2 - Gentes de Loriga

Transcrição

2 - Gentes de Loriga
Loriga -
ANOJ
POR
Dezembro de 1949
N.0 10
.'.\:~~~ll\}11~~
TUDO
E
A BEM
DE
LORIGA
'~ '); , :)i;;~J!!
POR
TODOS
EDITOR: José Luís de Pina - LORIGA
E DA
-
REGIAO
D!RECTOR E PROPRJETÁRIO: Dr. Carlos Leitão Bastos
11
R.
Morqu~s
do Frontelrcr, 84-1.0 -
ADMINISTRADOR: Atmanào Leitão - LORJGA
Lisboa
li
REDACJ'OR: 'Eng. Emílio Leitão :Paulo LORIGA
COMP. E tMPRESSO: •União Grál.lca• - R. Senta Marta, 48 - Lisboa
*
Santo entre os mais Santos!
Encerram-se as aulas, e o aluno regresso à
cosa paterna. A fábrica e a oficina fecha as
sua:s portas, e o operário recolhe-se, alegre,
nessa oficina de almas, iluminada por um sol
mais .brilhante e aquecida por um fogo mais
ardente - a família.
·
O trabalhador simples e rude do campo
trouxe de véspera, sobra os ombros castigados
por duro e ingrato labor, um cepo mais pesado
de velha árvore que morreu, uma ac.'la a mais
para aquela Santa Noite, pois Iode a casa está
na cozinha ... Em volla da lareira se reune toda
a família: a mulher dedicada que deita e volta a mossa de trigo no azelle que ferve o can·
tar no serlã de barro; os filhinhos à espera da
filhó e aguardando que o Deus-Menino baixe
do Céu, a colocar a prendo no :sapato PQslo
na chaminé ...
Até se interrompem as Grandes Assembla!os
Internacionais; e sesses dias não se pronunciarão tantas palavras de mentira, vomitadas pelo
ódio e pelo ambição ...
O mrmdo suspende a sua marcha por um
mom-ento. e a Terra inteira comemora esta data
festiva e solene, o Grande Dia da História da
Humanidade:
Natal! Natal!
Nasceu Jesus,
Filho de Deus e da Virgem,
e Nosso Irmão!
Dia
• • •
Haverá alguém, por ventura, que não recorde o Natal?!
O sem-Deus!. ..
O sem-Família! ...
O pagão · que adora todos os ídolos, mas,
ceguinho, não conhece o Verdadeiro Deus .. _
não tem Natal! . . .
, t
O materialista, que nega o esp1n!o, a alma,
q Fé e a Crença no Redentor do Mundo ... não
tem Natal!._.
O homem anirnal - «anirilalis hommo>, o
bruto que merqulha no lodo, que só lem carne
e não tem alma, que proclama o amor livre,
para satisfazer todos os instintos, e que não
conhece o casa, a mulher e os filhos ... não tem,
não podia ter Natoli ...
• • •
A. meia-no.i!e daquela noite foi meio-dia para todo o Mundo! E não há ninguém, mesmo
o sem-Deus e o sem-Família que não ouça a
ferir-lhe o ouvido e a bater-lhe no coração a
palavra que diz tudo, que resume todo o Livro
da História do Mundo:
Natal ! Natal!
Ouem é capaz de suprimir esta data d o
calendário?
Nem todos os -perseguidores de todos os tempos, porque Crislo a escreveu no coraç?o êe
cada crente(
Natal! Cristianismo! Igreja! Palavras e realidades divinas, com sabor ·a Eternidade!
..
~
Natal! Festa de Família!
Nesse dia, mil vezes · bendilo, parece que a
caso é pequenina para a todos conter: vêm
de longe e de perto, os que podem. Os querídos
ausentes marcam a sua presença enviando
cumprimentos, que nesse dia nunca esquecem.
Até os mortos são mais. lembrados ... Até os
pobrezinhos sentem menos frio e mais calor...
Há sempre quem encontre uma peça de roupa
nova ou usada que vai agasalhar membros regelados ... é rnais abundante, mais quente, mais
saborosa a sopa que se reparte com o necessitado que nos bate porla ...
e
• * .,
ó homem! Porque não vives em cada dia
da tua vida o Natal?! Não ouves o cantar dos
Anjos anunciando a Grande Aleg:ia. promeiendo a Paz, a Felicidade, a todos os homens
de boa vontade?!
·
Se Iodas as ideias más se esquecem nesse
dia, se todos os ódios aos pés se calcam. se
todos nos sentimos mais felizes, porque mais
Irmãos, porque não viver o Natal em cada dia
desta triste vida?!
* • •
Eu compreendo, m<IS os Grandes Responsáveis teimam em querer ignorar.
Não pode haver Família, nem Paz e Felicidade. no Lar, sem Cristo; não podem os Povos,
a grande Família Humana, viver em harmonia,
sem Cristo: Ele é a Verdade, a Justiça, o Amor!
Natal - nãó é uma palavra vazia da sentido. Cristianismo - não é somente uma doutrina, a mais sublime embora; é Vidol E o homem de hoje procura a morte_..
*' * -
Não esqueças: Cristo, o Grande Revolucionário, veio remir o homem todo e todos os homens. Veio curar: as chagas do corpo e as cha-.
gas da cima; trouxe a Justiça e o Amor à Terra, e se não vivermos em Justiça e Amor para
com Deus e para oom os nossos irmã.os, a Redenção não se -operará, e o Mundo será um
inferno de desordem, um mar de sangue ...
O filho de Deus não deixou o seio do Pai
para vir pas$ear à Terra ... Revestiu-se de ncrtureza humana e fez-se nosso Irmão para elevar
o homem, aiudando-o a escalar as alturas! Veio
rasgar as trevas e ressuscitar o Mundo, que
estava morto! «Mas as trevas não compreenderam a Luz e o Mundo não O conheceu e os
seus não O receberam»!
Se nos proclamamos discípulos, se somos
Filhos da Luz, porque ·fechamos os olhos e deixamos apodrecer o coracão?I
Temos de «dar testemunho do Luz• para
que todos os olhos se abram à. Verdade e as
trevas se dissipem; temos de salgar a Terra
para que toda a carne se não corrompa ...
LUZ E SOL! .. .
Anda o ódio a pegar o fogo à terra , porque
nós. cristãos que já não somos, não abrazamos
o Mundo em labaredas de Amor!
Levantou-se no horizonte tenebroso do oriente uma estrela... cadenle, mos o seu brilho momentâneo, com revérberos de clarões infernais,
cegou muitos olhos qu~ desejam ver a Luz ...
(Cont1nuo na pó9. 3)
DEZEMBR0 -194!
A· NEVE
2
DEFENDENDO O
CULTO
A
DE
NOSSA
SENHORA
Sabei-lo Vós, conterrâneos da velha G1:1arda, de·
quanto prestígio gozou a N .• Sr.• da Guia pela· nos•
s:Í querida Beira e, não ignorais, também, que e:s.e
prestígio não fora conquistado à sombra de arra1a1s
- como o Sr. Gonçalves da Silva pretende-: mas
sim; à custa do abnegado esforço cristão quase he·
tóico, dos loriguenses nosso Avós!
Impõe a justiça que demonstra aos leitores de (<A
Neve» que, quanto ao que aqui escrevi., foi o amor
pelo divino, sempre a bem da minha terra que me
obrigou a acentuar a necessidade de ver restaurado
aquilo que contribuirá para o seu engrandecimento.
