Análise de Documento: Martinho Lutero –Tratado sobre a Liberdade

Transcrição

Análise de Documento: Martinho Lutero –Tratado sobre a Liberdade
TEOLOGIA DA REFORMA – 2012/2013
Lucinda Alves
Análise de Documento:
Martinho Lutero –Tratado sobre a Liberdade Cristã.
1. O que o autor quer transmitir – o tema principal.
Lutero resume o tratado para a Liberdade Cristã com duas frases: “O cristão é um senhor libérrimo
sobre tudo, a ninguém sujeito; o cristão é um servo oficiosíssimo de tudo, a todos sujeito”. Ele cita I
Coríntios 9:19, identificando-se com o que diz Paulo: “embora sendo livre, fiz-me escravo de todos”.
Explicando, diz que o amor faz daquele que ama, um servo do que é amado. Assim, também Cristo se fez
um servo por amor, apesar de ser o Senhor de tudo. Baseado em Gálatas 5:17 afirma que as naturezas
espiritual e carnal lutam entre si. Tudo aquilo que façamos através do corpo não pode justificar o interior. A
alma é justificada somente pela fé e não por obras, sendo o mérito de Cristo. Fazer obras para a glória de
Deus se existir fé, porém buscamos Aquele que as produz.
O reformador divide a Escritura em Preceitos e Promessas. Os preceitos mostram a incapacidade do
homem os cumprir. As promessas de Deus dão de presente o que estes exigem. Os preceitos são
identificados com o Antigo Testamento e as Promessas com o Novo. Lutero interpreta I Timóteo 1:9, como
não havendo lei para o justo.
Os poderes da fé são três: a) a fé é a liberdade cristã, sem lei ou obras para salvação; b) a fé devolve
a glória a Deus; c) através da fé, a alma humana torna-se uma com Cristo, num matrimónio espiritual (Ef
5:26). Os ministérios de Cristo (rei e sacerdote) são partilhados a todo o crente através o matrimónio
espiritual (I Pd 2.9; I Co 3.22). Este não é um poder deste mundo para manipular e dominar. É um poder
espiritual para dominar espiritualmente.
O Cristão é servo de tudo, porque até à ressurreição não tem a perfeição. Embora o interior seja
justificado pela fé, deve sujeitar o corpo ao Espírito para operar boas obras e seja conforme o interior e
submeter o corpo à servidão (Gl 5:24). As boas obras não fazem o homem bom, mas o homem bom faz
boas obras; as más obras não fazem o homem mau, mas o homem mau faz más obras. “Pelos frutos os
conhecereis” (Mt 7:18,20), quer dizer que os outros veem as obras exteriores dos homens, contudo a
presunção de as obras justificam tira a liberdade. Lutero não rejeita as boas obras, mas apenas o intuito de
ser justificado por elas.
O ensino de doutrina de boas obras torna-se maligno quando não se avança para o ensino sobre a
fé. A graça deve ser pregada depois da lei, que convenceu do pecado. Os pregadores não explicam que a
penitência vem da lei, mas a fé e a graça provêm da promissão de Deus.
Somos Cristãos, não de um Cristo ausente, mas de um Cristo habitando em nós, quando cremos
nele. Assim somos Cristo para os outros, fazendo aos outros o que Cristo fez a nós.
Paulo poupou temporariamente os fracos, mas enfrentou os endurecidos, para converter todos à
liberdade da fé.
TEOLOGIA DA REFORMA – 2012/2013
Lucinda Alves
A liberdade cristã não significa que tudo é permitido, não é o desprezo, crítica de todas cerimónias,
tradições e leis humanas, com arrogância perante os outros cristãos. Devemos tomar o caminho do meio.
(Rm 14:3). O conhecimento não nos deve tornar arrogantes. Assim como ninguém é justo por servir às
obras, não o é também por se abster delas. Não somos livres das obras, mas do falso conceito de uma
justificação pelas obras. Devemos ficar no meio, entre os cerimonialistas endurecidos (resistindo-lhes e
escandalizando-os) e os simples e fracos na fé (respeitados com amor e não escândalo). Devemos fazer uso
da nossa liberdade em secreto (Rm 14:22). É necessária oração para haver entendimento e para que o
Senhor nos instrua e escreva a lei no nosso coração.
Quanto ao tema principal, Lutero destaca a justificação pela fé como a única forma de salvação,
enquanto as obras são para o serviço dos outros e para domínio da carne. A justificação torna o Cristo rei e
sacerdote, mas as obras necessárias até à perfeição tornam-no servo dos outros, assim como Cristo o foi.
2. Aspetos históricos mencionados.
No século XVI, os excessos do clero com as indulgências, especialmente aquelas que pretendiam
financiar a catedral de S. Pedro, tornaram-se escândalo para Lutero e outros reformadores. O uso do poder
clerical para dominar sobre os crentes foi denunciado por Lutero: “Este não é um poder corporal ou deste
mundo para manipular e dominar. É um poder espiritual para dominar espiritualmente. “.Naquela época o
clero manifestava uma “terrível pompa e tirania, perdendo-se a liberdade cristã”.
