DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS

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DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO SOCIOECONÔMICO
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS
PEDRO BUENO DE ALMEIDA
A MOEDA DESCENTRALIZADA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: O CASO DA
BITCOIN P2P DIGITAL CURRENCY.
Florianópolis, 2013
PEDRO BUENO DE ALMEIDA
A MOEDA DESCENTRALIZADA NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: O CASO
DA BITCOIN P2P DIGITAL CURRENCY.
Monografia submetida ao curso de Ciências Econômicas da
Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito obrigatório
para a obtenção do grau de Bacharelado.
Orientador: Prof. Dr. Roberto Meurer
FLORIANÓPOLIS, 2013
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS
A Banca Examinadora resolveu atribuir a nota 9,0 ao acadêmico Pedro Bueno de Almeida na
disciplina CNM 5420 – Monografia, pela apresentação deste trabalho.
Banca Examinadora:
------------------------------------------------Prof. Dr. Roberto Meurer
-------------------------------------------------Prof. Dr. João Rogério Sanson
-------------------------------------------------Prof. Bruno Lorenzi Cancelie Mazzucco
RESUMO
ALMEIDA, Pedro Bueno de. A Moeda Descentralizada na Sociedade Contemporânea: O
caso da Bitcoin P2P Digital Currency. 68 f. Curso de Ciências Econômicas, Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013.
A moeda é um objeto que já está presente na humanidade há tanto tempo que a sua existência
e funcionamento parece algo natural, como se sempre estivesse ali. O monopólio sobre a
emissão de moedas pelos Estados Nacionais também é um fator que se mantém presente há
tanto tempo que o seu questionamento raramente ocorre. Porém, através de uma perspectiva
histórica é possível visualizar as mudanças que ocorreram no decorrer dos séculos e
principalmente as mudanças que estão ocorrendo neste exato momento na sociedade
contemporânea. O avanço tecnológico na área de computação e da internet nas últimas
décadas criou um novo ambiente de geração de conhecimento e relações sociais. A ausência
de fronteiras no mundo virtual tem permitido o desenvolvimento de redes de comunicação
que abrange uma grande magnitude de pessoas em diversos países. Neste ambiente virtual e
tecnológico que a computação e o aprimoramento das redes têm possibilitado que surge a
Bitcoin P2P Digital Currency, uma moeda descentralizada de qualquer origem estatal,
funcionando inteiramente através das trocas de informações entre computadores pela internet.
A pesquisa abordou as deficiências e eficiências que a utilização da Bitcoin possibilita para as
relações econômicas do mundo, além de discutir o desenvolvimento da qual tem até o
momento se mostrado a moeda virtual tour de force em comparação com as outras
experiências de moedas virtuais que já existiram.
Palavras-chave: Moeda Descentralizada; Avanço Tecnológico; Redes de Comunicação;
Bitcoin.
ABSTRACT
ALMEIDA, Pedro Bueno de. The Decentralized Currency in the Contemporary Society:
The Bitcoin P2P Digital Currency case. 68 f. Curso de Ciências Econômicas, Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013.
The currency is an object that is present in humankind for so long that its existence and
functionality seems natural, as if it has always been there. The monopoly in the issuance of
money by the Nation States is also a factor that is present for so long that its questioning
rarely occurs. Nevertheless, through a historical perspective it is possible to see the changes
that have occurred over the past centuries and especially the changes that are occurring right
now in the contemporary society. The technological progress in computers and in the internet
over the past decades created a new environment for the development of knowledge and
social relations. The absence of boundaries in the virtual world has allowed the development
of network communications that covers a large magnitude of people in several countries. In
this virtual and technological environment, that the improvement of networks and computing
made possible, the Bitcoin P2P Digital Currency arises, a decentralized currency apart from
any government, functioning entirely through the exchange of information between computers
over the internet. This study addressed the deficiencies and efficiencies that the use of the
Bitcoin enables for economic relations in the world, and discusses the development of which
has so far proved to be the Virtual Currency tour de force in comparison with others
experiments of virtual coins that already existed.
Keywords: Decentralized Currency; Technological Progress; Network Communications;
Bitcoin.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 3
1.1 Tema e Problema de Pesquisa ...................................................................................... 3
1.2 Objetivos ......................................................................................................................... 4
1.2.1 Objetivo Geral .......................................................................................................... 4
1.2.2 Objetivos Específicos ............................................................................................... 4
1.3 Justificativa..................................................................................................................... 5
2. METODOLOGIA ................................................................................................................... 6
3. PARTE I: A MOEDA ............................................................................................................ 7
3.1 Visão Clássica ................................................................................................................. 7
3.2 Moeda em Roma .......................................................................................................... 11
3.4 Comércio Medieval ...................................................................................................... 14
3.5 Liberdade e o Capital .................................................................................................. 18
3.5.1 Padrão-ouro ............................................................................................................ 18
3.5.2 Visão Austríaca ...................................................................................................... 21
3.5.3 Moeda privada na América do Norte ..................................................................... 24
4. PARTE II: O VIRTUAL ...................................................................................................... 29
4.1 A internet ...................................................................................................................... 29
4.1.1 Surgimento da computação e a internet ................................................................. 29
4.1.3 Comunidades e Fóruns ........................................................................................... 33
4.1.4 Conexão P2P .......................................................................................................... 35
4.1.5 Cypherpunks .......................................................................................................... 37
4.2 Bitcoin ........................................................................................................................... 39
4.2.1 Nascimento e proposta ........................................................................................... 39
4.2.2 Reações e inserção ................................................................................................. 45
4.2.3 A Bitcoin na Economia .......................................................................................... 53
5. PARTE III: ECONOMIA DESCENTRALIZADA ............................................................. 57
6. CONCLUSÕES .................................................................................................................... 62
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 65
3
1. INTRODUÇÃO
1.1 Tema e Problema de Pesquisa
O dinheiro como meio de troca, reserva de valor e unidade de conta está presente
desde muito tempo nas relações comerciais da sociedade, onde o poder econômico foi usado
muitas vezes como forma de coerção e domínio de uma população, seja estampando a face do
príncipe nas moedas ou recolhendo tributos (ROTHBARD, 2006). A ideia de que o Estado é o
detentor do poder legítimo de emitir moeda e controlar as relações de troca é algo que foi
culturalmente criado, parecendo muitas vezes um fato natural, digno, pro hominem.
Este trabalho tem a intenção de demonstrar, como uma moeda descentralizada
funcionaria na sociedade contemporânea. A lógica do uso de uma moeda privada e sem
governo já foi amplamente explorada por Hayek (1990) na década de 1970, porém, com o
avanço tecnológico, muitos fatores que anos atrás pareciam utópicos agora já são passíveis de
ocorrer, como é o caso do uso de moedas virtuais. Na era da computação e da internet, muitos
dos elementos críticos de implementação de um sistema monetário descentralizado, como os
altos custos e precariedade da engenharia matemática computacional, foram superados com o
avanço tecnológico e mais precisamente com o aumento da rapidez das trocas de informações.
Este trabalho analisa o uso da Bitcoin P2P Digital Currency como modelo de uma
moeda digital descentralizada, questionando a utilidade de uma moeda desatrelada de um
governo central, que não é afetada por medidas de política monetária e não possui um banco
central como emissor de moeda. Será discutindo temas relacionados com a liberdade de
comunicação no meio eletrônico através de softwares livres e programas de código aberto que
influenciaram e deram origem à própria concepção da moeda Bitcoin.
A utilização de uma moeda digital que não possui um sistema centralizado possibilita
uma redução nos custos de transações, uma vez que toda a engenharia necessária para efetuar
transações funciona de forma pulverizada na rede, não sendo necessário o uso de uma grande
organização bancária e financeira intermediadora. Dessa forma, a funcionalidade de uma
moeda com essas características pode estar sinalizando o que um dia pode se tornar um novo
modelo de transações comerciais, colocando o sistema financeiro atual em uma posição de
iminente obsolescência.
4
1.2 Objetivos
1.2.1 Objetivo Geral
Objetivo central do trabalho é discutir as consequências do uso de uma moeda
descentralizada, se existe a possibilidade, necessidade e utilidade na adoção de um meio de
troca que seja à parte do controle governamental, tanto pelos princípios morais de liberdade
(MISES, 1987), quanto pela eficiência nas relações comerciais pelos agentes do mercado.
1.2.2 Objetivos Específicos

Demonstrar as consequências do uso da moeda em um contexto histórico, evoluindo
dos antigos filósofos gregos até pensadores atuais.

Utilizar do embasamento teórico de vários autores e economistas que buscavam
fundamentar o uso de uma moeda sem o controle do governo.

Discutir conceitos sobre o avanço tecnológico e ampliação da internet que
possibilitaram a digitalização dos mercados financeiros.

Discutir temas relacionados com a criação de comunidades e fóruns que possibilitam a
criação de softwares livres e de código aberto.

Analisar o uso da moeda Bitcoin P2P Digital Currency em seu contexto de impacto
econômico, funcionalidade e utilidade como uma forma alternativa de moeda para
transações financeiras.
5
1.3 Justificativa
O processo de digitalização dos mercados financeiros que aconteceu no fim do século
XX possibilitou uma expansão muito maior do processo de globalização (HALL, 2011). A
quase totalidade das transações econômicas agora são feitas eletronicamente, tanto operações
entre agentes como políticas monetárias. Então, a elaboração de uma nova moeda precisaria
necessariamente interagir dentro deste novo padrão de negociação. Assim, além de analisar os
valores teóricos da utilização de uma moeda sem governo, busca-se compreender a utilidade
que essa moeda teria na sociedade contemporânea, uma vez que com a redução dos custos de
manutenção e o aumento da velocidade de comunicação, o cenário atual tende a ser mais
propício para o funcionamento de um sistema com moedas descentralizadas em comparação
com décadas anteriores.
A partir de uma perspectiva história, contextualizando a origem da moeda e o seu
desenvolvimento no decorrer do tempo, torna-se possível apontar as mudanças e semelhanças
entre a proposta de uma moeda virtual descentralizada e outras experiências monetárias de
épocas passadas. Além disso, uma contextualização histórica permite apontar os fatores que
levaram as moedas descentralizadas a surgirem no século XXI e não em épocas passadas,
devido à importância que o avanço tecnológico tem ocasionado no crescimento das
comunicações e desenvolvimento de tecnologias computacionais.
6
2. METODOLOGIA
O método de construção do conhecimento deste trabalho é realizado utilizando o
processo de pesquisa exploratória, analisando fatos históricos através da leitura de ampla
bibliografia (SALOMON, 2004). Realizando comparações teóricas e avaliando possíveis
desdobramentos do tema em análise, sempre em sintonia com a teoria econômica e às
referências escolhidas.
Em um primeiro momento é demonstrando as características históricas e conceitos
relacionados à origem da moeda e seu desenvolvimento. Em seguida, uma segunda parte onde
são tratados conceitos do mundo virtual, relacionando o desenvolvimento da internet com a
digitalização dos mercados financeiros, assim como uma análise sobre os novos modelos de
criação de conhecimento. Neste momento, já é possível explorar a moeda virtual Bitcoin P2P
Digital Currency em sua interação com a economia e a abertura de novas formas de
negociação. E uma terceira parte conclusiva onde é discutidas questões a respeito do
desenvolvimento dos mercados financeiros mundiais, explorando conceitos sobre economia
descentralizada e as novas perspectivas em relação às moedas.
7
3. PARTE I: A MOEDA
3.1 Visão Clássica
A análise sobre uma moeda digital não se resume somente ao horizonte teórico das
últimas décadas do nosso mundo contemporâneo. É preciso voltar à origem das ideias e
pensamentos que embasam o mundo atual, a fim de evidenciarmos os processos-chave que
nos fazem interagir na economia do jeito que fazemos hoje. A moeda de qualquer país possui
uma evolução histórica que muitas vezes passa despercebida em meio às incontáveis
transações que perpetuam o sistema financeiro mundial. A moeda sempre teve a mesma razão
para existir, seja na simplicidade da antiguidade ou na complexidade dos mercados
financeiros atuais. Logo, antes de explorar o desdobramento das moedas virtuais devemos
voltar ao passado e analisar a moeda em sua história.
A moeda surgiu como uma forma de facilitar as relações comerciais entre os
indivíduos, funcionando como um meio de troca para transação de produtos. Por possuir a
característica de unidade de conta, foi possível realizar o cálculo exato das transações; e por
ser reserva de valor, a moeda se tornava um bem valioso e intercambiável em vários
territórios. A moeda precisava ser durável, divisível e fácil de ser portada e transportada pelas
pessoas. E por se encaixarem perfeitamente nessas características é que os metais preciosos
foram amplamente utilizados para a confecção das moedas por tantos séculos em várias partes
do mundo (FERGUSON, 2008).
Um dos primeiros indícios referentes à origem da moeda tem como fonte a cidade de
Lídia, localizada na antiga região da Anatólia, atual Turquia, durante o século VII a.C.. As
moedas eram compostas por um misto de ouro e prata, e possuíam a imagem de um leão em
referencia ao símbolo do Rei Alyattes. Nos séculos posteriores, houve a disseminação da
utilização de moedas para a Grécia e toda a região do mediterrâneo. A partir do momento que
a moeda começou a fazer parte da sociedade grega, a sua relação com a filosofia sempre
esteve presente, onde vários dos filósofos gregos questionavam a relação entre a moeda e a
sua sociedade (RHODES, 2010).
Ao voltarmos à Grécia Antiga, encontramos os primeiros questionamentos sobre o
funcionamento da moeda na economia e das relações humanas da sociedade. Para Platão, o
homem deveria ir contra as limitações impostas pela natureza a fim de conseguir superar as
suas dificuldades e atingir um patamar sem limites. Já para os aristotélicos, o homem é uma
mera criatura como outra qualquer, não sendo eterno ou especial, mas sim mais um fator
8
advindo da ordem natural em que se deu o mundo. Onde a lei natural aristotélica já praticava
o exercício de ver o mundo de um ponto de vista lógico, usando princípios morais da natureza
humana para elaborar teorias e motivos que levam o homem a ser o que é (SHIELDS, 2012).
Os Gregos viviam nas chamadas polis, que poderiam ser consideradas pequenas
cidades-Estado, e remonta àquela época o início de um processo de democracia. Não uma
democracia como temos hoje, pois apenas uma pequena parte da população de fato escolhia
os rumos da política da polis, mas foi este modelo que serviu séculos depois como exemplo
para a formação dos Estados ocidentais modernos. Naquele período, além do fomento de
ideias de justiça, moralidade e até mesmo de alquimia, o desenrolar do pensamento filosófico
foi um extraordinário avanço de conhecimento que seria resgatado posteriormente pelos
percussores do pensamento econômico, seja pelos escolásticos medievais ou por Adam Smith
e David Ricardo. Mas mesmo naquela época o impacto político que estes filósofos tinham
sobre os acontecimentos da região era considerável, o próprio Aristóteles discípulo de Platão,
discípulo de Sócrates, foi mentor de quem anos mais tarde se tornaria um dos maiores
conquistadores do mundo, Alexandre, o Grande (ROTHBARD, 2006).
De acordo com Rothbard, depois de Aristóteles a escola filosófica grega que merece
mais destaque são os Estoicos, fundada por Zeno of Citium1, a qual tem como característica
mais marcante o estabelecimento sistemático dos primeiros princípios de liberdade, ética,
moralidade e ordenamento da esfera jurídica. Enquanto Platão e Aristóteles desenvolveram
suas filosofias em pleno contato com a polis grega, onde a verdadeira virtude humana era a
própria cidade-Estado (ROSSI; TIERNO, 2009, p. 201), com a queda e subjugação da polis
após Aristóteles, os Estoicos começaram a desenvolver uma linha de pensamento muito mais
livre, que via a lei natural de uma maneira muito mais aberta e universal. Para os Estoicos, as
virtudes humanas em relação à ética e aos direitos morais transcendiam as barreiras culturais e
políticas, onde todos os seres humanos dotados de racionalidade deveriam agir e ser tratados
da mesma maneira, não importando as ideologias ou região geográfica dos indivíduos. O
pensamento originário dos Estoicos se manteve presente por muitos séculos e influenciou
fortemente o Império Romano. “Some Roman jurists declared that property rights were
required by the natural law. The Romans also founded the law merchant, and Roman law
strongly influenced the common law of the English-speaking countries and the civil law of the
1
“Zenão de Cítio”, viveu entre 334 a.C. e 262 a.C. na Grécia.
9
continent of Europe” (ROTHBARD, 2006, p. 23)2. O domínio quase total da Europa por
Roma durante a primeira metade do primeiro milênio d.C. teve uma influência gigantesca na
concepção dessas regiões, tanto na questão cultural, da linguagem e arte, assim como em
relação à política e aos moldes governamentais nas futuras nações do continente Europeu e
posteriormente nas colônias do novo mundo.
Durante o Império Romano, as moedas eram amplamente utilizadas, sendo forjadas
com figuras importantes da política romana, normalmente estampando a face do imperador
vigente em conjunto com figuras mitológicas, como uma forma de legitimar o poder do
Estado (CARLAN, 2007).
As moedas não se restringiam somente à região mediterrânica, grega e romana, por
mais que os indícios mostrem que a origem da moeda tenha sido dessas regiões. Na antiga
China, em aproximadamente 221 a.C., foi introduzidas moedas de cobre pelo imperador Qin
Shihuangdi (FERGUSON, 2008, p. 24), o qual foi responsável pela unificação e consolidação
do império Chinês. Foi da China também que se estruturaram algumas teorias que ficaram
restritas e quase esquecidas àquele território durante muitos séculos. Alguns pensadores da
época possuíam certas noções de liberdade política e laissez-faire relativamente muito mais
avançadas que os outros continentes sequer tiveram por muito tempo. “I take no action yet the
people transform themselves, I favor quiescence and the people right themselves, I take no
action and the people enrich themselves (...)” (ROTHBARD, 2006, p. 24)3, palavras de Lao
Tzu, fundador da corrente de pensamento Taoísta, o qual preconizava que o governo e as
instituições funcionavam em um sentido que prejudicava as relações sociais dos indivíduos,
reduzindo a felicidade e o livre arbítrio. Com uma visão radical, Lao Tzu defendia que todas
as instituições de controle deveriam de fato ser abolidas e o Estado deveria adotar uma
política de controle mínimo sobre a população. “The more artificial taboos and restrictions
there are in the world, the more the people are impoverished... The more that laws and
regulations are given prominence, the more thieves and robbers there will be” (ROTHBARD,
2006, p. 23-24)4. Segundo os Taoístas, o mais correto a ser feito seria manter o governo de
forma simples, para que as relações sociais e econômicas se estabilizassem sozinhas.
2
Tradução nossa: “Alguns juristas romanos declararam que os direitos de propriedade eram justificados pela lei
natural. Os romanos também fundaram a lei mercantil, e as leis romanas influenciaram fortemente as leis
comuns dos países de língua inglesa e a lei civil do continente europeu.”
3
Tradução nossa: “Eu não tomo nenhuma ação, mesmo assim as pessoas se transformam, eu favoreço a
quiescência e as pessoas se endireitam, eu não tomo nenhuma ação e as pessoas enriquecem sozinhas.”
4
Tradução nossa: “Quanto mais tabus artificiais e restrições existirem no mundo, mais as pessoas serão
pobres... Quanto mais leis e regulamentos são colocados em destaque, mais ladrões e assaltantes existirão.”
