Apresentação a Convite à navegação, uma

Transcrição

Apresentação a Convite à navegação, uma
Beatriz Weigert – Susana - 2012
1
Apresentação a Convite à navegação,
uma conversa sobre literatura portuguesa
Professora Doutora Beatriz Weigert
(Universidade de Évora/CLEPUL)
Susana Ventura, com o título Convite à navegação: uma conversa sobre
literatura portuguesa, com ilustrações de Silvia Amstalden, atrai o leitor,
acenando com excursões aéreas, terrestres e marítimas para ensinar arte
literária. Maneira sedutora de prender a atenção, enquanto abre o mapa e
descortina o espaço, sinalizando, pelo sumário, os pontos da visita. Partindo
da apresentação do motivo da viagem, há a navegação aérea, divisando um
território, e logo, porto a porto, a navegação marítima, sua expansão e
abrangência, incluindo paragem terrestre. É estudo de obras literárias,
contudo apanhado de Geografia e História, acrescido de Sociologia e
Linguística. Assim tanto quanto o estudo sobrevoa a totalidade da região,
recorda aquisição e conquista, disputa e posse, hierarquia e saber,
comunicação e diferenciação da expressividade.
São doze capítulos que dão conta da Literatura, desde a formação do
idioma, na hibridez dos termos, até à composição de verso e prosa,
encarecendo a oralidade, valorizando a escrita, recolhendo fontes,
constatando influências. Estudam-se, neste trabalho, os períodos literários do
Trovadorismo, do Humanismo e do Classicismo, evidenciando imagens que
repercutem no Modernismo e na Contemporaneidade. Nesse caminho,
encontram-se nomes reverenciados, como Alfonso X, Dom Dinis, Fernão Lopes,
Gil Vicente, Camões, Fernando Pessoa e José Saramago.
No primeiro capítulo, “Uma conversa sobre viagens e o convite à
navegação”, Susana Ventura, insistindo na metáfora, inquire sobre o modo
como se inicia uma viagem por mar, e alerta sobre a “preparação prévia”.
Assim, é navegação no espaço, e é navegação no tempo: recuo ao antes para
apreender o depois. Orienta sobre a viagem, mas é a estratégia do ensino que
está aí demonstrada. A Professora expõe o próprio método: a preparação
prévia, conforme diz o segundo capítulo “Antes de tudo... sobrevoando o
território europeu”. E este “antes de tudo” é o “antes” da lição de Literatura.
Aqui, a escritora contextualiza: delimita a geografia, resgata a história,
examina a organização da sociedade, os meios e modos de transmissão do
saber. Recua na História, para trazer o projeto linguístico, o galegoportuguês, que se registra em documentos como Notícia de Fiadores, de 1175;
Testamento de Afonso II, de 1211; Notícia de Torto, de 1214. Requisitada é a
presença de Alfonso X, conhecido como o rei sábio. Atento a todas as formas
da cultura, da astronomia à poesia, este rei documenta e fomenta o
conhecimento, como diz Susana Ventura, “preparando o terreno para o
florescimento científico e humano que iria ter como consequência a aventura
das navegações”.
Pelo terceiro capítulo, Susana introduz o tópico [“das águas doces”] da
poesia, para encetar, no quarto capítulo, “Uma viagem por terra: rumo à
Provença”. Trata-se aqui de estudar o Trovadorismo, a lírica dos trovadores
provençais a exercer influência na Europa do século XII. Susana Ventura
ilustra sua exposição, com o extrato do poema Chantars no pot gaire valer, do
século XII, de autoria do trovador Bernart de Ventadorn. Poesia aristocrática
Beatriz Weigert – Susana - 2012
2
dos castelos, a mulher sendo elevada à posição de “senhora”, constitui o
centro simbólico da poesia e o código de comportamento do “amor cortês”. O
tema é o da mulher amada, inacessível, reunindo-se a esse item o culto à
Virgem Maria.
