O Mito americano: utopias e viagens imaginárias desde a
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O Mito americano: utopias e viagens imaginárias desde a
O Mito americano: utopias e viagens imaginárias desde a Renascença* Raymond Trousson Tradução de Emerson Tin Rayrnond Trousson, professor emérito da Université libre de Bruxelles, publicou inúmeras obras dedicadas à história das letras e das idéias no século das Lumières. No campo da utopia, é o autor de Voyages aux Pays de Nu//e part (3e éd. 1999), de D'Utopie et d'utopistes (1998), de Reli gions d'Utopie (2001) e de Sciences, techniques et utopies. Du paradis à l'enfer (2003). *Traduzido a partir do original em francês "Le Mythe americain : utopies et voyages imaginaires depuis Ia Renaissance". RAYMOND TROUSSON ' M. Gary et E. Warmington, Les Explorateurs de Pantiquité, Paris, 1932, pp. 274-289. 1 Fergusson, Utopias of the classical world, London, 1975, 2 320 Desde suas origens, a utopia foi terra dos longínquos, temporais em primeiro lugar, depois geográficos. Quanto ela aparece na Europa ocidental, em torno do século V antes da nossa era, o mundo é um espaço fechado, limitado — ou quase — à bacia mediterrânea. Quase não há mistérios nessa geografia familiar, cem vezes explorada. Para além reina o desconhecido, domínio, não do humano, mas do extraordinário ou do monstruoso: terra dos Arimaspes, de que fala Heródoto, que têm apenas um olho e roubam o ouro guardado pelos grifos; reino dos gigantes hiperbóreos, já evocados por Píndaro; ilhas dos Bem-aventurados, em busca dos quais suspira Hesíodol. Talvez seja porque as lendas da Idade de Ouro deviam preceder a utopia: a felicidade e o estado ideal se situam, não num outro lugar, mas num outro tempo, numa infância da humanidade ainda preservada da corrupção e da decadência. Esse pequeno mundo da Grécia clássica, detentor das únicas normas da civilização, explode repentinamente no século IV a. C. com as conquistas de Alexandre e as explorações de seu almirante Nearco ao longo das costas da Ásia, do Indo ao Eufrates. Os horizontes recuam; povos desconhecidos, países ignorados se revelam, e com eles outros costumes, outras maneiras e outras leis. À evidência incontestada dos modelos gregos se substituem a dúvida, a consciência das diferenças, numa palavra, o relativismo. A descoberta da época helenística não é somente a dum alargamento geográfico, mas a dum outro espaço mental. Para Aristóteles, tudo o que não era grego era bárbaro, quer dizer apenas humano; com seu aluno Alexandre soa o dobre do helenocentrismo2. Logo, essa perturbação afeta a utopia. Os sucessores de Platão — Zenão de Cítio, Teopompo de Quíos, Hecateu de Abdera ou Evêmero — renunciam ao ideal da cidade grega, à sua democracia herdada de Sólon. Eles sonham agora com vastos continentes regidos pela lei natural ou submetidos a legislações inéditas, e a Cidade do Sol de Iâmbulo, uma das fontes de Monis e de Campanella, oferece já o modelo das narrativas e das grandes construções utópicas da Renascença. A esse aspecto da civilização pós-alexandrina, a Idade Média não acrescentará nada, senão a surda continuidade dum desejo de perfeição terrestre sem cessar abafado pelo apelo do além. Certamente, a imaginação medieval gostaria ainda de afagar os longínquos, porém mais na perspectiva do fabuloso que na duma construção social e política. A navegação de São Brandão conduz ao paraíso terrestre e não àUtopi a, e Dante condena o imprudente descobridor Ulisses. De resto, os espíritos se satisfazem com lendas inacreditáveis divulgadas pelo De Imagine mundi, de Honorius d'Autun, ou o Imago mundi, de O MITO AMERICANO: UTOPIAS E VIAGENS IMAGINÁRIAS DESDE A RENASCENÇA Pierre d'Ailly, cosmografias fantásticas'. No presente, o melhor dos mundos é projetado no outro mundo. *** Como não comparar o espanto dos contemporâneos de Colombo e de Vespúcio com o dos contemporâneos de Alexandre? Depois do longo sono medieval, a história se repetia, novas terras surgiam. Em menos de um século, o mundo muda de face e toma proporções insuspeitas. Sem dúvida as grandes descobertas tiveram imediatas repercussões econômicas; ativando o tráfico de especiarias, despertando o interesse do Ocidente pela exploração colonial e o valor da potência marítima, eles acendem cobiças de que se encontrará o eco em A Nova Atlântida de Francis Bacon. Entretanto, no que concerne à utopia, seu impacto será antes de tudo de ordem moral. O Novo Mundo revelava, com efeito, populações surpreendentes, que viviam nuas como antes do pecado original, desprezavam o ouro e os metais preciosos, organizavam-se em comunidades igualitárias e ignoravam a propriedade. Esses selvagens não eram como sobreviventes da Idade de Ouro, não escaparam à doutrina cristã da queda? A reflexão utópica devia se alimentar do novo relativismo histórico ao comparar às do Ocidente maneiras, leis, organizações sociais tão diferentes; à lição da Antigüidade, recentemente reencontrada, ajuntava-se a do homem natural que não podia deixar de oferecer um contraste sempre mais impressionante à medida em que a Europa sofria cada vez mais os efeitos da centralização do poder e do fortalecimento da monarquia4. Pense-se, a esse respeito, na cruel oposição entre a monarquia inglesa do primeiro livro da obra de Morus e a vida aprazível dos Utopianos. A América suscitava enfim uma urgente interrogação sobre o plano religioso. Esses selvagens sem a Revelação e sem padres deviam ser considerados como bárbaros e ímpios, ou sociedades justas e viáveis podiam existir fora da verdade cristã e uma moral florescer fora dos ensinamentos da Igreja? Se Bacon preferirá se desembaraçar do problema cristianizando seus Atlântidas por um milagre oportuno, Morus e Campanella saberão abordar essas delicadas questões. Entretanto, os utopistas da Renascença não escolheram situar explicitamente suas ilhas misteriosas nas paragens do Novo Mundo. Em Monis, Campanella e Bacon, se a América está incontestavelmente presente — quando não for pela verossimilhança geográfica que autoriza sua descoberta — ela está aí apenas como filigrana e pelas fontes de informação. Certamente, não se poderia exagerar a importância, para Ver W. M. Babcock, Legendary Islands of . the Atlantic, New York, 1922, p. 22; H. Brunner, Die poetische Insel, Stuttgart, 1967, p. 31; R Thévenin, Les Pays légendaires devant la science, Paris, 1946, p. 43; F. Bar, Les Routes de l'autre monde, Paris, 1946, p. 67; E. Gilson, La Philosophie da Moyen Age, Paris, 1952, pp. 320-322. G. Atkinson, Les Nouveaux horizons de la Renaissance française, Paris, 1935, p. 316. 