Duas invenções para compor o audiovisual

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Duas invenções para compor o audiovisual
Duas invenções para
compor o audiovisual
Felipe Julián
Fonografo
Quando em 1877 Thomas Edison desenvolve
seu Fonografo, aparelho apto a registrar e
reproduzir de forma rudimentar ondas
sonoras, dá-se inicio a uma importante era
industrial voltada não mais apenas à
produção de bens de consumo caseiros ou
profissionais mas agora também a produção
em media escala de produtos com propósito
cultural além dos já comuns livros, periódicos
ou a própria fotografia.
É bem verdade que Thomas Edison criou o tal
aparelho muito mais preocupado no registro
de depoimentos, interrogatorios e discursos
do que propriamente para gravar e ouvir
música. O fonografo foi concebido como um
aparelho de escritorio.
"In spite of its potential for injecting both morality
and efficiency into the wor kplace , the
phonograph as office equipment was not a
success. Stenographers opposed the machines,
but the devices never worked well enough to
threaten their jobs. Businessmen simply did not
have time to fuss with the delicate mechanisms,
and the local phonograph dealers, who were
leasing machines on a regional basis, following the
model of the telephone companies, were
frustrated by the logistical problems associated
with the business. At that time the "practical" use
of the phonograph proved highly impractical".
O insucesso do aparelho em satisfazer aos
homens de negócios foi terminante. No
entanto, em 1890, um comerciante da época
encarregou-se de adaptar um desses
aparelhos para que funcionasse com a
introdução de moedas e posicionou alguns
desses fonógrafos adaptados em salões
populares da época. Os aparelhos tocavam
algum tipo de dialogo cômico ou alguma
música conhecida. E resultou num sucesso
comercial imediato.
Com tal constatação Edison põe em 1896 o
aparelho para venda ao grande público. Em
cinco anos torna-se um aparelho domestico
típico da "familia moderna". A atividade
significou grande lucro para a Edison Inc. Não
só o mercado de consumo caseiro era muito
maior do que o dos escritórios mas também
tratava-se de um mercado que compraria não
apenas o fonógrafo como também os tubos
de cera já gravados. Gravados pela Edison
Records evidentemente.
Surge então a chamada industria fonografica.
“Alone on the vast stage there stood a mahogany phonograph, apparently
exactly like the tamed and domesticated variety that has become to be [sic]
as much a part of the furniture of the ordinary draw- ing room as was the
wheezy melodeon a generation ago. In the midst of the hushed silence a
white-gloved man emerged from the mysterious region behind the
draperies, solemnly placed a record in the gaping mouth of the machine,
wound it up and vanished.
Then Mme. Rappold stepped forward, and leaning one arm affec- tionately
on the phonograph began to sing an air from "Tosca." The phonograph also
began to sing "Vissi d'Arte, Vissi d'Amore" at the top of its mechanical lungs,
with exactly the same accent and intonation, even stopping to take a breath
in unison with the prima donna.
Occasionally the singer would stop and the phonograph carried on the air
alone. When the mechanical voice ended Mme. Rappold sang. The fascination
for the audience lay in guessing whether Mme. Rappold or the phonograph
was at work, or whether they were singing together”.
É claro que todo esse espetáculo
maniqueista conduzia a audiência à
conclusão de que a máquina e a cantora
soavam de forma equivalente. Pois de fato
soavam. A cantora simulava em sua
interpretação o recorte frequencial e a
compressão de dinâmicas do fonógrafo. Tal
fator aliado à epetacularização da máquina
que o evento produzia garantiu a
formação de um conceito em torno do
fonógr afo que sabemos hoje ser
completamente absurdo.
Há neste episódio diversos fatores que
poderiam ser profundamente analisados
no que diz respeito à relação do
espectador com o fenômeno acusmático.
O mesmo evento veio ocorrer poucos
a n o s d e p o i s c o m o a d ve n t o d o
cinematografo. Como seria possível a
estas pessoas -desprovidas de
experiências anteriores que lhes
gerassem critérios prévios - não
acreditar que o trêm dos irmãos
Lumiere lhes seria uma ameaça real?
Cinematografo
Em 1895 os irmãos lumiere apresentam
o fi c i a l m e n t e s e u c i n e m a t o g r a f o n a s
dependências da Sociedade Francesa. O que se
viu naquele 22 de março foi a projeção de uma
fotografia animada onde claramente se
identificavam funcionarios de uma fabrica saindo
pela porta da mesma no final do expediente.
