LITERATURA E ENSINO_3_Tiago Martins de Morais.doc.docx
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LITERATURA (DE VERDADE) NA ESCOLA: UMA PROPOSTA DE TRABALHO COM TURMAS DE 1º ANO DO ENSINO MÉDIO Tiago Martins* Professora responsável: Márcia Ivana de Lima e Silva RESUMO: Segundo Antonio Candido, em seu ensaio “Direto à Literatura”, a arte literária é indispensável à humanização, é uma forma de equilíbrio social que atua no nível subconsciente e inconsciente e, assim, é capaz de mudanças e transformações no sujeito. A partir disso, este trabalho defende que a literatura ensinada nas escolas não deve ser focada no ensino de períodos literários nem no ato de memorização de autores e de suas características, como é o ensino tradicional de literatura, e sim focada no texto literário, produtor de transformações. A proposta de ensino apresentada por este trabalho está relacionada com a ideia de formação de leitores e tenta combater alguns equívocos postulados pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, relacionando-se assim aos argumentos expostos pelas Orientações Curriculares Nacionais. A partir de uma reflexão teórica sobre formação de leitores e sobre o contato do aluno com o texto literário integral, o artigo apresenta um modelo de ano letivo para turmas de Primeiro Ano de Ensino Médio focado não em períodos, mas em gêneros literários, proporcionando ao aluno o contato real com a literatura e contanto com obras significativas a sua realidade. PALAVRAS-CHAVE: Literatura, ensino, gêneros. ABSTRACT: As Antonio Candido wrote, in his article “Direito à Literatura”, literature is essencial to our humanization, it is a form of social balance that works in our unconsciousness and that’s why is responsible to changes and transformations. This paper argues that the teaching of literature it shouldn’t be focused on literary periods or history. Teaching of literature should be focused on the literary text, responsible for transformations. This article presents a practice of teaching with literature on schools, this practice is related with the idea of make the students interested in literature and tries to discuss some of the arguments exposed by Orientações Curriculares Nacionais. After all the refletions, this article presents a program that hopefully can be uses with students of Ensino Médio, a program that is focused on the real contact with the literary text. KEY WORDS: Literature, teaching, genres. Se o programa de conteúdos da disciplina de Literatura Brasileira de alguma escola, hoje, ainda estiver focado em “conhecer os períodos literários da literatura brasileira, seus autores, obras e suas características”, então deveríamos mudar o nome da disciplina: ao invés de “Literatura Brasileira” deveríamos chamá-la de “História da Literatura”, pois, de * Mestrando em Estudos Literários (ênfase Literatura Comparada) na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Graduado em Licenciatura Português/Inglês pela mesma instituição. E-mail: [email protected]. acordo com essa orientação, o aluno não está tendo real contato com o texto literário, e sim apenas com a sua periodização, com o nome dos autores e com os títulos de suas obras. É difícil, é claro, – sem uma pesquisa extensa e séria – saber se a maioria das escolas ainda reflete esse sistema de ensino, mas pode-se imaginar que isso ocorre se olharmos para os livros didáticos do ensino médio ou se pensarmos no que está escrito nos Parâmetros Curriculares Nacionais, seguido por boa parte das escolas. De uma maneira ainda menos científica, posso basear-me em minha experiência como ex-aluno de graduação – que um dia assistiu a aula de vários professores de literatura para completar os estágios obrigatórios – e, ainda, basear-me em minha atual experiência como professor de literatura, observando a surpresa dos alunos quando expostos a um método de ensino que não se foca nos períodos literários. Infelizmente, muitas escolas ainda têm presente nas ementas das disciplinas de Literatura este foco voltado para periodização e para a história. A ementa-padrão de muitas escolas inicia-se com o seguinte imperativo: O componente curricular Literatura Brasileira possui como objetivo reconhecer as características dos diferentes períodos literários brasileiros, identificando os autores e obras mais relevantes em cada etapa e distinguindo as relações entre contexto social, histórico e cultural dos autores e obras. (Orientações do Currículo de LB de uma escola de Porto Alegre) O que eu defendo neste artigo não é nenhuma novidade. Defendo que é necessário e urgente que os professores de Ensino Médio priorizem, em suas