Annelise Cristina Pacheco da Silva
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Annelise Cristina Pacheco da Silva
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO PROJETO DE PESQUISA DO TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO Direito “A PRIVACIDADE DO E-MAIL NO AMBIENTE DE TRABALHO”. Autora: Annelise Cristina Pacheco da Silva Orientador: Professor Esp. Luiz da Silva Flores. BRASÍLIA 2009 ANNELISE CRISTINA PACHECO DA SILVA A privacidade do e-mail no ambiente de trabalho. Monografia apresentada à Banca Examinadora da Universidade Católica de Brasília - UCB como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharela em Direito sob a orientação do Professor Esp. Luiz da Silva Flores Taguatinga 2009 Monografia de autoria de Annelise Cristina Pacheco da Silva, intitulada “A PRIVACIDADE DO E-MAIL NO AMBIENTE DE TRABALHO”, apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharela em Direito da Universidade Católica de Brasília, defendida e aprovada pela Banca Examinadora abaixo assinada: ____________________________________________________ Professor Esp. Luiz da Silva Flores Orientador Curso de Direito – UCB ____________________________________________________ Professora Esp. Fabiana Teixeira Albuquerque Curso de Direito – UCB _____________________________________________________ Professor Francisco Fontenele Carvalho Curso de Direito – UCB Taguatinga 2009 Dedico o presente trabalho aos meus pais, Raimundo José Alves da Silva e Aurora Maria Pacheco da Silva, pelo amor, carinho e dedicação. Agradeço primeiramente a Deus por minha existência e pela oportunidade de hoje realizar este trabalho. Agradeço ao Professor Luiz da Silva Flores e a todos os que me ajudaram e incentivaram em sua elaboração, especialmente minha família e amigos. “Mesmo as noites totalmente sem estrelas podem anunciar a aurora de uma grande realização”. (Martin Luther King) RESUMO SILVA, Annelise Cristina Pacheco da. “O uso do e-mail no trabalho: direito à privacidade e o poder diretivo do empregador. 2009. fls. 108, Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Direito)-Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2009. O presente trabalho de monografia trata sobre a relação de emprego da atualidade, onde há uma mudança de paradigma manifestada em um novo ambiente de trabalho centralizado no conhecimento e na informação. Não se exige mais apenas o esforço físico do trabalhador moderno, que outrora foi determinante para o desenvolvimento industrial, mas sim habilidades que cobram mais do intelecto. Não há duvidas que o avanço das novas tecnologias, em especial a informática, representa o universo empresarial, no entanto, uma de suas conseqüências prejudiciais se apresenta no perigo que podem representar à vida privada, já que com os novos aparatos tecnológicos e através da facilidade da obtenção de dados pessoas, seja freqüente a possibilidade da invasão de privacidade. De outro lado, houve um aumento nos casos ocorridos nas empresas de empregados despedidos e muitas vezes punidos pelo uso indevido da internet e do correio eletrônico. Ou seja, ao mesmo tempo em que se aplicam os direitos constitucionais da inviolabilidade das correspondências, da privacidade e da intimidade do trabalhador no ambiente de trabalho, há o poder diretivo e o direito de propriedade do empregador que são direitos indissociáveis da relação de emprego. No entanto, é possível encontrar um ponto de convergência no aparente conflito de princípios fundamentais da pessoa humana e os valores que norteiam as atividades empresariais sem que ocorra agressão em qualquer uma das partes. Palavras-chave: constitucionais. Relação de emprego. Invasão de privacidade. Direitos SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................10 CAPÍTULO 1 – A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.............................16 1. Breve histórico...........................................................................................................16 1.1. Considerações iniciais.............................................................................................16 1.2. As dimensões dos direitos............. .........................................................................18 1.3. Histórico dos direitos fundamentais do homem...................................................26 CAPÍTULO 2 – DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA.................................35 2.1. Noções sobre o direito da personalidade..............................................................41 2.2. O direito à intimidade da pessoa do trabalhador................................................42 CAPÍTULO 3 – O EMPREGADOR – CONSIDERAÇÕES INICIAIS............................45 3.1. A evolução do direito do trabalho.........................................................................46 3.2. Origem do poder diretivo do empregador...........................................................51 3.2.1 Natureza jurídica do poder diretivo do empregador...............................................54 3.3. O PODER FISCALIZADOR DAS EMPRESAS.................................................58 3.3.1. Poder diretivo e fiscalização..................................................................................61 3.4. Limites do poder diretivo.......................................................................................63 3.5. Ética Coorporativa.................................................................................................66 CAPÍTULO 4 – A UTILIZAÇÃO DO CORREIO ELETRÔNICO NO AMBIENTE DE TRABALHO ...........................................................................................................................75 4.1. O direito da privacidade frente à informática.....................................................76 4.2. Decisões judiciais sobre o tema e resolução de conflitos de normas constitucionais e o conflito fiscalização x poder diretivo...........................................79 CONCLUSÃO.......................................................................................................................100 REFERÊNCIAS....................................................................................................................106 10 INTRODUÇÃO No presente trabalho de conclusão de curso, evidenciei que o empregador ao exercer seu direito de fiscalização e poder diretivo sobre os meios de produção postos a disposição do trabalhador, para que desempenhe suas atividades laborais, também poderá fazê-lo em relação ao e-mail coorporativo do funcionário e que esse comportamento, mantidos os estritos limites da lei, não viola o direito fundamental à privacidade e intimidade garantidos na Carta Magna do país. Também irei demonstrar que a proteção Constitucional do direito fundamental à privacidade e intimidade, esculpido no art. 5º, X da CF/88 não é violado pela fiscalização das correspondências eletrônicas dos trabalhadores porque essas, na forma de e-mails, são, na verdade, propriedade da própria empresa tanto quanto qualquer outro meio de produção que lhe pertença. Faremos ainda a definição do que se considera por intimidade e privacidade em seus termos legais. É ainda objetivo conceituar o que se entende por direito de fiscalização do empregador e o que compreende a noção de poder diretivo, bem com dentro de que limites esse poder pode ser exercido sem que seja considerado abusivo, para tanto resta esclarecer quanto o que vem a ser os chamados “estritos limites da lei” em nosso atual ordenamento jurídico. Pretendo ainda discutir os chamados “direitos fundamentais do homem”, entre eles o direito à privacidade, demonstrando ao final que existe, também, aqui um limite a ser considerado e cuja extensão freqüentemente é dada pelo confronto entre dois direitos igualmente considerados fundamentais e que se contrapõem, sendo necessário então estabelecer um marco divisório entre ambos com vistas a acomodar, da forma mais justa possível, os diversos interesses em conflito. No âmbito desse trabalho encontramos duas definições na obra de Norberto Bobbio “Igualdade e Liberdade” que se prestam perfeitamente ao tema proposto, qual seja o conceito de liberdade negativa e liberdade positiva, por hora sintetizo os conceitos expostos na obra citada da seguinte forma: liberdade negativa é aquela na qual “o indivíduo tem a possibilidade de agir sem ser impedido, ou de não agir sem ser obrigado por outros sujeitos” (BOBBIO, 1995) e, portanto intrinsecamente ligada ao sujeito individual; por sua vez liberdade positiva é aquela em que o sujeito “tem a possibilidade de orientar seu próprio querer no sentido de 11 uma finalidade, de tomar decisões, sem ser determinado pelo querer de outros.” (BOBBIO, 1995), sendo esta última mais afeita a coletividade. Tais conceitos serão de extrema importância no presente trabalho exatamente por sintetizarem o conflito existente entre a liberdade negativa, ou do indivíduo, e a liberdade positiva, ou da coletividade, que pretendemos abordar em nosso estudo para que seja possível especificar em que medida, dentro do contexto de verificação de e-mails do indivíduo por parte da empresa, onde termina o direito de um e começa o de outro. Tal discussão não versa somente sobre questões simples de propriedade dos meios de produção ou sobre que extensão deve ter os poderes do empregador ou do empregado, mas, muito mais que isso versa sobre questões de fundo, bastante atuais, sobre o momento que vivemos onde depois de alcançada a emancipação humana na esfera da criação intelectual e da produção da riqueza, a única ameaça que restaria às liberdades individuais seria aquela derivada do monopólio da força, entretanto o problema enfrentado pela sociedade civil hoje para manter todas as liberdades conquistadas é muito mais sutil à medida que os poderes outrora sustentados pelo Estado passaram à sociedade e nesse quadro pouco importa que o indivíduo seja livre frente ao Estado, mas submisso à sociedade1. Assim, a questão ora discutida se reveste de outras nuances que serão debatidas mais profundamente no desenrolar do trabalho que também aparecem no texto do professor Vidonho quando o mesmo debate acerca do monitoramento no direito ao afirmar que “o controle seja de que forma for é o que quer o homem.” Talvez por suscitar questões de fundo tão latentes como a aqui explicitada é que o assunto se apresente na mídia atual como polêmico justamente porque não possui regulamentação específica em nosso ordenamento jurídico, não tendo sido debatido ainda o suficiente para formar valores e opiniões concretas que possam erigir de forma satisfatória os marcos jurídicos e a regulamentação necessária para solver a questão, embora em seu ensaio VIDONHO2, afirme que a tendência atual é de confirmação da possibilidade de monitoramento do e-mail por parte das empresas. 1 2 BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.p.86. VIDONHO JUNIOR, Amadeu dos Anjos. A ética, o monitoramento dos “e-mail’s” digitais e a sua auto- regulamentação privada. Disponível em: http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/mails.pdf. Acesso: 20.10.2009. 12 Normalmente o contraponto dos defensores do não controle dos e-mails é o argumento de que existem direitos fundamentais do homem que devem ser respeitados e colocados primordialmente acima de todos os outros direitos. Novamente nos valemos das idéias de Bobbio presentes em seu livro “A Era dos Direitos” para conjecturar a partir de suas discussões se realmente existem direitos fundamentais do homem posto que esses direitos tem variado ao longo do tempo e que segundo o grande pensador somente podem ser considerados fundamentais aqueles raríssimos direitos que não concorrem com outros direitos, que em meu pensamento não parece ser o caso presente. Em apoio à tese aventada, podemos argumentar que se considerarmos o direito à privacidade como um direito fundamental não passível de questionamento estaremos diante de um verdadeiro descalabro jurídico, senão vejamos um exemplo simples, quanto à investigação policial de um crime. Estaria a autoridade judiciária cometendo um grave equívoco ao autorizar a escuta telefônica e a vigilância eletrônica de um indivíduo suspeito de planejar um atentado a bomba contra um prédio comercial, um shopping, digamos? Quais, ou qual direito fundamental deveria prevalecer nesse aparente conflito? O direito à vida, alçado a esfera do mais sagrado pela corrente jus naturalista, ou o direito a intimidade e privacidade do cidadão? Qual deles escolher? Podemos nos perder aqui em profundas análises filosóficas, entretanto nos parece que o cidadão de inteligência média optaria pelo direito à vida, esse sim não concorrente com os demais, relegando dessa forma à segundo plano o direito à privacidade e a intimidade. Sem adentrar muito ao mérito da questão, o que proponho a questionar nesse trabalho é que não existem, ou melhor, dizendo, raros são os casos em que ao sopesarmos um direito contra o outro não acharemos razões e contra-razões para escolher esse ou aquele, principalmente quando levamos em consideração que o fim primeiro de toda sociedade humana é a busca do bem comum, ou a superposição do interesse público sobre o particular, então surge mais um questionamento, podemos afirmar que o bem público deve sempre se elevar acima do direito que rege as relações entre particulares? Em outras palavras, quanto de aderência pode-se exigir do direito público aos direitos fundamentais elencados na Constituição Pátria? E, além disso, que é o verdadeiro interesse nosso no momento, qual aderência esperar do direito privado aos direitos fundamentais? 13 Ao ler SARLET3, depreendi que além dos direitos fundamentais vincularem o Poder Público que dele não pode se afastar na medida em que limitam seu Poder Legiferante evitando a intrusão em demasia do Estado na vida do cidadão, também o direito privado está adstrito a esse limitador, quanto a isso não há dúvida, a questão é sabermos o quanto as empresas estão dispostas a tornar eficazes os direitos fundamentais no âmbito das relações jurídicas travadas entre particulares porque é dentro desse contexto que se insere parte do problema que abordaremos ao responder a questão se a fiscalização dos e-mails por parte das empresas fere ou não o direito a intimidade e privacidade de seus empregados, a outra parte do problema situa-se na esfera pública ao indagarmos até onde o Estado irá permitir a flexibilização desse direito para acatar o princípio constitucional fundamental da livre iniciativa previsto no art. 1, inciso IV. Segundo o autor citado acima, o tema da vinculação dos particulares quanto a garantir a eficácia dos direitos fundamentais está longe de ser pacífico e de aceitação ampla até mesmo nos países cuja constituição expressamente consagra a vinculação das entidades privadas aos direitos fundamentais como em Portugal.4 Em nosso país essa questão não é apreciada em sede constitucional ficando aí ampla margem para interpretação, por óbvio que alguns direitos fundamentais encontram amparo na constituição nos artigos 5° e 7°, mas o que se discute aqui e o que possui pertinência temática com o objetivo desse trabalho é o quantum de aderência das entidades privadas existe em relação aos direitos fundamentais posto que a extensão dessa vinculação não é explícita em nenhum texto legal, figurando muito mais como princípios a serem observados do que normas cogentes a serem obedecidas sob pena de sanção. Tal aderência se torna relevante a partir do momento em que se constata que, se no passado o indivíduo necessitava de proteção contra o Estado porque era esse ente que representava a maior parcela de poder, no presente tal proteção tem necessariamente de estender-se também a esfera privada haja vista a crescente participação de empresas privadas nos centros de poder do Estado e das instituições, principalmente quando verificamos a atuação das empresas transnacionais que operam a nível global5 atuando muitas vezes como 3 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais.7.ed.rev.atual e ampl.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.p.398-406. 4 Id;ibid.p.399. 5 Para ficarmos apenas em um exemplo, podemos citar uma grande empresa americana do ramo de petróleo que opera atualmente em 188 países, nos cinco continentes, contando com 56.000 empregados e faturamento anual 14 verdadeiras policy makers nos países onde possuem interesses influenciando sobremaneira a legislação local através de seus poderosos lobbies junto àquelas instituições, em especial o Poder Legislativo. Nesse contexto fica fácil perceber o quanto é importante destacar no texto legal aquele quantum de aderência a que nos referíamos alguns parágrafos atrás para que se garanta um mínimo de eficácia dos direitos fundamentais na conduta das instituições privadas com os cidadãos de maneira a protegê-los dos abusos. Sarlet nos fala que também na esfera privada ocorrem situações de desigualdade oriundas do maior ou menor poder social dos grupos, e que para combater essas diferenças de poder deve-se zelar pelo equilíbrio entre os valores trazidos pelos direitos fundamentais e os valores referentes à autonomia privada, bem como a liberdade contratual que podem e devem coexistir com as liberdades fundamentais6. É sobre esse equilíbrio que falo quando restam dúvidas de que o direito à privacidade pudesse ser considerado como um direito fundamental da classe dos que não concorrem com outros direitos justamente porque acreditamos ser possível uma solução de compromisso, uma solução que traga uma distribuição eqüitativa de deveres e direitos entre os princípios que permeiam os direitos fundamentais da pessoa humana e os valores que norteiam as atividades empresarias sem que ocorra agressão a qualquer uma das partes. Assim, propõe essa pesquisa demonstrar que é possível encontrar um ponto de convergência no aparente conflito de princípios fundamentais presente no caso em tela, qual seja, acredito ser viável que às empresas seja dado o poder de fiscalizar os e-mails de seus empregados, dentro de certos limites e parâmetros, sem que isso importe em violação do direito fundamental à privacidade previsto na CF/88. Também será objeto de discussão uma abordagem mais profunda da afirmação de que a função primária da lei é a de comprimir7, visto que é do que se trata precisamente aqui, em outras palavras, a lei deverá, ou não, comprimir o direito à privacidade do indivíduo em razão do direito à propriedade da empresa? Para Bobbio, a lei, ao fim, busca proteger o homem do homem através da limitação de seu poder, seja individual ou coletivo. bruto de cerca de 211 bilhões de dólares em 2006, ou cerca de 1/4 do atual PIB brasileiro. Fonte:CVX Corp.,2007. 6 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais.7.ed.rev.atual e ampl.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.p.403. 7 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos.Rio de Janeiro: Campus, 1992.p.56. 15 Nesse sentido é que tratarei o assunto procurando fazer um cotejo entre o necessário equilíbrio entre regulamentos e políticas empresariais e direitos fundamentais dos empregados verificando o quanto é, ou seria, necessário comprimir ambas as normas (privadas e públicas) de forma que o homem fique protegido dele mesmo, acreditando que nenhuma solução será encontrada sem passar pela necessária renúncia parcial de direitos dos envolvidos no conflito aparente de normas. Se for possível alcançar esse compromisso de ambas as partes, então será possível dirimir o conflito respeitando ainda os princípios confrontados. Por fim, pretendo discutir a aparente dicotomia e conflito existente entre o direito fundamental à privacidade e o direito de propriedade da empresa quando da fiscalização dos e-mails oriundos de suas máquinas, abordando os aspectos de liberdade negativa, liberdade positiva, direitos fundamentais e direitos sociais. 16 1. EVOLUÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: BREVE HISTÓRICO 1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Podemos dizer que falar sobre evolução dos direitos é o mesmo que falar sobre a evolução do homem através da história, haja vista que direito e evolução humana caminham juntos, é claro que, o primeiro sempre atrasado em relação ao segundo, assim como é correto afirmar que o conceito do que seja direito evolui e modifica-se ao longo do tempo e o que era considerado como correto pelas sociedades do passado quase sempre muda ao longo da linha do tempo da história humana. Nesse sentido, Rudolf Von Jhering8 já declarava que é “Um problema insolúvel o de indagar o que constitui o conteúdo do direito porque ele é eternamente variável” e continuando “o direito não exprime a verdade absoluta: a sua verdade é apenas relativa e mede-se pelo seu fim. E assim é que o direito não só pode, mas deve mesmo ser infinitamente variado.” Portanto existiram e existe uma infinidade de sistemas de direitos, sendo que cada um quando considerado de per si constitui um sistema jurídico único afeto a um determinado povo ou nação e a um dado momento histórico, podendo sofrer influências de outros sistemas, mas ainda assim único e dentro do qual a verdade ali inscrita é tida como absoluta, mas que quando oposta a verdade de seus congêneres revela-se uma quimera que transforma a sua “verdade absoluta” em verdade relativa. Tendo isso em mente, esclarecemos que o breve histórico a que nos referimos nesse texto é aquele que diz respeito a um pequeno núcleo de direitos tido como “universais” porque abrangem direitos inerentes a toda à espécie humana e pormenorizando mais ainda estamos nos referindo aos direitos universais e fundamentais, também conhecidos como direitos humanos que, para alguns autores, são derivados do direito natural e, portanto não necessitam de positivação, mas simplesmente serem declarados e reconhecidos. A questão da existência ou não de um direito universal em sua concepção primária, qual seja, a da existência de direitos que se outorgam aos indivíduos pelo simples fato de 8 JHERING, Rudolf von.A luta pelo direito. Texto integral.Tradução:Pietro Nassetti.São Paulo: Martin Claret, 2002. 17 pertencerem ao gênero humano e extensível a todos os recantos do globo, sendo ainda atemporal, é uma fábula, porquanto não possível de conceber-se por qualquer lado que se abarque a questão. Imaginar direitos que não estejam limitados espacialmente ou ainda que não reflitam os valores, condicionamentos e estágios de desenvolvimento de uma determinada época é pretender retirar da discussão jurídica sua característica mais marcante que é a diversidade caracterizada pelas diversas tentativas de sistematizar o direito ao longo da história humana. Podemos perceber isso quando verificamos que o conceito, por exemplo, do direito à liberdade, tido como universal, não foi reconhecido pela Declaração de Virgínia a todos os homens que viviam sob os seus auspícios. Mesmo considerada como um marco na evolução dos direitos fundamentais do homem negava radicalmente o direito à liberdade a um grupo étnico apenas por causa da cor da sua pele. Ainda assim alguém poderia argumentar que, embora universal, as condições de desenvolvimento humano do século XVIII não permitiram aos cidadãos daquele tempo entender tal direito à liberdade como sendo universal sendo por isso negado aos negros, mas que a despeito de não o considerarem dessa forma a liberdade seria sim um direito humano fundamental e universal. Não vemos a questão sob essa ótica porque, mais uma vez aqui apelamos para Norberto Bobbio9, que afirma que os únicos direitos fundamentais são aqueles que não concorrem com nenhum outro e o direito de liberdade individual que é a discutida aqui se choca em muitos casos com o conceito de liberdade coletiva. Não estamos aqui advogando a existência da escravidão tomando como base o conflito de direitos, advertimos que não se trata em hipótese alguma disso, mas de constatarmos que os conceitos do que sejam direitos humanos fundamentais e universais evoluem ao longo da história porque nossa visão de qual sejam eles se modifica ao longo do tempo. Voltando ao tema do parágrafo anterior, a Declaração de Virgínia não contemplou a liberdade dos negros não porque os homens de seu tempo não eram esclarecidos (pelo contrário representavam a vanguarda do pensamento liberal da época), mas simplesmente pelo fato de que no conceito de direito à liberdade, os negros não se incluíam porque os valores daquele momento histórico sequer consideravam os negros como sendo pertencentes à 9 BOBBIO, Norberto.A era dos direitos.Nova edição.Rio de Janeiro:Elsevier, 2004.4ª reimpressão.p.40. 18 raça humana, conceito completamente absurdo e equivocado aos nossos olhos de homem hodierno, mas perfeitamente aceitável e claro naquele momento histórico. Portanto, pretender que existam direitos humanos fundamentais e universais que não precisam ser positivados, mas simplesmente reconhecidos e declarados constitui uma quimera jurídica que jamais encontrou respaldo no mundo concreto onde tais direitos precisam ser positivados e, mais que isso, precisam ser tornados eficazes através de lutas frequentemente banhadas em sangue para que sejam efetivos pois longe de terem sido concedidos “de graça” foram conquistados a duras penas ao longo da evolução humana através de suas marchas e contramarchas, nesse sentido o escrito abaixo: “Do ponto de vista teórico, sempre defendi - e continuo a defender fortalecido por novos argumentos - que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.” 10 (Grifo nosso) Pois bem, feitas essas considerações podemos afirmar que os direitos evoluíram ao longo dos tempos, classificando-os em gerações sucessivas de direitos, começando pelo indivíduo e estando atualmente na fase dos direitos dos Estados. 1.2 AS DIMENSÕES DOS DIREITOS Paulo Bonavides ao tratar dos direitos fundamentais de quarta geração, propõe que o vocábulo “geração” seja substituído por “dimensão” por tratar-se a primeira palavra de um equívoco, segundo ele: “Força é dirimir, a esta altura, um eventual equívoco de linguagem: o vocábulo “dimensão” substitui, com vantagem lógica e qualitativa, o termo “geração”, caso 10 Id; ibid.p.38. 