O efeito criado pela fantástica maquina dos
Lumiere era obtido pela sucessão de fotografias
obtidas por um engenhoso sistema combinado
de obturação em disco rotatorio. O grande
mérito dessa maquina era não apenas o fato de
ela conseguir projetar as imagens seriadas da
película mas também ter sido a propria maquina
quem registrou as imagens. Neste ponto
assemelhava-se ao fonografo de Edison. Parecia
ser difícil ou pouco desejável
naquele
momento, considerar a possibilidade de duas
maquinas compatíveis porém com funções
distintas: uma para registrar e outra para
reproduzir.
No mesmo ano realizam a primeira exibição pública de sua invenção com o
brevíssimo filme A Chegada do Trem à Cidade. Simplesmente um trem filmado em
perspectiva chegando à estação. Não diferente do fonografo de Edison, tal filme
provocava certa inquietação e mesmo pânico nos espectadores que, dada sua
bagagem histórica ainda escassa de experiências visuais animadas, preocupavamse com o fato de que, na verdade, o trem vinha em sua direção.
A genialidade dessa invenção, ao contrario do fonógrafo,
garantiu-lhe sucesso comercial logo em seus primeiros
anos de existência. Mas os ambientes a que estava restrito
o tal cinematografo era pouquissimo recomendável às
familias tradicionais da época. Eram os vaudeviles e antigos
teatros em decadência que foram os espaços alugados
para as primeiras sessões de cinema.
Fato é que, tal ambiente, somado a outros fatores como
imagens ainda de muito baixa qualidade, o ruido da
mecânica e da faísca elétrica do aparelho e ausência
absoluta de sons diegéticos, provocavam no público a
sensação de estarem a ver espectros fantasmagoricos
muito mais do que um documentario ou uma ficção.
Por esses motivos o cinema é, em seu inicio, um
espetáculo bizarro. De nenhuma forma poderia ser
considerado arte pelas familias tradicionais desta época.
Nem mesmo cultura.
Problemas e soluções
A fim de reduzir a angustia que os espectadores experimentavam perante a
silenciosa imagem em movimento, alguns proprietarios dessas primeiras salas de
cinema recrutavam músicos em cafés, hoteis e restaurantes para preencher o vazio
macabro que permeava o espetáculo cinematografico até então.
Tal solução, altamente eficaz, não só encobria o ruido perturbador do projetor e as
imperfeições da película daquela época, como também parecia munir tais espectros
cambaleantes de uma vida que os humanizava. Como se a ausência da aura
apontada por Walter Benjamin pudesse ser esquecida a partir do momento em
que o publico se identifica e se reconhece naquelas imagens. E pôde então, aceitar
essa nova experiência narrativa proposta.
A música simultânea ao cinema promoveu a
aceitação do espetáculo cinematografico.
Mas em uma análise rumo à uma antropologia da escuta é possível afirmar
que tal aceitação não se deveu apenas ao já apontado aqui mas também ao
fato de que a música tem a propriedade de atuar como um mascarador de
outros fenômenos sonoros. E tal fenômeno, ao isolar a audição, esse sentido
omnidirecional incessante, da realidade, atua tal qual a caixa preta. Permite a
experiência do cinema tornar-se uma experiência concentrada de imersão.
Interrompe o tempo presente e impõe um novo tempo. Nubla o estado de
alerta para o qual a audição fôra desenhada e apropria-se do espectador para
manipulá-lo numa montanha russa de emoções audiovisuais à qual este só
pode dizer sim.
Neste momento o cinema começa a firmar-se enquanto linguagem e a
esboçar os preceitos de seu classicismo.
A medida em que o espetáculo ganhava importância, crescia a quantidade
de músicos à compor as formações encarregadas de sonorizar o ambiente
da projeção. Mas há que se ter clareza que o que as bandas e orquestras
faziam até então consistia em sonorizar apenas o ambiente da projeção
sem ter nenhum tipo de preocupação com a imagem projetada que
muitas vezes sequer era vista pelos músicos atentos à suas partituras e
digitações.
Algumas salas de projeção no entanto, passaram a se preocupar
com uma certa adequação da música tocada aos conteúdos dos
filmes que, por sua vez, passavam a ter duração cada vez maior e
roteiros cada vez mais classicamente narrativos. Neste momento, o
cinema experimenta suas primeiras tentativas de relação
audiovisual por meio de uma seleção menos aleatória de
repertório musical.
