movimentos de ruptura do pincel ao pixel
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movimentos de ruptura do pincel ao pixel
IMPRESSIONISMO E CUBISMO: MOVIMENTOS DE RUPTURA DO PINCEL AO PIXEL Elaine Fraga Veit Coordenação Cultural Departamento de Arte Educação EMEF Presidente Vargas [email protected] Resumo O presente artigo faz uma reflexão sobre a revolução nas artes visuais provocadas pelos movimentos do Impressionismo e do Cubismo e a conseqüente evolução na representação gráfica que rompeu com paradigmas que forçavam os formatos das artes plásticas. Se o Impressionismo procurou a captação da luz natural ou artificial em suas telas, além de privilegiar a mancha de cor pura, por outro lado, o Cubismo geometrizou as formas, negando os princípios da perspectiva e do realismo tão enfatizados pelo neoclassicismo. Palavras-chave: artes, impressionismo, cubismo, cores, geometrismo. Resumen El presente artículo hace una reflexión sobre la revolución en las artes visuales provocadas por los movimientos del Impresionismo y del Cubismo y la consecuente evolución en la representación gráfica que rompió con los paradigmas que forzaban los formatos de las artes plásticas. Si el Impresionismo buscó captar la luz natural o artificial en sus lienzos, además de privilegiar la mancha de color puro, por otro lado, el Cubismo geometrizó formas, negando los princípios de la perspectiva y del realismo tan enfatizados por el neoclasicismo. Palabras claves: artes, impresionismo, cubismo, colores, geometrismo. 1 Confluência das poéticas de representação O presente artigo discorre sobre os movimentos definitivos em importância para as artes, nos século XIX e XX, Impressionismo e Cubismo e algumas das decorrentes rupturas naturais a todas as mudanças abruptas. Os artistas envolvidos nos dois movimentos propunham mudanças profundas na maneira de aplicação dos elementos formais da pintura, o que deu origem a novos paradigmas nas artes, influenciando irremediavelmente a arte contemporânea. O Impressionismo marcou o início da trajetória da arte moderna ao apontar o caminho rumo à abstração. Mantinha temas realistas, não se propondo a fazer denúncia social, embora alguns artistas tenham se arriscado a representar algumas tendências de estado psicológico de seus personagens, mas também retratava paisagens urbanas e de interiores parecendo apreender o instante em que a ação está acontecendo, criando novas maneiras de captar a luz e as cores. Os Cubistas representavam objetos e pessoas com todas as dimensões num mesmo plano, negando as normas da perspectiva. É como se estivessem abertos e apresentados no plano frontal da tela de pintura, sem nenhum compromisso de fidelidade com a aparência real, dando início ao abstracionismo. “A percepção é um exercício de confronto entre diferentes sistemas e sentidos. Essas tensões produzem a necessidade da criação de um campo poético, no qual a visão de mundo particular de cada um pode se tornar questionável” (AMARAL, 2008, p.46). E tanto impressionistas quanto cubistas questionaram os paradigmas de representação estética, criando novos sistemas, cuja confluência deu margem a que os artistas do século XX buscassem o espaço da liberdade de criação. 2 Cor, luz e geometrismo: ingredientes indigestos para a crítica inapetente Os títulos Impressionismo e Cubismo, dados aos movimentos revolucionários da arte, surgiram a partir do olhar hostil de alguns críticos de arte, refratários ao novo, àquilo que desacomoda paradigmas estabelecidos. Toda e qualquer teoria geral da Arte tem de começar por esta suposição: que o homem reage perante as formas, superfícies e massas dos objetos presentes aos seus sentidos, e que certos arranjos nas proporções dessas formas, superfícies e massas dão origem a sensações agradáveis, enquanto a ausência de tais arranjos conduz a reações de indiferença ou até a real desconforto e repulsa. (READ, 2005, p 132) Quando Monet apresentou a tela Impressão sol nascente (figura 1), no Salão dos Independentes, em 1974, causou tal desconforto que o crítico Louis Leroy publicou no jornal Charivari’s “... um papel de parede