Paul Singer

Transcrição

Paul Singer
Palestra e Debate
PALESTRA PROFERIDA PELO PROFESSOR PAUL SINGER
NA FACULDADE DE EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DE GOIÁS - UFG NO ANO DE 1998 ACERCA DE
DIVERSOS TEMAS DE ECONOMIA, FILOSOFIA E POLÍTICA
GOIÂNIA
AGOSTO DE 2012
MEC
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
RENAPI
REDE DE PESQUISA E INOVAÇÃO EM TECNOLOGIAS DIGITAIS
IFG
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE GOIÁS
OBSERVATÓRIO DO MUNDO DO TRABALHO
OBSERVATÓRIO NACIONAL DA REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL,
CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
EQUIPE TÉCNICA EXECUTIVA
Geraldo Coelho de Oliveira Júnior – Pesquisador Gestor
Walmir Barbosa – Pesquisador Orientador
Maxmillian Lopes da Silva – Pesquisador Orientador
Denise Talitha Soares Carneiro – Economista
Letícia Daniele Silva Ferreira – Aluna Bolsista – Observatório
Luiza Batista da Costa – Aluna Bolsista – Observatório
Marcelo Regis da Silva Filho – Estagiário – IFG
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PALESTRA DO PROFESSOR PAUL SINGER
Nós tivemos uma crise muito específica, muito diferente das outras no mundo nos anos
de 1997/98 que provavelmente se estenderá até 1999, ningém sabe quando ela termina. Ela
não é uma crise mundial. Ela não atinge todos os países; atinge apenas alguns, principalmente
os mercados emergentes que são países sub-desenvolvidos no sudoeste asiático. Começou na
Tailândia, depois, Filipinas, Malásia, Indonésia, Coréia, Hong Kong, Japão (que não é nada
subdesenvolvido, mas está em crise). Depois a crise foi estourar na Europa Oriental
(sobretudo Rússia) e de repente ela veio pipocar no Brasil, nos deixando em uma situação
extremamente difícil, da qual o país está começando a sair agora.
Aqueles países que optaram pela globalização financeira estão sujeitos a fugas de
capitais para dentro e para fora. O mercado novo que surgiu agora, totalmente livre para
alguns, totalmente descontrolado para outros, sobre o qual não se tem estatísticas seguras. Não
há nenhum orgão de caráter governamental, intergovernamental, como por exemplo, o FMI
(Fundo Monetário Internacional), que esteja registrando o volume de capitais que cruza
oceanos, entra e sai dos diferentes países.
É um mercado caótico, volátil e totalmente predatório. É um mercado em que enormes
volumes de capitais estão movidos pelo medo da crise política e da moratória, portanto, a
perda do dinheiro investido, e pela ganância de juros enormes que países como o Brasil (não
só o Brasil, a Rússia também, e em alguma época, Indonésia e Coréia) pagam.
Há um jogo de medo e atração que impulsiona esses capitais a uma velocidade
extraordinária pela internet, e esses capitais vão fugindo para dentro de países e fugindo para
fora de paises. Desde o inicio do plano real, desde 1994, faz menos de 5 anos, o Brasil já
sofreu três fugas para fora e três fugas para dentro do capital externo e isto pode continuar
ninguém sabe até quando.
Só para lembrar rapidamente; a primeira foi em março de 1995, por contágio (essa é
outra caracteristica deste mercado caótico) da crise mexicana; houve uma fuga de capitais no
México que obrigou o governo mexicano a desvalorizar a sua moeda e, por contágio, os
capitais começaram a fugir do Brasil em março/abril de 1995. O Brasil respondeu fazendo
uma brutal recessão, jogando os juros nos “cornos da lua”, como consequência, os capitais
voltaram, houve então uma fuga para dentro; os borbotões entraram para dentro de tal forma
que o Brasil manteve a sua própria moeda sobrevalorizada, importando enormes quantidades
(muito mais do que exporta), pagando juros muito mais altos sobre esses capitais, ou seja,
cavando uma enorme dívida externa na qual estamos enterrados até o pescoço.
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Em outrubro de 1997, se deu uma segunda fuga de capitais. Dessa vez, aparentemente
ninguém sabe com certeza, pelo contágio com a Coréia, como se a Coréia fosse aqui do lado,
mas não é. Não é um contágio geográfico, mas, seja como for, a partir de uma fuga de capitais
da Coréia do Sul, de Hong Kong no extremo oriente, antípoda 1 , do outro lado do mundo, os
capitais começam a fugir do Brasil e mais uma vez o governo b rasileiro respondeu com uma
fortíssima elevação da taxa de juros, contenção de créditos, redução da atividade econômica,
até o Brasil cair em uma recessão muito forte. E novamente o milagre: os capitais fogem para
dentro do Brasil com uma velocidade tão fantástica que, em Julho de 1998, ano passado, o
Brasil chegou a ter orgulhosos 74 bilhões de dólares em reservas cambiais, ao mesmo tempo
em que estávamos lançando nossa dívida externa para além de 200 bilhões e boa parte dívida
pública, porque uma grande parte desta elevação de juros é o governo lançando e vendendo
seus títulos a essas taxas imensas de juros.
Em agosto de 1998, devido a problemas fiscais, a Rússia declarou moratória de sua
dívida pública interna (isto evidentemente causou um prejuízo muito grande a quem investiu
nessa dívida pública, ou seja, os bancos russos, alemães, um certo número de bancos globais,
americanos, japoneses) e mais uma vez o Brasil sofre u uma reversão e se iniciou uma enorme
fuga de capitais, a terceira. Mais uma vez, o Brasil jogou as taxas de juros a cerca de 40%,
(taxa de juros real). Pela primeira vez houve deflação no Brasil, uma série de índices de
preços caiu, inclusive em São Paulo, indicando uma queda pequena de 0,5%, mas enfim, uma
queda da taxa de preços; quer dizer, uma taxa de crescimento sendo negativa, significa cerca
de 40% de juros reais. Fantásticos!
E aí a fuga continua, e no meio dessa fuga o Brasil tem a excepcional oportunidade de
ver se esse tipo de política de guichê aberto aos capitais internacionais de endividamento
enlouquecido é o que o país deseja. Isso é testado na eleição presidencial. Em 3 de Outubro,
por maioria absoluta, nós reelegemos o presidente Fernando Henrique Cardoso, portanto
ratificamos essa politica. Logo em seguida, o presidente eleito anunciou que ia pedir auxílio
ao Fundo Monetário Internacional e a fuga de capitais foi diminuindo devagarzinho, tornou-se
um filetinho só, até que o congresso brasileiro rejeitou a taxação dos próprios aposentados do
serviço público e um aumento muito forte da contribuição dos funcionár ios públicos da ativa.
Isto começou a dar lugar a uma nova fuga de capitais do Brasil, em dezembro de 1998; em
Janeiro de 1999, Itamar Franco tomou posse no governo de Minas Gerais e anunciou uma
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Designa tradicionalmente na Eu ropa as regiões situadas do outro lado da Terra.
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moratória (palavra terrível) de 90 dias dos pagamentos de Minas Gerais para o Governo
Federal, coisa que não devia ter afetado os capitais externos que não estão na dívida mineira.
Não obstante, isso dá lugar a uma nova fuga extremamente desabalada do Brasil, a
ponto do governo (mesmo com o apoio do FMI) não aguentar mais e acabar aceitando a
desvalorização do Real, ou seja, parou de vender as reservas cambiais brasileiras e tivemos
grande mudança, ou a grande crise, com enorme prejuízo para o tesouro nacional. O Governo
Brasileiro, para defender uma sobrevalorização cambial insustentável, emitiu 70 bilhões de
reais em títulos cambiais, ou seja, títulos que pularam de repente 50% no seu valor e também
no serviço dos juros quando o real se desvalorizou, além de ter vendido bilhões e bilhões de
dólares futuros a serem pagos em fevereiro, março e assim por diante, a uma taxa de 1,22% ou
1,23% e assim por diante.
No fim do ano passado e começo de 1999, o Brasil estava sofrendo uma nova fuga de
capitais que levou o valor do real a menos de 0,5% do dólar, ou, se quiserem inverter por uma
forma mais usual, o preço do dólar pulou de R$ 1,21 para R$ 2, R$ 2,06, R$ 2,10 e chegou a
R$ 2,16, ou seja, quase o dobrou, o que levava a crer que o Brasil agora teria que começar a
controlar os fluxos de capitais para fora e para dentro, senão teria que jogar sua economia
numa recessão terrível. O acordo do Fundo Monetário Internacional foi renegociado entre
janeiro e março desse ano e a previsão oficial do FMI junto com a equipe econômica do nosso
governo é que o produto nacional brasileiro cairía por volta de -4,0%, -4,5% durante 1999,
uma das maiores quedas já ocorridas na economia brasileira em qualquer época.
Surpreendentemente, no meio de março, os capitais voltaram; isso é uma coisa difícil
de entender. O Banco Central brasileiro estava vendendo Dólares (os poucos que podia) para
tentar conter a desvalorização da moeda brasileira e de repente os capitais estrangeiros (os
capitais de fora) voltaram, atraídos por uma taxa de juros incrível de 45%. Só para se ter uma
idéia de comparação: os títulos do tesouro dos Estado Unidos, os preferidos pelos investidores
internacionais, pagam menos de 5%, pagam 4,75% de juros ao ano. Estávamos pagando quase
dez vezes mais. Esses juros fizeram milagre, talvez junto com Armínio Fraga, que nessa época
foi empossado na presidência do Banco Central. O fato é que os capitais estão desde então
fugindo para dentro do Brasil, não para fora.