19 este último venha a induzir apenas sucessão cronológica e, portanto, suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade.” 11 Como atualmente o vocábulo em uso é “dimensão” dos direitos fundamentais, adotaremos o termo utilizado por Bonavides e que a nosso ver é mais conveniente para dar a exata idéia da evolução desses direitos no sentido de expansão de direitos meramente subjetivos a direitos humanos em sentido universal representados pela quarta dimensão. A luta pela conquista de direitos inicia-se por aqueles em que o indivíduo procura proteção para si perante a força do Estado, sendo conhecidos como a primeira dimensão de direitos e que procuram realçar o princípio da liberdade. Correspondem aos direitos civis e políticos, às liberdades individuais onde é exigida do Estado uma conduta negativa, um não fazer estatal, sendo verdadeira oposição ao poder ilimitado do soberano sobre seus súditos que se consubstancia nas liberdades individuais, no direito à vida, à segurança, no direito de propriedade, de ir e vir e principalmente pela reivindicação do direito de tratamento igualitário perante a lei. Nessa fase é que se exige que as leis sejam escritas porque somente assim todos poderão conhecê-las e mais que isso, estará o soberano impedido de aplicar a lei segundo seus caprichos, criando-as e destituindo-as ao seu exclusivo arbítrio segundo as conveniências da ocasião e aplicando-a somente a alguns e não a outros, por óbvio que tamanha concessão por parte do soberano o enfraquece à medida que limita seu poder absoluto e subjuga o governante ao poder da lei criando-se verdadeira separação entre o Estado e a figura de seu governante, estando aquele submetido a esse. Assim até que os códigos surgissem os cidadãos estavam à mercê de seus governantes que exerciam seu poder de forma despótica, governando através do terror e exigindo obediência absoluta de todos e aplicando a “lei” de acordo com sua vontade e humor do momento, já que não havia nenhuma referência de como o soberano deveria se comportar nem que caminho deveria seguir para resolver um conflito. Tal situação começa a inverter com o surgimento do Código de Hamurabi por volta do ano 1700 A.C que continha em seus 282 artigos uma seleção de casos jurisprudenciais que ajudavam na solução das demandas jurídicas propostas ao soberano. 11 BONAVIDES, Paulo.Curso de Direito Constitucional.15.ed.atualizada.São Paulo: Malheiros, 2004.p.571-572. 20 Também encontramos manifestações da limitação desse poder real no Direito Romano que estabeleceu mecanismos de proteção do cidadão contra o Estado através da Lei das XII Tábuas que podia ser consultada e invocada por todos que viviam sob o jugo romano12: “Nesse contexto, a Lex Duodecim Tabularum previa normas acerca do chamamento a juízo, estabelecia instâncias judiciárias, normatizava critérios de confissão, condenação e execução, o exercício do pátrio poder, a tutela hereditária, a posse e a propriedade, legislando ainda acerca dos imóveis e dos prédios, bem como dos delitos (dentre estes o de que os juros não poderiam exceder de um por cento ao mês).” A segunda dimensão, que procura fortalecer o princípio da igualdade, caracteriza-se pelas lutas sociais onde a sociedade e não somente o indivíduo demanda que o Estado intervenha positivamente de forma a garantir proteção contra abusos vindos não mais do governo e sim dos próprios agentes da sociedade. Nesse sentido se deseja um fazer, uma pro atividade estatal para que se garantam os chamados direitos econômicos e sociais como o direito à saúde, educação, moradia, trabalho e lazer. Também aqui existe uma forte demanda para que o poderio dos agentes econômicos na relação capital versus trabalho seja amainado e mantido sob o controle do Estado. O mote impulsionador dessa geração de direitos foi a busca de condições de vida e de trabalho melhores posto que, a partir da revolução industrial com suas distorções e abusos foi que, os trabalhadores inicialmente, e a sociedade como um todo posteriormente começaram a organizar-se e a exigir do Estado que interviesse para trazer mais equilíbrio à relação de direitos então vigente amparada pelo arcabouço político-jurídico da concepção liberal do Estado levado ao seu extremo. Por essa época tal era o desequilíbrio de direitos que até mesmo a igreja interveio fortemente, através do Papa Leão XIII e sua encíclica Rerum Novarum para que a razão voltasse novamente a prevalecer nas relações sociais. 12 Direitos Humanos e Cidadania. Sociedade Catarinense de Direitos Humanos.Evolução dos Direitos Humanos.Fascículo I.Cap. II.p.5. 21 Nesse período nasce o “Welfare state” e especialmente no Brasil surgem os direitos trabalhistas promulgados por Getúlio Vargas e vários benefícios sociais tais como garantia de aposentadoria oficial, diminuição do número de horas trabalhadas por semana, além de pactos internacionais como o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos e Sociais e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. As primeiras constituições a estabelecerem a proteção dos direitos sociais foram a Mexicana de 1917 e a alemã de Weimar em 1919. Embora tenham nascido primordialmente a partir de intensos movimentos reivindicatórios localizados no século XIX por causa da Revolução Industrial, conforme já frisamos anteriormente, foi somente a partir do século XX, especialmente após a Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, que passaram tais direitos a freqüentar mais amiúde as constituições dos diversos Estados. Também se deve frisar que embora o núcleo principal desses direitos seja a atitude positiva do Estado exigindo que este intervenha para restabelecer o equilíbrio de forças, também abarcam prestações negativas como demonstra o texto abaixo13: “Ainda na esfera dos direitos da segunda dimensão, há que atentar para a circunstância de que estes não englobam apenas os direitos de cunho positivo, mas também as assim denominadas “liberdades sociais”, do que são conta os exemplos da liberdade de sindicalização, do direito de greve... A segunda dimensão dos direitos fundamentais abrange, portanto, bem mais que os direitos de cunho prestacional, de acordo com o que ainda propugna parte da doutrina, inobstante o cunho “positivo” possa ser considerado como o marco distintivo dessa nova fase na evolução dos direitos fundamentais.” Assim, visam esses direitos aplicar à vida social a igualdade entre os entes que atuam na sociedade sendo fruto direto dos imensos problemas sociais decorrentes da rápida industrialização, da migração em massa dos campos para as áreas urbanas com todas as mazelas conhecidas que tal fluxo provoca e do surgimento de doutrinas políticas que 13 SARLET, Ingo Wolfgang.A eficácia dos direitos fundamentais.7.ed.rev.atual. e ampl.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.p.59. 22 pregavam a força do proletariado, a justeza de sua causa e expunham de maneira crua as desigualdades sociais de seu momento histórico, cobrando ao mesmo tempo o comportamento ativo do Estado na realização da justiça social. A próxima dimensão de direitos, a terceira em nossa seqüência, desatrelou do indivíduo a titularidade exclusiva de direitos no sentido de que, sendo seu princípio gerador a fraternidade, vai procurar garantir os direitos dos diversos grupamentos humanos ao invés de apenas garantir direitos individuais ou de uma determinada camada da sociedade, procurando proteger a coletividade, como exemplos desses direitos podemos citar o direito à paz, ao meio ambiente, direitos e direitos do consumidor. Tais direitos também são conhecidos como direitos de solidariedade incluindo aí o direito dos povos de autodeterminação e também os direitos de minorias ou grupos menos favorecidos tais como o idoso, as crianças, deficientes físicos, minorias étnicas, etc. São indeterminados e indivisíveis, não pertencendo a nenhum indivíduo em particular, mas sim a sociedade como um todo. A Constituição Brasileira de 1988 foi a primeira a incluir em seu texto a tutela desses novos direitos ao tratar da proteção de interesses difusos e coletivos o que denota o pouco tempo de existência e principalmente reconhecimento desses direitos, também podemos aduzir a relativamente baixa eficácia destes em comparação às demais gerações, falta de eficácia essa que podemos constatar diariamente na mídia e nos meios especializados quando observamos, por exemplo, as constantes violações do meio ambiente e aos direitos das minorias. Tal problema tem se tornado uma constante nas discussões acadêmicas e nos círculos políticos à medida que se percebe que, apesar de inúmeros direitos terem sido conquistados a duras penas até o ponto de estarem presentes em muitas constituições ao redor do globo, as dificuldades que os Estados tem enfrentado para tirá-los do papel e torná-los realmente eficazes se avolumam de tal maneira que na prática não se consegue que esses direitos vinguem, se tornando inúmeras vezes letra morta da lei, conforme ressaltou Bobbio: “... Quando digo que o problema mais urgente que temos de enfrentar não é o problema do fundamento, mas o das garantias, quero dizer que consideramos o problema do fundamento não como inexistente, mas como – em certo sentido – 23 resolvido, ou seja, como um problema com cuja solução já não devemos mais nos preocupar...”. 14 Assim é que atualmente luta-se não pela preservação dos direitos conquistados, mas principalmente pela eficácia desses, nesse sentido o que se observa é que grande parte desses direitos ainda não encontrou positivação constitucional embora sejam protagonistas de diversos tratados internacionais, como por exemplo, o Protocolo de Kyoto que visa reduzir a emissão dos gases considerados causadores do efeito estufa à nível global numa tentativa de preservar o meio ambiente para as gerações futuras. Para os objetivos desse trabalho, interessante é o ponto de vista aposto abaixo: “Para outros, por sua vez, os direitos fundamentais da terceira dimensão, como leciona Pérez Luño, podem ser considerados uma resposta ao fenômeno denominado de “poluição das liberdades”, que caracteriza o processo de erosão e degradação sofrido pelos direitos e liberdades fundamentais, principalmente em face do uso de novas tecnologias. Nesta perspectiva, assumem especial relevância o direito ao meio ambiente e à qualidade de vida (que já foi considerado direito de terceira geração pela corrente doutrinária que parte do critério da titularidade transindividual), bem como o direito de informática (ou de liberdade de informática), cujo reconhecimento é postulado justamente em virtude do controle cada vez maior sobre a liberdade e intimidade individual mediante bancos de dados pessoais, meios de comunicação, etc.(...) “15 O que se observa é então uma nova volta do pêndulo da luta pela liberdade que vinha sendo travada até o impacto das novas tecnologias e do surgimento da sociedade industrial contra o Estado totalitário e inerente na vida privada e que, atualmente, se desenvolve contra a ingerência de particulares, especialmente das mega corporações existentes atualmente cujo 14 BOBBIO,Norberto. A Era dos Direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho – Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 26. 15 SARLET, Ingo Wolfgang.A eficácia dos direitos fundamentais.7.ed.rev.atual. e ampl.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.p.59. 24 poder e influência extravasam em muito o dos seus países de origem e cujas técnicas de controle são extremamente sutis a ponto de não serem percebidas pelo homem médio. Ultimamente tem-se discutido a quarta dimensão de direitos fundamentais, que decorre da globalização dos direitos existentes atualmente que são garantidos apenas no interior dos Estados. Nessa dimensão se inclui o direito à democracia, o direito à informação e ao pluralismo. Para Bonavides16 “globalizar direitos fundamentais equivale a universalizá-los no campo institucional”. Assim é necessário que os direitos humanos sejam universalizados a tal ponto que possa aflorar, sem barreiras, a democracia direta, viabilizada pelos novos meios de comunicação de massa, que constitui o ápice dos direitos humanos já que os direitos de primeira, segunda e terceira dimensão serviriam de sustentáculos, ou de infra-estrutura (para citar um termo de Bonavides) da quarta dimensão e cujo cume é a democracia. “Já, na democracia globalizada o Homem configura presença moral da cidadania. Ele é a constante axiológica, o centro de gravidade, a corrente de convergência de todos os interesses do sistema. Nessa democracia, a fiscalização de constitucionalidade daqueles direitos enunciados – direitos, conforme vimos, de quatro dimensões distintas – será obra do cidadão legitimado, perante uma instância constitucional suprema, à propositura da ação controle, sempre em moldes compatíveis com a índole e o exercício da democracia direta. Enfim, os direitos da quarta geração compediam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão-somente com eles será legítima e possível a globalização política.” 17 O autor nos fala então de que urge colocar-se em prática tais direitos para que a verdadeira vocação do ser humano flua no sentido de atingir a plenitude de todos os direitos conquistados nas dimensões passadas. Essa plenitude – leia-se eficácia material – é o objeto principal das discussões ora travadas, pois se é verdade que na primeira dimensão é necessário que o Estado tenha seu poder limitado, para a garantia de validade dos direitos 16 17 BONAVIDES, Paulo.Curso de Direito Constitucional.15.ed.atualizada.São Paulo: Malheiros, 2004.p.571. Ibid.,id.p.572. 25 sociais de terceira dimensão precisamos de um Estado forte que seja capaz de lidar com as pressões dos diversos grupos econômicos que almejam tornar o povo massa de manobra transformando-os em meros consumidores de produtos e serviços massificados onde as escolhas, longe de serem livres, são dirigidas desde muito cedo pela propaganda e pela difusão da ideologia comercial de seus patrocinadores, as mega corporações transnacionais. Nesse contexto surge o controle da vida e intimidade privadas dos cidadãos por parte do Estado e dos conglomerados econômicos, na medida em que informações privativas dos cidadãos encontram-se armazenados em grandes bancos de dados, sendo possível coletar-se toda sorte de informações do indivíduo sejam elas econômicas, sociais, filiação partidária, religião, ou qualquer outra. Não podemos perder de vista que é do interesse da globalização a diluição dos Estados nacionais e o surgimento do Estado supranacional desde que esse novo ente Estatal esteja sob o domínio da filosofia liberal, protegendo os direitos contratuais em detrimento dos direitos humanos, especialmente aqueles que representam ameaças aos interesses econômicos dos grupos transnacionais. Interessante texto nessa direção nos é fornecido por Bonavides: “Da globalização econômica e da globalização cultural muito se tem ouvido falar. Da globalização política só nos chegam, porém, o silêncio eo subterfúgio neoliberal da reengenharia do Estado e da sociedade. Imagens, aliás, anárquicas de um futuro nebuloso onde o Homem e a sua liberdade – a liberdade concreta, entenda-se – parecem ter ficado de todo esquecidos e postergados.” 18 Os direitos da quarta dimensão dizem respeito diretamente à esse trabalho porque entre eles está a garantia da não manipulação do cidadão pelo Estado e pelos particulares especialmente devido ao grande avanço tecnológico das últimas décadas e como uma parte diminuta dessa discussão está o controle dos e-mails dos empregados por parte de seus patrões. 18 Ibid.,id.p.572. 26 Bobbio19 nos fala ainda do direito de integridade do patrimônio genético próprio de cada indivíduo “que vai bem mais além do que o direito à integridade física”, além do “direito à privacidade, que é colocado em sério risco pela possibilidade que os poderes públicos têm de memorizar todos os dados relativos à vida de uma pessoa e, com isso, controlar os seus comportamentos sem que ela perceba” 20 . Percebe-se daí a importância da discussão sobre que tipo de controle – seja por parte do Estado, seja pelos particulares – queremos sobre os dados referentes a nossa pessoa, incluindo nossas correspondências eletrônicas. Por último devemos aduzir ainda que as gerações de direitos não são mutuamente excludentes, mas categorias que se complementam e para o qual o gênero humano está sempre encontrando novas versões e mais, assim como os direitos da primeira dimensão, o que se busca com os das dimensões subseqüentes é, na maior parte das vezes, uma prestação negativa, um não fazer, de cunho defensivo contra ingerências na vida privada, sejam elas praticadas pelo Estado, sejam pelos particulares. 1.3 HISTÓRICO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO HOMEM Como já dissemos a história dos direitos fundamentais do homem se confunde com a própria história da humanidade, pois desde que o homem passou a conviver em sociedade foi necessário que abrisse mão de parte de seus direitos em favor da coletividade e do bem comum, seja por ser considerado animal político, conforme dizia Aristóteles, seja por querer participar do contrato social conforme Rousseau ou simplesmente porque precisa da proteção de seus pares para que sobreviva já que o “o homem é o lobo do homem” como via Hobbes. Os direitos humanos acompanham a história, não sendo estáticos assim como nem sempre evoluem, podendo em dado momento histórico ocorrer a perda de direitos já conquistados. O reconhecimento dos direitos humanos se deu com mais ênfase a partir da segunda metade do século XX com a Declaração Universal do Direitos do Homem de 1948, entretanto sua concepção é tão antiga quanto a filosofia grega, de fato, embora somente se 19 20 BOBBIO, Norberto.A era dos direitos.Nova edição.Rio de Janeiro:Elsevier, 2004.4ª reimpressão.p.230. Ibid.,id.p.230. 27 possa falar em direitos fundamentas do ponto de vista de reconhecimento e consagração desses pelas primeiras constituições no final do século XVIII, é inegável que as concepções da filosofia clássica e do pensamento cristão influenciaram sobremaneira o pensamento jurídico ocidental a ponto de tal influência desembocar na concepção jusnaturalista do direito a partir do século XVI, que afirma que os homens são sujeitos de direitos pelo simples fato de nascerem homens e portanto precisam ter esses direitos reconhecidos, protegidos e tornados eficazes em suas relações e que contribuiu decisivamente para o reconhecimento dos direitos fundamentais nos movimentos revolucionários do século XVIII. A idéia central no nascimento dos direitos fundamentais do homem é a idéia de limitação de poder: “que assume relevo não apenas como mecanismo hermenêutico, mas, principalmente, pela circunstância de que a história dos direitos fundamentais é também uma história que desemboca no surgimento do moderno Estado constitucional, cuja essência e razão de ser residem justamente no reconhecimento e proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais do homem. Neste contexto, há que dar razão aos que ponderam ser a história dos direitos fundamentais, de certa forma (e, em parte, poderíamos acrescentar), também a história da limitação do poder.” 21 Acrescemos ainda que a limitação de poder, em nosso entender e que serve de esteio para a tese defendida nesse trabalho é uma via de mão dupla, podendo tanto ocorrer do lado do mais forte quanto do mais fraco já que o que se busca é o equilíbrio da relação. É importante esclarecer que quando nos referimos ao “poder do mais fraco” estamos nos referindo àquela eterna luta entre os interesses individuais, egoísticos e voltados a satisfação dos desejos, interesses e caprichos do indivíduo que pouco valor dá aos direitos da sociedade desde que os seus “direitos” sejam satisfeitos primeiros e os interesses de toda a sociedade, considerada em seu todo e que a depender da vontade individual de seus 21 SARLET, Ingo Wolfgang.A eficácia dos direitos fundamentais.7.ed.rev.atual. e ampl.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.p.43. 28 participantes jamais será capaz de realizar o bem comum, assim, se prevalece apenas o direito do indivíduo (poder do mais fraco) em detrimento do bem estar maior, estará a sociedade presa de seus próprios vícios e outra não será a sua sorte do que o desequilíbrio dela mesmo no sentido de que na ânsia de garantir e satisfazer direitos individuais perderá de vista o interesse supra individual da realização da felicidade e do bem estar comum. Posto isso, iniciamos nosso histórico22 sucinto pelo Código de Hamurabi que por volta do ano 1700 A.C. que já trazia em seu bojo mandamentos que limitavam o poder do governante frente a seus súditos. Hamurabi foi o sexto rei da primeira dinastia da Babilônia e criou 282 artigos que continham uma seleção de casos jurisprudências que auxiliavam na solução das demandas jurídicas que se apresentavam ao seu arbítrio, o código também continha preceitos para guiar as relações entre os súditos e desses com o governante sendo que na prática não tinha o condão de limitar realmente o poder real posto que esse era absoluto, entretanto previa a supremacia das leis sobre os governantes, regulava, ainda, as relações mercantis. Já os atenienses afirmavam que a lei escrita era um antídoto contra os desmandos governamentais, pois segundo Eurípides “uma vez escritas as leis, o fraco e o rico gozam de um direito igual.23” Os gregos do século V A.C. contribuíram fundando os alicerces filosóficos que mais tarde iriam justificar a concepção de direito natural que por sua vez levou a idéia dos direitos fundamentais do homem, nesse sentido a doutrina cita com freqüência a passagem do texto de Sófocles no qual Antígona, em resposta ao rei que a interpela em nome de quem havia sepultado, contra suas ordens, o irmão que fora executado, responde: “Agi em nome de uma lei que é muito mais antiga do que o rei, uma lei que se perde na origem dos tempos, que ninguém sabe quando foi promulgada”, invocando assim um direito pretérito e cuja origem é o próprio homem pelo simples fato de ser homem. Os Romanos também contribuíram através da Lei das XII Tábuas, texto escrito que podia ser consultado e invocado por todos, estabelecendo no mundo romano a universalidade 22 Direitos Humanos e Cidadania. Sociedade Catarinense de Direitos Humanos. Evolução dos Direitos Humanos. Fascículo I.Cap. II. 23 Ibid.,id.p.7. 29 de direitos, colocando a lei como justa (V- As leis são imparciais) instituindo a proteção à propriedade e criando algumas liberdades civis através da regulação do exercício do pátrio poder e do chamamento a juízo. Mas o marco jurídico primordial da história dos direitos humanos fundamentais é o surgimento do constitucionalismo na Inglaterra governada por João Sem Terra assim conhecido por não ter sido contemplado com a herança paterna que, obrigado pelos barões que reivindicavam mais direitos e pressionado pela igreja fatores esses aliados a sua inabilidade política para conduzir os assuntos do reino, acabaram por obrigá-lo a ceder às pressões fazendo com que assinasse em 1215, na localidade de Runnymede, um documento que mais tarde passou a ser conhecida como Magna Charta Libertatum, propositalmente redigida em Latim para que os súditos não a compreendessem e proibida de ser registrada pelo próprio soberano que a assinou como forma de impedir que fosse copiada, divulgada e consequentemente cumprida, vale notar que a sua tradução para o inglês se deu somente 300 anos após sua criação. Das 67 (sessenta e sete) cláusulas que constam na Carta Magna, pelo menos 12 (doze) beneficiam diretamente o povo, embora não criassem nenhum direito novo sendo os estamentos mais importantes, do ponto de vista dos direitos fundamentais, os a seguir compilados: “48) Ninguém poderá ser detido, preso ou despojado dos seus bens, costumes e liberdades, senão em virtude de julgamento de seus Pares segundo as leis do país. 49) Não venderemos, nem recusaremos, nem dilataremos a quem quer que seja, a administração da justiça.” Além desses previa ainda o devido processo legal, o livre acesso à justiça, proporcionalidade entre delito e pena e o direito de entrar e sair do país livremente que vigorou em todo o Reino Unido até o final da primeira guerra mundial, pois até então nem sequer passaporte os Britânicos possuíam. 30 Apesar de tudo e sendo que a história não poderia ser de outra forma visto que os detentores do poder jamais o abandonam a menos que sejam forçados a isso, firmou-se a Carta Magna como o marco histórico da constitucionalização dos direitos fundamentais, agindo, por assim dizer, como um pequeno furo no dique do absolutismo que iria libertar em fúria as águas da liberdade com a Revolução Francesa de 1789. “É preciso que se olhe imparcialmente, em retrospecto. o panorama sombrio da Europa na Idade Média, a fim de que se compreenda o alcance, a extensão benéfica e as prerrogativas trazidas pela carta inglesa. Não foi ela um astro que surgisse no firmamento das nações, para alumiar a consciência dos homens, porém foi uma centelha inicial que serviu para despertar o espírito humano, embotado pela barbárie e pelo feudalismo.”24 O próximo passo foi a “Petition of Rights” de 1628 e também imposta ao Monarca, para o surgimento do qual o pensamento de Lord Edward foi fundamental já que, como parlamentar, defendeu a idéia da arbitrariedade da prisão sem motivo e os reconhecimentos da propriedade privada, em seqüência têm o “Habeas Corpus Amendment Act” de 1679, o “Bill of Rights”, com 13 (treze) artigos em 1689 que é talvez o mais importante documento constitucional da Inglaterra já que fortaleceu e definiu as atribuições legislativas do parlamento frente à Coroa e proclamou a liberdade da eleição dos membros do Parlamento, consagrando algumas garantias individuais, criou novas restrições ao poder real, regulou o princípio da legalidade, criando ainda o direito de petição e imunidades parlamentares, temos ainda o “Act of Seattlement” em 1701. É preciso que se diga que a edição desses atos não beneficiou a população com um todo, apenas ampliou o alcance da proteção à nobreza e o clero sendo aproveitado também pela burguesia que começava a ganhar força nesse momento histórico. 24 Jayme de Altavila - Origem dos direitos dos povos.In, Direitos Humanos e Cidadania. Sociedade Catarinense de Direitos Humanos. Evolução dos Direitos Humanos. Fascículo I.Cap. II.p.6. 31 Após a Carta Magna, outro documento de suma importância na evolução dos direitos fundamentais do homem foi a Declaração da Virgínia de 1776: “Cremos axiomáticas as seguintes verdades: que todos os homens foram criados iguais, que lhes conferiu o Criador certos direitos inalienáveis, entre os quais o de vida e de liberdade, e o de procurarem a própria felicidade; que, para assegurar esses direitos, se constituíram entre os homens governos cujos justos poderes emanam do consentimento dos governados; que sempre que qualquer forma de governo tenta destruir esses fins, assiste ao povo o direito de mudá-la ou aboli-la, instituindo um novo governo cujos princípios básicos e organizações de poderes obedeçam às normas que lhe parecerem mais próprias a promover a segurança e a felicidade gerais.”25 É interessante notar que em seu interior a Declaração de Virgínia contém elementos que autorizam os homens a mudarem os governos que descumprirem suas funções básicas de promover a segurança e a felicidade geral, tais elementos denotavam o desejo de independência do jugo Inglês que àquela altura já alimentava os sonhos das treze colônias americanas e que desembocaria na Declaração de Independência Americana alguns meses mais tarde e posteriormente na Constituição Americana onze anos mais tarde em 1787, sobre esse último documento devemos frisar que a Constituição Americana é um documento feito por comerciantes para comerciantes. O documento em questão previa o princípio da legalidade, do juiz natural e do due process of law, proclamava ainda o direito à vida, à liberdade e a propriedade sendo interessante relembrar que o maior descontentamento da colônia eram as restrições comerciais que a Inglaterra impunha por essa época ao comércio americano. Previa ainda direitos políticos como a eleição de representantes e talvez o mais importante deles, no nosso ponto de vista, a liberdade de imprensa. Tal declaração foi inspirada nas teorias de Locke, Rousseau e Montesquieu. 