321 RAYMOND TROUSSON H. Süssmuth, Studien zur Utopia des Thomas Morus, Münster, 1967, pp. 36-71. 'A. L. Morton, L'Utopie anglaise, Trad. par J. Vaché, Paris, 1964, p. 46; Th. More, Utopia, em: The Complete Works ofThomas More, ed. by Ed. Sutz and J. H. Hexter, New Haven and London, Yale University Press, 1965, t. IV, p. cbazix. Não se vê absolutamente sobre o que se baseia H. Süssmuth (op. cit., p. 39) para excluir esta fonte. 7M. L. Berneri, Journey through Utopia, London, 1950, p. 59;J. Servier, op. cit., pp. 135-139. L. Firpo, "I,a Cité idéale de Campanella et le culte du soleil", em Le Soleil à la 8 - Renaissance. Sciences et mythes, Brtocelles-Paris, 1965, p. 335. 322 Thomas Morus, das fontes antigas: Platão, Tácito, Aristófanes, , Luciano de Samósata, Iâmbulo conservado por Diodoro de Sicília alimentam seu pensamento e lhe fornecem exemploss. Mas não se poderia também ignorar a ilusão americana, perceptível já na ficção romanesca. Esse Rafael Hitlodeu que leva a narração, é um dos vinte-e-quatro homens que Vespúcio deixou em posto, quando de sua última viagem, na costa do Brasil. Se Monis não dá nenhuma indicação precisa sobre a localização de Utopia, é claro, entretanto, já que Hitlodeu regressou pelas índias, que ela se situa em alguma parte entre as Ilhas espanholas descobertas por Colombo e Vespúcio, e o país de Catai, sempre obstinadamente procurado pela passagem do noroeste. Todo o segundo plano geográfico da obra é condicionado pelas recentes descobertas. De resto, as leituras de Morus deviam orientar sua atenção em direção ao Novo Mundo. Sem dúvida ele conheceu o De rebus oceanicis et orbe novo, de Pietro Martire d'Anghiera, surgido em 1511, onde ele podia encontrar uma descrição idealizada da vida dos indígenas das Antilhas e uma análise de sua religião natural'. Sem falar das cartas em que Colombo descreveu povos pacíficos, ignorando a propriedade e o amor do lucro (Epistula de insulis de novo repertis, 1493), ele leu as Quattuor navigationes de Vespúcio publicadas em 1507 na seqüência da Cosmographia introductio, de Wadseemuller, e Morus precisa ele mesmo-que se "lê hoje a relação quase por toda a parte". Se nada permite identificar os Utopianos com as populações da América, não é entretanto nada duvidoso que os modelos antigos de Morus se enriqueceram dos exemplos fornecidos pelas relações de viagens: a abolição da propriedade privada, a simplicidade das maneiras, o hedonismo dos Utopianos, seu Comunismo, a amável acolhida que eles reservam aos estrangeiros são traços que lembram as narrativas das descobertas. Arriscou-se mesmo a sublinhar as semelhanças entre a organização da Utopia e o arranjo racional e geométrico do império inca. Cortez e seus conquistadores não empreenderam ainda a conquista no momento em que Monis redige sua obra. Mas havia Espanhóis em Cuba desde 1501 e eles teriam podido recolher informações transmitidas na Europa pelos marinheiros'. Se Utopia não é ainda terra americana, é contudo, além dos nevoeiros de Amaurota, o continente americano que, já, nimba, ao menos em parte, o sonho utópico dos tempos modernos. O traço da América nas outras grandes utopias não será menos tênue. A Cidade do Solde Campanella está próxima também das fontes antigas, às quais se acrescentam a Utopia de Morus e a experiência pessoal da vida monástica8 ; não se pode entretanto deixar de observar que o diálogo que a constitui se instaura entre um cavaleiro da Ordem O MITO AMERICANO: UTOPIAS E VIAGENS IMAGINÁRIAS DESDE A RENASCENÇA de Malta e "um genovês marinheiro de Colombo" e que Campanella cita "Hernando Cortez, que introduziu o cristianismo no México". Além disso, ele leu as Relazioni universali (1595-1596) de G. Botero, onde ele pode encontrar numerosas informações concernentes ao culto do sol entre os indígenas do México e do Peru assim como o modelo da confissão pública do magistrado supremo; quanto ao tempo que se dirige ao centro da Cidade, ele lembra por muitos detalhes o templo mexicano de Vitzilpuitzli, com suas quatro portas desembocando em quatro estradas bem pavimentadas, tal como o descreve Botero 9. Esta presença em filigrana se reencontra em A Nova Atlântida (1627). Como em Morus, a fabulação mesma se ressente do clima das grandes viagens e das descobertas. Os detalhes sobre o navio lançado fora de sua rota por ventos contrários e derivando no Pacífico norte, o esgotamento da tripulação, a animação do porto de Bensalem, tudo lembra, nesse quadro da vida intensa dos oceanos, que o entusiasmo não se embotou. Bacon conheceu e utilizou a coletânea de Hakluyt (The Principal navigations, voyages and discoveries of the English nation, 1589)10, e o navio de seus exploradores partiu do Peru. Não é ele também que designa a América como a Grande Atlântida, outrora devastada por um dilúvio que lançou os sobreviventes de volta ao estado selvagem em que os descobriram os viajantes modernos? Esses detalhes são pouca coisa e, contudo, significativos. Se o continente americano não está nunca no primeiro plano, é entretanto sua descoberta que favorece a ressurreição do gênero no século XVI. As relações de viagens, as descrições das maneiras e dos costumes, o relativismo histórico, moral e religioso ao qual convém as descobertas estão constantemente no segundo plano da reflexão utópica, eles a relançam e a fertilizam. Em Rabelais ainda, no início do quarto livro, Pantagruel partirá em busca do oráculo na direção de Catai, sempre pela rota noroeste, que tinha sido aquela de Cabot e de Cartierli e que é também a do país da Deusa Garrafa, outra terra utopiana. Enfim a América, terra sem passado, tábula rasa ideal para todas as experiências, será muito cedo também terra de eleição das tentativas de realizações utópicas. Sem falar dos esforços de Las Casas no Peru para organizar os indígenas", Vasco de Q_uiroga, bispo de Michoacan no México em 1535, tentará estabelecer aí asilos segundo um programa inspirado em Thomas Morus", e ver-se-ão multiplicarse, a partir do século seguinte, os ensaios utópicos sobre o território do Novo Mundo. Já a América figura muito como um sonho ainda indefinido na imaginação dos utopistas. O século XVII por seu turno desenvolve uma verdadeira paixão pelas relações longínquas. Racionalismo e ceticismo encontram um alimento de primeira ordem nisso que René Pomeau nomeia uma 9 Ver Thomas Campanella, La Cité du Soleil, éd. par L. Firpo, Geneve, Droz, 1972, pp. xxxviii, 3 nota 4, 45 nota 105. ") V. Dupont, L'Utopie et le roman utopique dans Ia littérature anglaise, Cahors, 1941, p. 148. "G. Chinard, L'Amérique et le réve exotique duns la littérature fiançaise au XVI& et au XVIIIe sue/es, Paris, 1934, pp. 49-79. 