notícias - Ordem dos Notários

Transcrição

notícias - Ordem dos Notários
Nº1 | JANEIRO 2007 |
MENSAL | 3€
Notário Electrónico_
o notário do séc. XXI
CASA SIMPLES, CASA SEGURA_
tudo sobre o novo projecto
| ordem dos notários JANEIRO 2007
ACTIVIDADE NOTARIAL E REGISTRAL
NA PERSPECTIVA DO DIREITO PORTUGUÊS_
doutor j. a. mouteira guerreiro
ordem dos notários
número 01 _ janeiro 07
proprietário
ordem dos notários
morada
rua dos sapateiros, 158 - 5º,
1100-577 lisboa
director
joaquim barata lopes
director adjunto
antónio alves soares
sub-director
jorge oliveira lopes
editor
rogério bueno de matos
editor adjunto
adriana vale
redacção
luís miguel baptista
paula castelo-branco
editor fotografia
rui dias
secretaria de redacção
e documentação
ana fernandes
helena correia
produção
marina vaz
assistencia de produção
e assinaturas
clara barata
publicidade
irina alves
elizabeth caboz
grafismo e paginação
vivóeusébio - colectivo de design
sede de redacção
rua da artilharia um, 39 - 1º dto
1250-007 lisboa
nº de registo na e.r.c.
_
depósito legal
253192/07
nº contribuinte (prop.)
507680316
tiragem
5000
periocididade
mensal
tipografia e morada
lince artes gráficas,
pol. ind. ctra. de carrion
naves 110b y 110d
13005 ciudad real
conteúdos
04 _ notícias
| ordem dos notários JANEIRO 2007
notariocert:
o notário do séc. XXI
22 _ entrevista
a joaquim barata lopes,
bastonário da ordem dos
notários
30 _ artigo científico
doutor j. a. mouteira guerreiro
42 _ internacional
cnue - processos por
incumprimento movidos
pela comissão europeia
46 _ legislação
48 _ a fechar
por antónio alves soares
50 _ lazer
editorial
Pouco a pouco se vai construindo o Edifício Notarial, com base no projecto original, é certo, mas com as
alterações e contributos que os seus executores vão introduzindo!
A revista que hoje se publica, pela primeira vez, faz parte desse projecto e consubstancia a concretização
de mais uma importante fase da obra, que vai assumindo forma e dimensão tais que são cada vez menos
aqueles a quem passa despercebida ou é indiferente.
Este edifício, que está longe de estar concluído e nem sequer está ainda suficientemente escorado para
resistir às intempéries e outros fenómenos que frequentemente o abalam, já vai, no entanto, em fase
adiantada de construção e apresenta condições de funcionamento invejáveis (e invejadas).
O Estado, com o Decreto-Lei n.º 26/2004, de 4 de Fevereiro, procedeu à reforma do notariado português,
ou, melhor ainda, à modernização do notariado, através da implantação de um regime de notariado latino, por forma a que, como expressamente ficou consagrado no Preâmbulo do referido diploma legal, as
competências notariais fossem exercidas “com mais eficiência por profissionais liberais, que ao mesmo
tempo prestam um serviço de melhor qualidade e com menores encargos para o erário público”.
Optou o Estado por um tal sistema de notariado, desde logo, porque “cada sistema notarial deve traduzir
o modelo de sociedade e o sistema de Direito vigentes. E tanto a fisionomia que a actual Constituição
Portuguesa confere à primeira como a raiz romano-germânica do segundo impõem a consagração entre
nós do modelo de notariado latino”, conforme se lê no mesmo Preâmbulo.
O Decreto-Lei n.º 27/2004, da mesma data, criou a Ordem dos Notários, já que “a nova classe profissional assume especial relevância no desempenho da Justiça, quer pela sua especial vocação na prevenção
da conflitualidade e, por isso, na pacificação da sociedade, quer pelo decisivo contributo na introdução
dos valores de certeza e da confiança numa economia de mercado cada vez mais concorrencial e em
permanente mutação. O conteúdo da função de notário prende-se directamente com quase todas as
relações jurídico patrimoniais das pessoas e com as estruturas das empresas”. É, pelo menos, o que se
declara no Preâmbulo respectivo.
Estes dois diplomas e os fundamentos neles expressamente invocados, constituíram as bases em que
assentou a construção do Edifício Notarial, que cedo, porém, ainda mesmo numa fase inicial da sua
construção, começou a ser fortemente sacudido pelo mesmo Estado que o criou.
O chamado Simplex constituiu, até ao momento, o maior abanão e, no Preâmbulo do Decreto-Lei 76A/2006, o legislador, em representação daquele Estado que fez aprovar os diplomas de 2004, escreve
que “torna facultativas as escrituras públicas relativas a actos da vida das empresas (…) evitando-se,
desta forma o duplo controlo público que se exigia às empresas através da imposição da obrigatoriedade
de celebração de uma escritura pública no cartório notarial e, posteriormente, do registo desse acto na
conservatória do registo comercial, quando a existência de um único controlo público de legalidade (leiase, o da conservatória, como resulta claro de todo o diploma) é suficiente para assegurar a segurança
jurídica”. Desta forma, quando uma empresa pretenda utilizar um processo mais complexo e minucioso,
pode utilizar os serviços do cartório notarial, aí celebrando uma escritura pública e, depois, solicitar o
registo do acto na respectiva conservatória. Se, ao invés, pretender utilizar um procedimento mais célere
e barato, que é igualmente apto para assegurar a segurança jurídica do acto pretendido, o Estado passa
a garantir a possibilidade de praticar esse acto num único local” (leia-se, de novo, a conservatória do
registo comercial).
Afinal, na hora de encorajar os notários a trocar o funcionalismo público pela iniciativa privada, o Estado
proclamou a utilidade da função notarial, designadamente, por a segurança que confere ser imprescindível à economia de mercado; no momento seguinte e depois de aceite o repto, proclama a inutilidade do
papel do notário e desaconselha, expressamente, o recurso aos seus serviços!
É esta a atitude do Estado Português, apesar de não nos termos dado conta de que o princípio da
protecção da confiança, princípio estruturante da nossa Constituição, tenha deixado de constar da Lei
Fundamental.
Até agora a construção tem resistido e avançado, de forma reconhecidamente meritória, naturalmente,
com dificuldades acrescidas: as que sempre decorrem de um processo normal de construção de um
edifício desta grandeza; e as que resultam da necessidade de o proteger dos safanões sucessivos, de que
é alvo, à medida que a construção avança.
Parece que o arquitecto principal se arrependeu do projecto que criou e pretende agora demolir o edifício,
arrastando na queda todos aqueles que, a convite e incentivo do próprio, o ocuparam, fazendo fé na
solidez da construção que por ele foi garantida.
Agora, de duas uma: ou o edifício acaba mesmo por ceder à acção dos buldôzers e cai; ou então robustece-se de tal forma que só um abanão à escala nuclear poderá vencê-lo.
A ver vamos!
| ordem dos notários JANEIRO 2007
[joaquim barata lopes]
notícias
O NOTÁRIO DO SÉC. XXI
| ordem dos notários JANEIRO 2007
ordem dos notários investe na autenticação electrónica
“A Ordem vê a
rede de
notários como
Notariocert, o notariado do futuro
A Ordem dos Notários criou a Notariocert, uma
empresa que emite certificados digitais e aguarda
aprovação do Gabinete de Segurança Nacional, para
funcionar como entidade certificadora credenciada.
Segundo Joaquim Barata Lopes, bastonário da ON, “ Uma
das razões do sucesso do notariado em toda a Europa, mesmo nos antigos países de Leste, onde o notariado tem vindo
a afirmar-se como profissão liberal, deve-se ao facto de os
notários estarem sempre na vanguarda do desenvolvimento.
São os próprios notários que tentam encontrar soluções
para as novas necessidades do cidadão, das empresas, em
suma, do público para o qual estão vocacionados em termos
de serviço”.
O comércio electrónico e a comunicação electrónica, a que o
cidadão recorre cada vez com maior frequência, “não retiram
importância ao notário, bem pelo contrário, requerem mais
| ordem dos notários JANEIRO 2007
Em Portugal, prevê-se a utilização de documentos em
suporte informático, vulgarmente designada por
processo de desmaterialização. Todavia, na perspectiva
da Ordem dos Notários (ON), exige-se a criação das
necessárias condições de segurança, para além das que
já são fornecidas por outras sociedades que emitem
certificados digitais.
O programa, agora em desenvolvimento, será conhecido
por Notariocert, nome da sociedade constituída em
parceria entre a ON e, de entre outros parceiros, a Prológica. Este projecto vai permitir ao notariado adaptar-se
às novas exigências do mercado.
notícias
| ordem dos notários JANEIRO 2007
Este projecto vai permitir, no futuro, “celebrar
verdadeiras escrituras públicas electronicamente,
estando as partes em locais diferentes do país ou do
espaço europeu.”
do que nunca, na nossa perspectiva, a sua intervenção”,
diz o bastonário. Este tipo de comércio “só tem alguma
probabilidade de ser bem sucedido e de ir progredindo se
estiverem associadas garantias de segurança”, acrescenta. Estas garantias só serão verdadeiramente asseguradas com a criação de uma entidade certificadora
credenciada, neste caso a Notariocert.
“É importante dotar o notariado dos meios necessários
para que possa conferir ao referido comércio as mesmas
garantias de segurança que actualmente são verificáveis
no comércio jurídico tradicional. E o caminho passa,
numa primeira fase, pela criação da nossa própria
entidade certificadora, destinada a emitir certificados
digitais qualificados, mediante a credenciação da nossa
entidade junto do Gabinete de Segurança Nacional”, diz
ainda Barata Lopes.
Este projecto vai permitir, no futuro, “celebrar verda-
deiras escrituras públicas electronicamente, estando
as partes em locais diferentes do país ou do espaço
europeu.”
O sistema funciona com a disponibilização de uma assinatura electrónica que terá uma dupla chave. Uma chave
pública, utilizada quando se manda uma mensagem e
uma chave privada que é cifrada. Estas duas chaves têm
de encaixar uma na outra para que possam ser utilizadas.
Bunker secreto
O sistema ainda não está operacional, pois está agora
em construção um bunker– a sua localização é secreta
–, especialmente concebido para albergar os computadores, com o software necessário para desenvolver esta
actividade em segurança.
O material ocupa uma sala inteira, à imagem e semelhança dos primeiros computadores que funcionaram em
Portugal. A sua capacidade, no entanto, está a anosluz de distância. E o software utilizado é o que está em
funcionamento actualmente na NASA.
Segundo a direcção da Ordem dos Notários, tudo indica
que este sistema poderá ser utilizado já no próximo mês.
O notário terá de se inscrever no site que será criado
especialmente para esse fim e aderir ao sistema.
Duplicação no estrangeiro
Para garantir uma maior segurança, está a ser estudada
a duplicação dos dados inseridos neste sistema e o seu
armazenamento no estrangeiro, de forma a evitar a
perda da informação, mesmo em casos de catástrofe
natural, como um terramoto. Em agenda, está também
uma futura parceria de intercâmbio com Espanha para
permitir que os espanhóis armazenem em território
nacional as cópias das suas bases de dados.
A ON é detentora de uma parte significativa do capital
social da Notariocert e espera fazer um investimento
“que rondará os 800 mil euros”, diz o bastonário, que
aproveita para sublinhar que esta “ é uma sociedade de
todos os notários, ou não fosse ela resultado do investimento da sua quotização. O que através dela for obtido,
será para benefício de todos os notários. Cada notário
constituir-se-á como entidade certificadora, ficando
habilitado a vender certificados digitais.”
Em tempos de incerteza, o notariado “tem que se precaver, criando, com inovação, instrumentos de trabalho que
compatibilizem o interesse público com a viabilização da
profissão.” Hoje em dia, acrescenta, “para que o notário
possa desempenhar em condições a sua profissão, de
acordo com as atribuições da lei, como seja a constituição de sociedades on-line e de registos comerciais via
Internet, é necessário dispor de certificados digitais.
| ordem dos notários JANEIRO 2007
Segundo a direcção da Ordem dos Notários, tudo
indica que este sistema poderá ser utilizado já no
próximo mês. O notário terá de se inscrever no site
que será criado especialmente para esse fim e aderir
ao sistema.
notícias
Duas batalhas e uma ilha deserta
A campanha de publicidade da Ordem dos
Notários gerou polémica. Começou com a
segunda guerra mundial, passou pelos westerns
e terminou com um náufrago famoso: Robinson
Crusoe
Mal começaram a ser publicados, os novos anúncios da Ordem dos
Notários foram alvo de reparos. Eduardo Homem, o criativo
responsável por esta campanha de publicidade da agência Caixa
Alta confessa, com uma pontinha de orgulho, que “ não estava à
espera de tantas reacções”.
A campanha, diz o criativo, inclui três anúncios diferentes. O primeiro recorda a segunda guerra mundial e foi inspirada no campo de
acção do notário. “ O conflito é a divisória que separa a intervenção
do notário da intervenção do advogado. O notário evita o conflito,
porque garante que os contratos entre as partes são celebrados de acordo com a Lei. Ele dá fé do cumprimento da Lei e não
representa, ou defende, nenhuma das partes”, acrescenta um dos
responsáveis por esta campanha. Na grande maioria das situações,
o advogado acaba por intervir só quando há litígio.
Com este anúncio, afirma Eduardo Homem, “ não se pretendia um
relato histórico fidedigno, mas dar uma imagem exagerada – como
é próprio da publicidade – para chamar a atenção das pessoas”. A
campanha ilustra a falta que um notário pode fazer para evitar conflitos entre duas partes. A intervenção do notário serve de garantia
de que a Lei será cumprida.
A segunda guerra ainda está muito presente na memória das
pessoas, e “é obvio que um notário não impediu nenhuma guerra
mundial. A sua intervenção poderá servir para evitar diferendos
entre empresas e pessoas”, refere ainda.
| ordem dos notários JANEIRO 2007
Índios e Cowboys
Seguiu-se a utilização da imagem de outro conflito: a mítica batalha
entre cowboys e índios. Neste caso sublinha-se o facto de o notário
não representar nenhuma das partes. Ou seja, “não está do lado
dos mais fortes: os cowboys. E não representa os mais fracos,
neste caso, os índios. Este anúncio delimita também a fronteira entre a acção dos notários e a de outras profissões jurídicas”, explica
o criativo.
Ilha deserta
Os anúncios também servem
para mostrar que o notário
não é aquela “personagem
cinzenta, um burocrata e
manga-de-alpaca”, imagem
que não corresponde ao notariado moderno e privatizado
| ordem dos notários JANEIRO 2007
Este percurso publicitário termina com mais uma situação inesperada, protagonizada por Robinson Crusoe, o personagem do célebre
livro de Daniel Defoe. O náufrago, que vive sozinho na sua ilha
não precisa de nenhum notário. Não tem de fazer contratos, nem
precisa de deixar a ilha aos seus herdeiros.
“E se, de repente, aparecesse um segundo náufrago?” pergunta o
autor, acrescentando: “ Só haveria duas soluções para este problema. A primeira seria matá-lo, agravando a solidão. A segunda, e
mais provável, teria de incluir a celebração de um contrato com o
segundo habitante da ilha. É neste momento que se coloca a
necessidade de encontrar um terceiro náufrago: o notário”, relata
o criativo.
A campanha tem três objectivos principais. Mostrar às pessoas
que o notário não é aquela “personagem cinzenta, um burocrata
e manga-de-alpaca”, - imagem que não corresponde ao notariado
moderno e privatizado, que trabalha com maior rapidez para satisfazer as necessidades dos cidadãos-, delimitar a sua actividade em
relação às outras profissões jurídicas e relançar o notariado. Parece
que conseguiu.
notícias
Site previsto para Fevereiro
Está para breve a entrada em funcionamento do site da Ordem dos
Notários (ON). Com a implementação de um site institucional, a
ON atingirá todos os objectivos a que se propõe, ou seja, fornecer
um conjunto de informação diversa e precisa sobre a sua actuação, não apenas para profissionais como também para o público
em geral.
Deste modo, será disponibilizada toda a informação institucional
relevante da entidade, ao mesmo tempo que serão divulgados e
promovidos os projectos levados a cabo pela Ordem.
Ao assumir-se como uma ferramenta de comunicação e informação fundamental para todos os notários e cidadãos, o site fará
uma apresentação do que é a Ordem dos Notários, com os seus
estatutos e estrutura orgânica, ao mesmo tempo que fornecerá
uma tabela de honorários e encargos, bem como uma pesquisa
de notários.
Ainda na área destinada ao grande público é fornecida toda a
ajuda de que necessita quem procura um notário, através de uma
área destinada a perguntas e conselhos.
Agenda
Por outro lado, há ainda uma área dedicada à Agenda (esta já
mais direccionada para os profissionais) onde é fornecida toda a
informação sobre congressos, cursos e formação, e ainda informação jurídica prática.
Nesta última área, estarão disponíveis para consulta dados sobre
compra e venda, sociedades, testamentos, doações, reconhecimentos, procurações e termos de autenticação, entre outros.
Existirá ainda uma área de legislação, com concursos públicos
e alertas sobre nova legislação, bem como uma zona dedicada
à imprensa e às publicações, onde estará disponível a revista da
Ordem.
Formação e defesa do consumidor
| ordem dos notários JANEIRO 2007
A associação de defesa do consumidor, DECO e a Ordem dos
notários estabeleceram um protocolo para a realização de acções
de formação. A primeira teve lugar no Hotel da Ericeira, no passado mês de Novembro.
Participaram nesta acção de formação perto de 90 notários, que
exercem a profissão em regime privado. Os temas abordados
foram “de carácter geral”, como disse Jorge Morgado, secretário
geral da DECO. A formação decorreu durante dois dias em internato e fez uma abordagem do duplo papel do notário. O notariado
como prestador de serviços ao cidadão e a sua função preventiva
na área da Justiça, que resulta do facto de ser equidistante das
partes, nortearam os assuntos estudados.
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Novos programas
A Ordem dos Notários e a DECO irão desenvolver mais acções
de formação cujo âmbito “poderá ser mais específico, como
por exemplo, sobre cláusulas contratuais gerais”, acrescenta
o secretário geral da DECO. Jorge Morgado faz questão de
sublinhar a importância destes protocolos de formação no
âmbito da privatização do notariado que, como afirma, “ a
DECO sempre defendeu”.
Casa simples, casa segura
O projecto “Casa Simples, Casa Segura” entrou
em funcionamento, na rede nacional de cartórios privados.
De agora em diante, num só espaço, o cidadão pode tratar de
todas as burocracias relacionadas com a compra e venda de casa
– obter caderneta predial, liquidar o IMT, requerer registo predial,
entre outras.
De acordo com o bastonário da ON, “a solução ‘Casa Simples,
Casa Segura’ assenta na simplificação de todos os actos relacionados com a compra e venda de imóveis e na possibilidade
do notário desencadear todos os procedimentos necessários à
aquisição de um imóvel, garantindo toda a segurança jurídica”.
“Ao optarem pela ‘Casa Simples, Casa Segura’, os cidadãos
deixam de tratar de qualquer documentação legal, cabendo essa
tarefa ao notário”, garante.