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A moeda foi o fator inicial facilitador das transações comerciais, mas desde muito
tempo existiram sistemas de crédito que por mais arcaicos que fossem, funcionavam para que
as transações fossem realizadas. Na região da Mesopotâmia, há cinco mil anos atrás, quadros
de argila eram usados para anotar transações da agricultura local e mostrar quem que devia
para quem determinado produto e qual o preço negociado. Do ponto de vista do valor, as
argilas, ou as moedas da antiga Lídia, o papel-dinheiro atual, ou as moedas virtuais, nada mais
são do que uma convenção mútua de confiabilidade entre os indivíduos que determinam se a
moeda utilizada possui valor ou não (FERGUSON, 2008, p. 24).
As pessoas utilizariam meros pedaços metálicos sem valores de uso precisos em troca
de produtos e serviços reais em uma economia? Este é um dos fatores que envolvem o
“mistério” por trás das moedas, algo que vai além das simples características físicas do objeto
de troca. O ouro, a prata, o dólar ou qualquer outro meio de troca utilizado somente adquire a
função de dinheiro – não por causa de uma mudança física em suas características – mas sim
por causa de uma convenção social que adota estes objetos como representações de valor.
Este “mistério” da moeda com o passar dos séculos tem se tornado cada vez maior,
principalmente devido ao fim do padrão-ouro e o aumento da digitalização dos mercados
financeiros (WHITE, 1999, p. 3).
O economista austríaco Carl Menger, elaborou uma explicação de como as moedas
emergem espontaneamente e são adotadas pela população em geral sem que alguém tenha que
de fato criá-las. Tudo se baseia em uma “convenção social” criada através das experiências de
trocas adquiridas com o tempo. Em um mercado onde acontecem somente trocas diretas, será
muito difícil que cada vendedor com um produto diferente consiga trocá-lo por outro que
deseja. No exemplo de Menger, um vendedor A que deseja trocar aspargos por bacon somente
realizará a transação se encontrar um segundo vendedor B que deseja trocar bacon por
aspargos, algo que pode ser muito complicado dependendo do arranjo econômico do mercado
em questão. Porém, a partir do momento em que vários vendedores e compradores entrarem
no mercado, com o passar do tempo determinada mercadoria será a mais amplamente aceita
pelos comerciantes. Pois, embora os vendedores estejam dispostos a trocar as suas
mercadorias individuais por outras, existirá alguma mercadoria em comum que a maioria dos
outros vendedores também estão desejosos em adquirir. Deste modo, alguns vendedores
analisando os moldes do mercado irão utilizar determinada mercadoria como seu principal
meio de troca. Assim, através de uma convenção social, os demais comerciantes também
perceberão que determinada mercadoria está sendo amplamente aceita e a utilizarão, nascendo
assim um sistema monetário.
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A teoria de Menger mostra que não é preciso uma legislação ou consenso social
explícito para tornar determinada mercadoria em dinheiro, este fenômeno acontece
espontaneamente. A própria concepção da unidade de conta também é um fator que floresce
socialmente, não sendo necessária uma decisão coletiva sobre quais os valores que devem ser
atribuídos a cada produto transacionado. Os vendedores saberão por si mesmos, ao analisar o
mercado e os demais vendedores, quais devem ser o preço e a unidade de conta utilizada para
as mercadorias que pretendem vender.
A transição do meio de troca das mercadorias commodities para as moedas se deu por
causa das propriedades físicas dos metais e suas características que promoviam facilidade nas
transações. O exemplo mengeriano de trocas e da convenção social convergiu para a adoção
de bens que facilitavam cada vez mais as relações comerciais, surgindo então o uso das
moedas metálicas como dinheiro. O avanço para mecanismos mais complexos de cunhagem
vieram com o tempo, como uma forma de aumentar a autenticação das moedas, evitando
assim a princípio a manipulação fraudulenta em seu conteúdo metálico.
A cunhagem das moedas sempre esteve vinculada ao monopólio estatal que desde o
início das primeiras relações comerciais monetárias esteve presente controlando o fluxo de
dinheiro. Porém, segundo White (1999), não existem sinais de que a cunhagem devesse ser
um monopólio natural. O autor destacada que muito do interesse do Estado por trás do
monopólio no controle monetário era com a intenção de adquirir os lucros advindos do
processo de senhoriagem, onde a fabricação de moedas acaba por gerar ganhos devido ao
baixo custo de produção em relação ao seu valor de mercado.
3.2 Moeda em Roma
O império Romano influenciou os hábitos, costumes e relações sociais de grande
parte da Europa e dos arredores do mar Mediterrâneo durante muitos séculos. A forma como
os romanos representavam o poder do Estado na cunhagem das moedas é um fator
interessante de ser observado, onde através do uso de imagens e símbolos mitológicos ou
religiosos o poder estatal sempre tentou colocar-se como um representante do poder divino.
A cunhagem de moedas e sua utilização em Roma se deram mais tardiamente que
na Grécia e na Ásia. Um dos motivos destacados seria a falta de metais preciosos na região,
onde somente após a segunda guerra Púnica que de fato foi introduzido moedas de prata para
circulação. As moedas de ouro, denominadas de áureo, eram utilizadas primariamente como
unidade de conta do que de fato para transações comerciais dentro de Roma. Somente em
12
casos de comércio com outras regiões e povos do mediterrâneo que o ouro era
predominantemente utilizado (CARLAN, 2007, p. 112-114).
O processo de cunhagem e fabricação das moedas que continham metais preciosos
era restrito ao governo central romano, as demais províncias somente podiam cunhar moedas
para utilização interna se houvesse necessidade. Foram inúmeras as reformas monetárias
durante a glória romana. Segundo Carlan (2007), durante todo o período de dominação
romana houve a variação do conteúdo metálico das moedas utilizadas, tendendo quase sempre
para baixo. As reformas de aviltamento monetário eram normalmente realizadas como uma
forma do Estado gerar riquezas para subsidiar guerras e as despesas com o exército. A forte
desvalorização monetária gradativa durante séculos levou a um forte processo inflacionário. A
região da Itália não possuía grandes reservas de metais preciosos, dessa forma o ouro e a prata
vinham para Roma de outras regiões, normalmente através dos saques e o domínio de outros
povos. Porém, com a estagnação da expansão romana, começou a ocorrer a falta de metais em
seu território, fator que somado à constante desvalorização das moedas, é um dos motivos
apontados para o declínio do Império Romano.
O fim da expansão romana levou à escassez de mão-de-obra, onde conjuntamente
com a consolidação do cristianismo e o constante avanço dos povos bárbaros sobre seu
domínio, acabou resultando em uma modificação nas relações de trabalho do império. Muitos
proprietários de terras começaram a libertar seus escravos e a fornecer a eles territórios em
troca de parte da produção. “Muitos camponeses livres que não podiam pagar os crescentes
impostos, nem evitar saques de seus campos, abandonaram suas terras, colocando-se sobre a
proteção de grandes latifundiários. Surgindo assim o colonato” (CARLAN, 2007, p. 117-118),
estes fatores resultariam, nos séculos subsequentes, na consolidação do feudalismo.
Durante este período, existiu um forte embate entre as culturas antigas politeístas
e a religião cristã, esta última consolidada como a religião oficial do Império Romano durante
o governo de Teodósio I. O momento em questão acabava por ser representado nas moedas do
período, com a substituição dos deuses antigos por elementos cristãos. De certa forma, a
numismática nos mostra que a moeda por muito tempo serviu como um objeto que ia além da
função econômica, identificando povos e nações, assim como servindo de instrumento de
legitimação emblemática do Estado, como ressaltado por Florenzano (1997):
É um instrumento que atua na esfera do econômico, mas de um econômico
que não é desvinculado da esfera social, política e religiosa. Ao contrário, a
multiplicidade de usos - políticos, financeiros, religiosos/mágicos identificada pelos especialistas na moeda, oferece sustentação para uma
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visão de uma sociedade na qual os aspectos econômicos, políticos e
religiosos aparecem sobrepostos. Desta forma, a moeda adquire um
significado importante como suporte de uma nova maneira de pensar o
mundo, o poder, a vida em sociedade, maneira de pensar (...)
(FLORENZANO, 1997, p. 192).
A moeda pode ser encarada como símbolo que demonstrava tanto fatores sociais
como políticos de uma era. Como identificado por Carlan (2012, p. 68), a moeda era definida
"como um monumento oficial a serviço do Estado." A humanidade possuía a necessidade de
se identificar através de símbolos e as moedas serviram para essa função com plenitude.
Durante momentos onde a troca de informações era limitada, a estampa das moedas era a
forma mais promissora de propaganda. Como explorado pelo o filósofo alemão Ernst
Cassirer, antes de se identificar o ser humano como animal rationale, este deveria ser definido
como um animal symbolicum5, onde através do uso de símbolos, poderia depreender
interpretações sobre a época e a formação de determinadas nações, culturas e crenças. Em um
mundo onde existia forte analfabetismo, os símbolos desempenhavam uma função primordial
de linguagem, utilizando do visual como principal forma de transmitir informações, e nada
mais representativo do que a própria moeda, que além de representar a riqueza e prosperidade,
era utilizada cotidianamente por todas as pessoas da nação nas mais simples trocas
comerciais. Como explicado por Hayek (1990): “The coins served, indeed, largely as the
symbols of might, like the flag, through which the ruler asserted his sovereignty, and told his
people who their master was whose image the coins carried to the remotest parts of his
realm” (HAYEK 1990, p. 29)6.
De acordo com o Gibbon (2008), a Roma antiga perdurou por aproximadamente
doze séculos, passando pelo controle monárquico, pela república romana, até se consolidar
como um Estado autocrático. Muitos foram os embates políticos e administrativos da região,
principalmente durante o declínio do Baixo império que se estendeu entre os séculos III e V,
onde Roma foi assolada por revoltas internas e crises econômicas. Durante o século III, houve
intensas mudanças de imperadores durante um curto período de tempo, alguns que
governaram por poucos anos ou meses, fator que mostra a instabilidade do período. Os limites
geográficos do império ficaram desprotegidos, uma vez que os imperadores se importavam
5
Aristóteles se referia ao ser humano como um animal rationale (animal racional), já Ernst Cassirer definiu o
novo conceito de animal symbolicum que se referia ao ser humano como um ser diretamente influenciado pelos
símbolos historicamente criados em todos os aspectos da sua experiência.
6
Tradução nossa: “As moedas serviram de fato, em grande parte como os símbolos do poder, como a bandeira,
através do qual o governante afirmou sua soberania, e disse a seu povo quem era o seu mestre, cuja imagem as
moedas transportavam para as partes mais remotas do reino.”
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mais com a retomada do poder do que com a manutenção do território. Somente com a
ascensão de Diocleciano como imperador em 284 D.C. e a instauração da Tetrarquia, que
dividia o império em quatro regiões administradas por imperadores distintos, é que houve a
volta da estabilidade política. Porém, com a nomeação de Constantino em 306 D.C. como
Augustus e imperador da Tetrarquia referente à Bretanha, Gália e Espanha, novamente houve
a disputa interna pelo poder. Constantino guerreou com os demais membros da Tetrarquia até
concentrar todo o poder do império sob seu controle, desse modo revitalizou a cidade de
Bizâncio na parte leste do império, a qual ficou mais conhecida como Constantinopla. O
imperador Constantino foi o primeiro imperador a se converter ao cristianismo e a fomentar o
livre culto da religião cristã em território romano, principalmente após o Édito de Milão7.
O declínio do Império Romano do Ocidente se deu por vários motivos, tanto do
ponto de vista econômico com a deterioração do valor das moedas devido às constantes
reformas monetárias, quanto com o avanço bárbaro e huno que dominou seus territórios e
enfraqueceu os exércitos; as novas crenças cristãs também repercutiram na forma como os
romanos viam as guerras, não mais tão dispostos a abrir mão da própria vida pelo Estado. Mas
foi somente em 476 D.C., marcado historicamente como o fim do Império Romano e início da
Idade Média, onde Flavius Odoacer, um comandante bárbaro, matou o último imperador
romano do ocidente, Romulus Augustus, e se tornou Rei da Itália. Já o Império Romano do
Oriente, que possuía a cidade de Constantinopla como poder central e administrativo do
império, perdurou por aproximadamente mais mil anos, permanecendo como o reino cristão
mais estável durante a Idade Média (GIBBON, 2008).
3.4 Comércio Medieval
Apesar do declínio romano e a queda de Roma após o século V, o comércio do
Mediterrâneo pouco foi afetado pelo domínio bárbaro da região, o que se deu na verdade foi a
intensificação e o aumento do comércio em cidades portuárias como Veneza, Gênova e
Marselha. A cada século, estas cidades se tornavam mais importantes, virando verdadeiros
centros comerciais que serviam de ligação entre as mercadorias do oriente e do ocidente.
Porém, a Idade Média foi em muitas regiões um período de estagnação. Com a
transformação do colonato em regime feudal, as relações tanto econômicas quanto sociais
7
“O Édito de Milão (313 d.C.), também referenciado como Édito da Tolerância, declarava que o Império
Romano seria neutro em relação ao credo religioso, acabando oficialmente com toda perseguição sancionada
oficialmente, especialmente do Cristianismo” (ÉDITO DE MILÃO, 2013).
15
ficaram restringidas aos limites do feudo. Pouco era comercializado, prevalecendo a simples
troca de subsistência entre as pessoas de cada feudo.
A mudança e crescimento do comércio na Europa, com o estabelecimento de outras
cidades comerciais além das portuárias, aconteceram de forma gradativa no decorrer dos
séculos. Os acordos firmados entre os comerciantes e os reis ou senhores feudais para o
estabelecimento de feiras em determinadas rotas foi um dos fatores que levaram ao
crescimento de cidades como Poix, Lagny, Provins e Troyes (HUBERMAN, 1985, p. 30). Na
região de Champagne na França, por exemplo, eram realizadas feiras semanais e anuais onde
eram trocadas mercadorias de várias regiões distintas, principalmente mercadorias asiáticas
que eram amplamente cobiçadas e possuíam preços altos; tudo isso acontecia em um local de
salvo-conduto onde os comerciantes podiam transitar livremente e os impostos não eram
exagerados. Em um momento onde as estradas eram precárias e os saques eram frequentes, o
estabelecimento de um local comum para a realização do comércio, com as devidas
salvaguardas do rei, era de fato necessário.
A moeda teve novamente um papel importantíssimo durante este período, como uma
herança romano-bizantina. O sistema monetário dos reis francos se assemelhava ao modelo de
Roma, mantendo as mesmas características de cunhagem e os seus valores simbólicos
(PIRENNE, 1973, p. 18). Dessa forma, as feiras da Idade Média concentravam vários
comerciantes de várias regiões distintas, consequentemente com moedas diferentes. Logo,
surgiu a classe dos trocadores de dinheiro, que se estabeleciam nas feiras e ficavam medindo e
pesando as moedas e realizando as trocas cambiais necessárias para o comércio. Como
afirmado por Huberman (1985): “As feiras tinham, assim, importância não só por causa do
comércio, mas porque aí se efetuavam transações financeiras” (HUBERMAN 1985, p. 33).
Foi neste período em que houve o nascimento da classe dos bancários e o aperfeiçoamento
das operações financeiras.
Talvez uma das cidades medievais que mereça mais destaque em seu desenvolvimento
foi a cidade italiana de Veneza. Com seu canal aberto para o mar Adriático, em uma
localização que servia de entrada para a Europa, a cidade se tornou um verdadeiro centro
comercial e onde ocorreu imensos avanços em relação à financeirização do comércio. Como
destacado por Richard Sennett (2010), em seu livro “Carne e Pedra”, a cidade de Veneza era
mantida majoritariamente pelas atividades comerciais e principalmente pelos estrangeiros que
frequentavam-na. Dessa forma, existia uma grande variedade de etnias na região, onde todos
precisavam um do outro para realizar seus negócios.
16
Um dos exemplos clássicos é a grande população de judeus que residia em Veneza e
era de extrema importância para a vitalidade das operações financeiras. Pois, como a religião
cristã condenava fortemente a usura, e a religião judaica era mais branda em relação ao
empréstimo de dinheiro e sua posterior cobrança com juros, os judeus acabavam por
desempenhar a função chave de fornecedores de crédito. Função realizada pelo personagem
Shylock em “O Mercado de Veneza” de William Shakespeare e que na atualidade é realizada
por bancos, governos ou empresas privadas e é de grande importância para o fomento do
comércio.
Mas é importante ressaltar que o convívio entre judeus e cristãos em Veneza não foi
amigável. Desde que os cristãos culparam os judeus pela morte de Jesus, sempre houve
embates entre as duas religiões, muitas vezes sangrentos através dos pogrons8 que perduram
até os dias atuais. Assim, os judeus de Veneza podiam frequentar a pequena ilha para realizar
os afazeres comerciais, mas ao anoitecer tinham que se deslocar para uma parte reservada da
ilha, lugar que ficou conhecido como o Gueto Judeu de Veneza, onde os portões eram
trancados e de lá eles somente poderiam sair no dia seguinte. Como destacado por Sennett
(2010): “Os corpos judaicos pareciam abrigar uma miríade de doenças decorrentes das suas
praticas religiosas. Pouco antes de 1512, Sigismondo de `Contida Foligno relacionou a sífilis
à lepra, considerando-as doenças do judaísmo (...)” (SENNETT 2010, p. 231). Existiam fortes
preconceitos entre as duas religiões, principalmente depois do Concílio de Latrão, de 1179,
onde novas sanções foram impostas contra os judeus pela Igreja Católica. Mas os
representantes do governo da cidade de forma alguma acataram o fervor religioso em prol da
expulsão dos judeus de Veneza, principalmente pelos motivos econômicos que faziam-nos
serem fundamentais para o funcionamento da cidade. Além das altas taxas de impostos pagos
pelos judeus, segundo as palavras de um cidadão venezience influente: “judeus são mais
necessários que os banqueiros, que, aliás, não passam sem eles” (SENNETT, 2010, p. 235).
Outro fator a ser considerado neste período foi o avanço do conhecimento científico e
principalmente da matemática, que possibilitou novas formas de cálculos e consequentemente
afetou as relações econômicas do período. Leonardo de Pisa, mais conhecido como Fibonacci,
aprimorou os cálculos utilizando algarismos indianos e árabes como concepção numérica,
tornando os cálculos mais rápidos do que utilizando o antigo modelo com caracteres romanos.
8
“Pogrom é um ataque violento maciço a pessoas, com a destruição simultânea do seu ambiente (casas,
negócios, centros religiosos). Historicamente, o termo tem sido usado para denominar atos em massa de
violência, espontânea ou premeditada, contra judeus, protestantes, eslavos e outras minorias étnicas da Europa,
porém é aplicável a outros casos, a envolver países e povos do mundo inteiro” (POGROM, 2012).
17
Grande parte desses conhecimentos foram publicados em seu livro, Liber Abaci em 1202, que
continha informações sobre contabilidade e ajudou a melhorar as finanças da época. Finanças
essas que foram muito bem utilizadas por Giovanni di Bicci de' Medici e que colocaram o
sobrenome Medici como uma das famílias mais ricas e importantes da Europa nos séculos
XIV e XV.
Giovanni de' Medici explorou as oportunidades do mercado de conversão de moedas,
cobrando uma comissão pela troca de uma moeda por outra. Além disso, fornecia letras de
câmbio que funcionavam como meios de pagamento quando um mercador precisasse pagar
outro sem possuir o dinheiro no momento, sendo o início do sistema de crédito que
conhecemos hoje. Foi neste período em que houve o nascimento dos primeiros bancos, sendo
o banco dos Medici o mais respeitado da Europa durante o auge de sua dinastia. Em pouco
tempo a família Medici já oferecia os seus serviços financeiros nas principais cidades da
Europa, entre elas Londres, Genebra, Veneza e Florença (FERGUSON, 2008, p. 41-50).
