a utopia - Bebeto Alves

Transcrição

a utopia - Bebeto Alves
EBETO A
As 3 Dimensões
da música
de Bebeto Alves
Por Marcio Pinheiro
Pág. 8 e 9
A UTOPIA
SETENTISTA
Por Emílio Chagas
Pág. 3
Papo
(entrevista)
Por Paulo Klein
Pág. 10, 11 e 12
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Jimi Joe
Juarez Fonseca
Nelson Coelho de Castro
Ricky Bols
Ricardo Duarte
e muito mais...
Um Artista
em
Paulo Klein
sonhos é a da comemoração de meu aniversário,
quando Bebeto apareceu com um bando de
músicos sulistas, com seus instrumentos, bomSua verdade permanecerá
bas e ervas pro chimarrão, e muitas canções. Al
maior do que a cultura que
guns destes músicos me presentearam com composições a partir de poemas de meu livro Coeur
tenha sabido ou não reconhecer-lhe
Rasgado. Desta safra resultou minha parceria com
a grandeza.”¹
Bebeto Alves - Krafts, Mesmo! – que acabaria num
Era um verdadeiro bando de gaúchos, de festival da TV Globo, merecendo elogios do Tarik
gauches na vida, que aportavam na Paulicéia nos de Souza no Jornal do Brasil.
around’s 80s. Filhos ilegítimos da ditadura, chegavam
Com tudo isso, mesmo sendo eu (na épopara expandir horizontes, no momento em que se
ca) identificado como mais um compositor gaúcho
anunciava a Anistia e a abertura política no país. Eram
- o que muito me honrava, apesar de ser paujovens cheios de sonhos, atores em busca de personalistano da gema - permaneceríamos “malditos”
gens, escritores não publicados, músicos com esperno contexto da Música Contemporânea Brasileiança em galgar os degraus da fama.
ra, o que, na real, chega a ser uma vantagem.
Ouvir Devoragem (álbum de Bebeto Alves / Na verdade, Bebeto Alves é apenas mais um inBank 7 Music) - três décadas depois de conhecer o jo- justiçado na cultura brasileira, compositor com
vem músico sulista na febre paulistana - é, para mim, lâmina na voz, farpas no coração, que pode ser
uma experiência especial. Ajuda-me a compreender alinhado a outros “malditos” da canção brasilei- de certa maneira - porque este hábil compositor e ra, como Adoniran Barbosa, Geraldo Vandré, Luintérprete brasileiro, com um trabalho diversificado, is Melodia, Jorge Mautner e Sergio Sampaio, paembebido em multinfluências, ousado, denso e de ra lembrarmos uns poucos.
extrema qualidade, não emplacou (popularmente)
Isso, em nada diminui a grandeza de Benaquela época.
beto Alves como artista múltiplo, como composi
A maioria dos ouvidos não estava preparada tor e instrumentista versátil, intérprete em vários
idiomas, qualidades que fazem dele um autêntipara tal riqueza musical.
co artista universal.
Naqueles tempos, quando fazia sua ronda pela
noite paulistana, Bebeto apresentava-se, individualmente ou em dupla instrumental com o violinista RiPAULO KLEIN *
cardo Frota, em casas como Dama da Noite, Lei Seca,
Persona e Vitória. Ele era um jovem visionário, mul- * Escritor, compositor popular, crítico de arte e
timodal, com um violão nas mãos e muitos sonhos no produtor cultural.
¹BOSCO Francisco – Encarte do cd Devoragem.
coração.
Uma imagem que guardo desse tempo e seus www.bebetoalves.com.br
“...Faça ele “sucesso” ou não.
Toque ou não no rádio.
EDITORIAL
Esta publicação, mais do que uma
publicação promocional do novo projeto
Bebeto Alves em 3D, quer abranger o significado
e a importância do trabalho de Bebeto Alves,
através de textos e depoimentos de amigos ,
parceiros, jornalistas e do próprio Bebeto.
Este novo projeto de discos do artista
é um projeto ousado e que exige uma reflexão
maior do espaço que esse multi - talentoso e
jovem senhor ocupa no nosso imaginário e no
cenário da música popular brasileira.
Temos aqui uma leitura do caráter,
da personalidade e da sensibilidade de um
artista comprometido, na sua essência, em
ser verdadeiro e único.
Através do tempo Bebeto Alves vem
experimentando, propondo uma estética
plural sem cair no vazio de uma novidade
amorfa e sem sentido.
O que se esclarece aqui são as
dimensões alcançadas por esse artista ainda
inovador. Mesmo que se parasse aqui toda sua
inventividade ou, que se negasse a continuar
efervescente como é, sobraria o eco da sua
criatividade na nossa memória, a soprar nos
nossos ouvidos que tudo é um pouco mais;
um pouco mais do que se pensa , um pouco
mais do que nos permitimos e que podemos
e devemos nos arriscar, um pouco mais.
Aprecie , leia, ouça, sem moderação.
S.Schlindwein.
Escreveram nesta edição:
Paulo Klein, Oly Jr., Juarez Fonseca,
Claudia Lisboa, Antonio Carlos “Bola”
Harres, Alexandre Derlam, Emílio
Chagas, Nelson Coelho de Castro,
Simone Schlindwein, Marcelo Corsetti,
Camilo de Lélis, Mauro Moraes, Ricardo
Duarte, Jimi Joe, Ricky Bols, Wagner
Coriolano e Márcio Pinheiro.
Ilustração: Ricky Bols
Arte: Jean Alvarenga
Fotos: BA Imagens
Uma Publicação da SWPropaganda
bebeto alves • Pág. 2
www.swpropaganda.com.br
Foto/Arquivo
Emílio Chagas
da Seda e Carlinhos Hartlieb, entre muitos outros. E
foi lá, nos primeiros anos dos 70 que foi encontrar o
grupo Utopia. Três meninos mágicos, empunhando dois
violões manejados por Bebeto Alves e Ronald Frota e um
inacreditável violino em plena na cena rock, esgrimido
por Ricardo Frota. Com precários equipamentos, logo
me despertaram a atenção. Fui reencontrá-los mais
tarde numa das primeiras Rodas de Som, comandadas
pelo mesmo Carlinhos Hartlieb, no Teatro de Arena,
reduto da resistência cultural e teatral de Porto Alegre
na segunda metade dos anos 60 – sempre eles! Jairo
de Andrade, sintomático dos 70, abria as portas para
o rock e os novos tempos. No fim da apresentação fui
procurá-los, claro. Eu vivia muito intensamente a cena
cultural da cidade e vi neles uma coisa nova, como
um pouco antes havia sido o Mordida na Flor, lendário
grupo muito pouco lembrado e estudado até hoje que se
perdeu na bruma, na névoa e no rarefeito ar do sonho
desfeito por Lennon.
Trabalhava eu como redator na Rádio Continental,
do Sistema Globo de Rádio, que revolucionou a
linguagem e a técnica radialísticas, abrindo caminho
para as rádios de hoje, como a Ipanema, por exemplo.
Levei o trio para lá, gravando no famoso estúdio B, com
o também lendário Anele, exímio operador de som. Foi
a primeira rádio a tocar música produzida aqui. Com
o apoio publicitário da Continental (e com a
força de Juarez Fonseca, decisiva para uma
geração inteira de músicos gaúchos) produzi o
meu primeiro show do Utopia no Auditório da
Assembléia. Onde cabiam exatas 586 pessoas,
entraram 1.200 e mais um bando lá fora.
Estava construído o mito utópico, sempre
com um séquito de um grande bando. O grupo
acabou mais tarde, já sem mim. Mas deixou
o vigoroso, criativo, inquieto, vanguardista e
o mais importante compositor gaúcho da sua
geração, Bebeto Alves.
bebeto alves • Pág. 3
Luiz Carlos Maciel, o guru da contracultura
brasileira com a página Underground no Pasquim,
disse em meados dos anos 70, que a geração daquela
década estava desperdiçando as conquistas dos
anos 60. Sim, os 60 foram os mais transformadores
anos da história contemporânea ocidental.
Women’s lib, marcha dos direitos civis no EUA, a
pílula, Panteras Negras, Che Guevara, Maio 68,
Berkeley, Marcuse, nouvelle-vague francesa,
Tropicalismo, Zé Celso & Teatro Oficina, Hélio
Oiticica, Sartre e existencialismo, Dylan, Beatles,
Stones, Woodystock, Easy Rider, o próprio Pasquim,
resistência armada com o MR8 sequestrando o
embaixador americano no Brasil – tudo isto (e
muito mais) dá uma idéia da grande ebulição
política, social e cultural que vivia o mundo. E
o Brasil, claro. Na verdade, os 60 gestavam a
resistência e a explosão comportamental que
viriam com os anos 70. A utopia sonhadora dos
cabelos longos, do sexo libertário, da vida em
comunidade, da busca à natureza, o misticismo e
a vida onírica e lisérgica. O grande sonho de paz
e amor, enfim.
Em Porto Alegre um dos intensos palcos
desse fenômeno era a Arquitetura da UFRGS,
que já tinha revelado, com seus festivais, Bixo
191791
72
Ricky Bols
1974
1973
Conheci o Bebeto ali pela Santana se não
me engano estava com o Peixe.Era uma época que
os “magrinhos” se reconheciam na rua, como hoje
tem os emo, punks, grunge etc...Naquela época só
“magrinhos” eram diferentes do resto. Não sei se foi
no começo ou mais pro fim do ano pois logo depois
fui pro Rio onde comecei a trabalhar na Globo como
assistente de cenógrafo. Já em 74 me aparece o
Bebeto no meu apartamento que eu dividia com a
Arlita, secretária do meu chefe Federico Padilha.
Acho que ele ficou uns dias lá em casa. E aí
teve uma cena interessante.
Consegui uma entrevista com um cara, acho
que era da Som Livre pro Bebeto e ai ele me botou
na obriga de acompanhá-lo tocando, não me lembro
nem se toquei na audição.Alias o Bebeto tem esta
mania de como bom músico que é, de vamo lá, dá
uma ensaiadinha besta e tá bom , mete bronca. Foi
assim no Milongueando Stones em que tocamos juntos
“It’s only rock’n roll but I like it”.
Como ele sempre arrebenta tocando ou
cantando, acha que os outros vão seguir a linha dele.
Mas funciona como incentivo. Voltando a Porto em
75, aí nossa amizade e parceria foi amadurecendo.
O Utopia tava a mil e as ruas de Porto Alegre
fervilhavam de gente sem lenço nem documento
mas louca prá botar seu bloco na rua. Fiz cenário,
cartazes e novamente o Bebeto me jogou aos leões.
Falo assim pois meu trabalho de desenhista é sempre
mais introspectivo onde a gente não mostra muito
a cara. Eu tava sempre tocando com o Neni Scliar,
outro grande amigo,e o Bebeto resolve nos convidar
para abrir dois shows do Utopia no Clube de Cultura.
Lá vou eu de novo rachar a cara, mas foi legal, minha
1975
quase unica experiencia como músico “profissional”.
