o xadrez e o estudante: uma relação que pode dar certo na

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o xadrez e o estudante: uma relação que pode dar certo na
O XADREZ E O ESTUDANTE: UMA RELAÇÃO QUE
PODE DAR CERTO NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS
MATEMÁTICOS
Anne Carine Lopes
Pontifícia Universidade Católica-SP/SEE-SP;
[email protected]
Sandra Magina
Universidade Estadual de Santa Cruz-Ba/PUC-SP;
[email protected]
RESUMO
Este estudo teve por objetivo realizar um diagnóstico acerca do possível
efeito que a prática de jogar xadrez pode ter sobre o desempenho de alunos
dos 8º e 9º anos do Ensino Fundamental em Matemática. Investigamos
especificamente a relação de causa e efeito entre a prática do xadrez e a
habilidade de resolver problemas matemáticos. A fundamentação teórica
aportou-se nos estudos de Piaget e de Macedo. A metodologia compreendeu
um estudo descritivo e o instrumento diagnóstico foi composto por oito
problemas, retirados da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas
Públicas, os quais contemplaram os quatro blocos de conteúdos descritos
nos Parâmetros Curriculares Nacional. Participaram da pesquisa 22 alunos,
formando dois grupos de 11 alunos cada: o grupo de alunos que jogava
xadrez a mais de um ano participando de competições (Gjx), e o grupo de
alunos que não jogavam xadrez (Gnx). Os resultados apontaram que os
alunos do Gjx apresentaram desempenho significativamente melhor que os
alunos do Gnx, com destaque para o bloco Grandezas e Medidas. O estudo
concluiu que há fortes indicativos de que o xadrez contribuiu para o melhor
desempenho do Gjx. As estratégias dos enxadristas também foram mais
eficientes do que as adotadas pelos não enxadristas.
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Palavras-chave: Jogo, Jogo de Xadrez, Educação Matemática,
Resolução de Problema.
THE CHESS AND THE STUDANT: A RELATIONSHIP
THAT MAY BE SUCCESSFUL TO SOLVE
MATHEMATICAL PROBLEMS
ABSTRACT
This study aims to do a diagnostic about the possible effect that the practice
of chess can have on the performance in Math of students from 8º and 9º
year of Fundamental Level. Specifically investigated the relation of cause
and effect among the practice of chess and the ability of solving
mathematics problems. The theory is based on the studies of Piaget and
Macedo. The methodology is a descriptive study and the diagnostic tool
consisted of eight problems, taken from Brazilian Mathematic Olympiad of
Public Schools, which contemplated the four axis of contents in
the National Curriculum. The participants were 22 students, forming two
groups of 11 students each: the group of students who plays chess (Gpc),
they play chess more than a year in the Sportive Curricular Activities and
the group of students who doesn’t play chess (Gnc). The results showed that
students Gpc had the performance significantly better students the Gnc,
especially the block Quantities and Measurements. The study concluded that
there were strong indications that chess has contributed to the better
performance of Gpc. The strategies of chess players were also more
efficient than those used by non chess players.
Keywords: Game, Chess Game, Mathematic Education, Problem
Solving.
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Introdução
Em minha trajetória profissional como professora de Matemática há mais de 10
anos na Rede Pública de Ensino no Estado de São Paulo, venho observando, há tempos,
o problema da precariedade de atenção e de concentração dos alunos, o que muito me
tem angustiado. O fato é que os alunos não conseguem ficar muito tempo concentrados
nas atividades durante as aulas, e tal dispersão tem sido percebida e comentada também
pelos meus colegas professores.
Por causa dessas inquietações, comecei a ler artigos, matérias e trabalhos
científicos sobre concentração, falta de concentração e atenção dos estudantes. Dentre
essas leituras, interessaram-me sobretudo alguns artigos sobre o jogo de xadrez com que
deparei, mais especificamente, aqueles sobre os benefícios do xadrez para a
aprendizagem na escola.
Duas das publicações que li chamaram-me a atenção por terem pontos de
divergência. Na primeira, escrita Miriam Sampaio de Oliveira (BRASIL, 2004),
responsável pelo projeto “Xadrez nas Escolas” da Secretaria de Educação Básica
(SEB/MEC), afirma-se que o xadrez ajuda o aluno em vários aspectos, como raciocínio
rápido, memorização, concentração, resolução de problemas, imaginação e
criatividade.
Na segunda, escrita por Rezende (2002, p. VII), argumenta-se que o xadrez,
porém, praticado nos clubes e voltado essencialmente para o aspecto competitivo
(como desporto) não supre todas as necessidades educacionais. O autor afirma, ainda,
que muitas pessoas com boas intenções defendem a inserção do xadrez no ambiente
escolar, por acreditar que a prática do xadrez faz com que a criança fique mais
inteligente e que aprende melhor a matemática.
Em 2003, o Ministério da Educação e Cultura – MEC – e o Ministério de
Esportes, em parceria com governos estaduais, levaram o xadrez para as escolas
municipais de Recife (PE), Belo Horizonte (MG), Campo Grande (MS) e Teresina (PI),
obtendo bons resultados. Em 2005, estenderam a iniciativa aos demais Estados, com
exceção de São Paulo e Acre. A ideia era que o ensino do jogo de xadrez fosse mais um
instrumento pedagógico nos projetos das redes oficiais de ensino.