25 Declaração de Virgínia. In, Direitos Humanos e Cidadania. Sociedade Catarinense de Direitos Humanos. Evolução dos Direitos Humanos. Fascículo I.Cap. II.p.8. 32 Todos os documentos acima foram muito importantes para a evolução dos direitos fundamentais do homem. Entretanto todos pecam, se é que podemos falar assim, no sentido de sua amplitude pois nenhum deles se dirige ao gênero humano como um todo mas a grupos humanos localizados em determinada área geográfica e/ou restritos à um determinado povo ou nação. “Paulo Bonavides, comentando sobre a importância das declarações dos direitos do homem, enaltecendo aquela nascida na França, em mais uma lição magistral, ensina que: Constatou-se então com irrecusável veracidade que as declarações antecedentes de ingleses e americanos podiam talvez ganhar em concretude, mas perdiam em espaço de abrangência, porquanto se dirigiam a uma camada social privilegiada (os barões feudais), quando muito a um povo ou a uma sociedade que se libertava politicamente, conforme era o caso das antigas colônias americanas, ao passo que a Declaração francesa de 1789 tinha por destinatário o gênero humano. Por isso mesmo, e pelas condições da época, foi a mais abstrata de todas as formulações solenes já feitas acerca da liberdade. O teor de universalidade da Declaração recebeu, aliás, essa justificativa lapidar de Boutmy: Foi para ensinar o mundo que os franceses escreveram; foi para o proveito e comodidade de seus concidadãos que os americanos redigiram suas Declarações.” 26 O ponto de inflexão dessa curva foi sem dúvida a Revolução Francesa de 1789 e sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão onde pela primeira vez na história da humanidade temos um documento formal que se dirige a todo o gênero humano e não apenas à determinada parcela dele e isso já em seu primeiro artigo que prega que “O fim da sociedade é a felicidade comum” que pode ser entendido como um direito social, portanto de segunda geração, fundamental de todas as pessoas. 26 SILVA, Enio Moraes da. Direitos Fundamentais.Teoria Geral do Direitos Fundamentais. Site radar do agito. Disponível em http:\\www.radardoagito.com.br/direito/direito_constitucional/DIREITOS FUNDAMENTAIS.htm.Acesso em 08.08.2009. 33 A essência da declaração consiste em reconhecer que ao lado dos direitos do homem e do cidadão existe em contrapartida a obrigação do Estado de respeitar e garantir eficácia aos direitos humanos fundamentais, tal obrigação influenciará vários movimentos ao redor do mundo no sentido de os cidadãos passarem a exigir que tais direitos passem a constar de documentos escritos, inclusive repercutindo na Constituição Brasileira de 1824 que positivou os direitos do homem e na de 1891 que trazia entre suas normas direitos e garantias individuais embora nenhuma das duas trate dos chamados direitos sociais de segunda geração, que somente aparecerão na Constituição Brasileira de 1934. Outras Constituições influenciadas pela Declaração foram a Mexicana de 1917, a Constituição de Weimar de 1919 e a Constituição Soviética de 1918. O próximo e decisivo passo para consolidar internacionalmente o surgimento de direitos humanos fundamentais foi a Declaração Universal dos Direitos dos Homens assinada em 1948, em Paris, e foi fruto de intensas discussões ocorridas logo após o conflito internacional entre as grandes potências e países europeus que acabavam de viver os horrores da segunda grande guerra mundial e não mais desejavam que tais acontecimentos voltassem a ocorrer ou fossem tolerados novamente. Versa principalmente sobre os direitos e deveres fundamentais do homem abordando o aspecto individual, social, cultural e político. A declaração foi ratificada por todos os cento e quarenta e oito países membros da Organização das Nações Unidas, exceto oito países ligados à extinta URSS, a Conferência de Teerã em 1968 fortificou ainda mais os trinta artigos da Declaração. Hoje em dia os direitos humanos continuam a evoluir e após a declaração de 1948 diversos textos constitucionais de diversos países passaram a incorporar em seus textos o ali declarado servindo seus artigos como parâmetro de democracia à todos os povos do mundo. Também foram ratificados diversos documentos internacionais que ampliam e procuram dar maior eficácia aos direitos fundamentais, todos frutos de enormes esforços de países de todo o globo e que mesmo aprovados nem sempre são ratificados pelos parlamentos dos países membros signatários desses tratados. Como exemplo podemos citar a Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos, a Declaração Islâmica Universal dos Direitos do Homem, Declaração Universal dos Direitos dos Povos, Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, Convenção sobre os direitos das crianças entre outros. 34 Embora tal documento tenha sido um marco fundamental na consolidação dos direitos dos homens e venha se aperfeiçoando desde a sua declaração, o principal problema que se apresenta ao mundo moderno é como garantir a eficácia desses direitos nos diversos países do mundo e principalmente como manter os que já existem adaptando-os aos novos desafios e ameaças à liberdade humana introduzidas com o desenvolvimento tecnológico da sociedade humana. 35 Capítulo II – DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. O direito à vida privada nem sempre fez parte do elenco dos chamados direitos fundamentais, também não figurava dentro das primeiras declarações de direitos do século XVIII. O interesse por esse direito foi crescendo à medida que os meios de comunicação de massa foram sendo introduzidos na sociedade, tais como a imprensa e o surgimento de jornais de grande circulação justamente porque o potencial de dano à imagem, a honra e a vida privada dos cidadãos aumenta consideravelmente com a introdução desses novos meios posto que, agora um dado fato sobre dada pessoa circulará muito mais rápido e se difundirá em maior profundidade no meio social do que antes. Se consultarmos a mais popular enciclopédia on-line atualmente existente, a “Wikipedia” encontraremos o seguinte texto sobre privacidade, em uma tradução livre: “A privacidade não possui fronteiras bem definidas e tem diferentes significados para diferentes pessoas. É a habilidade de um indivíduo ou grupo manter suas vidas e assuntos pessoais fora das vistas do público, ou controlar o fluxo de informações sobre si mesmo. Privacidade algumas vezes está relacionada com o anonimato, embora frequentemente seja mais valorada pelas pessoas que são publicamente conhecidas. Privacidade pode ser vista como um aspecto da segurança, sobre o qual permutas entre os interesses de um grupo e de outro podem se tornar particularmente claros.” 27 (Grifo nosso) Reproduzi o trecho acima por que é interessante notar o que está escrito na última sentença, pois descortina a possibilidade de a privacidade ser amainada quando há outros interesses em jogo, como a segurança nacional, ou a de dados críticos de uma empresa, por exemplo. Tal afirmação tem relação direta com o nosso tema, assim como a frase “... controlar o fluxo de informações sobre si mesmo...” porque é exatamente disso que se trata, o indivíduo somente quer revelar as informações a seu respeito que considera de domínio 27 Privacy.From Wikipedia, the free encyclopedia. Disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Privacy.Acesso em 15.08.2009. “Privacy has no definite boundaries and it has different meanings for different people. It is the ability of an individual or group to keep their lives and personal affairs out of public view, or to control the flow of information about themselves. Privacy is sometimes related to anonymity although it is often most highly valued by people who are publicly known. Privacy can be seen as an aspect of security—one in which trade-offs between the interests of one group and another can become particularly clear.” 36 público, não quer ter sua intimidade e sua vida privada devassada por qualquer um a qualquer momento, é esse direito de resguardar sua intimidade e privacidade através do efetivo controle das informações a seu respeito que o cidadão quer ver positivado, garantido e respeitado, seja pelo Estado seja por outros cidadãos como ele ou por empresas privadas. Parte da doutrina considera o artigo de Samuel D. Warren e Louis D. Brandeis, publicado em Boston em dezembro de 1890, intitulado “The Right to Privacy” como sendo a primeira tentativa de jurisdicionar o direito à privacidade. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 12, dispõe: “Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques”. O artigo acima quer deixar bastante claro que a vida privada do cidadão somente a ele interessa ao mesmo tempo em que procura protegê-lo da interferência do Estado e de particulares no seu modo de viver. Abarca ainda a honra e a reputação, exortando para que tais direitos sejam positivados para que a eles se dê eficácia. Também o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos têm disposição semelhante em seu artigo 17: “1. Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra e reputação. 2. Toda pessoa terá direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas”. Praticamente com a mesma redação do artigo citado anteriormente, os reproduzidos acima procuram garantir aos indivíduos proteção aos mesmos direitos, agora erigidos à categoria de direitos civis e políticos. 37 Podemos citar ainda o art.11 da Convenção Interamericana dos Direitos Humanos: Proteção da honra e da intimidade: 1 – Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade. 2 – Ninguém pode ser objeto de interferências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em sua casa ou em sua correspondência, ou de ataques ilegais à sua honra ou reputação. 3 – Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais influências ou ataques. A diferença aqui se resume ao item 1, em sua parte final, que compreende a proteção da honra e da intimidade como fazendo parte da dignidade da pessoa humana. Ainda no direito alienígena, podemos citar o art. 18.4 da Constituição Espanhola, o Privacy Act de 1974 nos Estados Unidos da América, aqui é interessante notar que a Constituição Americana não faz referência direta a proteção desse direito que encontra respaldo e proteção em leis esparsas e na jurisprudência típicas da common law do direito anglo-saxão. Entretanto, como a pioneira nesse campo podemos citar a Constituição Portuguesa de 1973 que dispõe em seu art. 35 o seguinte: “1. Todos os cidadãos têm o direito de acesso aos dados informatizados que lhes digam respeito, podendo exigir a sua rectificação e actualização, e o direito de conhecer a finalidade a que se destinam, nos termos da lei. 2. A informática não poderá ser utilizada para o tratamento de dados referentes a convicções políticas, fé religiosa ou vida privada, exceto quando se trate de processo de dados não identificáveis para fins estatísticos.” Outros países, por exemplo, a França, também possuem explicitados em sua constituição o direito à privacidade outros, a exemplo dos EUA possuem leis que protegem os 38 cidadão contra a invasão de sua privacidade, entre essas podemos citar: United Kingdom's Data Protection Act 1998 ou o Australia's Privacy Act 1988, a União Européia, através de sua Diretiva 95/46 requer que todos os seus Estados membros criem normas específicas que garantam aos cidadãos o direito à privacidade. No Brasil tais direitos estão elencados no art. 5º, X da CR/88. Embora a doutrina moderna considere o direito à privacidade e à intimidade como direitos da personalidade, não é esse o tratamento que a CF/88 dá ao tema conforme veremos mais adiante. Somente a partir da Constituição Federal de 1988 é que o direito à privacidade e a intimidade passaram a ser referenciados diretamente em nosso ordenamento pátrio, embora existissem menções a eles de forma indireta em constituições anteriores. Tais direitos encontram sua previsão legal no art 5º, inciso X da CF/88: “Art. 5º (...) X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” De plano verifica-se que a Carta Magna quis fazer distinção entre a intimidade e a vida privada, assim segundo José Afonso da Silva28, “O dispositivo põe, desde logo, uma questão, a de que a intimidade foi considerada um direito diverso dos direitos à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, quando a doutrina os reputava, com outros, manifestação daquela”,considerando ainda o autor esses direitos como conexos ao direito à vida. Já Alexandre de Moraes faz uma distinção entre intimidade e vida privada nos seguintes termos: 28 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.28.ed.rev.e atual. até Emenda Constitucional n.53 de 19.12.2006.São Paulo: Malheiros Ed., 2007. p. 206. 39 “Assim, intimidade relaciona-se às atividades subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo, etc.” 29 Assim, a intimidade situa-se em um círculo mais restrito à vida pessoal do indivíduo, situando-se em uma esfera fechada que diz respeito somente à esse e onde o mesmo tem o poder legal de evitar os demais30 e cujo conhecimento somente pode ser dado à quem o detentor do direito quiser, nesse sentido é interessante reproduzir o texto abaixo: “A doutrina sempre lembra o Juiz americano Cooly, em 1873, identificou a privacidade como o direito de ser deixado tranqüilo, em paz, de estar só: Right to be alone. O right of privacy compreende, decidiu a Corte Suprema dos Estados Unidos, o direito de toda pessoa tomar sozinha as decisões na esfera da sua vida privada.” 31 É importante lembrar que a proteção constitucional é deferida não apenas em face do Estado, mas igualmente em relação aos particulares, assim como estão protegidos os direitos tanto das pessoas físicas quanto das pessoas jurídicas. Em nosso trabalho nos interessa muito mais o direito a vida privada do que o direito à intimidade, posto que o primeiro diz respeito a todos os relacionamentos que o indivíduo tem em sua vida, incluindo aquele tipo que permeia essa monografia, qual seja, os relacionamentos de trabalho. Podemos aduzir ainda que o direito à vida privada não se trata de um direito fundamental absoluto, pois mais uma vez devemos levar em consideração que esse direito deverá ser flexibilizado quando, por exemplo, o indivíduo se utiliza dele para promover atividades ilícitas, tais como planejar um ato terrorista utilizando-se do segredo das comunicações ou praticar um delito na intimidade de seu lar, por óbvio que em casos como 29 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional – 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 80. 30 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.28.ed.rev.e atual. até Emenda Constitucional n.53 de 19.12.2006.São Paulo: Malheiros Ed., 2007. p. 207. 31 Id; ibid. p. 206. 40 esses, onde existe um conflito de direitos, deverá o direito à vida privada ser flexibilizado em prol da segurança da sociedade. Tal fato consta inclusive com previsão legal no texto constitucional que valida a interceptação das comunicações desde que devidamente autorizada por autoridade competente (art. 5º, XII), bem como a previsão do art. 5º, LX da CF/88 que torna público todos os atos processuais exatamente para proteger o direito que a sociedade como um todo tem de saber como estão sendo julgados os atos ilícitos de seus representantes. Talvez o direito à vida privada seja o que mais conflita com o que tomaremos a liberdade de chamar de “direitos da sociedade”, assim entendidos aqueles direitos, que por promoverem o bem comum da coletividade em detrimento do sacrifício de algum direito individual, devem prevalecer quando os dois tipos de norma colidem entre eles o direito à informação, o direito à liberdade de expressão, liberdade de comunicação, de livre comércio, entre outros. Por certo que em futuro próximo escutaremos muito falar sobre esse tipo de conflito à medida que as tecnologias de comunicação de massa e de tratamento de dados se integram e passam a fazer parte cada vez mais do nosso cotidiano. Voltando ao direito à vida privada, podemos depreender da leitura de José Afonso da Silva que a Constituição quis tratar o assunto de modo destacado ao separá-lo do direito à intimidade. Para o autor é difícil distinguir vida privada de intimidade e finaliza referindo-se ao texto constitucional, afirmando que “...Deu destaque ao conceito, para que seja mais abrangente, como conjunto de modo de ser e viver, como direito de o indivíduo viver sua própria vida.”32 Por isso mesmo dizíamos algumas linhas atrás que o direito à vida privada não se trata de forma alguma de um direito absoluto pois como será possível a convivência em sociedade se todos decidirem viver do modo e da forma como desejarem sem atentar aos “direitos sociais”, ou seja, ao fim comum da vida em sociedade que é a paz social? A constituição então procurou proteger os dois aspectos da vida do cidadão, o aspecto externo, consignado na proteção do direito à vida privada e o aspecto interior ao proteger o direito à intimidade, ressalva há que ser feita para as pessoas “públicas”, aqui entendidas como sendo aquelas que por dever de ofício ou em razão de cargo público ocupado tem obrigação de prestar contas à sociedade e nesse sentido não podem se prevalecer do direito à privacidade e intimidade para ocultar atos e práticas que em última análise ferem o 32 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28.ed.rev.e atual. até Emenda Constitucional n.53 de 19.12.2006.São Paulo: Malheiros Ed., 2007. p. 208. 41 mandato conferido e a confiança depositada nelas pela vontade da maioria, seja através do voto, seja pela investidura em cargo público e não podem se prevalecer desse direito pela simples razão de que há um direito maior envolvido, o interesse público que possui primazia em relação ao segredo privado, por exemplo, uma notícia que invada a privacidade de um homem público desagrada a este, mas interessa ao público, justamente pelo fato de ser ocupante de cargo ou função pública, o limite, nestes casos, está restrito a encontrar a linha limite entre o que realmente seria de interesse público e de informação relevante do que fosse mera especulação e sensacionalismo que obviamente estaria além do interesse público. O assunto se presta à longa lista de exemplos onde tais direitos poderão ser flexibilizados, embora não alterados por estarem incluídos no rol das cláusulas pétreas de acordo com o art. 60, § 4º, IV da CF/88, dessa forma o trataremos em maior profundidade ao relacionarmos esse direito com o do empregador à fiscalização dos e-mails de seus funcionários, pois trata-se aqui da questão central a ser discutida nesse trabalho que versa sobre o aparente conflito entre o direito à propriedade e o direito à vida privada e o poder diretivo do empregador. 2.1. NOÇÕES DE DIREITO DA PERSONALIDADE Os direitos da personalidade são posições jurídicas fundamentais do homem que ele tem pelo simples fato de nascer e viver; são aspectos imediatos de exigência de integração do homem; são condições essenciais ao seu ser e devir; revelam um conteúdo necessário da personalidade; são emanações da personalidade humana em si; são direitos de exigir de outrem o respeito da própria personalidade; tem por objeto, não algo de exterior ao sujeito, mas modos de ser físicos e morais da pessoa ou bens da personalidade física, moral e jurídica ou manifestações parcelares da personalidade humana.33 Para Pedro Pais Vasconcelos “os direitos de personalidade são aqueles sem os quais as pessoas não são tratadas como pessoas, são direitos que são exigidos pela sua radical dignidade como e quando Pessoas Humanas, constituem fundamento ontológico da 33 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, t. IV, Direitos Fundamentais, 3.ed. rev. e actual. Coimbra: Coimbra Editora, 2000. p.58-59. 42 personalidade e da dignidade humana. Um sistema normativo que o não respeite perde a característica de juridicidade pode ser efectivamente vigente, mas não realmente jurídico. Por isto, os direitos de personalidade – entre eles, o direito à privacidade – são hierarquicamente superiores aos outros direitos, inclusivamente aos direitos fundamentais que não sejam direitos de personalidade. [...].”34 No direito positivo brasileiro, a proteção dos direitos da personalidade se encontra prevista na Constituição Federal de 1988, que expressamente a eles se refere no art. 5°, e no Código Civil de 2002, tendo este reservado um capítulo sobre direitos da personalidade (art.11 usque 21), consagrando a expressão – Direito de Personalidade – Não só no âmbito legal, como doutrinário. Forçoso admitir, que a despeito do avanço da matéria na Lei Maior e no Código Civil, a legislação trabalhista brasileira se ressente de normas específicas sobre os direitos de personalidade , nomeadamente no que concerne à reserva da vida privada dos trabalhadores – desde o acesso ao emprego, formação e execução do contrato de trabalho – assim como o de normas relativas ao controle do empregador sobre as condutas extralaborais do trabalhador. Tal lacuna nos pretórios trabalhistas tem sido suprida com a aplicação de normas previstas e na Lei Maior e nas legislações ordinárias (Código Civil, Código Penal, etc.), deixando, por conseguinte, aos Tribunais do Trabalho a árdua incumbência de aplicar o direito de maneira não-uniforme, especificamente quando se trata de controle pelo empregador de chamadas telefônicas, vídeo vigilância a e-mail e internet, no local de trabalho. 2.2. O DIREITO DA INTIMIDADE DA PESSOA DO TRABALHADOR No ordenamento jurídico brasileiro o poder diretivo do empregador se encontra reconhecido no art. 2° da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT): “Considera-se empregador a empresa individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica,admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”. (Grifo nosso) 34 VASCONCELOS, Pedro Pais de. Protecção de dados pessoas e direito à privacidade. Direito da sociedade da informação, v.I, Coimbra: Coimbra Editora, 2002, p.13. 43 Nota-se com a leitura da disposição transcrita que o sistema jurídico-laboral, no que se trata a relação empregado/empregador é pautada pela desigualdade de direito material, devido à sujeição do primeiro ao poder diretivo do segundo. Isso, obviamente, não decorre de que o empregador ignore os direitos fundamentais do trabalhador, enquanto ser humano e cidadão amparado por garantias constitucionais. O contrato de trabalho foge à regra geral dos seus congêneres do direito privado, tendo em princípio, como traço característico e individualizador, o modo como a atividade é desempenhada, isto é, sob o guante do elemento subordinação jurídica do empregado em face do empregador. Daí se pode afirmar que o contrato de trabalho foge à regra dos demais pactos de atividades pessoal, pois os contratantes não estão em situação de igualdade, existindo um desequilíbrio de pode jurídico entre o empregador e o trabalhador, muito visível no estado de sujeição deste em face daquele, detentor do poder econômico. O trabalhador, ao celebrar um contrato de emprego sob a direção do empregador, abdica de sua autonomia e liberdade para exercer suas atividades de forma subordinada e sob controle patronal, o que implicitamente resulta numa limitação aos seus direitos de personalidade, sem que com isso anule sua condição de cidadão ou abra mão da proteção do ordenamento jurídico.35 Todavia, são os direitos fundamentais que vão estabelecer-se como ponto de referência entre o exercício da atividade de vigilância sobre a prestação laboral e a vinculação da pessoa do trabalhador na relação emprego.36 Adverte Rita Garcia Pereira que “o trabalhador, não obstante aceitar sujeitar-se às ordens e instruções de outrem, não perde a sua qualidade de ser humano e, em conseqüência, todos os direitos decorrentes dessa qualidade. Tal como afirmou a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o trabalho não é uma mercadoria, estando inexoravelmente ligado à condição humana de quem o presta, condição esta que não pode ser abandonada à porta da empresa, sob pena de um trabalhador se converter num escravo”.37 35 RIBEIRO,Lélia Guimarães Carvalho. A monitoração audiovisual e eletrônica no ambiente de trabalho e seu valor probante: um estudo sobre o limite do poder de controle do empregador na atividade laboral e o respeito à dignidade e intimidade do trabalhador.ed. LTR – São Paulo, 2008, p.36. 36 RIBEIRO,Lélia Guimarães Carvalho. A monitoração audiovisual e eletrônica no ambiente de trabalho e seu valor probante: um estudo sobre o limite do poder de controle do empregador na atividade laboral e o respeito à dignidade e intimidade do trabalhador.ed. LTR – São Paulo, 2008, p.37. 37 PEREIRA, Rita Garcia. Os e-mails....,op.cit.p.167. 44 Por seu turno, o empregador, ao dirigir e fiscalizar os serviços dos trabalhadores, habitualmente agride alguns direitos fundamentais de quem havia ser tratado como parceiro ou, no mínimo, com urbanidade. Diante da realidade de que o empregador tem poder de direção e fiscalização sobre a atividade do empregado, há que se indagar qual a extensão da reserva relativamente a este ultimo no local de trabalho e qual o limite oposto ao empregador de imiscuir-se na sua esfera de vida privada, uma vez que a existência do simples vínculo jurídico trabalhista não é fator determinante da justificação do desrespeito nem conduto para a violação de direitos fundamentais reconhecidos constitucionalmente a todo cidadão, de cujo conceito não se dissociam os trabalhadores pelo simples fato de estes serem empregados.38 A contrario sensu, os direitos dos trabalhadores devem ser encarados não de forma absoluta e ilimitada, pois nenhum direito deve ser exercido de forma hegemônica. Notadamente quando o empregador também tem constitucionalmente reconhecido, em relação à empresa, o direito à propriedade. 39 É importante lembrar que só em casos em que houver previsão legal serão admitidas as restrições aos direitos da personalidade, ainda que voluntariamente. A CLT, em seu art. 9°, dispõe que: “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente consolidação”. 40 38 HAINZENREDER, Júnior, Eugênio. Direito à privacidade e o poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho / Eugênio Hainzenreder Júnior – São Paulo: Atlas,2009.P. 28 39 40 Id; ibid. p. 29. Id; ibid. p. 29 45 Capítulo III - O EMPREGADOR. 