12 Cf. M. Brion, Bartholomé de Las Casas, père des Indiens, Paris, 1927; M. Bataillon, Etudes sur Barholomé de Las Casas, Paris, 1965. A. Cioranescu, L'Avenir du passé. Utopie et littérature, Paris, 1972, pp. 68-69. 323 RAYMOND TROUSSON " G. Chinard, L'ilmérique et /e réve exotique, p. 189. A única biblioteca de Chapelain comporta uma centena de obras sobre a América e o exotismo do Novo Mundo se desenvolve a ponto de haver episódios americanos e uma intriga mexicana até no Polexandre de Gomberville. " Sobre o papel e a importância desses relatos de viagens, ver: G. Chinard, L'Amérique et k rêve exotique, pp. 193 194; G. Atkinson, The Extraordinary - voyage in Frená literature bOre 1700, New York, 1920, pp. 22 24; The Extraordinary voyage in French literature from 1700 to 1720, Paris, 1922, pp. - 12-13; W. P. Friedrich, "The Image of Australia in French literature from the XVIIth to the 30Cth centuries", Mélanges de littérature comparée et de philologie offerts à M. Brahmer, Warszawa, 1967, pp. 220 223; - ilustralia in Western imaginative prose writings, 1600-1960, Chapei Hill, 1967; A. Rainaud, Le Continent austral, hypotheses et détouvertes, Paris, 1893. "Ver L. Baudin, L'Empire capitaliste des Incas, Paris, 1928. 17 G. Atkinson, The Extraordinary voyage in French literature befbre 1700, p. 53. 324 "geografia filosófica", de que eles continuam a deduzir uma perpétua lição de relativismo com respeito às maneiras e a uma religião dogmática. La Bruyère não se enganava, quando assinalava, no capítulo "Dos Espíritos fortes": "Alguns acabam por se corromper por longas viagens, e perdem o pouco de religião que lhes restava: eles vêem dia a dia um novo culto, diversas maneiras, diversas cerimônias..." Ao longo de todo o século, os analistas da conquista do México e do Peru são publicados e traduzidos, as obras consagradas à Nova França sobem a várias centenas e contar-se-ão quase tantas quantas as Antilhas14. E, contudo, não mais que no século XVI, os utopistas não situam nas Américas suas sociedades ideais. É que o Novo Mundo, já demais conhecido, talvez, sofre agora a concorrência da ilusão da Terra austral, em que se devia acreditar até as navegações de Cook em 1772. Numerosos viajantes, desde Marco Polo, Gonneville, Queirós, até Pelsart e Tasm'an, acreditam com efeito na existência duma Terra australis incognita. Seria todavia errôneo acreditar que a América cessa de vez de fornecer informações à especulação utópica. Então mesmo que as cidades ideais se situem de preferência nas fabulosas paragens da Terra austral, são os costumes, as maneiras, a história, a religião dos povos americanos que continuam, mais do que nunca, a servir de modelos. Num período duns quarenta anos, três utopistas vão com efeito utilizar elementos emprestados à ilusão americana: Gabriel de Foigny, Denis Veiras e Simon Tyssot de Patot. Eles são largamente tributários duma obra célebre: os Com mentarios reales que tratan dei origen de los Incas, que o mestiço hispano-peruano Garcilaso de la Vega publica em 1609 e em 1617; traduzidos em francês por Jean Baudouin em 1633, esses Comentários reais conliecerão, nos séculos XVII e XVIII, numerosas edições e uma difusão considerável. Os curiosos podiam aí encontrar a história dum Estado moderno e quase perfeito, a descrição dum governo paternalista; Garcilaso lhe contava as origens, exaltava seu povo, organizava a lista de seus reis e explicava sua religião' 6. Em 1676, LaTerre australe connue de Gabriel de Foigny dela lança mão para diversos detalhes. O Hab ou templo dos Australianos, assim que o Heb, ou casa de educação, se inspiram diretamente no templo dos Incas. Sobretudo, esse povo adora o Haab — o Incompreensível — grande Ser onipresente sobre quem é proibido discutir. Esse Deus é incognoscível, primeira criatura e primeiro motor, e se manifesta ao homem pela Criação, de que a grandeza e a complexidade excluem a possibilidade do acaso. G. Atkinson" mostrou o que esse deísmo devia à concepção inca do Pachacamac, o deus invisível. Mais tarde, entre 1714 e 1720, são semelhantes lembranças dos relatos de viagens às Américas que utilizará Simon Tyssot de Patot nas Voyages et aventures O MITO AMERICANO: UTOPIAS E VIAGENS IMAGINÁRIAS DESDE A RENASCENÇA de Jacques Massé, como na Voyage de Groenland de R. P. Cordelier Pierre de Mésange e A. Rosenberg se pôs em evidência o que Tyssot devia a Garcilaso, Foigny, Veiras e La Hontan 18. Em lugar algum, entretanto, o modelo peruano foi explorado com tanta continuidade quanto na Histoire des Sévarambes de Denis Veiras (1677-1679). Quando Sévaris, o legislador mítico imaginado por Veiras, empreende a conquista da Terra austral, ele não faz senão repetir, até nos detalhes, a conquista do México. Ele desembarca com seiscentos homens somente, contando com sua artilharia e as dissensões entre as tribos para triunfar tal como Cortez para derrubar Montezuma; as maneiras dos habitantes são as dos Peruanos e dos selvagens do Brasil, tais como as descreviam Garcilaso e Jean de Léry; as cerimônias em honra da morte de Sévaris são calcadas sobre as executadas para Manco-Capac e a genealogia dos soberanos sevarambes reproduz a dos reis incas etc. A organização social e econômica — armazéns públicos, especialização local da produção, osmasies ou casas comuns, canais e trabalhos públicos — se inspira também nas maravilhas observadas em Cuzco e longamente descritas por Garcilaso. O que Veiras transpôs para as Terras austrais, não é nada além do socialismo de Estado peruano", sociedade organizada e estruturada à imagem daquela do legendário Manco-Capac. Enfim, se os Sevarambes rendem um culto ao sol, eles não adoram verdadeiramente senão o Grande Ser, invisível e incompreensível, quer dizer, como o havia já visto Prosper Marchand no século XVIII, o Pachacamac dos Peruanos'''. Mesmo difusa, a ilusão americana permanece então presente na utopia do fim do século XVII, e os autores continuam a extrair abundantemente nos relatos consagrados às Américas, os deístas e os libertinos aí encontram exemplos convincentes da suficiência das luzes naturais, enquanto que a reflexão política crê relevar modelos sugestivos nessas sociedades idealizadas pelo distanciamento. Se o mundo muito elaborado dos Incas parece particularmente fascinante, ocorre contudo que seja a América setentrional que seduz o utopista: é o caso de Fénelon. Com efeito, se as Aventures de Téléma que (1699) se referem à Antigüidade para oferecer, no reino de Salente, a antítese da monarquia francesa sob Luís XIV, a descrição da Bética (livro VII) deve muito à certa imagem do Canadá que desenvolverão mais tarde La Hontan ou Charlevoix. Podia-se ler também evocações da vida feliz dos índios, a quem não faltava senão a verdade revelada, seja nas Cartas edificantes dos padres jesuítas, seja nas relações de Samuel de Champlain, fundador de Québec e descobridor dos Grandes Lagos (Des sauvages, 1603). De resto, o próprio irmão de Fénelon não tinha I• Rosenberg, Tycsot de Patot and bis work (1655 1738), The Hague, 1972, pp. 52-54, 153; G. Atkinson, The Extraordinary voyage ia French literature from 1700 to 1720, - pp. 88-89 et 108. " Ver E. von der Mühl, Denis Veiras et son Histoire des Sévarambes, Oaris, 1938, pp. 91-131. E. von der Mühl, ibid., pp. 193-195; G. Atkinson, Before 1700, p. 138. 