A crítica, quase imparcial e sincera, é sempre admissível porque visa esclarecer, corrigir, mas, quan•
do feita a nosso bom modo. cai-se por vezes no erro.
por só vermos aquilo que muito bem nos parece.
O Sr. .Gonçalves da Silva errou o alvo ao conce·
ber que fora necessár.io ·.imprimir à sua romaria o
espírito cristão que se perdera .no andar dos t~m­
pos. Perder-se-há, sim, se não se enveredar por outro
caminho...
.· Após comentários históricos vistos _parcialmente.
exemplifica que as romarias de «A e 'B>i acabavam
· sempre _com ,vítimas ·a· caminho dos cemitérios, das
-cadeias, dos hospitais. etc. .Mas permita-se-me. uma
.análise: Se as r~marias ao tempo•.
V. terra., eram
um bacanal ·de inferno e se se pratica tudo quanto
de mais ignóbil pode existir, teremos de deduzir,
!Ogicamente, que por muito grande que fosse a campanha da Acção Católica contra esse estado de coisas. seria impossível recristianizar tantos e tantos ...
Estou certo de que. ontem como hó"je. o Nlinho foi
sempre o expoente máximo do catolicismo português. Se é necessário vermos os factos à luz da his·
tória, a fim de não cairmos nos mesmos erros, não é
menos verdade que a religião é acompanhada pelo
todo de uma civilização e nunca no seu pormenor.
Quando afirmei que o loriguense antigo não era
na
................ _.............-....----·-.. .
DA.
6UIA
..
menos crente do que o actual. estava vendo a pequena igreja de Loriga, já múito velhinha, construída e reconstruída pelos muitos poucos de ontem
mas que é aindã: a única .de que dispomos para os
muitos de hoje; v ira também o coreto da sua ermida,
a criação da nossa Band.i, uma cruz de prata para a
Paróquia e ainda a construção de quatro chafarizes
dos quais muito Loriga beneficiou. Tudo isto foi
possível. com.o? À luz d.a v~r~dcira , .f§. ci:\~~~: Os
arraia1s de então não os inibiram de bem-fazer.
Os loriguenses de outrora foram possuidores de
uma fé que nos legaram e, a n6s - homens de hoje
- impõe~se•nos o dever de não os olvidar. de lh~
seguir .o exemplo.
~orque diz o apóstolo S. T iago que «a fé sem
obras•.esfá .rnprta ·em ·si mesma» eis porque desejo ver
rêstáurada uma tradição que s~ i~põe . a olhos vistos:
· Vós· não tendes ·saudades · pelas i:omarias doutros
temp,os,- dizeis.· Pelo;.có'.ntrário... n~s · ten:ios saudades
das .. nossas romarias, porque vimos nelas sempre. e
acima de tudo 0 verdadeiro espírito cristão e admitirriqs a· teoria que a A. C. prega no Século xx·que
para-' se ser bom católico não é·necessario anda.r com
os olhos fixos ·no chão.
.
Assim como OS · arquitcctos dos nossos dias concebe~ o estilo ccà antiga pórtugu~a» adoptando-o
ao 'coiµorto e requisitos modernos. dando-lhe. po
rém. ·o . carácter e· a riquéza do seu primitivismo•
também às entidades religiosas pod~rão permitir se
efed:uem as romarias, · imprimindo-lhes. a disciplil).à e
a. ordem que mandam ' as r~ras da mciral.
.. .
festa horâeita e digna com a v erdadeira
fé. é · pelo que -todos ambic~onainos. Não sou apôlogist.a absolutp dos folguedos mas também não con
cebo <iue se .iniba ao nosso simples e bom povo de
exteriorizar a sua alegria nas romarias.
•,
3.º ALMOÇO DE tONFRATERNIZA~ÃO
DA
FAMÍLIA LORI6~ENSE
À semelbança dos anos anteriores, realiza-se
no próximo mês de Março, em dia a fixar opor·
tunamente, em Lisboa, mais uma reunião da
fa mília loriguense. que se propõe dar contini.Ú·
da de àquele estreitamento de relações, en:i· a~'
biente e fraternidade e união, em boa hora in1'
CI ado .
Ninguém pode negar o alto significado di:sta
festa familiar, em q ue aqueles que dispersos ries·
ta cidade enorme em luta pela Vida, e afasta·
dos por esse motivo do lar que os viu nasce!•
se unem, para ao menos num dia Teviyerern ª
su a i~ânc~a junto daqueles que com eles pri"a·
ram no altar da. Terra que os viu nascer.
Neste "dia ;...... .verdadeiro Natal da f~mília lo·
n guense - todos ·~omos irmãos e estamos ali,
p ara· nos .'sentkm~s mais perto da nossa Terra•
p ara afirmarmos que somos uma força. consti·
t uída em bloco uno, indivisível e indestrutível.
c oro quem Loriga pode contar para tudo que en·
V olva progresso e bem estar dos nossos conter·
r âneos.
E porque assim é, quiz a Comissão deste lllmoço que a sua data coincidisse com a do 1.º
Aniversário do nos~o jornal, à volta do qual to·
dos nos devíamos unir. para assim marcharmos
.
.
Uma
.
((
"
GANDO NOVOS HORlZONTESn uTUDO PA·
RA BEM DE LORlGA11 .
Os tempos que correm não permitirão por cer:.
t o que se assodem à nossa festa. muitos JoS
conterrâneos. que vivem em Loriga, ou meihor
t antos quanto seria nosso desejo vê-los cá, rna.s
estamos certos que no próximo mês de Março•
veremos co.nfraternÍzar Utn maior número de }origuenses, do que aqueles que se têm associado
a reuniões passadas, que com tanto brilho têm
decorrido.
Fazemos o aviso e o apelo, a tempo, para
que todos, e em especial a nossa colónia de Sacavém. se possam ir preparando, para o dia que
ansiosamen.t e aguardamos. Esperamos que to'dos
estejam dispostos a fazer este pequeno sacrifício.
para que bem alto se erga, em Lisboa, a uniãô ·
que deveria militar na nossa Terra.
· As inscrições aceitam-se desde já, ·na nossa
Administração.
•
Estão entre nós os nossos amigos e conterraneos António Lemos Leitão e António Cabral
Leitão. ·
António Gonçalves da Cruz
--··-·---~
.....--10.:. . . ----------..
COlééio DR. SIMÕES PEREIRA
SEIA
\,
eurso 6eral · dos Liceus
Estão abertas as matrículas.
Dá inlormnções : DR. JOSÉ NENBS PEREIRA - Telel 39 e 47 - SEIA
Resultados obtidos pelos alunos propostos a exame no
corrente ano:
,.,
2.º . ANO DO LICEU
. ..
Edite da Silva N.e ves - S. Romão
. . . 13 valores
11
))
2 - Fernando Mota Veiga-·- Seia .. .
3 - Horácio Miranda - Seia . .. . . .. . .
16 (distinto)
4 - João Luís Frade Sousa Gomes - Lisboa . .. 10 valores
))
. 5 - Maria Emília Frias de Oliveira Martins - Seia 13
6 - Maria Fernanda Gonçalves do$ Santos - Seia 15
»
7 - Maria Marques d a Cruz - Sabugl;leiro ... \ 1
Yl
8 - Sisnândo Conceicão Oliveira da Silva- S.
