ENTREVISTAS
Transcrição
ENTREVISTAS
105 [ ] ENTREVISTAS PA R Á G R A F O . JA N . / J U N . 2 0 15 V. 1, N . 3 ( 2 0 15 ) I S S N : 2 3 17- 4 9 19 106 PA R Á G R A F O . J A N . /J U N . 2 0 15 V. 1, N . 3 ( 2 0 15 ) I S S N : 2 3 17- 4 9 19 ENTREVISTA HENRY JENKINS 107 O Selfie de Jenkins Por_Rafael Grohmann PA R Á G R A F O . JA N . / J U N . 2 0 15 V. 1, N . 3 ( 2 0 15 ) I S S N : 2 3 17- 4 9 19 O 108 O pesquisador Henry Jenkins1 é um dos mais influentes da atualidade. Autor do livro Cultura da convergência (Aleph:2009), ele investiga o alvoroço em torno das novas mídias, além de expor as transformações culturais que ocorrem à medida que esses meios convergem. Para o autor a “cultura da convergência” é um fenômeno que está revolucionando o modo de se encarar a produção de conteúdo. “O estouro da bolha pontocom jogou água fria nessa conversa sobre revolução digital. Agora, a convergência ressurge como um importante ponto de referência, à medida que velhas e novas empresas tentam imaginar o futuro da indústria de entretenimento” ( 2009: 32). Assim ele nos introduz aos fãs de Harry Potter, que estão escrevendo suas próprias histórias, enquanto os executivos se debatem para controlar a franquia. Da mesma forma, a saga Matrix levou a narrativa a novos níveis ao criar um universo que associa partes da história entre filmes, quadrinhos, games, websites e animações. Jenkins pode ser considerado um entusiasta da “cultura participativa” e prefere ver os sujeitos como agentes criativos que contribuem para definir como o conteúdo midiático deve ser usado e, em alguns casos, dão forma ao próprio conteúdo, uma vez que a convergência midiática expande a possibilidade de participação ao permitir um maior acesso à produção e à circulação de cultura. 1 Professor adjunto de Literatura e diretor do Programa de Estudos de Mídia Comparada do MIT – Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Professor de Comunicação, Jornalismo, Artes Cinematográficas e Educação na Universidade do Sul da California. O autor também mantém o blog http://henryjenkins.org onde publica entrevistas e assuntos relacionados com a sua linha de pesquisa. PA R Á G R A F O . J A N . /J U N . 2 0 15 V. 1, N . 3 ( 2 0 15 ) I S S N : 2 3 17- 4 9 19 Depois de Cultura da Convergência, Jenkins foi muito aplaudido e também criticado. Segundo ele próprio na entrevista a seguir, as críticas o fizeram amadurecer seu próprio trabalho. É nesse contexto que pode ser entendido seu mais recente livro (em co-autoria com Sam Ford e Joshua Green), Cultura da Conexão – estranha tradução para Spreadable Media, algo como “mídia que se espalha” ou “mídia espalhável”. A partir dos conceitos de “propagabilidade” e “circulação”, Jenkins aprofunda teoricamente na questão da “cultura participativa”. Nesse sentido, responde a críticas de que ele somente veria o lado bom das tecnologias e, então, procura compreendê-las a partir tanto do controle quanto da participação. Temas como desigualdade e poder também são abordados. Um Jenkins mais complexo. É nesse contexto do novo livro Cultura da Conexão que Henry Jenkins concedeu, por e-mail, essa entrevista (e também tirou selfies) para a revista Parágrafo que você acompanha agora. PARÁGRAFO Qual é a vitalidade do conceito de "convergência" atualmente na área de comunicação, pouco mais de oito anos após a publicação do seu livro Cultura da Convergência ? HENRY JENKINS De certa forma, o diálogo tanto na academia quanto na esfera pública foi além de um foco na "convergência" em si. Para mim, a questão-chave do termo era fazer-nos pensar sobre a interação entre diferentes plataformas e práticas midiáticas que constituíram o ambiente midiático atual. Minha esperança era levar as pessoas a ir além de abordagens específicas do medium para pensar em toda a questão midiática. Então, acabei salientando as implicações culturais de um conceito que já estava sendo desenvolvido em diálogos sobre tecnologia e indústrias da comunicação. As mudanças nos nossos modelos conceituais têm sido bastante dramática. Eu acho que a maioria das discussões hoje impactam tanto os atores das mídias tradicionais quanto os das mídias emergentes, e cada vez mais discussões olham, ao mesmo tempo, para os usos das tecnologias midiáticas pela cultura comercial e