Este foi o momento onde aconteceu a introdução dos primeiros papéis-moedas na
Europa, que funcionavam dando o direito de quem os possuísse de trocá-los por ouro ou prata
nos bancos, ou seja, era a representação de determinada quantia em papel que poderia ser
trocada por metais preciosos. Dessa forma, o papel-moeda oferecia um método mais prático e
seguro para as transações financeiras, não sendo mais necessário o transporte de ouro físico
para a realização do comércio. Com o avanço do sistema bancário e a confiabilidade de
solvência que as pessoas desenvolveram em relação aos bancos, logo esses papéis-moedas
começaram a servir como o próprio meio de pagamento. Esta nova forma de moeda, com seu
valor corporificado no papel-moeda abriu a sociedade para novas formas de negociações
financeiras, possibilitando, por exemplo, a criação da moeda fiduciária, que não era mais
lastreada pelos metais preciosos, fato que se mostrou um dos maiores avanços na evolução
histórica da moeda (LOPES e ROSSETTI, 1998, p. 32). Por estes motivos, como destacado
por McLuhan (2002):
O homem abandonou o mundo da tribo pela “sociedade aberta”, trocando
um ouvido por um olho através da tecnologia da escrita. O alfabeto,
particularmente, habilitou-o a romper o círculo mágico e encantado, sonoro,
do mundo tribal. Em tempos mais recentes, graças à palavra impressa e à
passagem da moeda metálica para o papel-moeda, um processo similar fez
com que a economia mudasse de uma sociedade fechada para uma sociedade
aberta, do mercantilismo e do protecionismo econômico do comércio
nacional para o mercado aberto ideal do livre câmbio (MCLUHAN, 2002, p.
88).
18
Desde seu nascimento, a moeda foi um objeto quase que inteiramente de
responsabilidade do Estado, que utilizava-a como bem entendesse. Mas a validade do uso de
uma moeda nacional para as negociações somente começou a ser uma preocupação maior
com o avanço do comércio. Na Europa, durante a Idade Média, os comerciantes e a população
em geral sofriam com as usurpações dos senhores feudais, devido aos altos impostos ou
constantes conflitos armados entre um feudo e outro. Foi assim que a figura do Rei,
centralizador do poder, começou a se consolidar, assim como as delimitações dos Estados
Nacionais. “Era evidente aos soberanos que seu poder dependia das finanças. Tornava-se cada
vez mais claro também que o dinheiro só fluía para as arcas reais na medida em que o
comércio e a indústria prosperavam” (HUBERMAN, 1985, p. 83). Dessa forma o acordo
mútuo entre comerciantes e os Reis beneficiava a ambos, uma vez que ajudava os interesses
do poder real com o fluxo de dinheiro advindo de impostos recolhidos da burguesia e
beneficiava os comerciantes em geral com melhores oportunidades de comércio resultante da
centralização do poder.
A burguesia começou a fazer parte do processo administrativo do poder real e a
influenciar nas tomadas de decisões, utilizando sua influência social e sua riqueza para atingir
a esfera política e ampliar seus privilégios econômicos. A substituição de várias moedas por
apenas uma, além do fim do monopólio regional dos senhores feudais, facilitaram o avanço
comercial e também o avanço do processo industrial que começava a se consolidar. Este
modelo político monárquico absolutista seria substituído em muitos países nos séculos
subsequentes pelo parlamentarismo ou presidencialismo, porém o modelo econômico da
utilização de moedas nacionais perdura até os dias atuais.
3.5 Liberdade e o Capital
3.5.1 Padrão-ouro
Com o avanço da consolidação dos Estados nacionais e a maior complexidade das
relações comerciais entre um país e outro, a economia começava neste momento pósrenascimento a se tornar cada vez mais conectada, onde um país acabava por influenciar os
preços em outro país devido ao comércio e as transações em ouro. Foi dessa forma que os
teóricos da época, os quais podem ser definidos com os primeiros a desempenhar a função de
economistas, como Adam Smith, Cantillon, Hume, Ricardo, Thornton, Mill, Cairnes,
Goschen e Bagehot forneceram a base teórica para o desenvolvimento do conhecimento que
19
daria início a criação do padrão-ouro como uma forma de controlar os níveis de inflação e
deflação dos países (BORDO; SCHWARTZ, 1984).
Como teorizado por David Hume em seu ensaio “Of the Balance of Trade”, o padrãoouro tinha o objetivo de equilibrar o balanço de pagamentos das principais economias do
mundo. Através do comprometimento de manter o cambio fixo à determinada quantidade de
ouro, os países realizavam políticas monetárias de exportação ou importação de ouro caso
houvesse um déficit ou superávit no balanço de pagamentos. A oferta monetária de cada país
era definida pela quantidade de reservas em ouro que este possuísse, desse modo se um país
fosse deficitário no seu balanço de pagamentos, este deveria exportar ouro para os países que
fossem superavitários. Dessa forma, esta exportação de ouro diminuiria a sua oferta interna de
moeda, forçando uma contração da base monetária, o que consequentemente levaria a uma
queda nos preços, aumentando a competitividade das mercadorias desse país em relação às
demais economias mundiais. O inverso deveria acontecer para países que fossem
superavitários.
O padrão-ouro era uma forma de manter a estabilidade dos níveis de preços entre as
principais economias do mundo usando como referência o valor do ouro e a quantidade que
cada país possuísse. A validez do padrão-ouro foi discutida pelas diversas escolas de
economia, discussão esta que perdura até os dias de hoje. Cada vertente econômica possui
uma ótica para analisar a questão do padrão-ouro e o modo como este se desenrolou durante
os últimos três séculos, desde a mudança para o ouro-libra, ouro-dólar e posteriormente para o
dólar-flexível. A maior crítica em relação ao padrão-ouro como sistema monetário é a questão
de colocar toda a oferta monetária de um país referenciada por apenas uma commodity, que
está sujeita a mudanças em sua oferta e demanda constantemente. Porém, o abandono do
padrão-ouro, em especial o abandono do ouro-dólar e o desmantelamento do acordo de
Bretton Woods em 1971 pelo governo Nixon, colocou a economia mundial em sérios
problemas de estabilidade. Pois retirando o lastro em ouro, o balanço de pagamentos dos
países passou a ser equilibrado utilizando majoritariamente reservas em dólar. Como
apontado por Serrano (2002):
No último caso não há mais por que temer uma fuga para o ouro, pois o novo
padrão dólar é inteiramente inconversível, baseado na premissa de que um
dólar “is as good as one dollar”, premissa ancorada no poder do Estado e da
economia americana no mundo unipolar pós-guerra fria. Como o dólar é o
meio de pagamento internacional e a unidade de conta nos contratos e nos
preços dos mercados internacionais, acaba por se tornar também a principal
reserva de valor (SERRANO, 2002, p. 250-251).
20
Desse modo a economia mundial passou a operar através de um regime de dólar
flexível, fator que favoreceu fortemente a situação financeira norte-americana, possibilitando
que os Estado Unidos não perdessem competitividade real. Pois, se ocorresse a valorização do
dólar, existiria a perda de competitividade, porém como não existe mais restrição externa
devido a não mais conversibilidade de dólar em ouro, o déficit em conta corrente pode
aumentar indefinidamente e ser financiado com os próprios títulos norte-americanos
(SERRANO, 2002).
Durante o desenrolar da década de 1960 e 1970 foram fortes as pressões externas pelas
demais economias mundiais para a criação de uma moeda verdadeiramente internacional, mas
isto era algo inaceitável no momento para os Estados Unidos, pois abrir mão do dólar como
moeda internacional ocasionaria a perda da liberdade do balanço de pagamentos norteamericano e incorreria no enfraquecimento do dólar e do seu próprio poder político
mundialmente.
De acordo com Serrano (2002), a transição para o dólar flexível levou a
desestabilizações na esfera geopolítica mundial na década de 1970, ocasionando a forte
especulação no preço das commodities que resultou nos choques do petróleo. Somente no fim
da década e início dos anos de 1980 que os Estado Unidos voltam a recuperar gradativamente
o poder do sistema monetário internacional. Os demais países começam a partir desse
momento a não mais questionar o poder hegemônico monetário americano e passam a aceitar
o dólar-flexível como o novo padrão financeiro internacional. Assim, o dólar passou a ser a
moeda central para todas as grandes transações internacionais. Mas a centralidade de uma
moeda é algo, como explicado por Hicks (1989), questionável:
Centrality and strength do not necessarily go together. Centrality is not
acquired by a decision of the 'central' government, or of its banking system;
it comes from decisions by others, who choose to make the currency of that
country their chief 'international'. No doubt it is unlikely that such a choice
would have been made unless the central currency, at the time it became
central, had been a strong currency; but it could continue to be central,
having no obvious rival, even when it was losing its strength. So there are
several cases which fall to be considered, the chief division being between
those where the strength of the central currency in unquestioned, and those
where it is in doubt (HICKS, 1989, p. 130)9.
9
Tradução nossa: “Centralidade e força não andam necessariamente juntas. Centralidade não é adquirida por
uma decisão do governo 'central', ou do seu sistema bancário; ela vem das decisões de outros, que optam por
fazer a moeda daquele país sua referência 'internacional'. Sem dúvida, é improvável que tal escolha teria sido
feita a menos que a moeda central, no momento em que se tornou central, não tivesse sido uma moeda forte; mas
ela poderia continuar a ser central, não tendo uma rival óbvia, mesmo quando estivesse perdendo sua força.
21
Ora, o dólar foi amplamente aceito pelas demais economias mundiais não apenas pela
imposição subliminar americana, mas porque de fato o dólar era a melhor moeda a ser
utilizada nas últimas décadas para funcionar com centralidade.
3.5.2 Visão Austríaca
Quando se trata sobre questionamentos em relação ao padrão-ouro e mais
recentemente em relação ao dólar-flexível, a Escola Austríaca de Economia trata a questão de
forma polêmica. Muitos autores descrevem que o abandono do padrão-ouro não foi devido a
sua ineficácia, mas porque ele era eficaz demais na regulação e no controle das ações
governamentais. Apontando que a transição e abandono deste antigo modelo econômico foi
resultado de uma motivação muito mais ideológica e política do que de fato científica.
Friedrich Hayek, que foi um defensor do antigo padrão-ouro, foi mais além em relação
às liberdades monetárias do livre mercado e do fim do monopólio do Estado sobre a emissão
de moeda. Em seu livro de “Denationalisation of Money”, Hayek expõe um modelo onde
instituições privadas poderiam emitir suas próprias moedas em um ambiente de concorrência,
onde cada instituição estaria competindo pela maior estabilidade possível de sua moeda.
Hayek sempre viu a inflação como um grande problema, por atrapalhar o sistema de livre
mercado. Com o abandono do padrão-ouro original e a maior desregulamentação financeira
que decorreu no século XX, Hayek desenvolveu a sua teoria de moedas privadas como uma
tentativa de estabelecer um novo modelo monetário baseado em princípios de livre mercado
onde não fosse mais necessário o monopólio estatal para a emissão de moedas. Como
explicado pelo autor:
...though there is every reason to mistrust government if not tied to the gold
standard or the like, there is no reason to doubt that private enterprise whose
business depended on succeeding in the attempt could keep stable the value
of a money it issued (HAYEK, 1990, p. 36)10.
Assim existem vários casos que podem ser considerados, onde a divisão principal está entre aquelas em que a
força da moeda central é inquestionável, e aquelas em que existem dúvidas”.
10
Tradução nossa: “...contudo existem várias razões para desconfiar do governo se não vinculado ao padrão-ouro
ou similar, não há nenhuma razão para duvidar de que empresas privadas cujo negócio depende de seu sucesso
poderiam manter estável o valor da moeda que emitiram.”
22
Como descrito neste trabalho, nas primeiras seções, a posição do governo como único
emissor de moeda é algo inerente à história do capitalismo, posição que evoluiu desde os
primórdios da antiga Lídia até tempos atuais. O que Hayek tentou desenvolver foi a ruptura
deste modelo, apresentando uma forma alternativa de um sistema monetário. A principal
crítica apresentada pelo autor era a de que o governo é um agente facilmente suscetível ao
favorecimento de grupos de interesses. Desse modo colocar o poder de emitir moeda e
consequentemente as diretrizes econômicas de um país nas mãos de poucos indivíduos seria
algo perigoso (HAYEK, 1990, p. 31). Além disso, Hayek se posiciona contra o conceito da
moeda de curso forçado, legal tender, ou seja, onde a moeda utilizada em determinado país é
imposta por lei, alegando que isto funciona como um instrumento que força as pessoas a
terem que aceitar esta moeda como meio de pagamento, indo contra princípios de contratos
livres e voluntários entre os indivíduos.
Murray Rothbard, também membro da Escola Austríaca, questionou fortemente o
modelo de moedas privadas de Hayek, afirmando que não existiria razão econômica para que
estas novas moedas fossem aceitas. Rothbard destaca que diferentemente das outras
mercadorias, o dinheiro somente é desejado com a finalidade de ser trocado por outras coisas,
funcionando como um meio de troca. Dessa forma se todos os indivíduos tivessem a
habilidade de criar moedas privadas dentro da lógica desenvolvida por Hayek, não existiria
motivo para estas moedas serem aceitas, pois ninguém irá aceitar uma moeda que não tenha
antes funcionado como dinheiro e tenha sido amplamente utilizada pela sociedade. Isto,
segundo Rothbard, seria uma das falhas de Hayek na elaboração de seu modelo,
negligenciando o teorema de regressão, regression theorem, desenvolvido por Von Mises em
1912. O modelo estabelecido por Mises preconizava que qualquer forma de dinheiro somente
será aceito pelos indivíduos se este tenha sido anteriormente uma commodity, ou a
representação de uma, pois o dinheiro não pode surgir do nada, sem possuir uma base de
valor. Dessa forma, o dinheiro precisaria surgir de uma commodity não-monetária que
possuísse algum valor antes de virar dinheiro, como aconteceu com o ouro e a prata
(ROTHBARD, 1985).
A filosofia liberal defende a liberdade econômica do ponto de vista da cooperação
social, ou seja, onde os indivíduos através da competição cataláctica11 acabam por cooperar
mutuamente, sem mesmo perceberam, em prol de um bem maior. A noção de liberdade é
11
“A função social da competição cataláctica, certamente, não é a de estabelecer quem é o mais destro, e
recompensá-lo com títulos e medalhas. Sua função é garantir a maior satisfação possível do consumidor numa
dada situação das condições econômicas” (MISES, 1987, p. 52).
23
também algo importante em seus preceitos. Segundo Ludwig Von Mises, o significado de
liberdade se refere às relações inter-humanas que seguem as leis da praxeologia, onde o ser
humano comporta-se perante os demais indivíduos da sociedade de forma a não prejudicar a
ordem social. Mises, assim como Hayek e demais membros da Escola Austríaca, defende a
limitação do poder do Estado sobre os indivíduos, como destacado em seu livro “O Mercado”:
O Estado, o aparato social de coerção e compulsão, é necessariamente um
poder hegemônico. Se o governo tivesse a possibilidade de expandir o seu
poder ad libitum, poderia abolir a economia de mercado e substituí-la por um
socialismo totalitário onipresente. Para evitar isso, é necessário controlar o
poder do governo (VON MISES, 1987, p. 64).
Mas como ressaltado por Milton Friedman (1985), existe a necessidade de haver um
governo para ditar as regras do jogo e assegurar o cumprimento destas por todos os
participantes da sociedade. A liberdade de um indivíduo pode afetar a liberdade de outro,
dessa forma é necessário estabelecer limitações para manter a ordem social e estas limitações
devem ser executadas por um árbitro comum e imparcial, que no caso é representado pelo
poder da justiça do Estado. Como o autor destaca: “Por mais atraente que possa o anarquismo
parecer como filosofia, ele não é praticável num mundo de homens imperfeitos”
(FRIEDMAN, 1985, p. 32).
Ao contrário dos argumentos expostos por Hayek, Friedman defende que o governo
deve ser utilizado para manter o sistema monetário estável e assegurar uma economia livre,
possuindo responsabilidades sobre as políticas monetárias e fiscais de um país. Porém, a
possibilidade de controlar o dinheiro proporciona o poder de alterar a economia e isto leva a
questão de como deve ser realizada a concentração e dispersão do poder. Como destacado por
Friedman (1985):
O problema consiste em estabelecer organizações institucionais que
permitam ao governo exercer a responsabilidade pelo dinheiro – limitando
ao mesmo tempo o poder assim dado ao governo e evitando que este poder
seja usado de modo a levar ao enfraquecimento – em vez de ao
fortalecimento – uma sociedade livre (FRIEDMAN, 1985, p. 45).
Mesmo dentro da esfera de discussão da Escola Austríaca, a questão sobre como o
governo deve abordar as suas funções perante a sociedade variam segundo a concepção de
cada autor, alguns mais extremos que outros. Possivelmente o extremismo nesse gênero é
retratado pelos chamados de anarco-capitalistas, tendo como um de seus adeptos David
Director Friedman, ninguém menos que o próprio filho de Milton Friedman.
24
David Friedman em seu livro “The Machinery of Freedom” explora as formas de
como uma sociedade orientada pelo Estado mínimo funcionaria. Segundo ele os anarcocapitalistas, ou como se autodenominam libertários, promovem uma sociedade onde cada
indivíduo seria livre em fazer suas próprias escolhas, escolhas essas que em uma sociedade
capitalista convencional seriam guiadas pelos interesses do governo. Dessa forma, o anarcocapitalismo se baseia no princípio da propriedade privada e da total liberdade dos seres
humanos em relação ao modo como desejam viver, contanto que a liberdade de um indivíduo
não interfira negativamente na liberdade de outro. Assim, questões como o uso de drogas,
pornografia e até mesmo o uso não compulsório de cinto de segurança, seria algo totalmente à
escolha de cada indivíduo da sociedade (FRIEDMAN, 1989).
Como defensores de um sistema de livre mercado aos moldes capitalistas, na
sociedade anarco-capitalista todos os serviços seriam fornecidos através da competição de
empresas privadas, seja questões como segurança, regulação de leis e até mesmo o sistema
monetário. O Estado, segundo os preceitos anarco-capitalistas, é uma fonte de violência
desmesurada, pois pode utilizar sua força contra indivíduos que não tenham cometido crimes
ou fraudes. Dessa forma, sempre houve o embate teórico entre o libertarismo e o socialismo,
por serem regimes antagônicos. Os pensadores liberais utilizaram de exemplo todos os
preceitos negativos do socialismo desenvolvido durante o século XX para demonstrar o quão
próspera em questões de liberdade e desenvolvimento econômico uma sociedade baseada no
Estado mínimo poderia oferecer. Eugen von Böhm-Bawerk em seu livro “Teoria da
Exploração do Socialismo Comunismo” demonstra que qualquer renda que não é fruto do
trabalho, aluguel ou lucro, está em risco de ser uma injustiça econômica. Friedrich Hayek em
“O Caminho da Servidão” também explorou questões sobre como uma sociedade regida pela
centralização do poder levaria a um governo tirânico e à sujeição dos indivíduos.