O Estado de São Paulo se antecipou a esse projeto do MEC e criou as Atividades
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Curriculares Desportivas (ACD) em 2003, visando minimizar a violência e hábitos
danosos ao convívio social. As ACD são aulas ministradas por professores de Educação
Física, em número de três ou duas sessões semanais, fora do horário regular de aulas
dos alunos. Dentre as modalidades das turmas de ACD estão: atletismo, basquetebol,
capoeira, damas, futsal, handebol, ginástica artística, ginástica geral, ginástica rítmica,
judô, voleibol, tênis de mesa e xadrez.
O interesse do MEC pelo projeto paulista “Xadrez nas Escolas” a inclusão da
modalidade xadrez nas ACD e as publicações sobre o xadrez, citadas acima, levaramme a investigar se a prática do jogo de xadrez pode contribuir para as estratégias dos
alunos no processo de resolver problemas matemáticos.
O estudo foi realizado na cidade de Sorocaba/SP. A escolha do local foi de ordem
pragmática, uma vez que moro e leciono no município. Mas, além disso, também
ressalta o fato de existirem na cidade escolas realizando projetos previstos nas ACD,
dentre eles o jogo de xadrez. Por fim, a escolha do município se deu porque estar bem
representado nos campeonatos interescolares, campeonatos regionais estudantis e até
nos campeonatos estaduais.
Sob essa perspectiva, nosso estudo tem como objetivo diagnosticar efeitos
positivos que a prática de jogar xadrez pode ter sobre a aprendizagem e o desempenho
cognitivo dos alunos do 8º e 9º anos do Ensino Fundamental em Matemática. Mais
claramente, pretendemos investigar a relação de causa e efeito entre a prática do xadrez
e as estratégias dos alunos no processo de resolver problemas matemáticos.
Como objetivo específico, propomos ainda investigar: a) as estratégias que o
aluno enxadrista utiliza ao resolver problemas e se elas se diferenciam daquelas
utilizadas por alunos que não jogam xadrez; b) o quanto das estratégias do jogo de
xadrez aparece na resolução matemática das questões. No âmbito das estratégias,
buscamos observar como o aluno enxadrista se desenvolve, expressa-se, articula-se e,
ainda, como registra os procedimentos matemáticos em cada questão proposta.
Tendo em mente os objetivos acima expostos, nosso estudo se propõe a responder a
seguinte pergunta:
ALUNOS QUE JOGAM XADREZ TÊM MELHOR DESEMPENHO NA RESOLUÇÃO DE
PROBLEMAS MATEMÁTICOS DO QUE ALUNOS QUE NÃO JOGAM XADREZ?
Para respondermos a essa questão passamos por algumas etapas que estão
expostas a seguir.
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A Visão de Piaget sobre o jogo
Para Piaget (1978), o jogo constitui-se em uma condição importante para o
desenvolvimento infantil, pois ele faz parte da construção do conhecimento. Em suas
palavras:
Se o ato de inteligência culmina num equilíbrio entre assimilação e
acomodação, enquanto a imitação prolonga a última por si mesma,
poder-se-á dizer, inversamente, que o jogo é essencialmente
assimilação, ou assimilação predominando sobre a acomodação.
(PIAGET, 1978, p. 115.)
Na teoria da Epistemologia Genética (PIAGET, 1972, 1978, 1995), o termo
assimilação é entendido como um processo cognitivo, desenvolvido a partir da interação
do sujeito com o objeto, sendo aquele responsável pela colocação de novos eventos
(surgidos por meio dessa interação) dentro de esquemas já existentes. A acomodação,
por sua vez, é entendida como a modificação desses esquemas, ou a modificação de
uma estrutura em função das particularidades do objeto a ser assimilado.
Tendo definido assimilação e acomodação, esses dois termos centrais para o
entendimento da visão de Piaget sobre o papel e a importância dos jogos no
desenvolvimento cognitivo do sujeito, passamos a apresentar e discutir o jogo do ponto
de vista da Epistemologia Genética.
Piaget (1978) analisou as sucessivas condutas que caracterizam o jogo no
desenvolvimento da inteligência da criança, desde o seu nascimento até o seu auge, na
adolescência. Ele constatou que o jogo possui três momentos diferentes, que estão
atrelados à fase de evolução do sujeito, que classificou como: jogos de exercícios, jogos
simbólicos e jogos de regras. Destacou, também, que entre os jogos simbólicos e os
jogos de regras encontram-se os jogos de construção.
As primeiras manifestações do jogo, segundo Piaget (1978), aparecem nos
primeiros anos de vida como a principal forma de aprendizagem. Essa fase, chamada de
sensório-motora, compreende, em média, os primeiros dezoitos meses de vida e
manifesta-se por meio da assimilação funcional ou reprodutora, de modo a desenvolver
a formação de hábitos. Esses hábitos compõem o fundamento para operações mentais
que acontecerão mais adiante. Um exemplo dessa ocorrência é quando a criança tenta
arrastar o corpo para chegar próximo do objeto que quer (momento em que a criança
está aprendendo a engatinhar), ou ainda quando inventa palavras ou descrições pelo
simples prazer que encontra ao inventar (PIAGET, 1978).
