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EDITORIAL
Mudanças climáticas e saúde humana
O encontro das maiores cidades do mundo – o C40 Summit – realizado em São Paulo teve um fato
novo de extrema importância. Pela primeira vez, o C40 inclui na sua pauta a discussão das questões de Saúde
Humana relacionadas às mudanças climáticas. A discussão entre mudanças climáticas e saúde no contexto
urbano parece óbvio, porém, paradoxalmente, era pouco abordado de forma explícita como o foi na reunião de
São Paulo. O acúmulo de substâncias tóxicas no meio físico da Terra e o aquecimento global representam talvez
o maior desafio à saúde e qualidade de vida da espécie humana. O aumento da mortalidade pela exposição
constante aos poluentes, a antecipada escassez de água em áreas carentes (no nosso caso, a região Nordeste
do Brasil), a escassez de alimentos decorrentes da desertificação do solo, o aumento das doenças infecciosas
que possuem insetos como vetores (dengue e malária, por exemplo), a maior frequência de desastres naturais
como inundações e ventos intensos, variações extremas de temperatura (para mais ou para menos) e seus
efeitos adversos à saúde, a deterioração da qualidade das águas pela salinização dos aqüíferos, a formação de
correntes migratórias no Brasil e na América do Sul a partir das regiões mais afetadas, são alguns dos cenários
previstos para os próximos anos, caso medidas efetivas de controle das emissões não sejam implementadas.
Um aspecto inovador do encontro foi a discussão dos co-benefícios locais em saúde das políticas
voltadas para a mitigação da emissão dos gases de efeito estufa quando implementadas no cenário urbano. A
maior parte das mudanças de hábito pessoal que conduzem a menor consumo energético são reconhecidamente
capazes de produzir efeitos benéficos à saúde das pessoas. Caminhar mais até chegar ao transporte coletivo,
andar de bicicleta, consumir menos carne, comer alimentos saudáveis, são atitudes que levam a reduções
significativas e imediatas do risco para doenças cardiovasculares, diabetes, osteoporose, demência e câncer.
Desta forma mudanças de atitudes voltadas à promoção da sustentabilidade urbana promovem a saúde e
trazem benefícios reais e imediatos.
A incorporação dos co-benefícios em saúde das políticas voltadas à sustentabilidade dos centros urbanos
indica que podem ser conseguidos ganhos consideráveis em qualidade de vida, bem como economia por
menor gasto com despesas de saúde, quando medidas de reduções de gases de efeito estufa são adotadas. Mais
importante, os resultados são imediatos e obtidos nas próprias localidades onde as estratégias de mitigação
são colocadas em prática, evitando a discussão reincidente surgida a partir da questão “Porquê devemos
reduzir as nossas emissões enquanto outros países emitem muito mais do que nós?”. A resposta a este tipo
de questionamento passa a ser que nossa saúde melhora aqui, onde vivemos, em nosso espaço e na janela de
tempo de nossas vidas. Reduzir emissões é preservar a qualidade do ambiente global e, ao mesmo tempo,
melhorar a nossa saúde aqui e agora. Resta-nos iniciar esta marcha virtuosa e contribuirmos para a adoção de
práticas sustentáveis que irão beneficiar a todos, inclusive a nós mesmos.
Boa Leitura!
Dr. Paulo Saldiva
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TRANSPORTE, MUDANÇAS CLIMÁTICAS E A IMPORTÂNCIA DOS
CO-BENEFÍCIOS NA DEFINIÇÃO DE MEDIDAS DE MITIGAÇÃO PARA O
SETOR
Luiz Antonio Cortez Ferreira1
Resumo
Neste artigo o autor apresenta uma análise da importância do controle de emissões atmosféricas no
setor de transportes e das principais linhas de ação aplicáveis para a mitigação das emissões de gases de efeito
estufa do setor, com foco no transporte rodoviário urbano e de longa distância, tanto para carga quanto para
passageiros. A análise é acompanhada de uma resenha de evidências dos co-benefícios à saúde, resultantes
das diversas alternativas de controle de emissões de gases de efeito estufa no setor de transportes, apontando
para a importância da implantação de políticas de mitigação intersetoriais, integradas e de longo prazo, que
considerem as avaliações de co-benefícios à saúde e ao desenvolvimento sustentável durante os processos de
tomada de decisão.
Palavras-chave: Transporte; transporte de baixo carbono; emissões veiculares; efeito estufa; mudanças
climáticas; saúde e poluição; controle de emissões; políticas públicas; ações de mitigação.
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Arquiteto pela Universidade de São Paulo, especialista em Gestão Ambiental e Conservação de Energia (OCU/AOTS – Osaka, Japão,
2006), especialista em Planejamento de Transportes Públicos Urbanos (MLIT/JTCA – Tóquio, Japão, 2000). Especialista técnico na Companhia
do Metropolitano de São Paulo – Metrô, Conselheiro titular no Conselho Estadual do Meio Ambiente – CONSEMA e no Comitê Gestor da Política Estadual de Mudanças Climáticas – CG-PEMC
Endereço para correspondência: Luiz Antonio Cortez Ferreira. Rua Mirassol, 272 - 6º andar, 04044-010 São Paulo - SP. Email: lcortez@gmx.
com
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TRANSPORTATION, CLIMATE CHANGE, AND THE RELEVANCE OF COBENEFITS ASSESSMENT DURING THE DEFINITION OF MITIGATION
ACTIONS FOR THE SECTOR
Abstract
In this article the author presents an analysis of the importance of controlling air emissions in transport
sector and the main lines of action applicable to the mitigation of greenhouse gases emissions from the sector,
focusing on urban and long distance road transport, both freight and passengers. Analysis is accompanied
by a review of evidences of health co-benefits resulting from the various alternatives of greenhouse gases
emissions control in transport sector, pointing to the importance of implementing intersector, integrated and
long-term mitigation policies, and urges policymakers to consider health and sustainable development cobenefits assessments during mitigation actions decision-making processes.
Keywords: Transportation; transport sector; low-carbon transport; vehicle emissions; greenhouse
effect; climate change; health and pollution; emission control; public policies; mitigation actions.
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1. Introdução
O transporte é uma atividade essencial à vida em sociedade e a demanda por transporte cresce
rapidamente à medida que as relações econômicas e sociais se tornam mais complexas e intensivas. As
interações sociais e econômicas dependem da habilidade de mover pessoas e bens, superando as distâncias
que de outra forma impediriam essas interações. “Sistemas de mobilidade eficientes são facilitadores
essenciais do desenvolvimento econômico”, conforme KAHN RIBEIRO et al. (2007, p. 328), afirmando que
“desenvolvimento econômico e transporte estão inextricavelmente conectados. O desenvolvimento aumenta
a demanda por transporte, enquanto a disponibilidade de transporte estimula ainda mais desenvolvimento ao
permitir o comércio e a especialização econômica. A industrialização e a crescente especialização fomentam
a necessidade de grandes volumes de deslocamentos de bens e materiais a distâncias substanciais, enquanto
a globalização acelerada faz aumentar fortemente esses fluxos”. Crescem, assim, os fluxos de bens e pessoas,
tanto localmente quanto a grandes distâncias, demandando modos mais rápidos de deslocamento e resultando
em um uso mais intensivo de energia para sua realização.
O modelo de desenvolvimento consolidado ao longo do século XX baseia-se fortemente no uso de
combustíveis fósseis – petróleo, gás natural e carvão – e na transferência de recursos naturais para manter
os níveis de atividade econômica. Produtos agrícolas, madeira, minério e outras commodities (produtos nãoespecializados) originárias dos países em desenvolvimento são utilizados em quantidades cada vez maiores
para manter os padrões de consumo e de conforto das populações dos países desenvolvidos. Essa população
dos países economicamente afluentes representa hoje cerca de 1,2 bilhões do total de 6,5 bilhões de pessoas
no globo, mas deverá permanecer inalterada enquanto a população mundial crescerá para 9,1 bilhões em 2050
(ONU, 2005: POP/918. In: CORTEZ FERREIRA, 2007).
A criação de infraestrutura de transporte adequada é uma questão crítica para os países em
desenvolvimento. Infraestruturas inadequadas tendem a impedir ou limitar o desenvolvimento econômico e
social, perpetuando a pobreza em países menos desenvolvidos. Por sua vez, ao atingir níveis mais avançados de
desenvolvimento os países se vêm à frente de novos problemas, como o crescimento dos congestionamentos,
dos acidentes de trânsito e da poluição ambiental, aumentando custos e impactando seriamente a saúde e
qualidade de vida da população (JICA, 2007, p. 10). Esses três problemas - congestionamentos, acidentes
e poluição – têm impacto imediato e ocupam a agenda da sociedade, da imprensa e, por consequência,
dos formuladores de políticas públicas, fazendo com que muitos releguem as providências relacionadas às
mudanças climáticas para um segundo plano.
Os derivados de petróleo – recurso fóssil – respondem por 95% da energia total utilizada pelo setor
de transportes em todo o mundo. Em 2004 o setor foi responsável por 23% das emissões mundiais de gases
de efeito estufa (GEE) provenientes do uso de energia, com cerca de três quartos dessa parcela oriundos do
transporte rodoviário2.
2
Neste artigo, o termo “transporte rodoviário” é utilizado para designar o transporte motorizado por caminhões, ônibus, utilitários
leves, automóveis, triciclos, motocicletas e similares, em usos urbanos e interurbanos.
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Ao longo da última década, as emissões de GEE dos transportes cresceram a taxas mais elevadas que
as de qualquer outro setor que utiliza energia (KAHN RIBEIRO et al., 2007, p. 325).
As evidências disponíveis mostram claramente que as mudanças climáticas decorrentes do aumento
da concentração de gases de efeito estufa na troposfera constituem o maior problema ambiental da atualidade.
Suas consequências já superam os cenários mais pessimistas de previsões científicas elaboradas há menos de
uma década e a aceleração da velocidade dessas mudanças deixa clara a ameaça real que o aquecimento global
representa para o desenvolvimento digno da humanidade.
Os efeitos das mudanças climáticas serão sentidos especialmente em duas vertentes: a quebra da
produção agrícola e industrial, redução da disponibilidade hídrica e destruição da infraestrutura, provocadas
pelos fenômenos meteorológicos extremos – furacões, inundações, secas e desertificação – e os impactos
gravíssimos que serão provocados pela elevação do nível dos oceanos, inundando regiões litorâneas e
ameaçando instalações portuárias e cidades à beira-mar, juntamente com toda sua infraestrutura, incluídos os
sistemas de transporte. Desses efeitos resultarão graves riscos à saúde da população, seja pela disseminação
de doenças, pelos acidentes no curso de tais fenômenos extremos, pela carência de alimentação adequada e de
água potável, ou pelas migrações forçadas de enormes contingentes de desabrigados. À medida que os efeitos
sobre a saúde da população forem se agravando, os orçamentos públicos poderão ser onerados por crescentes
gastos nos setores de saúde, seguridade social e defesa civil, comprometendo os recursos orçamentários
disponíveis para investimento no setor de transportes.
Resulta imperativo, portanto, que medidas apropriadas de mitigação e adaptação sejam implantadas
imediatamente. Este artigo apresenta as possíveis ações para mitigar emissões do setor de transportes e
demonstrar a importância de uma análise abrangente de seus co-benefícios na seleção das medidas e políticas
públicas a serem priorizadas.
2. Panorama das emissões do setor de transportes
Responsável por 23% do total mundial de emissões de CO2 do setor energético, em 2004 o setor
de transportes emitiu 6.300.000 GgCO2, sendo que o transporte rodoviário foi responsável por 74% dessa
emissão. Os países em desenvolvimento (não-OECD) responderam por 36% do total, parcela que deverá
crescer rapidamente para 46% até 2030 se forem mantidas as tendências atuais (KAHN RIBEIRO et al., 2007,
p. 325).
No Brasil, em 2005 o setor de transportes foi responsável por 43% das emissões de CO2 do setor
energético e 8,1% do total do país, totalizando a emissão de 133.431 GgCO2, dos quais 92% pelo transporte
rodoviário. As emissões de CO2 do transporte rodoviário cresceram 72,1% entre 1990 e 2005, enquanto o total
de emissões de CO2 no Brasil cresceu 65,2% (MCT, 2010, p. 140-141). As emissões do setor de transportes no
Estado de São Paulo em 2005 totalizaram 36.820 GgCO2, representando 47% das emissões de CO2 do setor
de energia e 41,4% do total de 88.844 GgCO2 emitidos no estado. O transporte rodoviário totalizou 33.767
6
GgCO2, representando 92% das emissões de CO2 do transporte (CETESB, 2011, p. XXVII e 106-109).
Juntamente com o crescimento das emissões antrópicas de gases de efeito estufa, o século XX assistiu a
um explosivo crescimento da utilização de automóveis. O primeiro automóvel movido à gasolina foi vendido
nos Estados Unidos em 1896. Em 2000, a taxa de motorização americana era de 771 veículos por 1.000
habitantes, mais que um veículo por motorista habilitado, enquanto no restante do mundo era de 89 veículos
por 1.000 pessoas – a mesma dos EUA em 1920. Mas desde 1950 a taxa de crescimento da frota no restante
do mundo é mais que o dobro da taxa americana. A China, em 2000, já era o quarto maior mercado de novos
automóveis no mundo, atrás apenas dos EUA, Japão e Alemanha. Os 6,1 bilhões de pessoas na Terra em
2000 possuíam 735 milhões de veículos. Se a mesma taxa de motorização americana fosse aplicada, seriam
4,7 bilhões de veículos, praticamente todos queimando combustíveis fósseis. Apenas para estacioná-los seria
necessária uma área equivalente à Inglaterra ou à Grécia. Mantida a atual tendência de crescimento da frota,
serão cinco bilhões de veículos em 2100. A esse respeito, SHOUP (2005) pergunta: “Poderá o mundo suprir
todo o combustível necessário para mover cinco bilhões de veículos? Os humanos serão capazes de respirar
a fumaça expelida por cinco bilhões de canos de escapamento? Onde esses cinco bilhões de veículos poderão
estacionar?” Da mesma maneira, podemos perguntar: Que dizer das emissões de gases de efeito estufa?
