Painel

Transcrição

Painel
Sempre o mar
ou a ilusão
do mar à volta
A censura da correspondência, a proibição de entrada
de livros e revistas “inconvenientes”, as dificuldades colocadas às visitas de familiares, os impedimentos postos
no acesso ao estudo e a livros escolares, tudo estava
organizado para tornar insustentável a vida dos presos.
E, no entanto, dentro do campo, muita coisa se passava que não era controlada pelos carcereiros – organizavam-se aulas, decorriam debates, chegou a existir
pelo menos um transístor que permitia ouvir as notícias
das emissoras estrangeiras.
Despacho de indeferimento do governador da Guiné sobre
o requerimento em que diversos presos solicitavam autorização para a prestação de exames no liceu Adriano Moreira,
na Praia, 27 de Janeiro de 1966.
O director do campo de concentração envia à PIDE de Angola a
transcrição de uma carta, obviamente interceptada, que o preso
angolano António Cardoso escrevera para Luanda, 14 de Janeiro
de 1965.
Muitos presos – arrebanhados à pressa de suas casas
ou locais de trabalho – encontraram ali a formação política que anteriormente não tinham, em contacto com
companheiros mais experientes.
As visitas, como a do escritor Manuel Lopes, desempenharam também um inequívoco papel de ligação ao
exterior.
O director do campo de concentração recusa os livros pedidos por um preso - designadamente, Os Lusíadas - com o
argumento de que "o peticionários só tem o 2.º grau de
instrução primária".
“Eu estive 3 anos sem correspondência, o inspector da PIDE dizia
que não tinha culpa nenhuma, que
os correios funcionavam mal (...)
Era a tentativa de destruir psicologicamente o preso, cortar-lhe as ligações com a família, o apoio dos
amigos.”
Transcrição pela PIDE de carta de Ruy Mingas,
então a cumprir serviço militar na Guiné, a seu
pai, André Rodrigues Mingas, internado no
Campo de Trabalho de Chão Bom, 19 de Julho
de 1962.
“Recordo-me de um colega meu
que já tinha tantos anos de cadeia
que sabia realmente escrever cartas
de preso e que mais tarde, quando
saiu da cadeia e viu as cartas com a
mulher, reparou que no fundo,
mesmo no fundo, antes da assinatura dele, havia uns cortes de tesoura. O chefe dos guardas, não
tendo mais nada que cortar, cortava a parte que dizia “beijos, abraços, muito amor e muito carinho”.
Isso ele cortava.”
Luandino Vieira – Geração de 60,
Diana Andringa, RTP,
Relação de livros e revistas endereçados a reclusos da Guiné e cuja entrega
na prisão foi considerada inconveniente. Vinham a acompanhar os últimos 52 presos dessa província a regressar ao seu local de origem, 30 de
Julho de 1969.
Informação da Subdelegação da PIDE/DGS em Cabo
Verde para o director-geral
da DGS sobre a visita do
escritor caboverdeano Manuel Lopes à vila do Tarrafal e ao Campo de Trabalho de Chão Bom, 5 de
Junho de 1970. Neste ofício, a PIDE tece ainda considerações sobre o perigo
de Luandino Vieira poder
"influenciar a opinião do
Director da prisão".

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