Mudança de mentalidade em toda a Europa, registra Alfonso X o
momento de convidar trovadores ao seu reino e contratar jograis, os músicos,
para executar, inclusive, o repertório do rei. Alfonso X protege e patrocina
esses artistas do trovadorismo, sendo ele compositor e amante da poesia
cortês. Consideram-se as Cantigas de amigo, amor e maldizer, mandadas
reunir, provavelmente por Alfonso X, nos Cancioneiros.
O quinto capítulo, “Sonhando a navegação: plantam-se os pinheiros”,
focaliza o sucessor de Alfonso X, neto que se eterniza como grande trovador.
Este é Dom Dinis, rei que, tendo cantado no idioma galego-português,
determina o uso do português como língua oficial. Sua ação exerce-se em
diferentes áreas: ensino, comércio e agricultura. No ensino, ao promover o
Estudo Geral, planta a semente da Universidade. Ao comércio e à agricultura,
atribui incentivos, mesmo decidindo a plantação de pinheiros em terras
alagadas. Com essa iniciativa, prepara o futuro das navegações, desenha a
história do projeto marítimo dos portugueses.
Em “Um outro mar: mar de histórias”, vêm as narrativas em prosa e
verso. Aqui Susana refere os cantares de gesta, as narrativas épicas, Cantares
del Mio Cid, Cavaleiros da Távola Redonda, a Demanda do Santo Graal. Essa
literatura importada retém influência na literatura de Portugal que, na épica
jogralesca, consagra a Lenda de Dom Afonso Henriques.
A seguir, lê-se “Construindo a embarcação, fixando a História”. Neste
capítulo, a ensaísta ressalta Fernão Lopes, escrivão e notário, eternizado pela
História de Portugal como o primeiro grande cronista português. Fernão Lopes
pode ter presenciado, em criança, o cerco de Lisboa por Castela. Sua obra
maior é a Crónica de D. João I.
O oitavo capítulo do livro de Susana Ventura tem por título “Enfim,
navegando, porque é preciso”. Aqui a escritora recorda a expansão
ultramarina, desde a conquista de Ceuta, em1415, até ao desaparecimento de
Dom Sebastião, na Batalha de Alcácer-Quibir, em 1578. Conquista relevante
sobre o mar tenebroso é a ultrapassagem do cabo Bojador em 1434. Século de
Ouro Português, marcam-se fatos e feitos determinantes para a supremacia de
Portugal na História do Mundo. A expansão ultramarina, com início no século
XV, impõe o estabelecimento do Império Português, domínio que se encerra
com a descolonização em 1975.
O nono capítulo, “Na barca”, apresenta o sucessor de Fernão Lopes, na
História da Literatura Portuguesa. Nasce Gil Vicente, a voz que inaugura o
teatro em Portugal, sendo ele o maior dramaturgo do Ocidente em seu tempo.
E então Susana Ventura sugere a viagem “na barca”, diz ela, em “várias
barcas”. Inaugurada sua obra na corte Portuguesa em 1502, ao nascimento do
Príncipe, com Auto da Visitação ou Monólogo do Vaqueiro, a partir dessa
peça, desfilam-se títulos de obras e de personagens que se cristalizam na
memória de Portugal.
Com “Ainda uma pequena excursão terrestre: Itália do Renascimento”,
décimo capítulo, a Professora Susana lembra a Itália como berço do
Renascimento. Este fato devendo-se ao incremento do comércio, é a poesia
épica almejada como projeto de exaltação das conquistas.
Beatriz Weigert – Susana - 2012
3
“Por mares nunca dantes navegados: Luís de Camões, Os Lusíadas e
algo mais” intitula as considerações da Professora Susana sobre a epopeia e
sobre seu autor. A designação Lusíadas, conforme Segismundo Spina e
Evanildo Bechara, que Susana cita, emprega-se em Portugal pela primeira vez
por André de Resende, em 1531. No exemplo de Virgílio com a Eneida, a
significar a epopeia do herói Eneias, Lusíadas corresponde aos feitos gloriosos
do povo luso.