É nesse cenário alarmante que fica clara a necessidade de uma mudança radical no estilo de vida
das populações mais favorecidas. Especialmente, fica claro que esse modelo baseado nos automóveis não
pode ser o objetivo a ser almejado por todos, não pode ser o parâmetro a ser perseguido pelos países em
desenvolvimento. O atual padrão de consumo de energia e de recursos naturais é insustentável até mesmo para
a pequena parcela da humanidade que dele usufrui, que dizer da ideia de aplicá-lo a todos. Junto com grandes
avanços tecnológicos que possam permitir um crescimento brutal na eficiência da utilização dos recursos não-
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renováveis, será necessária também uma mudança de atitudes, uma mudança de comportamentos.
Nesse mesmo cenário o transporte público tem sua grande oportunidade, pois pode representar um
enorme ganho de eficiência em comparação aos automóveis. Políticas públicas bem focadas e a conscientização
e mobilização dos operadores e da indústria são fundamentais, de forma a garantir a canalização de
investimentos maciços na expansão e melhoria dos sistemas coletivos. Entretanto, tal oportunidade pode
rapidamente transformar-se em ameaça. Não apenas o setor ainda é amplamente dependente dos combustíveis
fósseis, como é também dependente da capacidade de pagamento da população, da existência de um ambiente
regulatório favorável e da disponibilidade de uma infraestrutura minimamente adequada para poder operar
de forma eficiente. Fatores que poderão evoluir de forma muito negativa caso o aquecimento global não seja
controlado e seus impactos não sejam mitigados a tempo (CORTEZ FERREIRA, 2007).
Gráfico 2
Fonte: WRI - World Resources Institute
As emissões de gases de efeito estufa pelo setor de transportes estão crescendo mais rápido que as de
qualquer outro setor e já representam cerca de 26% das emissões globais de CO2. Ainda mais, o crescimento
das emissões do setor de transportes está anulando os efeitos dos esforços empreendidos por outros setores
da economia para reduzir suas emissões (UITP, 2007). Dada sua característica dispersa, o setor de transportes
é de difícil controle e o estabelecimento de metas é muito mais complexo, se comparado a outros setores da
economia. Por essa razão, o setor de transportes ficou fora das metas de emissões atribuídas internamente
pelos países do Anexo B do Protocolo de Kyoto, para o primeiro período de compromisso (2008–2012).
A tabela a seguir ilustra a situação das emissões de GEE dos Estados Unidos, UE-15 e Japão, em 1990
e 2003, permitindo a comparação entre as variações de emissões totais e do setor de transportes. A coluna à
direita indica as metas de redução preconizadas pelo Protocolo de Kyoto.
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Tabela 1
Emissões de GEE, em milhões de t oneladas de CO2e
2003
1990
Variação
Meta
2008-2012
- 8%
Estados Unidos
6.082,51
6.893,81
13,3%
Transportes
1.494,39
1.810,59
21,2%
UE-15
4.237,98
4.179,61
-1,4%
704,68
872,31
23,8%
1.187,25
1.339,13
12,8%
215,88
259,89
20,4%
Transportes
Japão
Transportes
- 7%
- 6%
http://ghg.unfccc.int/tables/a1wo_luluc_p.html (sem LULUCF)
http://ghg.unfccc.int/tables/a3_transport_p.html
20/5/2006
Fica patente que o setor de transportes não estava participando do esforço de redução de emissões,
mesmo no caso da União Europeia (UE-15). As figuras a seguir ilustram a situação na mesma data para a
Alemanha e Espanha, ambas participantes do grupo UE-15. Neste caso, a meta de redução do grupo UE-15
(-7%) foi distribuída pela União Europeia entre cada um dos países que compõe o grupo, tendo resultado em
metas bastante distintas conforme o país (no exemplo, Alemanha -21% e Espanha +15%).
Figura 1 - Emissões de GEE: Alemanha, 1990 – 2003
Alemanha,
Alemanha, 1990–2003
Variação
1990-2003
GHG changes relative to 1990 level
0
-5
-10
-14.7
%
-15
Meta Kyoto = - 21%
-18.2
-20
-25
-30
-33.5
-35
-40
1990
1992
1994
1996
GHG total without LULUCF
1998
CO2
2000
2002
non-CO2 gases
Change in GHGs by sector (%), 1990-2003
Industrial Processes
-20.7
Transport
- Todos os set ores: GHG 
- Exceção: t ransp ort e +5%
Fonte: http://unfccc.int
4.7
Energy (w ithout transport)
-20.5
Energy (w ith transport)
-16.4
Waste -60.9
Agriculture
-19.9
-70
-60
-50
-40
-30
-20
-10
0
10
9
Figura 2 - Emissões de GEE: Espanha, 1990 – 2003
Espanha,
Espanha, 1990–2003
Variação
1990-2003
GHG changes relative to 1990 level
50
45.3
40
41.7
%
30
27.2
20
Meta Kyoto = +15%
10
0
-10
1990
1992
1994
1996
GHG total without LUCF
1998
CO2
2000
2002
non-CO2 gases
Change in GHGs by sector (%), 1990-2003
Waste
61.0
Agriculture
- Todos os set ores: GHG 
- Transport e: +70.5%
18.8
Industrial Processes
25.7
Transport
70.5
Energy (w ithout transport)
38.4
Energy (w ith transport)
Fonte: http://unfccc.int
47.1
0
25
50
75
100
Ao final da década 2000-2010 os resultados de políticas de melhoria da eficiência energética dos veículos
já se faziam sentir, apontando uma redução nas emissões do setor de transportes nesses países, propiciada
também pelos impactos da grave crise econômica que se abateu sobre os países da OECD no final da década.
Entretanto, esse ganho de eficiência será pouco a pouco suplantado pelo crescimento da frota e das distâncias
percorridas, a menos que medidas complementares sejam colocadas em marcha.
3. Impactos das mudanças climáticas para a saúde humana
A extrema complexidade dos modelos de avaliação de cenários de oscilação do regime climático em
razão do aumento das concentrações de GEE na atmosfera, associados às limitações do conhecimento disponível
sobre suas consequências, dificultam o estabelecimento de estimativas aprofundadas e cientificamente
aceitáveis quantificando com precisão os impactos das mudanças climáticas para a saúde das populações.
Entretanto, diversos estudos disponíveis comprovam as associações entre condições climáticas e
ambientais com o aumento na mortalidade e na incidência de doenças, usualmente moduladas pelas condições
socioeconômicas dos afetados.
Os sistemas de transporte, sejam urbanos ou de longa distância, provocam grandes danos à saúde, por
acidentes e pela poluição: emissão de contaminantes atmosféricos, ruídos elevados, contaminação do solo e
águas por resíduos e por vazamentos de combustíveis. Evidências disponíveis indicam que muitas das ações
para mitigar as emissões de GEE do setor promovem, também, a melhora da saúde humana pela redução
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nas emissões de contaminantes. Outros co-benefícios, de cunho econômico-financeiro, são: ampliação da
eficiência do setor, ganhos de produtividade no trabalho e na educação, redução de custos com tratamentos de
saúde, redução de custos de seguridade social e ampliação da disponibilidade de recursos orçamentários para
investimentos em programas diversos.
Em que pesem as dificuldades já ressaltadas para o desenvolvimento de modelos estimativos abrangentes
dos impactos das mudanças climáticas sobre a saúde da população, um grande número de estudos apresentam
evidências importantes que permitem antever suas consequências (ISS et al., 2011) e justificam a importância
de medidas imediatas de mitigação, sem que se descuide das providências de adaptação.
4. Importância dos co-benefícios do transporte sustentável de baixo carbono para a
saúde humana
As evidências disponíveis quanto aos impactos da poluição veicular para a saúde humana são
contundentes e suficientes já há muitos anos para demonstrar a importância do controle das emissões de fontes
móveis. As estratégias de mitigação de emissões de GEE no setor de transportes tem o potencial de contribuir,
também, para a redução de acidentes de trânsito e para a redução das emissões de contaminantes atmosféricos.
Mesmo que esse não seja o objetivo primeiro das políticas de mitigação de emissões de GEE, no caso do setor
de transportes os co-benefícios à saúde serão tão importantes que não poderão deixar de ser considerados na
formulação das estratégias.
Em 2008, o total de óbitos decorrência de acidentes de trânsito no Brasil superou 38 mil vidas perdidas,
atingindo a taxa de 20,2 óbitos por 100 mil habitantes. Em relação a 1998, houve um aumento de 23,9% no
número absoluto de mortos em acidentes de trânsito, enquanto a taxa subiu 5,7%. Dentre as Unidades da
Federação, em 2008 a taxa mais elevada foi alcançada em Tocantins: 35,6 óbitos por 100 mil hab., seguido
por Mato Grosso: 35,5; a taxa mais baixa foi registrada no Amazonas: 11,2. Em São Paulo a taxa atingiu
18,3. Nesse mesmo período, os óbitos de motociclistas no país passaram de 3,4% do total em 1998 para
23,4% em 2008. Em número absoluto, cresceu de 1.047 para 8.939 óbitos/ano, uma variação de 753,8% e a
taxa de óbitos de motociclistas por 100 mil habitantes passou de 0,6 para 4,7 - alta de 628,5% em dez anos
(WAISELFISZ, 2011). Note-se que taxas tão elevadas e crescentes indicam que as motocicletas representam
uma genuína tragédia em termos de saúde pública. Segundo WAISELFISZ (2011), “Em 1970, as 62 mil
motocicletas registradas no país representavam apenas 2,4% do total de veículos motorizados. Para 2010 já
podiam ser contadas 16,5 milhões de unidades, representando 25,5% dos veículos motorizados.” Do total
de motociclistas mortos, 90% eram homens, especialmente na faixa de 18 a 29 anos. “A vulnerabilidade dos
motociclistas é de tal nível que sua letalidade em acidentes chega a ser 14 vezes maior que a dos ocupantes de
automóvel” (RODRIGUES, 2010, LIN, 2003. In: WAISELFISZ, 2011).
Comparativamente, os modos de transporte coletivo são muito mais seguros, com as taxas de óbitos
de ocupantes de ônibus (incluindo ônibus urbanos e rodoviários) oscilando entre 0,1 e 0,2 óbitos por 100 mil
11
hab. no mesmo período. Raras são as ocorrências envolvendo passageiros de sistemas metroferroviários. Da
mesma forma, as emissões por passageiro-km são inferiores no transporte coletivo, comparadas aos autos e
motos. Estudo feito anualmente pelo Metrô de São Paulo apontou, em 2010, que as emissões de GEE para
transportar um passageiro pela distância de um quilômetro representaram apenas 4g de CO2eq. Comparadas
com outros modos de transporte motorizado, as emissões de GEE por passageiro-km no Metrô foram quase 30
vezes inferiores às dos automóveis e 12,5 menos que dos ônibus em São Paulo (METRÔ DE SÃO PAULO,
2011). Note-se que a utilização do etanol favorece a redução das emissões médias de GEE dos automóveis.
Essa comparação seria ainda mais favorável aos sistemas coletivos não fosse pela existência dos veículos flex
e se a frota utilizasse apenas gasolina pura, sem adição de etanol anidro.
Confirmando a explosão no uso de motocicletas, o Inventário de Emissões Antrópicas de GEE do Estado
de São Paulo (CETESB, 2011) apontou um rápido crescimento nas emissões de GEE por esses veículos: em
1990 as motocicletas totalizaram a emissão de 183 GgCO2eq, demorando catorze anos para dobrar esse valor,
atingindo 391 GgCO2eq em 2004. Em apenas quatro anos as emissões dobraram novamente, atingindo 798
GgCO2eq em 2008. No mesmo período 1990 - 2008 as emissões dos automóveis passaram de 7.030 para
10.894 GgCO2eq.
Fica patente que a adoção de políticas públicas que incentivem a expansão e modernização dos sistemas
e promovam a ampliação do uso dos transportes coletivos terão o duplo efeito de mitigar emissões de GEE e
reduzir os impactos à saúde. Para serem efetivas, devem vir acompanhadas de medidas de desincentivo ao uso
do transporte individual e de controle do risco associado de acidentes, buscando reduzir drástica e rapidamente
a tragédia associada às motocicletas no país.
No que se refere ao transporte de carga, as maiores reduções de emissão são obtidas pela adoção do
transporte hidroviário, seguido pelo ferroviário, modais que devem ser fortemente incentivados. No Estado de
São Paulo, as emissões do transporte de cargas atingiram em 2008 17.828 GgCO2eq (caminhões, comerciais
leves, ferroviário e aquaviário), enquanto o transporte de passageiros foi responsável pela emissão de
19.151 GgCO2eq (automóveis, motocicletas, ônibus e GNV) (CETESB, 2011). Esses números demonstram
a importância de focar ações também para o transporte de cargas quando da formulação de políticas de
mitigação de emissões de GEE e de combate à poluição, para que os resultados pretendidos possam ser
atingidos plenamente.
Alguns dos contaminantes atmosféricos emitidos por fontes móveis, além de nocivos à saúde, podem
ter um papel significativo no efeito estufa, mas somente mais recentemente é que estudos detalhados vêm
sendo conduzidos. No caso do ozônio, os estudos avaliando sua interação com o efeito estufa se intensificaram
nesta década e as evidências apontam para uma importância maior do que anteriormente se acreditava no
que diz respeito ao seu potencial de interação com o sistema climático, especialmente em decorrência do
aumento de suas concentrações na tropopausa, no limite entre a troposfera e a estratosfera. Ainda que as
evidências disponíveis sejam demasiado recentes para que as conclusões a respeito tenham convergido, fica
claro que o controle das emissões de precursores de O3 pode trazer benefícios à saúde e, também, contribuir
para a mitigação do efeito estufa, mesmo tendo um tempo de vida muito curto, de horas a dias. Os principais
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precursores do ozônio, que é formado por reações fotoquímicas na presença de radiação ultravioleta solar, são
os óxidos de nitrogênio e compostos orgânicos voláteis, além do metano. Reduzir o consumo de combustíveis
por medidas de mitigação de GEE contribui, portanto, para a redução das emissões de precursores do ozônio
troposférico. A exposição das vias aéreas ao O3 causa danos ao sistema respiratório, induzindo a inflamação
de células que podem contribuir para a formação ou exacerbação de doenças pulmonares existentes. Seus
efeitos sobre a mortalidade estão bem demonstrados para exposições de curto prazo, além de sua associação à
elevação da morbidade, exacerbação da asma e de admissões hospitalares por causas respiratórias. Também
já foi verificada a associação entre exposições de longo prazo ao ozônio e mortalidade por complicações
cardiovasculares, cardiopulmonares e respiratórias. Efeitos crônicos relacionados ao ozônio incluem
evidências de déficit na função pulmonar em crianças, incremento na incidência de asma e danos à função
pulmonar. Ainda que sua associação com a morbidade esteja mais bem evidenciada e seja suficiente para
determinar a importância do controle das emissões de seus precursores, estudos mais recentes apontam para
importantes efeitos da exposição de longo prazo na mortalidade. Desta forma, os co-benefícios de reduções da
concentração de ozônio troposférico podem ser maiores que os previamente estimados (SMITH et al., 2009).