Marcar a diferença
Com esta iniciativa, a Ordem pretende “marcar a diferença”
e demonstrar que tem condições para levar à prática ideias e
projectos próprios que procuram a prestação de serviços de qualidade aos cidadãos e a viabilização do notariado privado.
O projecto “Casa Simples, Casa Segura” resultou do descontentamento da ON, com a recente decisão tomada pelo Governo
que excluiu os notários do projecto “Casa Pronta”, esvaziando de
conteúdo a sua função.
A Ordem reagiu pela positiva aos projectos do Governo, apresentando as suas próprias iniciativas e sublinhando a diferença
com o projecto do Executivo. O Governo anuncia intenções e os
Notários divulgam a execução do seu projecto.
| ordem dos notários JANEIRO 2007
Casa roubada
Esta acção resultou de voto unânime em três reuniões extraordinárias da ON convocadas para Lisboa, Porto e Faro.
Durante os trabalhos das reuniões, o Ministério da Justiça foi
acusado de ter “usurpado” o projecto Casa Simples.
Recorde-se que em Fevereiro de 2006, os notários submeteram
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notícias
propostas ao Governo e não obtiveram qualquer tipo de correspondência às suas pretensões. Porém, as mesmas propostas
vieram a servir de inspiração ao Executivo para o lançamento
do projecto Casa Pronta, sem contemplar a participação dos
notários.
“O notário é a única entidade que dá garantias de segurança
jurídica ao processo, que tem disponibilidade de meios humanos e
técnicos”, afirmou o bastonário da ON, Joaquim Barata Lopes, em
declarações publicadas nos jornais Diário de Notícias e Correio da
Manhã, ao criticar o facto de o projecto governamental dispensar
Chave na mão
Se quiser comprar ou vender casa pode tratar de toda
a burocracia no mesmo escritório, poupando tempo e
longas caminhadas entre várias repartições públicas.
O notário pode:
Pedir a caderneta predial;
Liquidar o IMT;
Requerer a certidão do Registo Predial;
Solicitar as licenças/documentos camarários ne-
a obrigatoriedade da escritura no processo de compra e venda de
imóveis.
Campanha promocional
Ao mesmo tempo vai decorrer a campanha promocional “Casa
Simples, Casa Segura”, assente numa estratégia integrada de
comunicação.
Os interessados em recorrer a este novo serviço do notariado
privado poderão obter, nos balcões da Remax Portugal, diferentes
suportes informativos sobre as respectivas condições.
cessários como a licença de utilização e a certidão
das infra-estruturas;
Comunicar ao IPPAR e às autarquias a intenção
de alienação do imóvel sempre que haja direito de
preferência;
Celebrar a escritura pública;
Inscrever, automaticamente, na matriz o nome do
novo proprietário (actualmente já o faz!);
Pedir a isenção do IMI;
Promover o respectivo registo
| ordem dos notários JANEIRO 2007
Remax e ON unem esforços
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A Ordem dos Notários (ON) estabeleceu um protocolo de cooperação com a Remax Portugal, no âmbito da implementação do
projecto “Casa Simples, Casa Segura”. O acordo foi assinado no
passado dia 21 de Dezembro na sede da Ordem dos Notários.
Este protocolo tem por objectivo a simplificação de todo o processo de compra e venda de imóveis, podendo encurtar o seu prazo
total para menos de um mês.
A Remax irá divulgar entre os seus clientes o serviço de assessoria decorrente do protocolo, o qual será também recomendado
pela Ordem às várias secções notariais.
Os notários, por sua vez, comprometem-se a prestar assessoria
necessária à recolha de todos os elementos para a instrução do
acto notarial, inerente à compra e venda de casa.
Através da criação de um
gabinete jurídico, a Ordem dos
Notários coloca ao serviço dos
municípios os seus conhecimentos técnicos.
Ordem dos Notários assina acordo com Associação de Municípios
A Ordem dos Notários assinou no passado dia 9, na sua sede, em
Lisboa, um protocolo com a Associação Nacional de Municípios
Portugueses, com o objectivo de facilitar e simplificar todos os procedimentos que contribuam para uma maior eficácia dos serviços
públicos prestados pelos Municípios.
Através da assinatura deste protocolo, passará a ser mais rápido
e fácil para o público obter toda a documentação e elementos
necessários à celebração de escrituras, uma vez que os Notários
passarão a poder obter directamente junto das Câmaras Municipais todos os elementos necessários à instrução dos actos da sua
competência.
Paralelamente, as Câmaras podem agora ter acesso a todo o apoio
e assessoria relativas a qualquer matéria que seja da especialidade
dos notários.
Gabinete jurídico
Com esta simplificação de uma série de procedimentos habitualmente morosos, a Ordem dos Notários e a Associação Nacional dos
Municípios Portugueses esperam poder atingir uma maior eficácia
dos serviços públicos prestados por ambos, tanto aos cidadãos
como às empresas.
Ao mesmo tempo, e através da criação de um gabinete jurídico,
a Ordem dos Notários coloca ao serviço dos municípios os seus
conhecimentos técnicos, o que permitirá a rápida obtenção de esclarecimentos que se encontrem abrangidos pelo Direito Notarial.
Outra das vantagens da assinatura deste protocolo é o facto de os
notários se comprometerem a realizar com rapidez todos os actos
que exijam a sua intervenção, dando-lhes prioridade absoluta e
realizando-os nas instalações das Câmaras Municipais, sempre que
solicitados.
Esta acção vem ao encontro dos esforços desenvolvidos no sentido
de se obter uma simplificação legislativa e administrativa em
várias áreas da Administração Pública, permitindo que esta seja
conseguida mais facilmente sem, no entanto, colocar em risco “os
valores da certeza e segurança jurídicas e a indispensabilidade do
controlo da legalidade”, conforme pode ler-se no texto do protocolo.
Deste modo, os serviços públicos municipais passam a ter ao seu
dispor mais uma possibilidade de fornecer respostas rápidas e
eficientes a todos quantos se lhe dirigem.
| ordem dos notários JANEIRO 2007
A assinatura de escrituras passa a ser mais rápida. Os municípios têm apoio e assessoria especializada
e os notários passam a poder realizar os actos que exigem a sua intervenção nas instalações das
Câmaras Municipais.
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notícias
[texto: joaquim barata lopes]
Breve história do notariado
Todo o trajecto dos notarii romanos à liberalização
do notariado português
| ordem dos notários JANEIRO 2007
Parece seguro que a origem do notariado deve encontrar-se em
Roma, numa altura em que os notarii eram escreventes públicos,
limitando-se a escrever por notas, prestando dessa forma o seu
serviço à população, redigindo os documentos que lhes eram solicitados, ainda não dotados de fé pública, nesta fase.
Os tabeliães, que viram a sua função oficializada com Constantino,
são profissionais já mais próximos dos notários modernos, que
prestavam juramento perante o perfeito e dele recebiam, como
sinal da sua função, um anel. Aqui a função principal dos tabeliães
era dar forma escrita à vontade das partes.
Com o Imperador Justiniano, os tabeliães passaram a ter uma
formação jurídica especializada, podendo afirmar-se que aí começa
a ganhar forma a vocação do notariado para dar forma legal e
autêntica à vontade das partes.
Em Itália, nos séculos VII e VIII, a função do notário vai alcançado prestígio e relevo social, que se foi consolidando com o
decorrer dos anos e a evolução das sociedades, podendo apontar-se
o século XIII como aquele em que já pode encontrar-se a figura do
Notário Público, dotado de fé pública, que dá forma legal solene aos
actos em que intervém. É assim em Itália, mas também noutros
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países como França, onde, no ano de 1270, foram criados em Paris
60 notários.
O notariado português
Em Portugal o notariado também terá surgido no século XIII
devido à influência do direito justinianeu. Mas, em bom rigor, no
nosso país, só no final do século XIX, o tabelionato foi substituído
pelo notariado moderno, função pública exercida por juristas especializados, então profissionais liberais.
Portugal foi um dos países fundadores da União Internacional do
Notariado Latino, com mais 17 países, no ano de 1947.
Em 1949, os notários portugueses passaram a ser funcionários
públicos, quer quanto à função, quer quanto à relação jurídicolaboral, uma vez que passaram a exercer a sua actividade como
funcionários do Estado e por este remunerados, embora em moldes
significativamente diferentes da generalidade dos funcionários
públicos.
Os primeiros passos da privatização
No ano de 1995, foi aprovado o primeiro diploma legislativo que
da Ordem dos Notários, o Estado Português deu expressão legal à
reforma e à modernização do notariado português, convidando os
notários a trocar o funcionalismo público pela iniciativa privada.
Os últimos dois anos
Portugal passou, assim, com o início de funções dos primeiros
notários profissionais liberais, em 2005 e de um momento para o
outro, a dispor de um notariado moderno e eficaz, com uma total
capacidade de resposta às necessidades dos cidadãos e das empresas, em que a tradicional e gasta relação funcionário público/utente
deu lugar à novel relação prestador de serviço/cliente.
Passámos também a ter uma representação digna nas organizações internacionais de notariado, sobretudo na Conferência dos
Notariados da União Europeia, que integra os 19 países da UE de
“direito civil”, tendo já cabido a Portugal o direito de nomeação do
próximo vice-presidente da Organização, que, no ano de 2008, assumirá o cargo de Presidente.
Só no primeiro ano de implementação da reforma, entre notários,
ajudantes do notariado e escriturários, foram cerca de 600 os que
deixaram os quadros da função pública para trabalhar como
Em Portugal só no final do século
XIX, o tabelionato foi substituído
pelo notariado moderno, função
pública exercida por juristas
especializados, então profissionais
liberais.
| ordem dos notários JANEIRO 2007
consagrava a liberalização do notariado português, o qual, porém
e infelizmente, foi objecto de veto presidencial, com o fundamento
de o Governo estar em final de mandato, devendo a opção por
reformas de fundo ser deixada ao executivo que viesse a sair das
eleições de então.
O Governo seguinte voltou a consagrar a privatização do notariado como uma das reformas a concretizar. Foi constituída uma
comissão ad hoc, presidida pelo Prof. João Caupers, de cujos trabalhos resultou um pacote legislativo que acabou por ser aprovado,
na generalidade, pela Assembleia da República, em 1999, no último
dia da legislatura.
O governo que se seguiu, no entanto, votou ao abandono a reforma
do notariado e qualquer movimento no sentido da liberalização ou
da privatização.
Finalmente, o caminho da privatização e da modernização do
notariado foi retomado pelo Governo Português, no ano de 2004,
que concluiu o que antes havia sempre abortado, por uma ou outra
razão.
Com o pacote legislativo publicado em 2004, mormente, os Decretos-Leis n.º 26/2004 e n.º 27/2004, ambos de 4 de Fevereiro, que
aprovam, respectivamente, o Estatuto do Notariado e o Estatuto
15
notícias
profissionais liberais ou colaboradores destes. Outros tantos foram
recrutados no mercado do trabalho, muitos deles desempregados,
muitos deles licenciados em direito, sem ocupação compatível com
a sua formação académica.
Fundo de compensação
| ordem dos notários JANEIRO 2007
À custa do fundo de compensação, criado pelo Decreto-Lei n.º
27/2004, para o qual todos os notários têm que contribuir obrigatoriamente com uma participação fixada na Lei, está garantida a
existência de, pelo menos, um notário privado em cada sede de
concelho, mesmo naqueles onde vão sendo encerrados serviços
públicos de primeira necessidade.
A reforma do notariado gerou e vai continuar a criar emprego
directo e indirecto, investimento, riqueza.
Por tudo isto se pode afirmar, sem qualquer hesitação, que a
reforma do notariado é um êxito.
O sucesso desta reforma até permitia supor que o Estado Português a tomasse como exemplo a seguir noutras áreas, particularmente, na área dos registos, por forma a que as conservatórias passassem também a ter uma capacidade de resposta célere e eficaz,
à semelhança da que têm os notários, eliminando, dessa forma, os
16
tempos de espera excessivos na generalidade das conservatórias
do País.
A intervenção do notário de hoje nada tem de burocratizante, pois
o notário presta um serviço de qualidade, com celeridade e eficácia
e continua a garantir a segurança jurídica, que é condição indispensável para o desenvolvimento económico.
Ora, o notário, mesmo sendo profissional liberal, só tem razão de
existir porque é um oficial público que representa o Estado e, em
nome deste, assegura o controlo da legalidade, conforma a vontade
das partes à lei e dá garantia de autenticidade aos actos em que
intervém, como delegatário da fé pública – a qual é uma prerrogativa exclusiva do Estado.
Este é o notariado que existe em 19 dos 25 Estados da União Europeia (em 21 dos 27 Estados da UE, a partir de Janeiro de 2007) e
em 75 Estados em todo o mundo – que constituem a referida UINL,
de que Portugal é membro fundador – incluindo os Estados do Louisiana e do Quebec e é ainda praticado por cinco notários instalados
na City de Londres, para titular negócios de grande envergadura, ou
cujos títulos tenham que produzir efeitos fora do Reino Unido.
Cavaco recebe notários
O Presidente da República recebeu os representantes da Ordem dos Notários que
alertaram Cavaco para os problemas relacionados com a reforma do notariado.
Consequências da reforma
A previsão da ON em termos de consequências da reforma tende a
ser mais profunda: “Num país especialmente propenso à fraude e à
corrupção, a eliminação dos mecanismos de controlo preventivo da
legalidade pode desencadear efeitos gravíssimos”.
Em alternativa, a ON apresenta o seu ponto de vista quanto aos
princípios da reforma que vem defendendo como desejável. “A ideiaforça desta vaga reformista era simples: conservar a intervenção
do Estado nas relações jurídicas-privadas, exercendo o controlo da
legalidade, na importante tarefa de justiça preventiva, mas cometendo tal função a profissionais liberais, delegatários da fé pública
do Estado. Pretendia-se, no fundo, ganhar a celeridade, capacidade
de resposta e adaptação às novas tecnologias que caracterizam a
iniciativa privada, em geral, e as profissões liberais, em particular,
sem sacrificar os valores da certeza e segurança jurídica. O que,
diga-se em abono da verdade, retomava a tradição portuguesa e
seguia de perto o modelo adoptado em todos os Estados europeus
de civil law e em muitos outros países.”
Apesar das diferenças teóricas e práticas da reforma adoptada, a
ON continuará determinada em mostrar a validade da acção dos
notários no processo de simplificação, fazendo prevalecer uma
“atitude positiva e construtiva”.
“A Ordem vê a rede de notários como uma rede nacional de profissionais especialmente qualificados, prestigiados junto do meio
empresarial e das populações, capazes de ser alavanca de um novo
conceito de justiça preventiva”, refere ainda o documento entregue
ao Presidente da República.
“O Governo põe sistematicamente em
crise os pressupostos da reforma que
foi baptizada como privatização”, afirma
a ON, como conclusão, em documento
entregue durante audiência no Palácio
de Belém.
| ordem dos notários JANEIRO 2007
Apreensiva com o facto de as medidas assumidas pelo Governo,
no contexto da reforma do notariado, não estarem a surtir os
desejados efeitos, a Ordem dos Notários (ON) tomou a iniciativa
de recorrer ao Presidente da República, Cavaco Silva, para lançar
vários alertas.
“O Governo põe sistematicamente em crise os pressupostos da
reforma que foi baptizada como privatização”, afirmam os representantes da Ordem, como conclusão, em documento entregue
durante audiência no Palácio de Belém.
No referido documento, a ON lamenta as alterações introduzidas
no quadro de actos e funções dos notários e sublinha que a actual
situação “lesa o princípio da protecção da confiança ínsito no
princípio do Estado de Direito”.
A Ordem acusa o Governo de estar a gerar um clima de ilusão de
que nada mudou nos aspirantes a profissionais, à medida que dá
posse a novos notários e abre curso para preenchimento de vagas.
Não menos criticado é o esvazeamento gerado pelo Governo no
domínio do controlo prévio da legalidade, perante a decisão de
eliminar todos os mecanismos e esquemas existentes para o efeito.
Inconformada com a desvalorização do papel dos notários, em
matéria da simplificação e da desburocratização, a ON refere que
“o Governo renuncia a uma rede de justiça preventiva, que evite a
emergência de conflitos desnecessários e que alivie a montante a já
tão onerada máquina dos tribunais”. E prevê, que “muitas das notícias que hoje são recebidas com júbilo a pretexto de uma pretensa
‘simplificação’ vão necessariamente desembocar num aumento
exponencial dos litígios judiciais”, facto justificado “por falta de
controlo ou filtro prévio de legalidade dos actos”.
17
notícias
Notários preparam-se para interpôr acção contra o Estado
| ordem dos notários JANEIRO 2007
Notariado acusa o Governo de fomentar a insustentabilidade financeira da classe ao
aprovar a desqualificação dos actos notariais e de, ao mesmo tempo, afectar a sua
imagem pública.
18
Na base da acção que será interposta pelos notários contra o
Estado está a ameaça à viabilidade financeira dos novos cartórios,
devido às reformas introduzidas pelo Governo.
Para os profissionais deste sector, a reforma proposta pelo Governo esvazia as competências dos privados e vem contrariar as
expectativas criadas, uma vez que a classe é agora penalizada pela
transição de vários actos - até agora da sua exclusiva competência
- para a esfera de actuação de outros sectores profissionais, como é
o caso dos advogados e solicitadores.
Os notários têm vindo a ser incentivados à liberalização do exercício
da sua actividade, mas o Estado não está a actuar em conformidade com as alterações no exercício da profissão.
Conforme refere o texto do parecer jurídico, solicitado à sociedade de advogados Gonçalves Pereira, Castelo Branco, na qual
os notários se irão apoiar para interpor a acção, “não é crível nem
credível que o Estado (…) dinamize e promova uma alteração
radical do enquadramento de uma profissão de relevo público e
que, depois, em momento posterior imediatamente subsequente,
não actue em conformidade ou congruência”.
Reforma defraudada
Na origem da polémica está o Decreto-Lei nº111/2005, de 8 de
Julho, e o Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março, cuja aprovação prevê a desqualificação dos actos notariais. Segundo o parecer
jurídico, tais actos legislativos inserem-se aparentemente numa
estratégia político-admnistrativa contrária ao sentido da reforma do
notariado empreendida em 2004, e que ainda está em curso.
Ao incentivar os notários a abandonar a função pública apostando
na privatização e, ao mesmo tempo, retirar-lhes diversos actos que
até então eram da sua exclusiva competência, o Governo está a
ameaçar a sustentabilidade financeira dos mesmos.
A desformalização dos actos anteriormente sujeitos ao controlo
notarial vem assim atingir todos os que, confiando na rentabilidade da sua profissão, aplicaram os seus recursos financeiros. Ao
mesmo tempo, a função notarial assegura uma garantia da certeza
e segurança jurídicas que podem agora estar, até certo ponto,
comprometidas.
A Ordem dos Notários considera que a autenticidade só pode
ser conferida a um documento por “autoridade pública ou oficial
público (caso do notário), dotados de fé pública”, refere o parecer
jurídico pedido pela ON.