O governo brasileiro já reduziu essa taxa de juros três vezes, de 45% para 42%, e
supostamente vai reduzir mais. Neste momento as perspectivas para a economia brasileira se
tornam menos sombrias; com essa entrada, essa fuga para dentro dos capitais externos,
provavelmente reduzida para um nível de 20%, que ainda é enorme, mas ela já permite
provavelmente alguma recuperação da atividade econômica. O desemprego ainda está muito
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alto, é o maior já registrado desde que se começou a medir o nível de desemprego neste país,
mas dá para prever que, se nada mudar, a economia brasileira voltará a crescer em algum
momento do segundo semestre em diante; acontece que não dá para fazer essas previsões.
O ponto central é este: o Brasil, juntamente com outros países, está hoje sujeito aos
medos e à ganância de um grupo grande de corretores que administram trilhões de dólares, em
geral, provenientes do primeiro mundo (Estados Unidos, Japão, Europa, etc), mas também do
nosso próprio país. A globalização financeira atinge nosso próprio capital, capital de
residentes no Brasil, seja de brasileiros ou de não brasileiros, mas que residem, prod uzem e
fazem negócios no Brasil. Nosso capital também é globalizado, ou seja, ele se comporta
exatamente como os outros, esses duzentos mil (de acordo com uma estimativa que eu li) de
corretores, muitos jovens, que conhecem pouquíssimo a respeito dos países onde colocam
dinheiro, consequentemente, criaram uma economia internacional extremamente instável, não
dá para fazer previsões; assim como era completamente imprevisível essa volta rapidíssima
dos capitais, não só ao Brasil, mas também à Argentina, ao México, ao Chile e à uma série de
outros países na América, dos quais eles vinham fugindo até recentissimamente.
No fundo, nós não sabemos o que se passa. O que nós conhecemos desses mercados é
que eles são extremamente voláteis, e é da condição desses capitais que eles possam se mover
com maior liberdade ao menor estalo; e o seu comportamento lógico, racional, é de rebanho,
isto significa que se alguns fazem, os outros têm que fazer porque as previsões, uma vez
partilhadas por uma parcela importante desses corretores, se transformam em realidade.
Se uma grande parcela desses jovens acreditar que o governo brasileiro não vai honrar
a dívida pública, (o que, aliás, teve um salto imenso por causa da desvalorização do real, está
agora ao que parece em 500 bilhões de reais, uma conta de juros fantástica, e o Brasil continua
tendo que fazer ajustes fiscais sobre ajustes fiscais sem parar) e, portanto, se livrar dos papeis
brasileiros, por exemplo, o Sibond que é um importante título da dívida externa brasileira
anterior ao plano real; eles começam a vender esses títulos e o preço começa a cair, então
todos os outros têm de vender rapidissimamente, porque que se não venderem, sofrerão um
prejuízo imenso, e esse prejuízo será registrado no balancete trimestral do fundo administrado
por eles; e se esse fundo não der lucro e sim prejuízo, eles podem perder o emprego, é muito
fácil serem substituídos.
Esse comportamento de rebanho torna o
mercado
financeiro
internacional
extremamente volátil, ou seja, essas fugas, para dentro e para fora, se dão de uma forma que
tem uma explicação lógica, mas é uma explicação perversa: é no fundo muito medo, muita
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ignorância e muita ganância; essas três características definem um mercado sem cabeça, sem
direção, sem nenhum controle. Este é o problema do Brasil atualmente.
O Brasil está em uma situação em que o único objetivo do nosso governo é defender a
credibilidade nacional perante esses 200 mil “coelhinhos” que estão manejando as poupanças,
de uma grande parte do mundo. Esse é o único objetivo. Nós não temos política industrial
nenhuma, e isso não é acusação, não dá para ter! Nós não temos nenhuma política agrícola e
nós não temos nenhuma política cambial porque também não dá para ter; a única política que
os “coelhos” exigem (porque eles são todos neoliberais em termos de mentalidade) é o ajuste
fiscal. Como eles investem basicamente em títulos públicos, eles querem ter a garantia que
serão devidamente remunerados; então o corte dos gastos públicos e a elevação dos impostos
é o único objetivo do governo, porque é através do ajuste fiscal que se garante a credibilidade
externa do país. Se olharmos qualquer entrevista do Fernando Henrique Cardoso, do Pedro
Malan, Arminio Fraga e etc. será confirmado o que se disse anteriormente; que o governo não
tem nenhum outro objetivo senão as reformas; e estas só tem uma finalidade: reduzir o déficit
público, déficit esse que é escancarado terrivelmente pelo enorme custo da dívida pública que
temos hoje em dia.
Em última análise, tudo se resume a garantir o pagamento dos que confiaram no Brasil
e compraram esses títulos baratíssimos, tendo níveis inacreditáveis de remuneração. Como
poderia ser diferente? O que é que o Brasil poderia fazer para não depender desse cassino?
Ele poderia, para começar, dizer que vai crescer; sua prioridade não é apenas lutar contra a
inflação, é também lutar contra o desemprego, a miséria, a exclusão social etc. Isso só se faz
crescendo, portanto, é prioridade do Brasil crescer, e não crescer para fora, mas crescer para
dentro; crescer tomando por base a gradativa incorporação ao mercado interno brasileiro
daquelas grandes parcelas da população brasileira que estão excluídas dele. Esta é a forma
clássica do desenvolvimento econômico; foi assim que o Brasil se industrializou, foi assim
que o Brasil foi campeão mundial de crescimento econômico na década de 50, 60 e 70, foi
baseado no mercado interno. Também exportávamos (e é evidente que vamos co ntinuar
exportando), mas o que dá o ritmo de crescimento da economia é a expansão da demanda
interna do país.
Colocada essa prioridade, se segue que o Brasil fecha o guichê. O que significa isso? O
país deixa de aceitar - como uma série de outros países também não aceitam: a China, Índia,
Taiwan, Malásia - capitais externos motivados apenas por sua ganância ou pelo medo. O
Brasil aceita capitais do ponto de vista deste projeto de crescimento a partir do mercado
interno; o Brasil precisa de capitais? Eu diria muito pouco, o Brasil precisa de pouquíssimos
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capitais externos. O Brasil tem perfeitas condições de poupar todo o capital que
eventualmente queira investir, como já fizemos no passado, mas isso não significa fechar as
portas. Acredito que investimentos que tragam tecnologias avançadas ao Brasil (não só
tecnologia industrial, mas tecnologia financeira, comercial, serviço, saúde, etc.) seriam muito
bem-vindos, não há porque não; mas são investimentos que vêm criar capacidade produtiva e
que terão lucros, terão renovação junto com o crescimento da renda da produção, do consumo
e do emprego dentro do nosso país.
Fechar o guichê significa em última análise: divisas são vendidas ao Banco Central (o
Banco Central não é independente, é parte do governo brasileiro), Dólares, Ienes, Libras, etc.,
quem ganha lá fora vendendo produtos e serviços, troca o dinheiro recebido por Reais no
guichê do Banco Central e este vende a quem precisa importar e a quem precisa fazer
pagamentos externos, com isso é possível fazer um Orçamento Cambial. O que se discute hoje
(e isso é uma proposta da oposição) é que isso devia ser aprovado como qualquer orçamento
no parlamento brasileiro. Já tivemos Orçamento Cambial na época do Presidente Getúlio
Vargas, na década de 1950, e na época do Presidente Juscelino Kubitschek. Podíamos fazer
isso de uma forma muito menos burocrática, de uma forma mais descentralizada, mas a idéia
seria basicamente ter um grande Conselho Monetário Nacional, não com três pessoas como se
tem hoje: Pedro Malan, Armínio Fraga e Pedro Parente; três pessoas nomeadas por Fernando
Henrique Cardoso; eles aprovam, administram as reservas cambiais brasileiras, fazem a
emissão de Reais, fazem a política monetária brasileira, fiscalizam, supervisionam e protegem
todo o sistema de intermediação financeira do Brasil, entre outras atividades.
Eu acho que a alternativa é abrir essa “caixa preta”, não através de CPI’s apenas, como
já vem acontecendo, mas através da participação de trabalhadores, de empresários e de
consumidores da agricultura, da construção civil, da indústria, do comércio, ou seja, de todos
os setores que dependem vitalmente de crédito e de juros. Como é preciso que esses setores
cresçam (esse é o objetivo da política econômica), eles contribuem para desenvolver um
projeto de orçamento cambial que depois poderia ser aprovado numa forma de lei pela
Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal; a partir daí, política industrial e política
agrícola tornam-se obrigatórias, assim como não tem espaço com essa globalização financeira
para nenhuma política pública porque tudo tem de ser deixado aos mercados. Neste outro
modelo, essas políticas passam a ser fundamentais, se passa a ter metas de desenvolvimento,
de produção de alimentos, casas, vestuários, de produtos da saúde e educação. Reconstrói-se o
orçamento público a partir de grandes planos de desenvolvimento nacional, isso não significa,
em absoluto, o fechamento do país, isto que está acontecendo no Brasil e no mundo é uma
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volta ao passado de antes de 1930; foi assim o mercado financeiro internacional até 1929, que
deu a imensa depressão dos anos 1930, a partir da qual se reconstruiu a globalização por
controle político de governos democráticos.
