o ornamento, um idioma na obra de henri matisse

Transcrição

o ornamento, um idioma na obra de henri matisse
FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO
O ORNAMENTO, UM IDIOMA NA OBRA DE HENRI MATISSE
Daniella Assumpção Liu Herzog
Trabalho de conclusão do Curso
Pós-Graduação em História da Arte
São Paulo
2011
FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO
FAAP Pós-Graduação
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
19ª TURMA DO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM HISTÓRIA DA ARTE
O ORNAMENTO, UM IDIOMA NA OBRA DE HENRI MATISSE
Daniella Assumpção Liu Herzog
Orientadora: Profª. Maria Carolina Ruggero Duprat
São Paulo
2011
2
DANIELLA ASSUMPÇÃO LIU HERZOG
O Ornamento, um Idioma na Obra de Henri Matisse
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao curso de História da Arte da Fundação
Armando Alvares Penteado, como exigência
parcial para obtenção de certificado de
conclusão, sob orientação da professora Dra.
Maria Carolina Ruggero Duprat.
São Paulo
2011
3
Banca Examinadora
4
Ficha Catalográfica
HERZOG, Daniella A. Liu
O Ornamento, um Idioma na Obra de Henri Matisse, Daniella
Assumpção Liu Herzog.
Trabalho de Conclusão de Curso – FAAP – São Paulo, 2011.
1.Ornamento
2. Henri Matisse 3.Arabesco
5
4.Estampa.
Meus agradecimentos especiais à professora Maria Carolina Ruggero Duprat,
minha orientadora, que me incentivou nos momentos difíceis e apoiou em
minhas dúvidas e incertezas.
Aos meus pais, por acreditarem no meu trabalho e por me ensinarem o gosto pelas
Artes.
Ao meu querido marido Claus, por acreditar nos meus sonhos e aspirações.
À minha família, em especial meu marido e filhos, pela paciência com minhas
ausências.
À professora Nancy Betts, por sua dedicação e generosidade.
À grande amiga e parceira Lígia Zanetti, pelo companheirismo, carinho e apoio durante
o período do curso.
À amiga e artista Marcela Rangel, que sugeriu e trocou ideias sobre o tema abordado.
6
RESUMO
Este trabalho visa discorrer sobre o papel que o ornamento
desempenhou no desenvolvimento na obra de Henri Matisse e sua
importância para a linguagem da arte moderna.
Inicialmente, recolhi imagens que melhor representaram, na minha
opinião, o caminho de transformação no uso do ornamento desde os
primeiros trabalhos até a realização da Capela do Rosário em Vence,
considerada pelo artista sua obra-prima.
Palavras-chave: Henri Matisse, ornamento, aspecto decorativo.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 16
1 NAS TRAMAS DO TEMPO: PARIS, O CENTRO CULTURAL DO MUNDO
MODERNO .............................................................................................................................. 18
2 O ORNAMENTO: UM FIO CONDUTOR NA OBRA DE MATISSE .............................. 22
2.1 Tecendo uma viagem em busca da luz ........................................................................... 26
2.2 Os Arabescos de Matisse costuram os espaços pictóricos ............................................. 49
2.3 As Estampas e a revelação de espaços verdadeiramente plásticos ................................. 62
2.4 A síntese dos Papéis Recortados e Pintados a Guache e a Capela de Vence ................ 93
3 A REVELAÇÃO DA BIBLIOTECA DE TRABALHO E A CONSOLIDAÇÃO DE UMA
LINGUAGEM MATISSIANA...............................................................................................109
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 123
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 125
8
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Fig. 1 – Foto de Paris, Exposição Universal de 1889 e a Torre Eiffel......................................18
Fig. 2 – Foto da entrada principal da Exposição Universal, Paris, 1900..................................19
Fig. 3 – Foto de Matisse, Hôtel Régina, Nice, 1941.................................................................22
Fig. 4 – Padrões ornamentais, Gramática do Ornamento, Owen Jones (1809-1874)..............24
Fig. 5 – Local de nascimento de Matisse, Cateau-Cambrésis, c. 1870.....................................26
Fig. 6 – Foto da cidade de Bohain-en-Vermandois, c. 1870.....................................................27
Fig. 7 – Foto dos pais de Henri Matisse....................................................................................27
Fig. 8 – Fachada da loja da Família Matisse, Bohain, c. 1880.................................................28
Fig. 9 – Vista de uma fábrica de tecidos em Bohain, c. 1900...................................................29
Fig. 10 – Catálogos da coleção de tecidos em seda, Bohain-en-Vermandois, 1896.................29
Fig. 11 – Foto de Matisse no apartamento em Vence, 1943-1944............................................30
Fig. 12 – Foto da fábrica de bordados e modelo de bordado, Saint-Quentin, c. 1900..............31
Fig. 13 – Natureza-morta com livros, 1890, óleo s/ tela, 21,5 x 27 cm....................................31
Fig. 14 – Matisse, Émile Jean e Jules Petit na Académie Julian, c. 1892.................................32
Fig. 15 – Os alunos de Gustave Moreau na École des Beaux-Arts, c. 1897.............................33
Fig. 16 – Natureza-morta com livros, 1895, 38,1 x 36 cm, óleo sobre tela, Musée de
Pontoise.....................................................................................................................................34
Fig. 17 – Mulher lendo, 1895, óleo s/ madeira, 61,5 x 48 cm, Museu de Arte Moderna Centre
Georges Pompidou, Paris..........................................................................................................34
Fig. 18 – Foto da casa de Russel em Belle-île-em-mer, c. 1896...............................................35
Fig. 19 – John Peter Russell, Velas vermelhas, c. 1900, 53 x 63,5 cm, óleo s/ tela, coleção
particular...................................................................................................................................35
Fig. 20 – Belle-Ile (Le Port de Palais), 1896, início da temporada, óleo s/ tela – 33 x 41
cm..............................................................................................................................................36
Fig. 21 – Belle-Ile (Le Port de Palais), 1896, fim da temporada, óleo s/ tela – 55,9 x 64 cm 36
Fig. 22 – A mesa de jantar, 1896-1897, óleo s/ tela, 100 x 131 cm, coleção particular...........37
Fig. 23 – A porta aberta, 1896, Kervilahouen..........................................................................38
9
Fig. 24 – Villa de La Rocca, Ajaccio, Córsega, c. 1898...........................................................39
Fig. 25 – A paisagem corsa, 1898, óleo s/ tela, 38 x 46 cm.....................................................40
Fig. 26 – Paul Cézanne, As três banhistas, c. 1879-1882, 58 x 54,5 cm, óleo s/ tela, Museu da
Cidade de Paris.........................................................................................................................42
Fig. 27 – O Golfo de Saint-Tropez, 1904, 65 x 50,5 cm...........................................................42
Fig. 28 – Paul Signac, No tempo da harmonia, 1893-1895, óleo s/ tela, Hôtel de Ville,
Montreuil, Paris.........................................................................................................................43
Fig. 29 – Luxo, calma e volúpia, 1904-1905, óleo s/ tela, 98,5 x 118 cm, Musée d’Orsay,
Paris...........................................................................................................................................44
Fig. 30 – Mulher junto ao mar, 1905, 35,2 x 28,2 cm, óleo s/ tela, Museu de Arte Moderna,
Nova York.................................................................................................................................45
Fig. 31 – Janela aberta para Collioure, 1905, óleo s/ tela, 55 x 46 cm, coleção particular.....48
Fig. 32 – Paisagem em Collioure (um estudo para a Alegria de Viver), 1905, Museu de Arte
Moderna, Nova York................................................................................................................49
Fig. 33 – Paul Gauguin, Parau api (O que há de novo?), 1892, óleo s/ tela, 67 x 92 cm,
Staatliche Kunstsammlungen Dresden, Dresden......................................................................50
Fig. 34 – Édouard Manet, Olympia, 1865, óleo s/ tela, 130 x 190 cm, Musée d’Orsay,
Paris...........................................................................................................................................51
Fig. 35 – A alegria de viver, 1905-1906, óleo s/ tela, 174 x 238 cm, Fundação Barnes,
Merion.......................................................................................................................................52
Fig. 36 – Jean-Auguste Dominique Ingres, A idade de ouro, 1862, óleo s/ papel montado em
painel de madeira, 47,9 x 62,9 cm, The Fogg Art Museum, Universidade de Harvard,
Cambridge, Mass......................................................................................................................53
Fig. 37 – D’Embas la troupe..., 1943, litografia, 38,5 x 29,5 cm, ilustração para Florilège des
amours, de Ronsard (1948).......................................................................................................54
Fig. 38 – A dança (primeira versão), 1909, 260 x 390 cm, óleo s/ tela, Museu de Arte
Moderna, Nova York................................................................................................................55
Fig. 39 – A dança, 1909-1910, carvão s/ papel, 48 x 65 cm, Musée de Grenoble....................56
Fig. 40 – Desenho de Yvan Saveliev, projeto de instalação dos painéis de Matisse para o hall
de escada na casa de Sergei Shchuckin, Moscou, 1910............................................................57
Fig. 41 – A dança, 1909-1910, 260 x 391 cm, óleo s/ tela, Museu do Hermitage, São
Petersburgo...............................................................................................................................58
10
Fig. 42 – A música, 1910, 260 x 389 cm, óleo s/ tela, Museu do Hermitage, São
Petersburgo...............................................................................................................................58
Fig. 43 – Painéis de A dança, instalados na Fundação Barnes, Merion...................................59
Fig. 44 – Acrobatas e dançarinos, croquis (nº 3), 1931-1932, crayon s/ papel, 26,5 x 21 cm,
coleção particular......................................................................................................................59
Fig. 45 – Acrobatas e dançarinos, litografias, 1931-1932, 50,5 x 37,5 cm, coleção
particular...................................................................................................................................59
Fig. 46 – Matisse a desenhar A dança, 1931.............................................................................60
Fig. 47 – A dança de Merion, 1932-1933, óleo s/ tela, 3 painéis: esquerdo: 330,7 x 441,3 cm,
central: 55,9 x 503,2 cm e direito: 338,8 x 439,4 cm, Fundação Barnes, Merion, USA..........61
Fig. 48 – Emile Flamant, afresco mostrando os tecelões de Bohain e seus tecidos luxuosos,
1925, Afresco, L’Hôtel de Ville, Bohain...................................................................................62
Fig. 49 – Pavilhão de exibição Ásia Central, Exposição Universal, Paris, 1900......................62
Fig. 50 – Exemplo de um Ukiyo-e, estampa japonesa, desenvolvida ao longo do período Edo,
Japão (1603-1867).....................................................................................................................63
Fig. 51 – Exposição de arte islâmica, Pavilhão Central, Munique, 1910.................................64
Fig. 52 – Tapete de oração, exposto em Munique em 1910.....................................................65
Fig. 53 – Fragmento têxtil de Bizâncio, Ásia Menor................................................................65
Fig. 54 – Eugène Delacroix, Mulheres da Argélia, 1834, óleo s/ tela, 180 x 229 cm, Musée du
Louvre, Paris.............................................................................................................................66
Fig. 55 – Cartão-postal de Tanger, com indicação de Matisse, 1912.......................................66
Fig. 56 – Os tapetes vermelhos, 1906, 89 x 116,5 cm, óleo s/ tela, Museu de Pintura e
Escultura, Musée de Grenoble..................................................................................................67
Fig. 57 – Foto do Palácio de Alhambra, painéis de azulejos da casa de banhos, Matisse
Archives, Paris...........................................................................................................................68
Fig. 58 – Seville I, 1910-1911, óleo s/ tela, 90 x 170 cm, Museu do Hermitage, São
Petersburgo................................................................................................................................68
Fig. 59 – Seville II, 1910-1911, óleo s/ tela, 89 x 116 cm, Museu do Hermitage, São
Petersburgo. ..............................................................................................................................69
Fig. 60 – Toile de Jouy, século XIX, tecido estampado algodão e linho, França.....................69
Fig. 61 – Pierre Matisse e seu artefato, 1904, 73,7 x 59 cm, óleo s/ tela, coleção particular..70
11
Fig. 62 – O guitarrista, 1903, 55 x 46 cm, óleo s/ tela, coleção particular...............................71
Fig. 63 – Interior, 1904, 55 x 46 cm, óleo s/ tela, coleção particular.......................................71
Fig. 64 – Natureza-morta sobre toalha de mesa azul, 1905, 73 x 92 cm, óleo s/ tela, Museu do
Hermitage, São Petersburgo......................................................................................................72
Fig. 65 – Retrato de Greta Moll, 1908, 93 x 73 cm, óleo s/ tela, National Gallery, Londres..73
Fig. 66 – Natureza-morta em toalha de mesa azul, 1909, 88 x 118 cm, óleo s/ tela, Museu do
Hermitage, São Petersburgo......................................................................................................74
Fig. 67 – Amor-perfeito sobre a mesa, 1918, 48 x 45 cm, óleo s/ tela, MET, Nova York.......75
Fig. 68 – O torso grego e ramo de flores, 1919, 113 x 87 cm, óleo s/ tela, Museu de Arte de
São Paulo...................................................................................................................................75
Fig. 69 – A cadeira com pêssegos, 1919, 130 x 89 cm, óleo sobre tela, coleção particular.....76
Fig. 70 – Mesa de jantar vermelha (Harmonia em vermelho), 1908, 180 x 220 cm, óleo s/
tela, Museu do Hermitage, São Petersburgo.............................................................................77
Fig. 71 – Vincent Van Gogh, Lullaby: Madame Augustine Roulin Rocking a Cradle (La
berceuse), 1889, óleo s/ tela, 92,7 x 72,7 cm, Museum of Fine Arts, Boston, USA.................79
Fig. 72 – Natureza-morta com a dança, 1909, 89 x 116 cm, óleo s/ tela, Museu do Hermitage,
São Petersburgo.........................................................................................................................80
Fig. 73 – O estúdio rosa, 1911, 179,5 x 221 cm, óleo s/ tela, The Pushkin Museum,
Moscou......................................................................................................................................81
Fig. 74 – O estúdio vermelho, 1911, 191 x 219,1 cm, óleo s/ tela, Museu de Arte Moderna,
Nova York.................................................................................................................................82
Fig. 75 – A família do pintor, 1911, 143 x 197 cm, óleo s/ tela, Museu do Hermitage, São
Petersburgo................................................................................................................................82
Fig. 76 – Estudo preparatório em aquarela para Interior com berinjelas, 1911.......................83
Fig. 77 – Interior com berinjelas, 1911-1912, 212 x 246 cm, guache s/ tela, Museu de Pintura
e Escultura, Grenoble................................................................................................................84
Fig. 78 – Desenhos de Matisse no Café Árabe, 1912...............................................................85
Fig. 79 – O Café Árabe, 1913, pintura a cola s/ tela, 176 x 210 cm, Museu do Hermitage, São
Petersburgo................................................................................................................................86
Fig. 80 – Figura decorativa sobre fundo ornamental, 1926-1927, 130 x 98 cm, óleo s/ tela,
Museu de Arte Moderna, Centre Georges Pompidou, Paris.....................................................87
Fig. 81 – Foto de Matisse e Figura decorativa em fundo ornamental (1926-1927).................88
12
Fig. 82 – Matisse desenhando a modelo Zita, Nice, 1928........................................................89
Fig. 83 – Odalisca com calça cinza, 1927, 54 x 65 cm, óleo s/ tela, Musée de l’Orangerie,
Paris...........................................................................................................................................90
Fig. 84 – Odalisca recostada com calça cinza, 1927, 64 x 81, 3 cm, óleo s/ tela, The
Metropolitan Museum of Art, Nova York.................................................................................90
Fig. 85 – Foto de Matisse no Taiti, Archives Matisse, 1930.....................................................92
Fig. 86 – Detalhe de cartão-postal de Matisse, enviado a Pierre Bonnard, 1930......................92
Fig. 87 – Foto de Matisse trabalhando nos Guaches recortados, Vence, 1947........................93
Fig. 88 – A dança, 1938, Guaches recortados, 80 x 65 cm, Centre Georges Pompidou,
Paris...........................................................................................................................................94
Fig. 89 – Foto feita por Matisse durante a vigem ao Taiti, 1930..............................................96
Fig. 90 – Oceania, o céu, 1946, estêncil s/ linho, 176 x 395 cm, Musée départemental
Matisse, Le Cateau-Cambrésis, doação do artista, 1952...........................................................97
Fig. 91 – Foto da obra Oceania, o céu, 1946, Archives Matisse...............................................98
Fig. 92 – Polinésia, o céu, 1946, Guaches Recortados, 200 x 314 cm, Centre Georges
Pompidou, Paris........................................................................................................................99
Fig. 93 – Foto do Estúdio de Matisse, Villa Le Rêve, Vence, c. 1950.....................................99
Fig. 94 – Mimosa, 1951, maquete de um tapete, Guaches recortados, 148 x 96,5 cm..........100
Fig. 95 – O parafuso, 1951, Guaches recortados, 172 x 82 cm, coleção particular..............100
Fig. 96 – Acrobatas, 1952, estêncil.........................................................................................101
Fig. 97 – Nu azul I, 1952, Guaches recortados, 116 x 78 cm, Galerie Beyeler, Basileia......102
Fig. 98 – Vênus com concha, 1930, bronze, alt. 31 cm...........................................................102
Fig. 99 – Estudo para o Nu azul, 1952, tinta, coleção particular............................................102
Fig. 100 – O caracol, 1952, Guaches recortados, 286 x 287 cm, Tate Gallery, Londres......103
Fig. 101 – A árvore da vida, janela dupla do santuário, 1949, Guaches recortados, 515 x 252
cm, Museu do Vaticano, Roma...............................................................................................105
Fig. 102 – Vitral azul-pálido, 1948-1949, maquete para a Capela do Rosário de Vence,
Guaches recortados, 515 x 252 cm, Centre Georges Pompidou, Paris..................................105
Fig. 103 – Foto do interior da Capela do Rosário de Vence, vista do
altar..........................................................................................................................................105
13
Fig. 104 – A Via Crucis, c. 1950, painel de azulejos pintados, Capela de Vence...................106
Fig. 105 – Foto de Matissse realizando os estudos para a Capela de Vence, 1950................106
Fig. 106 – Foto do interior da Capela de Vence.....................................................................106
Fig. 107 – Quarto de Matisse, Hôtel Régina, Nice, c. 1952 (foto de Helène Adant).............107
Fig. 108 – Foto da porta do confessionário, Capela de Vence................................................108
Fig. 109 – Foto de Hélène Adant, Matisse em seu apartamento ornado com o Moucharabieh,
1940.........................................................................................................................................110
Fig. 110 – Objetos da coleção de Matisse...............................................................................111
Fig. 111 – Seis estados de Natureza-morta com magnólia, 1941...........................................112
Fig. 112 – Natureza-morta com magnólia, 1941, óleo s/ tela, 74 x 101 cm, Centre Georges
Pompidou, Paris.....................................................................................................................112
Fig. 113 – Foto do apartamento de Matisse, Hôtel Régina, Nice, c. 1950.............................113
Fig. 114 – O biombo mourisco, 1921-1922, 90,8 x 74,3 cm, óleo sobre tela, Philadelphia
Museum of Art, USA...............................................................................................................113
Fig. 115 – Casa de Matisse, foto do toile de Jouy e da poltrona rococó, c. 1920...................115
Fig. 116 – Trecho da carta de Matisse a Aragon, 20 de abril de 1942....................................115
Fig. 117 – Poltrona rococó, 1946, óleo/ tela, 92 x 73 cm, Musée Matisse, Nice...................115
Fig. 118 – O braço, 1938, 46 x 38 cm, óleo s/ tela, coleção particular..................................115
Fig. 119 – Janela, Hôtel Régina, Nice, c. 1950.......................................................................116
Fig. 120 – Interior amarelo e azul, 1946, 116 x 81 cm, óleo s/ tela, Museu de Arte Moderna,
Centre Georges Pompidou, Paris............................................................................................117
Fig. 121 – Interior vermelho de Veneza, 1946, 92 x 65 cm, óleo s/ tela, Musées Royaux des
Beaux-arts de Belgique, Bruxelas...........................................................................................117
Fig. 122 – Foto do interior do apartamento de Matisse, Nice.................................................118
Fig. 123 – Natureza-morta com frutas, 1947, 80,5 x 60 cm, óleo s/ tela, Musée Matisse,
Nice.........................................................................................................................................118
Fig. 124 – Foto de Matisse em sua casa La Rêve, Vence, 1950.............................................118
Fig. 125 – Interior com cortina egípcia, 1948, 116,2 x 89,2 cm, óleo s/ tela, 116,2 x 89,2 cm,
coleção Phillips, Washington D.C., USA...............................................................................118
Fig. 126 – Mulher com colar de pérolas, 1942.......................................................................119
14
Fig. 127 – Grande interior vermelho, 1948............................................................................119
Fig. 128 – Tapa da Polinésia, coleção Matisse, Musée Départemental Matisse, Le CateauCambrésis................................................................................................................................120
Fig. 129 – Nu deitado com colar, 1935, 45 x 56 cm, caneta e tinta s/ papel, Musée Maillol,
Paris.........................................................................................................................................120
Fig. 130 – Tecido africano Kuba-Shoowa, Congo, séculos XIX/XX, coleção
Matisse....................................................................................................................................120
Fig. 131 – Nu deitado sobre o ventre e pequeno tapete africano, 1935, 38,8 x 50,7 cm,
nanquim s/ papel, Centre Georges Pompidou, Paris..............................................................120
Fig. 132 – Nu deitado no ateliê, 1935 ....................................................................................121
15
INTRODUÇÃO
A arte e a literatura parecem, em geral, buscar seus referenciais ali onde a
mentalidade ou a sensibilidade social do momento histórico específico encontra
sua verdade mais sólida.
Clement Greenberg.
Desde a segunda metade do século XIX, a pintura enfatizou as suas qualidades
abstratas e decorativas, mas foi ao longo do século XX que a apreciação estética
reconheceu cada vez mais intensamente a especificidade dos meios plásticos, em termos
de visualidade e materialidade da obra de arte. Os mais diversos tipos de ornamento,
amplamente utilizados pelos artistas, contribuíram para a conquista de uma linguagem
moderna, ampliando o horizonte da arte, rompendo com a perspectiva histórica unívoca
da representação tridimensional e inaugurando uma nova relação entre sujeito e objeto.
Os ornamentos compõem, na obra de Henri Benoît Matisse (1869-1954), uma
linguagem bem pessoal, por meio de uma livre combinação de arabescos, florais e
motivos das artes oriental, islâmica e africana, que, junto às superfícies de cor, criaram
espaços inovadores para a história da arte moderna. Não são representados, no entanto,
somente pelos padrões decorativos, propriamente ditos, mas, também, representam um
elemento formal, que concede unidade à fragmentação dos espaços pictóricos,
proporcionando ordem, estrutura, ritmo, movimento à composição.
Matisse criou um idioma que abrange os mais diversos padrões decorativos,
concedendo, sobretudo, expressão à sua obra. Como o próprio artista definiu: “Toda a
arte é decorativa”. O ornamento representado ora pela linha, ora pela cor, cria tensão,
circulação, movimento e, sobretudo, expansão à pintura.