“A fé pública é uma prerrogativa exclusiva do Estado que, no uso
dela, através dos seus agentes (notários ou outros, mas sempre
oficiais públicos) confere garantias de verdade e autenticidade aos
documentos e actos em que intervém”, diz o parecer.
tarial: “poderá um não oficial público conferir autenticidade a um
documento?. Poderá um acto praticado por um particular, por
mais respeitáveis que sejam as suas funções, estar dotado de fé
pública?. Poderá o legislador, por decreto, determinar que pode
conferir fé pública a um acto àquele que não a detém?”. A todas
estas questões a Ordem dos Notários dá uma resposta negativa.
Deste modo, fica assim rejeitada a validade legal dos documentos
particulares cujo reconhecimento de assinaturas ou de autenticidade tenha sido realizado por advogados ou solicitadores.
É neste âmbito que se insere a recomendação da Ordem a toda a
classe notarial, no sentido de recusar nos respectivos cartórios,
públicos ou privados, todos os documentos autenticados por advogados ou solicitadores.
Segurança jurídica
A ON levanta ainda algumas questões quanto à segurança jurídica
dos actos que agora deixarão de ser exclusivos da função no-
| ordem dos notários JANEIRO 2007
Os notários têm vindo a ser incentivados à
liberalização do exercício da sua actividade
mas o Estado não está a actuar em conformidade com as alterações no exercício da
profissão.
19
notícias
Simplex sai caro
O novo plano de constituição de sociedades
acaba por custar mais 254% é menos fiável e
mais inseguro
O já famoso Simplex, iniciativa legislativa governamental que alegadamente permitirá constituir empresas de forma mais rápida e
mais barata, veio afinal onerar muito significativamente os custos
de constituição de sociedades - na ordem dos 254% - fomentando, simultaneamente, condições para que os actos sejam menos
fiáveis e menos seguros.
No preâmbulo do Diploma (Decreto-Lei 76-A/2006, de 29 de
Março) refere-se que o cidadão pode passar a registar a constituição da empresa directamente na Conservatória tornando o
“procedimento mais célere e barato”.
A verdade é que, feitas as contas, as escrituras de capital
social mínimo (a esmagadora maioria, mais de 90%), que antes
custavam 134 €, aumentaram agora para 475 €, o que representa um aumento de 254%. Com uma agravante: enquanto na
situação anterior a escritura era obrigatória e, consequentemente,
beneficiava sempre da assessoria de um jurista imparcial e detentor de fé pública – o notário –, na nova situação o cidadão tem de
recorrer e pagar esses serviços (solicitador, advogado ou notário)
de custos variados.
Também para outros actos os aumentos são significativos.
Sublinhe-se, a título de exemplo, o registo de aumento de capital,
que passa de 113 € para 200 € (aumento de 77%) e o registo de
alteração de estatutos, que passa de 162 € para 200 € (aumento
de 23%).
CONSTITUIÇÃO DE SOCIEDADE
| ordem dos notários JANEIRO 2007
ACTO
20
ANTES
AGORA
registo da
constituição no
CRC
56€
(artº. 22, 2.1)
400€
(artº. 22, 1.1)
nomeação de
gerência
28€
(artº. 22, 2.7)
75€
(artº. 22, 2.11)
RNPC
20€
incluído nos 400€
publicação
30€
incluído nos 400€
total
134€
475€
21
| ordem dos notários JANEIRO 2007
entrevista
| ordem dos notários JANEIRO 2007
[texto: luís miguel baptista]
[fotografia: fotossíntese]
22
Joaquim
Barata Lopes
bastonário da ordem dos notários
Os notários portugueses atravessam uma nova era.
A Ordem sente-se responsável por isso?
A nova era resulta da transformação do sector, que
passou de funcionamento público, para um regime
liberal, à semelhança do que acontece em
21 dos países que integram a União Europeia. A
classe passou a ter imperiosa necessidade de se
organizar num novo modelo, daí resultando a criação legal da Ordem dos Notários, em 2004, data
em que foi publicado o respectivo estatuto. Todavia,
só no ano seguinte é que estiveram reunidas
condições para a constituição da Ordem, depois
de obtida permissão por parte do Ministério da
Justiça.
A Ordem tem uma curta existência mas tem
procurado, dentro das suas possibilidades, dar um
contributo válido para a afirmação do notariado.
A transformação do sector, por via da acção do
Governo, tem no entanto gerado alguns problemas…
Passado um ano da concretização da liberalização,
o Estado, através dos governantes, enveredou por
um caminho totalmente oposto, iniciando uma
segunda reforma que tem vindo a eliminar os
actos de notariado e a intervenção notarial. Ou
seja, uma reforma que nos aproxima do sistema
de alguns países da União Europeia – Reino Unido,
Irlanda, Chipre, Finlândia, Suécia e Dinamarca
– que não dispõem de notariado, código civil e
ordenamento jurídico igual ou semelhante ao
nosso. E onde os níveis de litigiosidade são
elevados, devido, concretamente, à ausência de
notariado.
O sistema notarial português caracteriza-se
por um sistema de justiça preventiva. O Estado
português intervém através dos notários, aquando
da titulação dos negócios jurídicos, para dar
garantias de segurança jurídica, assegurando o
enquadramento da lei e evitando assim que os
negócios jurídicos sejam objecto de discussão em
tribunal.
| ordem dos notários JANEIRO 2007
“ O Governo parece apostado na extinção do notariado”
Joaquim Barata Lopes, bastonário da Ordem dos Notários (ON), está
confiante quanto ao futuro do notariado, apesar das reacções do Governo
indicarem uma aposta no esvaziamento de competências. É incondicional
defensor do recurso às novas tecnologias, em nome da inovação do
notariado.
23
entrevista
A melhor forma de afirmar a importância da
função notarial é prestando um serviço público
de qualidade inigualável
| ordem dos notários JANEIRO 2007
Quais as consequências que poderão vir a ocorrer
perante uma eventual extinção do notariado, em
Portugal?
A prevenção jurídica é determinante para que
não haja litigiosidade. A aproximação de Portugal
aos sistemas jurídicos que não contemplam a
existência de notariado pode ter consequências
gravíssimas, pois os nossos tribunais não estão
preparados para dar resposta ao aumento de
litigiosidade que poderá vir a ocorrer. Tudo encerra
um defraudar de expectativas criadas pelos
órgãos legítimos da nação, designadamente dos
órgãos de soberania, o que não é aceitável num
Estado de direito.
24
As relações entre notários e o Governo tendem a
agudizar-se?
Desde a primeira hora que nos disponibilizámos
para colaborar com o Governo, ao nível da
participação em comissões que fossem
entendidas como necessárias, com vista à
melhoria do serviços que os notários prestam.
Tudo se complica quando, da parte do Executivo,
as iniciativas que toma apontam para o
desaconselhamento da ida ao notário, e deixam
claro que não se justifica a existência do controlo
da legalidade garantido pelo notário, seguindo
uma política oposta relativamente a outros
sectores, nomeadamente, da economia.
Este Governo caracteriza-se por ser o mais liberal
de todos os governos eleitos desde o 25 de Abril,
mas, curiosamente, em matéria de notariado,
está a tirar competências aos notários, para
entregar às repartições públicas, neste caso, às
conservatórias. Além disso, tem vindo a afirmar
também com algum desplante que a concorrência
é salutar. Ou seja, o Estado prepara-se para
concorrer com os profissionais liberais-notários
na prestação de serviços, o que é mais ou menos
inédito. Quando assim é, quando nunca fomos
É grave porque…
Porque o interesse público não está a beneficiar
com as medidas implementadas. Hoje, os notários
têm condições para prestar um serviço de grande
qualidade, conforme vem sendo reconhecido, nos
últimos tempos, pela comunicação social e por
pessoas que estão completamente desinteressadas e que têm reconhecido a eficácia do
serviço que os novos notários vêm prestando.
Infelizmente, o Executivo é que parece teimar
em não ver as vantagens do notariado português,
parecendo estar claramente apostado na sua
extinção.
E a reacção dos notários é a aposta em dois novos
projectos, como acontece com a constituição
da Notariocert e o projecto “Casa Simples, Casa
Segura”.
Os dois projectos estão a exceder as minhas
expectativas mais optimistas. Modéstia à parte,
estamos a trabalhar bem. Acredito que se o
futuro do notariado depender dos notários, da
qualidade do serviço e da vontade daqueles a
quem é prestado o serviço notarial, podem estar
perfeitamente tranquilos porque, o futuro está
assegurado.
O problema é que o Governo pode criar condições
que proíbam recorrer à escritura pública, situação
extrema à qual penso que nunca se chegará. Mas
| ordem dos notários JANEIRO 2007
ouvidos e quando nunca nos foi perguntado o que
quer que fosse sobre projectos, como por
exemplo, a “Casa Pronta”, apesar de termos feito
propostas claras com objectivos semelhantes
aos que o Governo pretende alcançar com essa
iniciativa, não pode haver uma boa relação. Por
mais solícitos e condescendentes que sejamos,
não podemos ficar a assistir calmamente àquilo
que se vai passando. O facto de sermos ignorados,
sistematicamente, é grave.
25
entrevista
poderá criar condições de tal forma onerosas
para o cidadão que, a acontecer, poderá significar,
contra a vontade do interesse público e dos
notários, o fim do notariado em Portugal.
Prevê alguma forma de impedir o fim do
notariado?
Estou confiante que as situações apontadas não
vão ocorrer. Todavia, defendo que a melhor forma
de afirmar a importância da função notarial é
prestando um serviço público de qualidade
inigualável. Tenho vindo a sensibilizar os colegas
para que façamos um investimento em nós
próprios. Por mais campanhas publicitárias que se
promova, por mais iniciativas que tomemos, por
mais acções judicias que se movam, o futuro do
notariado depende de demonstrações de competência no exercício da profissão. E isso tem
vindo a acontecer. A nossa aposta passa pelo
princípio do exemplo, no âmbito do qual se
insere o projecto “Casa Simples, Casa Segura” e
a Notariocert, ambicionando para esta última o
estatuto de entidade certificadora.
Esta é também uma forma de viabilizar a
profissão?
Hoje não há profissões para toda a vida. E,
portanto, o notário tem que se precaver, criando,
com inovação, instrumentos de trabalho que
compatibilizem o interesse público com a
viabilização da profissão.
| ordem dos notários JANEIRO 2007
O Governo tem reagido bem?
Há determinadas iniciativas que, nem mesmo
aqueles que têm em relação a nós a pior das
vontades, podem deixar de reconhecer o seu lado
positivo. Ninguém teve a ousadia de considerar
que a Notariocert não tem objectivos positivos,
o mesmo acontecendo com o projecto “Casa
Simples, Casa Segura”. Há iniciativas que valem
por si e que só podem trazer vantagens para
todos.
26
A Ordem tem outros projectos no sentido de
reforçar a afirmação dos notários?
Temos vários projectos em marcha, que a seu
tempo divulgaremos. Para já, estamos a organizar
o primeiro congresso da nova era do notariado
português, o qual desejamos venha a ser um
acontecimento de discussão de carácter científico,
27
| ordem dos notários JANEIRO 2007
entrevista
| ordem dos notários JANEIRO 2007
Ninguém teve a ousadia de considerar que a Notariocert
não tem objectivos positivos, o mesmo acontecendo com
o projecto “Casa Simples, Casa Segura”
28
com a presença de convidados estrangeiros,
sobretudo da Europa. Este congresso representa
um esforço significativo em termos financeiros,
mas a sua realização é indispensável para o
notariado português, sobretudo, no momento em
que se colocam grandes desafios ao sector.
Além disso, pretendemos obter contributos dos
congressistas para o aprofundamento da nossa
realidade, nomeadamente, no que se refere à
melhor relação entre o notário e o cidadão,
particularizando os aspectos de valor acrescentado da profissão e a sua aplicação na sociedade.
Esta vai ser a temática saliente do congresso,
porquanto qualquer profissão de interesse público
só tem razão de existir quando se especializa para
servir o cidadão.
Em breve, contamos enveredar por uma campanha
de afirmação do notariado, em condições
diferentes daquelas que vimos empreendendo,
centrando-nos na temática da constituição de
sociedades comerciais, coberta pela mais-valia
dos certificados digitais qualificados emitidos pela
Notariocert.
No que respeita ao Congresso, conta com a
participação de todos os notários?
Não quero acreditar que não haja uma participação
maciça no primeiro congresso do notariado
português. Estou perfeitamente seguro que os
notários participarão de forma empenhada, numa
reflexão em voz alta sobre as problemáticas e
aspirações dos notários. Queremos mudar a
imagem do notário, elevando o seu estatuto de
jurista especializado na matéria em que intervém,
sem esquecer as garantias de profissional isento,
idóneo e equidistante em relação às partes. Mas
outras garantias merecem ser consideradas: a
garantia de que a assessoria jurídica é prestada a
baixo custo e a garantia de que o notário dá
forma legal à vontade das partes, que é
Os notários privados têm futuro?
Seguramente que sim e sustento a minha
resposta no simples facto de dependermos do
cliente. Isso obriga a que, enquanto profissionais
liberais, tenhamos autonomia suficiente para nos
organizarmos e definirmos estratégias próprias
para atingirmos os nossos objectivos.
Como director da revista da Ordem dos Notários, o
que pode a classe esperar desta nova publicação?
Apesar de outras formas de comunicação que são
muito úteis e céleres nos nossos dias, caso da
Internet, continua a justificar-se a existência de
uma revista institucional, que chegue aos notários,
dando conta dos factos mais relevantes que vão
ocorrendo no sector, por influência da Ordem.
Independentemente disso, queremos recuperar
o carácter científico de outrora, o que esperamos
poder vir a concretizar com a colaboração dos
colegas, por via dos seus contributos escritos, de
carácter especializado, porquanto pretendemos
aliar a informação à formação. Desta forma,
acredito que podemos dar resposta às aspirações
dos colegas que legitimamente vêm por vezes
reagindo, dando sinais da necessidade de
circulação de mais informação.
| ordem dos notários JANEIRO 2007
verificada em conformidade com a lei e que não
vai ter problemas no futuro. Os notários são,
actualmente, uma nova realidade, dispondo de
atendimento personalizado de grande qualidade e
de instalações dignas. É esta a ideia que importa
ser difundida da forma eficaz, no dia-a-dia, por
cada um de nós.
29
artigo científico
[doutor mouteira guerreiro]
A ACTIVIDADE NOTARIAL
E REGISTRAL
NA PERSPECTIVA DO
DIREITO PORTUGUÊS*
texto gentilmente cedido pelo
doutor j. a. mouteira guerreiro
| ordem dos notários JANEIRO 2007
*trabalho apresentado no XIII congresso
internacional de direito comparado, realizado
no rio de janeiro em setembro de 2006
30
1. No início do novo milénio a Faculdade de Direito de Coimbra promoveu um
relevante e participado ciclo de conferências com este tema: “novas perspectivas
do direito no início do século XXI”. Entre os diversos e notáveis conferencistas,
incluindo o homenageado Doutor, Advogado e ao tempo Presidente da República,
Dr. Jorge Sampaio, que encerrou as palestras, interveio também o Dr. Meneres
Pimentel, jurista com vasta experiência, visto ter sido Advogado, Ministro da
Justiça, Conselheiro e Provedor de Justiça. A dado passo da sua intervenção
disse: os registos e notariado têm sido tratados como “parentes pobres no mundo
jurídico”. E, considerando tratar-se de um domínio que tem causado sérias “dores
de cabeça”, entendia que neste âmbito “algo tem de ser feito com urgência1”.
Sem dúvida que sim. Mas devemos questionar-nos: em que sentido é imperioso
actuar? De modo a que os registos e o notariado tenham uma actuação mais
facilitada? Que obtenham o reconhecimento público do seu valor e importância
– particularmente junto do mundo universitário, da magistratura, da advocacia, da
política e dos agentes económicos? Certamente que sim.
Contudo, há um outro aspecto da questão, porventura não menos relevante, até
porque é pressuposto necessário daquele reconhecimento. E esse será o efectivo
papel que o notariado e os registos venham concretamente a desempenhar na
comunidade, enquanto instrumentos eficazes ao serviço do direito substantivo e
das relações sociais.
Em primeiro lugar, tal como é tradicionalmente reconhecido ser próprio da função,
numa fase gestacional do direito, em que é pretendida pelo Ordenamento Jurídico
não apenas a definição normativa, mas igualmente uma eficaz instrumentalidade
adjectiva para a formalização e publicitação das relações jurídicas assim como dos
muitos actos que são praticados no vasto domínio do direito privado. E ainda, numa
visão mais modernizada e actual, na prevenção da conflitualidade e na resolução
extrajudicial de múltiplos problemas que quotidianamente se apresentam na vida
dos cidadãos os quais não assumem uma natureza conflitual de litígios, que só
através do recurso aos tribunais tenham possibilidade de ser dirimidos, mas que,
pelo contrário, podem obter uma resolução extrajudicial com a intervenção capaz
- e legalmente sancionada – de jurista idóneo e investido de pública fé e, além
disso, com capacidade para apreciar e aplicar, nas situações concretas, o princípio
da legalidade, como é, incontestavelmente, o caso do notário e do registador.
Acontece, porém, que a generalidade dos políticos que por esse mundo têm
assento nas câmaras legislativas, não possuem os necessários conhecimentos
teórico-práticos nem têm a sensibilidade adequada para percepcionar quão
vantajoso seria aproveitar as estruturas do notariado e dos registos – sem que um
invadisse a esfera do outro – para conseguir que houvesse uma melhor resposta
às crescentes necessidades, que toda a sociedade sente, de um sistema justiça
mais pronta e célere e também mais barata, mais eficaz e mais próxima do cidadão
comum.
Ora, a nosso ver, isso não será viável conseguir-se sem uma prova cabal, autêntica,
notarial, dos actos jurídicos celebrados e a sua consequente publicidade registral
(com a inerente eficácia “erga omnes), propiciando uma óbvia diminuição do
1. Cf. a publicação “Studia Iuridica”,
nº 41, pág. 48. O tema geral intitulou-se: “Perspectivas da realização do
Direito e dos valores que ele integra
e veicula no início do Terceiro Milénio”.
* Trabalho apresentado no XIII
Congresso Internacional de Direito
Comparado, realizado no Rio de
Janeiro em Setembro de 2006.
2. O Governo português até recentemente denominou essa pretendida reforma
com a finalidade de uma simplificação
de procedimentos com o curioso nome
de SIMPLEX.
3. Não se contesta a útil abolição da,
até essa altura, usual necessidade
do reconhecimento. Todavia, não se
reflectiu nesta dicotomia: a da efectiva
vantagem de abolir a necessidade de
reconhecimento de assinatura para
entrega de petições à Administração,
por um lado e, pelo outro, a vantagem
que poderão ter os próprios particulares
em fazer o reconhecimento até para
possuir uma ulterior prova da assinatura
do documento, pelo menos, indubitavelmente, naquela data em que ele foi
reconhecido.
4. Este tema foi objecto de vários diplomas, designadamente do Decreto-Lei nº
250/96, de 24 de Dezembro, cujo artº
1º indica que “são abolidos” tais reconhecimentos. No artigo seguinte diz-se
que a exigência legal do reconhecimento
é substituída pela indicação, feita pelo
signatário, do número do seu documento
de identificação.