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A repetição das ações, no seu sentido funcional, a qual se dá através dos jogos de
exercícios, é matriz para a regularidade (MACEDO, PETTY e PASSOS, 2010, p. 130),
ou seja, é essencial para a escolarização e para a vida do sujeito, pois caracteriza a
atividade lúdica da criança.
Com a interiorização dos esquemas1, o jogo se vê mais distante do ato de
inteligência (equilíbrio da assimilação com a acomodação), de maneira que o
pensamento está dirigido pela preocupação da satisfação individual. Exemplificando,
quando a criança pega um aparelho telefônico fingindo que telefona, dias depois brinca
de telefonar com qualquer objeto. Nesse momento a criança está aplicando seus
esquemas simbólicos a novos objetos, substituindo seus objetos habituais. Ela reproduz
suas ações pelo prazer de oferecê-las em espetáculo, a si própria e aos outros, ou seja,
está querendo exibir o seu eu e assimilar, sem limites, o que ordinariamente é tanto
acomodação à realidade como conquista assimiladora.
Com a socialização, a criança passa a adotar regras no jogo e/ou a adaptar cada
vez mais a sua imaginação simbólica aos dados da realidade. Tal fato acontece sob a
forma de construções, ainda espontâneas, mas imitando o real. Nessa direção, o símbolo
de assimilação individual cede espaço, quer para a regra coletiva, quer para o símbolo
representativo ou objetivo, quer, ainda, para os dois reunidos.
3
A Classificação dos Jogos segundo Piaget
Após ter estudado a gênese do jogo durante os dois primeiros anos de vida da
criança, Piaget (1978) passou a acompanhar a influência deste no seu desenvolvimento
posterior. Assim, expandiu seu estudo para o período em que já há o pensamento verbal
e intuitivo (dos dois aos sete anos), seguindo seu estudo pelos períodos em que a
inteligência operatória concreta (de sete até os onze anos aproximadamente) e a abstrata
(a partir dos onze anos) estão presentes no indivíduo. Os três momentos distintos e
sucessivos da análise sistemática são, com efeito, a classificação, a descoberta de leis ou
relações e a sua explicação.
Piaget (1978) faz uma crítica aos sistemas usuais de classificação das condutas
lúdicas. Para ele, a maior parte dos autores só se preocupou com certos tipos de jogos,
em particular os que correspondiam às suas teorias explicativas, menosprezando assim a
imensa maioria dos casos intermediários, porque se mantinham inclassificáveis desse
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Um esquema é uma estrutura ou organização das ações, as quais se transferem ou generalizam no
momento da repetição da ação, em circunstâncias semelhantes ou análogas. (PIAGET, 1995, p. 15.)
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ponto de vista preestabelecido.
Preocupado com a falta de critérios que fossem ao mesmo tempo gerais e capazes
de se aplicar aos detalhes de cada caso particular, Piaget (1978) classificou os jogos em
simples estruturas mentais, de forma que estas fossem divididas em três grandes tipos: o
exercício, o símbolo e a regra, constituindo-se os “jogos de construção” a transição
entre os três e as condutas adaptadas.
Nos jogos de exercícios não é necessário nenhum tipo de pensamento, nem
qualquer estrutura representativa especificamente lúdica. Eles são os primeiros a
manifestar-se nas crianças. Esse é o caso quando um bebê, deitado em seu berço, pega e
atira inúmeras vezes um mesmo objeto só pelo prazer de atirá-lo, pegá-lo de volta e,
novamente, atirá-lo. Esse tipo de jogo, embora se inicie muito cedo, continua sendo
praticado por crianças mais velhas. Por exemplo, quando uma criança de
aproximadamente 8 ou 10 anos pula em um riacho pelo prazer de saltar e volta ao ponto
de partida para novamente saltar, realizando tal ação inúmeras vezes. Ela executa os
mesmos movimentos que praticaria se saltasse por necessidade, ou para aprender uma
nova conduta.
O jogo simbólico inicia-se por volta dos dois anos de idade. Este é o caso quando
a criança, por exemplo, coloca uma capa nas costas e imagina ser um super-herói. Logo,
o jogo simbólico acontece através de uma assimilação deformante, pois se trata da
representação de um objeto ausente, da comparação entre o elemento dado e o elemento
imaginado, de uma representação fictícia.
Entretanto, entre o jogo simbólico propriamente dito e o jogo de exercício existe
um intermediário, que é o símbolo em atos ou em movimentos, sem representação. Por
exemplo, o ritual de fazer os movimentos de dormir, reproduzido por jogo na presença
do travesseiro, depois é finalmente imitado na presença de outros objetos, o que marca o
início da representação.
As construções realizadas no contexto de jogos simbólicos e as regularidades
adquiridas nos jogos de exercícios serão fontes de futuras operações mentais, de acordo
com Macedo, Petty e Passos (2010).