Então o que se está discutindo hoje não é acabar com a globalização, não é fechar o
país, mas é priorizar os interesses do cidadão e não deixar que essas decisões sejam tomadas
nos mercados, nos quais quem dispõe de mais dinheiro evidentemente tem sua vontade
prevalecendo. Os pobres estão excluídos do mercado de capitais, estão excluídos da maior
parte dos mercados por serem pobres, mas não estão excluídos dos sistemas políticos, então a
essência da mudança é voltar a ter uma direção politicamente eleita que conduza a economia
do país para objetivos discutidos e negociados consensualmente dentro da sociedade política
brasileira, subordinando os mercados a esses objetivos.
Dentro dessa concepção, de um outro tipo de economia, de um outro tipo de
desenvolvimento, cabe a criação de pequenas empresas, da pequena agricultura, do pequeno
comércio, do artesanato, mas cabe também o desenvolvimento de uma economia solidária,
que está hoje se desenvolvendo sobre o açoite da crise do desemprego.
A tremenda exclusão social que o Brasil está sofrendo nos últimos anos (com milhões
e milhões de pessoas tentando ganhar a vida de qualquer jeito, vendendo coisas nas ruas como
camelôs, como contrabandistas, como prostitutas) está permitindo com que se crie uma
economia solidária no país; estão surgindo cooperativas integrais nos acampamentos de
reformas agrária pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra) e pela
CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura); estão surgindo
cooperativas industriais importantes de empresas que faliram e, os trabalhadores, através de
seus sindicatos, conseguiram ficar com as empresas. Só a ANTEAG (Associação Nacional de
Trabalhadores e Empresas de Alto-Gestão) neste momento tem cerca de 50 empresas de
tamanho médio- grande que ocupam 15 mil pessoas no Brasil inteiro; produzem mais de 300
milhões de vendas, pagam 95 milhões em pró-labores para seus cooperados.
Estão surgindo iniciativas de economias solidárias por todo canto do Brasil, estão
surgindo clubes de trocas em São Paulo e em outros lugares. A experiência de Banco do Povo
(que são imensas cooperativas de créditos voltadas para os mais pobres, camponeses e pessoas
na economia informal em nossas favelas e assim por diante) já está dando certo em Porto
Alegre; uma experiência internacional está começando a ser implantada em dezenas de
municípios brasileiros; programas de renda mínima, enfim, há uma série de alternativas que
configuram uma economia em que a hegemonia não é do capital, mas é do trabalho. Essa
economia poderia crescer dentro de um processo de desenvolvimento econômico brasileiro até
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para fazer contraponto à economia capitalista, que não tem nenhum motivo para desaparecer
de imediato no Brasil que neste contexto tem grandes chances de se reconstruir.
Enfim, eu quero deixar claro aqui é que este país não parou dentro desse processo de
decomposição do estado nacional pelas privatizações, muitas delas desnecessárias e várias
delas muito prejudiciais, sobretudo de serviços públicos: telefonia, energia elétrica etc. Apesar
disso, apesar do sucateamento das universidades federais, do sistema público de saúde, grande
parte do sistema escolar federal, estadual e municipal, esses ajustes fiscais vitimam,
sobretudo, parte da população que não pode comprar a educação e a saúde no mercado
privado.
Apesar de tudo isso, há uma reação da sociedade brasileira, dos sindicatos, do MST,
das igrejas (lembrando que a campanha da fraternidade esse ano é uma campanha contra o
desemprego, pensando precisamente em economia solidária e iniciativas concretas de geração
de emprego e renda para pessoas que queiram solidariamente se unir nesse es forço), então há
uma reação sadia e que aponta para uma alternativa completamente diferente. Perdemos uma
oportunidade histórica em outubro do ano passado (eu quero deixar claro e explícito que eu
não questiono a decisão das urnas), Fernando Henrique foi reeleito e deve cumprir os 4 anos
para os quais foi reeleito, espero que ele ganhe bom senso e mude um pouco. Ele está
extremamente intransigente em posições que, na verdade, só interessam aos credores
internacionais. Pode ser que isso mude, é fundamental não desanimar, 4 anos passam logo; a
lição do que está acontecendo fica, porque nós estamos aprendendo. Eu acredito que não há
porque deixar de ter esperança; o povo brasileiro não ficará parado e nem restrito a isso que
estamos fazendo, que é trocar idéias, pensar juntos e tentar descobrir o que está acontecendo.
Nós vamos entrar num vasto campo de experimentação.
Segundo informações, os camelôs de Goiânia organizaram uma cooperativa e esta está
importando produtos do exterior diretamente, portanto eles se livraram da dependência dos
que exploram o seu trabalho. Isso é fantástico! Isso pode ser feito em toda e qualquer cidade e
a partir de uma cooperativa de camelôs, quem sabe se organizam cooperativas de artesãos e de
quem possa produzir as coisas que os camelôs vendem, então poderíamos organizar
cooperativas de créditos para financiar os próprios camelôs e quem produz para eles;
podemos, a partir dos camelódromos, iniciar um novo surto de desenvolvimento de baixo para
cima, reintegrando milhares e milhares de pessoas à produção social, e, eu diria mais do que
isso, à vida familiar, à vida social, e à normalidade. Porque sem trabalho, minha gente, é
muito duro!
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DEBATE
Pergunta: A economia solidária poderia ser um exemplo de proposta marxista ou socialista?
Prof. Paul Singe r: Os que estamos chamando de economia solidária são diferentes formas de
organizar a produção. O consumo, cooperativas de consumo, o crédito, cooperativas de
crédito, bancos cooperativos, enfim, todas as atividades econômicas com princípio da
democracia, da igualdade e da solidariedade. Nós não inventamos isso. A mais ou menos 150
anos, em Rochdale (Inglaterra), um grupo de trabalhadores sintetizou uma rica experiência
cooperativa através de uma série de princípios básicos que conseguem combinar (o que não é
fácil) eficiência econômica, competitividade (o que significa produtividade alta), qualidade
dos produtos, preços baixos com gestão democrática e igualdade nas decisões e no usufruto
daquilo que foi produzido; ora, isso para mim é socialismo.
Há muitas definições de socialismo, e eu não quero brigar sobre isso, mas a pergunta
eu responderia que é a forma mais autêntica de economia socialista; ela é uma economia
inserida num meio capitalista, então ela sofre todas as pressões da economia capitalista, mas
ela representa no mínimo um espelho; os camelôs de Goiânia, os assentados da reforma
agrária que organizam cooperativas e começam a produzir, a industrializar sua produção, a ter
um rendimento adequado, a ter escolas boas para os filhos. Eles estão mostrando um espelho
para toda a agricultura, para toda a população rural brasileira, do que se pode fazer, querendo
fazer; então, isto é um efeito educativo e demonstrativo bastante importante.
Pergunta: Qual sua posição diante da crise socialista russa e a inserção capitalista ne ste país?
Prof. Paul Singer: Eu não tenho muito a dizer a respeito da Rússia, aquilo nunca foi
Socialismo; para mim nunca foi. Socialismo tem que ser uma coisa espontaneamente querida
pelas pessoas, não pode ser imposta. Socialismo e totalitarismo são, a meu ver, incompatíveis.
A Rússia terá um futuro socialista possivelmente, porque há valores solidários socialistas em
todos os países e em todas as sociedades, inclusive na Rússia, mas eles terão que prevalecer
pela adesão livre e consciente das pessoas, e não através de uma imposição de cima para
baixo.
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Eu vou começar com a reforma agrária. Eu acho que a reforma agrária tem condições
de promover o desenvolvimento do país, não meramente para entrega das terras; eu acredito
que toda a experiência do MST (Movimento dos Sem Terra), da CONTAG (Confederação
Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), das várias frentes de lutas pela reforma agrária,
já estão aprendendo isso agora, o importante vem depois, não que não seja importante
conquistar terras (claro que é), o fato é que a conquista da terra é só uma condição necessária e
que está longe de ser suficiente. O pior perigo que ameaça a reforma agrária é se os assentados
tiverem de abandonar os assentamentos, porque, se isso acontecer, eles morrem de fome, ou
ficam pior do que já estavam antes da reforma agrária; então, o êxito econômico da reforma
agrária é absolutamente essencial. Hoje já existem 200 mil famílias assentadas neste país, de
acordo com os dados obtidos com o MST. Talvez seja m mais de 200 mil porque essa
informação já tem mais de 7 meses; então já temos hoje uma agricultura da reforma agrária, é
absolutamente vital que essa agricultura progrida e puxe o resto da agricultura do mundo
agrícola para cima, e só tem que fazer com a solidariedade dos trabalhadores da cidade, então,
é preciso criar cooperativas de consumo que comprem a produção das cooperativas de
produção, é preciso criar cooperativas de crédito que aceitem financiar cooperativas dos
assentamentos.