5. Cf. Decreto-Lei nº 28/2000, de 13 de
Março.
6. Cf. o nº 1 do artigo 5º do Decreto-Lei
nº 237/2001, de 30 de Agosto.
7. Foi o nº 2 do supra indicado artigo 5º
que veio permitir a certas câmaras de
comércio ou indústria, bem como aos
advogados e solicitadores, poderem
“certificar traduções de documentos”
(sic).
8. Foi o Decreto-Lei nº 36/2000, de
14 de Março que no dizer do próprio
legislador (in preâmbulo do Decreto-Lei
nº 237/2001, de 30 de Agosto) “marcou
o início do processo de simplificação,
mediante a dispensa de escritura pública
para um conjunto de actos”. Seguiu-selhe o Decreto-Lei nº 64-A/2000, de 22
de Abril, quanto ao arrendamento, ao
trespasse e à cessão de exploração de
estabelecimento comercial.
9. È claro que não pretendemos aqui
tomar uma posição de fundo sobre a
definição de jurisdição voluntária (ou
não litigiosa), mas apenas recordar que
o acto notarial, bem como o registral
(mais concretamente o do registo
imobiliário e o do registo civil), têm uma
natureza que não é equivalente à do
“acto administrativo” stricto sensu.
10. Cf. Vol. 4º da Polis, a pág. 692, o
texto da autoria de Mário Raposo.
11. Mesmo no conceito popular, a autenticação notarial equivale à segurança e
à não-contestabilidade dos actos. E ter
uma escritura significa que se tem um
documento que não carece de qualquer
| ordem dos notários JANEIRO 2007
Antes de abordar o tema proposto uma primeira palavra de sincera felicitação
é devida ao Instituto de Direito Comparado Luso-Brasileiro e ao seu insigne
Presidente do Conselho Directivo, Professor Doutor Francisco Amaral, tanto pelos
25 anos da fundação do Instituto, como pela feliz iniciativa da realização deste
XIII Congresso Internacional de Direito Comparado. Permita-se-me ainda que
manifeste o meu público agradecimento pelo honroso convite que me foi feito para
intervir neste Congresso na temática do Direito Notarial e Registral – incitamento
privilegiado e por mim naturalmente imerecido.
Fazendo os possíveis por ser breve, referirei apenas o seguinte:
31
artigo científico
| ordem dos notários JANEIRO 2007
volume de processos que afluem aos tribunais, bem como, por outro lado, sem a
desafectação do âmbito judicial de muitos dos casos que, apesar de envolverem
uma necessidade de apreciação, no entanto não contenham, em si mesmos, uma
situação conflituosa que oponha partes litigantes.
32
2. A propósito destas perspectivas que o legislador deverá encarar, dir-se-á que
em Portugal as alterações da lei têm decorrido com “altos e baixos”, tendo havido
aspectos positivos e negativos.
Começando por estes últimos, para que depois possamos realçar os positivos,
sublinhemos desde já que, a nosso ver, muitas das medidas inconsequentes
que têm sido tomadas se devem à tentativa de conseguir obter o efeito de uma,
aparentemente louvável simplificação2, mas que na realidade tem sobretudo um
efeito propagandístico, apenas servindo para mero favor e gáudio popular, visto
que, de facto, em muitos casos não se reflectiram as soluções nem se cuidou da
salvaguarda de princípios essenciais para a defesa dos cidadãos e dos institutos,
bem como da transparência dos negócios jurídicos e até da própria credibilidade do
direito.
Este processo, dito de simplificação – que, de resto, tem já vários anos - começou
com a abolição (e até mesmo a proibição)3 do reconhecimento notarial por
semelhança4, a que se seguiu o da autenticação de fotocópias - a poder ser feita
fora dos cartórios e por diversas entidades (juntas de freguesia, correios, advogados
solicitadores, câmaras de comércio e indústria)5 - e para depois se estender ao
reconhecimento circunstancial de assinaturas6, à certificação de traduções7 e
inclusivamente à dispensa da escritura pública em diversos actos8.
A justificação destas inovações que publicamente vem sendo dada é a de que se
devem eliminar as burocracias. Confunde-se, portanto – e confusão esta que nos
parece verdadeiramente inadmissível por parte do legislador – o que é a burocracia,
flagelo que todos devemos combater e reconhecido entrave da enorme papelada
usualmente exigida pelos serviços da administração pública, que é própria das
concessões, dos licenciamentos e dos actos administrativos em geral, com uma
actividade afim da jurisdicional voluntária9 e que respeita à válida conformação e à
titulação autêntica da vontade das partes, enquanto agem no âmbito da sua esfera
privada que é a inerente ao acto notarial e a que visa a correspondente publicitação
e eficácia, que é própria da inscrição registral. E essa rudimentar, quando não
ignorante e, de qualquer modo, inadmissível confusão, levou ao cúmulo de que
em textos governamentais publicados se chegassem a equiparar conceitos tão
distintos – e mesmo opostos - como os de desburocratização e de desformalização.
Vê-se, assim, que infelizmente longe estamos da lúcida posição de um anterior
ministro da justiça que, a propósito do notariado, escreveu: “cabe-lhe personalizar
a posição das partes, libertando-as de um colectivizante anonimato. A sua
intervenção desburocratizará – “desburocratizará”, repetimos - a aplicação do
direito, num dos seus essenciais momentos genéticos”10. Quer dizer: na estribada
opinião deste ex-ministro e prestigioso advogado é a intervenção notarial que
acaba por conseguir desburocratizar os sempre difíceis e complicados caminhos
dos serviços públicos, até porque subsistem os tremendos licenciamentos e
procedimentos, que os governos insistentemente prometem eliminar, mas que,
pelo contrário, têm vindo a multiplicar cada vez mais. E diz-nos a experiência que
são normalmente os notários - e outrossim muitos registadores - que, com a seu
saber e boa vontade, as mais das vezes conseguem servir eficaz e prontamente o
cidadão anónimo, descortinando afinal vias e aberturas possíveis para legalmente o
conseguir livrar dos obstáculos e dos complicados enredos administrativos e quase
sempre acabando por lhe resolver os problemas.
Temos, portanto, que os conceitos de desburocratização e de desformalização
não se equivalem e antes se contrapõem: a formalização notarial dos actos evita
e consegue superar as teias burocráticas, a conflitualidade11 e os enredosos
empecilhos administrativos e, além disso, previne os conflitos e a litigância
convalidação ou ulterior definição
judicial. É, de resto, consabidamente,
título execitivo.
12. Foi o que se passou com as licenças
de construção e de utilização de prédios
e fracções autónomas, que depois do
Decreto-Lei nº 321-B/90, de 15 de
Outubro continuaram a ser exigíveis
(para as simples escrituras de compra e
venda) e que, por sua vez, o Decreto-Lei
nº 281/99, de 26 de Julho, manteve e
apenas deu a burocratizante alternativa
prevista no seu artº 2º.
13. Tal como tem sido demonstrado
em diversas intervenções, mormente
em congressos de direito registral. Acentue-se apenas isto: o notário verifica e
certifica (qualifica de forma indiscutível) designadamente, a identidade e a
capacidade das partes e bem assim que
as mesmas lhe declararam o que consta
do documento notarial. Não certifica,
porém, outros pontos - que portanto não
qualifica – entre eles, principalmente, a
sinceridade ou a veracidade intrínseca
dessas declarações – como aliás acentua a doutrina (cf. por ex. R. de Valkeneer, “Précis du Notariat”,1988, pág. 172, nº
281 e Planiol - Rippert, “Traité... , VII,
nº 1452 : “ mais il ne fait foi.... de la vérité
et de la sincérité des déclarations”. Entre
nós, Vaz Serra, ”Provas” in B.M.J., nº
110, a pág. 106: “o documento autêntico
faz prova de que as declarações foram
feitas. Não prova se elas correspondem
à verdade intrínseca”) . Pelo contrário,
a decisão judicial, porque “define” o
direito, aprecia a própria veracidade
intrínseca das declarações negociais.
Consequentemente, a qualificação do
registador não pode (ao contrário do que
defendem alguns notários adeptos das
teses do desnecessário “duplo controlo”)
ter o mesmo âmbito quando se trata do
acto notarial ou da sentença judicial. E,
de resto, tem sido sempre esta não só a
solução portuguesa, como a de outros
elaborados e evoluídos sistemas (v.g. o
espanhol, o alemão, etc.).
14. Foi depois dessa infeliz tese da dispensabilidade de “duplo controlo” que,
entre os governantes se difundiu a ideia
da desnecessidade do controlo notarial
(e da generalizada desformalização
dos actos) já que bastaria o do registo,
que está no fim da linha do processo da
regularização e da eficácia do direito, ou
até – o que é o pior de tudo e, a médio
prazo, irá ser desastroso para a segurança jurídica, o investimento económico e
a necessária confiança nas instituições
– sem controlo algum (!!!), como já sucede em alguns pontos da recente reforma
operada pelo Decreto-Lei nº 76-A/2006,
de 29 de Março.
15. Parece que o notariado terá sido
privatizado mesmo desde a sua instituição. Em Portugal, foi-o desde D.Afonso
II, ou pelo menos D.Dinis (Ordenanças
de 1315) e mais tarde nas Ordenações
Afonsinas, Manuelinas e Filipinas (vide,
entre outros, Enrique Guiménez-Arnau,
“Derecho Notarial”,1976, pág. 101) e
até 1949.
16. Não cabe aqui sequer sintetizar as
principais etapas da reforma, iniciada
com o diploma de 1995 que (depois
3. A verdade, porém, é que na recente evolução legislativa notarial há aspectos
importantes que cumpre salientar. O mais significativo – e que veio repor uma
verdade histórica15 - foi, sem dúvida, a denominada privatização do notariado.
Depois de várias tentativas iniciadas em 199516, o diploma que concretizou esta
reforma foi o Decreto-Lei nº 26/2004, de 4 de Fevereiro, no tempo do chamado
Governo Durão Barroso, cujo preâmbulo acertadamente sublinhou tratar-se de
“uma das reformas mais relevantes na área da Administração Pública em geral, e
da justiça em particular”, e em que, pela primeira vez no país, “uma profissão muda
completamente de estatuto, passando do regime da função pública para o regime
de profissão liberal”, obtendo-se assim um “serviço de melhor qualidade e com
menores encargos para o erário público”.
E este mesmo texto introdutório prossegue com judiciosas considerações,
reconhecendo o legislador que “o notariado constitui um dos elementos integrantes
do sistema da justiça que configura e dá suporte ao funcionamento de uma
economia de mercado, enquanto instrumento ao serviço da segurança e da
certeza das relações jurídicas e, consequentemente do desenvolvimento social e
económico”. E com razão se afirma ainda que a actividade notarial ganhará maior
relevância “pelo apelo constante ao delegatário da fé pública, consultor imparcial e
independente das partes, exercendo uma função preventiva de litígios”. E o notário
“vê abrirem-se perante si novos horizontes, num espaço económico baseado na
concorrência”.
A privatização respeitou muitos dos sãos princípios tradicionalmente acolhidos
da queda do Governo de Cavaco Silva)
não chegou a ser promulgado. Dir-se-á
apenas que, diversamente do era pretendido por vários registadores, a reforma
abrangeu apenas o notariado e que, no
tempo do governo seguinte (Governo
Guterres), a “Comissão de Reforma” foi
presidida por um administrativista (com
especialização nos Estados Unidos)
adepto da criação de uma “ordem”,
inteiramente privada, e de uma total
autonomia – ideias essas que depois
transitaram para a legislação que veio a
ser promulgada m 2004.
17. Cf., por todos, “Derecho Notarial”
de Enrique Giméez-Arnau, Pamplona
1976, págs. 240 e segs. e a sua oportuna
citação de Sana Huja “no es que el
Notario ejerza a veces de funcionario
público y otras veces de profesional del
Derecho. Es que ambos caracteres se
hallan involucrados en el Notario y determinan un complejo orgánico y funcional
que no permite incluirlo nítidamente
y sin reservas dentro del campo del
Derecho público ni del Derecho privado”
( cf. pág. 241, mas itálico nosso).
18. A componente social e pública
inerente ao conceito de notário e à
sua função vem sendo divulgada nos
Congressos Internacionais do Notariado
Latino e bem assim nos nacionais de
vários países (v.g., pormenorizadamente,
no IV Congresso do Notariado Espanhol)
como também, em síntese, foi concluído
no XX Congresso Internacional (Cartagena das Indias,1992). Cf. ainda o trabalho
de Rafael Gomez-Ferrer Sapiña (Guadalajara, 1992) “Jurisdicción Voluntaria
y Función Notarial” (do Conselho Geral
do Notariado - Espanha) para aquele XX
Congresso.
19. V.g. no seio do liberalíssimo notariado
italiano o artigo 1º da Lei Notarial referese ao notário como “un publico ufficiale
appositamente investito della funzione
di documentazione”. Cf. de A.Morello,
E.Ferrari e A. Sorgato “L’Atto Notarile”,
pág. 163. E Pietro Zanelli na sua conhecida obra “Il Notariato in Italia” explica
que a a característica de “pubblico
ufficiale” não resula apenas do artigo
1º da Lei, “ma si evince da tutte le altre
norme” (cf. pág. 19).
20. Cf deste Autor o artigo publicado
na “Revista de Derecho Notarial”,
Janeiro-Março de 1980, pág. 255 e segs.
com este sugestivo titulo: “El Notario:
Función privada y función pública. Su
inescindibilidad”.
21. Primeiro na sua tese de doutoramento e posteriormente nas lições, vulgarizou-se o seu conceito de “ezercizio
privato di publiche attivitá” (Cf. “Corso di
Diritto Amministrativo”, 1952, pág. 121).
Note-se que esta dupla característica,
bem como a da independência funcional
é extensiva aos registos (v., entre vários,
o nosso artigo na revista “Regesta”,
1993, I, págs. 43 e segs.). Por isso se
tem dito (e parece que bem) que registos
e notariado devem pertercer à denominada “Administração Autónoma”.
22. É que o notário não deve ser entendido pelo poder político e pelos cidadãos
em geral como um advogado especializado que não tem que dialogar com
| ordem dos notários JANEIRO 2007
decorrente da incerteza dos títulos particulares.
Acontece porém que, em Portugal, – aliás diversamente do que ocorre na
generalidade dos países civilizados do notariado latino - os governos têm persistido
em dar pública imagem de que as dificuldades e as demoras que por vezes ocorrem
para a celebração e publicitação dos actos são devidas aos próprios serviços
notariais e registrais e não, como na realidade acontece, às inúmeras peias, à
falta de meios e às exigências que diversas leis avulsas – administrativas, fiscais,
ambientais – continuam a fazer, no sentido de proibir que a titulação ou o registo
se efectue se não for apresentado determinado comprovativo, mais esta ou aquela
certidão, mais este ou aquele documento que, de facto, nada tem a ver com a
declaração negocial e sua perfeita formalização. E são tais constrangimentos,
na realidade alheios aos elementos da relação jurídica, que frequentemente são
a efectiva causa de algumas demoras e de justificadas críticas. Por isso, urgia
bani-los da esfera notarial e igualmente da registral. Mas, relativamente a essas
sujeições, a verdade é que nada se tem feito e até, pelo contrário, quando por
vezes algo se faz, não é para facilitar a titulação e a publicitação dos actos, mas
quiçá para ainda mais administrativisar os procedimentos, complicar e dificultar as
soluções.12
Não é, pois, a questão da qualificação, contrariamente ao que pretendem alguns
irreflectidos e obviamente ignorantes destas matérias, que representa qualquer
entrave à fluidez do comércio jurídico, exactamente porque este só é fluido, só é
credível e só é atractivo se for válido, seguro, fiável e conforme ao Ordenamento
Jurídico. E, também por isso, havemos de convir que foi uma errada opção a
proposta por alguns membros do notariado que, referindo-se à qualificação notarial
e à que é feita pelo registador – que, como é sabido, está no “fim da linha” e vai
apreciar o título e demais documentos a jusante da contratação - pretenderam
defender que havia um injustificado “duplo controlo”. Não é aqui a altura própria
para desenvolver este tema – que é, na verdade, uma “falsa questão”13. Dir-se-á
tão-só que os governantes (e nas diferentes áreas do “espectro político”) com a
sua proverbial falta de conhecimento aprofundado destas matérias, aproveitam
aquelas erróneas sugestões para minimizar o documento notarial, bem como a
indispensável qualificação registral14.
33
| ordem dos notários JANEIRO 2007
artigo científico
34
pelo notariado latino, dos quais destacaremos o do numerus clausus, o do exercício
exclusivo da actividade por juristas comprovadamente habilitados, o da delimitação
territorial – e, dado o pouco movimento de alguns cartórios, o de se ter instituído a
obrigatoriedade de um fundo de compensação – bem como o da livre escolha pelo
notário dos seus funcionários auxiliares e ainda, a nosso ver, quiçá de tudo o mais
relevante, que foi o expresso reconhecimento pela lei da subsistência da fé pública
inerente ao exercício da função, tal como é entendida pelos ordenamentos romanogermânicos e pelo notariado latino.
Todavia, precisamente no que toca a este aspecto, algumas interrogações se têm
colocado principalmente devido ao cariz marcadamente privado – ou mesmo
exclusivamente privado - que a reforma imprimiu à organização da classe. È certo
que a lei estabeleceu que essa nova organização seria gradualmente assumida,
mas também a verdade é que anuiu em estruturar o corpo profissional dos notários
exclusivamente numa “ordem”, à semelhança do que sucede com os advogados e
demais profissões liberais.
Ora, o notário, dada a especificidade da sua função e designadamente
o poder de conferir fé pública aos actos que subscreve, parece que não deve
ser equiparado ao advogado ou a qualquer outro profissional puramente liberal,
precisamente porque há uma componente pública na sua função. E esta é, de
resto, uma ilação que se poderá considerar pacífica17 e que tem sido repetidamente
proclamada nos Congressos Internacionais do Notariado Latino18 e que também
se encontra expressa na legislação dos diversos países19. Com Rodriguez
Adrados dir-se-á que no notário “função pública e função privada são incindíveis.”20
Este meio caminho entre “função pública”- “exercício privado” tem aliás sido
geralmente reconhecido pela Doutrina, sobretudo depois de Zanobini 21 e parece
que só entre nós não vem sendo bem compreendido pelos governantes.
Consequentemente, afigura-se que para evitar a perigosidade de uma autonomia
absoluta divorciada de facto tudo quanto é público22 e mesmo para a defesa da
própria imagem pública que o notariado deve preservar teria sido conveniente ou
a subsistência de algum controlo pela Direcção Geral dos Registos e do Notariado
– à semelhança do que ocorre em Espanha23 e parece que com o consenso da
classe - ou mesmo (ainda que se afigure pior solução) através da “fiscalização dos
seus actos pelo Poder Judiciário”, como diz o § 1º do artigo 236º da Constituição
brasileira, ou ainda, como igualmente pareceria adequado, havendo a tutela
de um Conselho Superior maioritariamente composto de modo idêntico ao da
Magistratura24.