A obra de arte representa um modo que o homem possui para revelar sua
percepção de tempo e espaço. Em Matisse, se, por um lado, o processo de criação se fez
por meio de uma síntese temporal que implicou a percepção do presente, a memória do
passado e a antecipação do futuro, por outro, a conquista de um espaço matissiano
verdadeiramente plástico e expansivo, integrando figura e fundo, representou uma
maneira eficaz de tornar sua obra aberta, como um fragmento real do espaço do mundo,
solicitando a participação contínua do olhar e da percepção do espectador. A seguinte
16
frase traduz perfeitamente a ideia de Matisse: “A apreciação da beleza dos ornamentos
exige a suspensão do tempo e a transformação do corpo em puro olhar.” (PAIM, 2000,
p. 31).
Por meio, principalmente, da pintura, mas também do desenho, da escultura, da
gravura e, finalmente, da colagem, Matisse pôde, ao longo de 60 anos de carreira,
contribuir para importantes transformações na arte e participar de diferentes
movimentos artísticos do século XX. O importante papel que Matisse desempenhou na
história da visualidade contribuiu continuamente para o processo criativo de artistas das
gerações posteriores e se estende até os dias atuais.
Um dos principais críticos da arte moderna, o norte-americano Clement
Greenberg (1909-1994), era um grande defensor do projeto decorativista matissiano.
Segundo ele, para que a pintura moderna fosse adequadamente pictórica, as qualidades
decorativas, isto é, de cor, traçado, composição, ritmo, etc., deveriam ser combinadas
com aquelas da pintura enquanto objeto material, ou seja, da tela bidimensional.
Nesse sentido, a pesquisa tem como objetivo discorrer sobre o papel que os
ornamentos desempenharam no processo criativo de Matisse, desde as primeiras
pinturas até suas últimas criações, os papéis recortados e pintados a guache, sem deixar
de mencionar a Capela do Rosário em Vence, considerado por ele sua obra-prima,
como resultado de toda uma vida de trabalho.
Assim, por meio da análise de determinadas obras, pretendo apresentar o
caminho de transformação que o artista percorreu no uso do ornamento, a fim de
revelar, por um lado, sua incessante busca por unidade, equilíbrio e harmonia e, por
outro, a grande capacidade de síntese de todas as experiências anteriores, quando, em
suas últimas criações, a cor torna-se o ornamento, isto é, quando cor e forma se unem,
criando a simultaneidade entre desenho e pintura.
17
1. NAS TRAMAS DO TEMPO: PARIS, O CENTRO CULTURAL
DO MUNDO MODERNO
Fig. 1 – Foto de Paris.
Matisse nasceu em um momento, na história da Europa e, particularmente, da
França, de grandes transformações políticas, sociais, econômicas e culturais. Entre os
anos de 1870 e 1871, o país viveu momentos conturbados devido à guerra francoprussiana, quando declarou guerra à Prússia, em julho de 1870. As tropas alemãs,
porém, eram mais fortes e, em setembro, derrotaram as tropas francesas em Sedam. A
queda de Napoleão III (1808-1873) representou o fim do Segundo Império e a
instauração de um governo provisório e, mais tarde, da Terceira República.
O país encontrava-se dividido politicamente. Por um lado, havia um partido de
direita, que sonhava com um governo forte e autoritário, capaz de uma vingança contra
a Alemanha e, por outro, havia o partido de esquerda socialista, que lutava pelos direitos
dos trabalhadores. Foi um período de grande tensão social e política, mas, também, foi
um momento de grandes avanços tecnológicos e científicos, resultando na Exposição
Universal de 1889 em Paris (Fig. 1), quando foi construído um símbolo do progresso
nacional, a Torre Eiffel.
Apesar da instabilidade político-social, o fim do século XIX e o início do século
XX foram um momento histórico de grande efervescência cultural em Paris, que trouxe
ventos de otimismo e confiança no futuro: a Belle Époque. As conquistas coloniais
18
ofereciam abundância de matérias-primas a preços baixos, impulsionando a produção
industrial.
Fig. 2 – Foto da entrada principal da Exposição Universal.
O capitalismo e o acelerado progresso tecnológico e industrial já vinham se
desenvolvendo, na Inglaterra, segundo diretrizes de longa data, mas, na França, foi a
partir de 1850 que a vida cotidiana, os lares das pessoas, os meios de transporte e as
técnicas de iluminação, alimentação e vestuário sofreram mudanças mais radicais. Os
valores econômicos e materiais superavam os da esfera da vida humana, quando o
homem passou a ser considerado igualmente uma mercadoria.
Durante os 30 anos que precederam a Primeira Guerra Mundial, se, por um lado,
havia uma euforia social, por outro, era grande o descontentamento de uma considerável
parcela da população. Nesse contexto histórico de grandes contrastes, em 1863, o poeta
Charles Baudelaire (1821-1867) empregou, pela primeira vez, o termo Modernidade:
Baudelaire empregou o termo “Modernité” para articular um senso de
diferença com relação ao passado e descrever uma identidade peculiarmente moderna.
O moderno, nesse contexto, não significa apenas “do” presente, mas representa uma
atitude específica “para com” o presente. Baudelaire relaciona essa atitude a uma
“experiência” particular da modernidade, que é característica do período moderno
enquanto distinto de outros períodos. Essa experiência consciente de modernidade só
se desenvolveu em meados do século XIX, quando, ao aplicá-la à arte, Baudelaire pôde
defini-la do seguinte modo: “Por modernidade entendo o transitório, o fugidio, o
contingente, a metade da arte cuja outra metade é o eterno e o imutável”. Estes dois
aspectos – o transitório ou passageiro, por um lado, e o eterno, por outro – eram os
dois lados de uma dualidade. (Fer apud FRASCINA, 1998, p. 9).
19
A partir do século XIX, então, com o crescimento das cidades em diversas
regiões da França e a consolidação de Paris como a principal metrópole cultural da
Europa, ascendia rapidamente uma nova classe burguesa, essencialmente capitalista e
industrial, cuja demanda por luxo e divertimento difundia novos gostos, necessidades e
ideais.
Não foi apenas a divisão de trabalho altamente desenvolvida da nossa
sociedade que sugeriu uma maior especialização no campo das artes. O nosso gosto
pelo real, pelo imediato, pelo “em primeira mão”, desejou que a pintura, a escultura, a
música e a poesia se tornassem mais concretas e que se limitassem estritamente ao
mais palpável, ou seja, aos meios, recusando-se a tratar ou a imitar aquilo que está
fora do domínio de seus efeitos exclusivos. (GREENBERG, 2001, p. 67).
No conturbado momento da história da sociedade capitalista ocidental, em que o
homem se encontrava cada vez mais perplexo diante das vicissitudes de um mundo
efêmero, fragmentado e contraditório, que, por sua vez, se apoiava em noções de
prosperidade e materialismo, a arte moderna começava a trilhar seus próprios caminhos,
inaugurando novos modos de fazer artístico.
Para que a arte se libertasse da representação, ela deveria reconhecer a sua
natureza ornamental e torná-la cada vez mais consciente e explícita. Os temas do
debate foram também importantes para a arte de vanguarda: o repúdio ao ilusionismo,
o formalismo abstrato, a musicalidade da composição e a ênfase na especificidade
plástica dos meios expressivos. (PAIM, 2000, p. 48).
As primeiras manifestações da arte moderna surgiram na Europa, decorrentes
das profundas transformações sociais, políticas e econômicas, iniciadas e difundidas a
partir das ideias iluministas. Essas mudanças, por sua vez, impulsionaram novos valores
e concepções do mundo e da vida para a civilização ocidental. A consolidação de uma
autonomia das artes colocou a questão da sua articulação com as outras atividades da
sociedade, implicando um novo significado e uma nova função cultural e social, pautada
pela ruptura com a tradição.
A natureza não é mais a ordem revelada e imutável da criação, mas o ambiente
da existência humana; não é mais o modelo universal, mas um estímulo a que cada um
reage de modo diferente; não é mais a fonte de todo o saber, mas o objeto da pesquisa
cognitiva. (ARGAN, 1999, p. 12).
Os novos paradigmas do homem moderno baseavam-se, sobretudo, na dialética
entre sensibilidade e racionalidade, entre transitório e imutável, entre subjetividade e
objetividade. Nesse sentido, os principais movimentos artísticos que surgiram na
20
Europa estavam associados a um artista inquieto e questionador, que, apesar dos
sentimentos contraditórios, buscava compreender o mundo à sua volta, em constante
movimento e transformação.
Afirmando a autonomia e assumindo a total responsabilidade do seu agir, o
artista não se abstrai da realidade histórica; declara explicitamente, pelo contrário, ser
e querer ser do seu próprio tempo, e, muitas vezes, aborda, como artista, temáticas e
problemas atuais. (ARGAN, 1999, p. 12).
As transformações ocorriam paralelamente ao desenvolvimento filosófico e
científico. A sociedade burguesa ocidental produziu, segundo o crítico de arte Clement
Greenberg (1909-1994), uma cultura de vanguarda, que coincidiu com um surto do
desenvolvimento do pensamento revolucionário científico na Europa.
À medida que, no curso de seu desenvolvimento, uma sociedade se torna cada
vez menos capaz de justificar a inevitabilidade de suas formas particulares, ela rompe
com as noções consensuais das quais, forçosamente, artistas, escritores dependem em
grande parte para se comunicar com seu público. Torna-se difícil pressupor qualquer
coisa. Todas as verdades que envolvam religião, autoridade, tradição ou estilo passam
a ser questionadas, e o escritor ou artista deixa de ser capaz de avaliar a reação do seu
público aos símbolos e referências com que trabalha. (GREENBERG, 2001, p. 27).
A obra de Matisse revela, assim, sua busca, em meio às ambiguidades e
incertezas da modernidade, por um caminho de integração, equilíbrio e harmonia.
Podemos dizer que foi um homem do seu tempo, atento às exigências e anseios de uma
sociedade burguesa, em constante transformação, refletindo a sensibilidade de uma
época.
[...] a sensibilidade moderna, porém, reclama a exclusão de toda a realidade
externa que devia ser incorporada por meio da respectiva arte, ou seja, a exclusão do
tema. Somente se restringindo aos meios pelos quais alcançam virtualidade como arte,
à essência literal de seu meio, e somente evitando tanto quanto possível a referência
explícita a qualquer forma de experiência não imediatamente dada através de seus
meios, podem as artes comunicar aquele senso de experiência concretamente sentida,
irredutível, em que nossa sensibilidade encontra sua certeza fundamental.
(GREENBERG, 2001, p. 67).
21
2. O ORNAMENTO: UM FIO CONDUTOR NA OBRA DE
MATISSE
Fig. 3 – Foto de Matisse, Hôtel Régina, Nice, 1941.
Criar é próprio do artista – onde não há criação, não existe arte.
Henri Matisse.
Os ornamentos foram, ao longo da história da humanidade, desde os primórdios,
um rico exemplo de inesgotável fonte de criatividade para as diversas civilizações. Na
decoração de parede, nos pisos ladrilhados, nas estampas de tecido, nas grades das
janelas e em diversos outros lugares, os ornamentos se constituem por planos
construídos com base em um motivo que se repete. A partir de meados do século XIX,
tornou-se objeto de reflexão, debate e inspiração para artesãos, arquitetos, artistas e
teóricos, que discutiam sobre sua funcionalidade e seu valor artístico.
Aparentemente, os ornamentos são avessos às palavras. Supõe-se que não há
muito a dizer sobre eles; que são apenas acréscimos de beleza, que tantas vezes
parecem estar em excesso e outras tantas enganam sobre o material de que são feitos.
[...] A fermentação, a eclosão e a consolidação do modernismo estiveram intimamente
associadas à reflexão sobre o ornamento – cujas relações com a natureza, o trabalho, o
consumo, a experiência estética, a abstração, os materiais da arte e a criação foram
amplamente explorados. (PAIM, 2000, p. 9).
22
A partir da expansão comercial e marítima na Europa, o ornamento passou a ser
uma verdadeira ponte entre as culturas oriental e ocidental. O período compreendido
entre os anos de 1850 e 1950 foi de grande fertilidade para as artes e um momento de
intensa efervescência social, cultural e tecnológica para a civilização ocidental. Na
época, alguns pensadores e artistas discursaram sobre o assunto, como o artista
austríaco Alfred Keller (1875-1945), que acreditava que “a felicidade dependia
substancialmente do prazer visual propiciado pelos ornamentos” (PAIM, 2000, p. 20),
cultivados desde sempre pelo homem:
A decoração é uma necessidade que sempre existiu em todos os homens, em
todos os países e em todos os povos. A tribo mais selvagem e o povo mais civilizado
sentem necessidade de ornamentar as casas e as pessoas. Todas as civilizações, desde
tempos pré-históricos, experimentaram a necessidade de ornamentar, de embelezar as
formas que serviam às suas necessidades, e a ornamentação sempre foi objeto de uma
das mais vivas preocupações da humanidade. O prazer dos sentidos contribui muito
para a alegria de viver e o prazer dos olhos não fica atrás dos outros. (PAIM, 2000, p.
20).
Mais do que uma fonte de prazer e alegria, o impulso ornamental foi
compreendido, pelo arquiteto inglês Owen Jones (1809-1874), como um poderoso
instinto, presente em todos os povos e intensamente utilizado pelo homem moderno e
pela sociedade industrializada. Chegou a publicar, em meados do século XIX, a
Gramática do Ornamento (Fig. 4), em que reuniu vários exemplos de ornamentação,
que coletou ao redor do mundo.
Era um momento de florescimento cultural na arquitetura, nas artes, na literatura
e na música, quando a modernidade orientou a atenção imediata às possibilidades
plásticas dos diversos materiais, definindo o significado do ornamento e sua função para
artes e para a sociedade. Gradativamente, os métodos industriais de produção
transformaram radicalmente a presença dos ornamentos nas grandes cidades da Europa
e das Américas. Inicialmente fabricados em pequenas oficinas, por artesãos que
utilizavam materiais e procedimentos técnicos, aperfeiçoados lentamente durante
séculos, os ornamentos passaram a ser feitos em galpões industriais, segundo as
exigências da produção em série. Assim, novos métodos de organização de trabalho,
técnicas e materiais foram desenvolvidos para multiplicar sua produção.
23
Fig. 4 – Padrões ornamentais, Grámatica do Ornamento, Owen Jones (1809-1874).
Em contrapartida, a partir da primeira metade do século XX, surgia no meio
artístico a ênfase na naturalidade do impulso ornamental, implicando a revitalização de
diversos ofícios artesanais, que haviam desaparecido com o advento da industrialização.
Vários artistas, estimulados pelas ideias do pensador inglês John Ruskin (1819-1900)
sobre tais ofícios, empenharam-se em reintegrar sua criação e produção, explorando os
recursos plásticos de diversos materiais, questionando, sobretudo, a hierarquia entre as
belas-artes e as artes decorativas.
O descompromisso da arte moderna com a representação clássica impôs novos
compromissos para os artistas: a aceitação da planaridade da tela e a conquista da
liberdade da cor. Houve, então, uma tendência na pintura de romper com o espaço da
perspectiva geométrica, com uma nova forma espacial calcada na superfície da tela.
Desde a segunda metade do século XIX, a pintura enfatizou cada vez mais as
suas qualidades abstratas e decorativas. Isso levou ao abandono da representação do
espaço tridimensional, e o plano pictórico se tornou cada vez mais achatado, de modo
que a pintura abstrata foi reduzida ao seu fato real como superfície plana. A
dificuldade enfrentada pelo pintor abstrato que quer produzir mais decoração consiste
em vencer a inércia na qual a pintura pode cair por causa da sua planaridade.
(Greenberg apud PAIM, 2000, p. 51).
A importância da ornamentação na conquista da linguagem moderna foi
inegável e, para Matisse, fundamental para que sua arte se libertasse definitivamente da
representação do espaço tridimensional. Ao reconhecer sua natureza ornamental, tornou
24
seu fazer artístico mais consciente e explícito, preponderando os meios da pintura em si
e a experiência do puro ato de pintar.
Em seus escritos Notas de um pintor, Matisse (2007) formulou uma teoria de
expressão, baseada no inter-relacionamento dos componentes formais da pintura,
quando o valor inerente de uma pintura deveria ser derivado, segundo ele, de uma
combinação harmoniosa dos vários elementos formais:
O que eu busco acima de tudo é a expressão. [...] A expressão, para mim, não
consiste na paixão espelhada num rosto humano ou se afirma por um gesto violento.
Toda a disposição do meu quadro é expressiva: o lugar ocupado pelas figuras ou
objetos, os espaços vazios ao redor deles, as proporções – tudo isso tem o seu papel. A
composição é a arte de dispor de maneira decorativa os diversos elementos de que o
pintor dispõe para exprimir seus sentimentos. Num quadro, cada parte será visível e
virá a desempenhar o papel que lhe cabe, principal ou secundário. Tudo o que não tem
utilidade no quadro é, por isso mesmo, prejudicial. Uma obra comporta uma harmonia
de conjunto: qualquer detalhe supérfluo tomaria no espírito do espectador, o lugar de
um outro detalhe essencial. (MATISSE, 2007, p. 39).
O percurso artístico de Matisse dispõe de uma coerência no seu processo
criativo, reunindo um feixe de atividades dedicado às artes, em consonância com uma
cuidadosa reflexão sobre seu fazer artístico. Com efeito, segundo ele, todos os meios
são válidos para representar a forma e exaltar a cor, propondo soluções revolucionárias,
sob uma aparência clássica, para enfatizar a realidade da pintura. Desse modo, a partir
do olhar para o passado, presente e futuro, Matisse não deixou de reconhecer sua
herança e tradição, mas sempre soube imprimir novas descobertas em suas obras,
enaltecendo a pureza dos meios, a fim de validar seus conceitos. Sua intensa produção
foi pautada pela surpreendente liberdade de expressão e, a cada momento de sua vida, o
artista se superava com novas experimentações e decisões na arte.
De certo modo, para traduzir emoções e sentimentos do homem diante da
ruptura dos valores da sociedade moderna, Matisse fez uso tanto da sensibilidade quanto
da razão e inteligência para compor uma linguagem, demonstrando sua exímia
capacidade de fazer relações entre os vários elementos formais da pintura, que foi
materializada, ao longo de 60 anos de intensa produtividade, no conjunto de suas obras.
E, para tanto, utilizou um vocabulário, desde sempre familiar, que pudesse refletir seu
pensamento, mas também aguçar sua sensibilidade e afinar sua percepção: os
ornamentos.
25
[...] na obra de Matisse torna-se claro que a condição espiritual que se
manifesta nas imagens é talvez mais ainda do que uma euforia, um enaltecimento da
vitalidade. Representando paisagens, vista de interiores, mulheres reclinadas ou
deitadas, as linhas e o colorido, aparentemente livres, exaltam uma afirmação do viver,
sensual e racional ao mesmo tempo. (OSTROWER, 1983, p. 319).
O aspecto decorativo assumiu, em Matisse, uma complexidade de significados,
que o pintor experimentou como a forma mais plena e imanente da expressão. Na
opinião do importante historiador de arte Giulio Carlo Argan (1909-1992), a arte de
Matisse foi feita pra decorar a vida dos homens.
Interessado por todo tipo de ornamento, reuniu, ao longo de sua vida, uma
grande e rica coleção de tecidos e objetos decorativos, a qual intitulava biblioteca de
trabalho, que, nos 60 anos de intensa produção, dotada tanto de sensibilidade quanto de
racionalidade, consistiu num importante laboratório experimental.
2.1.
TECENDO UMA VIAGEM EM BUSCA DA LUZ
O gênio não é mais do que um regresso constante à infância.
Henri Matisse.
Fig. 5 – Local de nascimento de Matisse, Cateau-Cambrésis, c. 1870.
Henri Matisse nasceu, em 31 de dezembro de 1869, na cidade de CateauCambrésis (Fig. 5), na região de Flandres, ao norte da França. A revolução industrial e o
aparecimento das estradas de ferro impulsionavam grandes mudanças em diversas
regiões rurais do país, que cresciam e prosperavam rapidamente.
26
Fig. 6 – Foto da cidade de Bohain-en-Vermandois, c. 1870.
A cidade vizinha de Bohain-en-Vermandois (Fig. 6), onde Matisse cresceu,
tornou-se um dos principais polos têxteis do país, transformando gradativamente seu
caráter rural em urbano e industrial. Durante sua infância, no entanto, Matisse ainda
experimentou os ares do passado, quando as pessoas andavam a pé ou de carroças e as
crianças podiam brincar livremente nas ruas e nos campos dos arredores da cidade,
usufruindo de uma natureza ainda intacta. As notícias eram trazidas do restante da
Europa pelas companhias de circo e de teatro que vinham se apresentar todos os anos,
durante o verão, na cidade. O menino Matisse, curioso e ávido por novidades, esperava
ansiosamente por sua chegada. Seu sonho, quando criança, era tornar-se acrobata de
circo ou ator de teatro, para poder conhecer e visitar os lugares distantes que habitavam
sua rica imaginação, bem diferentes do ambiente cinza e frio característico daquela
região.
Fig. 7 – Foto dos pais de Henri Matisse.
27
A família de seu pai era tradicionalmente composta de tecelões e a de sua mãe,
de antigos curtumeiros da região. Seus pais, quebrando a tradição familiar, partiram
ainda jovens para trabalhar em Paris, onde se conheceram e se casaram. Henri
Hippolyte Matisse trabalhou em uma grande loja de departamentos, La Cour Batave, e
Anna Heloïse Gérard, em uma conhecida loja de confecção de chapéus. Após o
nascimento de Matisse, decidiram permanecer em sua região de origem e abriram em
sociedade um comércio de grãos e sementes (Fig. 8), que rapidamente cresceu, seguindo
o fluxo de prosperidade que envolvia a cidade de Bohain.
Fig. 8 – Fachada da loja da Família Matisse, Bohain, c. 1880.
Bohain-en-Vermandois transformou-se numa típica cidade burguesa, onde as
pequenas casas térreas eram substituídas por sobrados e fábricas ocupavam o lugar das
pequenas oficinas artesanais. O rápido processo de industrialização incrementou
grandes transformações na região, como o intenso desmatamento e a acelerada
urbanização. Matisse cresceu nesse contexto de mudanças e contradições.
As indústrias, lojas de material de decoração e vestuário multiplicavam-se na
cidade, onde se localizavam os principais fornecedores das grandes lojas de
departamentos de Paris. Os produtos têxteis eram requintados, coloridos e originais, de
vários tipos e padrões. A população da cidade era predominantemente formada por
tecelões, bordadores e estampadores, cuja criação apurou a sensibilidade visual do
artista. Matisse cresceu nesse ambiente rico, inovador e multicolorido, dado pelos
objetos à sua volta, que muito influenciaram sua obra mais tarde.
28
Fig. 9 – Vista de uma fábrica de tecidos em Bohain, c. 1900.