A reforma agrária não terá êxito, não vai contribuir para o desenvolvimento nem para a
reintegração social se nós, nas cidades, não conseguirmos criar uma forte base de apoio
econômico para começar, financeiro e político a esta nova agricultura socialista, que de
alguma forma está emergindo, não totalmente socialista, longe disso, mas uma parte dela pelo
menos opta por formas solidárias, cooperativas, que trabalham em conjunto e que repartem de
uma forma mais ou menos igualitária aquilo que ganham.
Pergunta: Como promover crescimento nacional a partir do mercado informal uma vez que
não há arrecadação de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços)? Fale um
pouco da questão financeira dos Estados.
Prof. Paul Singer: Quanto à pergunta a respeito da economia informal. Ela diz, com toda
razão, que se não houver a arrecadação de impostos, essa será, sempre, uma economia que terá
de ser mantida marginal, porque todas as atividades econômicas e a vida depende m de
serviços públicos; esses serviços têm que ser pagos e tê m que ser pagos por quem produz e
ganha. Temos que formalizar a economia informal. Essa é a resposta. Nós temos que fazer
uma reforma tributária que permita a essas atividades formalizar-se e começar a pagar sem
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destruir, porque, provavelmente com o nível de impostos que hoje recai sobre a atividade
produtiva, ela se inviabiliza.
É perfeitamente possível. Eu estive no governo de Luiza Erundina (prefeita do
município de São Paulo entre 1989 e 1993) e nós fizemos isso com os camelôs de São Paulo:
criar condições para que essas atividades se legalizem, não sejam mais achacadas,
chantageadas pela polícia, pela rapa (como são chamados genericamente pelos camelôs:
Agentes de fiscalização da Secretaria Municipal de Serviços Públicos, guarda Municipal e a
Policia Militar) e assim por diante. Pagam os impostos que sua atividade e a sua renda podem
pagar.
Pergunta: Gostaria que o senhor falasse sobre a relação déficit público x inflação; gostaria de
entender melhor esta dinâmica.
Prof. Paul Singer: O déficit público no Brasil está enorme, nunca esteve tão grande; a nossa
inflação é mínima, mesmo com a desvalorização, mesmo com o aumento do preço dos
produtos importados. Nós vamos ter esse ano, tudo leva a crer, menos de 10% de inflação,
provavelmente 9%, 8%, 7%, o que é uma fortíssima prova de que não tem uma relação
necessária entre déficit público e inflação. O déficit público é uma coisa ruim porque
concentra renda, não porque ele causa inflação, ele não causa; vejam: o que significa esse
déficit público e essa dívida publica do enorme tamanho que nós temos? Significa que quem
empresta o governo a juros de 25%, 30%, 40%, 50% ao ano, leva esse dinheiro tirado dos
assalariados e todos os que pagam impostos, e é evidente que quem investe nos títulos são
mais ricos do que aqueles que pagam impostos. Ou seja, o grande endividamento dos
governos é uma forma de concentração de renda e isso nós temos que evitar.
Eu acho que se o país crescer é possível ter algum déficit público porque as receitas
públicas crescem junto com a economia, se a economia crescer 7% você passa a ter
tendencialmente um crescimento de 7% ao ano de toda a receita federal, estadual e municipal.
Então, é possível financiar investimentos importantes, socialmente prioritários, através do
orçamento participativo, tomando dinheiro, não é nenhum absurdo, absurdo é deixar a dívida
pública ir ao céu através de taxas de juros fantasticamente elevadas e que concentram cada vez
mais a renda brasileira nas mãos de aplicadores financeiros.
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Pergunta: O senhor falava dessa transterritorialização do capital, fazendo essa explanação
geral que eu concordo, muda a relação da sociedade com território e vai promover o
surgimento de diferentes movimentos sociais que vão se colocar contra esse capital
monopolista; aí o senhor fala dos movimentos sociais que vão surgir nessa relação mediada
pela sociedade e território, tocando ainda no caso do MST, eu faço um trabalho com o MST a
muito pouco tempo e queria colocar a minha questão neste sentido.
O senhor falou que socialismo não é imposto, eu concordo que ele não seja, mas qual é
a forma de se tentar implantar uma sociedade socialista, haja vista que esta sociedade se
caracterize pela produção de indivíduos que fazem parte de uma cultura de massa e por isso se
organizam articulados e normatizados em um sistema, não tem consciência de classe e tem
uma alienação. Quais seriam as formas de se tentar trabalhar? Quando converso com
integrantes do acampamento do MST (pessoas que saíram do campo a pouco tempo), observo
que o discurso que eles tem não é deles, é um discurso repetido das lideranças, porque eles
ainda não tem condições de formar este discurso, então, eu gostara de saber quais são os
apontamentos que o senhor coloca.
Pergunta: Gostaria de destacar uma formulação que o senhor fez quando afirmou que, já que
o presidente foi eleito por mais 4 anos, ele deve continuar. Dentro desse raciocínio, com todo
respeito, nós não teríamos derrubado Collor de Mello (Presidente da República 1990-1992),
porque teríamos de atender os limites da democracia formal burguesa. Como o senhor vê essa
manifestação contra o Presidente da República? Como o PT está vendo? Essas manifestações
têm como tema principal, um fora FHC, um fora FMI, contra o não pagamento da dívida e a
favor da geração de empregos.
Prof. Paul Singe r: Eu quero deixar claro em função do que você falou, que eu não vou falar
pelo PT, eu vou falar do que eu penso, não tenho autoridade e nem vontade de estar falando
em nome de um partido tão grande e tão diversificado como é o Partido dos Trabalhadores. Eu
não concordo em comparar Collor com o Fernando Henrique Cardoso. Tiramos Collor
obedecendo rigorosamente à constituição democrática burguesa, nós não violamos nenhuma
lei e nenhuma norma de democracia. O Collor foi eleito, empossado, mostrou-se
absolutamente imoral do ponto de vista da gestão do dinheiro público, e existem recursos
democráticos para se tirar o presidente que faz isso, agora, exigir neste momento que ele seja
tirado, eu acho que não. Eu acho que não temos coerência se fizermos isso. Dizer fora FHC
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como protesto contra suas políticas, eu direi com a maior convicção, mas exigir que ele seja
substituído pelo Marco Maciel, que é o único substituto que ele pode ter, para quê?
Pergunta: Eu gostaria de retratar a experiência de Fortaleza, na primeira administração
popular, primeira prefeitura que a gente conseguiu eleger no país; com várias experiências
interessantes: hortas comunitárias, criação de cabras leiteiras, empréstimos populares,
incentivos à cultura popular, dando emprego aos artistas que não o tinham, escolas
comunitárias etc. No entanto, a gente terminava se deparando com uma maneira de produzir
riqueza e distribuição perversa que nós chamamos de modo de produção; me parece que é essa
a crítica feita a nível internacional das teses que estão sendo elaboradas dentro da economia
solidária. Quer dizer, como fica a economia solidária dentro desse modo de produção que não
abre espaço nenhum para o que é solidário? Nessa briga de capitais que é terrível massacra
qualquer tentativa de quebrar essa lógica.
Prof. Paul Singer: O que abre espaço para a economia solidária, hoje, no Brasil inteiro e em
outros países também, este é um movimento mundial, é a própria crise do capitalismo. O
capitalismo se implantou nas brechas da sociedade pré-capitalista por causa das suas crises.
No século XVI, particularmente, a economia pós- feudal, mas pré-capitalista, estava
marginalizando grandes massas humanas e os capitalistas estavam usando esses trabalhadores
para criar uma economia extremamente competitiva fora das cidades, e foi de fora para dentro
que o capitalismo, que a revolução industrial, conquistou sua hegemonia. Mas isso é uma
curiosidade histórica, eu não estou convicto de que a transformação, que eu chamo de
revolução socialista, vai seguir o processo capitalista; não tem que ser, aliás, eu nem sei que
processo vai ter, uma coisa eu sei, o capitalismo nesta quadra da história está se comportando
como o sistema pré-capitalista se comportou no século XVI, XVII e XVIII; está
marginalizando milhões e milhões no Brasil, na Europa, na Ásia e na América Latina, e esses
milhões não vão ficar parados esperando que o Estado faça alguma coisa por eles, eles vão se
organizar, e como eles não tem capital, são meros trabalhadores, é muito possível que eles se
organizem sobre a forma socialista, é possível.
Neste momento o que abre espaço para a economia solidária é efetivamente a crise
capitalista. Se não houver algum apoio público para essa economia solidária, as suas
perspectivas serão muito estreitas; mas acontece que no Brasil para não ficar falando do
mundo inteiro, estamos conquistando prefeituras importantes, alguns governos de estado, e eu
tenho o prazer de contar em resposta a pergunta do Prof. Hudson que o governo de Olívio
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Dutra no Rio Grande do Sul, está efetivamente implementando um programa de fomento da
economia solidária no campo; na cidade, eu não sei o que vai dar.
Pergunta: É possível pensarmos um socialismo sem mercado?