3.5.3 Moeda privada na América do Norte
Apesar de esquecida no desenrolar histórico do desenvolvimento das Américas, o
modelo de uma moeda privada, emitida por bancos e sem o controle estatal, vingou por
muitos anos nos Estados Unidos durante o período denominado de Free Banking na época
pré-Guerra de Secessão.
Na região da Nova Inglaterra, mais precisamente na cidade de Boston, o Suffolk Bank
foi criado com a intenção de trocar notas de bancos menores por notas emitidas por eles,
concebendo uma das primeiras moedas privadas da história a funcionar com eficácia. Esta foi
25
a solução encontrada depois de constatado a grande ineficiência das notas emitidas por bancos
menores de outras regiões do país. Como um governo central ainda não estava totalmente
consolidado, vários bancos espalhados pelo país tinham o poder de emitir notas bancárias
lastreadas ao ouro guardado em seus cofres. Tendo em vista o caos que permeava o país
durante aquela época, saber exatamente qual era o valor em ouro ou prata que uma nota
bancária possuía era algo complicado, pois muitos dos bancos emissores estavam em lugares
longínquos. Muitos desses bancos menores emitiam mais notas do que de fato possuíam em
ouro, fazendo com que os comerciantes não soubessem ao certo o valor que o dinheiro valia.
Desse modo, o Suffolk Bank nasceu da união de comerciantes poderosos de Boston
que tinham a intenção de realizar o serviço de trocar as notas bancárias dos bancos menores
por suas próprias, inserindo moedas privadas na economia da região. Como as notas emitidas
pelos bancos menores incorriam em informações assimétricas em relação ao seu exato valor,
o Suffolk Bank oferecia o serviço de trocá-las por suas próprias notas bancárias, que eram
consideradas solventes, e reenviar as outras notas de volta aos bancos emissores para
amortização (ROLNICK; SMITH; WEBER, 2000).
Em resumo o Suffolk Bank pode ser definido como uma central de depósitos de
reservas que realizava a compensação de notas de outros bancos menores, uma espécie de
clearing house. Realizando seu serviço, o Sulffolk Bank acabou trazendo um período de
estabilidade monetária para a região da Nova Inglaterra durante os anos em que o banco
operou. Durante a crise de 1837, grande parte das regiões norte-americanas sofreu fortemente
com o desemprego, quebra de bancos e preços cadentes. Porém, as regiões onde grande parte
das transações era realizada através das moedas privadas do Suffolk Bank superaram a época
de crise de uma maneira muito mais estável: “In Connecticut in the years following the crisis
of 1837 not one bank failure occurred, nor was there a suspension of specie payments. All
banks were able to continue to redeem their bills at the Suffolk Bank” (TRIVOLI, 1979,
p.17)12.
Durante 35 anos, entre 1823 a 1858, o Suffolk Bank conseguiu manter a estabilidade
monetária da região de Boston ao mesmo tempo em que foi um banco altamente rentável. Em
1858 com a ascensão do Bank for Mutual Redemption, um banco concorrente, a situação
operacional do Suffolk Bank começou a ficar complicada. Além disso, grande parte do poder
político do Estado migrou para outras regiões do país, diminuindo a importância de Boston
12
Tradução nossa: “Em Connecticut, nos anos após a crise de 1837 nenhuma falência bancária ocorreu, nem
houve suspensão de pagamentos em espécie. Todos os bancos foram capazes de continuar a resgatar suas contas
no Suffolk Bank.”
26
sobre as decisões econômicas. É sabido que o Suffolk Bank tentou de várias maneiras tirar o
seu concorrente do mercado, até mesmo não honrando notas bancárias de bancos que tinham
depósitos no Bank for Mutual Redemption. Porém, no cenário de concorrência estabelecido, o
Suffolk Bank acabou perdendo e parou com as emissões de notas privadas, tornando-se apenas
mais um banco convencional. Poucos anos depois, a Guerra de Secessão teve início,
paralisando o sistema financeiro norte-americano. Em 1863 foi estabelecido que nenhum
banco poderia emitir moedas privadas, fazendo do governo o detentor do monopólio da
emissão de moedas desde então (ROTHBARD, 2002).
Rothbard (2002) afirma que o Suffolk Bank se mostrou como um fato legítimo na
história de que uma moeda privada pode funcionar de forma eficiente, trazendo estabilidade
monetária e segurança em um ambiente de livre concorrência.
Outro exemplo de moedas privadas funcionando na economia, agora em um período
mais recente, se deu no Canadá. Em 1983, empresas privadas do ramo de supermercados
começaram a fornecer cupons como desconto quando seus clientes realizavam compras. A
ideia era fazer com que os clientes retornassem ao supermercado para trocar os cupons e
acabassem realizando mais compras. O sistema em si não tinha o objetivo de inserir moedas
privadas na economia como um modelo de negócio, mas as pessoas começaram a tratar os
cupons como se fossem moedas, utilizando-os em outras transações do cotidiano.
Os cupons representavam valores de Dólares Canadenses e podiam ser trocados por
produtos do supermercado. Como o supermercado esperava que os cupons fossem gastos pelo
seu valor de face, eles operavam com a hipótese de que os produtos trocados pelos cupons
estariam então sendo vendidos pelo seu preço líquido, o seu valor bruto menos o desconto que
os cupons possibilitavam. Invés de simplesmente oferecer o desconto, o uso de cupons
permitia extrair o excedente dos consumidores conforme os diferentes preços de reserva, além
de que o desconto somente seria concebido quando os cupons fossem efetivamente gastos,
como nem todos os cupons eram de fato utilizados isso ainda fornecia uma vantagem para o
supermercado.
A rede Steinberg de supermercados, a terceira maior do Canadá na época, começou o
sistema de cupons em março de 1983, dando um desconto de 5% nas compras para quem os
utilizasse. Dois dias depois a maior concorrente Provigo, baixou o preço de todos os seus
produtos em 6% para forçar a concorrência. Em seguida a rede Metro Richelieu, segunda
maior do ramo, também começou a conceder 5% de desconto para quem realizasse compras
futuras em suas lojas. Três meses depois a Steinberg declarou que iria interromper o sistema
de cupons por causa dos prejuízos acumulados devido à acirrada concorrência.
27
Segundo Eichenbaum e Wallace (1985), apesar de uma experiência rápida, o insucesso
do sistema de cupons não se deu porque as pessoas não os utilizaram, mas sim devido
competição dos demais supermercados que realizaram um serviço similar, fato que levou a
uma baixa generalizada no preço de todos os produtos, fazendo-os operar em prejuízo.
As pessoas durante o período em que os cupons vingaram, começaram a utilizá-los
como um meio de troca para pagar produtos e serviços em outros lugares além do
supermercado Steinberg. Eichenbaum e Wallace (1985) destacam, utilizando como fonte um
artigo de jornal da época, que os demais comerciantes de região também começaram a aceitar
os cupons do supermercado como meio de pagamento, pois argumentavam que isso ajudava a
atrair alguns clientes que acabavam comprando produtos por possuírem os cupons do
Steinberg, que caso contrário não o fariam. Desse modo, os cupons acabavam por
desempenhar a função de uma moeda privada, compreendendo suas características básicas.
Mesmo em um período curto de tempo, a população da região entendeu que os cupons
podiam ser utilizados em outras transações. Pelo fato do supermercado ser um revendedor de
comida – uma mercadoria que todos precisam consumir – os cupons acabaram por se
popularizar rapidamente, sendo aceitos em farmácias, lojas de discos e em outros
supermercados.
Outra experiência canadense de moeda privada que merece destaque é em relação à
Canadian Tire Corporation Limited, uma empresa que em 1985 tinha 354 lojas espalhadas
pelo Canadá e distribuía cupons parecidos com o sistema do supermercado Steinberg, porém
fazia isso desde 1958. Segundo Eichenbaum e Wallace (1985), em 1982 a quantidade de
cupons emitidos pela Canadian Tire somavam 20 milhões de dólares canadenses, algo
equivalente a 34 milhões de dólares americanos a preços atuais13. Seus cupons eram aceitos
em várias transações do cotidiano, servindo até mesmo para situações casuais como pagar
uma corrida de taxi.
A experiência canadense com cupons demonstrou que a adoção pelo público de uma
moeda privada sem a legitimação do governo pode acontecer de maneira natural. O mais
interessante destacado por Eichenbaum e Wallace (1985) é que no Canadá emitir moedas
privadas ou qualquer tipo de nota representativa de valor sem o consentimento do Estado é
contra a lei, porém estas evidências empíricas mostram que aparentemente existe uma
13
Valores fornecidos pelo website “Trading Economics”. Disponível em:
<http://www.tradingeconomics.com/canada/consumer-price-index-cpi>. Acesso em: 10 mar. 2013.
28
inclinação das pessoas em aceitar outras formas de moedas mesmo que elas não tenham
respaldo governamental.
29
4. PARTE II: O VIRTUAL
4.1 A internet
4.1.1 Surgimento da computação e a internet
O avanço tecnológico originário da Segunda Revolução industrial, com a eletrificação,
desenvolvimento de motores e a criação de maquinários complexos serviram de base para a
elaboração do que mais tarde daria origem ao sistema eletrônico computacional. John
Mauchly e John Presper Eckert são reconhecidos como os criadores do primeiro computador
da história, o ENIAC (Electronic Numerical Integrator And Computer), que havia sido
concebido através de incentivos do exército americano durante a Segunda Guerra Mundial. O
ENIAC podia fazer vários cálculos dependendo de como fosse programado, mas foi criado
primariamente para calcular precisões de balística, devido às inclinações armamentistas do
período e de seus patrocinadores. A partir de 1950, a tecnologia dos computadores começou a
se tornar cada vez mais aprimorada, aumentando em velocidade de processamento e
diminuindo cada vez mais o tamanho físico do aparelho. Nas décadas subsequentes já
começaram a aparecer as marcas fabricantes de computadores que conhecemos hoje, como a
Intel com seu modelo de microprocessador Intel 4004.
Neste mesmo período, conjuntamente com o avanço da computação, a internet
também começou a dar seus primeiros passos. Claro que naquele momento a internet não era
nada se comparado com os padrões atuais, tudo começou com uma mensagem enviada pela
Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) para o Instituto de Pesquisa de Stanford
(SRI) através da primeira conexão backbone na década de 1960. A partir disso, muitas foram
as formas de conexão desenvolvidas nos anos posteriores, chegando a criação da ARPANET
em 1969, que seria o primeiro sistema onde várias redes podiam se juntar, formando uma
grande rede interconectada. A ampliação de acesso à internet começou na década de 1980
quando a agência americana, National Science Foundation (NSF), desenvolveu a NSFNET,
que tinha o objetivo de interligar setores de pesquisa e educacionais como uma forma de
estimular a troca de conhecimento. Foi no início dos anos de 1980 que o protocolo TCP/IP,
que é uma forma de padronização dos códigos de comunicação, se popularizou, facilitando a
conexão entre computadores de diversas partes do mundo.
Foi neste período que de fato os computadores começaram a se tornar populares entre
a população em geral, principalmente com a consolidação de empresas como a Apple
30
Computers e IBM com seus microcomputadores; além da Microsoft com seu software MSDOS (que deu origem posteriormente ao Windows) que permitiu que as pessoas interagissem
com os computadores de uma forma muito mais fácil e intuitiva. A sociedade passou neste
momento a utilizar desta nova ferramenta para as mais diversas funções, desde a elaboração
de diagnósticos médicos à digitalização dos mercados financeiros. O poder de cálculo dos
computadores forneceu uma base de raciocínio mais exata e socialmente aceita como correta
do que os cálculos realizados pelo cérebro humano. Dessa forma, a resposta fornecida por um
computador passou a se tornar a verdade a ser aceita. Como teorizado por Postman (1993), o
mundo e principalmente a sociedade norte-americana passou durante o século XX para um
modelo centrado na tecnologia, fenômeno que o autor chamou de Technopoly, onde os valores
da sociedade se tornam orientados e validados através dos dizeres da tecnologia.
A partir dos anos de 1990, as restrições por parte do governo em relação ao uso da
internet começaram a ceder dando espaço para uso comercial da rede. Os antigos órgãos
responsáveis pelo nascimento da internet foram desmantelados, como a ARPANET e o
NSFNET, dando espaço para empresas do setor privado entrarem no segmento. Assim, nos
anos que se seguiram, a internet acabou resultando em uma revolução na comunicação,
cultura, política e economia do mundo. Com o aumento da rede em escala global, o ambiente
virtual da internet se tornou um local aberto, sem grandes regulações, permitindo o uso e
acesso de qualquer indivíduo ao redor do mundo.
O avanço que a computação proporcionou mudou totalmente os paradigmas sociais
em que o mundo se estabelecia. A maior facilidade em resolver cálculos complexos e a maior
quantidade de informação disponível aos indivíduos marcou a mudança de como os seres
humanos se comportavam em relação à certeza sobre as coisas. A visão sobre o computador
como um “cérebro pensante”, sempre correto, transformou a sociedade, ampliando
possibilidades e diminuindo outras. A computação tem possibilitado o desenvolvimento tanto
das ciências quanto de novas tecnologias e até certo ponto do bem estar dos seres humanos.
Como apontado por Benkler (2006), o avanço da informática permitiu a
descentralização e distribuição de funções de uma maneira muito mais abrangente em
comparação com os sistemas industriais do século passado:
What characterizes the networked information economy is that decentralized
individual action – specifically, new and important cooperative and
coordinate action carried out through radically distributed, nonmarket
mechanisms that do not depend on proprietary strategies – plays a much
31
greater role than it did, or could have, in the industrial information economy
(BENKLER, 2006, p. 3).14
O declínio do preço dos computadores e meios de comunicação permitiu a utilização dessas
tecnologias por uma fração significativa da população mundial, possibilitando a transição da
era industrial para a era da informação. Como explicado por Rosnay (1999), o mundo passou
de uma sociedade industrial para uma sociedade “informacional” e agora os antigos pilares
trabalhistas são outros. Os valores referentes ao local de trabalho, a função desempenhada e
tempo acabam por se tornar obsoletos na sociedade “informacional”. Existe uma tendência
dos poderes hierárquicos não servirem mais como referência, “a sociedade nascente organizase antes em redes do que em pirâmides de poder” (ROSNAY 1999, p. 52). Esta nova evolução
leva a conflitos por se tratar de uma nova sistemática, os que ainda pensam no antigo modelo
pré-informática possuem dificuldade em lidar com as questões burocráticas que envolvem
este novo fenômeno. As mudanças na forma como as relações se desenvolvem na sociedade
“informacional” acaba por causar confusão na esfera política e Estatal por se tratar de um
paradigma diferente ao até então dominante modelo industrial. “As características do novo
espaço econômico, social e cultural imaterial, chamado de ‘ciberespaço’, não se enquadram
nas análises dos que vivem e raciocinam conforme o antigo modelo. Eles não as enxergam. O
século XXI será da complexidade” (ROSNAY, 1999, p. 53).
4.1.2 Digitalização dos mercados financeiros
Assim como outras esferas da vida contemporânea se tornaram digitais, seja no
processo industrial, desenvolvimento científico e meios de comunicação, o sistema financeiro
mundial também evoluiu para modelos eletrônicos. Segundo White (1997), a digitalização dos
mercados financeiros foi caracterizada mais como uma evolução do que uma revolução, pois
apesar de possibilitar uma maior rapidez nas transações financeiras, o modelo de
compensação entre contas bancárias continuou o mesmo. As compensações entre contas
realizadas por um pedaço de papel ou através de uma transação eletrônica possuem em si o
mesmo modelo econômico, somente o método que se tornou mais rápido. Além disso,
transações entre contas e entre bancos sem a necessidade da transação física já era realizada
14
Tradução nossa: “O que caracteriza a economia da informação em rede é que a ação individual descentralizada
- mais especificamente, a nova e importante ação cooperativa e coordenada realizada através de mecanismos não
mercantis radicalmente distribuídos, que não dependem de estratégias privadas - desempenham um papel muito
maior do que faziam, ou poderiam fazer, na economia de informação industrial.”
32
desde que o telégrafo se tornou popular. A verdadeira mudança que a computação e a
digitalização dos mercados trouxeram como novo foi a grande redução nos custos das
transações.
A evolução para o sistema financeiro eletrônico chegou a um patamar onde a maior
parte do dinheiro nacional (ex: Dólar, Real, Euro, etc.) em circulação é na verdade digital. As
moedas e papéis-moedas representam apenas uma pequena parte da base monetária. Já em
1996, em países em que o uso de dinheiro eletrônico já era amplamente utilizado, como nos
Estados Unidos, o valor de M115 já era composto majoritariamente por dinheiro eletrônico
(BERNKOPF, 1996). A ampliação do uso de cartões de crédito e o aumento da utilização da
internet para pagamentos, compras e transações eletrônicas, levaram a uma diminuição da
demanda pelo papel-moeda e moeda metálica. O que ocorre então é a maior utilização direta
dos depósitos à vista nos bancos comerciais através do uso dos cartões de crédito/débito ou
transações via internet.
Novas formas de transações começaram a emergir com o avanço tecnológico e
advento da internet. Empresas privadas desenvolveram serviços financeiros que facilitaram a
negociação tanto no mercado de títulos quanto no mercado de ações e derivativos. A criação
de plataformas de negociações online que permitem qualquer pessoa de qualquer parte do
mundo, que possua um computador e uma conexão com a internet, de negociar em bolsas de
valores, ao mesmo tempo em que aumenta a facilidade e velocidade dos negócios também trás
a não mais necessidade de uma representação física no floor das bolsas para a realização dos
contratos viva-voz.
A criação de sistemas como o Paypal, desenvolvido por Elon Musk e Peter Thiel, que
funcionam como uma “carteira virtual” onde o usuário pode enviar dólares ou outras moedas
nacionais e utilizá-las em vários websites para realizar compras, efetuar transações e recebêlas, possibilitou um aumento no e-commerce global nos últimos anos. Por funcionar de forma
prática, esses sistemas tornaram as transações entre agentes econômicos muito mais rápidas e
seguras, sendo uma alternativa ao uso de cartões de crédito, onde o usuário era obrigado a
fornecer as informações do cartão para cada website onde realizasse alguma negociação.
Alguns autores já apontam que os bancos centrais estão olhando para a questão do
dinheiro eletrônico com uma visão precavida, pois existem hipóteses de que o uso massivo de
dinheiro eletrônico e a utilização de moedas virtuais, que será tratada nas seções posteriores
15
A quantidade total de M0 (dinheiro/moeda) fora do sistema bancário privado, acrescido do montante dos
depósitos à vista, cheques de viagem e outros depósitos.
33
deste trabalho, implicariam na perda do controle sobre políticas monetárias e poderiam levar a
alterações nas taxas de câmbio internacionais (BERENTSEN, 1997). Se as pessoas de fato
adotassem formas alternativas como meio de pagamento, mecanismos à parte do sistema
bancário, os bancos perderiam competitividade no mercado e pressionariam os bancos
centrais a abaixar os valores dos depósitos compulsórios a fim de manter o sistema
competitivo.
4.1.3 Comunidades e Fóruns
Foi dentro deste ambiente virtual criado pela junção entre a computação e a internet
que novas formas de organizações sociais começaram a emergir. A possibilidade de se
comunicar com pessoas ao redor do mundo e trocar informações levaram ao estabelecimento
de uma “comunidade virtual”, comunidade esta que não possui fronteiras geográficas ou
políticas, diferentemente do conceito original de comunidade referenciado por uma cidade,
bairro ou vila.