Os jogos de regras se dão através das relações sociais ou interindividuais. A regra
é uma regularidade imposta pelo grupo, de tal forma que a sua violação representa uma
falta. Os jogos de regras podem conter os jogos de exercícios e os simbólicos, mas
aqueles apresentam um elemento novo, a regra, e resultam da organização coletiva das
atividades lúdicas.
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De acordo com Piaget (1978), os jogos de construção não definem uma fase entre
outras, mas ocupam uma posição situada a meio caminho entre o jogo e o trabalho
inteligente, ou entre o jogo e a imitação. É uma forma fronteiriça ligando os jogos às
condutas não lúdicas.
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A importância do jogo no ambiente escolar na ótica de Macedo
Para Macedo, Petty e Passos (2007), a criança no momento em que está jogando
emite diversas informações, comunica-se pelas ações durante a partida e na maneira de
pensar e executar uma jogada. O professor/observador precisa estar atento para
reconhecer nessas ações e nos procedimentos os indícios que está procurando para
realizar e fortalecer sua avaliação.
É preciso compreender, como afirma Macedo, Petty e Passos (2007), que a falta
do elemento lúdico nas atividades escolares pode ocasionar a resistência, o desinteresse
e todas as limitações que tornam, muitas vezes, a escola sem sentido para os alunos.
Logo, valorizar o lúdico nos processos de aprendizagem significa, entre outras coisas,
considerá-lo na perspectiva do aluno (no nosso caso, adolescentes), pois, para eles, é
lúdico o que faz mais sentido. Eles vivem seu momento, daí o interesse despertado por
certas atividades, como jogos e brincadeiras.
Esses autores enfatizam que para uma tarefa atrair o interesse do aluno ela tem
que ser clara, simples e direta (precisa). É preciso que exista tempo hábil, que seja
envolvente, desafiadora, constante na forma e variável no conteúdo, além de ser
surpreendente e lúdica. Complementando a reflexão, Macedo, Petty e Passos (2007, p.
20) consideram que o espírito lúdico expressa uma qualidade de transitar ou percorrer
os modos, impossível, circunstancial, necessário e possível, do ser das coisas. Se falta o
lúdico, pode ser que a ironia, o desinteresse, o ceticismo ou a violência ocupem seu
lugar.
O fato é que muitas tarefas escolares, pelo modo como são propostas, são
desagradáveis para os alunos. Macedo, Petty e Passos (2007) exemplificam algumas
razões para esse desagrado: o tempo de sua realização é excessivo ou insuficiente; as
instruções ou orientações para fazer são pouco claras; as tarefas são complicadas,
formuladas de forma indireta e confusa; os conteúdos são repetitivos, e de formulação
irregular. Ademais, essas mesmas tarefas são justificadas por um interesse educacional
que só faz sentido para os adultos (professores), ainda que realizado para o bem das
crianças (alunos).
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Na obra “Quatro cores, senha e dominó: Oficinas de Jogos em uma Perspectiva
Construtivista e Psicopedagógica”, Macedo, Petty e Passos (2010) trazem os estudos de
Piaget sobre os jogos, ao mesmo tempo em que articulam a importância dos jogos à
construção do conhecimento escolar. Apresentaremos os argumentos dos autores na
mesma ordem em que eles os formularam: primeiramente os jogos de exercícios; em
seguida, os jogos simbólicos; os jogos de regras e, por fim, a discussão de como a
escola tem trabalhado com os jogos.
 Jogos de Exercícios – Esses jogos foram analisados não no início da vida da criança,
mas sim anos depois, quando ela apreende as primeiras letras ou os primeiros números
na escola. Esse tipo de jogo pode ser considerado por dois pontos de vista: um de
caráter funcional e o outro de caráter estrutural.
A repetição, com seu sentido funcional é matriz para regularidade, fundamental
para a vida escolar. Por meio da repetição cíclica o aluno adquire os bons hábitos de
trabalho valorizados na escola.
Do ponto de vista estrutural, a partir dos jogos de exercícios os alunos passam a
enfrentar melhor as tarefas escolares, em um sentido mais filosófico do que prático.
Esse sentido filosófico corresponde à coordenação de valores, isto é, à produção de
conhecimento, como fim e não como meio. (PIAGET, 1965, apud MACEDO, PETTY E
PASSOS, 2010, p. 130). Por exemplo, quando um aluno que está aprendendo a jogar
xadrez, descobre ou apreende uma boa jogada, ele procura repeti-la pelo simples prazer
funcional.
Logo, as aprendizagens, que são sempre meio para chegar a um objetivo, no caso
do jogo de exercício, constituem-se em num fim em si mesmas.
 Jogos Simbólicos – do ponto de vista funcional, os jogos simbólicos auxiliam a
criança a compreender e utilizar convenções, princípios importantes utilizados no
ambiente escolar. Isso porque esta categoria de jogos ajuda a criança a assimilar o
mundo como pode ou deseja, criando analogias, fazendo invenções, mitificando,
tornando-se produtora de linguagens, criadora de convenções.