E então Susana Ventura conclui seu trabalho com uma despedida:
“Adeus, adeus: embarcando numa certa jangada”. A metáfora da viagem
explicita-se, nesse título, com o verbo sublinhando o étimo da “barca”, de Gil
Vicente, e com o substantivo “jangada” a provocar memória e sensibilidade
na saudade do nobel Saramago da Literatura. Assim, na vertente dos períodos
literários estudados, a Professora traz, de longe, símbolos e temas, para
sublinhar a repercussão das imagens na Literatura mais próxima. Com esse
objetivo, Susana cita Mensagem, livro de revisitação da História de Portugal,
da autoria de Fernando Pessoa. Diz Susana: “a imensa aventura da expansão
marítima não foi realizada sem dores, como refletiu Fernando Pessoa no
poema “Mar português”. “Quanto do teu sal, São lágrimas de Portugal”.
Lágrimas que se vertem ainda em diferenciadas circunstâncias, não sendo
apenas portuguesas, mas de muitas nacionalidades, de acordo com a expansão
marítima nos diversos países. E diz Susana: “ A literatura em língua
portuguesa floresceu em quase todos eles, dando à literatura mundial,
somente a partir do século XX, nomes notáveis como os de Machado de Assis,
Guimarães Rosa, Luandino Vieira, Pepetela, José Craveirinha, Luís Carlos
Patraquim, Mia Couto, Paulina Chiziane, Abdulai Sila, Conceição Lima,
Armênio Vieira, Fernando Pessoa, Florbela Espanca, Agustina Bessa Luís, José
Saramago entre tantos outros que nos encantam já, ou que estamos por
descobrir”.
E é, em 1986, que, na inventividade de José Saramago, a Jangada de
Pedra singrará o oceano. Na voz de Susana, sabe-se que o escritor “sonha com
uma Península Ibérica novamente unida e voltada para si mesma”, na
expectativa de transformar a península/ilha em uma “jangada de pedra” que
se fixe perto das colônias na África e na América Central e na América do Sul.
Em seu romance, Saramago recupera elementos da Literatura Universal,
invocando o realismo mágico patente em Carpentier que ajuda a sonhar com o
futuro, apondo a epígrafe “Todo futuro es fabuloso”.
Completa-se o livro. E assim, tendo aceito o Convite à Navegação que
Susana faz, e tendo ouvido Uma conversa sobre Literatura Portuguesa, que a
Professora expõe, deve-se ressaltar o modo inteligente com que Susana
Ventura desenvolve seus temas. Navega-se em águas caudalosas, com ventos
favoráveis. Como o título promete, Susana faz o convite à navegação e
conversa sobre literatura. Sendo convite, a Professora aposta na aceitação dos
receptores e, por essa confiança, dirige-se aos leitores de maneira fluente.
Susana conversa mesmo com seu leitor. Chama-lhe a atenção para esse e
aquele aspecto da literatura. Provoca a confirmação do interesse, por meio da
função fática da linguagem. E as lições que Susana ministra atestam pesquisa
e estudo. Ao longo da navegação, a Professora vai invocando e evocando
antecessores mestres e doutores das letras, das ciências e das artes.
Bibliografia apropriada sustenta as afirmações, trazendo notas sobre
conceitos, fatos históricos e posições ideológicas. Aponte-se a ilustração
Beatriz Weigert – Susana - 2012
4
convidativa dos quadros de Silvia Amstalden, remetendo aos momentos da
navegação que Susana propõe. Excelente viagem! Retorna-se ao dia-a-dia com
os tesouros acumulados nesta conversa sobre Literatura Portuguesa. Parabéns
à Susana e à Silvia por essa realização de sucesso! Parabéns à Editora
Peirópolis pela iniciativa e principalmente, parabéns aos leitores que têm o
livro em mãos!