Devido à facilidade de comunicação ao redor do mundo, na comunidade virtual as
pessoas começaram a se agrupar e discutir conteúdos e informações de seu interesse,
possibilitando a geração de conhecimentos específicos ao aproximar pessoas de distintas
culturas e países que jamais teriam a possibilidade de se reunirem fisicamente para a
discussão de ideias. Dessa forma, além de apenas funcionar como divulgação de
conhecimento, o ambiente virtual leva à criação de novos conceitos e possibilita o avanço em
várias áreas tanto científicas, tecnológicas quanto sociais e de entretenimento. Como apontado
por Benkler (2006, p. 4), “the removal of the physical constraints on effective information
production has made human creativity and the economics of information itself the core
structuring facts in the new networked information economy.”16
O desenvolvimento de online message boards, conhecidos como Fóruns, possibilitam
a interação entre pessoas através da troca de mensagens sobre algum determinado tema, onde
o usuário pode enviar a sua opinião em relação a determinado assunto ou iniciar um novo
tópico para discussão. A criação de inúmeros Fóruns na rede, com temas variando de
desenhos animados à questões sobre política econômica, levam a discussões em conjunto com
diversas pessoas em um ambiente livre, que acaba por incentivar a liberdade de expressão.
16
Tradução Nossa: “a remoção das restrições físicas na produção efetiva de informação fez a criatividade
humana e a economia da informação em si o cerne da estruturação da nova economia da informação em rede.”
34
Novos softwares e tecnologias começaram a se desenvolver dentro do mundo virtual
da internet. O surgimento de mentes brilhantes no mundo da programação levou ao
desenvolvimento de inúmeros programas e novas formas de comunicação e transferência de
informações. A criação do protocolo IRC (Internet Relay Chat), surgido em 1993, possibilitou
a troca de informação com rapidez entre milhares de usuários da internet, por permitir a
interação de diversas pessoas ao redor do mundo através de salas de chat, onde além do
compartilhamento de mensagens, arquivos também eram transferidos entre os usuários pela
rede.
Outro software surgido dentro deste ambiente virtual, que além de causar polêmica
gerou uma mudança nos moldes de como a indústria fonográfica atuava no mercado de
música mundialmente, foi o Napster. Ao criar um ambiente onde os usuários podiam
transferir arquivos de música no formato MP3 entre outros usuários de forma descentralizada
através de conexões peer-to-peer (P2P), Shawn Fanning e Sean Parker criaram um modelo
onde as pessoas podiam facilmente compartilhar qualquer música de qualquer artista através
da internet. A não mais necessidade de comprar CDs e a falta de legislação em relação a este
novo formato de compartilhamento levou a uma das primeiras batalhas judiciais entre
empresas fonográficas e sites de compartilhamento de arquivos. A revolução digital que a
criação deste software gerou, mudou a forma como vários segmentos industriais estavam
estabelecidos, levando da obsolescência dos CDs ao surgimento de aparelhos portáteis que
tocam músicas de MP3. As empresas tiveram que se reestruturar dentro da nova lógica de
mercado, devido ao surgimento de inovações digitais. Como destacado por Lessig (2004, p.
9), “tecnologias digitais atreladas à Internet, podem produzir um mercado enormemente mais
competitivo e vibrante para criar-se e distribuir-se cultura”.
A concepção de softwares livres e de código aberto foi um dos movimentos surgidos
devido ao avanço mercadológico sobre o mundo virtual da computação e internet. A maioria
das empresas ao desenvolverem seus programas cobravam pela utilização do software através
de subscrições temporárias ou licenças de uso. Os softwares livres por outro lado eram
oferecidos sem restrições referentes aos direitos autorais de distribuição e a forma como o
usuário poderia utilizar e alterar o programa. Richard Stallman, ativista hacker graduado nas
universidades de Harvard e MIT, foi um dos percussores do movimento. A crítica de Stallman
residia no fato de que as restrições de uso de softwares levam a um atraso tecnológico, uma
vez que as pessoas não poderiam cooperar mutuamente no aprimoramento dos programas.
Foi dentro deste movimento de defesa do uso de softwares livres que muitos
programas surgiram com este propósito. Um deles em destaque é o sistema operacional
35
Linux, desenvolvido por Linus Torvald, e que é distribuído pela licença GPL (General Public
License) criada por Richard Stallman e que serve para identificar softwares livres que podem
ser modificados, utilizados e distribuídos por qualquer pessoa. O sistema Linux evoluiu para
inúmeros setores tecnológicos devido ao seu baixo ou nulo custo de uso e a possibilidade de
modificação. No Brasil, o Linux nos últimos anos tem recebido grandes atenções, até mesmo
do governo federal que vê os programas de código aberto como uma alternativa de baixo
custo para a ampliação da informática para as pessoas de baixa renda. Lojas de
eletrodomésticos vendem computadores com o sistema Linux instalado, proporcionando um
equipamento com um custo reduzido devido a não necessidade de pagamento das licenças de
uso de outros sistemas operacionais como o Windows da Microsoft. Empresas como a Space
Exploration Technologies Corporation ou simplesmente SpaceX, criada pelo fundador do
PayPal Elon Musk, utiliza no sistema computacional de suas espaçonaves uma versão do
Linux.
O ambiente virtual da internet seja através de fóruns, salas de chat ou no
desenvolvimento de softwares livres, permitiu o desenvolvimento do conhecimento em um
ambiente diferente do convencional, normalmente com os usuários operando no anonimato,
usando pseudônimos e nicknames para se comunicar, mas que acabam por contribuir de
maneira conjunta.
4.1.4 Conexão P2P
Uma das mudanças mais notáveis nos sistemas de conexões que merece destaque foi a
criação do protocolo peer-to-peer (igual-para-igual), informalmente nomeado como P2P. A
maioria das conexões para trocas de informações realizadas na internet necessitam de um
servidor central para controlar a distribuição dos dados, ou seja, todos os dados precisam ir até
um computador central, denominado de servidor, o qual retransmite esses dados para outros
computadores na rede. A verdadeira mudança que o sistema P2P implementou foi a
descentralização da função de servidor, fazendo com que todos os usuários da rede
conectados à conexão P2P funcionassem realizando ao mesmo tempo a função de usuário e de
servidor. Dessa forma, a descentralização permitiu a troca de informações entre usuários de
uma forma menos custosa, uma vez que a capacidade computacional do servidor agora era
distribuída entre em todos os integrantes da rede. O risco de falha ou problemas com o
servidor também foi reduzido, uma vez que a responsabilidade de transmissão de dados agora
era pulverizada entre os demais usuários, como ilustrado pela figura 4.1 logo abaixo:
36
FIGURA 4.1: Exemplo de uma conexão peer-to-peer e uma conexão centralizada
FONTE: Adaptado pelo autor a partir de: <http://en.wikipedia.org/wiki/File:P2P-network.svg>. Acesso em: 20
mar. 2013.
Segundo Engle e Khan (2006) o sistema P2P foi originalmente criado com a intenção
de se estabelecer uma conexão que não fosse possível de ser derrubada facilmente devido às
falhas em um servidor central. A ideia era desenvolver uma conexão de larga escala que
funcionasse indefinidamente, sendo alimentada por milhares de usuários na rede. A não
necessidade de um administrador central possibilita que a rede P2P possa ser facilmente
configurada e se mantenha funcionando com eficiência, pois trabalha dentro de uma
arquitetura de auto-organização das funções de compartilhamento.
Muitos foram os usos adotados através de redes P2P. Após a queda do Napster em
2001, muitos outros sistemas de compartilhamento de arquivos surgiram utilizando o mesmo
formato de conexão. O protocolo BitTorrent desenvolvido em 2001, por exemplo, já em 2009
era responsável por aproximadamente 45% de todo o tráfego da web (SCHULZE;
MOCHALSKI, 2013), funcionando como um código que possibilita o compartilhamento de
arquivos de música, vídeos e documentos. Por mais que o BitTorrent levante polêmicas
mundialmente em relação a infrações de direitos autorais devido ao conteúdo compartilhado,
não se pode invalidar os avanços em relação à rapidez na troca de informações e facilidade de
compartilhamento que o protocolo possibilitou.
Foi através do sistema BitTorrent que outros sites de compartilhamentos surgiram, o
The Pirate Bay é um dos mais importantes do meio. Cerca de 1,5% das pessoas que acessam a
internet diariamente no mundo acessam o The Pirate Bay em busca de arquivos para
37
download17. O interessante é que os arquivos não são baixados de um local centralizado, as
pessoas baixam apenas um pequeno arquivo no The Pirate Bay que possibilita o download do
arquivo desejado através da rede descentralizada P2P. Desse modo, o verdadeiro
compartilhamento acontece de forma descentralizada, baixando-se vários pedaços do arquivo
desejado, juntando-os posteriormente, de usuários diferentes ao redor do mundo através de
programas criados pelo protocolo BitTorrent.
A função do The Pirate Bay gerou inúmeras discussões pelo mundo, devido aos
arquivos disponibilizados infringirem leis de diretos autorais, fato que culminou com
processos judiciais em 2009 e a mandatos de prisões contra os seus criadores. Mas é
importante analisar que o nascimento dos sistemas de compartilhamento surge dentro do
ambiente virtual da internet principalmente através da colaboração entre usuários. O avanço
tecnológico neste meio não emerge de dentro de uma lógica mercadológica, mas sim através
da iniciativa de desenvolvedores em criar algo interessante e útil para si e para seus pares. No
documentário TPB AFK, o qual conta a história e percalços dos criadores do The Pirate Bay,
mostra que a essência para o desenvolvimento de seu sistema eletrônico e website não residiu
no lucro que poderia ser gerado, mas sim na gratificação e diversão que gerenciar um serviço
utilizado por milhões de pessoas diariamente simboliza (TPB, 2013).
4.1.5 Cypherpunks
As ideias referente à criação de uma moeda verdadeiramente digital em todos os
aspectos do termo, teve sua origem não no meio acadêmico ou governamental, mas através de
grupos de ativistas Cypherpunks no início da década de 1980. Os Cypherpunks eram um
grupo de pessoas que viam a criptografia de informações como uma forma de proteger a
privacidade dos indivíduos na internet. Eles se comunicavam através de uma lista de emails
onde várias pessoas ao redor do mundo colaboravam com ideias e discussões que iam de
temas relacionados com engenharia, ciências da computação, criptografia, além de filosofia e
política.
A criptografia é uma forma de codificar uma mensagem para que ela não possa ser lida
facilmente, alterando o seu conteúdo para um valor encriptado, fornecendo assim uma maior
privacidade e segurança nas trocas de informações. O avanço da matemática na criptografia
17
Dados fornecidos pelo website Alexa. Disponível em: <http://www.alexa.com/siteinfo/thepiratebay.se>.
Acesso em: 20 mar. 2013.
38
conseguiu desenvolver modelos mais complexos de encriptação, que hoje em dia são
amplamente utilizados em sistemas bancários e financeiros. No dia-a-dia, as pessoas utilizam
a criptografia, mesmo sem saberem, em cartões de crédito e em operações em caixas
eletrônicos.
O movimento cypherpunk surge em conjunto com a ascensão da internet, como uma
forma de estimular movimentos sociais e políticos através de uma ótica civil libertária. O
“The Crypto Anarchist Manifesto” escrito em por Timothy May em 1988, fazendo direta
referência ao “O Manifesto Comunista” de Karl Marx, tanto no título quanto em sua primeira
frase: “A specter is haunting the modern world, the specter of crypto anarchy.”18, retrata de
forma hiperbólica o ambiente em que se encontravam as ideologias do movimento em fins da
década de 1980. Timothy May acreditava que a criptografia iria permitir mudanças radicais
no comportamento da sociedade, alterando as relações econômicas, mudando as
regulamentações e restringindo a habilidade de cobrar impostos por parte dos governos.
Os cypherpunks conseguiram transformar a criptografia em algo que poderia ser
utilizado por qualquer pessoa, tirando do governo qualquer chance de monopólio deste
conhecimento. Alguns softwares que possibilitavam a criptografia foram desenvolvidos de
acordo com o princípio dos softwares livres, divulgando toda a mecânica por trás do sistema e
possibilitando a sua modificação. Philip Zimmermann, criador do programa PGP (Pretty
Good Privacy), afirma que o direito de privacidade é uma lei inerente aos direitos da
constituição de um país verdadeiramente democrático, logo a comunicação de forma privada,
seja qual for o motivo, precisa ser respeitada.
Há duzentos anos, a conversa entre as pessoas eram inerentemente privadas, não
existia tecnologia que conseguisse captar áudio. A única preocupação era saber se tinha
alguém do outro lado da parede tentando escutar alguma coisa. Desse modo, a conversa entre
as pessoas era algo fisicamente privado. Porém, com a ascensão da tecnologia, as pessoas
começaram a utilizar outros métodos para se comunicarem, seja pelo telefone ou mensagens
eletrônicas. Os meios de comunicação ao se tornarem mais complexos, abriram brechas para a
interceptação dos dados transmitidos.
Zimmermann faz a analogia da transferência de informações a envelopes e postais;
com o envelope, a sua carta é enviada sem que ninguém possa lê-la, a menos que rompa o
lacre. Já o cartão postal vai aberto e qualquer um pode ler o seu conteúdo. Dessa forma, o
18
Tradução nossa: “Um espectro está assombrando o mundo moderno, o espectro do criptoanarquismo.”. Esta
frase foi utilizada em analogia a seguinte frase escrita por Karl Marx: “Um espectro ronda a Europa, o espectro
do comunismo.”.
39
envio de mensagens via meio eletrônico sem o uso de criptografia para proteger o conteúdo
estariam na verdade sendo enviadas como se fossem postais, ou seja, abertas para que outros
possam ler.
A criptografia além de promover a transferência de mensagens, também proporcionou
o aprimoramento de outras funções econômicas e sociais. Foi através do ambiente livre de
discussão, proporcionado pelo ambiente virtual da internet, que a teoria de uma moeda digital
criptográfica surgiu. A primeira referência se deu através do modelo de moeda desenvolvido
por Wei Dai, um cypherpunk que criou o sistema monetário teórico chamado de b-money.
O b-money era um sistema de funcionamento de uma moeda digital, que seria
transacionada pela rede seguindo critérios de criptografia. Porém, alguns problemas
operacionais não haviam sido completamente resolvidos por Wei Dai. A forma como as
moedas seriam gerenciadas ainda era algo muito arriscado, uma vez que o controle de todas as
moedas b-money ficaria sob a custódia de alguns poucos servidores na rede. Dessa forma, o
controle sobre o aumento da oferta de moeda seria algo difícil de controlar, podendo levar a
distorções na oferta monetária se algum servidor fosse invadido ou corrompido. Porém, esta
moeda funcionaria como base teórica para o desenvolvimento da Bitcoin anos depois, a qual
conseguiu contornar estes problemas (DAI, 2013).
4.2 Bitcoin
4.2.1 Nascimento e proposta
A Bitcoin surgiu dentro do ambiente virtual da internet, o seu criador é desconhecido.
O que existe é apenas o nickname de Satoshi Nakamoto, o pseudônimo de um usuário ou
grupo anônimo que publicou o programa de código aberto responsável pela formulação das
Bitcoins no início de 2009. Apesar do nome em japonês, muitos acreditam que Nakamoto
fosse de origem britânica devido ao seu alto nível em inglês e as palavras utilizadas; outros já
dizem que ele na verdade é um grupo de pessoas de várias nacionalidades e que juntas
desenvolveram esta moeda virtual, porém a verdadeira identidade do criador da Bitcoin ainda
continua um mistério. Por ser um programa de código aberto, a partir do momento de sua
publicação em janeiro de 2009, todo o código de funcionamento da Bitcoin foi divulgado
publicamente na internet a todos que quisessem participar em seu desenvolvimento, tornando
de fato a evolução da Bitcoin em um processo conjunto entre várias pessoas.
40
A Bitcoin funciona como uma moeda digital que é transacionada através de conexões
P2P sem a necessidade de uma instituição financeira intermediadora. O objetivo da moeda era
criar um ambiente onde transferências eletrônicas pudessem ocorrer de forma não-reversível,
ao contrário do sistema bancário convencional onde as transferências ocorrem através da
confiança entre ambas as partes. Por mais que uma negociação via internet com a
intermediação de instituições financeiras funcione bem, uma transação totalmente nãoreversível não é possível, uma vez que sempre poderá haver disputas legais para reverter
determinado pagamento. Em um ambiente onde existe a reversão de pagamentos, o custo de
uma transação aumenta, uma vez que sempre existirá o risco de uma negociação não dar
certo. Como as transações são realizadas por um terceiro, no caso a instituição financeira, o
comerciante precisa de todas as informações possíveis que ele conseguir do cliente e do banco
intermediador para assegurar que a negociação irá ocorrer, ou seja, tentar diminuir ao máximo
o erro devido a informações assimétricas. Isto seria facilmente resolvido com o uso de moedas
físicas na transação, onde o comerciante e o cliente iriam transacionar diretamente um com o
outro. Porém, no ambiente virtual da internet, até o surgimento da Bitcoin, não existia
nenhum sistema de transação que funcionasse adequadamente sem a intermediação de uma
instituição financeira confiável. A necessidade de confiar em um terceiro para a realização de
uma transação financeira foi um dos principais motivos para a criação da Bitcoin, que através
de elementos matemáticos e computadorizados torna as transações independentes do sistema
bancário convencional (NAKAMOTO, 2009).
A Bitcoin utiliza da criptografia para possibilitar uma transação entre dois indivíduos
sem a necessidade de um intermediador. Isto acontece através de uma rede P2P que marca
todas as transações de forma cronológica e as distribui para todos os nodes19 (usuários) da
rede. Em um sistema tradicional de transação, ou seja, centralizado, todas as transações
eletrônicas passam por um sistema bancário e financeiro que verifica se aquele valor está apto
a ser gasto ou se pode ser transferido para outro indivíduo. A forma encontrada para superar
este problema, sem utilizar de uma instituição central que verificasse todas as transações, foi a
distribuição de todo o histórico das transações já realizadas pelas Bitcoins para todos os nodes
na rede. Como destacado por Nakamoto (2009):
To accomplish this without a trusted party, transactions must be publicly
announced, and we need a system for participants to agree on a single
19
O termo node é utilizado em referência aos integrantes do sistema quando estes estão realizando ao mesmo
tempo a atividade de usuário e servidor.
41
history of the order in which they were received. The payee needs proof
that at the time of each transaction, the majority of nodes agreed it was the
first received (NAKAMOTO, 2009).20
Assim, quando ocorre uma transferência de Bitcoins entre uma pessoa e outra, o
sistema eletrônico acrescenta esta transferência em formato de hash21 (sequência de bits) no
histórico de todas as transações já realizadas pelas moedas. O detentor da Bitcoin assina o
histórico de hash com sua própria assinatura digital e a public key22 (número da conta) do
próximo detentor. Isto acaba por criar uma corrente gigante, com cada transação sendo
incorporada uma a outra criando um histórico de todas as transações já realizadas pelas
Bitcoins. Dessa forma, cada vez que uma transferência ocorre, ela entra na rede e é verificada
pelos demais nodes, os quais analisam no histórico se aquela de fato pode ser reconhecida
como uma transação legítima, se sim, eles a incorporam na corrente de hash efetivando a
transação, caso o contrário a transação é identificada como inválida e não ocorre.