No entanto e apesar de, com a privatização, o notariado português ter ficado
enquadrado apenas numa “ordem”25 à total semelhança da advocacia - e não tendo
sido, portanto, contemplada, como deveria, a sobredita vertente pública da função
– pode, no entanto, dizer-se que a maioria dos notários e a própria Ordem têm,
de um modo geral, sabido dar resposta às expectativas, mantendo um elevado
padrão de capacidade e eficiência, bem como a tradicional disponibilidade, honradez
e saber26, qualidades estas determinantes da sua elevada (e tradicionalmente
merecida) consideração pública27, que ao longo dos tempos, incluindo o período da
funcionalização28, - aliás iniciado apenas no pós-guerra29- tem sempre constituído
timbre da classe (e afirmo-o sem preconceitos nem complexos, até por não ser
notário).
Diga-se ainda que a fundamental medida da privatização, que inicialmente teve o
aplauso generalizado dos juristas, dos agentes económicos e dos políticos de todo
o espectro partidário, acabou depois por ser objecto de alguma contestação por
parte dos próprios notários a qual, para além do que sumariamente se referiu, tem
essencialmente a ver com o comportamento governamental que inicialmente criou
expectativas e depois veio a proceder diversamente, “tirando o tapete” - de forma
aberrante e até contraditória com o que era previsível - aos que corajosamente
assumiram todos os riscos30 e os encargos da privatização.
Referimo-nos sobretudo às medidas apelidadas de desformalização que,
quaisquer serviços públicos e, por outro
lado, também se afigura que constitui
um erro o não se terem contemplado
oficiosidades por interesse público.
23. Cf de Giménez- Arnau op.cit., págs.
359. Este Autor referindo-se à DGRN diz
expessamente que por cima do Colegio
do Notariado “tem que haver um Órgão
– que por razões administrativas não
pode ser o próprio Ministro - coordenador
dos interesses comuns e vigilante da
eficácia e da uniformidade da função”
(itálico nosso). É a DGRN.
24. Idêntico, mas bastante mais simplificado. Como é sabido, em Portugal
o Conselho Superior da Magistratura
é composto maioritariamente por
membros não necessariamente juízes e
que são designados pelos outros órgãos
de soberania. Nada tem a ver, portanto,
com a organiação superior de um mero
colégio profissional ou de uma “ordem”,
tal como (conforme o Decreto-Lei nº
27/2004, de 4 de Fevereiro) actualmente
é – mas parece que erradamente - a dos
notários.
25. O que, parece, (e como já ao tempo
da 1ª Comissão tivemos ensejo de
manifestar) não terá sido a melhor
opção nem sequer a que mais garantiria
os notários que prosseguissem com a
carreira privada.
26. A preparação para o exercício do
cargo era, desde os finais da década de
80, objecto de um exigente “processo de
admissão” (cf. artº 1º do Decreto-Lei nº
92/90, de 17 de Março) que, depois da
licenciatura em direito, compreendia a
prova de aptidão para ingresso no “Curso
de extensão universitária”, ministrado na
Faculdade de Direito de Coimbra, e após
a aprovação nos exames respectivos, os
estágios de um ano em conservatórias e
cartórios seleccionados e ainda, depois
da conclusão e informação sobre esses
estágios, a prestação de provas públicas.
Tratava-se, portanto, de um longo e
exigente processo que visava garantir os
indispensáveis conhecimentos teóricopráticos e a qualidade profissional dos
futuros conservadores e notários. Mas
também já ao tempo do Regulamento
de 1956 (Decreto nº 40 740 de 24/8/1956)
se exigiam condições de admissão que
implicavam o ingresso como ajudante
estagiário nos registos civil e predial e no
notariado, certificação de aproveitamento e só depois provas públicas (artº 21º e
segs.) Presentemente, o acesso à função
notarial está regulado nos artigos 25º
e seguintes do aludido Decreto-lei nº
26/2004, apenas se exigindo que, após a
licenciatura, exista um estágio (e unicamente em cartório notarial) logo seguido
do concurso de prestação de provas. Ao
contrário do que se nos afigurava conveniente, não há curso algum nem sequer
noções elementares sobre os registos!
27. Que é a dos agentes económicos e
dos cidadãos em geral, mas a que talvez,
por ironia do destino, apenas não seja
partilhada pelos governantes.
28. Mesmo neste período a lei sempre
reconheceu (a notários e registadores,
diga-se) uma independência funcional
em nada semelhante à hierarquia da
“função pública” em geral. Por isso, se
4. No entanto, não só na velha Dinamarca, mas também connosco, no Portugal
dos nossos dias, “algo vai mal no reino de sua majestade”. Com efeito, não há
razões de fundo e até nada justifica uma funcionalização do registo predial33 em
confronto e rival antinomia com uma privatização do notariado, a não ser por
meras razões de oportunidade política e essencialmente motivadas quer por
uma questão laboral34 derivada da perda de vínculo à função pública que alguns
notários e funcionários dos ex-cartórios públicos não pretendiam afastar, quer
também porque o Ministério da Justiça não queria perder os rendimentos derivados
dos emolumentos para os continuar a utilizar noutros sectores que nada têm a
ver com os registos e o notariado35. E esta apetência do Ministério pelas verbas
das conservatórias é porventura uma das razões pelas quais se têm transferido
actos eminentemente notariais para o campo dos registos, situação esta que
nos parece injustificada e, de resto, nem pretendia pelos póprios registradores.
Também não se nos afigura propositada, nem sequer vantajosa para alguém, a
ideia de certos notários ao considerar que as conservatórias devem ser repartições
públicas, em contraste com os cartórios notariais que, esses sim, são os únicos a
quem cabe a privatização e muito menos pertinente nos parece que as próprias
estruturas do notariado continuem a defender essa recente e errónea tese – que,
efectivamente, no nosso ordenamento jurídico, na prática e na própria tradição lusa,
se perspectiva como totalmente aberrante. Trata-se, como é sabido, de serviços
cuja área de intervenção jurídica é praticamente comum, pelo que a estrutura
privatizada, com a componente pública36 se ajusta igualmente bem ao notariado e
aos registos.
Correcta nos parece, sim, a estrutura brasileira (e outras de nós
próximas, como é o caso da espanhola) na qual ambos os serviços estão
privatizados, e mesmo de um modo constitucionalmente garantido, acontecendo
ainda que a carreira de conservador e notário é intermutável e até o próprio local
onde os actos são praticados é denominado “cartório”, tanto no caso do notariado
como no dos registos.
Por outro lado, também nos parece que a gestão privada assegura um
muito melhor serviço, uma muito maior eficiência. Demonstra-o a privatização do
notariado que, apesar da citada desvalorização do seu conteúdo funcional, com
que o Poder tem injustificadamente combatido este relevante sector da justiça,
apesar disso, os notários portugueses têm sabido responder ao desafio, prestando
um serviço célere, competente e com o agrado generalizado da população – mas,
incompreensivelmente, só não aplaudido por alguns sectores do poder político.
Acresce que os quadros de funcionários dos cartórios são dimensionados pelo
próprio notário que, havendo conveniência, contratará os que forem necessários.
Pelo contrário, nas conservatórias verificam-se as situações mais
anómalas. Há as que têm funcionários excedentários – muitos dos quais
dizia que os notários, embora sendo funcionários (como proclamou um Ministro
da Justiça) “nem por isso deixam de em
muito se assimilarem a profissionais independentes” (Cf. “Boletim do Ministério
da Justiça” nº 296, pág. 26).
29. A funcionalização iniciou-se em
1949, sendo a função posteriormente
regulada pela Lei 2049 de 6/8/1951. Anteriormente, tal como o registo predial,
funcionou em termos privatizados.
30. Muitos dos mais distintos notários
não vieram a optar pela vida privada,
precisamente devido à multiplicidade
dos encargos e à forma pouco garantida
como foi organizada a transição para o
actual enquadramento da função. De
resto, essa transição nem sequer foi bem
negociada por parte do Governo, que não
garantiu (como parece que deveria) certos
aspectos do serviço público que também
era importante precaver e definir.
31. É óbvio que, com tais inusitadas
medidas, se prescinde assim da
importantíssima função conformadora
da vontade das partes – “adaptando-a
à previsão normativa” (como escrevi
no Proc. 76/92-RP4) numa necessária
“operação jurídica” (como ensinou Carnelutti, in “Teoria Generale” p .220) também
autenticadora (com a inerente exequibilidade) dessa mesma vontade.
32. Note-se que a 1ª Lei Hipotecária
portuguesa (Lei de 1 de Julho de 1863)
foi decalcada na 1ª Lei Hipotecária
espanhola de 8 de Fevereiro de 1861
(como reconheceram os Autores da época,
v.g . A. A .Ferreira de Melo in “Comentário
à Lei Hipotecaria”). Além disso, também o
próprio enquadramento na Direcção-Geral dos Registos e do Notariado (que tem
a mesma designação).
33. É discutível o caso do registo civil e
talvez ainda o de algumas matérias tidas
(talvez erradamente) como sendo de
registo comercial (v.g. as publicações
obrigatórias e a admissibilidade das
firmas).
34. Em consequência da privatização
os notários passavam a ter apenas os
rendimentos decorrentes das receitas
cobradas e os funcionários dos cartórios
os ordenados que resultariam dos
contratos individuais de trabalho que
celebrassem com os notários, perdendo
uns e outros a garantia dos vencimentos
pagos pelos cofres do Ministério da
Justiça. Por este motivo (e, como foi
anunciado, para facilitar a privatização)
deu-se-lhes a possibilidade de optar pelo
ingresso em conservatórias. Assim, e
para evitar mais contestações convinha
que as conservatórias permanecessem
com gestão pública.
35. Além da supracitada razão, ao
Ministério da Justiça – que perdeu
as receitas do notariado - também
convinha, para não alterar o seu próprio
orçamento, continuar (ao que se crê, de
forma abusiva e oportunista) a embolsar
as receitas dos actos de registo, pagos
pelos particulares (mas não como impostos – que esses também são pagos,
autonomamente) e que, portanto, só a
eles dizem respeito.
36. Tanto no notariado como nos registos trata-se (já há anos o escrevi)
| ordem dos notários JANEIRO 2007
desprezando os próprios conceitos do direito substantivo, e apenas para justificar
uma aparente simplificação, têm suprimido a necessidade de escritura pública e
mesmo da intervenção notarial numa série de actos31, nomeadamente atinentes ao
registo comercial, de que iremos falar.
Ainda no que toca à privatização, parece ser oportuno recordar que a reforma se
circunscreveu ao notariado e em nada tocou nos registos. Pior: parece que ainda,
de modo absolutamente injustificado, se quis acentuar mais a sua funcionalização.
Ora, e referindo-me fundamentalmente ao registo predial, verifica-se que não só na
tradição portuguesa, como na dos países com os quais temos maior proximidade
cultural e jurídica – caso indiscutível do Brasil e da Espanha32 - quer o notariado
quer os registos têm idêntico regime privatizado. Pelo contrário, em Portugal, e
logo quando ao tempo do Ministro Laborinho Lúcio se deu início à reforma, quis-se
evidenciar uma, a meu ver completamente injustificada, dicotomia: privatização do
notariado versus funcionalização dos registos.
35
artigo científico
| ordem dos notários JANEIRO 2007
provenientes dos extintos cartórios públicos – e as que se debatem com enormes
carências, sem o pessoal minimamente necessário, e insistentemente pedido,
para se manter o serviço em dia – o que também não se tem conseguido37.
E em Portugal há, inclusivamente, locais destinados a instalação de novas
conservatórias, a pagar rendas elevadas e que se mantêm desocupados anos a
fio. Em suma: as conservatórias e os conservadores são vítimas da consabida
ineficiência da gestão pública - do grande Estado e cada vez pior Estado - e a todos
obviamente penalizam os atrasos, as demoras de atendimento, a própria lentidão (e
ignorância) de alguns funcionários cujos “postos de trabalho” não são minimamente
afectados pelas impaciências e queixas do público38.
Por tudo isto nos parecia razoável que os notários cooperassem com
os conservadores do registo predial no sentido de se conseguir obter um idêntico
destino de gestão privatizada tanto para os cartórios notariais como também para
as conservatórias – não falando aqui do registo civil, tendencialmente gratuito e
que portanto carecerá de outro enquadramento, bem como do denominado RNPC39.
De resto, é bom recordar: notariado e registos (predial e comercial)
têm idêntico âmbito instrumental do direito privado, dirigido aquele à titulação
do acto jurídico e este à sua publicitação e eficácia erga omnes. Representam
verdadeiramente duas faces da mesma moeda. Consequentemente, devem andar a
par, mesmo quanto á já referida gestão privada de actividade e serviço público.
36
5. Em Portugal, no que toca aos registos, a reforma legislativa em curso nos
últimos tempos, aparte alguns ajustes pontuais, apenas envolveu a área do
registo comercial. Mas, verifica-se que, também neste domínio, as confusões
são grandes. A primeira e mais propagandeada das medidas foi a instituição da
chamada “empresa na hora” (e agora do projecto “on line”). Não se discute a boa
intenção do legislador, nem o aplauso dos operadores económicos, nem tão pouco
a conveniência de certas medidas constantes do diploma40. Questiona-se, sim,
a apologia da instantaneidade e quiçá da impensada constituição de sociedades
comerciais sem sequer haver um comprovado capital mínimo, e a (des)vantagem
da multiplicação de sociedades de responsabilidade limitada41, bem como a
confusão estabelecida (e difundida pelo país, sobretudo através da comunicação
social) em torno de dois conceitos completamente distintos: o de constituição
de uma sociedade comercial e o de criação de uma empresa. Quanto ao primeiro
nunca houve obstáculos de monta42, salvo no que concerne à autorização do
nome da firma, frequentemente demorado e às vezes rejeitado43. Quanto ao
outro, apesar de, como doutamente ensina Coutinho de Abreu44, não ser possível
estabelecer “um conceito genérico de empresa”, a realidade é que quer no sentido
subjectivo – de “sujeitos jurídicos que exercem uma actividade económica” e que,
inclusivamente, podem nem ser pessoas colectivas – quer no sentido objectivo
– “como instrumentos ou estruturas produtivo-económicos objectos de direitos e
de negócios”45 - a constituição de uma sociedade comercial não é, em si, a criação
de uma empresa e no sentido objectivo, que é o verdadeiramente relevante para
o progresso económico, torna-se manifesto que, de modo algum, tal constituição
de sociedade representa por si a criação, a reunião ou a construção das estruturas
produtivas, dos bens, dos materiais, dos serviços, dos projectos necessários à
fundação de uma qualquer empresa não fictícia46.
Temos ainda que se indicia serem altamente duvidosos os benefícios sociais
decorrentes de uma multiplicação indiscriminada de sociedades comerciais
relativamente às quais nem sequer foi exercido um singelo - e necessário
- controlo notarial ou registral da efectiva existência de um capital mínimo47 e
que, portanto, muitas vezes serão meras sociedades de fachada, sem substrato
real e sem quaisquer recursos ou possibilidades de investimento. Serão talvez
e unicamente aplaudidas em meros termos quantitativos e sem que se tenha
atendido à precariedade (que deveria ser combatida e não incentivada) que
obviamente decorre dessas instantâneas constituições.
“do exercício concreto de um poder do
Estado” com características “próprias e
autónomas integrando aquilo que tem
sido designado como a função legitimadora do Estado” ( cf. o nosso citado
estudo in “Regesta” 1993,I, sobretudo a
pág.49). E, também na área registral,
se verifica a mesma incindibilidade de”
serviço público e exercício privado” na
“actividade concernente às relações
jurídicas privadas” (como também referi
in “Scientia Iuridica”, Janeiro 2002, nº 292,
pág.127). Não será, pois, errónea uma velha
ideia de que “nos registos e notariado o
Estado só estorva”.
37. Note-se que não é só neste domínio
que se comprova “ex abundantis” a
ineficiência da gestão pública que,
evidentemente, nunca é superada por
fiscalizações, perseguições, relatórios e
outras “burocracias”.
38. Diga-se que estes factos ocorriam
igualmente com os cartórios notariais
públicos. Note-se ainda que outros factores, tais como, por vezes, inadequada
preparação e sobretudo o que cheguei a
apelidar de temor decisório - tanto por
parte de alguns notários como, talvez
mais ainda, de conservadores - agravam
toda a situação.
39. É um serviço que existe em Portugal:
o Registo Nacional de Pessoas Colectivas, essencialmente destinado a admitir
a possibilidade da inscrição e do uso
das firmas (enquanto firma-denominação,
mas não o de marcas) das sociedades comerciais e de outras pessoas colectivas.
Trata-se de um serviço que foi sempre
alvo de críticas e acusado de extrema
burocracia. Visto que esse seu papel é
essenciamente o de licenciamento do
uso de firmas tem uma natureza eminentemente administrativa e é, portanto,
diferente do das conservatórias. Em
suma: afigura-se que não se justificará,
nem será oportuna, a sua privatização.
40. Referimo-nos ao Decreto-Lei nº
111/2005, de 8 de Julho e v.g. à “bolsa
de firmas” prevista no artº 15º.
41. Nos termos do estabelecido no artº
1º do citado Decreto-Lei nº 111/2005, o
regime em causa só se aplica às sociedades anónimas e por quotas – as quais,
todavia, correspondem à larguíssima
maioria das sociedades constituídas em
Portugal.
42. Até devido à possibilidade, que sempre existiu, de os interessados poderem
escolher qualquer cartório notarial.
43. Por isso que se considerou positiva
a medida prevista no artº 15º do aludido
diploma e também se afigurava conveniente rever o regime vigente.
44. V.g. no “Curso de Direito Comercial”,
vol. I, Almedina 1998, pág. 175 e segs.,
onde é feita uma clara e perspicaz
exposição com respeito às empresas. A
passagem citada é de pág. 243 e também exposta a págs. 187 e segs.
45. As passagens citadas são da pág.
187.
46. A sociedade comercial relaciona-se
apenas com a titularidade da empresa.
Esta pode, como é evidente, ser criada
por qualquer pessoa em nome individual
por sociedade regularmente constituída,
ou mesmo, por sociedade irregular. Isto
6. No domínio do registo comercial a reforma de 2006 foi profunda e, a nosso ver,
passível de largas e justificadas críticas.
No preâmbulo do diploma que a instituiu (o aludido Decreto-Lei nº 76-A/2006, de
29 de Março)50 diz-se que “visou concretizar uma parte fundamental do Programa
do XVII Governo Constitucional” e no artigo 1º indica-se que se adoptaram várias
“medidas de simplificação de actos e procedimentos registrais e notariais”. Não
é esta a oportunidade de se fazer uma análise minimamente aprofundada do
conteúdo da reforma. Bastará, para apenas salientar o que em termos direito
comparado mais poderá interessar, aludir a algumas das medidas que nos parece
não deverem ser repetidas noutros ordenamentos e enunciar as que, nestes,
poderão porventura ter alguma utilidade.