Romão .. ..... .. ~- ............. . .. · ....... . . 1 1
))
1-
A CAMINHO DE NOVOS RUi\·105. RAS·
1
5.0 ANO
1 -Antón io d a Motâ Veiga Casal Simões de
Pina - Sandomil .. . .. . . .. . .. . . . .. . . . . . . . 11 valores
2 - António Pedro Baptista. Ribeiro é:la· Si lva $ . Romão . ..
. . . . . . .. . . . . . . .
11
»
3 - Isabel .Maria Mendes Saraiva - Seia . . . . . . 13·
»
4 - João Melo Dias Mota Veiga - Seia . .. . .. . .. 13
»
5 - Jorge Cardoso Marques dos Santos - Seia 12
»
6 - Maria Lucinda Costa Ferreira - Folhadosa 12
»
7 - Manuel dos Reis Fonseca - S. Romão
li »
8 - Jorge da Costa Santos - Quintela . . . . . . . . . 12
»
9 - Maria Zelia Sena Mendes Liz - Seia . .. . . . · l O
»
N. B. - Não ficou reprovado nenhum dos alunos propos!o5
a exame.
e;::
1
t
.., .........., ........ ·- ---..---------------.....------------- '""""--.
O último número de • A NEVE. caiu tão bern no co'
ração dos loriguenses. que reina l\eles granàe ansiedade pe'
las p róximas férias de Verão • .a fim de irem até aí, para
ver ·e crer· como S. Tomé. ..
•
Está de parabéns a direcção de "A Neve» que
reali<bde a uma das velhas aspirações de Loriga: a 5
sistência.
.
..
e
A nova geração está marcando posição de destaqll
e ox:!lá não d esfaleça nos seus elevados propósitos e <!~: ­
todos saibam compreender - neste munào por vezes
retrógradas - o grande ;olcance social desta Obra.
.
Daqui felié.tamos também a big."'• Junta de Fregue~ 1 ª;
por t.star dando solução ao problema d01i esgotos e,
fim, ampliamos os no.sso votos para que. o Ex.mo Sr. f• ·
António Melo, Dig.mo Presidente do nosso Concelho - :
qual depositamos a maior confiança, quanto :i.os d~!nos af2
nossa Terra - conceda a Loriga a verba necessana P
o calcetamento da rua principal.
.
.......
-
b.
DEZEMBRO -
AN~
1949
3
Natal! Natal!
(Conlin;.1oçôo do J.• pó9ino)
Sonho e Sauddde
Criança
Eu tive o utrora tão lindos sonhos!. ..
Sonhos tão belos de criancinha
Que nasce e cresce n'aldeiazinha
De aves ouvindo cantos risonhos.
Ouando te veio sorrir. p'ra mim, criança ...
Fujo à carícia do leu olhar de arconi Ó,
Em que matei, p'ra sempre , toda a esperança
E em tormentos louco~ me confranjo.
Crescem os frutos na Primavera,
A vida muda e eu a brincar ...
Olhando o mundo, sempre a cant.-ir,
Doces esperanças minh 'alma gera.
Teus olhos magoados .. . p eque nina . ..
já me fiíaram um dia c-0m fervor,
Mas eu apaguei neles , o brilho, a cor,
Toda a lua candura de menina .
De Julho o C<1lor, quase sufocante,
Excita em mim o virus ela. idade,
Vindo tninh'alma dormente acordar.
.
'
E desse sonho, que é já tão distante
Sinto, sômeote, a grande saudade
De não mais poder dormir e sonhar ...
E quando veio teus lábios vlrginais,
Em que ninguém, ninguém deixou jamais
Um sopro de amor, uma lembrança ...
Tenho remorsos dos beijos que te dei,
De tanto, ianto amor que te Jurei
Porque me chamas agora lu criançol
MA GRELO
OLGA
UM <CONTO?aaa
·Um conto lhe chamo eu, para não dar nas vistas.
Mas tu, lci~or. 2tenta no caso veridico que vou con.tar. Peço não ·m e interrompas, não vá perder o fio
à meada.
Lernbras-te de ·Maria das Dores? Não te recordas?
Eu digo quem era.
Alta, magr:i, cabelo preto, olhos de luz mortiça
que um mar de lágrimas a -pouco e pouco extinguiu,
sempre enrbrulhada no chaile preto . para ocultar a
blusa' rota. Assim se :i.presentava eTl'l pt'1btrco. cada
vez -que necessitava de. de.~aba<fa:r com 1Deus, ou aquecer o túmulo do seu querido Luís, levado por mãos
.angelicais -0ito dias após o nascimento.
Não sabias que havia sido mãe? 011ve que é interessante, podendo servir de exemplo par,1 casos Í11- t11ro5.
Maria das Dores ti'n1ha dezoito anos. Obediente a
sua mãe, cresceu com a alegria nos lábios, até que a
morte Lhe levou a autora de seus dias. Sem ninguém
nem fortuna., pediu emprego .n uma .fábrica. O patrão condocu-se qa po'bre orfã dando-lhe algo que fa,
zer. Assim passou tres anos, de casa para a ,fábrica -e
da fábrica para -casa.
Chegou o verão, e com de uma fam ília que todos os anos •vinha matar <!audades à terra <1ue a viu
nascer. Servia-lhe de criada a menina Glóriâ. Como
se modificou num ano passado na capital! .. . O rolo
do cabe.lo desapareceu para dilr lugar a uma perma·
nente. Ao vestido de lã sucedeu um de cllita. Os
tôlcões dos sapatos suqiram. A cor t;igueira desapa•
receu.
A capital começou a su.'l~ir à cabeça das raparigas. Então, com as belezas e prodígios que a Glorinha contava, maior era a loucura.
Maria das Dores, entusiasmada com Lisboa, passava as .n oites .a ·sonh ar. ·Na farbricà o harulho das
máqunas lembrava-Johe o ruído dos taxís. A vida da
nos.sa terra não passava de um cativeiro.
Sem dizer adeus :foi-se embora, a caminho da
qpitaL A viagem acidentada e longa, não a descre,
vo, .não vão . d uvidar da veracidade desta história.
Oculto também as diversas imp~essõcs pelas quais
Maria das Dores :foi assediad\l.
·Passado bastante te'mpo, ·v amos encontrá-la debruçada, alvando o sobradq dum es<ritório. Quantas
lágrimas lhe ajudaram a lavar aquelas :negras tábu2s?... Quanta 1fome não passou para arranjar tão
negro calvário? .. . .Lisboa ter-se-ia transformado num
jnferno vivo. se não fora a corte que um r.ipaz Jhe
dispensou. Tão simpático, tão belo, tão elegante!. ..
Pedia-lhe namoro, acedeu. Era o despontar de sua
primeira paixão.
IDe início. não .passavam de ·b eijos trocados às
ocul tas, os sentimentos daquele amor carnal para um.
·Platónico para outro. Combinaram passeios, aguardados sempre com viva impaciência.
Após um desses passeios, •Maria das O-Ores retomou o caminho de <:asa, um pouco apressada. Deitou-se na cama a 'Chorar sua desventura. Mil pen~a­
. tnentos lhe acometeram o céreibr'o, mas todos eles
çonvergiam pa·r a a saudosa memória de sua mãe.