Como mecanismo de segurança, todas as transações realizadas são armazenadas em
vários “blocos” dentro da corrente, que são criados a cada dez minutos. Cada bloco precisa ser
criptografado com um quebra-cabeça, utilizando o sistema de Hashcash desenvolvido por
Adam Back. O Hashcash é um mecanismo que força os computadores a terem que dispensar
tempo e energia realizando um quebra-cabeça. O quebra-cabeça consiste em encontrar uma
sequência
de
números
aleatórios
onde
os
primeiros
dígitos
sejam
zeros
(ex:
0000000000123456789), para isso é necessário que os computadores realizem várias
tentativas e erros através de força bruta23 até descobrirem o resultado. Quando o resultado é
obtido, o bloco é fechado e não pode ser modificado a menos que o quebra-cabeça seja feito
novamente. Porém, o bloco é anexado à grande corrente de transações. Dessa forma para
modificar as informações contidas no bloco seria necessário realizar o quebra-cabeça de todos
os blocos precedentes da corrente. Isso funciona criando uma proteção contra ataques de
20
Tradução nossa: “Para alcançar isso sem precisar de um terceiro confiável, as transações precisam ser
publicamente anunciadas, e nós precisamos de um sistema onde os participantes concordem em um único
histórico da ordem em que elas foram recebidas. O beneficiário precisa de uma prova que no momento de cada
transação, a maioria dos nodes concordou que esta foi primeiramente recebida.”
21
O hash pode ser definido como a transformação de uma grande quantidade de informações em uma pequena
quantidade de informações que são exibidas em uma sequência de bits hexadecimais.
22
A public key pertence a um conceito utilizado na criptografia onde duas chaves, uma pública e uma privada,
são matematicamente ligadas uma a outra. Este sistema permite a encriptação e posterior decriptação de uma
informação. A public key é divulgada publicamente e pode ser interpretada no sistema da Bitcoin como o
número da conta de um usuário.
23
Força bruta é a busca exaustiva de uma solução que satisfaça determinado problema, utilizando a energia de
processamento dos computadores.
42
indivíduos maliciosos, pois força que seja necessário dispensar energia em processamento de
CPU24 superior a todos os blocos já criados para poder modificá-los.
A resolução do quebra-cabeça dos blocos também é o critério primordial para a
criação das Bitcoins e o aumento da oferta monetária. Cada computador que acha a solução
para o bloco é recompensado com Bitcoins, essa é a forma utilizada para a criação das
moedas, uma vez que não existe uma autoridade central emissora. A dificuldade do quebracabeça não é relacionada à quantidade de transações que cada bloco contém, mas sim em
relação à quantidade de blocos que estão sendo criados por hora. Dessa forma, a dificuldade
em criar moedas está relacionada a uma média-móvel que aumenta ou diminui a dificuldade
do quebra-cabeça mantendo assim a quantidade de Bitcoins emitidas a uma taxa controlada
positiva e decrescente. “The steady addition of a constant of amount of new coins is
analogous to gold miners expending resources to add gold to circulation. In our case, it is
CPU time and electricity that is expended.”25 (NAKAMOTO, 2009, p. 4). A Bitcoin tenta
mimetizar a extração de ouro, onde o esforço para “desenterrar” as moedas é resultado do
gasto de energia dos computadores. Com o passar dos anos a oferta monetária das Bitcoins é
programada para diminuir sua taxa de crescimento aos poucos, representando a escassez e
dificuldade de encontrar o metal precioso, atingindo no ano de 2140 um total de 21 milhões26
de Bitcoins emitidas, como pode ser visualizado no gráfico 4.1:
24
CPU (Central Processing Unit), unidade central de processamento.
25
Tradução nossa: “A adição constante de uma quantidade constante de moedas novas é análoga aos
mineradores de ouro gastando recursos para colocar ouro em circulação. No nosso caso, é o tempo de CPU e
eletricidade que é gasto.”
26
O valor total de 21 milhões de Bitcoins é uma mera convenção do seu criador, pois cada unidade de Bitcoin
pode ser dividida em até cem mil partes, fazendo com que a Bitcoin possua até oito casas decimais.
43
GRÁFICO 4.1: Total de Bitcoins emitidas no decorrer dos anos
FONTE: Adaptado pelo autor a partir do gráfico criado pelo usuário Theymos em:
<https://en.bitcoin.it/wiki/File:Total_bitcoins_over_time_graph.png>. Acesso em: 10 abr. 2013.
Quando uma transação ocorre através de bancos e instituições financeiras, a
privacidade é mantida limitando o acesso das informações entre as partes envolvidas na
negociação. A Bitcoin, ao mesmo tempo em que transmite o histórico de todas as transações
realizadas para a rede, utiliza de chaves criptográficas assimétricas para atingir um nível de
privacidade elevado. “The public can see that someone is sending an amount to someone else,
but without information linking the transaction to anyone.”27 (NAKAMOTO, 2009, p. 6).
Algo similar ao sistema das bolsas de valores, onde a quantidade e hora da transação são
divulgadas publicamente, porém a identidade dos negociadores não é revelada.
Para o sistema das Bitcoins funcionar de forma plena, é necessário que a grande
corrente de transações seja controlada majoritariamente por nodes honestos, ou seja, nodes
que contribuam na resolução dos quebra-cabeças de forma correta possibilitando a
encriptação das transações e a criação das Bitcoins. O caso extremo ocorreria se usuários
maliciosos conseguissem desenvolver uma corrente de transações alternativa maior que a
corrente desenvolvida por usuários honestos, colocando em risco uma mudança nas
27
Tradução nossa: “O público pode ver que alguém está enviando determinada quantidade para outra pessoa,
mas sem informações ligando a transação a alguém.”
44
informações contidas nos blocos de transações. Porém, a chance disso acontecer é pequena,
uma vez que a probabilidade incorre em um fenômeno de random walk28, com a corrente
honesta aumentando na mesma velocidade da corrente alternativa maliciosa. Mesmo se a
corrente de transações honesta fosse substituída por uma corrente alternativa criada por
usuários desonestos, isto não causaria grandes problemas, pois a grande totalidade dos nodes
nunca aceitaria um novo bloco que contenha transações inválidas. O máximo que um ataque
desse tipo poderia fazer seria possibilitar que o usuário desonesto pegasse de volta os
pagamentos que ele mesmo tenha realizado em um período recente, porém ele ganharia muito
mais se jogasse conforme as regras. Pois, tendo em vista que ao conseguir uma força de CPU
superior a todos os nodes da rede, o usuário desonesto conseguiria criar mais Bitcoins sozinho
do que todos os outros usuários da rede juntos, ganhando muito mais do que se tentasse alterar
valores de suas próprias transações passadas, mantendo de qualquer forma o sistema
funcionando intacto.
O sistema eletrônico desenvolvido por Satoshi Nakamoto conseguiu criar um ambiente
onde pagamentos podem ser transacionados sem precisar utilizar da confiança em uma
instituição financeira. O primeiro passo foi desenvolver um sistema onde a propriedade das
moedas é assinada digitalmente com criptografia e é transferida para o outro usuário. Como
forma de evitar gastos duplos ou ataques ao sistema, foi criado um mecanismo que força os
computadores a dispensar energia e tempo na resolução de quebra-cabeças, gerando uma
corrente composta por blocos protegidos com o histórico das transações de todas as Bitcoins
já criadas. As informações transacionadas não precisam de identidades, tornando as
transações anônimas. Todos os nodes funcionam de maneira simples e de fácil coordenação,
podem sair da rede e voltar sem afetar o sistema. Ao mesmo tempo em que permite transações
diretas entre indivíduos, a Bitcoin é a ideia viva que muitos economistas e pensadores do
século XX tentaram desenvolver, uma moeda verdadeiramente descentralizada de qualquer
origem estatal.
A verdadeira inovação da Bitcoin é que a tecnologia precisou evoluir ao ponto de
tomar todo o controle para si sobre a decisão humana, para ser alcançado um sistema de uma
28
Random Walk é uma formalização matemática de um caminho que consiste numa sucessão de passos
aleatórios. No caso em análise, a corrida entre a corrente honesta e uma corrente maliciosa pode ser caracterizada
como um binômio Random Walk. O evento de sucesso é a corrente honesta sendo estendida por mais um bloco,
aumentando a sua distancia em +1, e o evento de fracasso é cadeia maliciosa sendo estendida por mais um bloco,
reduzindo a distancia por -1. A probabilidade cai exponencialmente à medida que o número de blocos que o
usuário malicioso precisa alcançar aumenta. Com as probabilidades contra ele, se ele não conseguir uma
sucessão de acertos logo de início, as chances tornam-se cada vez menores, à medida que a corrente honesta
avança e a corrente maliciosa volta para trás.
45
moeda que funcionasse de maneira imparcial. Apesar de criada por humanos, a Bitcoin
funciona em sua essência dentro da máquina. O fato de a Bitcoin ter seus processos
programados, funcionando de forma automática, distribuída e longe de universos políticos,
faz com que ela seja imune a conflitos de interesses e decisões planejadas. Porém isto incorre
na metáfora social de que a sociedade está cada vez mais orientada pelos dizeres da
tecnologia, “machines as humans and humans as machines”29 (POSTMAN, 1993, p. 117).
4.2.2 Reações e inserção
Apesar de fornecer aparatos inovadores, com o anonimato e transações diretas entre
agentes via internet, a Bitcoin tem até o presente momento atraído a atenção das pessoas
muito mais como uma forma de investimento do que de fato para suprir necessidades de
transações. Ao invés de ser usada como moeda, a Bitcoin tem sido alvo de especulações
levando a altas valorizações em seu preço. Assim como outras moedas, a Bitcoin é negociada
em mercados alternativos de FOREX30, onde investidores negociam Bitcoin contra dólares
americanos ou outras moedas nacionais como o Euro ou o Iene. O maior mercado de Bitcoins
até o momento é a MtGox (pronúncia: Mount Gox), similar a uma bolsa de valores onde
indivíduos podem negociar a moeda virtual contra moedas nacionais. Desse modo, além do
método de adquirir Bitcoins através da mineração digital, qualquer indivíduo pode realizar a
conversão de determinadas moedas nacionais por Bitcoins. Além da MtGox outros serviços
de terceiros realizam a conversão das moedas nacionais pelas virtuais, funcionando como
verdadeiras casas de câmbio do mundo virtual. Basta o pagamento de um boleto bancário do
Brasil pelo Bitinstant, por exemplo, para que seja realizada a compra da moeda virtual.
A Bitcoin entra no mercado pela posse do indivíduo que a minerou, o qual tem a
necessidade de vendê-la para suprir seus custos de mineração ou auferir lucros. Ele pode
desse modo vender suas moedas virtuais diretamente para outro indivíduo ou utilizar do
serviço de terceiros, como a MtGox, para converter as suas Bitcoins em outras moedas
nacionais. A liquidez do mercado de Bitcoin está crescendo gradativamente, segundo dados
do Bitcoinity operações envolvendo valores próximos a um milhão de dólares podem ser
efetuadas instantaneamente pela MtGox sem ocasionar fortes alterações no preço das Bitcoins
29
30
Tradução nossa: “máquinas como humanos e humanos como máquinas”.
FOREX (abreviatura para foreign exchange) é um mercado financeiro descentralizado destinado a operações
de câmbio, envolvendo a troca de moedas nacionais de diferentes países entre pessoas, governos, bancos e
instituições financeiras.
46
cotadas em dólar. Apesar de pequena em comparação com moedas nacionais, a liquidez do
mercado de Bitcoin já se mostra alta o suficiente para suprir a maioria das conversões do
cotidiano dos indivíduos, fazendo com que a conversão entre a Bitcoin e moedas nacionais
seja algo simples e rápido, dependendo do país em o indivíduo estiver localizado.
O sistema da Bitcoin pode parecer similar a outros serviços de transferências
financeiras online existentes, como o PayPal ou o Amazon Payments, porém a mecânica por
trás de seu funcionamento é totalmente diferente devido a sua natureza descentralizante. O
PayPal, por exemplo, não é uma moeda autônoma, o serviço prestado por eles fornece uma
forma rápida de efetuar compras ou receber pagamentos pela internet em determinadas
moedas nacionais de fato, mas todo o seu sistema é desenvolvido para funcionar como um
acquiring bank. Eles realizam o processamento de pagamentos entre vendedores e
compradores, o que de fato se mostrou um avanço em relação às transações via internet por
oferecer um método mais rápido e prático que a utilização de cheques e boletos bancários.
Porém, o sistema de transações é realizado de forma centralizada, ou seja, o PayPal é o
responsável pela intermediação e execução dos pagamentos entre os negociadores. Assim
toda a mecânica de funcionamento do sistema recai na necessidade de confiança de que o
PayPal irá realizar a transação e não incorrerá em problemas de solvência que podem
inviabilizar o negócio. A Bitcoin, ao contrário, atua de forma descentralizada, com usuários
distribuídos ao redor do mundo contribuindo para a execução das transações, tudo isso
funcionando através de mecanismo computacionais e criptografia, evitando assim a
necessidade de depender da confiança em um único terceiro para a realização da transação.
Mas por se tratar de uma moeda virtual e não somente um serviço de intermediação, outros
fatores as afetam levando a períodos de alta volatilidade em seu valor.
O preço desde que a primeira Bitcoin foi criada em janeiro de 2009 sofreu grandes
volatilidades, variando de poucos centavos de dólar para mais de trinta dólares, em seguida
sofrendo um período de crise que levou a moeda novamente a patamares abaixo dos três
dólares e em poucos meses, no início de 2013, para acima dos duzentos e cinqüenta dólares. A
volatilidade tem sido tão alta que variações expressivas no preço em períodos passados se
tornam pequenas quando comparadas com a volatilidade de meses posteriores, como pode ser
visto na comparação entre os gráficos 4.2 e 4.3 logo abaixo:
47
GRÁFICO 4.2: Cotação da Bitcoin em Dólares Americanos negociados na MtGox entre dezembro
de 2010 e abril de 2012.
USD/Bitcoin: Dezembro 2010 - Abril 2012.
35
Preço em Dólares Americanos
30
25
20
15
USD/Bitcoin
10
5
4/6/2012
14/5/2012
2/4/2012
23/4/2012
12/3/2012
20/2/2012
9/1/2012
30/1/2012
19/12/2011
7/11/2011
28/11/2011
17/10/2011
5/9/2011
26/9/2011
15/8/2011
4/7/2011
25/7/2011
13/6/2011
2/5/2011
23/5/2011
11/4/2011
21/3/2011
7/2/2011
28/2/2011
17/1/2011
6/12/2010
27/12/2010
15/11/2010
4/10/2010
25/10/2010
13/9/2010
2/8/2010
23/8/2010
12/7/2010
0
FONTE: Gráfico fornecido por Bitcoin Charts
<http://bitcoincharts.com/charts/mtgoxUSD#igWeeklyzczsg2009-01-01zeg2012-06-04ztgSzm1g10zm2g25>. Acesso
em: 14 maio 2013.
GRÁFICO 4.3: Cotação da Bitcoin em Dólares Americanos negociados na MtGox entre dezembro
de 2010 e maio de 2013.
USD/Bitcoin: Dezembro 2010 - Maio 2013
300
Preço em Dólares Americanos
250
200
150
USD/Bitcoin
100
50
13/5/2013
15/4/2013
18/3/2013
18/2/2013
21/1/2013
24/12/2012
26/11/2012
29/10/2012
3/9/2012
1/10/2012
6/8/2012
9/7/2012
11/6/2012
14/5/2012
16/4/2012
19/3/2012
20/2/2012
23/1/2012
26/12/2011
28/11/2011
31/10/2011
5/9/2011
3/10/2011
8/8/2011
11/7/2011
13/6/2011
16/5/2011
18/4/2011
21/3/2011
21/2/2011
24/1/2011
27/12/2010
29/11/2010
1/11/2010
4/10/2010
6/9/2010
9/8/2010
12/7/2010
0
FONTE: Gráfico fornecido por Bitcoin Charts
<http://bitcoincharts.com/charts/mtgoxUSD#igWeeklyztgSzm1g10zm2g25>. Acesso em: 14 maio 2013.
Para os entusiastas da Bitcoin, a especulação não é um problema, sendo apenas uma
reação devido ao crescimento no número de utilizadores da moeda. Porém, como a sua oferta
monetária é limitada, a moeda possui uma tendência endógena à deflação, levando
inevitavelmente a uma valorização gradativa da moeda. Se guardar a moeda pode gerar um
48
poder de compra maior no futuro, isto induz os indivíduos a postergarem o consumo, podendo
levar a economia a entrar em uma espiral deflacionária, que pode ser uma armadilha fatal,
paralisando gradativamente as atividades econômicas e impedindo o crescimento. A questão
da deflação é uma das críticas em relação ao desenvolvimento das Bitcoins no longo prazo.
Mesmo assim, a Bitcoin permite o fracionamento de suas unidades monetárias em até oito
casas decimais, transformando as 21 milhões de moedas emitidas em 2,1 x 1015 unidades
monetárias, fazendo com que a deflação não necessariamente represente um problema de
liquidez para as transações por algum tempo.
Alguns enxergam a Bitcoin como uma nova forma de negociação que veio para ficar,
uma solução inesperada para as virtudes econômicas, uma engenhosidade mirabolante e
improvável que surgiu para mudar os paradigmas financeiros. Rick Falkvinge, fundador do
Partido Pirata Sueco, divulgou alguns meses atrás que converteria todas as suas economias
para Bitcoins, por acreditar tão fielmente no potencial que uma cryptocurrency pode oferecer
(SUROWIECKI, 2013). Falkvinge acredita que nos próximos anos as moedas virtuais irão se
popularizar entre a população em geral, forçando que os governos tenham que mudar a forma
como recolhem impostos. Se as transações não puderem ser identificadas, os impostos
incidentes sobre salários e pagamentos não poderão ser implementados (FALKVINGE,
2013).
Em 2011, Paul Krugman postou um artigo no The New York Times fazendo uma
crítica em relação às Bitcoins. Krugman afirma que na verdade a Bitcoin não oferece nada de
novo, uma vez que na essência métodos de transações eletrônicas alternativos já existem, “My
first reaction to Bitcoin was to say, what’s new? We have lots of ways of making payments
electronically; in fact, a lot of the conventional monetary system is already virtual, relying on
digital accounting rather than green pieces of paper.”31 (KRUGMAN, 2013). O autor afirma
que a economia da Bitcoin tem sofrido fortes deflações, devido à grande valorização da
moeda virtual frente ao dólar. Se realizada a comparação dos preços de produtos, em função
de Bitcoins, houve uma queda brusca nos preços, devido ao efeito deflacionário. Krugman
aponta novamente que até o presente momento as Bitcoins têm sido adquiridas com a
intenção de servirem como investimento, a princípio rentável, mas especulativo. Um sistema
monetário tem que possibilitar que a moeda funcione para ser moeda, referenciando suas
características básicas. Krugman aponta que a Bitcoin tem na verdade enriquecido quem as
31
Tradução nossa: “Minha primeira reação a Bitcoin foi dizer, o que há de novo? Temos muitas maneiras de
fazer pagamentos eletronicamente; na verdade, uma grande parte do sistema monetário convencional já é virtual,
contando com contabilidade digital em vez de pedaços de papel verde.”
