Boletim NDH 3 - Departamento de Direito PUC-Rio
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Boletim NDH 3 - Departamento de Direito PUC-Rio
NÚCLEO DE DIREITOS HUMANOS DEPARTAMENTO DE DIREITO PUC-RIO BOLETIM NDH 03 JAN/DEZ 2007 BOLETIM NDH 03 02 JAN/DEZ 2007 2006 ISSN 1980-3559 B BOLETIM NDH 3 SUMÁÁA´ RIO 1 NDH ENCENA Relatórios anuais dos grupos de trabalho do NDH Notícias 2 ARTIGOS Segurança pública no Estado do Rio de Janeiro Alessandro Molon Resistência pacífica no Kosovo: as vozes que o Ocidente desconhece (1989-1998) Eduarda Passarelli Hamann-Nielebock O inimigo no sistema penal: estratégia hegemônica neoliberal João Ricardo W. Dornelles Coordenação do NDH 2007: um balanço sul-americano sobre o direito à verdade Carolina de Campos Melo Dr João Ricardo W. Dornelles Coordenação geral Drª Bethânia Assy Coordenação acadêmica Carolina de Campos Melo Coordenação acadêmica Drª Márcia Nina Bernardes Coordenação acadêmica Dr Florian Fabian Hoffmann Coordenação executiva Rachel Herdy de B. Francisco Coordenação de publicações NDH ENCENA RELATÓRIOS DOS GRUPOS DE PESQUISA DO NDH OBSERVATÓRIO DE CONTROLE SOCIAL E SISTEMA PUNITIVO Coordenação João Ricardo Wanderley Dornelles Apoio FAPERJ e Cátedra UNESCO ano de 2007 foi decisivo para o projeto do. No O cas e para a divulgação de relatórios acerca de nosso primeiro semestre, consolidamos o grupo de trabalho de pesquisa. nos”, que envolve estudantes da graduação e da pós- Logo no início do segundo semestre, realizamos o semi- graduação. Foram realizadas diversas reuniões com o nário Interdisciplinar “Agressividade, Violência e Direitos intuito de debater textos clássicos das ciências sociais Humanos”, com a participação especial de Eugenio Raúl e alguns importantes títulos recentes como A condição Zaffaroni. Seu principal objetivo era discutir amplamente pós-moderna, da David Harvey, e A miséria governada a problemática da produção social da violência, a par- através do sistema penal, de Alessandro di Giorgio. Os tir das perspectivas da Filosofia, da Ciência Política, da debates contribuíram para gerar um acúmulo coletivo do Sociologia, da Psicanálise e do Direito. No curso dos conhecimento, indispensável tanto à formação pessoal debates, a principal polêmica se deu em torno das al- quanto à elevação da capacidade de análise e interven- ternativas de superação do atual modelo jurídico-político ção pública, um dos objetivos do Observatório. De fato, de enfrentamento da questão da violência, no contexto sem a compreensão do quadro estrutural e de suas con- da sociedade capitalista contemporânea. Tal modelo se tradições, incorre-se no equívoco de produzir análises constrói pelo imaginário da guerra e da criminalização incoerentes e abstratas. O tema sobre o qual esta pes- da pobreza, acabando por reproduzir e aprofundar os quisa versa, por sua complexidade e importância social, devastadores efeitos sociais e políticos da violência. Na não comporta este descuido. opinião do Prof. Zaffaroni, por exemplo, é urgente que pesquisa “Controle Social, Violência e Direitos Huma- recuperemos as conquistas modernas em termos de li- 1 Outra importante iniciativa, ainda no primeiro semestre, berdades e direitos fundamentais. As contribuições dos foi a criação de um blog, no endereço www.ocssppu- professores Carlos Plastino e Castor Bartolomé, a par- crio.blogspot.com. Embora seja necessário reconhecer tir da Psicanálise e da Filosofia, respectivamente, nos que se trata de um instrumento de comunicação ainda ajudaram a entender a indissociabilidade entre o meio subutilizado, o blog se insere perfeitamente nos obje- social e a formação dos comportamentos desviantes. tivos do projeto. Cada vez mais, este tipo de página Assim, apontaram para a necessidade de recuperação eletrônica se coloca como importante veículo de idéias das formas de socialização que primam pelo desenvol- e do debate público. É um desafio do projeto hoje, vimento humano e social. Por fim, os professores João portanto, tornar nosso blog mais ativo, especialmente Ricardo Dornelles e José Maria Gómez discutiram a te- como espaço para o monitoramento de políticas públi- mática pondo em foco a conformação política e cultural BOLETIM NDH 03 02 JAN/DEZ 2007 2006 da sociedade capitalista neoliberal. Suas intervenções segurança pública adotadas no Rio de Janeiro, recupe- colocaram o problema da transformação social em des- rando os estudos já realizados, relacionados ao período taque, entendendo que as alternativas para a questão da 1983-2000, e avançando no sentido de mapear, verificar violência precisam ser situadas no interior de uma nova e analisar de forma crítica as políticas adotadas a partir conformação das relações sociais. É preciso, sobretudo, de 2000, relacionando-as aos eventos e debates políti- superar a onipotência do mercado e estabelecer novos cos locais (eleições estaduais e municipais, movimentos marcos de normatividade social, baseados na justiça so- da sociedade civil, situações de conflito, de mobilização cial e nos direitos humanos. sobre as questões de segurança, violência e direitos humanos, etc.), nacionais (eleições presidenciais, ações Em seguida, demos um importante passo para ampliar ministeriais, etc.) e globais (propostas e ações de órgãos a atividade de pesquisa do Observatório. Inscrevemos o internacionais – ONU, OEA, Sistema Interamericano de projeto “Políticas Públicas de Direitos Humanos: Violên- Direitos Humanos, entidades internacionais de defesa cia, Estado e Sociedade” para concorrer, via FAPERJ, dos Direitos Humanos – Anistia Internacional, Human ao edital do “Programa Prioridade Rio”. Trata-se de Rights Watch, etc. – relatórios internacionais sobre vio- programa governamental que tem por objetivo apoiar o lência, ação policial e violações de direitos humanos, desenvolvimento estudos temáticos a partir dos princi- ampliação dos discursos e práticas punitivas como meio pais problemas sociais no Estado, incluindo a temática de regulação de conflitos e problemas sociais, através da Segurança Pública e dos Direitos Humanos. Estes da criminalização, penalização e vitimização dos amplos estudos servirão como base teórica para a elaboração segmentos sociais excluídos e em situação de vulnera- de políticas públicas estaduais que atendam a estas de- bilidade, etc.). mandas prioritárias. É aqui que toma forma a discussão sobre a atuação O principal objetivo deste projeto de pesquisa é dar se- dos movimentos de Direitos Humanos (nacionais e in- guimento ao debate sobre a violência nos espaços ur- ternacionais), das ONGs, etc., no sentido não apenas banos, as políticas de segurança pública implantadas, de denunciar práticas de violação dos direitos huma- as políticas públicas de intervenção social existentes e a nos, principalmente no campo das ações de controle sua relação com a cidadania e a aplicação de políticas da criminalidade, como também de formular e propor promotoras dos direitos humanos no seu sentido inte- políticas píblicas de conteúdo social abrangendo a gral. Assim, priorizaremos analisar as experiências de questão da violência criminal. Por outro lado, também toma corpo a discussão sobre as políticas públicas institucionais (nos âmbitos municipal, estadual e federal), entre os anos de 2000 e 2007. Nossa expectativa é que o trabalho de pesquisa siga em 2008 animando o projeto Observatório de Controle Social e Sistema Punitivo. Esperamos realizar outro seminário com a amplitude do seminário realizado em 2007. Tal iniciativa será extremamente proveitosa para o fortalecimento do campo de debate crítico sobre o tema, algo extremamente importante no quadro atual de fragilidade da democracia e dos direitos fundamentais. Participantes Alexandre Mendes (Pós-Graduação) Aliny Mocelin (Graduação) Cynthia (Graduação) Gabriela Estevão (Graduação) Vitória Suloch (Pós-Graduação) 1 BOLETIM NDH 02 03 JAN/DEZ 2006 2007 NDH ENCENA RELATÓRIOS DOS GRUPOS DE PESQUISA DO NDH DISCRIMINAÇÃO BASEADA EM GÊNERO, DESIGUALDADE SOCIAL, DEMOCRATIZAÇÃO BRASILEIRA E A ESFERA PÚBLICA TRANSNACIONAL Coordenação Márcia Nina Bernardes e Carolina de Campos Melo Apoio PUC-Rio sta pesquisa examina temas relacionados à questão E diversos como violência doméstica e familiar, educação, de gênero no Brasil, tendo como pano de fundo o direitos trabalhistas, prostituição, pornografia, direitos re- processo de democratização no país, bem como dinâmi- produtivos, sexualidade e etc. O movimento feminista no cas que se tornaram possíveis graças a processos ge- Brasil, ao abordar essas questões a partir da década de nericamente chamados de globalização política: tranfor- 1970, teve enorme influência do movimento de mulheres mações no direito internacional - criando uma espécie de americano e francês, e, mais recentemente, o direito inter- legalidade (rule of law) supranacional - a consolidação do nacional começa a desempenhar um papel mais relevan- regime internacional de direitos humanos, e a emergência te nessa luta. Como mencionado acima, o movimento de de uma sociedade civil transnacional. O projeto tem dois mulheres no Brasil se intensifica no contexto do movimen- objetivos: por um lado, aborda a discussão epistemológi- to mais geral pela redemocratização do país. ca sobre gênero e desigualdade, e por outro lado, discute questões político-jurídicas relacionadas às implicações O segundo objetivo da pesquisa, de cunho jurídico–polí- da agenda política internacional e do direito internacional tico, é investigar as estratégias usadas pelo movimento para o movimento de mulheres no Brasil. de mulheres no Brasil. A hipótese de trabalho é a de que estratégias internacionais e transnacionais – involvendo Apesar dos muitos e inegáveis avanços durante os 20 alianças entre organizações da sociedade civil e a forma- anos desde o fim do autoritarismo, as instituições de- ção de redes – têm sido parte importante do “repertório de mocráticas ainda não conseguiram produzir no país os ações” dos atores sociais investigados. efeitos igualitários inerentes à própria concepção de democracia e o país continua sendo um dos mais desiguais Enquanto o primeiro objetivo da pesquisa reflete a pre- do mundo. Nesse contexto uma investigação das causas ocupação em consolidar a reflexão acadêmica sobre o da desigualdade e também da discriminação são de fun- assunto na PUC-Rio, e, portanto, focará no corpo do- damental importância como uma questão de justiça. O cente e discente da própria PUC como nosso público- objetivo epistemológico da pesquisa é, portanto, discutir alvo; o segundo objetivo busca continuar a interlocução a natureza da discriminação contra a mulher e também que sempre tivemos que organizações da sociedade o relacionamento entre a questão de gênero e outras for- civil que atuam no tema. mas de tratamento desigual em sociedades democráticas. Essa análise é fundamental para se avaliar as possibilidades da democracia radical na contemporaneidade. Participantes Maria Negreiros A discussão epistemológica tem uma relevância fundamental para se avaliar políticas públicas relativas a temas NDH ENCENA RELATÓRIOS DOS GRUPOS DE PESQUISA DO NDH ACESSO À JUSTIÇA E CONSCIÊNCIA DE DIREITOS NAS COMUNIDADES CARENTES DO RIO DE JANEIRO Coordenação Florian Fabian Hoffmann Apoio CNPq - Ciências Sociais Aplicadas O projeto estuda a relação da consciência de o tráfico, polícia “criminosa” e moradores, polícia direitos dos cidadãos membros de comuni- “criminosa” e tráfico, tráfico “bom” ou “mal” e mo- dades urbanas carentes com os mecanismos de radores) e raça. Na compreensão deste espaço acesso à justiça formais e informais disponíveis o grupo tem buscado fundamentação teórica em nestes locais. O pressuposto básico é que a inte- autores cujas formulações auxiliem a melhor com- ração dos membros destas comunidades com os preensão deste espaço. Nesse ínterim, adquirem diferentes tipos de atores e mecanismos provedo- particular importância abordagens da sociologia e res da justiça tem uma influência formadora sobre da psicologia social. a sua consciência de direitos. A consciência de direitos está relacionada à capaA partir do estudo desta realidade, o grupo de cidade de um indivíduo se enxergar como sujeito pesquisadores vêm trabalhando e desenvolvendo de direitos e como agente capaz de promover a jus- questões sobre forma como os habitantes de comu- tiça, participando no âmbito social da ação jurídica. nidades carentes adquirem consciência de direitos Para entender melhor a formação dessa complexa e deveres, sejam eles públicos ou privados, pró- consciência a pesquisa desenvolve alguns concei- prios ou alheios, subjetivos ou objetivos. tos como: a consciência (levando em consideração aspectos neurológicos, psicológicos e sociais), A pesquisa divide-se em três eixos principais: 1)Espaço 2)Consciência de direitos 3)Acesso à justiça A favela será o espaço onde se realizará a pesqui- o insight (enquanto capacidade de percepção de soluções/respostas para questões encontradas), o processo de aprendizagem a partir da observação de modelos, a influência social e os direitos. A principal base de formulação teórica do quesito consciência de direitos é a psicologia social. sa: um local assaz complexo, que para ser melhor 1 compreendido pressupõem-se a consideração de O acesso à justiça, dentre vários outros conceitos inúmeras variáveis, como: renda, serviços públi- existentes sobre o tema, será abordado lato senso, ou cos, percepção do lugar, estigma, violência