Após o filme ter começado, o regente
aguardava alguns minutos par a ter
entendimento do conteúdo do filme
exibido de forma a poder escolher uma
dentre as várias partituras disponíveis junto
ao grupo musical. Se o enredo contava uma
historia romântica, então o regente
rapidamente podia dizer aos seus músicos o
nome ou o número de alguma partitura
musical convenientemente escrita para
sonorizar ambientes de projeção durante
cenas românticas. Se fosse um filme de
guerra, haveria então arranjos compostos
para tal.
E assim, todas as emoções detectáveis no
cinema do começo do século XX possuíam
partituras cujos arranjos emanavam o ethos
adequado à cada situação: tristeza, euforia,
romantismo, comicidade, briga séria, briga
cômica, heroísmo etc...
Silent Film Music Collection
Box 8 (cont.) Mood and Atmosphere Music
Storm Music (Terrific storm on land or sea)
Storm Music (Storms on land or sea, tornadoes, earthquakes, eruptions, typhoons)
Storm Music (Storm at sea, thunderstorms)
Storm Scene
Stroll Through Cairo (Egyptian patrol)
Summer Dream (Neutral scenes, filling-in, cheerful situations)
Summer Nights (Idyl)
Summer Sky (Idyl)
Sunny Sicily (Costumes England/Europe, pastoral, rustic, village festival, rough gaiety) Sweet Forget-Me-Nots
Syncorient (Oriental or grotesque comedy scenes)
Tallahassee Nights (Creole Bacchanak)
Tempest
Tender Memories (Romance)
Tipster (Eccentric march)
Tragic Adante (Shipwreck, destruction, terror)
Tragic Love Tryst (Scenes of turbulent emotion)
Treacherous Knave (Villian theme, ruffians, smugglers, conspiracy)
Treat ‘Em Rough (One-step)
Tulips
Umpah! Umpah! (One-step oddity)
Unrest
Venetian Night (Romance)
Venetian Romance (Quiet swaying nature, swinging, canoeing, boating, rocking a cradle) Verdict
Violence
Waterfall (Nature scene, vision, dream)
Water Lilies
Western Allegro (Western, camping, mining, cowboys, stampede, gambling or bar-room) Western Allegro (Joyful scenes, racing, stampedes, crowds)
Whitecaps (Revelry or quiet sentiment, pastoral setting)
Wild Horses
Winged Hours (Romance, reverie, pathos)
Wistful Ways (Light scenes, ballet, social capricious or pastoral)
Woodland Sprites (Neutral scenes, filling-in, cheerful situations)
Youth Triumphant (Prologue, serious, opens quietly, developing dramatic suspense) Zoraida (Racial and national atmosphere)
A fim de evitar o excesso de improvisação na
escolha das peças musicais e a consequente espera
que o maestro em questão se permitia até
compreender o teor do filme, os gerentes das salas
de projeção passaram a instruir os grupos de
antemão do conteúdo dos filmes a fim de permitirlhes um preparo à exibição.
Apesar dessa positiva tentativa de buscar um
relação construtiva entre imagem e som, está claro
que, em primeiro lugar, o único som que se ouvia
era música.
As personagens e suas ações
prosseguiam mudas e silenciosas. E esses grandes
grupos musicais tinham, evidentemente, reduzida
capacidade de improvisação. A consequência disto
é uma certa incapacidade de ajuste fino entre
musica e imagem o que significava, em última
instância, que todos os aspectos que vinham sendo
descobertos e assimilados na linguagem
cinematografica, como cortes, planos, closes,
velocidades, não encontravam equivalente musical.
Havia ainda uma frequente e
desconfor tável inter r upção
necessária para que a orquestra
trocasse de partitura a medida que
o teor da ação de algum filme
mudasse significativamente. Quando
uma cena de amor era seguida por
uma sequencia de fuga acelerada,
tornavasse inevitável a mudança do
roteiro musical. Neste momento, a
fim de preencher o vazio de tal
operação, era comum ceder espaço
para algum solista, em geral pianista,
que assumia de improviso a trilha
musical até que a banda estivesse
pronta novamente.
Este músico, que também assumiria filmes inteiros sozinho em diversas ocasiões é quem de fato
podia modelar a interpretação à ação cinematográfica. Se a cena estava acelerada por tratar-se de
uma fuga de automoveis, então o andamento original da peça seria acelerado. Se o enredo conduzisse
os espectadores para uma cena romantica, esse músico poderia executar uma sequência de
modulações harmônicas para chegar à tonalidade de uma peça musical suave e melódica. Poderia, se
bem treinado, intercalar trechos melódicos de teores diferentes para ilustrar a índole das personagens
numa espécie de Leitmotiv simplificado.