Do ponto de vista estrutural, os jogos simbólicos, através das fantasias, das
mitificações e dos modos deformantes de pensar ou inventar a realidade são uma
espécie de início para as futuras teorizações das crianças nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Nesse sentido,
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[...] a necessidade metodológica (descoberta do valor da
experimentação, que a criança pôde construir graças aos jogos de
exercícios no período sensório-motor) e agora a possibilidade de
explicação das coisas, ainda que por assimilação deformante,
constituem as duas bases das operações pelas quais as crianças
aprendem as matérias escolares. (MACEDO, PETTY e PASSOS,
2010, p. 133.)
Assim, os autores complementam suas ideias assegurando que os jogos de
exercícios estão relacionados com o “como”, os jogos simbólicos com os “porquês”, e a
coordenação entre o como e os porquês só é possível com a estrutura dos jogos de
regras, graças à assimilação recíproca.
Jogos de Regras – De um ponto de vista funcional, os jogos de regras valem por seu
caráter competitivo. Por isso, o jogo de regra é considerado como um jogo de
significados (ganhar, compreender melhor, fazer melhores antecipações, ser mais
rápido, cometer menos erros ou errar por último, coordenar situações, ter condutas
estratégicas, ser habilidoso, ser atento, concentrado, ter boa memória, saber abstrair,
relacionar as jogadas todo o tempo) em que o desafio é superar a si mesmo ou ao outro.
Desafio que se renova a cada partida, porque vencer uma partida não é garantia de
vencer a próxima. Assim,
[...] jogar com regras significa exercitar, repetir muitas vezes. Para
quem aprecia o xadrez, uma vida é pouco para todas as partidas que
gostaria de jogar. Mas, igualmente, nesse jogo há símbolos,
convenções para os movimentos dos cavalos, peões, damas etc.; há
combinados fundamentais para as regras, dentro das quais,
certamente, ganha-se ou perde-se a partida.(MACEDO, PETTY e
PASSOS, 2010, p. 138).
A importância estrutural dos jogos de regras corresponde a seu valor operatório.
Nessa estrutura de jogos, fazer, no sentido de conseguir e compreender são
complementares e implicam a assimilação recíproca de esquemas (PIAGET, 1974,
apud MACEDO, PETTY e PASSOS, 2010, p. 137). Assim, para que o jogador tenha
sucesso ele precisa identificar e conduzir diversos pontos de vista, saber antecipar a
jogada de seu adversário, observar a recorrência de uma jogada, ter um raciocínio
operatório etc.
Desse modo, não se pode confundir o conhecimento que se tem das regras do jogo
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com o fato de ganhar o jogo. Por exemplo, em uma partida de xadrez, uma coisa é
conhecer as regras para movimentar as peças (convenções do jogo); outra, ganhar o
jogo. Nas palavras de Macedo, Petty e Passos, (2010, p. 137), quem conhece as regras e
nunca vence não as conhece operatoriamente. Conhece o jogo em um sentido
simbólico, mas não operatório.
Num contexto escolar, o jogo de construção – que segundo Piaget (1978)
corresponde a uma categoria que se situa entre os jogos simbólicos e os jogos de regras
– pode ser um instrumento importante para o ensino da Matemática, por exemplo. Tal
jogo possibilita uma problematização, enriquecida pelo estabelecimento de relações e
necessidades, as quais podem ser trabalhadas na superação de dificuldades que surgem
no contexto de jogo.
No jogo de construção, a relação afetiva professor-aluno também é considerada.
Nesse contexto, mais livre, tal como nas encenações ou brincadeiras, é possível
conversar, elaborar, envolver-se com o outro, fazer transferências.
5
O sentido do jogo
Macedo, Petty e Passos (2007) discutem que muitas situações que enfrentamos na
vida não são nada divertidas, mas pedem nosso melhor empenho se quisermos revolvêlas. Além disso, em diversas situações, temos que aceitar e cumprir as regras que nos
parecem sem sentido ou com as quais não concordamos. São circunstâncias como essas
que tornam a educação fundamental para as crianças. Para que as crianças amadureçam,
pondera os autores, elas precisam deparar com situações que sejam desafiadoras e, ao
mesmo tempo, regradas. As primeiras regras que a criança enfrenta, de certa forma
inegociáveis, são as regras escolares: assistir às aulas, discutir assuntos referentes aos
conteúdos ensinados, fazer lições e responder perguntas. Essas obrigações podem ser
realizadas pelas crianças ou adolescentes de muitos modos.
Os autores fazem uma analogia entre uma situação no nosso dia a dia e as
obrigações escolares dos alunos. Eles sugerem que imaginemos uma pia cheia de louças
que deverão ser lavadas por nós. Desejar que tais louças não exista ou que se lavem
sozinhas não resolve o problema, pois a pia continuará lá, cheia de louça, apesar do
nosso desejo. Ficar com raiva de ter que realizar a tarefa, além de não resolvê-la, traz o
risco de se quebrarem muitas coisas. Se decidirmos realizar a tarefa com pressa, além de
corrermos o risco de quebrar algumas peças, pode ser que a louça continue suja,
devendo novamente ser lavada.
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Se, por outro lado, assumirmos uma posição proativa e resolvermos encarar o
problema com o espírito de jogo, podemos terminar essa tarefa sem tantas angústias,
organizando a louça e escolhendo o que lavar primeiro, brincando ao separar os objetos.