Prof. Paul Singe r: É uma pergunta muito difícil de responder, eu d iria que não excluo essa
possibilidade, basta que as pessoas queiram, mas aí teria que ser uma pessoa com uma
mentalidade muito diferente do que, digamos, os trabalhadores e as pessoas nesta geração; nós
temos que lutar por um socialismo no qual os atuais homens efetivamente se sintam bem, mais
felizes e com entusiasmo de participar. Isso me leva efetivamente às q uestões levantadas pelos
debatedores e que segue na mesma direção das perguntas, ou seja, nós formamos uma cultura
bem capitalista no Brasil e nos outros países, cultura esta, extremamente individualista em que
os laços de solidariedade são o tempo todo menosprezados e o triunfo e a competição,
sobretudo dentro das empresas, entre as empresas e entre os partidos, estão sendo levados a
frente. Isto é, em si, um problema gravíssimo e há uma forte reação; as igrejas estão reagindo
a isso, não só a Igreja Católica, mas as igrejas judias, budistas; todo o mundo religioso está
hoje ficando anticapitalista, não por nada, mas porque esses valores de mercado, este
individualismo extremado, acaba inviabilizando a vida social; as famílias estão acabando. Eu
nunca fui grande defensor da família porque era uma instituição muito opressiva, sobretudo na
minha geração. Neste momento, não ter família é um problema grave.
Eu não estou respondendo a tua questão, eu estou muito mais problematizando-a, ou
seja, esta cultura de massas é cheia de contradições, e eu acho que vai haver uma baita reação
aos extremos do individualismo e do veredicto do mercado. Nós estamos chegando em uma
situação (principalmente nos Estados Unidos onde isso é extremo, e já está dando explosões
de violência em escolas), em que, para os ganhadores, tudo, e para os perdedores, nada. Ou
seja, a sociedade é dividida muito cedo entre ganhadores e perdedores, entre os bons e os
ruins, o que leva, por exemplo, em um país tão cheio de senso de honra, tão forte como no
Japão, a haver um enorme índice de suicídio de adolescentes; no Japão você é perdedor aos
14 anos de idade; se você não conseguir atingir um certo nível, você já não vai para uma boa
universidade, você já está de lado, então muitos se matam.
Estamos levantando uma problemática importantíssima que não deveríamos responder
levianamente, é uma coisa a ser pensada. De qualquer forma, as tenta tivas solidárias estão se
multiplicando no mundo e elas são o oposto. Hoje há uma grande disputa em que a economia
solidária é questão clandestina, ninguém sabe disso, estamos agora começando a dar alguma
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divulgação, mas só para dar um exemplo que a mim co nsola e me deixa mais entusiasmado:
um dos países mais pobres do mundo chama-se Bangladesh, um professor universitário de
economia, inventou um banco para as mulheres camponesas pobres desse país que hoje atende
a mais de 2 milhões delas, é um dos maiores bancos do mundo; um terço dessas mulheres já
superou a fronteira da pobreza, já não são pobres propriamente, e um outro terço delas está
quase chegando lá.
Essa experiência do Graming Bank, do banco do povo de Bangladesh, é hoje
implantada no Brasil, na Bolívia, na Colômbia, e em vários países da América Central, África
e Ásia; essas coisas são antídotos. Se você tem de um lado a formação de uma cultura de
massas extremamente egoísta e individualista, você tem experimentos sociais importantes
mostrando como a solidariedade também pode ser eficiente, propondo, por assim dizer, uma
outra escala de valores e um outro estilo de vida.
Pergunta: Nós discordamos em um ponto aqui, Prof. Paul Singer, em relação à concepção do
que prevaleceu na União Soviética. No meu entender foi a primeira experiência socialista
construída, claro, sob determinadas circunstâncias e peculiaridades: condições de guerra, lutas
internas, guerra civil e 1ª e 2ª guerra mundial. Mas houve uma tentativa de implementação de
um modelo com base exatamente em cooperativas; penso que devemos caminhar nessa
direção do processo de cooperação, de cooperativas, quer dizer, acima de toda essa lógica
perversa do capitalismo e do capital.
O que deu errado, por exemplo, na tentativa de implementação de modelos de
cooperativas da União Soviética em relação aos colcoz (é um tipo de propriedade rural
coletiva, instituída na União Soviética no qual os camponeses, os colcozianos, formavam uma
cooperativa de produção agrícola) e aos sovcoz (fazendas estatais soviéticas). Cooperativas de
médios e pequenos proprietários, com base naquela experiência nós podemos apresentar
outros tipos de modelos que venham a ser vitoriosos.
Prof. Paul Singer: Eu tenho dificuldades em discutir a União Soviética, enfim, não sei bem o
que dizer. Eu não tenho a menor dúvida que os revolucionários de outubro tinham intenções
socialistas e provavelmente muitos deles, seus descendentes, mantiveram (durante os quase
setenta e tantos anos em que a experiência durou) intenções de ali construir uma economia
livre, igualitária e assim por diante; mas infelizmente, muito cedo, eu diria já nos anos 30, o
processo entrou no que é pior, não só autoritário, mas hipócrita, quer dizer, em 1936 se fez
uma constituição na União Soviética, seria o país mais democrático do mundo, só que não
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valia nada. Naquilo que tinha escrito na constituição não tinha nada a ver com o que se fazia
na vida real. Krushov, 20 anos depois, denunciou isso e sem dúvida é verdade; por isso, como
eu sou livre e você também é, se você quiser chamar, como muitos chamam, experimento
socialista que, enfim, malogrou, eu não vou brigar, mas muito cedo ela deixou de ser
socialista, infelizmente, e o seu malogro era também uma coisa inescapável.
Pergunta: Com relação às questões internacionais, por que os países não emergentes como os
Estado Unidos não entraram em crise?
Prof. Paul Singer: Os Estados Unidos, bem como uma série de outros países, não estão em
crise, eu disse isso no começo da minha exposição; não há crise financeira geral, inclusive
países que já entraram em crise, já saíram da crise; México entrou em crise em 95, depois
saiu, voltou agora, em parte; a Coréia, parece que está saindo; a Indonésia possivelmente
daqui um tempo sairá; é uma crise que pipoca em regiões e pa íses ao acaso, ao acaso político,
e os Estados Unidos não estão isentos de cair em crise a qualquer momento, o que não é
provável, devido à sua importância militar: é a maior potência mundial.
É importante recordar que essas fugas de capitais são politica mente motivadas, muito
mais do que economicamente. A ideologia diz que eles fogem dos países cujos fundamentos
estão errados; isso é ideologia. A maior parte dessas fugas do México, do Brasil, da Tailândia
e etc., é muito mais provocada com medo de que, ou a inflação venha ou o governo seja
derrubado, enfim, incerteza quanto ao futuro político institucional do país, e é por isso que
países, tipicamente Estados Unidos, Alemanha, França, enfim, os países centrais do sistema
capitalista, estão menos expostos, mas não estão inteiramente a salvo.
Pergunta: De que forma este fluxo, estas fugas para dentro, e estas fugas para fora do país
podem vir a resolver ou não a crise econômica?
Prof. Paul Singer: A crise é a fuga para fora. Hoje, a forma da crise é basicamente o
abandono acelerado dos capitais externos e internos do país, aí o que acontece? Nós vimos
isso acontecer no Brasil! O país fica sem divisas externas, então depois que acaba as reservas,
ele para de vender dólares, porque não tem mais; a moeda do país se desvaloriza
violentamente, existe o rebote interno que poderá ser grande ou pequeno, depende das
condições de conflitos distributivos, lutas de classes do próprio país, e isto é a própria crise. A
entrada, fuga para dentro, não causa crise, só que ninguém garante que ela fique por muito
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tempo; em 4 anos tivemos 3 fugas, de modo que é uma coisa que acontece com certa
freqüência.
Pergunta: A guerra de Kosovo tem alguma coisa a ver com a questão da nova moeda
europeia, o euro?
Prof. Paul Singe r: Eu não acho que Kosovo tenha muito a ver com isso, não me considero
conhecedor dessas questões; só para não fugir à pergunta. Eu acho que é um processo
extremamente cruel dentro da luta entre Sérvios e Kosovares; existe crueldade, existe
opressão, só que as potências da OTAN, da Aliança do Atlântico norte, resolveram proteger os
Kosovares e estão agora cometendo as mesmas crueldades sobre civis, inocentes, sérvios e
kosovares, de modo que o remédio está sendo pior que a doença; então isso está criando uma
situação política extremamente complicada, desmoralizante para Clinton e para o primeiro
ministro Tony Blair. Mas eu não creio que isso tenha nenhuma relação fundamental com
problema das crises financeiras e econômicas que as crises financeiras eventualmente causa m.
Pergunta: A questão da globalização é apenas uma questão financeira e sem perpassar as
questões sociais, culturais e a imposição do FMI (Fundo Monetário Internacional)?