pela participativa. O termo transmídia, que fazia parte do mesmo livro, parece ter ganhado usos mais amplos. E também mais uma vez com impacto maior para os artistas e as pessoas da indústria midiática do que para os acadêmicos. Na verdade, cada um desses grupos têm absorvido as implicações do conceito de transmídia tão profundamente que há, cada vez mais pressão para ir além desse termo, aceitando o contexto transmidiático como dado em relação a como nós pensamos as práticas contemporâneas de entretenimento e as práticas narrativas. Claro, isso não é simplesmente um impacto dos meus escritos, mas realmente uma consequência das rápidas mudanças no ambiente midiático. Hoje, por exemplo, seria quase inconcebível pensar sobre a televisão só em termos de broadcast ou TV a cabo e não como algo que vem acontecendo em uma diversa gama de plataformas digitais. Lembre-se que muitas das plataformas-chave que são centrais para a atual discussão sobre a cultura participativa cresceram (e, em alguns casos, apareceram pela primeira vez) bem depois que o livro foi escrito - então, por exemplo, Twitter, a maioria das redes sociais e, mes- mo em alguma medida, Youtube, e Kickstarter, todos representam novos desenvolvimentos da"colisão" entre as mídias antigas e novas. E também é bom lembrar que tanto o discurso da indústria sobre a "web 2.0 quanto as críticas dos acadêmicos sobre essas plataformas e práticas surgiram depois que o livro foi escrito. Então, nós estamos agora olhando para um terreno muito diferente, prefigurado pela evolução que eu discuti em Cultura da Convergência, mas também há questões que entendemos estarem muito diferentes hoje. Tentamos responder a algumas dessas mudanças em Cultura da Conexão (2014), mas é impossível que o ritmo de impressão do livro seja equiparado à velocidade das mudanças digitais. Como o senhor vê a questão do poder no campo comunicacional, mais especificamente, na internet? Essa não é uma pergunta fácil, e qualquer resposta que eu der, certamente simplifica a situação atual. Mas eu vou tentar. Vamos definir poder como a capacidade de agir em busca de nossos próprios interesses, ainda que entendamos de modo imperfeito o que esses interesses possam ser. Tal definição de poder poderia, assim, ser aplicado às instituições, mas também aos vários grupos de pessoas. Nenhum de nós possui autonomia absoluta em relação às instituições e estruturas em torno de nós, mas o que fazemos possui algum grau de ação social e política através das coisas pelas quais lutamos para afirmar os nossos próprios sentidos e necessidades dentro de um ambiente comunicacional mais amplo. Quando entrei para os estudos de mídia, havia uma tendência a atribuir a maior parte do poder à mídia de massa, que se presumia ter a PA R Á G R A F O . J A N . /J U N . 2 0 15 V. 1, N . 3 ( 2 0 15 ) I S S N : 2 3 17- 4 9 19 capacidade de produzir enquadramentos sobre a agenda comunicacional e afirmar a sua ideologia com uma resistência muito limitada por parte do público em geral. Podemos pensar isso como um momento em que havia uma grande ênfase na estrutura. Então, a minha geração de pesquisadores se posiciona a partir das pesquisas que consideram as práticas e os recursos comunicativos que estão nas mãos das subculturas, audiências, dos fãs e, agora, das redes sociais. Esse poder foi muitas vezes entendido como algo ofuscado pela persistência do poder das empresas, mas foi percebido principalmente como um meio de sobrevivência, de buscar um espaço para nossos próprios interesses no meio das ações de instituições ainda mais poderosas. Isso pode ser pensado como uma perspectiva que coloca uma ênfase muito maior na agência. Com a ascensão das mídias digitais, temos visto uma expansão de quem tem acesso aos meios de produção e circulação no âmbito da cultura, com uma capacidade comunicativa expandida, a partir do qual estamos coletivamente aprendendo a implantar efetivamente os interesses públicos. Enfatizo o “coletivo” aqui porque a cultura participativa implica estarmos participando de algo que é maior do que o individual, e o poder, neste caso, é reivindicado por grupos e redes, e não apenas por indivíduos. Eu vejo essa expressão coletiva como um trabalho de conter as pressões no sentido da personalização que fizeram parte da