3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS Desde o desaparecimento do trabalho exclusivamente individual, representado pela busca itinerante de alimentos realizada pelo homem apenas para seu sustento e de sua família, e o surgimento do trabalho coletivo, em que vários indivíduos cooperam para a manutenção de seu grupo, despontou a necessidade de organizar o trabalho através da divisão de tarefas entre os membros do grupo e concomitantemente a essa organização/divisão de tarefas surgiram as lideranças naturais nascendo então o poder de um indivíduo sobre o outro e ao mesmo tempo diversos conflitos daí resultantes. Muito se poderia falar sobre o poder e como ele interfere nas diversas esferas de relacionamento humano, entretanto apenas nos interessa, dentro do escopo pretendido, nos determos sobre as relações de poder dentro da esfera trabalhista e mais propriamente dentro da relação empregador (empresa) X empregado. Aqui nos cabe discutir como se dá esse relacionamento, em que ele se baseia, como surge e que teorias trabalhistas procuram explicálo posto que seu entendimento contribui em muito para responder ao questionamento feito por esse trabalho. De antemão devemos alertar o leitor de que não existe uma única resposta doutrinária sobre o assunto, sendo muitas as correntes existentes e mais, em nosso ponto de vista, a menor ou maior abrangência do poder do empregador sobre o empregado perpassa também o contexto social e político onde se situa a empresa, nos parecendo correto afirmar que dentro de regimes políticos autoritários e ditatoriais essa relação se exarceba ao passo que em democracias tende a atenuar-se. De fato o que nos interessa é o conflito que surge da posição de subordinação do empregado frente ao empregador, como essa relação evoluiu ao longo do tempo e qual o papel representado pelo Estado para na normatização e na solução desses conflitos, pois é disso que tratamos aqui, o conflito existente entre a livre atuação do empregado no que toca à sua correspondência eletrônica e o controle efetivo dessa correspondência pelo empregador. 46 3.1. EVOLUÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO Quando se trata do Direito, difícil é dissociá-lo do seu contexto histórico, portanto, pedimos licença ao leitor para uma digressão sumaríssima da evolução do direito do trabalho. Como já dissemos mais acima a partir do momento em que o homem abandonou seu modo de vida solitário e nômade para se fixar à sua comunidade e a partir daí trabalhar para outros indivíduos que não somente ele surgiu a necessidade de organizar a força produtiva e ao longo dos séculos podemos traçar basicamente quatro formas de trabalho: escravidão, servidão, corporações de ofício e emprego.41 As quatro formas elencadas nos dão uma idéia de como a subordinação entre empregado e empregador também evoluiu ao longo do tempo, na verdade na primeira forma de organização de trabalho não existia subrdinação, mas sim o controle direto da vida e da pessoa do escravo pelo seu dono, detendo o primeiro poder de vida e morte sobre o segundo, considerando-o como mera propriedade e coisa da qual podia dispor e utilizar da melhor forma que lhe aprouvesse, não há que se falar aqui de direitos do empregado, posto que sua única função era trabalhar até se tornar inútil ao seu senhor. Após a escravidão que predominou por séculos, o trabalhador passa a um segundo estágio representado pela servidão, se na primeira forma de trabalho não havia liberdade nenhuma, nessa segunda a liberdade apesar de existir, pois o servo não era escravo de seu senhor, era bastante restrita pois tinham que trabalhar na terra do senhor e entregar a esse toda a sua produção exceto o suficiente para sua subsistência. Tal regime de “trabalho” caracterizou o feudalismo e nele o trabalhador prestava serviços ao senhor feudal em troca de proteção política e segurança, tampouco pertencia ao senhor feudal embora não fosse livre para deixá-la quando desejasse, aqui, embora não se reconheçam muitos direitos do trabalhador o mesmo passa a ser considerado como pessoa e não mais como objeto ou coisa de propriedade de seu senhor. A terceira forma, surgida na idade média são as corporações de ofício, surgiram como primeira forma de aglutinar trabalhadores especializados em torno de uma associação 41 ALEXANDRINO, Marcelo; BARRETO, Glaucia; PAULO, Vicente. Direito do Trabalho.8.ed.Rio de Janeiro: Impetus, 2006.Capítulo 1.p. 2. 47 cujo principal objetivo era controlar o mercado, impedir a concorrência e assegurar diversos privilégios aos mestres. Nessa fase, já se pode falar em uma relativa liberdade do trabalhador (se comparado ao servo). Tal liberdade, entretanto, era decorrência dos interesses das corporações, não existindo, ainda, qualquer preocupação com eventuais direitos dos trabalhadores42. A divisão interna das corporações era rígida e a subordinação entre as classes existentes (mestres, companheiros e aprendizes) era total, não havendo espaço para questionamentos, podendo o aprendiz ser castigado pelo companheiro e pelos mestres, até mesmo permissões de casamento deveriam ser obtidas pelos companheiros junto aos mestres. Com a Revolução Francesa e logo após a ascensão de Napoleão ao poder, as corporações de ofício foram extintas porque feriam os princípios da igualdade entre os homens e também porque Napoleão acreditava firmemente que a base de um Estado forte era o livre acesso de seu povo à educação, assim o trabalho tornou-se livre podendo os indivíduos escolherem que ofícios queriam aprender e exercer, outra mudança também ocorreu e essa nos interessa mais de perto, o trabalho de um indivíduo em proveito de outro deixou de ser decorrente da subordinação pessoal e passou a decorrer de vinculação contratual. Com o advento da doutrina Liberal que pregava a mínima intervenção do Estado nas relações entre particulares e que trouxe em seu bojo o princípio da autonomia da vontade e sua decorrência principal, a liberdade de contratar, os trabalhadores passaram a ser “livres” para ajustar e contratar com seus patrões o que bem desejassem. Colocamos a palavra livre entre aspas, porque a liberdade de contratar na prática era nenhuma visto que existia àquela época, assim como hoje, um enorme desequilíbrio entre os dois lados, detendo os empregadores largo poder econômico e político enquanto que aos trabalhadores restava uma situação de quase mendicância já que se aglomeravam nos centros urbanos após sua expulsão dos campos dos senhores feudais, era o início da Revolução Industrial. Durante a Revolução Industrial surgiu então o emprego e sua contrapartida, o salário, a partir desse período começa a nascer o Direito do Trabalho como reação à exploração dos empregados pelos patrões que os obrigavam a jornadas diárias superiores a dezesseis horas de trabalho ininterrupto, sem direito a férias, horas extras ou qualquer outro benefício, havia também o emprego de crianças e mulheres indiscriminadamente e embora cumprissem a 42 Id; ibid. p. 3. 48 mesma jornada diária recebiam menos justamente por serem crianças e mulheres. Pois bem, a situação evoluiu a tal ponto que os trabalhadores passaram a se organizar e pressionar os empregadores por melhores condições de trabalho e emprego e até mesmo a Igreja Católica interveio, na pessoa do Papa Leão XXIII e sua famosa Encíclica Rerum Novarum, o Estado então abandonou sua postura liberal e passou a intervir para regular o mercado e as condições de trabalho dos operários, o ápice desse processo foi a constitucionalização de leis trabalhistas à partir do século XIX, sendo a primeira a Constituição do México de 1917 e a alemã Weimar de 1919, o Brasil logo seguiu a tendência com a Constituição de 1934 e em seguida a de 1937 de clara inspiração intervencionista e fascista e por último temos a Consolidação das Leis do Trabalho de 1943. Atualmente a Constituição de 1988 dedica os artigos 7º ao 11 aos direitos trabalhistas, além das garantias dos direitos fundamentais do art. 5ºe dos direitos sociais do art. 6º. Tal digressão é importante na medida em que precisamos entender que hoje existe toda uma limitação ao poder diretivo e fiscalizador das empresas e dos empregadores que foram resultado direto dos abusos e desmandos do passado, especialmente no período inicial da Revolução Industrial e que procuram proteger o trabalhador dando-lhe superioridade jurídica como forma de igualar ou minimizar sua inferioridade econômica e política. Entretanto hoje assistimos ao movimento empresarial no sentido de “flexibilizar” o conjunto de normas desenhada para proteger o trabalhador, sob uma suposta necessidade de tornar competitivas as empresas num cenário de forte concorrência global, busca por mercados e fortalecimento da pauta de exportação, tal processo em curso, está sendo conhecido como neoliberalismo econômico. Dentro de tal cenário, onde se prega a gradual redução da lei e prestigia-se a livre negociação entre as partes envolvidas é que surge espaço para eventuais abusos por parte das empresas e onde se insere nosso questionamento se é plausível ou não o controle da correspondência eletrônica do empregado por parte do empregador. 49 Sobre o assunto regulação, Godinho43, nos propõe dois modelos justrabalhistas democráticos essenciais e um terceiro de inspiração autoritária, que seriam a normatização autônoma e privatística; a normatização privatística subordinada e o modelo justrabalhista autoritário. Abaixo reproduzimos os dois primeiros nas palavras do próprio autor: A) “Normatização Autônoma e Privatística – O padrão de normatização autônoma e privatística supõe a plena legitimação do conflito entre particulares. A ampla realização do conflito gesta meios de seu processamento no âmbito da própria sociedade civil, através dos mecanismos de negociação coletiva autônoma, hábeis a induzir À criação da norma jurídica. A norma produz-se, de fato, a partir da sociedade civil, mediante a dinâmica conflituosa e negocial estabelecida entre os sindicatos, associações profissionais e empregadores. Generaliza-se a norma jurídica nesses casos, muitas vezes, independentemente de ser ainda absorvida legislativamente pelo Estado. Os exemplos mais clássicos desse padrão residem nas experiências dos sistemas inglês e norte-americano, em que a normatização jurídica deflui, fundamentalmente, da criatividade privatística, manifestada em especial através dos acordos e convenções coletivas. B) Normatização Privatística Subordinada – No modelo ora considerado (da normatização privatística, mas subordinada) a criação e reprodução da norma jurídica faz-se mediante uma dinâmica em que o peso básico é conferido pelos particulares, mas segundo um processo heteronomamente regulado pelo Estado. A normatização tende a ser privatística, contudo sem a margem de criatividade autônoma da verdade anterior. Já anteriormente expôs-se que esse segundo padrão pode ser considerado, “fundamentalmente, uma variante do primeiro modelo de dinâmica jurídico-trabalhista. A distinção, contudo se estabelece à medida que, na hipótese variante, o Estado delimita, de maneira importante, a atuação dos agentes particulares, subordinando sua criatividade normativa. A França configura claramente essa hipótese.” Ressalte-se que o intervencionismo estatal que caracteriza o padrão de normatização privatística, mas subordinada não é substitutivo ou impeditivo da criatividade e dinamismo privados, mas condicionador dessa criatividade. Nesse quadro, o intervencionismo, embora inquestionável, admite claramente a franca e real participação da sociedade civil na elaboração do Direito do Trabalho. Em função dessa combinação de esferas de atuação, o modelo tende a gerar uma legislação que reflete, com grande aproximação, as necessidades efetivas dessa sociedade. 43 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho.5.ed.São Paulo: LTr, 2006.p.100-102. 50 É óbvio que politicamente, este modelo estabelece, no estuário normativo trabalhista, um patamar heterônomo que a criatividade privada não pode desconhecer. Mas não suprimem ou sufocam os instrumentos para essa ação privada coletiva, que mantém seu papel relevante no universo jurídico desse padrão de normatividade juslaboral.” Fala-nos o autor de um terceiro sistema característico dos sistemas autoritários e cuja principal característica é o repúdio ao conflito: “Essa última vertente jurídico-política repudia, frontalmente, a noção e a dinâmica do conflito, que considera incompatível com a gestão sociopolítica da comunidade. A rejeição do conflito faz-se em duas dimensões: quer de modo direto, mediante uma legislação proibitiva expressa, quer de modo indireto, ao absorvê-lo, sob controle, no aparelho de Estado, que tece, minuciosamente, as práticas para sua solução. (...) Em suma, no presente modelo, a normatização jurídica provinha fundamentalmente da vontade estatal, ora como expressão de uma vontade nacional suposta (é o caso da ideologia organicista da Alemanha nazista), ora como síntese de uma colaboração societária também suposta (é o caso da ideologia corporativa do fascismo italiano).” A importância da discussão acima no presente trabalho é nos informar dos modelos existentes e a partir deles entender como se processaria uma possível solução para o problema de monitoramento dos e-mails, o quadro acima também nos ajuda a entender o surgimento do poder de fiscalização e diretivo das empresas, assunto que será tratado em seguida. 51 3.2. ORIGEM DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR Segundo Rezende44, quatro são as teorias que procuram justificar ou explicar a origem do poder diretivo do empregador, a saber: “A primeira fundamenta o poder diretivo do empregador como um direito que lhe confere naturalmente a ordem jurídica em virtude de ser o proprietário da empresa. A segunda afirma que o poder diretivo emana da necessidade de organização interna da empresa, visando a sua funcionalidade, como instituição. A terceira acredita que o poder diretivo nada mais é que um poder delegado pelo Estado ao empregador a fim de que promova a adequação da produção aos interesses nacionais. A quarta coloca no acordo de vontades, no contrato individual de trabalho, o marco jurídico do poder de direção do empregador.” A primeira tese nos revela um direito fundamentalmente patrimonial e deve-se à teoria do liberalismo econômico que como já verificamos encontra-se ultrapassada, além de ignorar que no presente momento, de acordo com preceito constitucional, a propriedade deve cumprir sua função social, não sendo mais permitido ao seu detentor dispor dela da melhor forma que deseje sem atentar para seu cunho funcionalista, complementa ainda Rezende45: (...) a teoria senhorial tampouco parece se adequar ao fenômeno empresarial moderno, no qual, muitas vezes, não é possível individualizar o proprietário ou titular do negócio ou da empresa (...). Por outro lado admitir a existência de um poder unilateral e absoluto sobre os trabalhadores por parte de seus empregadores apenas porque os últimos detém os meios de produção de forma alguma se coaduna com as modernas técnicas de gestão empresarial e de liberdade e trabalho livre. Se a primeira tese se revela um anacronismo, a segunda não tem destino melhor já que sustenta a existência do poder diretivo calcado na visão de que os objetivos e interesses da empresa se alinham com os interesses da comunidade, dos trabalhadores e com a tutela de 44 REZENDE, Roberto Vieira de Almeida. O poder de direção dos serviços pelo Empregador. Disponível em www.unicz.it/lavoro/AL_REZENDE.pdf. Acesso em 13.08.2009.p.1. 45 Id; ibid. p. 5. 52 um interesse público. A conseqüência que se segue é que os trabalhadores precisam colaborar com os empresários para que a empresa atinja um fim social útil, o que não destoa muito do pensamento moderno. A divergência encontra-se na forma de obter essa colaboração que segundo essa teoria deve ser alcançada pela obediência à ordem jurídica interna da empresa, surgindo assim o poder diretivo do empregador. A principal crítica à essa teoria é a de que procura acobertar o conflito natural existente entre os trabalhadores e os empregadores ao criar uma feição institucional e também funcional ao poder empregatício que deverá ser exercido na busca de um bem comum definido única e exclusivamente sob o arbítrio do empregador.46 A terceira corrente, também conhecida como plubicística entende que o poder regulamentador ou diretivo das empresas surge por concessão do Estado baseado em que, assim como na teoria institucional, a empresa, comunidade e trabalhadores visam um fim comum que deve ser observado tanto pelos trabalhadores quanto pelos empregadores e, portanto, os últimos precisariam de um poder delegado pelo Estado para coordenar a força de trabalho e assim cumprir com o desígnio social da empresa. Aqui também se procura abafar o conflito capital x trabalho delegando à um terceiro ente, o Estado, cujo fim último, o bem comum e a vontade nacional justificariam o exercício do poder diretivo através da delegação do Estado. A última teoria é a contratualista e como o próprio nome indica, pressupõe que o poder diretivo do empregador origina-se no contrato de trabalho, assim que para Rezende: “Pode-se dizer que o estado de subordinação é traço característico do contrato individual de trabalho e, conseqüentemente, constitui índice de sua qualificação dentre os demais tipos contratuais. Corolário da subordinação jurídica é a materialização da prestação do serviço contratada pelo empregado mediante a observância de instruções emanadas do empregador. Pelo contrato individual de trabalho, o empregado põe, genericamente, à disposição do empregador, sua força de trabalho e coloca-se voluntariamente em estado de 46 Id; ibid. p. 9. 53 subordinação a fim de que este lhe determine, na vida cotidiana, o conteúdo concreto da prestação do trabalho.” 47 De fato a própria CLT prevê, em seu art. 3º, como característica do contrato de trabalho a subordinação do empregado, embora de forma indireta através da expressão “sob dependência”, e no art. 2º do mesmo texto legal ao afirmar que o empregador admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. Podemos, portanto considerar que essa última teoria é a que melhor explica a gênese do poder diretivo do contratante, que embora limitado por outras normas jurídicas pode e deve ser exercido pelo empregador como forma de obter os resultados, é justamente essa limitação que nos interessa e que iremos discutir no capítulo 7 do presente trabalho. Deve-se ressaltar ainda que a maior parte da doutrina acolhe essa teoria e Rezende, citando Rocamora, assim sintetiza o assunto: “Somente a teoria contratualista tem o mérito de reconhecer o conflito latente entre interesse empresarial ou empregatício e interesse do trabalhador presente na relação de trabalho típica do modo de produção capitalista. Pode-se afirmar, assim, que a origem do poder diretivo para o direito está no contrato, centro de colisão e harmonização dos interesses divergentes. É através dele que nasce a relação jurídica de trabalho, na qual é cláusula essencial a subordinação do empregado às ordens do empregador. É o vínculo jurídico livremente acertado e aceito pelas partes que as une e serve de apoio e justificação do poder empresarial.Somente no contrato de trabalho pode-se encontrar o fundamento imediato de existência do poder de direção do empregador.”48 Também é sobre a harmonização de interesses divergentes, de que nos fala Rezende no texto acima, que estamos buscando com a presente discussão, pois se por um lado o empregador tem o direito de fiscalizar e dirigir o trabalho do empregado e esse se subordina à 47 48 Id; ibid. p. 12. Id; ibid. p. 15. 54 vontade daquele através de um vínculo contratual, também é certo que essa subordinação livremente aceita não é total nem ilimitada, havendo interesses e direitos que mesmo ao trabalhador que os detém lhe é vedada a cessão irrestrita ao empregador. Assim, por exemplo, não pode o trabalhador firmar contrato de trabalho cuja jornada extrapole o que dita a lei, ou se sujeitar a condições indignas de trabalho. 3.2.1 NATUREZA JURÍDICA DO PODER DIRETIVO DO EMPREGADOR Como vimos acima, a origem do poder diretivo do empregador está lastreada na relação contratual firmada entre esse e o trabalhador, que a aceita livremente. Entretanto, também observamos que esta aceitação embora aparentemente irrestrita, não transfere poderes ao empregador para agir da maneira que quiser, pelo contrário, está fortemente limitada por diversas normas legais, por questões éticas que veremos mais adiante e até mesmo por direitos fundamentais previstos constitucionalmente, entre eles o direito à dignidade da pessoa humana e o direito à privacidade. Assim, por exemplo, não poderá o empregador ordenar a seu subordinado que se deixe revistar ao deixar a empresa, mesmo que tal procedimento esteja previsto em seu contrato de trabalho ou no regimento interno da empresa, tal ordem, por ferir direitos inerentes à pessoa humana que se sobrepõem aos interesses particulares, mesmo que ajustados contratualmente entre as partes não poderão ser levados à cabo justamente porque o poder diretivo está limitado, seja por normas infraconstitucionais, seja por princípios e direitos fundamentais. As principais correntes doutrinárias que procuram justificar o poder diretivo do ponto de vista jurídico são três; a que o vê como um direito potestativo, a que nos fala de um direito subjetivo e a última que representa uma síntese das duas correntes mencionadas sendo conhecida como direito-função. Segundo Godinho, direito potestativo pode ser assim entendido: 55 “A) Direito Potestativo – Direito Potestativo define-se como a prerrogativa assegurada pela ordem jurídica a seu titular de alcançar efeitos jurídicos de seu interesse mediante o exclusivo exercício de sua própria vontade. O poder, em suma, de influir sobre situações jurídicas de modo próprio, unilateral e automático.” 49 Imediatamente o que salta aos olhos como discrepância é que tal corrente nos fala de um poder total, próprio, unilateral e automático, ou seja, ao subordinado não é deixada nenhuma margem de negar ou mesmo argumentar a ordem que lhe está sendo dada, por isso, segundo tal concepção o empregado tem o dever e não apenas a obrigação de obedecer ao seu patrão. Constitui tal corrente o primeiro entendimento sobre a origem jurídica do poder diretivo e foi majoritária no Direito do Trabalho do século XIX e primeira metade do século XX50, sendo a mais conservadora posição da doutrina trabalhista sobre o tema. Atualmente tal posicionamento encontra-se sobrepujado pela realidade trabalhista tanto brasileira, quanto mais especialmente internacional, especialmente a organização trabalhista européia, com destaque para as empresas alemães que aplicam a chamada gestão participativa conduzindo os assuntos da empresa com a participação ativa não só dos empregadores, mas também das comissões de empregados. De fato, para Rezende esse posicionamento encontra-se desatualizado e desfocado da realidade atual não podendo servir mais de parâmetro à realidade subjacente, vejamos o que esse Doutor em Direito do Trabalho nos diz sobre o tema: “Ademais, esta visão não consegue explicar os modernos fenômenos da participação dos trabalhadores na organização funcional da empresa ou mesmo em sua gestão. Considera somente a possibilidade de um poder unilateral e assimétrico em favor do empregador, ignorando não apenas as técnicas jurídicas que tendem a restringi-lo 49 50 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho.5.ed.São Paulo: LTr, 2006.p.649-650. Id; ibid. p.650. 56 cada vez mais, como também o direito do empregado de reagir contra ordens abusivas e ilegais.” 51 De todo o explicado acima podemos concluir que a corrente que procura explicar o poder diretivo do empregador do ponto de vista de um poder potestativo não encontra eco nas presentes relações trabalhistas e até mesmo não encontra suporte na legislação por representar fundamentalmente um poder ilimitado. A segunda corrente nos fala que o poder diretivo tem como suporte jurídico um direito subjetivo do empregador, esse poder se apresenta como representando a vontade de seu titular, assim como o poder potestativo, mas estando em acordo com a ordem jurídica, ficando a atuação de seu detentor limitada à esfera das normas e regulamentos existentes bem como às normas contidas no contrato de trabalho firmado com o empregado. Também aqui cabe a lição do mestre Godinho: “B) Direito Subjetivo – Direito Subjetivo é a prerrogativa conferida pela ordem jurídica ao titular no sentido de agir para satisfação de interesse próprio em estrita conformidade com a norma ou cláusula contratual por esta protegida. Contrapõe-se a uma obrigação. A idéia de obrigação, embora contida na de dever, é mais estrita, importando em uma específica determinação de conduta em função de um vínculo formado e de uma contraprestação alcançada na relação concreta. Direito subjetivo e obrigação são conceitos especificamente delimitados pelo título jurídico que os formulou – seja a regra, seja o contrato –, não conferindo ao titular a amplitude de ação inerente à idéia de direito potestativo.” 52 Apresenta-se então o poder diretivo bem mais limitado, portanto aqui não se fala mais de um dever, mas sim da obrigação do trabalhador de obedecer às orientações de seu 51 REZENDE, Roberto Vieira de Almeida. O poder de direção dos serviços pelo Empregador.Disponível em www.unicz.it/lavoro/AL_REZENDE.pdf. Acesso em 13.08.2009.p.17. 52 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho.5.ed.São Paulo: LTr, 2006.p.650. 57 superior. Manifesta-se também a volitividade do empregado de dar cumprimento à ordem recebida, não se caracterizando mais essa ordem como manifestação unilateral de vontade como no poder potestativo. Embora limite o exercício do poder diretivo obrigando sua conformação ao ordenamento jurídico vigente, reduzindo assim sua amplitude, resta uma assimetria de poder posto que ainda representa a vontade unilateral do empregador mesmo que conte com a aceitação do trabalhador. O direito-função, terceira corrente sobre o assunto, é um direito cujo exercício fica vinculado a uma determinada função preestabelecida na norma jurídica ao seu titular53, devendo ser exercido pelo empregador não apenas no seu interesse exclusivo, mas tendo em vista o interesse dos empregados, dos acionistas e da empresa. Nesse sentido se coaduna perfeitamente com a teoria institucionalista do poder diretivo ao enxergá-lo como tendo sua natureza jurídica fundamentada em um interesse maior que somente a vontade unilateral do empregador. Cabe aqui então as mesmas críticas já tecidas em relação à teoria institucionalista e, portanto não nos deteremos mais no assunto. Para Rezende54 e também para Godinho, o poder diretivo do empregador não pode ser visto como um direito potestativo, subjetivo ou direito função, mas sim como uma relação jurídica contratual complexa, em suas palavras: “o poder intra-empresarial não se constitui em direito potestativo, direito subjetivo, fenômeno senhorial-hierárquico ou mesmo direito-função. O poder intra-empresarial é uma relação jurídica contratual complexa, qualificada pela plasticidade de sua configuração e pela intensidade variável do peso de seus sujeitos componentes. Relação jurídica contratual complexa plástica e de assimetria variável entre seus pólos componentes. Relação jurídica contratual complexa plástica e de assimetria variável entre empregado e empregador, considerados em sua projeção individual e coletiva, mediante a qual se prevêem, se alcançam ou sancionam condutas no plano do estabelecimento e da empresa”. 