chamaram-lhe Carmo, e os árabes Qarmuna. A fertilidade da zona e a sua privilegiada localização ge- Museu da cidade ográfica no alto de um cabeço (pequeno monte), de fácil defesa, fizeram com que Carmona fosse povoada desde o tempo da pré-história. Ainda que tenham aparecido vestí- OBJETIVOS E ESTRATÉGIA DA INICIATIVA gios do Paleolítico, são mais abundantes os do Neolítico, entre os quais se destacam os copos campaniformes do O principal objetivo não era turístico, mas antes envolver Acebuchal. a população local na valorização do seu patrimônio histórico. O turismo desempenha um papel fundamental no desenvolvimento local de Carmona. A sua vertente turística Os objetivos à volta dos quais se foi trabalhando foram: deriva do seu patrimônio histórico e está-se a trabalhar no desenvolvimento local ligado a esse patrimônio e, sobretudo ao arqueológico. Atualmente, são cerca de duzentas as pessoas que se dedicam diretamente à atividade turística, tanto em organismos públicos, onde o turismo tem um peso considerável, como em empresas, sobretudo as ligadas à hotelaria e à restauração. • Incentivar o desenvolvimento local baseado no patrimônio histórico. • Promover turisticamente a cidade de Carmona no exterior. • Formar a população local em matéria de patrimônio histórico. • Promover a criação de empresas turísticas baseadas Em Carmona, antes do arranque turístico, não existia nenhuma infra-estrutura turística, exceto o Parador (Pousada) no patrimônio arqueológico. • Criar empresas de produtos culturais. de Turismo de Carmona, que ironicamente era conhecido como o Parador de Sevilha, assim como as suas pensões e Inicialmente foi a engenharia patrimonial que abriu ca- restaurantes tradicionais. O maior problema de Carmona minho para que, mais tarde, surgisse a estrutura turística. nos anos 80 do século XX, era o desemprego da sua po- Desta forma, organizou-se, em 1985, a primeira exposição pulação e a reconversão do setor agrícola para as novas Arde, San Pedro, tendo-se, desde o início, tentado envol- tendências do setor turístico, que já então se vislumbra- ver a população local. O fato de se trabalhar com operários vam. O emprego da mão-de-obra agrícola em programas locais nas escavações, rotativamente durante 15 dias, foi de melhoria da infra-estrutura municipal fazia-se através fundamental. Realizava-se uma exposição por ano, na qual do Plano de Emprego Rural (PER). Em 1985, incumbiu-se se davam a conhecer os avanços no conhecimento da ci- a alguns municípios a realização de escavações arqueo- dade que, por sua vez, se ligavam ao desenvolvimento e à 34 número 4, 2007 - @local.glob Boas práticas de desenvolvimento local - Espanha criação de produtos. de Arqueologia e a Secretaria de Turismo, trabalhou estreitamente, sendo muito difícil indicar os atores concretos No decurso de 1995-96, a Prefeitura de Carmona criou as dessas ações. Financeiramente, os recursos provinham da Secretarias de Turismo e do Patrimônio Histórico. A partir Administração Central, mais especificamente dos Ministé- daí, com os seus orçamentos, abriu o Posto de Turismo Mu- rios da Cultura e do Turismo, assim como das várias Se- nicipal e criou-se a Rota Bética Romana, empresa pública cretarias da Junta da Andaluzia. Em muitos casos, foram com treze municípios andaluzes associados, cujo principal subvenções co-financiadas pela Junta da Andaluzia e pela objetivo é a aposta no valor, na promoção e na comerciali- Prefeitura de Carmona. zação conjunta do legado cultural romano. Os fundos europeus têm estado presentes, de forma Posteriormente, criou-se a Assembléia do Turismo Local quase residual, em projetos como o das Vias Romanas do composta por empresários do setor turístico, o Diretor do Mediterrâneo, através de fundos INTERREG III-C. Atual- Museu da Cidade, o Conselho das Confrarias e das Irman- mente, nos projetos dirigidos sobretudo aos empresários, dades, Associações Locais, o Diretor da Necrópole Roma- têm-se utilizado os Fundos FEDER e PRODER. Os recursos na, a Secretaria de Turismo da Junta da Andaluzia (governo foram geridos, em quase todos os casos, diretamente pelo regional), a Igreja e os Sindicatos mais representativos. território, através de empresários, administração local ou entidades supra-municipais nas quais se inclui a Câmara Por outro lado, para se dar a conhecer, Carmona fez um Municipal de Carmona. A promoção e a comercialização esforço por estar representada em diferentes fóruns, gerais foram obra de todos: empresários, administração pública e especializados. Até essa data, o material promocional era e população local. muito elementar, apesar de ser cuidado e elaborado desde o território, quase artesanal. Cria-se uma página na web http://www.carmona.org e o logótipo turístico da cidade, VARIAVÉIS DO PROCESSO: METODOLOGIA o qual se baseou no patrimônio histórico e foi escolhido ADOPTADA E PROBLEMAS ENCONTRADOS através de um concurso local. FONTE: ROTA BÉTICA ROMANA (CARLOS GARCÍA) As variáveis do processo, a metodologia adotada e os problemas encontrados poderiam sistematizar-se em torno dos seguintes pontos: Gênese e existência da arqueologia pública. A existência da arqueologia pública e municipal não está solucionada de forma integral. O serviço não está dotado de pessoal técnico fixo e a administração da Região Autônoma não resolve, de forma clara, o problema do depósito dos materiais arqueológicos. A maior parte da coleção arqueológica do Museu da Cidade, segundo a legislação regional, é propriedade da Junta da Andaluzia e deve ser depositada no Museu Arqueológico de Sevilha, de caráter provincial, situado a 36 quilômetros de Carmona. As escavações arA Praça de San Fernando, antigo fórum romano, utilizada como praça de touros no século XVI queológicas de onde provêm os materiais são financiadas e promovidas pela administração local e todas as Cartas Internacionais, do Patrimônio Histórico, do Desenvolvimento ou de Turismo aconselham a preservar o contexto imedia- MOBILIZAÇÃO DE RECURSOS to da peça. A mobilização de recursos financeiros, técnicos e humanos Nesta fase, foram fundamentais o contacto e a conscien- foi realizada de forma transversal. O grupo alvo, compos- cialização da população local. Montaram-se 1 ou 2 expo- to pela Secretaria e pelos recursos financeiros do Patrimô- sições anuais dirigidas à referida população, nas quais se nio, de quem dependem o Museu da Cidade e o Serviço informava sobre o que aparecia nas escavações abertas @local.glob - número 4, 2007 35 Boas práticas de desenvolvimento local - Espanha ao público e constituíam fatos inovadores que as interven- Em todo o processo, foi fundamental o recurso às novas ções arqueológicas se abrissem ao público e que fossem tecnologias aplicadas a todos os campos, a partir do pró- os próprios arqueólogos os responsáveis por explicar as prio Posto de Turismo na gestão dos visitantes com visitas escavações aos visitantes. A frase definidora do projeto auto-guiadas aos monumentos da cidade, downloads de global e desta fase em particular foi: o patrimônio é um MP3, Carta de Risco, arquivos de dados e formação de em- valor social. presas locais dirigidas a produtos culturais baseados em Criação da infra-estrutura. O Alcázar da Porta de Sevilha abriu ao Público como Posto de Turismo Municipal e como monumento a visitar. Estabilizou-se o pessoal e impôs-se um horário mais alargado. É a base fundamental e inevitável da promoção e da comercialização e é a imagem imediata do turismo Carmonense. FONTE: ROTA BÉTICA ROMANA novas tecnologias. Anos mais tarde, criou-se o Museu da Cidade, com sede fixa numa casa palácio no interior da zona histórica. O museu tem funcionado também como entidade formadora na criação de empresas e produtos culturais: publicações, infografias e informática dirigida ao patrimônio histórico, informadores turísticos, etc. No início da criação do Museu da Cidade houve um problema na definição do tipo de mu- Porta de Sevilha seu desejado e na participação de todos os agentes sociais. Cada um deles propunha um tipo de função para o museu. No final, venceu a visão que contava com profissionais da RESULTADOS ALCANÇADOS museografia e que não obedecia a visões pessoais, mais ou menos interessadas. A promoção especializada dirigia-se Nem todos os objetivos foram cumpridos e nenhum dos à imprensa local e nacional com notícias sobre os achados projetos foi terminado conforme tinha sido concebido. das escavações arqueológicas. Também aprendemos que tal é usual: da realidade ao desejo, há sempre um caminho a percorrer. Comercialização e desenho contínuo de novos produtos. Criado o Posto de Turismo e o Museu da Ci- O nível de satisfação do grupo alvo, passados 20 anos dade, o trabalho foi inovador na sua metodologia: téc- desde que iniciamos as escavações arqueológicas, é desi- nicos de turismo e técnicos de patrimônio trabalham gual. O mais difícil é a manutenção da equipe e a dinâmica num projeto patrimonial da cidade, que viria a constituir de trabalho do grupo. De qualquer forma, é significativo, o grupo supermeta, se a expressão é permitida. Cria-se para medir o nível de satisfação, saber que todos trabalham também uma ferramenta de comercialização em rede há mais de 10 anos no Projeto de Carmona. para o patrimônio romano. É a Rota Bética Romana http://www.beticaromana.org que tem uma grande sin- Entre os objetivos que não se cumpriram totalmente es- gularidade: é uma entidade territorial à qual pertencem 14 tão: a abertura da Porta de Sevilha como um ícone ou edi- municípios andaluzes, as Assembléias Regionais de Sevi- ficação singular, com um projeto que dele fizesse um ele- lha, Córdoba e Cádiz e a Confederação de Empresários da mento de propaganda quase internacional, porque as suas Andaluzia. A maior dificuldade, nesta fase, é a assimetria possibilidades patrimoniais o permitiam: é o bastião carta- de investimento entre a engenharia e comercialização, em ginês mais bem conservado da Europa Ocidental. favor da comercialização. Aqui, os atores multiplicaramse: população local, grupo alvo, empresários do setor tu- A aposta no valor de elementos patrimoniais não monu- rístico, Igreja e proprietários de bens turísticos abertos ao mentais, como a reabilitação do casario popular, fez-se a público, Secretaria do Comércio, Turismo e Desporte da partir de todas as instâncias, mas fundamentalmente da Junta da Andaluzia, através de um plano turístico: o proje- patrimonial. O Serviço de Arqueologia trabalhou aspectos to Rota Bética Romana, etc.. na área do urbanismo municipal, que se estenderam desde 36 número 4, 2007 - @local.glob Boas práticas de desenvolvimento local - Espanha a ligação da população de um bairro a este tipo de arqui- Cremos que a relação entre o turismo e a engenharia tetura até à reabilitação de casas. Tentava-se manter o pa- patrimonial, no caso de Carmona, garante em certa medi- trimônio imaterial, ligado ao material. O caso era inovador da, a sua sustentabilidade. As notícias sobre a arqueologia já que os inquilinos se mudavam para outra casa do bairro, carmonense não se esgotam porque as escavações conti- enquanto se reabilitava a sua. O proprietário estava obriga- nuam, pelo que a investigação garante a novidade. Espera- do a manter o inquilino uma série de anos, com uma renda mos também que novos espaços se valorizem. Neste senti- mais baixa que a comercial. do, o Governo de Espanha decidiu, recentemente, devolver Alcázar de Arriba à Prefeitura de Carmona. Nas habitações, realizou-se a leitura arqueológica dos parâmetros e o resultado foi que casas destinadas a serem demolidas por terem sido qualificadas como não ha- LIÇÕES APRENDIDAS bitáveis, se transformaram em habitações de luxo austero, com arcos e muros dos séculos XIV e XV. As vigas de Relativamente às lições aprendidas, podem-se destacar os madeira foram restauradas e as paredes foram rebocadas seguintes aspectos: com almofarizes tradicionais e pintaram-se com cal, seguindo critérios de reabilitação. Voltando a ser ocupadas pelos antigos inquilinos, alguns deles preferiam tetos de 1.A importância da versatilidade e multifuncionalidade dos profissionais. escaiolas e azulejos industriais, enquanto que para os 2.A primazia dada a projetos pouco ambiciosos e acessí- técnicos o resultado era excepcional. O patrimônio é um veis em vez de iniciativas muito caras. Pelo menos nas valor social que depende da valorização da população e, neste sentido, o desenvolvimento das mentalidades é muito lento. primeiras fases do projeto. 3.A importância da transversalidade temática e administrativa. 4.A necessidade de uma formação específica tanto da Para contrabalançar, introduzimos as visitas a essas habitações em jornadas européias dedicadas à arte Mudéjar, privilegiando a sua entrada num circuito de elementos mais monumentais como uma igreja da época. Também as in- população local, como dos profissionais. 5.A importância da imediatez e rapidez de reação do grupo meta. 6.A dificuldade de participação em qualquer fórum. cluímos no Dia Internacional do Patrimônio. A valorização foi realizada por peritos, que visitavam as habitações e aos Estas idéias estão mais ou menos explícitas na formação quais os inquilinos olhavam com um olhar de autoridade. do grupo alvo, tal como também nos projetos que se esbo- Não é o desejável, mas é um princípio para outra visão de çam ou abordam. valorização. TRANSFERIBILIDADE SUSTENTABILIDADE DA INICIATIVA As experiências são únicas. Transferi-las a outros territóEmbora por vezes pensemos que o equilíbrio é instável, rios automaticamente é impensável, porque as situações, acreditamos que finalmente, se conseguiu obter a susten- territórios e pessoas são únicas. Mas em nossa opinião, as tabilidade ou que, pelo menos, o caminho que estamos a lições aprendidas podem ser úteis em projetos similares. seguir é equilibrado. A sustentabilidade da cidade, por en- Também cremos que se deveriam formar pessoas, a partir quanto, não está em perigo. Recentemente, encomendamos do próprio território, que atuassem como dinamizadoras um estudo sobre a capacidade de carga, inclusive em espa- em territórios vizinhos. O valor da formação prática, ime- ços abertos e concluiu-se que a afluência de turistas não diata e ligada à territorialidade, é fundamental. Por vezes, representa um risco. Em relação ao patrimônio histórico, é mais interessante conhecer as atividades próximas dos a Prefeitura de Carmona investe todos os anos, de forma meios econômicos, institucionais e humanos do que as ati- direta ou indireta, uma verba importante na restauração de vidades muito inovadoras e pioneiras, afastadas do territó- bens móveis ou imóveis. rio de ação e do âmbito local. @local.glob - número 4, 2007 37 Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança Boas práticas, boas políticas As experiências concretas como dinamizadoras da mudança Emilio Carrillo Especialista Internacional em Desenvolvimento Local e Professor de Economia na Universidade de Sevilha Vice-prefeito e Secretário de Urbanismo do Município de Sevilha, Espanha M as tal atitude passiva de conservação não é suficiente sob o prisma do desenvolvimento local. A mesma tem que estar ligada a uma atitude ativa que inclua os diversos fenômenos e as atividades que a cultura local abarca – um amplo espectro que inclui os costumes tradicionais, o folclore, as feiras e as festas, a gastronomia, o patrimônio histórico-artístico,... – numa estratégia de rentabili- FONTE: MUNICÍPIO DE SEVILHA, ESPANHA [continuação da página 22] zação sócio-econômica que os configure como fonte de autoestima, de cidadania, de iniciativas empreendedoras geradoras de tecido empresarial, de renda e de postos de trabalho. Neste sentido, deve ter-se em conta que as atividades culturais e de lazer constituem uma parte importante da atividade econômica dos territórios. É verdade que, tradicionalmente, não se prestou a devida atenção a este fato. Felizmente, estudos recentes, realizados em diferentes locais, estão a pôr em evidência a dimensão exata das mesmas, ajudando a uma ponderação que, contudo, não só deve ser quantitativa, mas em consonância com o exposto, também deve ser qualitativa. lho e à própria visão do mesmo. É o próprio trabalho – os É neste contexto que aparecem os empregos de futuro li- seus conteúdos, os esquemas e as formas de comportamen- gados à cultura, em geral e à valorização do patrimônio his- to - que se está a transformar. Sob muitos pontos de vista, tórico-artístico, em particular, articulados com a crescente este é um fato de enorme transcendência e de que resulta tendência para desfrutar dos tempos livres. Chegados a este um novo âmbito de exigências teóricas e práticas. Entre eles, ponto, vale a pena fazermos algumas reflexões sobre os em- a necessidade de aprofundar o conceito geral de emprego, pregos de futuro e onde os mesmos se situam: diferenciando empregos sem futuro, empregos com futuro e empregos de futuro. Como se sabe, estão a produzir-se múltiplas alterações em diversos campos com impacto direto no contexto sócio-eco- Como tive ocasião de expor em estudos especializados nômico, o que, entre outras coisas, obriga a uma abordagem a este respeito (fundamentalmente, no “Guia básico de diferente das estratégias de desenvolvimento local relativa- empregos de futuro na Andaluzia”, editado pelo Progra- mente às atuações públicas dirigidas ao mercado de traba- ma Delnet sob a forma de Documento de Trabalho1), os Carrillo, E. (2000). WP 03 - Documento de Trabalho Delnet - Guia básico de empregos de futuro na Andaluzia, Espanha. Disponível na biblioteca eletrônica do Programa Delnet, Infodoc, que é acessível somente aos participantes do Programa Delnet http://www.delnetitcilo.net/campus/info/frameset?idioma=por. 1 38 número 4, 2007 - @local.glob Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança empregos sem futuro são postos de trabalho tradicionais Meket Woreda, região de Amhara (Etiópia) que, existindo hoje no mercado trabalhista e na estrutura produtiva e de serviços, carecem de viabilidade a A evolução dos estilos de vida e das preferências indivi- médio e longo prazo, pelo que é previsível a diminuição duais e coletivas na ocupação do tempo livre está a au- dos seus número e significado, num horizonte tempo- mentar o interesse, de forma acentuada, por um novo tipo ral razoável (por exemplo, determinados empregos em de turismo, ligado aos recursos naturais, ao conhecimento segmentos específicos do setor agrícola ou da indústria das comunidades locais e ao seu meio ecológico. Um am- pesada). plo leque de fatores está a contribuir decisivamente para o desenvolvimento do chamado turismo rural. Um subse- Juntamente com estes, convivem os empregos com fu- tor em alta e um mercado com fortes expectativas que, em turo, que são postos de trabalho igualmente tradicionais, algumas zonas deprimidas, já começa a assumir-se como mas que se manterão, provavelmente, com volumes e im- fonte de postos de trabalho e de renda, especialmente na- portância idênticos a médio e longo prazo (graças ao fato quelas que contam com áreas protegidas sob a categoria de muitos destes empregos estarem localizados no setor de parque natural, como é o caso da experiência que está a terciário). desenvolver a ONG TESFA (Tourism in Ethiopia for Sustainable Future Alternatives) na zona de Meket Woreda, situada Finalmente, os empregos de futuro são os novos empre- nas terras altas da Região de Amhara, que é uma das áre- gos que apareceram recentemente ou que estão agora a as mais pobres da Etiópia devido a uma mistura explosiva surgir e que, previsivelmente, no futuro aumentarão a sua combinando secas dramáticas, crescimento demográfico, quantidade e peso específico. diminuição progressiva do tamanho das explorações agrícolas e degradação do meio ambiente. Deste trio de categorias de emprego, são os empregos de futuro os que apresentam maior interesse tanto na óptica O turismo comunitário proporciona uma possibilidade de das políticas públicas, como de desenvolvimento local ou geração de renda que não se relaciona com a agricultu- das oportunidades empresariais. Por isso mesmo, convém ra e que levou a TESFA a selecionar diferentes localidades ter presente que, entre eles, devemos ainda distinguir dois etíopes com potencial para o desenvolvimento do turismo grandes blocos: novos empregos em novas atividades sur- comunitário. No caso da comunidade se mostrar interes- gidas de uma inovadora procura social (novos jazigos de sada (como foi o caso de Meket Woreda), a TESFA começa emprego) e novos empregos em subsetores e áreas mais a prestar ajuda para o desenvolvimento de empresas co- tradicionais. Pois bem, quais são exatamente esses empre- munitárias de turismo. A comunidade converte-se, assim, gos de futuro? num grupo integral, em que participam todos os cidadãos residentes nesse local. As investigações realizadas com o objetivo de responder à pergunta anterior e, mais concretamente, a efetu- Na perspectiva dos empregos de futuro, convém diferen- ada no documento antes referido, permitem constatar ciar, dentro do turismo rural, duas grandes modalidades: que é relativamente elevado o número dos potenciais de um lado, o turismo ambiental e de outro a valorização empregos de futuro e que os mesmos aparecem distri- do patrimônio histórico-artístico e da cultura local, no sen- buídos em muitos e diversos segmentos da atividade tido restrito. Ambos os ramos se encontram, obviamente, econômica, pertencentes, aliás, à totalidade dos gran- estritamente inter-relacionados e vão ser foco de novos des setores sócio-econômicos: primário (absorve 9,3% empregos, muitos de caráter estável e com qualificações dos 172 empregos de futuro detectados), secundário em áreas que não dispõem de outras alternativas signifi- (23,8%), terciário (28,5%), quartenário (22,7%) e esfera cativas, o que lhes confere um indubitável valor acrescido, meio ambiental (15,7%). tanto econômico como social. Contudo, os mesmos ajudam a conservar o meio ambiente, contribuem para fixar a po- Em seguida, veremos como se situam, tanto a valoriza- pulação autóctone e para propiciar um desenvolvimento ção da cultura como o fomento de empregos de futuro, nas sócio-econômico sustentável, evitando o despovoamento experiências práticas em que nos ocupamos. E tudo isso, e a perda de valores culturais e tradicionais enraizados. tendo como pano de fundo o fomento do setor turístico local. @local.glob - número 4, 2007 Relativamente ao turismo ambiental, trata-se de aprovei- 39 Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança tar os recursos naturais locais em benefício do desenvolvi- pode acarretar para uma comunidade local. A comunida- mento da zona rural. Em sentido restrito, tal inclui recintos de local tem que contar inevitavelmente com uma série de e espaços para alojamento, espaços agro-alimentares e de riscos e com determinados impactos. A questão primordial lazer associados ao uso da riqueza natural; por exemplo, as residiu, neste caso, em minimizar ao máximo os possíveis fazendas, as quintas, as casas e vilas rurais, as casas-mu- impactos, mediante a adaptação do projeto ao ritmo de seu, as hortas ecológicas e os parques de campismo espe- vida das comunidades locais, o uso de tecnologias adapta- cializados. Por outro lado, esta modalidade turística acolhe das às condições e às capacidades locais, bem como uma novas formas para desfrutar o lazer, como as caminhadas “estratégia de saída” bem colocada desde o início: par- ou os itinerários paisagísticos, que requerem um desenho te das receitas obtidas através dos turistas destinam-se a e um tratamento específico propícios ao desenvolvimento apoiar uma empresa de guias turísticos que servirá de elo de novas tarefas profissionais. E, em terceiro lugar, também de ligação local com as comunidades, dado que proporcio- há que englobar dentro desta categoria turística, um amplo na guias experientes. Além disso, um organismo central leque de atividades recreativas de diferentes espectros. É recolhe outros rendimentos adicionais e usa-os para o de- uma atividade que dá importância à virtualidade do cavalo senvolvimento de serviços de comercialização e reservas. como elemento turístico, gerando à sua volta um significa- As comunidades receptoras aceitaram, desde o início, a tivo número de postos de trabalho - domadores, guias, pro- necessidade de que uma percentagem das quantias pagas fessores de equitação, etc. - baseados, fundamentalmente, pelos visitantes (40% na atualidade) se destinasse a pagar na organização de percursos equestres - que se costumam serviços essenciais (guias, reservas, comercialização, ga- realizar na montanha - de passeios ou rotas curtas – que rantia da qualidade, etc.). se repartem entre a montanha, o campo ou o litoral - e a combinação de campo e mar, cada vez mais procurada pelos turistas. Tudo isto significa que, como consequência direta desta iniciativa se estão a gerar, na Etiópia, novos empregos que utilizam técnicas de comunicação com o público, usam as Quanto à valorização do patrimônio histórico-artístico e do desenvolvimento cultural local, as novas atitudes estão novas tecnologias de informação e gerem os fluxos turísticos e a comercialização de produtos para-culturais. mais inclinadas para a ponderação e desfrute de tal patrimônio e dos referidos elementos culturais. Estas tendên- Por último, dentro da cultura rural e procurando o fomen- cias vêem sendo impulsionadas pelo incremento do tempo to do turismo, há que mencionar outras atividades como o livre e pela evolução das técnicas pedagógicas. Além disso, artesanato, as iniciativas empreendedoras ligadas aos cos- as novas tecnologias oferecem importantes oportunidades, tumes de cada zona, a gastronomia e a confeitaria local. desde os novos suportes e acessos a bases de dados à dis- Em relação a todas elas e do ponto de vista do surgimento tância, à renovação de edifícios para lazer e à utilização de novos postos de trabalho, trata-se de explorar as tradi- de novos materiais. Igualmente, há que ter em conta o fato ções como vantagem competitiva e comparativa do territó- de as atividades associadas à cultura popular - música fol- rio. Isto é, como recurso endógeno do qual se pode extrair clórica e danças, teatro, festas e feiras, etc. - requererem algo em termos de renda e de empregos, rentabilizando o poucas infra-estruturas e, portanto, baixos investimentos valor acrescentado da qualidade através da recuperação de para a sua rentabilização turística. processos artesanais e naturais. Por outro lado, devemos ter presente que em experiências Uma ampla área, na qual o auto-emprego e o associa- como a que estamos a analisar, na região de Amhara, não tivismo trabalhista têm possibilidades notáveis, sempre é possível atividade turística sem causar impactos ambien- sem perder de vista as tensões entre a atividade turística tais, sociais ou culturais sobre a comunidade local. Mas é e a cultura local frequentemente evidenciadas em comu- possível prever esses impactos, planificar o seu tratamento, nidades que não souberam conjugar adequadamente os impedi-los ou reduzi-los mediante técnicas ou iniciativas já processos de crescimento econômico e a heterogeneidade conhecidas e empregadas noutros locais. social gerados pelo turismo com a necessária preservação da identidade cultural. No caso da experiência de Meket Woreda, os promotores da iniciativa estiveram conscientes deste aspecto crucial e A experiência de Meket Woreda ensina-nos que a chave não se esqueceram dos aspectos negativos que o turismo do sucesso do turismo, como atividade sustentável (do pon- 40 número 4, 2007 - @local.glob Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança to de vista social), não reside na transformação da socieda- Pedro tinha precisamente, como primeiro objetivo, o for- de e da cultura local em áreas do desenvolvimento turísti- talecimento e a preservação da identidade cultural local. co, mas esta atividade tem que ser integrada nos esquemas O próprio processo de restauração da igreja já é um ele- sociais e produtivos previamente existentes e trabalhadas mento aglutinador que mobiliza e congrega a população as propostas que exigem os valores e particularidades cul- local, permitindo-lhe visualizar a importância e a rique- turais da comunidade local, como tantas vezes nos recorda za cultural do seu povo. A valorização do seu patrimô- a Organização Mundial de Turismo (OMT). nio, compromete o desenvolvimento de uma mentalidade nos habitantes de São Pedro que protege as construções Nunca se propõe a transformação da sociedade e a cul- tradicionais face à “modernidade“ indiscriminada e orien- tura local ou a sua adaptação para atrair ou satisfazer a tadora da pesquisa de soluções urbanísticas que saibam procura turística. Aos turistas, interessa-lhes as socieda- conjugar progresso e tradição. Mas a idéia de fazer de Ca- des reais, sinceras, vivas, com os seus costumes, os seus rabayllo, a partir da restauração da igreja, um destino de valores, a sua cosmogonia e, inclusive, as suas tensões e turismo religioso e musical implicava também um obje- os seus problemas. tivo de desenvolvimento econômico, gerando novos empregos e mais recursos econômicos na comunidade, que Cada vez são menos atrativas as “montagens turísti- permitiriam financiar o próprio processo de restauração cas” que pretendem idealizar uma cultura ou que fazem e, adicionalmente, contribuir para melhorar as condições das sociedades locais “teatros turísticos” ou museus e das das infra-estruturas da povoação. cidades uma espécie de parque temático. É por isso que não devemos ter obsessão em proporcionar ao turista es- Assim, parece especialmente acertada a proposta dos petáculos folclóricos irreais, mas simplesmente ensiná-los promotores desta iniciativa, quando afirmam que com a como conservar os costumes, facilitando o seu conheci- experiência se perseguiu um duplo objetivo: investir no le- mento e entendimento; tal como está a fazer a ONG TESFA gado cultural da comunidade e, através dele, investir tam- na zona de Meket Woreda, estaremos a desenvolver uma bém no seu futuro econômico; baseada na restauração da iniciativa que o turista saberá valorizar e respeitar na sua igreja de São Pedro estabeleceu-se uma estratégia local justa medida. capaz de gerar uma nova oferta de atrações do município – concertos de música barroca – que incrementa e singulariza os seus focos de interesse. São Pedro de Carabayllo (Peru) Como no exemplo do caso de Carabayllo, muitos dos muComo se sublinhava anteriormente, existem razões mais nicípios latino-americanos têm um grande potencial para que suficientes para afirmar que a escala local é a mais ade- a criação de novos produtos turísticos. Mas é um potencial quada para o desenvolvimento da atividade turística: ofere- que necessita ser gerido e encaminhado para as exigências ce oportunidades que facilitam a gestão direta dos destinos do mercado turístico internacional (de mobilidade e aces- e a sua capacidade de resposta oferece flexibilidade, o que sibilidade, de repouso e descanso, de serviços pessoais, de significa a possibilidade de retificar a orientação das nossas atendimento especializado, de atrações, de qualidade do estratégias; a partir da escala local, é possível impulsionar meio ambiente, de segurança, etc..) e tendo em conta a rea- a participação de toda a comunidade nas decisões sobre as lidade territorial econômica, social e cultural do município iniciativas a empreender; e, em última instância, pelo fato em questão e o seu contexto político–administrativo. indiscutível de que o verdadeiro produto turístico final é de escala local e de forte responsabilidade municipal: o turista Tal requer que os responsáveis municipais avancem con- desloca-se ao seu destino para usufruir do seu meio, dos juntamente com o setor produtivo e empresarial na procu- seus recursos turísticos, dos seus serviços e infra-estrutu- ra de estratégias de valorização dos recursos endógenos. ras públicas, dos estabelecimentos turísticos e gerais, da No final deste processo, os turistas devem ser capazes de sua cultura, da sua gente. A soma agregada destes fatores escolher um destino diferente, dotado de uma acentuada formam o produto turístico. personalidade, onde é possível viver a cultura com e como os seus residentes, desfrutando da envolvente física e cultu- No caso da experiência que se desenvolve em Carabayllo (Peru), o projeto de restauração da igreja de São @local.glob - número 4, 2007 ral. Tudo isso requer o desenvolvimento de uma importante gestão dos ativos do município. 41 Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança Isto pode entender-se como uma política de construção e gestão de redes, ou seja, de gestão relacional, cujo âmbito década, o número de turistas duplique a nível mundial e se multiplique por quatro a renda gerada pelo subsetor. são os governos locais, pois a gestão de redes é mais eficaz através da proximidade com os atores. Articular e gerir as Neste contexto, a planificação da atividade turística não redes de atores significa desenvolver estes projetos a partir pode responder a esquemas conceptualizados e metodoló- do reconhecimento, da diversidade e da soma de interesses gicos tendo por base propostas intervencionistas já ultra- compartilhados entre os atores, fomentando a co-responsa- passadas, alheios à participação da sociedade implicada e bilidade baseada na transparência, na confiança e na coo- carentes de mecanismos de controle e correção. Pelo con- peração entre os diferentes níveis de administração pública, trário, impõe-se a adoção de um estilo de planejamento através de mecanismos de concertação e de coordenação. turístico flexível e concertado que facilite a discussão e a união de diagnósticos, a coordenação e concretização de Este papel promotor da Administração Local apoia-se atuações públicas e privadas e o estabelecimento de um também na geração de mecanismos múltiplos de coopera- quadro coerente e estável de mobilização e de cooperação ção social e de participação dos cidadãos, implicando a cida- dos agentes sociais. dania nas estratégias de qualificação dos destinos turísticos. Uma cidadania que fala idiomas, informada e consciente Esta é precisamente uma das lições que podemos extrair dos recursos turísticos da sua localidade é, sem dúvida, um da experiência do Município de Carmona (Espanha), uma valiosíssimo recurso. É também função da Administração pequena cidade interior, situada a 30 quilômetros de Sevi- Local estimular e orientar a população para a convivência lha, a capital de Andaluzia. Uma experiência que começou cívica, bem como para a formação dos novos valores da a tomar corpo há mais de dez anos, quando no decurso de cidadania: a identidade, a pluralidade, a multiculturalidade, 1995-96, o Município de Carmona criou as Secretarias de a solidariedade, a responsabilidade, a participação, a tole- Turismo e do Patrimônio Histórico. A partir daí, com os seus rância ou o respeito pela diferença. orçamentos, abriu o Posto Municipal de Turismo e criou-se a Rota Bética Romana (empresa pública com treze municípios andaluzes associados, cujo principal objetivo é apostar Carmona, província de Sevilha (Espanha) no valor, na promoção e na comercialização conjunta do legado cultural romano) e, posteriormente, criou-se a As- Em geral, o setor turístico tem a responsabilidade de apro- sembléia do Turismo Local, composta pelos empresários do veitar a atual fase de “vacas gordas” para incrementar, a setor turístico, o Diretor do Museu da Cidade, o Conselho de médio e longo prazo, a sua competitividade, o que está Confrarias e das Irmandades, Associações locais, o Diretor indissoluvelmente ligado à idéia de desenvolvimento local da Necrópole Romana, a Secretaria de Turismo da Junta da sustentável. Andaluzia, a Igreja Católica e os Sindicatos mais representativos. Como o conseguir? As opções a tomar definem também a criação de novo emprego no subsetor. O aumento da oferta No caso de Carmona, o planejamento estratégico como turística e a sua diversificação sem perder a identidade (o município turístico incorpora conteúdos e objetivos de “produto mosaico”); a qualidade e a melhoria da sua relação âmbito econômico, social, ambiental, territorial, cultural, com o preço; o avanço nas infra-estruturas e equipamen- institucional, tecnológico..., derivando daí uma concepção tos; e a coordenação para atenuar a dispersão empresarial integral e consensual do município como um produto turís- e fixar metas comuns entre as diversas zonas turísticas são, tico entendido como a soma de muitas realidades diferen- neste sentido, matérias obrigatórias. Atuações que devem tes (patrimônio arqueológico, paisagem, empresas, infra- ser englobadas num modelo empresarial para negociar com estruturas, equipamentos, meio social, etc.). Contudo, não os operadores turísticos nas melhores condições e que per- nos podemos esquecer que é a administração pública local mitirão rentabilizar, em termos de renda e de emprego, a quem inicia e lidera em Carmona todo o processo de pla- tendência para um maior desfrutar do lazer, alargada hoje nificação, sendo responsável pelos seus resultados através à escala espanhola e internacional e que tornou a indústria de um procedimento que, embora participativo, não deixa turística a primeira a nível mundial, à frente, por exemplo, de ser ordenado. Neste sentido, é de extrema importância das telecomunicações. Uma indústria, aliás, com altíssima o trabalho da equipe técnica que encaminha o exercício capacidade de crescimento, pois prevê-se que, na próxima da planificação, o qual não se limita a uma função passiva 42 número 4, 2007 - @local.glob Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança como mero receptor de propostas dos agentes, mas oferece rios como Carmona, na Andaluzia, província de Sevilha? No coerência e racionalidade a todo o processo. horizonte imediato, dois tipos se apresentam como favoráveis: o já citado turismo rural e o turismo social direciona- O planejamento estratégico do desenvolvimento turísti- do a segmentos concretos da população (infância, terceira co promovido em Carmona caracteriza-se por concentrar idade, jovens, homossexuais e outros grupos específicos), a sua ação num reduzido número de temas selecionados aos quais se oferecem produtos turísticos pensados e dese- (escavações arqueológicas, contato e consciencialização da nhados para eles. Certamente, que o desenvolvimento des- população local, criação de infra-estruturas, comercializa- tes dois tipos de turismo exigirá, relativamente a algumas ção e contínuo desenho de novos produtos), renunciando atividades como por exemplo o alojamento, investimentos voluntariamente a abarcar um leque amplo de objetivos ou com algum significado. Mas, de qualquer forma, estes ti- de possíveis tarefas. Desta forma e como elemento diferen- pos de turismo são grandes consumidores de mão-de-obra ciador face a outras experiências, propôs a detecção e o tra- e podem rapidamente criar emprego em áreas que exigem tamento das questões prioritárias, dada a sua capacidade alguma qualificação. de articulação e de incidência sobre as questões menores. Em particular, o auto-emprego tem aqui grandes possibiPor último, os destinos turísticos não são alheios às trans- lidades, assim como postos de trabalho para animadores e formações da economia digital. Estas mudanças materiali- guias turísticos. Poderá servir também para fomentar em- zam-se, entre outros aspectos, pelo acesso massivo a novos pregos com futuro que podem aparecer em áreas como as sistemas de informação, a novos sistemas de gestão inte- já citadas e outros empregos que surgirão nos novos âmbi- ligente do turismo e a sistemas avançados que facilitam o tos profissionais ligados ao turismo de congressos, modali- acesso à informação sobre os serviços turísticos e à contra- dades especializadas de turismo (por exemplo, o submari- tação dos mesmos. no), a reformulação de serviços por parte das agências de viagens e os requisitos tecnológicos que elevem a competi- Nestes últimos anos, a expansão da Internet tem sido ver- tividade da restauração e da assistência hoteleira. tiginosa e a sua penetração produziu-se precisamente nas zonas do mundo que também são as principais emissoras de turistas para os destinos turísticos europeus: Europa, Conclusões Ásia/Pacífico, Estados Unidos e Canadá. Esta é, sem dúvida, a mais importante transformação que ocorreu na gestão A análise efetuada deste trio de experiências de desenvolvi- estratégica dos destinos turísticos. Antes, dizíamos que só mento local evidencia e sublinha a inter-relação entre três existia o que aparecia nos jornais, agora temos que dizer grandes parâmetros, estreitamente inter-relacionados: a que só existe aquilo que está na Internet. cultura local, a valorização do patrimônio e os empregos de futuro existentes neste âmbito, assim como o fomento do O turista quer, cada vez mais, uma informação sofistica- turismo cultural, rural e meio ambiental. da e com suficiente antecedência sobre a disponibilidade e o preço das viagens e alojamentos, mas também sobre os Não obstante, para terminar com rigor estas reflexões acontecimentos culturais, a história, o patrimônio cultural e embora vá para além do quadro delimitado pelas boas e natural, as exposições, os espetáculos, os eventos e as práticas analisadas, há que referir que o desenvolvimento instalações desportivas... “Colocar um destino turístico no local sustentável e o turismo também obrigam a eviden- mapa de Internet”, como fez o Município de Carmona no ciar outras oportunidades de geração de renda, emprego seu próprio portal http://www.carmona.org e no portal da e progresso social. Neste sentido, devemos pelo menos Rota Bética Romana http://www.beticaromana.org, é ou- destacar três áreas de trabalho: o turismo de congressos; tra das grandes tarefas inevitáveis para os responsáveis, a oferta complementar ao sol e à praia, através de parques públicos e privados, das estratégias de qualificação de um aquáticos e outras atividades recreativas; e os serviços tu- destino turístico. rísticos para grupos populacionais específicos antes referidos. Neste contexto, quais são os tipos específicos de turismo onde se detectam as maiores possibilidades de surgimento Relativamente ao primeiro deles, é sabido que o turismo de empregos com futuro, tal como aconteceu em territó- de congressos inclui o segmento turístico que gera maior @local.glob - número 4, 2007 43 Boas práticas, boas políticas - As experiências concretas como dinamizadoras da mudança volume de renda por turista. Neste contexto, começam a seio, se possível com atrações paisagísticas, utilizando o proliferar empresas especializadas em congressos e even- parque e as vistas sobre o mesmo. Alguns destes parques tos similares (convenções, exposições, feiras e reuniões são especialmente interessantes pois, além do que foi re- diversas). Concretamente, desenvolvem a sua atividade ferido, procuram o contato com o meio ambiente e o seu ampliando e diversificando os seus serviços a partir do con- adequado gozo, pelo que aproveitam os recursos naturais ceito de turista de congressos, que evolui de acordo com a disponíveis, propiciam a sua conservação e potencialização procura emergente do mercado. E atuam como agente de li- e oferecem diversas iniciativas a este respeito, como os par- gação entre o potencial cliente e os provedores necessários ques de campismo - escolas juvenis. para celebrar o encontro, oferecendo um valor acrescentado de assessoria profissional, tanto na organização, como no seguimento dos acontecimentos. Baseados nesta idéia de completar a oferta turística do sol e da praia, podem-se destacar também uma série de atividades que, rentabilizando os recursos marítimos, põem à Com tudo isto, estão a abrir-se as portas para uma nova disposição do turista novas formas de gozo do tempo livre. geração de gestores de congressos, conferências e encon- Os cruzeiros curtos para a prática de pesca ou para sim- tros com conteúdos especializados de caráter científico, ples entretenimento são um bom expoente disso mesmo. tecnológico, cultural, meio ambiental,... Gestores que tra- E pouco a pouco, vão surgindo outras iniciativas como, por balham um segmento de mercado muito diferenciado das exemplo, o turismo submarino, que permite visitar curiosos tradicionais convenções comerciais e das empresas e que locais debaixo de água e conhecer, de perto, as espécies e contribuem com serviços adicionais, como o pré-financia- a flora marinha da zona. A este respeito, estão a aparecer mento dos eventos, a procura de patrocínios e outros recur- escolas de mergulho no litoral de muitos territórios, algu- sos econômicos, ou o apoio na gestão dos conteúdos. Pro- mas sob a forma de cooperativas, que proporcionam uma fissionais com qualificação média e alta podem encontrar oportunidade de emprego a jovens com formação específica neste tipo de atividade um significativo nicho de emprego nestas técnicas e oferecem cursos de iniciação, excursões e um bom campo para o impulso de iniciativas empreen- subaquáticas e serviços de câmaras hiperbáricas (simulador dedoras. de pressões a seco em ambiente controlado), recarga de botijas e venda ou aluguer de material. Em relação ao segundo tipo inicialmente citado, a oferta turística complementar ao sol e à praia, está a proliferar, a Por fim, quanto aos serviços turísticos para coletivos po- médio prazo, um tipo de instalações que, tendo como pano pulacionais, sobressaem os relativos à infância (áreas re- de fundo os parques de atrações aquáticas e baseando-se creativas, estadias desportivas ou educativas, acampamen- numa boa relação qualidade/preço, abrem diferentes pos- tos de Verão,...); à terceira idade (residências de novo tipo, sibilidades de emprego, sobretudo para os jovens. Estas ins- monitores de tempo livre, geriatras, terapia ocupacional,...); talações prestam ao utilizador/cliente uma completa gama à juventude (lugares de encontro e acolhimento e outros de serviços ligados ao lazer e costumam incluir um parque serviços especializados); às pessoas com incapacidade físi- aquático no sentido restrito, com atrações de última gera- ca ou psíquica (turismo especializado e serviços de entre- ção; instalações desportivas dando prioridade às modalida- tenimento); e aos grupos em situação de discriminação ou des que se podem praticar na própria praia; auditório para desigualdade, com referência aos quais a atividade turística atuações musicais; áreas recreativas e infantis com creche; se apresenta como um fator de inserção social e de supera- estabelecimentos de hotelaria e comerciais e zona de pas- ção de entraves e barreiras mentais. 