Para tornar a tarefa ainda mais agradável, podemos a ela acrescentar música, enfim,
fazer o que for necessário para tornar o inimigo um aliado.
Transferindo essa maneira de olhar de Macedo, Petty e Passos (2007) para uma
situação conflitante no ambiente escolar, acredita-se que os professores poderão ajudar
seus alunos, no sentido de modificarem a relação negativa que os mesmos têm com suas
obrigações enquanto estudantes.
Dessa forma, as tarefas escolares podem ser encaradas como uma louça
interminável e maçante, ou uma sequência de ações planejadas, organizadas e possíveis
de serem cumpridas, ainda que tediosas e irritantes aos olhos de quem não gosta de
realizá-las.
Praticar jogos, segundo Macedo, Petty e Passos (2007), e, principalmente, refletir
sobre suas implicações, pode ajudar a recuperar o que eles chamam de “espírito de
aprender” que está escondido nos conteúdos escolares. Os autores afirmam, ainda, que
os jogos não são semelhantes às tarefas escolares, sobretudo se analisados os seus
conteúdos, mas nota-se que há muitos pontos em comum se considerar sua forma.
Vale a pena ressaltar que, para Macedo, Petty e Passos (2008), o desenvolvimento
e a aprendizagem não estão nos jogos em si, mas no que é desencadeado a partir das
intervenções e dos desafios propostos aos alunos. Eles enfatizam que a discussão
desencadeada a partir de uma situação de jogo, mediada pelo professor, vai além da
experiência e possibilita a transposição das aquisições para outros contextos. Isto
significa considerar, segundo os autores, que as atitudes adquiridas no contexto de jogo
tendem a tornar-se propriedade do aluno, podendo ser generalizadas para outros
âmbitos, em especial, para as situações de sala de aula. Nessa direção, Piaget (1976) é
categórico ao afirmar:
Partamos para uma inovação qualquer do sujeito, que, a meu ver,
resulta sempre de uma necessidade anterior (...) logo que atualizada,
essa inovação constitui um novo esquema de procedimento, que,
como todo esquema, tenderá a alimentar-se, aplicando-se a situações
análogas. Mas há mais: essa generalização possível do esquema de
procedimento confere ao sujeito um novo poder e o simples fato de ter
conseguido inventar um procedimento para certas situações
favorecerá, aos meus olhos, o êxito noutras (p. 155).
Reafirmando as posições de Macedo, Petty e Passos (2008) e Piaget (1976),
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conclui-se que o aluno em contato com o jogo de maneira pedagógica desenvolve certas
habilidades, como as descritas acima, que de maneira natural são interiorizadas e
transferidas para outras atividades.
6
Metodologia
O nosso estudo constitui-se do ponto de vista do objetivo em uma pesquisa
diagnóstica e descritiva com o intuito de descrever e interpretar os resultados obtidos
com base na aplicação de um teste, tendo como foco tanto os acertos e erros dos alunos,
como as estratégias empregadas por eles.
Segundo Gil (2007, p. 42) a pesquisa descritiva têm como objetivo a descrição de
características de determinada população ou fenômeno ou, então o estabelecimento de
relações entre variáveis. Nessa direção, Rudio (2008, p. 69) argumenta que quando o
pesquisador utiliza tal método ele está procurando conhecer e interpretar a realidade,
sem nela interferir para modificá-la.
Participaram da nossa pesquisa 22 alunos, do 8º e 9º anos do Ensino Fundamental
II da Rede Pública de Ensino da cidade de Sorocaba/SP. Formando dois grupos de 11
alunos cada: o grupo de alunos que jogava xadrez (Gjx), há mais de um ano nas
Atividades Curriculares Desportivas e o grupo de alunos que não jogavam xadrez
(Gnx). Desses 11 alunos, tanto Gjx como Gnx, estavam selecionados em 5 alunos de 9º
ano e 6 alunos de 8º ano, todos pertencentes a uma mesma classe, o que sugere que seja
a mesma escola, ano e professor de Matemática; para cada aluno escolhido que joga
xadrez na ACD tínhamos que ter um aluno que não jogasse xadrez e que apresentasse as
mesmas notas bimestrais em Matemática, para que pudesse ser feita a análise posterior
entre os pares.
O instrumento diagnóstico (teste) foi composto de oito questões que abordaram os
quatro blocos dos conteúdos matemáticos, e todas pertencentes ao nível I, classificados
pela SBM e, distribuídos, da seguinte maneira: duas questões simples e uma moderada
de (1) – Números, Operações e Funções; uma questão moderada de (2) – Espaço e
Forma; uma questão simples e uma moderada de (3) – Grandezas e Medidas e para
finalizar uma questão simples e uma moderada de (4) – Tratamento da Informação,
dispostos de maneira aleatória. Essas questões foram baseadas na Olimpíada de
Matemática das Escolas Públicas – OBMEP e em uma questão do Projeto Ensinar e
Aprender (2001) da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.