Ainda bem que conhecia a maioria do público, e estava
cheio. Ir a shows, que não eram muitos como hoje era
uma das formas de encontrar os amigos, alias a forma
mais certeira. Casei. O Bebeto começou a cair fora,
São Paulo, Rio. Separei e resolvi ir pro Rio. O Bebeto
morava lá com Claudinha, Luna e Mel em Vila Isabel.
Peguei o 433, aquele mesmo da música, aqui é
VIla Jardim. O começo foi dificil mas logo engrenou
, eu fui morar com os gauchos Luisinho e Casarin em
Copacabana. E daqui a pouco, 3 anos depois a coisa
ficou feia e lá vem o Bebeto, agora separado, me livrar
me convidando prá morar com ele em Santa Tereza.
Saí do limbo pro paraiso. Cuidando do Ricardo, então
com 6 anos, minha vida era muito presa pois meus
companheiros não davam muita colher ao fato de eu
viver com meu filho.
Já com o Bebeto tudo mudou. Aí Ricky: pode sair
eu fico com o Ricardo e lá ia eu, saborear um pouco da
vida de solteiro, ou o contrário, juntavamos a gurizada
toda e a brincadeira era sempre memorável. Tenho
ainda alguns desenhos das nossas estripulias. Pena
que durou pouco, ele foi pros States e na volta casou
com a Cris e voltou prá Porto, Eu casei com a Adriana
e vivemos muito felizes enquanto durou aquela mutua
felicidade. Mas a nossa convivencia continua, aqui e
ali vamos juntando nossas experiencias, trabalhos,
alegrias e agruras. Qualquer dia destes ele vai me
convidar prá tocar num disco dele e ai talvez façamos
uma dupla, não que nem aquela que o Roberto,
produtor da campanha eleitoral lá em Uruguaiana
dizia, todos os dias nos tres meses que trabalhei lá
com o Bebeto em 2004: e ai Ricky cadê o Renner? Ai
vai ser Bebeto&Ricky!

19
76
Você que é o Bolinha?
Antonio “Bola” Harres
Primeiro foi um par de tamancos. Eu não
era Diógenes e nem ele Alexandre o Grande.
Mas projetou uma sombra sobre minha sessão
solitária de atabaques, a meio dia qualquer dos
anos 70, no tapete voador em que as névoas da
Canabbis transformavam a Redenção. Subindo
dos tamancos, passando pelo violão levado à
mão com certa displicência de domador de
raios, cheguei até o olhar sorridente dos que
reconhecem instantâneamente confrades.
- Você que é o Bolinha? Perguntou.
Mal terminei de responder que
sim e sentou-se ao lado, e fez trovejar o
encordoamento, e acelerar a viagem que
fazia parecer minaretes persas as torres e
campanários das figueiras e palmeiras vizinhas.
Essa primeira sessão à violão e
atabaque resultou no convite para atuar
como percussionista do show “Reascender,
reavivar”, no Utopia, que além da presença
friquibrodiana dos irmãos Frota, punha-me sob
o grande espírito de Thomas Moore; aquariano
que preferiu cortar a cabeça do que ajoelhar-se
à pretensão divina de Henrique VIII, exemplo
que Bebeto sempre imitou em suas relações
com a mais valia das gravadoras e a arrogância
de seus executivos
bebeto alves • Pág. 4
Mais tarde, além de ter me confiado o
lugar de padrinho da Luna, generosamente
também musicou palavras minhas. Até hoje
cultivo com carinho na memória aqueles
momentos livres e espontâneos na Redenção,
que são a essência da criatividade inesgotável
de Bebeto e, lhe conferem o raro dom de me
fazer sentir parte do bando e muitos outros.
www.artesgrafix.com
R. Jornal NH, 200 - B. Ideal
Novo Hamburgo (RS) - (51) 3066.7071
espaço cultural & restaurante
T
em coisas que você não
esquece, especialmente
quando você é um adolescente bastante impressionável, o que – por destino ou coincidência – calhava de ser meu
caso lá pelo início dos anos 70.
Guri chegado de Pedro Osório
lá por 1967 – sem sequer imaginar que havia um tal de Verão
do Amor acontecendo em alguns lugares do mundo, embora já fosse fã dos Beatles
e desconhecesse basicamente tudo sobre os
Rolling Stones, demorei muito para me “enturmar” – como se dizia então – na capital. Enquanto não achava
minha turma – e nem estava procurando muito, pra dizer a verdade – começava
a arranhar um violão comprado pela minha irmã que logo se deu conta de que eu
era canhoto e lascou um taxativo “não me vira essas cordas!”. Sem turma, talvez
com lenço mas sem documento – só pra citar Caetano en passant, sonhava em tocar no violão todas aquelas músicas da Tropicália, da Jovem Guarda e, claro, dos
Beatles que eu ouvia num velho rádio Philips valvulado, herança do avô materno. Aprendendo a tocar violão “pelo avesso” – porque eu nunca fui desses canhotos que se acovardam na hora do “vamo vê!” e se bandeiam pro lado da imensa
maioria destra, - aprendi também a cantar, de cabo a rabo, o repertório da época de Chico Buarque de Hollanda em dueto com minha irmã – a dona do violão
que eu insistia em aprender arrevesadamente – que era fã de carteirinha (outra
expressão da época...) do Chico. Quando os anos 70 bateram à porta e a ditadura recrudesceu com o tal de general Médici, gaúcho de Bagé (espero que eles
não tenham orgulho dele por lá...), minha irmã passou num concurso do Banco do
Brasil e acabou dando com os costados lá pelo Rio de Janeiro por uns dois anos,
levada por um tio, irmão caçula da minha mãe, que já era gerente do BB nas plagas cariocas. Com a guardiã do violão distante – ah, sim, acho que cabe mencionar que o tal violão era um maravilhoso Bungi construído bravamente na rua
Andaraí, bairro do Passo D’Areia, em Porto Alegre – entrei no clima subversivo familiar e inverti as cordas do fabuloso instrumento. Quanta diferença! Agora tinha
ficado mais fácil de tocar e eu até mesmo me arrisquei a começar a fazer umas
cançonetas. Aí já era 1972 e eu estava começando o segundo grau – que agora se
chamava Colegial com a unificação do Clássico e do Científico – e, maravilha das
maravilhas, começando a me enturmar e até mesmo a querer namorar apesar de
todas as toneladas da minha gigantesca timidez. E claro, todo mundo
sabe, nessa hora, um violãozinho bem tocado e as canções certas fazem milagres. Bom, agora estamos quase chegando onde quero chegar.
Pois na minha turma do Colegial tinha uma garota que cantava (e cantava muito bem!), Élbia Regina. A essa altura eu já tinha visto shows
de Chico Buarque, Quarteto em Cy, MPB-4 e não lembro mais quem no
Ginásio do União, deixei escapar a passagem dos Herman Hermits por
Porto Alegre, mas peguei Mutantes fazendo playback no programa do
Ivan Castro no Ginásio da Brigada Militar e vi Roberto Carlos desfilar
em carro aberto no centro da capital na volta vitoriosa do Festival de
San Remo. Mas a gente nunca sabe tudo nem nunca vai saber, como dizem os verdadeiros sábios. Pois foi ali por 1972 que a Élbia me convidou para ouvir ela cantando (desnecessário dizer que a essa altura eu
já estava apaixonado, né?) num show chamado Porta dos Fundos, no
recém inaugurado Teatro de Câmara (que ainda não se chamava Túlio
Piva, até porque o Túlio ainda estava bem vivo e ativo). Não vou lembrar, além da Élbia e de um cabeludo muito cabeludo chamado Tuca,
quem mais fazia parte da banda. Mas vou lembrar sempre que antes
da banda foi anunciado algo como um número de abertura. Entrou no
palco um cidadão chamado Bebeto Nunes Alves com um flamante violão de 12 cordas e cantou uma canção singela chamada De Manhãzinha
(“as galinhas vão cantar lá no quintal...”). Chapei na hora, não sei exatamente se pelo violão de 12 em si, pelo som do bicho ou, bem mais
provável – pela força, carisma e coragem daquele sujeito que entrou
no palco sozinho usando como defesa tão somente um violão e sua voz.
Lembrei, na hora, de uma propaganda da Giannini no Pasquim, na época
do Festival de Woodstock: uma foto de Ritchie Havens e a frase: “O cara
que cantou a liberdade em Woodstock não tinha dentes. Mas tinha um
violão.” Sinceramente não lembro muito do show do Porta dos Fundos
que se seguiu – a não ser que Élbia cantou Golden Slumbers, dos Beatles, lindamente, mas afinal eu estava apaixonado. A imagem de Bebeto com seu violão de 12 cordas enfrentando a platéia ficou para sempre. Um tempo depois, quando minha irmã exigiu a devolução do velho
violão Bungi com as cordas ajeitadas para destros, ela me levou até a
imensa loja Mesbla, que vendia instrumentos musicais – ali onde hoje é
a Ulbra, na Voluntários da Pátria – e disse: “Escolhe um pra ti.” Com os
olhos grudados num DiGiorgio de 12 cordas, eu só consegui perguntar:
“Qualquer um?” Ela disse “sim” e eu, sem pestanejar, falei: “O de 12!”
bebeto alves • Pág. 5
Jimi Joe
“O de 12!”
Claudia Lisboa
O Desígnio
do Escorpião
... E naquela manhã, Deus compareceu ante
suas doze crianças e em cada uma delas plantou
a semente da vida humana. Uma por uma, cada
criança deu um passo à frente para receber o
dom que lhe cabia.
Bebeto, homem - menino de alma tatuada com a potência do signo de escorpião, desenhou sua história
fiel às tendências da sua cartografia natal.
Suas composições são a expressão da força transformadora, que mexe com as entranhas, que não
dá folga para respirar. Bebeto fez do seu encontro com a arte o caminho que o levou às suas próprias
transformações. Tornou-se outro, diferente de si mesmo.
Tudo nele é marcado pela intensidade, pela angústia, pelas tormentas internas, consteladas pela
simbologia do planeta que recebe o nome do deus da morte: Plutão. E ele soube fazer destas coisas música.
Paralelamente, a presença constante das cenas da realidade cria as margens que desenham o imaginário
instigante. Ele fala de ruas, ele fala dos canos que levam e trazem as águas, ele cria o homem invisível
com imagens que podem ser tocadas com as pontas dos dedos. A tormenta tem materialidade, a angústia
é construída com os objetos que estão ao nosso alcance. Tudo isto bem representado pelo encontro de
Saturno com o Sol, que ocupavam a mesma longitude na esfera celeste no momento do nascimento do
Bebeto.
Seu trabalho congrega o anseio de todos que querem mudança, daqueles que andam na contra-mão
do fluxo comum. Ele fala por muitos, não está só quando compõe, sua imagem é projetada no espelho
da coletividade. As águas jorradas do aguadeiro encontram eco em quem ouve seu trabalho. As forças
de natureza feminina foram consagradas na sua cartografia pelo signo dos movimentos contemporâneos
e das ações de natureza social, o signo de Aquário. É também ele que nos sugere a possibilidade de dar
espaço ao paradoxo. E Bebeto é assim, paradoxal, sem compromisso com a coerência.