20 325 RAYMOND TROUSSON Cf. G. Atkinson, (Les Relations de voyages aux XVIIe siècle et févolution des idées, " Paris, s.d.), que enumera vários paralelos possíveis entre as descrições da Bética e aquelas das relações de viagens (p p. 30-39). 5 Cf. M. Eliade, "Paradis et utopie: géographie mythique et eschatologie". EranosJahrbuch, xxmi, 1963, p. 216; A. E. Bestor, Backwoods utopias, New York, 1950, pp. 27-28. ' Ver L. Baudin, LEtat jésuite du Paraguay, Paris, 1962; C. Lugon, La Republique communiste chrétienne des Guaranis, Paris, 1949;1 21 Décobert, "Les Missions jésuites du Paraguay devant la philosophie des Lumières", Revue des sciences humaines, 149, 1973, pp. 17-46. 326 sido missionário no Canadá? É verdade que o Cisne de Cambrai mistura voluntariamente os exotismos, e que sua Bética se inspira ao mesmo tempo nos Peruanos de Garcilaso, nos Brasileiros de Léry ou nos Antilhanos de Du Tertre. Se essa diversidade prejudica a homogeneidade da descrição, resta que se trata aqui duma verdadeira transcrição do modo de vida dos selvagens americanos. Fénelon evoca a inocência primitiva, a sociedade patriarcal e pastoral. Como no Novo Mundo, as mulheres "empregam o couro dos carneiros para fazer um leve calçado para elas, para seus maridos e para seus filhos; elas fazem tendas, das quais umas são de peles enceradas e outras de cascas de árvores". Os bens são comuns e "cada família é governada por seu chefe", pois eles não têm magistrados nem leis. Sua acolhida hospitaleira e confiante aos primeiros navios fenícios que descobriram seu país é aquela dos selvagens americanos aos navegadores espanhóis. A América se opôs, na utopia feneloniana, à corrupção européia, como sua simplicidade virtuosa aos refinamentos supérfluos das sociedades civilizadas. Sob o disfarce utópico, os selvagens americanos administravam a prova experimental da possibilidade duma vida social fundada sobre a igualdade". Enfim, se a utopia se impregna, no século XVII, duma ilusão americana, para reproduzir uma imagem heterogênea, a América se torna também terra de acolhida para os utopistas em busca de realizações concretas. Muito cedo, seitas dissidentes são lançadas por esse continente virgem. Presbiterianos, anglicanos, independentes se apressam em direção a um mundo aparentemente preservado pela Providência: Menonitas instalados em 1663 sobre o rio Delaware, Labadistas chegando em 1683 em Maryland e tantos outros que os seguirão22 , na esperança de fundar comunidades justas. É no século XVII igualmente, em 1609, que são fundadas pelos jesuítas as célebres "reduções" do Paraguai que tentarão, até 1768, organizar como uma viva entidade utópica as tribos indígenas Guaranis, ensaio tão discutido pelos "filósofos" no século XVIIP. Até o fim do século XVII, o continente americano não estava senão indiretamente presente na utopia, mas não se poderia minimizar sua importância tanto quanto constante referência, pois os utopistas daí extraíram numerosos elementos para suas construções ideais, tanto no plano social e econômico, quanto no plano moral e religioso. Mal individualizado ainda nas próprias obras, ele constitui entretanto um reservatório de imagens e de temas. Isso será a obrigação do século das Luzes, a de elevar essas notações fragmentárias ao nível do mito. Com o século XVIII, com efeito, se alarga e se precisa a ilusão americana, sempre sustentada pelos relatos de viagens: a primeira O MITO AMERICANO: UTOPIAS E VIAGENS IMAGINÁRIAS DESDE A RENASCENÇA metade do século vê aparecer em torno de cento e cinqüenta obras consagradas à América setentrional", multiplicando os pontos de vista os mais diversos. No conjunto, a América se desenha numa luz sedutora, terra de liberdade e de felicidade, pátria dos Hurons, dos Iroqueses ou dos Natchez próximos da natureza, vivendo numa sociedade simples, que ignora ainda a corrupção e a opressão européia. Esse mundo aparece como "um lugar atemporal, próprio a preencher a nostalgia do paraíso perdido", uma decoração duma grandiosa suntuosidade natural, onde a vida se escoa ao ritmo eterno do ciclo das estações. Ao longo de todo o século, o Americano, o Peruano ou o Inca invadem a cena francesa, do Arlequin sauvage (1721) de Delisle de La Drevetière ao Manco Capac (1763) de Le Blanc de Guillet, passando pela Alzire (1736) de Voltaire ou Les Indes galantes (1735) de Rameau, sem esquecer das Lettres d'une Péruvienne (1752) de Mme de Graffigny ou Les Incas (1777) de Marmonte127. Esse continente onde se preservou a iocência original tem mesmo o poder de regenerar o Europeu dep -av. do que aí se instala. Voltaire, desde as Lettres philosophiques (173, '-), celebrou os Queres que, sob a conduta de William Penn, "trouxeram para a terra a idade de ouro de que se fala tanto, e que verossimilmente não existiu senão na Pensilvânia". Daniel Defoe ou o Abade Prévost fizeram da América uma terra de renovação: sobre seu solo, Moll Flanders e Manon Lescaut reencontram uma pureza perdida". O continente americano é mais do que nunca propício ao devaneio utópico. Se um dos grandes debates do século tem como objeto a oposição entre natureza e civilização, entre progresso técnico e progresso moral, era lógico que a utopia servisse de lugar de confronto entre o selvagem americano e o civilizado europeu, as virtudes do primeiro servindo a pôr em evidência os vícios do segundo. Nasce assim um ser mais mítico que real, que é "uma figura constante da retórica dos filósofos"". Esse mito, ninguém mais se servirá dele que o barão de La Hontan, viajante, explorador e aventureiro que, desde 1703, instala a utopia do selvagem canadense. A obra de La Hontan é a primeira em data das sínteses sobre os indígenas do Canadá, antes dos trabalhos de Lafitau, de Charlevoix e de Prévost. Suas Nouveaux voyages dans l'Amérique septentrionale (1703) e suas Mémoires de l'Améri que septentrionale (1703) são crônicas da vida canadense sob seus diferentes aspectos, mas também, já, descrições utópicas das tribos indígenas, onde o exotismo e o primitivismo reforçam a polêmica religiosa e política. São sobretudo seus famosos Dialogues avec un sauvage (1703) que fundam o utopismo canadense. O Huron Adario se torna o modelo do homem natural proposto como exemplo a uma sociedade alienante e desnaturada. As leis, a medicina, - Ver B. Fay, Bibliographie dei ouvragesfrançais relatifs aux Etats-Unis (1700-1800), Paris, 24 1924. " Ver Ch. Amar, "Un missionnaire philosophe face à l'Arnérique: le R. P. Charlevoix", em L'Anzérique dei Lumières, Genève, Paris, 1977, p. 24; L. Willems, "Voltaire et l'Amérique", ibid., p. 61; J. David, "Voltaire et les Indiens d'Amérique", Modern language quarterly,IX, 1948, pp. 90-91; D. Echeverria. Mirage in the West. A History of the French image of American society to 1815, Princeton, 1957, p.4. Y. Moraud, "De la Hontan à Chateaubriand: l'Amérique ou l'exigence utopique de l'unite", em L'Amérique dei Lumières, pp. 3-6. 