Analisando os efeitos do aumento da exposição ao ozônio, estudos verificaram que a incidência do infarto do
miocárdio elevou‐se em 5% pelo aumento de 5 mcg/m3 diários de concentração de ozônio (RUIDAVETS,
2005; ACCETTA, 2008; MICHELOZZI, 2009. In: ISS et al., 2011).
Confirmando os efeitos da exposição à poluição veicular nas vias públicas, estudo com controladores de
tráfego da Companhia de Engenharia de Tráfego da PMSP apontou alterações da pressão arterial e marcadores
inflamatórios sanguíneos em dias mais poluídos. (SANTOS, 2005. In: ISS et al., 2011). Também a exposição
a partículas finas inaláveis contribui para o agravamento dos impactos à saúde. Nas cidades brasileiras, o
alto teor de enxofre no diesel é o principal responsável pelas emissões de MP2,5 (material particulado fino).
O descumprimento da fase P-6 do PROCONVE (Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos
Automotores), que deveria ter entrado em vigor em 1º de janeiro de 2009, postergou o enfrentamento desse
problema e comprometeu o cronograma previsto para a vigência da fase seguinte, a P-7. Essa foi a primeira
oportunidade em que a data de entrada em vigor de uma fase do PROCONVE, tanto para veículos leves quanto
para veículos pesados, deixou de ser cumprida, desconsiderando os benefícios já obtidos com a implantação do
programa em suas fases anteriores. Estudo avaliando os benefícios obtidos graças ao PROCONVE verificou
que o programa reduziu em 30% a poluição do ar na RMSP entre 1996 e 2005, prevenindo 50 mil mortes no
período e economizando US$ 4,5 bilhões por conta dos gastos evitados com saúde, além da diminuição do
consumo de energia e redução das emissões de GEE (MIRAGLIA, 2010. In: ISS et al., 2011), evidenciando, por
sua vez, que as ações de controle das emissões veiculares, assim como o investimento em modos de transporte
público de baixo carbono, produzem efeitos positivos imediatos, com relevantes benefícios econômicos.
Com o propósito de mensurar os benefícios da operação do Metrô de São Paulo para a redução da
emissão de poluentes e a consequente redução dos custos de saúde pública, BASTOS (2009) examinou as
variações nas concentrações médias diárias de partículas inaláveis (MP10) em São Paulo, analisando as
oscilações provocadas por interrupções no serviço metroviário em dias úteis (em razão de greves). Os resultados
13
mostraram que o Metrô contribui para reduzir a concentração de poluentes atmosféricos, especialmente o
material particulado, podendo atingir reduções de cerca de 75% nas concentrações, dependendo das condições
meteorológicas do período. A partir dos níveis de concentração de MP10 obtidos nos dias pré e pós-eventos,
foi estabelecida a associação com indicadores de mortalidade por doenças cardiovasculares e respiratórias
no segmento de idosos com 60 a 64 anos e mais de 65 anos de idade. As mortes excedentes à média diária,
ocorridas nos períodos de 72 horas das paralizações, foram convertidas em valor monetário. O resultado
estima que os benefícios obtidos com base na mortalidade evitada de idosos graças à redução nas emissões de
MP10 pela utilização do Metrô no lugar de veículos a combustão interna atingem de US$ 36 a 50 milhões ao
ano (BASTOS, 2009. In: SALDIVA et al., 2010; BASTOS, 2010. In: ISS et al., 2011). Outros co-benefícios do
Metrô também são expressivos. A redução dos tempos de deslocamentos graças ao Metrô, em 2010, permitiu
um ganho de mais de 575 milhões de horas. A utilização do Metrô resultou na redução de 13 mil acidentes de
trânsito em 2010, evitando custos de tratamento de saúde estimados em R$ 138 milhões. (METRO DE SÃO
PAULO, 2010A; METRO DE SÃO PAULO, 2010B. In: ISS et al., 2011).
Tanto em termos de redução de emissões de GEE quanto em benefícios à saúde resultantes do incremento
de atividade física, o transporte ativo – não motorizado, por bicicletas ou a pé – merece posição de destaque
como medida de mitigação. O incremento da atividade física moderada associado ao aumento das distâncias
percorridas a pé ou por bicicleta levam a grandes benefícios à saúde. O UK National Health Service (NHS)
gasta cerca de US$5.000,00 por minuto em tratamento de doenças que poderiam ser evitadas por atividade
física regular. A redução dessas despesas ajudaria a compensar os custos de implementação de políticas de
transporte ativo (DOBDON 2009 citado em HAINES 2009. In: ISS et al., 2011).
Os principais ganhos resultam da redução na incidência de doenças cardíacas isquêmicas, problemas
cerebrovasculares, depressão, demência e diabetes. Um estudo de cenários comparativos para medidas de
redução de emissões de GEE no transporte urbano de passageiros desenvolvido para Londres (Reino Unido) e
Délhi (Índia) apontou importantes conclusões no que se refere à contribuição do transporte ativo. Os cenários
modelaram os efeitos sobre as emissões de CO2 e a saúde, avaliando a atividade física, poluição do ar em áreas
externas (outdoor) e lesões por acidentes de trânsito. Foram considerados, para o horizonte 2030 e para as
duas cidades, um cenário tendencial (business-as-usual), um cenário de adoção de veículos de baixa emissão,
um cenário de incremento do transporte ativo e um quarto cenário combinando veículos de baixa emissão
com transporte ativo. Os resultados obtidos para Londres e Delhi indicaram que a combinação de redução das
distâncias percorridas por transporte motorizado e o incremento vigoroso do transporte ativo, combinado com
a adoção de tecnologias veiculares mais eficientes (quarto cenário) ofereceu os melhores resultados de redução
de emissões de CO2, benefícios à saúde e também redução nas emissões de material particulado. Isoladamente,
os benefícios da adoção de veículos mais eficientes foram pequenos e amplamente superados pelos benefícios
decorrentes da implantação do cenário apenas transporte ativo. Mesmo considerando que os acidentes de
trânsito envolvendo ciclistas tendem a diminuir quando o uso de bicicletas aumenta consideravelmente, ao
invés de crescer linearmente, e que a redução na utilização de automóveis e motos poderia favorecer a redução
de acidentes com ciclistas e com pedestres, o estudo adverte que o crescimento do transporte ativo exporá
14
mais pessoas ao risco remanescente. Assim, conclui que melhorias na segurança, conveniência e conforto
para caminhar e pedalar serão essenciais para que a mudança modal possa ter sucesso, e que devem ser
acompanhadas por medidas para reduzir a atratividade do uso de automóveis e motos (WOODCOCK et al.,
2009).
Além das medidas necessárias para evitar o crescimento dos acidentes envolvendo ciclistas e pedestres,
o incentivo ao transporte ativo deve considerar os efeitos nocivos da atividade física em situações de alta
concentração de poluentes. A atividade física deve ser evitada próxima às vias de congestionamento e locais
muito poluídos. A relação do tráfego como fator de risco para infarto é maior em ciclistas do que naqueles que
usaram carros, sugerindo uma interação entre atividade física e exposição à poluição atmosférica relacionada
ao tráfego (PETERS, 2004. In: ISS et al., 2011). Em outro estudo, o esforço físico ao ar livre mostrou ser
um fator predisponente para infarto maior do que se realizado em ambiente fechado (LANKIT, 2006. In:
ISS et al., 2011). Assim, até que os co-benefícios de redução das emissões de poluentes possam ser obtidos,
as etapas iniciais de implantação de infraestrutura para o transporte ativo devem evitar a solução intuitiva de
acompanhar o traçado dos corredores de tráfego mais densos, buscando trajetos alternativos favoráveis tanto
no aspecto da concentração de poluentes, especialmente particulados, quanto da segurança viária, evitando a
competição direta com grandes fluxos de veículos motorizados.
5. Medidas de mitigação, custos de implementação e políticas integradas
No que diz respeito ao estabelecimento de políticas públicas com o objetivo de mitigar as emissões de
gases de feito estufa do setor de transportes, muitos são os obstáculos a serem superados. Responsável por
uma parcela importante das emissões globais, próxima aos 15% das emissões de CO2 equivalente, o setor tem
como característica a enorme dispersão de atores (stakeholders) e de abrangência geográfica de atividades,
além de estar intimamente relacionado com a economia e as características de distribuição territorial das
atividades em cada região, apresentando assim enorme variabilidade. Para efeito desta análise, o autor optou
por deixar de lado as emissões dos subsetores aeronáutico e marítimo, por operarem em grande parte em
espaços internacionais (especialmente o segundo), e focar nas possibilidades e obstáculos à mitigação das
emissões do transporte rodoviário no Brasil, em razão de sua relevância frente aos demais.
As linhas de ação para mitigação das emissões de GEE no setor de transportes podem ser reunidas em
quatro vertentes, melhor detalhadas logo a seguir:
substituição de combustíveis fósseis: ampla adoção de biocombustíveis ou outras fontes de energia
renovável em parcela muito significativa da frota, abandonando o uso de combustíveis fósseis;
racionalização e mudança modal: a redução das emissões através da migração para modais de transporte
menos poluentes e através da racionalização e aumento da eficiência dos sistemas existentes;
aprimoramento tecnológico: aumento da eficiência dos veículos no que se refere ao consumo de energia
15
e emissões de GEE;
gestão da demanda: redução da quilometragem total percorrida pelos veículos através de melhor
controle e ordenamento das atividades no território.
Substituição de combustíveis fósseis
No que se refere à possibilidade de substituição de combustíveis fósseis por biocombustíveis, é
inegável que o Brasil se encontra em posição privilegiada. A tecnologia desenvolvida em mais de trinta anos
de utilização comercial do etanol de cana-de-açúcar permitiu que o combustível seja produzido a preços
competitivos com os derivados de petróleo, especialmente se o preço do óleo superar US$ 50.00 por barril
(o preço nas bombas pode ser afetado por outros fatores além do preço do barril de petróleo), ao mesmo
tempo em que a tecnologia dos motores evoluiu, permitindo a ampla oferta de veículos flex. Da maneira
como é produzido no Brasil, o etanol de cana-de-açúcar permite reduções significativas nas emissões de GEE
se comparadas à gasolina e diesel, numa análise poço-às-rodas (well-to-wheels), ou seja, considerando as
emissões na produção, distribuição e consumo. Essa redução tem sido estimada em cerca de 80 a 85% (KAHN
RIBEIRO et al., 2007, p. 343-344) e já existe tecnologia disponível para ganhos ainda maiores, decorrentes
da adoção de práticas de plantio mais modernas, de equipamentos mais eficientes nas usinas e da cogeração
de energia elétrica para ser distribuída a outros consumidores, medidas que ainda não foram adotadas por
todos os produtores. A adoção de incentivos financeiros através da redução da alíquota do ICMS no Estado de
São Paulo tem contribuído para manter os preços finais ao consumidor do etanol inferiores aos praticados em
outros estados e quase sempre competitivos em relação aos da gasolina, reduzindo o impacto das flutuações de
disponibilidade do etanol. Este exemplo demonstra a viabilidade de políticas públicas de incentivo econômicofinanceiro à ampla adoção de biocombustíveis.
Entretanto, as barreiras para a substituição massiva dos derivados de petróleo no transporte rodoviário
também são expressivas. Para os veículos leves, dois grandes avanços já foram estabelecidos no Brasil: a
mistura de etanol anidro à gasolina, em proporções entre 20 e 25%, permite a redução das emissões de toda a
frota, mesmo para veículos que não são flex3; e o amplo desenvolvimento da tecnologia flex, que já se tornou
padrão de mercado para os novos veículos de produção nacional. Dois pontos destacam-se aqui: o grande
crescimento das importações de veículos, dos quais apenas uma pequena parcela possui motores flex, trará
dificuldades à implantação de políticas de substituição da gasolina; adicionalmente, a tecnologia flex permite
ao consumidor optar a cada abastecimento pelo combustível que irá utilizar, tornando, assim, a decisão pelo
etanol totalmente dependente da flutuação dos preços do combustível nas bombas.
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veículos flex são aqueles cujos motores a combustão interna podem funcionar com qualquer proporção na mistura de etanol e gasoli���������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������
na, podendo chegar a utilizar 100% de etanol.
16
Adicionalmente, estudos preliminares em desenvolvimento pelo Comitê Gestor da PEMC (Política
Estadual de Mudanças Climáticas) no Estado de São Paulo indicam que a ampla adoção do etanol será retardada
pela lenta renovação da frota4, apontando a importância do estabelecimento de programas de renovação da
frota para a obtenção de resultados mais imediatos. A imposição de padrões de emissão de GEE mais restritivos
aos veículos importados, atingíveis seja pela adoção das tecnologias flex ou híbrida, também será fundamental
para uma política de redução significativa do uso de combustíveis fósseis (CG-PEMC, 2010).
A substituição do diesel para veículos pesados apresenta, ainda, grandes barreiras tecnológicas. As
reduções de emissões de GEE “well-to-wheels” obtidas com o biodiesel produzido com as tecnologias
comercialmente disponíveis no momento estão longe de serem tão expressivas quanto as do etanol de canade-açúcar. Também os motores ciclo diesel para veículos pesados ainda não se encontram comercialmente
disponíveis para permitir a ampla utilização de etanol ou biodiesel e seu ciclo de desenvolvimento ainda
deverá demandar alguns anos. A tecnologia disponível permite propor a adoção de misturas de até 10% de
biodiesel ao diesel fóssil, mas passos maiores que esse exigirão medidas concretas de incentivo e tempo de
maturação. Se as políticas forem implantadas com sucesso, estimativas preliminares indicam que a ampla
substituição da gasolina por etanol, a adoção do etanol nas frotas de ônibus metropolitanos e do Município
de São Paulo, juntamente com a adição de 10% de biodiesel ao diesel fóssil, poderão propiciar a redução da
emissão de 25.000 GgCO2 no Estado de São Paulo em 2020, num cenário business as usual (CG-PEMC,
2010).