Tudo nele é fluidez e resistência ao mesmo tempo.
Bebetos
Bebetos
Bebetos
“A ti, Scorpio, darei uma tarefa muito difícil.
Terás a habilidade de conhecer a mente dos
homens, mas não te darei a permissão de
falar sobre o que aprenderes. Muitas vezes te
sentirás ferido por aquilo que vês, e em tua dor
te voltarás contra Mim, esquecendo que não Alexandre Derlam
sou Eu, mas a perversão da Minha Idéia que te
ebeto é um cara
faz sofrer. Verás tanto e tanto do ser humano,
cheio de vida e
que chegarás a conhecer o homem enquanto
ideias. E um cara
animal, e lutarás tanto com os instintos animais
assim deixa marcas por
em ti mesmo, que perderás o teu caminho; mas
onde passa. Tive a sorte
quando finalmetne voltares a Mim, Scorpio,
e talvez a benção de
terei para ti o dom supremo da Finalidade.
conviver com ele nestes
Martin Shulman
dois últimos anos. E durante
este tempo a gente rodou
muito por ai. Tudo começou
através das filmagens do
documentário “Mais uma
Canção” baseado nas suas
experiências e vivências
musicais (direção minha e
do Rene Goya – produção
da Estação Elétrica). A
produção deste filme nos
proporcionou viajar ao Rio
de Janeiro, Porto Alegre,
São Leopoldo, Uruguaiana,
Marrocos, Espanha,
Portugal, ufa...O bebeto
não para nunca. Isso todo
mundo sabe. Assim, aos
poucos, fui conhecendo os
bebetos. Tem bebeto que
toca e canta. Tem bebeto
que atua e fotografa. Que
faz exposições, gestão
bebeto alves • Pág. 6
B
Sebo
Café
&
cultural. Tem mais bebeto
que escreve roteiros e
colaborou comigo na
cerimônia de entrega
dos Prêmio Açorianos de
música em 2009 e 2010.
Artista com opinião sobre
tudo. Claro que nem
sempre se concorda com
o bebeto. Ás vezes ele é
temperamental (também
né, ele é de escorpião).
É inquieto, polêmico e
tá sempre agitando uma
parada. Tem pressa e
tremenda energia. O
resultado tá ai. Enquanto
todo mundo lança um
disco ele lança logo três.
Daí a expressão bebetos
não to certo?
Mas ninguém que
conheço questiona
sua generosidade e
criatividade. Bebeto ou
bebetos (como inventei
hoje) é um bom amigo.
Daqueles que mesmo nos
momentos tensos, tem
uma atitude alto astral e
positiva. Um cara ético
e honesto. Virtudes tão
positivas e necessárias para
o nosso Brasil. Lembro
de estar na Rua da Praia
(Andradas) aos 15 anos,
lá em 1987 (bá que
saudade). Eu caminhava
despreocupado e me
deparei com um jornal
de bairro numa daquelas
bancas típicas do centro da
cidade. Na capa estampava
uma foto do bebeto com a
manchete:
Bebeto Alves um artista
que não se entrega
aos modismos. Nunca
imaginaria que vinte e
poucos anos depois
ficaríamos amigos e que
estaríamos juntos nesta
aventura de um filme.
Cara, você é do bem e
nunca se entrega. Assim
como o teu Grêmio, tá
sempre na luta. Merece
todo o reconhecimento que
tens obtido. O convívio
contigo é um grande
prazer e privilégio.
Meu caro amigo, que
outros bebetos ainda
venham por ai.
Tenho me dedicado, entre outras coisas, a escrever roteiros para o teatro, uma constante. É um formato onde me sinto confortável,
pela intimidade que tenho com a linguagem, pelo gosto, pela paixão.
Fazer nascer personagens que se materializam pelas mãos de um encenador
e no corpo dos atores é , no mínimo, fascinante. Nada foi encenado até agora, mas, tenho na gaveta 4 roteiros.
Não tenho pressa , tudo ao seu tempo. Disponho aqui um trecho de uma das peças escritas nesses últimos anos, chama-se O Tubo.
A sinopse é do meu amigo Camilo De Lélis.
Espero que vocês curtam e que possam em algum momento assistirem a sua montagem.
O TuBO
No descomeço de lugar nium
Bebeto Alves
Antão e Murcilo estão numa estrada que é um tubo “no descomeço de lugar
nium”. São personagens atordoadas por seus questionamentos e por sons que se infiltram
nesse tubo, trazendo fragmentos de informações insuficientes para fazer sentido, porém
suficientes para delinear uma esperança de significado orientador nessa caminhada sem
fim.
Antão e Murcilo assemelham-se a D. Quixote e Sancho Pança e estão inseridos
num tempo que mistura o futuro previsível (para os próximos 50 anos) ao passado (com
o imaginário da década de 60), o que nos dá um espectro de aproximadamente 100 anos,
dentro dos quais a ação pode estar acontecendo. Antão e Murcilo estão procurando saber
quem são, que lugar é aquele e como foram parar ali. Surge a terceira personagem, Malva
Castanhola, uma espécie de Dulcinéia feia, suja e malvada e, com ela, as manifestações
psicanalíticas de um triângulo edipiano.
As personagens masculinas falam um português distorcido e a personagem
feminina se exprime através de um misto de “portunhol” com italiano. Essa experiência
lingüística apresenta uma comunhão de significantes desconstruídos, fragmentados
em pequenos pacotes que circulam, em repetições intermitentes, nos discursos das
personagens. Antão fala sem parar, numa tentativa de recordar e segurar alguma
referência de identidade. Murcilo escora-se nele, para reproduzir em si o que no outro
Antão, Murcilo e Malva Castanhola.
Cena I
Antão e Murcilo aparecem carregando seus
badulaques através do tubo.
Antão – Anda, anda Murcilo, que ni há de nada
pra lado nenhum que nos aguarda pra que né ?
Ni mais um dia desses que nascem anssi como
sempre aos borbotões, solis, nuvis .... ah nuvis !
E quem é que nos manda e nos desmanda hein
? É só nóis Murça, só nóis de dois . Anda, anda,
vamu Murcilo, que nada há que nos espere mais
por nóis anssi .viu ?
Murcilo (apalermado, correndo curtinho um
pouco atrás de Antão ) - O que ? o que ? Tu dizeu
demais de tudo que me abotoa tudo errado. Se ni
chego é como se tivesse ni vido pra ti. Tu sempre
despensa que atrapaio os dois lado do cabeçote
né ? E aí ... aí hein Antão ? Vido como tudo vai
anssi na vida né? Aliais, que qué né ? Meso essa
puta vida hein ? que coisa de mesisse chatomansa
de nóis hein ? Essa estrada anssi só pra frente e ni
que se destermina pur demais de tempo ...
Antão - ah, não me atordoa que eu ni me
desmereço. Parece que dessinto tudo e me
perco em desumanidade maléva e de pronto me
desataco para cima de tu viu ! ? Ôôô carrapato
das elétrica –tempestiva ! Ô omi dos cafundó
melequento que me descompassa !
Murcilo – Óia Antão ... faz de favor que ni me
Murcilo - ni adianta de nada se intocá dos
desconhece como assunto de que nóis tanto miolo que é sempre anssi ni é que meso ? eu
fala desde que fumo um dia pra sempre trais de mim meso faiz de conta que ni ovo mais .É
de ontem . Ah ...
tanto sonido e relãmpejo ...
Cacareco ! Que isso destonteia e meso viu
... pra mim meso viu ? Se não fosse pelo
que a Malva dizeu... já tinha me escafedido
da compãnia desse merdolento . Coitado!
- ômi desbaraio que ni pacienta mais. (puxa
(Murcilo deita-se sobre suas trouxas e
Antão pelas vestes andrajosas)
trapos. Fecha os olhos. Aos poucos adormece.
Ronca, se coça, etc. Antão olha para os lados,
-Tá cu fomi tá ? Acho meso inté que nois vasculhando com o olhar o que tem em volta).
devia comê um o otro alimento ... que ficá de
cara enfeiada anssi de mãnhazinha ni vai bem
Antão – Nada, nada ...cozinho os miolo
com nada .E se a gente se freia e embucha no nada e nessa tormenta sonificada que se
pouquinho mais raiz e transparência se queda desanuncia todo e santo dia a quarqué estante
bem mais meió, ni que é ? vai lá, vai ...
. Porque que se desfigura tanto anssi tudo tão
de repente ? Como que lugar onde já passei é
Antão (Olhando Murcilo com desalento) sempre o meso e nunca é . Palavrório, nomes,
- Óia ni é mais tão de mãnhazinha anssi, tudo o que me vem que ni sei donde que me
aqui o tempo passa todo descapitulado e dói de trás da testa pra dentro. Que merdança
desincomformado . Dias que é mais de longo, , que merdança !
otros como hoje vai sê dos curto.( Para,
descarrega seus pertences .) -Tá bom Murcilo
Onde que nóis tá nesse descaminho ? A
! tá bem de bom ... Vamu esquenta pouco mais estrada se mexe viva que nem cobra .pra cima
o bucho e despassá o mais do que se possa e pra baixo, pros lado, devagar, como o solis
despois. A noite desse frio vai pipoca os dente passando o tempo . E a gente parece que ni
da gente lá mais adiante, não muito despois dissente ... mas dissente, mareia .
disso, e vai geadar a alma denoseu que é nóis
E esse lugar que não é o meso que nunca e
meso. Se vai ... brrrr ! nem dá pra despensar
de todo .( fala esfregando as mãos, dando bafo pra sempre é ? Donde é que nus pariu? que
madre ? que mês ? Que não me alembro de
com a boca .)
nada. E se não me alembro, não sou nada,
( Param, sentam-se . Murcilo animado tira sou Murcilo, sou coisa niuma . Aliais, quem
de um farnel duas mandiocas. Descascam, é esse Murcilo que me anda junto, que me
comem, tomam água, se fartam . Palitam os sombra alinhavado, fedido e peidorrento . Me
dentes com pressão de ar e dedos . Fazem faz parar, me faz comer e despensar e peida
muito barulho comendo como se quisessem anssi ? Ni fome tenho meso nunca mais, ni
espantar alguma coisa em volta. Olham para esse descomposto do Murcilo também . Ni
todos lados . )
sei pra que nóis come e ni bem sei de onde
que saí das cosa desse Murça o que se come .
(Se ouve sons de canais de tv sendo trocados.)
(Antão fecha os olhos, se recosta nas suas
trouxas, se afroxa e começa a assoviar uma
canção . Fica inquieto, põe a mão nos bolsos,
pega uma bússola, tenta se localizar . Mexe
em suas coisas).
Entra Malva pelo tubo, lentamente na
penumbra , mal e mal se vê, ela é apenas
uma silhueta.
(Malva falando para Antão, que pára com
o que estava fazendo . fica pensando ...Não
olha pra Malva quando ela fala. Ela nesse
momento é apenas uma lembrança).
Malva – Antón como te dijo ya , vá
a venir un otro humanínia ...Tiene que
cuidar del, el es por demás importante
para tu preparacion .Nada de erros ...nada
...nada . Se mantegan pur la strata , no
hagan nada. Deja que todo passe por ti
, no te importes , no te assombres , no
pregunte , ni para ti mismo...eh ? ...ciao
Antón ... (desaparece...)