aulas, que os alunos tenham acesso à leitura de textos literários, abolindo o ensino no qual a periodização seja o centro e abolindo a famosa memorização de autores, obras e suas características. Acredito que essa discussão deve ocorrer intensamente aqui, na academia, para que os graduandos em Letras já cheguem à escola, como professores, com a consciência de que não podem se entregar à facilidade de encher um quadro com os nomes dos períodos literários e uma lista de autores, pois isso só irá contribuir para a construção de um público que pode vir a ter aversão à literatura e, pior ainda, vai privar o aluno do contato com o texto literário e de seu poder de transformação, poder que é inerente a toda arte. Ao pensar em adolescentes e ao pensar em literatura é comum que alguns livros venham à mente daqueles que estão acostumados com as narrativas. Livros como O Apanhador no Campo de Centeio, de J. D. Salinger, O Estrangeiro de Albert Camus, 1933 foi um Ano Ruim, de John Fante são obras que têm atraído gerações de adolescentes para a leitura. São obras que mechem com as crenças dos jovens e os colocam diante de personagens que estão no meio de intensos questionamentos sobre a vida. Como privar os alunos de leituras tão inquietantes? Ou ainda: por que privá-los disso? O quanto um romance como Demian, do escritor alemão Hermann Hesse, por exemplo, não pode dizer a um jovem? E o quão pouco um romance como “O Guarani”, de José de Alencar, pode comunicar a um leitor iniciante? Demian é um romance sobre a vida do adolescente Emil Sinclair, narrado por ele mesmo. A narração inicia-se em sua infância, aos dez anos. Parte de uma boa e tradicional família alemã, Emil tem todas as suas crenças questionadas ao conhecer um jovem récem chegado na cidade, Demian. Este jovem incomum, faz com que Emil questione suas crenças mais fortes, faz com que os pilares mais rígidos do que a sociedade impõe como verdade sejam balançados até finalmente cairem. Neste romance, o leitor é alertado de que: “Quem quiser nascer tem que destruir um mundo”. Nós professores, temos de destruir um mundo, temos de destruir uma tradição de ensino de literatura que não desperta o senso crítico de nossos alunos, que não os estimula ao gosto pela leitura. Temos de lembrar que a literatura não é um passatempo inócuo, que não está ligada à imaginação e ao lazer apenas. As narrativas são uma forma de conhecimento, e a arte é uma forma de representação da realidade que tem, talvez insconscientemente, o objetivo de aprimorar nossa visão dessa mesma realidade. Antonio Candido, em seu famoso ensaio “Direito à Literatura”, nos diz que uma obra literária “atua em grande parte no subconsciente e no inconsciente. Neste sentido, ela pode ter importância equivalente à das formas conscientes de inculcamento intencional, como a educação familiar, grupal ou escolar” (2004, p. 173). Assim, quando o jovem embarca no texto literário, ele não está embacardando em uma aventura inocente, afinal a literatura tem o poder de organizar o mundo, de nomear os sentimentos, de questionar dogmas, de quebrar, enfim, conveções e ideias prontas. O poder de organização que a literatura traz é destacado por Candido no mesmo artigo já citado. A produção literária tira as palavras do nada e as dispõe como todo articulado. Este é o primeiro nível humanizador, ao contrário do que geralmente se pensa. A organização da palavra comunica-se ao nosso espírito e o leva, primeiro, a se organizar. Em seguida, a organizar o mundo. (CANDIDO, 2004, p. 177) Com tudo isso em mente, por que continuar privando os alunos do contato direto com a literatura? O documento das “Orientações Curriculares Nacionais do Ensino Médio” é o principal argumento que o professor pode utilizar na hora de defender a sua metodologia. No item “Conhecimentos de Literatura”, este documento criado durante o governo Lula, sob orientação do Ministro Fernando Haddad, afirma que não se deve sobrecarregar o aluno com informações sobre épocas, estilos e características de movimentos literários. Esta orientação é bem mais clara e quase oposta à dada pelo PCN+ de 2002, que era: 3. Identificar manifestações culturais no eixo temporal, reconhecendo os momentos de tradição e ruptura. (PCN+, 2002, p. 65) [...] Recuperar, pelo estudo do texto literário as formas instituídas de construção do imaginário coletivo, o patrimônio representativo da cultura e as classificações preservadas e divulgadas, no eixo temporal e espacial. (PCN+, 2002, p. 145) Muito embora se afirme “recuperar, pelo estudo do texto literário” (grifo meu) essas orientações dos PCN, segundo uma crítica do próprio documento das Orientações