Outros aspectos importantes a serem observados ao definir a implantação de políticas de substituição
ampla dos combustíveis fósseis por biocombustíveis são: a garantia de disponibilidade, especialmente nas
entressafras, a estabilidade de preços e os impactos de sua produção sobre a produção de alimentos e o
desmatamento. Estudo publicado pelo Banco Mundial (GOUVELLO et al., 2010) analisa a demanda futura
por terras para a expansão da produção agropecuária e de biocombustíveis. Referido a 2006 e considerando
um Cenário de Referência e um Cenário de Baixo Carbono para o horizonte de 2030, a expansão da produção
agropecuária para atender as necessidades previstas para 2030 exigirá 16,8 milhões de ha de terras adicionais;
a eliminação de carvão vegetal não renovável em 2017 e participação de 46% de carvão vegetal renovável para
a produção de ferro e aço em 2030 exigirá mais 2,7 milhões de ha; a recuperação do passivo ambiental no que
diz respeito às “reservas legais” de florestas, calculadas em 44.3 milhões de ha em 2030, exigirá 44,3 milhões
de ha; finalmente, a expansão da cana-de-açúcar, para aumentar a substituição da gasolina pelo etanol até atingir
a marca de 80% no mercado interno e permitir ao Brasil responder, na forma de etanol, pelo fornecimento de
2% da demanda global estimada de gasolina em todo o mundo até 2030 exigirá 6,4 milhões de ha adicionais
de área plantada de cana-de-açúcar, totalizando uma demanda de 70,4 milhões de hectares adicionais de terras
até 2030. O mesmo estudo confirmou que é possível atender essa demanda por terras adicionais sem que seja
necessário recorrer ao desmatamento, contanto que seja promovido o aumento da produtividade da pecuária e
a consequente liberação de terras atualmente dedicadas à pastagem para a expansão do plantio.
4
a disponibilidade de veículos flex é recente e grande parte da frota antiga de veículos leves somente pode ser abastecida com gasolina.
17
Para aumentar a produtividade da pecuária, “o Cenário de Baixo Carbono considerou três opções: (i)
promover a recuperação de áreas degradadas de pastagem, (ii) estimular a adoção de sistemas produtivos que
envolvam confinamento de gado para engorda e (iii) encorajar a adoção de sistemas de lavoura-pecuária. O
aumento da taxa de lotação resultante da recuperação de áreas degradadas, combinado a sistemas integrados
mais intensivos de lavoura-pecuária e confinamento de gado para engorda refletem-se em acentuada redução
na demanda por terra, projetada para ser de aproximadamente 138 milhões de ha no Cenário de Baixo Carbono,
em comparação com 207 milhões de hectares no Cenário de Referência para o ano de 2030” (GOUVELLO et
al., 2010). Estas evidências sublinham a importância fundamental de uma abordagem integrada das políticas
públicas no estabelecimento das ações de mitigação de emissões de GEE. Atuando de maneira integrada na
agropecuária, na produção de biocombustíveis e no setor de transportes, o Brasil poderá suprir com etanol
80% de suas necessidades de combustível para veículos leves e ainda exportar o equivalente a 2% da demanda
mundial projetada para 2030, poderá manter a expansão da produção agropecuária e recuperar as reservas
legais, sem que seja necessário recorrer ao desmatamento, ou seja, “zerando” o desmatamento, que é hoje
responsável pela principal parcela das emissões de GEE do país.
Substituição modal
A linha de ação da substituição modal pode ser desenvolvida tanto para o transporte de passageiros
quanto para o transporte de cargas. No caso dos passageiros, pela substituição de viagens realizadas em
transporte motorizado individual (autos e motos) por viagens em transporte coletivo (ônibus, trens ou metrô)
ou por viagens não motorizadas (a pé ou em bicicleta). No caso da carga, pela substituição do transporte
por caminhões para ferrovias, hidrovias ou dutovias. As ações de racionalização e aumento da eficiência
também devem ser promovidas, especialmente para o transporte de cargas. Estimativa desenvolvida pela
SLT5 verificou que existe grande contribuição potencial advinda da racionalização dos sistemas de transporte
de carga, particularmente do rodoviário: hoje em 48% dos deslocamentos os caminhões circulam vazios,
correspondendo a 34% da quilometragem percorrida, enquanto na Europa esse índice é de 22-24% e nos EUA de
16-18% (CG-PEMC, 2010). A racionalização dos sistemas de transporte existentes e a substituição por modos
mais eficientes, além de contribuir para a redução das emissões de GEE, aportam também grandes benefícios
adicionais no controle das emissões de contaminantes atmosféricos, na redução do consumo de energia e dos
custos de transporte. O transporte ativo (não motorizado) pode trazer grandes benefícios à saúde da população.
Também pode promover reduções significativas nas emissões de poluentes (sejam contaminantes locais ou
gases de feito estufa) e nos custos diretos (out-of-pocket) de transporte. Seu potencial de crescimento no Brasil
é amplo, ainda que em parte das grandes e médias cidades as barreiras a serem superadas sejam consideráveis.
O primeiro ponto a ser investigado refere-se às medidas necessárias para evitar que a ampliação da letalidade e
danos à saúde decorrentes de acidentes e da exposição à poluição atmosférica venham a superar os benefícios.
5
Secretaria de Logística e Transportes do Estado de São Paulo.
18
A segunda linha de investigação deve ater-se aos investimentos e às medidas institucionais necessárias
para viabilizar uma migração ampla das viagens motorizadas, especialmente aquelas de curta distância, para
o transporte ativo. Neste caso, há que se investigar os impactos e as possíveis sinergias com o transporte
coletivo, lembrando que este deverá ter capacidade ociosa suficiente para absorver a demanda nas ocorrências
de condições climáticas adversas, situação em que seu próprio desempenho operacional também é degradado.
O aprofundamento dessas duas linhas de investigação é fundamental para que se estabeleçam bases confiáveis
para a construção das políticas públicas de incentivo ao transporte ativo.
De fato, os co-benefícios decorrentes da promoção de políticas de racionalização e substituição modal
para a mitigação de emissões de GEE são tão expressivos, seja por sua contribuição para a melhora das condições
de saúde da população, seja por sua contribuição ao desenvolvimento econômico, que não podem deixar de
ser considerados no desenvolvimento das análises e estudos de viabilidade econômica quando da avaliação
dessas políticas. Ao analisar especificamente a realidade brasileira, o estudo publicado pelo Banco Mundial
apresenta conclusões que são bastante semelhantes a resultados já evidenciados em estudos internacionais,
demonstrando que os custos de implantação da infraestrutura necessária para que seja promovida uma ampla
substituição modal são significativamente elevados, seja para a carga ou para o transporte de passageiros
(GOUVELLO et al., 2010). Quando cotejados os investimentos necessários com as emissões de GEE evitadas,
resulta sempre uma intensidade de capital desfavorável ao setor de transportes. Isso evidencia a relevância da
inclusão de suas externalidades, amplamente positivas, nas análises que irão subsidiar os processos de decisão
de políticas de mitigação.
Aprimoramento tecnológico dos veículos e redução de congestionamentos
As medidas de promoção do aprimoramento tecnológico dos veículos, resultando no aumento da
eficiência dos veículos no que se refere ao consumo de energia e emissões de GEE, devem ser rapidamente
implementadas. De fato, alguns países, como é o caso dos EUA, têm conduzido suas ações de mitigação de
emissões no setor de transportes cada vez mais nesse sentido. Aprovada em 2007, a lei Energy Independence
and Security Act (U.S. Congress, 2007. In: EWING et al., 2008) estabelece limite para o consumo de
combustível de novos veículos de passageiros, que deverão percorrer não menos que 35 milhas por galão a
partir de 2020 (equivalente a 14,9 km/l). Esse limite deverá promover uma redução média de 34% no consumo
por quilômetro rodado para toda a frota em 2030. Não há proposta equivalente em discussão aprofundada no
Brasil, onde apenas a ideia da adoção de um selo de eficiência energética para os veículos, a exemplo do já
adotado para eletrodomésticos e lâmpadas, foi amplamente considerada até o momento. No caso brasileiro os
resultados de limites mandatórios de emissão para veículos se farão sentir mais lentamente que nos EUA, dado
o ritmo mais lento da renovação da frota de veículos. Ainda assim, sua rápida implantação poderá evitar que
a frota de veículos novos movidos exclusivamente à gasolina (sem tecnologia flex) e sem nenhum controle de
emissões de GEE cresça demasiadamente, incentivada pelo rápido crescimento das importações.
19
A perda de eficiência resultante de congestionamentos também contribui para o aumento das emissões
de GEE e contaminantes. O consumo de combustível cresce em consequência do tempo parado em ponto morto
com os motores operando e da frequente aceleração e desaceleração. Investimentos no aumento da capacidade
viária e no aprimoramento da operação do trânsito significam um imediato ganho de eficiência e consequente
redução de emissões. No entanto, os ganhos obtidos, resultado do aumento da velocidade média dos veículos
pela redução dos congestionamentos, não se restringem à redução das emissões. São acompanhados pela
redução dos tempos de viagem e redução dos custos diretos com combustível, resultando em maior atratividade
e incentivo ao uso de automóveis e caminhões. No longo prazo terminam por provocar o resultado oposto,
trazendo o incremento das emissões. Estudo realizado nos EUA avaliando diversas estratégias de redução de
emissões no setor de transportes apontou: “Expansão da capacidade viária e alívio de congestionamentos são
as únicas duas estratégias analisadas pelo estudo Moving Cooler que resultam em um incremento das emissões
de GEE durante o período de 40 anos da análise, de 2010 a 2050. Esse incremento não ocorre imediatamente,
entretanto; no curto prazo, a melhoria das condições viárias irá reduzir os congestionamentos e atrasos e,
como consequência, o consumo de combustível. Apenas quando a demanda induzida começar a consumir o
incremento de capacidade viária é que as emissões de GEE deverão crescer, juntamente com a quilometragem
total percorrida.” (CAMBRIDGE SYSTEMATICS, 2009, p. 43).
Controle da quilometragem total percorrida
Os ganhos de eficiência e a consequente redução de emissões, decorrentes do aprimoramento tecnológico
dos veículos, serão rapidamente obliterados pelo crescimento da quilometragem total percorrida pela frota de
automóveis. Esse crescimento é provocado: pela ampliação da frota, pelo crescimento do uso dos automóveis
em viagens antes realizadas a pé ou por transporte coletivo e pelo crescimento da distância média percorrida
em cada viagem, consequência do espraiamento das atividades no território.
Analisando o caso dos EUA, EWING et al. (2008) identificou que o rápido crescimento da
quilometragem percorrida fará com que as emissões de GEE de automóveis e utilitários leves permaneçam
estáveis, correspondendo em 2030 aos mesmos níveis encontrados em 2005, a despeito dos ganhos decorrentes
do aumento de eficiência e da adição de biocombustível à gasolina impostos pela legislação vigente. Desde
1980 a quilometragem percorrida pelos americanos cresceu três vezes mais rápido que a população e cerca de
duas vezes mais rápido que a frota. O tempo de viagem nas áreas metropolitanas tem crescido constantemente
ao longo das décadas e muitos americanos atualmente gastam mais tempo na somatória das viagens residênciatrabalho que usufruindo de férias. Da mesma maneira, a área consumida para novos loteamentos imobiliários
vem crescendo a taxas quase três vezes mais rápidas que o crescimento populacional. A ocupação de áreas
rurais pelo espraiamento das áreas urbanas provocou o aumento das emissões de CO2 por automóveis, ao
mesmo tempo em que reduziu as áreas plantadas disponíveis para a absorção de CO2 (EWING et al., 2008).
O fenômeno de espraiamento das manchas urbanas vem ocorrendo a passos acelerados também no
Brasil, marcadamente junto às grandes cidades. Buscando condições financeiramente mais favoráveis para
20
reduzir os custos com moradia, muitas famílias buscam novas áreas de ocupação urbana, localizadas cada vez
mais distantes dos centros metropolitanos. Inicialmente circunscrito predominantemente à população de baixa
renda, levando à criação de extensos cinturões periféricos de urbanização precária, o fenômeno da expulsão
dos grandes centros atinge agora as classes média e média-alta, incentivado pelas facilidades para a compra
de automóveis. Desse padrão de ocupação espraiada e pouco densa do solo, que se desenvolve ao longo dos
eixos rodoviários e que é agravado em seus impactos pela quase ausência de planejamento territorial, resulta
uma enorme dependência do uso do automóvel para a efetivação de todas as atividades cotidianas das famílias.
Essa mesma ausência de densidade torna financeiramente inviável a oferta de transporte público adequado,
consolidando um ciclo vicioso de dependência total do transporte individual. A segregação das funções urbanas
– habitação em condomínios fechados exclusivamente residenciais, escolas, comércio, serviços e empregos em
locais distantes, não raro em outros municípios – inviabiliza o transporte ativo, torna ineficiente o transporte
coletivo e aumenta o uso do transporte individual. Grandes distâncias, grande fluxo de veículos e grandes
congestionamentos, agravando o consumo de combustível e aumentando as emissões de GEE. Reverter esse
quadro demandará tempo e um enorme esforço de gestão, mas a tarefa precisa ser enfrentada. Como ressalta
EWING et al. (2008, p. 134) “o planejamento criterioso é crucial para a implantação de reformas no uso do solo
e no transporte a nível regional. [...] Uso do solo e transporte definem um ao outro; nenhum pode ser totalmente
compreendido ou racionalizado isoladamente”. Por sua vez, “a redução das emissões de CO2 no transporte é
como uma banqueta apoiada em três pernas: uma relacionada à eficiência no consumo de combustível, outra
no combustível – fóssil ou renovável – e a terceira na quantidade de quilômetros percorridos. As iniciativas
de energia e clima a nível federal e estadual [nos EUA] têm pendurado suas esperanças em controlar as duas
primeiras pernas da banqueta. Mas uma banqueta não pode parar em pé apoiada apenas em duas pernas”
(2008, p.3).