E assim decorreram horas e horas, desfiando o
rosário .lacrimogéneo. Já de madrugada uma ideia salvadora lhe secou as .fontes orbitárias. Um pouco reconciliada com a negra sorte, ·foi para a janela, ver
.sepultar no oceano, aquela noite, a primeira em sua
vida.
À hora marcada, não ·faltou ao encontro, para co·
municar a ídcia salvadora que sua mágoa profunda
descortinara.
Depois ae relatada a noite angustiosa que lhe
gravou .no rosto tão :profundas ol1heíras, acrescentou :
- Uma ·única solução viável se nos depara: Tratar dos papéis quan to antes a fim de legalizarmos
nossa situação,
- Que importa - retorquiu ele ---' viver à mar.gem de todas as leis se apenas uma nos convém a dos nossos corações?
-iMas essa não satisfaz minha consciência religiosa, nem tão pouco seria suficiente para impedir
olhares de repulsa que a 5<><:Íedade deitaria sobre nós.
Além disso, se cm mim se desenvolver o protesto de
nos!os amores. queres ve-lo cabisbaixo, por culpas
que só nós cometemos?
Anda, fala. Repugna-te a nossa união?
. -Maria das Dores, impossível pensar cm casar.
Pa;xâo maior e mais antiga é a que dedico a outra
mulher, mãe de meus :fi}hos.
!Maria das !Dores não conseguiu articular palavra.
Apertou-se-1-he um nó na gargan ta, e as lágrima'S
nul'I4t correria doida, 'Pareciam querer transformar
em oceano, a pequen~ distância que os separava-.
.Sem quJllquer gesto de de.spedida, afastou-se daque·
le monstro entregue à satisfação animalesca que a
lanÇou··na desgraça.
·Foi a. 1casa, n1etcu a roupa :na mala e .partiu a
caminho da terra que lhe serviu de her~o. 'Só então
icompreendeu que permanentes, meias de seda. sapatos de salto alto, vestidos de chita, etc .. eram lu.:xos que lhe podiam servir, mas não pelo preço que
vulgarmente custam.
Assim que chegou, tomou a direcção de casa, onde
· foi encontrar maior tristeza que dantes. Definhava
a cada moment<>. Ainda tentou reagir quando percebeu que suas entranhas geravam -um novo iser. Em.penhou as q uatro paredes, mas a tísica que a consumia, ia dev<>rando a pouco e pouco sua .presa, que
jorrava sangue quando a tosse convulsa e pertur~
bav;i.. Chegou o ardente Julho e com ele mais uma
boca naquela casa. Mas. infeliz bambino, morreu oito
'
dias após o nascimento.
A dor daquela que o infeliz destino propuzera
.para sofrer. era tão intensa que 'bem poucas mães
podem avaliar. Oh! negra sorte! Seres tanto infeliz!
Deixa-os sonhar suas poucas ielicidades. ..
As pouos vezes que saiu, er:i.m someo~e para ·de.sa.<bafar com Deus ou para visitar o iseu querido filhito.
Caíu na o.ma, para .nunca mais se levantar. Momentos antes de expirar :iinda balbuciou:
.-Se foras viva ... iMãe, ·perdoa tua filha...
Per...do . .. a •
MANUEL 1.EMOS LEITÃO
B::rsta o Sangue e a Morte d e Cristo-Deus
paro r.asgcctar todos o s homens e salvar mil
lv1undos!
...E. nós continuamos a e nsanguentar a Te rra, escraviscnd o o homem derramando sangue
.
. l
inocente
....
Há prenúncios de aurora, clarid a des divinas
para as bandas do Oriente.
Em Belém nasceu Jesus!
Sobre a mangedoira em que Sua Mã e O reclinou, - porque os homens O nõo receberam -, incidem raios brilhan tes do Estrela que
cintila no firmamento e ncs aponta o Presépio.
Simples e de a lma lavada como os pastores,
fiéis, decididos e generosos como os magos, le- ·
vanlemo-nos, vamos a Caminho!
Só aquela Luz pode iluminar de verdade
todas as veredas tortuosas dçr vida ... Só aquele
Amor pode ainda aquecer o coração gelado do
homem e salvar a Terra, trazendo ao mundo o
reinado da Justiça e da Caridade.
Vamos 'ºdos cantor Natal! Vamos tod os viver o Natal!
(Conf!nuaçõo da p6qin a
6/
O «Inteligente)) manda tocar novo sinal e do
cu~ro saem 6 ou 7 cabrestos. Estes conhece-os ele
bem. Sabe que dali não v.e m mal nenhum e não
se admira por o touro os seguir, com docilidade,
sob ª. orientação de dois campinos que, de pampilho
em nste, .os lança para dentro do curro.
O borborinho na praça torna-se mais sereno e o
nosso Zé aprovc~ta para ouvir o velho de grandes
barba~, que, pac1i:ntemente. responde às perguntas
do rn1udo que agita o lcn)o. em repetidos Olés.
- A líde, Necas, agora é de outr;i m;meira. Vão
entrar os matadores que todo o Mundo C'onhec:e por
<cespaàasi).
O Zé deixa de ouvir o velho para só ver o tal
homem de trages de oiro que lança o <a.pote com
gra.ciosidade desenhando no ar vistosas combinações
em que se envolve touro e to11reiro. Esbogalha os
o~hos porque o toureiro lanç.'! a capa pelas costas e
fica mesmo em frente d? touro. O coração bate-lhe
apressado e quando o touro investe, a capa abre-se
long~mente como cobrindo o animal. Enraivecido.
o animal volta-se e a capa, suavemente, vai atraindo
os cornos do bicho, permitindo que o toureiro rode
sobre si mesmo, pera~te um formidável uOlé», gritado por aquela multidão desvairada.
O Z~ do Av.enal sente fugir-lhe o s.-ingue das
faces. Nao acredita no q\le vê. O tal homem dos
trag7s ~ue luzem, v.ira as costas ao touro, olha para
o publico, com o bicho muito quieto a duas braças
do homem. Pensa ·n o enorme poder que terá aquele
homem. pa.ra fazer assim parar uma rez brava.
As 1de1as acotovelam-se no espírito do Zé.
. O espada pega em dois ferros - os tais paus
pmtados. Lança o desafio ao touro e, em correria
louca, touro e toureiro encontram-se para que 0 animal receba os fe~ros, - as bandarilhas - pregados
s~m que ~ Zé saiba como aquilo foi. Nasce nele um
vivo. ~eseJo de fazer o mesmo com um bezerro do
Joaqmm da Horta.
A multid~o aplaude. O Zé não sabe que fazer'.
Pensa .no T otno do T eixeiro, no Xico da Ermida e
no Abílio da Regada que se ufanam de :valentões:
Qu~ndo chegar ao Casal vai contar•Jhes aquilo
q.u~ viu e apos~rá três copos d a «rija)) que ele,
so~1nho, será capaz de alll.lnsar o toiro do Zé La,
pe1ro que já partiu as costelas de todos eles . ..