virada em direção ao neoliberalismo Quanto mais fundo entramos na era digital, fica mais claro que estamos envolvidos em uma luta contínua sobre que tipo de comunicação e ambiente cultural vai predominar nas próximas décadas. Houve um crescimento do poder de baixo para cima, incluindo o poder de pôr em práticas ideias que, de outra maneira, não tinham visibilidade ou alcance, a capacidade de reduzir os custos financeiros para ações coletivas, a capacidade de desafiar e criticar representações dominantes e colocar em circulação tipos de mídias alternativas. Essas habilidades podem ser tudo menos uniformemente distribuídas por toda a população, havendo privilégios e contrastes históricos moldando quanto poder os agentes individuais possuem. No entanto, também estamos vendo exemplos onde grupos anteriormente marginais estão cada vez mais impactando as agendas políticas, por serem capazes de tocar coletivamente as capacidades das redes sociais, mesmo que nem sempre vejamos essas mudanças no poder comunicacional traduzidas na capacidade de mover os processos decisórios e os formuladores de políticas a partir de posições do poder institucionalizado. Ao mesmo tempo, estamos vendo empresas desenvolverem novas estratégias por meio das quais podem mercantilizar o desejo de participação do público e governos adotando novas estratégias por meios das quais podem monitorar e conter fontes alternativas de poder. Como resposta a essa situação, precisamos, assim, tanto da capacidade de criticar as instituições quanto da capacidade para defender os direitos do público participar de forma significativa das decisões que afetam suas vidas. Para mim, qualquer explicação de como o poder da mídia opera na era digital deve abordar ambos os lados dessa dialética. Meu próprio trabalho tende a enfatizar a defesa do poder popular, precisamente porque vejo tantos outros acadê- 109 micos voltados à crítica ao poder das empresas e governos, mas se esse trabalho não reconhecer as limitações e estruturas que limitam o poder popular, então o que eu e outros estamos fazendo está sendo míope. Acho que as coisas estão se tornando cada vez mais cheia de nuances em um campo que procura explicar as interações entre essas diferentes formas de poder na mídia. 110 O que o senhor acha sobre a crítica que fazem a seu trabalho de que o usuário é mercadorizado nas redes sociais e de que elas não formam realmente uma cultura participativa? Poderíamos começar fazendo uma distinção entre a participação dentro da mídia e a participação através da mídia. Esta é uma distinção que tem sido proposta, entre outros, por Nico Carpentie. Então, sim, Facebook ou YouTube como plataformas não constituem comunidades de cultura participativa: os usuários não têm um papel direto na governança dessas plataformas; eles não controlam o que acontece com seu conteúdo; em muitos casos, seu conteúdo é usado contra os seus interesses; e no caso do YouTube, não há nenhum sentimento comum de interesses coletivos ou mesmo uma conexão social com o resultado das trocas entre os participantes, que são acusados de terem impulsos altamente antissociais. Dito isto, muitas comunidades participativas estão usando essas plataformas para seus próprios propósitos comunicativos e esses propósitos, muitas vezes, tem um sentido pessoal e coletivo para os participantes. Temos que aceitar essa contradição fundamental antes que possamos dar sentido às formas da presença das redes sociais na cultura contemporânea. PA R Á G R A F O . J A N . /J U N . 2 0 15 V. 1, N . 3 ( 2 0 15 ) I S S N : 2 3 17- 4 9 19 Vamos começar com um exemplo muito básico e familiar: um telefone toca para desejar “feliz aniversário” a um membro da família - um exemplo bastante banal de comunicação. Não há dúvida de que a ligação ocorre dentro de um contexto comunicacional que é fortemente moldado por interesses comerciais. Nós não podemos fazer isso sem se tornar um consumidor dos serviços da empresa de telefonia. No entanto, nós também descreveríamos a troca que lá acontece como pessoalmente significativa: é parte das comunicações que ocorrem em nossa família. Um nível de análise não nega a outra. Da mesma forma, temos visto cada vez mais nossas comunicações pessoais se moverem para as redes sociais, acostumando-se a usá-las