obje- seja, será tanto o contato com o poder judiciário, quan- tiva, percepção da violência (através de diversas to a consecução da resolução de conflitos jurídicos de correlações, tais como tráfico “bom” e tráfico “mal”, forma justa. Nesse tópico, analisa-se tanto a ação de polícia “correta” e moradores, polícia “correta” e agentes estatais, como a de agentes não-estatais. BOLETIM NDH 02 03 JAN/DEZ 2006 2007 Uma etapa importante da pesquisa teórica será que será utilizado na pesquisa com os morado- a base para a uma outra etapa da pesquisa, res das comunidades; (ii) escolha, a princípio, que será a formulação de questionários a serem de cinco comunidades carentes onde a pesqui- aplicados nas comunidades que serão escolhi- sa se desenvolverá; e (iii) estruturação e imer- das para o estudo. Esse é o início, por assim são, propriamente dita, em campo. dizer, da parte empírica. Nesse ponto adquire particular importância a formulação de uma base de dados, de um índice comparativo de comunidades/bairros/regiões do Rio de Janeiro. Essa base de dados elencará a presença ou ausência de serviços públicos (escolas, creches, postos de saúde e postos policiais etc), renda média etc. O consultor Flávio Carvalhaes está atuando na parte estatística desses dados. A Participantes Ediomar Fernandes Estock Ivanilda Figueiredo Rodolfo Noronha Sérgio Souza de Oliveira Teresa Olsen escolha do nome desse índice e/ou sigla ainda está em análise pelo grupo. Com esse projeto, pretende-se formular uma avaliação crítica das experiências nesse campo, de forma a auxiliar o planejamento de iniciativas públicas e privadas. O grupo espera obter resposta a perguntas tais como: O contato com uma experiência jurídica contribui na formação de uma consciência de direitos? Em que medida? Qual modo torna mais eficaz a aquisição dessa consciência de direitos, estatal ou nãoestatal? Formal ou informal? Na atual fase o grupo está trabalhando as seguintes questões: (i) elaboração do questionário NDH ENCENA RELATÓRIOS DOS GRUPOS DE PESQUISA DO NDH SIMULAÇÕES E REALIDADE: GRUPO DE PESQUISA SOBRE O SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS Coordenação Carolina de Campos Melo e Rachel Herdy Apoio Departamento de Direito relatório das atividades desenvolvidas no ano O vernamentais da América Latina mais atuantes no Sistema de 2007 no âmbito do grupo de pesquisa Simu- Interamericano. Ironicamente intitulado “Rosa Luna versus lações e Realidade: grupo de pesquisa sobre o Sistema República de Azar”1, o caso traz uma série de questões a Interamericano de Direitos Humanos divide-se em dois serem abordadas de forma crítica e, ao mesmo tempo, cria- momentos. O primeiro momento, referente ao primeiro tiva pelos alunos, como: semestre do ano, concentra-se nas atividades realizadas para a preparação e participação da Equipe PUC-Rio na a) a conformidade de uma suposta legislação “anti-ter- 12ª Competição de Julgamento Simulado promovida pela rorismo” do Estado fictício de Azar com a Convenção American University; o segundo, diz respeito ao processo Americana; de seleção de novos integrantes para o grupo de pesquisa, bem como ao andamento das atividades de pesquisa b) a legalidade das condições de detenção a que foi no segundo semestre do ano. submetida a Sra. Rosa Luna, tendo em vista, sobretudo, a sua condição de mulher; Este ano de 2007 ficou marcado na história do grupo. Pela segunda vez, logramos participar, com o fundamental apoio c) a classificação das práticas aplicadas nos interroga- institucional e financeiro do Departamento de Direito da tórios como tortura, dentre elas a manutenção dos bra- PUC-Rio, da Competição de Julgamento Simulado promo- ços suspensos por longos períodos e a submissão da vida anualmente pela American University. O trabalho foi mulher a gritos obscenos, tudo em conformidade com árduo, desde a preparação e seleção da dupla participante a legislação interna do Estado; até a realidade das rodadas orais na competição de julgamento simulado em Washington D.C. O tema da 12ª Competição de Julgamento Simulado promovida pela American University é atualíssimo e de inestimável relevância jurídica: o respeito às normas de direitos humanos e ao Estado de Direito em face do terrorismo, particularmente em se tratando de prisioneira mulher. O caso hipotético para a competição de 2007 foi elaborado por Viviana Kristicevic, coordenadora do Center for Justice and 1 International Law (CEJIL), uma das organizações não-go- d) a legalidade do prolongamento da prisão preventiva; entre outras questões. A seleção da Equipe PUC-Rio contou com a ampla participação do corpo docente do Departamento do Direito. Em banca composta pelos Professores Gustavo Sénéchal, Ronaldo Cramer, Manoela Rolland e Silvia Menecucci, e acompanhada pelas Coordenadoras Carolina de Campos Melo e Rachel Herdy, as pesquisadoras tiveram a oportunidade de expor oralmente os argumentos para a defesa BOLETIM NDH 03 02 JAN/DEZ 2007 2006 do Estado de Azar e responder a perguntas sobre fatos As rodadas orais realizaram-se em Washington, DC, e direitos do caso em si, bem como questionamentos entre os dias 26 e 30 de maio, sob a seguinte clas- gerais sobre Direito Internacional dos Direitos Huma- sificação: rodadas preliminares, semi-finais e final. nos. A intenção consistia em reproduzir fielmente a Cada uma destas obedece ao seguinte procedimento: competição que se realizaria na American University. um dos membros da mesa é eleito juiz-chefe, o qual Após a análise do desempenho oral das alunas can- possui sempre a palavra final no que diz respeito à didatas, a banca deliberou que a Equipe da PUC-Rio interpretação das normas do regulamento. Cada Par- seria composta pelas alunas Fernanda Pradal e Letícia te tem 45 minutos para expor os argumentos, sendo Paes. A aluna Renate Bochner de Araújo foi seleciona- que no inicio da rodada deverão indicar se reservam, da para participar como “observadora”2. A Professora ou não, 10 minutos no final para réplica/tréplica. Nesse Rachel Herdy acompanhou a equipe na qualidade de momento inicial ainda, devem os participantes indicar orientadora (coach). quanto tempo cada um falará; a nenhum participante é permitido falar mais de 25 minutos. Em se tratando Para uma melhor compreensão do processo pedagógico de “rodadas interpretativas”, quando se está diante de possibilitado pela participação na competição de Julga- equipes de línguas distintas, acrescentam-se 5 minutos mento Simulado da American University, pode-se desta- no final – isso ocorreu mais de uma vez com a Equipe car, basicamente, a existência de duas fases ou etapas da PUC-Rio. O tempo é controlado por um Bailiff (oficial distintas: uma escrita e outra oral. da corte). Os juizes são autorizados e recomendados a interromper os participantes a todo tempo, elaborando A primeira etapa da competição, denominada de “Eta- perguntas curtas e precisas. pa Escrita”, desdobra-se em três momentos: interpretação dos fatos do caso hipotético; estudo das questões Os argumentos orais das partes não se restringem ao envolvidas; e redação do memorial do Estado ou da escrito nos memoriais. Tal regra foi determinante para a Comissão Interamericana - a depender do papel assi- opção da PUC-Rio em reconhecer a responsabilidade nalado no ato de inscrição. Por ter sido designado à internacional do Estado por violação a artigos da Con- Equipe o papel de Estado de Azar - equipe n. 225, o venção Americana de Direitos Humanos, postura rara- respectivo memorial foi enviado no dia 02 de abril, de mente tomadas pelos Estados na prática internacional. acordo com todos os requisitos de forma assinalados Esta opção resultou em múltiplos elogios por parte das no Regulamento da Competição. bancas examinadoras, vez que apontada como diferencial entre as equipes representantes do Estado de Azar. Vale destacar que neste ano, pela primeira vez, os trei- emência do que antes, aos questionamentos dos juizes nadores foram convidados a compor a mesa de juízes que compuseram a mesa neste dia. Cumpre notar que nas rodadas preliminares, tendo em vista, sobretudo, desde 2005 a Equipe da PUC-Rio tem uma relação de o conhecimento que têm dos fatos e direitos do caso rivalidade muito positiva com a UFMG. Na competição hipotético. Assim sendo, a orientadora da Equipe da deste ano, ao contrário do primeiro enfrentamento entre PUC-Rio Rachel Herdy participou em quatro rodadas as duas universidades, foi possível perceber o grande preliminares, nas quais competiram universidades de avanço logrado na preparação dos alunos e a paridade língua portuguesa e inglesa. Houve muito debate, após entre as duas equipes “veteranas” da competição. o término da competição, sobre este novo procedimento, na medida em que alguns treinadores reclamaram da Na terceira rodada, realizada também na quarta-feira, falta de tempo para estar com seus alunos e prepará-los a Universidade teve por adversária uma equipe repre- para a sustentação oral. sentante de uma universidade de língua espanhola – n. 128. Esta foi nossa última rodada, na medida em que a A primeira equipe enfrentada pela PUC-Rio, na terça- Equipe da PUC-Rio não logrou passar para a fase se- feira, foi a Equipe nº107, representante de uma uni- mifinal da competição – das 63 universidades, somente versidade americana. Tratava-se, pois, de uma rodada 12 avançaram para a semifinal, e dentre elas somente a bilíngüe, na qual os participantes tinham de dar conta UFMG representava o Brasil. não somente do curso da própria apresentação oral, mas também da atividade de tradução simultânea no Ao final da competição de 2007, a PUC-Rio obteve bons tribunal – como, de fato, normalmente ocorre nas sus- resultados em referência à participação individual: den- tentações orais perante a Corte Interamericana, a ONU tre os 126 oradores inscritos, Letícia Paes obteve o 23º ou qualquer outra organização internacional. O desem- lugar e Fernanda Pradal o 27º penho da Equipe da PUC-Rio foi elogiado por todos os juízes da Banca. A seguir, colacionamos os depoimentos pessoais dos quatro membros que compuseram a Equipe da A segunda rodada, realizada na quarta-feira, teve como PUC-Rio: adversária a Equipe n. 524 representante de uma Uni- 1 10 versidade brasileira – a UFMG. O duelo foi difícil: en- Letícia da Costa Paes (oradora) – A minha par- frentamos muito bem os argumentos da parte contrária ticipação no grupo “Simulações e Realidade”, e e respondemos duramente, sem vacilar e com mais ve- conseqüentemente no Moot Court Competition em BOLETIM NDH 03 02 JAN/DEZ 2007 2006 Washington D.C., foi uma das experiências mais Fernanda Ferreira Pradal (oradora) – Para falar enriquecedoras que já vivenciei durante minha da participação na Competição Interamericana de vida acadêmica. O estudo e a dedicação intensa Direitos Humanos na Washington University é ne- do grupo foi de extrema importância para conso- cessário, primeiramente, ressaltar a importância do lidar minha consciência em relação aos Direitos Núcleo de Direitos Humanos. A PUC-Rio é a única Humanos. Pude absorver e compreender melhor universidade a criar um núcleo específico para es- a aplicação destes direitos no âmbito do Sistema tudo e a pesquisa em matéria de Direitos Humanos. Interamericano na qualidade de oradora da Equipe Essa oportunidade que têm os alunos de nossa Uni- da PUC-Rio no Moot Court. A grande circulação de versidade é um privilégio e também representa um idéias, o ambiente intelectualizado e intercultural, o grande diferencial. A simulação da qual participa- comprometimento dos participantes e a seriedade mos foi o resultado de um trabalho prévio, realizado foram as características marcantes que pude ob- através de grupo de estudos e pesquisa ligado ao servar e vivenciar durante a competição. Acredito NDH, o que nos possibilitou, a um só tempo, amplo que tal experiência é um grande investimento, tanto aprendizado teórico e considerável experiência em pessoal para o aluno como para a instituição que pesquisa no que diz respeito à temática dos direitos este representa. O número significativo de alunos e humanos. Nesse sentido, a competição funcionou universidades presentes em Washington, inclusive como a oportunidade de transformar parte do co- brasileiras, comprova a importância de encarar o Di- nhecimento adquirido em prática e, ainda, de tratar reito dentro de um contexto realístico, que estimula de temas não estudados anteriormente, como no e amadurece o aluno. O fato de ter convivido com nosso caso o terrorismo, também da perspectiva outros alunos de todo o mundo extremamente dedi- pragmática, o que se mostrou muito distinto do que cados e preparados e com profissionais que com- se vê em sala de aula. A experiência de “enfrentar” partilhavam o interesse pela promoção e proteção um Tribunal e supostos oponentes em juízo foi en- dos direitos humanos me fez perceber um universo riquecedora e incomparável. É certo que as capaci- de possibilidades dentro do Direito. Sinto que estou dades desenvolvidas neste projeto, como a estrutu- mais preparada para encarar os desafios da minha ração lógica do argumento, a clareza e habilidade futura profissão no campo dos Direitos Humanos. da explanação e a oratória, são fundamentais para Inspirada por essa experiência, vejo a necessidade a profissão do advogado. Ter a oportunidade de e importância de encorajar outros alunos a partici- desenvolvê-las ainda durante a graduação consti- par desta competição. 