ARMANDO LElT ÁO
COMUNICAÇÃO
JOSÉ MENDES LOPES, proprietário do BAR
LIDO - Çoimbra, comunica aos seus estimados
clientes e amigos que encerrméc o seu estabelecimnto, durante os meses de Dezembro, Janeiro e Fevereiro. próximos, reabrindo-o no dia I
de Março. Durante aquele período residirá em
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A NEVE
DEZEMBRO'-· 1949
A MúSIC)\. E A· POESIA NA ALMA DO POVO
Quando Deus criou o homem e a este foi dado contemplar o seu Criador com toda a sua. ma.jestade e omnipotência; outra coisa rião podia
ter 'feito, pois nada nlais possuía ou estava ao seu
alcance, senão elevar o seu espírito e. em êxtase, cantar as glória de Deus no maior preito de
humilde gratidão.
A poesia, sendo a elevação do espírito para
o mais alto, 11asceu portanto com o homem naquele momento sublime .da criação; e com ela a
música . será irmã gemea, que entre si se completam. Portanto, o homem que não encerra dentro
de si música e poesia, é um se.r incompleto. anormal. Oiçamos o que nos diz: a propósito, Shakespeare; uO homem· que em si não tein música,
ou que · não · for comovido pela· harmonia dos
sons; ·e stá apto para as traições; para· os estratagemas e párâ ós latrdcínios. .
.; .
Os movimentos do seu espírito são surdos como a noi'te' as suas afeições 'tenebrosas como o
Erobo. Não vos deveis confiar nunca a· un1 tal
homemn.
Incutamos à juventude o amor pela, ia a dizer divina arte dos sons e da poesia, certos que·
a encaminharemos pelo rumo do mais alto, ·do
mais belo. A paixão pelas artes celestes, cultiva
e afina a nossa sensibilidade, torna-nos' mais independentes da matéria ·neste mundo cada vez
mais envilecido, e aproxima-nos mais do apogeu das grandezas do espírito.
Já Platão. exigia que os mancebos da sua república fossem educados ppr bons poetas e artistas, para que entre músícá e poesia tudo os levas~e desde a infância a imitar e a arriar o beio.
Se 'quere~os ter uma sociedade de amanhã inenos perver;sa do que a actUal, .menos ·a:ganada a
questiúnculas . terrenas, ensinernos aos . jovens . a
viverem a arte e a amar o que é ver'dadeira~entc belo, a admirar ti.ido o q~e a rodeia, desde ·O rumorejar das fontes até ao estrondo do
trovão. '
'
O homem só é verdadeiramente rico, quando
sabe amar toda a obra do Criador.
Senão dizei-me: A quem dá maior felicidade
aquela formosa colina ou aquele vale cheio de
beleza, povoado de .árvores altaneiras sacudindo
0 .S séUS ramos com a brisa .matÍnal numa manhã
primaveril, onde as avezinhas dão ~aças a Deus
com os seus gorgeios? Aos seus a~aros propríetários, cuja única, const~nte e aflitiva preocupação é fazer cre.scer o' monte. do · seu vil metal
mesmo que · para )sso seja ne.c essário recorrer à
desonra e ao crime. ou ao pintor que, em êxtase,
conternpi'a as maravilhas da natureza e na tela
cria a obra que o imortaliza, ao poeta 9U músico
que por ent.r e a folhagem espreita o luar lindo
duma noite calma. escutam o que lhes diz o regalo de águas cristalinas no seu murmúrio, as
avezinhas . no seu chilreio em busca de inspiração, ou ainda ao pobre v.i andante ·que, · com a
paz na conscíência. descansa das suas fadigas e
se .deleita com a i;ombra duma . árvore?.
São. estes sem dúvida os seus verdadeiros possuidores.
* *
*
Loriga é uma terra das mais ricas e.m recordações folclóricas. Pena é que se vá deixando
morr~r·. o que de mais belo têm os povos: A. sua
poesia~ as suas canções, 0 s seus costumes .. cris-·
tãos, as suas· lendas,.. t.u do, enfim ,' o que de espiritual eles possuem. Já vai longe o tempo em
que todos os Domingos era dia de festa, em que
a mocidade e até os mai$ idosos se refaziam das
lides da sen1ana cantando, bailando. dando largas à sua sã vivacidade juvenil que os cara·ctenzava.
As romarias. eram .esperadas com ansiedade.
porque elas eram o fulcro das suas alegrias. ·
Alastra pelo país uma onda para o reaportuguesamento da raça, isto é, pa.ra restituir ao povo o que era seu e vai deixando perder; O seu
folclore, e tudo aqt:1ilo que ó torna realmente
portugu~s. (\.1as... Porque te deixas e~vilecer ó
povo? Pelas · dificulclades sempre c~escentes da
hora que passa? 'l\1as não será na pobreza que
reside a verdadeira poesia? Não viveste oul-rora
horas tambêm amargas? Não haverá poesia taml;>ém para exprimir a' dor que nos vai na álma?
A vida só ' tem sentido quando se vive e ·não
se vegeta, isto é, quando há poesia.
.
Foi inspirados nestes sentimentos poéticos
que os nossos antepassados criaram a sociedade
musical que na nossa terra existe, ~a· qual puseram todo o seu amor com v.e rdadeira compreensão do seu valor para o engrandecimento
da sua terra natal.
·
Saibamos nós também seguir o seu exemplo,
ser os briosos continuadores dessa obra q ue eles
tanto estremeceram para aue continue a honrar
lá longe, cada vez mais, ~ nome de Loriga, e
· s~ja viveiro de amante da arte das artes para
. bem e!>piritual da nossa terra.
A. P ,. Ascensão
Ouunto.muis conhe~o os boJDens mais gosto dos ~ues
'
Este ditado embora muito ,deprimente para
OS homens' tem mesmo entre eJes grandes e Cj'l•
tusiastas defensores: Todos. aqueles que dos
Seus semelhantes têm recebido ' ingratidões que
nunca nenhum cão sé atreveria a praticar. Vem
isto a propósito de U'l'Tl ' cão que existia em certa
casa da nossa 'Beira; em casa onde havia um
morgado tratado. com todo o mimo e tinha a
sua graça quaiido um e outro se entretinham em
brincadeiras inocentes. Raro era o dia em que
:o ·-·Tónecas Môrgado, simpático traquinas, nã9
se sentasse à soleii:a · da: porta; em brincadeira
com o Tejo, carp'ulento cão, como todos os da
raça que abunda na i:iossa Serra ·da Estreia. O
T onecas e o Tejo tornàram-se amigos ins'eparáveis, e tanto assim que depois da entrada na
idade escola~· ainda o Tejo acompanh~va diàtiamente à·escola: E tão afeiçoado era cão ao
filho do seu dono, que enxotado da escola, aguar~
dava cá fora
tão
. o encenamento
..
. .... .das aulas
..
. . calmamente e com tanta pac1enc1a como se estivesse de' castigo. E a não ~er atraído pel~· olfato. ou
t:>elo instinto, coisa alguma o faria arredar dali.
Te~minadas as aulas o Tonecas e 1 0 · Tejo, ·lá
vinham pela rua fora em direcção à quint~. E~­
ta . amiZa.de durou, ·e toda . a gente os conhecia
a ambos. Um dia, porém, o seu amigo. Tonecas adoec~u e 0 cão que não queria ~b~ndonar
o leito dele, tinha de ser cor.rido pelos pais de
l'oneca. De tal maneira a doença se · agravou
q?~ dentro em pouco a mórte chamou a si o sim'Pahco T onecas. Pois no dia do' funeral de tão
saudoso traquinas toda a gente viu. o Tejo ao
o
.