(Antão olha para Murcilo, que agora
dorme profundamente. Tira um funil de um
saco, se aproxima de Murcilo. Leva o funil
aos ouvidos de Murcilo e canta uma canção,
nina Murcilo).
(continua)
bebeto alves • Pág. 7
PERSONAGENS
já é um sonho. A própria voz falada passa a ser portadora de uma arqueologia de pseudosaberes, vinda de vinhetas comerciais de outro contexto de tempo-espaço e passa em
pulsações sonoras através do tubo. Antão e Murcilo ouvem, expectantes, essas vinhetas
e, religiosamente, dançam um rito de memorização a fim de materializar, em seus
corpos, esse tênue fio de sentido que sempre volta através das canções. Então, num
transe hipnótico, se contorcem em surtos epiléticos, choram, riem, gritam e vomitam
como crianças que ingeriram alimento demasiado forte... É um teatro de espectros,
cujos corpos de referência concreta estão perdidos.
No final da peça encontramos a saída numa resposta, que também é um espelho
a refletir a imagem para outro labirinto, numa alegoria da teia, do emaranhado, que é
a realidade cada vez mais virtual, desenraizada, ejectada de seus veículos de corpo,
emoção e fala, mas, ainda e sempre, a realidade humana.
O Tubo é um texto no qual o teatro - com seu espaço físico, sua cenografia e
os corpos em convulsão dos atores - aparece, principalmente, na dança dos neurônios
de quem lê ou assiste à peça, criando luz de entendimento e afeto. Um teatro que
aponta para a efetiva construção gregária, como pilar, farol, viga sustentadora de nossa
história humana. Camilo de Lélis
Márcio Pinheiro
Bebeto Alves anda numa fase de paradoxos. Canta o homem invisível ao mesmo tempo que se
mostra mais visível do que nunca, escancarando seu pensamento, suas ideias, seus sons e sua intimidade num documentário (“Mais uma Canção”) do qual é o protagonista. Fala nas suas raízes em Uruguaiana (questão sempre presente na sua obra e que com o passar dos anos adquire uma força cada
vez maior) ao mesmo tempo que empreende uma viagem pelo Marrocos e pela Espanha em busca das
origens da sua musicalidade. Um roteiro de revelações, de espantos e de descobertas. Fala em compor
menos, em deixar se surpreender pela música (“A música não está dentro de mim. Muitas vezes sou eu
que estou dentro dela”, ensina), mas num mesmo momento – de coragem e de audácia - coloca quatro
discos novos no mercado. São eles: um de trilhas sonoras, um acústico e um álbum duplo gravado ao
vivo.
O primeiro é uma coletânea com trabalhos feitos por Bebeto para TV (arquivo de trilhas do SBT),
cinema (“Netto Perde sua Alma”, de Beto Souza e Tabajara Ruas) e teatro (“Mehrda Presidentas” e “A
Salamanca do Jarau”). O acústico reúne 15 composições sendo que 14 delas são inéditas. A exceção é
“Ruas” parceria dele com Totonho (hoje, Antonio) Villeroy e que já havia sido gravada anteriormente
pelo co-autor. Da safra nova estão as parcerias com Camilo de Lélis (“Tirésias”), Reinaldo Arias (“Quero Mais”) e mais uma com Villeroy (“Outra Tarde Gris”). Além da parceria musical, Bebeto também
valoriza a parceria com o intérprete, tanto de velhos companheiros de pegadas artísticas, como o violinista Ricardo Frota (do seminal Utopia), na homenagem “Poema pra Cao Trein”, quanto de encontros
recentes, como o com a cantora Andreia Cavalheiro, em “It Doesn’t Matter”.
Mas a essência do Bebeto inquieto e andarilho está no disco duplo ao vivo. Gravado em duas gélidas noites de julho do ano passado no Teatro de Arena, o álbum cumpre um longo ciclo. Foi ali, no mesmo teatro localizado nas escadarias da Borges de Medeiros, que Bebeto soltou seus primeiros acordes
nos anos 70. Era a fase que a música gaúcha dava sinais de crescimento, misturando influências interioranas e urbanas, revelando contemporâneos de Bebeto como Nelson Coelho de Castro, Nando D’Ávila,
Cláudio Vera Cruz e Gelson Oliveira – além dos já veteranos Carlinhos Hartlieb e Raul Ellwanger -, e sinalizando
que finalmente o Rio Grande do Sul seria ouvido no resto do país.
Como uma reafirmação dos melhores ideais que esta geração representou, Bebeto construiu um disco que
traz um repertório irrepreensível e que revisita todas as fases de um artista que sempre soube estar em ebulição e interpretar seu tempo. Estão lá marcas da estrada como “Flash” (canção nascida de uma parceria com
o falecido Joe Eutanázia que de certa forma mostrava o otimismo de Bebeto com o novo país que surgia com
a Nova República), “Depois da Chuva”, “Kraft!... Mesmo” (sua primeira e única participação no festival MPB
Shell), “Mais uma Canção”, “Notícia Urgente” (sua canção do exílio, do tempo que morou no Rio de Janeiro) e
“Pegadas”, sua assinatura musical e talvez a sua composição que melhor reflita seu espírito andarilho. Produzido por Marcelo Corsetti, o disco ao vivo conta ainda com as participações de Jimi Joe (outro que estava nas
pioneiras noites do Teatro de Arena, em “Sandina” e “Pegadas”) e Oly Jr., que com sua mistura de milonga e
blues de certa maneira complementa o trabalho que vem sendo desenvolvido por Bebeto há mais de três décadas.
Aos 55 anos, depois de muitas e boas (e algumas nem tão boas), Bebeto, além de paradoxal, se mostra mais
sereno. Pai e avô, dividindo-se entre Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Leopoldo - onde exerce outra de suas
facetas, a de gestor público -, o artista que chegou a gravar os quatro primeiros discos cada um por uma gravadora diferente agora consegue rir sem amargura das loucuras que o mercado fonográfico aprontava na década
de 80. A receita, segundo Bebeto, é um certo desapego, um ouvido mais crítico e uma certeza de que o futuro
já existe. “Durante muito tempo tive uma saudade do futuro. Mas quem não teve?”, questiona Bebeto, para em
seguida responder que seu objetivo maior atualmente é ficar velho “Estou atrás de uma fonte da juventude às
avessas”, explica.
Nessa velhice tão aguardada, a música tem que surpreendê-lo. E, no momento, o que mais surpreende Bebeto são as artes plásticas em geral e a fotografia em particular. Ou seja, Bebeto está interessado nas imagens
e sua música se alimenta disso. Se antes Bebeto fazia manifestos, com letras longas e discursivas, hoje, com os
sons, Bebeto compõe retratos. Podem ser 3x4 ou postais ou até mesmo imensas panorâmicas. Mas a música não
pode mais estar separada da imagem. E como síntese desses novos tempos que o artista vive, entre o presente
e o futuro, entre o amadurecimento e a velhice, entre o som e a imagem, poderia se concluir que os olhos de
Bebeto estão em dois pontos diametralmente opostos - um no microscópio, outro no telescópio.
bebeto alves • Pág. 8 e 9
Que se pasa, Bebeto?
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Inte
BEBETOALVES – Questão de fronteira
Versátil e incrivelmente criativo, Bebeto
Alves é um artista ímpar na cultura brasileira.
Cantor, compositor, artista visual e gestor
cultural, ele dá conta de todas estas características
com muita criatividade e competência.
Na entrevista a seguir, feita por seu amigo
e parceiro musical, o escritor e crítico de artes
visuais Paulo Klein, ele fala de sua infância em
Uruguaiana, sua juventude em Porto Alegre, suas
experiências no Rio, São Paulo e no mundo.
À despeito de ser mantido um pouco à
margem do mainstream cultural brasileiro, suas
atividades são muitas e sua produção ininterrupta.
No momento em que relança algumas gravações
do passado, apresenta trabalhos inéditos e surge
em um filme sobre sua trajetória, Bebeto Alves
solta a voz e abre o coração nesta conversa
descontraída e franca.
PK - Comecemos por revelar seu nome completo
e o por que? do codinome Bebeto. Pode ser? Como e
desde quando?
BA- No inicio , desde sempre, eu, um Luiz Alberto
Nunes Alves, nome mais usado para preenchimentos
burocráticos quaisquer, ou contas a pagar. Bem antes,
como minha mãe costumava me chamar. Hoje ela
me chama de Bebeto. Não sei quando passei a ser
chamado assim, mas creio que desde a mais tenra
idade.
PK - Data de nascimento, filiação, profissão dos
pais, onde nasceu, lembranças da infância, início e
continuidade da formação.
BA- Nasci a 4 de novembro de 1954 em
Uruguaiana, cidade fronteiriça do Rio Grande do Sul.
Lá, colecionei maços de cigarro (os da argentina eram
preciosos), aprendi judô, esperava ansiosamente
pelos verões, pescava lambari no rio Uruguai, trocava
jibi nas matinées, tocava pedra em vidraça, soltava
bombas de São João, aprendi a tocar violão com o Seu
Miguel, que era sapateiro, cantava nos programas
de rádio, bailes, brincava no enorme pátio da cada
do meu pai, montava nos cavalos que entravam no
final de semana para dentro desse pátio. Meu pai
era funcionário da Receita Federal e minha mãe ,
que tinha exercido a profissão de professora quando
solteira, ao casar, passou a cuidar dos filhos e tarefas
domésticas.
Mas, voltando... Tomei umas boletas, cheirei
lança perfume, desfilava nos 7 de setembro, beijava
as meninas no cinema, adorava o circo e o carnaval,
ficava acordado com os amigos até ver o sol nascer,
lia, estudava, tinha muitos amigos, gostava de
histórias de terror, de assombração que os meus
irmãos contavam e, fui embora de lá, com minha mãe
e dois irmãos, para a capital, no ano de 1970. Uma
mudança drástica, pura adrenalina e ansiedade.
E, claro muitas coisas, que, ou não lembro, ou,
não merecem ser contadas, ou, ainda, não tem espaço
aqui para serem contadas.
Meu irmão mais velho , que morava em Porto Alegre
nos levava as novidades: Caetano, Chico, Gil, Mutantes,
e outras cositas más. Em 69, já ouvinte ligado em Stones
Beatles, etc, ouvi pela primeira vez Led Zeppelin – sai
do ar. Nunca pensei que se pudesse fazer uma música
assim, foi um delírio. E a partir disso, tudo foi rock and
roll e adjacências. Outra ligadeira: Liverpool, Marcelo
Zona Sul, me arrebatou.
“E, bom, sei lá, não
sei o quanto já li e o
quanto vou ler, mas, sigo
aflito em busca de um
desenvolvimento pessoal no
que está escrito ou sendo
pensado.”
PK - E as outras expressões (poesia, literatura,
artes visuais), vieram depois? Quando? Como?
BA - Ah, pois é ...Os livros, herança de pai e mãe.
