anna, a voz da russia

Transcrição

anna, a voz da russia
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n.ú
LAURO MACHADO COELHO
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da em
priada
A
VOZ
DA
PRÚSSIA
Vida e obra de Anna Akhmátova
'ellaria mobile
racho
ALGOL
editora
SAO PAULO
2008
SOBRE AS GRAVURAS
Cada capítulo deste livro se abre com um fragmento
de poema de Anna Akhmátova. As imagens que os
acompanham não pretendem ilustrar esses poemas, que
a plasticidade da obra parece dispensar.
Procurei usar os recursos da gravura e das próprias
matrizes para refletir sobre adensidade de sua matéria
poética, e sobre a riqueza e multiplicidade das vozes
que ela nos faz ouvir.
KLARA KAISER MORI
HOUVE UM TEMPO EM QUE SÓ
SOMIAM OS MOBTOS,
CONTENES DE PODEBTM REPOUSARA
Zviózdy smiérti stoiáli nad námi
i hiezuínnaia kórtchilas Rus.^
O clima repressivo da política cultural, já vigente durante o leninismo,
agrava-se sensivelmente com a subida de Stálin ao poder; e é, natural
mente, no campo da literatura que ele primeiro se manifesta com mais
força. Em 1929, o Partidonão tinha dificuldade em usar os radicais das
organizações bolcbeviques como instrumento para reprimir os escrito
res não-comunistas, pois eles consideravam tabu a arte individualista.
Poucos eram os intelectuais que protestavam, pois..a escravidão ainda era
preferível ao túmulo: "Vamos acalmar osnervos e recomeçar, como sefaz
em qualquer fábrica", disse o poeta lliáSelvínski - imagem não despro
vida de sentido porque, com-a-su-per-industrialização e a proletarização
em marcha, a sociedade soviética era cada vez mais concebida como uma
vasta máquina, de queoscidadãos eram meras arruelas, sem significado
emsi mesmos, e perfeitamente intercambiáveis. O que seesperava dos
escritores era a celebração da auto-suficiência dessa máquina, relatos
épicos de suaconstrução; manuais, emsuma, paraa suaoperação. Uma
Metrópobs ondenão havia.mais lugares para "sonhadores" quefizessem
as pessoas pensarem, ou de "bufões" que as fizessem divertir-se.
1 Eco bylo, kogdd ulyhálsa tolho miónvyi, spokôistmu rad noPrólogo do Réquiem, escrito entre 1^35
. 51940.
2 "As estrelas da morte pairavam sobre nós/ e a Rtíssia inocente torcia-se de dor", no Prólogo do
Réquiem.
155
Como desvencilhar-se de sua individualidade sem cair na mais total
Logo dep
banalidade? "Andamos precisando de quem escreva mal", dizia em192.9
o crítico formalista Borís Éikhenbaum. Num país em que os literatos como dizia uma personagem do Suicídio^, a peça de Nikolái Érdman -
Boicotadi
"transformaram-se em escravos vermelhosno harém do povo", não é de
seespantarque tenba-se desenvolvido a tendência ao masoquismo pois,
na opinião do dramaturgo Vladímir Kirsbôn, "o Partido converteu-se
numa corrente de ferro atada a nosso pescoço, que nos machuca, mas
sem a qualjião_sabemos mais viver".
Os doisjmmeirps escritores visados forain leyguêni lyáiiovitçh Zamiátin, que fizera uma caricatura da sociedade comunista em My (Nós),
de 192.4; e Borís Andrêievitch Pilniák, cujo Krásnoie Diêrievo (O Pé de
Mogno), publicado na Alemanha em .1929, critiçaya a desintegração
dos ideais. socialistas..e a corrupção durante a NEP. Os agitadores das
instituições bolcheviques precisavam de ajudaoficial para derrubá-los, e
a conseguiram semdificuldade. Desde que Pilniákpublicara, em 1925,
Póviest oNiepogashiênnoi Lúny (AHistória da Lua Inextinguível), Stálin o
mente er
Imprensa
anos de 1
uin intelf
hostilizai
em 9 de
último p
tinha emsua alça de mira, pois essa novela dava a entender queo Líder
mandara assassinar o comissário da Guerra, Mikbaíl Frúnze, fazendo
submetê-lo a uma cirurgia perigosa e desnecessária, para colocar em
seu lugar um pau-mandado, Klimént Vorosbílov"*.
Do linchamento em regra promovido pela imprensa, Zamiátin es
capou, pois conseguiu emigrar. Mas Pilniák foi humilhado de todas as
rnaneiras, forçado a fazer abjetos pedidos públicos de desculpas, e foi
escrevei
finalmente preso e executado, no auge do Terror stalinista. Dejpouco
virado j:
adiantou Mikbaíl Bulgákov e Borís Pastemák terem_ renunciado, em
protesto, à posição de membro da União dos Escritores (Akhmátova
também escreveu a sua cartadeilemissão e encarregou Pável Luknítski
de entregá-la; masele nunca o fez). O editoríaLdaXiríemtúrnaia Gaziêta.
em 9 de setembro de 1929, denunciava violentamente o "pílniakismo,
que está corroendo, coma ferrugem, a yontade de.construçãodcLsocia
lismo". Poucos foramL-os-.que não viraram, as costas a Pilniák que, em
viciosa,
breve, transformara-se.numa verdadeira mina humana
línski p
lessiênin já se suicidara em 1924, desiludido com a Revolução.
3 Encpnada em 1928, Samouhílsa foi proibida pela censura e só publicada naRússia depois da
dissolução da URSS.
4 ENadiéjda Mandelsbtám quem dá essa informação em Hope against Hope.
L56
Em;
todos os
esse hoi
Dui
Maiakó'
lieva, qi
insanid;
daKGB
seus int
foi ele
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ais total
m 1929
eratos -
dman lão é de
no pois,
írteu-se
ca, mas
Logo depois viriaa vez de Maiakóvski cujo Kjop_(0 Pmcevejo), soberbamente encenado por Meierkbôld em 1929, fora demolido pela crítica.
Boicotado pela própria classe dos escritores, quando fez, na Casa da
Imprensa, em fevereiro de 1930, a exposição retrospectiva de seus vinte
anos de carreira —pois seus colegas temiam vejr seu norne associado a
um intelectual que estava em processo de queda livre—, Maiakóvski foi
hostilizado pelos estudantes que compareceram a um de seus recitais
em 9 de abril. Pouco depois, no dia 14, ele se matoucom um tiro. Seu
último poema, do dia 12, é um verdadeiro bilhete de suicida:
itch Za-
fy (nós),
E como eles dizem.
uma história que nao deu cena.
!) Pé de
ígração
res^as
O harco do amor
esjãcelando-se
lá-los, e
^925,
contra a
jtálin o
vida.
o Líder
izendo
existência.
E assim acertamos contas
Por isso, por que
recnminarmo-nos uns aos outros
com dores ejêridas?
car em
A quem fica —desejofelicidade.
átin es-
jdas as
s, e foi
pouco
Io, em
nátova
oiítski
jaziêta,
Em seudiário, o escultor Aleksandr Ródtcbenko, que viu o cadáver,
escreveu: "Ele estava deitado em seu quartinho, cobertocom um lençol,
viradc^para a parede, num si]ênçiq mortal, que falava damediocridade
viciosa„.da perseguição vil, da traição medíocre, dainveja e estupidez de
todos osque foram responsáveis por esse atodesprezível. Quemdestruiu
esse homem de_gênio.e^criou esse borríveLsiiêncio e vazio?".
Durante muito tempo se especulou sobre a causa do suicídio de
kismo,
Maiakóvski. Falou-se em um caso de amor fnisrradn mm Tatiana Táknv-
isocia-
lieva, que ele conhecera em Paris. Foi sugerida a hipótese de.depre^ão e
insanidade provocada pela sífilis. Mas, em 1995, quando Vitáli Shentalínskipublicou V Liríemtúrnikh Arkívakh KGB (Nos Arquivos Literários
da KGB), havia lá a declaração do escritor Isaak Báhel, durante um de
seus interrogatórios: "A ún^a explicação parag suicídio de Maiakóvski
foi ele ter chegado à conclusão, de que era impossível trabalhar nas
condições criadas pelo regime soviético".
re, em
)lução.
epois da
157
Para a geração de Liev Gumilióv, a morte de Vladímir Maíakóvski
teve omesmo significado simbólico que a de Aleksandr Blók tivera para
a de Akhmátova: a idéia de que a chama da esperança revolucionária
acadêmic
se extinguira, mergulhando o país numa nova escuridão. Nada reflete
pelofilhe
despedir
melhor esse clima do que um poema que Anna Andrêievna escreveu
apresente
dos Mani
em X933. As imagens dos últimos versos - Pilatos e Lady Macheth ten
Foram cc
tando em vão lavar osangue que têm nas mãos - usam a "linguagem de
da gola
Esopo" para fazer uma alusão claríssima à tirania staUnista:
apaixone
Os c
Privóliern pákhniet díkii miõd,
pyl —sõnitchnym lutchôm,
Jiálkoiu —divüdni rot,
a zolotó - nitchõm.
Vodóiu pákhniet reseãá,
i idhlokom - liuhôu
No my uználi navsigdá,
shtô króviu pákhniet tólko krov.
I naprásno namiéstnik Rima
myl rúki príed vsiêm naródom,
pod zloviéshtchie kríkii tchiérni;
i shotlãndskaia koroliêva
naprásno s úskikh ladônii
stirála krásnyie hryzgui
Vdúshnom mrákie tsárskovo dôma..
A liberdade tem o aroma do mel selvagem,
Mandeis
a poeira —o de um raio de sol,
que Lier
violetas —o da boca da donzela,
e ouro .não cheira a nada.
-
era urr
suficieni
O resedá tem um aroma dejígua,
e maçã é o aroma do amor.