Ele considera que é incorreto chamar “sacerdote” a um líder espiritual, pois todos os crentes são
sacerdotes, à semelhança de Cristo. O clero contemporâneo a Lutero era constituído, à semelhança do
clero católico atual, por sacerdotes, bispos e o papa, entre outros cargos intermédios. Confrontando o clero
da época, ele chega a afirmar: “criado um grupo de eclesiásticos de que a Escritura não faz referência”. Com
isto entendemos que Lutero não considerava bíblico que se separasse uma classe de crentes para um clero
diferente dos restantes leigos. Antes os que se consideram líderes devem ser mais servos e servir os outros
com a pregação da Palavra. Os que pregam a Palavra publicamente chama de ministros. A Palavra pregada
deveria ser a justiça pela fé, porém o que era feito na época “não se nos ensina outra coisa por meio de
doutrinas humanas senão procurar méritos, recompensas e as coisas nossas, e de Cristo fizemos nada mais
que um exator”.
A defesa da justificação pela fé veio num momento que se atingira o apogeu que escravizar os homens
a buscar a salvação por mérito próprio e até comprada por dinheiro. Até mesmo era prometido tirar
familiares do purgatório sob determinada quantia. O reformador diz sobre as obras: “qualquer obra que
não for dirigida, tão-somente para servir ou ao castigo do corpo ou para obséquio do próximo, desde que
nada exija contra Deus, não é boa nem cristã.”. Lutero defende assim as boas obras, exclusivamente para
serviço e não para salvação, como era transmitido pelo clero.
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Lucinda Alves
3. Aspetos deste documento que podemos trazer para nosso contexto?
Os temas do Tratado da Liberdade Cristã são infelizmente muito atuais, mas agora não só na Igreja
Católica Romana. Especialmente na última década, há um retrocesso espiritual em vários aspetos face às
grandes conquistas da Reforma.
Embora continue a reconhecer-se que o cristão se torna co-herdeiro com Cristo, rei e sacerdote,
julga-se novamente necessário fazer determinadas obras, a que chamam de votos, semeaduras, entre
outras invenções. Lembro o que disse Lutero: “de que servem as obras quando pela fé temos tudo?”.
Segundo o reformador, o que fazemos deve ser gratuito e não para obter alguma vantagem temporal ou
eterna.
Outro aspeto é o objetivo das riquezas materiais. Os movimentos de fé que tiveram inicialmente muito
boas intenções de trazer um aumento de bem-estar para o crente, contra as ideias de defesa da miséria,
tornaram-se atualmente na busca desenfreada do enriquecimento fácil quase exclusivamente para
aumento de estatuto dentro da sociedade e no meio dos crentes. Ter uma mansão e um carro dos mais
caros é sinal de grande fé, mesmo que na mesma congregação existam irmãos que não tenham onde morar
ou o que comer. Estes assuntos são hoje remetidos a Instituições Sociais seculares, pois em alguns lugares
da Igreja de Cristo, a prosperidade se sobrepôs á misericórdia. Claro que no Reino de Deus, Ele terá sempre
um remanescente fiel, como o teve em toda a História da Igreja. Tanto Lutero, como o Apóstolo Paulo,
onde estiverem contemplando a nossa recente história estarão entristecidos, se isso for possível no lugar
de paz onde se encontram.
Lutero, defende que os bens que Deus dá devem ser comuns, colocando-nos no lugar do próximo como
fez Cristo. O cristão verdadeiro não vive para si mesmo, mas para Cristo e para o próximo. Assim, os bens
não devem apenas para engrandecimento pessoal, ou das instituições a que se pertence, mas
especialmente para ajudar indivíduos, pessoas reais, especialmente os irmãos na fé. O apóstolo diz para
trabalharmos com as nossas mãos a fim de darmos ao que tem necessidade. Devemos cuidar do corpo para
termos vigor para assim trabalhar, com o mais forte sustentando o mais fraco, como filhos de Deus,
carregando os fardos uns dos outros e assim cumpriremos a lei de Cristo e seremos como Ele servos (Fp
2:5-8).
Lutero diz ainda que a pregação da Palavra não deve ser para conquistar pessoas para si, nem fazendo
distinção entre amigos e inimigos, gratos e ingratos. Observa-se em algumas denominações a busca
aumentar o número de crentes nos cultos de modo a ter maiores ofertas, mas descuida-se o discipulado, a
misericórdia e amor pela pessoa em si mesma.
Os grandes templos, construídos com grandes quantidades de dinheiro, onde multidões entram e
assistem a cultos, indo depois para suas casas, aumentou nas últimas décadas, colocando o sacerdócio do
crente em perigo. Um novo clero rico e dominante se tem levantado entre o mundo evangélico, composto
de apóstolos, bispos, pastores e alguns líderes de apóstolos, para quem ainda não se achou um título digno.
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Lucinda Alves
Que diria Lutero que considerava até o título de “sacerdote” incorreto e que tinha os pregadores como
ministros e servos apenas. Teriam menos honra estes reformadores que apenas serviam? Porque se busca
hoje tanta honra vinda de homens? E se a autoridade que temos é espiritual e não terrena porque homens
estão dominando e exigindo ser servidos por outros, sob ameaças de serem amaldiçoados por Deus?
Cabe-nos hoje salvaguardar as conquistas doa antigos reformadores e voltar a ler a Bíblia e pregá-la de
forma intensa. Quando a Bíblia voltar aos púlpitos com a relevância que merece, os crentes voltarão a ela
para se alimentarem nas suas casas também.