Eles gostavam muito de ler. Meu pai lia um pouco de tudo e
citava frases famosas e de efeito, frases históricas como:
Alea jacta est! (risos) Contava histórias curiosas dos
filósofos gregos e de partes da história do Brasil. Desde
sempre me senti assim. me lançando à sorte.
Minha primeira leitura, propriamente dita,
leitura de conseqüência - e realmente foi para mim, pois
despertou a vontade e o gosto pela leitura -, foram os
livros de José Mauro de Vasconcelos, autor hoje pouco
lembrado, ou mesmo, até considerado pequeno, de pouca
grandeza, mas, era o que mais falava a mim, ao meu
universo interiorano.
Depois em Porto Alegre, dei um salto forte e
comecei a ler de tudo até me fixar em Huxley, como
me fixei nos livros todos do José Mauro.
E, bom, sei lá, não sei o quanto já li e o
quanto vou ler, mas, sigo aflito em busca de um
desenvolvimento pessoal, no que está escrito ou
sendo pensado. Não fiz nenhuma faculdade, não
tive uma experiência acadêmica, talvez por isso
a necessidade da leitura como formação mesmo.
O lance visual acompanhou tudo desde o
inicio, desde o cinema em Uruguaiana, da onde veio
a minha música.
Nos setenta conheci o” meu povo” em
Porto Alegre, pessoas que se reuniam na “Esquina
Maldita” no bairro Bom Fim de Porto Alegre, nas
cercanias da Faculdade de Arquitetura: Claudinha,
Danilo Tibiriçá, Caio Fernando Abreu, Carlinhos
Hartlieb, Dilmar Messias, Leo ferlauto, Ricky
Bols, Neny Scliar, Emilio Chagas, Peixe, Caramez,
Sônia e Juarez Fonseca, Ligia, Lidinha, Wesley
Cool, Carlos Asp, Bola Harres, Magra Jane, Nelson
“Toco” Soares, Nizinha Venturella, Mônica Schmidt,
Renato “Alemão” Endress,Lena Thompson, Leopoldo
Plentz , Eduardo Oliveira e mais uma larga sorte de
camaradas das mais variadas tendências, políticas
e sociais, mas, com certeza,” todos contra”.
Nesse meio nascia um grupo chamado
Utopia. O Utopia éramos, eu, Ricardo e o Ronald
Frota, assim batizado pelo Peixe, naquela época,
estudante de arquitetura e um grande desenhista.
Mais ainda, um agregador. Orbitavamos em torno
da sua “comunidade”, éramos dali. O Peixe era uma
espécie de guru. O Utopia foi um grupo importante
na cena musical daquele período.
Por um tempo me arrisquei a desenhar,
bebeto alves • Pág. 10
PK – E, a Música?...
BA - A música, desde sempre e nem sei por
que... não, sério, sei sim: por causa do cinema e
da rádio. Não víamos televisão. Era um aparelho
inútil por ali, não pegava nada, não havia antena de
transmissão, nem sinal. Só vi televisão quando fui
para Porto Alegre, isso, beirando os 16 anos, quando
eu conheci o mar também. Por isso a tv é um objeto
que não sinto nenhuma atração, não me faz falta.
Mas, ouvi de tudo lá na fronteira: rock argentino,
musica regionalista, o iê, iê, ié de Roberto Carlos e
Erasmo.
Ifood - Photopopshow
Ifood - Photopopshow
Sub-Postais /Lisboa
entusiasmado e influenciado por grandes
desenhistas e plásticos como: Julio “Flash’ Viega,
Mario Ronhelt, Ricky Bols, Milton Kurtz,o próprio
Peixe, Danilo Jacaré, Maciel, Marcos Pilar e mais
uma outra sorte de artistas de grosso calibre.
Época de publicações , jornais, revistas, da contracultura, e estávamos todos lá. Uma história que,
para mim, se arrasta até os dias de hoje.
PK - Vc se lembra exatamente, como e
quando nos conhecemos? Acho que já era 1980 (e
tantos), né? Você já estava aqui quando fizemos
o Encontro Independente, no SESC Consolação e a
Procopiarte, na Rua Augusta? Lembro que eu estava
junto com o Zé Ramalho e Zé do Caixão no show
doTeatro Procópio Ferreira. O Carlos Alberto Sion
era o empresário do Zé Ramalho. É o período no
qual fiz capas de álbuns e prestei outros serviço
de apoio (assessoria de imprensa, inclusive) para
a Elba Ramalho, Alceu Valença, Amelinha e Zé
Ramalho.
BA - Sim, te conheci justamente nesse
período. Carlinhos Sion me levou até o Teatro
Procópio Ferreira e nos apresentou. Carlinhos foi
um cara especial na minha vida. Gostava do meu
trabalho e via nele uma forma de trazer para o
caldeirão da musica popular brasileira esse veio
sulista. Ele achava , naquela época, que podia
acontecer com o sul, o mesmo que tinha acontecido
com pessoal do nordeste. Deu zebra, e por varios,
motivos. Zebra no sentido mercadológico e cultural
sim. O que não aconteceu tem explicação, ou
melhor dizendo, o que aconteceu. A história é muito
comprida. Mas, o fato de estarmos até hoje, não
só em atividade, mas atentos aos acontecimentos,
fazendo parte deles de uma maneira ou de outra,
propositivos, é significativo.
Nessa época,( eu morava na Augusta,
lembra?) o Carlinhos me ligava ou passava por
lá para me levar para um almoço digno de um 5
estrelas ou simplesmente para me deixar uma
grana. Esse era o cara. Quando ele conseguiu o
contrato com a CBS, hoje Sony, para gravarmos o
meu primeiro disco, fiz questão de pagar ao Carlos
um pouco do que ele me adiantou naqueles dois
anos de dureza em São Paulo. Falo isso, porque
obviamente o Carlinhos ja estava levando algum
pela minha contratação por lá. Normal. Nunca
conversamos sobre isso, mas ele apesar de ser
uma pessoa complicada – eu não entendia muito
bem - era um cara muito generoso.
PK - Lembro que você era um cara boa
pinta (aliás, modéstia a parte, éramos...e ainda
somos...rsrs), com um enorme talento, mas teve
que trabalhar na noite, como músico e até como
garçom. Pode nos falar sobre sua chegada em
Sampa (lembro que morava com um casal nas
imediações da Augusta...), como foi o encontro com
a cidade, a sobrevivência, a cena musical...Lembro
também que vários músicos do sul estavam vindo
pra cá...seguindo o exemplo do Kleiton e Kledir,
Raul Ellwanger, que havia sido gravado pela Elis...
Enfim...Anos 80. Fale um pouco da sua experiência
em São Paulo e Rio, gravadoras, festivais, etc...
BA - Pois é , como falei antes, anos de dureza.
Fui para São Paulo com a Claudia e a Luna, minha
primeira filha, pequeninha. Claudinha foi trabalhar
com o Bola (Antônio Carlos Harres, astrólogo, como
ela ) na Escola Júpiter. Fomos morar com ele e a
sua mulher na época, Inez, em Perdizes. Ficamos
pouco tempo juntos e nos separamos. Fui morar
com um camarada do sul que tinha um AP onde
moravam mais pessoas. Ali estava também, meu
Ifood - Photopopshow
antigo parceiro de música, o Ricardo Frota, violinista
da pesada. Fizemos uma dupla de música instrumental
e nos arriscamos na noite. Foi complicado, mas, rolou.
Tocávamos nas melhores casas de São Paulo da época:
Dama da Noite, Vitória Pub, Lei Seca. No Bixiga, nos
apresentávamos no Persona, do Roberto Campadello.
Figura...!
Tinha uma “ amiga – namorada ” , Regina, que achou
que eu ia me “fuder” de tanto beber e tomar “porcarias” e
me aconselhou a parar de tocar na noite. Me arrumou um
emprego de garçon numa casa de chá em Pinheiros, a ErvaDoce, de um arquiteto sulista chamado Claudio Ferlauto.
Gostei, estava mesmo precisando dar uma parada. A Cris,
mulher do Claudio e a Djanira, a outra sócia, eram muito
legais. Fiquei ali comportado alguns meses e foi ótimo.
Comia as tortas da senhora Décio Pignatari, inventávamos
misturas de chá, conheci muita gente legal. Fizemos uma
mostra de musica do sul ali. E lá nos encontramos todos,
gaúchos perdidos na cidade e novos amigos. Dos ” perdidos
“ estavam, que eu me lembro agora, o Caio F. Abreu, o Nei
Duclós e o Zé Antônio Silva. Mas, foi uma noitada. Tocaram
o Fernando Ribeiro, Raul Ellwanger, Mario Barbará, que
morou comigo na cidade, Nelson Coelho de Castro e não
lembro mais quem.
Ah não posso deixar de citar um “baita” companheiro
nessa empreitada, o Álvaro, poeta, professor de história
e um dos sócios do Erva-Doce. Recebíamos telefonemas
anônimos, ameaças de bomba. Fechávamos a casa e íamos
tomar sopa no Pirandello .Nessa época estouraram muitas
, me lembro.
Mas eu já vivia essa experiencia de “ estarsendo” dos lugares, ou, nos lugares.Compunha milongas
perambulando na madrugada da Rebouças, caminhando
em direção à Augusta. Me sentia um pouco dali, um pouco
daqui, afinal... pensava, era tudo Brasil.
Você foi muito importante e continua sendo, pois
continuamos amigos desde aquele então, coisa que não
aconteceu com mais ninguém, praticamente. Lembrei da
Sonia Abreu agora, cadê ela?
Dai fui para o Rio, contratado pela gravadora depois
de uma reunião com o Sion e todos os executivos ai em
Pinheiros, na Prudente de Moraes, pode ser?
Bom, era para ter acontecido isso não? Afinal
estávamos ali para isso. Lembrei de outra pessoa
importante no período, Tânia Alves, grande amiga, grande
pessoa, grande artista.
Nos encontramos, eu e a Claudinha no Rio e casamos
novamente. Desse “segundo casamento’ nasceu a Mel.
“Krafts Mesmo! está nesse
disco que o Carlos Sion
produziu para a CBS, meu
primeiro disco individual. Um
disco que, confesso, tenho
alguma dificuldade com ele,
apesar dos “ôbas” que ele
levou e da super produção.”
PK – Dê a sua versão sobre a nossa canção Krafts
Mesmo, que participou de um festival da Globo – creio
que foi o Abertura, não? – Você lembra quem mais estava
nesse festival? Quem ganhou? Foi Kleiton e Kledir, não???
Aproveite e fale do álbum que gravou para a CBS. Foi
isso? O que contém ele reunia de músicas, de parcerias...
Como foi a receptividade na imprensa, no Sul e aqui no
Eixo Rio-SP?
BA - Estravazamos na tua poesia do “Couer
Rasgado”, no Erva-Doce, e dali saiu uma parceria nossa
que nos levou ao festival da Globo. Musiquei um poema teu
Sub-Postais/Rio de Janeiro
e demos o nome de Krafts mesmo! Pura onamatopéia.