No que se refere à redução da quilometragem percorrida por veículos de carga, um resultado mais rápido
pode ser obtido no transporte inter-regional com medidas para aumentar a ocupação e reduzir as viagens com
caminhões vazios. A implantação de uma rede de terminais logísticos multimodais e a revisão da estrutura de
recolhimento tributário, associadas a medidas complementares de incentivo, apontam para resultados efetivos
na redução das viagens vazias e para uma maior racionalização de todo o transporte de cargas, com inegáveis
benefícios econômicos e ambientais.
6. Considerações finais
A análise das evidências apresentadas nesta resenha permite ao autor destacar dois pontos fundamentais:
primeiro, sublinhar a importância da implementação de medidas integradas, inclusive de caráter
intersetorial, seja para garantir a persistência dos resultados obtidos, seja para alavancar os resultados com
o aproveitamento das sinergias que se possam criar entre as diversas medidas. Isso significará um grande
esforço de aprimoramento de gestão, exigindo a implementação de políticas públicas integradas e duradouras,
21
haja vista que os resultados somente poderão ser obtidos no longo prazo, o que exige que as medidas sejam
permanentes e consistentes;
segundo, considerando o expressivo volume de investimentos necessários para a implantação de
medidas de redução de emissões de GEE no setor de transportes, vis-à-vis os resultados de mitigação obtidos,
e considerando, também, que os benefícios à saúde e qualidade de vida da população, juntamente com os
benefícios econômicos, podem ser muito superiores que aqueles diretamente relacionados à mitigação das
emissões de GEE, é imperativo que tais co-benefícios (externalidades positivas) sejam criteriosamente
considerados quando da definição das estratégias e políticas públicas de mitigação, tanto do setor quanto
intersetoriais.
Na definição das estratégias de mitigação para o setor, é preciso resistir à tentação de implantar
apenas ações isoladas que prometem resultados imediatos, como as soluções de aprimoramento tecnológico
dos veículos, de ampliação da capacidade viária, ou de adoção de biocombustíveis por meio de incentivos
econômico-financeiros. Estas podem ser importantes, mas devem vir acompanhadas de ações de mais longo
prazo. Como ressalta OWEN (2009, p. 99) “No longo prazo, dependência do automóvel ainda é dependência
do automóvel. Aumentar a eficiência e reduzir o consumo dos automóveis pode, no curto prazo, de alguma
forma reduzir o ritmo em que o mundo exaure sua disponibilidade de petróleo, mas, ao final, tornar o uso
de automóveis mais barato apenas encoraja as pessoas a dirigirem mais. Carros melhores, isoladamente,
não importa quantos quilômetros possam percorrer por litro, não poderão reduzir a pegada de carbono da
humanidade”.
Transporte e uso do solo são absolutamente interdependentes. O adensamento urbano permite grandes
ganhos de eficiência, mas a ideia de reunir quase toda a população mundial (as projeções indicam algo em
torno de 12 bilhões de pessoas no final do século) em densas aglomerações urbanas encontra severa resistência
naqueles que defendem a imagem idílica de pequenos grupos vivendo quase isoladamente em meio à natureza.
Intuitivamente, muitos ambientalistas apegam-se à noção de que famílias vivendo em habitações isoladas, em
áreas semi-rurais de muito baixa densidade, representam um impacto ambiental menor e que esse modelo de
ocupação do território é mais sustentável, devendo, portanto, ser defendido e generalizado. Para embasar essa
noção intuitiva, um ranking de indicadores como consumo de energia, consumo de água, geração de lixo e
tantos outros certamente colocará as grandes metrópoles no topo da lista, se forem considerados os valores
absolutos. Em OWEN (2009, p. 14) essa noção é contestada: “A população de Nova York é treze vezes maior
que a de todo o estado de Vermont e, assim, os dados de consumo em qualquer categoria farão a cidade
parecer avassaladora em qualquer comparação direta. É o consumo per capita que conta, no entanto, e por
esse critério os habitantes de Vermont usam mais água que os nova-iorquinos. Eles também consomem três
vezes e meia mais gasolina – 545 galões por pessoa por ano, versus 146 para todos os habitantes da cidade
de Nova York e apenas 90 para os habitantes de Manhattan – resultando que, dentre os cinquenta estados, o
pastoral Vermont fique na 11ª posição em consumo de gasolina per capita, enquanto o estado de Nova York,
inteiramente graças à cidade de Nova York, ocupa a última e mais baixa posição. Os habitantes de Vermont
22
também consomem acima de quatro vezes mais eletricidade que os moradores da cidade de Nova York, têm
uma pegada de carbono maior e geram mais lixo sólido, não importa quantos se dediquem a compostar seus
resíduos orgânicos no quintal de suas casas”.
As evidências disponíveis são significativas para indicar que o planejamento territorial deve priorizar
o assentamento populacional em áreas urbanas adensadas, permitindo o crescimento populacional e o
desenvolvimento econômico sem exaurir a disponibilidade de áreas para a agropecuária e para a recuperação
da cobertura florestal, garantindo a permanência dos serviços ambientais e a preservação da biodiversidade.
No que diz respeito ao transporte, não há como garantir, em longo prazo, o controle das emissões de GEE do
setor sem a implantação integrada de políticas de ordenamento territorial, local e regional, para contenção do
espraiamento urbano.
As medidas de resultado imediato devem ser acompanhadas daquelas de mais longo prazo, como a
implantação de infraestrutura de transporte que permita a mudança modal, tanto de passageiros como da
carga, e medidas que promovam a redução da quilometragem total percorrida pelos veículos. Referindo-se
ao uso do solo a ao incremento das opções de modos de transporte no capítulo de conclusões de seu estudo,
CAMBRIDGE SYSTEMATICS (2009, p. 83) afirma que “enquanto algumas das estratégias do estudo Moving
Cooler podem ser implementadas rapidamente, outras requerem muitos anos para serem colocadas em prática.
Esta observação é particularmente verdadeira para medidas integradas que envolvam mudanças no padrão de
ocupação territorial para aumentar a densidade e reduzir as distâncias percorridas ou reduzir a necessidade
de recorrer a modos motorizados. A análise demonstrou que, ao longo do tempo, as mudanças no uso do solo
e os investimentos em aprimoramento e ampliação das opções de transporte podem aumentar a eficiência e
a qualidade de todas as viagens, reduzindo as distâncias percorridas ou substituindo as viagens motorizadas
pelo transporte ativo, reduzindo dessa forma as emissões de GEE. As reduções mais notáveis para essas
estratégias foram obtidas nas décadas mais distantes analisadas, de 2030 em diante. Trata-se de estratégias
que irão requerer mudanças nas políticas públicas em curso e na legislação vigente, junto com investimentos
significativos em razão dos custos de capital para expansão dos serviços de transporte público, mas essas
estratégias poderão assegurar reduções significativas das emissões de GEE em 2050, na faixa entre 9 e 15%,
sem recorrer a medidas simultâneas de penalização financeira para gestão da demanda”. Note-se que esse
resultado é extremamente positivo, pois a implementação de medidas demasiadamente agressivas de gestão
da demanda pela imposição de penalizações financeiras (como a criação de taxas de carbono, elevação de
alíquotas, pedágios urbanos e outros esquemas de cobrança) pode gerar problemas de equidade pela elevação
dos custos de transporte e impactar de maneira negativa o desenvolvimento da economia. Dessa maneira,
a formulação das políticas de redução de emissões fica menos pressionada a adotar medidas agressivas de
penalização para gestão da demanda.
Os benefícios para a saúde humana decorrentes da implantação de medidas de redução das emissões
de GEE pelo setor de transportes são muito importantes, graças à redução da poluição e dos acidentes. Ao
proporcionar simultaneamente a redução das concentrações de contaminantes na atmosfera, as ações de
mitigação das emissões de GEE promoverão a equidade social, a redução de custos de tratamento de saúde, o
23
incremento da produtividade e da qualidade de vida. Em resumo, promoverão o desenvolvimento sustentável
e contribuirão para evitar que esse desenvolvimento seja inviabilizado por mudanças demasiadamente
acentuadas no regime climático.
A formulação das estratégias e políticas públicas de mitigação de emissões de GEE deve considerar
sempre as externalidades positivas que serão potencialmente geradas por ações de mitigação no setor de
transportes, de forma a obter uma análise mais adequada dos custos e benefícios envolvidos. Sem a adoção de
medidas intersetoriais integradas, dificilmente será possível lograr reduções significativas e consistentes no
longo prazo. O setor de transportes tem participação importante nas emissões de GEE e a eficácia das ações
de mitigação será ainda mais expressiva em razão dos co-benefícios à saúde que resultarão de sua adequada
implantação.
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27
POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA E EXPOSIÇÃO HUMANA: A EPIDEMIOLOGIA
INFLUENCIANDO AS POLÍTICAS PÚBLICAS
Neide Regina Simões Olmo¹ e Luiz Alberto Amador Pereira1
Resumo
A poluição do ar passou por diversos estágios de involução de sua qualidade e seu poder maléfico
e silencioso assola a saúde da população urbana. O enfoque jurídico e médico são complementares no
entendimento e tomada de decisões governamentais. Os efeitos negativos da poluição atmosférica são
evidenciados por meio de estudos científicos notadamente aqueles que se debruçam em comprovar os
transtornos respiratórios, cardiovasculares e a exacerbação de comorbidades pré existentes, passando pelos
problemas de fertilidade, aumento de abortos e prematuridade. Os grandes centros urbanos são alvo do ar mais
poluído em razão principalmente de sua crescente frota veicular ainda inadequada tecnicamente em termos
de redução de emissão. O que se almeja para um futuro bem próximo é a tomada de decisões governamentais
mais enérgicas em meio e embasadas nos estudos epidemiológicos que evidenciam os efeitos nocivos da
poluição atmosférica na saúde humana.
AIR POLLUTION AND HUMAN EXPOSURE: THE EPIDEMIOLOGY
INFLUENCING PUBLIC POLICY
Abstract
Air pollution has gone through several stages of involution in its quality and this malefic and silent
power reflects on the urban population health. The legal and medical approaches are complementary in
understanding the theme and government in terms of decision-making. The negative effects of air pollution are
shown through scientific studies especially those that focus on evidence-disordered breathing, cardiovascular
and exacerbation of preexisting comorbidities, going through fertility problems, increased miscarriage and
prematurity. Large urban centers are the targets from the air more polluted mainly due to theirs growing fleet
of vehicles still technically inadequate in terms of emission reductions. What it aims for the near future is
closer government environmental decisions grounded in epidemiological studies that show the harmful effects
of air pollution on human health.
1
Vínculo institucional: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP , Laboratório de Poluição Atmosférica
Experimental – LPAE e Núcleo de Estudos em Epidemiologia Ambiental-NEAA
28
Introdução
Para o ordenamento jurídico o ar, inserido no contexto do meio ambiente ecologicamente equilibrado, é
um bem de uso comum do povo, insuscetível de apropriação e objeto de tutela pelo Poder Público e coletividade.
Para Medicina a ventilação pulmonar significa suscintamente, o influxo e o efluxo de ar entre a atmosfera
e os alvéolos pulmonares, a difusão de oxigênio e dióxido de carbono, dependentes da movimentação do
diafragma e elevação e depressão das costelas num ritmo perfeito, capaz de aumentar e diminuir o diâmetro
ântero posterior da cavidade torácica e assim promover a respiração.
Esse ar tutelado pelo Estado e essencial a vida na terra está a cada dia mais ameaçado, mais inadequado
para suprir sua real finalidade, a vida.
A poluição do ar passou por diversos estágios de evolução, ou melhor dizendo, involução de sua
qualidade, acompanhando o progresso industrial, ainda quando não se falava em sustentabilidade. Hoje com
o conhecimento acumulado ao longo dos anos e com as pesquisas na área de poluição atmosférica cediço é o
real e palpável estrago à vida que a poluição do ar está causando.
O poder silencioso da poluição atmosférica invade o sistema humano (cardiorrespiratório), ulcera suas
funções e torna inapropriada a tutela do Estado enquanto órgão coibidor das ofensas aos seus tutelados.
Poluição atmosférica nos centros urbanos
A poluição do ar enquanto mal que assola os centros urbanos se equipara ao crescimento desordenado e
avassalador de verdadeiras células tumorais, que alimentada pelo próprio homem o coloca como seu principal
alvo a destruir.
Nos grandes centros urbanos hoje nos deparamos com o crescimento da frota veicular, ainda inapropriada
em termos de emissão de poluentes atmosféricos. O crescimento, podemos dizer desordenado, das fontes
móveis vem propiciando a incapacidade do ser humano e sua morte prematura.
Os estudos epidemiológicos não cessam. Incansavelmente evidenciam o poder destruidor da poluição
atmosférica numa tentativa de serem ouvidos pela comunidade e pelo governo.
Os principais poluentes atmosféricos emitidos pela queima de carvão e derivados do petróleo são:
dióxido de enxofre (SO2) e metais pesados (chumbo – Pb e mercúrio Hg).
Os derivados da queima incompleta de combustíveis fósseis e de biomassa são: monóxido de carbono
(CO) e material particulado (MP).
O advindo da emissão evaporativa de combustível é o hidrocarboneto (HCs). Os derivados da queima
de combustível sob altas temperatura são os óxidos de nitrogênio –NOx (NO e NO2) e o poluente secundário
formado pela oxidação fotoquímica do NOx e HCs na atmosfera é o ozônio troposférico (O3).
29
Efeitos dos poluentes na saúde humana
Esses poluentes devem ser considerados, não isoladamente, posto que a multiplicação de seus efeitos
nocivos à saúde humana se verifica também quando em sinergia. A tabela abaixo evidencia de maneira clara
alguns dos efeitos adversos da poluição atmosférica na saúde humana:
Tabela 1: Poluentes
Efeitos na saúde de poluentes atmosféricos ambientais
Ozônio
População de risco
Adultos e crianças saudáveis,
atletas e trabalhadores ao ar
livre, asmáticos.