como forma de atualizar família e amigos sobre nossos pensamentos e vidas. No entanto, esse espaço também é usado por uma série de outras comunidades, reunindo interesses coletivos, incluindo grupos que participam de atividades culturais, sociais ou políticas comuns. Assim, por exemplo, estamos vendo o uso das redes sociais como valioso para uma série de movimentos políticos contemporâneos de todo o mundo, incluindo, por exemplo, o Occupy, que é explicitamente anti-capitalista em sua orientação. Outros movimentos, como as comunidades de fãs, são mais ambíguas e negociam uma relação entre os seus próprios interesses e os dos produtores das grandes empresas midiáticas. Como as pessoas entram nas plataformas das redes sociais, eles também passam a fazer parte de uma estrutura corporativa, que se beneficia economicamente de nossas atividades “ Muitos dos meus críticos engajam-se em perspectivas “preto no branco”, em vez de pensar em como fazemos um uso significativo de ferramentas que nós não controlamos totalmente” a partir de várias formas, como a mineração de dados e o branding. Estas plataformas não são executadas como bens públicos; elas são crucialmente comerciais e isso define limites e restrições sobre o que podemos fazer. Essas empresas têm suas próprias razões para querer que formemos comunidades, e assim por diante. Eu acho que há muito valor na adoção de uma perspectiva crítica a partir desses motivos e mecanismos empresariais, e eu tentei levar tais críticas cada vez mais ao meu próprio trabalho. Mas há também muito risco aqui em jogar fora o bebé com a água do banho - isto é, rejeitando o valor social, cultural e político dessas plataformas e práticas. Eu estou incitando o meu próprio trabalho para lidar mais com as contradições em jogo, com os conflitos de interesses entre o público e as empresas envolvidas com esses sites de redes sociais. Muitos dos meus críticos, no entanto, tendem a achatar as nuances dessas trocas e engajam-se em perspectivas “preto no branco”, “ou um ou outro”, em vez de pensar em como fazemos um uso significativo de ferramentas que nós não controlamos totalmente e como buscamos nosPA R Á G R A F O . J A N . /J U N . 2 0 15 V. 1, N . 3 ( 2 0 15 ) I S S N : 2 3 17- 4 9 19 sos próprios interesses pessoais e coletivos, embora nosso trabalho também possa ser explorado para ganhos de outras pessoas. Há algo pelo qual vale a pena lutar aqui, e não simplesmente algo pelo qual deveríamos estar lutando contra. Como o senhor vê a relevância do conceito de “circulação” em um contexto da espalhabilidade das mídias? O livro Cultura da Conexão começa com uma distinção crucial entre circulação e distribuição. Distribuição refere-se ao fluxo do conteúdo midiático estabelecido de cima para baixo, geralmente a partir dos interesses empresariais, que normalmente trabalham para restringir quem tem acesso a quais conteúdos. Circulação é um sistema híbrido e emergente feito de forma mais forte por atos de indivíduos e comunidades, uma vez que incorporam o conteúdo midiático em suas interações diárias com os outros, muitas vezes movendo as mídias de um lugar para outro sem a autorização de seus produtores. Esses dois sistemas de espalhar conteúdos interagem entre si de formas cada vez mais complexas. Assim, podemos pontuar um sem-número de exemplos con- temporâneos, onde a circulação de conteúdo midiáticos via redes sociais atingiu uma velocidade e escala que vai muito além do que é conseguido pela maior empresa de conteúdo midiático: Kony 2012, por exemplo, chegou a 100 milhões de espectadores via YouTube no prazo de uma semana, muitas vezes mais do que ao mais vistos na televisão dos Estados Unidos (Modern Family) e nos blockbusters de Hollywood (Jogos Vorazes) em uma semana. Podemos apontar muitos exemplos de que temas ganharam visibilidade por meio das redes sociais - Ferguson, por exemplo, e o foco crescente nos Estados Unidos sobre a radicalização da violência policial - o que levou a um aumento da atenção da cobertura jornalística mainstream e que resultou em um aumento da consciência e da mobilização. E há exemplos em que essa circulação se dá para além das fronteiras nacionais - o caso de "Gangnam Style”, por exemplo, que aumentou o consumo de conteúdos buscando romper com os determinados mercados nacionais. Ainda há muito que não sabemos sobre as interações entre a distribuição e circulação ou os caminhos pelos quais a circulação 111 de conteúdos por meio de redes sociais pode aumentar as oportunidades de mobilização política, um tema que eu estou explorando de forma mais aprofundada em um livro que estou terminando de escrever. 