Dei uma ambientada no sul, trocando o Vidigal
do original pela Restinga, bairro afastado, periférico
de Porto Alegre. Krafts mesmo! está nesse disco que o
Carlos Sion produziu para a CBS, meu primeiro disco
individual. Um disco que, confesso, tenho alguma
dificuldade com ele, apesar dos” ôbas” que ele levou
e da super produção.
Mas, tem uma música que virou um símbolo
daquela geração no sul: De Um Bando. Claro, tem
coisas legais mas ...A capa é horrível, sempre
achei , apesar de nunca ter tornado isso público,
ou admitido, pra mim mesmo. E o trabalho é de
um homem admirável, de quem sou fã, um dos
artistas plásticos mais reconhecidos do Brasil, Carlos
Vergara.
Encontrei o Vergara ano passado no MAM ,
no Rio, na exposição do Vic Muniz, ele me falou que
estava preparando uma exposição com esse caráter,
só com suas peças gráficas e me disse: “Vou colocar
a sua capa”. Acho que ele pensou melhor, a respeito.
Espero...(risos)
Não vi a exposição do Vergara mas, tenho
certeza que a capa não deve ter entrado. Fotos do
saudoso Bina Fonyat, parcerias, além da nossa, com
os poetas conterrâneos meus , de Uruguaiana, Luis
de Miranda e Nei Duclós. Nei já morava há um bom
tempo em São Paulo, escrevia na Veja, Isto é, sei lá
, uma dessas ai.
PK - Como você levou em paralelo a tentativa
de acertar artisticamente e a vida familiar? Você a
Claudia Lisboa, as filhas, depois as outras relações.
BA - Nada foi em paralelo, a vida não me
permitiu que vivesse as coisas assim desse modo. A
Claudinha sabia disso, com ela também foi assim. Ela
abandonou a faculdade de arquitetura ao descobrir a
astrologia que a levou a se tornar a pessoa conhecida
e reconhecida que é hoje. Criamos as meninas dessa
maneira. Elas, em algum momento, duvidavam disso:
Um pai músico e mãe astróloga, ãh? Nada muito
convencional. Pois é... Casei outra vez, tive outra
filha, a Kim, mas nunca em nenhum momento da
minha vida houve qualquer possibilidade de eu me
tornar aquilo que eu jamais poderia ser: um outro. As
pessoas que viveram comigo sempre souberam disso,
não duvidavam, acreditavam, me apoiavam, enfim...
PK - Como e quando você retorna pro Sul depois
de longo tempo por Rio/SP?
BA - O retorno foi um só, quando voltei dos
EUA em 87, depois de ter vivido alguns meses em 86,
em Cambridge, cidade periférica de Boston. Um só,
pois a partir daquele momento entendi que a gente
não voltava mais, que não existia a volta. Depois
desse período foi um entendimento de que o mundo
era o lugar para habitar e me fazer sentir. Estou em
deslocamento desde então. Estou onde o tempo me
ocupa e a ocupação estimula a minha criatividade.
PK - Conte de suas experiências com a música
nativa do Rio Grande, os festivais e os álbuns que
gravou? Quantos? Com quem?
BA - A Minha experiência com a musica nativa
foi um pouco conturbada pois não acreditava muito
naquilo, não daquela maneira. Eu era muito jovem.
Eu estava no meio do pampa antes da aculturação
da milonga e outros ritmos platinos e ouvia rock
and roll e via pessoas que tocavam rock and roll nos
bailes em Uruguaiana vestidas de gaúcho e tocando
aqueles músicas que não me convenciam. Eu não tinha
condições de reconhecer qualquer coisa dessas como
uma manifestação da nossa cultura. Eu entendia
aquele movimento como extremamente conservador
na busca de um purismo inexistente.
Isso foi há muito tempo. Depois de um
bebeto alves • Pág. 11
Sub-Postais/Tanger
longo período de atrito, as coisas se equilibraram
favoravelmente ao que pensávamos: que dar
margem a criatividade, as misturas, era o melhor
que podíamos fazer, que traria algo novo, diverso,
amplo. Acho que os discos que gravei interpretando
as obras de Mauro Moraes possibilitaram as pessoas
verem melhor aquilo que eu acreditava e não tinha
maturidade para propor, ou, o que não estava
totalmente esclarecido nas minhas musicas. E, verdade
seja dita eu não gostava mesmo? E como poderia? Não
era uma representação do eu era e do que já tinha
vivido como fronteiriço. Mas, a minha idéia do que
seria a música sulbrasileira persistiu e me acompanha
até hoje. Lancei muitos discos, 23 ou 24, por muitas
gravadoras e alguns selos pequenos e independentes.
“Vale a imagem, toda
e qualquer imagem
publicitária como uma
ilustração argumentativa de
Houllebecq, ou, de um
futuro já há muito
alcançado, ou,
distraídamente, já passado,
ou algo assim, segundo
Baudrillard,
existe mais algum?”
bebeto alves • Pág. 12
PK – Quando chegou em São Paulo lembro que
você já trazia uns zines, cartazes, poemas visuais e
outras “cositas gráficas”. Como e em que grau pintaram
as artes visuais na tua vida?
BA - Na verdade a necessidade de criar me faz
eu me utilizar de todas as técnicas disponíveis outras
linguagens, As vezes sinto que só a música não me
tranqüiliza, não me conforta, não me preenche e eu
mexo com tudo. As artes visuais mais do que qualquer
coisa, me estimulam, colocam-me em movimento . O
silêncio, a não-música, a palavra. Acho que tudo começa
pela palavra, mas a imagem é o seu espelho, qualquer
imagem é um espelho e tudo é imagem, ao contrario
do que dizia aquela propaganda de refrigerantes – “ A
imagem não é tudo “ , sem querer me utilizar de clichês.
Nos anos 70 o desenho, as drogas alucinógenas,
novamente o cinema, compunham um contexto criativo
onde pulsava a poesia. A poesia primordial, de onde
irradiam todas as coisas.
A mudança comportamental, apesar da
esmagadora ditadura militar, os desencontros,
as mudanças de paradigmas, um mundo infinito e
instantâneo se prenunciando, tornavam possivel sonhar
uma grande transformação social, baseada em em
outros valores
Lembro agora do livro do Michel Houellebecq,
Partículas Elementares, que não nos poupa ao nos
identificar como os artíficies dessa realidade nova em
que estamos envolvidos hoje , perdendo a noção entre
o real e o ficcional , de maneira hedonista.
Vale a imagem, toda e qualquer imagem
publicitária como uma ilustração argumentativa de
Houllebecq, ou, de um futuro ja há muito alcançado,
ou, distraídamente, já passado, ou algo assim, segundo
Baudrillard, existe mais algum?
Fiz muito Xerox, no tempo do Xerox, e quem
não fez? A gente “xerocava” tudo, a cara, a mão, a
bunda, tudo. Lembro de um que fiz e que o correio
passava adiante em datas especiais, ou em momentos
especiais, em que alguma idéia se concretizava: Terra
em Trânsito, já estabelecendo para mim , além de uma
referência a Glauber, o ser humano em deslocamento
e, “ outras bobagens “.
PK - Quando e como assume o trabalho com a
Fotografia?
BA - Sempre fotografei, sempre procurei dar
um enquadramento ao mundo, sempre fui voyeur.
Já fotografei sem câmera alguma, fotografei com
câmeras ridículas, que nem amadoras eram. Acho
que a fotografia faz parte de um certo voyeurismo, o
fotografo é um voyeur, não? O que acho bacana nessas
atividades, assim como na literatura ou, na pintura, é
que o artista não aparece.
Claro que sim , quando dono de sua própria
linguagem, escola, estilo, ou como um auto-retrato,
mas, ao contrario do artista pop e da sua super
exposição midiática, ele é incluso, ele está, não é,
apesar de ser, sem duvida.
Minha filha Mel me deu de presente uma
câmera mais profissional, uma Sony. Com ela comecei
a descobrir coisas que intuía, ou mesmo que nem
imaginava na arte de fotografar, além do olho, e
da oportunidade. Descobri a luz e suas nuances,
suas armadilhas. Descobri as dificuldades técnicas e
suas soluções. Me auto eduquei e continuo me autoeducando.
A Mel fotografa super bem, a Claudia também,
fotografar está no âmbito das nossas descobertas
. Hoje tenho trabalhado com boas câmeras e lentes
apropriadas, ampliando a área de conhecimento da
fotografia e , mais, buscando uma linguagem. Uma
foto boa é uma foto boa e ponto final, fala por si, mas,
uma foto boa não exprime toda a minha aflição, o meu
desejo, por mais contundente que seja. Acredito que a
foto que eu gostaria de me apropriar, é um acumulo,
uma dosagem, de imagens, uma composição. São
texturas , camadas. Quando eu penso em uma foto,
“ela” são muitas, são imagens alem delas mesmas, uma
outra possibilidade para ela existir, imagens internas
das imagens.
Uma foto é material para manipulação, é assim
que me relaciono com a fotografia hoje, neste momento.
Tenho admiração por bons fotógrafos, sempre fui um
fotografado, não? O Luis Antônio Catafesto, o Emilio,
fotógrafo da Zero-Hora, a Dulce Helfer, a Irene Santos,
a Gabriele Lemanski, o Japa, o Alemão Uda, o garoto
Luiz Frota lá do Rio e muito mais gente.
“Tenho buscado o
entendimento daquilo
que estou fotografando e
revelado uma imagem que
é uma parte subjetiva dela
mesma, não do fotógrafo,
não uma interpretação do
olho, mas da alma do que
está sendo fotografado.”
PK - Como está trabalhando e pretende
desenvolver este trabalho no âmbito das Artes Visuais?
BA - Tenho trabalhado no sentido de desenvolver
composições próprias, de composição, de trabalhar a
montagem ou colagem fotográfica. Perdi o pudor com
isso, quando me dei conta que, ao utilizar a câmera,
a gente já faz isso; corrige, expõe, contrai, expande,
altera a luz, produz a cena, mesmo no instantâneo.
Tenho buscado o entendimento daquilo que estou
fotografando e revelado uma imagem que é uma parte
subjetiva dela mesma, não do fotógrafo, não uma
interpretação do olho, mas da alma do que está sendo
fotografado. Poderíamos usar a imagem de um caçador.
Quando fotografo me sinto caçando.Tenho que saber
o movimento, aprender o comportamento da imagem.
PK - Fale da Música, da Literatura e das Artes
no Rio Grande do Sul hoje, a partir da sua visão, da
sua experiência.
BA - No rio Grande do Sul tem muita coisa que me
interessa. A música diversa que se produz, a literatura,
desde Dionélio Machado. As Artes Plásticas sempre me
interessaram como uma parceira da música também.
Já fiz espetáculos me utilizando de obras, quadros,
mas não emoldurando, como cenografia, mas como um
elemento de relação. Em 92 fiz um espetáculo chamado
Objeto em Exposição, com a artista plástica Daisy Viola
, e com ele ganhamos o Prémio Açorianos de espetáculo
do ano. O Sul me ocupa, possibilita muitas coisas, pois
as pessoas sabem da minha capacidade de trabalho.