Dióxido de
nitrogênio
Adultos saudáveis, asmáticos,
crianças.
Dióxido de
enxofre
Adultos saudáveis, pacientes
com doença pulmonar
crônica, asmáticos.
Vapores ácidos
Adultos saudáveis, crianças,
asmáticos.
Partículas
Crianças, pacientes com
doença pulmonar crônica ou
cardiopatia e asmáticos.
Fonte: adaptado de Robins e Contran p.448
Efeitos
Decréscimo de função
pulmonar, aumento de
reatividade das vias aéreas,
inflamação pulmonar
Decréscimo da capacidade
para exercício, aumento das
hospitalizações.
Aumento da reatividade das
vias aéreas, diminuição da
função pulmonar, aumento das
infecções respiratórias.
Aumento dos sintomas
respiratórios, aumento da
mortalidade, aumento das
hospitalizações, decréscimo da
função pulmonar.
Alteração da função ciliar de
remoção, aumento das infecções
respiratórias, decréscimo da
função pulmonar, aumento das
hospitalizações.
Segundo a CETESB (2010), os principais agentes presentes na poluição atmosférica, dentre outros são:
CO e PM e de acordo com o NAAQS – National Ambient Air Quality Standards - da EPA -- Environmental
Protection Agency (EPA, 2009), o:
- monóxido de carbono (CO) é transportado pelos pulmões e tende a formar carboxihemoglobina
propiciando um quadro de hipóxia pela elevação da carboxihemoglobina – COHb. A afinidade do CO pela
30
hemoglobina – Hb é maior do que desta pelo oxigênio (O2), limitando a disponibilidade de Hb para transportar
O2. Quando os níveis de carboxihemoglobina aumentam a curva de dissociação do sangue é alterada
para esquerda resultando em menor quantidade de sangue para os tecidos. Ocorre também a combinação
preferencial de CO com mioglobina e o citocromo P 450, que pode levar a um dano intracelular no mecanismo
de transporte de oxigênio para mitocôndria. Os níveis de carboxihemoglobina fornecem uma boa estimativa
de exposição a CO exógeno. Os efeitos maléficos do CO são sentidos por pessoas sadias, e de maneira mais
acentuada por cardiopatas, idosos e crianças. Dentre os efeitos do CO ao organismo humano podemos citar:
problemas de visão, redução da capacidade cognitiva, redução da destreza manual, dificuldade de realizar
tarefas complexas, problemas respiratórios e até a morte.
- material particulado (PM) se deposita no aparelho respiratório por meio de: impactos inertes;
sedimentação; difusão; intercepção e precipitação eletrostática, o que se verifica em razão da mudança súbita
na direção da corrente aérea e sua velocidade. Assim não só a sedimentação, mas também a impactação pode
influenciar na deposição de partículas dentro da mesma faixa de tamanho. A precipitação eletrostática é a
deposição relacionada a carga da partícula. A quantidade de material depositado é diretamente relacionada aos
efeitos na saúde humana. Assim dependendo da origem, da composição química e do tamanho da partícula,
o efeito do material particulado é diferente. As partículas maiores (5 a 30µm de diâmetro) depositam-se, pelo
impacto da turbulência do ar, no nariz, na boca, na faringe e na traquéia. Partículas de 1 a 5µm, geralmente
depositam-se por sedimentação na traquéia, nos brônquios e nos bronquíolos. Partículas com menos de 1µm de
diâmetro, em geral depositam-se por difusão nos pequenos bronquíolos e alvéolos. As partículas que dissolvem
no catarro são eliminadas por expectoração ou depois de engolidas eliminadas pelo sistema digestório. Já nos
alvéolos as partículas podem se dispersar no sistema linfático ou sanguíneo. O PM pode causar aumento de
sintomas respiratórios e diminuição da função pulmonar em crianças, aumento da mortalidade em pacientes
com doenças cardiovasculares e pulmonares, aumento e piora das crises de asma e aumento de neoplasias.
Segundo a CETESB as características principais fontes dos poluentes atmosféricos encontrados na
região urbana são:
Tabela 2: Poluentes, características e fontes principais
FONTES PRINCIPAIS
POLUENTE CARACTERÍSTICA
Partículas de material sólido ou Processos Industriais e veículos
líquido que ficam suspensas no motorizados (exaustão), poeira
Partículas totais
ar na forma de poeira, neblina, de rua ressuspensa, queima de
em suspensão
aerossol, fumaça ou fuligem
biomassa.
(PTS)
etc.
Fontes naturais: pólem, aerossol
Faixa de tamanho > 10 micra. marinho e solo.
31
Partículas de material sólido ou
líquido que ficam suspensos no
Partículas
Processos de combustão ( indústria
ar, na forma de poeira, neblina,
Inaláveis (MP10)
e veículos automotores), aerossol
aerossol, fumaça fuligem etc.
e fumaça.
secundário (formação na atmosfera).
Faixa de tamanho < que 10
micra.
Gás incolor, com forte odor,
semelhante ao gás produzido na
queima de palitos de fósforo.
Pode ser transformado em
Processos que utilizam queima
Dióxido de
SO3, que na presença de vapor de óleo combustível , refinaria de
Enxofre (SO2) de água, passa rapidamente
petróleo, veículos a diesel, polpa e
Dióxido de
nitrogênio
(NO2) Monóxido de
carbono (CO)
a H2SO4. É um importante
precursor dos sulfatos, um dos
principais componentes das
partículas inaláveis.
Gás marrom avermelhado, com
odor forte e muito irritante,
pode levar a formação de
ácido nítrico, nitratos (os quais
contribuem para o aumento
das partículas inaláveis na
atmosfera) e compostos
orgânicos tóxicos.
papel.
Processos de combustão envolvendo
veículos automotores, processos
industriais, usinas térmicas que
utilizam óleo ou gás, incinerações. Combustão incompleta em veículos
automotores.
Não é emitido diretamente
Gás incolor e inodoro nas
a atmosfera. É produzido
concentrações ambientais e o
Ozônio (O3) fotoquimicamente pela radiação
principal componente da névoa
solar sobre os óxidos de nitrogênio
fotoquímica.
e compostos orgânicos voláteis.
Fonte: adaptado de CETESB, 2008
Gás incolor, inodoro e insípido.
A produção científica, tanto nacional quanto internacional, demonstra de maneira uníssona os efeitos
adversos da poluição atmosférica na saúde humana.
Em âmbito nacional, segundo estudo publicado por Saldiva (2011), a captação de partículas varia
ao longo da árvore brônquica e tecido pulmonar humano, causando colapso alveolar, inflamação e estresse
oxidativo.
32
Essas partículas provenientes da poluição atmosférica são indutoras de exacerbação das doenças
respiratórias crônicas, mesmo em doses baixas (Braga, 2009).
A existência de comorbidades, como diabetes tipo 2 e sua associação com exposição a poluição
atmosférica albergam um aumento de visitas a setores de emergência hospitalar e consequentemente um
aumento de doenças cardiovasculares associada ao problema de base (Pereira, 2008)
Os efeitos da poluição atmosférica também foram demonstrados no que diz respeito a instabilidade do
filme lacrimal e na sintomatologia do desconforto ocular (Novaes, 2010).
Igualmente a função reprodutiva tem sido alvo de estudos que comprovaram os efeitos nocivos sobre a
fertilidade e saúde fetal, evidenciando que a exposição aos poluentes atmosféricos está associada com o baixo
peso ao nascer, retardo de crescimento intra-uterino, prematuridade, morte neonatal e redução da fertilidade
masculina e feminina. (Veras, 2010).
Segundo a revisão sistemática realizada por Olmo et al. (2011) há necessidade de uma interrelação entre a área da saúde, por meio dos estudos epidemiológicos e a adoção de medidas de políticas
públicas tendentes a minimizar os efeitos da poluição atmosférica nos grandes centros urbanos. Os estudos
internacionais, igualmente aos estudos nacionais, evidenciaram os efeitos adversos na saúde humana mesmo
quando a população objeto do estudo é exposta a emissões abaixo dos padrões legais. Este dado importante
vem ao encontro do que Dockery e Pope relataram em seu estudo: “Estabelecer padrões de emissão implicaria
na existência de um limite abaixo do qual não são observados efeitos na saúde, mas na verdade a resposta é
linear sem que se possa falar em um limite inferior seguro para a saúde humana” (Dockery e Pope, 2006).
Esses dados científicos representam um custo quer seja para a saúde da população envolvida, quer seja um
custo debilitante da mão de obra ainda jovem, quer seja pela ausência às escolas ou quer seja onerando o
serviço público de saúde ou da previdência social.
Evidências científicas e políticas públicas
As medidas de política pública não podem se ater a alocar o crescente número de veículos, mas necessita
enxergar a epidemiologia como uma ciência aliada na adoção de padrões mais restritos de emissão atmosférica
e conscientizar a população envolvida, conferindo com isso legitimidade as suas decisões (Olmo et al.,2011).
No trabalho de Olmo e colaboradores (2011) anteriormente citado , a comparação entre os diplomas
legais internacionais revelou a constante preocupação com a revisão dos padrões de emissão baseada em
critérios de qualidade do ar em harmonia com os mais recentes conhecimentos científicos produzidos e
publicados, relativos aos efeitos maléficos da poluição atmosférica na saúde humana, bem como a orientação
para implementação de políticas públicas de transporte em atendimento aos padrões revisados e seus critérios
atualizados, com vistas à redução dos impactos na saúde pública por meio da minimização das fontes móveis
de poluição e enaltecimento dos transportes públicos mais eficientes (EPA, 2009). Assim, verificaram a
33
constante preocupação internacional com a revisão periódica dos padrões de qualidade do ar baseados na
análise e aceitação de relatórios, inquéritos e estudos científicos. A preocupação internacional extrapola as
fontes móveis de seus territórios e alcança também os veículos importados que igualmente devem atender
as normas estabelecidas e serem submetidos a rigorosos testes de inspeção, manutenção e revisão. Com isso
prioriza-se no universo internacional, além da informação científica, a participação pública presente e atuante,
não somente no seu julgamento como consumidor, mas como peça fundamental de um processo de qualidade
de vida presente e futura, com adoção de medidas integradas entre população e governo para consecução de
políticas públicas eficientes. A informação da população é item de prioridade na realização de uma correta
administração pública posto que campanhas são executadas visando não somente a conscientização da
população quanto aos males da poluição atmosférica mas igualmente visando à participação desta população
como aliada do governo na realização de tarefas que embora simples fazem diferença quando executadas em
massa, como: a carona solidária, a revisão periódica dos veículos, verificação da pressão dos pneus, retirada de
carga em excesso do porta malas, minimização do uso do ar condicionado, velocidade condizente com a via,
dentre outras (EPA e EUROPA, 2009). Por meio desta análise da legislação internacional verificaram então
que no exterior os avanços científicos caminham junto com as medidas de políticas públicas e essas aguardam
os resultados das pesquisas científicas, para efetuarem melhorias nos seus padrões de emissão atmosférica
ou condicionam as alterações dos seus padrões de emissão, as novas pesquisas, portanto a evolução se dá
simultaneamente de maneira próspera e instigativa, o que se reflete na qualidade de vida da população.
Do estudo realizado por Olmo e colaborades (2011), verificou-se uma linha de coincidências científicas
quando da apresentação dos seus resultados, pois todos revelaram uma relação entre poluição atmosférica e
efeitos adversos na saúde humana, sendo que dos estudos internacionais poucos evidenciaram uma vertente
tendente a discutir política pública o que foi atribuído a uma maior efetividade do resultado dos estudos na
revisão de seus padrões e estabelecimento de políticas públicas, tornando essa discussão talvez desnecessária
no campo internacional, posto que efetivamente a tomada de decisões embasadas nos estudos epidemiológicos
já é verificada este contexto internacional. Já nos estudos nacionais houve a discussão de políticas públicas
de alguma maneira, mas somente superficialmente, ora com comentários sobre a inexistência de adoção de
políticas públicas eficientes e ora com comentários relativos à adoção de padrões brasileiros de emissão que
datam de 1990, portanto antigos e não tendentes a suprir os anseios relativos à sadia qualidade de vida.
Hoje no Brasil, direito e epidemiologia ainda caminham isoladamente sem comunicação entre si,
enquanto evidenciamos que internacionalmente essas duas áreas possuem tamanha identidade, que são geridas
como uma só, em função do bem comum, que é a saúde humana. A epidemiologia eterniza seu papel ao
apontar os determinantes causais dos diversos males humanos ocasionados também pela poluição atmosférica
fornecendo assim subsídios para que o direito possa não só atribuir responsabilidades, mas principalmente
prevenir males.
O sinergismo entre epidemiologia e saúde na adoção de medidas de política pública, já é verificado na
Europa e nos Estados Unidos. Em 2009 em Kopenhagen, na Conferência sobre Mudanças Climáticas da ONU
– COP15, foi apresentado um documento sobre os impactos das mudanças climáticas, referindo à necessidade
34
de alteração das emissões globais embasado na ciência (Decisão COP 15).
Woodcock e colaboradores (2009) publicaram um estudo mostrando como esse sinergismo pode ser
benéfico para a adoção de políticas públicas mais eficazes. Os autores utilizam estimativas de comparação de
riscos para estimar os efeitos na saúde de cenários alternativos de transporte urbano terrestre para duas cidades
- Londres, Reino Unido, e Nova Déli, na Índia. Para cada uma delas, foi comparada a projeção para 2030 sem
as políticas de redução de gases de efeito estufa, com cenários alternativos de veículos de menores emissões
de carbono motor, aumento de viagens ativas, utilizando diversas formas de transporte, e uma combinação
dos dois. Os modelos ligavam os cenários dos transportes com a atividade física, a poluição do ar e risco de
lesões do tráfego rodoviário. Em ambas as cidades, observou-se que a redução nas emissões de dióxido de
carbono através de um aumento das viagens ativos e menos circulação de veículos automóveis teve maiores
benefícios de saúde por milhão de população do que do aumento do uso de veículos de baixa emissão de
motor.Os autores concluem ainda que a combinação das viagens ativas e veículos de baixa emissão de motor
daria os maiores benefícios.