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Análise dos Resultados
Apresentaremos a análise dos resultados, primeiramente dando enfoque ao
desempenho geral dos grupos participantes, Gjx e Gnx, com relação às questões
propostas no instrumento diagnóstico. E em seguida exibimos uma das questões
juntamente com a análise das estratégias de resolução utilizadas pelos alunos.
Nessa análise inicial nosso intuito foi verificar se existe diferença significativa
entre os dois grupos, no que diz respeito ao número de acertos. Os gráficos 1 e 2, a
seguir, elucidam o fato, e são acompanhados do teste estatístico.
No gráfico 1 apresentamos a comparação que fizemos com relação ao
desempenho dos alunos do Gjx e alunos do Gnx de maneira geral, ou seja, fizemos uma
comparação do total de acertos dos grupos, levando em consideração que temos um
total de 176 respostas possíveis e dessas 76 foram consideradas corretas que estão
distribuídas pelos dois grupos.
Gráfico 1: Comparação do desempenho dos alunos do Gjx e do Gnx.
Fonte: Dados da pesquisa
De acordo com o gráfico 1 o desempenho dos alunos Gjx é superior ao dos alunos
do Gnx, ou seja, o Gjx teve 53% dos acertos contra 33% do Gnx, o que nos dá uma
diferença de 20 pontos porcentuais.
Para podermos afirmar que essa diferença, apresentada acima, é estatisticamente
significativa, contamos com o auxílio do teste t de Student para amostras independentes
(t(20) = 2,626; p = 0,016), o qual evidenciou que existe uma diferença
estatisticamente significativa entre as médias dos dois grupos, ou seja, o Gjx
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realmente obteve um desempenho superior ao do Gnx.
A seguir mostraremos no gráfico 2 o número de acertos de cada grupo com
relação aos blocos dos conteúdos matemáticos, de forma a constatarmos qual foi o
bloco que os alunos se saíram melhor e se houve diferença significativa entre os grupos.
Gráfico 2: Total de acertos por bloco dos conteúdos matemáticos.
Fonte: Dados da pesquisa
Verificamos que existe diferença entre o número de acertos dos grupos dentro dos
blocos de conteúdos, apresentada pelo gráfico 2.
Aplicamos, então, o teste t de Student para amostras independentes para cada um
dos quatro blocos, para confirmarmos se essas diferenças que visualizamos no gráfico
são realmente estatisticamente significativas. Encontramos os seguintes resultados:
Bloco 1 (t(20) = 1,319; p = 0,202), Bloco 2 (t(20) = 0,830; p = 0,416), Bloco 3 (t(20) =
2,631; p = 0,016) e Bloco 4 (t(20) = 1,549; p = 0,137).
Conforme a decorrência dos testes, averiguamos que apenas no Bloco 3 existe
uma diferença estatisticamente significativa entre as médias dos dois grupos. Logo o
Gjx obteve um melhor desempenho nas questões que envolviam Grandezas e Medidas
com relação ao Gnx.
Na sequência apresentamos uma questão contento a análise das estratégias dos
alunos do grupo Gjx e do grupo Gnx, verificando, assim, se elas diferem. Procuramos,
também, nas estratégias dos alunos enxadristas, influências da ação de jogar sobre a
resolução da questão, tanto naquelas que levaram ao sucesso, como nas que os
conduziram ao erro, conforme as entrevistas realizadas.
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1ª Questão) Guilherme está medindo o comprimento de um selo com um pedaço de
uma régua, graduada em centímetros, como mostra a figura. Qual é o comprimento do
selo?
Essa questão pertence ao eixo dos conteúdos matemáticos Grandezas e Medidas e
foi classificada por nós como sendo uma questão simples. Obtivemos nela 12 respostas
corretas, sendo nove do grupo Gjx e três do grupo Gnx. A única estratégia utilizada
pelos alunos nesta questão foi a contagem, que foi realizada de duas maneiras: usando o
sistema métrico (protocolo 1) ou usando a contagem ordinal, estabelecendo relação de
um para um (protocolo 2). A figura 1 apresenta os protocolos referentes às estratégias.
Protocolo 1 – Extraído da resposta correta do aluno 3 do grupo Gjx - Sistema Métrico
Protocolo 2 – Extraído da resposta incorreta do aluno 8 do grupo Gjx – Contagem Ordinal
Figura 1 – Exemplos do tipo de estratégia disponibilizada
Nota-se que, no protocolo 1, o aluno resolveu a questão utilizando a régua da
figura para contar a distância entre o número 17 e o número 20, acrescentando depois a
contagem dos 4 mm, e assim chegar à resposta. Por sua vez, o protocolo 2 mostra que o
aluno 8 também utilizou a mesma estratégia de contagem, mas, em vez de fazer uma
contagem considerando a métrica, contou os números da régua de forma ordinal,
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relacionando cada número da régua a um cardinal ordenado.
Todas as respostas corretas se assemelharam à do protocolo 1. As respostas
incorretas tiveram como item assinalado, em nove delas, a letra (e), 4,4 cm, e as
justificativas foram muito próximas à apresentada pelo aluno 8 do grupo Gjx, protocolo
2. Obteve-se ainda uma resposta assinalada com a letra (d), 4 cm, cuja justificativa foi,
nas palavras do aluno, “olhei na régua”.