Faço gestão cultural, fui secretário de cultura da minha
cidade, diretor do IEM, Instituto Estadual de Música,
fundamos uma cooperativa de músicos, a COOMPOR,
escrevo roteiros de espetáculos, atuo, faço filmes,
fotografo, assim, tudo de roldão.,
O sul se relaciona institucionalmente com os
paizes vizinhos, tem um ar europeu, tudo muito sem
frescura, naturalmente. É sério, me agrada, me sinto
útil , capaz, aqui nesse lugar.
“Estamos vivendo um
momento da história
da nossa sociedade
contemporânea , de uma
mudança profunda e
radical. O mundo como
o conhecemos está
acabando e eu quero estar
em condições de viver,
entender e interpretar
isso.”
PK - Comente seu momento existencial, sua
música, sua relação com as artes visuais, seus objetivos
no futuro. Sua família. Suas alegrias, tristezas,
decepções, esperanças.
BA - Preparo o lançamento do meu novo projeto
musical: Bebeto Alves em 3D. São três discos novos
lançados de uma vez só: Bebeto Alves e os Blackbagual,
Ao Vivo no Teatro de Arena – esse disco tem um sabor
de uma retrospectiva que jamais fiz. Músicas desde o
primeiro disco aparecem ai com uma nova roupagem,
ou nem tanto.
Cenas, um disco de trilhas sonoras. Tenho
desenvolvido ao longo dos anos, trilhas para os mais
variados tipos de espetáculo - teatro, cinema, televisão
etc. Reuno as melhores nesse disco.
O terceiro é um disco de inéditas, gravadas de
forma inédita: praticamente violão e voz, com um
ou outro instrumento de percussão tocados por mim
mesmo, chama-se O Maravilhoso Mundo Perdido.
Já em processo de finalização, necessitando
ainda de recursos, o filme Mais Uma Canção, longadocumentário sobre meu trabalho, produzido pela
Estação Elétrica.Esperamos que ainda para este ano.
Estes são trabalhos que sintetizam meu
momento, um momento de grande atividade e
expectativa.
Me considero um cara de sorte, tenho uma
familia linda, nada convencional, grandes amigos,
estou em deslocamento, me acostumei a isso, não
consigo viver em um só lugar, me estabelecer. Minhas
raízes estão espalhadas por ai e me sinto em atenção
permanente. Me agrada o momento de maturidade.
Quero viver tudo ao que tenho direito, não vou me
queixar de nada, de passado nenhum, nem de qualquer
dificuldade imposta pelas relações , sejam elas de
que natureza for. Estamos num momento da história
da nossa sociedade contemporânea, de uma mudança
profunda e radical. O mundo como o conhecemos está
acabando e eu quero estar em condições de viver,
entender e interpretar isso. Foram as escolhas minhas
sempre um grande prazer e uma grande lição. E, vai
ser sempre assim.
Nelson Coelho de Castro
Na Rua Senhor dos Passos, no sopé de uma pequena
escadaria e adjacente a um portão de ferro, ficamos nos
despedindo sem pressa alguma: Nando, Carlinhos Raul,
Claudio, Bebeto e eu. Este âmbito dava entrada ao edifício
donde ficava o estúdio da Isaec (Instituto Sinodal de
Assistência. Educação e Cultura). O encontro se deu depois
de participarmos de uma reunião para tratar da gravação do
disco Paralelo Trinta. Lembro que o meu coração galopava no
goto quando, meses antes, desliguei o telefone após atender
a ligação do Juarez Fonseca. Ele, o fulcro da idéia, havia me
convidado para participar deste disco. Metido nesta trupe
duma hora pra outra, e agora ali diante dela, vibrava ainda
sob aquela emoção, num mix de embaraço pueril e alegria.
Conhecia o Bebeto e o Carlinhos mais pela Rádio Continental
e por alguns shows coletivos, o Raul estava retornando
aos pagos, o Claudio pelo grupo Som 4 e o Nando pelo
Juarez me falar. Ficamos ali sei não quanto tempo, nos (re)
conhecendo, falando como seria o disco, comentando sobre
as canções escolhidas, os estilos de cada uma e o futuro
da música em Porto Alegre que, justo naquela efeméride,
começava a escancarar uma história que jamais poderíamos
conjecturar... O sol da tarde veio da Praça Otavio Rocha,
pincelou de laranja nossas indefectíveis bolsas de couro,
também os cabelos até os ombros de pelo menos três de
nós e mais ainda os nossos olhos abarrotados de cristais de
felicidade e anseios. Nos despedimos, combinamos algum
novo encontro antes de começar as gravações, descemos a
escadaria, abrimos o portão de ferro e entramos na cidade
para sempre...
Juarez Fonseca
Bebeto, não é que hoje eu não continue
fazendo as coisas com espontaneidade. Sempre
fiz. Mas se fosse fazer um outro Paralelo 30 hoje,
com novos músicos e músicas, acho que teria
mais, digamos, pompa e circunstância. Em 1978
tudo me pareceu natural porque tudo era novo,
vocês na música, eu no jornalismo, e via todos
na mesma barca, mesmo rota, mesmo objetivo.
Nem considerei o fato de eu nunca ter entrada
em um estúdio
A ISAEC tinha recebido da Alemanha uma
mesa de gravação tão cheia de recursos como
as dos estúdios de Rio e SP, estava criando uma
gravadora para concorrer no mercado nacional,
trouxera o Geraldo Flach para dirigi-la e os
horizontes eram os horizontes, ou seja: tudo
aberto e amplo. Recente amigo do Geraldo, tive
a ideia do disco e propus a ele, que topou de
imediato, chamando o Sepé para compartilhar
a produção.
Por que escolhi vocês? Porque vocês
estavam nesse horizonte de Rio Grande do
Sul brasileiro que nos movia, o sentimento de
identidade, lembra? Muitas descobertas. Eu já
tinha te ouvido cantar milongas, e eras pop,
como eu ouvia e gostava no Utopia. Carlinhos
era amigo bem próximo desde os tempos da
Faculdade de Filosofia, dez anos antes, também
com a utopia rural dos hippies, conversávamos
bastante.
Nando eu tinha visto num show no Clube
de Cultura, acho que em 78 mesmo, e me
impressionado com a doçura e as melodias com
que cantava o Sul. Já o olho em Vera Cruz vinha
de 1972, quando eu o vira, audaciosamente,
subindo ao palco no primeiro show Gil em Porto
Alegre e matando a pau na guitarra ao lado
de ninguém menos que Lanny. E agora estava
fazendo umas canções com espírito sulista.
Recém chegado do exílio, Raul trazia
o espírito da resistência às ditaduras latinoamericanas e a ideia de união cultural, bem
mais abrangente que nossa visão, digamos,
gauchesca. No Paralelo 30, cantou samba e
chacarera e pregou a ausência de fronteiras.
E Nelson foi, ao mesmo tempo, a maior
novidade e, quem sabe, a quintessência
porto-alegrense do disco, um criador sem
classificação.
Bebeto, hoje tenho orgulho do Paralelo
30. Mas foi a história e vocês quem me fizeram
sentir isso. Até uns bons anos atrás, imaginava
apenas ter feito um trabalho de registro pelo
lado de dentro. Porque sempre me senti um
de vocês, e ainda me vejo assim. De vocês e
muitos mais, de todos os gêneros e matizes.
Não temos do que nos queixar...
bebeto alves • Pág. 13
1978
Minha história
Marcelo Corsetti
O ano era 87 ou 88, tava fria aquela noite e
fomos, o grande amigo Schimo e eu assistir o show do tal
Bebeto no Araújo Viana. Lançamento do disco PEGADAS,
posteriormente um clássico de nossa música. Foi fantástico.
Depois da apresentação, só nos restou jogar sinuca no Bar
Redenção, nas mesas grandes, pois depois de um grande
espetáculo não cabia jogar nas mesas pequenas, mesmo
que nosso jogo não fosse assim de grandes virtudes - o
que depois se mostrou um pouco arriscado naquele local
- pois a assistência ficou um pouco indignada com nossa
performance.
Como em uma novela da tv, corta para 92, encontrei
o tal Alves na entrega do Troféu Açorianos de Música, ele
ganhou melhor espetáculo. Como bom iniciante, meio
revoltado, questionei: como um show de violão e voz pode
ganhar melhor show?
Corta de novo, para 94, 95, 98... Nos encontramos
nas gravações do projeto JUNTOS e… cara, o neguinho é
mais chato que eu: brigas, discussões e tudo que vocês
puderem imaginar. Como dizem, dois bicudos não se beijam.
Éramos, tipo assim, quase inimigos.
Em 2002 fui assistir ao show BLACKBAGUALNEGOVEIO,
mas, antes disso tinha encontrado o sujeito no PROJETO
RODA SOM, onde tocava meu projeto XQUINAS.
Conversamos civilizadamente pois, como disse antes,
éramos quase inimigos.
Quando vi o BBNV entendi como o show de 92 tinha
sido premiado: não é que o sujeito sabia fazer as coisas?
Ao fim desse show propus de gravarmos o BBNV (só eu
mesmo). Resposta do sujeito: pra quê? Eu: pra que sim pô!
Aí iniciou-se uma grande parceria que serviu pra
realizar um de meus sonhos: tocar PEGADAS, ao vivo!
Tem sido de muitos frutos o convívio com o
BLACKBAGUAL, sujeito politicamente incorreto por
natureza (tipo este que vos fala) e sem papas na língua
nem que isso vá prejudicá-lo em muitas situações (não sei
se esse sujeito é boa companhia).
O BEBETO ALVES E OS BLACKBAGUAL, AO VIVO
- Do projeto 3D, é mais uma realização de sonhos:
tocar um show com grandes parceiros fazendo um
disco que tem tudo pra entrar pra história, direto e
sem frescuras, como é o LUIZ ALBERTO NUNES ALVES.
VAMO QUE VAMO!
(Marcelo produziu os disco Blackbagualnegovéio e
o “ Ao Vivo “ no Teatro de Arena, que está sendo
lançado no projeto Bebeto Alves em 3D. Tem
acompanhado Bebeto de 2004 pra cá, em todas
as suas produções).
Foto/Gilson Schlindwein
Wagner Coriolano de Abreu
bebeto alves • Pág. 14
Nos inícios de 2009, Bebeto Alves veio
compor a equipe da Secretaria Municipal da
Cultura, chegando com laptop e máquina
fotográfica. Tive a satisfação de cruzar por ele
logo no primeiro momento, quando se instalava no
Centro Cultural José Pedro Boéssio. Bebeto quis
saber de um artista uruguaianense que reside na
cidade e, ainda naquele dia, visitamos o atelier
de Rogério Severo, forte expressão na pintura e
no desenho. O encontro foi memorável, os dois
afinaram a prosa em torno de perspectivas de
criação. Descobri que o compositor de Pegadas
e Tchau palmilha há muito tempo as veredas das
artes visuais.