A medida que, a nosso ver, foi mais negativa consistiu na própria alteração do
sistema de registo. Existia entre nós um registo de direitos, fiável, e que em
nome de uma falaciosa simplificação51 se quis transformar num mero registo de
transcrição, quando não mesmo num simples arquivo de documentos. Aliás foi
alterada a disposição (artigo 11º) que estabelecia constituir o registo definitivo
presunção da existência da situação jurídica nos precisos termos em é definida pelo
próprio registo, tendo sido revogada esta importante presunção de exactidão52. Daí
que seja legítimo interrogarmo-nos: porque se quiseram desvalorizar os efeitos do
registo? Porque a exactidão não convém? Porque é mais simples se acabar a fé
pública para passar a haver dúvidas quanto ao conteúdo dos registos?
Francamente, não creio que se possam encontrar explicações plausíveis para
a diminuição das garantias, da segurança e da falta de rigor do registo. Mas
essa desvalorização constituiu, em grande parte, o rumo da reforma. É que
não foi apenas no tocante à eliminação do princípio da exactidão anteriormente
contemplado na parte final do artigo 11º. Foi também, de uma forma igualmente
grave, na supressão do princípio da legalidade quanto aos registos feitos por mero
depósito.
O registo pode agora ser feito por depósito ou por transcrição (artigo 53º-A). E será
apenas neste caso que o registador – ou, por incrível que pareça, um qualquer
funcionário53 - irá qualificar a viabilidade do pedido de registo (artigo 47º). Quer
dizer: nos diversos casos em que o registo é efectuado por mero depósito (nº 4 do
artigo 5-A) podem ingressar no sistema registral actos absoluta e manifestamente
nulos!54 Que comentário tecer? Na óptica do legislador para que servem esses
“registos”?55 Apenas para “satisfazer” ignorantes?
E acontece também o seguinte: existe em Portugal o mau hábito de serem pessoas
desqualificadas e juridicamente impreparadas a fazer actas e outros documentos
das sociedades. Para além do que essa prática representa em si mesma de
negativo56, verifica-se que tais documentos contêm frequentemente imperfeições,
omissões e até nulidades. Ora, se quanto aos factos que podem ser registados
com base nesses títulos (pseudo-títulos) já não há qualquer controlo notarial, nem
também o registral, permita-se que voltemos a perguntar: para que serve inscrevêlos? Para ludibriar o povo? Para multiplicar a conflitualidade? Para, quando os
próprios agentes económicos se aperceberem, diminuir o investimento?
é: pode haver empresa sem ter sido
constituída uma sociedade comercial e
o inverso também é verdadeiro – pode
haver (e há) sociedade constituída sem
existir empresa alguma.
47. Os únicos documentos em geral
exigidos para a constituição destas
sociedades são os da identificação dos
sócios (B.I.). Não se torna necessário
provar que realmente existe um capital
mínimo (cf. artº 7º, nº 2, do citado DecretoLei nº 111/2005).
48. Contudo, neste domínio, não se vê
que tenham sido tomadas medidas
concretas (ao nível central e ao nível autárquico) designadamente para facilitar
os célebres licenciamentos. A abertura
de uma empresa “mínima” - um simples
café (e que, é claro, não precisa de ser
através de uma sociedade comercial)
– pode carecer de bastante tempo e
esforço. Também quanto à declaração
fiscal de início de actividade – que poderia ser electronicamente transmitida aos
serviços fiscais – subsiste a necessidade
de os interessados a efectuarem igualmente perante esses serviços fiscais e,
portanto, também neste campo nada se
simplificou.
49. E com efeitos concretos, visto que
Portugal subiu no ”ranking” internacional na facilitação de constituição de
empresas. Deve, porém, referir-se que
os termos numéricos não correspondem aos de efectiva criação de riqueza
(v.g. as “constituições” foram quase só
restaurantes ou micro-empresas de
construção), visto que as reais “empresas” querem, evidentemente, ponderar
as soluções e constituir sociedades
pensadas e “à medida” e não “na hora”.
50. As alterações contempladas neste
diploma não se circunscreveram aos
códigos dos registos e do notariado.
Abrangeram outros, designadamente
o Código das Sociedades Comerciais e
o Código Comercial que, todavia, nesta
breve intervenção, não haverá ensejo
de focar.
51. Afigura-se pertinente o qualificativo,
uma vez que o pretendido processo
de simplificação é ilusório, pois deixa
de a haver se as consequências da
eliminação de barreiras de entrada se
traduzir em insegurança jurídica e em
futuras complicações, como será o caso.
No entanto, a reforma é recentíssima e,
por isso, ainda não se puderam notar os
seus efeitos adversos e os danos que irá
causar na indispensável confiança que
os agentes económicos procuram e, se
querem investir, exigem.
52. Como ensina a doutrina, a presunção
de verdade estabelecida (como presunção
juris tantum) na 1ª parte do artº 11º (e,
identicamente, no artº 7º do Código do
Registo Predial) era complementada
com uma presunção de exactidão, dado
que a situação jurídica presumida o era
“nos precisos termos” em que o registo
a definia. Recorde-se que os efeitos presuntivos do registo são manifestamente
relevantes. Menezes Cordeiro considera-os mesmo “efeitos substantivos
indirectos” (cf. “Evolução juscientífica e
direitos reais”, in Revista da Ordem dos
Advogados, Ano 45, Abril
| ordem dos notários JANEIRO 2007
Consequentemente, e muito embora se concorde serem convenientes os processos
que tenham em vista a facilitação da constituição de empresas48 e sendo
também de aplaudir a rápida e cómoda constituição de sociedades comerciais
(v.g. sem as conhecidas delongas e dificuldades para se obter o licenciamento de
uma firma) a verdade é que habitualmente não era difícil a celebração notarial
do contrato de sociedade, feito “à medida” (usualmente minutado por advogado)
e a correspondente constituição e registo definitivo, pelo que parece resultar
que o principal objectivo que houve com a insistente difusão pública do citado
quadro legal da “empresa na hora” terá sido principalmente o propagandístico (até
para mostrar aos agentes económicos um dinamismo governativo), mesmo a nível
internacional49.
37
| ordem dos notários JANEIRO 2007
artigo científico
38
Talvez para “tapar os olhos” aos cidadãos e especialmente aos juristas, introduziuse a curiosíssima disposição do artigo 242º-E do Código das Sociedades Comerciais,
cujo número 1 diz que a sociedade não deve promover o registo se ele não for
viável em face das disposições legais, dos documentos e dos registos anteriores,
prosseguindo a disposição com a redacção constante (e copiada) dos preceitos
dos códigos dos registos predial e comercial onde vem consignado o princípio da
legalidade. Quer dizer: naqueles casos, a importantíssima função qualificadora, o
nobile officium, que exige preparação especializada, vai passar a ser exercida por
auxiliares de contabilidade, por sócios das pequenas empresas que usualmente
nem a escolaridade mínima possuem e não fazem ideia do que seja um registo?57
Ou essas pequenas sociedades, que são a grande maioria, quando necessitarem
de titular um daqueles actos de registo vão precisar de contratar um advogado
e arcar com as deslocações, explicações e inerentes despesas? Será que isso
contribui para o progresso económico, para a simplificação das questões, para a
indispensável segurança do comércio jurídico?
Não nos parece que a resposta possa ser afirmativa.
Cabe, porém, referir que nas alterações legislativas não houve só “desgraças”,
as referidas e outras. A nosso ver, e para se fazer uma crítica isenta, deverse-há dizer que também algo de positivo trouxe a reforma. Desde logo quanto
aos suportes documentais dos actos de registo por transcrição que passam a
ser feitos informaticamente (artigo 58º,nº1) o que, portanto, permite obter as
inerentes vantagens58. Além disso, no tocante ao capítulo da prova dos registos
foi introduzida uma secção que prevê a criação de uma base de dados, a cargo do
director-geral e com vista à rápida prestação de certas informações atinentes à
situação jurídica das sociedades. No que respeita às publicações obrigatórias que
eram feitas no “Diário da República”, passaram a sê-lo em sítio da Internet. Há
ainda a facilitação do pedido de registo, bem como da sua certificação, e alguns
outros acertos que parecem ajustados, como é o caso da apresentação por via
electrónica e o da dispensa de tradução de documentos se escritos num dos
idiomas mais vulgares (espanhol, inglês ou francês –artº 32º,nº2) que o registador
domine.
Novidade maior foi, no entanto, a introdução de um procedimento nas
conservatórias para a dissolução e liquidação das designadas “entidades
comerciais”59. Nos termos deste processo, dito administrativo60, a própria sociedade,
os seus representantes e outras entidades (v.g. credores) podem requerer na
conservatória que seja instaurado um procedimento com vista à sua dissolução ou
liquidação.
Esta medida, ao que se pensa, não visou desformalizar aqueles actos, que
normalmente podem ser praticados (e continuarão a sê-lo) pela porventura mais
fácil via da escritura pública. Visou, sim, retirar da esfera judicial os processos
até aqui da exclusiva competência dos tribunais. Ora, isso é positivo e vai ao
encontro de um proveitoso – para os tribunais e para as partes - percurso de
desjudicialização de processos61 encetado há já vários anos.
Com o novo regime jurídico da dissolução e liquidação, havendo causa legal para
tanto, pode a própria sociedade (e outras pessoas colectivas, como as cooperativas),
os sócios ou os credores requerer que na conservatória se instaure o processo
respectivo, que culmina com a decisão do conservador que, sendo favorável,
permitirá lavrar o correspondente registo. Esta decisão é, evidentemente, passível
de recurso pela via judicial, caso em que, como é de regra geral, só após o trânsito
em julgado será possível lavrar o registo.
Além desta possibilidade de instauração do processo a pedido dos interessados,
pode também o mesmo ser iniciado oficiosamente quando se verifiquem
determinadas circunstâncias previstas na lei (artigo 5º) e a tal conducentes.
Diga-se ainda que o legislador, possivelmente entusiasmado por ter previsto a
constituição da denominada “empresa na hora”, de que falámos, previu também
uma dissolução e liquidação na hora (artigo 27º), que possivelmente não trará
1985, pág.108).
53. Foi o nº 2 do artigo 55º-A que veio
admitir que para diversos actos (alguns
dos quais, como a nomeação ou exoneração
de administradores, levanta por vezes questões jurídicas) tivessem competência os
oficiais dos registos. Ora, para além de
aos funcionários “auxiliares” não lhes ser
legalmente exigida preparação jurídica,
é sabido que só o controlo permanente,
directo e actuante do conservador ou
do notário é verdadeiramente eficiente e
persuasivo.
54. O próprio conceito de nulidade do
registo é apenas aplicável ao “registo
por transcrição” (artigo 22º, nº1)!
55. Só para a confusão, que afinal é tudo
o que um registo – um qualquer registo
- nunca deve gerar. Apesar do escasso
tempo de vigência da reforma, tomamos
já conhecimento de algumas situações
verdadeiramente “complicadas” (v.g.
a do depósito de um ”documento”, por
certo feito por algum aprendiz de contabilista, da unificação numa só quota de uma,
anterior, “bem comum”- e que, aliás, por
divórcio fora adjudicada ao outro cônjuge
- com outra, “bem próprio”, e posterior
transmissão a um terceiro!. E outrossim
de casos reais de quotas pertencentes à
mulher, casada em comunhão geral, que
as vendem ao marido!). Vê-se, pois, que
a confusão não é só conceptual. Já há,
pois, exemplos concretos e lamentáveis
da desvalorização do registo – que, por
incrível que pareça, abrange várias outras
situações, desde a penhora de quotas às
provisoriedades por natureza e por dúvidas
- e da consequente incerteza do direito,
o que, obviamente, se irá traduzir numa
perda de confiança do público em geral,
e dos investidores em particular, com
o consequente risco para o comércio
jurídico e para o próprio desenvolvimento
económico.
56. O Boletim da Ordem dos Advogados
nº 42 (Maio/Agosto de 2006) é especialmente dedicado à procuradoria ilícita
e o que referimos é aí corroborado. O
combate a essa prática ilícita representa
mesmo “uma questão de cidadania” (pág.
12), pelo que não devia ser o próprio Governo a incentivá-la com a facilitação do
apontado tipo de registos por “depósito”,
com base em simples “documentos”
(papeis?) feitos pelos, em Portugal popularmente chamados, “lareiros”.
57. Lamentável é também que o desconhecimento das questões do direito
registral (e notarial) - dos tratados
teóricos, das práticas dos diversos sistemas, das conclusões dos congressos
internacionais, das reflexões sobre estas
matérias – seja não apenas dos próprios
dirigentes (legisladores?), o que poderia
ser compreensível, mas se estenda aos
seus auxiliares, adjuntos e assessores
que pululam pelos corredores do Poder
central (e que em Portugal são conhecidos
pelo sugestivo nome de “boys”). É claro
que com o puro improviso e sem prévia
e séria formação e ainda sem aplicado
estudo os resultados não poderão ser
bons. E tal falta de estudo torna-se indesculpável se, depois, se dão erros tão
clamorosos e graves como os de todas
as alterações ao Código do Registo
7. O tema da desjudicialização tem tido desenvolvimentos vários quanto a
determinadas áreas dos registos e do notariado, mas parece que se pode afirmar
que o seu início mais relevante ocorreu com o diploma que em 1995 (o Decreto-Lei
nº 131/95, de 6 de Junho) alterou o Código do Registo Civil e que transferiu para a
competência do conservador a instrução e decisão de vários processos até então
de exclusivo âmbito judicial. De entre eles, logo teve grande impacto o processo de
divórcio e de separação de pessoas e bens por mútuo consentimento.
Estes processos passaram a poder ser instaurados e a correr seus termos na
conservatória do registo civil, ficando a correspondente decisão a cargo do
conservador. Dado o seu elevado número, constituiu indubitavelmente uma das
disposições que aliviou a crescente carga dos tribunais e, decorrida já mais de
uma década e atenta a quantidade destes casos resolvidos nas conservatórias,
usualmente com o agrado dos juristas e da população em geral, poder-se-á dizer
que constituiu uma das acertadas medidas que neste âmbito foram tomadas.
Entretanto, com as sucessivas alterações do Código (v.g. os Decretos-Lei nºs. 36/97,
de 31/1, 120/98, de 8/5 e 273/2001, de 13/10) outros actos e processos passaram
– e bem - para a competência do conservador, como foi o caso do “processo de
justificação judicial” respeitante às situações de suprimento da omissão de registos.
No tocante ao registo predial e também inserindo-se no que o legislador designou
como a “estratégia de desjudicialização de matérias que não consubstanciam
verdadeiro litígio”, caberá igualmente referir o processo de justificação (artigos
117º-A a 117º-P do Código do Registo Predial) e o processo de rectificação do
registo inexacto ou indevidamente lavrado, mesmo quando não exista acordo dos
interessados (artigos 118º a 132º-C do mesmo Código). São processos cuja decisão
cabe ao conservador - que, para tanto, pode solicitar provas e ouvir testemunhas
– e, é claro, sempre com recurso para os tribunais.
Falamos já do registo comercial e da sua recente reforma, cumprindo ainda dizer
que, identicamente ao que ocorreu com o registo predial, também a competência
para a instrução e decisão dos processos de rectificação e de justificação passou,
com o Decreto-Lei nº 273/2001, de 13 de Outubro, para a competência do
conservador.
8. A propósito da desjudicialização de matérias que anteriormente eram da esfera
exclusiva dos tribunais e que o legislador entendeu – e cremos que bem – poderem
ser resolvidas nas conservatórias, pensamos ter, numa breve síntese, dito o
essencial. Referir-nos-emos agora – ainda que também muito sucintamente - ao
que futuramente63 se perspectiva nesta área dos registos e do notariado.
No que concerne ao registo civil, é intuito noticiado o da sua integral informatização
– à semelhança aliás dos demais registos – com as consequentes vantagens,
incluindo as de facilitação da prova dos actos.
Anuncia-se outrossim que poderão também vir a ser efectuadas no registo civil as
habilitações de herdeiros64.
Quanto ao registo predial, está em curso o programa informático que irá permitir
uma mais eficiente publicidade formal e um fácil acesso ao pedido de registo e
à prova tabular65. Existe ainda um outro projecto relativo à descrição predial e já
constante de uma Resolução do Conselho de Ministros, bem como das “Grandes
Opções do Plano” recentemente publicadas66. Trata-se da chamada “informação
predial única” para cuja efectivação foi criado o “Sistema Nacional de Exploração
e Gestão de Informação Cadastral – SINERGIC”. É que, em Portugal os prédios
ainda têm uma identificação e um número próprio no registo predial, outro
diferente nas matrizes fiscais e ainda outro nos serviços cadastrais. Ora, porque
realmente é de toda a conveniência que exista uma só referencia, já há mais de
Comercial.
58. O preâmbulo do aludido DecretoLei refere, “em 9º lugar”, como medida
benéfica, a eliminação da competência
territorial. Temos algumas dúvidas
desse benefício quanto à conveniente
e efectiva publicitação dos actos de
registo comercial. Ele foi, aliás, previsto
no “Código de Registo de Bens Móveis”
– e aí não se vislumbram desvantagens
– mas esse diploma não chegou a entrar
em vigor.
59. Que tem o extenso e complicado
nome de “Regime Jurídico dos Procedimentos Administrativos de Dissolução
e Liquidação de Entidades Comerciais”
e não consta de diploma próprio, mas é
“um regime”(?) que foi aprovado pelo nº
3 do artigo 1º do citado Decreto-Lei nº
76-A/2006.
60. Que, em brevíssimo apontamento, se
poderá notar que bem mais parece um
procedimento de jurisdição voluntária
(inserido no âmbito do direito privado e
dos respectivos procedimentos cíveis) do
que um processo administrativo, que a
designação legal sugere.
61. Não no sentido de um”direito
espontâneo” de que fala Mark Galantier
no artigo a que sugestivamente deu o
título “A justiça não se encontra apenas
nas decisões dos tribunais” (in “Justiça
e Litigiosidade -História e Prospectiva”
de A. Hespanha, Gulbenkian, sendo a
passagem de pág. 82). No sentido, sim,
de uma jurisdição voluntária que poderá
desenrolar-se, e bem, externamente ao
foro judicial.
62. E, portanto, fugir aos credores. É
certo que a disposição legal obriga a
que se faça expressa declaração de não
haver activo nem passivo a liquidar (artº.
27º,nº1,b)). Trata-se, todavia, de uma “declaração” não comprovada e que, como
se sabe, poderá não ser correcta. É, pois,
possível à luz do novo regime constituir
num dia uma empresa (apenas para
obter financiamentos) e no dia seguinte
(declarando “qualquer coisa”) dissolvê-la
e liquidá-la.
63. Mesmo porque, também em
termos de direito comparado, se o
”passado é morto”, com o seu (ainda
que necessariamente importante) valor
histórico, é o presente, actualizando a
nossa experiência, e também o futuro,
perspectivando um melhor caminho, que
talvez mais possam incentivar a reflexão
sobre as soluções que, em termos de
direito comparado, outras ordens jurídicas igualmente admitam introduzir. Por
isso, pareceu-nos útil abordar, ainda que
sumariamente, as perspectivas futuras.