.
. lado da peq~ena urna, e admir~do ficou o dono
quando disso te ve conhecimento, por estar convencido que o tinha bem fechado em casa própria, pelo movirq.ento que a sua casa registavEJ.
nesse dia. Fechado e bem, mas o instinto do
animal, anunciou-lhe a morte do seu grande
ami~o . .e então, .depois de grandes esforces. ~on­
seguiu soltar-se . da prisão indo akan.ç ar ~ enterro
antes da chegada ao cemitério. E é que não houve ameaças para . o escorraçar não largando ia. mai·s aquele lugar sagrado, descobrindo sempre
forma de saltar os muros se lhe fechavam a por•
ta, num e'sforço violento · e inacreditável. Procurava a sepUltura do que ·foi em vida seu grande
ami·g o e ali fica.va sem comer nem beber latindo
de espaços a espaços como que soltando, gemidos, num coagir de sentimentos e ·de dor. Aque. les tristes e · comoventes uivos, até pareciam prever outra morte. E de facto. Era tão grande. a
sua dor que o pobre animal não p6de resistir e
o cov'eiro foi dar com ele morto sobre a campa
daquele· que tanto o· estimara em vida. Não podendo so,breviver à· sua 'morte, quiz ·morrer junto
. do coval do seu bom .e sincero. an:iigo, ' ao holocausto ·ao afecto, jamais destruído. Impressionante com efeito, e fact'O digno de maior brilho e
narrativa. O exempio, porém, é o que mais interessa; porque· veio· uma· vez mais confirmar as
palavras e o concc;ito dui:n grande escritor:
Quanto mais conheço os homens, mais gosto
dos · cães.
Fernando B. Adrega
Pela Vila
MELHORAMENTOS LOCAIS - Consta-nos que a
Junta da Freguesia recebeu da Câmara Municipal do nosso
Concelho. lim projccto riar~ o alargamento da nossa rua
prinópa\.
.
Para obra de tão largo alcance, esperamos que se Ct\·
viciem os melhores esforços destas duas emidades para
que cm breve Loriga possa d ispor ·pelo menos de um~
obra, entre tantas a qcc tem jus.
- Continuamos o insistir e pugn~r pela mudança
da praç;i p~ra lotai mais. apropriadd.
Estão cm jogo a saúde ,públiéa pelo mais anti-higiénico local utilizado, e ainda o Ínlercssc da terra para que
a sua rua· orincioal não seja por vezes tão <\Cà~tigada» com
t.Jo infecto~ r.eskl uos de imundície.
- Continuam as ohras da co.nstruç5o ·d o bairro. Que
em breve e vejamos conduído, são os nossos votos sinceros, visto tr•tar-se· ·dum problema do máximo interesse
para Loriga.
- Foi dado o orimeiro -oasso oara ocrm1t1r sanear as
várias mo(adias da Õrindo;il "arréria· da Vila. Lembra;.,os a
necessidade Ímcdiatá !Ío. cak~tamento . da CU<t 1 pata QUC
não se agrnve o estado já por si tão 'de.piorável d!l sua.
pavimentação.
BAPTIZADOS - Na lgrnja Paroqu i:i.) rc<:cbcram o
Sacrnmcnto do baotismo: Mari.1 F.ernanda, filh:i do sr.
António Mendes Âsccnçlio e de D. Filomcn;i .Nurics de
Brito; António José, Ellho do Sr. Abílio Elias Correia e
dé D. Maria do Carmo Gomes Figueiredo: Armando, fí,
!ho do Sr, Plácido Pinto Luís dos Satuos e de D. Maria
José Nunes de Pina; Maria Auror.a , fi1ha do Sr. José Moura
S~ntos e de D. Laurinda de Jcsu.s de Molira: Laurinda da
Con·cciÇão, filha do Sr. An:ónio Alves Pereira e (!e D.
Aurora Alves Pina e José, filho do Sr. Joaquim Alves Pe·
reira e de D. Maria dos Anjos de Moura.
Aos pais apresentamos as nossas felicitações.
ÓBITOS - Foleceram aoui:
- No dia 15 de Novembro findo, Mário Man:icl dos
Samos, de z anos .de id:idc, filho de Serafim AJvcs Luís e
de. Mor.ia Moura Santos.
- No dia z7, Maria dos Anjos Brito Fernandes, de
26 meses de idade, filha de José Fernandes -Urrigueíra
e de Maria dos Anjos Brito de Jesus.·
.
- No dia 28, o nosso pretado amigo e assinante Sr.
João Mendes Cabral de 52 anos <le. idJdc. filho do Sr.
José Mendes Gouveia Júnior e da Sr.~ D. María Teresa
Nunes, ambos já falecidos, deixando viúva a Sr.~ D.
M~ri~· Hckna Lcitiío Cobrai. Muito conhecido e conside,
r'ado como era pela sua popufaridade e con vívio f.nnili:ir,
não só no nosso meio, mas também no Congo Belga, onde
foi comeráante, a sua morte éausou :iqui profunda cons•
ternação.
- No dia 3 do cmren.te mês de Dezembro, a Sr.' D.
Teresa Gomes Luís, de 87 anos de idade, viúva do Sr.
José Luís Duarte Pina.
Mãe de. 1 o filhos e deixando 43 netos e 36 bisnetos,
a Sr.• .D. Teresa Gomes não foi uma mulher vulgar,
pois soube, pelo seu es:forço e petsistê:1cia, conquistar desafogados proventos para a sua numerosa prole, dando
assÍm um nobre excmolo às mães. O seu funeral foi muito
concorrido. . .
Às famílias enJ.utadas, as nossas senridas condolências.
lNCru-..1DlO - No dia 19 de Novembro. por volta das
19,30 hotas, originado por um curio-c.ircui10, manifestou-se
um· incêndio num armazém de matérias p rimas da fábric:i
dos Srs. Moura Cabral &- e.~. Ld.n, o qual, graças à intervenção imediata dos operários que àquela hora ali tra•
balhavam 'e do povo <JcUe, ao toque de ;;larme, ali acor~eu
'mass;r, foi .p rontamente extinto, evir:mdo assim prejuízos de mais graves consequências.
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VALORES SELAOOS - No modelar est:ibclécimento
do noss.o prezado amigo e assinante Sr. António Nunes de
Brito, encontram-se à venda, entre vários artigos de pa·
pelaria e outros de consumo corrente·, papêl selado e estam.
pilhas fiscais de diversas taxas.
- Encontra-se já em franc:a convalescença duma oneutnonia Que dur'1nle algum tempo o retivera no )eito, ,; nos•
so prezado amigo e assinante. Sr. Amónio Nunes Ribeiro. O seu rápido restabelcimento, são os nossos sinceros
votos.
Bibliografia
•D. José .Pinte de MendonÇ.a Arrais
Grande Prelado e grande Português»
O festejado escritor, P.• Jo~ Quelhas Blgotte, mui. digno
R~itor de Seia, publicou há pouco um . estudo consciencioso
sobre a disc.Utida figura do ouc foi Prelado ilustre de P inhel e Guarda, D . José Antón"io Pinto de , Mendonça· Arrais.