Com Bebeto Alves à frente do projeto Hora Local, em São
Leopoldo, participei da produção do jornal enviando artigos
sobre leitura, poesia e diversidade cultural. Recordo que fiz
uma anotação em torno de poesia e música, a fim de contemplar
o foco daquele projeto do Núcleo de Música da Secretaria da
Cultura em parceria com a Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
De uma edição para outra, tornei-me também leitor
assíduo da versão impressa do Hora Local, encantado com a
riqueza gráfica e a linha editorial, seleção de textos e imagens
que contemplaram a Cultura com o que há de melhor atualmente,
em termos de debate propositivo. Na trilha do jornal, apreciei
as diversas ideias, melodias e ritmos com os quais Bebeto Alves
movimenta a cena cultural e música popular brasileira, o que
não é de hoje.
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ebeto Alves e eu tivemos formação semelhante no que tange à música. Parece
sacrilégio dizê-lo: ele, músico consagrado; eu recolhido à caverna paleolítica
para sempre oculta. Mas fazemos parte de uma Uruguaiana anterior a Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul, marco divisório da cultura musical do
estado. Ele a vivenciar a “baixada” da Rua Duque de Caxias, o rio Uruguai, o Tênis
Clube, o porto; eu cruzando os campos do Touro Passo; os dois unidos, de qualquer
forma, por uma origem rural das primeiras famílias povoadoras da Fronteira.
E a Fronteira nos caracteriza, nos abraça e nos fascina. Nossas canções de
ninar foram temas castelhanos, penetrados muito fundo em nosso inconsciente.
“Y el habla” que misturamos algumas vezes a cultura americana como ecos
da geração anterior.
“Qué se pasa, yo no sé. Qué se pasa, yo no sé porque: en la Frontera Oeste
estaba dormido!...”
A geração pós guerra revolucionou o mundo. Woodstock, os festivais da MPB,
e finalmente a Califórnia, explodiram marteladas na bacia do caldo amolecido de
cultura, saltando tendências para todos os lados. Meu amigo virou roqueiro em determinado tempo; mas nunca cortou o cordão umbilical que o mantinha ligado a
Uruguaiana, assim como nunca perdeu a batida original do violão que revela em si
a Fronteira. Em 2004, subindo ao palco da Califórnia, apresentou “uma milonga feita pelo Mick Jagger e Keith Richards, dos Rolling Stones”, e cantou Paint it Black no
estilo da milonga que aprendemos dos antigos “guitarreros criollos” platinos.
Ligado, mas não escravo: Bebeto Alves é hoje um cidadão do mundo. Viajado, culto, inventivo, capaz; um artista que orgulha os amigos. Amigos que cultiva
e cativa pelo carinho, embora o homem da Fronteira que vive nele mantenha sob
o olhar castanho e firme, de sobrancelhas carregadas, uma aparente dureza que se
desmancha ao cantar.
Seu canto é livre. Se mantém o tom até certo modo campeiro do Rio Grande,
é porque tem raízes aprofundadas em Uruguaiana. E Uruguaiana é o início do Rio
Grande, encravada na lonjura do Pampa Gaúcho, no terreno brasileiro demarcado
por nossos antepassados guerreiros para a paz do presente.
Seguindo as pegadas, nem sempre na ordem em
que se acham, do Bebeto Alves, onde o conteúdo conversa com o conhecimento e a canção cria uma intermediação em tempo real com a imagem, eu venho
tentando ao cabo desse tempo todo, olhar onde ficam
as coisas e, aos poucos, fazer minhas escolhas dentr
o
da desobediência interpretativa que surge e ressur
ge
em meu caminho aprendendo a aprender, Bebeteando por aí.
Temos a característica da personalidade ao
compor, ao propor, ao evoluir sob as próprias idéia
se
versejar tocando.
Temos a mania de despencar os livros das estantes, de vasculhar os anos transcorridos e de pensa
r o
que estamos pretendendo e, a maior parte do que criamos está no texto e no contexto de cada fronteira interiorizada, onde o entorno junto às pequenas coisa
s
fundamenta o saber.
Troveiros, levamos a melodia comentada, alterando o ritmo das palavras, milongueando sobre isso
ou aquilo , aos olhos de nossas influências cotidianas
originárias da costa do rio Uruguai, lá onde uma
Uruguaiana deixada, testemunha a musicalidade
da
prosa ao aceitar a diversidade dos temas, e eu ainda
sigo amagando o corpo no lombo do cavalo sem usar
as esporas.
Atraca no más meu compadre véio, atraca que
o rio dá passo.
Mauro Moraes
No ar, pela Terra,
Uruguaianense como o Bebeto.
www.radio96.com
bebeto alves • Pág. 15
Foto/Arquivo
Oly Jr.
Este trabalho é enredado por duas concepções
musicais que envolveram e se envolveram na minha
vida ao longo dos anos. O Blues, foi minha primeira
escola musical, me dando todo o suporte e base
pra entrar na guerrilha artística e sobreviver nesse
caos sonoro. Através dele eu descobri a música
contemporânea, me fez entender que o lamento
de uma raça transformou em música as gerações
futuras. A Milonga por sua vez, vem me cutucando
desde sempre, antes mesmo de eu pensar em
música, ela invadia meus ouvidos, acalmava minha
alma e emocionava minha gente, despertava
saudade por algo que eu pouco conheci. Mas era
a tradução direta daquela mistura campeira, de
uma linguagem sofrida e lapidada por duas línguas
que debatiam-se nos lábios de meus ancestrais.
Então, aconteceu algo que eu não consigo explicar
exatamente, uma necessidade de buscar minhas
origens, meu gosto musical, minhas lembranças,
homenagear meus mestres, minha cidade, minha
família, o amor da minha vida, uma forma peculiar
de se expressar, enfim, apenas mais uma tentativa
de sobreviver artisticamente através da forma mais
sincera que um artista tem de exteriorizar seu
pensamento: sua própria arte.
Em meados de 2008, eu completei 10 anos de
carreira e precisava de um divisor de águas. Tinha
acabado de lançar um disco coletânea de canções
de minha autoria, de discos anteriormente lançados,
pois achei que estava na hora de revisar minha obra,
para recomeçar do zero. Uma nova etapa, novos
conceitos, ou seja, precisava me desvencilhar de
certas manias e quebrar meus próprios tabus.
Depois de ter iniciado minha trajetória musical
através do blues e com o tempo incorporando o rock
e o folk, parecia que me faltava algo. Não sabia bem
o que era, mas ficava dia e noite matutando, a fim
de buscar um modelo sonoro, estético ou alguma
cosa parecida, que me traduzisse de forma peculiar.
Resolvi testar outras afinações no violão e achei
que o blues seria meu ponto de partida mais uma
vez. Me encarnei no slide blues (um tipo de efeito
sonoro, reproduzido por um cilindro de metal ou
de vidro, encaixado no dedo, deslizando nas cordas
de um instrumento, que no meu caso é o violão) e
voltei a escutar os mestres do blues que usufruíam
dessa técnica. Mestres como Muddy Waters, Robert
Johnson, Elmore James, Mississippi Fred MecDowell,
Tampa Red, entre outros.
a sua obra. Mas esses discos eu nunca tinha parado
para escuta-los com uma atenção especial. Os discos
são: “Milongueando uns Troços”, “Mandando Lenha” e
“Milongamento”. Comecei a ouvi-los direto e algumas
canções me emocionaram muito, especialmente as
milongas. Algo aconteceu! Como eu estava atrás de
alguma coisa diferente do meu contexto musical até
então, e o fato de eu me emocionar escutando certas
canções dessa parceria entre Bebeto Alves & Mauro
Moraes, a milonga veio a calhar.
Dentre tantos estilos musicais do folclore gaúcho,
sempre me identifiquei mais com a milonga. Desde piá,
o único formato musical no meio de tantas canções
nativas, a que eu facilmente identificava era a milonga.
Achava tal concepção mais intimista.
ramilongas do Vitor e as milongas novas do Bebeto.
A partir daí, me despertou a vontade de aprender
os macetes de tal estilo musical. Fui aos “trancos e
barrancos” exatamente como comecei a tocar blues,
ouvindo os mestres e tirando certas canções no violão
e tentando entender suas relatividades.
Pensei em compor algumas milongas, mas tinha a
sensação de que iria imitar meus mestres. Assim como
eu componho blues em português e procuro passar
minha vivência através das canções, justamente pra
me diferenciar dos blueseiros americanos, fiquei dias
pensando em como tocar uma milonga de forma peculiar.
Foi quando me deu o estalo de tentar tocar uma milonga
tradicional em um violão afinado para tocar um slide
blues. Vi a luz! Chorei por alguns minutos, pois soube,
na hora, que eu tinha “criado“ algo novo.
Outro disco que eu já tinha escutado, mas também
não tinha dado a devida atenção, foi o “Ramilonga”
Falando mais especificamente de música, sempre
do Vitor Ramil. O Vitor é outro artista que eu sempre vai haver alguma coisa artística em um determinado
acompanhei, mas escutava mais suas baladas, assim contexto musical. E era exatamente o que eu estava
como Bebeto Alves.
procurando. Algo artístico e peculiar dentro da música,
não forçado e sim, natural. Pura idiossincrasia.
O que eu achava divino no Bebeto e no Vitor,
era o fato de eles flertarem com a música sulista e
Vamos deixar claro o conceito de arte: Arte é a
contemporânea como se não houvesse separação. E hoje capacidade que o ser humano tem de transformar a idéia
eu vejo que não existe essa separação. O que distancia em matéria, se valendo de seu estado de espírito e de
os gêneros musicais são os preconceitos das mentes sensações para a criação de uma obra.
conservadoras. Aliás, uma de minhas bandas preferidas,
Sendo assim, qualquer tipo de criação musical,
“Os Almôndegas” e a dupla Kleiton & Kledir, cada um à
tem um conteúdo artístico que, independente do gosto
sua maneira, eram mestres na mistura do regional com a
pessoal de cada um, merece um minuto de atenção ou
música contemporânea, mas o Bebeto e Vitor penderam
um pouco mais!!!
mais pro campo da milonga.
Enfim, quando eu resolvi entrar de corpo e
Bueno, a única milonga que eu tocava no violão era
alma nos estilos musicais que aparentemente são
uma canção chamada “Amigo Punk” da banda Graforréia
extremamente diferentes, buscando o conteúdo artístico
Xilarmônica. Uma espécie de milonga bomfiniana, com
mor de cada um, consegui juntar a milonga gaúcha e
a harmonia de uma milonga tradicional e uma letra
o blues americano... estava feita a “MILONGA BLUES”.
bem porto-alegrense. Uma sátira muito bem feita por
sinal. Mas o que me tocou mesmo foi a seriedade das
Paralelo a isso, me bateu uma vontade de
escutar coisas mais regionais. Mas um regional
mais contemporâneo. Mesmo que minha escola
musical tenha sido o blues, nunca deixei de escutar
e tocar várias canções de artistas gaúchos que
me fascinavam dentro do circuito musical sulista.
Circuito esse, que eu sempre sonhei em me inserir.
bebeto alves • Pág. 16
Entrei numas de escutar com mais atenção
os discos que o Bebeto Alves lançou com letras de
Mauro Moraes. O trabalho do Bebeto, eu sempre
acompanhei desde que eu entrei em contato com
Foto/Gilson Schlindwein
Informações e Venda
[email protected] / *** 51 9791-7077
www.bebetoalves.com.br

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