Prof. Paul Singer: Boa pergunta! Ela é comercial, financeira, produtiva, o que significa que
cada vez mais a produção mundial é centralizada por imensas empresas multinacionais que
estão presentes em mais de 100 países, muitas vezes, e planejam centralmente pedaços da
economia mundial, tendo em vista unicamente o retorno financeiro aos capitais aplicados, o
que é uma coisa complicada no mínimo; e ela tem aspectos culturais extremamente
importantes e tem aspectos políticos, é uma globalização política. Eu vejo a globalização
como uma coisa progressista e boa, desde que dominada democraticamente por governos que
tornem esse processo favorável aos interesses dos trabalhadores, que são a maioria da
população de qualquer país. Neste momento, o processo de globalização financeira está sendo
homogeneizado pelos interesses, não do capital apenas, mas do capital financeiro que é uma
fração do capital e está efetivamente colocando em crise a economia capitalista mundial, pelo
menos em perigo de crise. Eu estava lendo no avião um livro que eu recomendo, é de um
sujeito chamado Jorge Soros, chama-se Crise do Capitalismo; é um bom livro. Soros sabe do
que está falando, ele é dirigente de um dos maiores fundos de investimento e filantropo
também. Ele acha exatamente o que estou dizendo aqui, que a economia capitalista, por causa
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do Neoliberalismo, está entrando numa situação de decomposição social, ou seja, do extremo
individualismo que está destruindo, nas palavras dele, os valores sociais.
O FMI é uma coisa importante, existe em mais de 180 países, o Brasil é sóciofundador; temos um governador do Fundo Monetário Internacional, ele é uma associação,
uma cooperativa de crédito dos países para se ajudar mutuamente. Hoje, é claramente
dominado pelos Estados Unidos e pela ideologia neoliberal; então é uma coisa muito
contraditória e complicada, ela tem um corpo técnico forte e que está sempre a serviço dos
países pobres, não tem nenhum cliente do FMI que seja rico; os ricos dão dinheiro e o FMI
neste momento é uma espécie de guarda pretoriana de grande capital financeiro global, ou
seja, o FMI, ao fazer os seus acordos de assistência a seus próprios membros, em última
análise, assegura aos interesses dos investidores externos nesse país, mas não precisa ser
assim, quer dizer, se nós pararmos de eleger FHC no Brasil, se os argentinos pararem de
eleger Menens, Fugimoris, etc. Se nós conseguirmos mudar politicamente o mundo, o FMI
deixa de ser problema e passa a ser parte da solução.
Pergunta: Como pode ser compreendida a ALBA (Aliança Bolivariana para as Américas)?
De que forma as influências mundiais podem alterar e vir a trazer transformações no Mercosul
(Mercado Comum do Sul)?
Prof. Paul Singe r: O Mercosul é uma importante alternativa terceiro- mundista contra o
domínio das grandes potências sobre essa economia que se globaliza. Ela tem grande
potencial de unir, sob a liderança do Brasil, a América do Sul toda, o que para nós é uma coisa
interessante, sobretudo se nós soubermos ser bons aliados de nossos companheiros. Nesse
momento, a Argentina está sofrendo com a desvalorização do Real. Eu defendo o Mercosul.
Acredito que o Brasil deveria ser generoso com a Argentina e não tentar destruir a sua
indústria, porque circunstancialmente nossos produtos são mais competitivos; esta é uma boa
questão básica.
A Alca é uma tentativa de varrer o Mercosul criando um vasto Mercado Comum nas
Américas em que a liderança será obviamente do capital dos Estados Unidos. Então existe
hoje uma certa disputa em que, pela primeira vez, o Brasil e os Estados Unidos estão em pólos
diferentes, e existe uma certa disputa de liderança nas Américas entre o Brasil, potência de
terceiro mundo, e os Estados Unidos.
Pergunta: Temos uma grande dívida externa para pagar, o que fazer com essa dívida?
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Prof. Paul Singer: Paga-se a dívida externa ou não? Minha opinião é que deveríamos pagá- la
nas condições possíveis e subordinadas às prioridades nacionais. Eu acho que é errado dizer
de antemão que nós não vamos pagar. Primeiro porque nos coloca numa posição, eu diria, de
ignorar as condições de vida real das nossas próprias empresas. Quem que é o devedor da
dívida externa brasileira? Não são vocês, nem eu, mas são os governos federais, municipais,
são empresas multinacionais sediadas no Brasil, empresas brasileiras, públicas, privadas e
assim por diante, e que normalmente tomam dinheiro emprestado. Dizer que não vamos pagar
a dívida externa não é uma proposição política, ela é uma proposição financeira um tanto
quanto inviável. O que eu estou querendo fazer aqui é sofisticar a nossa discussão da dívida
externa, não meramente colocar em termos simples, ou paga ou não paga.
Vou tentar explicar isso com uma história: o papa lançou um generosíssimo
movimento do jubileu 3000, o terceiro milênio, que se inicia daqui a dois anos, e propôs que
as dívidas dos países pobres não fossem pagas, fossem perdoadas, o que do ponto de vista
religioso, moral, social é encantador, mas, depois disso, o Celam, a conferência Latina
Americana de Bispos, tomou a proposta a sério e conseguiu um encontro no Vaticano com a
cúpula do Vaticano, a cúpula do Celam e o presidente do Fundo Monetário Internacional,
aliás, o diretor do FMI, o presidente do Banco Mundial e o Henrique Iglesias que é o
presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Eu tenho uma ata dessa reunião
com o papa. Eles disseram o seguinte “olha, se perdoarem as dividas do terceiro mundo, o
FMI acaba, porque todo o capital do FMI está emprestado para países pobres; o Banco
Mundial acaba, porque é o único canal de financiamento do quarto mundo; não do terceiro, do
quarto. Ele acaba”. Então a pergunta é: queremos que acabem esses canais de financiamento?
Será que os países pobres ficarão menos pobres se eles não pagarem sua dívida? Eu duvido
muito. Eu acho que reformular as relações financeiras entre países ricos e pobres é
fundamental; para começar é preciso retomar a soberania nacional para poder discutir
politicamente essas questões.
O que eu critico na palavra de ordem: “não pagar a dívida externa, não pagar a dívida
pública”, é que ninguém dos que nos apóiam essa palavra de ordem tem a menor idéia das
consequências disso. Por exemplo: todos nós somos, sim, credores da dívida pública
brasileira; qualquer um de nós que tem dinheiro em Fundo Financeiro 60 dias (tenho certeza
que muitos de vocês tem, porque o banco coloca automaticamente, se você tiver 2 mil reais de
saldo ele põe num fundo de 60 dias, isto é, dívida pública), isso é lastreado em títulos
públicos. Eu gostaria de saber se vocês acham grande idéia abrir mão de todo nosso
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dinheirinho nos bancos? Mas é isso que implica não pagar a dívida pública, por exemplo, a
dívida pública é devida principalmente a brasileiros, não só, mas principalmente. A minha
sugestão não é dizer, “vamos pagar, não vamos pagar”; vamos estudar um pouco a idéia,
vamos perguntar a quem se deve e o que é que se deve a quem se deve. Quais são as
consequências de não pagar? Q uais são as consequências de se pagar?
Pergunta: É possível retirar exemplos da economia cubana que já dura 30 anos? Fidel ainda
resiste ao capital externo, mas será que o Brasil resistiria às pressões das multinacionais que
aqui residem?
Prof. Paul Singer: Sem dúvida, Cuba resiste galhardamente a uma enorme pressão dos
Estado Unidos, e é claro que a gente torce para que continue resistindo. Agora, Cuba precisa
se democratizar. Nós defendermos o direito dos cubanos de se auto-orientar e de se autodeterminar. Não tem que haver nenhum americano ou nenhum cubano no exílio dizendo o que
Cuba deve fazer! Em solidariedade ao povo cubano, eu acho que dá para exigir junto a Fidel,
junto a todos os outros dirigentes do regime cubano, que tem que democratizar, tem que
deixar a oposição falar, tem que dar liberdade de imprensa, isso vai ser bom para Cuba, bom
para qualquer fundamento socialista que eventualmente C uba tenha. Essa seria a minha
posição. Olha, se não há gente que pensa diferente, não há debate, e se não há debate, nada
aprendemos. Eu respeito profundamente quem diverge e gostaria de ter o privilégio de me
deixar convencer ou convencê- los ou continuar-nos discutindo.
Pergunta: O sistema currence board seria uma saída para a atual crise?
Prof. Paul Singe r: Quanto ao Currence Born, essa é uma palavra Inglesa e que significa em
português Conselho Monetário, não mais que isso, mas implica na realidade numa legislação
que amarra a moeda do país a uma moeda estrangeira, a ponto de que se pode falar em
dolarização. O sistema argentino que é na verdade o único importante que existe hoje dessa
espécie, na Argentina um peso vale um dólar por lei, ou seja, a única função do Banco Central
Argentino é sempre garantir um peso que entra lá pode se trocado por um dólar ou vice-versa,
nenhuma outra função. Eu acho isso péssimo. Ele só se justifica para, mais uma vez, garantir a
credibilidade da moeda junto aos investidores, quer dizer, para os que investem no país
tenham mais garantias, se cria uma renúncia à moeda nacional, o que não quer dizer que não
se faça em política monetária, se faz sim, mas em Washington. A política monetária Argentina
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é feita em Washington, literalmente. Isso pra mim é um suicídio financeiro desnecessário para
nós ou para qualquer outro país, já tem no Brasil gente que defenda isso, mas, sinceramente,
como eu não coloco a credibilidade junto aos investidores como sendo a coisa mais
importante que se tem no mundo, muito menos aceito essa consequência.
Pergunta: Como realizar uma reestruturação do capital interno a partir do fortalecimento de
pequenas empresas e cooperativas, se há uma detenção de poder, de conhecimento e
financeiro de outros países com os Estados Unidos? Como romper com a tradição da lógica do
capitalismo global, se o mercado interno é ligado ao externo? O próprio movimento do
sistema implica nessa acumulação financeira? A globalização entra em contradição com a
solidariedade?