11 tui um diferencial. Para falar da experiência pessoal petições dessa magnitude. Pessoalmente, os elo- durante a competição, essa se revelou surpreen- gios e críticas ouvidos ao longo da competição nos dente. O ano de 2007 foi o 12º ano de realização fazem sentir que o caminho foi corretamente vislum- dessa atividade pela American University. Participa- brado e devidamente traçado, aproximando-nos dos ram 63 Universidades, em sua maioria de países do objetivos maiores, quais sejam a consolidação dos continente americano, mas também representantes estudos sobre os Direitos Humanos e participações de Universidades da África do Sul, da Nigéria e da da PUC-Rio em competições desta espécie. Bélgica. Além das delegações, havia representan- 1 12 tes da Sociedade Civil e dos próprios órgãos do Sis- Renate Bochner de Araújo (observadora) – A ex- tema Interamericano que realizaram palestras, além periência, para mim, foi uma grande oportunidade de participarem das simulações. O Brasil, inclusive, de melhor compreender, com a prática, o proce- se mostrou representado por um número maior de dimento de um julgamento no âmbito do Sistema Universidades em relação aos anos anteriores e foi Interamericano de Direitos Humanos. E, assistindo expressamente mencionado pelos organizadores tanto a apresentação oral da equipe da PUC-Rio do evento a necessidade de que mais Universi- como as equipes das outras universidades, percebi dades desenvolvam esse trabalho. Confesso que que, diferentemente do que usualmente ocorre no foi impressionante o número de estudantes entre Sistema Judiciário Brasileiro, as interrupções dos oradores e observadores engajados nos temas juizes são constantes e, por conseqüência, guiam de direitos humanos e já traçando sua vida profis- a exposição para que sejam levantados os temas sional nessa área, a qual, inegavelmente, vem se mais controversos e importantes do caso. A opor- profissionalizando. Por fim, quanto a desempenho tunidade que tive de ter tido contato com esse pro- da Equipe da PUC-Rio, posso afirmar que este não cedimento foi extremamente enriquecedor e impor- esteve aquém do que foi realizado por outras equi- tante para uma futura atuação em minha atividade pes, inclusive as vencedoras. Tenho certeza de que de operadora do Direito, como militante de Direitos estamos no caminho certo, no que tange à linha de Humanos. A participação na competição foi uma preparação para essa atividade. Com efeito, já atin- grande oportunidade de refinarmos questionamen- gimos patamar de qualidade superior ao de outras tos específicos de Direitos Humanos, trazidos pelo Universidades, participantes há mais tempo. Nada caso hipotético da competição, tais como a violên- obstante, temos ainda um longo percurso a seguir cia contra a mulher e o uso da tortura no combate na preparação adequada de uma equipe para com- de situações extremas como o terrorismo, temas BOLETIM NDH 03 02 JAN/DEZ 2007 2006 em relação aos quais pretendo aprofundar os meus cas, a submissão a prazos processuais, a prática da estudos. Os proveitosos contatos realizados duran- retórica e da oralidade em situações de conflito, etc.) te a competição foram importantes para conhecer- fundamentais para o bom desempenho das funções mos outros eventos ligados aos Direitos Humanos de um advogado, independentemente da área de e ao Direito Internacional, mas não só isto; também atuação. Nesta minha segunda oportunidade de figu- foi uma interessante oportunidade de conhecermos rar como “treinadora” (coach) da Equipe da PUC-Rio a situação de respeito aos Direitos Humanos em e, mais ainda, como juíza em quatro rodadas com outros países, e as medidas tomadas pelos Esta- diferentes universidades brasileiras e estrangeiras, dos como forma de combater possíveis violações. pude comprovar o quanto a nossa Equipe está, con- Como exemplo mais marcante, posso citar o caso cretamente, inserida dentre as melhores da competi- da Colômbia, país que atravessa uma situação in- ção. Há muito ainda que se melhorar, principalmente terna ainda conturbada, ter desconstituído a coisa no tocante à fase de preparação dos alunos. Com- julgada para condenar torturadores que atuaram petir com grandes universidades latino-americanas durante a ditadura naquele país. tradicionalmente dedicadas a este ramo de Direito e a este tipo de pedagogia, como as instituições Co- Prof.ª Rachel Herdy (treinadora) – Na qualidade de lombianas e Argentinas, permite-se experimentar um treinadora da Equipe representante da PUC-Rio em sentimento misto que varia entre a sensação de que 2007, missão esta assumida também em 2005, e, há ainda muito que caminhar e o satisfação de ver ainda, na qualidade de coordenadora há três anos do alunos na idade de 20, 21 ou 22 anos altamente qua- Grupo de Pesquisa “Simulações e Realidade”, gosta- lificados, amadurecidos e preparados para enfrentar ria de registrar aqui, acima de tudo, a grande confian- a realidade da luta para a defesa dos direitos huma- ça que tenho neste método de ensino do Direito não nos no nosso continente. somente para a constituição de advogados militantes na área dos direitos humanos – o que nos parece * * * essencial diante do cenário mundial hoje – mas, sobretudo, na criação de competências, capacidades e O segundo momento que pretendemos relatar com rela- habilidades diversas (desde a reflexão crítica até o ção às atividades de 2007 do grupo de pesquisa refere exercício da criatividade na argumentação, a redação ao processo de seleção dos novos integrantes. de textos jurídicos, o cumprimento de normas técni- 13 O Edital foi lançado no mês de novembro com o seguinte objetivo: 1)formar profissionais qualificados para a atuação nas Participantes instituições governamentais, intergovernamentais e Cecília Perlingeiro S. de Carvalho não-governamentais de direitos humanos; Celina Beatriz Mendes de Almeida Fernanda Ferreira Pradal 2)capacitar alunos que representem o Departamento Gabriel Lombardo Borda de Direito da PUC-Rio em simulações nacionais e in- Letícia da Costa Paes ternacionais (a depender de financiamento); e Luiza Athayde de Araújo Maíra Ayres Torres 3)estimular o intercâmbio entre universidades e institui- Maria Clara M. de A. de S. Martins ções de pesquisa nacionais e internacionais de direitos Renate Bochner de Araújo humanos. Roberto Pedro Krukoski de A. Gevaerd Taiz Marrão Batista da Costa As atividades do grupo começaram logo após o processo Teresa Labrunie Calmon Soares de seleção e continuarão no decorrer das férias. O caso a ser enfrentado no próximo ano, lançado no final do mês de novembro, foi elaborado por Pablo Saavedra, SecretárioExecutivo da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Denominado Arizmendi e outros contra Chuqui, o caso potencializa a discussão sobre pontos importantes na temática dos direitos humanos em conexão com questões de direito ambiental, motivo pelo qual estão sendo reunidos esforços com o Setor Jurídico do NIMA (Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente), com a especial participação da professora Danielle Moreira. O trabalho em conjunto dos dois núcleos vinculados ao Departamento de Direito promete bons resultados para a participação da Equipe PUC-Rio na edição de 2008 da competição de julgamento 1 simulado na American University. 14 Notas Disponível em: www.wcl.american.edu/hracademy/mcourt. Acesso em: 05 de março 2007. 1 A Competição de Júri Simulado da American University incentiva a participação de alunos e professores na qualidade de “observadores”. Os “observadores” ajudam na organização do evento e na preparação de sua equipe para enfrentar os adversários nas diversas rodadas orais. 2 BOLETIM NDH 03 02 JAN/DEZ 2007 2006 NDH ENCENA RELATÓRIOS DOS GRUPOS DE PESQUISA DO NDH DIREITOS SOCIAIS Coordenação Telma da Graça de Lima Lage Apoio PIBIC - CNPq ano de 2007 foi muito produtivo para o Grupo de O da cidadania, a pronunciar aqui na PUC conferência a Pesquisa em Direitos Sociais. Políticas públicas respeito. Assim, no dia 26 de março de 2007, um auditó- de transferência de renda, como o bolsa-família, e de rio lotado (Auditório Anchieta) ouviu as convictas palavras promoção do acesso de alunos de baixa renda às uni- do Senador sobre o caráter republicano e civilizatório da versidades, como o PROUNI, e mais as políticas conhe- renda básica da cidadania, defendida por três economis- cidas como ‘ações afirmativas’ – que destinam vagas nas tas laureados com Prêmio Nobel. Muitas perguntas foram universidades para alunos negros, oriundos de escolas feitas, muitas dúvidas foram semeadas, e as palavras de públicas, ou a partir de outro critério determinado pela Giuseppe Cocco, cientista político da UFRJ, também instituição de ensino – estiveram no centro do debate po- conferencista convidado, se prestaram a tornar o debate lítico, diuturnamente presentes nos editoriais dos jornais, ainda mais acirrado. Aluno do grupo de estudos elegeu o que proporcionou rico material de estudo e pesquisa o tema para sua monografia* de final de curso, onde se para nosso grupo de estudos. Procuramos conhecer encontra uma sistematização deste debate. melhor a Lei 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), e as ações nela apoiadas, não apenas em seu O fato de a assistência aos desamparados estar com- aspecto normativo, mas também jurisdicional e, sobre- preendida dentre os direitos sociais, e ser este tema de tudo, administrativo. A discussão da natureza do direito grande interesse para o Serviço Social, levou a uma à assistência social – direito subjetivo? – vulgarmente aproximação com mestrandos do Serviço Social, numa refletida no binômio assistência/assistencialismo levou parceria que renova os objetivos do grupo de estudos e à descoberta desta via, como de grande interesse para abre oportunidade para atividades de extensão. Evento realização do propósito de “diminuição das desigualda- no campus avançado da PUC, em Caxias, foi, a um só des sociais”, presente em nossa Constituição (CRFB, art. tempo, expressão do compartilhamento de valores co- 3º, III). No desenvolvimento das pesquisas teóricas com muns pelo NDH e o Serviço Social e ensaio para ações este propósito, deparamo-nos o mecanismo de transfe- futuras que saibam explorar as sinergias e manejar os rência de renda, denominado renda básica da cidadania, instrumentos de que dispomos em proveito do enriqueci- tão original quanto desconhecido, e já previsto em lei (Lei mento do estatuto de cidadania. 10.835/04). Embora não possa ser assimilado à assistência (por seu caráter universal e incondicional), tornou-se outro ponto de investigação e estudos, tão promissor que nos levou a convidar o Senador Eduardo Suplicy, autor do projeto de lei, e defensor incansável da renda básica Participantes Graziela Carvalho Gustavo da Costa M. Ferreira dos Santos Renate Bochner 15 NDH ENCENA NOTÍCIAS JANEIRO - EDITAL DO PRÊMIO CELSO MELLO DE MONOGRAFIA EM DIREITOS HUMANOS Publicado o Edital do Prêmio Celso Mello de Monografias em Direitos Humanos, uma promoção do Núcleo de Direitos Humanos e da Coordenação de Monografias do Departamento de Direito. O prazo para a entrega das monografias foi dia 10 de março de 2008. JANEIRO – EDITAL DO PRÊMIO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS A Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) abriu edital para o Prêmio Sistema Interamericano de Direitos Humanos, em sua terceira edição. FEVEREIRO – CURSO STRICTO SENSU O Departamento de Sociologia e de História e o Núcleo de Direitos Humanos do Departamento de Direito da PUC-Rio lançaram um curso Stricto Sensu, que conta com a presença dos professores doutores, Ângela Paiva e Florian Hoffmann. 21 DE MARÇO - DIA INTERNACIONAL PELA ELIMINAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL No Plenário da Câmara Municipal do Rio de Janeiro se realizou um debate com os seguintes temas: criminalização da pobreza; reconhecimento de comunidades quilombolas; liberdade de culto; cotas: avaliando e pensando as ações afirmativas e; questões indígenas. 1 16 BOLETIM NDH 03 02 JAN/DEZ 2007 2006 26 DE MARÇO - CONFERÊNCIA “RENDA BÁSICA DE CIDADANIA” O senador Eduardo Suplicy participou da Conferência “Renda Básica de Cidadania” realizada pelo grupo de pesquisa “Efetividade dos direitos sociais”, coordenado pela professora Telma Lage. André Urani, do IETS e Giuseppe Coco, da UFRJ também participaram da discussão que ocorreu no campus da PUC-Rio. 10 A 12 DE ABRIL – WORKSHOP “RAÇA E COR ATRAVÉS DAS AMÉRICAS” O Workshop “Raça e cor através das Américas: construções comparativas da subjugação racial e étnica”, foi realizado em parceria do NDH com o LATCRIT (Latina and Latino Critical Legal Theory) e com o Departamento de Ciências Sociais da UFRJ. O evento ocorreu na PUC-Rio e na UFRJ.. 11 E 12 DE ABRIL – NDH PARTICIPA: “LAW AND POLICY IN THE AMERICAS” A Professora Márcia Nina Bernardes esteve na Universidade da Florida, em Gainesville, para a Conferência “Law and Policy in the Americas”, onde foi uma das palestrantes. 04 DE MAIO – NDH PARTICIPA: CICLO DE DEBATES ADPERJ A professora Carolina de Campos Melo realizou a palestra “Defensoria Pública e o Sistema Interamericano de Direitos Humanos” direcionada para defensores públicos, na ADPERJ. 18 DE MAIO - PALESTRA “O ACESSO A REMÉDIOS” O NDH, o Programa de Pós-Graduação em Direito e o Instituto de Relações Internacionais promoveram a palestra “O acordo sobre propriedade intelectual (TRIPS) e o acesso a remédios” ministrada pelo Dr. Holger P. Hestermeyer, do Instituto Max Planck para Direito Público Comparado e Direito Internacional (Heidelberg – Alemanha). 