44 número 4, 2007 - @local.glob @local.glob Entrevistas Roberto Smith Presidente do Banco do Nordeste do Brasil Antonio Muñoz Diretor-Geral de Planejamento e Ordenamento Turístico Secretaria de Turismo, Comércio e Desporte da Junta de Andaluzia, Espanha Entrevista ao Dr. Roberto Smith, Presidente do Banco do Nordeste do Brasil Reforçar o desenvolvimento socioeconômico no Nordeste do Brasil mediante o turismo A Região Nordeste do Brasil ocupa uma área territorial do tamanho da França, Itália, Reino Unido e Alema- FONTE: BNB Entrevista ao Dr. Roberto Smith, Presidente do Banco do Nordeste do Brasil nha combinados e tem uma população de 51 milhões de habitantes, ou seja, 28% da população brasileira, e um produto interno bruto de 93.6 bilhões de dólares dos Estados Unidos, maior do que o de países como o Chile. Estes dados evidenciam com grande eficácia a importância que reveste o Nordeste do Brasil não só a nível nacional mas para a toda a América do Sul. Nos últimos anos, o Nordeste do Brasil tornou-se não só num dos principais destinos turísticos a nível mundial mas também um daqueles que mais tem crescido, constituindo um dos principais setores econômicos da região chamando relevantes investimentos internacionais. É neste quadro que tentamos, com esta entrevista, abordar com o Presidente do Banco do Nordeste do Brasil (BNB), o maior banco de desenvolvimento regional da América Latina, as políticas e iniciativas levadas a cabo pelo banco em prol de um desenvolvimento turístico do Nordeste que seja sustentável economicamente, socialmente, ambientalmente e culturalmente. Sr. Presidente Roberto Smith, sabemos que o Nordeste é uma das regiões que apresenta os piores índices de desenvolvimento humano do Brasil e que, ao mesmo tempo, possui enormes potencialidades em níveis eco- modernização produtiva, notadamente em algumas áreas nômico, social e cultural. Que papel tem vindo a de- metropolitanas do Nordeste. Contudo, o panorama regio- sempenhar o Banco do Nordeste do Brasil S.A. (BNB), nal acompanhou a evolução da economia nacional, onde desde sua criação em 1952, na transformação da rea- a concentração pessoal e territorial da renda gerou dispa- lidade socioeconômica desta região? ridades intrarregionais e conseqüente exclusão social. Em termos agregados, o temor preconizado por Furtado de O Banco do Nordeste tem desempenhado um papel im- crescente perda na participação da renda nacional foi es- portante no financiamento do processo de integração da tabilizada, mas não mostrou um quadro de melhoria rela- economia regional à economia brasileira. Isso implicou, tiva sensível. No governo atual, iniciado em 2003, ocorreu juntamente com a agência de desenvolvimento SUDENE, uma inflexão no tratamento dado às prioridades sociais. criada por Celso Furtado, uma crescente industrialização e Os Programas do Fome Zero, da Bolsa Família associada 46 número 4, 2007 - @local.glob Entrevista ao Dr. Roberto Smith, Presidente do Banco do Nordeste do Brasil à educação, de Apoio à Agricultura Familiar, microcrédi- Nordeste - FNE, que se tem prestado a investimentos para to e inclusão bancária, além da recuperação do poder de micro, pequenas, médias e grandes empresas, contando compra dos salários e diminuição do desemprego, ge- com um patrimônio de 10 bilhões de dólares dos Estados raram efeitos no quadro de melhoria da distribuição de Unidos, com aporte anual de 1,5 bilhão de dólares. O Ban- renda e diminuição do contingente populacional situado co do Nordeste hoje é responsável por aproximadamente abaixo da linha de pobreza. Esse efeito ocorreu mais for- 70% do crédito aplicado em toda a região. temente na região Nordeste, e evidenciou-se na taxa de crescimento maior do Nordeste em relação ao resto do No turismo, por exemplo, a atuação técnica e financeira País. O Banco do Nordeste contribuiu nesse processo com do BNB vem habilitando a região Nordeste para atender a um volume expressivo de crédito à Agricultura Familiar demanda turística de hoje, não só na área de hotelaria, mas e ao microcrédito produtivo orientado, do qual se consti- na estrutura aeroportuária, na modernização da economia tui na maior instituição da América do Sul. O CrediAmigo regional e no fomento ao entretenimento e à cultura. Ou- emprestou cerca de 350 milhões de dólares dos Estados tro exemplo é a expressiva produção de grãos no cerra- Unidos em 2006 na forma de crédito em grupos solidá- do nordestino, decorrente de forte parceria do BNB com a rios para o setor informal urbano, e comunidades, e o Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA, AgroAmigo apresenta um vigoroso crescimento na área esforço que repercute favoravelmente para o superávit da rural. Isso faz do Banco do Nordeste uma instituição fi- balança comercial. nanceira reconhecida como de aptidão social e de apoio às políticas públicas de inclusão social. Sendo o BNB um Em suma, na opinião do grande economista brasilei- banco de desenvolvimento, sua ação, ao longo do tempo, ro Celso Furtado, o BNB, conjuntamente com a SUDENE, tem-se pautado na ação integrada da pesquisa da econo- contribuiu para melhorar o perfil socioeconômico das capi- mia regional com o financiamento adequado para o setor tais nordestinas, que nas décadas de quarenta e cinqüenta produtivo. Atualmente, o BNB, além do financiamento de eram desprovidas de serviços básicos e de recursos huma- estudos para o aperfeiçoamento tecnológico dos agentes nos para o desenvolvimento. A diferença do BNB em rela- produtivos da região, do financiamento da infra-estrutura ção aos bancos comerciais é a sua ação estruturadora para e setores dinâmicos da economia regional, atua na área o desenvolvimento dos setores produtivos da região, com o de projetos oriundos da sociedade organizada, no âmbito trabalho de seus agentes de desenvolvimento e de sua ação do desenvolvimento local, e na identificação de empreen- territorializada, cobrindo 1.775,4 mil Km², dos quais 974 mil dimentos solidários viáveis. Km² no semi-árido. O BNB vem investindo, por exemplo, em estudos, pesquisas e financiamento de geração de ener- Olhando para sua história, qual é, em sua opinião, gias limpas, a partir da mamona, cultura que se adequa ao o valor agregado de um banco público, como o Banco semi-árido nordestino e pode absorver grandes contingen- do Nordeste, neste processo de promoção do desenvol- tes de trabalhadores da agricultura familiar. vimento e o que distingue o BNB de outras instituições financeiras? Entrando na temática específica deste número da Revista @local.glob, o Nordeste tem apostado muito na Este valor agregado pelo Banco do Nordeste para a re- promoção turística do seu território. Sabemos que o gião tem sido significativo em mais de cinqüenta anos de BNB tem acompanhado esse esforço com ações espe- existência e é socialmente reconhecido. O Banco do Nor- cíficas como o Programa de Desenvolvimento do Turis- deste é chamado Banco Conterrâneo, e temos ressaltado mo no Nordeste (Prodetur/NE)1. Presidente, o senhor que cada centavo nele depositado é inteiramente recicla- pode nos explicar no que consiste o Prodetur e quais os do dentro da região, com os efeitos multiplicadores. Desde objetivos que o Programa pretende alcançar? a última constituição aprovada no país envolvendo a sua redemocratização, o Banco do Nordeste conta com um O Prodetur tem por objetivo geral reforçar a capacidade importante funding para operações de longo prazo e taxas da região Nordeste em manter, expandir e aperfeiçoar sua de juros mais baixas. Trata-se do Fundo Constitucional do crescente indústria turística, contribuindo assim para o de- Para mais informações sobre o Programa Prodetur/NE visite a seguinte página web: http://www.bnb.gov.br/content/aplicacao/PRODETUR/Apresentacao/gerados/apresentacao.asp. 1 @local.glob - número 4, 2007 47 Entrevista ao Dr. Roberto Smith, Presidente do Banco do Nordeste do Brasil FONTE: NUNO CASTRO bém do Ministério do Turismo. Com o intuito de reverter tal quadro de problemas, é necessário um esforço para formar e aprimorar um corpo técnico multidisciplinar para atuar num programa tão abrangente. Além disso, é importante considerar a necessidade de orientação corporativa quanto à gestão dos Conselhos de Turismo. Por fim, há que agir rapidamente para a implementação de um sistema mais ágil de gerenciamento do programa. Muitas vezes os investimentos turísticos provocam um impacto socioambiental negativo. Tal também tem acontecido em algumas localidades nordestinas. Como o BNB espera mitigar esses efeitos de forma a obter um O Nordeste possui a maior linha costeira de todo o Brasil: 3.300 Km de praias desenvolvimento turístico sustentável e respeitoso do território e da sua população? senvolvimento socioeconômico regional por meio de inves- O Banco do Nordeste tem sido muito cuidadoso em re- timentos em infra-estrutura básica, capacitação e estrutu- lação aos problemas ambientais, não somente no que se ração de serviços públicos em áreas planejadas através de refere ao Prodetur, mas também a todos os procedimentos Planos de Desenvolvimento Turístico Integrado e Sustentá- de financiamentos. Nesse sentido, observa rigorosamente vel – PDTIS. Esses Planos são estruturados pelos governos os requisitos de licenciamento vigentes. Contudo, a ques- estaduais e submetidos à aprovação por Conselhos com tão ambiental de modo geral ainda se encontra mal resol- participação da sociedade civil organizada. O Banco do vida no país restando muito a ser feito, dentro de padrões Nordeste é o gestor do Programa, já tendo terminado sua realistas e de efetividade. O Banco mantém uma linha de primeira fase e iniciado a segunda, que conta com recursos apoio e reciprocidade com o Ministério do Meio Ambiente da ordem de 240 milhões de dólares dos Estados Unidos do e tem sido reconhecido como importante vetor de luta pela BID e 160 milhões de dólares do Governo Federal, através preservação ambiental e da cultura regional. do Ministério do Turismo e dos Estados, como contrapartida. Esses recursos já se encontram totalmente comprome- Para o sucesso das experiências de turismo sustentá- tidos, estando em fase de liberação à medida que as ações vel é crucial a participação e o engajamento dos atores e obras sejam contratadas pelos Estados. socioeconômicos locais. Que importância dá o BNB ao estabelecimento de alianças estratégicas com os atores Quais são as principais dificuldades que o Prodetur locais nas suas atividades? tem encontrado para a obtenção destes objetivos e o que tem sido feito para evitá-las? O Prodetur é um programa complexo e multissetorial, pois compreende componentes bem abrangentes. A sua O Prodetur tem apresentado alguns problemas como a re- matriz institucional prevê a participação do Governo Fede- duzida capacidade de endividamento e/ou pagamento dos ral (Ministério do Turismo), dos Estados e dos Municípios, Estados submutuários; inserção dos municípios no proces- do BNB e do Conselho de Turismo, este último considerado so de planejamento e execução, com o objetivo de garantir a instância de participação da sociedade no Programa. Nos a apropriação dos investimentos e compromisso com a sua últimos quatro anos, o BNB tem buscado um permanente e sustentabilidade e manutenção. Associados a esse proble- construtivo diálogo com os diversos agentes que compõem ma, tem-se observado uma demorada tramitação no pro- a sociedade civil organizada, não só no Prodetur mas em cesso de elegibilidade por parte dos submutuários e uma todos os programas estruturantes do Banco. Os resultados persistente burocracia das condições e dos processos de começam a aparecer na medida em que as relações de con- desembolso. Ademais, ainda não se dispõe de um eficiente fiança começam a se converter em capital social. Esta é a sistema de informações estratégicas e de mercado a res- chave para potencializar os investimentos do BNB na re- peito do setor. Esse tem sido nosso entendimento e tam- gião, inclusive os do Prodetur. 48 número 4, 2007 - @local.glob Entrevista a Antonio Muñoz, Secretaria de Turismo, Comércio e Desporte da Junta de Andaluzia, Espanha Diferenciação e sustentabilidade na Andaluzia: os desafios de um destino turístico consolidado A Andaluzia é um dos destinos turísticos mais importantes e afirmados do Sul da Europa, contando com importantes atrativos turísticos, entre os quais se destaca o seu extenso litoral, o que a fez merecer, durante décadas, o título de “destino preferencial dos turistas europeus”. FONTE: JUNTA DE ANDALUZIA Entrevista a Antonio Muñoz Diretor-Geral de Planejamento e Ordenamento Turístico Secretaria de Turismo, Comércio e Desporte da Junta de Andaluzia, Espanha O turismo de sol e praia, cujo ex-libris é a Costa do Sol, é um dos modelos de desenvolvimento turístico de referência desde a década de sessenta. Há alguns anos que se está a fazer um importante esforço para mostrar o enorme potencial turístico que, na opinião do Governo Regional, este extenso território possui. A Andaluzia conta com um rico meio natural, rural e urbano, que comprova a teoria de que o desenvolvimento turístico desta região ainda está no seu começo. Os esforços realizados pela Secretaria de Turismo no seu conjunto, estão a concentrar-se em várias frentes, constituindo o denominador comum da ação da Secretaria, a busca de um te da economia regional, o que é comprovado pelos núme- desenvolvimento equilibrado e respeitador da atividade turísti- ros. Visitaram a Andaluzia, durante o ano passado, quase ca com o meio envolvente em que esta atividade se desenvol- 25 milhões de turistas, tendo-se registado 44 milhões de ve, garantindo assim a preservação do meio ambiente e um dormidas em estabelecimentos hoteleiros e 15,5 milhões de espaço privilegiado para a cultura local. A criação de riqueza viajantes alojados. Deste modo, o ano 2006 terminou com e de emprego é outro dos objetivos estratégicos da política do receitas para o turismo de mais de 15 mil milhões de euros Governo desta região autônoma, sendo a atividade turística, (e com quase 400.000 andaluzes e andaluzas empregados sem lugar para dúvidas, um dos catalisadores essenciais com neste setor). Desta forma, deduz-se que a atividade turística os quais a Andaluzia conta para atingir este crescimento. na Andaluzia representa já mais de 12% do nosso PIB. Sr. Muñoz, considera o turismo na Andaluzia como Quais são as linhas essenciais, que estão a ser impul- um dos principais motores do desenvolvimento social sionadas pela Direção-Geral que dirige, para garantir e econômico? Porquê? um desenvolvimento planificado e ordenado da atividade turística na Andaluzia? Claro que sim. Eu diria mais, na Andaluzia a atividade turística apresenta-se como o setor produtivo mais importan- @local.glob - número 4, 2007 Estas linhas encontram-se reconhecidas no Plano Geral 49 Entrevista a Antonio Muñoz, Secretaria de Turismo, Comércio e Desporte da Junta de Andaluzia, Espanha de Turismo Sustentável da Andaluzia 2008-2011, que será mento de destinos turísticos competitivos, sustentáveis e aprovado durante o presente ano. O atual contexto turís- com perspectivas de sucesso. Deste modo, o acordo com os tico, caracterizado por circunstâncias mutáveis, por pers- agentes econômicos e sociais constitui uma das principais pectivas de crescimento excepcionais e pelas novas ten- características da atual política turística andaluza. Assim, dências da procura e da oferta turística, provocou, no seio esta Secretaria, a Confederação de Empresários da Anda- da Secretaria de Turismo, Comércio e Desporte da Junta luzia e os sindicatos UGT - Andaluzia e a CCOO - Andalu- de Andaluzia e em todos os agentes que integram a or- zia assinaram, em 2005, o III Pacto Andaluz para o Turismo ganização turística andaluza, uma profunda reflexão sobre com o objetivo de desenvolver um modelo turístico susten- o modelo de desenvolvimento turístico a adotar na nossa tável do ponto de vista econômico, ambiental e social. O região. seguimento e o desenvolvimento do Pacto foram atribuídos à Mesa do Turismo Andaluz, que se configura como um im- Esta reflexão concentrou-se em torno das caracterís- portante órgão consultivo, constituído pela administração, ticas do atual contexto turístico e dos principais fatores empresários e sindicatos e cujas reuniões se realizam men- que determinam a nossa competitividade no mesmo. Tudo salmente. isto justifica a elaboração do novo Plano Geral de Turismo Sustentável 2008-2011, que, com um orçamento próximo dos 830 milhões de euros, se configurará como o quadro E, em relação aos instrumentos normativos? Quais adequado através do qual se desenvolverão, nos próximos são os principais esforços que estão a ser levados a cabo anos, as políticas turísticas andaluzas. É um Plano que pela Secretaria de Turismo, Comércio e Desporte? conferirá à atividade turística um papel essencial para o desenvolvimento da Andaluzia, assumindo o importante Partiremos da premissa de que os objetivos básicos des- desafio de refletir as profundas mudanças observadas na tas normas são enquadrar e regular a atividade turística, atual procura turística, acompanhando o ritmo do cresci- delimitando-a e dotando-a de um valor acrescido. Durante mento, a capacidade de acolhimento dos espaços turísti- a atual legislatura e para completar a regulação em maté- cos, tomando medidas para reduzir a sazonalidade turís- ria de alojamentos hoteleiros, impulsionámos o Decreto dos tica e potenciar a criação de novos e atrativos produtos Apartamentos Turísticos com o objetivo de esclarecer, atu- turísticos. alizar e reunir num único texto autônomo a anterior dispersa e confusa normativa sobre este tipo de alojamentos Este ambicioso Plano tem como objetivos básicos: redefi- turísticos. Também foi aprovada a modificação do Decreto nir a posição competitiva da Andaluzia com base nas novas do Município Turístico, que se baseia na exclusão da segun- tendências do mercado turístico internacional, adequar a da residência como circunstância habilitante à declaração estrutura produtiva do setor turístico andaluz às novas ne- de Município Turístico. Assim, foram declarados como tu- cessidades do mercado e melhorar a coerência e eficácia na rísticos, durante a atual legislatura, onze municípios an- atuação conjunta de todos os agentes envolvidos no setor. daluzes. Por último, mencionar as Ordens do Ecoturismo, que regularão, por um lado, as condições sob as quais se desenvolverá o exercício desta atividade e, por outro, esta- Para dar consistência à política turística na Anda- belecer as atividades integrantes do ecoturismo. luzia, é necessária a