Mas nós sabemos para sempre
que sangue só tem cheiro de sangue.
poderia
Em vão o representante de Roma
lavava as mãos diante de todo o povo,
misto d(
ela o fa
Univers
As 1
mãe. N;
sob os urros sinistros da multidão,
anos; v:
e a rainha escocesa
Akhmá
em vão das palmas esguias
que ela
esfiegava os-borrifiis. vermelhos,
naprojünda escuridão do palácio real.
hretudc
que foi
Akhmá
No início de 1933, Emma Gershtéin, a amiga dos Mandelshtám,
não é V
empregou-se, em Moscou, no Escritório Gentral do Departamento de
Pesquisadores, ligado ao Sindicato dos Educadores. Quando Ossip e Nadiêjda vinham à.capital, ela os hospedava em seu aparp^ento. Depois
nos car
Lie
teresse'
que eles obtiveram a autorização para vir morar em Moscou, Emma
de Akl
ajudou-os a se instalar em um apartamento da Alameda Nashtchókin,
onde a primeira visitante que eles receberam foi Akhmátova. Ali Ger
to citad
shtéin travou conhecimento com a poeta, pela qual tivera grande ad
miração a vida inteira.
Em seu diário, ela conta como, em outribro de 1933, "um rapaz
distraído e de ar independente, com uma mochila nas costas", a procu
rou em seu escritório, pedindo ajuda para encaminhar a sua carreira
L58
5 Mikhaíl
Olshiévs
quando.
No fim d
para o se
a Elaine
era para
acadêmica. "Ckamando-me formalmente de Emma Grigórlevna, ele se
apresentou: 'Liev Gumilióv." Dias depois, ela o reencontrou em casa
:ionária
dos Mandelshtám, e se deu conta do enorme carinho que Óssip tinha
a reflete
pelo filho de Nikolái e Anna, seus amigos da juventude. Quando ela se
despediu, Liev se ofereceu para acompanhá-la de volta até a sua casa.
Foram conversando e Emma diz; "Olhei para o pescoço esguio, saindo
da gola de pele, e para a cabeça inclinada, coberta por um boné, e
akóvski
:screveu
)etli ten-
igem de
apaixonei-me por ele".
Os dois envolveram-se entusiasticamente, o que Akhmátova e os
Mandelshtám desaprovavam, pois Emma era nove anos mais velha do
que Liev. Ela não era bonita, mas possuía uma inteligência muito aguda
- era uma grande especialista na obra de Liérmontov - e sinceridade
suficiente para desaconselhá-lo de seguir carreira como poeta, pois
poderia prestar melhores serviços como historiador. Deve-se muito a
ela o fato de Liev ter conseguido entrar na Faculdade de História da
Universidade de Leningrado.
As meinórias de Gershtéin contêm preciosas informações sobre o
misto de admiração e ressentimento que Liev Nikoláievitch tinha pela
mãe. Não lhe perdoava tê-lo deixado em mãos da avó durante tantos
anos; visivelmente não aprovava a ciranda das relações amorosas de
Akhmátova com seus maridos e namorados; esentia ciúmes daatenção
que ela dava a Irina Púnina ou aos filhos de Tatiana Smimõva. Mas so-
bretudo, "e nisso foi profundamente injusto" - comenta Mikhaíl Árdov^,
que foi um de seus melhores amigos no fim da vida —"ele achava_ que
Akhmátova não se esforçou para tirá-lo da prisão, ojjueabsolutamente
Ishtám,
;nto de
ip e NaDepois
não é verdade, como todo mundo^sabe".
Liev incomodavarxe até com o tom lacônico das mensagens-da mãe,
nos cartõespostaisque ela lhe mandava. Via como um sinal de seu desin
Emma
teresse por ele oque, na realidade, não passava de uma característica típica
de Akhmátova aquem, como observou Vladímir Veidlé, num depoimen
:hókin,
to citado anteriormente, cansava o ato físico de escrever. Nas memórias de
^li Gerrde ad-
5 Mikhaíl era o filho mais novo do satirista Víktor Árdov e de sua mulher, a bela atriz Nina
Olshiévskaia. Eles moravam nomesmo prédio dos Mandelshtám, ealojavam Liev em sua casa,
. rapaz
procuarreira
quando Akhmátova estava em Moscou. Relações muitoamistosas estabeleceram-se entre eles.
No fim da vida de Liev, Mikhaíl Árdov foi um deseus amigos mais chegados. Entrando tarde
' para o seminário, eletinha-se ordenado pope daigreja russa ortodoxa. Essa declaração foi dada
a Elaine Feinstein, numa entrevista que ele lhe concedeu em São Petersburgo, em 2003.
159
Gershtéin, encontramos várias passagens em que ele faz amesma queixa.
Portanto, é compreensível ele sentir-se emotivamente compensado ao
Foi
lado dessa mulher madura, que ocercava de carinho. As circunstâncias,
Nadiêjda
Desde qu
porém, não permitiriam que essa vida a dois tivesse futuro.
maticame
compulsc
quanto fc
Durante a década de 1930, intensificaram-se muito os vínculos entre
dos com (
Akhmátova e Mandelshtám. Em suas memórias, Nadiêjda relata o co
mentário do marido; Arma_Andrêievna-émma mulfier para aamizade,
cúpula di
não para o amor"; e observa:
de 1932,
escandah
"Fora;
Eclaro que o amor desempenhava papel muito importante na vida de
de uma d
Akhmátova mas, à prirneira crise, todos os seus relacionamentos desmo
"Houve q
ronavam àsua volta, como um castelo de cartas. E, no entanto, com Óssip,
motivaçc
a relação ardente e intensamente pessoal que ela tinha resistiu a todos os
veterano;
testes. [...] AAkhmátova que eu conhecia era uma amiga altiva eapaixo
tinha-mc
nada, que sempre ficou ao lado de Mandelshtám, com inabalável lealdade,
familiar
perpétua aliada no mundo selvagein em que vivíamos, uma abadessa que
ferente -
estava sempre pronta a ir para a fogueira pelas suas crenças.
veio com
Numa carta que lhe escreveu da Criméia, em 25 de agosto de 1928,
na época em que fora obrigado a sair de Moscou, Óssip já dissera;
Você sabe que só há duas pessoas no mundo com quem consigo man
ter uma conversa imaginária; Nikolái Stepánovitch® e você". O amor
pela literatura era, naturalmente, ocimento que os ligava. Akhmátova
lembrava-se de uma época em que Mandelshtám esteve em Leningrado
Nadiéjds
de terroí
tamente,
Akh
tinha ide
foi _detid
ele ficou
para duasjioites dedicadas à sua poesia; "Es^a estudando italiano e
lestado.
andava doido por Dante. Comecei a ler para ele um trecho do Canto
acredito;
XXX, aquele em que surge a aparição de Beatriz. Èle começou a chorar.
sido víti
Fiquei assustada; Oque foi?. Não,_.não.é nada. São essas palavras... e
d
^
intelectual errL.que_Óssip._fcaya em sua pre
Na <
que se f
sença era enorme. Emma Gershtéin se lembra que, um dia, quando Liev
saiu para acompanhar a mãe até a estação, onde ela pegaria o trem de
volta para Leningrado, Mandelshtám desabafou; "Que bom que Anna
foi embora. Gom elaaqui, a casa fica cheia de eletricidade!".
6 Gumilióv.
7 Nas lembranças deAkhmátova a respeito deMandelshtám.
160
í A_polLCÍa..sf
ria para Cc
na Diretori
(OGPU). E:
Internos (N
gurança dc
Segurança
queixa.
;ado ao
itâncias.
is entre
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mizade.
vida de
; desmo-
n Ossip,
;odos os
: apaixo-
ealdade,
;ssa que
Foi Akhmátova a única pessoa que Óssip quis ter a seu lado, e de
Nadiêjda, quando chegou a sua hora de confrontação com o regime.
Desde que Stálin assumira o poder, a repressão vinha crescendo siste
maticamente, em especial diante dasreações à política de coletivização
compulsória. Os efeitos, dentro do Partido, tinham sido tão grandes
quanto fora dele. MuitosMpparátchiki tinham ficado seriamente penurhados com oshorrores que tiiiham sjdcLohrigados ajníligirà população. Na
cúpula do governo, houvera alguns constrangedores suicídios, e o mais
escandaloso deles tinha sido, na madrugada de 8 para 9 de novembro
de 1932, o de Nadiêjda Allilúieva, a jovem segunda mulher de Stálin.
"Foram feitas tentativas de apresentar o fato como a conseqüência
de uma doença trágica e inesperada", escreveu Gershtéin emseu diário.
"Houve quem pensasse que o gesto desesperado de Allilúieva tivesse
motivações políticas, pois elavinha de umafamília de revolucionários
veteranos. Outrossugeriram razões puramentepessoais. 'Pohre mulher,
tinha-me dito um conhecido, tempos antes, referindo-se à sua vida
familiar difícil. [...] Como toda economia estava tomando um rumo di
ferente —estávamos a poucos meses da epidemia de fome —o suicídio
veio como um dramático lembrete da vulnerabilidade do Líder." Terá
50 man-
Nadiêjda se matado, destruída pelo sentimento de culpa com a onda
de terror desencadeada por seu marido? Esta é uma pergunta que, cer
tamente, nunca poderá ser respondida.
Akhmátova já ficara muito assustada, em 1933, quando Liev, que
D amor
tinha idovisitar um colega do curso de História - um certo Éberman -
e1928,
dissera:
mátova
ngrado
liano e
1 Canto
chorar,
'ras... e
;ua pre-
do Liev
rem de
; Anna
fokdetida junto com.ele pelos agentes da NKVD®. Mas, nessa ocasião,
ele ficou apenasnove dias na prisão, e foi solto semque o tivessem mo
lestado. Como Éberman desapareceu, e não se teve mais notícias dele,
acreditou-se que fosse o colega a pessoa visada pela batida, tendo Liev
sido vítima apenas da coincidência de estarem sua companhia.