55 53 REZENDE, Roberto Vieira de Almeida. O poder de direção dos serviços pelo Empregador. Disponível em www.unicz.it/lavoro/AL_REZENDE.pdf. Acesso em 13.08.2009.p.19. 54 55 Id; ibid. p.32. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho.5.ed.São Paulo: LTr, 2006.p.657. 58 É a esta última corrente que nos filiamos por entender que, embora exista uma subordinação clara entre empregador e empregado, decorrente do próprio modo de organização de produção presente no sistema capitalista e, primordialmente, decorrente da relação contratual que entre eles se estabelece, existem também limitações de origem jurídica à esse poder e que protegem o empregado de ordens que possam ferir sua dignidade ou direitos fundamentais ou que ainda possam lhe acarretar sanções legais (caso de ordens manifestamente ilegais), em outras palavras há espaço para a desobediência, desde que legítima. Outro ponto a considerar é que nas relações atuais de trabalho em diversas situações não há como o empregador exercer plenamente seu poder diretivo, como, por exemplo, em áreas de alta complexidade técnica e tecnológica onde somente o profissional habilitado está apto a dirigir corretamente seu trabalho não sendo sequer possível ao empregador opinar sobre o melhor modo de efetuar os passos necessários à consecução da tarefa. Fatores que ainda pesam a favor dessa teoria são também as normas de direito coletivo do trabalho, negociadas diretamente entre o empregador e os trabalhadores, evolução do próprio trabalhador na direção de sujeito cônscio de seus direitos e com maior capacidade de manifestar/articular sua vontade, processos de democratização interna por que passam as empresas nos dias de hoje onde cada vez mais se exige um perfil participativo e questionador do empregado ao invés de mero executor de ordens e outros fatores externos que acabam por permear as relações trabalhistas. 3.3. PODER FISCALIZADOR DAS EMPRESAS Diversos autores classificam o poder empregatício em quatro componentes, o primeiro deles – o poder diretivo – já foi objeto de discussão acima, o segundo iremos tratar mais adiante e consiste no poder fiscalizador do empregador, os outros dois componentes não estão conectados ao objeto de estudo aqui analisado e vamos mencioná-los apenas para conhecimento, são eles o poder regulamentar e o poder disciplinar. O poder fiscalizador, ou poder de controle do empregador é uma prerrogativa cuja finalidade principal é verificar, contínua ou periodicamente, se o empregado está se pautando 59 em seu trabalho segundo as diretivas de seu empregador, serve também para readequar comportamentos que visem a aumentar a produtividade do local de trabalho. Pode o empregador exercer essa prerrogativa de diversas maneiras, através do uso de monitoramento remoto, controle de entrada e saída de funcionários, saída de material, relatórios periódicos de produção, e as polêmicas revistas de funcionários, que embora controversas, não estão proibidas desde que o empregador se paute nos estritos limites do art. 5º, X da CF/88. Segundo Rezende56, de nada valeria ao empregador comandar a prestação dos serviços em sua materialização cotidiana se não dispusesse de mecanismos para fiscalizar se a execução dos serviços pelo empregado amolda-se às suas exigências. Assim, nada mais natural que o empregador exerça seu poder fiscalizador dentro das dependências da empresa e eventualmente fora dela também, caso, por exemplo, de quando o funcionário representa a empresa em eventos para o qual a companhia em que trabalha foi convidada. Ainda segundo Rezende, desta vez citando Rocamora: “O poder de fiscalização é a faculdade de controle e vigilância dada ao empregador indispensável para a organização da empresa, estendendo-se desde a mais genérica comprovação de que os trabalhadores se encontram em seus postos de trabalho até o controle técnico sobre a forma concreta em que se está realizando o trabalho.” 57 Vemos então que a função precípua do poder fiscalizador é determinar se o empregado age de acordo com o que deseja seu empregador, entretanto, entendemos que esse agir limita-se tão somente às ações do empregado relativas à execução de suas tarefas e responsabilidades produtivas, não se estendendo de forma alguma às suas crenças, determinação sexual, filiação partidária, ou outra variante que não ligada diretamente à organização da empresa e da produção. Assim que esse poder deve sempre respeitar os direitos fundamentais do empregado, sendo terminantemente vedada a invasão à sua 56 REZENDE, Roberto Vieira de Almeida. O poder de direção dos serviços pelo Empregador.Disponível em www.unicz.it/lavoro/AL_REZENDE.pdf. Acesso em 13.07.2009.p.45. 57 MATÍNEZ ROCAMORA, Luis Gabriel.Decisiones empresariales y princípios de igualdad.Barcelona: Cedecs, 1998.p.33. 60 privacidade ou sua intimidade, sendo limitado tanto pelo contrato de trabalho firmado entre as partes quanto por normas jurídicas constitucionais e infra-constitucionais. Godinho58, respondendo à pergunta se existem limites ao poder de controle, nos afirma, seguramente sim, embora existam dúvidas a respeito das efetivas e exatas fronteiras aplicáveis às prerrogativas de controle empresarial. Eis o ponto central de nosso trabalho, até onde vai a prerrogativa de controle do empregador? Pode ele verificar os e-mails de seus empregados indiscriminadamente? Já vimos anteriormente que a teoria da propriedade dos meios de produção não sustentaria essa prerrogativa, então onde buscar apoio legal para que o empregador possa monitorar as correspondências eletrônicas de seus funcionários? O problema está em que diferentemente de outros ordenamentos jurídicos, no Brasil ainda não existem marcos regulatórios legais suficientemente claros sobre o tema. Godinho59 nos fala que existem ordens jurídicas mais avançadas do que a brasileira que estabelecem firme contingenciamento ao exercício de atividades de fiscalização e controle internas à empresa, em benefício da proteção à liberdade e dignidade básicas da pessoa do trabalhador, citando como exemplo a proibição do uso de instalações audiovisuais de outros aparelhos com fins de controle a distância das atividades dos trabalhadores na Itália, em outras palavras, veda o uso de circuitos internos de televisão ou monitoramento de áudio. Tal não acontece no Brasil, onde os operadores de call-center (telemarketing) são continuamente monitorados sendo suas conversa frequentemente gravadas, o uso de câmeras de vigilância também é indiscriminado ficando ao alvedrio do empregador como, quando e onde utilizar tais dispositivos. A proteção legal à disposição do trabalhador brasileiro quanto a eventuais abusos limita-se a alguns dispositivos constitucionais de ordem genérica referentes à sua dignidade e liberdade, entretanto tais regras, longe de serem claras, se prestam mais a discussões intermináveis do que a efeitos práticos, teria feito melhor o legislador se houvesse introduzido em dispositivos infra-constitucionais, normas que efetivamente contigenciassem e limitassem o poder fiscalizador dos empregadores em campos específicos, como por exemplo no uso das novas tecnologias de comunicação eletrônica, entre elas o uso de e-mails corporativos. 58 59 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho.5.ed.São Paulo: LTr, 2006.p.634. Id; ibid. p.634. 61 Outras limitações existem ao poder diretivo do empregador, entre elas o limite estabelecido pela lei trabalhista que veda alterações unilaterais das normas cogentes que regem o contrato individual de trabalho, a intangibilidade e a irrenunciabilidade de certos direitos trabalhistas, delimitações constantes de cláusulas contratuais e as já citadas normas constitucionais garantidoras dos direitos fundamentais. Desse modo podemos concluir afirmando que o poder diretivo do empregador, em suas diversas formas, é que deve amoldar-se aos direitos fundamentais do trabalhador e não o contrário, sob pena de transformarmos o empregado em apenas mais uma engrenagem sem valor da máquina produtiva. 3.3.1. PODER DIRETIVO E SUBORDINAÇÃO O poder de direção está intimamente vinculado a uma característica fundamental do contrato de trabalho, qual seja a subordinação do empregado em relação ao empregador, pois, conforme sustenta Amauri Mascaro Nascimento60, na relação de emprego, “o poder diretivo é um lado e a subordinação é o outro lado da moeda”. O termo subordinação denota uma idéia de sujeição ou submissão ao poder de outros, na medida em que a origem etimológica da palavra deriva de sub (baixo) e ordinare (ordenar), que traduz um estado de dependência ou obediência em relação a uma hierarquia de posição61. Com efeito, o termo genérico dependência ou subordinação é utilizado pela doutrina, desde o século XIX, como principal critério diferenciador do contrato de trabalho dos que lhe são afins, como, por exemplo, das demais formas de trabalho autônomo, ainda que a relação de emprego seja composta por outros elementos62. A consolidação das Leis do Trabalho aborda o instituto da subordinação expressamente, o qual é extraído da palavra dependência quando, no art.3º, define o 60 NASCIMENTO, 2004, p.620. DELGADO, 2005, p. 302. 62 Os demais elementos que compõe a relação de emprego podem ser extraídos do art.3º da CLT, sendo eles a prestação de serviços por pessoa física, a pessoalidade, a não eventiualidade e a onerosidade. 61 62 empregado como: “toda pessoa física que presta serviços de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário” (grifo nosso). A partir desse conceito, diferentes formas de interpretação foram realizadas sobre a natureza da subordinação. Analisada sob os aspecto subjetivo, entendia-se que a palavra dependência atuava sob a pessoa do trabalhador caracterizando um estado ou vínculo de sujeição entre as partes do contrato de trabalho, porém tal concepção não encontra mais amparo no direito do trabalho, pois, atualmente, entende-se que a subordinação não incide sobre a pessoa do trabalhador, mas sim como o modo de realização da prestação de serviços. Assim, a subordinação deve ser entendida sob o aspecto jurídico, pois no contrato de trabalho, “a conduta das partes desenvolve-se em planos de enredamento jurídico, preenchível por atos recíprocos que mais ou menos revelam a subordinação.” 63 Logo, em um Estado democrático de direito não há espaço para uma concepção autoritária de hierarquia patronal em relação à pessoa do empregado mas sim sobre a forma como a atividade é exercida. É bem verdade que a eficiência do poder diretivo ou da ordem emanada esta na aceitação da mesma pelo empregado, o que não importa, contudo, em autorizar que a direção empresarial ingresse na esfera individual do trabalhador64. Com efeito, é sobre a atividade do trabalhador que o empregador exerce o seu poder diretivo, pois a obrigação que contrai o empregado ao celebrar o contrato de trabalho não é outra senão a prestação de serviços. Com isso, o trabalhador como pessoa não pode ser confundido com a obrigação de fazer, essa sim objeto do contrato de trabalho. Parece-nos, pois, mais adequada a concepção de subordinação a partir do poder de determinação ou conformação do conteúdo das prestações devidas pelo empregado em decorrência do contrato de trabalho. Através deste, o empregado põe sua atividade profissional a serviço do empregador que, mediante pagamento de uma remuneração, assume a posição de responsável pela forma de utilizar a energia que o trabalhador coloca à sua disposição65. Assim sendo, entende-se que não mais se sustenta a divergência doutrinária que aponta a diversidade de critérios para classificar a subordinação como sendo jurídica, econômica ou técnica66, na medida em que esses dois últimos critérios foram marcados por 63 DELGADO, 2005, p.303. VILHENA, 1999,P.470. 65 DELGADO, 2005,p. 305 66 DELGADO, 2005, p.306. 64 63 uma época peculiar do direito de trabalho, situado em uma economia agrícola e carente de industrialização, em que o empregador interferia até mesmo na forma como o empregado deveria realizar determinada tarefa,e, ainda, quando o trabalhador possuía como fonte de renda exclusiva o emprego. No entanto, na sociedade moderna, cada vez mais se constata a especialização nas relações de trabalho em que os empregados buscam uma qualificação profissional com elevado grau de conhecimento, o que torna despicienda a existência de uma subordinação técnica do empregador. Logo, conclui-se que o aspecto primordial da subordinação é o jurídico. Sob o ponto de vista obrigacional, a potencialidade da subordinação significa um estado de permanente crédito do empregador para com o empregado. Tal crédito desdobra-se em duas etapas sucessivas. Pela primeira, reserva-se ao credor do trabalho (empregador) o poder jurídico da exigibilidade, a que corresponde, para o prestador, uma situação de débito constante, que é o estar a disposição. As posições jurídicas invertem-se: o trabalhador, dentro do perímetro de suas atividades e do expediente funcional da empresa que lhe incube desenvolver, permanece a ela ligado, e qualquer ato de vontade sua que importe em cisão esse dever de prioridade que entrega à empresa só se admite em caráter expresso, por comunicação e com a correspondente anuência. Pela segunda etapa, que também é conceitual, o crédito da empresa consiste em imprimir à atividade do empregado a direção que melhor pareça resultar a seus interesses técnicos e econômicos (observado o limite da esfera jurídica e da pessoa do trabalhador).67 De qualquer sorte, é esclarecedora a definição de subordinação como sendo uma situação em que se encontra o trabalhador, decorrente da limitação contratual da autonomia da sua vontade, para o fim de transferir ao empregador o poder de direção sobre a atividade que desempenhará. Todavia, a existência de subordinação não relação de emprego não autoriza o exercício do poder diretivo de forma absoluta, visto que sofre limitações. 67 VILHENA, 1999,p. 473. 64 3.4. LIMITES DO PODER DIRETIVO Embora não seja fácil identificar as fronteiras do poder diretivo do empregador, certo é que este apresenta limitações. A própria natureza da subordinação existente na relação de emprego, qual seja, subordinação jurídica, evidencia que o poder de direção do empregador não é absoluto. O ordenamento jurídico brasileiro não delimita expressamente até que ponto são permitidas as atividades de fiscalização e de controle empresarial. Porém, existem regras e princípios aptos a averiguar o exercício legítimo ou abusivo do poder de direção. Maurício Godinho Delgado68 sustenta que a Constituição de 1988 afastou a possibilidade de condutas fiscalizatórias por parte do empregador que agridam a liberdade e a dignidade do trabalhador, pois confrontam o universo normativo e de princípios por ela instituído. Verifica-se que, já no preâmbulo da Constituição Federal, é declarado um Estado democrático de direito destinado ao exercício dos direitos sociais e individuais que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e como objetivo construir uma sociedade justa e solidária. Ainda, há regras impositivas que declaram invioláveis a intimidade e a vida privada. Assim, todas essas regras e princípios gerais criam uma fronteira inegável ao exercício das funções fiscalizatórias e de controle na relação de emprego, tornando ilegais as medidas que venham a agredir ou cercear a liberdade e a dignidade do trabalhador. A limitação do poder diretivo pode ser colocada em dois sentidos, conforme Orlando Gomes e Élson Gottschalk:69 (a) pela lei, pelas fontes de produção profissional e pelo próprio contrato individual de trabalho; (b) pela afinidade do direito de direção. Através da primeira o poder diretivo vincula-se às leis e às normas coletivas, em síntese, não pode o empregador ordenar o empregado afrontando as prescrições sobre a regulamentação do trabalho em geral, ou as exigências de ordem pública ou dos bons costumes. Em relação ao segundo sentido, deve-se perceber que o poder diretivo somente tem razão de existência no intuito de conferir ao empregador a possibilidade de alcançar uma boa organização do trabalho na empresa, não se justificando por mero capricho deste. 68 69 DELGADO, 2005, p.635-636. Ibidem, p.670. 65 Esta limitação pode ser observada a partir da participação efetiva do trabalhador na atividade empresária, pois o reconhecimento desse poder pretende assegurar meios de regular o desenvolvimento da atividade empresarial. Portanto, sustenta Vilhena70 que o que se deve buscar nas relações de trabalho e em seu fundamento é a finalidade, o elemento básico, que torna admissível o exercício de certos poderes conferidos ao empregador. Analisando-se sobre outro prisma, a limitação do poder diretivo poderia ser também explicada a partir de um dos fundamentos do poder diretivo, ou seja, através do direito de propriedade do empregador, visto que este é o dono dos meios de produção; é quem assume o risco da atividade empresarial; quem controla o complexo de bens que envolve a empresa; é o responsável pela estrutura jurídica do empreendimento; é quem determina a força de trabalho. O fundamento do poder no sistema capitalista é a propriedade privada e, assim, somente o órgão ou a pessoa que representa a propriedade majoritária do empreendimento pode exercêlo como titular.71 Também sob esse aspecto e da mesma forma que os demais direitos fundamentais, o direito de propriedade sofre limitações. O próprio inciso XXIII do artigo 5º da Constituição Federal determina que a propriedade deve atender a sua função social. Além disso, a Carta Magna vincula a propriedade e sua função social com princípios da atividade econômica, disciplinando no art. 170, incisos II e III, in verbis: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: II propriedade privada; III - função social da propriedade.” Como principais limites do poder de direção, Marco Túlio Viana72 menciona os próprios direitos individuais do artigo 5º da Constituição Federal, pelos quais o empregado não pode ser discriminado, nem obrigado a fazer algo, senão em virtude de lei, não pode ser submetido ao tratamento degradante, impedido de manifestar seus pensamentos, tampouco ter violada a liberdade de crença,a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem, entre outros. Em linhas gerais, várias são as formas de abordar as limitações ao poder diretivo do empregador. No entanto, como o fim da pesquisa objetiva a análise dos conflitos envolvendo 70 VILHENA, 1999. p. 216. Ibidem, p. 216. 72 Ibidem, p. 216. 71 66 o correio eletrônico na relação de emprego, conclui-se, ainda que em sentido lato, que a subordinação jurídica oriunda da relação laboral não autoriza o empregador a extrapolar as prerrogativas de controle, fiscalização e direção adentrando na esfera pessoal do empregado. O exercício do poder diretivo está relacionado tão somente ao bom desenvolvimento e à segurança da atividade empresarial. Por essa razão, pode-se afirmar que a direção empresarial será limitada pelo próprio principio da dignidade da pessoa humana, pelos direitos da personalidade do empregado, ainda que no ambiente de trabalho, pois estes são indissociáveis da pessoa do trabalhador. Tal conclusão, ainda que não definitiva, naturalmente, comporta controvérsias em situações consideradas “confusas” em que se verifica uma colisão de direitos e conflito de interesses entre empregado e empregador. 3.5. DA ÉTICA COORPORATIVA A princípio o tema Ética Corporativa parece não se encaixar no presente trabalho, mas se nos detivermos mais um pouco sobre a questão podemos verificar que a discussão sobre Ética também perpassa o tema abordado na medida em que além de considerações legais e jurídicas sobre a questão aqui levantada – monitoramento de e-mails – deve-se considerar ainda que as empresas atualmente tratam a Ética como princípio empresarial senão mais importante, pelo menos tanto quanto a geração de lucro e resultados operacionais. De fato, a preocupação é tão grande nesse campo que diversos são os movimentos dentro e fora das corporações no sentido de que é necessário e salutar ao mundo dos negócios que as operações e as relações das empresas com clientes, fornecedores, comunidade, acionistas, poder público, meio ambiente e trabalhadores deve se revestir de altos padrões éticos para que a continuidade dos negócios seja garantida. Para se ter uma noção da força atual da ética corporativa, podemos citar, no Brasil, o Instituo Ethos de Empresas e Responsabilidade Social como sendo a organização não governamental mais conhecida, reunindo 1.235 associados, cuja soma conjunta de seus faturamentos anuais representa 35% do PIB Brasileiro, empregando cerca de 2 milhões de trabalhadores73. Na definição encontrada em sua página de rosto da internet74 o Instituto Ethos se apresenta como tendo sido idealizado por empresários e executivos oriundos do setor 73 74 http://www.ethos.org.br/DesktopDefault.aspx?TabID=3334&Alias=Ethos&Lang=pt-BR. Acesso em 01.08.2009. HTTP://www.ethos.org.br 67 privado e como “um pólo de organização de conhecimento, troca de experiências e desenvolvimento de ferramentas que auxiliam as empresas a analisar suas práticas de gestão e aprofundar seus compromissos com a responsabilidade corporativa.” A ética é um ramo da filosofia que se ocupa do estudo do comportamento moral do homem, classificando-o em bom ou ruim, correto ou incorreto. Portanto, matéria árida que se presta a intermináveis discussões, sendo a principal delas se existe conceitos éticos universais ou se os conceitos dependem de um contexto histórico-geográfico para serem válidos. Passaremos ao largo de tais questões, pois apenas nos interessa saber que diversos filósofos se ocuparam do assunto, entre eles Platão, Kant, Aristóteles, Sócrates e Rousseau e que esses discutiram a ética teórica. Já a ética prática se ocupa com a aplicação desses conceitos no dia-a-dia das pessoas e em nosso caso das empresas, por último temos a ética profissional que faz o mesmo no contexto de uma profissão. Masiero75cita três teorias nas quais se baseiam os princípios da ética aplicada, são elas a teoria da ética deontológica, a teoria do relativismo e a teoria do utilitarismo. A ética deontológica estuda a motivação e a intenção das pessoas e os impactos que suas ações têm no relacionamento entre elas. Diz-nos, basicamente, que todas as pessoas, a partir do momento em que tomam uma decisão são livres para agir como desejarem, entretanto essa teoria parte do pressuposto que a decisão adotada foi escolhida de maneira totalmente livre, sem influência ou pressão de qualquer tipo. As implicações dessa teoria são óbvias posto que agir livremente pressupõe que o outro em contrapartida aja também livremente, mas não é só isso, eu devo, em primeiro lugar agir de maneira ética, pois se eu não o fizer estarei me beneficiando do sistema por receber um tratamento ético e não agir de forma recíproca, para superar essa limitação a teoria deontológica se vale de uma instância superior que deve ter o poder de agir contra os transgressores limitando ou impedindo suas ações anti-éticas. A teoria do relativismo funda-se na relatividade do conhecimento e nos remete à idéia de que os valores éticos dependem do lugar, da cultura e do momento histórico considerado. Tal opinião parte do princípio de que não existe um padrão único de comportamento universal que possa ser utilizado por todas as culturas em todos os tempos, 75 MASIERO, Paulo Cesar.Ética em computação.São Paulo:Editora da Universidade de São Paulo, 2000.p.21. 68 não sendo aceita por aqueles que consideram que existe um núcleo mínimo de valores éticos que independem de tempo, lugar ou cultura e que o simples fato de alguns comportamentos terem grande aceitação em algum momento ou em uma cultura específica não os legitima como éticos. Argumentam ainda que a validação de determinado comportamento como ético parte da cultura, da etnia ou do poder dominante. O utilitarismo parte do princípio de que devemos considerar as conseqüências de nossas ações para poder determinar se a ação implementada foi ética ou não, sendo as ações ideais aquelas que trazem benefícios para a maioria da sociedade, por óbvio que há uma limitação a tal comportamento e a limitação está justamente em que também não seria ético se, para alcançar mais benefícios para a comunidade, fosse considerado válido sacrificar a vida de algum membro da mesma. O princípio do utilitarismo assume que é possível priorizar valores numa escala ordenada e entender as conseqüências dos vários caminhos escolhidos.76 Posto isto, iremos discutir o porquê da grande valorização da Ética empresarial nos dias de hoje, começaremos com Adam Smith que no século XVII demonstrou em sua obra “A Riqueza das Nações” que: “o lucro poderia ser aceito como uma justa remuneração ao empreendedor e que essa parcela de valor acrescido acabava resultando em investimentos ou consumo, os quais por sua vez eram responsáveis por mais empregos remunerados. O lucro acabava operando, assim, uma função social de melhoria do bem estar geral, através da geração de empregos e das correspondentes remunerações. Essa foi a primeira demonstração da possibilidade de conciliação entre o lucro e a ética e, portanto, também entre esta última e a empresa.”77 Afora os desvios que foram justificados por essa visão liberal da economia e os prejuízos causados no passado e ainda hoje ao povo em geral, e aos trabalhadores em particular, podemos notar que a preocupação com a Ética empresarial não é de hoje, embora a 76 77 Id; ibid. p.23. MOREIRA, Joaquim Manhães.A Ética Empresarial como Pilar da Economia Globalizada e os Atos Internacionais sobre a Matéria.Disponível em http://www.eticaempresarial.com.br/monografias.asp.Acesso em 17.08.2009. 