combinação de dois elementos importantes: a colaboração público-privada e a articulação de instrumentos normativos que regulem o desenvolvimento turístico. A procura da Andaluzia, como destino turístico, goza de excelente saúde. Contudo, gostaríamos de saber a A respeito da colaboração pública-privada, quais são sua opinião sobre as melhorias que considera neces- as principias iniciativas e espaços de discussão que fo- sário implementar para garantir a quota de procura ram criados pela Secretaria de Turismo, Comércio e atual? E sobre que mercados e segmentos estão a tra- Desporte para estimular e agilizar o diálogo? balhar atualmente para aumentar a procura turística? No novo cenário turístico mundial, uma estreita colabo- Para manter e inclusive melhorar a nossa posição privi- ração entre a administração pública e a iniciativa privada legiada no mercado turístico internacional, é fundamental constitui um requisito indispensável para o desenvolvi- pôr em marcha uma política turística baseada na diferença, 50 número 4, 2007 - @local.glob Entrevista a Antonio Muñoz, Secretaria de Turismo, Comércio e Desporte da Junta de Andaluzia, Espanha na identidade e na idiossincrasia andaluza. Todos concor- Em função dos objetivos estratégicos do Plano, que damos que são estes os elementos mais valorizados por tipos de produtos turísticos são necessários criar, em quem nos visita e os que em maior grau contribuem para sua opinião, para completar uma oferta turística dife- fazer da estadia dos turistas, que anualmente visitam a renciada e competitiva? nossa região, uma experiência única e irrepetível. Relativamente aos mercados, determinámos como objetivo consoli- Não gostaria de ser excessivamente reiterativo, mas dar a nossa já privilegiada posição nos principais mercados considero que a idéia da diferenciação é essencial como emissores de turistas da Andaluzia: o mercado nacional, o premissa fundamental para a criação de novos produtos Reino Unido, a Alemanha e a França. Pretendemos igual- turísticos capazes de responder aos gostos e expectativas mente captar novos mercados, como o chinês, que se confi- do turista atual. No novo cenário turístico internacional, gura como um dos mercados com maior potencial de cres- caracterizado por uma crescente concorrência internacio- cimento nos próximos anos. Também aspiramos melhorar nal, o mercado turístico europeu começa a dar sinais de a penetração em mercados emissores clássicos, tais como saturação e apresenta condições de degradação progressi- a Áustria, a Bélgica, a Holanda, os países nórdicos, os E.U.A va dos destinos baseados em produtos convencionais, com ou o Canadá. Paralelamente, estabelecer-se-ão ações, por argumentos de venda suportados no preço ou em fatores segmentos de mercado, atendendo à sua rentabilidade só- facilmente reproduzíveis por outros destinos. Desta forma, cio-econômica, à sua contribuição e à sua não sazonabili- os representantes do setor público e do privado estão de dade; assim, concentraremos os maiores esforços nos seg- acordo sobre a conveniência da Andaluzia pôr em marcha mentos do turismo cultural, do golfe, rural e interior e da uma política turística baseada na diferença. No conglome- saúde e beleza, entre outros. rado turístico andaluz, os produtos únicos e irrepetíveis devem ter um peso cada vez mais importante e para tal é necessário um esforço organizado, concertado e planifica- Este tipo de oferta que está a delinear, suficiente- do, uma política turística que incorpore todas estas impor- mente segmentada e diferenciada, tem ao mesmo tem- tantes reflexões e mobilize recursos econômicos e esforços po a capacidade de valorizar o alto potencial turístico adequados. deste território? O território andaluz devido à sua dimensão, à riqueza Poderia indicar-nos as principais medidas que estão do seu patrimônio cultural, natural e paisagístico e ao “sa- a adotar para minimizar o impacto da sazonalidade ber-fazer” do nosso setor propiciou o desenvolvimento de turística? Da mesma forma, quais são as principais li- onze segmentos turísticos principais: Sol e Praia, Cultural, nhas de trabalho que estão a impulsionar para conso- Rural e Natural, Reuniões, Saúde e Beleza, Golfe, Despor- lidar a não sazonalidade da atividade turística? to e Aventura, Náutico, Idiomático, Social e de Cruzeiros. Isto contribuiu, sem dúvida, para o desenvolvimento de Recentemente, apresentámos um Plano específico vi- uma oferta turística com um elevado grau de diversifica- sando minimizar os efeitos negativos da concentração da ção. Quanto à diferenciação, é importante sublinhar que atividade turística nos meses de Verão, ou seja um Plano alguns segmentos turísticos souberam diferenciar os seus estratégico para incrementar a ocupação na época baixa. produtos melhor do que outros. Assim, segmentos como Este Plano contém estratégias para a procura, a oferta e o cultural ou o rural e o interior são, na minha opinião, os para os segmentos de mercado. Estas estratégias concen- mais autênticos e diferenciados. Por outro lado, o segmen- tram-se nas atuações em campanhas de comunicação di- to de Sol e Praia talvez seja o mais padronizado. De qual- rigidas aos mercados com modelos de férias diferentes dos quer forma, na administração turística andaluza pensamos nossos, campanhas publicitárias dirigidas à captação de que devem ser dirigidos todos os esforços para a criação turistas com maior poder de compra que tendem a con- de produtos turísticos autênticos, capazes de incorporar ao centrar as suas férias em períodos fora dos meses estivais. máximo os elementos da nossa cultura e do nosso patri- Relativamente às empresas turísticas, temos impulsionado mônio. Desta forma, o Plano Geral de Turismo Sustentável linhas de fomento orientadas a promover a reengenharia e da Andaluzia 2008-2011 faz eco desta afirmação e faz da a otimização de processos entre as empresas do setor, per- diferenciação um elemento fundamental do novo modelo mitindo-lhes obter a máxima eficiência produtiva ao menor de desenvolvimento turístico da nossa região. custo, minimizando assim os efeitos negativos da sazona- @local.glob - número 4, 2007 51 Entrevista a Antonio Muñoz, Secretaria de Turismo, Comércio e Desporte da Junta de Andaluzia, Espanha lidade. Também lançámos uma campanha de promoção que desenvolvem esta atividade. Como valoriza o nível dirigida a pessoas com mais de 55 anos, que podem be- de profissionalização do setor turístico na Andaluzia? neficiar de importantes descontos em alojamentos hoteleiros, principalmente no litoral, caso decidam viajar durante Trata-se de uma área na qual existe margem para me- os meses da época baixa. Na estratégia dos segmentos, lhorar. Neste sentido, devemos concentrar as nossas ações abundam as ações dirigidas a estimular a comercialização para que propiciem um aumento da estabilidade e da qua- daqueles produtos turísticos que favorecem a atração de lidade do emprego no setor. Tal é especialmente necessá- segmentos da procura menos afetados pela sazonalidade; rio no espaço turístico do litoral, onde se produzem fortes turismo cultural, golfe, rural e de interior, da natureza, náu- oscilações entre os níveis de ocupação no Verão e o resto tico ou idiomático, entre outros. do ano, dificultando a estabilidade e a profissionalização do emprego no setor turístico. Os segmentos alternativos ao sol e à praia incorporam exigências maiores de espe- A qualidade é um dos elementos que marca com mais cialização, a que é preciso atender mediante políticas de força a diferença entre os destinos turísticos. Como va- formação específicas. Trata-se de melhorar a qualidade no loriza a qualidade do destino turístico da Andaluzia? emprego proporcionando um maior nível de operação anual recorrente. Nos últimos dez anos, a oferta turística andaluza desenvolveu-se de forma notável, sobretudo no respeitante ao alojamento em hotéis de 4 e 5 estrelas e aos estabeleci- Existe diálogo entre o crescimento urbanístico e a mentos de restauração de alta categoria. No entanto e planificação turística? Poderia indicar-nos os prin- dado o crescente nível de exigência do turista atual re- cipais instrumentos de coordenação em que estão a lativamente à qualidade dos serviços turísticos no desti- trabalhar para articular um crescimento coordenado no, devemos estar conscientes de que, cada vez mais, o e sustentável? cliente considera a qualidade como um elemento inerente à sua estadia. Por isso, não nos podemos permitir cair na O Plano Geral de Turismo Sustentável 2008-2011 prevê, auto-complacência quanto aos níveis de qualidade alcan- entre os seus objetivos principais, melhorar a coerência e çados pelos nossos estabelecimentos turísticos e devemos a eficácia na atuação conjunta das diferentes administra- pensar na melhoria da qualidade dos serviços prestados ções públicas, cujo âmbito de competências possa de al- nos nossos destinos como um processo contínuo. Neste guma maneira incidir na atividade turística. Deste modo, sentido, também destacaria o Plano de Qualidade Turís- previu-se uma linha de ação dirigida ao estabelecimento de tica da Andaluzia 2006-2008 que reflete o desafio assumi- um quadro de atuação comum entre as políticas turísticas do por esta Secretaria de impulsionar, apoiar e promover e a de ordenamento do território, o urbanismo e as obras as iniciativas de qualidade necessárias para assegurar públicas. No novo modelo turístico andaluz, a ação con- a boa saúde do setor num mercado em mudança e com sensual e a ligação da atividade turística ao ordenamento crescente competitividade. Este plano configura-se como do território ocupará um papel central na configuração do a primeira grande ação setorial em matéria de qualidade espaço turístico. turística realizada na Andaluzia, enfrentando-a de forma integral e projetando ações de melhoria sobre todos os A convergência de políticas turísticas com o ordenamen- elementos que influem, direta ou indiretamente, sobre o to do território realizar-se-á pelo menos a dois níveis. Por desenvolvimento da atividade turística. Em definitivo, o um lado, estabelecer-se-ão linhas de atuação consensuais Plano de Qualidade Turística 2006-2008 traça a rota a se- na definição dos elementos básicos de regulação normativa guir pelas administrações públicas e pelo setor privado e dos critérios gerais de planificação do espaço turístico e, para que a nossa região se afirme como um destino turís- por outro, a Secretaria de Turismo, Comércio e Desporte tico de referência em matéria de qualidade. terá uma participação ativa na formulação dos planos de ordenamento correspondentes, facilitando a melhoria do ordenamento do território do ponto de vista turístico e fa- Para alcançar a qualidade, são necessários entre ou- vorecendo a transposição para o mesmo dos critérios de tros aspectos, a máxima profissionalização do setor e qualidade ambiental associados a um modelo de desenvol- o aumento das competências profissionais das pessoas vimento turístico sustentável. 52 número 4, 2007 - @local.glob @local.glob @global … @local •II Congresso Mundial de CGLU As cidades mudam e transformam o mundo •Philippe Caparros - Como medir o impacto econômico da frequência turística de um destino •Fanny Kauffman - Emprego turístico e micro-empresas, uma alternativa para os países em desenvolvimento •Claudia Toselli - O turismo cultural como instrumento de desenvolvimento local •Alfredo Somoza - Por um turismo responsável e solidário: a experiência italiana @global...@local - Cidades e Governos Locais Unidos Cidades e Governos Locais Unidos II Congresso Mundial, Jeju, Coréia do Sul Mensagem oficial da Presidência da CGLU Publicado em: http://www.cities-localgovernments.org “2 28-31 de Outubro de 2007 Maiores informações disponíveis em: http://www.uclg2007jeju.org 007 é um ano de grande valor simbólico. Pela primei- para intercambiar com homólogos de todo o mundo as me- ra vez, mais de metade da população mundial vive em lhores praticas na gestão dos assuntos que afetam as cidades. zonas urbanas, e somente pela segunda vez reunir-se-ão os Representantes do setor privado também estarão presentes no representantes da maior e mais representativa organização Congresso, com os quais se poderá discutir sobre as oportuni- dos governos regionais e locais do mundo no II Congresso dades reais de colaboração entre o setor público e privado. Mundial da CGLU, no qual serão tratadas questões relativas a esta migração urbana sem precedentes. Temos pela frente Desde a sua constituição, em Maio de 2004, a CGLU tem um grande desafio que exige compartir os conhecimentos, a trabalhado incansavelmente para que o governo local tenha experiência e o entusiasmo de todos os membros e colabora- uma função consultiva formal no seio das Nações Unidas. dores da CGLU em Jeju, para assim chamar a atenção da co- Acreditamos que as Nações Unidas só poderão desenvolver munidade internacional sobre o inquestionável potencial dos políticas internacionais realmente eficazes se consultar os governos locais e sobre a sua atuação exemplar no momento atores com a experiência e os conhecimentos necessários de resolver os problemas que afetam toda a população. na aplicação dessas políticas no terreno: os prefeitos (presidentes das câmaras municipais) e os governos locais. O lema do Congresso, ‘as cidades mudam e transformam o mundo’, reflete o dinamismo das autoridades locais de Os esforços da CGLU foram recompensados com alguns todos os níveis, assim como a importante função que desem- progressos que constituem sucessos reais nas suas rela- penham. O nosso objetivo é o de focalizar-nos sobre alguns ções, tais como a adoção das Diretrizes Internacionais so- aspetos chave da governança mundial em que acreditamos bre a Descentralização. Tal constitui um grande avanço no que é imprescindível o envolvimento das autoridades locais: estabelecimento de um quadro internacional de referência e no reconhecimento do papel dos governos locais na agenda • As cidades, o futuro da humanidade, fazer face às mu- dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio. danças climáticas. • Diplomacia das cidades: os governos locais constroem a paz. • 2015: um mundo melhor é possível! Os governos locais numa nova governança mundial. Ao longo dos últimos três anos, demos continuidade à nossa missão de analisar os progressos da democracia local. O Primeiro Relatório Mundial da CGLU sobre a Descentralização e a Democracia Local será apresentado no Congresso Mundial que será celebrado em Jeju. O objetivo do relatório Também se realizarão sessões paralelas com o objetivo é o de avaliar de forma periódica a evolução da democracia de procurar soluções concretas aos problemas comuns. Os local e da descentralizarão em todo o mundo, assim como workshops focalizarão as questões relacionadas com a gestão os obstáculos que impossibilitam o seu desenvolvimento. diária dos governos locais, entre as quais podemos mencionar No relatório – o primeiro do seu gênero - analisar-se-á ain- a promoção do acesso aos serviços básicos, facilitar a mobi- da as tendências tendo por finalidade entendê-las e prever lidade, garantir a inclusão social, realizar um planejamento como estas se desenvolverão no futuro. de contingência face às pandemias, e muitas outras. Nestes workshops, os participantes terão a oportunidade de ouvir as Em Jeju se estabelecerá a agenda global da CGLU para os experiências dos outros governos locais nestas áreas, assim próximos três anos e serão delineadas as diretrizes para a como poder comentar as próprias. O Congresso Mundial é uma mudança sustentável em todo o planeta. Esperamos vê-los oportunidade inigualável para estabelecer redes de contatos e em Jeju, ajudando-nos construir o futuro da humanidade.” 54 número 4, 2007 - @local.glob @global...@local - Como medir o impacto econômico da frequência turística de um destino Como medir o impacto econômico da frequência turística de um destino Philippe Caparros Especialista em Economia Turística e Assessor do Programa Delnet Diretor Adjunto de Kanopée Consultants http://www.kanopee.eu/ O investimento territorial destinado à criação de rios: tipo de atividade, número de empresas, número de destinos turísticos reconhecidos reforça a sua trabalhadores (dependentes ou por conta própria, contra- atração e propícia a chegada de visitantes, sejam tos permanentes ou temporários). Uma vez estabelecida a excursionistas (visitas de um dia) ou turistas (estadias de «população» base, dever-se-á medir o impacto da frequên- maior duração). cia sobre o volume de atividade das empresas e sobre o nível de emprego. A frequência turística repercute-se de muitas e diversas formas na economia do destino (um local de interesse, um O cálculo destes impactos tem um duplo objetivo: por um município ou uma região). Estas consequências podem ser lado, determinar a percentagem de atividades turísticas na tanto positivas como negativas. A frequência turística con- economia do território objeto do estudo e, por outro, ava- tribui para preservar o patrimônio identitário do território liar a pertinência do investimento público no turismo em e para criar riqueza, mas também exige um maior investi- relação aos resultados obtidos. mento na economia local (equipamentos, infra-estruturas e serviços públicos). Impacto da frequência turística nas empresas As repercussões econômicas da frequência de um desti- locais no podem ver-se a partir de diversos prismas: A chegada de turistas ou excursionistas a um destino exi• consequências para as empresas; ge, por si só, uma maior atividade em diversas categorias • consequências para o emprego; de empresas. Conforme as características do território • consequências para as administrações locais. (costa, montanha, campo), as empresas pertencem a diferentes categorias (por exemplo, portos de recreio na costa Neste artigo, iremos analisar como podemos avaliar os e dispositivos mecânicos nas estações de esqui). impactos atuais ou previsíveis da frequência turística de um destino. Os estudos já efetuados em França, através deste método, dão relevância ao fato da frequência turística dos desti- A primeira etapa do método, mas também a mais importante, consiste em recompilar os dados necessários para nos afetam entre 75 a 100 atividades diferentes, em função das características de cada destino. avaliar as consequências econômicas da frequência turística, já que esta não tem a mesma repercussão em todas Para medir o impacto da frequência turística sobre as as atividades. Adicionalmente, a frequência turística afeta empresas locais, procede-se do seguinte modo: Em pri- diversas categorias de atividades e não se circunscreve es- meiro lugar e depois de preparar um arquivo das empresas pecificamente à atividade turística. afetadas pela frequência turística do território, há que as classificar numa destas três categorias: Assim, é aconselhável criar uma base de dados da oferta econômica local em função das diferentes categorias 1.Atividades turísticas: nestas atividades, o volume de atividades, classificando-a segundo os seguintes crité- de negócios procede integralmente da frequência tu- @local.glob - número 4, 2007 55 @global...@local - Como medir o impacto econômico da frequência turística de um destino rística. Trata-se fundamentalmente de alojamentos não apenas o volume de negócios adicional gerado pela comerciais, já que, por definição, um turista é quem frequência turística, mas também o valor adicional glo- passa pelo menos uma noite fora do seu domicílio, bal, a percentagem de margens adicionais e, portanto, a ainda que também se incluam, segundo os destinos, contribuição da frequência turística na rentabilidade das as empresas de dispositivos mecânicos ou as estações empresas. de esqui integradas (resorts), as empresas gestoras de portos de recreio, clubes de férias. Os estudos levados a cabo em França relativos a esta questão, em municípios, departamentos ou regiões, chega- 2.Atividades semi-turísticas: nestas atividades, uma ram às seguintes conclusões: parte importante do volume de negócios e do emprego está ligada à frequência turística. Trata-se principal- • o volume de negócios gerado pelas atividades semi-tu- mente das atividades de recreio, locais de visita, bares rísticas e pelas atividades residentes é mais elevado do e restaurantes. que o das atividades exclusivamente turísticas; • em consequência, uma diminuição da frequência turís- 3.Atividades residentes: nestas atividades, o volu- tica dos destinos é muito mais prejudicial para as ativi- me de negócios depende na sua maior parte dos re- dades residentes do que para as atividades turísticas; sidentes do território, embora a frequência turística • a frequência turística propicia a criação de novas em- proporcione um impulso mensurável à manutenção presas no território, mas principalmente no âmbito das do negócio e à criação de emprego estável. Trata-se atividades semi-turísticas; principalmente de pequenos comércios alimentares, • a frequência turística favorece o aumento do volume supermercados, lojas de roupa e acessórios, comér- de negócios das atividades residentes. Em particular cios não alimentares (tabacarias, quiosques, presen- no meio rural, a frequência turística contribui para a tes, recordações), serviços de transporte (transportes manutenção do comércio e dos serviços que teriam de- públicos, táxis), os serviços recreativos e alguns ser- saparecido, caso não tivessem beneficiado desta ativi- viços prestados a particulares (fotografia, lavanderia, dade adicional. cabeleireira, farmácia…). Para calcular o impacto da frequência turística no volu- Impacto da frequência turística no emprego me de negócios destas empresas, há que avaliar o volume de negócios global das empresas afetadas (cruzando, Para calcular o número de postos de trabalho ligados à fre- por exemplo, os dados com os arquivos das câmaras de quência turística nas empresas de destino, basta aplicar ao comércio ou realizando uma pesquisa a uma amostra de número total de empregos o mesmo índice utilizado para o empresas). Em seguida, há que determinar a percentagem volume de negócios, a partir da base de dados estabelecida do volume de negócios total gerado pela frequência turísti- anteriormente (número de empresas por atividade, núme- ca. Este dado só se pode averiguar mediante uma pesquisa ro total de trabalhadores e volume de negócios). a uma amostra de empresas. Sem dúvida, que existe uma ligação direta entre o voNo geral, a percentagem para as três categorias mencionadas é a seguinte: lume de negócios das empresas de serviços e as suas necessidades em matéria de recursos humanos. Portanto, se aplicarmos a percentagem de postos de trabalho criados • nas atividades turísticas, a percentagem do volume de negócios atribuível ao turismo atinge os 100%; devido à frequência turística ao número total de trabalhadores, obteremos o número de empregos turísticos gerados • nas atividades semi-turísticas, oscila entre 40 e 80%; por essa frequência turística. Dependendo da localização • nas atividades residentes, é inferior a 20%. das empresas, esta taxa de emprego turístico variará para uma mesma atividade. Se se realizar uma pesquisa e ex- Quantos mais dados concretos forem recolhidos sobre trair uma média por atividade, obter-se-á um rácio especí- as empresas objeto de estudo, mais exatos serão os re- fico do território objeto do estudo. No caso das atividades sultados. Por conseguinte, aplicando índices sobre os da- semi-turísticas, se tomarmos como exemplo um restauran- dos reais de gestão das empresas, poderemos determinar te, a percentagem do volume de negócios e dos postos de 56 número 4, 2007 - @local.glob @global...