Prof. Paul Singer: Eu não acredito que exista uma lógica do capitalismo global que é uma
coisa fundamental, o que você aparentemente acredita. A globalização financeira veio no auge
de uma globalização que estava sendo feita de uma forma muito diferente, a globalização até
no início dos anos 1980 era politicamente controlada. Quando se criou o FMI, estava em
estatuto que ele não poderia ajudar um país que deixava o capital sair, fugas de capital não
podem ser compensados com dinheiro do FMI, o que implicava isso? Todos os países
controlam entradas e saídas de capitais. O fato de ter se optado por essa desregulamentação
financeira que criou esse mercado extremamente especulativo, é uma novidade dos últimos 20
anos, assim como se criou pode-se descriar, sem, digamos, destruir a lógica, se é que ela
existe.
Não acredito que exista uma lógica, eu acho que dentro do que a gente chama de
Capitalismo há várias opções. Assim como a Democracia é uma opção dentro do Capitalismo
e a ditadura fascista é outra opção possível, assim você pode ter um capitalismo mais
composto por nações autônomas ou por um capitalismo mais globalizado. Eu lamento, eu
gostaria de ter discutido isso mais longamente. O centro da discussão da lógica do capitalismo
global são as multinacionais. Na verdade, as multinacionais efetivamente apresentam-se como
empresas sem pátria. Existe uma grande discussão hoje se é verdade que elas realmente não
tem pátria. Ainda existem muitos colegas... inclusive aqui no Brasil um amigo meu, Paulo
Nogueira Batista, diz que isso é um mito e que todas as multinacionais são controladas a partir
de um único país de origem, Estados Unidos, Japão, Alemanha etc., e que consequentemente
isso não existe. Mas eu tenho as minhas dúvidas, porque essas multinacionais passam a ter
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sede em mais de um país, isso é extremamente complicado, descobrir quem controla essas
multinacionais é extremamente dificil.
Eu esqueci, mas vou aproveitar o ensejo para dizer que nós devíamos fazer questão de
ter multinacionais brasileiras, senão, nos sempre estaremos numa posição extremamente
subordinada no processo de globalização, que a meu ver não vai para tão cedo e do qual nos
não devemos nos aliar inteiramente, devemos nos defender e inserir de uma forma soberana,
mas não ficar de fora.
É importantíssimo falar da questão das falsas cooperativas, aquilo que lá em São Paulo
nos chamamos de coopergatos; isto esta acontecendo em muitos lugares do Brasil, o u seja,
empresas, escolas, indústrias, o que for, que despedem os seus trabalhadores e os organizam
em cooperativas e contratam eles como cooperados, onde o trabalhador põem o pescoço e o
capital põem a botina no pescoço, ou seja, esses trabalhadores falsamente organizados em
cooperativas acabam perdendo uma grande parte, senão
a totalidade de seus direitos
trabalhistas; mas não tem nada a ver com cooperativismo, então é preciso distinguir, isso é
uma das grandes preocupações nossas hoje, sobretudo a CUT; a CUT está começando a
entender que é fundamental fomentar a economia solidária, evidentemente eu não tenho o
menor interesse em abrir a guarda para que se multipliquem os coopergatos e coisas dessa
natureza, então, temos que achar formas, não só de denunciar, mas eventualmente entrar nas
falsas cooperativas e fazer alguma coisa, ou para destruí- las ou para torna- las autênticas,
depende dos trabalhadores envolvidos.
Uma questão que me deixa intrigadíssimo é a filosofia do Banco Mundial quando ele
financia educação. O Banco Mundial merece um estudo em si, é uma entidade financeira
mundial, possuída por governos, não é capital privado, portanto, a sua finalidade não é ter
lucros, e que realmente oferece financiamentos em grande escala a países que jamais os
conseguiram fora do Banco Mundial. Não é o caso do Brasil, o Brasil consegue, mas países
africanos, países pobres tipo Bolívia, Haiti etc., dependem completamente do Banco Mundial.
O Banco Mundial, como financia a saúde, o ensino básico, o ensino universitário, a ciência, a
reforma urbana (enfim, não tem limites o que ele pode financiar), começa a ter o que você
chamou de filosofias, e algumas dessas filosofias podem ser extremamente reacionárias,
neoliberais etc. Eu não tenho conhecimento detalhado sobre o que é isso, mas nenhum país é
obrigado a aceitar financiamento do Banco Mundial, pelo contrário, se luta para conseguir, e o
Banco Mundial coloca imediatamente quais são as condições. Se nós brasileiros optamos por
eleger um governo neoliberal, e se o governo neoliberal que nós elegemos pega um recurso
para financiar uma transformação educativa dentro dessa visão, nós temos que lutar
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politicamente contra, mas eu diria que nós temos muito mais responsabilidades elegendo e
reelegendo o Fernando Henrique Cardoso que o próprio Banco Mundial, que está sendo
solicitado a entrar nessa.
Pergunta: No início do primeiro mandato de FHC, segundo os dados do Dieese a dívida
pública era por volta de 60 bilhões, no final do primeiro mandato, essa divida pública chegara
a 340 bilhões, com a desvalorização do dólar, hoje está acima de 540 bilhões, nesta proporção
aonde vamos parar ao final do mandato desse governo?
Prof. Paul Singer: Quanto à dívida externa, ela está um pavor em função de uma política
cambial totalmente maluca que nós fizemos. E pior, nós estamos voltando a fazer! Esse capital
que está jorrando para dentro do Brasil vai evidentemente expandir ainda mais a dívida
externa brasileira e, evidentemente, a dívida pública também, apesar do infindável ajuste
publico, do miserê das escolas públicas e assim por diante.
Pergunta: Com relação ao problema das crises que vêm ocorrendo por causa da fuga de
capitais de determinados países, por exemplo, a Rússia, o Brasil e a Indonésia quebraram por
ganância de especuladores. Todos os países que foram vítimas da crise e que passaram por
grandes dificuldades causadas pela fuga de capitais foram países nos quais o Estado
efetivamente não funcionava. Se pegarmos o caso da Rússia, o Estado arrecada pouco e o
pouco que arrecada é desviado. No caso da Indonésia, que é um pais com 30 anos de ditadura
ferrenha, há dois anos atrás foi considerado o pais mais corrupto do planeta Terra. Já o Brasil
tem problemas seríssimos com relação à política tributária, porque os impostos são altíssimos,
isso por si só já favorece a sonegação, e do que o país arrecada, uma parte é desviada ou vai
para obras faraônicas.
Os países que mais sofrem com fuga de capitais, são países que têm problemas
seríssimos com a estrutura do Estado. Nesses países, o Estado não funcionava. Será que não é
mais fácil colocar a culpa no chamado “neoliberalismo” do fracasso de países que tem Estados
que não são sérios?
Prof. Paul Singer: No que se refere à Rússia, imagino que você tenha razão, não tenho
detalhes a respeito. No que se refere ao Brasil, você não têm razão. O Estado brasileiro, bem ou
mal, está aí, não há crise institucional ou política, nós estamos arrecadando mais impostos que
em qualquer outra época do Brasil, em termos de relação com o produto interno bruto, o
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Estado brasileiro, em âmbito federal, estadual ou municipal, está arrecadando mais de 30% de
tudo que se produz no Brasil, isto é um recorde, nunca se arrecadou tanto. Só que o governo
brasileiro prioriza basicamente os credores da dívida pública que estão sendo mimoseados por
taxas de juros que você e eu conhecemos, essa é a explicação, a maior parte do gasto público,
que supera essa enorme arrecadação se deve precisamente as enormes taxas de juros que foram
colocadas nos "cornos da lua" pelo governo brasileiro para atrair os investimentos externos, é
essa a explicação.
Pergunta: Com relação à análise de que o capitalismo vai ser superado e que o socialismo não
morreu, que apesar de faltar democracia em Cuba, houve muitos avanços sociais, o conceito de
democracia surgiu nos países que são hoje os bastiões defensores do neoliberalismo: Estados
Unidos, França e Inglaterra. Quando se faz o retrospecto da história do capitalismo e da
historia do socialismo, o que o se vê é que, por exemplo, se analisarmos os países de maior
desenvolvimento, países em que as pessoas vivem com dignidade, países como a Suécia, a
Noruega ou a Dinamarca que tem uma social-democracia consolidada, são países capitalistas.
Por outro lado, países como a Rússia, em que durante o governo de Stálin, pelo menos
20 milhões de pessoas morreram pelas diversas ações do Estado. O caso do Camboja, com o
Khmer Vermelho e suas atrocidades. O caso de Cuba, um país hoje em ruínas, uma ditadura
como outra qualquer. A China que se diz comunista e que pratica todo tipo de barbaridade com
sua própria população.
O senhor acha realmente que tem sentido pichar o capitalismo e por outro lado defender
o socialismo, falar que o comunismo é uma coisa positiva para humanidade? O senhor acha
realmente que faz sentido quando se analisa friamente a história?
Prof. Paul Singer: Houve a afirmação, com pertinência, que se cometeram crueldades e
barbaridades em nome do socialismo. Você tem absoluta razão. Também se cometeu em nome
do cristianismo, se você pensar bem o que foram as cruzadas, para não falar de outras coisas.