25 " Cf. P. Peyronnet, "L'Exotisme américain sur la scene française au XVIIle siècle", SPEC, 154, 1976, pp. 1618-1623; "Un personnage américain dans le théâtre français des XVIIle et XVIlle siècles: le sauvage", em L'Atnérique dei Lumières, pp. 37-50. As alusões à América se multiplicam na Encydopédie. Switzer ("America in the Encydopédie" SPEC, 58, 1967, pp. 1481-1499) a ressaltou em centenas de artigos; S. E. Malney ("L'Arnérique in the Enyclopédie", SVEC, 153, 1976, pp. 1381-1400) contou 335 alusões apenas nas letras A e B. " L. Desvignes, "Vues de la terre promise: les visages de l'Amérique dans Moll Flanders et dans l' Histoire de Manon Lescaue , SVEC, 132, 1976, pp. 543-557. M. Duchet, "Monde civilisé et monde sauvage au siècle des Lumières", em Au siècle dei Lumières, Paris-Moscou, 1970, p. 10. 327 RAYMOND TROUSSON o casamento aí aparecem simples, eficazes e duráveis; a religião, "um deísmo com fundamento racionalista e com finalidade morar", que disso faz um violento panfleto anticristão. O comunismo primitivo, a simplicidade dos costumes, as assembléias democráticas são sobretudo ilustrações a contrario da perversão social européia. A verdadeira sabedoria de Adario e sua rude bravura se opõem à violência e à barbárie dissimuladas do Europeu. Esta lição de La Hontan, outros se encarregarão de multiplicá-la levando a passeio selvagens sem cessar confrontados com as inconseqüências e com os sofismas de nosso velho mundo. Diretamente inspirado por La Hontan, Maubert de Gouvest propõe as Lettres iroquoises (1752), onde um outro Canadense, Igli, vindo à Europa para verificar a excelência do cristianismo pregado pelos missionários, não tarda a descobrir que não há relação entre a felicidade dos povos e seu grau de civilização, poi, diz ele, "mais fogem da simplicidade da Natureza, mais se perdem". É o mesmo procedimento de que se servirá Voltaire em L'Ingénu (1767) para opor a franqueza e o bom senso de seu Huron ao artificio e aos erros da Europa e são ainda os Hurons que o anarquista Dom Deschamps, em seu Vrai système (1762), julga mais próximos que nós da verdadeira felicidade, que ele nomeia "o estado das maneiras" ou "o estado social sem leis". Que esses quadros estejam bastante afastados da realidade, é o que diziam já, no século XVIII, Lafitau ou Charlevoix. Eles são, em todo caso, a prova que o sonho americano invadiu a utopia. Alguns utopistas, com efeito, sonham então em situar entre esses "selvagens" suas experiências educativas e sociais. Marivaux dá o exemplo em Les Effets surprenants de la sympathie (1713), onde seu herói, desembarcado numa ilha próxima do Peru, começa a instruir indígenas tão primitivos que eles ignoram o uso do fogo. Naturalmente dóceis, doces e acolhedores, eles não tardam a aprender as técnicas elementares, a comunidade dos bens e o respeito da divindade segundo um simples deísmo. Vários costumes observados são aqueles dos índios do Canadá, supostamente representando o que são a sociedade, a família, a religião segundo a natureza. Com Lesage em Les Aventures de Robert Beauchêne (1732), assiste se aos empreendimentos de Mlle. Duelos, tornada "sakgamé" duma tribo de Hurons organizados segundo os princípios do comunismo agrário, a justiça e a eqüidade. Com o abade Prévost, em Cleveland (17311739), encontram-se os Abaquis, em alguma parte entre a Virgínia e a Carolina. Como bom filósofo, o herói não tenta nem vesti-los, nem modificar-lhes o modo de vida, conforme à natureza. Ele se contenta em substituir o culto do sol pelo deísmo, de lhes inculcar princípios de humanidade e sobretudo de lhes fazer melhor compreender o valor - La Hontan, Dialogues avec un sauvage, Préface et notes de M. Roelens, Paris Editions Sociales, 1973, p. 52. 328 O MITO AMERICANO: UTOPIAS E VIAGENS IMAGINÁRIAS DESDE A RENASCENÇA dos laços familiares ao instituir a autoridade paterna. Um pouco mais longe no mesmo romance, os índios Nopandes formam uma outra sociedade sábia, levando "uma vida tranqüila sob a condução dum mestre tão simples quanto eles". Aqui ainda, Prévost se inspira de perto na ilusão americana e sua geografia tem bases muito reais. A América se faz assim campo de experimentação teórica para os utopistas. O selvagem lhes parece estabilizado nesse ponto ideal da evolução onde a inocência pode ainda estar preservada, onde é ainda possível evitar ao homem a socialização errônea da qual Rousseau fez a história no Discours sur finégalité. É a América ainda que se descobre no Candide (1759), onde Voltaire descreve à sua maneira o Paraguai, o país dos índios Orelhões e sobretudo o Eldorado, "o país onde tudo vai bem", evocado a partir de relatos sobre o Peru e as maneiras dos Incas. Em L'ilmazonie (1795), Bernardin de Saint-Pierre sonhará em estabelecer na floresta virgem uma "república dos Amigos" fundada por um Quacre depois da revogação do edito de Nantes. Um último elemento devia estimular as imaginações. Aos olhos duma Europa monárquica, ainda mareada pelo feudalismo, a Independência americana fazia surgir um grande sonho de liberação e de progresso. O abade Galiani escreveu à Mme. d'Epinay, em 18 de maio de 1776: "Chegou a época da queda total da Europa e da transmigração para a América. Tudo cai em podridão aqui: religião, leis, artes, ciências; e tudo vai se reconstruir como novo na América."n. Esta se tornava assim modelo revolucionário, que celebra L.