Não existiam galerias, museus ou exposições de arte, ou, até mesmo, estátuas
ou murais em lugares públicos nestas cidades poluídas pelas indústrias. Para uma
criança inquieta, como Matisse, que sonhava com a fuga deste cenário cinza, a única
possibilidade existente era estimular a nascente imaginação que lhe provocavam o
brilho, a suntuosidade e o colorido das sedas e tecidos, produzidos nos teares dos
ateliês de tecelagem, espalhados por toda Bohain. (NEELY, 2004, p. 15).
Fig. 10 – Catálogos da coleção de tecidos em seda, Bohain-enVermandois, 1896.
29
A arte têxtil esteve sempre impregnada no sangue de Matisse, estimulando,
continuamente, sua paixão pela cor e pela trama. Assim, desde o início, como estudante
de arte em Paris, apesar das grandes dificuldades financeiras, procurou adquirir
diferentes tecidos nas lojas da cidade. Mais tarde, já bem-sucedido, costumava trazer de
suas viagens tapetes, bordados e produtos têxteis das artes islâmica, oriental e africana,
que ornavam as paredes de seus ateliês, deslumbrando seus visitantes pela beleza e
requinte da sua coleção (Fig. 11).
Fig. 11 – Foto de Matisse no apartamento em Vence, 1943-1944.
A sociedade burguesa e pragmática de Bohain, voltada para o materialismo e
utilitarismo, acreditava na expansão e progresso dos seus habitantes. Este também era o
pensamento do seu pai, um homem pragmático e trabalhador. Hippolyte era autoritário e
tinha grandes planos para o filho primogênito – esperava pelo dia em que Matisse
pudesse assumir um papel de responsabilidade nos negócios da família. Sem coragem
de enfrentar o pai, Matisse chegou a cursar um ano de Direito em Paris. Sua saúde,
porém, sempre foi frágil e, repetidamente, era hospitalizado. Em uma das vezes em que
foi internado para um longo tratamento, a exemplo de um colega de quarto, começou a
pintar. Havia descoberto, finalmente, sua verdadeira vocação.
Herdou de sua mãe, responsável por lhe presentear o primeiro estojo de pincéis e
tintas, o interesse pelo mundo das cores. Anna cuidava do setor de tintas e pigmentos na
loja da família, e o artista guardou lembranças de como ela costumava organizar,
30
cuidadosamente, os potes de pigmentos, pela sequência de cores. Sua mãe também
pintava porcelanas, seu hobby preferido.
Ao deixar o hospital, Matisse decidiu ingressar na escola de desenho e pintura
St-Quentin de la Tour, na cidade vizinha, onde inclusive eram oferecidas aulas de
design têxtil. A cidade de Saint Quentin, como Bohain, também foi um importante polo
de desenvolvimento da indústria têxtil.
Fig. 12 – Fábrica de bordados e modelo de bordado, Saint-Quentin, c. 1900.
Matisse dividia seu tempo entre o trabalho num escritório de advocacia e as
aulas de arte na escola St-Quentin de la Tour. Em 1890, realizou a pintura a óleo
Natureza-morta com livros (Fig. 13), que supreendeu seu professor Emmanuel Croizé
(1859-1930) por sua qualidade técnica. Croizé mostrou-a para um renomado pintor de
Saint Quentin, Léon Antoine Lucien Couturier (1842-1935), que, imediatamente,
escreveu uma carta de apresentação a William Adolphe Bouguereau (1825-1905),
conhecido pintor acadêmico francês, que dirigia a renomada Académie Julian, em Paris,
pedindo-lhe que aceitasse Matisse como aluno.
31
Fig. 13 – Natureza-morta com livros, 1890.
Finalmente, no outono de 1891, aos 21 anos de idade, apesar da resistência do
pai, Matisse juntou-se a dois amigos da escola de Saint Quentin (Fig. 14) e partiu para
Paris, com o objetivo de estudar e ingressar na famosa e cobiçada Academia de Belas
Artes.
Fig. 14 – Matisse, Émile Jean e Jules Petit
na Académie Julian, c. 1892.
32
Iniciou seus estudos na Académie Julian, onde o ensino era bastante rígido e
tradicional. Matisse sentia-se aquém em relação aos seus colegas e relatou que, na
época, se sentia como um estrangeiro chegando a um país, sem saber falar a língua.
Fig. 15 – Os alunos de Gustave Moreau na École des Beaux-Arts, c. 1897.
Somente a partir de 1895, no ateliê do pintor Gustave Moreau (1826-1898) (Fig.
15), encontrou os requisitos necessários, que satisfizeram seus anseios, como jovem
estudante de artes, de desenvolver uma linguagem própria e inovadora, questionando o
método dos ensinamentos tradicionais da pintura que havia vivenciado na Académie
Julian. O ensino clássico da arte, porém, ainda era o caminho de sucesso para um jovem
artista ser aceito na Academia de Belas Artes e expor no cobiçado salão oficial de Paris.
Moreau desempenhou papel fundamental na formação pictórica de Matisse. Se,
por um lado, estimulava a livre expressão do jovem aluno, incentivando-o a sair pelas
ruas movimentadas de Paris, para pintar e desenhar, por outro, ensinou-lhe também a
apreciar e estudar as obras dos grandes mestres da pintura no Louvre, como Jean
Siméon Chardin (1699-1779), Nicolas Poussin (1594-1665), Johannes Vermeer (16321675) e outros pintores flamengos, atividade que Matisse sempre reconheceu como
essencial na sua formação. Seu desejo sempre foi, no entanto, desde o início, o de criar
alguma coisa a partir da experiência pessoal.
33
Fig. 16 – Natureza-morta com livros, 1895.
Fig. 17 – Mulher lendo, 1895.
Paralelamente aos estudos no ateliê de Moreau, Matisse matriculou-se à noite no
Liceu de Artes e Ofícios, já demonstrando, desde o início da carreira, seu interesse,
também, pelas artes decorativas. O aspecto decorativo aparecia timidamente em suas
pinturas do início da carreira, como em Natureza-morta com livros (Fig. 16) e Mulher
lendo (Fig. 17).
34
Fig. 18 – Foto da casa de Russel em Belle-île-en-mer, c. 1896.
A partir de 1895, seguindo o exemplo dos impressionistas, Matisse fez
sucessivas viagens, durante o verão, à Bretanha, em especial à Belle-île-en-mer (Fig.
18), onde, pouco a pouco, substituía sua paleta de tons de cinza e marrom (Fig. 20) por
uma de cores mais claras e brilhantes (Fig. 21).
Matisse conheceu o rico pintor impressionista australiano John Peter Russel
(1858-1930), amigo de Claude Monet (1840-1926), que lhe mostrou a técnica utilizada
pelos impressionistas e o esplêndido mundo das cores, como em Velas vermelhas (Fig.
19). Pela primeira vez, estudou, pessoalmente, obras de Paul Gauguin (1848-1903) e
Vincent Van Gogh (1853-1890). O brilho e a intensidade da cor, como a liberdade com
que a empregavam, influenciaram seus passos seguintes.
Fig. 19 – John Peter Russell, Velas vermelhas, c. 1900.
35
Fig. 20 – Belle-Ile (Le Port de Palais), início da temporada,.
Fig. 21 – Belle-Ile (Le Port de Palais), fim da temporada, 1896.
Aplicando a técnica dos pintores impressionistas, Matisse transformou
radicalmente seu modo de pintar, propondo soluções revolucionárias. Apesar de se
tratar de um tema clássico da pintura, A mesa de jantar (Fig. 22) traz elementos
inovadores, como a cena que é vista de cima e o brilho das cores puras, principalmente,
nos diversos tons do branco da toalha e dos alaranjados intensos. Matisse não utilizou as
transparências das suas obras anteriores, deixando que as formas, mais simplificadas, se
revelassem, por meio do emprego da cor pura e das superfícies mais planas.
36
Fig. 22 – A mesa de jantar, 1896-1897.
Sobre a técnica impressionista, o escritor e artista Maurice Denis (1870-1943)
escreveu:
[...] Para eles, os pintores impressionistas e simbolistas, um quadro, antes de
ser uma representação do que quer que fosse, era uma superfície plana recoberta de
cores arrumadas numa certa ordem e para o prazer dos olhos. Eles preferiam a
expressão pela decoração, pela harmonia das formas e cores, pela matéria empregada,
à expressão do assunto. Eles acreditavam que, para toda emoção e para todo
pensamento humano, havia um equivalente plástico, belo e decorativo. (Maurice Denis
apud PAIM, 2000, p. 48).
Aos poucos, Matisse amadurecia a noção de que a pintura poderia se tornar um
modo de expressão e que o artista pode exprimir a mesma coisa de várias maneiras. O
pintor Eugène Delacroix (1798-1863), cuja obra já lhe chamava a atenção, costumava
dizer que a exatidão não é a verdade. Desse modo, Matisse nunca se sentiu amarrado a
um determinado estilo de pintura e mostrava-se sempre aberto a novas ideias. Em uma
das viagens que fez à Bretanha, pintou A porta aberta (Fig. 23), como uma imagem que
revela, metaforicamente, o que estava acontecendo com seu processo criativo: uma
porta aberta e a luz do sol que invade com intensidade o seu interior.
37
Fig. 23 – A porta aberta, 1896.
Em uma das viagens que fez à Bretanha, pintou A porta aberta (Fig. 23), uma
imagem que revela, metaforicamente, o que estava acontecendo com seu processo
criativo, após a descoberta da cor: uma porta aberta e a luz do sol que invade com
intensidade o seu interior.
Em 1898, casado com Amélie Parayre, Matisse viajou à Córsega (Fig. 25),
momento da descoberta, segundo ele, de sua genuína identidade como pintor, ao
encontrar, pela primeira vez, a luz do Mediterrâneo. O artista costumava chamar aquele
momento de A Revelação do Sul. Chegou a declarar que a busca da cor não veio do
estudo das outras pinturas, e sim do exterior, isto é, da revelação da luz da natureza.
38
Fig. 24 – Villa de La Rocca, Ajaccio, Córsega, c. 1898.
Para superar o caráter essencialmente sensorial da pintura impressionista,
Matisse caminhou em direção à liberdade de expressão e no uso da cor, cuja escolha
deveria, segundo ele, apoiar-se na observação, no sentimento e na experiência de sua
sensibilidade, procurando transmitir a mesma sensação que a natureza havia lhe
causado.
Literalmente, expressão é o contrário de impressão. A impressão é um
movimento do exterior para o interior: é a realidade (objeto) que se imprime na
consciência (sujeito), a expressão é um movimento inverso, do interior para o exterior:
é o sujeito que por si imprime o objeto. [...] o Impressionismo manifesta uma atitude
sensitiva, o Expressionismo uma atitude volitiva [...] Quer o sujeito assuma em si a
realidade, subjetivando-a, quer projete-a sobre a realidade, objetivando-a, o encontro
do sujeito com o objeto, e, portanto, a abordagem direta do real, continua a ser
fundamental. (ARGAN, 1999, p. 227).
Enquanto familiarizava-se com a cor pura e brilhante, Matisse conquistava
também a liberdade das pinceladas e do traçado da linha do desenho, a fim de traduzir
em gestos o que a natureza lhe transmitia, como mostra A paisagem corsa (Fig. 25),
quando abandonava, pouco a pouco, a ilusão de profundidade da pintura clássica.
Quando falamos da natureza, não podemos esquecer que fazemos parte dela e
que devemos considerar a nós mesmos com a atenção e sinceridade com que estudamos
uma árvore, um céu ou uma idéia. Visto que há uma relação entre nós e o restante do
universo, podemos descobri-la e depois não mais tentar superá-la. (MATISSE, 2007, p.
55).
39
Fig. 25 – A paisagem corsa, 1898.
Se, por um lado, Matisse fundamentou grande parte de suas pesquisas plásticas,
a exemplo de Paul Cézanne (1839-1906), sobre as possibilidades construtivas da cor,
por outro, foi a partir da análise da obras de Paul Gauguin (1848-1903) e de Vicent Van
Gogh (1853-1890) que ele se convenceu de que a arte não precisava ser simplesmente
uma transposição fiel da natureza. Esta continuava a ser, para ele, o estímulo ao qual o
artista reage para criar determinados efeitos, cujo apelo sensual do olhar era como o de
um ornamento ou decoração.
Dessa forma, em A paisagem corsa (Fig. 25), mesmo mantendo algum contato
com a aparência da natureza, a saturação das cores mais intensas e mais planas conferia
uma força inédita à sua obra, devido ao impacto decorativo das superfícies pictóricas. O
crítico de arte Gaston Diehl (1912-1999) escreveu sobre o importante papel que Matisse
desempenhou para a consolidação do espaço moderno na pintura:
A história da pintura moderna não consiste num desprender-se intencional da
imitação da natureza: trata-se antes de um abandono progressivo da ilusão
tridimensional. Matisse foi provavelmente o maior responsável por esse rumo, e, no
entanto, foi também quem mais tentou salvar essa mesma ilusão [...] A natureza ainda
era o estímulo, mas o objetivo principal agora era afirmar a intensidade da reação do
artista a ela, da maneira mais direta possível. Conseguia-se essa afirmação direta com
contrastes cromáticos brilhantes e de um padrão vigoroso cujos efeitos dependiam não
tanto da semelhança com o modelo, e sim de um apelo sensual do olhar, como o de um
ornamento ou decoração. (Gaston Diehl apud SALZSTEIN, 2009, p. 252).
A Revelação do Sul, portanto, tornou a obra de Matisse ainda mais expressiva,
permitindo-lhe uma nova percepção sensível do mundo e das coisas e de uma nova ideia
de espaço pictórico.
40
Enquanto a ciência e a filosofia das ciências abriam, assim, as portas para uma
exploração do mundo percebido, a pintura, a poesia e a filosofia entravam
decididamente no domínio que lhes era assim reconhecido e davam-nos uma visão
extremamente nova e característica de nosso tempo. Das coisas do espaço, dos animais
e até do homem visto de fora tal como aparece no campo da nossa percepção.
(MERLEAU-PONTY, 2004, p. 8).
O filósofo Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) relacionou o conceito de espaço
moderno com a ideia de Cézanne. Diferentemente do ensinamento clássico que
distingue o desenho da cor, o artista, ao afirmar que à medida que se pinta, desenha-se,
quer gerar o contorno e a forma dos objetos como a natureza os gera diante de nossos
olhos: pelo arranjo das cores.
[...] O espaço não é mais aquele de que fala o Dióptrica, rede de relações entre
objetos, tal como o veria uma terceira testemunha de minha visão, ou um geômetra que
a reconstituísse e a sobrevoasse, é um espaço contado a partir de mim como ponto ou
grau zero da espacialidade. Eu não vejo segundo seu envoltório exterior, vivo-o por
dentro, estou englobado nele. Pensando bem, o mundo está ao redor de mim, não
diante de mim. A luz é redescoberta como ação à distância, e não mais reduzida à ação
de contato, isto é, concebida como o fariam os que não vêem. A visão retoma seu poder
fundamental de manifestar, de mostrar mais que ela mesma. (MERLEAU-PONTY,
2004, p. 33).
Se muitos pintores, a partir de Cézanne, recusaram curvar-se à lei da
perspectiva geométrica, é porque queriam recuperar e representar o próprio
nascimento da paisagem diante de nossos olhos, é porque não se contentavam com um
relatório analítico e queriam aproximar-se do estilo propriamente dito da experiência
perspectiva. [...] (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 14).
Em 1899, Matisse comprou, do marchand Ambroise Vollard (1866-1939), a
obra As três banhistas (Fig. 26), de Cézanne, que foi sua fiel companheira e o apoiou
em suas dúvidas e incertezas, durante momentos decisivos no desenvolvimento da sua
linguagem pictórica, declarando a importância de, ao conceber sua obra, ter sempre a
visão da totalidade, sugerida por Cézanne.
Para mim, tudo está na concepção. Portanto, é preciso ter desde o começo uma
visão clara do conjunto. [...] Observemos, pelo contrário, um quadro de Cézanne: tudo
está tão bem combinado que, a qualquer distância e com qualquer número de
personagens, distinguimos nitidamente os corpos e compreendemos a qual corpo se
liga tal e qual membro. Se há no quadro muita ordem, muita clareza, é porque desde o
começo essa ordem e essa clareza existiam no espírito do pintor ou o pintor tinha
consciência da necessidade delas. (MATISSE, 2007, p. 42).
A obra de Cézanne era um modelo a ser compreendido. Diariamente, antes de
iniciar seu trabalho no ateliê, Matisse a contemplava. Com relação à modelagem e à
41
representação do espaço, assimilou o desmembramento do volume em planos,
compreendendo que há sempre diferentes pontos de vista do olhar.
Fig. 26 – Paul Cézanne, As três banhistas, c. 1879-1882.
[...] entre as partes do espaço, sempre se interpõe o tempo necessário para
levar o olhar de uma para outra, em que o ser portanto não está determinado, mas
aparece ou transparece através do tempo. (MERLEAU-PONTY, 2004a, p. 15).
A tendência dominante da cor deve servir o melhor possível à expressão,
Matisse revelou, demonstrando sua inquietude e sua avidez por novas experimentações
com a cor, a fim de romper, definitivamente, com os modelos preestabelecidos. Com
isso, sempre atento às pesquisas de diversos artistas da época, estudou a obra publicada
pelo pintor Paul Signac (1863-1935), De Delacroizx ao Neoimpressionismo (1899).
Fig. 27 – O Golfo de Saint-Tropez, 1904.
42
Em 1904, Matisse aceitou o convite de Signac para visitá-lo em Saint-Tropez,
quando aplicou, em O Golfo de Saint-Tropez (Fig. 27), a técnica do divisionismo, ainda
de maneira tímida. A simplificação da forma e sua redução a contornos geométricos
fundamentais, por meio da justaposição das cores primárias, eram a grande inovação da
pintura neoimpressionista, como na obra No tempo da harmonia (Fig. 28). A técnica,
reduzida a uma fórmula científica, representou, para Matisse, uma cisão com o
empirismo dos tempos passados.
Fig. 28 – Paul Signac, No tempo da harmonia, 1893-1895.
Num quadro neo-impressionista, o tema ganha relevo por uma série de planos
contrastantes que permanecem sempre secundários. Para mim, o tema e o fundo de um
quadro têm o mesmo valor, ou, dizendo mais claramente, nenhum ponto é mais
importante do que outro, e a única coisa que conta é a composição, o padrão geral. O
quadro é constituído pela combinação de superfícies diferentemente coloridas,
combinação esta que resulta na criação de uma expressão. Assim como numa harmonia
musical cada nota é uma parte do todo, eu também queria que cada cor tivesse um
valor contributivo. (MATISSE, 2007, p. 140).
Estimulado por Signac, pintou Luxo, calma e volúpia (Fig. 29), um dos raros
quadros de Matisse que traz um título explicitamente literário, pois faz alusão ao poema
O convite à viagem, de Charles Baudelaire (1821-1867). O quadro foi imediatamente
comprado por Signac, mas foi muito criticado, no Salão dos Independentes de 1905.
Para Matisse, enquanto os artistas Signac e Georges Seurat (1859-1891)
conseguiam, por meio de suas imensas superfícies, uma homogeneidade da composição,
em sua obra Luxo, calma e volúpia (Fig. 29), “a fragmentação da cor levou à
fragmentação da forma.” (MATISSE, 2007, p. 91).
43
Fig. 29 – Luxo, calma e volúpia, 1904-1905.
Mesmo apresentando, timidamente, sua linha ornamental, Matisse viu-se diante
de um conflito entre a representação da profundidade e a nova ordem cromática,
concluindo que o método era limitado pela excessiva adesão a regras estritamente
lógicas. Rapidamente, abandonou o método e continuou a trilhar novos caminhos até
descobrir uma nova linguagem, que atendesse às suas aspirações por liberdade de
expressão e unidade da composição.
[...] simplesmente eu não conseguia me familiarizar com aquilo. Uma vez
colocada a cor dominante, não conseguia deixar de aplicar por cima sua contrária,
igualmente intensa; eu trabalhava numa pequena paisagem constituída de pontos
coloridos, e simplesmente não conseguia obter uma harmonia luminosa seguindo as
normas estabelecidas. E era sempre obrigado a começar de novo. (Matisse apud BOIS,
2009, p. 19).
O momento neoimpressionista de Matisse, no entanto, foi muito importante
para a consolidação da sua linguagem posterior, quando, finalmente, alcançou a unidade
da composição. O método trouxe ordem às sensações, despertadas pela luz do
Mediterrâneo. O crítico de arte Yve-Alain Bois (1952) considerou aquela experiência
como “o ponto de partida para aquilo com que Matisse tinha de se defrontar para se
tornar Matisse.” (BOIS, 2009, p. 9).
Não mantive esse caminho e pintei em camadas de cores lisas, buscando a
qualidade do quadro num acorde de todas as cores planas. Tentei substituir o vibrato
por um acorde mais expressivo, mais direto, um acorde cuja simplicidade e cuja
44
sinceridade pudessem me proporcionar superfícies mais tranqüilas. O fauvismo
derrotou a tirania do pontilhismo. (MATISSE, 2007, p. 92).
Fig. 30 – Mulher junto ao mar, 1905.
Em 1905, na obra Mulher junto ao mar (Fig. 30), Matisse transcendeu as regras
neoimpressionistas de Signac e construiu livremente a imagem, por meio das diferentes
pinceladas sobre a tela branca, umas mais largas, outras mais estreitas, umas mais
longas, outras mais curtas, verticais e horizontais. Diferenciou as pinceladas das vestes
da figura feminina, mais sinuosas e estreitas, do seu entorno e construiu o espaço
pictórico de maneira dinâmica, em que as partes interagem num movimento contínuo,
ritmado e harmonioso, no entanto, diferenciado. Poucas linhas sutis se revelam, para
sugerir a forma. Provavelmente, inspirado por Cézanne, construiu sua composição pela
justaposição de pinceladas ritmadas e coloridas, criando uma estampa decorativa, em
que deixou transparecer a multiplicidade de gestos empregados no processo, sem perder
a harmonia do conjunto.
No livro Arte Moderna (1988), o crítico de arte e historiador Giulio Carlo Argan
(1909-1992), ao discorrer sobre a arte como expressão, a relaciona com as ideias de dois
importantes pensadores, Henri-Louis Bergson (1859-1941) e Friedrich Nietzsche (18441900). Para Argan, Matisse foi influenciado, sobretudo, pelo pensamento de Bergson,
ao conceber sua arte como impulso vital.
Para Bergson, a consciência é, no sentido mais amplo do termo, a vida; não
uma imóvel representação do real, mas uma comunicação ativa e contínua entre objeto
e sujeito. Um único elã vital, intrinsecamente criativo, determina o devir tanto dos
fenômenos como do pensamento. Para Nietzsche, a consciência é decerto a existência,
mas esta é entendida como vontade de existir em luta contra a rigidez dos esquemas
45
lógicos, a inércia do passado que oprime o presente, a negatividade total da história.
(ARGAN, 1999, p. 228).