49
retém, funcionando como uma commodity ou ativo financeiro. Apesar de elucidar elementos
relevantes em relação à moeda virtual, Krugman (2013) não deixa de escapar seu lado
ideológico: “So to the extent that the experiment tells us anything about monetary regimes, it
reinforces the case against anything like a new gold standard – because it shows just how
vulnerable such a standard would be to money-hoarding, deflation, and depression.”32
A Bitcoin de fato tem se comportado como uma commodity, se assemelhando em
alguns pontos a transações em ouro. Como já destacado, a concepção inicial da Bitcoin era a
de imitar o ouro; e realmente o modo como as pessoas estão se relacionando com esta moeda
virtual se parece com o modo que se relacionam com o ouro. Porém, para se tornar de fato
moeda, a Bitcoin precisaria evoluir de uma commodity não-monetária, como referenciado pelo
teorema de regressão elaborado por Ludwig Von Mises. Mas a Bitcoin acaba por ser uma
junção das duas coisas, ao mesmo tempo se assemelha a uma commodity, mas também possui
função monetária. Segundo o jornalista Jason Mick, em um artigo publicado no site de
tecnologia Daily Tech, a Bitcoin acaba por funcionar como um ativo especulativo e ao mesmo
tempo como moeda: “For now Bitcoins satisfy the latter definition of currency, but not the
former. In that respect they can be thought of as a hybrid of a "stock" and a currency, which
should (in theory) evolve towards a pure currency in the long run.”33 (MICK, 2013). Ou seja,
o processo evolutivo da Bitcoin, segundo ele, ainda está ocorrendo, para quem sabe no futuro
atingir o patamar de uma moeda estável.
Apesar de deficiências e contradições no desempenho de suas funções como moeda, a
Bitcoin é vista como uma das mais bem desenvolvidas moedas virtuais das últimas décadas.
Principalmente quando analisado as questões operacionais por trás de seu funcionamento. No
presente momento, a Bitcoin ainda está evoluindo em relação a sua adoção pelo público em
geral. O volume de operações realizadas por Bitcoins, apesar de crescentes, ainda são baixas
em relação às principais moedas nacionais. Porém, seu valor de mercado está cotado a
aproximadamente 1,13 bilhões de dólares34, se aproximando ao PIB de pequenas nações.
32
Tradução nossa: “Então, na medida em que o experimento nos diz nada sobre regimes monetários, ele reforça
o caso contra qualquer coisa parecida com um novo padrão-ouro – porque mostra o quão vulnerável tal padrão
seria para o entesouramento de dinheiro, deflação e depressão.”
33
Tradução nossa: “Por ora as Bitcoins satisfazem a última definição de moeda, mas não a primeira. A este
respeito, elas podem ser consideradas como um híbrido de uma "ação" e de uma moeda, o que deve (em teoria)
evoluir para uma moeda pura no longo prazo.”
34
Valores fornecidos pelo website http://blockchain.info no dia 16 de junho de 2013.
50
A pessoa ou grupo de pessoas que criou a Bitcoin tiveram que manter o anonimato
para proteção de suas identidades. Ninguém no cenário global atual gostaria de ser o
responsável pela criação da primeira moeda virtual descentralizada que realmente funciona.
Um caso interessante de ser observado foi o desenrolar do e-gold, o qual era um sistema
eletrônico onde se transferia via internet a posse de ouro de uma pessoa para a outra. O e-gold
foi criado dentro dos Estados Unidos em 1996 por uma empresa privada de mesmo nome e
funcionava como uma espécie de banco, transferindo certificados de ouro entre indivíduos, o
que acabava por funcionar como uma moeda virtual. O e-gold se tornou o símbolo da
ascensão das moedas virtuais, pois conseguia executar transações de forma eficiente e ainda
ser uma empresa rentável. Segundo a tese de Brodbeck (2007), publicado na ESCP de Paris:
According to Douglas L. Jackson, founder and chairman of E-gold, the
company has about 1.2 million funded accounts through which transactions
worth US$1.5 billion were conducted in 2005 and that the fees he charges
to customers, for converting real money to E-gold, for administering
accounts and for doing transfers, generated about $2 million in revenue. Egold’s operations are said to be profitable, without mentioning further
details (BRODBECK, 2007, p. 18).35
O problema é que a citação acima já não pode mais ser vista como válida, uma vez que os
proprietários do e-gold foram condenados pelo governo norte-americano por empenhar
atividades relacionadas com lavagem de dinheiro. Em novembro de 2009, o sistema foi
suspenso e seus proprietários multados em 3,7 milhões de dólares. Uma empresa
tecnicamente eficiente e lucrativa passou a ser considerada alvo de lavagem de dinheiro e teve
que parar suas operações. O motivo para acusação foi o fato do e-gold possibilitar
transferências entre indivíduos de forma praticamente anônima, possibilitando que
organizações criminosas utilizassem do sistema para empreender seus negócios ilícitos
(ZETTER, 2013).
O controle sobre os meios econômicos e a arquitetura das leis do Estado não permite
que sistemas financeiros privados funcionem com sua total liberdade. A Visa e Master Card
se destacam no meio eletrônico financeiro por funcionarem como intermediadores de
transações realizadas em moedas nacionais, ou seja, facilitando as negociações em moedas
35
Tradução nossa: “De acordo com Douglas L. Jackson, fundador e presidente da e-gold, a empresa tem cerca de
1,2 milhões de contas por meio das quais transações valendo 1,5 bilhões de dólares foram realizadas em 2005 e
as taxas que ele cobra para os clientes, para a conversão de dinheiro real para e-gold, para a administração de
contas e para fazer transferências, gerou cerca de 2 milhões de dólares em receita. As operações de e-gold são
ditas rentáveis, sem mencionar mais detalhes.”
51
nacionais ao invés de substituí-las por outra coisa, como foi o caso do e-gold e agora da
Bitcoin. Desse modo, sistemas que implicam na mudança do modo como as pessoas irão
realizar transações financeiras, talvez mais eficientes que o disponibilizado pelo monopólio
estatal, de fato enfrentará restrições políticas para a sua utilização.
Muitos são os argumentos do Estado para denegrir a ideia de uma moeda virtual
descentralizada. Uma delas é o argumento de que um dinheiro sem vigilância, que incorre em
transações anônimas, será amplamente utilizado no comércio ilícito e criminoso. Venda de
drogas e armas pela internet poderão ocorrer sem que o Estado tenha controle sobre isto,
levando a uma maior violência à sociedade e ao enriquecimento de figuras criminosas.
Quando o Estado incorre neste argumento, a opinião pública acaba por considerá-la válida e
digna, pois ninguém deseja que o poder do crime e das guerras seja intensificado. Porém, vale
lembrar que o verdadeiro problema da venda de drogas e armas é a própria venda de drogas e
armas, ou seja, o meio de troca utilizado pouco importa na essência do crime. Se fossemos
considerar que a moeda é a causadora do comércio ilegal, qualquer moeda nacional estaria
fadada a este destino, uma vez que grande parte do comércio ilegal é realizada com as
próprias moedas nacionais (ASSANGE, 2012). O caso do e-gold mostra o quão delicado é a
questão da moeda virtual nos dias atuais. A partir do momento em que o e-gold se tornou um
problema aos olhos do governo, ele foi rapidamente eliminado e punido.
A Bitcoin de fato tem facilitado as transações eletrônicas em vários segmentos.
Teoricamente qualquer mercadoria ou serviço pode ser pago com Bitcoins, como se fosse
uma moeda convencional, sem a necessidade de intermediadores financeiros entre o
comprador e o vendedor. A maioria dos estabelecimentos comerciais pelo mundo já utilizam
de sistemas de pagamentos ligados a internet, através, por exemplo, do uso de cartões de
créditos. Assim, a utilização de Bitcoins para realizar compras de mercadorias em
estabelecimentos físicos é só uma questão de adoção, pois a tecnologia de pagamentos
eletrônicos que requer conexões externas já é utilizada nos principais centros urbanos pelo
mundo. O crescente uso de celulares smartphone permite que qualquer indivíduo possa
carregar suas Bitcoins dentro deles e facilmente as transferir para um vendedor, fazendo com
que a utilização de moedas virtuais na compra de produtos e serviços fora da internet seja algo
relativamente simples e viável.
Pelo fato de possibilitar taxas reduzidas em comparação com sistemas bancários, a
Bitcoin tem sido utilizada para a realização de transações internacionais. Uma transação de
um continente a outro leva no máximo 10 minutos para ser validada e concretizada sem risco
de reversão do pagamento. As taxas aplicadas são de poucos centavos e servem somente para
52
alimentar o sistema, sendo pagas aos usuários que estão fornecendo a energia de seus
computadores para criptografar os blocos de transações, nada além disso. Claro que este tipo
de transação em alguns países pode ser considerada uma forma de lavagem de dinheiro, uma
vez que ela é realizada fora do sistema financeiro oficial, não pagando impostos, taxas e
encargos estipulados na lei. Desse modo, alguns indivíduos utilizam da Bitcoin para realizar
atividades ilegais de qualquer maneira, sendo a venda de drogas recreativas uma delas
(CHRISTIN, 2012).
A junção da Bitcoin com o software TOR acaba por resultar no quase total anonimato
do usuário. O TOR é um programa que permite a comunicação anônima através da internet,
criptografando a visita a websites, mensagens, emails e outras formas de comunicação,
dificultando que informações sejam rastreadas ou interceptadas. O TOR, por exemplo, foi
utilizado amplamente durante a primavera árabe entre 2010 e 2012, onde grupos de ativistas
alvos de sanções do governo usaram do software para conseguir se comunicar pela internet
sem serem ameaçados. Quando um usuário faz uma transação de Bitcoin utilizando o TOR,
sua identidade, endereço de IP ou localização geográfica ficam anônimos, o que permite a
transferência das moedas virtuais de um indivíduo a outro sem o rastreamento de ninguém.
O avanço na liberdade de transações também traz o seu lado sombrio. Além do
anonimato, o software TOR permite o acesso à websites que não fazem parte da internet
normal36, são endereços que não aparecem nos motores de busca e somente podem ser
acessados se o usuário estiver utilizando o programa. Um desses websites, chamado de Silk
Road, permite que usuários transacionem bens ilegais, majoritariamente drogas recreativas,
utilizando Bitcoins, funcionando como um eBay37 do mercado negro.
Segundo estudos realizados por Christin (2012), o Silk Road representa entre 4,5% a
9% do total de todas as transações realizadas em Bitcoins no mundo, durante o período de seis
meses analisados em meados de 2012. A pesquisa de Christin mostrou que o volume mensal
das vendas atingia cerca de 1,22 milhões de dólares por mês, com a cotação da Bitcoin
variando entre 5 dólares a 9 dólares. Tendo em vista que para realizar vendas pelo site cada
vendedor paga uma taxa de aproximadamente 7,4% do valor de cada item vendido, segundo
os cálculos da pesquisa, os administradores do Silk Road ganhariam em média 92 mil dólares
36
A internet normal, também denominada de Surface Web, abrange todas as páginas da internet que são
indexadas pelo Google, Bing, Yahoo e demais motores de busca.
37
O eBay é um famoso website norte-americano onde os usuários podem comprar e vender produtos.
53
por mês em comissões, o que representaria uma rentabilidade de 1,1 milhões de dólares por
ano.
É um tanto estranho conceber este tipo de atividade comercial segundo os preceitos da
sociedade atual. Porém, o comércio ciberespacial utilizando da criptografia acaba na essência
por representar as características básicas de uma sociedade idealizada por anarcocapitalistas,
transcendendo as fronteiras nacionais e possibilitando aos indivíduos realizarem o arranjo
econômico que bem quiserem (MAY, 1994). Este é na verdade o conceito definido pelo
criptoanarquismo que tem como pressuposto a manutenção da privacidade nos meios de
comunicação e principalmente na internet. O anarquismo dentro do universo da criptografia,
como definido por May (1994), não simboliza uma sociedade sem leis e dominada pela
desordem; simboliza na verdade o fato da internet ser promovida como um ambiente onde as
pessoas podem socializar livremente com quem elas quiserem, ler o que acharem oportuno,
discutir diversos temas sem sofrerem restrições ou retaliações de um poder dominante.
4.2.3 A Bitcoin na Economia
Apesar de representar um cenário ainda não consolidado dentro da realidade atual
tanto do mundo quanto do desenvolvimento da Bitcoin e das moedas virtuais, vale tentar
ilustrar como seria um cenário mundial onde parte das moedas nacionais de um país fosse
gradativamente substituída por moedas virtuais descentralizadas.
A Bitcoin não representa necessariamente a moeda que vingará neste meio, outras
moedas descentralizadas podem surgir nos próximos anos, com outro nome e sistemática
diferente. Porém, a ideia da moeda virtual como artefato econômico agora é uma constante. O
que resta analisar não diz respeito a sua criação, mas sim aos impactos econômicos e sociais
que este invento traz para a sociedade.
O modo como a ascensão das moedas virtuais irá afetar a política dos bancos centrais
pelo mundo é algo que deve ser considerado. A partir do momento em que as pessoas
começarem a demandar moedas virtuais no lugar de moedas nacionais, isto irá modificar
diretamente o funcionamento da economia como um todo, afetando a estabilidade dos preços,
estabilidade financeira, velocidade do dinheiro e poder de ação dos bancos centrais na
manutenção das taxas de juros de curto prazo.
A moeda virtual ao alterar a quantidade de dinheiro disponível na economia devido a
aumento de sua demanda em detrimento das moedas nacionais, irá resultar em um
enfraquecimento do poder do banco central sobre o controle da oferta monetária. As moedas
54
virtuais ao aumentarem a sua participação na economia tendem a afetar diretamente na
quantidade de dinheiro, uma vez que as moedas virtuais entram no mercado através da sua
conversão pela moeda nacional. Nesse aspecto, políticas monetárias realizadas pelo banco
central provocarão um choque menor em uma economia onde existem moedas virtuais
atuando.
O relatório do European Central Bank (2012) aborda a questão da alteração na
quantidade de dinheiro como não sendo um problema inicial. Segundo o relatório, a
conversão da moeda virtual em moeda nacional e vice versa se daria a uma taxa constante,
com agentes desejando trocar moeda nacional pela virtual e outros desejosos em trocar a
moeda virtual pela nacional. Desse modo, a quantidade de dinheiro tenderia a se manter
constante a princípio. Porém, o relatório destaca que o aumento da usabilidade da moeda
virtual poderá de fato ocasionar mudanças na quantidade de dinheiro. A partir do momento
em que existir uma aceitação maior da moeda virtual em diversos setores da economia, as
transações poderão ser realizadas diretamente na moeda virtual, diminuindo a reconversão
para a moeda nacional.
A velocidade do dinheiro, ou seja, a velocidade em que as moedas circulam na
economia através da compra de bens e serviços, também poderá sofrer alterações devido à
introdução das moedas virtuais na economia. Normalmente a velocidade do dinheiro é
considerada no curto prazo como constante, pois é afetada pelas características tecnológicas
do ambiente que tendem a mudar lentamente. Porém, o grau de inovação tecnológica que as
moedas virtuais podem promover, em relação ao aumento do comércio via internet e sua
aceitação em outras áreas, ainda é algo difícil de prever. Mas se tratando de um novo método
de transação que começa a evoluir, a velocidade do dinheiro poderá sofrer alterações.
Se tratando da Bitcoin, seu valor em relação às outras moedas nacionais não depende
seriamente da produtividade da economia virtual ou de seus desequilíbrios comerciais, pois a
moeda virtual não está restringida a um país ou a uma área geográfica específica. Desse
modo, fatores que podem afetar no preço da moeda virtual se destacam como: o grau de
disseminação e aceitação da moeda, devido a sua adoção gradativa; a transparência para os
usuários do modo como acontece o seu funcionamento, onde quanto mais transparente mais
forte a moeda poderá se tornar; e a forma como a moeda lida com os ataques especulativos.
Assim, a Bitcoin acaba sofrendo instabilidades no seu preço devido ao baixo volume
negociado contra outras moedas nacionais, falta de confiança das pessoas no sistema, falta de
respaldo legal que reconheça a Bitcoin como uma moeda de verdade, além da forte
especulação e risco de ciberataques. Estes são fatores que precisariam ser superados para que
55
a Bitcoin evolua, caso contrário ela continuará a desempenhar a função de um meio de troca
alternativo e utilizado por poucos usuários.
A legalidade da Bitcoin está sendo discutida em vários setores governamentais pelo
mundo. Na União Européia existe a discussão de se a Bitcoin poderia se enquadrar dentro do
Electronic Money Directive, uma diretiva que tenta estabelecer quais tipos de moedas virtuais
podem ser consideradas válidas e seguras. Na França, os tribunais têm monitorado a questão
das moedas virtuais depois que alguns bancos do país interromperam algumas contas que
transacionavam Bitcoins, por não saberem ao certo se estas novas moedas tinham amparo
legal para serem transacionadas (EUROPEAN CENTRAL BANK, 2012).
A forma de criação das Bitcoins, através do processo de “mineração” digital, é algo
difícil de enquadrar em leis existentes, uma vez que é um processo novo jamais visto até
então. Normalmente, a regulação sobre inovações tecnológicas tem um atraso de alguns anos,
pois é necessário ponderar e discutir a amplitude em que determinada nova tecnologia irá
afetar a sociedade. O Paypal, por exemplo, somente recebeu uma licença bancária em
Luxemburgo em 2007, depois que o serviço já havia se popularizado.
As moedas virtuais de fato representam uma evolução para o sistema financeiro se
comparado com as moedas nacionais e seus sistemas de pagamentos. A maior rapidez no
envio das transações, taxas menores que as cobradas pelo sistema bancário convencional e a
ausência de fronteiras, são fatores que tornam as moedas virtuais um meio de pagamento de
custo reduzido e aparente eficiência. Figuras como bancos centrais, instituições financeiras e
o próprio governo não são necessários para o funcionamento do sistema das moedas virtuais.
A rápida disseminação deste novo mecanismo de transação é impulsionada pelo avanço
tecnológico que progride rapidamente. Quanto mais computadorizado e conectado forem às
relações econômicas do mundo, maior espaço as moedas virtuais possuirão para atuar.
Os bancos centrais em geral, como o Federal Reserve38, utilizam do controle sobre a
quantidade de moeda na economia para alterar as taxas de juros de curto prazo. O controle é
realizado através da compra e venda de títulos do governo em operações de mercado aberto.
Ao perceberem que, por exemplo, a quantidade de moeda na economia está aumentando
muito rapidamente os bancos centrais procuram aumentar a taxa de juros através da venda de
títulos para manter a estabilidade monetária. Milton Friedman, em uma entrevista para o
EconTalk da George Mason University, descreve que o período da década de 1980 e 1990 foi
de visível estabilidade monetária na economia norte-americana. Esta estabilidade se deu pelo
38
O Federal Reserve conhecido informalmente como FED, é o banco central dos Estados Unidos.
56
fato do Federal Reserve realizar o controle assíduo da taxa de juros de curto prazo, quase que
de maneira automática:
If you really carried out the logic concerning the quantity of money, you
deprive the Federal Reserve of anything to do. Suppose the Federal Reserve
said it was going to increase the quantity of money by 4 percent a year, year
after year, week after week, month after month. That would be a purely
mechanical project. You could program a computer to do that (FRIEDMAN,
2006).39
Desse modo, Friedman aponta que a forma que o banco central tem adotado para
controlar a quantidade de dinheiro na economia é na verdade uma operação mecânica, algo
que um programa de computador poderia realizar caso fosse programado para tal função.
Assim, Friedman descreve que a estratégia do Federal Reserve é na verdade puramente
automática, o que acaba por restringir as funções da instituição banco central: “I've always
been in favor of abolishing the Federal Reserve and substituting a machine program that
would keep the quantity of money going up at a steady rate.”40 (FRIEDMAN, 2006).