-S. Mercier em L"An 2440, na edição de 1786. "A Europa", diz ele, "parece escapar à liberdade; não temais nada, a filosofia vigia, [...] ela mostra com o dedo os Estados Unidos". No século XXV, o imenso continente está dividido em dois impérios, formados cada um por vários reinos confederados; a Pensilvânia continua a dar ao mundo o exemplo dum {{ povo de irmãos" e a América é regida "segundo todos os direitos do homem, [...] fundados sobre a natureza e a igualdade" ". Terra virgem da qual os vastos espaços exigem populações laboriosas, ela é também terra de liberdade e de empreendimento, de tolerância e de eqüidade. Entusiasmado pelas Lettres d'un cultivateur américain (trad. francesa 1783) de Saint-John Crèvecoeur, o futuro girondino Brissot de Warville percorre a América em 1788 em busca, nos vastos territórios do Oeste, dum local próprio a abrigar uma república idea1 34; alguns anos mais tarde, em 1794, S. T. Coleridge e R. Southey sonharão em instalar nas margens da Susquehanna sua utópica Pantisocracia", onde duas horas de trabalho cotidiano deviam ser suficientes para assegurar a felicidade desta cooperativa. Desde as utopias do bom selvagem destinadas a ressaltar as incoerências e as contradições de nossa sociedade, até as esperanças Ver P. Vernière, "L'Abbé Prévost et les réalités géographiques, à propos de l'épisode américain de Cleveland', RHLF, =CIL 1973, pp. 626 636. - Diderot, Correspondance, publ. par G. Roth et J. Varloot, Paris, 1968, t. XIV, p. 193, citada por P. Benhamou, "Variations du mirage américain au siècle des Lumières", em Eilmérique des Lumières, pp. 19 20. - L.S. Mercier, L'An 2440, nouv. éd., Paris, 1786, 3 vol., t. 1, p. 26 1, t. III, pp. 42 et 46. M. Gidney, L'Influence des Etats-Unis d'Amérigue sur Brissot, Condorcet et Mine Roland, Paris, 1930, pp. 15-27. 34 Brissot publicará em 1791 sua Nouveau voyage dons les Etats Unis, onde ele celebra a fertilidade das terras, a simplicidade das maneiras e encoraja a emigração. - ss Ver M. W. Kelley, "Thomas Cooper and Pantisocracy". Modern language notes, XLV, 1930, pp. 218-220; S. Eugenia, "Coleridge's scheme of Pantisocracy and Americain travel accounts", PMLA, XLV, 1930, pp. 1069-1984; J. R. MacGillivray, "The Pantisocracy scheme and its immediate background", Studies in English, 1931, pp. 145-146. 329 RAYMOND TROUSSON revolucionárias despertadas pela Declaração de Independência, o continente americano fixou a atenção dos utopistas, ele se fez a terra de acolhida de suas especulações filosóficas e idealistas, esperando que outros, no século seguinte, tentassem resolutamente a aventura de transformar esse mundo ainda utópico em Terra de utopia. *** '6 Ela o havia sido muito cedo. Ver H. Desroche, Dieta d'hommes: dictionnaire des messianismes et millénarismes de fere chrétienne, La Haye, 1969. 330 A primeira metade do século XIX se mostrou com efeito preocupada em realizar esses sonhos de melhorismo político e social. Já o velho Goethe, em Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister (1821-1822), introduz um projeto vagamente saint-simoniano. Sua Sociedade da Torre sonha em fundar na América uma comunidade organizada segundo a divisão do trabalho, a especialização, a produção útil, utopia benéfica onde cada membro renunciará ao individualismo romântico para se devotar ao grupo. Em La Rabouilleuse, Balzac faz viver em seu herói a experiência do Campo de Asilo, fundado em 1817 por François-Antoine Lallemand às margens do golfo do México. A comunidade, criada para os refugiados bonapartistas e liberais, acabou sendo um lamentável fiasco. Após os abalos da Revolução e do Império, era bem necessário render-se à evidência: 1789 não foi a alvorada duma nova idade de ouro. A fé no progresso e nos inícios da industrialização se liqüidam por uma decepção: a concentração capitalista, o pauperismo urbano, as condições de existência do proletariado industrial são os sinais duma penosa mutação social e histórica. De 1815 a 1848, as teorias sociais pululam, generosas, imaginativas e inoperantes, desenhando a fase heróica do socialismo dito "utópico", de Saint-Simon a Proudhon. Para esses especuladores, o continente americano devia parecer como uma terra prometida, não mais mundo do bom selvagem e da natureza preservada, mas cadinho das boas vontades e dos empreendimentos desinteressados. De suporte do sonho utópico, a América se tornava assim terra de acolhida da utopia a realizar'''. Robert Owen mostra o caminho. Esse grande patrono das fiações e da indústria têxtil sonha realizar uma comunidade modelo. Em 1824, ele comprou dos Trapistas, seita comunista religiosa, sua colônia em Indiana. Comportando uma vila e trinta mil acres de terra, New Harmony foi inaugurada em 1825 sobre as bases duma autonomia e duma igualdade completas. Mas muito rápido acenderam-se querelas, facçõ es se constituíram e New Harrnony naufragou na primavera de 1827. Uma nova tentativa de Owen para obter uma concessão do governo mexicano não teve sucesso. O MITO AMERICANO: UTOPIAS E VIAGENS IMAGINÁRIAS DESDE A RENASCENÇA O fracasso de Owen não desencorajou Etienne Cabet, o autor da Voyage en Icarie. Ele também acreditava que eram necessárias idéias novas para um país novo. Os pioneiros desembarcaram em 1848 no Red River, no Texas, para descobrir que eles tinham sido caloteados por uma companhia imobiliária. Em março de 1849, eles se instalam em Nauvoo, Illinois, numa vila abandonada pelos Mórmons. Mas não é fácil dar vida à utopia. Os colonos estavam isolados, mal adaptados, faltava-lhes dinheiro, suportavam mal as regras rígidas, perdendo toda a eficácia num parlamentarismo exasperado e paralisante. Divididos, os Icarianos espalharam-se por Cheltenham (Missouri), por Corning (Iowa), por Icaria Speranza (Califórnia). Finalmente, a última comunidade icariana desapareceu em 1898: a América não se revelava nada propícia aos utopistas". E contudo, as colônias utópicas deviam continuar a se multiplicar. Conhece-se aquela, fourierista, de Brook Farm, em Massachussets, da qual Nathaniel Hawthorne contou a história em The Blithedale romance. Mas haveria também os socialistas de Kaweak, na Sierra Nevada; os perfeccionistas de Oneida; os teosofistas de Point Loma, na Califórnia; os cristãos de Altruria, perto da baía de San Francisco... Contam-se 34 comunidades utópicas entre 1663 e 1817, mas pode-se enumerar uma centena entre 1825 e 1858 38 . A América aparecia bem como a terra do possível e da regeneração, um mundo novo onde poder-se-ia fazer tábula rasa das contradições e dos erros da velha Europa. Lá, uma sociedade pode se fundar sobre um novo contrato social e o indivíduo encontrar seu desabrochamento no seio dum grupo fraternal. Assim, por três séculos, a América alimentou o devaneio utópico. Ao mito do bom selvagem, à ilusão da utopia americana, substituiu-se a esperança da utopia na América. O tempo não é mais aquele em que os autores se inspiravam nos relatos de viagem para transplantar nas Terras austrais as maneiras dos índios do Canadá ou o deísmo dos Peruanos. A América, com seus vastos espaços, sua contribuição sempre renovada de imigrantes, seu crescimento demográfico e industrial, parece a terra onde a utopia pode emergir do sonho para se ancorar na realidade. *** Alguma coisa, entretanto, ia mudar nos últimos decênios do século. À medida que se acentuavam o poder e o papel da nação americana, certos utopistas se puseram a duvidar da excelência do modelo que ela oferecia, a se inquietar com a corrida pela eficácia e pelo rendimento, a criticar mesmo uma democracia orgulhosa. Desde " Ver J. Prudhommeaux, Histoire de Ia ommunauté icarienne, Nirnes, 1906; Ch. Gide, Les Colonies communistes et coopératives, Paris, 1928. " Ver V. L. Parrington, American dreams, Providence, 1947; M. 