69 forma como seja praticada atualmente pelas empresas não tenha mais de uma década78. Por diversas vezes ao longo da história as empresas foram lembradas de seu papel social como, por exemplo, na Encíclica Rerum Novarum e mais recentemente na Lei Americana de 1977, o “Foreign Corrupt Practices Act (FCPA)” que proíbe às empresas americanas a prática de corrupção de autoridades estrangeiras, independentemente da legislação local. Da forma como o assunto é abordado hoje, podemos visualizar a Ética empresarial em camadas, ou preceitos, que se aplicam aos diversos entes com os quais as empresas se relacionam, como por exemplo, com seus clientes em que a conduta da empresa deve se pautar por padrões mínimos como, assim, não fazer propaganda enganosa de seus produtos é ético, não oferecer vantagens patrimoniais, prêmios e vantagens indevidas às pessoas que, dentro de outras empresas, decidem ou influenciam a decisão de comprar de determinado fornecedor também é considerado comportamento ético. Também existem preceitos éticos em relação à sociedade em geral, expressos pela observância de leis e regulamentos relativos à proteção da saúde e segurança das pessoas e à preservação do meio ambiente, não participar de práticas ilícitas e colaborar com as autoridades no combate a elas, como, por exemplo, na luta contra a lavagem de dinheiro. Tais “regras” passaram a fazer parte do jogo econômico nacional a partir de pressões internacionais vindo das mais diversas fontes, primeiro através de requisitos de órgãos financiadores internacionais, como o Banco Mundial, o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e outros que passaram a exigir o uso de procedimentos que visavam a impedir, ou dificultar, a ocorrência da corrupção em licitações públicas como requisito para o aporte de dinheiro dessas instituições em projetos nacionais e/ou obras públicas. Tal pressão tem sua justificativa no fato de que o envolvimento dessas instituições em escândalos de corrupção, mesmo através de atos de terceiros, causaria sérios danos à sua imagem com repercussão e custos imprevisíveis. Além das pressões dos organismos de fomento de crédito internacionais, e com o advento da lei norte americana já citada – FCPA, de 1977 – as empresas americanas também passaram a exigir de seus parceiros internacionais, através de cláusulas contratuais expressas 78 SOLOMON, Robert C. A ética empresarial. http://www.eticaempresarial.com.br/monografias.asp.Acesso em 17.08.2009.p.2 Disponível em 70 que seu representante ou distribuidor concordasse em cumprir as suas obrigações com total observância da lei e dos princípios éticos aplicáveis. Algumas cláusulas eram mais específicas, e continham disposições no sentido de que o representante ou distribuidor não faria e nem ofereceria qualquer pagamento, contribuição ou outro item de valor, a qualquer pessoa ou organização, com o objetivo de obter uma decisão favorável, e que, além disso observaria rigidamente a legislação que reprime o abuso de poder econômico.79 Observe-se que a FCPA é uma lei penal criada nos Estados Unidos a partir da constatação de que cerca de quatrocentas empresas admitiram ao governo americano, terem feitos pagamentos ilegais ou questionáveis a autoridades e governantes estrangeiros com o objetivo de obter ou reter negócios80, sua aplicação não se limita ao território norteamericano, assim se o representante brasileiro de uma empresa americana se envolver em práticas ilícitas de corrupção, sua ação poderá gerar conseqüências legais, civis e penais à sua representada nos EUA, bem como para os dirigentes americanos. Como resultado dessa lei, as empresas americanas têm pressionado seu governo para que o mesmo por sua vez pressione os demais países no sentido de adotarem práticas tão rígidas quanto as adotadas pelo governo americano e como resultado dessa pressão, diversos tratados e convenções internacionais sobre o assunto tem sido adotados, entre eles a Convenção de Caracas de 1996, a resolução da ONU de 1997 e a convenção da OECD de 1999 (Convenção sobre Combate ao Suborno de Autoridades Públicas nas Operações Comerciais Internacionais), todas visam a eliminar, dificultar e combater a corrupção nos negócios. Do cenário acima faz parte, como forma de inibir as práticas ilícitas, sejam elas suborno de autoridades ou práticas desleais de comércio, o controle cada vez maior de sócios, parceiros comerciais e funcionários, na medida em que esses últimos podem, intencionalmente ou não, expor suas empresas aos ditames legais da FCPA e dentro desse contexto está o monitoramento de e-mails dos empregados por parte das empresas. Entretanto, também é compromisso ético da empresa, no relacionamento com seus empregados, que esses tenham amplo acesso a todas as informações relativas à sua pessoa, bem como seu ambiente de trabalho esteja livre de práticas abusivas como o assédio moral e sexual e o abuso de poder, dessa forma fica fácil perceber que se o assunto monitoramento não for bem conduzido 79 80 Id; ibid. p.5. Id; ibid. p.6. 71 estará aberta a porta para abusos e desvios éticos sob a desculpa de que a empresa precisa se proteger de desvios de conduta ética por parte de seus funcionários. Para Solomon81, “o comércio é uma prática, e não uma atividade levada a cabo por indivíduos isolados. Só é possível porque têm lugar numa cultura com um conjunto de procedimentos e expectativas estabelecidos e estes (à exceção de detalhes) não estão abertos à manipulação individual.” O conjunto de procedimentos e expectativas estabelecidas, referese à Ética da empresa que de forma alguma pode ser unilateral, é preciso que o empregado conheça o que é esperado dele, seu papel e suas responsabilidades, bem como de que forma será avaliado e monitorado, mas principalmente é preciso que esse empregado aceite os padrões éticos estabelecidos por seu empregador e para tanto esses deverão ter o mínimo de aderência à cultura e valores locais da área geográfica onde está inserida a empresa. De acordo com Salomon82, a parte mais mal tratada no espectro das responsabilidades empresariais é o trabalhador da empresa, posto que na teoria tradicional do liberalismo econômico válida ainda hoje para muitos empresários, o trabalho do empregado é uma mercadoria como qualquer outra e, portanto sujeita a lei da oferta e da procura. Entretanto, diferente de máquinas, estamos lidado com seres humanos e as empresas aprenderam com o tempo que embora possam tirar o máximo de produtividade de seus trabalhadores pagando baixos salários e economizando em instalações reconheceram que tais práticas são antiéticas e principalmente ilegais e esse conjunto de percepções, seja idealizado pelas próprias empresas, seja imposto pela lei, levou a ética empresarial a centrar sua atenção nos direitos dos empregados como forma de resgatar a lealdade à empresa. No Brasil a preocupação como assunto não é diferente e A revista Exame, em conjunto com o Instituto Brasileiro de Ética nos Negócios patrocinaram em 2006 a 1ª Pesquisa sobre Código de Ética no Brasil, as bases das responsabilidades das empresas, definiram ética como: 81 SOLOMON, Robert C. A ética empresarial. http://www.eticaempresarial.com.br/monografias.asp.Acesso em 17.08.2009.p.8. 82 Id; ibid. p.15. Disponível em 72 “O comprometimento voluntário e permanente de uma empresa em adotar e exercer a Ética nos Negócios contribuindo para o desenvolvimento econômico, simultaneamente, com a preservação ambiental e a melhora da qualidade de vida de seus colaboradores e familiares, da comunidade local e da sociedade como um todo, e assim, a empresa estará avançando na direção da sustentabilidade.”83 Vemos que há todo um leque de preocupações que envolvem a empresa, tanto em relação ao ambiente externo, quanto em relação ao ambiente interno, e prossegue a pesquisa afirmando que a importância atual da ética nos negócios é reflexo da exigência dos consumidores também, na medida em que “não se analisa somente o resultado econômicofinanceiro, mas também a maneira como foi obtido, avaliando e premiando as empresas que possuem as “melhores práticas” nas relações com os seus interlocutores públicos e privados, quer pela qualidade dos produtos e serviços, quer pela excelência no atendimento, quer pela transparência e retidão de comportamento”.84 O código de ética também desempenha outras três funções, segunda a pesquisa, quais sejam, legitimação moral, cognitiva e incentivo, dessas a que nos interessa mais de perto é a cognitiva que nos informa que o “Código de Ética, através da enunciação de princípios abstratos e gerais e de regras de comportamento preventivo, permite reconhecer os comportamentos não éticos (oportunistas) e esclarecer o exercício apropriado (não abusivo) da autoridade, da arbitrariedade, da delegação e da autonomia decisória de cada participante da empresa e de cada stakeholders”.85 E nos interessa porque vem de encontro ao nosso pensamento, visto que comungamos da visão de que as normas esperadas de conduta (como o e-mail deve ser utilizado pelo empregado) e de exercício da autoridade (fiscalização do uso do e-mail) devem ser do amplo conhecimento das partes envolvidas. Dentro dessa visão, o assunto que tratamos em nosso trabalho ocupa papel de destaque porque não pode pretender a empresa ser ética se dispensa aos seus funcionários um 83 Disponível 17.08.2009.p.04. 84 Id; ibid. p.5. 85 Id; ibid. p.7. em www.eticanosnegocios.org.br/pdf/pesquisa_codigo_etica_2006.pdf. Acesso em 73 tratamento típico de Estados totalitários, ao investigar indiscriminadamente e sem motivo aparente a caixa de correio eletrônico de seus colaboradores. Apesar de toda essa preocupação das empresas, da amostra de 500 (quinhentas) empresas pesquisadas, apenas 22,4% (112 empresas) possuem e/ou disponibilizam o seu código de ética no seu “web site” corporativo disponível na internet, das 388 (trezentos e oitenta e oito) restantes, 30,9% (120 empresas) disponibilizam seu manual de ética no site global da empresa por serem de origem estrangeira e dessas, somente 16,0% possuem tradução para o português, por outro lado 63,0% das empresas pesquisadas divulgam suas ações de responsabilidade social.86 Ainda com relação a ética em confronto com o papel e a responsabilidade do empregado para com seu empregador, vemos diversas vezes a importação de um modelo de valores e costumes alienígenas, especialmente nas empresas multinacionais que procuram padronizar suas práticas mundo afora. Embora certos aspectos do papel e da responsabilidade do empregado possa ser colocado no seu contrato de trabalho, é preciso, como já dissemos anteriormente, que os valores e a cultura empresarial que a empresa deseja ver instalada encontre um mínimo de eco com os costumes locais e padrões de comportamento do local onde a empresa se insere, seja um determinado país, seja uma região limitada sob pena de haver um conflito entre os valores empresariais e os valores do indivíduo que podem se traduzir em conflitos internos e eventualmente em conflitos judiciais. Mais especificamente, a cultura de monitoramento de e-mails nasceu nas grandes corporações multinacionais, seja em resposta a ações legais movidas por funcionários que se sentiram ofendidos por mensagens de conteúdo racista, sexual e/ou moralmente ofensivo que circulavam livremente nas redes internas de computação dessas empresas, seja por precaução dentro do escopo já delineado do FCPA americano. Assim, em um acultura fortemente orientada para a indústria das indenizações legais, como a americana, pode parecer perfeitamente razoável e até mesmo um dever dos dirigentes empresariais promover o monitoramento do correio eletrônico de seus funcionários como forma de proteger o patrimônio da empresa de eventual ação legal ou acusação de prática desleal por ato de funcionário seu, entretanto, em uma cultura como a brasileira, muito mais flexível e tolerante a certos tipos de “brincadeiras”, tal controle pode parecer abusivo e até mesmo invasivo da 86 Id; ibid. p.8-13. 74 privacidade do empregado e aqueles que se submetem a tal controle ou que tem que exercê-lo podem se sentir desconfortáveis e até mesmo manifestarem hostilidade a esse tipo de comportamento empresarial. O desafio que ora se interpõe para as empresas é encontrar o ponto de equilíbrio entre as exigências legais de seus países de origem e as legislações locais, costumes e hábitos dos países onde atuam de forma a harmonizar as crenças e valores de seus empregados com as novas exigências da Ética Corporativa, não esquecendo que na seara do comportamento humano a virtude está muito mais no meio termo do que nas extremidades, posto que a história possui exemplos reveladores de até onde os extremos de controle do ser humano sobre o ser humano podem ir. 75 CAPITULO IV - A UTILIZAÇÃO DO CORREIO ELETRONICO NO AMBIENTE DE TRABALHO. Um dos mais utilizados recursos proporcionados pela rede no ambiente de trabalho chama-se eletronic e-mail, popularmente denominado e-mail ou correspondência eletrônica. Tal invento surgiu de uma experiência realizada por Ray Tomlison, no ano de 1971, em Cambribge, Massachussets.87 Tomlison escreveu o software básico de e-mail com as funções de send (enviar) e read (ler) motivado pela necessidade da ARPANET (Advanced Research Projects Agency Network) de ter um fácil mecanismo de coordenação. Em 1972, a utilidade do e-mail foi expandida, sendo escrito o primeiro programa para listar, ler seletivamente, arquivar, encaminhar e responder a mensagens.88 Hoje, se trata da mais espetacular forma de correspondência eletrônica, através da qual os usuários podem enviar e receber mensagens,anexando documentos em formatos de texto, áudio ou vídeo a partir de um software de um computador ligado a uma rede de telecomunicação, como telefone, cabo, entre outras. Estudos apontam que o e-mail tornou-se uma das formas de comunicação mais populares. Entre os anos de 2006 e 2007, o uso da Internet para comunicação expandiu-se de 78% para 89%, sendo que o envio e o recebimento de e-mails elevaram-se de 65% para 78%. No ano de 2007, dentre aqueles que utilizam a Internet diariamente, o percentual de pessoas que possuem contas de e-mail foi de 94%.89 Desse universo, grande parte dos usuários acessa sua conta no trabalho todos os dias para checar novas mensagens. Lado outro, em que pese constitua uma tecnologia revolucionária, o correio eletrônico é um meio de comunicação de relativa garantia de privacidade, pois a mensagem enviada transita por uma série de pontos antes de chegar ao destinatário, podendo, assim, ser interceptada nesse percurso. Ademais, o e-mail pode ser recuperado a partir de vários lugares após ser recebido, incluindo o disco rígido do remetente ou do destinatário, ou servidor da 87 HAINZENREDER, Júnior, Eugênio. Direito à privacidade e o poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho / Eugênio Hainzenreder Júnior – São Paulo: Atlas,2009.p. 62 88 Id; ibid. p.63 89 Id; ibid. p.64 76 empresa, onde ele fica armazenado, como backup, mesmo após ter sido deletado por quem o recebeu.90 Portanto, mesmo sendo inúmeras as vantagens do correio eletrônico, como rapidez e baixo custo, há de se atentar para o fato de que se pode facilmente rastrear, interceptar e monitorar as mensagens enviadas por e-mail. Por essa razão, sustenta-se que a Internet é dotada de características absolutamente próprias e conflitantes: ao mesmo tempo em que se tornou um espaço livre, sem controle, sem limites geográficos e políticos, e, portanto, insubordinado a qualquer poder, pode se revelar como um emaranhado perverso, no qual se torna possível o risco de ser aprisionado por uma descontrolada elaboração eletrônica.91 Ao mesmo tempo em que a Internet permitiu às empresas adaptarem-se às novas realidades, não deixou de apresentar certo confronto entre o poder diretivo e os direitos da personalidade do trabalhador relativamente à questão 4.1. DIREITO À PRIVACIDADE FRENTE À INFORMÁTICA A par de todos os benefícios trazidos pelo aprimoramento de uma máquina capaz de processar dados em tempo extraordinário, sempre foram questionadas algumas questões em relação à tecnologia, tais como a preocupação com a diminuição dos postos de trabalho oriunda da substituição do homem pela máquina. Na atualidade, o ponto central de debate está na invasão da privacidade possibilitada pelos novos aparatos tecnológicos, pois a facilidade na obtenção de dados pessoais inequivocadamente acaba por cercear a liberdade das pessoas, tornando cada vez mais cristalina a necessidade de proteção à intimidade e à vida privada. Veja-se que, por exemplo, a coleta de informações e a formação de banco de dados começaram a ser adotados pelos Estados e também por instituições privadas que passaram a utiliza-los como verdadeira mercadoria, possibilitando às empresas averiguar a situação econômica de clientes, controlar 90 HAINZENREDER, Júnior, Eugênio. Direito à privacidade e o poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho / Eugênio Hainzenreder Júnior – São Paulo: Atlas,2009.p. 65 91 Id; ibid. p.65-70 77 os inadimplentes e, até mesmo, a venda de cadastro de consumidores por empresas especializadas. Há, inclusive, quem sustente uma certa transformação na definição do direito à privacidade, trasladando-se do “direito de ser deixado em paz” para “o direito de controlar o uso que os outros fazem das informações que me digam a respeito”.92 Nesse processo evolutivo, considerando que o correio eletrônico é uma forma de comunicação amplamente utilizada na atualidade, deve-se analisar qual a proteção à privacidade incidente sobre a comunicação eletrônica. Tratando-se de uma inovação relativamente recente, não há disposição legal expressa em relação ao correio eletrônico como meio de correspondência93 ou de comunicação protegida pela inviolabilidade do sigilo. Notese que a Constituição Federal, no artigo 5º, XII, garantiu o direito à intimidade nos meios de comunicação pessoal, declarando inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações, não fazendo, todavia, referencia ao correio eletrônico, senão vejamos: XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Nesse passo, faz-se oportuno interpretar a disposição do inciso XII do Artigo 5º da Constituição Federal, para melhor compreensão acerca do seu alcance em relação à comunicação eletrônica. Tal tarefa pode ser realizada a partir da análise do sigilo referido no dispositivo acima citado, pois o resguardo da correspondência é uma especialização do direito à intimidade inserido na tutela da privacidade. 92 HAINZENREDER, Júnior, Eugênio. Direito à privacidade e o poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho / Eugênio Hainzenreder Júnior – São Paulo: Atlas,2009.p. 71 93 HAINZENREDER, Júnior, Eugênio. Direito à privacidade e o poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho / Eugênio Hainzenreder Júnior – São Paulo: Atlas,2009.p.71 78 Na doutrina brasileira, há autores que entendem que o constituinte, já atento à possibilidade do surgimento de nova invenção tecnológica, propositadamente protegeu o sigilo de comunicação de dados em razão do desenvolvimento da informática, aduzindo que os dados referidos na norma são dados informáticos.94 Outro entendimento se dá no sentido de considerar que o acesso ao correio eletrônico, através da Internet, por intermédio da conexão com uma linha telefônica, seria espécie de comunicação eletrônica. Dessa forma, parece-nos que, inevocadamente, não teria sentido sustentar que o correio eletrônico estaria “desabrigado” pela proteção constitucional, pois o e-mail, pode ser concebido como uma evolução da correspondência postal. Portanto, é latente que as normas legais acerca dos tradicionais meios de comunicação devem ser adequadas à nova realidade das comunicações. Note-se que, havendo norma de proteção à privacidade, à intimidade e ao sigilo da correspondência, ao correio eletrônico também se aplica a tutela desses direitos,até porque o uso da Internet no Brasil somente começou a ganhar espaço em 1995, ou seja, praticamente sete anos após a Carta Magna atual, razão pela qual salutar e inegável admitir que o correio eletrônico também goza da proteção constitucional da inviolabilidade das correspondências e comunicações. No âmbito do direito do trabalho, José Gediel95 destaca que, sendo a imagem, a vida privada e o trabalho elementos ou aspectos indissociáveis do trabalhador e estando na vida privada incluída a intimidade, exige-se respeito ao sigilo de correspondência, sendo ela eletrônica ou não, só admitindo a intromissão justificada, nos limites do poder de fiscalizar, mediante consentimento esclarecido e expresso do empregado. Há cada vez mais jurisprudências afastando uma forma “absoluta” de analisar determinados direitos. Há decisões do Supremo Tribunal Federal entendendo que até mesmo em relação as correspondências, que, segundo o art. 5º, XII, da CF, não poderiam ser violadas 94 HAINZENREDER, Júnior, Eugênio. Direito à privacidade e o poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho / Eugênio Hainzenreder Júnior – São Paulo: Atlas,2009.p.74 95 HAINZENREDER, Júnior, Eugênio. Direito à privacidade e o poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho / Eugênio Hainzenreder Júnior – São Paulo: Atlas,2009.p.76 79 nem mediante autorização judicial, dentro de determinados critérios comportariam uma relativização.96 Tais decisões estão fundamentadas, consoante será desenvolvido no tópico relativo à prova ilícita, em situações que objetivam tutelar outros direitos constitucionalmente assegurados, buscando um equilíbrio entre valores fundamentais e conflitantes.97 De qualquer sorte, independentemente de se tratar o e-mail de correspondência ou comunicação de dados ou de comunicação telefônica, importar considerar que, com base no preceito constitucional da preservação do sigilo, o correio eletrônico está abrigado pela proteção dos incisos X e XII do artigo 5º da Constituição Federal. A partir de tais premissas, importante salientar que, relativamente às correspondências eletrônicas pessoais do empregado, estas se encontram protegidas pela inviolabilidade do sigilo das correspondências e das comunicações. Ao contrário disso, mister enfrentar a possibilidade de monitoramento e fiscalização pelo empregador do correio eletrônico corporativo da empresa fornecido ao empregado como ferramenta de trabalho, pois, nesse caso, a correspondência é da empresa, não do empregado, que é apenas seu representante. 4.2. RESOLUÇÃO DE CONFLITOS DE NORMAS CONSTITUCIONAIS E O CONFLITO FISCALIZAÇÃO X PODER DIRETIVO Já vimos que não há legislação específica no Brasil atualmente que possa servir de balizamento para decisões absolutamente seguras no campo do monitoramento de e-mails por parte dos empregadores, e por esse motivo assistimos ao mais amplo leque de decisões nos 96 HAINZENREDER, Júnior, Eugênio. Direito à privacidade e o poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho / Eugênio Hainzenreder Júnior – São Paulo: Atlas,2009.p.78 97 HAINZENREDER, Júnior, Eugênio. Direito à privacidade e o poder diretivo do empregador: o uso do e-mail no trabalho / Eugênio Hainzenreder Júnior – São Paulo: Atlas,2009.p.85 80 tribunais pátrios, desde aquelas que aceitam esse monitoramento até aquelas que repudiam veementemente essa prática. Sabemos, por outro lado, que a prática do monitoramento do correio eletrônico é generalizada entre as empresas conforme faz referência Correia de Melo em artigo publicado no site Jus Navigandi 98, citando fontes americanas, conforme abaixo reproduzido. “Embora não tenhamos conhecimento de nenhum estudo nacional sobre a magnitude da fiscalização de correios eletrônicos nos ambientes de trabalho, um estudo da American Management Association, realizado no ano de 2001, revelou que "mais de três quartos das maiores empresas dos Estados Unidos, 77%, praticam monitoramento [eletrônico] de seus empregados ao menos ocasionalmente", [02] e, em estudo separado, a Privacy Foundation constatou que "14 milhões de empregados, ou um terço dos trabalhadores dos Estados Unidos conectados on-line, têm sua Internet ou correio eletrônico sob vigilância contínua"[03].99 Outras fontes citam que empresas americanas contratam profissionais de informática para monitorar o uso do correio eletrônico por parte dos funcionários, como indicado na reportagem da Folha Online100 reproduzida abaixo. 98 http://jus.uol.com.br/ 99 CORREIA DE MELO, Bruno Herrlein. Aspectos jurídicos da fiscalização do correio eletrônico no ambiente de trabalho . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 973, 1 mar. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8014>. Acesso em: 13 09. 2009. [02] TEMPLE, James. Big brother pulls up a chair in workers’ cubicles. San Francisco Business Times, São Francisco, Estados Unidos da América. Edição impressa de 03 mai. 2002. Disponível em: . Acesso em: 25 junho de 2009. Traduzido livremente do original: "More than tree quarters of major U.S. firms, 77 percent, perform at least occasional employee [electronic] monitoring". [03] TEMPLE, James. Idem. Traduzido livremente do original:"(But) 14 million employees, or one third of U.S. workers with online access, have their Internet or e-mail under continuous surveillance". 100 http://www.folha.uol.com.br/ 81 05/06/2006 - 11h44 Empresas contratam pessoas para "bisbilhotar" e-mail corporativo Cerca de 38% das empresas norte-americanas com mais de 1.000 funcionários admitem contratar pessoas para ler e-mails enviados e recebidos nos computadores corporativos. Quando consideradas apenas as organizações com mais de 20 mil funcionários, este valor sobe para 44%, segundo um estudo da Proofpoint feito em parceria com a Forrester Consulting. A pesquisa afirma que as empresas têm boas razões para se preocupar: cerca de 33% delas desconfiam de vazamento de informações confidenciais via e-mails e comunicadores instantâneos. Além disso, nos últimos 12 meses, 52,4% das organizações entrevistadas puniram funcionários pelo mau uso de ferramentas eletrônicas de comunicação. As companhias estimam que mais de uma em cada cinco mensagens (22,8%) enviada de seus computadores apresenta riscos legais ou financeiros. Cerca de 34,7% delas afirmam que seus negócios sofreram impacto, no último ano, pela exposição de informações "delicadas ou constrangedoras". O estudo também indica que 25,2% das entrevistadas tiveram de fornecer, no último ano, informações à Justiça ou órgãos reguladores relacionadas a e-mails de seus funcionários. Isso acontece, por exemplo, quando o autor da mensagem é suspeito de propagar conteúdo relacionado à pornografia infantil ou outro tipo de crime. 101 Embora não existam dados, acreditamos que no Brasil a situação não é muito diferente, o que somente aumenta nossas preocupações na medida em que ao introduzir um terceiro na monitoração de e-mails, como poderá a empresa garantir a confidencialidade do que foi monitorado? Poderá a empresa ser responsabilizada caso algum dado pessoal do funcionário seja divulgado sem sua autorização? Acreditamos que sim e, portanto a nosso ver tal prática revela-se condenável, tanto por expor demasiadamente os trabalhadores quanto por aumentar os riscos de problemas legais das empresas. 101 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u20137.shtml. Acesso em 14.set.2009. 82 Por outro lado é legítima a preocupação das empresas com qual tipo de informação circula em sua rede e que tipos de dados podem estar sendo extraídos de seus negócios. É prática antiga no mundo da espionagem empresarial detectar funcionários insatisfeitos com a empresa e a partir deles obter acesso a dados confidenciais, tais como novos projetos e lançamentos, fórmulas exclusivas, dados de vendas e novos mercados e outros. Deste modo, nada mais natural que as empresas, dada a facilidade que a internet e o correio eletrônico têm para transferência não autorizada de dados, queiram saber o que se passa em suas redes. Interessante é o texto extraído também da Folha Online e transcrito a seguir. 