O autor, há já muito conhecido e com nome. feito
no campo das Letras, reyela~se sob.retudo com<;> um historiador de garra e critico objecúvo e imparciàl. Os t~"'
balhos já publicados, Monografia da Vila
Seia», uma das
melhores monografias 'que temos lido, e «0 Culto óe . Nossa Senhora na Diocese da Guarda,, impõem, de per si,
·
o investigador' apaixonado pela verdade.
Para :conhecermos e julgannos, com são critério e
prudente justiça, uma figura da História, devemos, como
preceitua a Hermenêutica, cololá-lo no «seu» tem\'JO. As
circunstâncias, tantas vezes bem dolorosas e críti~as, de
determinada época, ajudar-nos-ão a melhor compreender
certas atfrudes, que ao primeiro golpe le vista nos forem,
ou que parecem envolver ·aparentes comradi~õ.es. ·
O autor, à J,uz de documentos autênti<:<is, e anali:i:ando
a figura de D. José Arrais à face dos acontecimentos his;
tórkos 'da sua época; pôde afirmar que o biog,...fado foi
«Grande Prelado e Grande Patriota,.,
O melhor voto que . formulamos é este: aguardamos o
próximo t rabalho do autor.
de
A NEVE
6
A BEM
POR
OE
TUDO
LORIGA
E OA
REGIÃO
E
POR
TODOS
Entre duas gerações
Minha boa Amiga:
As vossas cartas, que logo de começo me encantaram pela ideia de vos ver atacar a fundo os pon•
derados Outones, estão a transformar-se. agora, num
manancial riq uíssimo, que me servirá para melhor
compreender, através dos anseios prementes da juventude acrual, daquela' juventude que $abe conservar-se livre e generosa como vós o sois, o inconfor~
mismo da minha já distant~ mocidade. Não vos
sintais mal por" assim acontecer, porquanto é a. prova evidente de que vos conduzis na luta com vigor e
i~teligência. Bem hajas, por isso.
Não poderiam esses jovens arranjar melhor intérprete para apresentar o seu inq uietisrno do que vós,
Primavera inconfomiista, com o vosso espírito poético,
a crepitar chamas de emotividade perante o grande
problema da Vida. A vossa franqueza é tão clara, as
queixas que apresenrais são tão reais, que me sinto
tentado a ;i.brir a minha alma ao sol vivificante da liberdade. para vos aplaudir com calor em vez de com•
bater com afinco, como queria. Mas não solteis já o
grito de triuf!fo porque, nesse caso, teria de atacar a
fundo até vos provar que a vossa ânsia de liberdade
e de independência, que tão nobremente defendeis,
não são próprias da época actual, embora a: força criadora do progresso as projectem com entusiasmo. Talvez, quem sabe, ainda um dia possais compreender o
que significam estas minhas bruxuleantes palavras.
E agora, depois desta tirada (qúe me saiu quase.
sem a desejar, apenas impelida pda minha maneira
de ser), deixai esclarecer 11m ponto da vossa carta,
que me está a ferir como se uin bist uri cortasse a
minha própria carne.
·
Em tudo .e u posso transigir, menos em assumit a '
defe.sa de actos que briguem com a minha consciência de homem livre, Por isso, quando resolvi bater-me
pela minha época foi pensando em opor os princípios
da tolerância e liberdade - que eram ,o orgulho, na
minha juventude, de todas as pessoas que não queriam
regressar às cavernas - aos da vossa época, tão opostos aos da minha. Era pata vos dizer que os Outonós,
no tempo da minha juventude, é claro, aqueles que
e11 me sinto bem a defender, embora nos aconselhas.,
s_e m ponderação e método, mostrando-nos os inconvenientes de ceder a impulsos irreflecidos, se sentiam
felizes quando a moeidade se sabia bater com galhardia, frente a frente, a favor do que ela julgava, às
vezes até erradamente, ·representar o Direito e a Justiça.
Para esses Outonos, o que interessava, acima de
tudo, era não atrofia( o sentimento da independencia e da dignfdade que eles julgavam indispensá,
veis para se viver numa sociedade justa, perfeita e .
livre.
Postas as coisas neste pé. e arredadas quaisquer
dúvidas que vos pudessem rest;ir sobre o que eu
entendo . que seja o meu Outono, vou entrar na
análise da Felicidade e explic.ar-vos a forma como
eu conquisto a minha, que julgo não ser pequena.
Porém. antes que me sirva dos m eus argumentos,
deixai que o Cardeal Saraiva, grande figura da lgre.Í·'' e das Letras, diga de sua justiça.
Referindo-se a Afortuna:do-Ditoso-Fdit., que an•
datn muito confundidos com.o sinónimos pe~feitos de
felicidade, diz o seguinte:.
· <cAfortunado é o qu~ é fa:vorecido da Fortuna1>.
«Ditoso é, segundo a força etimológ:ica do vocá·
bulo, aquele que goza de muitos bens e rique:zas>i.
"Feliz é 0 que goza de Felicidade, e nós dizemos
que goza de felicidade o homem que vive tranquilo
e satisfeito na pacífica fruição dos bens que bastam
aos seus deséjos».
Como síntese da Felicidade. não seria preciso
dizer mais; mas eu quero demonstrar que desde
que se saiba querer. se pode ser feliz, mesmo quando
não renunciamos ·a viver a vida com inquietismo e
com a ânsia de mais e m'ethor.
BOAS
DEZEMBRO - 19'9
FESTAS
((A N eve11 apresenta a todos os seus presados leitores
e colaboradores os votos de um N;ital feliz e um no,·o
ano repleto de felicidades.
Vejamos: Sendo a felicidade um.a coisa subjcctiva, tão variável como as leis que a criam, depende
aquela, não de um tipo comum, mas de um tipo
que tem de corresponder ao sistema idiossincrático
de ada indivíduo. ao .rnei;mo tempo que necessita
de se harmonizar com o meio ambiente pata não
transfç,r.màr em luta aberta o que por vezes não pass1 de simples divergênc.ia de palavras. No encontro
da justa medida para conciliarmos o nosso inq:uietismo intelectual com a quietude ou agitação exage•
rada dos sentidos, é que reside a chave da felicidade.
Não vos aconselho a atitude resignada dos vários
Budas, porqµe isso seria a elimin;ição total da vida,
nem a agitação febril de Nietzsche, porque isso pode
l~v~ à ioucura. Se a vossa alma de poetisa se puder
ltrn1tar, no referente à falicidade, à seguir o processo
deste vosso Outono, talvez o que vos vou dizer vos
cohvenp de que tenho razão.
. Ouvi:, A primeira condição para se ser o mais
fe~lZ poss1_v~l.- uma vez q ue se desconhece o que
seja a fehctdade completa-. é arranjar um estado
de alma que nos permita eliminar, conforme as necessidades dessa felicidade, os estados de espírito que
ª. ela se op~nham. Este trabalho é uma consequência da :maneira de ser de cada um e, por isso, como
est.ais a ver,_ só da vossa vontade depende. Para
evtt:.1.r compltcações desnecessárias, parece-me que o
melhor processQ é est~dar os recursos de que dispo.m os para serm?s felizes e conquistar aqueles que
nos fal tem•. ~_:e1tando como boa, porque boa me pare_ce, . a optmao do 4rdeal . Saraiva, vemos q ue a
tnlogia Afortunado-Ditoso-Feliz. é um.1 base segura
para conseguir a felicidade.