@local - Como medir o impacto econômico da frequência turística de um destino trabalho criados devido à frequência turística não será a impostos: mesma se o restaurante estiver situado na orla marítima ou numa zona industrial. Portanto, convém determinar os • imposto de sociedades; índices médios tomando em consideração a localização • imposto sobre as atividades econômicas; das empresas afetadas no território para dispor de dados • imposto sobre o valor agregado (IVA); relativamente fiáveis. • imposto sobre bens imóveis; • imposto sobre a hotelaria. Estas são as principais conclusões extraídas dos estudos levados a cabo em França: Em França, o índice que se costuma utilizar para estabelecer o incremento favorável resultante da frequência tu- • O tamanho médio das empresas turísticas em função do número de trabalhadores é de 2 a 3 empre- rística equivale a 3,5% do volume de negócios gerado pela frequência turística. gos equivalentes a tempo inteiro, dos quais menos de metade são trabalhadores dependentes. Portanto, as Este incremento da renda fiscal local costuma destinar- empresas que beneficiam da frequência turística são se ao desenvolvimento de serviços, ao aumento da quali- aquelas micro-empresas que mais postos de trabalho dade de vida ou à promoção do destino (financiamento dos criam. Postos de Turismo), mas também à criação das infra-es- • Costumam tratar-se de postos de trabalho a tempo parcial, sazonais e com contratos precários. • A atividade que cria mais emprego turístico é a hotela- truturas necessárias ao turismo: rede viária, saneamento, serviços municipais de limpeza, transportes, conservação e proteção de meios naturais… ria, mas o segundo empregador turístico nos destinos é o comércio alimentar. Tal significa que, se diminui a frequência turística, o impacto negativo sobre o em- Lições aprendidas e utilização estratégica prego afetará em primeiro lugar a empresas que não estão diretamente ligadas ao turismo (residentes). A aplicação deste método oferece uma ferramenta de ajuda • Apesar das empresas turísticas (alojamento) perten- à tomada de decisões em matéria de investimento público cerem geralmente a grandes grupos (nacionais ou in- para o desenvolvimento do turismo. Implica uma série de ternacionais) cujo pessoal é proveniente do exterior, reflexões, que devem integrar-se nas estratégias públicas a população local ocupa a maior parte dos empregos de desenvolvimento: nas atividades semi-turísticas e residentes. • A frequência turística de um território permite criar • não se pode desenvolver turismo em qualquer lugar. novos postos de trabalho ou emprego estável em nu- Nos setores ou municípios nos quais o número de em- merosas atividades residentes e não apenas nas ativi- presas que poderiam beneficiar da frequência turísti- dades exclusivamente dedicadas ao turismo. ca é demasiado baixo (menos de 10 a 15 empresas), o investimento público não contribuirá para criar um volume de negócios e de emprego suficientes (efeito de Impacto positivo para as administrações locais alavanca insuficiente para a atividade privada); • por isso, é importante investir onde já exista uma fre- Nos dois casos anteriores, o impacto do turismo era quência espontânea significativa, para otimizar o im- direto, enquanto no caso das administrações locais a pacto da intervenção pública; repercussão é indireta. Quanto maior for o volume de • é fundamental evitar que se dispersem os meios e negócios, mais impostos as empresas pagarão à admi- concentrar investimentos capazes de criar riqueza e nistração local. Nos destinos turísticos, onde o número emprego direto (alojamentos, qualidade de vida, ati- de empresas é maior que noutros territórios, esta arreca- vidades de recreio e lugares de interesse). O emprego dação adicional constitui uma importante fonte de renda indireto virá depois, de forma espontânea, à volta de para a administração local. Conforme os países e seus projetos estruturantes financiados de forma total ou respectivos regimes fiscais, entram em jogo os seguintes parcial pelas administrações locais. @local.glob - número 4, 2007 57 @global...@local - Emprego turístico e micro-empresas: uma alternativa para os países em desenvolvimento EMPREGO TURÍSTICO E MICRO-EMPRESAS: UMA ALTERNATIVA PARA OS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO Fanny Kauffman Especialista em marketing turístico Consultora de Kanopée Consultants http://www.kanopee.eu/ Situação do emprego turístico no mundo O turismo, que representa 10% do PIB mundial, é a segunda maior indústria depois da automobilística e um dos maiores empregadores, com 230 milhões de postos de trabalho em todo o mundo. Trata-se de uma atividade transversal, que abrange diversas esferas da economia, para além da prestação de serviços diretamente ligada ao turismo propriamente dito. Com efeito, o turismo é um fator de dinamização de outros setores, tais como a agricultura, a pesca, ou o artesanato e outras atividades de produção de bens e serviços que apareceram para dar resposta às necessidades dos turistas. Graças ao turismo, que cria novas oportunidades, estas atividades são mais produtivas e rentáveis, o que explica a importância e o potencial que este setor representa para o desenvolvimento dos países do Sul. Se não há dúvida que o turismo é um setor gerador de renda e de postos de trabalho, como se explica que ainda persista o subdesenvolvimento em países abertos ao turismo há várias décadas? Entre as principais razões apontadas destaca-se um fator determinante: a concentração desta atividade nas mãos dos grandes operadores turísticos internacionais, o que explica o limitado impacto econômico do turismo nos países de destino. Organização atual dos postos de trabalho no setor turístico dos PVD (Países em Vias de Desenvolvimento): a onipresença dos operadores turísticos internacionais. Sem dúvida que os operadores internacionais do setor turístico e, em particular, as grandes cadeias hoteleiras e os operadores do setor imobiliário ligado às férias são atualmente os principais motores do desenvolvimento dos destinos turísticos. Dispõem dos meios financeiros necessários para criar infra-estruturas turísticas e controlam as redes de comunicação que dão origem aos fluxos de visitantes. Quando se implantam num território, estas empresas trazem capitais e know-how que propiciam o desenvolvimento da indústria turística e, por conseguinte, são benéficas para o lugar de destino. Contudo, a maioria destas empresas tem sede num país estrangeiro, pelo que a maior parte das receitas de exploração sai para fora do território. A população local não costuma ter acesso a cargos de responsabilidade, melhor remunerados e ocupados pelos empregados da empresa mãe ou por um núcleo de diretores expatriados. Os postos de trabalho ocupados pela população local costumam ser precários e escassamente remunerados, visto que as empresas tratam de rentabilizar ao máximo o seu investimento, em particu- 58 lar através da redução dos custos de pessoal. A maior parte destes empregos consiste em tarefas pesadas e de pouca responsabilidade que, em última análise, apenas a longo prazo se repercutem na estruturação da atividade no território. Ao converterem-se num dos principais empregadores do território, os operadores turísticos internacionais não fazem senão acentuar este fenômeno, criando uma relação de dependência com a população local. Estes operadores adquirem um poder tal que, em certas ocasiões, negociam em pé de igualdade com as administrações locais. Estas últimas vêem os operadores como uma porta de acesso aos mercados turísticos internacionais (a melhor razão para justificar o porquê dos seus destinos figurarem nos catálogos para clientes estrangeiros) e geralmente estão dispostas a favorecer, nestas negociações, as empresas estrangeiras. Situações desta natureza comportam dois tipos de riscos: os locais de destino ficam sujeitos a perder o controle do desenvolvimento do turismo no seu território e os operadores internacionais poderão aproveitar-se da conjuntura e apropriar-se de direitos que lhes permitam aumentar os seus benefícios, em vez de melhorar o nível de renda da população local. Porque é que as micro-empresas poderão ser o instrumento mais adequado para aumentar o impacto econômico do turismo no território? As micro-empresas são estruturas auto-geridas por uma equipa entre um a cinco empregados, em geral de caráter independente e familiar, que permitem a criação de autoemprego. O seu principal interesse reside no fato das referidas entidades se poderem desenvolver sem necessidade de recorrerem ao financiamento de grandes infra-estruturas e, assim, estão ao alcance dos setores mais pobres da população. Desde há três décadas que são uma fórmula habitual nos países em desenvolvimento, pois abarcam todo o tipo de atividades de comércio de bens e serviços, embora a sua presença no setor turístico seja ainda muito débil. No seu boletim intitulado «Turismo, micro-finanças e redução da pobreza», a Organização Mundial do Turismo (OMT) dá relevância à incidência do fenômeno da micro-empresa na criação de empregos que gerem renda para os PVD. Neste estudo sobre a redução da pobreza através do turismo, a OMT insiste na sustentabilidade deste modelo. A micro-empresa é um instrumento de emancipação econômica e social que promove uma maior responsabilização da população ativa e que fomenta a criação de know-how em matéria de gestão empresarial. Os micro-empresários abandonam a lógica do emprego passivo, que limita, a curto prazo, as perspectivas da sua atividade. Embora o sistema das micro-empresas esteja muito desenvolvido nos PVD, estas enfrentam numerosos obstáculos. A sua dimensão torna-as muito vulneráveis relativamente às alterações de conjuntura e à inexistência de oportunidades de negócio que caracterizam os PVD. Além disso, o seu escasso conhecimento sobre as atuais redes de distribuição e as ferramentas eficazes de promoção, excluem as micro-empresas do tecido econômico moderno. Apesar de tudo, a sua grande vantagem comparativa continua a ser a sua flexibilidade face a uma economia em mutação, que requer meios constantemente adaptáveis. número 4, 2007 - @local.glob @global...@local - Emprego turístico e micro-empresas: uma alternativa para os países em desenvolvimento Por conseguinte, as micro-empresas têm que descobrir o modo de preservar esta vantagem comparativa, ao mesmo tempo que se dotam de ferramentas que as ajudem a reduzir as debilidades inerentes à sua estrutura. O caso da França e a micro-empresa O estudo de caso da França poderia contribuir para solucionar este problema, por duas razões fundamentais: • A proporção de micro-empresas no setor turístico francês é muito alta. Contudo, os países do Sul ainda não identificaram áreas turísticas concretas e viáveis nas quais se possa desenvolver uma atividade sustentável. Em França, as micro-empresas ocupam 50% do emprego no setor turístico, o que as torna numa referência nesse âmbito. As profissões do turismo melhor representadas nas micro-empresas são as seguintes: guias de montanha, guias turísticos, proprietários de alojamentos rurais ou pensões, monitores de atividades da natureza... • A estruturação da atividade das micro-empresas francesas indica o rumo das empresas que lutam por sobreviver à intensa flutuação da procura e à sua escassa visibilidade no mercado. Esta estruturação tem como objetivo que as micro-empresas tenham um maior peso nas negociações com os seus clientes, através da partilha comum das suas competências e da estruturação do seu desenvolvimento. Por conseguinte, numerosas micro-empresas francesas agrupam-se em cooperativas profissionais ou redes (eletricistas, técnicos de sistemas de aquecimento, pintores... e principalmente artesãos). Graças a estas redes e por um valor relativamente baixo, as micro-empresas podem aceder a mercados em que têm uma maior visibilidade, pois ocupam um lugar mais importante (usufruindo logo de maior credibilidade). Estas cooperativas costumam encarregar-se da contabilidade das microempresas, da pesquisa e gestão de contratos e da comercialização de estruturas. Em certas ocasiões, a cooperativa ou o agrupamento de micro-empresas chega a intervir mesmo na assinatura do contrato, passando posteriormente a micro-empresa uma fatura à cooperativa ou ao agrupamento. Com este sistema, pretendese responsabilizar os micro-empresários e simultaneamente oferecer-lhes durante todo o ano um trabalho regular, menos dependente do fenômeno sazonal, graças ao trabalho das cooperativas. As cooperativas são mais usuais no seio de um grupo de pessoas em torno de uma atividade produtiva e frequentemente de caráter agrícola, mas também são um meio para aumentar o potencial de estruturas comerciais como as micro-empresas. A criação de agrupamentos de empregadores constitui outro modelo de estruturação das micro-empresas. À semelhança das Câmaras de Comércio, Câmaras Agrícolas e demais Câmaras Profissionais francesas, as micro-empresas podem agrupar-se para se converterem num único empregador, o qual lhes permitirá contratar @local.glob - número 4, 2007 uma pessoa a tempo inteiro e a longo prazo, para prestar serviço a diversas estruturas, mas com um único interlocutor. Este sistema facilita a luta contra a instabilidade e a precariedade do emprego no setor turístico. Como é que este sistema poderá responder às necessidades dos operadores turísticos internacionais? Pelo incentivo à qualidade: uma solicitação dos clientes, uma exigência para os operadores. Embora o sistema de cooperativas possa ser eficaz para a gestão das micro-empresas, tem que se ter em conta que a sua criação deve obedecer à procura dos principais clientes, isto é, das grandes empresas turísticas. Vimos que estas estruturas exerciam um grande poder na organização do turismo dos lugares de destino. Seria inútil impor-lhes um modelo de gestão do seu pessoal. Mas, pelo contrário, tentar responder a uma necessidade existente, poderia revelarse uma estratégia eficaz. Importa destacar que, por muito poder que detenham as grandes empresas turísticas, continuam a depender da decisão final do consumidor. Por outro lado, este solicita cada vez mais informação sobre as viagens que compra, mas tornou-se, sobretudo, extremamente exigente em relação à qualidade dos serviços prestados. Estes dois fatores apontam para uma melhor gestão dos recursos humanos das estruturas turísticas e favorecem as micro-empresas. Sem dúvida que a compra dos serviços prestados por uma micro-empresa garante um nível de profissionalismo mais elevado que a contratação de trabalhadores sazonais, submetidos a uma constante rotação, que são geralmente pouco qualificados e motivados para tarefas pouco enriquecedoras e mal remuneradas. Aumenta a qualidade geral do serviço, assim como a satisfação do cliente relativamente ao produto adquirido. Além disso, este sistema oferece uma maior flexibilidade às empresas turísticas, que contratam prestadores de serviços por um período determinado e renovam estes contratos com maior liberdade do que no caso da contratação de pessoal ou de trabalhadores sazonais. O sistema das micro-empresas poderia resolver alguns problemas do emprego no setor turístico e elevar o impacto do mesmo na economia local dos Países do Sul. Passar da condição de empregado à condição de empresário, assim como um maior acesso aos mercados através das cooperativas integralmente dedicadas à prospecção e ao desenvolvimento dos referidos mercados, constituem fatores-chave para aumentar o impacto da atividade no território. Estas estruturas respondem a uma necessidade dos principais agentes do setor (as grandes multinacionais com uma crescente procura de pessoal qualificado e de flexibilidade organizativa) e têm possibilidades de preencher uma lacuna no mercado turístico local. Contudo, necessitam de uma organização jurídica sólida, com os seus correspondentes estatutos, cujo estabelecimento e manutenção, a longo prazo, costumam ser árduos. Para os países em que o emprego turístico é dominado pelo setor informal, países como a França poderiam dar respostas e proporcionar exemplos para impulsionar a população local a procurar o seu próprio desenvolvimento, em vez de se limitar a observar o desenvolvimento alheio. 59 @global...@local - O turismo cultural como instrumento de desenvolvimento local O turismo cultural como instrumento de desenvolvimento local Claudia Toselli Especialista em Turismo, Patrimônio e Desenvolvimento Local Consultora do Programa Delnet (CIF/OIT) Professora e Investigadora da Universidade de Salvador, Argentina I ndubitavelmente, nas últimas décadas houve uma sé- tos, produtos culturais). A cultura compõe-se, portanto, de rie de fatores que fizeram com que a atividade turística processos (as idéias e o modo de vida das pessoas) e dos se desenvolvesse em cenários cada vez mais competi- produtos desses processos (edifícios, artefatos, arte, tradições, ambiente). Se considerarmos a cultura deste modo, tivos e dinâmicos. o turismo cultural implica não só a visita a lugares De acordo com Bonet (2003ª, 2003 ) o modelo tradicional b de desenvolvimento turístico baseado na exploração mas- e monumentos, mas alarga-se também ao conhecimento do modo de vida das zonas que se visitam”. siva de destinos de sol e praia ou de grandes cidades começou a ficar saturado e a própria indústria turística teve que Por sua vez, Juan Tresserras (2003) define o turismo procurar alternativas para uma demanda cada vez mais in- cultural como “uma realidade diversificada e heterogênea formada, exigente e segmentada. Assim o desenvolvimento [que] tanto inclui a visita a museus, parques arqueológicos, e crescimento que têm novas modalidade como o turismo edifícios civis, militares, industriais ou religiosos, centros rural, o ecoturismo ou o turismo cultural aconteceram históricos [e] jardins, assim como as manifestações de cul- devido a dois fatores cruciais: a necessidade de diversifica- tura tradicional e popular, a gastronomia, as feiras de arte, ção do mercado e a necessidade de a classe média urbana artesanato, discos, livros, festivais de cinema, teatro, dança experimentar algo de diferente da oferta convencional e ou ópera, bem como a programação fixa de exposições e massiva, com conteúdo simbólico, espiritual ou histórico. representações cênicas e a criação de escolas de línguas”. Neste contexto, a oferta cultural, nas suas mais diversas formas, permite responder a estas novas necessidades e Tomando em consideração estes conceitos, vemos que pode ser aproveitada como uma atração principal ou com- o turismo cultural inclui os produtos culturais presentes e plementar motivadora dos turistas na escolha de determi- passados, assim como os modos de expressão. Neste domí- nados destinos, dando lugar assim ao turismo cultural. nio centraremos a nossa atenção em particular no turismo e sua ligação ao patrimônio cultural nas suas mais diver- Richards (2000) propõe uma definição desta modalida- sas manifestações. de turística a partir do termo cultura e baseado no modo como os turistas consomem cultura. Para ele, “na cultura podemos ver algo que envolve o que as pessoas pensam Turismo, patrimônio cultural e desenvolvimento (atitudes, crenças, idéias e valores), o que as pessoas fa- local zem (formas de comportamento normativo ou modos de vida) e o que as pessoas fabricam (obras de arte, artefa- Nos últimos anos, o conceito de patrimônio cultural1 alar- De acordo com a Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural celebrada pela UNESCO em 1972, define-se como “patrimônio cultural”: - os monumentos: obras arquitetônicas, de escultura ou de pintura monumentais, elementos ou estruturas de caráter arqueológico, inscrições, grutas e grupos de elementos com valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência; - os conjuntos: grupos construções, isolados ou reunidos que, em virtude da sua arquitetura, unidade ou integração na paisagem, têm valor universal excepcional do ponto de vista da história, da arte ou da ciência; - os locais de interesse: obras do homem, ou obras conjugadas do homem e da natureza e as zonas, incluindo os locais de interesse arqueológico, com um valor universal excepcional do ponto de vista histórico, estético, etnológico ou antropológico. 