17 22 DE MAIO – PALESTRA “O SISTEMA INTERNACIONAL DE PROTEÇÃO AOS REFUGIADOS” O NDH, o Programa de Pós-Graduação em Direito e o Instituto de Relações Internacionais promoveram a palestra “O sistema internacional de proteção aos refugiados” que contou com a presença de Wellington Carneiro (Oficial Nacional de Proteção do Escritório do ACNUR no Brasil) e Gustavo Sénéchal de Goffredo (Professor Doutor do Departamento de Direito da PUC-Rio). 21 A 25 DE MAIO – NDH PARTICIPA: MOOT COURT Com o apoio do Departamento de Direito, as alunas Fernanda Pradal, Letícia Paes e Renate Bochner, acompanhadas pela orientadora Rachel Herdy, foram selecionadas para representar a PUC-Rio na competição internacional de Júri Simulado da Washington College of Law, American University. 25 DE MAIO - SEMINÁRIO “DISCRIMINAÇÕES” O Seminário “Desintegrando o preconceito: o combate à discriminação racial e de gênero à luz do CERD e CEDAW”, promovido pelo grupo de pesquisa “Discriminações”, sob a coordenação dos professores Florian Hoffmann e Carolina de Campos Melo e com o apoio da Fundação Ford. 25 DE MAIO - PRÊMIO CELSO MELLO DE MONOGRAFIA EM DIREITOS HUMANOS 2006 A aluna Rafaella Salem foi a vencedora do Prêmio Celso Mello de Monografia em Direitos Humanos 2006, entregue durante o seminário “Desintegrando o preconceito”. O prêmio é a publicação, na “Revista Direito, Estado e Sociedade”, de um artigo baseado na monografia de sua autoria, “Efetivação de direitos: limites e possibilidades no contexto de uma favela carioca” 01 DE JUNHO - CICLO DE DEBATES ADPERJ A professora Márcia Nina Bernardes realizou a palestra “Defensoria Pública, sociedade civil e a construção da democracia no Brasil” direcionada para defensores públicos, na ADPERJ. 1 18 BOLETIM NDH 03 02 JAN/DEZ 2007 2006 06 DE JULHO - CICLO DE DEBATES ADPERJ O professor João Ricardo Dornelles realizou a palestra “A Criminalização da exclusão social, capitalismo de barbárie e controle social na contemporaneidade” direcionada para defensores públicos, na ADPERJ. JUNHO - CURSO DE VERÃO DO PROF. COLIN CRAWFORD Foi realizado um curso de verão para estudantes americanos sobre Direitos Humanos, organizado pela Universidade de Geórgia em parceria com a Universidade de Seattle e a Faculdade de Direito de Tennessee. Os professores Florian Hoffmann e Márcia Nina Bernardes ministraram aulas no curso. 09 A 20 DE JULHO - XXV CURSO INTERDISCIPLINAR EM DIREITOS HUMANOS O IIDH realizou o XXV Curso Interdisciplinar em Direitos Humanos, que é um espaço acadêmico de investigação, capacitação e ação buscando a solução de problemas de direitos humanos da região. 01 A 06 DE AGOSTO - NDH PARTICIPA: XXIII CONGRESSO MUNDIAL DE FILOSOFIA DO DIREITO E FILOSOFIA SOCIAL Durante o Congresso Mundial, os professores Rachel Herdy e Florian Hoffmann apresentaram suas pesquisas em workshops especiais sobre direitos humanos, o evento aconteceu na Cracóvia, Polônia. 17 DE AGOSTO - NDH PARTICIPA: CICLO DE DEBATES ADPERJ O professor Florian Hoffmann realizou a palestra “Efetividade dos direitos sociais e o judiciário brasileiro” direcionada para defensores públicos, na ADPERJ. 19 31 DE AGOSTO - SEMINÁRIO INTERDISCIPLINAR AGRESSIVIDADE, VIOLÊNCIA E DIREITOS HUMANOS O seminário homenageou o Professor Augusto Thompson com uma série de palestras e debates sobre o tema “Agressividade, Violência e Direitos Humanos”. Entre os palestrantes estão o Dr. Raul Eugenio Zaffaroni, membro da Corte de Justiça de Argentina, e o Professor André-Jean Arnaud, coordenador geral da Cátedra Unesco Direitos Humanos, Violência: Políticas Públicas e Governo. 3 A 6 DE SETEMBRO – NDH PARTICIPA: III ENCONTRO ANUAL DA ANDHEP Os professores João Ricardo, Florian Hoffmann, Gisele Cittadino e Márcia Nina Bernardes estiveram presentes no III Encontro Anual da ANDHEP, em João Pessoa. 14 DE SETEMBRO - NDH PARTICIPA: CICLO DE DEBATES ADPERJ A professora Rachel Herdy realizou a palestra “Direitos Humanos como princípio interpretativo” direcionada para defensores públicos, na ADPERJ. OUTUBRO – NDH PARTICIPA: FÓRUM CULTURAL Durante o mês de outubro, a Profª Bethania Assy ministrou um curso sobre direitos humanos intitulado “A indiferença que tolera diferenças: da indivisibilidade social à promessa da lei”, na Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ). 19 DE OUTUBRO - NDH PARTICIPA: CICLO DE DEBATES ADPERJ A Profª Bethania Assy realizou a palestra “A Indiferença que tolera diferenças: Espaço Público e Desencantamento do Político” direcionada para defensores públicos, na ADPERJ. 1 20 BOLETIM NDH 03 02 JAN/DEZ 2007 2006 24 A 27 DE OUTUBRO - NDH PARTICIPA: LAW, SUSTAINABLE DEVELOPMENT, AND GOVERNANCE: NEW PATHS OF RESPONSIBILITY A Profª Márcia Nina Bernardes apresentou a pesquisa “Slave Labor in Brazil: Is Globalization Creating Old Problems or Making Possible New Forms of Accountability?” na terceira edição do encontro Law, Sustainable Development, and Governance: New Paths of Responsibility, promovido pelas Facultés Universitaires des Saint Louis, na Bélgica, em conjunto com a Charles Léopold Mayer Fondation pour le Progrès de l’Homme. 24 E 25 DE OUTUBRO - NDH PARTICIPA: JORNADA DE PRODUÇÃO CIENTÍFICA EM DIREITOS FUNDAMENTAIS E ESTADO O Prof. Florian Fabian Hoffmann ministrou a palestra “Democracia, cidadania e direitos humanos” na primeira Jornada de Produção Científica em Direitos Fundamentais e Estado: a efetivação dos direitos fundamentais e a crise do Estado Contemporâneo, em Criciúma, Santa Catarina. 29 A 31 DE OUTUBRO - NDH PARTICIPA: COLÓQUIO NACIONAL DE FILOSOFIA DA LINGUAGEM (CNFL) A Profª Rachel Herdy participou do Colóquio Nacional de Filosofia da Linguagem (CNFL), na UNISINOS, em São Leopoldo, com a apresentação do trabalho “Pode a linguagem fundamentar crenças universais? Uma revisão crítica do legado de Richard Rorty para a filosofia do pragmatismo.” 07 DE NOVEMBRO – REUNIÃO COM O RELATOR DA ONU Philip Alston, Relator da ONU para Execuções Sumárias, Arbitrárias e Extrajudiciais, se reuniu com entidades da sociedade civil no campus da PUC-Rio para recolher informações sobre os temas em exame durante sua visita in loco ao Estado do Rio de Janeiro. 21 07 A 10 DE NOVEMBRO – NDH PARTICIPA: CÁTEDRA UNESCO O Prof. João Ricardo Dornelles participou junto com representantes de outras faculdades do encontro da CÁTEDRA DA UNESCO/REDE UNITWIN “Direitos Humanos e Violência: Governo e Governança”, em Bogotá, que contou com o Seminário Internacional, a Reunião do Comitê Cientifico e a Reunião dos Reitores. 23 DE NOVEMBRO – APOIO DA FAPERJ O projeto “Políticas Públicas de Direitos Humanos: Violência, Estado e Sociedade”, sob a coordenação do Prof. João Ricardo Dornelles, recebeu apoio da FAPERJ, de acordo com o Edital nº 14/2007 Programa “Pensa Rio – Apoio ao Estudo de Temas Relevantes e Estratégicos para o Estado do Rio de Janeiro”. NOVEMBRO – EDITAL “SIMULAÇÕES E REALIDADE” Publicado o Edital para a seleção de pesquisadores para o Grupo de Pesquisa sobre o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, Simulações e Realidade. 05 DE DEZEMBRO – NDH PARTICIPA: SEMINÁRIO SOBRE DIREITOS HUMANOS E POBREZA O Prof. João Ricardo W. Dornelles e o pesquisador Alexandre Mendes participaram do “Seminário sobre Direitos Humanos e Pobreza”, realizado no Campus da Praia Vermelha da UFRJ. O evento contou também com a presença da Alta-Comissária de Direitos Humanos das Nações Unidas, Louise Arbour. 08 DE DEZEMBRO – POLO AVANÇADO DA PUC-RIO A equipe do NDH, em conjunto com outros professores do Departamento de Direito e de Serviço Social, estiveram presentes no Pólo Avançado da PUC-Rio na Baixada Fluminense (São Bento) para um encontro com a comunidade e a realização de uma palestra sobre direitos humanos. 1 22 BOLETIM NDH 03 02 JAN/DEZ 2007 2006 10 E 11 DE DEZEMBRO – DIA INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS Foi realizado um evento comemorativo pelo dia Internacional dos Direitos Humanos, com palestras, exibição de filmes e entrega de prêmios. O evento conta com a parceira do NDH, dos núcleos universitários da UFRJ, da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro e de algumas organizações não governamentais. 10 A 14 DE DEZEMBRO – I CURSO DE DIREITO INTERNACIONAL DOS REFUGIADOS O I Curso de Direito Internacional dos Refugiados para Professores Universitários em parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os refugiados (ACNUR) foi realizado na PUC-Rio com a coordenação da Profª Silvia Menniccuci. DEZEMBRO - NDH PARTICIPA: PALESTRA ONU O Prof. Florian Hoffmann ministrou o seminário sobre direitos humanos no Master of Arts in International Law and Human Rights, University for Peace (UPEACE), Organização das Nações Unidas, Costa Rica. DEZEMBRO - ARQUIVO HANNAH ARENDT Está em fase de catalogação o Arquivo Hannah Arendt, coordenado pela Profª Bethânia Assy, que será aberto ao público dentro de alguns meses. 23 ARTIGOS SEGURANÇA PÚBLICA NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO “No Rio, o policial tem que escolher: ou se corrompe, ou se omite, ou vai pra guerra.” frase acima, dita pelo Capitão Nascimento, perso- A A mudança de governo trouxe alguns sinais positivos para nagem fictício do filme “Tropa de Elite”, sintetiza a a área da segurança, especialmente no que diz respeito cultura da segurança pública que tem imperado nas últimas ao combate à corrupção policial. Em primeiro lugar, foram décadas no Estado do Rio de Janeiro. Envolvimento de nomeadas para a cúpula da segurança pública pessoas parte do efetivo das polícias em esquemas de corrupção, de boa reputação. Em seguida, ao que tudo indica, não baixa efetividade dos órgãos de controle interno e externo teria havido o “leilão” de batalhões e delegacias. Desde das polícias, omissão deliberada ou incompetência invo- o início, o governo anunciou que iria superar a conivência luntária para se combater o crime, mentalidade do conflito entre integrantes de sua força policial e o tráfico, e a so- armado como justificativa para a prática de abusos, todos ciedade fluminense já tem comemorado operações exito- esses são ingredientes que compõem a realidade da vio- sas de prisão e afastamento de policiais envolvidos com lência no Estado do Rio de Janeiro. o comércio ilegal de entorpecentes. Operações que visem a desmantelar as redes de corrupção no Estado são de Essa cultura não tem servido para enfrentar de forma vital importância para o gradual enfraquecimento do crime eficaz o problema da violência. Ao contrário, alimenta-se organizado e para desfazer os efeitos perversos da impu- dela e a retro-alimenta, estimulando a brutalidade e a bar- nidade, devendo ser intensificadas. bárie, além de gerar espaço para o desenvolvimento das milícias. Espremida entre uma polícia que, em boa parte, Naturalmente que não se pretende fazer a defesa do com- age de forma violenta e corrupta, o tráfico e os milicianos, bate à criminalidade somente por meio de ações preventi- está a população, refém e acuada. vas. Seria ingenuidade, ou até tolice, negar a necessidade de ações de repressão. E essas ações têm que ser firmes. 24 As declarações da nova administração da segurança pú- É verdade que lutar contra o tráfico significa fazer valer blica têm reforçado a idéia de que a Secretaria está “em os direitos humanos daqueles que moram em favelas. É guerra” contra os criminosos. O conceito é perigoso, por- bom que se enfatize a opressão a que estão submetidos que, ao se falar em guerra, pode-se transmitir a idéia er- milhares de moradores de comunidades subjugadas pelos rônea de que vale tudo. Ocorre que, mesmo nas guerras, traficantes. No entanto, é um grave equívoco legitimar-se há regras. Até nessas situações há normas que definem a violência policial em nome da segurança. A luta contra como o inimigo deve ser tratado e quando tais normas são o tráfico deve obrigatoriamente se dar dentro dos limites violadas pode-se falar em crimes de guerra. O que temos da lei e tendo sempre em vista o bem maior que deve podido acompanhar no caso do Rio de Janeiro é que, em ser protegido pelo Estado, que é a vida humana. No caso algumas ocasiões, há fortes indícios de que agentes de da polícia, depositária do monopólio estatal da violência segurança pública estariam se furtando a observar até legítima, abusos – sejam contra “pessoas de bem” ou ban- mesmo as regras do combate legal. didos – são inaceitáveis. BOLETIM NDH 03 JAN/DEZ 2007 Alessandro Molon Em sua segunda legislatura, Alessandro Molon é Deputado Estadual no Rio de Janeiro pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembléia Legislativa. Email [email protected] Não obstante os resultados até agora muito pouco expres- taria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da sivos de redução dos índices de violência urbana, a Secre- República, a designação de peritos independentes para taria Estadual de Segurança Pública insiste na continuida- acompanhar as investigações. O relatório final dos peritos de de sua estratégia. Estatísticas recentes divulgadas pelo independentes confirmou que, em ao menos duas das 19 Instituto de Segurança Pública mostram que, no primeiro mortes, houve execução. Em vez de lamentar o ocorrido e semestre de 2007, em comparação com o mesmo período manifestar a intenção de apurar responsabilidades por es- do ano anterior, houve aumento significativo do número de sas execuções, as declarações do