Apoiado nos preceitos de Cézanne, cuja pesquisa objetivava a função plásticoconstrutiva da cor, entendida como elemento estrutural da visão, Matisse preponderou a
realidade da pintura em si,
destacando a estrutura autônoma e autossuficiente do
quadro. Para isso, como descreve Argan, “foi necessário estabelecer uma continuidade e
circularidade de movimento entre interioridade e exterioridade, ou seja, a comunicação
contínua entre sujeito e objeto que, no pensamento de Bergson, constituía o ‘impulso
vital’ ou a ‘evolução criadora’.” (ARGAN, 1999, p. 232).
Matisse era consciente de que a unidade em sua arte seria alcançada, a partir de
uma realidade que se cria no encontro do homem com o mundo. Um lugar, como
ressalta Merleau-Ponty, onde o artista, oferecendo seu corpo, num trançado de visão e
movimento, transforma o mundo em pintura, na medida em que homem e mundo fazem
parte das tramas de um mesmo tecido.
Não vemos apenas com nossos olhos, não vemos apenas em nossa frente. Se eu
quero que minha pintura tenha algum tipo de relação com minha experiência no
mundo, ela não pode ser simplesmente uma janela para esse mundo. (Matisse apud
SALZSTEIN, 2009, p. 94).
Finalmente, o momento decisivo em sua carreira ocorreu durante o período em
que morou em Collioure, um porto catalão próximo à costa espanhola. Acompanhado
do jovem artista André Derain (1880-1954), Matisse sentiu-se encorajado a avançar
com suas experimentações cromáticas. Após meses de intenso trabalho, alcançou uma
liberdade expressiva, por meio da decomposição da cor, em retalhos e fragmentos. A
fragmentação, porém, apresentava uma harmonia na totalidade da composição, reunindo
os gestos rítmicos de Van Gogh e a disposição analítica de Signac à ordem intelectual
da consciência, que apreendeu de Cézanne.
Os fauves, com o objetivo de destacar a estrutura auto-suficiente do quadro
como realidade em si, procuram combinar a decomposição analítica de Signac com a
decomposição rítmica de Van Gogh, a fim de alcançar a unidade entre estrutura do
objeto e a estrutura do sujeito, isto é, estabelecer entre exterior e interior a
continuidade e circularidade de movimento que, no pensamento de Bergson, constituía
o “impulso vital” ou a “evolução criadora”. (ARGAN, 1999, p. 232).
Para uma melhor compreensão da ordem e ritmo ao organizar a estrutura dos
espaços pictóricos na construção da imagem, Matisse criou um idioma, unindo o
46
inteligível e o sensível, que, por sua vez, foi fundamental para que encontrasse a
unidade expressiva, longamente por ele perseguida.
[...] A arte moderna é um ato de recuperação dialética, em meio às
circunstâncias que lhe parecem desesperadas. Para ela, o humano só será
reencontrado se o lado oposto do humano for a meta. A profundidade será encontrada
na superficialidade, a espontaneidade rebrotará da fria técnica. A abertura e a
vulnerabilidade absolutas só serão descobertas por um processo de rigoroso
mascaramento e grande formalidade. De certo modo, o sentimento e a razão são, nos
momentos cruciais de Matisse, estranhamente a mesma coisa. Um determina a forma
do outro. (SALZSTEIN, 2009, p. 59).
Após a experiência adquirida, a percepção de Matisse, mais abrangente, passou a
englobar todo espaço circundante, próximo ou a distância, e também todo o resto do
mundo sensível, como sons e odores e todas as coisas que não podem ser vistas,
instigando-o a tornar visível o invisível.
Se consegui reunir em meu quadro o que é exterior, por exemplo, o mar, e o
interior, é porque a atmosfera da paisagem e a de meu quarto são a mesma... Não
preciso aproximar interior e exterior, os dois estão reunidos em minha sensação. Posso
associar a poltrona que está perto de mim no ateliê à nuvem do seu, ao tremular da
palmeira à beira d’água, sem esforço para diferenciar as localidades, sem dissociar os
diferentes elementos do meu motivo que constituem uma unidade em meu espírito.
(Matisse apud SALZSTEIN, 2009, p. 69).
De volta a Paris, Matisse apresentou, pela primeira vez, em 1905, as obras A
mulher de chapéu (1905) e A janela aberta para Collioure (Fig. 31) no Salão de
Outono, causando grande espanto da crítica. Nascia um dos mais importantes
movimentos de vanguarda do século XX: o fauvismo.
É um discurso sem verbos nem substantivos, apenas adjetivos; todavia não é
retórico, porque os adjetivos não são elogio às coisas e sim efusão da alma. (ARGAN,
1999, p. 236).
47
Fig. 31 – Janela aberta para Collioure, 1905.
[...] Provavelmente do fato de que, para meu sentimento, o espaço é um desde o
horizonte até o interior do aposento de meu ateliê, e que o barco passando vive no
mesmo espaço que os objetos familiares a meu redor; e a parede da janela não cria
dois mundos diferentes, ou seja, engloba todo o espaço circundante, próximo ou à
distância, e também todo o resto do mundo sensível; sons e odores, todas as coisas que
não podem ser vistas. [...] (Matisse apud SALZSTEIN, 2009, p. 95).
A viagem em busca da luz empreendida por Matisse foi, também, uma viagem
em busca da unidade da sensação, para criar um mundo, próprio, da sua pintura, sem
profundidades, apenas cada vez mais plana e afirmativa de sua condição, autossuficiente
e com vida própria. Nesse sentido, não poupou esforços, por meio de um árduo trabalho
para conseguir dar a impressão de naturalidade e simplicidade. E finalmente, com os
meios escolhidos, libertando a cor e a linha, compôs uma linguagem de expressão mais
pura e direta, plena de significados, possibilitando inúmeras leituras.
Procuro que a imagem entre inteiramente no espírito do espectador, e depois
disso ela age segundo sua profundidade de expressão e a do espírito do espectador.
(Matisse apud SALZSTEIN, 2009, p. 83).
48
2.2 OS ARABESCOS DE MATISSE COSTURAM OS ESPAÇOS PICTÓRICOS
Fig. 32 – Paisagem em Collioure, 1905.
A experiência fauve, em Matisse, implicou a determinação na disposição das
superfícies de cor e a flexibilidade no uso do desenho. Composto, principalmente, por
arabescos que costuram os espaços pictóricos, o desenho anima e cria dinamismo
incessante na composição. As forças construtivas tanto da cor quanto do desenho
ganharam autonomia e liberdade de expressão.
Cada cor tinha a sua própria força de expansão, que era maior no caso das
cores quentes no que das frias. Aquela força variava com o tamanho e com o grau de
compatibilidade ou com o contraste forte com as cores vizinhas. Matisse viu como
poderia usar o arabesco para impedir que as cores vizinhas se engolissem mutuamente.
O arabesco era mágico; era natural, movimentava-se, era musical. Tinha uma
sonoridade própria. Já havia sido usado no contorno de certos desenhos encontrados nas
cavernas. Era o impulso apaixonado que inflava aqueles desenhos e lhes dava vida e
movimento. O arabesco não era a definição de forma; era a música que permitia a
circulação ritmada de forças. (GILOT, 1992, p. 65).
Matisse começou a experimentar com vigor a movimentação e a força
expressiva e vital das linhas, entrando com a cor diretamente nos arabescos, como em
Paisagem em Collioure (Fig. 32). As pinceladas, mesmo fragmentadas, foram dispostas
livremente, sem se limitarem ao desenho. A sinuosidade e as interrupções no traçado
das linhas, por sua vez, contribuem para conceder ritmo e musicalidade à obra.
49
Com o intuito de levar o olhar a percorrer continuamente a superfície da tela e
traduzir sensações que reverberassem na mente do observador, Matisse demonstrou um
domínio dos meios, na construção de um sistema cromático e no emprego do desenho.
Nesse sentido, o princípio decorativo na sua obra, como uma genuína forma de
expressão, foi repetidamente utilizado tanto para resolver os problemas de composição
quanto para ampliar a escala de seus trabalhos que, frequentemente, parecem maiores do
que na realidade. O desenho dos arabescos, dotado de grande vitalidade, cumpriu o
importante papel de unificação. Matisse relatou durante uma entrevista ao editor
Emmanuel Tériade, que publicava, na época, a revista Verve:
De fato, poucos meses mais tarde, trabalhando numa paisagem alegre,
não pensava em mais nada a não ser em fazer minhas cores cantar, sem me
preocupar com todas as normas e regulamentos. Dali em diante, compus meu
desenho de modo a entrar com a cor diretamente nos arabescos. (Matisse apud
BOIS, 2009, p. 21).
Fig. 33 – Paul Gauguin, Parau api (O que há de novo?), 1892.
Durante sua trajetória artística, Matisse não deixou de reconhecer a influência
que as obras de diversos artistas exerceram no desenvolvimento de sua linguagem.
Desde o início da carreira, havia se interessado pela pureza dos meios da pintura,
empregado por Paul Gauguin (1848-1903), a exemplo da obra Parau api (Fig. 33), em
que o tratamento das superfícies de cor pura e brilhante é direto e autêntico.
50
Fig. 34 – Édouard Manet, Olympia, 1865.
Por outro lado, também estudou atentamente as técnicas empregadas por
Édouard Manet (1832-1883), como em Olympia (Fig. 34), ao tratar a superfície da tela
com pinceladas esquemáticas e com pouca profundidade, mas dispostas em grandes
superfícies de cores lisas, revelando a maneira como a obra foi pintada. Com o intuito
de ampliar as próprias superfícies cromáticas, Matisse assimilou os conceitos de Manet
e Gauguin, ao aplicá-los em A alegria de viver (Fig. 35), deixando-as mais planas, sem
nuanças.
O que Greenberg entende por experiência, aqui é o aspecto prático do fazer
arte e a atenção do artista ao veículo da pintura. Em sua opinião, toda pintura moderna
bem-sucedida apresentava em comum um amplo reconhecimento da superfície do
quadro, ou seja, a planaridade da tela. Ao contrário da ilusão da profundidade
perseguida pelos velhos mestres, essa planaridade mais revelava que ocultava o veículo
da pintura. (FRASCINA, 1998, p. 12).
Diferentemente de Gauguin, que procurava investir o aspecto decorativo de
valores primitivos e recorria a recursos pictóricos para validar o conceito, Matisse
estava mais interessado no aspecto formal da pintura e via, no processo de planificação
das superfícies em Manet, uma qualidade essencial, que, junto à dispersão generalizada
das forças, induz o olhar a não se concentrar em nenhum ponto especial do quadro.
Assim, a escala matissiana, gerada principalmente pela redução do número de planos
coloridos, se afirma mais ampla, qualquer que seja o tamanho real do quadro.
Matisse, então, começou a pintar A alegria de viver, como um manifesto, a fim
de se recuperar do escândalo causado pelas duas telas fauves no Salão de Outono. A
obra é uma pintura de grandes dimensões, que foi, para o artista, um importante
51
repertório de formas, unindo, pela primeira vez, grandes superfícies de cores brilhantes
e puras às linhas ornamentais, largas e sinuosas. Matisse, ao longo da vida, voltou
constantemente a estudá-la, para empreender novas experimentações, como A dança
(Fig. 38), A dança de Merion (Fig. 47) e, finalmente, os Papéis recortados e pintados a
guache.
Como na obra Luxo, calma e volúpia, Matisse pintou a partir da imaginação,
talvez ainda inspirado pelo momento em que esteve próximo a Signac. A alegria de
viver é uma composição que faz referência à mitologia e à poesia clássicas, em que
figuras nuas brincam com entusiasmo dionisíaco numa paisagem idílica ou descansam,
desfrutando de um feliz bem-estar. A artista Françoise Gilot (nascida em 1921), grande
admiradora da obra de Matisse, que, durante o período em que foi casada com Pablo
Picasso (1881-1973), visitou inúmeras vezes o ateliê de Matisse em Nice, comentou que
a obra revela o sonho paradisíaco de Matisse.
Sua arte falava de uma alegria e felicidade quase fora do alcance dos seres
humanos, e carregava o sonho de uma idade de ouro eternamente presente e também
uma promessa de beleza para o amanhã. (GILOT, 1992, p. 17).
Fig. 35 – A alegria de viver, 1905-1906.
Matisse a criou para que fôssemos forçados a reconhecer um sistema diferente.
[...] É mais ou menos como ver uma pedra cair na água; o olho segue os círculos
expandindo-se, e é preciso uma força de vontade deliberada, quase perversa, para
continuar focalizando o ponto do primeiro impacto – talvez porque seja muito pouco
recompensador. (Gilot apud SALZSTEIN, 2009, p. 74).
52
A combinação das grandes superfícies planas da cor com os arabescos consolida
um sistema que o crítico de arte Yve-Alain Bois (nascido em 1952) descreveu
repetidamente, ao falar do efeito que a obra de Matisse evoca. O sistema em questão
concede tensão, circulação e expansão à sua pintura e lhe permite transmitir uma
espécie de dilúvio sensorial, de arrebatamento inarticulado. A alegria de viver
representou para o artista um modo de reencontrar a pureza dos meios da sua pintura,
afirmando a expansividade e circularidade da composição. Matisse, ao reiterar que a cor
existe em si mesma, possui uma beleza própria, percebeu ser desnecessário usar tantas
gradações cromáticas, para obter o resultado esperado.
Em A alegria de viver, contrapondo-se à imagem do mundo moderno, as figuras
habitam em uma arcádia clássica, envoltas por uma atmosfera de prazer e harmonia.
Matisse, para criar sua composição, provavelmente, se inspirou na obra A idade de ouro
(Fig. 36), de Jean-Auguste Dominique Ingres (1780-1867), cuja qualidade técnica das
obras o absorvia.
Fig. 36 – Jean-Auguste Dominique Ingres, A idade de ouro, 1862.
Utilizou grandes superfícies de cores quentes e vibrantes como vermelhos,
laranjas, amarelos, mas acrescentou outras nos tons de verde e rosa para equilibrar a
composição. Os arabescos participam criando ritmo e movimento de expansão. O
desenho das linhas sinuosas une e integra os espaços pictóricos. As interrupções no
desenho de algumas linhas são como pausas de uma música.
53
Com relação às figuras da composição, na parte inferior do quadro, encontra-se
o casal de amantes em primeiro plano e uma figura central tocando flauta. À esquerda,
uma ninfa prende uma guirlanda de flores nos cabelos, junto à outra figura agachada.
No centro, encontram-se duas figuras femininas reclinadas, cujas posições são
ressaltadas por largas linhas nas cores complementares verde e vermelho. Contornando
suas silhuetas, Matisse concede-lhes grande movimento, e, por sua vez, estão ladeadas
por um pastor de cabras que toca sua flauta e por duas figuras que se abraçam.
Ao fundo, está a ciranda de bacantes que dançam. As figuras não obedecem às
leis da proporção. O casal na parte inferior do quadro, como as duas figuras centrais, é
bem maior do que as outras. O movimento do desenho que contorna os corpos das
figuras centrais se propaga como ondas e é repetido, de maneira similar, nas linhas das
árvores, do centro para a periferia da tela, criando a sensação de amplitude e
circularidade na composição.
E essa sensação de explosão, de um grande estrondo seguido por um silêncio
hipnótico, enquanto as partículas de cor se espalham desde o ponto de impacto,
também não deve nada à arte islâmica. Ela pertence exclusivamente a Matisse e se
encontra até mesmo nas telas menos decorativas. (Bois apud SALZSTEIN, 2009, p.
83).
Fig. 37 – Litografia D’Embas la troupe, 1943.
Esse sistema circulatório criado pelo artista introduz um sentido de dinamismo
na composição, em que o olhar do espectador é constantemente induzido a movimentar54
se, sem se deter em nenhum ponto do quadro. Metaforicamente, o espectador é
convidado a participar de uma dança. Matisse tinha plena consciência da natureza
expansiva da sua obra: o desenho deve ter uma força de expansão que dá vida às coisas
que o cercam.
Para Eugène Grasset, a criação ornamental correspondia a uma vontade bem
humana de fantasia e abstração, positivamente associada à alegria de viver. Para ele, o
ornamento nasce do desejo de exercer nossa fantasia além da imitação pura e simples
dos objetos naturais, sendo simultaneamente uma forma de demonstrar nosso prazer de
viver parte de uma disposição feliz do espírito como na preparação de uma festa.
(PAIM, 2000, p. 20).
Em 1909, inspirado pelo círculo de bacantes, representado timidamente em A
alegria de viver, criou A dança (Fig. 38), em que os arabescos ganham forma humana e
são representados por figuras aplainadas, dispostas em grandes superfícies nos tons de
verde e azul, equivalendo os espaços cheios e vazios da composição.
Fig. 38 – A dança (primeira versão), 1909.
A evidência do desenho ritmado e sinuoso, composto tanto pelas figuras que
parecem levitar quanto pelas linhas que as sustentam, deixa aparente o fazer da obra.
Assim, somente com duas grandes superfícies chapadas de cor e os arabescos, Matisse
consolidou o movimento expansivo da composição, ampliando sua obra para além dos limites
do suporte bidimensional da tela. Sobre isso Matisse comentou: e essa força de
55
expansão é, acima de tudo, uma função das relações de escala dentro de um quadro, as
quais, como veremos, também são necessariamente relações de cor.
Fig. 39 – A dança, carvão s/ papel, 1909-1910.
[...] Aqueles desenhos exibiam uma unidade de sentimentos, apesar da
diversidade de expressão e das inúmeras variações. As linhas de Matisse eram tão
espontâneas e tão dinâmicas, e tinham um ímpeto de tal vitalidade, que pareciam
prestes a colidir umas com as outras. Em vez disso, as pinceladas magistrais paravam
subitamente antes de qualquer encontro decisivo e permitiam que a luz passasse dando
amplo espaço para a respiração. (GILOT, 1992, p. 34).
Para transmitir a sensação de movimento em seus desenhos e pinturas, o artista
procurou, além de captar a essência, estudar e interiorizar cada gesto, posição e
movimento do corpo dançando, antes de traduzi-la na obra. Desenhava e redesenhava a
cena, eliminando aos poucos cada elemento supérfluo, até que o desenho conferisse a
real sensação do movimento da dança, dando vida às obras. Metaforicamente, Matisse
concebeu seu desenho como uma atividade semelhante à de um acrobata, observando
que são os estudos conscientes que o pintor faz ao preparar o quadro que lhe permitem,
diante da tela, deixar o inconsciente se manifestar.
Um equilisbra cai ao pensar na corda; ele precisa se exercitar durante muitas
horas, para que, chegado o momento da demonstração, consiga não pensar em nada e
seu corpo esteja preparado para avançar sem hesitação, sem fazer cálculos, como se
andasse, simplesmente. (BOIS, 1999, p. 83).
Os arabescos dempenharam papel fundamental nesse processo e formaram, a
partir daquele momento até o fim da vida, um idioma amplamente utilizado por ele, que
56
considerava o desenho o principal elemento formal, que concede expressão à sua obra.
Desenhar é como fazer um gesto expressivo com a vantagem de permanência.
O desenho contém, amalgamados segundo minhas possibilidades de síntese.
[...] Os enfeites e arabescos nunca sobrecarregam meus desenhos feitos a partir de
modelos, porque estes desenhos e arabescos fazem parte de uma orquestração. Bem
colocados eles sugerem a forma ou a ênfase de valores necessários ao desenho.
(MATISSE, 2007, p. 178).
E continuou:
Sempre considerei o desenho não como um exercício de habilidade específica,
mas sobretudo como um meio de expressão de sentimentos íntimos e descrição de
estados de espírito, porém simplificado para conferir maior simplicidade, maior
espontaneidade à expressão, que não deve pesar no espírito do espectador. (MATISSE,
2007, p. 179).
Fig. 40 – Desenho de Yvan Saveliev, 1910.
Assumindo a vontade de unir pintura e arquitetura, Matisse aceitou uma grande
encomenda e criou dois grandes painéis decorativos, alegorias sobre a dança e a
música, para o colecionador moscovita Sergei Shchuckin (1854-1936) e as expôs no
Salão de Outono de 1910, em Paris. As obras A dança (Fig. 41) e A música (Fig. 42)
mostram-se complementares, calcadas na dualidade entre forças dos aspectos dinâmico
e estático, possibilitando a imagem de uma arte total, e foram desenvolvidas para
decorar um grande hall na mansão de Shchuckin em Moscou. Importante incentivador e
colecionador de Matisse, Shchuckin era filho de uma rica família de comerciantes, que
57
dominava as atividades mercantis em Moscou, e, como o artista, cresceu e viveu no
mundo dos tecidos.
Fig. 41 – A dança, 1909-1910.
Fig. 42 – A música, 1910.
Como o seu objetivo era concentrar no quadro ou no desenho todas as
sensações (o que, mais uma vez, não se refere só às sensações visuais), Matisse propõe
um equivalente visual para essa difração sensorial: ele produz a difusão do olhar, ao
colocar a periferia no centro da tela, impedindo nosso olhar de se fixar onde quer que
seja. De alguma forma, ele tenta nos cegar, trabalhando aquém do limite perceptivo,
num nível subliminar. (BOIS, 1999, p. 29).
58
Mais tarde, em A dança de Merion (Fig. 47), seu desenho de arabescos iria
decorar efetivamente o espaço arquitetônico da Fundação Barnes (Fig. 43), dialogando
diretamente com o espaço do mundo real.
Eu precisava, acima de tudo, dar uma idéia de imensidão num espaço limitado.
[...] Apresento um fragmento e conduzo o espectador pelo ritmo, conduzo-o a
acompanhar o movimento da parte que ele está vendo, de modo que tenha a sensação
da totalidade. [...] (MATISSE, 2007, p. 169).
Fig. 43 – Painéis de A dança, instalados na Fundação Barnes.
Fig. 44/ Fig. 45 – Acrobatas e dançarinos, croquis e litografias, 1931-1932.
59
Durante a concepção do projeto para a Fundação Barnes, cujo objetivo era
construir uma harmonia em uma grande superfície, Matisse compreendeu que devia
conceber a parede na sua totalidade, inclusive suas aberturas, para localizar sua
decoração. Foi a Pádua, estudar os afrescos de Giotto di Bondone (1266-1337), e
aprendeu que pintar em tons únicos, sem gradação é uma necessidade dos afrescos.
Para a realização do projeto, inventou a técnica dos papéis recortados e retomou
a atividade dos croquis. Na época de estudante, quando desenhava nas ruas de Paris,
Matisse aprendera a técnica para fazer croquis rápidos, captando a singularidade de um
movimento, gesto ou de uma postura. Para realizar A dança de Merion, usou o método,
em que esses inúmeros croquis de acrobatas e dançarinos (Fig. 44) o prepararam para
empreender, em seguida, o feito de se jogar corpo a corpo no imenso painel de mais de
dez metros de largura e quatro metros de altura, como se estivesse verdadeiramente
participando de uma dança (Fig. 46).
Fig. 46 – Matisse a desenhar A dança, 1931.
Matisse não tenta mais extrair uma essência, e sim interiorizá-la, tenta
incorporar de maneira sinestésica, eu diria, ao movimento que desenha. Ele
quer se identificar com o movimento que desenha. Ele quer se identificar como
movimento, desenhá-lo como se estivesse dançando. [...] E de fato, Matisse
começa a conceber o desenho como uma atividade semelhante à de um
acrobata. Essa metáfora aparece constantemente nos seus conceitos. (BOIS,
1999, p. 83).