Na época, dentre os intelectuais, um dos poucos a ter idéia do •
que se passava no campo era Mandelshtáin. Expulso de Leningrado,
i A polícia.secreta.soviécica foi fundada após a Revolução de,1917 como^J^oiSissãçLExxiaordmáriaparaCombater a Contra Revolução e a Sabotagem (aTchekd). Em-xgaa. ela^seuransformara
na Diretoria Política do Estado (GPU) e, mais tarde, na Diretoria Política do Estado Unificada
(OGPU). Entre 1933 a 1945, passou a chamar-se de Comissariado do Povo para os Assuntos
Internos (NKVD). Depois da II Guerra Mundial, haveria de se transformar no Comitê de Se' gurança do Estado (KGB). Após o colapso da URSS, em1991, foi criado o Serviço Federal de
Segurança (FSB) da República da Rússia.
161
em 1931, ele andara pela Críméia e Ucrânia, antes de ser autorizado
avoltar para Moscou, epudera ver o"enorme Bergen-Belsen em que
se transformara o interior russo® , onde cerca de quinze miliiões de
pessoas tinham.morrido. Mandelshtám reagiu ao que presenciara no
Poema a Stálín, de novembro de 1933' 9*^^ não chegou a escrever, mas
memorizara e declamava para seus amigos^°;
My jiviõm, poã sobôiu niê strany,
esses ve
Leonídc
numa £
do siste:
vitch d<
conta b
Vivemos sem sentir o chão em que pisamos.
náshi riêtchi za àiesiát shagóv niê slyshny,
Adez passos de nósjd não se ouve oquefalamos.
a gdiê khvárit na polrazgovortsd —
tam pripômniat kriemliêvskovo gonsá.
Mas onde quer que haja meia-conversa que seja,
levô tolstyie páltsy, kak tchiérvíjirní,
a slôva, kak pudóvyie guíri, vierní.
Em
tava coi
que pei
ças do •
ojnontanhês do Krêmliij há defcar sabendo dela.
pelo Bu
Os deJos desse assassino de camponeses
própric
são grossos como salsíchôes,'
em des
""
easpalavras lhe caem dos lábios pesadas como chumbo.
Tarakány smiáútsa usíshtcha,
i siidiut ievô golieníshtcha.
Seus bigodes de barata vibram
A vokrúg ieiv sbrod tonkóshiikh vojdiêi,
Asua volta, há um rebanho de líderes de pescojofno,
on ígráiet uslúgami poluliudiêi.
com os quais ele brinca como sefossem animais de estimação.
e disse:
dedicai
e o cano de suas botas é reluzente.
za.
Tal
sht
Kto svísrn, kto miautchít, feto khnytchit,
on odín lish babatchú i tyshit.
Rqsnqm, ronronam, uivam cada vez
que elefala com eles ou lhes aponta odedo.
la
Kak podkóvy kúiet za ukazõm ukdz komú Vpakh, komú v lob, komú vbrov,
komú Vglaz.
Um _a um,forjam leis parajpiefoepois,
ele os acerte com aferradura nacabeça,. no..olho,
Shtó ni kazn u nievô —to malína
Exadaj;.ez.que..eles-matamr-isso~é-um'pitéu
i shirókaia grud osietína.
obi
sht
no baixo-vmtre.
Ka
lá
para aquele ossétio^^ de pescoço grosso.
9 Aexpressão édo historiador Robert Conquest, em Harvest ofSorrows: lhe Soviet Colleaimzation
and the Terror Famine, Hutchinson, 1986,
10 Publicada pela primeira vez em Munique, em 1963, na revista Moslakh, edepois em Paris,
na Rússkaia Mysl, em março de 1965, opoema, hoje, aparece na edição integral.da_poesia de
Mandelshtám - ver Bibliografia - na seção Sükhotvoriénia niê Sohránie vKnígui Stikhóv Ávtora
iKiepuhlíkovánnyie (Poemas Não Incluídos nos Livros de Versos do Autor eNão-publicados).
11 Stálin nasceu na Ossétia do Sul, república autônoma pertencente àGeórgia,
162
pe,
Po
pa
torizado
Em março de 1934, Óssip cruzou com Pastemák e disse para ele
em que
esses versos. "Não. te encontrei e não ouvi o teu poema", disse-lhe Bons
hões de
Leonídovitch, apavorado. No início de maio, Mandelshtám o repetiu
numa festa a que estava presente o conde Aleksêi Tolstói, um homem
do sistema. Quando Tolstói protestou, defendendo Stálin, Óssip) Emílievitch deu-lhe um sonoro tapa na cara. "Daquele níqmentq em djante ,
ciara no
ver, mas
conta Nadiêjda, sua mulher, em suas Memórias, eu sabia que Óssip es
tava condenado". O próprio Mandelshtám tinha consciência da empada
que pendia sobre sua cabeça, pois.Akhmátova conta, em suas lembran
ças do poeta, que em fevereiro daquele ano estava passeando com ele
pelo Bulvár Gógolia, e Óssip, parando de repente, tomou-a pelo braço
e disse: "Estou pronto para morrer". Curnpriam-se as previsões que ele
próprio fizera, em maio de 1931, de que estava próxima a sua queda
em desgraça. Num perturbador poema escrito em Khmielnítskaia e
humho.
dedicado à sua amiga, Mandelshtám dissera:
A.A. Akhmátovôi
fino,
e estimação.
Sokhraní moiú rietch navsigdá za príohus nistchástia i cíynia,
za smolú krugovôvo tierpiênia, zasóvies:nyi chôgot miãd.
Tak vocld unovgoródskikli kolótsakh doljná hyt tchirnd i sladíma,
shwhy Vniêi vRojdieswó otrazílas simiú plavníkami zviesdá.
I za shtô, otiéts mói, mõi drug i pomóshtchnik grúbyi,
lá - niepríznannyi brat, oishichiepiêniets vnaródnoi simiê ohieshtchdm posrróit takíe dnmútchie srúby,
shtóhy Vnikh tatarvd opuskdla kniazm na badiê.
Lish by tólko liubíli minid éti driévni pldkhil
Kak natsiélias na smién gorodkí zashiháiut vsadú,
lá za éio vsiújizn prokhojú khot vjiliéznoi rubákhi
i dliá kdzni pietróvskoi uliesú toporíshtchi naidú.
znmzanon
_em fóris,
po.esia de
'-ÓV Avtora
)licados).
para Anna Aklimátova
Preserva para sempre minha palavra, por seu gosto de infelicidade edefmaça,
pela resina da paciência comum, pelo piche honesto do trabalho.
Por isso, nos poços de Novgórod, a água deve ser escura eaçucarada,
para que nela se reflitam, no Natal, as sete pontas da estrela.
163
Epara isso, meu pai, meu amigo, meufrustrado companheiro,
eu, irmão mal conhecido, renegado nafamília do meu próprio povo,
prometoJurar um poço de paredes tão estreitas,
exílio, dl
região dc
que nele os tártaros poderiam até enfiar príncipes como sefossem halde.
Ao n
marido p
Áh, se os caàafalsos de outrora pudessem me amar,
do modo como, nojardim,jogamos etiquete, como se apontássemos para aprópria Morte,
estqujíronto a passar oresto_ de minha vida numa camisola deferro
e, como nos tempos de Pedro, oGrande, irei procurar, nafloresta, omachado do suplício.
procura <
foram tãi
mulher d
em sua b
e o poeta
Em suas memórias, Emma Gershtéin relembra as circunstâncias
4?- E?3são Hq poeta. Quando ela chegou ao apartamento da Alameda
Nashtchókin, na manhã de 14 de maio, foi Akhmátova quem lhe abriu
a porta. Ossip a tinha mandado chamar em Leningrado.
Estara em prantos, com os cabelos desfeitos, e me disse que tinha uma
enxaqueca terrível, coisa que nunca lhe acontecia. Foi ela quem me contqu tudo. O tradutor David Bródski tinha idp visitar os íylaiidelshtám
aquela noite, e ficou até tarde. Ainda estava lá quando os homens da
polícia política chegararn. [...] Nádia me contou que um dos responsáveis
pela batida tinha buscado, no escritório dosíndico, um documento com
o registro temporário deLiev Gumilióv corno hóspede dos Mandelshtám,
e^erguntou ameaçadprainente aÓssip: 'O que isso significa?' [O simples
fato de usar osobrenome de um poeta um dia executado,porjraícão já
era motivo de suspeita]. Akhmátova e ela me disseram que eles vascuIharam o apartainento e examinararn todos os documentos... Durante
dez dias, nós nos atormentamos com hipóteses. Por queqinham levado
Mandelshtam? Por ter batido em Aleksêi Tolsmi? Ou pelos seus poemas?
podia ser franca com Akhmátova, pois não sabia se ela tinha
esperanç
mas não
ter esper
encarcer;
Óssi]
o braço ;
por inter
se para
e do mu
do que e
perdera;
nessa ép^
a vida, (
restaure
poesia são capa
do que d
em
conhecimento do epigrama.
Assimjque Óssip foi levado para aprisão da Luhiánka, Akhmátova
e Pastemák correram ao Krêmlin parajpedira ajuda de um dos mem
bros do Comitê Central, um georgiano chamado lunikídze. Consegui
ram falar com ele porque Ruslânov, ator eamigo de Borís Leonídovitch,
namorava a secretária do alto funcionário. Mas,de nada adiantou ten
tara mobilizar pessoas influentes. Stálin não tinha pressa de se vingar
do poeta que oridicularizara. Mandelshtám foi condenado apenas ao
X64
Na époc;
meiro C(
Akhmát
enviá-lo.
tinha m(
tar a mâ
exílio.jdurante três anos, em Tcliérdyn', às margens do rio Káma,-na
região dos Urais. Nadiêjda foi autorizada a acompanhá-lo.