1 60 número 4, 2007 - @local.glob gou-se consideravelmente. Hoje em dia, inclui uma variedade de componentes que, supostamente, variam segundo as formas de interpretar e sentir de cada povo ou nação, respeitando a sua identidade e o seu acervo cultural. De qualquer forma, existe uma certa semelhança nos critérios para a sua valorização, que incluem: FONTE: Maria Eugenia de Aliaga @global...@local - O turismo cultural como instrumento de desenvolvimento local • os bens culturais tangíveis imóveis - relacionados, por exemplo, com a arquitetura monumental, civil, religiosa, industrial, doméstica; • os bens culturais tangíveis móveis - relacionados com as obras de arte, artesanato, documentos, objetos de interesse histórico, etc.; e • as manifestações culturais intangíveis2 - relacionadas por exemplo, com a gastronomia, as crenças, as festas, a música, a dança, a língua, as tradições, os costumes, etc. Todos estes componentes serviram de base para o desenho de novos produtos turístico-culturais passíveis de se converterem em novos eixos para o desenvolvimento local. Pois bem, em que casos o turismo e, em particular, o turismo baseado nos recursos do patrimônio cul- Montjuic, Barcelona, Espanha tural contribui efetivamente para os processos de desenvolvimento local? dam a melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes. Na visão do Programa Delnet (2007), as estratégias e ini- Outro pilar para definir o desenvolvimento local é o ciativas de desenvolvimento local têm vindo a evoluir, e conceito de território. De acordo com Gallicchio (2003) de uma visão centrada nos aspectos econômicos do territó- “o local” está estreitamente ligado ao território, o qual rio, orientados predominantemente para o desenvolvimen- pode ser entendido à escala de bairro, zonal, urbana, to de iniciativas de criação de emprego, passaram a ter um regional, nacional e inclusive transfronteiriça. Não obs- enfoque mais integral incluindo o desenvolvimento huma- tante, considera-se que este é um conceito relativo, que no e social, o qual implica a participação de todos os atores se relaciona sempre com o âmbito global e que pode ir da sociedade civil e do tecido sócio-econômico local como mudando. Também acrescenta que o território é uma condição indispensável para a sustentabilidade do desen- variável que pode ser identificada a partir de quatro di- volvimento. Também considera que um dos fundamentos mensões básicas: econômica (ligada à criação, acu- básicos do desenvolvimento local é o potencial endógeno mulação e distribuição de riqueza), social e cultural (a do território, ou seja, aquelas forças ou vantagens que aju- qual se refere à qualidade de vida, à equidade e à integra- Nos últimos anos a UNESCO colocou uma nova tônica na definição de Patrimônio Intangível ou Imaterial. De acordo com a “Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial” celebrada em 2003, o patrimônio cultural imaterial inclui “as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas – assim como os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhe são associados – que as comunidades, os grupos e em alguns casos os indivíduos reconhecem como parte integrante do seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função do seu ambiente, da sua interação com a natureza e da sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o respeito pela diversidade cultural e pela criatividade humana”. Do mesmo modo, afirma que “estas tradições se transmitem oralmente ou mediante gestos e modificam-se ao longo do tempo através de um processo de recriação coletiva. Nelas se incluem as tradições orais, os costumes, as línguas, a música, os bailes, os rituais, as festas, a medicina tradicional e a farmacopeia, as artes culinárias e todas as habilidades especiais relacionadas com os aspectos materiais da cultura, tais como as ferramentas e o habitat” (UNESCO, 2003). 2 @local.glob - número 4, 2007 61 @global...@local - O turismo cultural como instrumento de desenvolvimento local ção social), ambiental (relativa aos recursos naturais e à expressa através dos seus costumes, artesanato, folclo- sustentabilidade dos modelos adoptados a médio e longo re, festas, gastronomia, tradições, assim como a prote- prazo) e política (ligada à governabilidade do território e ção do patrimônio arquitetônico e artístico; à definição de um projeto coletivo específico, autônomo e sustentado nos próprios atores locais). • contribuir para o desenvolvimento de pequenas localidades ou comunidades rurais que, face ao emergir de novas procuras turísticas, encontram nesta modalidade uma oportunidade de desenvolvimento e diversifica- Benefícios e obstáculos do turismo para os processos de desenvolvimento local ção das suas economias; • incentivar a promoção de produtos de fabrico local; • gerar recursos para a manutenção, proteção e melho- Com base nas considerações expostas anteriormente, po- ria dos locais considerados como patrimônio cultural; der-se-ia afirmar que o turismo, a partir das suas dimen- • permitir diversificar a oferta de destinos de turismo tra- sões econômica, social e ambiental, pode contribuir dicional, além de acrescentar um valor adicional ou de para os processos de desenvolvimento local de um deter- diferenciação aos destinos turísticos já desenvolvidos minado território se permitir, entre outras coisas: ou estabelecidos; • sensibilizar os turistas para cuidarem do patrimônio e • melhorar a economia de uma comunidade através das respeitarem a cultura das comunidades visitadas. despesas realizadas pelos turistas; • aumentar o emprego, tanto direto como indireto da população que reside nesse território; De acordo com estes enunciados, que pretendemos esclarecer sem pretender ser exaustivos, percebemos que • produzir uma melhor distribuição do rendimento; o turismo contribui com mais aspectos positivos do que • reinvestir os rendimentos em novas obras, infra-es- negativos para os processos de desenvolvimento local. No truturas ou serviços para utilização pública local (por entanto, o não cumprimento desses princípios, seja por exemplo, saúde, iluminação, recolha de lixo, comunica- excesso ou por defeito, pode causar conseqüências pouco ções, transportes, etc.); favoráveis. • reativar outras atividades econômicas relacionadas, tais como a agricultura, a pesca, a criação de gado, a construção, etc.; Desta forma e retomando as dimensões econômica, social e ambiental, anteriormente apresentadas, poder- • conter o fenômeno migratório; se-ia afirmar que o turismo não contribuirá para os • produzir uma revalorização dos recursos naturais (por processos de desenvolvimento local se: exemplo, adotar medidas de conservação e proteção de determinadas áreas naturais, evitar a extinção de espécies em perigo, realizar campanhas de sensibiliza- • provocar um aumento de preços para a comunidade residente; ção para cuidar do meio ambiente, tanto para os turis- • gerar dependência do capital investidor estrangeiro; tas como para os residentes, etc.). • forem ínfimos os benefícios econômicos para a comunidade residente devido ao efeito de fuga3, isto é, quan- A partir da dimensão cultural e no que respeita espe- do os benefícios obtidos pelo turismo saem das fron- cialmente ao turismo relacionado com o patrimônio teiras da comunidade receptora para serem enviados a cultural, esta modalidade turística pode contribuir para processos de desenvolvimento local se: países estrangeiros; • oferecerem empregos de baixa qualificação para a população residente e se possuírem mão-de-obra espe- • promover o interesse dos habitantes pela sua cultura, cializada proveniente de outros centros ou localidades De acordo com Valls (1996) o efeito de fuga acontece quando as divisas que entram no país, através do turismo, são enviadas para o exterior através de importações de produtos ou de outras formas. Os exemplos mais significativos deste efeito são: as importações de bens, o repatriamento dos benefícios das multinacionais vocacionadas para o turismo, os financiamentos em divisas para o desenvolvimento turístico, a transferência de ordenados dos trabalhadores estrangeiros, os honorários de gestão e taxas de câmbio pagas ao exterior, o pagamento a companhias (linhas aéreas, agências de viagem, operadores turísticos) dos países de origem, os gastos de promoções no estrangeiro, o aumento da procura de produtos importados pelos residentes como consequência do rendimento obtido graças ao turismo e através de mudanças no comportamento e no consumo da população local induzida pelo turismo (este último, denomina-se efeito de imitação ou demonstração). 3 62 número 4, 2007 - @local.glob @global...@local - O turismo cultural como instrumento de desenvolvimento local mais avançadas (seja nacionais ou estrangeiros) para os postos de trabalho mais qualificados; local; • se estragam ou não se preservam os recursos do pa- • não oferecerem possibilidades de capacitação e forma- trimônio cultural, seja por falta de controlo, por inexis- ção, nem tão pouco melhorarem as condições de con- tência de campanhas de educação e/ou sensibilização, tratação dos recursos humanos empregados no setor; ou por uma sobreexploração intencionada, produzida • produzirem uma distribuição desigual dos benefícios, pelo excesso de capacidade de carga do número de tu- por exemplo, se os mesmos só chegarem aos pequenos ristas permitidos. setores mais privilegiados dentro da comunidade, o que pode originar ou acentuar determinados conflitos; • implicar uma falta real de participação na tomada de Reflexões finais decisões ou na capacidade para iniciar novos projetos por parte da comunidade residente; Tal como vimos, o turismo pode considerar-se um ins- • se exceder a capacidade de carga4, entendida nas suas trumento positivo do desenvolvimento local desde que se mais diversas acepções: ecológica, econômica, psico- cumpram as condições antes enunciadas, desde a dimen- lógica, social, cultural, etc.; são econômica, social, ambiental e cultural. Não obstante, • começarem a aparecer “guetos” de grande luxo aos quais a população local não pode aceder; • proporcionarem atividades ilegais (jogos, vícios, prostituição, etc.). para que essas condições se verifiquem é necessário que, relativamente à dimensão política, exista na comunidade uma visão e um sentir compartilhado para se constituir como destino turístico, passível de se transformar num processo de planejamento estratégico integral, o qual No que se refere ao turismo ligado ao patrimônio cultural, entendemos que esta modalidade turística, a deve ser facilitado pela administração pública local e sustentado pela participação dos próprios atores locais. partir da dimensão cultural, não contribuirá para os processos de desenvolvimento local se: No que especificamente diz respeito ao turismo na sua ligação ao patrimônio cultural, de acordo com Juan Tresse- • produzir um processo de “aculturação”, isto é, se a co- ras (1990) “o patrimônio passa a ser um recurso convertível munidade receptora começar a adotar os padrões cul- num produto capaz de criar riqueza e emprego, embora seja turais através dos contatos com os turistas, em virtude necessário dar uma especial atenção à sua conservação e dos residentes considerarem a cultura “do visitante” manutenção, assim como garantir a utilização do mesmo superior à sua, provocando a adaptação ou homoge- pela própria população residente. Para tal, é necessário neização da cultura local (OMT, 1998); desenvolver uma planificação do desenvolvimento • provocar uma certa “banalização”, ao impulsionar uma turístico que inclua estratégias a curto, médio e longo comercialização extrema das tradições locais, despo- prazos, promova a colaboração entre o setor público e o jando-as do seu verdadeiro significado e transformando privado e estabeleça uma cooperação local e regional que a cultura local num mero objeto de consumo. (Exemplo: abarque estes aspectos como a promoção conjunta e/ou a artesanato reproduzido em série sem utilizar as técni- comercialização”. cas e os materiais originais; festas ou celebrações locais que constituam meros espetáculos para os turistas); Concluímos, referindo que o turismo relacionado com • promover um sentimento de desprezo pelas comunida- o patrimônio cultural pode ter um papel estimulador para des visitadas, quando vêm invadir a sua privacidade ou revalorizar, afirmar e recuperar os elementos, usos e cos- não respeitam os locais sagrados ou os costumes do tumes que caracterizam e identificam uma comunidade. A capacidade de carga de um local ou destino é determinada pelo nível de ocupação que pode suportar, sem que se altere o seu equilíbrio ecológico e sem que se produzam impactos negativos sobre os seus recursos. Isto é, os locais ou destinos têm limites no volume e intensidade de desenvolvimento turístico, pelo que é preciso conhecê-los antes que os danos sejam irreparáveis. Assim, a capacidade de carga turística total de um destino estará dada pelo uso máximo e o máximo número de atividades turísticas que nele se podem realizar, sem que causem efeitos negativos sobre o meio biofísico, sem reduzir a satisfação das necessidades dos visitantes e sem que se exerça um efeito adverso sobre a comunidade receptora, a economia ou a cultura do lugar. Por último, é importante considerar que a capacidade de carga pode ser medida em termos ecológicos, econômicos, socioculturais e administrativos; contudo, é importante ter em conta que a interrelação de todas estas variáveis determinará a capacidade de carga integral de um local ou destino, constituindo-se como um indicador chave no momento de estabelecer se o mesmo oferece ou não uma visita de qualidade. 4 @local.glob - número 4, 2007 63 @global...@local - O turismo cultural como instrumento de desenvolvimento local O reforço desta identidade cultural pode atuar como uma local, que constitui um dos recursos básicos para a consti- força que evita os “efeitos homogeneizadores” da globali- tuição de um destino turístico que, aliás, deve valorizar-se zação e, desse modo, contribuir para fomentar uma toma- e transformar-se num produto ao serviço do desenvolvi- da de consciência em relação à preservação do patrimônio mento local. Bibliografia BONET, L. (2003a). “La Formación e Investigación en Turismo Cultural en España”. Em: Portal Iberoamericano de Gestión Cultural, Sección Análisis Sectoriales: Estudio Compartido sobre Turismo y Cultura, Universidad de Barcelona, (http://www.gestioncultural.org/private/analisisSectoriales/pdf/LBonet_FormacionInvestigacion.pdf - data de consulta: 09.04.2007). BONET, L. (2003b). “Turismo Cultural: Una reflexión desde la ciencia económica”. Em: Portal Iberoamericano de Gestión Cultural, Sección Análisis Sectoriales: Estudio Compartido sobre Turismo y Cultura, Universidade de Barcelona, Espanha. (http://www.gestioncultural.org/private/analisisSectoriales/pdf/LBonet_Reflexion.pdf data de consulta: 09.04.2007). GALLICCHIO, E. (2003). “Desarrollo económico local y empleo en Uruguay”. Em: Territorio local y desarrollo. Experiencias en Chile y Uruguay. Eds: Winchester, L. (SUR Corporación de Estudios Sociales y Educación) e Gallicchio, E. (Centro Latinoamericano de Economía Humana, CLAEH). Colección Estudios Sociales, Ediciones SUR / CLAEH, Santiago do Chile, Chile. (http://www.claeh.org.uy/archivos/SURCLAEH.pdf - data de consulta: 20.04.2007). JUAN-TRESSERRAS, J. (2003). “El turismo cultural en países en vías de desarrollo”. Em: Portal Iberoamericano de Gestión Cultural, Sección Análisis Sectoriales: Estudio Compartido sobre Turismo y Cultura, Universidade de Barcelona, Espanha. (http://www.gestioncultural.org/private/analisisSectoriales/pdf/JJuan_TC_y_Desarrollo.pdf - data de consulta: 09.04.2007). JUAN-TRESSERRAS, J. (1990). “El patrimonio cultural como generador de riqueza”, palestra realizada nas Jomadas Escuelas-Taller y Patrimonio, INEM, Fuengirola, Málaga, Espanha. OMT - Organização Mundial do Turismo (1998). Introducción al turismo, Sancho, A. (Dirección), Madrid, Espanha. Programa Delnet, Centro Internacional de Formação da Organização Internacional do Trabalho (CIF/OIT) (2007). O Desenvolvimento Local: A visão do Programa Delnet. (http://learning.itcilo.it/delnet/pg/frames/delnet/por/desarrollo_local.htm - data de consulta: 09.04.2007). RICHARDS, G. (2000). “Políticas y actuaciones en el campo del turismo cultural europeo”. Em: El Turismo Cultural: el Patrimonio Histórico como fuente de riqueza, Fundación del Patrimonio Histórico de Castilla y León, Valladolid, Espanha. TOSELLI, C. (2006). “Algunas reflexiones sobre el turismo cultural”. Em: Pasos, Revista de Turismo y Patrimonio Cultural, Vol. 4, Nº 2, Espanha. (http://www.pasosonline.org/Publicados/4206/PS040206.pdf - data de consulta: 18.04.2007). UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (2003). Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, Paris, 17 de Outubro de 2003. (http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001325/132540POR.pdf - data de consulta: 09.04.2007). UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (1972). Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, París, 16 de Novembro de 1972. (http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001333/133369por.pdf - data de consulta: 09.04.2007). VALLS, J. (1996): Las claves del mercado turístico. Cómo competir en el nuevo entorno. Ediciones Deusto, Bilbau, Espanha. 64 número 4, 2007 - @local.glob @global...@local - Por um turismo responsável e solidário: a experiência italiana Por um turismo responsável e solidário: a experiência italiana Alfredo Somoza Ex-presidente da Associação Italiana de Turismo Responsável (AITR) Coordenador do Grupo “Turismo e luta contra a pobreza” de AITR U ma das grandes novidades da Cimeira da Terra de e solidário, há vários anos que percorrem esse caminho Joanesburgo de 2002 foi determinar, com grande com a prática concreta do turismo responsável, dirigida em atraso, que o turismo pode desempenhar um pa- cada período de férias a milhares de consumidores cons- pel primordial na luta contra a pobreza. De fato, o turismo cientes que se dirigem a dezenas de destinos nos Países do (que constitui há vários anos o principal setor do comér- Sul. Para as associações que promovem o turismo respon- cio mundial), quando é sustentável e se orienta a favor das sável, o adjetivo “sustentável” sempre foi uma vertente do comunidades locais, pode transformar-se num formidável turismo, que se compõe de três aspectos: o meio ambien- impulso para o crescimento econômico dos Países do Sul tal, o cultural e o sócio-econômico. do mundo, tal como foi no passado para países da Europa Mediterrânica como Portugal, Espanha, Grécia e Itália. A grande novidade positiva, nestes últimos anos, foi o aumento gradual da sensibilização dos viajantes no que O tema de debate deslocou-se gradualmente para a ques- respeita à busca de relações inter-culturais baseadas na tão de como conseguir que esta importante atividade eco- igualdade e na sustentabilidade ambiental, premiando os nômica seja sustentável do ponto de vista ambiental e pro- organizadores de viagens realizadas conjuntamente com mova o desenvolvimento humano a partir da redistribuição a comunidade local. Tal não se refere apenas às associa- dos recursos gerados pelos turistas. No entanto, pode afir- ções que promovem viagens de turismo responsável nos mar-se que muito há ainda a fazer, caso se confirme (como Países do Sul, mas as estatísticas mostram, em geral, um apontam as estatísticas) que o turismo que se pratica nos boom nas formas de acolhimento em contato com as co- países africanos, latino-americanos e asiáticos aumentou munidades locais (Bed&Breakfast) e num contexto rural notavelmente no que se refere ao volume de viajantes nos (turismo rural) na Europa. O declive do turismo de caráter últimos vinte anos, mas a percentagem de renda gerada puramente consumista, em lugares devastados do ponto (isto é, o dinheiro que os turistas gastaram e que fica no de vista ambiental e com escasso valor cultural, confirma- país) diminuiu. se sobretudo entre os jovens. As cooperativas sociais, as associações ambientais, as redes de acolhimento e os pes- Atualmente, os organismos internacionais com compe- cadores estão a converter-se em novos protagonistas de tências no setor do turismo estão a levar a cabo uma série um turismo que, em Itália e noutros países, ainda conta de projetos experimentais para oferecer à população local com uma boa margem de crescimento, geração de empre- instrumentos que lhes permitam “apropriar-se” dos investi- go e aproveitamento do território. Trata-se de uma nova mentos derivados do turismo. Já se obtiveram alguns resul- dimensão da qualidade do turismo, baseada no intercâm- tados nesse sentido. Diversos projetos estão a financiar e a bio e no respeito pelo meio ambiente e das culturas locais e formar representantes de comunidades locais na República que contribui para o crescimento individual e coletivo das Dominicana, Costa Rica, Marrocos, Tunísia e Brasil para pessoas a partir do estabelecimento de uma relação autên- que possam oferecer serviços aos turistas, desde a restau- tica com os outros. ração até ao acolhimento em casas de famílias locais, para diversificar a oferta e oferecer ao turista a possibilidade de O turismo é (ou melhor dizendo, deveria ser) um encon- passar as suas férias em contato direto com os habitantes e tro de povos. Mas nem sempre o frenesim da organização as culturas locais. As associações ambientais, as organiza- turística permite ou prevê um contato verdadeiro entre a ções não governamentais de cooperação para o desenvol- população local e o visitante. Um turismo elitista, em bus- vimento e as associações que promovem o comércio justo ca do exótico, do efêmero e sob a bandeira do consumis- @local.glob - número 4, 2007 65 @global...