No Brasil um projeto desenvolvido pelas agências ambientais norte-americana, CETESB, laboratório
de Poluição Atmosférica da Faculdade de Medicina da USP, entre outros, estabeleceu um quadro para o
desenvolvimento de políticas integradas e ambientalmente sustentáveis para a Região Metropolitana de São
Paulo, com especial incidência no setor dos transportes. Este quadro foi criado para fornecer aos tomadores
de decisão política, instrumentos mais fortes que, simultaneamente, atendessem as necessidades locais
e regionais, com as questões ambientais globais com base em critérios técnicos, econômicos e sociais. O
relatório foi concluído em 2004, indicando que a implantação do PROCONVE ( Programa de Controle da
Poluição do Ar por Veículos Automotores) irá impedir um número estimado de 10 mil internações hospitalares
e mais de 8.800 mortes atribuídas à poluição do ar cumulativamente entre 2000 e 2020. Este número, pode ser
valorado entre 4,8 bilhões dólares e 6,7 bilhões dólares, desde o início do PROCONVE na década de 1990.
As reduções de emissões de CO2 entre 2010-2020 devem ser entre 2,6 a 57,2 milhões de toneladas. O estudo
também descobriu que o Plano de Transporte Integrado em curso no Estado de São Paulo (PITU), considerado
um cenário alternativo, pode evitar um adicional de 2.277 internações e 1.800 mortes por poluição do ar
relacionados com efeitos 2000-2020, avaliado em US$ 1,7 bilhão para US$ 2,3 bilhões (IES, 2004).
Conclusões
Os dados ora expostos devem ser analisados a luz da ciência, envolvendo todas as áreas do conhecimento,
principalmente a jurídica e a da saúde.
Como tal devem merecer seu real valor para que caminhem de maneira próspera ao lado e em parceria
com a tomada de decisões governamentais.
As decisões devem ser tendentes a melhoria das condições de saúde de uma população que clama por
um ar passível de ser respirado e alternativas que redundem em qualidade de vida.
35
A respiração não é um mecanismo totalmente voluntário e o ar limpo ainda não é passível de compra
para uso cotidiano.
Assim, os estudos epidemiológicos devem ecoar no palco pela vida e por um ar limpo para que tanto
empenho da comunidade científica possa repercutir em medidas conscientes, sustentáveis e prósperas.
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37
INTERAÇÕES ENTRE O CLIMA, O TEMPO E A SAUDE HUMANA
Denise Maria Sette1 e Helena Ribeiro2
Resumo
O artigo analisa as interações entre o clima, o tempo e a saúde de seres humanos e seu interesse no
quadro das mudanças climáticas globais. Mostra a diferença entre os conceitos de clima e tempo, ressaltando
a importância de uma visão de totalidade através do holorritmo, ou totalidade dos ritmos (físico, biológico
e social). Em seguida, discorre-se sobre a relação entre a saúde ambiental e estudos do clima, com enfoque
na geografia médica e na biometeorologia. Apresenta alguns efeitos diretos e indiretos na saúde humana pela
ação dos atributos climáticos, exemplificando-se com estudos realizados no Brasil. Por fim, são discutidos
os conceitos de riscos à saúde e de vulnerabilidade face às mudanças climáticas induzidas pelos homens em
escalas local e global.
Palavras-chave: Clima, vulnerabilidade, mudanças climáticas, saúde humana
INTERACTIONS BETWEEN THE CLIMATE, WEATHER AND THE HUMAN
HEALTH
Abstract
The paper analyzes the interactions between climate, weatherand health of human beings and their
interest in the context of global climate change. Shows difference between the concepts of weather and
climate, pointing out the importance of a vision of wholeness(totality) through the holorritmo concept, or
the composition of all rhythms (physical, biological and social). Then, discuss about the relationship between
environmental health and climate studies, basing on medical geography and biometeorology. Presents some
direct and indirect effects on human health by the action of climatic attributes, exemplifying with case studies
in Brazil. Finally, we discuss the concepts of health risks and vulnerability to climate change induced by men
on local and global scales.
Key words: Climate, vulnerability, climate change, health of human
1
Geógrafa, Doutora em Geografia Física com Pós-Doutorado em Saúde Pública na USP. Professora Doutora da Universidade Federal
de Mato Grosso, Rondonópolis. [email protected]
2
Geógrafa, Doutora em Geografia Física e Livre-docente em Saúde Pública. Professora titular do Departamento de Saúde Ambiental da
Faculdade de Saúde Pública da USP. [email protected]
38
Introdução
O presente artigo analisa as interações entre o clima, o tempo e a saúde de seres humanos e seu interesse
no quadro das mudanças climáticas globais.
“O(s) clima(s) é (são) uma composição da totalidade dos ritmos dos estados da atmosfera sobre um
lugar na superfície da Terra, para uma determinada relação espaço-tempo” (TARIFA, 2001).
Para TARIFA E ARMANI (2001), “a realidade climática ‘natural’ em diferentes níveis de hierarquia
(local, meso e topo climático) guarda estreita relação com as várias superposições temporais: anuais, sazonais,
diárias (dia e noite)”, pois existem momentos ou durações em que os fenômenos e ritmos urbanos se impõem,
mas existem outros, em que os ritmos da circulação atmosférica são dominantes. Neste sentido, a natureza do
espaço (que inclui a forma e os conteúdos) torna-se uma categoria fundamental para ser analisada.
As diferenças sociais estão contidas nos espaços, onde as variações do tempo meteorológicos são
sempre mais sentidas pelos seres humanos que vivem nas áreas vulneráveis e riscos.
Clima e tempo
Os estudos referentes ao clima evoluíram juntamente com o conjunto de ciências, e foram incorporando
a visão de mundo de acordo com o momento histórico e a cultura de cada lugar, assim como se utilizando dos
instrumentos disponíveis a cada época. “... No desenvolvimento histórico, a idéia de clima é inseparável das
preocupações biológicas. Os primeiros registradores não foram instrumentos de medida, mas sim registradores
naturais, em particular a sensibilidade do homem”... (SORRE, 1934).
A climatologia é uma área de estudo interdisciplinar. Entretanto, a climatologia geográfica considera
o clima pelo que representa no conjunto de relações natureza e sociedade. Ou seja, o importante é a interação
da atmosfera com a litosfera, a hidrosfera e a biosfera no espaço social. A dinâmica dos atributos climáticos
se dá por meio de vários ritmos, inter-relacionados, que irão repercutir e interagir nas atividades humanas
e no ambiente. Também os ritmos internos dos corpos estão indissoluvelmente ligados a determinadas
condições limítrofes de gravidade, temperatura, luz, umidade e oxigênio, evoluídas e produzidas em tempos e
ciclos longos e relativamente dentro de certos padrões de regularidade ou variações temporais que permitem
adaptações às mudanças (TARIFA, 2002).
O conceito clássico de HANN (1882), da escola alemã de climatologia, define o clima como “o estado
médio da atmosfera em um determinado lugar”. Trata-se de método estatístico-analítico separatista, no qual os
elementos do clima são trabalhados de forma isolada. Sorre (1934) enfatizara no livro Traité de Climatologie
Biologique et Médicale, as insuficiências da definição de clima de Hann:
“A definição clássica e suas insuficiências... Ora, o ritmo é um dos elementos essenciais do clima.
As descrições de Hann escapam frequentemente a esses inconvenientes”. ... A que nós proporemos deverá
levar em conta o fator tempo (duração). Não é perfeita, sem dúvida. Contudo, corresponde melhor às nossas
concepções”.
39
SORRE (1951) critica a exagerada importância dada à noção de temperatura média, e propõe “substituíla por uma fórmula mais diretamente utilizável pelos biólogos: o clima, num determinado local, é a série
dos estados da atmosfera, em sua sucessão habitual. E o tempo nada mais é que cada um desses estados
isoladamente. Essa definição conserva o caráter sintético da noção de clima, enfatiza seu aspecto global, ao
mesmo tempo, evidencia o seu caráter dinâmico, introduzindo as ideias de variações e de combinação de
propriedades a que chamamos de elementos do clima... queremos apenas insistir sobre os aspectos biológicos
do assunto”. Para enfatizar o caráter conceitual de sua proposta, acrescentou cinco regras de influência à saúde:
l) “Os valores numéricos que devem ser guardados para as escalas são os valores críticos para as
principais funções orgânicas”;
2) “Uma definição climatológica deve abranger a totalidade dos elementos do clima suscetíveis de agir
sobre o organismo”;
3) “Os elementos climáticos devem ser considerados em suas interações”;
4) “Qualquer classificação climática deve acompanhar de perto a realidade viva”;
5) “O fator tempo (duração) é essencial na definição dos climas”.
O conceito de clima, proposto por Sorre, juntamente com as regras que o acompanham, o interpretam
como uma síntese dos estados atmosféricos, a partir da totalidade (tipos de tempo), e de suas interações com
os vários ritmos. Destacam as anomalias, consideradas críticas para as funções biológicas e a necessidade de
se apreender a realidade viva.
Conforme Monteiro (1971), “é a sequência que conduz ao ritmo, e o ritmo é a essência da análise
dinâmica”. A metodologia da análise rítmica proposta pelo referido autor, procura explicar a gênese das
variações diárias e até horárias dos elementos climáticos associados à circulação atmosférica regional de um
determinado espaço geográfico. Sette (2000) acrescentou, nesta postura metodológica, a noção de holorritmo,
que contempla a totalidade dos ritmos (físico, biológico e social), a energia global que conduz a sequência.
O ritmo nos diversos sentidos é movimento, mas, em se tratando de clima, se traduz como dinâmica climática,
que se repete a intervalos regulares (estações do ano) ou não, numa sucessão de eventos habituais ou anômalos
(disritmias), no conjunto fluente (atmosfera) e sua interação com as outras esferas (biosfera, hidrosfera,
antroposfera) - holorrítmo. O conjunto de atributos e controles climáticos caracteriza o clima de cada lugar,
marca o ritmo e compõe a paisagem (SETTE, 2000).
Tarifa (2002) usa a ritmanalise, definida como “teoria e método de entender as polirritmias dos corpos
e dos espaços”. Os ritmos em sua unicidade ou multiplicidade são repetitivos, quase iguais, porém diferentes.
Esta mesma dialética atinge a profundidade do ritmo dos corpos (interior-exterior) ou das relações entre o
espaço e o tempo. Em uma pessoa sã, os ritmos são sincrônicos, tais como o respiratório, o circulatório e o
cardíaco.
O tempo meteorológico é uma condição complexa e mutável da atmosfera em escala temporal de
minutos a até no máximo15 dias, trata-se do tempo atual ou tempo a ser previsto pelos meteorologistas.
Os tipos de tempos têm sua seqüência, na qual a repetição da ausência ou da presença de um fenômeno
atmosférico conduz às situações de riscos (seca, estiagem, chuvas, enchentes, vendavais, geada).
40
Já o clima urbano depende do porte da cidade (megalópole, metrópole, grande, médio ou pequeno), bem
como da sua posição no relevo e da compartimentação intra-urbana. Considerando-se tais elementos, têm-se
as seguintes escalas utilizadas nos estudos de clima urbano: regional, local, meso e topoclima (MONTEIRO,
1976 e OKE, 1978). Quando se desdobram as unidades de grandeza em unidades menores, o número de
variáveis que intervêm no processo torna-se significativamente maior. Acontece uma superposição, ou melhor,
uma interação entre controles e atributos estruturais de uma determinada ordem de grandeza (ex. nível global),
com os outros novos elementos e ordem de grandeza imediatamente inferior e assim sucessivamente até as
menores unidades possíveis junto ao solo. Da mesma forma, à medida que se reduzem as dimensões de espaço,
a velocidade das mudanças temporais também se altera, exigindo um ajuste da unidade de tempo adequada
para captar as mudanças que fluem em ritmos diferenciados para cada unidade de grandeza.
Saúde Ambiental e Clima
O estudo dos climas (fato natural), do clima urbano (fato social) e da saúde (fato biológico) necessita de
fundamentos de uma visão ampla e complexa. O saber ambiental excede as “ciências ambientais” para abrirse ao terreno dos valores éticos, dos conhecimentos práticos e dos saberes tradicionais. O saber ambiental,
fundamentado no pensamento complexo, integra fenômenos naturais e sociais e articula processos materiais
que conservam sua especificidade ontológica e epistemológica, irredutível a um metaprocesso e a um logos
unificador (LEFF, 2001). Para Leff (2001), o saber ambiental se constrói através de processos políticos,
culturais e sociais, para transformar as relações sociedade-natureza. O objeto das “ciências ambientais” não
surge da recomposição interdisciplinar dos campos atuais do conhecimento, nem da ecologização das ciências
sociais. É um processo teórico que se dá através de movimentos sociais e mudanças institucionais que incidem
na concretização do conceito de ambiente.
A Agenda 21 situa o ser humano no centro de seus objetivos. O primeiro princípio da Declaração do Rio
proclama que: “Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento
sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza”. Como consequência
da Reunião de Cúpula do Rio, a Organização Mundial da Saúde elaborou uma Estratégia Mundial de Saúde
e Meio Ambiente, na qual destaca os amplos vínculos existentes entre a saúde e o meio ambiente no contexto
do desenvolvimento sustentável.
A visão da saúde ambiental mostra a necessidade de se estudar as causas sociais da doença, como
também de se abandonar concepções ecologistas reducionistas. Portanto, a saúde ambiental abre um campo
mais amplo à saúde pública para atender as condições das maiorias empobrecidas, mas também as novas
doenças de gêneses ambientais (LEFF, 2001, pg 312). O próprio conceito de saúde é ampliado quando
relacionado com a temática ambiental e quando integrado com a saúde dos ecossistemas.
Problemas de saúde e ambiente precisam ser compreendidos de forma a incorporar a pluralidade de
dimensões e perspectivas que caracterizam sua complexidade. A análise dos diferentes fenômenos envolvidos
pode ser realizada por várias disciplinas e abordagens que produzem recortes particulares da realidade
41
analisada. Contudo, abordagens técnicas restritas, mono ou multidisciplinares, são ineficientes para analisar
e enfrentar problemas complexos que envolvam múltiplas dimensões e relações entre dinâmicas globais e
locais. A complexidade dependerá das escalas espaciais e temporais envolvidas, das incertezas associadas
aos problemas ambientais, e das dinâmicas sociais que articulam os interesses e processos decisórios em
torno dos problemas (FREITAS e PORTO 2006 p. 27 e 28)
Os estudos de clima e saúde fazem parte da Geografia Médica, que tem suas origens em estudos
de Hipócrates, juntamente com a história da medicina, e com a publicação da importante e famosa obra
“Dos ares, das águas e dos lugares” em 480 a.C. Para Hipócrates, o médico deveria investigar a origem das
enfermidades no ambiente de vida do homem (LACAZ, 1972). Desde então, a relação dos fatores ambientais
com o aparecimento de doenças estava posta.