Ao receber a ligação da NKVD, perguntando se acompanharia o
marido para o exílio, Nadiêjda saiu, em companhia de Akhmátova, à
hao,
itâncias
lameda
le abriu
procura dos amigos, na tentativa de arrecadar algum dinheiro. Todos
foram tão solidários quanto possível. leléna Serguêievna Bulgákova, a
mulher do romancista e dramaturgo, deu-lhes todo o dinheiro quetinha
em suabolsa. Akhmátova, o irmão de Óssip, Aleksandr Mandelshtám,
e o poeta levguêni Kházin acompanharam Nadiêjda até a Liubiánka, na
esperança de poderem despedir-se do amigo. Esperaram muito tempo,
mas nãoconseguiram estar com ele. Akhmátova arrependeu-se de não
teresperado mais, pois Mandelshtám, perturbado pela experiência do
encarceramento, convencera-se de que ela tinha morrido.
me conehhtám
Óssip estava muito deprimido, perseguido porpesadelos, e quebrou
o braço ao tentar fugir do hospital, pulando pela janela. Finalmente,
porinterferência de Bukhárin, foi-lhes dada a permissão de mudaremse para Vorônej. Ali ele estava tomlmeiite_lsolado de família, ^igos
ha uma
uens da
e do muridp intelectual; mas as condições de vida eram menos duras
)nsáveis
ato com
dshtám,
simples
aição já
do que em Tchérdyn. Apesar de seus sofrimentos, Mandelshtám não
perdera a fé em sua arte. "Não sei como é em outros lugares", escreveu
nessa época, "mas aqui, neste país, a poesia é algo que cura e devolve
a vida, e as pessoas não perderam o dom de beber nela p que lhes
restaure a força interior. Aqui, pode-se matar as pessoas por causa da '
s vascu-
poesia - um sinal de respeito sem paralelo - porque as pessoas ainda
)urante
levado
(oemas?
a tinha
são capazes de viver por causa dela". Mas.Mandelshtám, ao contrário
do que dissera a Akhmátova, não estava pronto para morrer, e o exílio,,
as privações espirituais, mais do que as materiais, e o inedo cor^tante
em que vivia quehrantaram-no, destruíram lentamente o ser humano
vulnerável que ele era.
nátova
^emnsegui-
Na época em que Mandelshtám foi preso^ estava sendo preparado oprimeiro Congresso dos Escritores. Embora marginalizada..da-vida literária,
ovitch,
ou ten-
Akhmátoyajrecebeu^tiin formulário para. participar; mas não chegou a
enviá-lo. Em suas notas autobiográficas, ela explica; "A prisão de Óssip
vingar
> tinha me deixado tão arrasada que simplesmente não conseguia levan-
nas ao
tar a mão para preencher aquele questionário. Durante o Congresso,
165
Bukhárin declarou que Pastemák era onosso melhor poeta —oque dei
xou Demián Biédny horrorizado
foi muito rude em relação à minha
obra e, naturalmente, nem ao menos mencionou Óssip".
Ocasal de amigos fazia-lhe uma falta imensa, eelaJlcqu eufórica ao
ser a primeira pessoa autorizada a visúá-los em Vorônej, nos primeiros
dias de março de iq^6. Nadiêjda relata de modo comovente aalegria e
aexcitação em que oreencontro os deixou; Óssip andava rapidamente,
de um lado para ooutro, pelo quarto, declamando os poemas que tinha
escrito. Queria fazer com ela um balanço de tudo o que produzira na
queles últimos tempos, EAkhmátova leu para ele um poema que lhe
tinha dedicado . Os vet^o^de Vorônej opõem, com a força de um soco
nos dentes, a atmosfera festiva da cidade e a desolação do quarto em
que o poeta degredado" vive ern companhia de suas três esquálidas
companheiras, Nadiêjda, a Musa e o Medo:
Igórod viés stoít olidiníélyí^
Kak pod stiklõm dinévia, stiény, sniég.
Pod khrustalôm iáprokhojú niesmiélo.
Uzórníkh ánok tak niviérien bieg.
Anad Pietrôm vorõniejskim —vorôny,
da topoUá, í svód smétlo-zieliõnyi,
razmyiyi, mútnyi, v sõnietchnoí pylí,
Tini
desde qi
depois d
do Pani
ascensãc
poucos c
o meu a:
panhiac
Doi
onde fu
roupa, (
que ten'
próxim;
mas, ho
mandar
Ea cidade inteira está trancada em gelo:
estimad
sob uma redoma de vidro, osmuros, a neve.
outros 1
Ando sobre cristais timidamente.
Deslizam os trenós de alegres cores.
Acima da estátua de Pedro, em Vorônej,
há os corvos, os choupos, a cúpula verde-claro
esmaecida, desbotada à luz do sol
verdade
coletivi
Num dl
dissidêi
VKulikôvskoi bítvoí viéiut sklôny
ea batalha de Kulikõvo explode nas colinas
Naúmo'
mogútchiei, pobidínelnoi ziemlí.
I topoliá, kak sdvínutyie tcháshí,
nadnávni srázu zazviemát silniêi,
kak búdto piút za likovdní náshí
desta terra de vencedores^^.
Kírov é
na brátchnom pírí tysiatchi gostm.
Epsçhoupo.SAaças.que_se_chocatnn]Am]ninãe,
rugem. sobrenós com toda a forca,
como se celebrassem npssp júbilo
num jantar de bodas para cettuconvivas.
An
cadeartantes d
acusadc
A Vkômnatíe opálnovo poéta
dijunát Strakh i Múza v svõi tchiriõd.
Mas, no quarto do poeta degredado,
o Medo e a Musa velam em rodízio,
I notch idíot
e uma noite cai
de trab;
que não traz esperança dealvorada.
houve í
kotóraía níè viêdáit rassviéta.
se suspí
em mas
tinham
12 ABatalha de Kulikõvo ocorreu em 1380, perto de Vorônej. Nela. Dmítri Donskôi derrotou
um dos pretendentes ao trono da Horda Dourada, que na época dominava aRússia. Dois anos
depois, os tártaros vmgaram-se dessa derrota saqueando Moscou, Mas avitória em Kulikõvo
demonstrou que os russos tinham condições de enfrentar militarmente os invasores tártaros.
populai
Res
PCUS-
Quândo opoema foi publicado pela primeira ygz, no jornal Lieningrád, em 1940, os quatro
últimos versos foram censurados.
166
13 Líder- et
que dei1 minha
Tinham sido muito difíceis, para todo o país, todos os anos transcorridos
desde que Stálin assumira opoder. Mas nada se compara ao que aconteceu
depois do assassinato de Serguêi Mirônovitch Kírov, opopular secretário
ójica ao
do Partido na Federação da Rússia, cujo prestígio estava em vertiginosa
imeiros
ascensão. Para todos os efeitos, Kíroy era um dos favoritos de Stálin que,
ilegría e
poucos dias antes de sua morte, lhe dera um livro com adedicatória "Para
izira na-
o meu amigo e irmão". Na noite de29de novembro, ele assistira, em com
panhia do Vójã^, a um espetáculo no Teatro das Artes, em Moscou.
Dois dias depois, ao entrar no Smólny, o prédio de Leningrado
que lhe
onde funcionavam os escritórios do PCUS, Kírov foi morto a queima-
amante,
ae tinha
im soco
arto em
uálidas
roupa, com um tiro na nuca, porum desconhecido, Leoníd Nikoláíev,
que tentou suicidar-se, em seguida, mas foi impedido poruma pessoa
próxima. Ogoverno viu nisso um atentado contra o poder bolchevique
mas, hoje em dia, não se tem mais dúvida de que o próprio Stálin foi o
mandante da eliminação de um rival potencialmente perigoso, muito
estimado pela população. Alémdisso, Kírov possuía - juntamente com
outros líderes que o ditador precisava eliminar - informações sçbre o
verdadeiro genocídio perpetrado no campo, durante a campanha de
coletivização forçada, que não podiam, de forma alguma, transpirar.
Num dos mais importantes romances publicados durante a fase da
dissidêncJa-d.agovema-Bréjnev —Os Filhos ãa Rua Arbat, de Anatóly
Naúmovitch Rybakóv - a responsabilidade do Vójd pela eliminação de
Kírov é abertamente proclamada.
derrocou
Dois anos
Kulikôvo
A morte de Kírov erao pretexto de que Stálin precisava para desen
cadear o Grande Terror. Nos dias que se seguiram, quarenta mil habi
tantes deLeningrado foram deportados para os campos deconcentração,
acusados deconspirar para matar Kírov. Quatrocentos outros, sabendose suspeitos, suicidaram-se antes que a NKVD pudessejietêrlos. Prisões
emmassa, processos sumários, execuções, exílios, remoção paracampos
de trabalhos forçados vieram em avalanche. Sóem dezembro de 1934,
houve 6.501 fuzilamentos, incluindo 0-deQaniihares.de.peLssoas_que
tinham sido presas. Calcula-se que, até 1938, cerca de dez porcento da
população masculina da URSS tenham sido presos ou executados.
Responsabilizando pela morte de Kírov a oposição dentro do
PCUS - Zinóviev, Kámeniev, Bukhárin e a velha guarda que, no XVII
; cánaros.
3S quacro
13 Líder - eraesse o título que Stálin gostava de sedar.
167
Congresso, reagira mal às proporções faraônica^assumidas pelo_ culto
da personalidade Stálin desencadeou expurgos de amplitude sem
precedentes, em processos presididos por Andrêi Vyshínski". ^jn-
de dar uri
Aleksand
a levou, c
assistia a tudo impotente. À sua vizinhaNina
Olshiévskaia, Akhmátova confessou, nessa época, que acreditava nunca
mais ser capaz de escrever.
Eentão, Liev voltou a ser preso. No início do ano, ao passar por
Moscou, vindo de uma viagem de trabalho à região do Don, ele_dis-
sera aEmma Gershtéin que talvez fosse preso, ao,yoltar aLeningmdo
pois uma conversa ouvida em casa de Púnin fora entendida de modo
equivocado. De fato, no outono, a tchiôrnaia Marússia - "MariaPreta",
nome popular que se dava ao camburão dos agentes da NKVD - veio
busc^q, junto a diversos outros alunos da Faculdade de História acu
sados de pertencerem auma organização anti-soviética. Pouco depois,
foi a vez de Púnin.