@local - Por um turismo responsável e solidário: a experiência italiana mo desenfreado, afasta e aumenta a distância entre quem sumo”, mas antes crescimento cultural, político e humano. consome e quem “é consumido”. No entanto, os operadores O viajante responsável informa-se e prepara-se antes da turísticos não podem ser responsabilizados por tudo. De viagem, escolhe partilhar a vida quotidiana dos habitantes fato, muito freqüentemente, inclusive as melhores inten- do país selecionado, descobre quais são os seus problemas ções tornam-se estéreis devido à “má educação” do turista e oferece uma contribuição concreta para os resolver; so- de nível médio. Por esse motivo, quando se fala de turis- bretudo, converte-se, no seu regresso, num “embaixador” e mo responsável, deve fazer-se referência tanto ao operador divulgador, narrando e informando sobre a realidade, com- turístico como ao próprio viajante. São muitos, e algumas plexa e por vezes dramática, dos países que visitou, assim deles muito evidentes, os comportamentos que são desejá- como dos seus aspectos naturais, históricos e culturais. veis quando se visita um país com uma cultura muito diver- São vários os casos de “paraísos turísticos” dilacerados por sa da nossa ou de grande fragilidade ambiental. Para dar ditaduras, carestias, violações coletivas dos direitos huma- um exemplo, um turista responsável mostra-se cuidadoso nos... Uma viagem realizada de forma inteligente pode-nos com o consumo de água que, em muitos países, é um bem servir para compreender o sofrimento dessa parte da hu- escasso e precioso. Não se podem reproduzir no exterior os manidade que não goza dos mesmos direitos e privilégios comportamentos quotidianos de despreocupação no que que nós e induzir-nos a ações de solidariedade que supe- respeita a coisas que consideramos normais, como a água, ram os limites da viagem. Muito freqüentemente, quem tem em locais onde a posse desse bem fundamental pode in- essa experiência dedica, no seu regresso, parte do seu tem- clusive provocar guerras. Do mesmo modo, é útil para nós po a atividades de voluntariado em favor das comunidades e para os outros, recolhermos informações sobre os usos e que visitou. Se o viajante “abrir bem os olhos” será uma costumes locais, antes de nos apresentarmos em público, experiência que o ajudará a viver melhor o resto do ano. para não ferirmos a sensibilidade de quem nos observa. A alimentação é outra questão delicada: comer o que oferece a cozinha local (obviamente em condições adequadas Turismo e luta contra a pobreza de segurança e higiene alimentares) é benéfico para o país que nos acolhe e que freqüentemente se vê “obrigado” a Como ocorre freqüentemente, um tema que até há poucos importar víveres, a um preço muito elevado, para o uso e anos parecia não despertar qualquer interesse em termos consumo exclusivo dos turistas. de efeitos para melhorar as condições de vida das comunidades dos Países do Sul, está a converter-se atualmente Qualquer viagem pode ter uma dimensão solidária a partir das decisões iniciais dos viajantes, como por exemplo, em algo que todos consideram uma panacéia. Refiro-me ao turismo como instrumento de luta contra a pobreza. ao favorecer as pequenas e médias empresas do país de destino, garantindo que a maior parte dos benefícios eco- Não passa dia sem que algum organismo internacional ou nômicos resultantes da viagem permaneçam in situ. Mas europeu (incluindo a própria Comissão Européia) elabore di- também se trata de uma lição de austeridade no consumo, retivas, sugestões ou programas indicando o turismo como sobretudo em lugares onde este consumo implica um custo uma das poucas alternativas reais e atuais para tratar efi- insuportável para o meio ambiente e para a sociedade lo- cazmente a questão da saída gradual da pobreza de muitos cal. A qualidade deste turismo não se mede em “estrelas”, países ou inclusive de zonas deprimidas de países ricos. Esta mas através da satisfação de saber que, no futuro, os nos- euforia sobre a capacidade emancipadora de um dos setores sos filhos e netos também poderão visitar esses lugares. mais importantes (e excludentes) da economia multinacional é uma espécie de “última esperança”, tendo em conta as Por último, o turismo também se converte num gesto de dificuldades para alcançar, como previsto, os Objetivos de paz quando se organiza conjuntamente (e não de forma Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas e dos pro- imposta) com as comunidades de acolhimento, acordando blemas da economia nas áreas mais desenvolvidas. datas, modalidades, serviços e benefícios eqüitativos. Este é o principal objetivo do denominado “turismo responsá- É evidente para todos que poderíamos considerar o “tu- vel”, promovido pelas associações que também trabalham rismo de qualidade” (isto é, um turismo que incorpore para que o turismo contribua para criar novas relações de elementos de sustentabilidade ambiental e de responsabi- solidariedade com populações que foram vítimas de confli- lidade social) como aquele que está destinado a crescer, tos. Esta forma de viajar não é considerada como um “con- talvez de forma lenta, mas progressiva. Por isso, todos os 66 número 4, 2007 - @local.glob @global...@local - Por um turismo responsável e solidário: a experiência italiana operadores do setor estão mais que interessados em poder pelas grandes empresas multinacionais de turismo. Mas, so- geri-lo e em ampliar mercados e benefícios. bretudo quem quer renunciar, inclusive entre as estruturas turísticas mais sensíveis (como dizem ser alguns grandes Este impulso, com conotações quase ideológicas, está operadores turísticos), à própria margem de lucro para fa- progressivamente a ser conjugado com a idéia de que o tu- vorecer as comunidades locais autônomas e não se limitar rismo estabeleça, por si só e pelo simples fato de existir, a dar apenas “simples esmolas”, pregar a multiculturalidade algumas das condições para a luta contra a pobreza (de ou oferecer empregos precários e em categorias inferiores? forma quase automática). Contudo tal não é verdade, já que Nesse dilema ou ambigüidade reside verdadeiramente o de- o turismo nos Países do Sul poderá, sem margem para dú- safio do turismo, o maior setor produtivo do mundo, em re- vidas, gerar riqueza e inclusive ampliar os contatos e hori- lação à sua possível (embora não forçada) contribuição para zontes, contribuir para uma melhor promoção de diferen- a luta contra a pobreza. Para resolver estes problemas de tes formas democráticas e abrir os olhos do povo, mas em forma positiva, são necessários esforços teóricos, fantasia e, muitos casos não criar desenvolvimento. naturalmente, uma vontade política. Não gerar desenvolvimento significa, em poucas palavras, A pequena contribuição que retiramos das organizações duas coisas: por um lado, não dá origem de modo significa- não governamentais e dos operadores responsáveis para tivo a outras indústrias e serviços derivados, não se ocupa que o turismo se converta realmente num motor de desen- da formação, não orienta em absoluto a economia local e volvimento desde as bases, consiste precisamente em re- é, com freqüência, alheio às dinâmicas culturais e sociais forçar a capacidade e a vontade das comunidades locais, o que constituem as premissas do desenvolvimento; por outro que permite multiplicar a oferta “fragmentando” os lucros lado – e sobre este ponto, as opiniões são escassas e ambí- derivados do turismo, hoje concentrados em poucas mãos. guas - não presta qualquer atenção ao reforço das frágeis es- Ficam muitas interrogações sem resposta (inclusive para truturas locais que procuram extrair vantagens do turismo nós) sobre a conveniência em potenciar o desenvolvimento internacional. Na opinião dos mais honestos observadores, das comunidades dos Países do Sul através de um setor tão não se pode lutar contra a pobreza se não se criarem condi- volátil da economia internacional e tão discutível do ponto ções para que os beneficiários do turismo sejam, sobretudo, de vista cultural. Justamente por esse motivo, a participa- os grupos sociais mais desfavorecidos e marginalizados da ção da comunidade em todo o processo, desde a concepção sociedade e dos países visitados. No entanto, para que isso até à gestão da oferta turística, é fundamental e inegociá- ocorra é necessário reforçar essas realidades e prepará-las vel. O turismo responsável poderá efetivamente converter- para propor uma oferta caracterizada precisamente pela sua se num fator de desenvolvimento se conseguirmos ter essa dimensão de desenvolvimento, pelo respeito pelo meio am- relação direta de confiança e reciprocidade entre o produ- biente, rentabilidade direta, orientação cultural e flexibilida- tor (prestador de serviços, neste caso) e o consumidor, que de das infra-estruturas de serviços e de acolhimento. permita atenuar as repercussões negativas, impulsionando todo o potencial de desenvolvimento que, estamos certos, Aqui reside principalmente a maior contradição e a de o turismo possui. mais difícil solução entre quem opina que o turismo contribui para a luta contra a pobreza e quem afirma que apenas pode fazê-lo em determinados contextos e com medidas O mapa de projetos concretas. Por outras palavras, quem pode ter interesse em apoiar uma oferta de turismo gerida por comunidades lo- Vários sócios de AITR executam, desde há vários anos, cais em condições de indigência, mas que vivem em luga- projetos dirigidos a apoiar processos de desenvolvimento res de grande interesse cultural e físico? Quem quer investir autônomo e a integrar comunidades marginais no mundo na formação e em infra-estruturas mínimas para que essas do turismo sustentável. O sucesso destes projetos obedece comunidades marginalizadas possam atuar de forma dire- sobretudo à “lógica da planificação” que se aplica nos mes- ta? Quem deseja promover racionalmente e internacional- mos. Trata-se, portanto, de projetos que incluem, desde a mente estes possíveis objetivos de turismo de qualidade, sua concepção, elementos de comercialização solidária e responsável e sustentável? Unicamente os poderes públicos, de construção de mercados. Um dos erros que observamos no quadro de uma estratégia de desenvolvimento autóctone, com maior freqüência nos projetos de turismo sustentável e caso não fossem freqüentemente corruptos e corrompíveis erradicação da pobreza é a distância entre o que se planifica @local.glob - número 4, 2007 67 durante a fase do projeto e o mercado natural destinatário da iniciativa. Um mercado que hoje em dia é, sem dúvida, um “nicho de mercado” pelo seu volume, mas não pelas suas aspirações. Um mercado composto por pessoas dos países do Norte do mundo que se consciencializam, em termos ge- FONTE: ALFREDO SOMOZA @global...@local - Por um turismo responsável e solidário: a experiência italiana rais, sobre a sustentabilidade turística e que são encaminhadas a operadores turísticos responsáveis ou, diretamente, às comunidades locais dos países do Sul com capacidade de oferecer serviços profissionais. Alguns exemplos concretos na América Latina incluem a rede de ecoturismo comunitário da República Dominicana, atualmente composta pela comunidade de cultivadores de café de Salcedo e pela rede Guariquén na província de Samaná (que se criou através de Entrada ao museu da Rota do Café, República Dominicana projetos geridos pelas organizações não governamentais bique, estão a consolidar-se projetos de turismo respon- Comunidade de San Benedetto, UCODEP, ACRA e ICEI, con- sável, que incluem uma fase de investimento na formação juntamente com os operadores turísticos CTS e Viaggi Soli- e na determinação dos pontos fortes que podem atrair o dali); a rede amazônica de Manaus – Silves - Barrerinha, que turismo para uma fase de posicionamento no mercado. Por reúne os “riberinhos” de Silves e os indígenas Sateré Mawé último, na Ásia, estão-se a levar a cabo as primeiras expe- (que surgiu de projetos geridos pelas organizações não go- riências de turismo responsável na província de Ampara vernamentais ASPAC, ICEI e WWF) e a rede urbana de tu- (com a organização não governamental ICEI), que se vêm a rismo solidário da Cidade de Buenos Aires, atualmente em somar às iniciativas históricas no sul da Índia, na Tailândia fase de preparação. Outros exemplos de grande importância e no Nepal (Associação RAM). encontram-se no Equador, Bolívia, Peru e, mais recentemente, no Uruguai. Na América Central, duas organizações As organizações não governamentais associadas à AITR não governamentais da AITR (ACRA e Movimondo) estão a estão atualmente a gerar mais de 20 projetos em África, implementar, na Nicarágua (arquipélago Solentiname) e na Ásia e América Latina com fundos italianos, europeus e Guatemala (Rota do Café), projetos de turismo sustentável da OMT, enquanto os operadores turísticos associados à e de erradicação da pobreza, financiados pela Organização AITR incluem nos seus catálogos, em conjunto, mais de Mundial do Turismo (OMT). 200 ofertas de viagens, para todo o mundo, exclusivamente de turismo responsável. A isto, adicionam-se atividades Em África, destaca-se, pela sua solidez, a rede senega- editoriais e promocionais, tanto de forma individual como lesa de turismo responsável (com o apoio da organização coletiva, entre todos os parceiros. De fato, nestes meses, não governamental CISV e de Viaggi Solidali), uma rede começou a desenvolver-se uma campanha nacional na im- nacional com capacidade para acolher os viajantes em vá- prensa (com o financiamento do Ministério dos Assuntos rias localidades do país. Atualmente, estão a ser realiza- Exteriores de Itália) para promover os valores e os princí- das experiências similares no Mali (Viaggi Solidali, com o pios do turismo responsável. Para nós, já não se trata de apoio da OMT), no Gana (com as organizações não gover- um instrumento de luta contra a pobreza no Sul do mundo, namentais RC e COSPE), em Marrocos (com a organização mas para abordar na Europa os problemas Norte-Sul num não governamental CISV) e no Egito (com a organização sentido positivo, isto é, oferecendo uma alternativa concre- não governamental CISS). Da mesma forma, na República ta de mercado solidário e sustentável para o consumidor Unida da Tanzânia e, atualmente, no Quênia e em Moçam- dos países do Norte. Bibliografia CANESTRINI, D. (2002). Andare a quel paese. Feltrinelli Traveller, Milão, Itália. DEL SETTE, L. e SOMOZA, A. (2007). Guida ai viaggi ad occhi aperti. Perdisa Editore, Bolonha, Itália. DI MARIA, U. (2002). Turismo Responsabile. Cart’armata, Milão, Itália. GARRONE, R. (2007) Turismo Responsabile. Nuovi Paradigmi per Viaggiare in Terzo Mondo. Associazione RAM, Camogli, Itália. NOTARIANNI, M. e GALLI, P. (2002). La sfida dell’ecoturismo. Altri Viaggi De Agostini, Milão, Itália. Página web da AITR: http://www.aitr.org. 68 número 4, 2007 - @local.glob @local.glob Espaço aberto •Tourism Concern - A reconstrução após o tsunami e o turismo: uma segunda catástrofe? •Resenha de livros: O negócio da felicidade † Idéias para um Turismo Responsável † •Organizações Internacionais - A Organização Mundial do Turismo •O Programa Delnet Escreveu-se… A reconstrução após o tsunami e o turismo: uma segunda catástrofe? Relatório da Tourism Concern Londres, Reino Unido A Tourism Concern é uma organização de caráter as- meiro por causa do tsunami e, depois, devido ao frenético sociativo que luta contra a exploração do turismo, es- desenvolvimento do turismo. O relatório apresenta os re- pecialmente em países pobres. O seu objetivo é asse- sultados de uma investigação muito interessante, realizada gurar que o turismo beneficie sempre as comunidades locais. nos países onde o processo de reconstrução pós-tsunami Desde 1989, Tourism Concern trabalha com as comunidades inclui a indústria turística. dos países de destino - para reduzir os problemas sociais e ambientais associados ao turismo - e com a indústria turís- A publicação começa por apresentar valores relaciona- tica no Reino Unido - para identificar formas de melhorar o dos com os efeitos imediatos de caráter humano e econô- turismo para aumentar os benefícios locais. O trabalho de mico. Estes valores mostram o horror do que ocorreu, mas, consciencialização e promoção é uma parte importante do tal como se pode ler no relatório, apenas contam uma parte seu trabalho, mas também realiza outros tipos de ativida- do que aconteceu. Imediatamente a seguir à catástrofe, os des: campanhas públicas sobre direitos humanos, educação, sobreviventes mudaram-se para habitações temporárias, turismo de base comunitária, comércio justo e publicações longe da costa. Decorridos vários meses, muitos deles ex- inovadoras. pressaram o desejo de regressar aos locais onde antes habitavam, mas tal não lhes foi permitido. Em Outubro de 2005, a Tourism Concern publicou um relatório intitulado “Post-tsunami reconstruction and tourism: Em Fevereiro de 2005, a Organização Mundial do Turis- a second disaster?” (A reconstrução após o tsunami e o turis- mo convocou uma reunião para elaborar um plano de recu- mo: uma segunda catástrofe?). peração, denominado Plano de Ação de Phuket (PAP), para A seguir apresentamos um resumo do referido relatório. A a Indonésia, Tailândia, Sri Lanka e Maldivas. O objetivo do versão integral está disponível (em inglês) no site da Tourism referido plano era acelerar a recuperação e devolver a con- Concern: http://www.tourismconcern.org.uk fiança aos viajantes. Adicionalmente, o plano tinha a finalidade de, a longo prazo, estabelecer sistemas de redução do risco de desastres e de sustentabilidade social e ambiental. O tsunami ocorrido no sudeste asiático em Dezembro de O problema foi que, depois, muitos governos aplicaram as 2004 foi a maior catástrofe, da história moderna, provoca- suas próprias medidas, fazendo pouca referência ao Plano da por fenômenos naturais. Os seus efeitos foram devasta- de Ação de Phuket. dores nas comunidades costeiras e repercutiu-se não apenas nas suas vidas e lares, mas também nos seus meios Os planos de reconstrução após a catástrofe definiam de subsistência. Apesar de se ter gerado a maior operação as medidas que se deviam tomar nas zonas em que os mundial de ajuda, muitos sobreviventes ainda não conse- sobreviventes residiam e trabalhavam antes do tsunami. guiram voltar às suas casas mais de dois anos após aquela Contudo, as medidas foram concebidas e aplicadas sem catástrofe. Não obstante, assistem ao aumento do número consultar a comunidade local e com uma enorme falta de de complexos turísticos nas zonas costeiras onde antes vi- transparência. O litoral está a ser explorado por comple- viam. xos turísticos de luxo, ao mesmo tempo que as autoridades ordenaram aos sobreviventes que residissem longe Este relatório foi o primeiro a revelar a alta probabilida- da costa. Alguns deles continuam a viver em centros de de da população voltar a sofrer uma nova deslocação: pri- acolhimento temporários, enquanto são proporcionadas, 70 número 4, 2007 - @local.glob Escreveu-se… a outros, casas demasiado pequenas e inadequadas para rupção do sistema de reabilitação; como inclusive as pes- o clima local. soas que não foram afetadas pelo tsunami estão a sofrer igualmente evacuações e mudanças forçadas; … Os planos para desenvolver o turismo não estão a permitir que as comunidades locais refaçam as suas vidas da A Tourism Concern reconhece que os efeitos do tsunami forma como desejariam. Algumas pessoas preferem não foram devastadores e que os governos afetados se viram, regressar à costa, mas outras desejam regressar aos lu- portanto, submersos pelas suas consequências complexas. gares em que viviam, principalmente porque muitas delas No entanto, depois de efetuada uma intensa investigação, costumavam ganhar a vida através do turismo e da pesca, assumindo e reconhecendo que se enquadra num especí- pelo que os seus meios de subsistência dependem em gran- fico período de tempo, após a realização de consultas aos de parte da sua proximidade da costa. O direito ao retorno destinatários interessados dos países da Ásia Meridional voluntário está a ser claramente violado. afetados pelo tsunami, ouvindo os seus depoimentos e tendo em conta relatórios concretos de investigadores que No Sri Lanka, pouco depois da catástrofe, anunciou-se visitaram a Tailândia e o Sri Lanka, a Tourism Concern, for- aos habitantes que não deviam reconstruir as suas casas mula uma série de recomendações que se podem resumir no litoral, mas sim estabelecerem-se em zonas de proteção da seguinte forma: ao longo da costa. O governo argumentou que essas zonas eram absolutamente necessárias para proteger a popula- • os governos afetados, os organismos inter-governa- ção que ali residia de futuros tsunamis. De início, afirmou- mentais, organizações de ajuda humanitária e orga- se que não se permitiria nenhum tipo de construção nas nizações da sociedade civil deveriam analisar como o zonas de proteção, mas estão a construir-se novos hotéis. processo de reconstrução se relaciona com as ques- A população local opina que as medidas das zonas de pro- tões associadas à terra e com o desenvolvimento do teção não visam velar pela segurança das comunidades de pescadores, mas abrir caminho para a futura construção