Secretário de Seguran- mortes em supostos confrontos com a polícia e queda no ça Pública foram no sentido de desqualificar o trabalho da número de prisões e nos índices de apreensão de drogas perícia independente e de creditar a polêmica àqueles que e de armas. Os números revelam, no mínimo, a ineficácia “procuram distorcer a justa causa dos direitos humanos”. do método adotado para enfrentar a criminalidade no Rio de Janeiro, sem falar na quantidade de vidas perdidas. Passada a experiência do Alemão, a reflexão que as autoridades da segurança devem fazer é em que medida A retórica oficial que procura sustentar as operações em incursões como essa são eficientes para a retomada favelas baseia-se na idéia da retomada e da pacificação da soberania do Estado naqueles territórios. Há relatos do território para a posterior implantação de programas que afirmam que, depois de recolhidos os corpos e da sociais, com o aporte de vultosos recursos, inclusive do retirada das forças policiais, a situação voltou ao status governo federal. Esse teria sido o conceito idealizador anterior. Põe-se a pergunta: qual o real benefício desse da mega-operação no Complexo do Alemão, em junho formato de operação? de 2007. Analisemos esta ação da polícia fluminense, dadas as suas conseqüências e a sua repercussão na- Estou certo de que, além de possível, é necessário que cional e internacional. a ação da polícia respeite os limites legais tão duramente construídos pela sociedade brasileira. Creio firmemente No Complexo do Alemão, afora o preocupante número que o verdadeiro enfrentamento ao crime só pode ser fei- de 19 mortes, a investida policial resultou em mais de 40 to por policiais que respeitem a lei. Em minha condição feridos, em fechamento das escolas da região por cerca de parlamentar e de presidente da Comissão de Defesa de dois meses, na falência de pequenos comerciantes, e dos Direitos Humanos e Cidadania da Assembléia, venho em medo e indignação dos trabalhadores que lá residem. apresentando propostas neste sentido. Alguns indícios resultantes da operação levaram à suspeita de uso excessivo da força e de execuções sumárias, Propus ao Poder Executivo estadual, por exemplo, a fatos que me motivaram a entrar com representação no criação de um grupo de trabalho, com a participação Ministério Público estadual e a solicitar, junto à Secre- de representantes dos Poderes Executivos federal e 25 estadual, do Poder Legislativo e da sociedade civil organizada, para a definição de estratégias que garantam a redução da letalidade das ações policiais, grupo este já instituído por Decreto do Governador, mas ainda não instalado. Sou também autor de projetos de lei que visam a proteger e a dar assistência a vítimas de violência e a defensores de direitos humanos. Por outro lado, confio na valorização e no treinamento do bom policial e, para tanto, apresentei projeto que proíbe a utilização de métodos violentos no treinamento de agentes de órgãos envolvidos na segurança púbica, projeto que veda a utilização de símbolos e imagens que remetam à morte nos bens e veículos públicos, projeto que dispõe sobre o atendimento médico e psicológico ao servidor da área de segurança pública, e, finalmente, projeto que dispõe sobre o pagamento de pensão aos dependentes do servidor de segurança pública morto em serviço. Como creio que para atingirmos outro estágio nas investigações em nosso estado precisamos de uma perícia de fato independente, propus e consegui aprovar emenda à Constituição do Estado que determina a autonomia dos órgãos periciais, emenda esta ainda não regulamentada por lei de competência privativa do Executivo. Minhas iniciativas têm levado em consideração o entendimento de que prevenção e repressão devem ocorrer paralelamente e sempre com respeito aos direitos humanos. Meus esforços seguirão no sentido de contribuir para que o Estado do Rio de Janeiro encontre um caminho alternativo, mais ousado, ao que hoje está implantado, que busque resgatar a valorização da dignidade do ser humano e fortalecer o Estado Democrático de Direito. 26 BOLETIM NDH 03 JAN/DEZ 2007 ARTIGOS Resistência pacífica no Kosovo: as vozes que o Ocidente desconhece (1989-1998) O s Bálcãs geralmente habitam o imaginário cole- em janeiro de 1989, o status do Kosovo dentro do con- tivo ocidental como uma região onde a violência texto iugoslavo é modificado quando a Assembléia Sér- é “endêmica”, onde “ódios ancestrais” contribuem para via debate a proposta de emenda constitucional para a manutenção das comunidades locais em um con- suspender a autonomia do Kosovo: depois da aprova- texto cognitivo que se aproxima da barbárie. Isso, no ção, a Sérvia teria controle sobre a polícia e os tribu- entanto, é um pressuposto perigoso e discriminatório. nais, e passaria a elaborar políticas sócio-econômicas, O presente artigo tem por objetivo questionar tal visão educacionais e lingüísticas na região. O recrudesci- monolítica sobre a região, com foco explícito no Kosovo mento dos discursos e a expectativa de suspensão da e, para tanto, narra um aspecto recente e pouco ana- autonomia do Kosovo levam à greve dos mineiros de lisado da história kosovar: a estratégia de resistência Trepca (fev. 1989) – a primeira de outras manifestações pacífica desenvolvida por albaneses do Kosovo nos públicas pela não-reversão da situação garantida pela anos 1990 como resposta à repressão cada vez maior Constituição Iugoslava de 1974. Depois de oito dias de proveniente do governo sérvio. A complexa e tortuosa greve, o governo sérvio ordena a prisão dos grevistas.1 relação entre sérvios e albaneses do Kosovo não se Em março, quando a Assembléia Kosovar reúne-se inicia no século XX mas, como o paper visa ressaltar para discutir as alterações da Constituição da Sérvia o movimento de resistência pacífica dos albaneses de que suspenderiam a autonomia do Kosovo, tanques de 1989-1998, restringe-se o marco temporal para as dé- guerra concentram-se ao redor do prédio para conter cadas de 1980 e 1990. os manifestantes. No fim da reunião, as emendas que suspendem a autonomia são declaradas “aprovadas”, No contexto da Iugoslávia, desde a sua criação no ime- mesmo sem o mínimo legal de 2/3 dos deputados diato pós-Segunda Guerra, as relações entre sérvios e presentes, já que a maioria se absteve de votar. Na albaneses no Kosovo foram administradas em grande semana seguinte, em 28.03.1989, as emendas são medida pela via institucional, quase sempre sem o uso ratificadas pela Assembléia Sérvia, ato que finalmente da força. Por pressões de albaneses por mais autono- suspende a autonomia do Kosovo tal concedida pela mia, a Constituição Iugoslava de 1974 reconhece que Constituição Iugoslava de 1974.2 o país é formado por seis repúblicas (Eslovênia, Croácia, Bósnia, Sérvia, Montenegro e Macedônia) e duas As manifestações em várias cidades do Kosovo não províncias autônomas (Kosovo e Vojvodina – ambas as conseguem reverter o processo que não só retira a províncias estão localizadas em território sérvio mas re- autonomia da província, mas que também concede a cebem alto grau de autonomia no nível da Iugoslávia). Milošević quatro votos no conselho da Presidência da Iugoslávia, graças ao fato de o cargo por ele exercido A 1ª crise no Kosovo da década de 1990 tem início com deter a representação formal de quatro entidades po- a chegada de Slobodan Milošević à presidência da Re- líticas com direito de voto nas instituições iugoslavas pública Sérvia, em dezembro de 1987. Pouco depois, centrais: Sérvia, Montenegro, Kosovo e Vojvodina. A 27 Eduarda Passarelli Hamann-Nielebock Doutora em Relações Internacionais e Professora do IRI / PUC-Rio. Este paper se baseia em trechos da minha tese de doutorado em relações internacionais (IRI/PUC-Rio). Email [email protected]. repressão policial aos protestos dos albaneses produz vários segmentos institucionais, e não exatamente um 100 mortos no mês de abril de 1989 e as prisões em projeto político consciente de uma liderança política em massa de intelectuais, oficiais e diretores de empresas ascensão.7 De uma maneira ou de outra, depois de al- passam a ser sistemáticas, com objetivos de neutra- guns meses, as instituições do movimento passaram a lizar a liderança, desmobilizar a população e coibir a estar formalmente vinculadas à coordenação da LDK e organização de novos protestos.3 A partir de então, a à liderança de Rugova. questão do Kosovo passa a ser tratada pelos sérvios como “assunto doméstico”, o que é reforçado pela ne- A sociedade paralela começa a ser organizada em gação das tentativas do que eles alegam ser a interna- 1989 não somente por causa da retirada da autonomia cionalização do problema.4 do Kosovo, mas também devido às políticas públicas discriminatórias e repressoras provenientes das auto- No mesmo ano, em dezembro de 1989, como respos- ridades sérvias. A advogada kosovar Nekibe Kelmendi ta à escalada da repressão do governo sérvio, líde- elaborou uma detalhada análise das 32 leis e dos mais res albaneses fundam a Liga Democrática do Kosovo de 470 decretos aprovados pelo governo da Sérvia en- (LDK - Lidhjes Demokratike te Kosoves), presidida por tre 1990 e 1992, que alteravam de maneira significati- Ibrahim Rugova. A estratégia da LDK consistia no du- va a autonomia dos albaneses do Kosovo através de plo exercício de constituir uma sociedade paralela e de um tratamento discriminatório, explicitamente baseado internacionalizar a questão do Kosovo, o que se de- no componente étnico. Entre as políticas repressoras, senvolve em quase uma década de resistência pacífica eram recorrentes a demissão em massa de albaneses no Kosovo, perdendo força e credibilidade somente a de cargos públicos, a transferência da polícia e do sis- partir de 1997-1998.5 Um “Estado paralelo”, também tema judicial para a estrutura da Sérvia, o fechamen- chamado de “sociedade paralela” ou “contra-socieda- to e/ou a submissão de órgãos da mídia albanesa ao de”, é desenvolvido no Kosovo, com partidos políticos, controle de Belgrado (TV, rádio e jornal), as alterações sindicatos, associações humanitárias, organizações formais no currículo escolar kosovar para suprimir a de direitos humanos, sistemas paralelos de educação, língua albanesa e modificar o conteúdo nos moldes do saúde, cultura e informação. A “sociedade paralela” currículo de Belgrado, entre outros abusos.8 6 kosovar se organiza enquanto oposição pacífica, e não “passiva”, à repressão proveniente de Belgrado, o que Em julho de 1990, os deputados kosovares albaneses pode ser interpretado como uma tentativa unilateral de declaram a independência da República do Kosovo prevenção da violência em maior escala. dentro da estrutura da Federação da Iugoslávia e, em 07.09.1990, promulgam uma nova constituição na reu- 28 Há quem diga que a resistência não-violenta teria nião da Assembléia kosovar realizada em Kaçanic.9 ocorrido, no início, de maneira não sistemática e não Em 28.09.1990, a República Sérvia promulga sua nova organizada, sendo o resultado de atos autônomos de constituição em que reafirma a submissão do Kosovo BOLETIM NDH 03 JAN/DEZ 2007 às autoridades sérvias,10 ou seja, a Sérvia ignora a de- incisiva na região iugoslava que, até então, ainda se claração de independência e a constituição kosovar, constituía como um único Estado soberano: a Repúbli- sendo a Albânia o único Estado a reconhecer formal- ca Socialista Federal da Iugoslávia. Tal omissão torna- mente a independência do Kosovo, embora estivesse se relevante após cerca de 2 anos, quando os EUA e disposto a rever sua posição caso fosse necessário.11 parte da Comunidade Européia, provocada pela Alemanha, reconhecem a independência da Croácia, da Eslo- O reconhecimento da independência por outros Esta- vênia e da Bósnia em 27.04.1992. Logo depois, a Sér- dos (entidades políticas formadoras do sistema interna- via e Montenegro, as duas entidades remanescentes cional) é essencial para fazer valer o princípio da sobe- da República Socialista Federal da Iugoslávia, unem-se rania moderna e a regra da não-intervenção. Somente sob o nome e a estrutura da “República Federal da Iu- o caso concreto pode demonstrar se o reconhecimento goslávia”, o que também vem a ser internacionalmente diplomático por várias unidades do sistema é um ins- reconhecido. Pelo exposto, pode-se argumentar que o trumento de prevenção de conflitos, ou se torna a situ- hipotético reconhecimento internacional da “República ação ainda mais complicada e favorece a erupção da do Kosovo” teria feito com que esta fosse a primeira violência armada (Gabriel Munuera 1994). No caso do entidade a se retirar da antiga Iugoslávia. Kosovo de 1990, o não-reconhecimento da “República do Kosovo” foi parte da percepção dominante entre Depois da declaração da independência da República atores políticos internacionais de manter intacta a in- do Kosovo, começam os preparativos para eleições par- tegridade territorial das ex-repúblicas iugoslavas. Isso lamentares e presidenciais, que ocorrem com sucesso. não serviu como instrumento de prevenção de conflitos Os sérvios kosovares, a quem estavam garantidos 14 no caso kosovar, mas também não levou à violência dos 130 assentos na assembléia kosovar, boicotam o armada, pelo menos não nos primeiros anos. A reação evento. Após obter a maioria dos assentos na assem- dos albaneses kosovares foi pacífica, tanto à retirada bléia, a LDK tem seu líder, Ibrahim Rugova, declarado da autonomia como à ausência