Aparentemente, durante um jantar de família, em maio, Púnin tinha
tirado fotografias usando, como ílasb, um novo produto químico que
produzia um estampido muito alto. Fazendo uma brincadeira de gosto
duvidoso, Nikolái dissera que aquele ruído era suficiente para abafar o
próprio tiro que matara Kírov. Essa observação teria sido quyida por um
certo Arkády, um conhecido de Liev que vinha às vezes fazer pequenos
reparos domésticos no apartamento da família, e ele a teiia relatado à
se essa história procede, ou que motivação
esse Arkády teria para incriminar Púnin: medo, cobiça, ou odesejo de
Respe
Conh
societ
dia 2ticas,
que a
palav
mem
o iní(
ligad
publ:
ment
em c
sobrf
passt
me e
serei
volv
se ai
proteger-se apontando o dedo para outro, assim dando às autoridades
uma impressão de lealdade.
Entre os amigos que se prontificaram aajudar Akhmátova, estavam
leléna Bulgákova, eaescritora Lídia Seifúllina, pois ambas tinham con
tatos dentro do Partido eda NKVD. Anna.fQÍiniediatamente aMoscou
procurá-las, bospedando-se em casa de Emma Gershtéin que, em suas
memórias, adescreveu como "um pássaro ferido". Em de novembro,
Seifúllina sugeriu que-ela escrevesse diretamente aStálin, pois haveriam
14 Acusador nos processos políticos de 1928, Vyshínskí foi nomeado, em 1931, procurador-geral
da Repubhca Russa e, em seguida, da URSS, Recebeu oPrêmio Stálin por ter enunciado a
doutrina de que as confissões dos acusados - mesmo quando obtidas sob tortura - podem ser
a&itas como aprova definitiva de sua culpa. Nomeado ministro das Relações Exteriores em
^949' foi demitido em 1953. Tudo indica que se suicidou no ano seguinte.
168
No
recusav;
gem de
Um
mei
tem
nes
15 Citadapo
16 Pastemák
por Mane
elo culto
de dar um jeito para que a carta lhe fosse entregue pessoalmente por
ude sem
Aleksandr Poskrióbyshev, oseu secretário. No dia seguinte, Bons Pllniák
a levou, de carro, até o Krêmlin, onde foi entregue a carta:
i".
lha Nina
vz nunca
Respeitadíssimo lósif Vissariônovitch,
Conhecendo a sua atitude sempre atenta às forças da cultura na nossa
issar por
sociedade e, em especial, aseus-escntpres, ouso dirigir-lhe esta carta. No
'If?
putubro, Nikolái Nikoláievitch Púnin, Professor de Artes Plás
ticas, emeu filho Liev, foram presos pela NKDV, em Leningrado. Não sei
, ele_clislingrado,
ie modo
ia Preta",
palavra de honra de que eles não são nem fascistas, nem espiões e nem
D - veio
membros de sociedades contra-revolucionárias. Moro na URSS desde
ória acu-
o início da Revolução. Nunca desejei deixar este paí^ ao qual sinto-me
ligada pelo coração e a mente, embora os meus poemas não sejam mais
0 depois,
que acusações há contra eles,lósif Vissariônovitch, masdou-lhe a minha
publicados e as resenhas dos críticos façam-me passar por muitos mo
lin tinha
mentos amargos. Nunca mepermitificar deprimida; continuo a trabalhar
lico que
abafar o
em condições morais e materiais muito difíceis e jápubliquei um ensaio
sobre Púshkin. O segundo está noprelo. Em Leningrado, vivo solitária e
passo boa parte do tempo doente. A prisão das duas únicas pessoas que
1por um
me estão mais próximas acarreta para mim um golpe do qual não sei se
equenos
latado à
serei capaz de me recuperar. Peço-lhe, lósif Vissariônovitch, queime de
volva o meu marido e o meu filho. Tenho a certeza de que o senhor não
ativação
se arrependerá de fazê-lo.
de gosto
esejo de
Anna Akhmátova
iridades
estavam
lanpcon-
Moscou
1- de novembro de 1935^^
No mesmo dia, também Bons Pastemák que, de um modo geral,
recusava-se a escrever cartas pelos outros, enyiqu aq Líder uma mensa
gem de tom inuito corajoso:
em suas
vembro,
averiam
Uma vez, o senhor me recriminou por ser indiferente quanto à sorte de
meus companheiros". Independente do valorquea vida de Akhmátova
•ador-geral
nesta e difícil que ela leva, e da qual nunca se lamenta. Peço-lhe, lósif
tem para nós e para a nossa cultura, sou testemunha da existência ho
lundado a
podem ser
15^ Citada por Serguêi Lavróv.
eriores em
16 Pastemák refere-se a umtelefonema que recebeu deStálin, quando lheescreveu intercedendo
por Mandelshtám.
169
Vissariônovitch, que ajude Akhmátova libertando seu marido e seu filho,
A atitude dela em relação a eles é, para mim, a garantia categórica de
oferece t
sua honestidade.
possível I
pôde esc
Dessa vez, o apelo à clemência foi ouvido. No papel da carta de
Akhmátova, Stálinescreveu: "Ao camarada lágoda: libertar da detenção
os camaradas Púnin e Gumilióv, e me informar quando isso tiver sido
feito". Púnin ficou tão espantado, ao ser solto no meio da noite, que
perguntou se poderia esperar até a hora em que os bondes começassem
quer atit
em uma
Qs_procf
partidári
a circular, de manhã cedo. Embora o relacionamento de ambos tivesse
atraído c
se desintegrado por completo, Akhmátova ficou imensamente aliviada
de apoio
ao vêdo em liberdade.
nece a st
Era à intervenção de suimãe e aos contatos que ela tinha no mundo
intelectual que Liev deviaa suasoltura. Mas ele sempre relutou em acre
ditar nisso, duvidando do interesse da mãe por ele. A Serguêi Lavróv,
ele declarou: "Sofri mais do que os outros, porque me expulsaram da
universidade e fiquei na miséria, chegando até a passar fome, porque
Púnin ficou com todos os cartões de racionamento da Mamãe, e a proi
biu até mesmo de me convidar para almoçar, alegando que 'não podia
alimentar a cidade inteira', dando assim a demonstração clara de que
me via como um total estranho".
Na realidade, Liev não fora aceito por Púnin no Fontánnyi Dom tiverade se ajeitarno alojamento universitário com um outro estudante,
um certo Áksel —; mas tomava as refeições diariamente corn a mãe. Os
tempos eram difíceis, e a experiência da prisão, quetomara Púnin ainda
mais tacitumo e sarcástico, não facilitava as coisas, pois ele estava sem
pre pronto a jogarna cara de Anna e Liev que ambosnão trabalhavam
e viviam às suas custas. Isso, no dizer de Emma Gersbtéin, "deixava
Entre as
cada, est
Gershtéi
Tudo inc
1932, a I
da Allih
Em :
so de Hi
recomeç
vez tom:
pensão ]
mente.di
posição!
ex-espos
de arte f
em sua ;
essas altivas figuras paralisadas, como se tivessem sido amarradas por
rando cc
um fio invisível".
Andrêie
Por outro lado, o medo de perder o filho desenvolvera um lado
muito possessivo nas relações de Anna com Liev. Ela via como uma
Irina de:
ameaça o desejo do filho de ir morarem Moscou com Emma, por acre
ditar que ela teria condições melhores de ajudá-lo. Mais de uma vez
Gersbtéin relata ter sido tratada por Akhmátova como se fosse uma
rival. A publicação, em 1998, da seção de suas memórias intitulada
Amor Inãesejado, escrita em 1993, causou indignação em Moscou, pois
170
reconhe
a morar
poema c
mente o
17 Eles se tini
em 1063.
ieu filho,
írica de
oferece um retrato pouco lisonjeiro da mãe ciumenta, disposta aqual
quer atitude para impedir uma ligação que vê com maus olhos. ÉJmpossível entender como uma mulher inteligente como Emma Gershtéin
pôde escrever coisas assim sobre Akhmátova , disse Anatóly Náiman
em uma entrevista de 2003 com Elaine Feinstein.
arta de
etenção
'er sido
;çassem
Os processos políticos prosseguiam, vitimando os suspeitos de serem
partidários de Trótski e, em janeiro de 193^' Maksím Górki, que fora
tivesse
atraído de volta à URSS, e se transformara num precioso instrumento
te, que
mundo
de apoio ao regime, morreu em circunstâncias nunca elucidadas: perma
nece asuspeita de que ele tenha sido envenenado por ordem de Stálin.
Entre as pessoas que, nesse ano, desapareceram de maneira mal expli
;m acre-
cada, estava a Dra. Aleksándra Kánel, acompanheira do pai de Emma
iliviada
ram da
Gershtéin, que fora a médica de vários altos funcionários do Partido.
Tudo indica que Stálin tinha velhas contas a acertar com ela pois, em
porque
1932, aDra. Kánel se recusara aassinar ocertificado de óbito de Nadiêj-
5 a proi-
da Allilúieva, dando como causa da morte uma crise de apendicite.