Como_ estas coisas têm de ser analisadas individualmente, vede a:s que já. possuis, e, quanto àS outras. isto no caso de não as terdes já, Jutai para as
conseguir. Não podei negar, a não ser que queira1s
resvalar para o pessimismo, que já nascente afortunada. porque,. felizmente, não vos foltam recursos
materiais. Ditosa também o sois porque, além de
terdes mais do que o suficiente em bens materiais,
possuís uma irheligência que vai muito além do normal, e se entrarm9s no aspecto exterior .. ., que mais
podereis pedir aos Deuses?. ..
.
E agora, para terminar ( «A Neve» não é só
para nós), aconselho-vos a que procureis dentro de
vós a felicidade que duvidais possuir e tende a certeza de que, se seguirdes os meus conselhos e eJi,
minardes todas as preocupações que não são indispensáveis e só servem para transtornar a felicidade
dedicando-vos a fundo à conquista .do que vos fal~
para -completar a vos~ personalidade, entremostrada
já nas cartas que com tanto brilho tendes escrito.
jamais a felicidade deixará de vos sorrir.
Experim~ntai .. E. se daqui a alguns !"'nos .não
fordes o mais feliz possível, então ficais autorizada a
procla~r bem ~lto que até este Outono, que se pro·
dama hvre, positivo e progressivo, vos iludiu a vossa
boa fé. Porém, como o tempo para :vós ainda não
con:e com ª. rapidez. com q.ue já passa para :mim.
f1catS prevenida de que só quando o calendário marcar o ano de r970 é que vós podereis manifestar com
segurança. Até lá, iremos combatendo, se os ventos
do Inverno me não derrubarem antes disso.
Oxalá que não.. .
·
_
Aceitai saudações amigas deste Outono que, pelas esperanças que tem, julga, U para 1970, receber
de vós ·plena aprovação.
Adeus.
Outono, Vulgo José da Ponte
Atradecimento
A família de João Mendes Cábral, vem por
este meio testemunhar, a todas as pessoas que se inte.ressaram pela sua saúde, a exptessão viva do seu
eterno reconhecimento.
Reconhecida e sensibilizada, agrade<:e també.m as
provas de sincera amizade, de que foi alvo, na hora
do triste desénlace.
·
VISADO PELA COMISSÃO DE CENSURA
--------~-------~--'--­
--~~~--------~-----~~-
O Zé do Avenal foi de longada à Figueira <ll
Foz. Os miudos precisavam de banhos e ele estimava
muito a t< rica saúdei• da prole. Passava o temPo na
tendinha do Zé Francisco que e.ra cunh2do do. 'M~,
nuel da Eira. velho amigo do Casal do Rei. Ah ctl'
ticava aquelas desavergonhadas q ue andavam pela
praia a desafiar a decência e indiganava~se com aquer
b g.ente que ia aos casinos ver coisas de esca.ndalítJJ'
um santo.
Farto de lhe . ouvir a ladainha. o Zé FranciscO
aconselhou-p a ir à Tourada tanto mais que o Zé .do
Avenal fora caseiro de profissão e era entendido
•
de vacas.... 1
Comprou um bilhete que lhe cUstou os 1<0~
da cara» e ocupou o seu Jugar Ji no alto da gal~
S_urpreendia-o _as di~ussões e a agitação daquel~
mt1lt1da~ que fazra mais «la.mbançaJ• do que
03 romeiros da Senhora do Monte Alto em no1~
·
arraial.
.
Não percebia as conversas, todas em volu doS
nomes dos toureiros, nom~s esquisitos que não er.iJ1l
do uso lá do Casal.
•
Meio atordoado por aquela confusão, que nao
entendia, chega-lhe ao.s ouvidos, a voz de um anb'
trião, talvez avô, que explica ao seu miúdo.
- A tourada começa pelas cortezias. ê a entrad;
so~ene dos matadores -.- aqueles dos trages que ~:
b:1lh_am .- dos cavaleiros, com os seus chapéus ui ,
corn1os e e.asa.os de seda, dos bandarílheiros; e dt»
moços de forcado - os de barrete verde.
-Faz-me lembrar, Avôzinho aqueles contos de
que a Avó falava nas noites de 1nverno...
- Agora, filho, os cavaleiros. que se revesam Íf!l'
pecàvelmente nos cumprimentos ao público, rnon~·
dos E<ID cavalos de alta-escola. vêm emprest.i.r à c:erY
mónia a solenidade grandiosa que é de respeito i
uma tradição e. à nobreza da lide que o •dnteligente»
vai ordenar.
- O que é o ulnteligtntelJ, Avô, pergunta o
miúdo, com a curiosidade dos verdes anos.
- Chama-se cdnteligente>i ao Director da corrids•
Instala-se um pouco acima da trincheira, aéomp«'
nhado de um corneteiro que marca as fases da cor' ·
rida e agora dá o sirial para que se abram as por!lt5
do curro por onde investe éxpavorido .esse nob!e
animal que é o Toiro.
O Zé do Avenal não sabe se deve ouvir a corJie'
cedera informação daq uele velhinho, se olhar, cofll
olhos .bem abertos, para o que se passa lá no fund~
naquele enorme círculo onde se encontram . os tréS
figurantes da lide: Cavaleiro; Touro e Cavalo.
Um touro assim é que o Zé nunca tinha vist~·
Tinha pegado ao colo muito bezerro, mas como aqui'
lo, só talvez o touro do Senhor Quintela que se
«esfeijoou» no prado.
O cavaleiro exibe as sortes, vai cravando paUS
enfeitados, com aplausos da multidão.
O Zé emociona-se. Pressente a colhida a cada
momento e aflige-se · em cada ferro porque jul~
cavalo e cavaleiro espetados nas hastes duras do aJll'
mal. Respira aliviado quando o cavalo, já longe, tro~
com a graça triunfante: de quem venceu.
O «Inteligente»n1 anda tocar no cornetim um
sinal que lhe ~z lembrar tempos antigos do 9uartel·
E, per<1nte os olhos estonteados que .ve? V~
homem - o tal de barrete verde -:-- à frente de
uma bicha deles, desafiando o touro com o maior
descaramento•.
Nesta altura. o velhinho responde à pergunta do
miúdo e explica paternalm.ente.
- Aquilo. Necas, é a pega à unha, por valente:S
forcados do Ribatejo.
·
·
.
O nosso Zé houve o Anfitrião e sente-se huJPl'
lhado porque se recorda dos tempos em que era.
caseiro e tratava das vacas q ue não dominava, ape
sar de ter músculos de aço, qua.ndo ao animal Jhe
dava a mosca...
~
E o valente que está na frente do touro, até poe
as mãos ao fundo das costas como a querê-lo ~rai:
com um golpe de barriga que ergue e alevanta. p1J!l
pão e atrevido.
.
O Touro arran~. Ilias o Zé não pode mais· Fic:a
arrasado. Não' quere assistir à cena cn;el. à luta des;'
.
tQi
gual que vai passar-se. Estremece e quando aco .
daquela emoção, surge~lhe o animal. sacudindo
vulto que se agarra, unhas bem fincadas ao pe5
coço do . touro.
.
, A:odem os co~panheiro~ e. es~ntado, o no~
Ze ve o touro quieto, dominado. nao sabe ~e I? é
força se pelos segredos que aquele grupo foi dii
mesmo ao ouvido do novilho.
. 3)
.tõdfe'
llU:
(continua. na paO-
·