É neste momento que o cinema toma
conhecimento, de fato, do potencial do
sincronismo audiovisual.
Com a proliferação de salas e a circulação de filmes em larga escala, começam a surgir os
primeiros problemas com relação à “recepção” ou pelo menos em relação ao que os produtores
da época esperavam de uma “recepção clássica”.
A forma irregular com que eram escolhidas e executadas as trilhas sonoras nas salas de cinema
incomodavam os produtores que passaram então a buscar estratégias para uma padronização
musical.
Constata-se aqui, já a presença de um conceito clássico de cinema onde a trilha sonora não
mais é vista como uma ambientação musical em relação com o espaço arquitetônico da sala ou
vaudeville mas sim como um evento necessário à obra e que deveria se submeter à ela a fim de
garantir-lhe a eficácia na atenção de seu público. Aqui, a música corretamente aplicada estaria a
favor da manutenção desta atenção descrita por Mustemberg.
A recepção clássica do cinema - os 10 madamentos de Clyde Martin e Clarence Sinn
1 - deve-se retirar o piano automático da entrada pois ele faz concorrência com o acompanhamento
do filme
2 - O piano não automático, seguido do órgão, é o único instrumento apto a seguir o filme
convenientemente, oferecendo um acompanhamento aceitável.
3 - É essencial que o filme seja acompanhado do início ao fim por uma música apropriada
4 - Deve-se evitar terminantemente qualquer estilo musical demasiado popular (em especial o
ragtime) que possa concorrer com a imagem
5 - A música clássica ligeira e a música folclórica são mais indicadas que a música popular pois esta
atrai um mau público. Además, seus efeitos perdem-se face a um publico que não conheça suas letras.
6 - Os efeitos sonoros devem ser poucos e bem escolhidos. A continuidade sonora deve vir da
música e não dos efeitos.
7 - Na escolha dos ruidos deve-se evitar o óbvio como fazer soar um sino cada vez que uma vaca
aparece dando-se preferência aos efeitos que ilustrem a narrativa.
8 - Cada trecho musical deve fundir-se no trecho seguinte de forma a criar uma impressão de
continuidade e homogeneidade.
9 - Convem dissimular o máximo possível cada mudança musical
10 - mais do que acompanhar os detalhes do filme a música deve permanevcer em contato com o
herói ou atração principal do filme.
Baseados nesta constatação de que a
música em sincronia acrescia o filme de
complexidades e r iquezas ainda
inimagináveis, certos cineastas como
Fritz Lang passam a conceber os
arranjos orquestrais junto com os
compositores e a enviar para as salas
de projeção, as partituras junto com os
rolos de filme.
Metropolis (1927) é tido como um
marco dessa atuação musical consciente
por parte do diretor. No entanto, é
sabido que muito antes disso, peças
musicais foram compostas para filmes
como O Assassinato do Duque de
Guise de Charles Le Bargy e André
Calmettes com trilha original de SaintSaëns ou O Nascimento de uma Nação
de D.W.Griffith cuja trilha foi concebida
em conjunto com Joseph Carl Breil
concientemente visando a exaltação de
um sentimento patriótico no
espectador.
O Sincronismo mecânico.
Thomas Edison experimentou a criação de
algumas formas de sincronismo em seus
laboratorios. É atribuido a ele o primeiro
audiovisual sincronizado da história: um breve
filme onde dois de seus funcionarios dançam
constrangidos enquanto um terceiro toca um
violino ao lado de um fonografo que o grava.
Tal experimento é tido como um marco da
primeira tentativa de sincronização entre os
dois aparelhos: o fonografo e o cinetoscópio
(o equivalente ao cinematografo dos
Lumiere).
A Warner Bros, após ter adquirido um
circuito de 15 salas de cinema e uma
empresa chamada Vitagraph desenvolveu o
sistema Vitaphone. Tratava-se de um
conjunto mecânico que fazia girar em igual
proporção o cinematografo ao mesmo
tempo que um toca-discos. Tal solução
permitiu o sincronismo mecânico de
imagem e som.
Mas esse sistema limitou-se, em seus
primeiros filmes, à reprodução de ruidos de
cena e música como no caso de Don Juan
(1926) dirigido pro Alan Crosland, com John
Bar r ymore no papel pr incipal em,
considerado o primeiro lançamento
cinematografico com audio sincronizado. A
voz ainda exigiria não só o aprimoramento
desse sistema como também uma nova
concepção de cinema que incorporasse a
voz dos atores tanto tecnicamente (durante
as gravações) como estéticamente.