3 podia
de que
so de História da Universidade de Moscou, desde que concordasse em
Lavróv,
Em 1936, Víktor Árdov conseguiu que Liev fosse admitido no cur
recomeçar no primeiro ano —o que ele recusou indignado. Mas cada
. Dom —
vez tomava-se mais difícil para eles a vida em Leningrado: a pequena
;udante,
pensão paga a Akhmátova tinha sido cortada, e isso a deixara total
aãe. Os
mente dependente de Púnin eseus familiares. Gabin-lhe agora amesma
iva sem-
posição humilhante em que, antes, estivera aDra. Anna Ahrens —ade
ex-esposa rejeitada —pois Nikolái arranjara nova amante, ahistoriadora
Ihavam
de arte Marfa Andrêievna Gólubieva^k Embora continuasse morando
leixava
em sua própria casa, Marfa estava sempre no Fontánnyi Dom, colabo
n ainda
das por
rando com Nikolái em seus artigos - função que, antes, coubera aAnna
m lado
Andrêievna. Agora, ele virtualmente aignorava, sobretudo depois que
Irina descobriu estar grávida de um namorado, Nikolái Kamínski, que
reconheceu a paternidade do bebê, mas com o qual ela nunca chegou
10 uma
lor acre-
a morar. O isolamento em que Akhmátova se sentia reflete-se em um
ma vez
poema como Posliédnii Tost (O Último Brinde), que deixou Púnin seria
se uma
mente ofendido:
itulada
17
Eles se tinham conhecido provavelmente em 1935'
Marfa foi sua aluna, ela morreu
)u, pois
171
Id piúza razonõnnyi dom,
za zlúiujizn moiú,
Bebo à casa arruinada,
às dores de minha inda,
levava c
za odinótcheswo vdvoiõm
à solidão lado a lado
ao vê-lc
i za tihiá iá piú ~
za loj miniá príeddvshikh gub,
za míónvikh khólod glaz,
za to, shto mirjistók i gnih,
za to, shto Bog niêspas.
e a ti também eubebo ~
aos lábios que me mentiram,
aojrio mortal nos olhos,
prazer e
tamhén
moranc
Em
ao mundo rude e brutal
e a Deus que não nos salvou.
de sair
hreve e
Para escapar dessa situação ingrata, Anna-reíugiav^a-se-em-easa de
ainigos,. era.M.oscou —o que deixava Púnin inquieto e o fazia mandarIhequantias em dinheiroe telegramas dizendoque a amava e sentia sua
falta. Da mesma forma queGumilióv, mesmo depois de seus sentimentos
esfriarem, a idéiade perdê-la o incomodava. Mas era como uma exilada
que Akhmátova se sentia, forçãdãTà sê afastar de sua cidade —e nada
o expressa melhor do que umpoema de 17 de agosto de 1936, e^que
ela fala do autor da Divina Comédia exilado de sua Florenca natal.
comph
na ohr;
do cen
interna
com el
Os ex]
lejóvsh
sos e
DANTE
DANTE
t
rogaló
ll mio hei San Ciovanni
Demiá
Inferno, Canto XIX, 1.7
dos in
que, p
On i póslie smiérti niêvirhúlsa
Vstdruiu Florêntsiiu svoiú.
Étot, ukhodiá, niêoglinúlsa,
étomu iá étu piésn poiú.
Fákiel, notch, posliêdnieie obiátie,
za porógom díkii vopl' sudby.
On iz áda iêi posldl proklidtie
i Vráiu niêmog ieiõ zabít—
no bosõi, Vrubákhie pokaiánnoi,
so smtchoi zajjiônoi nie proshiôl
po svoiêi Florêntsiijielánnoi,
vierolómnoi, nískoi, dolgojdánnoi.
Nem morto eh voltou
do na
a sua antiga ,Flgrença.
inferr
Ao deixá-la, não olhou para trás.
Épara ele que canto esta canção.
Uma tocha. Noite. Ultimo abraço.
Seu destino selvagem geme porta afora.
Quando esteve no Inferno, amaldiçoou esta cidade,
mas não se esqueceu dela ao chegar ao Paraíso.
Mas nãofoi ele quem andou, com pés descalços,
versid
e
era
juntai
interr
que s
vestido de saco e com uma vela acesa,
discei
pelas ruas da Florença bem-amada,
mesquinha e infiel, que ele tanto desejou...
desdt
Emjaneiro de 1937, por interferência de Púnin, a Universidade de
Leningrado aceitou que Liev voltasse a se matricular no terceiro ano.
Isso lhe deu condições de recomeçar as viagens de pesquisa, nas quais
172
U
possf
18 Emrus
de um
lião dc
a fase
levava como assistente omeio-irmão Orést Vissótski, que tivera enorme
prazer em conhecer nessa época (Akhmátova também ficara comovida
ao vê-lo, e comentara com Emma: "Ele tem as mãos de Nikolái ). Liev
também pôde ir com mais freqüência aMoscou, onde os Árdov estavam
morando em condições bastante confortáveis.
Em maio, Óssip e Nadiêjda Mandelsbtám receberam a permissão
de sair deJVorõnej, eAkbtrmtova os viu em Leningrado, durante uma
breve estada de dois dias. Mas, agqra^ a comunidade literária aisolara
completamente e, embora fosse uma das inaiores autoridades dn país
asa de
landartia sua
nentos
:xilada
na obra de Púsbkin, sequer foi convidada para as celebrações oficiais
do centenário de morte do poeta. Uma recaída da tuberculose afez ser
internada durante alguns dias no hospital Obukbóv, oridqLiey veio ficar
com ela, numa inesperada demonstração de cuidado com a mãe.
e nada
m que
al.
Os expurgos, continuavam e1937 foi oauge do período chamado de
lejóvshtchina'', do nome de Nikolái lejóv, ochefe da NKVD. Qs .proces
sos e execuções sumárias se intensificaram, a tortura durante os inter
rogatórios era rotineira e intelectuais ligados ao sistema, como o poeta
Demián Biédny, publicavam poemas no Pravda, pedindo que osangue
dos inimigos da URSS fosse derramado. Bt^bárin não podia imaginar
que, pouco tempo depois de proclamar existe algo_de grandioso eousa
do na idéiafoemm expurgo geral", seria ele próprio vítima da máquina
infernal que celebrara.
Um dos alvos desses expurgos foi Mikbaíl Lasórkin, reitopda Uni
versidade 4e_Leningrado. Conhecera os pais de Liev, admirava aambos,
e era o maior apoio com que ojovem contava dentro da escola. Preso
juntamente com sua mulher, Lasórkin morreu sob tortura, durante um
interrogatório, efoi atirado por uma janela do prédio da NKVD, para
que se pudesse alegar que ele se suicidara. Ainda havia quem tentasse
discernir um motivo por trás dessas prisões eexecuções. Mas Aldamátova,
desde oinício, lhes respondia: "Vocês têm de entender que, neste país, é
possível ser preso por absolutamente motivo al^m .Eos fatos viriam lhe
ade de
18 Em russo, osufixo -muna. (.shtcliina) designa um período profundamente ligado apersonalidade
de um indivíduo; donde onome da ópera Khovãnshtchma, de Mússorgski, arespeito da lebe-
ro ano.
' lião dos Khovânski contra Pedro, oGrande; da mesma forma, será chamada de jdánovshcàima
; quais
afase da repressão aos artistas organizada pelo comissário da Cultura Andrêi Jdánov,
173
dar razão pois, em lo de março de 1938, Liev Nikoláievitch, que acabara
de entrar no quarto ano do curso de História, voltou aser preso.
Desta vez, ocorrera umincidente que pode explicar essa nova deten
ção. Ele estava assistindo à aula de um certo Pudânski, professor de
Literatura Russa Contemporânea. AgJ^r do Acmeísmo, esse profes
sor começou a fazer pouco de Nikolái Gumilióv, referindo-se às suas
aventuras em tom de zombaria; "Ele escreveu a respeito da Abissínia,
inas nunca passou da Argélia . No depoimento dado a Serguéi Lavróv,
Liev conta: "Não_ consegui tolerar isso e, erguendo-me do lugar onde
estava, gritei, para que o professor pudesse me ouvir: 'Meu pai nunca
do que
fizera j
bre de
1938, (
novam
vez, pc
reu em
Vladiv
foi jog;
esteve na Argélia. Mas à Abissínia ele foi, sim.' Pudânski, num tomcon
descendente, não levou em conta o meu comentário: 'Qpem entende
mais desse assunto, você ou eu?' Não mecontive: 'Eu, é claro! Afinal de
contas, ele era o meu pai' ".
Essas eram palavras muito ousadas para o clima político da ^oca.
Pudânski queixou-se de sua impertinência ao novo reitor, que não tinha
por Liev a simpatia de Lasórkin. Épossível que, por esse motivo, ele te
nha sido recolhido àprisão da Kriesty onde, desta vez, os interrogadores
foram bem mais violentos.do que em 1935. "A torttrra tinha-se tornado
lugar-comum ,disse ele aLavróv. "Tentavam fazer as pessoas confessarem
eassinarem uma admissão de culpa que ointerrogador já tinha preparado.
quis confessar nada, pois nada havia de que eu pudesse me
culpar, continuaram a me.espancar durante oito noites seguidas."
^
processo sumário, que durou apenas cinqüenta
minutos, e em que osacusaram de planejar o assassinato de membros do
A essa
No OU'
skaia,
tiróidf
Dr. Vl
sido a]
profes,
Leninj
magnt
sem a
sua an
bem -V
com O
N
Partido, Liev etrês outros estudantes.foram condenados a ^z anos de
trabalhos forçados emais quatro de suspensão de^seus direitos civis. Após
modoi
a pronúncia da sentença, em outubro, Akhmátova foi autorizada a rever
vivia I
ofilho, que tentou esconder dela todos os sinais de maus-tratos na cadeia,
para não alarmá-la. Mas ela estava em pânico porque ouvira, em Moscou,
rumores de que a sua sentença fora considerada demasiado leve, e ele
de ale
dos dc
que ei
ainda
podia ser fuzilado. Ea..^sua angústia com a prisão do filho seria redobrada
velho
pela notícia de que Mandelshtám tinha sido novamente detido.
vir m(
Aconselhados pelo escritor Isaak Bábel - que, em breve, seria tam
bém vítima da perseguição aos intelectuais - Óssip e Nadiêjda tinham
ido instalar-se na cidade industrial de Kalínin, às margens do rio Tvier,
onde as condições de vida para eles estavam um pouco menos precárias
174
El
va sej
por is;
do esl
ssor de
do queem Moscou. Mas a autorização para queo casal saísse de Vorônej
fizera parte da técnica perversa de Stálin de dar à sua vítima um vislum
brede esperança, antes de lhe assestar o último golpe. Em 2 de maio de
1938, o Líder assinou a ordem n° 2817, determinando que o poeta fosse
; profes-
novamente detido, acusado de atividades contra-revolucionárias. Desta
às suas
vez, porém, Óssip não resistiu; exaurido pela tortura eas privações, mor
bissínia,
reu em27de dezembro de 1938, no campo de trânsito n-3/10, perto de
Vladivóstok, ao ser levado para ogúlag deKolyma, naSibéria. Seu corpo
foi jogado em uma fossa comum. Mandelshtám tinha apenas 47 anos.
acabara
a deten-
Lavróv,
ir onde
i nunca
om con-
ntende
inal de
A essa altura, personagens novas entraram na vida de AnnaAJchrnj.tqva.