em estado embrionário está mais acabado do que esta marinha.” (FARTHING, 2009, p.244), completando que não passava de “simples impressão”. George Braque passaria por situação semelhante, em 1908, quando o crítico Louis Vauxcelles falou em realidade construída com "cubos", no jornal Gil Blas, referindo-se a um trabalho seu em que formas foram simplificadas, os contornos se transformaram em linhas grossas e escuras e o fundo era preenchido por grandes planos geométricos. O que Leroy e Vauxcelles não previram é que sua ironia alimentaria a imaginação de artistas e poetas que, inspirados em suas críticas, batizariam os dois grandes movimentos de Impressionismo e Cubismo, respectivamente. 2.1 Uma simples impressão Os impressionistas tinham uma forma de representação em comum que era o registro da cor luz sobre a superfície das telas, num transporte, quase mágico, para cor tinta e também tinham pressa de captar o instante. Mesmo assim, cada pintor teve a sua forma de registro, criando identidades próprias dentro de suas crônicas quotidianas. Na verdade, a revolução da mancha de cor surgiu um tempo antes com o quadro de Edouard Manet, Le déjeuner sur l’herbe (1863), como uma “... resposta ao desafio da fotografia. O lápis da natureza, inventado um quarto de século antes, confirmara a verdade objetiva da perspectiva renascentista... Era preciso salvar a pintura da competição com a máquina fotográfica.” (JANSON,1989, p.621). Manet nunca aceitou o título de impressionista para sua pintura. Preferiu ficar à parte do movimento, mas muitas vezes uniu-se a Monet e até realizaram obras a quatro mãos sempre inundadas de muita luz. Jean Claude Monet, o artista mais coerentemente fiel ao movimento impressionista, pintou paisagens repletas de luz natural e de cor vibrante. Houve, inclusive, quem reclamasse em uma de suas primeiras exposições, de que tanta luz lhe feria os olhos, mas nunca se intimidou com reações negativas e simplistas e até explicou como chegou a o título da polêmica obra que dera nome ao movimento: “Eu mandara algo que havia feito em Le Havre, da minha janela, o sol entre a névoa e alguns mastros de barcos surgindo em primeiro plano... Eles me pediram um título pra o catálogo e ela não podia passar por uma simples vista de Le Havre e eu disse: Escreva Impressão.” (FARTHING, 2009, p. 244). Figura 1: Impressão Sol Nascente – Monet – 1874 Fonte:www.pt.encydia.com Esse modo intuitivo no processo de criação unido ao fascínio pela observação e registro das modificações de cor promovidas pela alteração da luz de acordo com a hora e com o clima, levou Monet a pintar o mesmo cenário muitas vezes em horários e em estações diferentes, como o fez de1892 a 1894, a série Catedral de Rouen (fig 2). Monet viveu até os 86 anos, pintando sempre. Nos últimos anos, concentrou esforços sobre as ninféias, tema recorrente em murais, em que plantas e água se misturam em composições quase abstratas em grossas pinceladas de tinta. Figura 2: Série Catedral de Rouen – Monet – 1892/1894 Fonte: www.picasaweb.com Enquanto Monet pintou sempre ao ar livre, Renoir retratou cenas internas, com luz artificial, apresentando costumes parisienses do final do século XIX. Foi exímio representando bailes, festas, bares, sendo que, em muitas telas havia uma crítica sutil ao relacionamento humano nem sempre harmonioso, ao mesmo tempo em que se derramou em candura retratando meninas ao piano ou até mesmo prestes a chorar, pois como disse Janson sobre o trabalho do artista “O nosso papel é o de passeante fortuito que colhe de relance um trecho de vida”. (1989, p. 622). Em Almoço dos Remadores (Fig. 3) há uma incidência fantástica de luz sobre as roupas e pele dos personagens, além da toalha desalinhada onde pousam garrafas e comidas que convivem com a suave transparência dos copos. A moça que brinca com o cachorrinho é Alice, a noiva de Renoir. Figura 3: O Almoço dos remadores – Renoir – 1881 Fonte: www.pt.wikipedia.org O grupo francês era numeroso e encantador, incluindo uma mulher de grande aceitação por seu talento. Era Berthe Morisot, que se especializou em cenas de família. Além disso, no final do século XIX, o movimento saiu das fronteiras européias, chegando com muita aceitação aos Estados Unidos e no Brasil, que passava por profundas transformações políticas e sociais, com o advento da república. A Escola Nacional de Belas Artes concedia prêmios de viagem a artistas que se destacavam e, assim, tomavam conhecimento dos padrões estéticos europeus da época. Em especial, o movimento Impressionista foi logo o mais aceito em terras brasileiras pela leveza das temáticas e pela luz tropical adaptada nas criações de Eliseu Visconti e Belmiro de Almeida. 