07/01/2006 - 16h03 Tecnologia vira arma para funcionários insatisfeitos JULIANA CARPANEZ Grande parte das invasões realizadas em sistemas de tecnologia corporativos têm participação de funcionários ou ex-funcionários das empresas. A afirmação feita há alguns meses pelo detetive britânico Chris Simpson -- da unidade de crimes de computação da polícia metropolitana londrina -- é reforçada no Brasil pelo IPDI (Instituto de Peritos em Tecnologias Digitais e Telecomunicações). Segundo a organização especializada em perícias digitais e apuração de crimes e fraudes virtuais, 80% dos golpes realizados no ambiente corporativo --sejam on-line ou offline-- contam com colaboração interna. Esta tendência, aliada à popularização do uso da tecnologia, facilita o roubo de informações e espionagem industrial, entre outros tipos de crime. "A informática facilitou muito essas atividades. Um funcionário pode copiar o equivalente a uma sala de documentos em um pen drive e sair da empresa com este acessório no bolso", afirma Otávio Luiz Artur, diretor do IPDI. Com a tecnologia, exemplifica, uma pessoa insatisfeita com a empresa também pode acrescentar uma cópia oculta, destinada ao concorrente, toda vez que enviar uma proposta comercial para os clientes da organização. Recentemente, o IPDI descobriu que o fax de uma empresa estava grampeado e, por isso, seu principal concorrente ganhava a maioria dos processos de licitação. A diferença dos preços propostos era sempre pequena, o que gerou a desconfiança da organização sabotada. Quadrilha 83 Nem sempre ações indevidas praticadas dentro das empresas têm como objetivo prejudicar a instituição --ainda assim, isso pode facilmente acontecer. O IPDI iniciou a investigação de um caso motivado pela lentidão da rede de informática de uma grande corporação. Descobriu então que quatro funcionários utilizavam os servidores corporativos para lucrar com a venda de conteúdo pedófilo. "Eles criaram uma empresa dentro da empresa, utilizando a infra-estrutura já existente", conta Artur. Os criminosos foram demitidos por justa causa e denunciados às autoridades responsáveis por este tipo de ação. "Sem saber, a organização estava exposta. Ela poderia ter muitos problemas se fosse pega pela Polícia Federal, que realiza um trabalho forte no rastreamento de pedófilos." Em outro caso, uma corporação pediu a identificação do responsável pelo envio de e-mails que difamavam um alto executivo --a vítima estaria chateada com as mensagens e falou sobre o problema com seus diretores. Descobriu-se então que a máquina utilizada para o envio dos e-mails ficava em um cybercafé. Ao analisar as fitas com imagens do local, os especialistas identificaram o responsável: a própria vítima. "Ele criou um cenário irreal em sua cabeça, no qual poderia ser promovido, caso conseguisse sensibilizar seus superiores", explica o diretor do IPDI, acrescentando que o responsável pela ação já apresentava alguns distúrbios psicológicos antes deste caso.102 Do texto reproduzido, verificamos que as razões que levam os funcionários a utilizarem de forma indevida o e-mail corporativo são as mais diversas e variadas possíveis. O exemplo mais comum é aquele em que o funcionário se utiliza da internet da empresa para fins particulares durante seu horário de trabalho sem grandes danos para a empresa. Entretanto, em casos mais graves a má utilização da infra-estrutura de internet corporativa pode causar sérios danos à imagem da companhia, como no caso acima onde ocorria a comercialização ilícita de conteúdo pedófilo. Portanto, não podemos simplesmente fechar os olhos ao que ocorre e pretender que o monitoramento do e-mail viola a intimidade e a privacidade dos funcionários e, por esse 102 Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u19452.shtml. Acesso em 10.set.2009. 84 motivo não poderia ser feito. A discussão que travamos aqui trata não da impossibilidade do monitoramento, mas de como fazê-lo de forma equilibrada e sem violar direitos fundamentais. Até agora, o que dissemos em capítulos passados, nos leva na direção de que o direito à intimidade e privacidade não pode ceder ante ao poder fiscalizador do empregador apenas porque o empregado desempenha suas funções dentro das dependências da empresa. Pelo contrário, conforme vimos no capítulo sobre ética empresarial as corporações atuais prezam pela manutenção de relações equilibradas entre si e seus empregados, esforçando-se por criar um bom ambiente não só com a preocupação de aumentar a produtividade, mas, principalmente com o intuito de evitar problemas legais provocados por seus funcionários nas diversas situações em que representam a empresa ou onde simplesmente suas ações possam de alguma maneira ser ligadas à empresa e sujeitá-la a demandas jurídicas, tais como reparação de danos morais/materiais ou questões éticas envolvendo autoridades e servidores públicos. Pois bem, embora incidente nas relações de trabalho, os direitos fundamentais à intimidade e à privacidade não tem certamente a prerrogativa de direito absoluto, por esse motivo nos parece que a melhor forma de conduzir a questão, na ausência de lei específica, é ponderarmos os direitos em questão, integrando-os ao conjunto de preceitos legais de maneira sistemática de forma a chegarmos a uma solução que não fira direitos de nenhuma das partes. Assim, o direito da empresa de estabelecer mecanismos de controle e monitoramento das atividades de seus empregados, notadamente na área que nos interessa, o correio eletrônico, com o objetivo de controlar sua produtividade e impedir o emprego inadequado de informações sigilosas ou sensíveis pertencentes a empresa pode ser utilizado, entretanto, da mesma forma como os direitos fundamentais à intimidade e à privacidade não são absolutos, o exercício do poder diretivo e fiscalizador da empresa não poderá, em momento algum, servir para propósitos inconstitucionais que sejam lesivos aos direitos fundamentais do trabalhador, muito menos no sentido de impedir o exercício desses direitos por parte dos empregados seja de que maneira se der esse impedimento. Devemos lembrar que a solução adotada pela maioria das empresas em relação à sua política de uso de e-mails tem sido a produção de folhetos contendo as normas e que são entregues aos funcionários exigindo-se, em geral, a aposição de assinatura do empregado confirmando que recebeu, leu, conhece e se compromete a aplicar o ali contido e/ou a aposição de cláusulas no contrato de trabalho. Em relação a esse último temos a colocar que já 85 se vai longe o tempo do contratualismo e que esse instrumento, em sua evolução jurídica, encontra-se hoje regido por inúmeros artigos de diversas leis pátrias, que limitam o que se pode contratar, bem como o quanto se pode contratar e notadamente não admitem a renúncia, seja expressa, seja tácita, de direitos fundamentais pelo trabalhador que se, ainda assim o fizer, declarará de imediato, perante a lei, a ineficácia da cláusula que contenha tal disparidade jurídica. Nos termos até aqui expostos, devemos de plano eliminar duas soluções de nosso conflito de direitos por serem inexeqüíveis do ponto de vista jurídico, quais sejam, uma que confere ao trabalhador um direito absoluto à intimidade e à privacidade e outra que atribui ao empregador o direito à fiscalização exaustiva e injustificável do correio eletrônico do empregado, violando o sigilo das comunicações e, portanto fora dos princípios de razoabilidade e proporcionalidade. Outro limite que devemos impor ao nosso estudo é a diferença entre o e-mail oferecido pelo empregador e o e-mail particular do funcionário. A distinção se impõe haja vista que o primeiro é fornecido ao empregado basicamente como ferramenta de trabalho no intuito de agilizar suas comunicações profissionais que estejam diretamente ligadas aos interesses da empresa, para tanto se coloca à disposição do trabalhador os meios necessários para viabilizar sua comunicação eletrônica (endereço eletrônico, computador, servidor de internet ou intranet, etc..). Nesse caso todos os meios de produção pertencem à empresa que pode então estabelecer regras e condições para o uso da ferramenta que disponibilizou para o trabalhador, sendo natural que seu uso se destine primordialmente a matérias de trabalho e não a assuntos particulares. Entretanto, é sempre bom recordar que todo contrato se baseia no princípio da boa-fé e o contrato de trabalho especialmente segue também o princípio da diligência profissional de tal modo pode-se afirmar que mesmo nesse caso a empresa não tem direito a vasculhar indiscriminadamente toda a correspondência eletrônica do empregado por motivos que não sejam razoáveis, ou em outras palavras, há que se perquirir com que fim a empresa procedeu ao controle e monitoramento do correio eletrônico de seu funcionário, se esse for razoável, em princípio nada há que se temer e a garantia dos direitos fundamentais do empregado não terão sido violados desde que a intervenção não tenha se revestido de ilegalidade e lesão a outros direitos (à dignidade, por exemplo). 86 Portanto, pode a empresa no caso acima estabelecer regras claras de uso, dando conhecimento pleno destas à sua força de trabalho, proibindo ou restringido o uso do e-mail à certas condições pré-determinadas pelo poder de direção dos trabalhos concedido ao empregador, fiscalizando ainda se as normas estabelecidas estão sendo seguidas. O outro caso diz respeito ao e-mail particular do empregado que o contratou com empresa qualquer, fornecedora desses serviços e que nada tem a ver com a sua empregadora sendo, por isso mesmo, tal serviço contratado à margem da relação de emprego estabelecida entre empregado e empresa. Nesse caso, a nosso ver, a empresa não pode e nem deverá proceder ao monitoramento ou averiguação de conteúdo desses correios eletrônicos por tratarse claramente de violação do direito fundamental à privacidade e à intimidade, podendo, entretanto proibir o seu uso nas dependências da empresa desde que para acessá-lo o trabalhador se utilize dos serviços de informática da empresa, configurando desobediência o não cumprimento de tais diretrizes e, portanto passível de punição nos termos do artigo 482 da CLT103, como, aliás, tem sido o alegado pelas empresas nos casos levados às cortes trabalhistas. Nesse sentido a decisão do juiz Douglas Alencar Rodrigues, abaixo transcrita. 103 Art. 482. Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: a) ato de improbidade; b) incontinência de conduta ou mau procedimento c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando construir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço; d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena; e) desídia no desempenho das respectivas funções; f) embriaguez habitual ou em serviço; g) violação de segredo da empresa; h) ato e indisciplina ou de insubordinação; i) abandono de emprego; j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; k) ato lesivo de honra e boa fama ou ofensas físicas praticada contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem: l) prática constante de jogos de azar. 87 EMENTA: RESOLUÇÃO CONTRATUAL. SISTEMA DE COMUNICAÇÃO ELETRÔNICA. UTILIZAÇÃO PORNOGRÁFICAS. SIGILO INDEVIDA. DE ENVIO DE CORRESPONDÊNCIA. FOTOS QUEBRA. INOCORRÊNCIA. Se o e-mail é concedido pelo empregador para o exercício das atividades laborais, não há como equipará-lo às correspondências postais e telefônicas, objetos da tutela constitucional inscrita no artigo 5º, inciso XII, da CF. Tratando-se de ferramenta de trabalho, e não de benefício contratual indireto, o acesso ao correio eletrônico não se qualifica como espaço eminentemente privado, insuscetível de controle por parte do empregador, titular do poder diretivo e proprietário dos equipamentos e sistemas operados. Por isso o rastreamento do sistema de provisão de acesso à internet, como forma de identificar o responsável pelo envio de fotos pornográficas a partir dos equipamentos da empresa, não denota quebra de sigilo de correspondência (art. 5º, inciso XII, da CF), igualmente não desqualificando a prova assim obtida (art. 5º, inciso LVI, da CF), nulificando a justa causa aplicada (CLT, art. 482). (TRT-DF-RO 0504/2002)- Acórdão 3º Turma)104.(Grifo nosso) Podemos observar acima que a base da decisão do juízo sobre a qual se autorizou a levantar o véu da inviolabilidade da correspondência foi a propriedade dos meios de produção que a empresa detém o que autorizaria, na ótica do julgador, a violação da correspondência eletrônica do empregado. Data venia, ousamos discordar do fundamento da decisão, embora acreditemos ser possível a violação em tela, entendemos ser simplista fundamentá-la unicamente na propriedade dos meios de produção utilizando esse parâmetro como justificador exclusivo do ato, posto que o próprio conceito atual de propriedade leva em consideração a sua função social (sendo esse um princípio constitucional do Estado brasileiro). Portanto, não pode por si só tal conceito autorizar a intromissão na correspondência privada do trabalhador, até porque a empresa detém os meios físicos de produção, mas não a dignidade e muito menos a titularidade dos direitos fundamentais do empregado, que como vimos são inalienáveis. 104 PAIVA, Mário Antônio Lobato de. O monitoramento do correio eletrônico no ambiente de trabalho. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 60, nov. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3486>. Acesso em: 13 ago. 2009.p.09. 88 Também, em outro julgado sobre o assunto perante o Tribunal Superior do Trabalho, no mês de maio de 2005, foi analisada uma reclamação trabalhista em que um empregado utilizou o e-mail corporativo da empresa para enviar fotos de mulheres nuas a colegas. No Tribunal de origem, Tribunal Regional da 10ª Região (Brasília), a 3ª Turma reformou a sentença da 13ª Vara do Trabalho de Brasília, que havia afastado a justa causa aplicada pela empresa, sob o fundamento da ilegalidade na obtenção da prova pelo empregador, através do rastreamento de e-mail. O Tribunal entendeu que, na hipótese, não houve violação da privacidade do empregado, visto que o endereço eletrônico não era particular do empregado, mas sim da empresa. Foi interposto, pelo reclamante, agravo de instrumento em relação ao recurso de revista, sendo que a 1ª Turma do TST rejeitou a irresignação obreira.105 Na decisão acima referida, o Relator, Ministro João Oreste Dalazen, reconheceu que o direito à privacidade e ao sigilo da correspondência são aplicáveis à comunicação virtual, razão pela qual o e-mail pessoal ou particular do empregado está abrigado pela proteção constitucional e legal de inviolabilidade. Todavia, asseverou que o empregador pode exercer de forma moderada, generalizada e impessoal o controle sobre o correio eletrônico, pois a natureza deste equivale à de uma ferramenta de trabalho. Além disso, alertou que tem sido comum o desvio de finalidade do e-mail corporativo, através da utilização abusiva e ilegal pelo empregado, o que pode representar considerável prejuízo ao empregador, pois responde pelos atos do empregado perante terceiros. Por fim, a turma entendeu que, da mesma forma que o empregado tem preservado seu direito à intimidade, o empregador possui o direito à imagem e o direito de propriedade, igualmente merecedores de proteção constitucional. Por essas razões, restou concluído que a prova obtida pelo empregador através do rastreamento ou monitoramento do e-mail corporativo do empregado não poder ser considerada prova ilícita, senão vejamos: PROVA ILÍCITA."E-MAIL" CORPORATIVO. JUSTA CAUSA. DIVULGAÇÃO DE MATERIAL PORNOGRÁFICO. 105 Site http://www.tst.gov.br (AIRR 613/2000), em 16.05.2005. (BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. 1ª Turma. Proc. N°. TST-RR-613/2000-013-10.00.7. Relator Ministro João Orestes Dalazen. DJ 10 jun.2005). 89 1. Os sacrossantos direitos do cidadão à privacidade e ao sigilo de correspondência, constitucionalmente assegurados, concernem à comunicação estritamente pessoal, ainda que virtual ("e-mail" particular). Assim,apenas o e-mail pessoal ou particular do empregado, socorrendo-se de provedor próprio, desfruta da proteção constitucional e legal de inviolabilidade. 2. Solução diversa impõe-se em se tratando do chamado "email"corporativo, instrumento de comunicação virtual mediante o qual o empregado louva-se de terminal de computador e de provedor da empresa, bem assim do próprio endereço eletrônico que lhe é disponibilizado igualmente pela empresa. Destina-se este a que nele trafeguem mensagens de cunho estritamente profissional. Em princípio, é de uso corporativo, salvo consentimento do empregador. Ostenta, pois, natureza jurídica equivalente à de uma ferramenta de trabalho proporcionada pelo empregador ao empregado para a consecução do serviço. 3. A estreita e cada vez mais intensa vinculação que passou a existir, de uns tempos a esta parte, entre Internet e/ou correspondência eletrônica e justa causa e/ou crime exige muita parcimônia dos órgãos jurisdicionais na qualificação da ilicitude da prova referente ao desvio de finalidade na utilização dessa tecnologia, tomando-se em conta, inclusive, o princípio da proporcionalidade e, pois, os diversos valores jurídicos tutelados pela lei e pela Constituição Federal. A experiência subministrada ao magistrado pela observação do que ordinariamente acontece revela que, notadamente o"e-mail" corporativo, não raro sofre acentuado desvio de finalidade,mediante a utilização abusiva ou ilegal, de que é exemplo o envio de fotos pornográficas. Constitui, assim, em última análise, expediente pelo qual o empregado pode provocar expressivo prejuízo ao empregador. 90 4. Se se cuida de "e-mail" corporativo, declaradamente destinado somente para assuntos e matérias afetas ao serviço, o que está em jogo, antes de tudo, é o exercício do direito de propriedade do empregador sobre o computador capaz de acessar à INTERNET e sobre o próprio provedor. Insta ter presente também a responsabilidade do empregador, perante terceiros,pelos atos de seus empregados em serviço (Código Civil, art. 932, inc.III), bem como que está em empregador,igualmente xeque o merecedor direito de à tutela imagem do constitucional. Sobretudo, imperativo considerar que o empregado, ao receber uma caixa de "e-mail" de seu empregador para uso corporativo, mediante ciência prévia de que nele somente podem transitar mensagens profissionais, não tem razoável expectativa de privacidade quanto a esta, como se vem entendendo no Direito Comparado (EUA e Reino Unido). 5. Pode o empregador monitorar e rastrear a atividade do empregado no ambiente de trabalho, em "e-mail" corporativo, isto é, checar suas mensagens, tanto do ponto de vista formal quanto sob o ângulo material oude conteúdo. Não é ilícita a prova assim obtida, visando a demonstrar justa causa para a despedida decorrente do envio de material pornográfico a colega de trabalho. Inexistência de afronta ao art. 5º, incisos X, XII e LVI, da Constituição Federal. 6. Agravo de Instrumento do Reclamante a que se nega provimento. 91 Em outra decisão, publicada em 28.11.2006, a 1ª Turma do TRT da 2ª Região enfrentou questão semelhante àquela julgada pelo TST, em que se discutia a legalidade da justa causa aplicada ao empregado, cujas provas obtidas pela empresa foram originadas de uma auditoria no computador do trabalhador, constatando-se que o mesmo havia enviado e-mail com conteúdo falso e difamatório a respeito da empresa. No acórdão, o juiz relator, Wilson Fernandes, salientou que existiam normas internas sobre a utilização do e-mail, as quais eram conhecidas pelo autor, e que, ao desrespeitá-las, rompeu com a fidúcia existente na relação de emprego. Sobre a licitude da prova obtida pelo empregador, o julgador asseverou que não houve quebra de sigilo da correspondência, pois a reclamada, através de política interna, dava ciência a seus empregados da possibilidade do monitoramento do uso do sistema. Dessa forma, concluiu que a Carta Magna protegeu o direito a propriedade privada, possuindo o empregador a legítima prerrogativa de dirigir e fiscalizar a prestação de serviços, não se caracterizando abuso ao poder de direção dos atos de vigilância e controle adotados pela empresa. Vejamos abaixo a ementa da decisão: “EMENTA: Correio eletrônico. Monitoramento. Legalidade. Não fere norma constitucional a quebra de sigilo de e-mail corporativo, sobretudo quando o empregador dá a seus empregados ciência prévia das normas de utilização do sistema e da possibilidade de rastreamento e monitoramento de seu correio eletrônico” 106 Na hipótese dos autos, o autor tinha ciência da possibilidade de monitoramento do correio eletrônico, assumindo o risco de seu ato. Alem disso, todos os instrumentos utilizados pelo autor, de propriedade da empresa, foram disponibilizados aos empregados para suas atividades profissionais, motivo pelo qual não se configuraria a suposta violação á intimidade garantida pela Constituição Federal. 106 TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO. Processo n. 01130-2004-047-02-00-4. Acórdão n. 20060929744, partes. Recorrente(s) Nestlé Brasil LTDA. e Roberto Bicineri Pereira. Recurso Ordinário. Origem: 47ª VT- São Paulo. Recorridos: Os mesmos. TRT 2ª Região. 1ª Turma. Relator: Juiz Wilson Fernandes. Revisora: Juíza Maria Inês Moura Santos Alves da Cunha. Data de Publicação: 28 nov. 2006. 92 É importante salientar, ainda, que o controle do correio eletrônico, desde que aberto aos empregados, tornam mais eficiente a proteção e fiscalização das informações que tramitam na empresa, inclusive sigilosas, alem de evitar o mau uso da Internet, que pode causar prejuízos á imagem da empregadora, considerando, principalmente,a eventual responsabilidade solidária que poderá recair sobre a empresa pelos atos de improbidade ou delitos praticados por seus empregados. Por fim, entendo que a auditoria realizada na empresa com a quebra de sigilo do e-mail do autor, não vulnerou os direitos constitucionalmente protegidos. Não há nos autos noticia de que a empregadora, com sua política de uso de e-mail, utilizou-se de condutas excessivas derivadas do poder empresarial. Na verdade, o ato decorreu da necessidade de utilização de medidas de vigilância e controle para o caso concreto. Possibilidade – reiterese – de que o autor tinha ciência.107 Para tentar solucionar o conflito aparente de normas, começaremos com as palavras de Bobbio: “Em suma, uma vez alcançada a emancipação humana na esfera da criação intelectual e da produção da riqueza, parecia que as ameaças à liberdade pudessem provir apenas do único monopólio que a sociedade ainda não conseguira dispersar, ou seja, o monopólio da força. Ao contrário, o problema da liberdade se põe hoje num nível mais profundo, que é o nível dos poderes da sociedade civil. Não importa que o indivíduo seja livre em face do Estado se, depois, não é livre na sociedade. Não importa que o Estado seja liberal se a sociedade subjacente é despótica.” 108 Como vemos, o conflito de normas ora em estudo reflete a mais nova faceta do poder, qual seja, o controle e a vigilância total e permanente de todos, aos moldes do 107 TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO. Processo n. 01130-2004-047-02-00-4. Acórdão n. 20060929744, partes. Recorrente(s) Nestlé Brasil LTDA. e Roberto Bicineri Pereira. Recurso Ordinário. Origem: 47ª VT- São Paulo. Recorridos: Os mesmos. TRT 2ª Região. 1ª Turma. Relator: Juiz Wilson Fernandes. Revisora: Juíza Maria Inês Moura Santos Alves da Cunha. Data de Publicação: 28 nov. 2006. 108 BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.p.86. 93 personagem da ficção de Orwell, em sua obra 1984, “Grande irmão”. Não se trata mais da força física, mas da coação sutil de sabermos que estamos sendo permanentemente vigiados e monitorados por alguém que não vemos e que desconhecemos o que fará com as informações coletadas sobre nós, por isso Bobbio nos diz que “Não importa que o indivíduo seja livre em face do Estado se, depois, não é livre na sociedade. Não importa que o Estado seja liberal se a sociedade subjacente é despótica”, daí nossa preocupação em resolver o aparente conflito d normas de maneira que seja mantida tanto a integridade do direito fundamental à privacidade e à intimidade, quanto o direito de monitoramento e fiscalização do empregador. Entendemos que resolver o conflito de normas nos traz a questão de como a Constituição, no caso do presente trabalho, deve ser interpretada. A tarefa com certeza não é das mais simples, mesmo porque a interpretação pode se revelar tarefa das mais complicadas já que na maioria das vezes se dá perante fatos concretos, não podemos ter uma interpretação de dada norma a priori e que seja aplicável a todos os casos fáticos reais, pois lembremos, as normas tratam de fatos abstratos e genéricos, como deve ser, e a norma constitucional não é diferente. A interpretação nada mais é que procurar entender o que o legislador quis dizer quando a criou, qual era sua intenção, qual direito desejava proteger e qual comportamento indevido que desejava coibir, sancionar, punir. Em se tratando de interpretação de normas constitucionais, o termo correto é hermenêutica, assim definida por Motta & Douglas: “A hermenêutica tem por objeto o estudo e a sistematização dos processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das normas constitucionais. Observe-se, no entanto, que hermenêutica distingue-se de interpretação: Hermenêutica é a ciência que fornece a técnica e os princípios segundo os quais o operador do Direito poderá apreender o sentido social e jurídico da norma constitucional em exame, ao passo que interpretação consiste em, como já dissemos, desvendar o real significado da norma.” 109 109 MOTTA FILHO,Sylvio Clemente da. SANTOS, William Douglas Resinente dos.Direito Constitucional: teoria, jurisprudência e 1000 questões.11.ed.rev.ampl.e.atual.até a Emenda Constitucional n. 38/2002.Rio de Janeiro: Impetus, 2002.p.9-10. 