112 O que o senhor acha sobre os conceitos em voga hoje em dia como "mediação" e "midiatização" para entender a situação atual? Eu não sou um grande fã de nenhum dos termos. Geralmente, eu não gosto da tendência acadêmica de transformar substantivos em verbos e vice-versa. Midiatização é um termo particularmente deselegante. Tais palavras não são bem compreendidos fora da academia e, portanto, muitas vezes obstruem ou bloqueiam diálogos com um público mais amplo. Em ambos os casos, os significados dos termos são tão vagos que é difícil saber exatamente o que está sendo discutido. Dito isso, se tentarmos compreender o básico, podemos ver esses conceitos como descritivos das formas como nossos objetivos e práticas comunicacionais são, pelo menos parcialmente, moldados pelas mídias em volta de nós. Esse conceito de midiatização pode ser lido com um alto grau de determinismo tecnológico, o que eu rejeito, ou ele pode ser lido simplesmente como reconhecendo que as mídias agora são parte de um contexto através do qual conduzimos as nossas vidas cotidianas ou através do qual ocorre a comunicação política. Há uma tendência nos meus críticos de verem o meu trabalho como o de um determinista tecnológico. Eu certamente acho que as novas mídias proporcionam opções mais acessíveis: a mudança para as comunicações em rede permitem uma expansão potencial das capacidades comu- PA R Á G R A F O . J A N . /J U N . 2 0 15 V. 1, N . 3 ( 2 0 15 ) I S S N : 2 3 17- 4 9 19 nicativas disponíveis ao público. No entanto, em última análise, se usamos ou não essa capacidade de aumentar a participação depende das decisões que tomamos tanto individualmente como coletivamente sobre como usar o que as mídias proporcionam. Nós exigimos esforços reais para assegurar o acesso mais amplo possível a essas capacidades, tanto entendidas em termos de acesso aos recursos tecnológicos quanto em termos de acesso ao capital social, às competências e aos conhecimentos necessários para que possamos desenvolver essas capacidades em relação aos nossos propósitos. Muitas pessoas tem lido o meu trabalho como que argumentando que já vivemos em uma cultura participativa, o que pode não ser exatamente o caso, pois muitas pessoas são sistematicamente impedidos de participar de forma significativa. Em vez disso, eu me vejo como documentando um movimento em direção a uma cultura mais participativa e descrevendo as lutas ao longo do caminho que devemos enfrentar. O perigo de conceitos como midiatização é que eles tendem a tratar a comunicação que ocorre através da mídia como algo menos "autêntico", menos "real", que a que ocorre através dos canais tradicionais. Muitas vezes, é uma maneira de reintroduzir as velhas críticas da Escola de Frankfurt e as velhas críticas ao pós-moderno em nova roupagem, em vez de se envolver com as circunstâncias de mudanças através do quais estamos conduzindo nossas vidas. O senhor sempre enfatiza a importância do diálogo entre as universidades e a sociedade, incluindo o mercado. Você acha que esse diálogo melhorou? Como? Só para esclarecer, eu acredito que é preciso aumentar o diálogo entre os acadêmicos que trabalham as mudanças midiáticas e uma gama de outros setores que estão enfrentando as consequências das alterações midiáticas em suas operações cotidianas. Eu acredito que os acadêmicos podem desempenhar um papel ativo durante esse período de transição. Para mim, esse tipo de abordagem intervencionista significa uma interface com uma gama de diferentes públicos - sim, que inclui a indústria, que tem sido talvez a mais controversa das interfaces, mas também significa trabalhar com a comunidade jurídica lutando com as políticas de propriedade intelectual, com os educadores, bibliotecários e fundações que procuram reformar a educação, com organizações de trabalhadores lutando pela perspectiva de serem razoavelmente recompensados pelo trabalho que fazem nas corporações transmídia, com