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American utopian writings, 1888-1900, The Kent State University Press, 1976. 332 1871, Bulwer-Lytton descreve, em The Coming race, um povo de seres superiores, aristocratas poderosos e sábios. Como bom conservador, ele desconfia da democracia burguesa dos Estados Unidos e dirige sua ironia contra "a grandeza presente e a preeminência futura desta gloriosa República americana, na qual a Europa procura, não sem inveja, um modelo". Ele reduz nisso a propagação que não pode conduzir, segundo ele, senão a uma degradação dos valores em benefício do mercantilismo e da busca do proveito. Em sua utopia, a democracia à americana é o apanágio do Koom-Posh, que rege algumas tribos atrasadas, quer dizer "o governo dos ignorantes, a partir do princípio que eles são os mais numerosos"". Assim se insinuava, na utopia, a idéia que a América moderna não era talvez o exemplo a imitar. Qual era, de resto, a idéia que a América fazia de si 'mesma? Alguns se comoviam pela anarquia e pelo desperdício engendrados pelo sistema da livre concorrência. Em 1888, Edward Bellamy publica Looking backward, cuja intriga indigente não ia impedir de conhecer um prodigioso sucesso e de levantar controvérsias apaixonadas quase por todo o mundo40. Em sua perspectiva, a Boston do ano 2000 sofreu uma transformação decisiva. A pequena capital do fim do século ?MC desapareceu progressivamente para dar lugar às grandes concentrações, trustes e monopólios, e o poder caiu nas mãos duma plutocracia. À força duma concorrência impiedosa, a economia dependia logo dum punhado de homens, se bem que no fim do século XX, tudo se reduzia a um imenso monopólio, aquele da nação; esta "formou uma grande e única corporação, na qual deveriam se absorver todas as outras, ele se tornando a única capitalista, o ánico patrão". Assim, capitalismo de Estado e coletivismo nasciam, não duma revolução, mas duma evolução. Numa época em que se multiplicavam greves, manifestações anarquistas, motins brutais, chamados à revolta armada, Bellamy transformava o espectro revolucionário num futuro histórico oriundo da natureza das coisas. Sua utopia era a da classe média e do liberalismo burguês e salvaguardava um certo número de "valores" americanos: horror do parasitismo social, cuidado com o alto rendimento, técnica eficaz de produção e de distribuição. Esse modelo não era o único possível: entre 1888 e 1900, a América não produzirá menos que 160 utopias 41 . Mas é o quadro de Bellamy que suscita as reações mais vivas e as mais numerosas. Sabese que ele suscitou os News from Nowhere (1891) de William Morris, que denunciam o que o escritor inglês nomeou "a cockney paradise", que ele queria substituir por um comunismo resolutamente hostil à organização burocrática da produção, à preocupação com a eficácia e com a centralização. É porque, a bem da verdade, a utopia de Morris O MITO AMERICANO: UTOPIAS E VIAGENS IMAGINÁRIAS DESDE A RENASCENÇA se apresenta como uma utopia anti-americana. 42 e uma crítica severa da industrialização capitalista: no século XXII, diz ele, as partes setentrionais da América tinha tão terrivelmente sofrido o desencadeamento da civilização em seu estágio supremo e viver aí tinha se tornado tão horrível, que elas estavam ainda muito atrasadas para tudo o que dá encanto à vida. Pode-se mesmo dizer que desde quase um século os Americanos do Norte se empregavam a transformar em lugar habitável o que era um monte de entulho fétido e havia ainda muito a fazer, pois o país é vasto". Assim alvoreceu, na utopia européia, uma imagem negativa dum continente americano desde muito tempo como segundo plano dos sonhos de melhorismo e de progresso. O desenvolvimento industrial titânico, uma civilização técnica e funcional, a invasão dum modo de vida que ameaça o humanismo ocidental, inspiram um certo temor ao utopista europeu. A evolução é sensível em Jules Verne, em primeiro lugar fascinado pelos Estados Unidos, por seu impulso técnico, econômico e demográfico. É na América que se prepara a conquista da lua, que Robur, o Conquistador, inventa suas máquinas voadoras. É também à maneira de Owen e de Cabet que os colonos de L'Ile mystérieuse fundam em Iowa uma colônia modelo, e é em Oregon que se desenvolvem, em Les Cinq cents millions de la Bégum, as cidades utópicas de Franceville e de Stahlstadt. Socialista saintsimoniano, Verne sonha com um país de progresso, de eficácia, de expansão econômica e sobretudo de liberdade. Entretanto, a partir de 1890, ele se decepcionou com a politica expansionista, a dominação do capital, a supremacia da técnica e as desumanas concentrações urbanas, e a admiração deu lugar à sátira. L'Ile à hélice (1895) é a utopia dos miliardários; Amiens en l'an 2000 (1891) é a paródia dum paraíso tecnocrático à americana; a Journée d'un journaliste américain en l'an 2889 (póstumo, 1910), se dedica ao imperialismo, à mecanização, à dominação absoluta do grande capital". Pouco a pouco, o sonho americano se torna um pesadelo, é abalado por um índice negativo, cessa de ser modelo a imitar para ser uma imagem aterradora do futuro. Não é nada duvidoso com efeito que a América, mesmo se ela não estivesse expressamente designada, inspirasse numerosas pinturas das antiutopias modernas. No começo do século XX, ela aparecia como a prefiguração do futuro do Velho Mundo, e alguns se amedrontaram com isso. Henri Hauser, em L'Impérialisme américain (1904), observava que este imperialismo "não faz senão avançar Cf. P. Meier, La Pensée utopique de William Morris, Paris, 1973, pp. 119-125. "W. Morris, Nouvelles de Nu//e part, introd. et trad. par P. Meicr, Paris, Editions sociales, 1961, p. 190. Ver J. Chesneaux, Une lecture politique de filies Vente, Paris, 1971, pp. 136-149. 