60
Matisse era consciente de que a obra deveria ser concebida em função do lugar a
que se destina. Dessa forma, o ornamento em A dança de Merion (Fig. 47) cria um
idioma bem pessoal, representado pelo desenho pleno de ritmos e sinuosidades e pelas
superfícies planas de cor que, por sua vez, desenham, recortam e estruturam os espaços.
O desenho dos corpos, que dançam e fazem acrobacias, dialoga com o do espaço
arquitetônico, ao aparecer e desaparecer em meio às colunas e arcos, consolidando a
expansividade inerente à concepção matissiana do decorativo.
Fig. 47 – A dança de Merion, 1932-1933.
O aspecto decorativo de grande parte de sua obra não vem da cor, mas do
traçado das linhas, das regularidades e dos imprevistos que mesmo assim mantêm um
equilíbrio na assimetria e unidade de movimento, apesar da multiplicidade. [...]
Diferentemente da decoração pura e simples, entretanto, a linha matissiana é mais vital
e mais variada, e estável só ao fim de suas múltiplas manobras e instabilidades.
(TASSINARI, 2001, p. 116).
A linha matissiana é considerada um importante elemento formal, que, em suas
pinturas, desenhos e colagens, adquire uma função de ambientação, costurando os
espaços internos e externos, conectando os vazios, as figuras e as cores, em uma
unidade harmoniosa e, sobretudo, original. Os arabescos assumem a função de conceder
expressão à composição e a cor, de estruturar seus espaços.
61
2.3 AS ESTAMPAS E A REVELAÇÃO DE ESPAÇOS VERDADEIRAMENTE
PLÁSTICOS
Fig. 48 – Afresco, L’Hôtel de Ville, Bohain, 1925.
Eu não pinto coisas, eu pinto a diferença entre elas.
Henri Matisse, 1942.
Desde a infância na cidade de Bohain, os tecidos, por suas tramas e cores, foram
os grandes responsáveis pelo despertar da sensibilidade visual e da imaginação de
Matisse. O artista reuniu, ao longo da vida, uma coleção de materiais e objetos,
predominantemente decorativos, de diversos tipos e procedências.
Fig. 49 – Pavilhão na Exposição Universal, Paris, 1900.
O desenvolvimento da arte moderna esteve intimamente ligado à influência
estética das culturas islâmica e oriental. Foi a partir da expansão marítima e comercial
62
que o interesse pela arte dos outros continentes se difundiu rapidamente em vários
países da Europa. Diversas exposições foram organizadas em Paris e, durante a
Exposição Universal de 1900, um grande pavilhão da arte islâmica (Fig. 49) foi
inaugurado com muito sucesso.
Moreau havia transmitido a Matisse, no início da sua formação pictórica, a
paixão pelas miniaturas indo-persas e bizantinas, mas foi durante a visita a uma
exposição sobre a arte islâmica e oriental, por volta de 1896, que Matisse chegou a
relatar o grande impacto sensual que lhe causou ter visto, pela primeira vez, as gravuras
japonesas (Fig. 50). Matisse chamou de Revelação do Oriente o momento da descoberta
do espaço expansivo e decorativo das superfícies cromáticas, que encontrou nos
motivos das estampas japonesas.
[...] Com que prazer descobri as estampas japonesas! Que lição de pureza, de
harmonia, recebi! Na verdade, essas estampas eram reproduções medíocres, e, no
entanto, não senti a mesma emoção quando pude ver os originais. Já não traziam o
frescor da revelação. Foi lentamente que vim a descobrir o segredo da minha arte. Ela
consiste numa meditação a partir da natureza, na expressão de um devaneio sempre
inspirado pela realidade. (MATISSE, 2007, p. 81).
Fig. 50 – Exemplo de um Ukiyo-e, 1603-1867, Japão.
Segundo o historiador de arte austríaco Alois Riegl (1850-1905), as formas mais
elevadas de arte resultaram sempre da interação entre o impulso ornamental e o
expressivo. Reconhecendo a liberdade em relação à representação e ao sentido, as
premissas formalistas de Riegl, sobre a materialidade da pintura, corresponderam
perfeitamente ao pensamento de Matisse.
63
Diferentemente do símbolo, que é rico em significações, o ornamento tende à
pura visualidade, ao conteúdo zero, ao grau zero de sentido. Para Riegl, a evaporação
do sentido era condição essencial para que os ornamentos seguissem os princípios de
simetria e ritmo e desfrutassem de plena maleabilidade para recobrir as mais variadas
superfícies. (PAIM, 2000, p. 45).
Matisse compreendia a essência do ornamento não na sua técnica ou em seu
conteúdo iconográfico, mas no aspecto formal, isto é, pela harmonia das cores e formas
que ele podia lhe revelar. O ritmo das repetições dos diferentes motivos decorativos
representou um princípio fundamental para o artista expandir sua superfície pictórica,
projetando a força e a vitalidade do desenho do ornamento para além dos limites da tela.
Buscou, então, validar o conceito de pintura decorativa, recorrendo a valores
essencialmente formais, para provocar a tensão entre as superfícies decorativas e os
elementos figurativos, integrando figura e fundo.
Fig. 51 – Foto da exposição de arte islâmica, Munique, 1910.
Sempre interessado pelas culturas islâmica e oriental, em 1910, Matisse visitou a
grande exposição da arte islâmica (Fig. 51), realizada em Munique. A profusão de
objetos recobertos de arabescos e escrituras, como os tapetes estendidos e sobrepostos,
os tecidos, os bordados, as cerâmicas e as peças entalhadas, proporcionou-lhe uma
experiência estética marcante e inesquecível. Anos depois, chegou a relatar a Gaston
Diehl, durante uma entrevista, que ali encontrou a ideia de um espaço maior, de um
verdadeiro espaço plástico.
[...] a revelação veio do oriente, mais precisamente do islamismo, com seus
acessórios, essa arte sugere um espaço mais amplo, um verdadeiro espaço plástico.
Isso me ajudou a sair da pintura intimista. (MATISSE, 2007, p. 18).
64
Fig. 52 – Tapete de oração.
Fig. 53 – Fragmento têxtil.
Certamente, conheceu as obras de Delacroix e Ingres, durante os tempos de
estudante em Paris, quando frequentava o Museu do Louvre. Absorvia com paixão tudo
que Delacroix fazia, desde os arabescos ritmados das composições até os arrojados
contrastes de cores. Ao contrário de Delacroix, que revestia suas pinturas de um
orientalismo literário e dramático, exaltando o exótico na composição, como em
Mulheres da Argélia (Fig. 54), Matisse preferiu traduzir para um idioma próprio e
pessoal tudo aquilo que a linguagem da arte oriental pôde lhe transmitir, dando-lhe um
novo significado.
Seguindo os passos do grande mestre, que relatou ter descoberto em Marrocos
um mundo das cores, sensualidade, fervilhante de movimento, generosidade, confiança
e sedução, Matisse viajou, em 1906 e em 1912, para a África do Norte, com o intuito de
conhecer novos espaços plásticos verdadeiramente resplandecentes.
“Mulheres da Argélia” não era um quadro tão monumental, mas era mais
inerente, mais orientado para o prazer, e revelava um mundo onde o tempo não
importava, os dias corriam um após o outro num contínuo infindável, em suma, um
mundo sensual similar à beleza hedonista das miniaturas orientais. (GILOT, 1992, p.
66).
65
Fig. 54 – Eugène Delacroix, Mulheres da Argélia, 1834.
O longo percurso das viagens de trem permitia-lhe refletir sobre seu
momento, ao penetrar na atmosfera e nos costumes do novo continente, entre desertos e
montanhas. As viagens ao Marrocos e à Argélia impregnaram-lhe o olhar de uma nova
luz e cor, costurando lembranças às quais Matisse recorreu constantemente, ao
empreender novos passos, até fundir, mais tarde, abstração e realidade.
O Oriente incutiu um grande desejo em Matisse de compreender o significado de
um verdadeiro espaço em expansão. Entrar em contato com a harmonia da arte oriental
representou uma maneira de limpar seu olhar e aguçar sua percepção. A partir dessas
experiências, o artista pôde negociar em suas obras o equilíbrio entre forma e conteúdo,
aparência e essência.
No entanto, embora se opusesse à idéia da arbitrariedade dos signos, inventou
nada menos do que um sistema que lhe permitisse transmitir essa espécie de dilúvio
sensorial, de arrebatamento inarticulado, como o que sentiu em Tânger. [...] (BOIS,
1999, p. 28).
Fig. 55 – Cartão-postal de Tanger, 1912.
66
Após a viagem de 1906, novos elementos da rica, luxuosa e exuberante
ornamentação islâmica entraram com força e vivacidade em suas pinturas, como na obra
Os tapetes vermelhos (Fig. 56).
Fig. 56 – Os tapetes vermelhos, 1906.
O caminho percorrido no seu processo criativo revela um artista consciente de
que os motivos das artes oriental e islâmica lhe imprimiam uma nova percepção,
aguçando seu olhar e sua sensibilidade. Em 1912, decidiu partir novamente para a
África do Norte, quando prolongou a viagem até a Espanha, onde, com afinco, estudou
o requinte, a beleza e a monumentalidade dos diversos padrões decorativos de
Alhambra. (Fig. 57).
Matisse foi buscar a estética oriental até os mínimos pormenores: princípio da
decoração contínua, superfícies guarnecidas integralmente e divididas em registros
verticais e horizontais, combinações lineares ou viveiros de florzinhas, rosáceas, que
ele emprega igualmente nas suas cerâmicas; idéias feitas sobre sobreposições dos
objetos, das personagens, e dos efeitos de vista de cima para baixo; composição das
formas essencialmente ornamental, tendência para o geometrismo e, por vezes,
presença de entrelaçamentos vegetais. [...] e ele sabe perfeitamente garantir essa
exuberância ornamental, esse estilo “tapete do Oriente”, à Matisse, uma elegância
ordenada, uma verdadeira monumentalidade. O que lhe interessa, antes de mais nada,
é que, por meio destes adereços, diz ele, “esta arte sugira um espaço maior”. (NÉRET,
1997, p. 69).
67
Fig. 57 – Foto do Palácio de Alhambra.
Durante suas viagens, Matisse acrescentava objetos importantes à sua coleção.
As novas composições apresentavam os padrões decorativos geométricos dos tapetes
junto aos florais, em novas combinações de tramas e cores, por meio de justaposições e
sobreposições dos diferentes padrões ornamentais. Exercitou continuamente sua
habilidade com arabescos e volutas, percebendo o efeito que os mais diversos materiais
concediam às composições. A partir de então, começou a utilizar, com muita
intensidade, os tons mais vibrantes de verdes e azuis com as cores quentes dos
vermelhos, laranjas e amarelos, como em Seville I (Fig. 58) e Seville II (Fig. 59).
Fig. 58 – Seville I, 1910-1911.
68
Fig. 59 – Seville II, 1910-1911.
O processo envolvido na tecelagem era uma linguagem bem conhecida para
Matisse, que sempre soube usar, como ninguém, materiais como alfinetes, tesouras e
papéis de modelagem. Interessado pela dinâmica de luz e cor, inerente aos diversos
padrões decorativos, procurou explorar os recursos visuais dos tecidos, para conquistar
espaços verdadeiramente plásticos.
Fig. 60 – Toile de Jouy, tecido do século XIX, França.
Foi, no entanto, com um fragmento do tecido francês toile de Jouy (Fig. 60),
adquirido em 1903, numa loja de segunda mão no subúrbio de Paris, que Matisse
empreendeu suas primeiras experiências pictóricas, que o ajudaram a trilhar um bemsucedido caminho de grandes experimentações, conquistando espaços que beiram a
abstração.
69
Matisse converteu os tecidos para seu uso como agentes subversivos e pôde
novamente libertar suas pinturas das normas clássicas, ainda amplamente difundidas no
início da sua carreira. Os diversos padrões decorativos como florais, pontilhados,
listrados e lisos foram, constantemente, dispostos em suas composições com o objetivo
de romper as regras da perspectiva tridimensional.
Desse modo, entre os anos de 1903 e 1919, Matisse utilizou, reiteradamente, o
toile de Jouy, em combinações criativas e inusitadas, orientando seu caminho rumo à
planificação da sua pintura. A cada passo, alcançava uma descoberta reveladora sobre
seu fazer artístico e sobre a originalidade dos espaços conquistados. Ele juntou às suas
composições tapetes e tecidos, que trouxera da primeira viagem à África. Objetos que,
durante muitos anos, representaram os principais elementos que compunham sua
linguagem pictórica, como nos exemplos a seguir:
Fig. 61 – Pierre Matisse e seu artefato, 1904.
Em 1904, na obra Pierre Matisse e seu artefato (Fig. 61), Matisse utiliza esse
material de modo bem convencional, como uma toalha que cobre uma pequena mesa,
ocupando praticamente toda a parte inferior do quadro. O que chama a atenção é a
proporção do vaso em relação ao tamanho da mesa.
70
Fig. 62 – O guitarrista, 1903.
Fig. 63 – Interior, 1904.
Na obra O guitarrista (Fig. 62), de 1903, por sua vez, ele o coloca estendido na
parede, ao fundo, à esquerda. E na obra Interior (Fig. 63), de 1904, ainda estendido, se
revela por detrás da porta. O ornamento, em ambos os casos, entram de forma ainda
tímida nas respectivas composições, e, sobretudo, ocupa lugares bem determinados nos
espaços pictóricos.
71
Fig. 64 – Natureza-morta sobre toalha de mesa azul, 1905.
Na obra Natureza-morta sobre toalha de mesa azul (Fig. 64), que Matisse fez
dois anos depois, em 1905, inova na maneira de representar seu toile de Jouy. O
ornamento azul do tecido reverbera em seu entorno, ao diluir o contorno e os limites do
desenho. As manchas do ornamento mesclam-se com as dos objetos sobre a mesa e com
aquelas, que insinuam serem do tapete, ao fundo da composição.
O tapete desintegra-se quase que completamente nas tramas da pintura, deixando
somente vestígios de seus ornamentos, representados por finos traços brilhantes, nas
cores vermelho e amarelo. A sensação é de que tanto os objetos quanto os detalhes do
tapete flutuam no espaço pictórico, sutilizando a relação entre figura e fundo.
Na obra Retrato de Greta Moll (Fig. 65), de 1908, Matisse traz a sinuosidade das
linhas, uma vez que, naquele momento, já havia conquistado a linguagem dos
arabescos. O ornamento do tecido envolve a figura da mulher, por meio das linhas
sinuosas e do seu movimento expansivo. As formas, sugeridas pelos tons de azul,
variam de tamanho em torno da figura e os detalhes foram suprimidos, deixando os
ornamentos do tecido e da blusa da mulher num mesmo plano, como num ritmo
musical.
Por outro lado, as linhas que formam os braços se encontram com as linhas do
ornamento, concedendo circularidade à pintura. A única peça que ainda apresenta a
72
noção da perspectiva clássica é o móvel vermelho à esquerda da composição, onde a
figura apoia um de seus braços.
Fig. 65 – Retrato de Greta Moll, 1908.
Na obra Natureza-morta em toalha de mesa azul (Fig. 66), de 1909, o tecido
ocupa praticamente toda a superfície da tela e parece querer avançar em direção ao
espectador. As formas do ornamento mais parecem golfinhos, e o movimento do tecido
lembra as ondas do mar. Aqui, Matisse consegue tornar animado um ser inanimado,
dando vida e movimento ao objeto representado.
O tecido também envolve completamente os vestígios da natureza-morta criada
por ele. Os três objetos dão uma precária impressão de equilíbrio e estabilidade sobre a
grande área estampada. Parecem querer dançar, embalados num ritmo, semelhante ao da
obra A dança, de 1910. Em contraponto, Matisse pinta uma pequena parte à direita do
quadro de branco e amarelo, sugerindo os vestígios de uma parede ou móvel, em linhas
retas, para enfatizar que se trata de uma natureza-morta. Um detalhe sutil que causa
tensão e estranhamento na pintura.
73
Fig. 66 – Natureza-morta em toalha de mesa azul, 1909.
Se nas duas obras anteriores preponderava a organicidade, nas obras Amorperfeito sobre a mesa (Fig. 67), de 1918, e O torso grego e ramo de flores (Fig. 68), de
1919, a característica predominante é de tensão, seja pelo contraste das formas, seja pela
sensação de desequilíbrio existente.
Em Amor-perfeito sobre a mesa, Matisse aproxima o olhar da cena e cria um
contraponto entre as formas orgânicas e fluidas do ornamento do tecido e a forma
geométrica, em linhas retas, da superfície da mesa.
Os ornamentos do toile de Jouy, nesse exemplo, fazem um movimento expansivo
para os limites do suporte, mas criam novamente tensão e estranhamento, ao
interromper a fluidez no desenho do tecido com um traço vertical. Nesse procedimento,
Matisse cria a sensação de que o tecido, em movimento, está a ponto de deslocar, de
baixo para cima, a quina da mesa. Reforça a sensação de desequilíbrio, ao apoiar um
delicado vaso de vidro com flores na extremidade da mesa, prestes a virar.
74
Fig. 67 – Amor-perfeito sobre a mesa, 1918.
Fig. 68 – O torso grego e ramo de flores, 1919.
Em O torso grego e ramo de flores (Fig. 68), por sua vez, a sensação de
desequilíbrio é acentuada. Nesse caso, a composição parece que vai desmoronar para
todos os lados. Matisse cria uma relação entre os elementos tridimensionais em primeiro
plano e os bidimensionais. O torso, inclinado para esquerda, está apoiado na
extremidade da mesa, que, por sua vez, está caindo para o lado oposto. O vaso de flores
75
equilibra-se nessa relação de forças em oposição. O torso também se contrapõe à figura
do quadro em movimentos contrários.
Também cria uma relação entre seu desenho do corpo nu, representado pelo
quadro na parede, com o nu clássico, representado pela escultura. O desenho do
ornamento do tecido, que envolve a figura de gesso, parece puxá-lo para a esquerda,
provocando o movimento da composição.
Novamente cria relação entre as duas dimensões das flores representadas no
tecido e as flores do vaso, como variações do mesmo tema.
Fig. 69 – A cadeira com pêssegos, 1919.
Em A cadeira com pêssegos (Fig. 69), também de 1919, Matisse novamente
apresenta na composição uma relação entre bi e tridimensionalidade. Cria uma
planificação da pintura, unindo as duas grandes superfícies, do tecido e do piso,
separadas por uma tênue linha de desenho. O traço vertical à direita, por sua vez,
interrompe a continuidade no ornamento do tecido, criando novamente um
estranhamento.
As formas retas da cadeira contrapõem-se às pinceladas curvas do prato de frutas
e dos arabescos, cujas formas originais praticamente deixam de existir, passam a ser
76
representadas por grandes manchas de cor, que sugerem ritmo e movimento à totalidade
da composição. Em A cadeira com pêssegos, Matisse atinge o limite da abstração.
Fig. 70 – Mesa de jantar vermelha (Harmonia em vermelho), 1908.
Finalmente, na obra Harmonia em vermelho (Fig. 70), de 1908, o ornamento do
toile de Jouy envolve completamente a figura da mulher, ocupando praticamente a
totalidade da composição, com exceção da blusa preta da figura, que não é absorvida
pela estampa. Os arabescos estendem-se para a parede e toalha de mesa. O arabesco
liga, então, o motivo decorativo, a figura e o cenário, dando ênfase à planaridade da tela.
Se, por um lado, a superfície vermelha lisa e brilhante une dois planos, o frontal
da mesa e o posterior da parede, por outro, as linhas sinuosas do ornamento concedem
harmonia e ritmo. O desenho cria o movimento expansivo na composição, facilitado
pela sinuosidade e interrupção pulsante dos arabescos.
Enquanto há um uso soberano da superfície plana, acompanhado de uma
displicente ignorância em relação à lei das complementares, a saturação do vermelho
cria tensão na pintura. Há um equilíbrio de forças nos contrastes das cores, entre a
superfície lisa vermelha e os motivos ornamentais pintados em tons de azul, que
parecem flutuar no espaço pictórico.
A repetição em miniatura da guirlanda horizontal das frutas na mesa ocorre tanto
nas flores do jardim quanto nos ramos da mimosa. As silhuetas das árvores, as frutas, as
77
flores e a figura feminina, por sua vez, acompanham a forma dos arabescos, como se
fossem acordes musicais.
Há somente uma sugestão sutil de tridimensionalidade, causada por meio de
alguns elementos como o desenho da cadeira à esquerda e pelas delgadas linhas de
limite da mesa de jantar e, finalmente, pela moldura da janela.
O espaço exterior do jardim, em tons de verde brilhantes, que lembra uma
paisagem primaveril, é convidado a fazer parte da cena do interior da sala vermelha,
unindo a dimensão dessas duas realidades: interioridade e exterioridade.
A obra Harmonia em vermelho foi comprada, em 1908, por Sergei Shchuckin.
Inicialmente, a pintura era azul e intitulava-se Harmonia em azul. A cor, porém, foi
completamente modificada. Esse procedimento radical de transposição da cor foi
amplamente utilizado pelo artista, com a ajuda dos moldes, feitos de papéis coloridos,
que costumava pregar com alfinetes em suas telas, a fim de equacionar as questões da
cor e da forma em suas composições pictóricas. O seu objetivo sempre foi o de alcançar
o equilíbrio das forças e a relação entre todos os elementos formais da obra.
Os velhos mestres haviam sentido que era necessário preservar o que é
chamado de integridade do plano pictórico; ou seja, exprimir a presença permanente
da planaridade sob a mais nítida ilusão do espaço tridimensional. A aparente
contradição envolvida – a tensão dialética, para usar uma expressão da moda, mas
adequada – foi essencial para o sucesso de sua arte, tal como de fato o é para o sucesso
de toda arte pictórica. Os modernistas nem evitaram, nem resolveram essa contradição.
Em vez disso, inverteram seus termos. A planaridade de seu quadros é percebida antes,
e não depois que se observa o que ela contém. Embora tendamos a ver o que está em
um quadro de um pintor famoso antes de vê-lo enquanto quadro, vemos uma pintura
modernista primeiro enquanto quadro. Esta é, claro, a melhor maneira de se ver
qualquer tipo de quadro, de velhos mestres ou de modernistas, mas o modernismo a
impõe como maneira única e necessária, e o sucesso do modernismo em fazer isto é um
sucesso de autocrítica. (GREENBERG, 2001, p. 103).
A cada experiência empreendida com o toile de Jouy, Matisse aproximava seu
olhar da cena, revelando uma grande capacidade criativa, por meio de composições
muito bem orquestradas, em que uniu sensibilidade e racionalidade. Matisse
demonstrou uma capacidade analítica bastante refinada, associada à disciplina no
exercício exaustivo, quase obsessivo, do seu trabalho. Buscou, acima de tudo, a
expressão, deixando seu instinto guiá-lo, mas, como Cézanne, com quem muito
aprendeu, usou a inteligência e a razão para organizar as primeiras sensações. Foi até os
78
limites da criação para encontrar a verdade: na arte, a verdade, o real, começa quando
não se entende mais nada do que se faz, do que se sabe.