No outono de 1937, ela tinha sido mandada para o hospital Kúibíshevskaia, ao lado de sua casa, onde estava sendo tratada de um distúrbio na
L^oca.
o tinha
), ele te-
jadores
ornado
;ssarem
parado.
;sse me
qüenta
3ros do
nos de
Após
a rever
cadeia,
loscou,
!, e ele
jbrada
tiróide pelo endocrinologista Dr. V.G. Baránov. Ali se encontrou como
Dr. Vladímir Gueórguievitch Gárshin a quem, anteriormente, já tinha
sido apresentada em casa do historiador Mikhaíl Engelhardt. Brilhante
professor de anatomia patológica na Academia Militar de Medicina de
Leningrado, o Dr. Gárshin era um homem bem apessoado, de grande
magnetismo pessoal, e seduziu Akhmátovapela maneira articulada e
sem afetação como falava. Depois que ela voltou para Leningrado, a
sua amizade aprofundou-se e eles se tomaram amantes —o que não foi
bem visto pelo filho mais velho^dq inédico, lúri, que desentendeu-se
com o pai e saiu de casa.
NaLeningrado da década de 1930, afligida por crônicos problemas
de alojamento, o Dr. Gárshin morava em um apartamento de três cô
modos, nurn prédio comunitário do lado sul do cais do Fontanka. Ali
vivia em companhia dp sua mulher, Tatiana Vladímirovna Gárshina,
dos dois filhos, lúri e Aleksêi, da irmã, lúlia Grigórievna, e da filha desta,
que era doente mental. E as condições de vida da família tomaram-se
ainda mais espartanas depois que, em 1936, ao se casar, o irmão mais
velho do médico, lúri Grigórievitch Gárshin, e sua esposa tiveram de
vir morar com eles.
ia tam-
inham
Tvier,
;cárias
Embora ligada ao Dr. Gárshin, só em setembro de 1938 Akhmáto
va separou-se definitivamente de Púnin. Mas não tinha para onde ir e,
por isso, continuou morando no apartamento do Eontánnyi Dom. Sajiu
do estúdio que.antes ocupara com Níkolái, e passou para um quarto
175
menor, onde as coisas se amontoavam com a desordem que semgre ca
racterizava os lugares onde morou. Foi ali que, em novembro de 1938,
recebeu pela primeira vez a visita de Lídia Komiêievna Tchpkôvskaia,
destinada a se tomar uma de suas mais íntimas amigas.
O
se:
di:
de
A filha dq crítico Komiêi Tchukóvski era uma atraente mulher de
31 anos, cujo marido, Matviêi Bronshtéin, fora condenado a dez anos
le
de
de prisão (nunca se soube por que, mas a única explicação plausível é
que ele tinha o mesmo nome de família de Liev Trótski). Durante os
terríveis anos à frente, Lídia Tchukôvskaia seria a sua amiga mais leal
m
nl
e a confidente a quem Akhmátova mais se abriu. Ê através do olhar se
reno dessa mulherde aguda inteligência literária que teremos o retrato
do ser humano e da escritora, traçado nos três preciosos volumes dos
fora ji
Zapíski oh Annie Ákhmátovoi (Anotações sobre AnnaAkhmátova^®), que
tória I
O
devor
cobrem de 1938 a 1966^°.
afasta
Lídia e o Dr. Gárshin revezaram-se em cuidar dn Akhmátova, prin
cipalmente agora que, envolvido com Marfa Góluhieva e preocupado
violer
coma gravidez de Irina - ela teve uma menina, Anna Nikoláievna, em
Supre
dezembro de 1939 -, o ex-marido não lhe dava mais a menor atenção.
Uma outra inesperada amiga^urgira; Olga Vissótskaia, que se preocu
por L;
pava com ela e vinha constantemente visitá-la. Laços muito afetuosos,
Si
criados a partir das lembranças comuns que tinham de Gumilióv, liga
tudan
so. M:
máto\
ram-na à mãe de Orést Nikoláievitch. Lemos, no livro de Tchukôvskaia,
que 11
a admissão de Anna; "Havia dias em que eu só me alimentava porque
Lea, t(
olga Nikoláievna estava lá para me fazer comer. De um modo ou de
outro, ela sempre conseguia me convencer a cuidar de mim mesma".
Frágil e vulnerável quando estava em Leningrado, a ponto de pre
cisar que Lídia a acompanhasse de volta para casa, quando ia visitá-la.
pois tinha medo deandar sozinha na rua, ànoite, Akhmátova recupera
vaenergias iiisuspeitadas, cada vez que ia a Moscou e se hospedava em
casa dos Árdov. Ela não perdia aesperança de fazep junto ao Kr^lin,
contatos que a pudessem ajudar a libertar Liõva - ou, pelo menos, a
atenuar as condições de seu cativeiro. Enquanto isso, Liev Nikoláievitch
estava cada vez mais convencido de que a seusobrenome devia a nova
estada na prisão. Ele contou a Serguêi Lavróv:
19 VerBibliografia.
20 Os dois primeiros volumes tinham sido publicados em Paris, pela YMCA Press, em 1976 e
1984; a edição russa integral saiu em Moscou, pela Soglásie, em 1997.
176
de Ih
ainda
mach
vores,
novo
A
procr
sido ]
perar
pacot
um d
A son
a
voz
usível é
OJnterrogador, capitão Lódyshev, me disse que eu tinha sido preso por
ser filho de meu pai, E acrescentou: "Não gostamos de você por causa
disso", Era absurdo pois, em 1936, todos os participantes da conspiração
de Tagántsev já tinham sido presos e fuzilados, Mas o interrogador não
levou isso em conta e, depois de me espancarem durante oito noites,
deram-me para assinar uma confissão que nem consegui ler, pois estava
muitomachucado. Mais tarde me disseram que esse Lódyshev foi fuzilado,
rante os
não sei se em 1938 ou 1939,
tngre ca-
1938.
ôvskaia,
illier de
lez anos
lais leal
lava em
O interrogador de Liev não tinha sido o único, A Revolução estava
devorando seus próprios filhos, Genrikh lágoda, o ex-chefe da NKVD,
fora julgado e executado. Seu sucessor, Nikolái lejóv, que passou à His
tória por ter dado o seunome à fase mais negra do Terror, também foi
afastado do cargo, e desapareceu, tudo levando a crer que teve morte
violenta, Ein conseqüência da queda de lejóv, Liev, e os outros dois es
tudantes julgados junto com ele, puderam enviar ao Colégio Militar da
Suprema Corte da União Soviética um pedido de revisão de seuproces
so, Mas o terreno se estreitava sobosseus pés, pois lejóv foi strbstituído
por Lavrênti Béria, ainda rnaisimpiedoso.
Sufocada pelo desespero de ver seu filho único encarcerado, Akhmátovarecebeucomouma marteladaa lacônica mensagem de um amigo
que lhe telefonou nos primeiros dias de 1939; "Nossa amiga comum,
Lea, teve um filho; e a nossa amiga^Nádia ficou vitiva", Essa foi a maneira
de lhe avisarem que Mandelshtám tinha morrido, Isso a fez sentir-se
ainda mais sozinha e desamparada. Nesse meio tempo, ferido por um
machado que lhe caíra no pé, no.campo onde trabalhava cortando ár
vores, Lievfora trazido de volta à Kriesty, em,Leningrado, para esperar
novo julgamento.
Ali, durante^meses^ a fio —às vezes acompanhada por Lídia, que
Jêmlin,
procurava notícias do marido, embora Bronshtéirra essa.altura já,tivesse
olhar se1 retrato
nes dos
a^®), que
va, prin-
icupado
vna, em
atenção,
preocu:etuosos,
ióv, ligaôvskaia,
porque
0 ou de
ssma".
1de pre/isitá-la,
ícupera-
lenos, a
íievitch
. a nova
sido fuzilado -, Anna esperou, na fila, ao lado,dasoutraa mães, na es
perança de saber algo sobre Liev, ou de poder confiar a um guarda um
pacote de alimentos para ele, Diante.^daqueles muros silenciosos na.sceu
um dos maiores monumentos da literatura russa na fase negrado Terror,
m 1976 e
À sombra da penitenciária de Leningrado, Anna Andrêievna tomou-se
a voz da Rússia, a porta-voz de todo um povo que sofria.
177
Éta jénshtchina holná,
étajénshtchina oàná,
muj Vmoguílie, syn v turmie
época
usado;
Ei
especi
(Esta mulher está doente,/ esta mulher está sozinh^,/ o marido no túinulo, o filho na prisão); é assim queAkhmátova sedescreve, no poema
que o
e inte:
em que evoca os longos dias passados diante da Kriesty. nos horários
de. visita aos presos.
image
Rekviem: tzikl snkhotvoriênii (Réquiem: Um Ciclo de Poemas, 1935/
1957}, durante muito tempo censurado na URSS, é uin dos rnais impres
sionantes testemunhos literários dosofrimento individual sob a opressão
política. Mais doque em qualquer outro deseus poemas, fica patente, nes
ta obra magistral, como Akhmátova consegue efetuar o trânsito_entre o
fora d
imediatismo da experiência índhriduiL¥a eternidade de um sentimento
universal. Do"eu", Akhmátova passa ao mundoexterior; e seus lamentos
pelo filho aprisionado, sem nada perderem de sua qualidade essencial
devas
mãe d
"tu" - (
e do s
N
a
verc
n a vo
de sol
mente pessoal, transformam-se no grito dedor detodos aqueles que foram
uma i
opriraidos e degradados duranteosanos da tirania stalinista.
eram
Ela teve de se calar quando Mandelshtám foi preso; teve de baixar
a cabeça a ataques estúpidos de críticos medíocres,, de fazer traduções
para sobreviver; de escrever poemas de circunstância louvando Stálin,
numa tentativa desesperada deconseguir a libertação do filho ("Kidálas
Vnógui palatchú", confessa no Réquiem: "eu me atirei aos pés de teu
tinha
carrasco"). Mas todas essas humilhações são resgatadas pela grandeza
desse ciclo de poemas, em que a dor de todo um povo é transmudada
em algo de eterno e universal, pelo próprio paralelo que ela esta^ece
entre a dor individual de cada. mãe e a da Mater Dolorosa, ao pé da
procl;
sofrir
quem
tamb(
dade.
cruz um queseu Filho é martirizado, símbolo do sofrimento perene de
todas as mães da Humanidade.