333 RAYMOND TROUSSON a hora em que a humanidade estará organizada segundo a lei da divisão geográfica do trabalho, quer dizer a hora em que cada povo fará sobretudo aquilo para que a natureza lhe dotou da forma mais eminente'''. Instruído por esse livro, Anatole France opôs a esta perspectiva o socialismo de harmonia de Sur la Pierre blanche (1903). Mas seu pessimismo ressoa no último capítulo de L'Ile des Pingouins (1908), em que ele pinta uma trágica americanização do mundo, cidades gigantescas devotadas à força do dinheiro, uma civilização artificial do poder industrial e da finança: Não se encontravam jamais casas altas o bastante; elas eram sobrelevadas sem cessar, e construíam-se de trinta a quarenta andares, onde se superpunham escritórios, lojas, agências de bancos, sedes de sociedades. [...] Quinze milhões de homens trabalhavam na cidade gigante. [...] Era a mais industrial de todas as cidades do mundo e a mais rica; [...] tudo aí estava subordinado aos interesses dos trustes. Formou-se nesse meio o que os antropólogos chamam o tipo do miliardário 46 . Citado por J. Levaillant, Essai sur Pe'volution intellectuelle dilua/ele France, Paris, 1965, p. 632. " A. France, 1.7/e des Pingalins, Paris, Calman-Lévy, 1908, pp. 391-392. Cf. J. P. Vernier, H. G. Wells a sso temps, Paris, 1971, pp. 207-209. 47 334 Esse mundo, que capitalistas e proletários acabaram por formar, não mais mesmo duas classes, mas duas raças biologicamente diferentes, é aquele que tinha já profetizado H. G. Wells em The Time Machine (1895) e em When the Sleeper wakes (1899). Em 1905, Wells relatou sua viagem além-Atlântico em The Future ia America. Ele observou uma concentração industrial formidável, um poder nas mãos duma minoria econômica, uma plutocracia acorrentando a classe média e esmagando o proletariado. Esse contraste de seu próprio ideal utópico — o Estado mundial dirigido pelos Samurais descrito em A Modera utopia (1905) —, esse futuro americano, é aquele que ele pintará tragicamente em 1933 em Shape cf things to come" . France e Wells não são os únicos a denunciar o sonho americano. Em 1911, Bernhard Kellermann, em Der Tunnel, apresenta uma nova figura: a do engenheiro americano, o técnico a serviço do capital e dos trustes, dotado de onipotência pelos financistas de Wallstreet. Imagem duma América tecnicista e desumanizada, da qual o presente é dado para o futuro da Europa, e que o romance de Kafka (Amerika, 1927) evoca como o mundo onde o indivíduo se torna anônimo numa sociedade de massa, perdido no labirinto dos entrepostos, ignorado no agenciamento mecânico da grande cidade. De resto, os utopistas americanos propunham eles mesmos uma imagem menos aterradora de seu país? Jack London, em The Iron Heel (1908) opôs da maneira mais brutal o mundo dos trustes impiedosos ao que ele nomeia o Povo do abismo, proletariado industrial imbecil e reduzido à escravidão, O MITO AMERICANO: UTOPIAS E VIAGENS IMAGINÁRIAS DESDE A RENASCENÇA universo onde um extraordinário progresso técnico não foi acompanhado de nenhum progresso moral e traz à baila toda a estrutura econômica e social dos Estados Unidos. O catastrofismo das utopias do início do século não nasceu somente da observação, menos ou mais exata, da realidade americana. Esse pessimismo tem causas mais profundas e mais distantes, mas é claro que a América cessou de ser, aos olhos dos utopistas, a terra da renovação e do desabrochamento para se tornar a insuportável prefiguração do mundo de amanhã, o futuro contra o qual a antiutopia começa precisamente a advertir. Esse modelo negativo será encontrado aliás em filigrana em muitas utopias mais recentes. Sem dúvida, Hwdey não situou Brave New World (1932) na América, mas não é difícil de descobrir aí vários detalhes significativos. O próprio Hwdey não declararia, em Brave New World revisited (1958), que "a América é a imagem do que será o resto do mundo urbano-industrial daqui a alguns anos"? Ravage (1943), de René Barjavel, evoca sem hesitação possível as grandes cidades americanas, denuncia seu modo de vida, seu gigantismo, seu tecnicismo desumanizante. Como outrora, a América dos utopistas é sempre um mito, mas um mito negativo e o exemplo do choque duma civilização. Seria necessário lembrar enfim a América do futuro, tal como a imagina Ray Bradbury em Fahrenheit 451 (1953)? Uma imensa população afogada no anonimato, uma sociedade gregária, imbecilizada pela publicidade, pelos mass media, pelos produtos químicos e pelos euforizantes, e que não tem o que fazer duma cultura que arriscaria recolocar em questão a onipotência do bem-estar material. Esse mundo é aquele, simplesmente acelerado, já esboçado por Hwdey: pinta um As classes foram encurtadas, a disciplina negligenciada, a filosofia, a história, as línguas abandonadas, o inglês e sua pronúncia pouco a pouco esquecidos, e finalmente quase ignorados. Vive-se no imediato. Somente conta o batente e, após o trabalho, o embaraço da escolha em matéria de distrações. Por que aprender o que quer que seja?..." Depois de cinco séculos de utilização intensiva, o sonho americano dos utopistas faliu então. Ornada inicialmente pelo prestígio dos desconhecidos longínquos, vestígio da idade de ouro na terra prometida, pátria do bom selvagem, espaço virgem aberto às comunidade de boa vontade, a América tornou-se exemplo de anticivilização, de anti-humanismo. É certo que havia mais verdade " R Bradbury, Fahrenbeit 451, par H. Robillot, Paris, no pessimismo contemporâneo que no otimismo ingênuo dos séculos trad. Denoel, 1955, p. 63. 335 RAYMOND TROUSSON passados? Não é nosso papel decidir isso. Resta que a especulação utópica seja alimentada duma ilusão americana sem a qual ela não teria podido, sem dúvida, desabrochar tão largamente. A América esteve presente nas construções ideais antes de transformar-se nas visões de inferno da anti-utopia moderna. Entre as esperanças de Thomas Monis e as decepções de Ray Bradbury, ela marca a continuidade duma inspiração e a permanência dum sonho". " Uma versão desse texto apareceu nos Cahiers roumains d'études littéraires, 4, 1980, pp. 47-66. 336 O MITO AMERICANO: UTOPIAS E VIAGENS IMAGINÁRIAS DESDE A RENASCENÇA BIBLIOGRAFIA Fontes primárias: BRADBURY, R. Fahrenheit 451, trad. par H. Robillot, Paris, Denoel, 1955. BULWER-LYTTON, E. La Race à venir, trad. par H. Destouches,Verviers, Gérard, 1973. CAMPANELLA, T. La Cité du Soleil, éd. par L. Firpo, Genève, Droz, 1972. DIDEROT, Correspondance, publ. par G. Roth et J. Varloot, Paris, 1968. FRANCE, A. L'Ile des Pingouins, Paris, Calman-Lévy, 1908. 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