Mesmo não sendo a principal preocupação de Matisse, os arabescos, o tom do
vermelho vibrante da superfície pictórica e os objetos representados na pintura
concedem à obra uma expressão de energia simbólica, semelhante à obra La berceuse
(Fig. 71), de Van Gogh, em que o padrão floral, que orna o ambiente e envolve a figura,
representa sua fertilidade e vitalidade. Analogamente, em Harmonia em vermelho, os
arabescos de Matisse envolvem igualmente uma figura feminina, de maneira poética e
musical.
Fig. 71 – Vincent Van Gogh, La berceuse, 1889.
Paralelamente aos estudos com o toile de Jouy, Matisse deu continuidade às
novas experimentações, criando espaços inéditos, construídos com um rico e
diversificado repertório de formas, ampliando o enquadramento da composição.
O novo enquadramento trouxe o ambiente do ateliê e todos os objetos que seu
campo visual pudesse incluir como as próprias obras, consideradas igualmente
decorativas, junto aos objetos e tecidos de vários padrões e texturas.
As novas relações entre os diferentes planos e espaços da pintura integraram,
definitivamente, cheios e vazios; centro e periferia; fora e dentro, ou seja, exterior e
79
interior, revelando a maturidade com que o artista aplicava seu sistema pictórico,
proporcionando, de maneira magistral, tensão, circulação e expansão às novas
composições.
No caso da obra Natureza-morta com a dança (Fig. 72), Matisse incluiu a
própria obra A dança na pintura, disposta de modo que uma das dançarinas parece se
inclinar, a ponto de derrubar os vasos de flores sobre a toalha. Cria uma ilusão, ao
construir uma perspectiva, em que os objetos se convergem para a quina da toalha, que,
por sua vez, se encontra com a dançarina. Dessa forma, cria tensão e movimento, dando
vida aos objetos e animando a cena.
Fig. 72 – Natureza-morta com a dança, 1909.
Por outro lado, o procedimento de cortar parte dos objetos, que parecem
extrapolar o limite da tela, concede um efeito de realidade à sua pintura, como objetos
do mundo transpostos para outra dimensão de tempo e espaço, participando de uma
realidade criada pelo artista. O ornamento da toalha transborda para além do limite do
tecido, invadindo o plano do chão do ateliê. Cada manobra feita por Matisse sugere
movimento e circularidade.
O ambiente, que parece simplesmente querer representar uma determinada visão
do ateliê, ganha vitalidade, pela cuidadosa orquestração e disposição dos elementos
plásticos decorativos, geométricos e figurativos, como se estivessem encenando uma
peça de teatro.
80
Por volta de 1910, a partir daquele momento que Matisse chamou de Revelação
do Oriente, após visitar a exposição de arte islâmica, em Munique, um grande repertório
de formas e padrões decorativos entrou com surpreendente vitalidade e força de
expansão em sua obra.
Fig. 73 – O estúdio rosa, 1911.
No caso da obra O estúdio rosa (Fig. 73), Matisse inclui alguns aspectos
imaginativos à cena, ao sugerir uma relação entre o pequeno vaso diante do grande
tecido floral em fundo azul, disposto no centro da composição, de modo que as flores
amarelas do tecido preenchem o vaso vazio sobre o banco. A cena do interior, por sua
vez, interage com a paisagem externa, repleta de folhagens.
O artista inclui na cena todos os objetos que estão ao alcance do seu campo
visual, inclusive suas próprias obras, que dialogam com seu entorno e criam dinamismo
no olhar do espectador. O ambiente é preenchido pelos tons de rosa, que concedem
fluidez à pintura. O aspecto decorativo consiste em ordenar, com ritmo, todos os
elementos da composição.
81
Fig. 74 – O estúdio vermelho, 1911.
No caso da obra O estúdio vermelho (Fig. 74), a pintura assemelha-se a uma
composição musical, impondo um ritmo atemporal no olhar do espectador. A tela foi
preenchida por um vermelho quente e profundo, e as linhas luminosas, com as quais
Matisse representa o desenho dos móveis, parecem brotar da cor.
Em contraponto, num colorido vibrante, os objetos decorativos que são,
predominantemente, obras do próprio artista, como pinturas, esculturas, gravuras,
cerâmicas, acrescidos de alguns acessórios da arte oriental, compõem de maneira
harmoniosa a obra. Com isso, Matisse apresenta claramente sua obra como decorativa,
ao retratar suas pinturas na própria obra, reverberando sensações na mente do
espectador. Os objetos transformam-se em motivo de contemplação, instigando
lembranças.
.
Fig. 75 – A família do pintor, 1911.
82
A família do pintor (Fig. 75) foi uma encomenda de Shchuckin, que havia lhe
mostrado uma foto da obra Os jogadores de cartas (1894), de Cézanne. Nesse caso,
Matisse escolheu um tema clássico da pintura ocidental, a vida privada, que
normalmente se apresenta imbuída de subjetividade, mas, aqui, Matisse a reveste com
elementos ornamentais, que, ao contrário, dão a sensação de ampliação do espaço. Se,
por um lado, ao preencher o espaço com personagens e objetos, que, estilizados,
tornam-se equivalentes, por outro, ressalta pequenos detalhes em branco, como o lenço
nas mãos da figura feminina sentada ao fundo e ao longo do braço direito da figura em
pé. Como em Harmonia em vermelho, o preto e o vermelho das vestes das figuras não
se deixam invadir pelo padrão decorativo à sua volta.
O ambiente é ricamente ornado por um entrelaçamento de diferentes padrões
decorativos, e Matisse os dispõe em um ritmo ordenado. Utiliza artifícios para captar o
olhar do espectador, ao desafiar as leis da perspectiva, por exemplo, na representação do
tapete persa, que ocupa grande parte do quadro, ressaltando seu importante papel na
composição. Inclui o tabuleiro de xadrez, como mais um ornamento, contrastando suas
cores e formas geométricas bem definidas com os demais padrões decorativos. Em A
família do pintor, Matisse cria um universo em expansão contínua, semelhante ao dos
tapetes persas que contemplou durante a exposição em Munique.
Fig. 76 – Estudo para Interior com berinjelas , 1911.
83
Fig. 77 – Interior com berinjelas, 1911-1912.
Em Interior com berinjelas (Fig. 77), Matisse cria uma estampa única, ocupando
todo o espaço pictórico com motivos ornamentais, lembrando a padronagem de um
tapete persa.
A frontalidade da composição é trazida até mesmo na imagem refletida no
espelho e na paisagem da janela, que igualmente remetem a estampas de um tecido. No
centro coloca a natureza-morta, cuja combinação de cores vibrantes contrasta com os
tons de verde e branco do biombo, criando tensão entre as superfícies. As grandes flores
violeta espalham-se por toda a composição.
Diferentes padrões decorativos criam um espaço expansivo, desde a paisagem
externa revelada na janela, à direita, até a imagem refletida no espelho, à esquerda, mas
que continuam reverberando à sua volta. Não existe um centro na composição que possa
capturar o olhar, que é induzido a movimentar-se continuamente pela superfície da tela.
A superposição de motivos revela a concepção inicial do quadro assemelhandose a um tapete persa, mais visível no estudo em aquarela (Fig. 76), onde Matisse,
inclusive, criou uma moldura decorativa envolvendo a cena, estrategicamente eliminada
na versão final, para incrementar a expansividade crescente da obra.
Em Interior com berinjelas (Fig. 77), Matisse rompeu completamente com a
noção de profundidade da pintura clássica, trazendo para um mesmo plano tudo o que o
alcance do seu olhar conseguisse captar. Dessa forma, Matisse propôs um equivalente
84
visual dessa difração sensorial, ao propor a transmutação do espaço pictórico em pura
pulsação do princípio decorativo. Cria uma atmosfera em que o contato visual com a
obra provoca sensações, antes mesmo que o espectador a apreenda.
O significado do ornamento e dos arabescos na obra é expresso não mais pela
figura, representativa, mas pela repetição em ritmo linear de padrões diversos, criando
espaços verdadeiramente plásticos na sua pintura. O efeito dessa repetição tem a
habilidade de transformar algo novo, em que o elemento primordial e gerador, isto é, a
imagem decorativa, é usado como matéria, perdendo a narrativa e alcançando o grau
zero do sentido. Dessa forma, o ornamento em Matisse tende à pura visualidade, sem
significação aparente, despertando, no entanto, genuínas sensações no espectador de sua
obra.
Em 1912, viajou novamente ao Marrocos, a fim de coletar imagens e sensações
que iriam impulsionar novos passos no seu processo criativo. Após o arrebatamento
sensual que lhe causaram os últimos empreendimentos, a exemplo de Interior com
berinjelas, quando aprofundou o olhar e a técnica no estudo intenso, principalmente,
dos tapetes e tecidos islâmicos e sua diversidade de cores e forma, Matisse reencontrou,
durante a viagem, novamente o aspecto humano, retratando-o em várias obras, como
flores de um jardim (NÉRET, 1997, p. 71).
Fig. 78 – Desenhos de Matisse, 1912.
85
Fig. 79 – O Café Árabe, 1913.
Tenho meu pote com peixes e minha flor cor-de-rosa. Foi isso que me
impressionou! Esses homenzarrões que ficam horas, contemplativos, na frente de uma
flor e de uns peixes vermelhos. Pois bem, se eu pintá-los de vermelho, essa vermelhidão
vai deixar minha flor com cor de violeta! E aí? Quero minha flor cor-de-rosa! De outra
maneira ela some! Ao passo que meus peixes podem até ser amarelos, não me importa,
pois então que sejam amarelos! (Matisse apud SALZSTEIN, 2009, p. 115).
Alguns anos mais tarde, Matisse continuou suas experimentações pictóricas
transformando a ideia de sua famosa Mesa de jantar em um novo idioma, em que
valores plásticos foram substituídos por manchas cromáticas planas. Havia descoberto
os termos essenciais de síntese pictórica. A sua necessidade, no entanto, por enfatizar a
realidade na pintura levou-o, a partir da década de 1920, a assumir fortemente o aspecto
decorativo de sua pintura, inclusive, colocou o título Figura decorativa em fundo
ornamental (Fig. 80) numa de suas obras, re-significando o conceito do decorativo em
relação à superfície da pintura.
86
Fig. 80 – Figura decorativa sobre fundo ornamental, 1926-1927.
[...] O estilo de Henri Matisse se baseia no equívoco e na elipse. Até onde eu
sei, ninguém, na história da arte européia, jamais executou tantas variações deliciosas,
inesperadas, revigorantes sobre a trama da dupla natureza da pintura como fez
Matisse. Tome-se, por exemplo, Figura decorativa sobre fundo ornamental (1925-26), e
note-se como Matisse consegue passar de uma ponta a outra do quadro contando-nos
tudo sobre os diversos padrões: o padrão do tapete que pega tal e tal ângulo do olho, o
padrão na parede que pega um ângulo diferente, o padrão no vaso, que é uma
superfície curva; então Matisse segue para um elaborado espelho veneziano na parede
e conta-nos tudo sobre ele sem modificar o ritmo ou a qualidade do tratamento. [...]
(SALZSTEIN, 2009, p. 211).
A observação minuciosa dos volumes escultóricos na obra de Michelangelo
(1475-1564) ajudou-o a desenvolver uma série de esculturas, como a obra O grande nu
sentado, uma escultura em bronze realizada em 1925. A influência da escultura está
presente na figura totêmica, imponentemente colocada no centro da obra, envolta por
uma diversidade de volutas decorativas, representadas sem profundidade, equivalendo
figura humana e os objetos que a acompanham. O espelho, ao fundo, é representado por
uma mancha azul no meio das distintas unidades decorativas, com uma pausa para a
respiração.
A simplificação com que é representada a figura humana se contrapõe aos
objetos decorativos que a rodeiam. Matisse dispõe habilidosamente as volutas e os
arabescos, criando um espaço ornado com objetos heterogêneos, onde figura e fundo
87
coexistem harmoniosamente, em um mesmo plano, exceto pelas linhas diagonais do
tapete, que insinuam a ilusão de profundidade na composição.
A característica expansiva da composição é enfatizada pela profusão de
elementos ornamentais, que direciona o olhar do espectador para além do perímetro da
tela. Os elementos pictóricos perdem seus significados particulares, impregnando um
ritmo na composição, em que os arranjos decorativos das diversas superfícies pictóricas
se integram e se harmonizam, para compor uma totalidade expressiva.
Fig. 81 – Foto de Matisse, 1926-1927.
No período entre as duas Grandes Guerras Mundiais, Matisse encontrou na
cidade de Nice, no sul da França, as condições propícias para que pudesse consolidar
suas novas pesquisas pictóricas. A atmosfera tranquila e a luz daquela região eram
características ideais para a consolidação de um ateliê. Matisse, inspirado na arte do
cinema e nas vivências que obteve em suas inúmeras viagens, construiu, então, um
verdadeiro cenário repleto de objetos ornamentais e o preencheu com suas modelos,
ricamente customizadas. Semelhantes a um set de filmagem, os ambientes criados por
Matisse beiravam os limites entre ilusão e realidade.
Ao criar um mundo utópico e autossuficiente no ateliê de Nice (Fig. 82), pôde
exercitar calmamente seu ofício como pintor, permeado por uma atmosfera de
harmonia, paz e tranquilidade, que não encontrava no mundo conturbado ao seu redor.
88
Fig. 82 – Matisse desenhando a modelo Zita, Nice, 1928.
Como desejo de reproduzir o mundo sensual que encontrou no Marrocos,
Matisse, em Nice, como escreveu François Gilot em seu livro, estava pronto para
povoar o Oriente da sua própria imaginação com as mulheres de um paraíso terrestre.
Para ele, organizar o ambiente que queria pintar era como criar o cenário para uma peça
teatral. O clima inicial criado era um prelúdio para uma futura interação de volumes,
cores e texturas que visualizava. O artista expandiu rapidamente sua coleção de formas
e iniciou uma nova fase de trabalho, em que integrou a presença do humano para
amenizar a confrontação com o enorme repertório de formas, cores e padrões dos
objetos decorativos utilizados, a exemplo das obras Odalisca com calça cinza (Fig. 83)
e Odalisca recostada com calça cinza (Fig. 84).
Na verdade, Matisse sempre demonstrou a necessidade de fundamentar sua
inspiração artística na realidade, ou seja, no mundo real, físico e concreto, para criar,
então, seu universo pictórico, construindo composições verdadeiramente plásticas, que
reverberassem na mente do espectador. Acompanhado desse grande acervo, que
estimulava sua criatividade, Matisse pôde construir seus espaços tanto físicos quanto
imaginários.
89
Fig. 83 – Odalisca com calça cinza, 1927.
Fig. 84 – Odalisca recostada com calça cinza, 1927.
A energia vital e a força sensual e até erótica presentes nessas últimas obras de
Matisse sugerem um maravilhamento diante da dimensão mundana da existência, que,
além de apelar para a sensação ótica, alcança uma dimensão sinestésica, ao se projetar
multissensorialmente no espaço, para muito além da moldura, até mesmo numa escala
arquitetônica.
90
O impulso natural do desejo sexual humano claramente eliminado para ser
integrado no nível sublimado da criação artística. Foi como se Matisse estivesse
fazendo uma confidência ao espectador sobre a necessidade do ascetismo, de
transformar o desejo sensual numa vontade de projetar o intangível, uma vontade de
atingir um nível de realidade mais elevado, uma ânsia de chegar à essência da arte.
(GILOT, 1992, p. 171)
O texto escrito por Gottfried Boehm em seu livro esclarece que o conceito do
termo latino decorum está associado à palavra decência, descrito no dicionário como o
que não só agrada, mas que também convence. Para os clássicos, segundo Boehm, o
termo decorum era sempre associado ao termo decorum vitae, isto é, relacionando-se
com a vida, com a essência da criação, o que o filósofo alemão Hans-Georg Gadamer
(1900-2002) chamou de dualidade da mediação decorativa.
A natureza da decoração, segundo o filósofo, consiste na “performance” em
dois âmbitos mediativos: inicialmente chama a atenção do observador para sua forma,
satisfazendo o gosto e o prazer do olhar e, em seguida, redireciona a percepção para a
totalidade do contexto da origem da criação, ou seja, de uma energia de vitalidade,
devido à força da sua representação e da sua habilidade em gerar novas imagens.
(TAMM, 2006, p. 286).
O princípio decorativo foi amplamente utilizado por Matisse, para que o olhar do
espectador não se focasse em um ponto do quadro, redirecionando-o para a periferia.
Por meio dos padrões decorativos e da lógica visual presente no traço do desenho, se,
por um lado, Matisse induz à percepção ativa da totalidade, por outro, revela o conteúdo
subliminar da sua obra, concedendo porosidade às suas pinturas, refletindo a sensação
de bem-estar e de leveza.
O dinamismo visual expansivo presente nos trabalhos de Matisse revela um
incomparável élan vital, ou seja, uma exuberante vitalidade. Essa qualidade estimula
um sentimento de felicidade e de bem-estar no espectador. Os objetos e as figuras são
elementos semânticos que concedem ritmo e energia à pintura, formando uma
totalidade, uma unidade. E o sentimento de felicidade que brota da obra deriva do
próprio ato de pintar, do efeito de pura visualidade, criado por Matisse. (Boehm apud
TAMM, 2006, p. 288).
91
Fig. 85 – Foto de Matisse no Taiti, Archives Matisse, 1930.
Mais tarde, em março de 1930, seguindo os passos de Gauguin, partiu para o
Taiti, em busca de um novo espaço de luz e cores. Para Matisse, o que importava na
pintura não era tanto a abundância de produção, nem a extensão do empreendimento,
nem o alcance da imaginação; o que tinha significado era a atmosfera ou sentimento,
que o pintor conseguia transmitir numa forma visual. As experiências com os motivos
das artes islâmica e oriental permitiram-lhe ampliar a compreensão do sentido
harmônico do mundo, a fim de atingir uma visão global e não dualista do universo.
Sempre tive em mente um outro espaço no qual se desenvolveriam os temas do
meu devaneio. Eu procurava outra coisa, não o espaço real. Daí minha curiosidade
pelo outro hemisfério, onde as coisas podiam se passar de outra maneira. [...] na arte,
o que mais importa são as relações entre as coisas. Tentando tomar posse da luz e do
espaço em que vivia, eu tinha vontade de encontrar um espaço e uma luz diferentes, que
permitiriam captar com mais profundidade justamente esse espaço e essa luz em que
vivia, quando menos, para tomar consciência deles. (MATISSE, 2007, p. 104).
Fig. 86 – Detalhe de cartão-postal de Matisse, 1930.
92
[...] Já o artista ou o poeta possuem uma luz interior que transforma os objetos
para criar um mundo sensível, organizado, um mundo vivo que é em si mesmo o sinal
inequívoco da divindade, do reflexo da divindade. Ademais, é assim que se pode
explicar o papel da realidade criada pela arte e opô-la à realidade objetiva,
indiferentemente por sua própria essência. (MATISSE, 2007, p. 104).
2.4 A SÍNTESE DOS PAPÉIS RECORTADOS E PINTADOS A GUACHE E A
CAPELA DE VENCE
Cortar na carne viva da cor lembra-me o golpe direto dos escultores.
Henri Matisse.
Fig. 87 – Matisse trabalhando nos Guaches recortados, Vence, 1947.
Por volta de 1930, na época em que trabalhava na obra A dança de Merion,
Matisse havia utilizado, pela primeira vez, a técnica dos papéis recortados, a fim de
encontrar a forma e a cor de sua preferência para os referentes painéis. A experiência foi
muito proveitosa para ajudá-lo em suas dúvidas e incertezas, com relação à escolha da
superfície de cor. Muitas vezes, recortava os papéis coloridos e pregava-os com
alfinetes nas suas telas em andamento.
Os últimos 15 anos da vida de Matisse foram marcados por constantes
problemas de saúde, que foram agravados por causa dos efeitos da Segunda Guerra
Mundial. Foi em Nice, por volta de 1940, após ter passado por uma cirurgia e estar
impossibilitado de ficar muitas horas em pé, que o procedimento descoberto anos antes
representou uma maneira eficaz de aplicar a cor e dar continuidade às sua pesquisas.
Recorreu, definitivamente, aos papéis previamente pintados que recortava a seu gosto,
93
colando-os, em seguida, sobre um suporte: os papéis recortados e pintados a guache.
Ao empreender a nova aventura criativa, aplicou a célebre frase do pintor Maurice
Denis:
[...] Ter-se em mente que um quadro, antes de ser um cavalo de batalha, uma
mulher nua, ou uma coisa qualquer é, essencialmente, uma superfície plana coberta de
cores reunidas sob certa ordem. (NÉRET, 1997, p. 76).
Fig. 88 – A dança, 1938.
Na revista Verve de 1945, Matisse escreveu que, em sua opinião, Ingres e
Delacroix tinham um ponto em comum: os dois exprimiam-se pelo arabesco e pela cor.
E, mais tarde, descobriu também em Van Gogh e Gauguin o uso concomitante desses
elementos. Nos papéis recortados e pintados a guache, Matisse também sintetizava seu
processo criativo, integrando os dois modos de expressão: cor e arabesco.
Se, nas suas obras fauve, havia experimentado trabalhar com a cor diretamente
nos arabescos, nestas obras, recortando os papéis, simultaneamente, esculpia as formas.
Com a cor e o desenho reunidos em um único gesto, Matisse alcançou seu ideal de uma
pintura plana e sintética. A forma e a cor não se confundem, há simultaneidade.
O papel recortado permite que eu desenhe na cor. Trata-se, para mim, de uma
simplificação. Em vez de desenhar o contorno e de instalar nele a cor, desenho
diretamente na cor, que é tanto mais comedida quanto não é transposta. Esta
94
simplificação garante uma precisão na reunião dos dois meios que são uma e a mesma
coisa... Não é um ponto de partida, é um ponto de chegada. (NÉRET, 1997, p. 211).
As pesquisas plásticas de Matisse sempre ultrapassaram as fronteiras dos seus
meios. Reaplicava, sempre que necessário, em diversas obras, uma mesma técnica
outrora utilizada, reinventando-a. Acreditando que as diferentes técnicas se
completavam mutuamente, nos papéis recortados e pintados a guache, o artista
integrou desenho, pintura e, ao criar as formas recortando diretamente na cor, também a
escultura, consolidando a autonomia na construção da imagem com sentido
predominantemente decorativo, há muito tempo por ele perseguido. Dessa forma, ao
esculpir em pura cor, um mundo completo ia surgindo de suas mãos, cheio de força e
vitalidade.
[...] O modo de proceder é completamente novo. Jamais foi utilizado. Não se
pode mesmo compará-lo com as colagens dos cubistas que não têm em vista senão o
espetáculo de uma geometria construída a partir de materiais diversos e inesperados.
E, no entanto, basta evocar o Matisse dos começos em que o professor lhe predizia que
pretendia simplificar demasiado a pintura; o Matisse “fauve” que queria que “a obra
nasça da pura confrontação das cores”. (NÉRET, 1997, p. 212).