2.2 Cubos esquisitos Historicamente o Cubismo originou-se na obra do pintor pós-impressionista Cézanne, para quem a pintura deveria tratar as formas da natureza como se fossem cones, esferas e cilindros, em formas deliberadamente simplificadas. Assim como Manet não se deixou engessar pelo movimento impressionista, também Cézanne não se auferiu o título de cubista, mas para ele, a pintura não podia desvincular-se da natureza, tampouco copiava a natureza e, sim, a transformava. A História da Arte datou o início do movimento cubista em 1907, ano em que Pablo Picasso apresentou aos boquiabertos parisienses o quadro, Les Demoiselles d'Avignon (fig 3), que representava prostitutas do bairro de Avignon, com formas angulosas e máscaras africanas, mostrando “a estética cubista que se fundamenta na destruição da harmonia clássica das figuras e na decomposição da realidade” (PROENÇA, 1996, p. 156). Esse movimento foi considerado o divisor de águas na história da arte ocidental, ao recusar a idéia de arte como imitação da natureza e afastando os conhecimentos da perspectiva. “O espírito que o animava era verdadeiramente subversivo e, aos olhos do público, parecia atingir as raias do sacrilégio.” (CASSOU, 1953, p. 386). Figura 3: Les demoiselles d’Avignon – Pablo Picasso – 1907 Fonte: www.pt.vikipedia.org Outros artistas, como George Braque, Juan Gris e Fernand Léger tiveram características próprias dentro da mesma forma de pintar, mas quem teve maior repercussão mundial foi Picasso, pela sua capacidade incansável de trabalho. Além disso, por ser espanhol, não precisou ir para o front, no conflito de 1914, fato que rompeu, ou pelo menos adiou os sonhos de muitos jovens artistas contemporâneos de Picasso. Desde o quadro Les Demoiselles até 1911, Picasso e Braque (Figuras 4 e 5) trabalharam no que foi mais tarde chamado de Cubismo Analítico em que os temas eram apresentados de todos os lados simultaneamente, chegando a uma grande fragmentação de corpos e objetos. Seguiu-se, então o Cubismo Sintético que era a volta das figuras reconhecíveis, introduzindo colagens de madeiras, papéis, letras, palavras, recortes de jornais. Figura 4: Violinos e Uvas – Picasso – 1912 Figura 5: Instrumentos – Braque - 1908 Fonte: www.pt.vikipedia.org Com essas características, abriram-se portas irreversíveis para as manifestações da arte contemporânea em que materiais de toda espécie fazem parte ou têm livre passaporte para integrar as mais diversas composições visuais que povoam as bienais e galerias do Século XXI. Ainda no início do Século XX, jovens artistas brasileiros tiveram acesso ao que ocorria na Europa e traçaram sua trajetória no campo das artes. Tarsila do Amaral (1886 - 1973), quando esteve na Europa, manteve contato com artistas europeus como Léger, Picasso, De Chirico e Brancusi. Foi aluna de Fernand Léger e dele absorveu a característica síntese geométrica e aprendeu a estruturar um quadro sem figuração, mas com planos interligados. Apesar de não ter exposto na Semana de 22, Tarsila muito colaborou para o desenvolvimento da Arte Moderna brasileira, produzindo um sem número de obras indicadoras de novos caminhos. Em 1928, deu início à chamada fase Antropofágica, quando pintou a tela Abaporu (fig.6), cujo nome é de origem indígena e significa Antropófago. Também usou as formas geométricas na composição de seus quadros, como na tela Gare (fig.7), sempre lançando mão de uma estética baseada nas poéticas cubistas, esquecendo as noções de perspectiva, colocando todos os elementos no mesmo plano. Figura 6: Abaporu - Tarsila 1928 Figura 7: Gare - Tarsila - 1933 Fonte: www.capivari.sp.gov.br 2.3 Pixel: velho ou novo modo de pintar? Simplificando conceitos, pixel é o menor elemento das imagens digitais e, pensando morfologicamente, tem origem na aglutinação das letras iniciais de duas palavras da língua inglesa, Picture e Element. Cada pixel é composto pelas cores vermelha, azul e verde que se multiplicam em até 256 tonalidades, oferecendo, desta forma, a resolução final da imagem. Assim, numa resolução de 640 x 480 teremos 307.200 pixels; a 800 x 600 temos 480.000 pixels e assim por diante. Se a imagem tiver um milhão de megapixels, ela tem um MG ou um megapixel. A figura 8 representa uma imagem cuja resolução é de 399 X 400 pixels. Os impressionistas, querendo captar a luz do instante, mais ainda se fosse a luz do sol que se movimenta ao longo do dia, colocavam as tintas lado a lado direto das bisnagas nas palhetas, sem misturá-las e, a partir daí, as telas recebiam grossas e rápidas pincelas que o olho do espectador se encarrega de reconhecer as cores. Ao olhar uma imagem digital muito ampliada (Fig. 9), dizemos que ela está pixelada, podendo até perder a nitidez e a forma inicial, enquanto que o mesmo acontece se observamos muito de perto as Ninféias de Monet. Num grande salão de exposições, quanto mais longe se observar a obra, melhor se vislumbram as formas delicadas daquelas plantas aquáticas e a profusão de verdes, azuis e tons róseos (Fig. 8), onde, à primeira vista, fica difícil delimitar água e planta. Figura 8: Ninféias – Monet – 1890 Figura 9: detalhe ampliado Fonte: http://celestefeliz.blogspot.com/2010/09/impressionismo.html 3 Conclusão O artista recluso em ateliês, muitas vezes vive uma existência obscura, submerso em sua obra, mas por isso mesmo, sua vida transcende a morte, pois continua nessa obra que “se desprende do artista, cria vida própria, perdura, numa eternidade muito mais durável do que a dos mármores e dos metais.” (SANTAELLA, 2002, p. 108). Artistas como Monet e Picasso criaram dois conjuntos de obras importantes pelo complexo processo criativo que se desdobraram de outras linhas do conhecimento anteriores a eles, pois todo ato criador depende de conexões com linhas de pensamento subjacentes. As práticas artísticas contemporâneas muito devem aos movimentos do Impressionismo e do Cubismo pelas rupturas irreversíveis que proporcionaram às gerações seguintes, fosse pela liberdade de aplicação da cor ou das formas geometrizadas que substituíram paradigmas formais e formalizados. Não se podendo deixar de mencionar a Op Art dos anos 50 e 60 como um degrau ou desvio encurtante deste emaranhado de caminhos que formam o processo criativo da arte contemporânea e como “referencial para a reflexão sobre experiências de virtualização, haja vista que a imagem que se vê resultante do efeito ótico não existe, mas se realiza como potencial da estrutura original.” (AMARAL, 2008, P193). Ao colocar lado a lado as cores puras com rápidas pinceladas na tela, sem antes misturar na palheta, deixando que o olho do espectador fizesse a mistura, os impressionistas acionaram o obturador daquele que hoje prolifera nas imagens líquidas: o pixel. Assim, a simples impressão e os cubos esquisitos trilharam pelas telas de linho daqueles visionários e teimosos para chegar às telas de LCD e de LED sob forma da recriação do abstrato e do figurativo, do real e do virtual. Referências AMARAL, Lilian. BARBOSA, Ana Mae. Interterritorialidade mídias, contextos e educação. São Paulo: SESCSP, 2008 CASSOU, Jean. FIGURELLI, Roberto (tradutor). Filosofia do Cubismo. In: Revue d’Esthetique. Nº 6. Paris: Jean-Michel Place, 1953 FARTHING, Stephen. 501 Grandes Artistas. Rio de Janeiro: Sextante, 2009 JANSON, Horst Woldemar. História da Arte. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1989 PROENÇA, Graça. História da Arte. São Paulo: Editora Ática: 1996 READ, Herbert. O significado da arte. São Paulo: Editora Ibrasa, 2005. SANTAELLA, Lúcia. Semiótica Aplicada. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002
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