de grandes complexos hoteleiros. É altamente improvável turismo; • a voz das comunidades locais deveria ter um eco efetivo no processo de reconstrução; que o tipo de turismo de luxo que o governo está a pro- • o trabalho de reconstrução deveria considerar-se como mover beneficie as comunidades locais, já que os benefí- uma oportunidade para ir mais além e não limitar-se à cios recaem nas grandes empresas e apenas estão a criar recuperação das comunidades locais; adicionalmen- empregos mal remunerados. Ao mesmo tempo, está-se a te, deveria ter objetivos sustentáveis a longo prazo e cortar o acesso das comunidades aos seus recursos: água, adotar soluções duradouras que possam ter incidência terra, etc.. num desenvolvimento a mais longo prazo; • deveria dar-se prioridade à concessão de habitações Na Índia, os sobreviventes que pretenderam abandonar as zonas de proteção receberam ajuda para construir casas permanentes, com condições adequadas ao clima local. Todas as mudanças devem ser voluntárias; novas, enquanto as pessoas que optavam por regressar aos • os governos deveriam assegurar que os regulamentos seus antigos lares, situados em zonas de proteção, terão costeiros sejam igualmente obrigatórias para os pro- que tentar reconstruir as suas casas sem nenhuma ajuda econômica. motores turísticos; • os organismos de ajuda humanitária, os governos e os organismos inter-governamentais deveriam garantir Na terceira parte do relatório, apresentam-se vários es- que toda a ajuda se desembolsa e se utiliza median- tudos monográficos e opiniões pessoais muito interessan- te mecanismos que incluam sistemas de prestação de tes de sobreviventes, organizações locais e organizações contas; não governamentais, entre outras, do Sri Lanka, Tailândia e Índia. Neles se descreve, sem rodeios, como as pessoas • deveria efetuar-se uma supervisão eficiente dos resultados da reconstrução. se sentem despojadas dos seus direitos, sem ajuda nem assessoria para lutar pelos seus direitos sobre a terra; como No final do documento, apresenta-se informação comple- os sobreviventes estão desapontados com a ajuda prestada ta sobre a metodologia de documentação, a investigação dada a pouca transparência na utilização dos fundos; como no terreno e sobre as instituições e organizações colabora- as comunidades locais protestam contra a galopante cor- doras, assim como uma bibliografia pormenorizada. @local.glob - número 4, 2007 71 Resenha de livros Resenha de livros Josep Chias EL NEGOCIO DE LA FELICIDAD, DESARROLLO Y MARKETING TURÍSTICO DE PAÍSES, REGIONES, CIUDADES Y LUGARES Prentice Hall - Financial Times, Madrid, 2005 Polly Pattullo com Orely Minelli THE ETHICAL TRAVEL GUIDE: YOUR PASSPORT TO ALTERNATIVE HOLIDAYS Tourism Concern / Earthscan, Reino Unido, 2006 Marketing turístico para Marketing Turístico de Espanha, sendo considerado por todos os públicos muitos como uma referência mundial neste domínio. Este livro pode ser uma boa Descrevendo o seu currículo profissional e acadêmico, a ferramenta para aprender introdução do livro serve também para aprofundar devida- os principais conceitos que mente o perfil de Chias, pois para além de expor as linhas nos últimos anos se estão a sobre o desenvolvimento turístico que serão desenvolvidas utilizar no desenvolvimen- nos capítulos correspondentes, o autor retrata-se como um to e no marketing turístico, apaixonado pela sua profissão ao referir que desfruta dela através de vários exemplos como de poucas outras coisas na vida. práticos, de uma linguagem clara e de um estilo suave. No capítulo 1, fala da necessidade de uma oferta turística Talvez a sua principal atra- competitiva, mediante a criatividade, para obter um bom ção seja a de combinar os conceitos básicos do marketing posicionamento no mercado. Tal não significa ter que co- turístico com a articulação de estratégias de desenvolvi- locar no mercado algo totalmente inovador, mas sim dar mento local para os territórios que acolhem as ofertas tu- uma nova estruturação aos elementos com os quais um rísticas. território pode contar e que podem ser atrativos para uma determinada procura. O autor Josep Chias é doutorado em Gestão de Ciências e mestre M.B.A. pelo ESADE (Escola Superior de Administra- Estabelece, para o efeito, noções básicas de comunica- ção e Direção de Empresas) e engenheiro pela Universida- ção e de marketing com base em vários exemplos. Analisa de Ramón Llull, em Barcelona. A sua trajetória profissional a combinação de sensações e de estímulos produzidos pe- iniciou-se numa empresa privada, como diretor de marke- los recursos que compõem a oferta (a natureza e a cultura ting da Nestlé. Foi também responsável pela Direção de são, para o autor, prioritárias) e marcam, segundo a sua Promoção, Desenho e Imagem do Gabinete Olímpico para relação, a maior ou menor “confiança” do potencial cliente. a candidatura de Barcelona aos Jogos Olímpicos de 1992. Na última parte do primeiro capítulo, faz uma breve abordagem da análise DAFO 1 e de como nos pode servir para Durante 25 anos, combinou esta função diretiva com a importante atividade de docente no Departamento de Di- dispormos de um estudo baseado nos fatos e nas interpretações dos mesmos. reção de Marketing da ESADE, de que foi diretor entre 1992 e 1995. Foi professor convidado como especialista em ma- O capítulo 2 intitula-se A estratégia e abre com a eloquen- rketing turístico e cultural, em fóruns e universidades euro- te citação do escritor alemão Goethe: Leva vantagem quem péias e da América Latina. Em 1983, iniciou a sua atividade aproveita o momento oportuno. Aborda seguidamente ter- na área turística, com a preparação do primeiro Plano de mos que proporcionam uma entidade metodológica que é, Debilidades, Ameaças, Forças e Oportunidades são os eixos centrais do instrumento de diagnóstico denominado DAFO (chamado SWOT na terminologia internacional inglesa). 1 72 número 4, 2007 - @local.glob Resenha de livros juntamente com o elemento mais pessoal do autor, a ver- Definitivamente, pode-se afirmar que Josep Chias cum- dadeira definição deste livro. Assim, transmite os conceitos pre, com este trabalho, o seu objetivo de aproximar o ma- de estratégia, de visão, de missão, de objetivos e de resulta- rketing turístico a pessoas não especializadas, mas que dos, conforme os conhecemos do Quadro Lógico. devem tratar com o mesmo no seu dia-a-dia profissional ou acadêmico, respeitando simultaneamente os princípios Volta ao conceito de posicionamento para entrar noutros com mais forte orientação turística, como o valor do intan- básicos da planificação para um desenvolvimento integral dos territórios que apostam na atividade turística. gível na relação com a componente mais emocionante do turismo como atividade econômica, e à imprescindível sus- “Idéias para um Turismo tentabilidade para as ofertas que pretenderem abrir cami- Responsável” são o mote nho em novos segmentos do mercado. Aborda, com estes do Ethical Travel Guide. desenvolvimentos, as principais questões a ter em conta Este guia apresenta mais para criar uma boa marca e identidade turísticas. de 300 destinos nos cinco continentes onde poderá O terceiro capítulo, O plano operacional, centra-se na gozar umas férias alterna- análise das formas de organização da atividade do terri- tivas, éticas e responsáveis. tório, partindo da criação do produto turismo em que esse São destinos onde terá uma território se moldará como destino turístico. É interessante experiência de turismo que, o conceito de “servucción” que apresenta neste ponto. Este além de divertida e emocio- termo, estranho e pessoal, refere-se à estruturação da ca- nante, será também compa- pacidade do produto para a prestação de serviços a um de- tível com a realidade local que visita. Seguindo qualquer terminado cliente. Serve para entrar noutros temas básicos uma das sugestões deste guia terá a possibilidade de entrar ao refletir sobre o turismo quanto ao preço, à comercializa- em contacto directo com novas culturas, tradições e am- ção, à comunicação ou aos eventos. Em torno deste último bientes, envolvendo-se com a comunidade local. tema e tomando como referência Espanha, país onde Chias desenvolveu grande parte de sua trajetória profissional, A lista de alojamentos apresentados inclui desde aloja- compara dois grandes acontecimentos internacionais para mentos simples em estilo local até soluções mais sofistica- duas cidades da Península Ibérica: a Exposição Universal das com estilo ocidental, incluindo suites super luxuosas. de 1992 em Sevilha e os Jogos Olímpicos que tiveram lugar, Em qualquer umas das soluções, assegura-se, no entanto, no mesmo ano, em Barcelona. que a comunidade local usufruirá das receitas provenientes do turismo, ao contrário do que acontece com os destinos O autor dá especial relevo ao papel ativo que o cliente habituais e pré-confeccionados em que as receitas tendem pode ter na configuração do produto turístico e na sua inte- a beneficiar somente o operador turístico enquanto a co- ração positiva com o mesmo. Pode-nos ser de grande ajuda munidade e o ambiente locais saem lesados com a presen- para uma posterior promoção: quando esse cliente voltar ça do turismo no seu território. Escolher um destes desti- ao seu lugar de origem será um ativo – expressão apropria- nos é portanto uma forma importante e agradável de dar o da - que falará favoravelmente do que viu, descobriu ou ex- seu contributo para a redução da pobreza mundial. perimentou num determinado território, graças à proposta turística que o referido território lhe ofereceu. Na parte final do guia é apresentado um conjunto de informações variadas relativas ao Turismo Responsável, no- O controlo e a avaliação conduzem, dado o seu papel meadamente um elenco de pequenos operadores turísticos essencial em qualquer sistema turístico, à validade de O que apoiam as comunidades locais, uma lista de pacotes negócio da felicidade. Talvez se possa considerar que o ca- de férias em que são incluídos serviços de voluntariado, e pítulo dedicado ao financiamento, como costuma ocorrer outras informações práticas como livros e periódicos. nos estudos ou livros similares, é excessivamente breve, com os conhecidos apelos à coordenação entre os setores Ethical Travel Guide foi publicado em 2006 pela Tourism público e privado e à organização das atividades e projetos Concern, uma organização britânica que tenta garantir que em conformidade com os meios ou convênios disponíveis o turismo beneficie as comunidades locais, particularmen- para a sua realização. te as dos países mais pobres. @local.glob - número 4, 2007 73 Organizações Internacionais - A Organização Mundial do Turismo A Organização Mundial do Turismo Apresentação preparada pela Organização Mundial do Turismo, Madrid, Espanha Para mais informação: http://www.world-tourism.org A Organização Mundial do Turismo (OMT) é a principal organização internacional na área do turismo. Como agência especializada das Nações Unidas, desempenha um papel central e decisivo na promoção do desenvolvimento de um turismo responsável, sustentável e universalmente acessível, prestando especial atenção aos interesses dos países em desenvolvimento. Em 2006, a OMT tinha 150 Estados Membros, sete territórios e mais de 300 Membros Afiliados que representam o setor privado, instituições do campo da educação, associações de turismo e autoridades turísticas locais. A sua sede localiza-se em Madrid (Espanha). A OMT tem a incumbência de fomentar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) das Nações Unidas, orientados a reduzir a pobreza e promover o desenvolvimento sustentável. A OMT desempenha um papel catalisador em: • promover a cooperação internacional; • facilitar e estabelecer alianças entre os setores público e privado; • encorajar a aplicação do Código Ético Mundial para o Turismo. O Código Ético Mundial para o Turismo visa assegurar que os Estados membros, os destinos turísticos e as empresas aumentem os efeitos econômicos, sociais e culturais positivos do turismo e colham os máximos frutos, reduzindo ao mesmo tempo as suas repercussões sociais e ambientais negativas. O turismo é um dos setores que mais contribui para a economia mundial. Calcula-se que a sua contribuição duplicará em uma ou duas décadas e que os seus benefícios favorecerão cada vez mais as comunidades locais. A OMT identificou uma série de desafios que devem ser superados de forma a poder capitalizar este potencial fascinante: • compreender melhor a importância econômica do turismo; • reduzir a congestão das infra-estruturas e dos lugares turísticos; • liberalizar o comércio de serviços respeitando ao mesmo tempo um desenvolvimento sustentável; • controlar o impacto cultural e social do turismo; • aumentar o diálogo entre os países e promover uma cultura de paz; • melhorar as novas tecnologias de informação e comunicação; • intensificar o combate contra a pobreza; • conseguir um equilíbrio na aliança entre o setor público e o setor privado; • melhorar a resposta em situações de emergência e a capacidade de recuperação; • gerir a mudança. 74 As “organizações de caráter internacional” são aquelas que transcendem as fronteiras nacionais e podem ser definidas – segundo o direito internacional – como associações voluntárias de estados, estabelecidas por acordo internacional, dotadas de órgãos permanentes próprios e independentes, encarregados de administrar interesses coletivos e capazes de expressar um desejo juridicamente distinto do de seus membros. As organizações internacionais cumprem um papel determinado e fundamental no desenvolvimento e na cooperação e, nas últimas décadas, o número de acordos e iniciativas que estimulam a colaboração transnacional com esse intuito cresceu enormemente. @local.glob quer dedicar um espaço de reflexão nas suas páginas para analisar o papel que as organizações internacionais vêm assumindo, cada vez mais diretamente, no apoio aos processos de descentralização e desenvolvimento local, considerando tanto os sistemas de agências das Nações Unidas, como todas as outras organizações de caráter internacional cujo trabalho esteja orientado ao desenvolvimento sustentável das comunidades de todo o mundo. número 4, 2007 - @local.glob Organizações Internacionais - A Organização Mundial do Turismo ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO TURISMO PREMEIA REDE EUROPEIA DE TURISMO DE ALDEIA Apolónia Rodrigues Coordenadora do Projecto Região de Turismo de Évora [email protected] O projecto de criação da Rede Europeia de Turismo de Aldeia, coordenado pela Região de Turismo de Évora e no qual participam 14 aldeias do Alentejo (região no sul de Portugal), foi galardoado com o Prémio Ulysses 2007 na Categoria de Inovação, reconhecimento este atribuído pela Organização Mundial do Turismo (OMT). A nomeação para o prémio Ulysses é feita por entidades, organizações e empresários externos ao projecto. A atribuição desta distinção é precedida de um intensivo processo de análise levado a cabo pelo Comité do Prémio Ulysses da OMT em que é avaliado o valor dos projectos por entidades externas aos mesmos, bem como os seus objectivos, resultados e acima de tudo o seu carácter inovador e relevante para o Sector do Turismo. O prémio Ulysses representa para a parceria o reconhecimento de trabalho desenvolvido ao longo destes anos mas acima de tudo um desafio para o futuro. A Rede Europeia de Turismo de Aldeia assume-se como um projecto de desenvolvimento turístico sustentável assente na promoção de uma oferta turística de qualidade em meio rural, desenvolvido por uma parceria constituída por oito parceiros de cinco regiões europeias, Alentejo (Portugal), Trentino (Itália), Lapónia (Finlândia), Arad (Roménia) e Lomza (Polónia). Este projecto contou com o apoio do programa comunitário Interreg III C Sul entre Julho de 2003 e Setembro de 2006. As actividades levadas a cabo no âmbito deste projecto visam o desenvolvimento do conceito de turismo de aldeia e de turismo do imaginário como componente de animação turística das regiões envolvidas. Este conjunto de actividades proporcionaram o desenvolvimento de Planos de Aldeia, de um Documento Orientador para Selecção de Aldeias, de um Plano Estratégico da Rede, acções de promoção e animação turística, edição de materiais promocionais e acções de formação profissional. Uma componente importante deste projecto passa então pela definição e desenvolvimento de um conjunto de actividades de animação ligadas ao turismo do imaginário, ou seja, às tradições de cada comunidade, à sua identidade, aos seus monumentos, com o recurso aos monumentos megalíticos, às lendas sobre bruxaria, às tradições celtas e lendas da Transilvânia, etc., no fundo todo o património de cultura tradicional que permite diferenciar estas aldeias, esta Rede, de outras aldeias, de outras redes. A cada região corresponde assim um tema forte sobre o qual são desenvolvidas acções de animação. Por região temos o Megalistismo para o Alentejo, a Bruxaria para o Trentino, o Shamanismo para a Lapónia finlandesa, a Árvore da Vida para Lomza, e as Lendas da Montanha para Arad. Utilizando o Plano Estratégico da Rede como base de orientação a parceria está a preparar a terceira fase deste projecto. A criação das organizações regionais que darão continuidade à Rede assume-se como a tarefa primordial, tendo já sido possível criar a Associação do Alentejo e de Trentino. @local.glob - número 4, 2007 75 O Programa Delnet O Programa Delnet do Centro Internacional de Formação da OIT Em 1998 o Delnet, acrônimo de Rede de Desenvolvimento Local, nasce como um programa de apoio ao desenvolvimento local do Centro Internacional de Formação da Organização Internacional do Trabalho, agência especializada das Nações Unidas. Nestes oito anos de atividade, foi tecendo uma rede de mais de 2.000 pessoas e instituições em 71 países de todo o mundo. A descentralização e a devolução de competências dos poderes centrais às administrações de âmbito local tem sido uma tendência constante nos últimos tempos. Como conseqüência, os níveis locais estão assumindo responsabilidades cada vez maiores no desenvolvimento do território e na melhoria da qualidade de vida das pessoas que o habitam. Levar a cabo estas tarefas exige, porém, capacidades humanas e institucionais para uma gestão eficaz considerando não só as questões econômicas, mas também sociais. O objetivo do Delnet é facilitar o acesso ao conhecimento global e local de forma a que os atores locais possam oferecer soluções de maior solidez aos problemas comuns dos cidadãos. O Delnet destina os seus serviços a um amplo número de técnicos, gestores e responsáveis de instituições públicas e privadas envolvidas no desenvolvimento local, como por exemplo, municípios, governos provinciais e regionais, organizações empresariais, ONG’s, centros de pesquisa, universidades, Especialização de Delnet etc.. Concretamente, o Delnet oferece quatro tipos de serviTurismo Sustentável e Desenvolvimento Local ços: formação a distância, informação e publicações atualizadas, assessoria técnica, e o fomento do intercâmbio de Proximamente terá início a segunda edição desta Especialização que ar ticula, nas suas experiências a nível local, nacional e internacional graças sete Unidades Didáticas, os conceitos e ao trabalho em rede. ferramentas básicas necessárias para desenhar e implementar estratégias de desenvolvimento Todos esses serviços pretendem apoiar os participantes local do território baseadas no turismo sustentável. no seu trabalho cotidiano no campo do desenvolvimento Início do curso: Outubro de 2007 local, oferecendo tanto um quadro teórico como ferramentas práticas, como, por exemplo, uma biblioteca virtual, publiMais informação: cações técnicas especializadas, guias práticos, ou linhas diretas de www.itcilo.org/delnet informação. Esta abordagem tem sido possível graças à utilização das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) que permitem chegar, em tempo real, a lugares onde antes era difícil, senão impossível, levar a informação. É crucial que as pessoas que operam a nível local tenham acesso ao conhecimento e sejam capazes de utilizá-lo com o intuito de participarem, aproveitarem e serem criativas no novo contexto globalizado. Fomentando a utilização das TIC, o Delnet trabalha a favor da inclusão digital e da superação das desigualdades no acesso à utilização e usufruto das mesmas. Foi justamente este um dos pontos fortes do Delnet desde os seus primórdios, a criação de redes de intercâmbio que permitem romper o isolamento geográfico de diversas comunidades locais dispersas. Deste modo, os participantes tornam-se simultaneamente receptores e provedores de conhecimento e experiências de utilidade, por compartilharem publicações e boas práticas e o contínuo intercâmbio de idéias com colegas situados em outros lugares do mundo. Este mesmo espírito e filosofia de trabalho é a que fez com que o Delnet ousasse criar mais um instrumento de trabalho, editando uma revista que dê voz a todas as pessoas que trabalham dia a dia a favor do desenvolvimento local, facilitando ainda mais a comunicação e fomentando a democratização da informação. 76 número 4, 2007 - @local.glob @local.glob @local.glob é publicada graças ao apoio financeiro e técnico de: • Município da Cidade de Sevilha, Espanha • CajaGRANADA, através da sua Fundação CajaGRANADA • Estratégia Internacional para a Redução de Desastres (ONU/EIRD) • Fundação Interamericana • Centro Internacional de Formação da OIT, Programas Técnicos e Regionais Delnet Centro Internacional de Formação da Organização Internacional do Trabalho Viale Maestri del Lavoro, 10 • 10127 Turim, Itália Tel.: +39 011 693 6365 • Fax: +39 011 693 6477 E-mail: [email protected] • URL: www.itcilo.org/delnet