As várias viagens, por outro lado, também ajudaram a depurar o olhar sensível
do artista, que buscou trabalhar por meio da decantação pela memória. A viagem ao
Taiti foi uma experiência importante para que o artista pudesse absorver uma nova
atmosfera de luz e cor. Matisse, porém, precisou de tempo para condensar todas as
impressões coletadas, a fim de dar-lhes forma e traduzi-las em realidades, que muito
superaram o sentido visual.
Matisse costumava dizer: se fecho os olhos, revejo os objetos melhor do que com
os olhos abertos. A memória prodigiosa do artista sempre impressionou os críticos por
sua qualidade sinestésica e não somente visual, em que preponderava a realidade afetiva
e emocional de suas obras. Para Yve-Alain Bois, Matisse se aproximava do poeta
Stéphane Mallarmé (1842-1898), ao buscar pintar não a coisa em si, mas o efeito que
ela provoca. Na sua opinião, a concepção da memória e do inconsciente em Matisse era
proustiana, não freudiana.
As coisas que adquirimos conscientemente permitem que nos manifestemos
inconscientemente com certa riqueza. Em contrapartida, o enriquecimento inconsciente
do artista consiste em tudo que ele vê e traduz pictoricamente sem pensar em pintura.
Uma acácia de Vésubie (rio de Nice), com seu movimento, sua graça esbelta,
porventura me levou a conceber o corpo de uma mulher dançando. (Matisse apud
BOIS, 1999, p. 83).
95
Matisse usou a técnica fotográfica para apoiá-lo em suas pesquisas. Apesar de
acreditar que ao utilizá-la, durante as viagens, pudesse impedir que suas impressões
agissem com profundidade, Matisse tirou numerosas fotografias no Taiti, poucas das
ilhas, algumas do mar e do céu da laguna (fig. 89), que passaram a fazer parte do seu
repertório de formas.
Fig. 89 – Foto feita por Matisse, Taiti, 1930.
Segundo seus relatos, durante a viagem, foi arrebatado pela paisagem e pela luz
que encontrou na Polinésia e não conseguia trabalhar. Somente passados 15 anos,
voltou a reviver aqueles momentos de intensas emoções, recortando e colando nas
paredes signos pictóricos que remetiam às lembranças guardadas na sua memória,
decantando a realidade, até alcançar na obra a abstração. Para o artista, esses signos
pictóricos eram formas únicas, plenamente equilibradas.
Apesar de não reconhecer o fato, o recurso da técnica fotográfica foi muito
importante para desconstruir a representação do espaço tridimensional na sua visão. Ao
transcender uma específica faceta do olhar fotográfico, Matisse utilizou a técnica como
parte do processo de criação em seus desenhos e pinturas. A reprodução da imagem
fornecida pela fotografia, que transforma a estrutura da tridimensionalidade dos objetos
e a ilusão de profundidade em puras superfícies planas, ajudou-o a captar novas
impressões da realidade, para a criação de espaços pictóricos inéditos e inusitados.
Matisse sempre ressaltou a importância das lembranças que guardava das
lagunas no Taiti para a criação dos painéis Polinésia e Oceania, a exemplo da obra
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Oceania, o mar (Fig. 90). As fotografias, certamente, ajudaram a mantê-las vivas em
sua memória:
Este painel impresso em linho, branco nos motivos e bege no fundo, forma, com
o segundo, um jogo de painéis murais, compostos ao longo dos devaneios que surgiram
quinze anos depois de uma viagem à Oceania. Lá os encantos do céu, do mar, dos
peixes e dos corais em suas lagunas inicialmente me paralisaram num arrebatamento
completo. Os tons locais das coisas não haviam mudado, mas a resultante deles, na luz
do Pacífico, me produzia uma sensação semelhante à que experimentei olhando para o
interior de uma grande taça de ouro, Com os olhos arregalados eu absorvia tudo,
assim como uma esponja absorve líquidos. E somente agora que essas maravilhas
retornaram a mim, com carinho e precisão, e permitiram que, certo deleite, eu
executasse estes dois painéis. (MATISSE..., 2009, p. 143).
Fig. 90 – Oceania, o mar, 1946.
Lydia Delectorskaya, sua assistente nos últimos anos, revelou a história sobre a
criação dos primeiros painéis numa nota endereçada ao Museu Matisse, em outubro de
1997: a obra surgiu por ocasião de uma estada de Matisse em Paris, no verão de 1946,
quando recortou uma andorinha numa folha de papel de carta e, com pena de rasgá-la ou
jogá-la fora, devido a sua bela forma, resolveu prendê-la diretamente na parede, para
tapar uma mancha que o incomodava. Ao longo daquela semana, então, outras formas
se juntaram à primeira. Pouco a pouco, aquilo acabou por se converter em uma
composição que cobria por inteiro a superfície da parede.
Nestas obras, Matisse conquistou a unidade dos contrastes de cor, luz e forma.
Cada elemento tem sua existência própria e se liga às outras formas pela totalidade da
composição, que não privilegia nenhuma delas. Os diferentes recortes equilibrados e
autônomos, por sua vez, compõem, sem se tocarem, uma dança na superfície do suporte.
A planaridade das obras alcança sua plenitude, convidando o espectador a adentrar com
97
liberdade naquelas realidades, participando do movimento, ritmo e leveza, sem ser
engolido por elas.
A criação das grandes composições feitas com os guaches recortados levou
Matisse a conceber o espaço da obra em conexão com o espectador, induzindo-o rumo
às grandes composições arquitetônicas. Bastava-lhe um primeiro gesto, o primeiro
recorte, para que sua obra se expandisse e as formas se multiplicassem até se
transformarem em grandes painéis coloridos. Finalmente, Matisse havia conquistado,
por meio dos seus papéis recortados e pintados a guache, a possibilidade de criar
espaços na sua obra, em expansão contínua, semelhantes aos dos motivos da arte
islâmica e oriental, que sempre o inspiraram.
Fig. 91 – Foto da obra O céu, 1946.
Em Oceania o espaço é abolido. Todas as criaturas do céu e do mar dançam
juntas o mesmo balé, delimitado por uma borda que evoca o mar interior – uma laguna
– e pelas ondas que arrebentam sobre os bancos de corais. (SZYMUSIAK, 2009, p.
137).
No mesmo ano de 1946, lembrando do feito de Paris, decidiu também cobrir as
paredes do seu quarto, em Vence, com recortes de pássaros, peixes e algas brancas (Fig.
91), propondo, no entanto, que o painel se transformasse em tapeçaria. A primeira ideia,
porém, não se concretizou imediatamente e o modelo acabou por se transformar em
painéis de tecidos serigrafados, editados em vários exemplares.
No período em que realizou A dança de Merion, Matisse havia experiementado
relacionar a sua obra com o espaço real do mundo, a partir de 1946, voltou a receber
convites para a realização de obras destinadas à decoração mural, dedicando grande
98
parte do seu tempo aos diversos trabalhos decorativos como painéis, tecidos, tapeçarias
e afrescos, feitos a partir da técnica dos guaches recortados.
Fig. 92 – Polinésia, o céu, 1946.
As diversas obras realizadas nessa época são uma síntese de todos os tecidos
pelos quais Matisse se interessou, ao longo da vida, e que costumavam cobrir,
permanentemente, as paredes de seu ateliê: tapas polinésios, tecidos africanos, pareôs,
tecidos indianos. Seus próprios trabalhos se juntavam aos da sua coleção, formando
uma visão bela e harmônica (Fig. 92).
Fig. 93 – Foto do Estúdio em Vence, c. 1950.
Na verdade, os papéis recortados e pintados a guache de Matisse são obras
abertas para o mundo, visto as inúmeras possibilidades de sua aplicação. Pouco a pouco,
se metamorfoseavam em objetos reais como ilustração de livros, cerâmicas, tecidos,
tapetes, a exemplo de Mimosa (Fig. 94). O entrelaçamento de cores e formas da obra
99
sugere uma combinação dinâmica entre figura e fundo, entre espaços cheios e vazios.
Matisse passou a criar suas próprias estampas e tecidos, como um tecelão, tramando
cores e formas com a ajuda dos papéis e tesouras.
Fig. 94 – Mimosa, 1951.
Fig. 95 – O parafuso, 1951.
A técnica dos guaches recortados reafirmou sua intensa paixão pela pintura,
pois representou a renovação na sua maneira de pintar, recuperando em Matisse, no ato
da criação, a jovialidade e a sinceridade como as de uma criança. Os recortes eram
como improvisações cromáticas e rítmicas, cujas inspirações vieram de lembranças do
circo, dos contos populares e de suas viagens. Mas o tema da dança foi, igualmente, um
dos principais compassos de espera na sua obra, a partir da qual surgiu uma série de
pinturas, colagens, cuja distorção plástica, cria assimetrias nas formas, mas que se
tornam harmônicas e equilibradas na totalidade da composição. Em Os acrobatas (Fig.
96), Matisse procurou, acima de tudo, dar simultaneamente num espaço limitado a ideia
de imensidão.
100
Fig. 96 – Acrobatas, 1952.
Esta dança existia em mim há muito tempo. Existia em mim como um ritmo que
me conduzia. Constantemente, durante o processo criativo, Matisse recuperava,
predominantemente, as imagens e as lembranças da sua infância. O artista acreditava ser
necessário conservar o frescor e a pureza, como os de uma criança no contato com o
mundo e os objetos, a fim de preservar a originalidade e, em 1952, escreveu a André
Verdet: “é preciso ser criança a vida toda ao ser homem, sempre tirando sua força da
existência dos objetos e não ter a imaginação cortada pela existência deles” (MATISSE,
2007, p. 370).
[...] É por isso que a criação, para o artista, começa pela visão. Ver já é uma
operação criativa que exige esforço. Tudo o que vemos na vida corrente, sofre maior ou
menor deformação gerada pelos hábitos adquiridos, e esse fato talvez seja mais
sensível numa época como a nossa, em que o cinema, a publicidade e as grandes lojas
nos impõem diariamnete um fluxo de imagens prontas, que, em certa medida, são para
a visão aquilo que o preconceito é para a inteligência. (MATISSE, 2007, p. 370).
Para dar vida à linha de desenho ou fazer existir uma forma, Matisse observou a
natureza, revelando estar em consonância com ela, com as coisas e com o mundo. Para
ele, um ínfimo detalhe podia nos revelar um grande mecanismo, uma engrenagem
essencial da vida. Consequentemente, a capacidade de síntese de toda experiência
adquirida transparece em cada gesto percorrido nos papéis recortados e pintados a
guache.
Para alcançar a forma sintética do objeto, ao transformá-lo em recorte, Matisse
buscou seu conhecimento do desenho e da escultura para apoiá-lo. Por outro lado, suas
101
pesquisas gráficas sobre a expressão das fisionomias e a simplificação da figura
influenciaram na geração das formas e a experiência fauve o ajudou a resolver os
contrastes de cor. Assim, os papéis recortados apresentam uma qualidade cromática
pura e um desenho de tal simplicidade elementar e estática, que se tornam mais
próximos de peças decorativas do que de pinturas.
Fig. 97 – Nu azul I, 1952.
Fig. 98 – Vênus com concha, 1930.
Fig. 99 – Estudo para o Nu azul, 1952.
Matisse dizia não haver uma ruptura entre seus quadros e seus recortes. Na
verdade, havia alcançado de maneira absoluta, com mais abstração, a essência do
objeto, por meio da decantação de sua forma. Enquanto nas suas pinturas apresentou o
objeto na complexidade do seu espaço, nos papéis recortados e pintados a guache,
conservou o signo necessário e suficiente para que ele pudesse existir em sua forma
própria, ou seja, que num gesto ou movimento com a tesoura e os papéis pudesse trazer
o significado do todo, da totalidade. Dessa forma, pronto para habitar concretamente
102
qualquer espaço real do mundo, os recortes representaram, para ele, uma forma direta e
simples de se exprimir. Mas foi preciso estudar longamente o objeto, a fim de
reconhecer o significado do seu signo, para que, numa composição maior, não perdesse
sua força inerente.
Fig. 100 – O caracol, 1952.
Essa nova técnica dos papéis recortados me conduz literalmente a uma imensa
paixão de pintar, pois, ao me renovar totalmente, creio ter encontrado aí um dos
principais de aspiração e fixação plástica de nossa época. Ao criar esses papéis
recortados e coloridos, parece-me que me antecipo alegremente àquilo que se anuncia.
Nunca, creio eu, tive tanto equilíbrio quanto na realização desses papéis recortados.
Mas sei que vai demorar muito até que se perceba a que ponto o que faço hoje está de
acordo com o futuro. (MATISSE, 2007, p. 287).
Matisse reuniu, ao longo da vida, um feixe de atividades dedicado à arte e esteve
sempre aberto às novas pesquisas e descobertas. A síntese das formas escupidas em
papel decorreu da disciplina do trabalho, mas, principalmente, do sentimento de
comunhão que tinha com o seu ofício como pintor. O artista buscou sempre encontrar
novas possibilidades de fazer arte. Assim, seus últimos guaches recortados, em
particular O caracol (Fig. 100), alcançaram uma nova e inesperada fisionomia, em que a
fluidez dos ritmos da cor, em consonância às formas geométricas recortadas, dispõe da
liberdade do signo e tende à pura abstração.
Podemos dizer que as buscas incessantes e suas revelações justificam e
reiteram nossa presença no mundo. Matisse oferece através do seu olhar algo além:
uma luz sobre o engenho humano que celebra suas possibilidades. A dimensão de sua
obra mostra um caminho conquistado, sobretudo, pela clareza de propósitos e pela
dedicação total à simplificação da pintura. (SALZSTEIN, 2009, contracapa).
103
Matisse aceitava qualquer desafio pela arte e, de 1947 a 1951, mergulhou numa
nova aventura, na construção e decoração da Capela do Rosário de Vence, considerada,
por ele, sua obra-prima, como o resultado de toda uma vida de trabalho.
Nessa nova empreitada, pôde reunir suas habilidades e capacidades, atingindo
sua aspiração a um trabalho verdadeiramente decorativo, à maneira dos grandes pintores
de afrescos, como Giotto, que tanto apreciava. Matisse concebeu o projeto e a maquete
da capela, apoiado pela irmã Jacques-Marie, que havia cuidado de Matisse, como
enfermeira, durante uma de suas convalescenças, antes de se tornar freira.
O artista, apesar de doente, desenvolveu, com entusiasmo, cada detalhe de
criação, decoração e construção da capela: os vitrais coloridos, os painéis de azulejos,
em preto e branco, e todos os objetos litúrgicos existentes.
O seu objetivo principal na capela era equilibrar uma superfície de luz e cores
com as paredes, repletas de desenhos em preto e branco, a fim de transmitir a sensação
de imensidão em um pequeno espaço, permitindo que os visitantes da capela pudessem
sentir “maior leveza de espírito, Que mesmo não sendo fiéis, se encontrassem num meio
onde o espírito se eleva, onde o pensamento se aclara, onde o próprio sentimento se
torna mais leve. [...]”. (MATISSE, 2007, p. 315).
A minha única religião é do amor da obra a criar, o amor pela criação e pela
sinceridade. Fiz essa capela apenas com o sentimento de me exprimir a fundo. Tive
neste caso, oportunidade de me exprimir na totalidade da forma e da cor. Este trabalho
foi para mim, um ensinamento. Trabalhei com o jogo das equivalências. Fiz com que se
equilibrassem materiais toscos com materiais preciosos. As coisas se aproximaram e
cantaram pela lei dos contrastes. A multiplicação dos planos se converteu em unidade
do plano [...] E deliberadamente repito uma vez mais que não é copiando o tema que
farei com que ele nasça no espírito do observador. [...] não se pode introduzir aqui o
vermelho, nesta capela [...], no entanto, este vermelho existe, e existe por contraste das
cores que lá estão. Ele existe como reação no espírito do observador. (MATISSE,
2007, p. 311).
Para realização do vitral A árvore da vida, Matisse utilizou tanto os motivos
quanto a técnica dos papéis recortados. A cor, à diferença das pinturas, não é, nesse
caso, concentrador, mas gerador de luz.
A propósito dos vitrais da capela, Matisse citava ainda ‘Jazz’: Essas cores de
vitral. Corto esses papéis pintados a guache como se corta o vidro, só que aqueles são
dispostos de forma a refletirem a luz, Enquanto no vitral é preciso dispô-lo de forma a
qua luz o atravesse. (NÉRET, 1998, p. 53).
104
Fig. 101 – A árvore da vida, 1949.
Fig. 102 – Vitral azul-pálido, 1948-1949.
Os desenhos de preparação para os vitrais foram executados a partir de
guaches recortados, tendo sido a escolha do tema, extraído do Apocalipse, precedida
de uma longa reflexão: “no centro da praça, de um lado e de outro do rio, estão as
árvores da Vida que dão doze vezes fruto, uma em cada mês; e as suas folhas podem
curar os pagãos”. (NÉRET, 1998, p. 57).
Fig. 103 – Foto do interior da Capela de Vence.
105
Fig. 104 – A Via Crucis, c. 1950.
A caligrafia desordenada das várias cenas da Paixão busca um efeito geral e
expressivo no observador antes de tornar legível o tema do ponto de vista narrativo.
Fig. 105 – Foto de Matisse, 1950.
Fig. 106 – Foto do interior da Capela de Vence.
Nessa obra, Matisse tentou recuperar a pureza de uma inocência perdida: a
harmonia da cor se produz fisicamente através da luz colorida dos vitrais, que atinge os
painéis e prolonga o espaço até o infinito, sugerindo, assim, a noção do sagrado.
106
É uma capela de convento, e apesar de tudo dei, creio eu, a idéia de uma
imensidão que toca o espírito e até os sentidos. O papel da pintura, penso eu, o papel
de toda a pintura decorativa é aumentar as superfícies de modo que não mais se sintam
as dimensões da parede. (MATISSE, 2007, p. 314).
Fig. 107 – Quarto de Matisse, Nice, c. 1952.
Para os paramentos litúrgicos, Matisse desenvolveu uma série de estudos, feitos
com imensas folhas de papel, recortadas em formas semicirculares, seguindo o corte das
vestimentas. Os modelos, desenvolvidos e dispostos nas paredes do estúdio em Nice,
proporcionavam uma visão deslumbrante aos visitantes, lembrando gigantes borboletas,
sobre as quais o artista distribuiu recortes, cujas formas simples e singelas de flores,
folhas, frutos, borboletas, estrelas se juntavam aos símbolos religiosos.
O desenho da porta do confessionário, por sua vez, se assemelha às tramas do
tecido islâmico Moucharabieh, que fazia parte da coleção de Matisse. Objeto que,
durante sua trajetória, muito o inspirou na criação de suas pinturas e desenhos, se
materializou numa esplêndida peça de decoração para a capela de Vence.
A obra de Matisse não estacionou uma vez que alcançou a maturidade, mas
persistiu numa trajetória ascendente e perfeitamente fixada desde seu início até
concretizar os objetivos finais. Para Matisse, a arte imita a natureza, pelo caráter vivo
que um trabalho criador confere à obra de arte. Com isso, sua busca pela verdade e
pela liberdade de criação sempre foi permeada por amor e generosidade, revelando, no
entanto, a grande capacidade do artista de se reinventar, na medida em que suas obras
produzem sem cessar novos sentidos.
107
Fig. 108 – Foto da porta do confessionário,
Capela de Vence.
Criar é próprio do artista – onde não há criação não há arte. Mas seria um
engano atribuir esse poder criador a um dom inato. Em matéria de arte, o autêntico
criador não é apenas um ser dotado, é um homem que soube ordenar em vista de seus
fins todo um feixe de atividades, cujo resultado é a obra de arte. (MATISSE, 2007, p.
370).
108
3. A REVELAÇÃO DA BIBLIOTECA DE TRABALHO E A
CONSOLIDAÇÃO DE UMA LINGUAGEM MATISSIANA
O amor é para ser reinventado, nós sabemos.
Arthur Rimbaud.
Fig. 109 – Matisse em seu apartamento, Nice, 1940.
Como um genuíno fruto da sociedade moderna capitalista, urbana e industrial,
Matisse escolheu um gama enorme de objetos do mundo burguês para serem retratados
em suas obras, construindo suas pinturas de interiores, repletas de fantasias da
intimidade burguesa. Tapeçarias extravagantes, almofadas, cortinas, poltronas, espelhos
com molduras rococó, porcelanas, vasos de flores e objetos revestidos de padrões
decorativos exuberantes, que faziam parte da sua biblioteca de trabalho, reforçavam a
atmosfera de estupor em suas pinturas. Na tentativa de nos lembrar da real dimensão
terrena da existência, o artista criou cenas magnífícas e luxuosas, investigando novas
fronteiras entre realidade e ficção, em que os conceitos de tempo e o espaço entravam
num estado de suspensão, no contrafluxo da modernidade.
Sob essa sucessão de momentos que compõem a existência superficial dos seres
e das coisas, e que os reveste com aparências mutáveis que logo desaparecem, pode-se
buscar um caráter mais verdadeiro, mais essencial, ao qual o artista se prenderá para
dar uma interpretação mais duradoura da realidade. (MATISSE, 2007, p. 41).
Se inicialmente a inspiração poderia decorrer dos temas literários, remetendo a
fantasias idílicas, a fim de transportar o espectador para universos distantes, guardados
na memória de tempos longínquos e embalados por um ritmo primordial, a partir da
109
Primeira Guerra Mundial, esses mundos tornaram-se impossíveis de ser imaginados.
Matisse buscou, então, construir suas cenas a partir da realidade, repleta de objetos
retirados do mundo ao seu redor, como fonte de pesquisa para uma nova fase de
trabalho.
Dessa forma, inscrito num mundo assolado e perplexo por duas Grandes Guerras
Mundiais, Matisse ancorou-se no trabalho, criando um universo próprio de interação,
em que nenhuma parte do todo era considerada isoladamente. No coração criador do
artista, o espaço interior e o mundo exterior estavam sintonizados e em ressonância um
com o outro. Paradoxalmente, construía uma imagem de um mundo luminoso, visto
além de suas janelas, que pareciam querer integrar as realidades arduamente construídas
por ele.
A batalha na qual Matisse estava engajado era com a sua própria arte e seu papel
como artista, diante de um mundo fragmentado e destruído. Guardando suas ansiedades
e angústias para si, desejava mostrar a beleza do mundo e a alegria de pintar. Como
descreve o crítico de arte David Sylvester (1924-2001) em seu livro (2006), “Matisse
era um dândi entre os pintores, do tipo que se esforça ao máximo para obter uma
aparência casual. Ele queria que o público se interessasse não pela face sofrida do
artista, mas pela face radiante da obra”.
Com o advento da revolução industrial e o surgimento de um mundo pautado no
materialismo e utilitarismo, em que a classe burguesa incrementou a demanda por
objetos de luxo, fonte de admiração e deslumbramento, os ornamentos tornaram-se uma
necessidade na vida humana.
No mundo civilizado, a beleza do efeito e da decoração não é um luxo, como o
aquecimento e o vestuário não são luxos em outros estágios. A mente, assim como o
corpo, faz tudo o que é necessário para se deliciar permanentemente. O ornamento é
uma necessidade da mente, que gratifica através do olho; no seu sentido estritamente
estético, tem uma analogia perfeita com a música, que gratifica a mente através de
outro órgão – o ouvido. (PAIM, 2000, p. 20).