Curriculares, dão margem para que os professores continuem ensinando periodização literária, e afastando a literatura da sala de aula. Uma questão bastante prática que se coloca é que o professor que quiser se opor a essa antiquada e ineficaz metodologia tem de estar munido de argumentos para defender o seu trabalho diante de uma coordenação pedagógica, por exemplo, e diante de possíveis pais que venham a questionar o seu trabalho. Acredito que utilizar documentos governamentais são argumentos fortes. Outro argumento forte, no caso do Rio Grande do Sul, é o próprio vestibular da UFRGS. Se, por um lado, o vestibular infelizmente pauta o ensino escolar, por outro lado, felizmente, a prova de literatura da Universidade Federal passou por uma grande transformação, e como vimos, em janeiro último, passou a ser uma prova muito mais direcionada a um leitor capaz de ler e interpretar o texto literário do que a um aluno que decorou a lição de casa. Para nós professores, no entanto, os argumentos mais importantes são os que se referem à capacidade de transformação pessoal que a literatura estabelece, a capacidade de senso crítico e, acima de tudo, o prazer que a leitura de um bom texto literário causa. O principal objetivo deste artigo é propor um método de trabalho para a disciplina de Literatura Brasileira com turmas de 1º ano do Ensino Médio. O ano escolhido foi o primeiro, pois é nessa série que o aluno tem o seu primeiro contato com uma disciplina que é toda dedicada à Literatura e tal contato é determinante para a relação que esse aluno vai estabelecer com o texto literário. Observei – em estágios que fiz e em escolas que trabalhei – que alguns programas da disciplina de Literatura indicam que o professor comece trabalhando com literatura do período colonial. Nesses programas, o primeiro contato do jovem leitor com um texto seria “A Carta de Pero Vaz de Caminha”. Acredito que esse não deve ser o primeiro texto exposto a alunos de 14 e 15 anos; a primeira atividade de leitura deve ser atraente. E essa é a questão. O objetivo do professor deve ser tornar o texto literário interessante e significativo ao jovem. Para isso, o professor deve lembrar-se de seu percurso como leitor, caso se esqueça disso cometerá grandes erros em sua relação com o aluno. É desse esquecimento, afinal, que advém crimes absurdos que professores cometem ao pedir que alunos de 1º ano leiam O Guarani, de José de Alencar ou até mesmo obras de Machado de Assis. O aluno de 1º ano talvez não esteja preparado para entender a complexidade dos romances de Machado de Assis e só vai ver disparidade no fato de o professor aclamá-lo como gênio, enquanto ele, aluno, não pode tirar significado daquela obra, pois as sutilezas e ironias da obra machadiana só irão ser mais bem aproveitadas pelo leitor que já tiver uma certa bagagem de leitura e, também, uma certa experiência de vida. Então a questão não é fazer o aluno ler um romance de Machado de Assis no 1º Ano, e sim torná-lo capaz de ler o autor em um outro momento de sua vida. Pode-se, entretanto, trabalhar com os contos ou crônicas desta grande mestre da literatura. Por outro lado, é importante destacar que não se trata de subestimar o aluno trabalhando com obras infanto-juvenil ou trabalhando com obras aclamadas mercadologicamente como Crepúsculo e Código Da Vinci. Defendo que o professor deva pensar em obras literárias canônicas, na falta de uma expressão melhor, e, ao mesmo tempo, obras que possam ser apreciadas pelos adolescentes que compõem uma turma inicial de Ensino Médio. Como um conto de Edgar Allan Poe, um conto de Rubem Fonseca ou a já citada obra O Apanhador no Campo de Centeio, de J. D. Salinger. A partir disso, proponho que no primeiro ano se faça um trabalho, inicialmente, focado em gêneros literários. O aluno será exposto a textos de diferentes gêneros, com foco no conto, no romance, na poesia e no teatro. A leitura e um debate prolongado dos textos devem vir em primeiro lugar, muito antes de qualquer exposição mais teórica ou histórica. O que o professor deve fazer é mediar o debate dos alunos, expondo nuances do texto literário que o jovem talvez não perceba sozinho. É importante que o professor faça um jogo duplo entre teorias materialistas da literatura e estética da recepção, no sentido de 1) mostrar ao estudante que a arte carrega a marca de seu período histórico, que nenhum texto literário está isolado da realidade, da sociedade e da história, e 2) deixar o aluno atualizar o texto literário, estimulá-lo a identificar pontos no texto que se refiram ao seu mundo, a sua atualidade, do contrário o texto dificilmente fará sentido para