94 No presente trabalho estamos buscando, não dar a interpretação escorreita das normas ora em conflito, mas verdadeiramente buscar o sentido social e jurídico das mesmas, nesse sentido tentaremos caminhar, por óbvio que no presente caso não esgotaremos a matéria, mas tão somente procuraremos dar nossa visão, dentro do que pesquisamos e entendemos sobre o assunto. Como dissemos acima a hermenêutica busca apreender o sentido social e jurídico da norma constitucional em exame e para isso se vale de alguns princípios, quais sejam, o princípio da supremacia constitucional, o princípio da imperatividade da norma constitucional e o da unidade constitucional. Quanto ao segundo princípio, o mesmo decorre de que a constituição é fruto da vontade popular, representada no poder constituinte através de membros eleitos exclusivamente com a finalidade de elaborar a carta magna e em sendo assim, não há sentido que a norma constitucional não seja absolutamente imperativa vez que representa a vontade popular consagrada em texto normativo, isto posto, deve o intérprete da norma constitucional ao seguir esse princípio dar-lhe a mais ampla extensão possível. Por último, o princípio da unidade da constituição nos informa que ao interpretarmos seus dispositivos devemos fazê-lo de forma integrada, considerando a Constituição não como uma coletânea de normas e preceitos, mas sim como um todo, um bloco único e harmônico, partindo do princípio de que há uma harmonia de idéias que permeia toda a Constituição e que interpretações isoladas de sãs normas não revelarão o verdadeiro sentido sócio-jurídico da norma interpretada. Nesse sentido importante o texto de Motta & Douglas: “A Constituição foi elaborada de forma democrática, sendo produto de uma assembléia onde fulguravam ideologias as mais distintas e contraditórias. Assim, é natural que o texto contemple contradições. Mesmo assim, tão logo editada a Lei das Leis, devemos partir do pressuposto que, a partir do momento em que ficou pronta, possui uma unidade, a qual deve ser identificada e observada. Ao intérprete cabe esta missão, a de olhar a Constituição como um todo, um bloco único, uma totalidade, para o que deverá buscar harmonizar aquilo que aparentemente for inconciliável. Se, apesar de tudo, ainda restar algum óbice intransponível, deve ele ser resolvido através dos princípios acolhidos na Carta, entre os quais os gerais valem mais do que 95 os específicos e os que cuidam da dignidade da pessoa humana mais que quaisquer outros. ”110 Acreditamos ser correta a colocação acima, na medida em que no caso presente estamos diante de princípios aparentemente inconciliáveis, de um lado a dignidade da pessoa humana revelada pelo direito à intimidade e à vida privada, de outro o direito da empresa à propriedade, traduzido no poder diretivo e fiscalizador que possui em relação aos seus empregados e em relação aos meios de produção dos quais é detentora, tem ainda tal conflito como pano de fundo a eterna rivalidade entre capital e trabalho, certamente que a tarefa de harmonizar essas contradições não é fácil. Devemos então, em nossa tarefa, procurar encontrar um ponto de concordância e harmonização que seja exeqüível na prática, preservando ao mesmo tempo os direitos fundamentais do trabalhador e mantendo, no que for possível, o outro bem jurídico protegido pela Constituição que no caso em tela é fundamentalmente a propriedade privada, representada pelo direito de fiscalização do uso adequado dos meios de produção da empresa postos a serviço do empregado, ao mesmo tempo em que procuramos estabelecer limites à um e à outro direito com o objetivo de harmonizá-los. Desse modo devemos procurar amenizar o conflito ideológico presente na questão, ponderando os interesses em jogo à luz da unicidade da Constituição pátria. Na verdade nos encontramos diante de uma antinomia, que ocorre quando duas normas entram em conflito, as normas em conflito são o direito fundamental previsto na Carta Magna à privacidade e à intimidade e o poder diretivo do empregador, o primeiro é de origem constitucional, já o segundo teve sua origem esmiuçada no capítulo 3, onde determinamos a origem contratual desse direito, posto que o poder diretivo do empregador está lastreado na relação contratual firmada entre esse e o trabalhador, que a aceita livremente. Se pararmos agora e verificarmos de perto essa antinomia, veremos que do ponto de vista do critério puramente jurídico não há conflito, posto que se trata de antinomia entre uma norma constitucional e outra infraconstitucional, na verdade um contrato ou um regulamento empresarial que somente faz lei entre os contraentes da relação jurídica instaurada. Dito isto 110 Id; ibid. p.16. 96 poderíamos resolver o conflito sem mais delongas afirmando que a norma constitucional por ser suprema deve ser sempre acatada, sem abrandamento, já que, seu conflito se dá com regulamento interno, que não é norma no sentido de lei, mas então porque fazer diferente? A resposta virá a seguir. Devemos lembrar-nos que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, insculpido no art. 1º da CR/88, em seu inciso IV, é a livre iniciativa, que nada mais é que o reconhecimento Estatal de que o bem estar do povo passa pela iniciativa privada, que deve ser protegida por ser fundamento do Estado Brasileiro. Junto a esse conceito está, obviamente, atrelado o conceito de propriedade privada garantido como direito fundamental no art. 5º, inciso XXII (é garantido o direito de propriedade), que logo a seguir é abrandado no inciso XXIII do mesmo art. 5º (a propriedade atenderá a sua função social), assim embora a propriedade privada seja um direito fundamental, a mesma somente estará garantida se atingir sua função social. Portanto observamos que a própria Constituição amortece certos direitos fundamentais, o que nos mostra que é possível encontrar um ponto de equilíbrio entre os direitos envolvidos na questão, sem que se atente contra a Constituição como um todo. Em primeiro lugar devemos observar que nossa Constituição se reveste dos mais variados matizes e, portanto, consagra em suas normas disposições conflitantes, como é o caso em apreço. Entretanto vimos também que sua interpretação deve ser feita de forma una, procurando o intérprete harmonizar seus dispositivos em caso de tensão, lembrando que os princípios são os alicerces do sistema constitucional e que o princípio da dignidade da pessoa humana representa o epicentro da ordem jurídica, conferindo unidade teleológica e axiológica a todas as normas constitucionais.111 Interessante, nesse sentido as palavras de Sarlet: “... também na esfera privada ocorrem situações de desigualdade geradas pelo exercício de um maior ou menor poder social, razão pela qual não podem ser toleradas discriminações ou agressões à liberdade individual que atentem contra o conteúdo em dignidade da pessoa humana dos direitos fundamentais, zelando-se, de qualquer modo, pelo equilíbrio entre estes valores e os princípios da autonomia privada e da liberdade negocial e geral, que, por sua vez, não podem ser completamente destruídos.” 112 (Grifo nosso) 111 Id; ibid. p.21. SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais.7.ed.rev.atual e ampl.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.p.403. 112 97 Para tanto acreditamos que o melhor caminho a seguir na solução do problema que se apresenta é a aplicação do princípio da proporcionalidade, criação do direito alemão e francês e que, nas palavras de Daniel Sarmento, representa um instrumento potente para a análise da razoabilidade e da justiça das leis, posto que determina que as leis sejam adequadas para os fins a que se destinam, sendo ainda o meio mais brando para o atingimento desses fins e no momento de sua aplicação aufira benefícios superiores aos ônus que acarretam.113 Dessa feita, e de todo o exposto acima, acreditamos que o melhor meio de garantir a efetividade, tanto dos direitos dos trabalhadores quanto dos empregadores, é aplicarmos o princípio da ponderação, ou seja, precisamos compatibilizar os interesses contrapostos de empresários e obreiros, garantindo o menor ônus, a aplicação mais branda da norma e a lei que for mais efetiva para a consecução do duplo objetivo desejado, qual seja, a proteção da intimidade e da privacidade do trabalhador, ao mesmo tempo que se garante ao empregador o poder fiscalizador e diretivo dos trabalhos. Ainda segundo Daniel Sarmento, citado por Motta e Douglas, temos que: “A ponderação de interesses tem de ser efetivada à luz das circunstâncias concretas do caso. Deve-se, primeiramente, interpretar os princípios em jogo, para verificar se há realmente colisão entre eles. Verificada a colisão, devem ser impostas restrições recíprocas aos bens jurídicos protegidos por cada princípio, de modo que cada um só sofra as limitações indispensáveis à salvaguarda do outro. ”114 Concordo com a posição exarada acima na medida em que o nome direito fundamental somente pode ser dado àqueles direitos que não colidem com nenhum outro, e, portanto estão livres de qualquer arrefecimento em sua força, conforme comentado no capítulo 1. Por entendermos que o direito à privacidade e à intimidade são passíveis de colisão com muitos outros direitos ditos fundamentais, admitimos que esses direitos são passíveis de 113 SARMENTO, Daniel, apud MOTTA FILHO, Sylvio Clemente da. SANTOS, William Douglas Resinente dos.Direito Constitucional: teoria, jurisprudência e 1000 questões.11.ed.rev.ampl.e.atual.até a Emenda Constitucional n. 38/2002.Rio de Janeiro: Impetus, 2002.p.21. 114 Id; ibid. p.22. 98 reduções em sua amplitude quando confrontados com outros direitos, desde que essa limitação seja indispensável para a harmonização dos direitos em confronto. Por último a ponderação a ser feita deve levar em consideração o resultado que se deseja alcançar, procurando a solução justa para o caso e respeitando o núcleo dos direitos fundamentais presentes no caso sob análise. Aqui, em nosso exercício de ponderação, estamos diante da colisão de direitos fundamentais da privacidade e intimidade, versus o direito fundamental à propriedade, como dissemos ao longo de todo esse trabalho, não acreditamos em direitos fundamentais universais, posto que a história mostra que tais direitos tem variado ao longo do tempo e das diversas localidades geográficas. Também entendemos que o mais próximo que temos hoje de direitos fundamentais universais é a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, por outro lado entendemos também que o direito à privacidade e a intimidade devem ser fortalecidos sempre que possível, ainda mais nos dias atuais com a invasão e câmeras, meios técnicos de monitoramento de pessoas e toda a parafernália eletrônica disponível para escrutinar nossas vidas. Outro ponto a considerar em nossa análise é puramente técnico e nos fala sobre os altos custos de desenvolvimento de produtos que carregam consigo alta tecnologia, posto que as empresas para manterem-se competitivas, têm de investir muito em desenvolvimento e pesquisa de modo a tornar seus produtos mais atrativos para os consumidores. Se levarmos em consideração que grande parte desse trabalho de pesquisa é feito com a ajuda de computadores e, portanto, circula através de meios digitais, e que os dispositivos de memória de hoje, absurdamente reduzidos em volume e capazes de armazenar imensa massa de informação, criaram uma “portabilidade” 115 desses dados (tornando coisa do passado a imagem do ladrão furtivo que saía altas horas do escritório levando consigo uma pilha imensa de documentos, plantas e desenhos), chegaremos a conclusão de que é necessário que sejam criadas salvaguardas para proteger todo esse acervo técnico que representa um grande valor para as empresas. 115 Entendemos portabilidade como sendo a maior ou menor facilidade de armazenar/transportar um grande volume de dados, sejam eles fotos, desenhos, arquivos de texto, plantas, design industriais, dados de clientes, etc., em pequenos dispositivos portáteis de memória não voláteis, vulgarmente conhecidos como “pen-drives” ou discos rígidos portáteis. 99 Dessa forma, entendemos que diante dos poderes diretivo e fiscalizador do empregador, do direito de propriedade que este detém sobre os meios de produção que lhe pertencem e considerando ainda que existem leis que ao proteger os trabalhadores, podem infligir pesadas multas às empresas que violam os códigos de conduta ética (capítulo 3), entendemos ser cabível o monitoramento dos e-mails dos empregados dentro de certas limitações que explicaremos a seguir. Como vimos existem casos nos tribunais em que gerentes de instituições financeiras “levam” consigo toda a carteira de clientes que acumularam ao trabalhar na instituição em tela, justamente porque a portabilidade dessa imensa massa de dados é hoje tão corriqueira e barata quanto qualquer outro artigo de uso pessoal. Assim, imaginemos o imenso prejuízo que o empregador terá se tal massa de dados cair, por exemplo, nas mãos do concorrente, portanto, já que as empresas, por força da teoria civilista da responsabilidade civil, possuem responsabilidade objetiva por que assumem os riscos do negócio, nada mais justo que, procurando preservar esse risco o mais baixo possível, assumam as empresas, atitudes preventivas de segurança, tais como o monitoramento de e-mails. Por óbvio que esse monitoramento não pode ser indiscriminado, atingindo a esfera mais íntima da vida privada do trabalhador, tampouco pode ser negado às empresas, que como observamos precisam manter o risco de seu negócio o mais baixo possível para que dêem retorno, tanto à sociedade, quanto aos seus investidores e em última análise também aos seus empregados. Também não concordamos que tal vigilância deva ser feita à socapa, na calada da noite, sem que o trabalhador saiba que está sendo monitorado, da mesma forma não há porque esmiuçar as estações de trabalho (leia-se os “micros” dos empregados) de maneira indiscriminada e sem critério, procurando “pegar” o trabalhador para aplicar-lhe uma demissão por justa causa por tratar-se obviamente de comportamento antiético por parte do empregador. Destarte, defendemos que o monitoramento ocorra e seja possível legalmente, como forma da empresa manter o controle sobre seus funcionários, sobre sua produtividade e também domínio acerca de como as informações sensíveis de seu negócio estão sendo manipuladas. Entretanto, defendemos veementemente que tal monitoramento esteja baseado em uma política clara, devidamente comunicada aos empregados, pela empresa, no momento de sua contratação, que exista cláusula aposta em seu contrato de trabalho versando sobre o tema, que as punições e sanções pelo mau uso do correio eletrônico também sejam 100 comunicadas e que a política sobre uso do e-mail seja permanentemente revista para que se possam coibir abusos, tanto dos empregadores, quanto dos empregados. Ou seja, defendemos a clareza de entendimento entre empresa e empregado, aquela deixando claro o que espera de seu novo funcionário quanto ao uso da ferramenta correio eletrônico, e o empregado concordando expressamente sobre essa expectativa da empresa. Também defendemos os limites da monitoração e fiscalização essencialmente e apenas quanto ao e-mail profissional, assim entendido como aquele que a empresa disponibiliza para o funcionário, deixando o e-mail particular do empregado absolutamente protegido de invasões de privacidade e caso a empresa possua suficientes indícios de mau uso do correio eletrônico particular do funcionário, sempre restará a ela (empresa) recorrer a via judicial para autorização de quebra de sigilo, ou se desejar, proibir totalmente o acesso do email particular dentro do ambiente de trabalho, utilizando para isso filtros eletrônicos em sua rede privada, ou outro meio equivalente. Cremos que se essas regras simples forem seguidas estaremos flexibilizando direitos, como manda o princípio da ponderação, resolvendo o aparente conflito de normas e entregando uma solução de compromisso que é suficientemente justa a ambos os lados e perfeitamente aplicável no âmbito da relação empresa x empregado. 101 CONCLUSÃO Conforme vimos nos capítulos precedentes, a evolução dos direitos fundamentais foi longa e custosa, abrindo lentamente caminho por entre a força e a ignorância para finalmente florescer nos dois últimos séculos. Mas eis que surgem novas ameaças no horizonte, não mais vindo do Estado e tendo a espada como instrumento de coação, mas, muito mais sutil o que nos ronda nesse início do século XXI é a ameaça invisível do controle total, o monitoramento digital e eletrônico de cada aspecto de nossas vidas, desde o momento em que nascemos até nossa morada final. Em que pese a evolução dos direitos fundamentais ao longo da história e de falarmos atualmente em direitos de quarta dimensão, o fato é que estamos hoje frente a frente com o pior dos medos de toda sociedade livre, o receio de nos transformarmos em peças descartáveis, monitoradas, observdas e controladas continuamente para que nosso desempenho máximo seja sempre obtido e mesmo assim não assistimos a nenhuma revolução do povo nas ruas, por quê? A explicação é simples, trata-se da utopia, do sonho de todos os ditadores que a humanidade já teve: o poder total, o controle total, exercido a partir de um ponto em que ninguém o nota, tão sutil que fica até a dúvida de que ele realmente exista, e muitos duvidam mesmo de sua existência. Mas o fato é que tal controle não somente é possível, com o avanço tecnológico atual, mas existe e está a serviço de empresas e Estados. Não é a toa que, sob o manto do combate ao terrorismo muitos governos ocidentais aproveitaram para fazer passar pelos seus legislativos leis que controlam cada vez mais suas respectivas populações, especialmente os governos dos estados Unidos e do Reino Unido, autorizando escutas sem chancela judicial, monitoramento do uso da internet e câmeras públicas de vigilância e controle. Todos esses movimentos põem em risco o muito até agora conquistado na evolução dos direitos fundamentais. É com esse pano de fundo que tratamos do problema atual de monitoramento de emails, onde liberdades fundamentais conquistadas ao longo dos séculos estão ameaçadas pela invasão de privacidade pela qual todos estão passando no mundo moderno. O monitoramento do e-mail trata, por óbvio, de uma pequena parte desse cenário, um detalhe de nossa vida cotidiana, mas que demonstra de maneira clara que existe sim um movimento de controle da 102 sociedade através do monitoramento e fiscalização de seus atos, talvez seja mesmo a ponta mais visível desse iceberg posto que está na mídia quase que diariamente, mas como já frisamos, é apenas uma pequena parte do problema geral maior do controle social. Conforme vimos, o direito à privacidade e intimidade não figurava dentro das principais declarações de direito do século XVIII, somente despertando interesse crescente à medida que os meios de comunicação de massa foram se expandindo e consequentemente os danos à imagem e à honra tornaram-se potencialmente maiores. Também vimos que privacidade pode ser vista como um aspecto da segurança e, portanto haveria justificativa para que se abrandasse sua proteção quando outros interesses estão em jogo ou em conflito com a mesma, é exatamente esse o tema do nosso trabalho, porque, via de regra, as empresas alegam potencial violação de sua segurança para justificar o monitoramento de e-mails de seus funcionários. Em contrapartida, e no intuito de proteger a intimidade e a privacidade de seus cidadãos, vários países possuem em suas constituições dispositivos mais ou menos explícitos que procuram albergar esses direitos e aí nos deparamos com outro problema, embora constitucionalizados, diversos direitos fundamentais carecem de efetiva aplicação ou de eficácia quando da aplicação ao caso concreto. O Brasil, embora não possua dispositivo explícito quanto à essa matéria, garante em seu artigo 5º, X a proteção à intimidade e a vida privada, procurando a constituição proteger os dois aspectos da vida do cidadão, o aspecto externo, consignado na proteção do direito à vida privada e o aspecto interior ao proteger o direito à intimidade. Por outro lado, a Constituição também garante o direito de propriedade em seu art. 5º, inciso XXII e a Consolidação das Leis do Trabalho garante ao empregador a fiscalização e a direção dos trabalhos de seus funcionários. Tais aspectos foram discutidos no capítulo 3 da presente dissertação, quando concluímos que a origem do poder diretivo e fiscalizador do empregador têm por base não somente o direito de propriedade que o mesmo detém sobre os meios de produção, mas principalmente o contrato que é firmado entre as partes. Entretanto, o direito de propriedade desempenha um papel fundamental na justificativa da fiscalização da correspondência eletrônica dos empregados porque, conforme dissemos antes, freqüentemente as empresas alegam razões de segurança, a possibilidade de furtos de projetos e idéias e possíveis ações de danos a imagem para proceder ao monitoramento do e-mail. 103 A questão também passa pela Ética empresarial, tão perseguida pelas empresas na atualidade, já vimos que a origem de tal comportamento é muito mais econômica que propriamente humanitária ou de melhora do convívio no ambiente de trabalho. Na verdade, tal comportamento empresarial começou a tornar-se mais freqüente a partir da edição da Lei Americana de 1977, o “Foreign Corrupt Practices Act (FCPA)” que proíbe às empresas americanas a prática de corrupção de autoridades estrangeiras, independentemente da legislação local e também a partir de diversos casos de processos por danos morais e à imagem promovidos por funcionários contra suas empresas, por conta de e-mails de colegas que os ofendidos consideravam mais do que simples piadas ou brincadeiras de mau gosto. Como podemos observar diversos aspectos compõe o mosaico de razões que levam as empresas a proceder ao monitoramento de e-mails de seus funcionários, nenhum, se tomado isoladamente, é suficiente para justificar, do ponto de vista legal, tal invasão à privacidade e à intimidade, mas quando observados em conjunto e somados ao direito de propriedade e ao direito de fiscalização, começa a ser possível tal procedimento desde que limitado a certas condições e desde que tais condições sejam claramente comunicadas aos funcionários. Ao longo do trabalho demos uma visão panorâmica de como estão se comportando os diversos tribunais do país em relação ao tema abordado, concluindo que ainda não existe uma corrente fortemente majoritária, mas sim um indicativo de que a tendência é de acatar como sendo permissível a fiscalização dos e-mails dos funcionários. Quanto a esse ponto, embora concordemos sobre a possibilidade da fiscalização, ousamos discordar dos fundamentos das decisões analisadas, normalmente baseadas no direito de propriedade das empresas, bem como das razões apresentadas pelos empregadores para proceder ao monitoramento, também discordamos veementemente quanto ao fato das transgressões de uso do e-mail servirem de base para demissões com justa causa. Nosso medo é que, a partir do acatamento definitivo da tese de que o mau uso do email configura motivo de dispensa por justa causa lastreada nas letras “a” e “b” do artigo 482 da CLT116, o empregador adote esse como sendo o meio mais fácil para demitir por justa 116 Art. 482. Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador: a) ato de improbidade; b) incontinência de conduta ou mau procedimento. 104 causa. Na verdade, nos causa espécie o fato dos tribunais terem aderido tão prontamente à essa tese visto que normalmente as demissões por justa causa não se sustentam tão facilmente nas cortes trabalhistas, tal fato nos leva a conjecturar que, muito provavelmente, o desconhecimento dos novos meios de produção e suas implicações, por parte dos julgadores, tem levado esses últimos a julgarem baseados na argumentação das empresas, sem dar o devido aprofundamento que a causa pede. Outra dificuldade do momento atual é a falta de legislação específica sobre o tema, posto que constatamos que não existe atualmente em tramitação no Congresso Nacional nenhum projeto de lei que regulamente a matéria, assim, fica aberto o caminho para as mais diversas decisões que freqüentemente conflitam entre si e consequentemente para o abuso, urge pois, que o tema seja debatido e que regulações específicas sejam emitidas sob pena de grassar a violação repetida da privacidade e intimidade dos trabalhadores. Fica aqui a nossa preocupação com o assunto, é necessário que sejam erigidas barreiras de imediato a mais esse ataque as liberdades individuais, que sejam discutidos e implementados os limites e decidida em qual extensão o monitoramento e a fiscalização das correspondências eletrônicas pode ocorrer. Por fim, discutimos o conflito entre normas constitucionais, particularmente entre o direito à privacidade e à intimidade e o poder fiscalizador e diretivo das empresas, propondo como método de solução a técnica da ponderação entre direitos. Também verificamos nesse capítulo que o monitoramento do correio eletrônico é técnica freqüente nas empresas americanas e, embora não existam dados estatísticos sobre a situação no Brasil, não cremos ser diferente, e tanto lá, quanto cá, a prática é corrente e pior, até o momento ocorre sob o alvedrio das empresas que não possuem limitadores legais, exceto a tênue disposição constitucional do art. 5º, inciso X. A divulgação e informação dada aos funcionários sobre onde, quando e como se dará a fiscalização também é freqüentemente negligenciada, somente sendo revelada quando o funcionário já incorreu em alguma falta. Por último, mas não menos importante, o acesso privilegiado e ilimitado a todas as contas de correio eletrônico de determinada empresa por parte dos seus administradores dos sistemas de informática, revela uma vulnerabilidade 105 inaceitável posto que as mensagens podem ser adulteradas, seja por descuido, seja por má-fé, sem que o verdadeiro titular da conta tenha conhecimento sobre o que ocorreu. Falamos também, da supremacia das normas constitucionais sobre todas as demais que estão presentes em nosso ordenamento jurídico e que esse fato, por si só, já garantiria a inviolabilidade da correspondência eletrônica, mas ao mesmo tempo ponderamos que é possível harmonizar o conflito de normas através da interpretação unitária da Constituição e da ponderação dos interesses e direitos conflitantes de modo a harmonizar e eliminar o conflito. Acreditamos que a harmonização se dá através da “diminuição” de cada um dos direitos, o mínimo possível, de maneira que seja possível harmonizar os direitos em conflito, cada um cedendo um pouco para que seja possível acomodar a nova situação fática surgida e que o direito deve regular. Finalmente, devemos todos atentar para o caso aqui discutido visto que a cada dia em que avançamos mais e mais nesse admirável mundo novo das maravilhas da tecnologia, também avançamos rumo ao controle social absoluto, típico dos Estados totalitários do passado e das ditaduras, tão freqüentes nos séculos passados e ainda presentes em nosso tempo só que agora com um componente novo e inesperado, a invisibilidade, somos todos controlados, mas desconhecemos os controladores e assim não há contra quem se rebelar. É contra essa ditadura da tecnologia que devemos lutar, por ser ela tão ou mais perversa do que a força física empregada como meio de controle social no passado, não podemos de forma alguma nos acomodar e admitir que, após tantos séculos de luta pela causa da liberdade sejamos vencidos pelo Grande Irmão. 106 REFERÊNCIAS ALEXANDRINO, Marcelo; BARRETO, Glaucia; PAULO, Vicente. Noções Gerais de Direito do Trabalho. 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