64. Trata-se de mais um acto até agora
da exclusiva competência notarial e
judicial e que, embora desconhecendo
o projecto legislativo sobre a matéria,
nos parece constituir outro exemplo do
“tirar o tapete” ao notariado no regime
da privatização, e não propriamente um
caso de desjudicialização desta matéria.
A habilitação judicial, obviamente,
subsistirá.
65. Enquanto se discutem as melhores
soluções temos verificado que por
vezes se faz uma inaceitável confusão
| ordem dos notários JANEIRO 2007
tantos problemas como a constituição, mas que, por certo, irá servir para apagar
rapidamente sociedades de que os interessados se pretendam livrar62.
39
artigo científico
| ordem dos notários JANEIRO 2007
10 anos havia sido publicado um diploma67 que previa a identificação única e
agora, nos termos daquela resolução, retomou-se a ideia, pretendendo obter-se
a “condensação” das aludidas referências respeitantes ao prédio, enquanto pura
realidade de facto sobre a qual incidem os direitos, numa só informação predial68.
A propósito do registo de automóveis, cujos conservadores integram os quadros
do registo predial, depois do chamado “documento único automóvel”69 e apesar
da legislação respectiva ter mais de 30 anos, não parece que seja intenção
governamental repensar o Código de Registo dos Bens Móveis ou pô-lo finalmente
em vigor.
E quanto ao notariado?
No que às perspectivas futuras diz respeito e após o importante passo que
constituiu a privatização, cabe referir que a Ordem tem apresentado diversas
propostas e espera-se que, pelo menos as mais significativas, venham a merecer
acolhimento favorável.
Um dos projectos que está em adiantada fase de estudo - e relativamente ao qual
foi já formado um grupo de trabalho com a Direcção-Geral dos Impostos - é o
da cooperação com o Ministério das Finanças no sentido de que possam vir a ser
liquidados nos cartórios notariais todos os impostos e taxas que, designadamente
pela transmissão de imóveis, constituem receitas fiscais. Se esta medida vier a
concretizar-se é manifestamente útil para todos os utentes, até devido ao tempo
que habitualmente perdem nas repartições de finanças.
Outra ideia é a da intercomunicação electrónica com as conservatórias, facilitando
o próprio pedido de registo e as certificações dos actos.
Há ainda um projecto de protocolo que irá ser celebrado com a Associação de
Municípios em que também essa intercomunicação pode ser extremamente útil,
não apenas porque para a celebração de muitos dos actos de transmissão de
imóveis é legalmente exigido um comprovativo dos licenciamentos camarários,
como ainda porque é outro dos serviços em que o cidadão gasta normalmente
imenso tempo (e algum dinheiro) para conseguir obter tais documentos.
Vê-se, portanto, que os notários portugueses concordam com a vertente pública
da função e, além disso, estão empenhados em demonstrar a sua utilidade social e
mesmo indispensabilidade prática. Importante será que os governos o reconheçam.
40
9. Verdadeiramente, toda a matéria dos registos e do notariado envolve uma
componente eminentemente prática do direito, o que aos olhos de alguns juristas
– a nosso ver pouco esclarecidos - poderá parecer secundário ou de menor
estrutura, mas que de facto não o é.
Como já há anos doutamente ensinava o ilustre Presidente deste Congresso,
Professor Francisco Amaral, “o Direito é uma ciência prática. É um saber para a
acção e para o comportamento social”. E “orienta-se por princípios e regras que
pertencem a um projecto político-filosófico, cuja finalidade é realizar determinadas
ideias ou objectivos fundamentais para a sociedade”70.
Uma dessas ideias estruturantes é precisamente a da segurança jurídica. Na
oportuna lição dos nossos Mestres Gomes Canotilho e Vital Moreira, trata-se
de uma figura jurídica que – como a equidade ou o excepcional interesse público
- assume mesmo uma densidade pré-constitucional71. E Francisco Amaral ensina
também que valores jurídicos fundamentais são “a justiça, a segurança jurídica e o
bem comum”72.
Ora, os registos e o notariado são instituições de natureza instrumental
que precisamente estão ao serviço da segurança jurídica, “da sua eficácia e
efectividade”73, especialmente no que concerne às relações jurídicas privadas, à
sua certeza e à garantia da sua concretização entre as partes e face a terceiros.
Precisamente por isso não podemos concordar com várias das já indicadas medidas
que o legislador português recentemente introduziu na área da desformalização
e com a própria atitude de subvalorização da actividade notarial e registral, bem
como, na reforma do registo comercial, naqueles aspectos que comprovadamente
da pág. 6471 do Diário da República. A
resolução do Conselho de Ministros é a
nº 45/2006, de 4 de Maio.
67. Tratou-se do Decreto-Lei nº 172/95,
de 18 de Julho.
68. Esta Resolução indica que a
“informação predial única” consiste na
reconciliação e condensação sistemática
da realidade factual da propriedade
imobiliária com o registo predial, as
inscrições matriciais e as informações
cadastrais”.
69. Trata-se do Decreto-Lei nº 178-/A,
de 28 de Outubro que também teve em
vista instituir o “certificado de matrícula”
e dar cumprimento às Directivas comunitárias 1999/37 e 2003/127 (CE).
70. Cf. “O Direito Civil na Pós-modernidade”, in “Revista Brasileira de Direito Comparado” , nº 21, 2º Semestre de 2001,
págs . 5 e 6. Também Karl Engisch no
início do seu conhecido livro “Introdução
ao Pensamento Jurídico”(“Fundação
Calouste Gulbenkian”, 9ª ed., pág. 12)
observa que o Direito é um elemento
essencial da comunidade” . A ciência
jurídica “é suspeita aos olhos do leigo”.
mas este preocupa-se “com o Direito
na medida em que este é um preceito
prático”.
71. Cf. na “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª edição
revista, pág. 1043, quando comentam
a limitação de efeitos da declaração de
inconstitucionalidade.
72. “Direito Civil. Introdução”, 4ª ed. pág.
15 e segs., mas itálico nosso.
73. Como oportunamente escreveu
Ingo Wolfgang Sarlet na “Revista
Brasileira de Direito Comparado” - nº 28,
1º Semestre de 2005, - onde, a pág. 91,
acrescentava: “para o cidadão, a possibilidade de confiar na eficácia e, acima
de tudo, na efectividade dos direitos que
lhe são assegurados pela ordem jurídica
já integra, de certo modo, um direito à
segurança”.
74. Qualquer sistema de registo,
devendo ser eminentemente prático, não
pode – sob pena de se negar a si mesmo
– deixar de oferecer a indispensável
garantia de que o publicitado existe e é
juridicamente válido, o que, evidentemente, é negado num pseudo-sistema
de mero depósito em que o conteúdo do
título nem sequer foi qualificado!
75. Vide especialmente sobre os efeitos
na economia dos vários sistemas de
registo, o excelente trabalho de Benito
Arruñada “Sistemas de Titulación de
Propriedad” , Palestra Editores, 2004.
76. Tem de pensar-se à face do nosso
Ordenamento que o legislador consagrou “as soluções mais acertadas” (artº
9º, nº 3, do Código Civil) pelo que é de
presumir que, ao fazer-se a aludida reforma, ou não se estava a acreditar num
sistema de registo ou se desconheciam
as próprias conclusões dos congressos
internacionais (em que, principalmente
no XII Congresso Internacional, se
estabeleceram claras conclusões sobre
os efeitos nocivos para o desenvolvimento económico decorrem de um “fraco”
sistema de registo, como o de mero depósito). Aliás, entre nós, como se vê, não
se caminhou para credibilizar e dignificar
10. Terminemos, no entanto, esta breve intervenção recordando alguns pontos da
legislação lusa e da correspondente prática notarial e registral que possam ser
merecedores de assentimento e que, por isso, consigam fazer escola.
A abertura à sociedade civil é sem dúvida um deles e que foi incentivada pela
privatização do notariado que, como vimos, levou a Ordem a fazer uma proposta de
protocolo a celebrar com a Associação de Municípios Portugueses para uma célere
e directa comunicação com estes e constituiu também um grupo de trabalho para
que os notários tratem dos aspectos fiscais relacionados com a transmissão de
imóveis.
Por outro lado, apesar dos aspectos negativos que sumariamente referimos, o
vendaval que constituiu a reforma do registo comercial76 não varreu a disposição
básica do nº 1 do artigo 32º do Código. Portanto, não obstante a informatização e
a admissibilidade das comunicações electrónicas, manteve-se para os contratos e
para os documentos em geral a necessidade do suporte escrito, já que entre nós,
como ainda também no Brasil – segundo o claro ensino de Frederico Viegas de
Lima - o que releva para a produção de efeitos jurídicos é o documento escrito, os
clássicos instrumenta e não os monumenta77.
É, porém, no campo da desjudicialização de matérias, que passaram para a
competência das conservatórias, que as alterações legislativas mais se têm feito
notar de uma forma positiva. É que há múltiplos casos em que, como reconheceu
o legislador português, apesar das opiniões divergentes das partes, não se está
perante um litígio, um conflito de interesses que só judicialmente possa ser
dirimido.
Por isso, a sua resolução fora dos tribunais, alivia-os do crescente número de
processos que só aí podem ser decididos e constitui para os próprios interessados
uma alternativa mais acessível, mais económica e mais célere. É este o caso
paradigmático a que nos referimos, do divórcio e da separação de pessoas e bens.
Esperemos, portanto, que os legisladores possam aproveitar estas boas
experiências e não resvalem naqueloutras, como as da completa desformalização78
ou do mero depósito de documentos cujos aspectos negativos – mormente para
a segurança jurídica79 – suplantam largamente alguns aparentes benefícios que
eventualmente pudessem conter.
E a falta de segurança jurídica é, em si, um mal tão grave que, para além
de desestruturar todo o sistema, também gera a precariedade, aumenta a
conflitualidade e produz a discórdia social, quando, por outro lado, é certo que os
registos e o notariado constituem uma instituição respeitável, um credível pilar das
relações sociais que os governos e as legislações dos diversos países adoptaram
ao longo da sua evolução histórica e que ainda hoje, ao mostrar-se praticamente
indispensável o seu contributo para a realização prática do Direito, notório é que a
devem continuar a utilizar, cientes de que assim contribuirão para o bem comum.
Por certo muito mais haveria a dizer, mas devendo esta intervenção ser breve, por
aqui me quedo, grato pelo tempo e pela paciência que me quiseram dispensar.
o Registo, mas sim para o desconceituar
e desacreditar.
77. Cf. “O Direito Registral dos Contratos” in “Revista Brasileira de Direito
Comparado” nº 18,1º Semestre de 2000,
págs. 171 e segs. A passagem citada é
de págs. 198.
78. Parece que esquecendo o legislador
que só o documento autêntico permite à
luz do nosso direito civil ( e do dos demais
países de tradição romano-germânica)
fazer “prova plena dos factos” (artº
371º do Código Civil). Por outro lado, a
actividade notarial não se circunscreve à
autenticação. É também de conformação com o permitido por lei e de aconselhamento às partes. “Há uma relação
directa entre o sujeito do negócio e o
acto”. O notário interpreta juridicamente
a vontade negocial. - “verba-voluntasrogatio-negozio – “formando o acto
que é todo um conjunto”, “volizione
teórica, materializzazione giuridica” (cf.
A.Morello, E. Ferrari e A. Sorgato
“L’Atto Notarile”, pág. 126). Tambem
no âmbito registral a qualificação do
conservador permite que só entrem no
sistema actos válidos e o assessoramento possibilita a ajuda às partes para que
aperfeiçoem ou completem a instrução
do pedido.
79. Segurança jurídica e “segurança do
comércio jurídico”, que – sem subsistir
um “registo de direitos”- nem sequer
se contrapõem (cf. Victor Eherengerg
“Seguridad jurídica Y seguridad del
tráfico” tradução de António Pau,
Cuadernos de Derecho Registral, pág 23
e segs) visto que em sistemas registrais
de mero depósito de documentos essas
duas perspectivas da segurança jurídica
inexistem simultaneamente.
*José Augusto Guimarães Mouteira Guerreiro é Conservador dos
Registos aposentado.
Leccionou durante vários anos na
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra os cursos de
formação de Registos e Notariado,
tendo sido membro do Conselho
Técnico da DGRN.
| ordem dos notários JANEIRO 2007
diminuem tais valores de certeza e de segurança jurídica que um registo de
direitos terá de conferir. E faz-nos mesmo pensar que não se acreditou no valor
e nas potencialidades do sistema de registo74 – que aliás manifestamente se
desvalorizaram e se descredibilizaram - nem se reflectiu sobre os riscos que para
o próprio desenvolvimento da economia representam os documentos avulsos
feitos sabe-se lá por quem, nem nos perigos e inconvenientes de um registo
de mero depósito, necessariamente pouco fiável75, em que a segurança jurídica
surge diminuída e que portanto não pode merecer a confiança dos operadores
económicos.
41
internacional
[ana isabel pinto]
CNUE
| ordem dos notários JANEIRO 2007
Processos por incumprimento movidos pela
Comissão Europeia
42
CNUE
O Conselho dos Notariados da União Europeia (CNUE)
é a instituição representativa da profissão de notário
junto dos órgãos da União Europeia. Associação sem
fins lucrativos de direito belga, o CNUE tem sede em
Bruxelas. Porta-voz da profissão, exprime as decisões
comuns dos seus membros junto das instâncias europeias, contribuindo para a promoção do notariado.
O CNUE reúne, desde 1 de Janeiro de 2007, 21 organizações do notariado da União Europeia: Alemanha,
Áustria, Bélgica, Bulgária, Espanha, Eslováquia,
Eslovénia, Estónia, França, Grécia, Holanda, Hungria,
Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Polónia,
Portugal, República Checa e Roménia. A Croácia tem o
estatuto de observador.
Os notariados europeus são representados no CNUE
pelos presidentes das organizações nacionais do notariado.
O Presidente do CNUE é designado, de entre os seus
membros, por um período de um ano.
Em 2006, devemos destacar os processos por
incumprimento desencadeados pela Comissão
Europeia contra os Estados-membros que têm
um notariado de tipo latino:
De acordo com a Comissão, o requisito da
nacionalidade viola a liberdade de estabelecimento
prevista no artigo 43.º do Tratado CE, não se
aplicando à actividade notarial a cláusula de
derrogação às regras do Tratado CE, conexas com
a liberdade de prestação de serviços/liberdade de
estabelecimento e concorrência, prevista no artigo
45.º do Tratado CE, que exclui as actividades
ligadas ao exercício de autoridade pública das
disposições relativas à livre prestação de serviços
e à liberdade de estabelecimento.
Reconhecimento de diplomas
A Comissão Europeia enviou, ainda, parecer
fundamentado a Portugal por considerar que,
tendo eliminado o requisito nacionalidade da
sua legislação interna, não transpôs a Directiva
89/48/CEE, relativa a um sistema geral de
reconhecimento dos diplomas de ensino superior
que sancionam formações profissionais com uma
duração mínima de três anos (“Reconhecimento
de diplomas”), no que respeita ao acesso à
profissão de notário, o que consubstancia um
incumprimento das obrigações que lhe incumbe
por força do Tratado CE.
| ordem dos notários JANEIRO 2007
Requisito de nacionalidade
A Comissão Europeia iniciou processos por
incumprimento contra 16 Estados-membros
da União Europeia por violação de obrigações
comunitárias.
A Comissão solicitou à Alemanha, Áustria,
Bélgica, França, Grécia, Holanda e Luxemburgo
que alterem a sua legislação interna que consagra
a nacionalidade do respectivo Estado-membro
como requisito de acesso e exercício da função
notarial. Este pedido reveste a forma de “parecer
fundamentado”, a segunda fase do processo
pré-contencioso da acção por incumprimento,
previsto nos artigos 226.º a 228.º do Tratado CE.
Caso os Estados não procedam em conformidade
com o parecer fundamentado, no prazo de 2
meses, a Comissão pode instaurar uma acção por
incumprimento, no Tribunal de Justiça.
A Comissão pediu, igualmente, à Eslováquia,
Eslovénia, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia,
Malta, Polónia e República Checa que formulem
as suas observações sobre legislação interna
similar. Este pedido constitui uma “carta
administrativa”, a primeira fase do processo
consagrado no artigo 226.º que antecede o envio
do parecer fundamentado.
43
internacional
Discurso do Presidente do CNUE 2007:
O mercado interno comunitário necessita do bom funcionamento da justiça. Em 21 dos 27 Estados-membros da
União Europeia, os notários assumem um papel essencial
para garantir a paz jurídica. Com efeito, a boa administração da justiça é um dos principais objectivos dos Estados
de direito democráticos. A organização da administração
da justiça releva da soberania nacional. Nestes termos,
os 21 Estados-membros que integram o notariado de tipo
latino reivindicam para si a competência reguladora nesta
matéria.
O Conselho dos Notariados da União Europeia (CNUE) representa a profissão de notário que se inscreve na tradição
latina de direito civil e exerce as suas funções nos sistemas
jurídicos de direito civil. Os notários são investidos por lei
de um poder de assessoria jurídica dos cidadãos e das
sociedades e de elaboração de maneira fiável de documentos autênticos.
A autenticidade notarial decorre da autoridade pública do
Estado. Ela não abrange, apenas, o aspecto externo formal,
mas também o conteúdo do documento conforme à
vontade das partes. A assessoria e a redacção do contrato
estão indissoluvelmente ligadas. Na União Europeia, o acto
notarial é executório tal como um acto jurisdicional.
Profissões como a dos notários devem beneficiar de uma
segurança institucional que permita aos cidadãos e às sociedades ter confiança nelas. É, por isso, que é necessário
impor determinadas regras ao notário para assegurar o
| ordem dos notários JANEIRO 2007
Segundo a Comissão Europeia, a Directiva
“Reconhecimento de diplomas” é aplicável à
profissão de notário, uma vez que o acesso à
função notarial depende da posse de diploma de
ensino superior em direito.
44
Entendimento: CNUE e Ordem dos Notários
O artigo 45.º do Tratado CE constitui uma
derrogação aos princípios da liberdade de
estabelecimento e da livre prestação de serviços,
ao prever que «as disposições do presente capítulo
não são aplicáveis às actividades que, num Estadomembro, estejam ligadas, mesmo ocasionalmente,
ao exercício da autoridade pública».
Constituindo a actividade notarial uma actividade
ligada ao exercício da autoridade pública, é
excluída da aplicação do artigo 43.º do Tratado CE
que regula o direito de estabelecimento e do artigo
49.º do Tratado CE que regula a livre prestação de
serviços.
A Directiva “Reconhecimento de diplomas” exclui
exercício da sua actividade. O acesso a esta profissão
está, assim, sujeito a determinados requisitos. O estatuto específico do notário constitui a base do exercício
independente e imparcial da sua actividade.
Considerando esta concepção da profissão de notário,
o Conselho dos Notariados da União Europeia participa
activamente nas discussões a nível comunitário. Desenvolver o espaço jurídico europeu em matéria civil e
comercial, garantir a paz jurídica e reforçar o elemento
“segurança jurídica” na Europa enquanto espaço de
implantação de sociedades constituem os principais
objectivos.