Não égratuito ofato de.o ciclo ser formado poruma séri.ejie_pequenos poemas que poderiam ser facilmente memorizados e carregados, em
segredo —de cor, dentro do coração —, por aqueles para quem tinham
um sentido especial. Assim o poema foi preservado, por muito tempo,
por Akhmátova, Tchukõvskaia esuas confidentes mais chegadas. Operi
go de ser apanhado com essas palavras escritas em um papefera grande
/lemais para que elas pudessem se arriscar. Nesse sentido, acomposição
do Réquiem étípica da maneira como os russos se comunicavam, naquela
178
("Nãc
meu
S
nik (E
uma
lióv '
Citado
éppcaj journadinguagem velada, sem-deixar. rastros que pudessem ser
usados contra eles numa perseguição.
Embora Réquiem seja um lamento por seupovo, num momento tão
específico da história da URSS, Akhmátova o constrói de tal maneira
que o ciclo transcende a sua era, e transforma-se.-nuirL.grito universal
e intemporal contra qualquer tipo de perseguição ou intolerância. As
io no túo poema
horários
imagens que o percorrem com a força brutal de um filme - os rostos,
^^rih935/
s impres-
devastados pela dot e.o medo, das mulheres que esperam do lado de
fora da prisão; a esposa que assiste impotente a prisão de seumarido; a
mãe desolada que espera pelaMorte e conversa com ela chamando-a de
opressão
"tu" - conyertern-se em ícones, da universalidade da crueldade humana
e do sofrimento-que-ela-provoca.
NoRéquiem, explode a função do poetacomo aquele que ousa dizer
a verdade. Uma das finalidades fundamentais da poesia é converter-se
na voz do sofrimento e da redenção, é ser uma arma de resistência e
de solidariedade. Eo poema celebra a importância da memória como
uma força que nos ajudará a superar o mal. "A dor e o sofrimento não
eram o que ela mais temia", escreve John Malchunik^^. "Akhmátova
tinha muito mais medo de esquecer o que significavam essa dor e esse
sofrimento, e de trair, assim, não só a si mesma, .mas a todas aquelas a
quem emprestava a sua voz. Elafoi a cantora do amor e da ternura, mas
também da força que se ergue contra o horror, com inabalável integri
dade." A mesma mulher que, em 1917, já se recusara a deixar a URSS,
proclama, na epígrafe do Réquiem:
2nce, nes-
3_entre o
itimento
amentos
íssendal-
ae foram
e baixar
aduções
o Stálin,
'Kidálas
s de teu
randeza
mudada
tabelece
"Niet, i niêpod tchújdym niehosvódom, (...)
iá hylá togdá s moím naródom,
tam, gdiê mõi národ, k niestchdstiu, byl".
o pé da
:rene de
("Não, não foi sob um céu.estrangeiro, (...) eu estava bem no meio de
meu povo,/ lá onde o meu povo em desventuraestava.").
Sóem 1999, ao ser publicado o primeironúmero da revista Istótchnik(Nascente), soube-se que em 17 de julho de 1939 tinha sido emitida
uma resolução do Comitê Especial da NKVD, implicando Liev Gumilióv "numa organização de agitadores anti-soviéticos"; e que, durante
epeque-
idos, em
tinham
3 tempo,
:. O peri-
.grande
posição
naquela
21 Citado por Robin Kemball num anigo para a Russian Reinew de julho de 1974. VerBibliografia.
179
-J
onovo inquérito, uma das falsas acusações surgidas contra ele foi ade
que sua mãe oincitara a assassinar Andrêi jdánov, que suBstituíra Kírov como líder do Partido em Lenirigrado. Apesar das esperanças de
Akhmátova de que ofilho fosse libertado, ele foi novamenm condenado, em 18 de agosto, acinco anos de trabalkqs forçados, no campo de
Nórilsk, ao norte dq país.
Em 28 de agosto, mandaram lhe avisar que, ao ser mandado de
volta para o norte, Liev precisaria urgentemente de vestimentas quentes. Lídia ajudou Akhmátova, inteiramente desnorteada, amobilizar os
amigos, conseguindo daqui e dali botas, casaco, cachecol, luvas, suéteres. Depois que Tchukôvskaia aajudou a arrebanhar todas essas roupas,
Anna lhe disse; "Não vou te agradecer. A gente não agradece por uma
coisa dessas".
Curiosamente, a atitude, em relação aos prisioneiros, nos campos
siberianos, era menos rigorosa do que na Rússia européia. Em Nórilsk,
permitiram aLiev estudar geologia e, no final de seus anos de pena, ele
se tomara um hábil técnico de laboratório, capaz de trabalhar com o
cobre, o níquel e a platina explorados ali. As condições de vida, po
rém, não eram melhores no norte: "comparada com o campo, a frente
de batalha era uma estação de veraneio", disse ele a Lavróv. O ressenti
mento contra a mãe, todavia, nãodiminuíra pois, emcarta a Emma, ele
reclama que Anna nunca lhe escreve e acrescenta, ironicamente: "Mas
tenho a certeza de que está com muito boa saúde".
Não estava. Aos ^problemas cardíacos, distúrbios da tiróide "e crises
recorrentes de tuberculose, tinha vindo juntar-se a neurite traumática,
do Fo
é a ir
poucc
que, \
agora
dgvjia
DâClQ
d
L
resultado das muitas horas que passara de pé, na fila, exposta ao frio.
E a isso juntava-se um outro motivo de preocupação: Púnin, agora, a
são, t
estava pressionando para sair definitivamente de seu apartamento, eela
não tinha para onde ir. Os dois poernas reunidos sobjp títulq^de RazIíu
porqi
capa:
(Ruptura), escritos mais tarde, parecem fazer obalanço do que fqi essa
outrc
fase penosa em sua vida:
Desd
^^
a
1.
1.
Niê niãiéli, niê miétsiatsy —gódy
rasstavális. I vot nakoniéts
Nem semanas nem meses —anos
levamos nos separando. Eis,finalmente,
kholodõk nastpiáshtchei svobódy
ogelo da liberdade verdadeira
i siedôi nad uiskdmi umiéts.
eas cinzentas guirlandas nafachada dos templos.
180
ser]
nesse
enco
Não mais traições, nao mais enganos,
e não me terás mais dejicar ouvindo atéo amanhecer,
enquantojlui o riacho das provas
Bólshíe met nié izmiên, ni pnedáielstv,
i do sviéta nié siúshaiesh ty.
da minha mais perfeita razão.
niesravniênnoi moiêi pravoty.
impo de
1940
1940
iado de
E como sempre acontece nesses dias de ruptura,
à nossa porta hateu p espectro dos primeiros dias
e, pela janela, irrompeu o salgueiro prateado
com toda a encanecidamagnifcência de seus ramos.
I kak vsiegdá hyváiet v dni razríva,
k nam postutchálsa prízrak piérvykh dniêi,
; foi a de
tuíra Kí-
inças de
:ondena-
as quen-
ilizar os
15, suéte>roupas,
)or uma
E nós, perturbados, amargos mas altivos,
não ousamos, erguer do chão osnossos olhos.
Com voz exultante, o pássaro põs-se a cantar
campos
o quanto um do outro tínhamos gostado.
Nórilsk,
ena, ele
25Í9/1944
: com o
ida, po1 frente
ressenti-
ma, ele
e; "Mas
e^crises
imáúca,
ao frio.
•gora, a
:o, e ela
•Razlív
foi essa
Icak strúitsapotók dokazátelstv
1 vorvalds siriéhrinaia íva
sidym velikoltépim vietviêi.
Nam, isstupliônnym, górkim i nadmiênnym,
niézmiéiushtchim glazá podmát s ziemlí,
zapiéla ptitsa gólosom hlajiênnym
o tõm, kak my drug drúga hiriglí.
25/9/1944
Era umafase da qual elasaía sem rancor. Qpando Tchukôvskaia se
preocupou porque ela não tinha para onde ir, ao sair do apartamento
do Fontánnyi Dom, Anna lhe respondeu: "Esta é a minha vida, assim
é a minha biografia. Quem pode recusar viver a própria vida?". Aos
poucos, ela tinha aprendido a aceitar essa biografia e, damesrna. forma
que, um dia, Mandelshtám lhe d^sera: "Estou pronto para morrer", ela
agora podia dizer: "Estou pronta para viver". A sua força estava na ca
pacidade de encarar o que quer que estivesse à sua frente.
Na realidade, quando o Terror mergulhou.todo o país ena confu
são, Akhmátova não estava despreparada. Foi uma das poucas pessoas
capazes de dizer aquilo que precisava ser dito: a vida tem deservivida,
porque é__ainarga e difícil, mas não existe nada de melhor. Enquanto
outros ficavam em estado de choque, totalmente desarvorados, ela,
por estranho que isso possa parecer, encontrou-se_em terreno familiar.
Desde 1921, quando Gumilióv fora executado, Anna sabia o que. era.
a sensação de ver o mundo lentamente desmoronando à sua volta. E
nesse momento em que o Terror fazia a noite baixar sobre todo o país,
encontrara instintivamente, dentro de si mesma, a força para resistir.
181