de reconhecimento di- como o novo presidente do Kosovo.13 Rugova é conhe- plomático do status de república, pelo menos no curto cido internacionalmente como o líder albanês que utili- prazo. Na realidade, a reação envolve o ingresso, em za e estimula métodos não-violentos para o alcance da 1991, da “República do Kosovo” na Organização das independência.14 O líder pacifista alcança certo nível de Nações e Povos Não-Representados (UNPO, da sigla legitimidade no plano internacional graças ao contexto em inglês)12 e a criação de instituições e de um governo predominante da época, bastante favorável à não-vio- de facto, como se verá a seguir. lência: a queda do muro de Berlim sem maiores complicações, o fim do comunismo na Europa, o sucesso A ausência de reconhecimento da “República do Koso- do movimento não-violento na Polônia, a conquista da vo” deixa evidente a falta de consenso entre atores po- independência dos Estados bálticos (Lituânia, Letônia líticos internacionais em se envolver de maneira mais e Estônia), entre outros.15 Com isso, no caso do Koso- 29 vo, havia a ingênua crença entre as principais potên- contribui para que as vozes dos albaneses que organi- cias ocidentais de que os métodos não-violentos dos zavam e apoiavam a resistência civil no Kosovo sejam albaneses levariam à independência da província sem ligeiramente mais conhecidas no Ocidente. derramamento de sangue, crença que se percebe em estratégias internacionais confusas e não incisivas até Qualquer movimento social demanda produção e dis- o final da década de 1990. Tal crença, juntamente com seminação de informação qualificada, sobretudo os a falta de interesse e a falta de status soberano, são movimentos que defendem estratégias pacifistas como alguns dos fatores que explicam mas não justificam a reação a políticas oficiais cada vez mais repressoras. omissão de atores internacionais no processo de pre- A informação contribui para gerar e manter a coesão venção da violência no Kosovo. interna do movimento e também serve como meio de possibilitar que as vozes dos reprimidos sejam promo- Apesar do esforço de boa parte da população em se- vidas e conhecidas por atores que podem eventual- guir a liderança pacifista, o processo não rende os frutos mente causar um impacto real no desenrolar da situa- desejados – não garante a independência ao Kosovo e ção. Tal premissa era do conhecimento dos albaneses, não consegue internacionalizar a questão. Ainda assim, mas também era compartilhada pelo governo sérvio. durante alguns anos, não se pode negar o forte envolvi- Em junho de 1990, após a suspensão do parlamento mento dos líderes albaneses e da população em manter e de outras instituições governamentais das quais par- uma estratégia que evitou não apenas a guerra, mas ticipavam kosovares albaneses, o governo sérvio tam- também a submissão dos albaneses ao regime sérvio.16 bém suspendeu a publicação do principal jornal diário, o Rilindja, além de proibir a veiculação de qualquer A partir do estabelecimento da sociedade paralela al- programa em língua albanesa de rádio ou televisão.18 banesa, a grande mídia ocidental, obediente à lógica A resposta inicial envolveu a produção de jornais alba- da cultura da violência, limitou-se a cobrir de maneira neses com registro na Eslovênia e na Croácia, o que esporádica os eventos na província kosovar: “Sem ma- não durou muito: em maio de 1993, Belgrado opera- nifestações para relatar a partir de outubro de 1992, cionalizou a fusão da parte de vendas e distribuição era raro para qualquer jornal publicar mais que um ar- de empresas da mídia kosovar, entre elas as que pu- tigo ocasional a respeito da notável luta não-violenta blicavam o Rilindja albanês e o Tan turco, e as integrou que estava evitando a guerra”. A mídia local, porém, à já existente estrutura da empresa sérvia Panorama. seguiu a tradição albanesa de comunicação, e tentou A Panorama apropriou-se das contas bancárias das manter a produção e disseminação clandestinas de empresas kosovares, o que forçou o fechamento de jornais e programas de TV. Howard Clark é um dos ra- alguns periódicos. 17 ros autores ocidentais a abordar a relevante questão 30 da disseminação da informação na sociedade paralela Uma estratégia mais eficaz foi a conversão de jornais durante a primeira metade dos anos 1990. Com isso, específicos – como o semanal Bujku (“Fazendeiro”) – BOLETIM NDH 03 JAN/DEZ 2007 em jornais politizados, e com maior tiragem e maior fre- ser perigosa, é a expressão da evolução da cultura po- qüência. A conversão era liderada pela LDK, que pas- lítica, em direção à criação da responsabilidade do(s) sou a controlar o conteúdo dos jornais e dos programas líder(es) em relação aos cidadãos”.23 televisivos para apresentar suas versões da realidade, com o propósito de reforçar a resistência albanesa e Raros exemplos da mídia independente tiveram impac- de glorificar o mínimo apoio internacional à luta não- to no Kosovo na primeira metade da década de 1990. violenta.19 Houve limitações, apesar dos esforços, das Em 1995, o jornal holandês, Press Now, cuja prioridade quais merecem destaque: (1) entre 1991 e 1992, quase era apoiar a mídia independente na ex-Iugoslávia, dis- todos os editores albaneses foram detidos por períodos tribuía no Kosovo quinze tipos de revistas em língua que variaram de 15 a 60 dias; (2) as sanções contra a albanesa. Mais relevante é a iniciativa da AIM (Alterna- Iugoslávia dificultaram a chegada de papel no Kosovo, tivna Informativna Mreza), fundada em outubro de 1992 o que forçou a redução da tiragem do Bujku para ape- como rede de jornalistas independentes interessada em nas 8.000 unidades.20 criar vínculos entre kosovares e a oposição moderada na Sérvia. A rede era integrada por correspondentes de Os canais de televisão oficiais no Kosovo, naquela ambas as etnias no Kosovo e por correspondentes de época, veiculavam sua programação em língua sérvia Tirana e de Belgrado, e prezava ser uma fonte de infor- e utilizava-se da dublagem – e não da legenda – sem- mação e interpretação independente. Alguns dos jor- pre que a língua original era diferente da sérvia. A al- nalistas envolvidos também contribuíam para o Vreme, ternativa foi a instalação de televisão via satélite, com jornal da oposição em Belgrado, e Balkan War Report, o recebimento de noticiários e outros programas de ca- de Londres.24 nais regionais ou internacionais, como o Radio Zagreb, a Voice of America, Deutsche Welle e BBC. Em 1994, Outros tipos de atores não-tradicionais também eram ra- o kosovar albanês Veton Surroi retorna de Londres e, ros no Kosovo em meados da década de 1990. Em 1994, com o financiamento da Open Society Fund (Soros), as seguintes ONGs mantinham projetos de assistência restabelece o jornal semanal Koha21, para estimular o humanitária no Kosovo: Catholic Relief Services, Méde- debate entre kosovares albaneses e para quebrar o cins sans Frontières, Médecins du Monde, Mercy Corps e “monopólio” e o silêncio da LDK em relação aos pro- Oxfam.25 Como pode ser percebido, a atuação internacio- blemas estratégicos enfrentados pelo movimento não- nal, mesmo de atores não-tradicionais, foi bastante restrita violento.22 Segundo um editorial redigido e publicado e a sociedade kosovar permaneceu “isolada”. por Surroi em março de 1995: Isso demonstra que, na agenda dos atores ocidentais “Após a euforia inicial, que acreditava no movimento relevantes da época, havia pouco ou nenhum apelo po- democrático albanês, começa a fase da suspeição so- lítico para aquilo que não se referia à promoção da vio- bre o que é lido ou escrito. Embora essa fase possa lência. A grande mídia ocidental também não parecia 31 interessada pela articulação dos albaneses em tentar Notas produzir e disseminar informação referente à resis- 1 tência pacífica. Tal omissão da mídia e dos decision- 2 makers contribuiu para que a narrativa da breve e bem articulada sociedade paralela kosovar não alcançasse a opinião pública ocidental – o que reforça e coincide com a percepção dominante no imaginário coletivo de que os Bálcãs em geral, e o Kosovo em particular, são uma região onde a violência é “inerente” às relações sociais. Este artigo teve o propósito de desmistificar essa equivocada generalização e de introduzir o assunto da resistência pacífica dos albaneses no Kosovo, cujas vozes precisam ser ouvidas por servirem como um exemplo recente, relevante e construtivo de estratégias de prevenção de violência armada. 32 CLARK, 2000, p. xvi; BASIC, 2000. ICTY, 1999; BASIC, 2000; ICG, 1998, p. 10. 3 BASIC, 2000. 4 DELCOURT, 1999, p. 282. 5 DE VRIEZE 2002, p. 290. 6 KULLASHI, 1999, p.56; O’ NEILL, 2002, p. 22; DE VRIEZE, 2000, p. 290. 7 PULA, 2004, p. 797. 8 CLARK, 2000, p. 71-72; PULA, 2004, p. 806. 9 WAELE e GJELOSHAJ, 1999, p. 22; WELLER, 1999, p. 6465; CLARK, 2000. p. xvi. 10 WELLER, 1999, p. 62. 11 CLARK, 2000, p. 90; ICG, 1998, p. 10; BBC, p. 1999. 12 Em inglês, Unrepresented Nations and Peoples Organizations (UNPO). Disponível em: <http://www.unpo.org/member_profile. php?id=32>. 13 ICG, 1998, p. 10. 14 O’ NEILL, 2002, p. 21; LUBONJA, 1999, p. 31. 15 ICG, 1998, p. 11. 16 CLARK, 2000, p. 95. 17 Livre tradução de “With no demonstrations to report after October 1992, it was rare for any newspaper to have more than an occasional feature article on the remarkable nonviolent struggle that was avoiding war” (CLARK, 2000, 90). 18 HRW, 1990, BASIC 2000. 19 CLARK, 2000, p. 109. 20 CLARK, 2000, p. 108. 21 Convertido em Koha Ditore em 1997. V. ICG, 1998. 22 CLARK, 2000, p. 110. 23 Livre tradução de “After the initial euphoria, fully believing in the Albanian democratic movement, the phase of suspicion on what is read and written is developing. However dangerous this phase might seem, it is nevertheless an expression of an evolution in the political culture, going towards the creation of responsibility of the leader(s) towards the citizen” (CLARK, 2000, p. 110). 24 CLARK, 2000, p. 111. 25 CLARK, 2000, p. 90. BOLETIM NDH 03 JAN/DEZ 2007 Referências bibliográficas BASIC - British American Security Information Council. Kosovo: The Long Road to War. Série de quatro cronologias, publicadas em 2000: (i) 1988-1991, (ii) 1992-1997, (iii) 1998 e (iv) 1999. Disponível em: <http://www.basicint.org/europe/ confprev/Kosovo/timeline1.htm>. Acesso em: 26 jan. 2007. BBC. Kosovo Crisis (30 mar. 1999). Analysis: the Impact on Albania. Disponível em: <news.bbc.co.uk/hi/english/special_ report/1998/kosovo2/newsid_308000/308241.stm>. Acesso em: 28 jan. 2007. CLARK, Howard. Civil Resistance in Kosovo. London: Pluto Press, 2000. DE VRIEZE, Franklin. Kosovo: Civil Society Awaits a Chance for Reconciliation. In: VAN TONGEREN, Paul; VAN DE VEEN, Hans; VERHOEVEN, Juliette (Eds.). Searching for Peace in Europe and Eurasia: an overview of conflict prevention and peacebuilding activities. Boulder, CO: Rienner, 2002. DE WAELE, Jean-Michel e Köle Gjeloshaj. Una Indispensable Vuelta al Pasado. In: LIZARRALDE, R. S.; Burillo, F. G. e MORELL, I. J. (Eds.). Informe sobre el Conflicto y la Guerra de Kosovo. Madrid: Ediciones del Oriente y del Mediterráneo, 1999. DELCOURT, Barbara. La posición de las autoridades serbias y yugoslavas respecto a Kosovo: entre razón de Estado y lógica nacional. In: LIZARRALDE, R. S.; BURILLO, F. G. e MORELL, I. J. (Eds.). Informe sobre el Conflicto y la Guerra de Kosovo. Madrid: Ediciones del Oriente y del Mediterráneo, 1999. HRW – Human Rights Watch. Human Rights Developments (Yugoslavia). (1990). 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A reestruturação na base econômica trouxe conseqüências profun- Para o sucesso do modelo, o mercado é definido das, afetando as diferentes dimensões da existência como o espaço de regulação social. Paralelamente, o contemporânea e atingindo todas as partes do mun- modelo neoliberal redefine os mecanismos de contro- do. Uma nova ordem global foi se estruturando, flexi- le social e dominação política, ampliando o espaço de bilizando os mercados – através de uma elevadíssima atuação penal. O que se observou foi o esvaziamento concentração do capital -, e se baseando na revolu- da atuação política do Estado, através da diminuição ção tecnológica, na precarização das relações de tra- significativa das suas políticas públicas sociais e a balho, na vulnerabilidade social em níveis altíssimos, privatização das áreas sociais estratégicas (saúde, na exclusão social e na degradação ambiental. educação, moradia, saneamento, enfim, o elenco de áreas que constituem os direitos humanos econômi- A consolidação dessa nova ordem econômica e finan- cos, sociais e culturais). ceira internacional, tem como sustentação política a hegemonia de uma direita ultraconservadora, com um O esgotamento do modelo baseado na produção fabril discurso neopositivista visando o ordenamento das e no fordismo, a reengenharia social promovida pela questões sociais. O processo de globalização neoli- ordem neoliberal e a falência do modelo do Estado de beral acentuou o quadro de marginalização social, a Bem-Estar Social levou a uma nova estratégia de ges- desestruturação de laços tradicionais de solidariedade tão da pobreza (leia-se dos excluídos do modelo ne- comunitária, reforçando a ética individualista burgue- oliberal, dos “consumidores falhos”). 