ele. Assim, ao trabalhar com o conto “A Mãe dos Monstros”, de Guy de Maupassant, ao professor cabe destacar que ali pode-se estar lendo alguma crítica à revolução industrial e pode haver alguma referência ao fato de se colocar o lucro acima das pessoas; mas o professor também deve deixar o aluno chegar às suas conclusões sobre como aquele conto pode estar falando, por exemplo, de padrões de beleza estabelecidos pela mídia hoje no século XXI. Ou seja, o texto literário tem de atingir o aluno! A partir dessas reflexões teóricas, apresenta-se, então, um programa de trabalho com literatura para turmas de 1º ano: Unidade 1 - O Conto (1º Trimestre) Edgar Allan Poe e as bases do conto O Gato Preto O Coração Denunciador Guy de Maupassant O Horla I A Mãe dos Monstros Álvares de Azevedo Johann A. P. Tchekhov e o conto russo A Morte do Funcionário Angústia, a quem confiar minha tristeza? Rubem Fonseca e o conto moderno brasileiro O Passeio Noturno I e II Machado de Assis Homem Célebre Unidade 2 – O Romance (2º Trimestre) Dom Quixote, O Cavaleiro da Triste Figura. Miguel de Cervantes. Adaptação de José Angeli. Editora Scipione. O Apanhador no Campo de Centeio – J. D. Salinger 1933 foi um Ano Ruim – John Fante UNIDADE 3 – POESIA (3º Trimestre) ● Mário Quintana ● Fernando Pessoa ● Álvares de Azevedo ● Cecília Meireles Sugestões de poesias para discussão: Eu, etiqueta (Carlos Drummond de Andrade) Poema da Buceta Cabeluda (Bráulio Tavares) UNIDADE 4 – As bases da literatura brasileira (3º Trimestre) Barroco O Renascimento (Pode-se falar do tema barroco a partir das pinturas da época) O conflito entre corpo e alma Gregório de Matos (trechos) Padre Antônio Vieira (trechos) Leitura integral de: O Autor da Barca do Inferno (Gil Vicente) Introdução ao Romantismo Frankenstein (Mary Shelley) No que diz respeito ao trabalho com contos – do primeiro trimestre – e considerando uma carga horária de um período por semana, sugere-se que um conto – de cada dupla de contos sugerida – seja sempre lido em sala de aula com os alunos. O professor poderá ler os contos em voz alta, e os alunos acompanharão a leitura a partir de suas cópias. Esse tipo de leitura, além de padronizar a velocidade com que todos irão ler, permite que o aluno possa apreciar esteticamente o texto literário através da performance do professor. E a própria performance do professor na hora da leitura terá, certamente, influência no interesse do aluno. Após a leitura do conto, em aula, segue-se um debate promovido pelo professor. O segundo conto deverá ser entregue aos alunos na mesma aula e deverá ser lido em casa. Sugere-se que dois alunos sejam escolhidos para abrir o debate sobre esses textos, questionando a narrativa, interpretando a leitura, enfim, pensando literatura. Além disso, é interessante que os alunos se familiarizem com os escritores, que possam pesquisar sobre suas vidas e obras, assim, talvez, interessando-se por algum aspecto que não foi discutido em aula. Consoante isso, o professor pode dividir a turma em grupos, com o objetivo de que cada grupo pesquise sobre os autores dos contos e apresente um trabalho sobre suas vidas e obras. O contos de Edgar Allan Poe, Guy de Maupassant, Álvares de Azevedo e Rubem Fonseca não foram escolhidos ao acaso. A temática de suspense que envolve esses contos, as mortes, o mistério, o sexo, a loucura, etc., são temáticas que em geral atraem os adolescentes. No entanto, como sabemos, os contos desses autores não se resumem à simples estética do horror. O subtexto por traz dessas obras deve ser trazido no debate em sala de aula. No que diz respeito ao trabalho com romances, pensa-se aqui que os alunos terão um mês para ler cada livro e que a leitura dos romances deve ser mediada e debatida assim como a leitura dos contos. Neste caso, a diferença reside no fato de que os alunos lerão os livros em casa e debaterão em aula. Cabe ao professor estabelecer metas de leitura e propor uma discussão dividida em partes, ou seja, o primeiro debate deve se referir as primeiras cinquenta páginas do livro, sendo que o segundo debate vai abranger até a página cem e assim por diante. Dessa forma, a leitura do aluno é mediada e acompanhada pelo professor que ajuda/ensina o aluno a desvendar e a significar o gênero romanesco. Com o trabalho com gêneros, o professor não fica restrito à literatura brasileira e isso permite um maior número de possíveis escolhas na hora de se pensar em obras com as quais os alunos tenham uma maior nível de identificação. E se o aluno gosta inicialmente dos textos que o professor leva, ele adquire maior confiança no professor e fica mais aberto e receptivo a textos literários