O sistema de funcionamento das moedas virtuais, em destaque para a própria Bitcoin,
fornece um sistema computadorizado como teorizado por Friedman, com a oferta de moeda
aumentando gradativamente. Aparentemente esta é a tendência geral que as políticas
monetárias estão seguindo, tanto em relação às moedas virtuais quanto nacionais,
transformando cada vez mais o controle monetário em operações automáticas e préplanejadas, o próprio sistema de “metas de inflação” já fornece esse sinal (FRIEDMAN,
2006).
Com a ampliação do uso das moedas virtuais, principalmente quando as moedas
virtuais forem utilizadas para o consumo de bens reais da economia, o PIB do país será
afetado diretamente por este meio de pagamento eletrônico. Desse modo, os dados referentes
às moedas virtuais deveriam ser incorporados ao cálculo do PIB e demais estatísticas
econômicas do banco central, a fim de monitorar o grau em que essas moedas afetam na
economia do país (EUROPEAN CENTRAL BANK, 2012).
39
Tradução nossa: “Se você realmente levar a lógica em relação à quantidade de moeda, você priva o Federal
Reserve de qualquer coisa para fazer. Suponha que o Federal Reserve disse que vai aumentar a quantidade de
moeda em 4 por cento ao ano, ano após ano, semana após semana, mês após mês. Isso seria um projeto
puramente mecânico. Você pode programar um computador para fazer isso.”
40
Tradução nossa: “Eu sempre fui a favor de abolir o Federal Reserve e substituí-lo por um programa de
computador que iria manter a quantidade de moeda aumentando a uma taxa constante.”
57
5. PARTE III: ECONOMIA DESCENTRALIZADA
O sistema financeiro mundial está em constante movimento e em plena modificação.
Década após década a conjuntura econômica mundial se altera, com países ascendendo
hegemonicamente e outros tendo seu poderio econômico enfraquecido. A tecnologia é um
fator importante neste universo. A história econômica foi marcada por inúmeros avanços
tecnológicos que promoveram o desenvolvimento da economia. As revoluções industriais,
através da criação de inovações e avanço intelectual, permitiram o progresso econômico e a
modificação cultural e social do mundo em diversos aspectos. A digitalização dos mercados
financeiros permitiu a globalização e uma maior homogeneização das finanças mundiais,
ampliando as escalas de produção e tornando as economias de diversos países interligadas e
dependentes. Os fatores econômicos interagem no mundo quase que avessos as fronteiras
entre os países, produtos circulam pelo mundo com menos restrições que as pessoas,
transformando empresas em transnacionais que atuam mundialmente. Os capitais financeiros
circulam de país a outro, procurando oportunidades de rendimentos. O lado econômico do
mundo avança a passos largos em direção a um ambiente cada vez mais globalizado e ao
mesmo tempo descentralizado (LEVITT, 1983).
O avanço tecnológico é um fenômeno livre par excellence, as novas tecnologias são
concebidas antes de se questionar o impacto benéfico ou maléfico que estas ocasionarão na
esfera social e política do mundo. O próprio desenvolvimento das moedas virtuais e o avanço
da comunicação via internet é um fenômeno relativamente recente e que surge
espontaneamente dentro do processo evolutivo da tecnologia. A Bitcoin aparece como uma
alternativa para as transações internacionais, demonstrando a globalização em sua essência e a
vontade social de se criar um meio de troca alternativo e eficiente. Apesar de algumas
deficiências operacionais, não se pode descartar o fato da Bitcoin permitir transações
eficientes sem a utilização de instituições financeiras, algo inédito em questões globais.
Porém, a discussão sobre moedas alternativas, concebidas sem relação com o governo, já
perdura por muitos séculos.
O uso de formas monetárias alternativas tem sido amplamente discutas por diversos
autores, os quais dão ênfase no uso de moedas locais ou sociais que tem a intenção de
fomentar o comércio em regiões distintas. A escassez de moedas nacionais em determinadas
regiões, causadas por instabilidades políticas ou crises econômicas, acabam por restringir o
potencial produtivo do local. Dessa forma, a introdução dessas moedas alternativas acaba por
58
possibilitar a volta da saúde econômica do local, aumentando as trocas comerciais que
estariam á mercê da liquidez restringida da moeda nacional (BÚRIGO, 2011).
Um caso interessante de ser analisado aconteceu na cidade de Worgl na Áustria, onde
moedas locais surgiram como um método alternativo para fomentar a economia do local
devido ao período de crise que assolava o mundo na década de 1930. A cidade, assim como
outras partes da Europa, começou a sofrer com a baixa circulação do dinheiro. As moedas
nacionais se concentraram nas mãos de poucos indivíduos, que tendo em vista o período de
crise e incertezas, acabavam por não retornar essas moedas para a economia, intensificando
ainda mais a depressão. 35% da população de Worgl estava desempregada devido às
complicações econômicas do período.
Desse modo, o prefeito da cidade resolveu emitir moedas sociais e utilizá-las para
pagar os salários dos trabalhadores. A diferença era que essas moedas sofriam uma
desvalorização fixa de 1% ao mês, assim a população se via incumbida de gastá-las o mais
rápido possível para evitar a perda monetária. As novas moedas acabaram aumentando a
velocidade do dinheiro em cerca de quarenta vezes se comparado com a moeda nacional.
Segundo Búrigo (2011) dois anos após a introdução das moedas sociais, a cidade de Worgl já
tinha alcançado o pleno emprego, se tornando um exemplo bem sucedido da utilização de
moedas alternativas para o fomento da economia. Este sistema de desvalorização progressiva
da moeda foi elaborado por Silvio Gesell, comerciante alemão que desenvolveu teorias
econômicas focadas em questões monetárias no início do século XX.
Por mais que as moedas virtuais e a Bitcoin em si não atinjam uma larga escala de
utilização, é necessário pressupor que mesmo a sua pequena utilização já estará colaborando
para o desenvolvimento econômico em alguns setores. Pelo fato de ser moeda, algum impacto
econômico estará sempre envolvido em seu uso. Desse modo, por operar em um ambiente
global – onde qualquer indivíduo ao redor do mundo pode utilizá-las – as moedas virtuais
podem fornecer o aparato necessário para servirem como moedas globais, desempenhando
estímulo econômico em diversas regiões ao atuar globalmente.
A crise econômica no Chipre em março de 2013 mostra um exemplo claro do lado
global que a Bitcoin tem adquirido. Os bancos nacionais estavam com problemas de solvência
e começaram a bloquear as contas dos cidadãos do país como uma forma de tentar evitar uma
saída maciça de capital. Isso fez com que muitos indivíduos procurassem meios alternativos
para guardar as suas riquezas, a Bitcoin foi um deles. “With fears spreading that even insured
deposits might not be safe in similar nations hit by banking crises, those looking for a haven
59
to store their wealth have fled to the complicated world of digital cash.” 41 (COX , 2013).
Alguns europeus reconheceram na Bitcoin, apesar da intensa volatilidade, um ambiente
menos arriscado que o seu próprio sistema bancário. Isto demonstra a grande perda de
confiança que vem ocorrendo em relação ao sistema financeiro convencional, principalmente
na zona do euro devido às instabilidades econômicas que tem afetado vários países do bloco.
Em um momento onde existe a perda de confiança no sistema financeiro Europeu,
com a dúvida de se alguns países se manterão na zona do euro, as moedas virtuais acabam por
fornecer um ambiente de maior segurança que algumas moedas nacionais. Segundo Vecchio
(2013, apud COX, 2013) analista da DailyFX:
This is a clear sign that people are looking for alternative ways to get their
money out of the country. If we're going to talk about the stability of the
euro and whether or not there are going to be capital controls in place not
just in Cyprus but around the euro zone, I think there is some efficacy behind
bitcoins as an alternative liquidity vehicle (VECCHIO 2013, apud COX,
2013).42
Outro caso recente tem ocorrido na Argentina, onde muitos também estão procurando
refúgio no sistema virtual da Bitcoin. Segundo Russo (2013) os argentinos estão tentando
guardar as suas riquezas em todas as formas que conseguirem, desde carros a moedas virtuais.
Este movimento tem acontecido devido às restrições do governo para a compra de dólares
americanos, medida que tenta conter a saída de capital do país. Em 18 de março de 2013, o
governo argentino implementou algumas novas medidas restritivas, aumentando a taxa para
as compras realizadas em cartões de crédito e débito, além de limitar o investimento em ativos
estrangeiros. As Bitcoins acabam funcionando como uma alternativa para transferir dinheiro
para fora do país, possibilitando a sua posterior reconversão para outras moedas nacionais e
evitando as restrições do governo argentino.
Estes acontecimentos mostram que, apesar de recentes, as moedas virtuais
descentralizadas já estão desempenhando funções importantes no sistema financeiro
internacional, funcionando como um ambiente de liquidez alternativa às moedas nacionais.
41
Tradução nossa: “Com o medo se espalhando de que até depósitos segurados podem não ser seguros em
nações semelhantes atingidas por crises bancárias, aqueles procurando um refúgio para guardar a sua riqueza
fugiram para o mundo complexo do dinheiro digital.”
42
Tradução nossa: “Este é um sinal claro de que as pessoas estão procurando maneiras alternativas de tirar o seu
dinheiro do país. Se vamos falar sobre a estabilidade do Euro e se terá ou não controle sobre os capitais não
apenas em Chipre, mas em torno da zona do euro, eu acho que há alguma eficácia por trás das Bitcoins como um
veículo alternativo de liquidez.”
60
Apesar de serem interpretadas como arriscadas, devido à alta volatilidade de seu preço e à
falta de controle estatal, a Bitcoin fornece um ambiente com ausência de decisões políticas,
fator que em momentos de incertezas e crises acaba por atrair capital. Isto é uma característica
inerente aos mercados financeiros e ao capital especulativo. Em momentos de turbulência
econômica o capital tende a migrar para setores mais protegidos, como acontece normalmente
com o ouro em períodos de crise. A questão que carece ser analisada é se de fato a migração
para a Bitcoin acontece com a intenção de salvaguarda do capital ou pela simples valorização
especulativa do ativo virtual.
Por ser uma alternativa à moeda nacional, as moedas virtuais acabam por funcionar
como um agente descentralizador, tirando das moedas nacionais uma parte do peso que estas
desempenham na função comercial (EUROPEAN CENTRAL BANK, 2012). A questão da
centralização monetária, que se consolidou no ocidente na transição do renascimento para a
era moderna, é um dos fenômenos que de fato permitiu o avanço do comércio e ampliação
industrial, por facilitar as trocas entre uma região e outra do mesmo país. Assim, a volta para
um modelo descentralizado pode levantar questionamentos e incoerências. Porém, do ponto
de vista de integração global, as moedas descentralizadas43 são na verdade descentralizadas do
Estado nacional e não da economia, a qual na verdade com o uso de moedas virtuais
transacionadas via internet tende a se unificar ainda mais.
A ausência de fronteiras no mundo virtual, permitindo às moedas circularem entre um
país e outro com maior facilidade, somado ao fato de não existir controle de uma autoridade
monetária, mostra a característica descentralizante da Bitcoin em sua essência, não uma
descentralização comercial que gera dificuldades nas trocas comerciais, mas sim uma
descentralização no sentido de possibilitar uma maior homogeneização do comércio global.
Obviamente que restrições podem surgir, e provavelmente irão, para tentar conter o avanço do
virtual sobre o nacional. Porém, o avanço da globalização das últimas décadas indica a
tendência em prol da aceitação de uma moeda com funções amplas. O Euro é um bom
exemplo, o consenso sobre o uso de uma moeda única nos principais países da Europa mostra
a vontade de integração comercial que ronda nas principais economias capitalistas.
A discussão sobre moedas também implica na questão sobre o espaço em que as
relações socioeconômicas ocorrem. Por não respeitar fronteiras nacionais, as moedas virtuais
43
As moedas descentralizadas possuem duas conotações que andam juntas no seu significado: de um lado a
palavra “descentralizada” significa a utilização de redes P2P, onde de forma arquitetural a conexão é fisicamente
descentralizada; porém ao mesmo tempo, a palavra “descentralizada” significa a não centralização do controle
sobre a moeda, ou seja, sem um Estado ou Banco Central controlando a oferta monetária.
61
circulam e atuam em vários ambientes diferentes. Pela sua própria natureza globalizante, sua
adoção acaba por representar as características de abertura econômica de determinadas
regiões. Por mais que não seja de fato a intenção do governo, a tendência a uma abertura
econômica provocada pelos anseios dos indivíduos que utilizam das moedas virtuais é a
representação clara de uma mudança na interpretação do espaço em que as relações
econômicas atuam. As fronteiras nacionais se mostram meras convenções políticas e em
alguns casos não mais representam a noção de espaço econômico para a sociedade. A esfera
econômica transcende o patriotismo em prol de maiores relações comerciais.
Mas isto, claro, é uma mudança singela. Apesar da inclinação para uma maior
liberalização econômica, o Estado ainda desempenha a função de regulador e executor de
medidas econômicas de maneira hegemônica. A própria crise financeira de 2008 e as
complicações posteriores na zona do Euro mostram que o Estado e a economia continuam tão
unidos quanto antes. Porém, assim como as mercadorias, agora as crises também são
distribuídas.
62
6. CONCLUSÕES
Apesar de objeto global, a Bitcoin não tomará o lugar das moedas nacionais em
nenhum momento próximo, e parece não ter motivo para tal. A sua verdadeira popularidade é
por funcionar como uma alternativa à moeda nacional. A princípio, a grande procura pela
Bitcoin ainda reside na expectativa de rentabilidade futura e não na sua usabilidade como
meio de troca, a qual ainda é fraca tornando a moeda presa ao dinheiro nacional para o
consumo de mercadorias. O sentimento presente em inúmeros fóruns, websites, jornais e chats
sobre Bitcoin é a exaltação pela valorização do ativo virtual. A cada nova marca histórica
alcançada pela moeda frente ao dólar, a empolgação é visível; e em momentos de quedas
abruptas nos preços o pânico se instala. Não é possível afirmar se a humanidade está
presenciando a “bolha das tulipas” do século XXI, que entrará para os livros de história como
mais uma loucura de massa ao estilo Charles Mackay44, mas o comportamento especulativo
sobre a Bitcoin parece indicar algo semelhante.
A oferta monetária restringida acaba por ocasionar naturalmente um processo de
deflação na Bitcoin. Devido ao fato do código computacional estar projetado para emitir
somente 21 milhões de moedas, analisando em uma larga perspectiva de tempo,
inevitavelmente a moeda será guiada à deflação. Apesar de serem projetadas para
possibilitarem o fracionamento em unidades muito pequenas de valores, existe o risco de a
moeda entrar em uma espiral deflacionária a partir do momento que sua usabilidade crescer.
O aumento do preço da moeda virtual pode ser benéfico para os seus possuidores, porém é
uma armadilha perigosa para a economia. A partir do momento em que não gastar a moeda
significa auferir ganhos, a deflação estará instaurada e o preço dos produtos e serviços cairá,
caso a economia fosse totalmente lastreada por Bitcoins.
Desse modo, uma economia com sua oferta monetária totalmente fixa pode gerar
armadilhas econômicas devido à própria natureza da moeda utilizada. Por um lado um sistema
assim permite uma proteção em relação às políticas macroeconômicas desastrosas de
governos mal organizados, os quais poderiam aumentar a oferta monetária sem controle
levando a uma inflação alta e ocasionando do mesmo modo uma situação econômica
insustentável. Porém, a armadilha da deflação é um fator endógeno ao sistema da Bitcoin e
deve ser observada como irá proceder durante o desenrolar do seu desenvolvimento.
44
Charles Mackay é o autor do livro “Extraordinary Popular Delusions and the Madness of Crowds” publicado
em 1841, o qual trata sobre inúmeras loucuras populares que aconteceram no mundo como as bolhas
econômicas, a caça as bruxas e as cruzadas.
63
Assim, o uso da Bitcoin parece indicar que ela representará muito mais uma moeda
paralela do que de fato uma moeda que tomará o lugar das moedas nacionais. Ela possui ao
mesmo tempo vantagens e desvantagens. Por um lado, a sua liberdade oferece uma maior
rapidez na mobilidade de capitais, por outro a sua desconexão com o governo não permite a
implementação de políticas monetárias a fim de sanar problemas de liquidez.
Tendo em vista os aspectos econômicos em que a maioria das sociedades do mundo
está moldada, a flutuação da Bitcoin ainda estará vinculada às moedas nacionais de um jeito
ou de outro. Por um lado, a deflação nas Bitcoins, caso essa fosse a única moeda em uso,
tenderia a minar a economia no longo prazo devido à tendência de uma diminuição da
liquidez, tornando improvável a sua adoção como moeda nacional de um grande país. Por
outro lado, a deflação acaba por intensificar a característica de reserva de valor das moedas,
aumentando o poder de compra de quem as possuir ao longo do tempo, fazendo com que o
seu lado commodity se mantenha presente até o ponto em que ainda atrair o interesse dos
indivíduos.
A inovação criada na Bitcoin se mostra relevante o suficiente a ponto de gerar
possibilidades de mudanças no modo como o sistema financeiro mundial irá se comportar no
futuro. A sua descentralização, ao mesmo tempo em que tira do sistema bancário o monopólio
sobre as transações econômicas, possibilita uma maior integração em escala global ao reduzir
os custos das transações. Porém, o abandono das moedas nacionais em prol de um sistema
monetário totalmente descentralizado é uma utopia distante. As Bitcoins continuarão se
desenvolvendo como uma moeda paralela à nacional, mas o impacto do seu crescimento ainda
dependerá da usabilidade que a mesma poderá adquirir no futuro.
O principal não é se a moeda virtual irá tomar o lugar das moedas nacionais, pois isto
parece indicar que seria facilmente contornado através da marginalização do meio de troca
virtual com sanções e leis proibitivas sobre o seu uso. Qual será o impacto que um sistema de
transações descentralizado poderá ocasionar no sistema bancário e financeiro atual, ao
possibilitar transações mais rápidas, de custo reduzido, seguras, ou seja, mais eficientes, esta
sim é a implicação persistente.
O conhecimento a respeito do que é Bitcoin e o seu funcionamento estão
gradativamente evoluindo. O que poderá acontecer com o sistema bancário quando este
conhecimento se tornar disseminado e as pessoas optarem pelo custo reduzido das transações
descentralizadas ainda é uma dúvida. Mas a possibilidade de transações com um custo menor
poderá servir de estímulo para mudanças nos serviços financeiros ao redor do mundo. Uma
64
inovação alterando as estruturas existentes é algo recorrente do sistema capitalista, porém o
grau em que a Bitcoin modificará a sistema financeiro atual ainda é incerto e imprevisível.
Por mais que todas sejam moedas, a moeda nacional, a moeda privada e a moeda
descentralizada possuem um nível de incomparabilidade que passa despercebida nas análises
superficiais sobre o assunto. A Bitcoin surge de um programa de código aberto, o que a torna
pública em certo sentido, mas ao mesmo tempo sem possuir vínculo com o Estado, não
lucrativa e desvinculada diretamente de empresas privadas. É um fenômeno novo, o que torna
a sua comparação com outras moedas da história econômica uma tarefa difícil. Algumas
questões como a deflação, por exemplo, só fazem sentido dentro de um plano monetário
político nacional ou enquanto a Bitcoin for tratada como uma moeda nacional, que não é o
caso. O seu funcionamento se dá ao lado das demais moedas, mas com características
particulares e independentes.
65
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