2 Da sociedade sa com base no consumo exacerbado e na mercantili- baseada na coerção disciplinar com base no conhe- zação de todas as dimensões da vida moderna. cimento e nas instituições integradoras, exigindo um Estado com políticas de natureza social, passou-se a A ofensiva neoliberal impôs uma reorganização so- uma sociedade que privilegia o discurso penal. Como cial, impulsionado por um ajuste estrutural que se afirmou o sociólogo francês Loic Wacquant, a era neo- expressa na austeridade dos gastos públicos so- liberal desmontou o Estado Social substituindo-o pelo ciais, resultando na marginalização e na precari- Estado Penal. 3 zação de amplos segmentos humanos, obrigando a aplicação de políticas de contenção e de controle A ordem neoliberal exige um discurso penal ampliado, social com base no darwinismo social, resultando ou a prevalência do direito penal de emergência, que na apartação ampliada de classes, segmentos so- se expressa através do eficientismo penal (com propos- ciais e populações que passam a ser consideradas tas de “tolerância zero”, redução da menoridade penal, redundantes. Por sua natureza excludente, o mo- proposta de aplicação da pena capital, ampliação das 1 34 BOLETIM NDH 03 JAN/DEZ 2007 João Ricardo W. Dornelles Professor do Departamento de Direito da PUC-Rio; Coordenador-Geral do Núcleo de Direitos Humanos do Departamento de Direito da PUCRio; Professor do Programa de Mestrado da Faculdade de Direito de Campos; Professor da Fundação Educacional Serra dos Órgãos (FESO); Diretor da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Direitos Humanos (ANDHEP). Email [email protected] penas para pequenas transgressões, encarceramento lo que, ao excluir, produz e amplia o conflito social, em massa de indivíduos as classes mais pobres e de produz e amplia a incerteza, o medo, a miséria, para segmentos em situação vulnerável etc). Exige, portan- aqueles que não têm lugar no mundo. to, que as multidões de vulneráveis – segmentos excluídos – sejam criminalizadas e encarceradas. A prisão, A repressão penal – a criminalização ampliada – pas- de instituição disciplinar do capitalismo dos séculos XIX sa a ser a prática sociopolítica vigente através de polí- e XX, passa a ser o deposito, o espaço da punição, o ticas de segurança pública e da ampliação da atuação local da “exclusão dos excluídos”. das agências de controle social penal (principalmente a corporação policial e a justiça penal). O alvo des- A estratégia de controle social e dominação política da tas práticas punitivas são os desempregados, os “pi- era pós-moderna criminaliza e pune o protesto social, queteiros” na Argentina, os trabalhadores rurais sem os movimentos sociais que denunciam as injustiças da terra no Brasil, os trabalhadores imigrantes ilegais era neoliberal, como também todos aqueles indivíduos (“idocumentados”) nos Estados Unidos e na Comu- e segmentos sociais potencialmente ameaçadores da nidade Européia, os indígenas em diferentes países ordem capitalista neoliberal. Os alvos da seletividade da América Latina, as crianças e adolescentes de rua, são, portanto, amplas multidões, os críticos, os rebel- as prostitutas pobres, os consumidores de drogas, os des, os insubmissos, os indignados, os inconformados, favelados, os moradores de rua etc. os resistentes, disfuncionais para o modelo hegemônico. São aqueles que não têm espaço no mercado O que fundamenta o modelo dominante de segurança formal, os que não se submetem à lógica do modelo pública é o eficientismo penal 5, através de medidas hegemônico, os amplos contingentes expulsos do mer- altamente repressivas às transgressões – crimes e cado, aqueles que numa sociedade de consumidores desvios -, utilizando recursos como a ampliação do são os “consumidores falhos”. Para estes sobra o dis- encarceramento, procedimentos secretos, escutas curso e a prática punitiva do Estado. A mesma retórica telefônicas, aumento das penas etc., além da utiliza- dominante do Estado mínimo que não deve intervir nas ção de órgãos privados de segurança e das práticas relações econômicas e sociais se complementa com a de “tolerância zero”. A ação de tais programas de “lei existência real do Estado máximo penal. e ordem”, adota um modelo que deixa de se dirigir unicamente à penalização de uma pessoa considera- Vale lembrar, que a ordem neoliberal se dá no con- da culpada, para integrar todo o conjunto de pessoas texto da modernidade recente 4 que, ao contrário do pertencentes aos grupos sociais estigmatizados como capitalismo do Welfare State, com a sua lógica inclu- “perigosos”, suspeitos ou em situação de vulnerabili- siva, disciplinar e integradora no mercado de consu- dade. São setores considerados pelo modelo como mo, é altamente excludente e, como tal, produtora de potencialmente ameaçadores da ordem social. Desta violência e da clientela do sistema penal. Um mode- forma, devem ser controlados, reprimidos, vigiados, 35 punidos, detidos para averiguação, marcados com o rótulo de indesejáveis e inúteis. Em suma, são os trabalhadores assalariados, operários, trabalhadores Referências bibliográficas BATISTA, Vera Malaguti. O medo na cidade do Rio de Janeiro. Dois tempos de uma história. Rio de Janeiro: Revan, 2003. informais, desempregados, mendigos, afro-descendentes, indígenas, loucos, homossexuais, prostitutas, tóxico-dependentes, soropositivos do HIV, estrangeiros pobres, imigrantes ilegais etc. 6 BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. _________________. Globalização. As conseqüências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999. A hegemonia neoliberal, portanto, significou a vitória do discurso punitivo e a aplicação da prática de guerra contra os pobres. _________________. Vidas Desperdiçadas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005. DORNELLES, João Ricardo W. Conflito e Segurança. Entre Pombos e Falcões. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. Notas Sobre o conceito de classes sociais e populações redundantes, ou consideradas “lixo humano”, ver BAUMAN, 2005. 2 Sobre o conceito de “consumidores falhos”, ver BAUMAN, 1998. 3 WACQUANT, 2001. No livro o autor analisa como se deu, no Estados Unidos, a transição do Estado-Providencia para o Estado-Penitencia. 4 Para o conceito de “modernidade recente”, ver YOUNG, 2002. 5 Sobre as características do modelo do Eficientismo Penal, o modelo da “lei e ordem” e as práticas de “tolerância zero”, ver DORNELLES, 2003, pp. 45 a 65. 6 Ver DORNELLES, João Ricardo W. Conflito e Segurança. Entre Pombos e Falcões. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, pp. 42 a 46. 1 36 GIORGI, Alessandro de. A miséria governada através do sistema penal. Rio de Janeiro: Ed. Revan/Instituto carioca de Criminologia, 2006. _________________ . RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punição e Estrutura Social. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora/ Instituto Carioca de Criminologia, 1999. YOUNG, Jock. A sociedade excludente. Exclusão social, criminalidade e diferença na modernidade recente. Rio de Janeiro: Ed. Revan/ Instituto Carioca de Criminologia, 2002. WACQUANT, Loïc. Prisões da miséria. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2001. ________________ . Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Freitas bastos Editora/Instituto Carioca de Criminologia, 2001. BOLETIM NDH 03 JAN/DEZ 2007 ARTIGOS 2007: UM BALANÇO sul-AMERICANO SOBRE O DIREITO À VERDADE As atividades de 2007 do Núcleo de Direitos Humanos do Por sua vez, o dia 29 de agosto atrai os holofotes para o Departamento de Direito da PUC-Rio encerraram-se com Brasil. Em cerimônia realizada no Palácio do Planalto, é o evento comemorativo ao dia internacional dos direitos lançado o livro “Direito à Memória e à Verdade: Comissão humanos. Por iniciativa de núcleos universitários e orga- Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos”. O do- nizações não-governamentais, realizou-se um seminário cumento assume a verdade como passo necessário para itinerante nos campi da PUC-Rio e da Praia Vermelha o avanço na consolidação do respeito aos direitos huma- (UFRJ). O Departamento de Direito da PUC-Rio propor- nos. Trata-se da primeira versão oficial2 sobre o período cionou o debate “Verdade e Memória: ontem e hoje”, com ditatorial brasileiro, que afirma que “(j)ogar luz no período a participação de professores e convidados. Na ocasião, de sombras e abrir todas as informações sobre violações defendi que 2007 teria sido um ano especial para o tema. de Direitos Humanos ocorridas no último ciclo ditatorial são imperativos urgentes de uma nação que reivindica, A despeito de alterar o tempo cronológico, considero que com legitimidade, novo status no cenário internacional e o ano teve início em 10 de dezembro de 2006. Augusto Pi- nos mecanismos dirigentes da ONU.”3 Durante a ditadura nochet falece no dia internacional dos direitos humanos, militar no Brasil, descobrir a verdade justificava a utiliza- simbolicamente. Encerra sua vida em um contexto político ção de meios condenáveis. Com a edição da Lei nº 6.683, impensável aos fins do período ditatorial chileno. Preso na de agosto de 1979, foi adotada a anistia ampla, geral e Inglaterra no ano de 1999, em acatamento à ordem do juiz irrestrita, sem que se permitisse o esclarecimento sobre as espanhol Baltazar Garzón, Pinochet seria extraditado para a mortes e desaparecimentos atribuídos a agentes militares. Espanha para responder por atos de tortura cometidos duran- Na esteira da democracia consagrada pela Constituição te o seu regime. Tal fato alertou ditadores latino-americanos Federal de 1988, foi adotada a Lei nº 9140/95, que criou para o fato de que não era mais possível esconder-se sob a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Polí- o véu da soberania estatal. A negativa ao pedido espanhol ticos competente para o reconhecimento de responsabili- por razões de saúde do ditador foi sucedida pelo retorno ao dade estatal, a determinação de reparação financeira aos Chile em março de 2000. Ao mesmo tempo, a estabilização familiares das vítimas e a localização dos restos mortais.4 democrática permitiu que Michelle Bachelet, ex-presa política, Portanto, a versão oficial deriva da institucionalidade bra- se tornasse a primeira mulher a exercer a chefia do Ministério sileira que possibilita o diálogo entre diversos setores es- da Defesa, em 2002, bem como a Presidência da República tatais e da sociedade civil, como é o caso da Comissão. em 2006. É neste contexto que, em julho de 2007, a Corte Interamericana de Direitos Humanos edita a sentença do caso Por sua vez, no mês de setembro de 2007, é divulgada a Almonacid Arellano e outros,1 por meio da qual determina ao decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre o caso Ara- Estado chileno assegurar que a Lei de Anistia de 1978 não guaia, por meio da qual se confirma a sentença da juíza siga representando um obstáculo para a investigação, julga- federal Solange Salgada, da 1a Vara Federal do Distrito mento e sanção dos responsáveis por violações de direitos Federal, datada de 2003. A ação fora proposta por fami- humanos durante a ditadura militar. liares de brasileiros que se instalaram em área à margem 37 Carolina de Campos Melo Coordenadora-Acadêmica do Núcleo de Direitos Humanos do Departamento de Direito da PUC-Rio Advogada da União (AGU) E-mail: [email protected] do Rio Araguaia, Estado do Pará, integrando o movimento quinze pessoas e ferimento de outras quatro, no ano de denominado Guerrilha do Araguaia e que foram mortos e 1991, por atuação de grupo paramilitar, a Corte Interame- desaparecidos ao resistirem à ação das forças armadas ricana considerou inadmissíveis as disposições de anistia destinada a sufocar o movimento, o que ocorreu entre que pretendessem impedir a investigação e a sanção de abril de 1972 e janeiro de 1975. Nos termos da referida responsáveis por graves violações de direitos humanos decisão, foi determinado à União Federal que quebre o tais como tortura, execuções e desaparecimentos força- sigilo das informações militares relativas às operações e dos.7 Por sua vez, em decisão de 2006 sobre o caso de que informe o local em que estão sepultados os restos invasão do campus da Universidade La Cantuta, no ano mortais dos familiares dos autores, no prazo de 120 dias. de 1992, a Corte determinou que o Estado peruano realize Precisamente por não menosprezar a complexidade da imediatamente as devidas diligências para determinar as execução da referida sentença, estima-se que o ano de responsabilidades penais de todos os autores dos fatos 2008 reserva um olhar atento sobre o tema por parte da provados, afastando novamente o obstáculo da anistia.8 sociedade brasileira. Não se pode esquecer ainda que o Com o retorno de Fujimori, as instâncias judiciais peruanas caso “Guerrilha do Araguaia. Julia Gomes Lund e outros” passaram finalmente a julgar os fatos que ocasionaram a (no. 11.552), referente aos mesmos fatos, encontra-se sob imputação de responsabilidade internacional ao Estado. 