que fujam do padrão policial, apresentado inicialmente. Assim, depois de um trimestre trabalhando com contos, pode ser que o aluno já esteja mais confiante e mais aberto à literatura. Passando à unidade quatro, uma vez que o trabalho com poesias pode seguir a mesma metodologia do trabalho com contos, podemos demarcar que no início do último trimestre o professor comece, então, a se dedicar a apresentar a literatura brasileira. No entanto, como o foco dessa metodologia de trabalho não está voltada aos períodos literários, o professor deve evitar um ensino panorâmico, no sentido de querer cobrir um período literário inteiro. O foco deve ser o texto literário. A partir disso, cabem algumas questões para reflexão. Será que vai realmente fazer falta para um aluno de 14, 15 anos ler os poemas de Cláudio Manoel da Costa ou de Tomas Antônio Gonzaga? Será que outras leituras não lhe proporcionariam mais em termos de suas formação como um leitor interessado no texto literário? Como um leitor que vê na literatura uma forma de conhecimento, de identificação e de crescimento? No último trimestre, como leituras obrigatórias, propõe-se o trabalho com a peça O Auto da Barca Do Inferno, que parece, devido a sua temática, ser interessante ao público destinado e, como obra introdutória do período romântico, sugere-se o clássico Frankenstein, da escritora inglesa Mary Shelley. O texto de Shelley atrai muito os jovens e é papel do professor mostrar as inúmeras leituras que se pode fazer desta obra, não apenas lendo-a como uma obra de terror, mas lendo-a como uma obra filosófica que reflete a angústia/surpresa do homem em relação aos assustadores avanços da ciência, que reflete a questão normativa da sociedade que vê horror no diferente e tenta padronizar tudo. Além disso, dentro de sua época, a discussão da obra pode levar à profícua retomada do “Mito do Bom Selvagem”, de Rousseau. Ou seja, mais uma vez, o professor pode trazer as questões históricas e sociais que “geraram” a obra e, ao mesmo tempo, atualizá-la, tornando-a mais significativa ao aluno. 1 Conclusão Este artigo se propôs a discutir a questão do ensino de literatura, mas nessa discussão almejou muito mais formular perguntas que desconstruam o ensino tradicional desta disciplina do que estabelecer respostas fixas ou soluções salvacionistas. No entanto, o principal objetivo centra-se na proposta de uma prática real de trabalho em sala de aula que possa ser efetivamente aplicada em turmas que estão entrando no ensino médio. A proposta aqui estabelecida foi posta em prática em uma escola particular de Porto Alegre, e os resultados foram satisfatórios. Nunca todos os alunos serão atingidos pela literatura, nunca todos os alunos serão atingidos por um professor, mas trabalhar o texto literário de forma que o estudante possa lê-lo com interesse e como um meio para um fim gerará resultados melhores do que um ensino mecânico, que não se centra na literatura em si e que a destitui de seu poder de reflexo (mimesis) e consequente transformação. Com a literatura como aliada, o aluno poderá ser capaz de desconstruir, de criticar, de pensar por si próprio e de ter o direto a ter acesso a um autoconhecimento cada vez mais raro em um mundo que impõe a ilusão de um estilo de vida enquanto disfarça a tragédia do desaparecimento da subjetividade. Por fim, para justificar o uso de literatura estrangeira num nível igual ou maior ao uso de literatura brasileira na proposta de trabalho aqui apresentada, cabe uma resposta que é ao mesmo tempo uma pergunta. Se o currículo da disciplina de História abrange tanto História do Brasil como História Geral, por ver importância no estudo geral da história para o senso crítico do aluno, para seu conhecimento de mundo, por que o currículo de Literatura Brasileira mantém-se focado somente em Literatura Nacional? Por que não mudamos o nome da disciplina para “Literatura” apenas, acrescentando obras de outras nações e assim expondo o aluno a um patrimônio literário que não lhe é mais tão acessível devido ao bombardeamento da literatura de massas? REFERÊNCIAS BRASIL. Orientações curriculares para o ensino médio. Brasília: 2006. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf>. BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: Língua portuguesa. Brasília, 1997. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf. CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: ______. Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul. São Paulo: Duas Cidades, 2004. HESSE, Herman. Demian. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1973.
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