ativistas buscando uma melhor forma de implantar novas mídias em suas lutas por justiça social, e muitas outras organizações. A luta por uma cultura mais participativa é multidimensional e há muitas e diferentes partes interessadas envolvidas. Nos Estados Unidos e em outros lugares, a tendência em direção ao neoliberalismo levou à privatização de muitas das políticas que afetam o acesso público aos meios de comunicação, o que significa que o envolvimento com a indústria é uma parte necessária de qualquer esforço para defender o interesse público. Para falar a verdade ao poder, precisamos primeiramente falar com o poder, e, nesse caso, muito poder está nas mãos de empresas e empresários. Então, é aí que precisamos ter esse diálogo. E antes de poder defender o público de forma eficaz, precisamos entender as mudanças nas lógicas pelo quais as indústrias midiáticas estão passando, e por isso precisamos ouvir tão bem quanto falamos. Muitos esforços diferentes nos Estados Unidos estão procurando abrir mais diálogos nesse nível - desde os colóquios Futures of Entertainment e Transforming Hollywood que eu ajudei a organizar, respectivamente, em Cambridge e Los Angeles, até os tipos de trabalho que têm sido desenvolvidos pelo Casey-Wolf Center na Universidade da Califórnia-Santa Barbara ou os que estão sendo feitos na Universidade da Califórnia, em termos de “estudos de produção”. Alguns desses trabalhos também estão sendo procurados por pesquisadores acadêmicos inseridos em espaços corporativos em lugares como o Microsoft Research ou Intel Research, que estão fazendo parte do trabalho mais atraente e complexo no contexto norte-americano em termos de redes sociais. Estamos vendo desenvolver esforços semelhantes na Austrália, Europa e América Latina. Então, eu acho que estamos dando passos importantes nessa direção. Esses tipos de intercâmbio nos fazem melhores acadêmicos no sentido em que eles trazem o chão do mundo real para as nossas formulações e permitem-nos a ser mais eficazes como defensores do interesse público. Portanto, esses diálogos não nos transformam em defensores dos interesses comerciais. Não há nenhuma razão pela qual a perspectiva crítica não pode ser parte do processo - na verdade, é mais eficaz quando nós desafiamos, de forma ativa, alguns dos pressupostos que regem a prática atual das indústrias – mas isso exige suspender os julgamentos para ouvir e compreender por um bom tempo as perspectivas dos outros com quem estamos a dialogar e isso exige ir além do provincianismo e de uma linguagem de uma disciplina específica e que não vai ser acessível ao grande público. Eu realçaria Sarah Banet-Weiser, Michael Serazio, e Mark Andrejevic2 como acadêmicos que nuançam perspectivas mais críticas com insights extraídos de um olhar mais atento e de um engajamento ativo em relação às indústrias midiáticas. Nós nem sempre concordamos, mas eu tenho um enorme respeito por suas reflexões e contribuições à pesquisa. |P| 2 Autor com texto publicado nesta edição da Revista Parágrafo. PA R Á G R A F O . JA N . / J U N . 2 0 15 V. 1, N . 3 ( 2 0 15 ) I S S N : 2 3 17- 4 9 19 Cultura da Conexão Criando Valor e Significado por Meio da Mídia Propagável Henry Jenkins, Joshua Green e Sam Ford Editora Aleph. 2014. 408 pag. Essa máxima simples, mas definitiva, norteia a análise de três renomados pensadores atuais da mídia moderna – entre eles Henry Jenkins, autor do referencial Cultura da Convergência (Aleph) – sobre o futuro da circulação de conteúdo nos meios de comunicação social e digital. Vivemos uma mudança de paradigma na mídia: a passagem de uma mentalidade regulada pela lógica da radiodifusão, que dominou todo o século 20, para outra em que o controle sobre a produção e a distribuição cultural já não é tão rígido; uma nova proposição que permite e valoriza o engajamento das audiências. Hoje, as pessoas não se limitam ao simples papel de consumidor. Discutem, reagem, espalham seus interesses e críticas pelas diferentes modalidades de mídia. Querem ser ouvidas, atendidas, recompensadas. Entre as muitas possibilidades dessa cultura cada vez mais ligada em rede, há pelo menos uma grande certeza: será mais bem-sucedido quem souber lidar melhor com as aspirações e desejos de um público ávido por participar e opinar. 113