É neste momento que os irmãos Warner dão seu grande lance comercial ao contratar o
famoso ator AL Jolson para estrelar The Jazz SInger dirigido também por Alan Crossland.
O filme, que possuia uma certa estrutura de musical, estava repleto de canções de
sucesso que contribuiram tremendamente para seu êxito comercial.
A partir de então, o cinema comercial consolida-se como um genêro
indissociavelmente audiovisual.
Adaptações técnicas e estéticas
Com o estabelecimento do novo formato, os estudios de filmagem tiveram
que sofrer seríssimas adaptações para lidar com a novidade tecnologica. O
acrescimo de equipamentos e profissionais para opera-los é um fator novo a
ser assimilado inclusive orçamentariamente. Mas, sobretudo, há uma guinada
estética no cinema falado consequente à definitiva internação de todo o
aparato de filmagem e gravação, para dentro dos estúdios. Se câmeras
podiam ser movimentadas com certa liberdade pelo mundo, os pesados
gravadores de áudio não podiam. Tampouco era conveniente "abrir"
microfones em espaços reais como ruas pois eles captariam os ruidos da
cidade tanto quanto a voz dos atores. Por esse motivo o cinema migra
definitivamente para dentro do estúdio neste inicio do cinema falado. É a
partir deste momento que o cinema, principalmente americano, passa a
investir em grandiosos cenarios e sofisticada iluminação cênica.
Não
raramente se veria uma cena com montanhas ao fundo, arvores cenograficas e
cavalos reais totalmente realizadas dentro de enormes estúdios.
Paralelamente, na Italia, a particular baixa qualidade técnologica do equipamento de áudio
disponível aliado a um certo gosto italiano pelas tomadas externas faz com que o cinema que em
alguns anos surgiria da Cinecita seja essencialmente um cinema de dublagem. Curioso o fato de que
a estética da dublagem se manteve no cinema italiano até nossa atualidade enquanto uma estética
nacional. Para o ator italiano, a interpretação tem dois momentos: um visual e outro sonoro. E não
há sempre uma coerência verossimil entre estes dois momentos. Inumeros são os filmes de Fellini
onde o "clima" da cena é dado por um certo non-sense entre imagem e som.
É claro que inúmeras cenas externas inevitáveis aos roteiros dos filmes
precisavam ser gravadas seja no cinema italiano ou de qualquer outra nação
que, naquele momento estivesse produzindo filmes. Mas, em geral, os
diálogos precisavam ser sobrepostos via dublagem. O mesmo ocorreria para
boa parte dos sons diegeticos. Um exemplo clássico é o começo de
“O Grande Ditador” de Charles Chaplin onde a dublagem e os efeitos
sonoros alternam-se com incômodos trechos de silêncio.
Também Drácula de Tod Browning optou pela manutenção de dialogos e acabou
por abandonar a trilha sonora que ocorre em dois ou três momentos sob uma
justificativa incidental. O cinema tornára-se sonoro e deixára de ser musical. O
motivo para isto é muito simples: havia apenas uma faixa de áudio disponível para
ser sincronizada com o filme. E apesar de que técnicas de overdubing já
existissem, eram difíceis de se controlar e, ao que tudo indica, parece que o
público não se incomodava com a ausência de trilha já que isto contribuía para
essa nova experiência de hiper-realismo que o cinema passou a oferecer.
Curioso também o fato de que os diretores de cinema passaram, na maioria das vezes, a
acompanhar as filmagens dentro da cabine de som. Não só a camera precisava estar isolada em
uma cabine acústica para que seu ruído não vazasse no microfone mas, se o diretor não
acompanhasse a cena dentro da cabine de áudio, ouvindo a captação de voz dos atores, perderia a
possibilidade de dirigi-los de forma apropriada à essa nova mídia.
Portanto, parece ser razoável afirmar que
as dificuldades técnicas do cinema sonoro
acabaram obrigando, não só os atores, mas
também os diretores a conceberem a obra
a partir de uma ótica do som e não mais
apenas da imagem e da interpretação.
Como conta de forma muito divertida o
clássico Cantando na Chuva, o cinema falado
r e v o l u c i o n o u o s e t d e fi l m a g e m ,
tecnicamente, e o mercado, esteticamente.

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