Pouco importa se você é cristão, eu também não sou, o fato é de que o cristianismo não va i
deixar de ser uma importantíssima religião, sob a forma de inúmeras igrejas, com uma enorme
presença no mundo de hoje, porque em nome do cristianismo se cometeram crimes; essa é
minha resposta a você. O socialismo, enquanto ideal, não é eliminado porque em nome dele se
fizeram coisas, isto não é argumento. Por isso que eu continuo dizendo que não houve
socialismo na União soviética, não há socialismo nenhum na China hoje, eu acho que a China
está fazendo uma política de desenvolvimento mais inteligente que nós, indiscutivelmente, mas
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isso que eles estão fazendo para mim não é socialismo, defendo o socialismo como realmente
uma alternativa superior.
Para que o capitalismo acabe ou eventualmente não acabe, continue em transformação,
tudo pode acontecer. A presença do socialismo sempre foi indispensável, desde o início isso é
que é interessante. Se você pensar na história do capitalismo a partir da revolução industrial,
você vai notar que ele foi humanizado e civilizado pelos socialistas, que introduziram a
limitação da jornada de trabalho, que conseguiram a proibição do trabalho feminino em certas
condições, a diminuição do trabalho infantil etc. Seja como for, a presença de uma utopia
anticapitalista parece ser um elemento fundamental para tornar a vida no mínimo tolerável nas
economias capitalistas. O resto são valores, nos quais talvez tenhamos diferenças e
continuaremos discutindo.
Pergunta: É possível a implantação de uma economia planificada no Brasil?
Prof. Paul Singer: O que a gente chama de economia planificada não está claro; uma
economia centralmente planejada como se tentou em Cuba, na União soviética, entre outras,
se mostra uma má tentativa. Não é uma boa porque é claramente totalitária, ou seja, uma
economia em que todas as decisões importantes são tomadas a partir de um único centro de
poder, mesmo que você faça referendos, tenha democracia e assim por diante, acaba sendo
uma economia ineficaz.
Uma coisa que é interessante e importante para as pessoas hoje (pode ser que os santos
que nos vamos gerar daqui a dois séculos sejam diferentes) é o direito de se arrepender. Por
exemplo: o divórcio. O divórcio é importantíssimo, as pessoas se ama m e depois não se amam
mais e querem se separar. Ou as pessoas simplesmente vão estudar engenharia depois
descobrem que querem fazer filosofia ou vice- versa. Numa economia planejada isso é
impossível. Inclusive o casamento, em tese, teria de ser subordinado a uma economia
planejada, você não pode casar com uma pessoa que mora no outro ponto do país pra onde
não foi planejado nenhum trabalho para você, e você sabe que isto realmente criou problemas
gravíssimos, quer dizer, a idéia de uma economia centralmente planeja é uma idéia atrasada,
uma ideia que elimina, eu diria, uma grande parte da liberdade individual que nos é cara. A
minha é cara e acho que é cara para vocês também.
Uma economia parcialmente planejada é necessária. A moderna tecnologia exige um
planejamento parcial e as multinacionais são grandes economias planejadas, elas planejam até
em detalhe a produção de automóveis, de remédios, de computadores, de programas para
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computação etc. Na verdade, o planejamento está avançando dentro do próprio capitalismo, o
que é uma coisa muito interessante para se observar. A questão que a sua pergunta me coloca
é a seguinte: como combinar o máximo de liberdade individual com o planejamento que,
digamos, a nova tecnologia possibilita e ao mesmo tempo exige? Por que exige? Porque tem
que coordenar milhões e milhões de pessoas e os mercados são péssimos coordenadores, a não
ser para coisas de curto prazo. A diferença de planejamento pleno e mercado é que o mercado
só funciona para decisões imediatas, para transações; para contratos de longo prazo é planejar,
isso é outra coisa que se faz fora do mercado. Mas isto é uma baita discussão que eu só estou
aflorando e de uma forma muito pouco adequada.
Pergunta: Não seria a educação a mola propulsora do desenvolvimento?
Prof. Paul Singer: Eu não tenho esse entusiasmo pela educação escolar que aparentemente
quem fez a pergunta tem. São duas perguntas. Eu acho fundamental que as pessoas tenham
acesso à escola, é evidente; sem escola você não é ninguém na sociedade, seja no Brasil, na
China ou em qualquer lugar, mas a escola podia ser bem melhor do que é. O que eu estou
querendo chamar a atenção e desmascarar um pouco é o credencialismo escolar. Todos nós
somos carregados de diplomas e os mais jovens não têm, mas vão querer ter. Hoje, para se
conseguir um emprego mais ou menos, tem que ter no mínimo dois diplomas superiores, um
só não basta, ou você tem que ter diploma de bacharel, mestre, doutor e pós-doutoramento.
Dentro dessa crise do capitalismo, há um excesso de oferta educacional que em grande parte é
formal, são só papéis atestando o que a pessoa fez, não tem muito a ver com o que ela pode
fazer. Gente, a grande educação se dá na vida, se dá na luta, se dá no trabalho, se dá na família
e não só na escola! Vamos colocar a escola no seu devido lugar, a escola muito mais
democrática, muito mais igualitária, uma escola em que as pessoas vão porque tem
curiosidade, vão aprender e vão ensinar ao mesmo tempo, essa é a escola com a qual eu
sonho, ela será um dos muitos lugares em que pessoas vão se educar. E aí sim, eu estou de
acordo, é fundamental que esse processo de educação possa, digamos, atingir a todos.
Que é o drama do não educado? O não educado é basicamente uma pessoa apartada da
sociedade, não é que ela não foi só na escola, ela teve uma vida familiar, uma vida de
trabalho, uma vida política provavelmente igual ou próximo a zero; então, se nós quisermos
formar uma geração de brasileiros melhor educados, nós temos que ter mais debates como
esse, mais capacidade de mobilização social, nós temos que ter mais vida sindical, mais
democracia nas empresas, mais transformações nas escolas, penso eu. E aí o desenvolvimento
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do Brasil torna-se uma utopia concreta, alguma coisa com a qual se pode efetivamente pensar
a sério.
Pergunta: É possível ver o Brasil como um país desenvolvido?
Prof. Paul Singer: Eu acho que o Brasil está quase lá, para o Brasil não falta muito, falta uns
30 ou 40 milhões de brasileiros serem incluídos efetivamente na economia social brasileira, se
possível por via da economia solidária, se não, por via mesmo da produção simples de
mercadorias ou da economia capitalista. A marginalidade de um terço da população brasileira
é o que nos separa do pleno desenvolvimento.
Agora, o pleno desenvolvimento não é tudo, significa meramente termos chegado ao
fim do século XX, onde uma série de povos já chegaram, nós queremos mais que isso, eu
sinceramente queria um Brasil socialista, outros darão outros nomes a isso, eu acho que nós
precisamos de um país que sem dúvida não deixa ninguém pobre, não deixa ninguém carente
da satisfação de suas necessidades básicas. Nós precisamos de um país com muito mais que
isso que temos hoje, precisamos de um país com muito menos medo, medo de crianças em
cruzamentos de ruas, dessa terrível e chocante desigualdade em que nós, que somos
privilegiados, temos literalmente medo da própria sombra. Parte da nossa má consciência
individual, e individualmente não conseguimos resolver nada.
Então, para terminar minha participação aqui, vocês sem dúvidas me provocaram, o
que eu lhes agradeço. Eu espero tê- los provocado, acho que essa provocação mútua é que nos
faz crescer, que nos educa de certa forma e, quem sabe, teremos mais ocasiões de prosseguir
nesse diálogo. Obrigado.
SOBRE O PALESTRANTE
O economista Paul Singer é secretário Nacional de Economia Solidária do Ministério
do Trabalho e Emprego desde junho de 2003. Professor titular aposentado da Faculdade de
Economia e Administração da Universidade de São Paulo, pesquisador do Centro Brasileiro
de Análise e Planejamento (CEBRAP) e foi Secretário Municipal de Planejamento da cidade
de São Paulo na gestão da prefeita Luíza Erundina. Intelectual bastante respeitado com vários
livros publicados, sendo os dois mais recentes: “Introdução à Economia Solidária” e “Para
Entender o Mundo Financeiro”.
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De origem austríaca, Paul Singer chegou ao Brasil na década de 1940, estudou na
Escola Técnica Getúlio Vargas, iniciou sua militância política através do Sindicato dos
Metalúrgicos de São Paulo. Em 1953, participou, como liderança, da greve que paralisou a
indústria paulistana por mais de um mês. Em 1954, foi membro do PSB, estudou Ciências
Econômicas e Administrativas na USP, e integrou o corpo docente do curso de Ciências
Econômicas da faculdade, de onde se demitiu após o golpe de 1964.
Voltou à USP em 1966, fez o curso de Estudos Populacionais da Universidade de
Princeton, foi aposentado compulsoriamente pelo AI-5, em 1969. Junto com outros colegas
expurgados (com quem tinha estudado a obra de Karl Marx), fundou o CEBRAP. Foi também
um dos fundadores do PT, partido ao qual é filiado. Dentre seus trabalhos, destacam-se
estudos sobre agricultura, população, desenvolvimento e socialismo.
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