Em entrevista, o aluno 8 do grupo Gjx revê sua resposta, passando agora a utilizar
a contagem métrica.
ALUNO 8 GJX: A RESPOSTA CERTA É A (B).
PESQUISADORA: POR QUE VOCÊ ACHA QUE A RESPOSTA CORRETA É A (B) E NÃO MAIS
(D),
COMO HAVIA ASSINALADO DA PRIMEIRA VEZ?
ALUNO 8 GJX: PORQUE, CONTANDO DO 17 AO 20, DÁ 3 MAIS OS 4 RISQUINHOS;
RESPOSTA CORRETA É A (B), 3,4 CM.
A
A
De fato, ao analisar novamente a questão e observar o que fez anteriormente, o
aluno 8 do grupo Gjx notou que havia cometido um erro e logo o corrigiu. Para
Macedo, Petty e Passos (2010), tal comportamento é uma evidência de que o aluno que
joga aprende a analisar os seus erros, isto é, ele toma consciência daquilo que deve ser
corrigido ou mantido, na tentativa de melhorar os procedimentos (p. 39).
Estabelecendo um paralelo com as jogadas do xadrez, temos, de acordo com
Milos Junior e D’Israel (2001), que os enxadristas durante as partidas contabilizam seus
ganhos e/ou perdas materiais através das trocas2, dependendo do que esteja apresentado
no tabuleiro, como também calculam os movimentos de cada uma das peças, de onde
sua peça parte, para onde ela será deslocada.
O aluno enxadrista, pelo fato de lidar com situações de ganho e perda material o
tempo todo através das trocas durante um jogo e por conhecer os deslocamentos de cada
uma das peças, nos pareceu não ter sentido dificuldade no momento da resolução da
questão, que no caso foi a contagem. Portanto, é provável que o ato de jogar xadrez,
nesse universo de estudo, tenha trazido benefícios aos alunos nas operações com
informações variadas e na resolução de problemas matemáticos.
2
TROCA: Quando as capturas efetuadas resultam em igualdade material. Exemplo: Trocar um
cavalo por outro ou por um bispo. (MILOS JUNIOR e D’ISRAEL, 2001, p. 112.)
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Considerações Finais
Nós nos propomos em nosso estudo a responder a seguinte questão de pesquisa:
ALUNOS QUE JOGAM XADREZ TÊM MELHOR DESEMPENHO NA RESOLUÇÃO DE
PROBLEMAS MATEMÁTICOS DO QUE ALUNOS QUE NÃO JOGAM XADREZ?
De acordo com a análise quantitativa, podemos assegurar que, com relação a
nosso universo de estudo, o desempenho dos alunos enxadristas foi superior ao dos
alunos que não jogam xadrez. Fato que se evidenciou por meio das porcentagens de
acertos dos dois grupos, que foi de 53% para o grupo Gjx e 33% para o grupo Gnx.
Verificamos, também, se essa diferença encontrada entre os grupos era significativa, e
com o auxílio do teste t de Student para amostras independentes, ficou comprovado que
essa diferença é estatisticamente significativa, ou seja, o grupo Gjx obteve um melhor
desempenho do que o grupo Gnx.
Os porcentuais de questões errados e em branco confirmam a diferença entre os
grupos. Enquanto o grupo Gjx obteve 43% de questões erradas e 4% de questões em
branco, o grupo Gnx obteve 60% de questões erradas e 7% em branco. Conferimos que
essa diferença é significativa entre os grupos no que se refere ao bloco 3 dos conteúdos
matemáticos (Grandezas e Medidas).
Quanto às estratégias dos alunos enxadristas, independentemente de terem sido
melhores ou piores, são diferentes daquelas dos alunos que não jogam xadrez.
Quando falamos em estratégias diferentes, neste caso estamos nos referindo aos
seguintes fatos, que puderam ser identificados no comportamento dos alunos
enxadristas: a) esses alunos responderam as questões de forma mais clara e objetiva; b)
justificaram suas respostas de maneira coerente; c) deixaram um número mínimo de
questões sem justificativas e sem respostas. O que de acordo com Grillo (2012) era
esperado, pois o aluno que joga xadrez faz uso de um conhecimento matemático a partir
do jogo, ou seja, a partir de suas ações no jogo, como: a análise das suas possibilidades
de jogo, através do levantamento de hipóteses, na construção de suas estratégias, em
suas conjecturação, no estudo e reflexão sobre suas as jogadas e nas analises de seus os
erros.
Assim sendo, com as evidências dos resultados apresentados pela análise
quantitativa, pela análise qualitativa em conjunto com as afirmações de Piaget, Macedo
e Grillo podemos entender que há indícios que os alunos enxadristas podem ter alçado
mão de habilidades desenvolvidas a partir do jogo para resolver os problemas
matemáticos propostos no instrumento diagnóstico.
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Logo, com o nosso trabalho esperamos ter contribuído para a ciência e, em
especial à Educação Matemática, para fomentar a discussão dos possíveis benefícios do
jogo de xadrez para o aluno, seja com relação a Matemática, seja no âmbito escolar.
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