Uma economia competitiva necessita de um enquadramento jurídico que tenha dado provas. A economia e a
justiça devem garantir o bem-estar dos cidadãos. Os
notários que exercem a sua actividade em 21 Estados-membros da União Europeia desejam dar o seu
contributo na Alemanha, Áustria, Bélgica, Bulgária,
Espanha, Eslováquia, Eslovénia, Estónia, França, Grécia,
Holanda, Hungria, Itália, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Polónia, Portugal, República Checa e
Roménia.
Klaus Woschnak, Presidente do Conselho Nacional do Notariado Austríaco, é actualmente o Presidente do CNUE.
Site: www.cnue.be
do seu âmbito de aplicação as actividades ligadas
ao exercício de autoridade pública.
Consequentemente, o CNUE e os Estadosmembros da União Europeia consideram que
podem consagrar o “requisito nacionalidade”
como requisito de acesso e exercício da actividade
notarial e que não estão obrigados a transpor a
Directiva 89/48/CEE, no que respeita à actividade
de notário.
Perspectivas
Os Estados-membros não actuaram em
conformidade com os pareceres fundamentados
da Comissão Europeia, uma vez que consideram
que não violaram as obrigações comunitárias,
tendo apresentado respostas aos pareceres
fundamentados e às cartas administrativas.
A Comissão Europeia pode, agora, decidir intentar
ou não acções por incumprimento contra os
Estados-membros, no Tribunal de Justiça.
notícias
Novos notários privados assumem funções
Os primeiros 100 notários privados, não oriundos do funcionalismo
público, tomaram posse e assumiram funções em cartórios de
Lisboa, Almada, Porto, Vila Nova de Gaia, Paços de Ferreira, Viana
do Castelo e Esposende.
Os empossados são jovens juristas, ex-advogados e finalistas de
Direito. Os novos profissionais foram seleccionados entre 1500
juristas que se candidataram ao Curso de Notariado.
O compromisso assumido pelos novos notários dá-se num momento de incertezas para o sector, motivado pelas falsas expectativas alimentadas pelo Governo, no contexto da privatização da
actividade notarial.
Os novos notários revelam-se defraudados e acusam o Governo
de estar a desprestigiar a profissão, em virtude da transferência
de competências para os advogados, caso da autenticação de
documentos. E alegam, a propósito, falta de imparcialidade, motivada pela protecção de interesses que prevalece na relação entre
advogado e cliente.
Recorde-se que em Fevereiro de 2005, o Ministério da Justiça
avançou para a privatização do notariado: permitiu a possibilidade
de muitos actos notariais passarem a ser feitos por privados, devidamente qualificados para tal, criando 543 vagas em todo o país.
“O Notário e o Cidadão”
O congresso do notariado está marcado para os dias 17,18 e 19 de
Maio, no Europarque em Santa Maria da Feira. O encontro, que tem
por tema uma reflexão sobre as relações entre o notariado e a comunidade, conta com a participação de uma delegação dos notários da
União Europeia.
O programa científico consistirá na apresentação e discussão de
temas ligados ao relacionamento entre o notário e a sociedade. Não
será difícil adivinhar que os profissionais terão oportunidade para
fazer a análise das recentes alterações legislativas, e das consequências que estas podem trazer para o notariado nacional. Recorde-se
que o Governo não tem legislado em favor do notariado.
A Ordem dos Notários acredita que os participantes não perderão a
oportunidade de discutir as questões que perturbam todos os profissionais e a organização está a contar com a participação de todos os
notários portugueses. Este encontro servirá para mostrar ao Governo
que a classe está unida e preocupada com o futuro.
Serão ainda divulgados e discutidos os novos projectos como o programa Casa Simples Casa Segura e Notariocert.
Programa cultural
A vertente cultural do programa terá início no dia 17 com um cocktail
de boas-vindas na Casa da Música. No dia 18 está marcado um
jantar nas Caves Taylor’s e, no dia seguinte, um almoço no Castelo
de Guimarães. O Congresso terminará com um baile no Palácio da
Bolsa. Haverá, ainda, um programa para acompanhantes que inclui,
para além de todo o programa cultural, uma viagem pelo Douro e
almoço a bordo, no dia 18, bem como uma visita ao centro histórico
de Guimarães, no dia 19.
| ordem dos notários JANEIRO 2007
A Ordem dos Notários está já a preparar o
primeiro congresso do notariado português que
terá lugar em Santa Maria da Feira.
45
lesgislação
nacional e
comunitária
DIPLOMA/ACTO : Decreto-Lei n.º 26/2004
DATA : Quarta-feira, 4 de Fevereiro de 2004 NÚMERO : 29 SÉRIE I-A
EMISSOR : Ministério da Justiça
SUMÁRIO : No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 49/2003, de 22 de Agosto,
aprova o Estatuto do Notariado
DIPLOMA/ACTO : Decreto-Lei n.º 27/2004
DATA : Quarta-feira, 4 de Fevereiro de 2004 NÚMERO : 29 SÉRIE I-A
EMISSOR : Ministério da Justiça
SUMÁRIO : No uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 49/2003, de 22 de Agosto,
cria a Ordem dos Notários e aprova o respectivo Estatuto
DIPLOMA/ACTO : Portaria n.º 385/2004
DATA : Sexta-feira, 16 de Abril de 2004 NÚMERO : 90 SÉRIE I-B
EMISSOR : Ministério da Justiça
SUMÁRIO : Aprova a tabela de honorários e encargos da actividade notarial
DIPLOMA/ACTO : Decreto-Lei n.º 66/2005
DATA : Terça-feira, 15 de Março de 2005 NÚMERO : 52 SÉRIE I-A
EMISSOR : Ministério da Justiça
SUMÁRIO : Regula a transmissão e recepção por telecópia e por via electrónica de documentos
com valor de certidão respeitantes aos arquivos dos serviços dos registos e do notariado ou
destinados à instrução dos respectivos actos ou processos ou a arquivo nos mesmos serviços,
revogando o Decreto-Lei n.º 461/99, de 5 de Novembro
DIPLOMA/ACTO : Portaria n.º 483/2005
DATA : Quarta-feira, 18 de Maio de 2005 NÚMERO : 96 SÉRIE I-B
EMISSOR : Ministério da Justiça
SUMÁRIO : Aprova o modelo de selo branco, como símbolo de fé pública, a usar pelo notário no
exercício das suas funções. Revoga a Portaria n.º 184/2005, de 15 de Fevereiro
DIPLOMA/ACTO : Decreto-Lei n.º 85/2006
DATA : Terça-feira, 23 de Maio de 2006 NÚMERO : 99 SÉRIE I-A
EMISSOR : Ministério da Justiça
SUMÁRIO : Estende a aplicação do projecto «Documento único automóvel» às Regiões
Autónomas dos Açores e da Madeira, alterando os Decretos-Leis n.os 178-A/2005, de 28 de
Outubro, e 54/75, de 12 de Fevereiro, bem como o Regulamento do Registo de Automóveis e o
Regulamento Emolumentar dos Registos e do Notariado
DIPLOMA/ACTO : Decreto-Lei n.º 76-A/2006
DATA : Quarta-feira, 29 de Março de 2006 NÚMERO : 63 SÉRIE I-A 1º SUPLEMENTO
EMISSOR : Ministérios das Finanças e da Administração Pública e da Justiça
SUMÁRIO : Actualiza e flexibiliza os modelos de governo das sociedades anónimas, adopta
medidas de simplificação e eliminação de actos e procedimentos notariais e registrais e aprova o
novo regime jurídico da dissolução e da liquidação de entidades comerciais
| ordem dos notários JANEIRO 2007
DIPLOMA/ACTO : Decreto-Lei n.º 125/2006
DATA : Quinta-feira, 29 de Junho de 2006 NÚMERO : 124 SÉRIE I-A
EMISSOR : Ministério da Justiça
SUMÁRIO : Cria a «empresa on-line», através de um regime especial de constituição on-line de
sociedades comerciais e civis sob forma comercial, e cria a «marca na hora», alterando o regime do
Registo Nacional de Pessoas Colectivas, o Regulamento Emolumentar dos Registos e do Notariado,
o Decreto-Lei n.º 8-B/2002, de 15 de Janeiro, e o Decreto-Lei n.º 111/2005, de 8 de Julho
46
DIPLOMA/ACTO : Portaria n.º 657-A/2006
DATA : Quinta-feira, 29 de Junho de 2006 NÚMERO : 124 SÉRIE I-B 1º SUPLEMENTO
EMISSOR : Ministério da Justiça
SUMÁRIO : Aprova o Regulamento do Registo Comercial
DIPLOMA/ACTO : Portaria n.º 657-B/2006
DATA : Quinta-feira, 29 de Junho de 2006 NÚMERO : 124 SÉRIE I-B 1º SUPLEMENTO
EMISSOR : Ministério da Justiça
SUMÁRIO : Estabelece a regulamentação do registo informático dos actos praticados pelas
câmaras de comércio e indústria, advogados e solicitadores, ao abrigo do artigo 38.º do DecretoLei n.º 76-A/2006, de 29 de Março
DIPLOMA/ACTO : Portaria n.º 657-C/2006
DATA : Quinta-feira, 29 de Junho de 2006 NÚMERO : 124 SÉRIE I-B 1º SUPLEMENTO
EMISSOR : Ministério da Justiça
SUMÁRIO : Regula a designação, o funcionamento e as funções do sítio na Internet que permite
a constituição on-line de sociedades comerciais e civis sob forma comercial do tipo por quotas e
anónima, bem como a utilização dos meios de autenticação electrónica e de assinatura electrónica,
na indicação dos dados e na entrega de documentos, conforme dispõe o artigo 17.º do Decreto-Lei
n.º 125/2006, de 29 de Junho
DIPLOMA/ACTO : Portaria n.º 1416-A/2006
DATA : Terça-feira, 19 de Dezembro de 2006 NÚMERO : 242 SÉRIE I 2º SUPLEMENTO
EMISSOR : Ministério da Justiça
SUMÁRIO : Regula o regime da promoção electrónica de actos de registo comercial e cria a
certidão permanente e altera a Portaria n.º 385/2004, de 16 de Abril, que aprova a tabela de
honorários e encargos aplicáveis à actividade notarial exercida ao abrigo do Estatuto do Notariado,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º 26/2006, de 4 de Fevereiro,
DIPLOMA/ACTO : Decreto-Lei n.º 238/2006
DATA : Quarta-feira, 20 de Dezembro de 2006 NÚMERO : 243 SÉRIE I
EMISSOR : Ministério das Finanças e da Administração Pública
SUMÁRIO : Introduz alterações ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares,
ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, ao Código do Imposto sobre
o Valor Acrescentado, ao Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias, ao Código do
Imposto do Selo, ao Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, ao Código do Imposto sobre
Transmissões Onerosas de Imóveis, à lei geral tributária, ao Código do Procedimento Tributário e
a legislação fiscal complementar, simplificando e racionalizando obrigações e procedimentos, no
sentido da diminuição dos custos de cumprimento impostos aos contribuintes
DIPLOMA/ACTO : Lei n.º 53-A/2006
DATA : Sexta-feira, 29 de Dezembro de 2006 NÚMERO : 249 SÉRIE I 1º SUPLEMENTO
EMISSOR : Assembleia da República
SUMÁRIO : Orçamento do Estado para 2007
DIPLOMA/ACTO : Decreto-Lei n.º 206/2006
DATA : Sexta-feira, 27 de Outubro de 2006 NÚMERO : 208 SÉRIE I
EMISSOR : Ministério da Justiça
SUMÁRIO : Aprova a Lei Orgânica do Ministério da Justiça
DIRECTIVA 2005/60/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 26 de Outubro de
2005, relativa à prevenção da utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de
capitais e de financiamento do terrorismo
No dia 21 de Dezembro foram aprovados em Conselho de Ministros e aguardam publicação no
Diário da República, os seguintes diplomas:
Proposta de Lei que aprova um regime especial de constituição imediata de associações e
actualiza o regime geral de constituição de associações previsto no Código Civil (a enviar para o
Parlamento)
Decreto-Lei que aprova a orgânica da Direcção-Geral da Política de Justiça
Decreto-Lei que aprova a orgânica da Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça
Decreto Regulamentar que aprova a orgânica da Secretaria-Geral do Ministério da Justiça
Decreto Regulamentar que aprova a orgânica da Direcção-Geral da Administração da Justiça
Decreto Regulamentar que aprova a orgânica da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais
Decreto Regulamentar que aprova a orgânica da Direcção-Geral de Reinserção Social
Decreto Regulamentar que aprova a orgânica do Gabinete para a Resolução Alternativa de
Litígios
Decreto-Lei que aprova a orgânica do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-estruturas da
Justiça, I. P.
Decreto-Lei que aprova a orgânica do Instituto dos Registos e do Notariado, I. P.
Decreto-Lei que aprova a orgânica do Instituto das Tecnologias de Informação na Justiça, I. P.
| ordem dos notários JANEIRO 2007
DIRECTIVA 2006/70/CE DA COMISSÃO de 1 de Agosto de 2006 que estabelece medidas de
execução da Directiva 2005/60/CE do Parlamento Europeu e do Conselho no que diz respeito
à definição de «pessoa politicamente exposta» e aos critérios técnicos para os procedimentos
simplificados de vigilância da clientela e para efeitos de isenção com base numa actividade
financeira desenvolvida de forma ocasional ou muito limitada
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a fechar
[antónio alves soares]
| ordem dos notários JANEIRO 2007
O desafio
do notariado
electrónico
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| ordem dos notários JANEIRO 2007
É opinião cada vez mais generalizada que o século em que vivemos será o século da revolução
electrónica. O uso massificado das novas tecnologias no contexto de uma sociedade
globalizada, o recurso a técnicas de comunicação que permitem eliminar tempo e distância
nas comunicações, criam condições para que a contratação electrónica se massifique.
Este fenómeno, pela sua novidade, representa um desafio para todos os agentes económicos:
investidores, empresários, consumidores. E também para nós juristas. Mas não pisamos
terreno totalmente desconhecido: a contratação electrónica não é mais do que uma
modalidade de contratação à distância. Os contratos à distância caracterizam-se por se
desenrolarem e concluírem sem a presença física simultânea das partes (como, por exemplo,
a venda por correspondência), tendo os contratos electrónicos, como nota caracterizadora,
o facto de assentarem num novo meio de comunicação da declaração negocial. Não se
trata já de exteriorizar a declaração num suporte material (papel), mas de dados que são
processados electronicamente. Por isso, o documento electrónico é, por definição, incorporal
ou desmaterializado. Mas não deixa de ser um “documento” válido num sistema assente no
princípio da liberdade de forma como é o nosso, embora com requisitos especiais de prova.
Para que a contratação electrónica possa desenvolver-se, deve merecer a confiança por parte
dos agentes económicos e ter como pressuposto a segurança. Não só a segurança subjacente
ao processo de formação do contrato, e que tem a ver directamente com a perfeição da
declaração negocial, mas também a segurança na comunicação dessa declaração. Fala-se,
no primeiro caso, de “segurança jurídica” e no segundo de “segurança técnica”. Esta última,
deve garantir que a declaração negocial chega ao seu real destinatário, que o destinatário
possa identificar com fiabilidade o emissor da declaração, que entre o momento da emissão
da declaração e o momento da sua recepção pelo destinatário não foi desvirtuada no seu
conteúdo e, por ultimo, deve garantir a confidencialidade da mensagem.
Também para nós, notários, o fenómeno da contratação electrónica constitui
simultaneamente um novo campo de actuação e um desafio, que aceitamos, e ao qual
podemos trazer uma “mais valia”.
A função notarial não está como que aprisionada ao documento escrito, ela existe por si,
independentemente do suporte físico no qual são exteriorizadas as declarações de vontade
das partes. A singularidade da função notarial, resulta da fusão entre os deveres de verificar
a identidade e a capacidade das partes, e fornecer a assessoria jurídica necessária para que o
resultado, por todos igualmente pretendido, se conforme ao ordenamento jurídico. O notário,
porque é um terceiro imparcial e um oficial público, sujeito à fiscalização e acção disciplinar do
Ministério da Justiça, acrescenta ao documento, seja ele escrito ou electrónico, a garantia de
segurança jurídica que é, como se disse, o pilar em que assenta a confiança na contratação. É
esta a “mais-valia” que os notários acrescentam aos documentos em que intervêm e é esta a
“mais – valia” que a contratação electrónica tem a ganhar com a intervenção do notário.
Todavia, para que a tradicional função notarial possa ser desempenhada na área da
contratação electrónica, o notário deve munir-se dos conhecimentos e meios técnicos
adequados. É com este desiderato que surge a “Notariocert”: para proporcionar aos
documentos electrónicos a necessária segurança técnica, que, aliada à segurança jurídica
que a intervenção do notário proporciona, crie condições para que o documento electrónico
mereça ao cidadão a mesma confiança que lhe merece o documento escrito notarial,
contribuindo assim para a expansão desta nova modalidade de contratação.
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lazer
[Livros]
CARTAS DE AMOR E DE GUERRA
É sempre difícil falar de guerra, de experiências
vividas em cenários caóticos, em que o «sem sentido»
caracteriza o ambiente e modela atitudes, vozes,
pensamentos ou discursos. António Lobo Antunes,
através de um conjunto de pequenos textos que são as
suas cartas, sobrevive a esse drama que foi a Guerra
Colonial Portuguesa, transportando-se a si mesmo e a
nós (leitores) para uma outra dimensão, a da Vida, no
que esta tem de mais simples e puro.
Não somos confrontados com uma crítica acérrima aos
objectivos patrióticos e de defesa do império português
que sustentavam a legitimidade deste conflito, somos
antes envolvidos na história concreta e num futuro
(seriamente ameaçado) de duas pessoas que teimam em
dialogar, em projectar horizontes, em reconstruir a sua
humanitas, mediante a palavra escrita.
Desvele este diálogo, redescubra a importância da
palavra como veículo indissociável do pensamento, lendo
as Cartas da Guerra de António Lobo Antunes.
[Moda]
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DOURADO: OBJECTO DE DESEJO
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Tendência incontornável desta estação, o dourado, gold,
também conhecido por ouro, assume uma posição de
destaque tanto em desfiles de Alta-Costura, como Gucci,
John Galliano e Christian Dior, assim como nos mais
simples acessórios, casacos, saias e perfumes. Nunca o
dourado esteve tão na moda como neste Inverno.
Símbolo de luxo, glamour e excentricidade é cada vez
mais visto não como sinal de uma minoria – pertencente
ao mundo do espectáculo, das celebridades – mas
usado por diferentes classes sociais, profissões e
personalidades.
Ao longo da nossa história, o ouro sempre foi visto como
símbolo de riqueza e ostentação. Nas cortes reais, era
usado em excesso para ditar um modus de vida de luxo
desmedido o qual apenas um círculo restrito podia
fazer parte.
Actualmente, o ouro foi um pouco banalizado, sendo
cada vez mais usado em pormenores pontuais do nosso
vestuário, foi massificado e tornou-se acessível a toda
a sociedade.
No entanto, o que está na moda não é o ouro, mas sim o
dourado. Estamos numa era do parecer e não do ser.
Gold ou ouro? Eis a questão...
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