5 exame da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA desde 1995. Tendo em conta a publicação do re- Também em 10 de dezembro, ao tomar posse na Presi- latório de admissibilidade no ano de 20016, a CIDH aprecia dência da República, Cristina Kirchner classifica a ditadura a responsabilização internacional do Estado brasileiro por militar entre 1976-1983 como o maior genocídio da histó- violação de direitos humanos e o eventual envio do caso ria da Argentina, esperando que durante o seu mandato à Corte Interamericana de Direitos Humanos. Não haveria fossem julgados e condenados todos os responsáveis por surpresa se o ditame deste tribunal para o caso brasileiro crimes cometidos durante a ditadura. O caso argentino seguisse os padrões adotados em casos similares como o tem chamado atenção no continente. O discurso presiden- chileno ou peruano, como analisado a seguir. cial encontra eco no contexto alicerçado na Lei 25.779, de setembro de 2003, que declara nulas a Lei do Ponto Final 38 Foi também 2007 o ano que o Chile autorizou a extradi- (Lei nº 23.492/86) e a Lei da Obediência Devida (Lei nº ção de Alberto Fujimori para ser submetido a processo, 23.521/87); bem como na decisão da Corte Suprema de no Peru, por diversas violações de direitos humanos e por Justiça de 2005 que determinou a inconstitucionalidade das crime de corrupção. Em 10 de dezembro tem início o jul- mesmas. Importante ressaltar que a decisão teve por fun- gamento pela Sala Especial da Corte Suprema peruana, damento a contrariedade das leis à Convenção Americana instalada especialmente no quartel em que se encontra de Direitos Humanos, possuidora de abrigo constitucional, preso, pelos massacres de Barrios Altos e La Cantuta. como já havia sido determinado pela Comissão Interame- Desde 2001, no julgamento do caso Barrios Altos (Chum- ricana de Direitos Humanos desde 1992. A decisão para- bipuma Aguirre e outros) vs. Peru, referente à morte de digmática, serve de alerta às demais cortes constitucionais BOLETIM NDH 03 JAN/DEZ 2007 do continente, ocorre em sede de julgamento incidental no Analisada a agenda do continente sobre o direito à verdade caso Poblete-Haclzik, iniciado em 2001 por patrocínio do no ano de 2007, afinal, quais seriam os limites deste direito? Centro de Estúdios Legales y Sociales (CELS), referente ao seqüestro, tortura e assassinato de José Poblete e Ger- Este tem sua origem no Direito Internacional Humanitário: trudis Hlaczik e a entrega da filha Claudia Victoria Poblete, o Protocolo Adicional I às Convenções de Genebra de à época com oito meses, para a um coronel do Exército e 1949, em seus artigos 32 e 33, estabelece o direito das sua esposa que a registraram como própria. Por sua vez, famílias de conhecer o destino dos seus membros. o juízo criminal condenou Julio Héctor Simon a 25 anos de prisão, constituindo a primeira sentença condenatória para Por sua vez, a prática de desaparecimentos forçados, os crimes de lesa humanidade acometidos pela ditadura inaugurada no continente americano na década de 1970, militar. Para o CELS, alcançou-se a “justicia, nada más, conduziu à importante atividade jurisprudencial capitanea- pero nada menos.”9 da pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Desde o caso Velásquez Rodrigues vs. Honduras (1988)10, o Tri- Para o Brasil, o ano de 2007 ainda guardava uma “sur- bunal tem considerado que, em caso de graves violações presa“. A poucos dias da virada do ano, a justiça italiana de direitos humanos como é o caso de desaparecimento pede a extradição de 146 militares e civis sul-americanos, forçado, tortura e execução, a vítima e/ou seus familiares dentre os quais brasileiros, para que sejam processados têm o direito a conhecer as circunstâncias da violação de e julgados pela morte de 25 italianos detidos no âmbito direitos humanos. É nesse sentido que a Convenção Inte- da Operação Condor, articulação militar entre diversos pa- ramericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pesso- íses do continente coordenadas pelos Estados Unidos. O as de 1994, única convenção regional ainda não ratificada pronunciamento por parte de alguns dos acusados sobre pelo Brasil, estabelece a obrigação dos Estados-Partes a pretensa impunidade de seus crimes, seja pela impos- em manter registros oficiais e de coloca-los à disposição sibilidade constitucional de serem extraditados, seja pela dos familiares dos desaparecidos, com dos juízes, advo- cobertura da Lei de Anistia de 1979, não resiste a uma gados, qualquer pessoa com interesse legítimo e outras análise mesmo que superficial, vez que os crimes come- autoridades. Ainda, em 2003, em sede de julgamento do tidos pelas autoridades brasileiras – desaparecimento caso Mirna Mack Chang vs. Guatemala11, a Corte Intera- forçado de Horacio Domingo Campiglia e Lorenzo Ismael mericana pronunciou-se no sentido de que a sociedade Viñas -- datam de 1980. Não haveria de se estranhar que com um todo deve ser informada sobre tudo que se passa tais pedidos de extradição tenham ressonância diversa em em conexão com graves violações de direitos humanos. cada país envolvido, a depender do grau de maturidade institucional alcançada no que se refere à perseguição por Ao se espalhar pelo mundo, tal prática fez por merecer crimes de lesa-humanidade e à consolidação do direito à o mais novo dos tratados de direitos humanos. Aprovada verdade e à memória. pelo recém-criado Conselho de Direitos Humanos em julho de 2006, e ato contínuo pela Assembléia Geral, a Conven- 39 ção Internacional contra Desaparecimentos Forçados de ção Federal em 2008 e dos trinta anos da Lei de Anistia Pessoas foi aberta a assinaturas em fevereiro de 2007. O em 2009? Que estas breves linhas sirvam de alerta para tratado classifica a prática de desaparecimentos forçados o contexto de formação de um novo direito humano que como crime contra a humanidade e consagra o direito à se consolida nos dias de hoje e que tem no continente verdade no que se refere às circunstâncias de desapare- americano campo fértil para o estabelecimento de seus cimentos, os resultados das investigações e a destinação limites e potencialidades. dos restos mortais. Se é bem verdade que os desaparecimentos forçados são campo propício para a discussão do direito à verdade e à memória, este não o esgota. Notas CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Almonacid Arellano y otros vs. Perú. Sentença de 23 de julho de 2007. 1 Um estudo da então Comissão de Direitos Humanos de 2006, intitulado Study on the right to the truth12, conclui pela existência de um direito inalienável e autônomo, o direito à verdade sobre graves violações de direitos humanos e sérias violações de direito humanitário, reconhecido por outros tratados e instrumentos, bem como por decisões de órgãos nacionais, regionais e internacionais. Este direito é intimamente relacionado com o dever do Estado de proteger e garantir direitos humanos, com a obrigação de conduzir investigações efetivas, bem como a de garantir remédios efetivos e reparação. O estudo propicia um importante alargamento do conceito de direito à verdade. Por mais imprecisa que seja a construção conceitual desse direito, é possível perceber que a verdade tem perdido o papel de elemento determinante para a aquisição de status como inocente versus culpado ou vencedor versus perdedor de uma causa; e passa a representar o de um direito humano a ser exercido por um sujeito em um determinado contexto histórico e cultural. A pauta político-jurídica do contexto latino-americano está posta. Se o ano de 2007 teve contornos tão especiais, o que dizer do aniversário dos 20 anos da Constitui- 40 A publicação foi precedida por iniciativas da sociedade civil como as capitaneadas pelo Grupo Tortura Nunca Mais e o Projeto Brasil Nunca Mais, de iniciativa da Arquidiocese de São Paulo, que resultou na publicação do livro Brasil: Nunca Mais, atualmente em sua 34a edição. 2 BRASIL. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Direito à memória e à verdade: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007. 3 Paulo Klautau Filho afirma que o resultado do trabalho da Comissão Especial, sistematizado no livro “Direito à memória e à verdade” parece “sinalizar uma nova etapa no reconhecimento do direito à verdade pelo governo brasileiro, mas ainda é muito pouco ante o significado e a relevância de tal direito (...)”. O direito dos cidadãos à verdade perante o poder público. São Paulo: Ed. Método; Belém: Ed. CESUPA, 2008. p. 33 4 Informações constantes do relatório da sentença da 1a Vara Federal do Distrito Federal. Disponível em : http://www.torturanuncamais-rj.org.br/sa/Artigos.asp?Codigo=29. Acesso em: 16 jan 2008. 5 COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatório n. 33/01 Caso n. 11.552. Guerrilha do Araguaia. Julia Lund e outros. Brasil. 06 de março de 2001. Disponível em: http://www.cidh.org/annualrep/2000port/11552.htm. Acesso em: 16 jan 2008. A denúncia foi apresentada pela Seção brasileira do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL/Brasil), pela Human Rights Watch/Américas (HRWA). Posteriormente, agregaram-se como co-peticionários o Grupo 6 BOLETIM NDH 03 JAN/DEZ 2007 Tortura Nunca Mais, seção Rio de Janeiro (GTNM/RJ) e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo (CFMDP/SP). CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Barrios Altos (Chumbipuma Aguirre y otros) vs. Peru. Sentença de 14 de março e 2001. 7 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. La Cantuta vs. Perú. Sentença de 29 de novembro de 2006. 8 CENTRO DE ESTUDIOS LEGALES Y SOCIALES. Derechos humanos en Argentina: Informe 2007. Buenos Aires: Siglo XXI Editores Argentina, 2007. p.47 9 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Velásquez Rodrigues vs. Honduras. Sentença de 29 de julho de 1988. 10 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Myrna Mack Chang vs. Guatemala. Sentença de 25 de novembro de 2006. 11 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conselho Econômico e Social. Comissão de Direitos Humanos. 62a sessão. Promotion and protection of human rights. Study on the right to the truth. Report of the Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights. E/CN.4/2006/91. 2006. 12 Referências bibliográficas ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: Nunca Mais. 34. ed. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 2005; COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatório n. 33/01 Caso n. 11.552. Guerrilha do Araguaia. Julia Lund e outros. Brasil. 06 de março de 2001. Disponível em: http://www.cidh.org/annualrep/2000port/11552. htm. Acesso em: 16 jan 2008; CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Velásquez Rodrigues vs. Honduras. Sentença de 29 de julho de 1988; ______. Barrios Altos (Chumbipuma Aguirre y otros) vs. Peru. Sentença de 14 de março e 2001; ______. Myrna Mack Chang vs. Guatemala. Sentença de 25 de novembro de 2006; ______. La Cantuta vs. Perú. Sentença de 29 de novembro de 2006; ______. Almonacid Arellano y otros vs. Perú. Sentença de 23 de julho de 2007; ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Conselho Econômico e Social. Comissão de Direitos Humanos. 62a sessão. Promotion and protection of human rights. Study on the right to the truth. Report of the Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights. E/CN.4/2006/91. 2006; RONIGER, Luis; SZNAJDER, Mario. O legado de violações dos direitos humanos no cone sul. São Paulo: ed. Perspectiva, 2004. BRASIL. Secretaria Especial de Direitos Humanos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Direito à memória e à verdade: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007; KLAUTAU FILHO, Paulo. O direito dos cidadãos à verdade perante o poder público. São Paulo: Ed. Método; Belém: Ed. CESUPA, 2008; CENTRO DE ESTUDIOS LEGALES Y SOCIALES. Derechos humanos en Argentina: Informe 2007. Buenos Aires: Siglo XXI Editores Argentina, 2007; 41 Missão e política editorial O Boletim NDH (ISSN 1980-3559) é uma publicação anual seriada de divulgação em mídia NDH ENCENA Edição RELATÓRIOS DOS GRUPOS DE Rachel Herdy PESQUISA DO NDH eletrônica das investidas teóricas e práticas do Núcleo de Direito Humanos do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Além de consolidar a produção teórica dos grupos de trabalho e das pesquisas desenvolvidas no âmbito dos Design Alice Lodi projetos institucionais do NDH, objetiva-se, com esta iniciativa, divulgar a contribuição de autores alheios à instituição, por meio de artigos, resenhas e depoimentos, sempre à luz da Conselho editorial atualidade e da necessidade de promover debates e intervenções interdisciplinares no campo Adriano Pilatti dos direitos humanos. As opiniões emitidas neste periódico são de inteira responsabilidade de André-Jean Arnaud seus respectivos autores, de modo que não necessariamente representam a preferência dos Carolina de Campos Melo editores, do NDH, do Departamento de Direito ou da PUC-Rio. Eliane Botelho Junqueira Elisabeth Sussekind Copyright As opiniões emitidas são de inteira responsabilidade de seus respectivos autores. Permite-se a reproodução, por qualquer meio, desde que devidamente citada a fonte. Notas aos colaboradores As propostas de publicação a serem submetidas ao Conselho Editorial deverão ser encaminhadas para Coordenação de Publicações do Núcleo de Direitos Humanos do Departamento de Direito da PUC-Rio, na Rua Marques de São Vicente 225, Ala Frings – 7o andar – Gávea – Rio de Janeiro – RJ – 22453-900 ou para o endereço eletrônico [email protected]. Florian Fabian Hoffmann Gisele Cittadino João Ricardo W. Dornelles José Maria Gómez José Ricardo Cunha Márcia Nina Bernardes Ronaldo Cramer Telma da Graça Lage Coordenação geral do NDH João Ricardo W. Dornelles Coordenação do NDH Bethânia Assy Carolina de Campos Melo Florian Fabian Hoffmann Márcia Nina Bernardes Rachel Herdy Equipe de estagiários do NDH Alice Lodi Diogo Abdon Luiz Cristiano de Andrade Marina Guersola de Gusmão Apoio 1 42