110
Fig. 110 – Objetos da coleção de Matisse.
Matisse permanentemente se cercou de modelos e objetos, cuja plasticidade de
formas o instigava a trabalhar, criar e recriando novas histórias. Desejava apreendê-los e
compreendê-los, além de captar sua essência, interiorizá-los, assimilando cada detalhe, e
depois devolvê-los para o mundo, retrabalhados pela sua sensibilidade. Nesse sentido,
era fundamental para o artista estar bem próximo do seu rico repertório de formas, para
que, em seguida, durante o fazer da obra, pudesse afastá-los e retratá-los a partir da
memória.
As coisas não são, portanto, simples “objetos” neutros que contemplaríamos
diante de nós; cada uma simboliza e evoca em nós uma certa conduta, provoca de
nossa parte reações favoráveis e desfavoráveis, e é por isso que os gostos de um
homem, seu caráter, atitude que assumiu em relação ao mundo e ao exterior são lidos
nos objetos que ele escolheu para ter à sua volta, nas cores que prefere, nos lugares
onde aprecia passear. [...] O homem está investido nas coisas, e as coisas estão
investidas nele. (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 23).
Nesse sentido, à luz do pensamento de Merleau-Ponty, inovação para Matisse
esteve intimamente relacionada com a tradição ornamental e decorativa da sua região
natal. Ao longo de sua trajetória, desde os primeiros anos, como estudante em Paris,
Matisse colecionou uma gama enorme de materiais têxteis como tecidos, tapetes,
mantos, xales, toalhas, bordados e roupas.
Por outro lado, também faziam parte da sua coleção objetos cuja beleza das
formas lhe incitava a imaginação: aquários, jarros, canecas, fruteiras, vasos, ânforas,
conchas, espelhos etc. Objetos que, em suas mãos, tornaram-se importantes
instrumentos de trabalho de criação e, a cada momento, apareciam combinados entre si,
em diferentes arranjos, adquirindo com isso conotações bem originais. Para ele, eram
peças dotadas de força, vitalidade e franqueza, que o ajudavam a domar o vazio do
111
suporte em branco. Objetos que pertenciam à sua biblioteca de trabalho e compunham,
amorosamente, seu vocabulário, com o qual criou um idioma pessoal e inovador.
[...] eu nunca deixei o objeto. O objeto não é tão interessante em si mesmo. É o
meio que cria o objeto. Foi assim que trabalhei a vida toda diante dos mesmos objetos
que me traziam força da realidade, ao mesmo tempo levando meu espírito para tudo o
que esses objetos tinham percorrido, comigo e para mim. [...] O tema é um ator: um
bom ator pode atuar em dez peças diferentes, um tema pode atuar em dez quadros
diferentes com um papel diferente. Ele não é tomado em si, ele evoca um conjunto e
elementos. (MATISSE, 2007, p. 281).
Fig. 111 – Seis estados de Natureza-morta com magnólia, 1941.
Fig. 112 – Natureza-morta com magnólia, 1941.
Em Natureza-morta com magnólia (Fig. 112), umas de suas obras preferidas,
talvez por ter se dedicado longamente à sua execução, inclusive fotografando vários
estágios do processo (Fig. 111), Matisse concentrou-se sobre os diferentes elementos da
112
sua natureza-morta, para analisá-los, apropriando-se de todos os detalhes ornamentais:
as espirais da grande concha, as ranhuras do vasilhame para vinho, as alças do caldeirão
de cobre, a magnólia e suas folhas. Pode-se constatar, então, como cada um dos
elementos acaba por imobilizar-se frontalmente em volta da magnólia ornada pelo
caldeirão, como uma auréola.
Fig. 113 – Foto do apartamento, Nice, c. 1950.
Fig. 114 – O biombo mourisco, 1921-1922.
Os padrões decorativos, portanto, contribuíram para a realização de uma
linguagem matissiana. Eu sou feito de tudo que vi, comentou o artista, no final de sua
longa vida. A biblioteca de trabalho fazia parte do seu dia a dia, que, além de decorar
suas casas e ateliês, tornava a atmosfera exuberante e mágica, mas, sobretudo,
estimulava os anseios imaginários do artista. Constantemente, Matisse utilizou os
tecidos estampados e os diversos motivos decorativos para evocar estados em sua mente
e igualmente desejava evocá-los na mente do espectador, proporcionando-lhe uma
sensação de harmonia e felicidade, associada ao conforto e bem-estar, conceitos de
ordem burguesa, por excelência. Criou um universo onírico repleto de objetos de sua
coleção, a exemplo do interior luminoso e tranquilo na obra O biombo mourisco (Fig.
114).
A presença privilegiada desses objetos, que são um aspecto crucial nas
pinturas de Nice, e que, além disso, aparecem em lugar de destaque na totalidade da
obra de Matisse pelo menos desde os anos fauve, está por certo ligada a uma idéia de
felicidade associada ao conforto e ao bem-estar, sobretudo, à suprema estilização da
existência que se exprime numa visão de mundo cifrada em delicadas tramas de
padrões decorativos. (SALZSTEIN, 2009, p. 161).
113
Matisse tratou repetidamente o tema do ateliê e preencheu-o de objetos e
motivos decorativos que instigavam tanto sua sensibilidade quanto sua capacidade de
reflexão e criação, como a crítica de arte Sônia Salzstein escreve:
[...] Assim, a absorção tão irrestrita de Matisse nas exigências da pintura deulhe, em troca, um enquadramento, um objeto que a visão poderia suportar sem se
deixar saturar e dispersar, e que a ela auspiciava, como num fenômeno sinestésico, um
tempo condensado e rico, capaz de uma vez mais intensificar e reavivar as sensações
que o hábito rebaixava. [...] Talvez para Matisse, o motivo ateliê ou, mais amplamente,
aquela “pintura de interiores” da qual o ateliê era como uma súmula, constituísse a
chance única, a certa altura dos acontecimentos, de olhar a vida como criança – esse o
intuito tantas vezes procalamado pelo artista que se percebia numa época.
(SALZSTEIN, 2009, p. 150).
Consciente do seu papel como artista, desenvolveu um desejo de voltar às
origens, para o tempo de criança, indicando seu apreço por valores como pureza,
clareza, simplicidade, pela verdade dos sentimentos e da expressão.
Sonho com uma arte de equilíbrio, de pureza e tranqüilidade, sem temas
inquietantes ou preocupantes, ama arte que seja, para qualquer trabalhador cerebral,
quer o homem de negócios, quer o homem cultivado, por exemplo, um lenitivo, um
calmante mental, algo como um boa poltrona onde ele pode relaxar o cansaço
físico. (MATISSE, 2007, p. 47).
Fig. 115 – Foto da poltrona, 1920.
Fig. 116 – Trecho da carta de Matisse, 1942.
114
Fig. 117 – Poltrona rococó, 1946.
Fig. 118 – O braço, 1938.
Por isso, a obra de Matisse torna-se uma genuína representante da modernidade,
na medida em que, reiteradamente, utilizou produtos da nova cultura urbana de massa, a
fim de transmitir sua mensagem de pureza, clareza e simplicidade. Objetos,
preferencialmente decorativos, que, devido à constante demanda da sociedade por
novidades, encontravam-se fadados ao esquecimento, mas que eram recuperados por
Matisse e evocados amorosamente como personagens vivos, animados e eternizados,
nas suas histórias e cenários.
O repertório de materiais foi apelidado pelo escritor francês Louis Aragon
(1897-1982) de paleta de objetos. Matisse inclusive escreveu uma carta a Aragon, em
20 de abril de 1942 (Fig. 116), relatando como estava obcecado por uma cadeira em
estilo barroco veneziano, envernizada em tom de prata, que descobriu num antiquário.
Adquiriu a peça e retratou-a em diversas ocasiões, como na obra Poltrona rococó (Fig.
117). Se, por um lado, Matisse tinha a capacidade de impregnar os objetos
manufaturados com a sua própria vida interior, por outro, podia, igualmente, representar
o braço de uma das suas modelos com movimento e forma semelhantes aos do braço da
poltrona (Fig. 118).
A partir do momento em que empregamos conceitos para pensar sobre quadros
ou para atribuir-lhes significado, estamos usando a linguagem. A experiência de olhar
um quadro não tem tradução direta para a linguagem verbal, mas mesmo assim
falamos e escrevemos sobre ela necessariamente por meio da linguagem [...] A idéia de
uma linguagem da arte tem a vantagem de concentrar as atenções no próprio veículo
da pintura, os meios de representação, e parece ter sido, portanto um modo
115
particularmente apropriado de chamar a atenção para as principais preocupações da
pintura moderna. (FRASCINA, 1998, p. 15).
A valorização da ornamentação em Matisse foi reconhecida pelo pintor Maurice
Denis, não como uma finalidade da pintura, mas como uma etapa indispensável no
sentido de levar a pintura de volta a si mesma. Ao apreender um objeto com todos os
sentidos para, daí, transformá-lo em obra, Matisse inventava os próprios signos,
introduzindo-os na sua linguagem plástica. Os objetos eram selecionados basicamente
pelas respectivas propriedades plásticas, analisados tanto individualmente como nas
possíveis relações entre si.
Particularmente em Matisse, encontra-se acima de tudo a artificialidade, não a
artificialidade literária, que deriva do esforço de dar expressão a idéias; não a
artificialidade decorativa, como foi concebida pelos tecelões dos tapetes turcos e
persas; não, algo mais abstrato; a pintura além de qualquer contingência, a pintura em
si, o puro ato de pintar [...]. (Maurice Denis apud SALZSTEIN, 2009, p. 43).
Para Matisse, como os olhos são a janela do corpo, as janelas são os olhos da
casa, por onde recebe e percebe a luz. Analogamente, certa vez, Matisse falou que a
retina não passa de janela atrás da qual o homem se acha. Para ele, o pintor se
alimenta de luz para descobrir cores e formas, mas para organizar e articular a própria
visão recorre ao seu universo interior. Se o sol é a luz que dá vida à natureza, a luz
interior, emanada do coração e da mente do artista, vivifica suas obras.
[...] Já o artista ou o poeta possuem uma luz interior que transforma os objetos
para criar um mundo sensível, organizado, um mundo vivo que é em si mesmo o sinal
inequívoco da divindade, do reflexo da divindade. Ademais, é assim que se pode
explicar o papel da realidade criada pela arte e opô-la à realidade objetiva,
indiferentemente por sua própria essência. (MATISSE, 2007, p. 104).
Fig. 119 – Janela, Hôtel Régina, Nice, c. 1950.
116
Meu objetivo é transmitir minha emoção. Esse estado de alma é criado pelos
objetos que me cercam e reagem em mim: desde o horizonte até mim mesmo, eu
incluído aí. [...] Digo isso para explicar que a unidade realizada em meu quadro, por
mais complexa que seja, não é difícil de obter, pois ela me vem naturalmente. Penso em
apenas transmitir minha emoção. (MATISSE, 2007, p. 100).
Fig. 120 – Interior amarelo e azul, 1946. Fig. 121 – Interior vermelho de Veneza, 1946.
Inspirado em Natureza-morta com magnólia, trabalhou, então, numa série de
pinturas, em que aplicou o método do desenho para compor as cenas e os objetos vistos
de frente, bem próximos, ligados pelo seu sentimento, numa atmosfera criada pelas
relações mágicas da cor. Matisse tinha consciência de ter atingido um novo patamar
com a série de interiores de Vence, como na obra Interior amarelo e azul (Fig. 120),
Matisse inaugurou um novo espaço, em que desenhou livremente, com linhas negras, os
objetos, representados de maneira bem simplificada, sobre planos geométricos de cor,
dissociando desenho e cor, como se esta fosse elemento de uma colagem. A aparência
de espontaneidade desses quadros é resultado de um laborioso e lento processo.
Assim, a obra de arte é a conclusão de um longo trabalho de elaboração. O
artista se serve de tudo ao seu redor possível de alimentar sua visão interior quando o
tema que está desenhando deve aparecer em sua composição, seja diretamente ou PR
analogia. Então se coloca em condições de criar. Enriquece-se interiormente com todas
as formas que deve dominar, e que algum dia ordenará segundo um novo ritmo.
(MATISSE, 2007, p. 371).
117
Fig. 122 – Foto do apartamento, Nice. Fig. 123 – Natureza-morta com frutas, 1947.
Criar é exprimir o que temos dentro de nós. Todo esforço de criação autêntico
é interior. Temos também de alimentar nosso sentimento, o que se faz como auxílio dos
elementos que tiramos do mundo exterior. Aqui intervém o trabalho, por meio do qual o
artista incorpora, assimila gradualmente o mundo exterior até que o tema que está
desenhando se torne como que uma parte de si mesmo, até que ele tenha o tema dentro
de si e possa projetá-lo sobre a tela como sua própria criação. (MATISSE, 2007, p.
370).
Fig. 124 – Foto de Matisse, 1950.
Fig. 125 – Interior com cortina egípicia, 1948.
Matisse a usou para decorar, ordenar e compor suas pinturas, mas, igualmente,
transitou por terrenos bem mais ambíguos, ao deixar suas telas com impressão de
inacabadas e descontínuas, como em Mulher com colar de pérolas (Fig. 126). Com o
passar dos anos, remetendo às últimas telas de Cézanne, Matisse passou a deixar
aparentes áreas em branco, não pintadas, que, se por um lado, concedem luminosidade
às composições, por outro, assumindo sua incompletude, permite que o olhar do
118
observador percorra livremente a superfície, preenchendo em sua imaginação os
espaços vazio, como em Grande interior vermelho (Fig. 127).
Fig. 126 – Mulher com colar de pérolas, 1942. Fig. 127 – Grande interior vermelho, 1948.
A despeito da aparente artificialidade e superficialidade, a utilização de sua
biblioteca de trabalho referencia uma estratégia arguta para instigar um questionamento
sobre a efemeridade das coisas e das relações, impondo ao homem o sentimento de
distanciamento e estranhamento, diante da sociedade regrada pelo excesso de
materialismo. A obra de Matisse fundamenta-se na dialética entre aparência e essência,
entre o sensível e o inteligível. Ao construir, por meio de artifícios e jogos intelectuais,
cenas aparentemente espontâneas, ou até mesmo ingênuas e superficiais, mas que, na
verdade, embutem e camuflam uma reflexão sobre os valores de uma época, Matisse
traduziu a ideia descrita pelo jovem economista Karl Marx (1818-1883):
A desvalorização do mundo humano cresce em proporção direta ao aumento
em valor do mundo das coisas, O trabalho não apenas produz mercadorias; também
produz a si mesmo e aos trabalhadores como uma mercadoria, e o faz na mesma
proporção em que produz mercadorias em geral. Esse fato simplesmente significa que o
objeto que o trabalho produz, o produto desse trabalho, opõe-se a ele como algo
estranho, como um poder independente do produtor (Marx apud SALZSTEIN, 2009, p.
162).
Dessa forma, Matisse procurou, repetidamente, das mais diversas maneiras,
dispor de sua rica biblioteca de trabalho, para melhor compreender o mundo à sua
volta, mas, sobretudo, refletir sobre o seu papel como artista:
119
O papel do artista, assim como do cientista, consiste em apreender verdades
correntes que lhe foram constantemente repetidas, mas que para ele assumirão um
caráter de novidade e se tornarão suas no dia em que ele perceber o sentido mais
profundo delas. [...] O artista sempre ganha ao aprender sobre si mesmo. [...]
(MATISSE, 2007, p. 49).
Fig. 128 – Tapa da Polinésia, coleção Matisse.
Fig. 130 – Tecido africano, coleção Matisse.
Fig. 129 – Nu deitado com colar, 1935.
Fig. 131 – Nu deitado..., 1935.
É na expressão de ritmo que a atividade do artista será realmente criativa;
para chegar a isso, ele deve tender ao despojamento, e não ao acúmulo dos detalhes –
no desenho, por exemplo, escolher entre todas as combinações possíveis a linha que se
revelar plenamente expressiva, como que portadora de vida; buscar equivalências que
120
permitam a transposição dos dados da natureza para o próprio domínio da arte.
(MATISSE, 2007, p. 371).
A concepção do decorativo para Matisse refere-se à totalidade da composição
que deveria ser concebida de maneira indivisível, quer se tratasse de um desenho, de
uma pintura, de uma colagem ou mesmo de uma obra arquitetônica. Nesse sentido, a
linguagem plástica do artista foi composta de um sentido ornamental mais amplo e
abrangente.
Desde os primeiros anos em Bohain, quando os padrões ornamentais dos tecidos
lhe revelaram seus segredos, até o fim da vida, na realização da Capela do Rosário em
Vence, foram os objetos, por sua beleza e harmonia, que suscitaram permanentemente
novos significados, apoiando-o em suas dúvidas e incertezas. Formas e volumes
conflitantes eram subjugados numa coexistência serena e pacífica. Como escreveu Gilot
(1992, p.143), cada objeto tinha um papel a representar na obra de Matisse: “a
identidade de cada componente era mantida e ao mesmo tempo se fundia na unidade
lírica do todo”.
É nesse sentido, creio eu, que se pode dizer que a arte imita a natureza: pelo
caráter vivo que um trabalho criador confere à obra de arte. Então a arte aparecerá
tão fecunda e dotada desse mesmo frêmito interior, dessa mesma beleza resplandecente
que possuem as obras da natureza. É preciso um grande amor, capaz de inspirar e
sustentar esse esforço contínuo em busca da verdade, essa generosidade ilimitada e
esse despojamento profundo que se encontarm na gênese de toda obra de arte. Mas o
amor não está na origem de toda a criação? (MATISSE, 2007, p. 372).
Fig. 132 – Nu deitado no ateliê, 1935.
121
[...] Na arte do nosso tempo, a identidade do artista é um tema de importância
primordial. O conceito de arte como criação traz o artista literalmente para dentro do
quadro. Muitas vezes, o processo de construção da obra é o conteúdo do trabalho e as
ações do artista fornecem seu enredo. [...] e o agir do pintor e seu estado de espírito no
ato de pintar se revelam nas pinceladas, nos traços ou na repetição de formas
características. (ROSENBERG, 2004, p. 103).
Matisse achava que a realidade final do universo era a confiança inata na
coerência de tudo e queria tomar parte daquilo. Em oposição à realidade em que vivia, o
mundo interior de Matisse era forte, disciplinado e estável, como um abraço destemido
e ousado; mas assim mesmo nenhum círculo era completo, nunca um tema ficou
encerrado em uma tela. Nenhum limite era estabelecido e o tema podia se desenvolver
infinitamente na imaginação do observador.
Assumindo sua incompletude e imperfeições, reafirmava a idéia, por meio de
sua arte, da possibilidade de uma existência simultânea consigo mesmo e com o mundo,
encontrando, como relatou Aragon, “nas piores horas, nas próprias trevas, sua razão de
proclamar a luz”.
Nesse sentido, Matisse criou um idioma próprio, em que o ornamento compôs
um vasto e original vocabulário, permitindo sempre novos caminhos e novas
possibilidades de se fazer arte e, sobretudo, ofeecendo ao mundo uma lição de
liberdade, amor e coragem.
122
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Veja, eu sou como um hidroavião. Trata-se de fazê-lo decolar. Ele vai
conseguir porque tem flutuadores que o sustentam [...] Finalmente, ele voa. Não é com
seus flutuadores que ele voa. Depois de decolar, esquece os flutuadores. Não lhe
servem mais para nada. Os flutuadores podem representar qualquer coisa [...] O
Louvre, os mestres, tudo que conheci [...] Trata-se de se perder. (MATISSE..., 2009, p.
175).
Ao longo de uma vida dedicada às artes, Matisse transpôs os limites da tela e da
folha de papel e soube dar continuidade ao seu projeto artístico, traduzindo o uso do
ornamento em artifícios cada vez mais refinados, seja nas séries dos papéis recortados,
seja na decoração de espaços arquitetônicos, cuidadosamente desenvolvida por ele,
como os detalhes e os objetos decorativos da Capela do Rosário em Vence.
Se o olhar do artista reflete, por um lado, a época em que vive e, por outro, suas
próprias experiências, o meu objetivo foi o de trilhar o percurso pela vida e obra de
Matisse, procurando ressaltar suas escolhas poéticas em relação aos seus espaços
pictóricos. No caso do ornamento, que compreende em Matisse, além dos padrões
decorativos, todas as outras formas existentes em suas composições, foi uma maneira
eficaz de o artista conquistar unidade, equilíbrio e harmonia em sua obra.
Matisse era um mestre da liberdade; seguindo-o, cada indivíduo tinha que
decidir por si o que era liberdade. Sua opção foi a de permanecer fiel ao seu próprio
ideal de pacifismo. Uma preocupação que revela sua sensibilidade em amenizar as
angústias de uma época de profundas transformações, incertezas e ruptura, sem deixar,
no entanto, de expressar a materialidade do espaço da obra. O processo criativo em
Matisse é analogamente construído a partir da colagem de diferentes espaços e
realidades, criados por ele mesmo, ordenando, harmoniosamente, coisas heterogêneas.
O artista combinou as propriedades dos meios em si, vinculando a sensação ao
decorativo para reunir o espaço da obra ao espaço do observador e, para tal, não poupou
esforços, utilizando inclusive carvões afixados em longas varas de madeira ou
mandando pintar enormes folhas de papel com guaches coloridos para, em seguida,
recortá-las, criando sua própria matéria. O prazer matissiano de criar levou-o à
simplicidade de meios e processos. Tal síntese contribuiu para fazer sua pintura
transbordar os limites do suporte e abriu caminho para um pensamento decididamente
moderno.
123
Matisse, como um grande disponibilizador de mundo da arte moderna,
representa, sobretudo, um estado de espírito e uma atitude, gerando, continuamente,
campos artísticos mais amplos. Desde o fim da década de 1940 até hoje, a obra de
Matisse não deixou de ser amplamente revisitada. Em Matisse, consolidou-se a ruptura
das fronteiras entre arte e vida, na medida em que sua obra abrange territórios e espaços
reais do mundo, inclusive incrementando a relação com o cotidiano e integrando o
aspecto decorativo em novas possibilidades estéticas, que ampliam os conceitos da arte
no espaço e no tempo. Não é esse o verdadeiro sentido de uma obra de arte?
A obra é a emanação, a projeção de si próprio. Meus desenhos e minhas telas
são partes de mim. Seu todo constitui Henri Matisse. A obra representa, ela expressa,
ela perpetua. Eu poderia afirmar, também, que meus desenhos e minhas telas são
verdadeiras crias. Quando o artista morre, ele se desdobra. Certas vidas de artistas são
breves, [...] Mas essas pessoas se interpretaram exaustivamente e desapareceram
plenamente representadas. Não deixaram de existir, e existirão por muito tempo ainda.
Um artista tem a obrigação de se expressar exaustivamente, desde o início de sua
carreira. Assim, ele não envelhece. Se for sincero e construtor, terá um eco poderoso
nas gerações futuras. (A André Vervet, 1952) (MATISSE..., 2009, p. 181).
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