Assim, os efeitos do tempo e do clima sobre a vida humana, animais e plantas são reconhecidos desde
a Antiguidade, mas os estudos sistemáticos se desenvolveram no início do século XX. As investigações
foram direcionadas para o estudo e classificação dos estados do tempo diário e seu impacto sobre atividades
humanas, a exemplo a produção de trigo, nas regiões centrais da antiga União Soviética (Fedorov, 1925 apud
LECHA, 2009), Entre 1934 e 1938, William F. Petersen, da Universidade de Illinois, E.U.A., escreveu várias
monografias na série “O paciente e o tempo”. Estes artigos são relacionados com influências meteorológicas
na pessoa normal e no paciente (LECHA, 2009).
“O corpo humano responde às mudanças climáticas incomuns e variações sazonais. As respostas
do corpo humano a estas mudanças podem ser vistas, principalmente através do aumento da atividade
nervosa, das mudanças abruptas do sistema de termorregulação e do balanço de calor do corpo e atividade
cardiovascular.” (Voronin, Ovcharova e Spiridonov, 1963 apud LECHA, 2009.
Grande parte destas respostas internas depende da adaptabilidade do ser humano. Entretanto, sob certas
condições específicas, quando excedem determinados limites de impacto, as reações pessoais podem ocorrer
associadas a condições patológicas contrastantes do tempo meteorológico.
O ser humano é homeotérmico, com uma temperatura do corpo entre 36 e 37ºC. Abaixo destes valores
há hipotermia e mecanismos de controle são acionados, como a vaso-constrição, tiritar, arrepios, aumento
da taxa metabólica, na tentativa de se elevar a temperatura corporal. Estas são respostas de curto prazo, há
respostas mais longas, com o aumento dos depósitos de gordura, gordura subcutânea e outros mecanismos.
Para o caso de hipertermia, acima de 37ºC, temos o suor, a vaso-dilatação e respostas também de mais longo
prazo. Portanto, o conforto se dá quando nenhum destes mecanismos foi acionado, gerando um estado de
neutralidade.
Mas as relações entre clima e saúde humana são complexas porque dependem da intensidade e
duração da mudança de tempo (grau de contraste) e sensibilidade do receptor, sendo que esses fatores mudam
continuamente de local, indivíduos e populações. Os efeitos meteoro-trópicos3 tendem a ocorrer de forma
3
Efeito Meteoro – tropico: ação complexa e diversificada que a variabilidade do tempo tem sobre a saúde das pessoas.
42
sincrônica em um grande território, sob a influência das mesmas condições de tempo e afetar significativamente
a população local. Eles podem ser específicos e inespecíficos.
Os efeitos meteoro-trópicos específicos do clima sobre a saúde humana ocorrem quando há uma ação
direta de elementos meteorológicos em uma seqüência de ações inter-relacionadas, por exemplo, chuvas
torrenciais, inundações, contaminação das águas que resultam em surtos de doenças diarréicas e aumento de
populações de vírus e vetores, provocando surtos de doenças transmissíveis (LECHA, 2009).
Os estudos de clima e saúde fazem parte da biometeorologia, que trata das inter-relações entre o ambiente
geofísico e geoquímico da atmosfera e os organismos vivos, plantas, animais e o homem. A Biometeorologia
Humana, por sua vez, estuda a influência do clima e do tempo no homem. Está intimamente ligada à geografia,
à ecologia, à epidemiologia e à saúde ambiental. Em todos esses casos, o tempo meteorológico faz parte das
relações entre o ambiente físico e social e tem influencia na ocorrência de doenças e dispersão de organismos
patogênicos.
A interação entre o meio e saúde humana, especialmente o clima, foi destacada por SORRE (1984),
ressaltando o papel dos atributos climáticos e os efeitos na saúde humana conforme Quadro 01. Correlacionou
a ocorrência de determinadas doenças a tipos climáticos específicos, introduzindo o conceito de complexo
patogênico, ou “complexos patogênicos” (SORRE, 1984, p. 45), compostos de três planos: o físico, o biológico
e o social.
“A diversidade dos agentes e transmissores, bem como as diversas etapas da infecção contagiosa,
justificam o termo criado, que designa exatamente a teia de relações entre o meio e o natural, o ser vivo e o
homem, vivendo lado a lado e mantendo entre si relações mais ou menos intensas e duradouras. Juntamente
com o homem e o agente causal da doença, compreende a existência dos seres humanos.” (SORRE, 1984,
p.13)
Quadro 1: EFEITOS NA SAÚDE DO HOMEM PELA AÇÃO DOS ATRIBUTOS CLIMÁTICOS
Atributos
Limites
Efeitos na saúde
Climáticos
Altitude e
-Mal-das-montanhas (dor de cabeça, fadiga,
Limite máximo
Pressão
alteração sensorial, depressão, insônia e
8.000 m
Atmosférica
alucinações
-Alta radiação/luminosidade: esgotamento
nervoso, perturbações mentais, irritação,
Radiação
síndrome físico-psíquica “golpe de sol”
(Associada à
60° e 70°
(sunstroke), euforia.
Luminosidade)
Latitude
-Baixa radiação/luminosidade: deficiências
orgânicas, raquitismo, depressão, debilidade
mental.
43
Higrotermia
Vento e
Eletricidade
Atmosférica
Limite Variável.
Ótimo fisiológico
para raça branca:
15° - 16°
C/60%UR
-Diminuição da capacidade respiratória (para
europeus nos trópicos).
- Hiperpnéia térmica (entre negros).
- Cansaço e esgotamento (brancos).
- Morbidez, cansaço e abatimento.
- Debilidade do tonos nervoso, depressão,
hipersensibilidade, irritabilidade.
- Desidratação, dessecação do aparelho
tegumentar.
- Excitação nervosa, alucinações, delírio.
- Palpitações, dispnéia, dores de cabeça,
nevralgia.
FONTE: SORRE, 1984.
O bem-estar humano depende do conforto térmico através da relação temperatura e umidade, vento
e pressão atmosférica e iluminação. As baixas pressões de estados pré-frontais relacionados aos anticiclones
polares podem causar desconforto, cansaço ou indisposição. A depressão e o suicídio podem estar relacionados,
nos países de altas latitudes, como a Suécia, ao curto período de insolação na estação de inverno. Em
contrapartida, a chegada da primavera nos países de clima temperado costuma ser motivo de alegria. O mal
das alturas, devido à diminuição do teor de oxigênio do ar, bem como às alterações na pressão do ar, causam
desequilíbrios orgânicos. A bioclimatologia é um campo muito rico para pesquisas (FERREIRA, 2003).
Para Ayoade (1986), a influência do clima na saúde humana ocorre de forma direta e indireta, podendo ser
positiva ou negativa; os extremos térmicos e higrométricos acentuam a debilidade do organismo no combate às
enfermidades, intensificando processos inflamatórios e criando condições favoráveis ao desenvolvimento dos
transmissores de doenças contagiosas; por sua vez, temperatura mais amena, umidade e radiação moderadas
tornam-se atributos terapêuticos à saúde.
Para Haines (1992), a temperatura tem relação com muitas doenças contagiosas, como febre amarela,
dengue e outras enfermidades viróticas transmitidas por artrópodes, peste bubônica, disenteria e outras afecções
diarréicas. Os perfis de desenvolvimento e multiplicação dos parasitas, ou vírus da malária, no interior de
mosquitos transmissores dependem da temperatura do ar. “Várias doenças, como a malária, tripanossomíase,
leishmaniose, filariose, amebíase, oncocercíase, esquistossomose e diversas verminoses, hoje restritas às
zonas tropicais, têm relação com a temperatura e poderiam teoricamente ser afetadas pela mudança do clima”
(HAINES, 1992 p.140).
Lacaz (1972) e Peixoto (1975) foram os pioneiros no Brasil a estabelecer correlações entre algumas
doenças e as condições climáticas do país. Peixoto (1975) relata a manifestação de inúmeras doenças e os
denominados complexos patogênicos no Brasil. Refere-se, também, à meteoropatologia (clima e salubridade),
e sua relação com várias epidemias brasileiras (especialmente na Amazônia e Nordeste), a exemplo da febre
amarela, malária, cólera, febre tifóide, varíola, gripe, entre outras.
Para Ferreira (2003), uma das formas mais tradicionais de abordar a questão do clima e saúde é em
44
relação às denominadas doenças tropicais4 a partir de diferentes critérios: 1º valorizando os aspectos do
ambiente como temperatura e umidade, e a questão socioeconômica, como sendo a que decorre das condições
de subdesenvolvimento. 2º procurando reunir os dois critérios, valorizando os aspectos geográficos regionais,
que ocorrem em países na faixa intertropical da Terra, abrangendo tanto as doenças cuja ocorrência depende de
certas condições climáticas, como aquelas ligadas à pobreza e à deficiência da infra-estrutura de saneamento
e de atendimento à saúde.
A Organização Panamericana de Saúde – Opas – valoriza os aspectos sociais e econômicos responsáveis
pelo quadro de saúde da população na América tropical e pelo agravamento de enfermidades que já foram há
muitas décadas controladas nos países desenvolvidos de clima temperado ou frio.
Ribeiro Sobral (2005) apontou, dentre fatores ambientais que apresentam influência nas doenças
respiratórias, a temperatura do ar e suas flutuações. Outros trabalhos com enfoque em clima e saúde, são de
Trindade Amorim (1997) relativo à incidência de dengue e febre amarela na cidade de Presidente Prudente São Paulo, de Costa Ferreira e Lombardo (1997) voltado ao estudo da incidência de malária e sua relação com
as alterações climáticas no entorno do reservatório da hidrelétrica de Itaipu, de Mendonça (1999) voltado à
analise da interação entre o clima e a criminalidade urbana no Brasil.
Miranda et al (1995) indicam o aparente aumento da ocorrência dos agravos e de doenças respiratórias
agudas e crônicas durante os meses de inverno em São Paulo. Entretanto, ressaltam que, apesar das temperaturas
terem um papel importante, não eram determinantes, havendo uma interação de fatores, como mostra a Fig 1.
Fatores Ambientais
Ocupação
uso do solo
Conteúdo do espaço
Clima , Tempo e
Lugar (topo)
Forma do espaço
Doenças
Respiratórias
Indivíduos
(homem, Mulher, adulto,
crianças, idoso)
Condição de vida
Figura 01: Interações entre os fatores ambientais e as doenças respiratórias crônicas
Adaptado de Miranda et al 1995.
4 “doenças tropicais” termo utilizado para se referir a doenças dos trópicos úmidos, valorizando os aspectos climáticos mas
também criando muitos preconceitos contra a zona tropical. Colonizadores europeus procuravam passar o verão nas “serras” da América tropical,
nas montanhas do norte da Índia ou nas terras mais elevadas dos planaltos da África tropical, para fugir do calor e das doenças. No Brasil, o imperador instalava-se em Petrópolis durante o verão (FERREIRA, 2003).
45
O agravamento sazonal de morbidade e mortalidade, com o aumento de ocorrências de infecções
respiratórias agudas e da pneumonia, sobretudo entre crianças e idosos, no inverno, foi mostrado também por
Mello Jorge et al. (2001), apesar de o não terem correlacionado às causas climáticas. Segundo os autores, 34,3%
das internações de menores de um ano, no Brasil, em 1999, foram por problemas do aparelho respiratório;
quanto à mortalidade de crianças na faixa de um a quatro anos, as doenças respiratórias responderam como
principal causa, com 22,8% dos casos.
Em relação aos tipos de tempo em São Paulo, os atributos climáticos que mais influenciam as doenças
respiratórias são: a queda da temperatura e da umidade do ar no inverno, a maior amplitude térmica diária,
pouca insolação, oscilações bruscas de temperatura, quando da aproximação e passagem de frentes frias e
redução da dispersão dos poluentes. Figura 02.
Clima, Tempo e Lugar
Queda de
temperaturas
Subsidência
Atmosférica
Pouca Insolação
Saturação do ar
Redução ou Excesso
Regime de
Ventos
Déficit Hídrico
acentuado
Aumento da
Amplitude Térmica
Doenças
Respiratórias
Oscilações bruscas
de temperatura
Inversões térmicas
Noturnas e Matinais
Baixa dispersão de
Poluentes
Natureza do Espaço
(forma e conteúdo)
Figura 02: Interações entre os atributos climáticos e a natureza do espaço e as
doenças respiratórias
Adaptado de Miranda et al 1995.
A ocorrência de extremo calor no verão ou de extremo frio no inverno tende a afetar a saúde e o bem
estar de diversas formas. Por exemplo, combinações dos ritmos de temperaturas baixas com ventos fortes
provocam a sensação de conforto térmico mais frio, com maior risco à hipotermia (temperatura corporal
abaixo de 35ºC), produzida pelo frio excessivo. A frequência cardíaca também tende a se tornar mais baixa,
a respiração mais lenta e os vasos se contraírem, provocando aumento da pressão sanguínea. Entretanto,
segundo Auciliems (1997), é errado atribuir morbidade ou mortalidade a um parâmetro específico, mas
precisam ser tratadas como partes de complexas interações biológicas ambientais. Neste caso a abordagem do
holorritmo e da ritmanálise parece ser mais adequada.
Climas Urbanos, riscos à saúde e vulnerabilidade
46
As cidades enquanto locais de apropriação e degradação do clima e demais recursos naturais implicam
diretamente na qualidade de vida. Monteiro (1971) define o clima urbano como um sistema que abrange o
clima de um dado espaço terrestre e a sua urbanização. O S.C.U. (Sistema Clima Urbano) pressupõe vários
elementos que caracterizam a participação urbana no desempenho do sistema, constituído através de canais de
percepção humana: a) Termodinâmico - (conforto térmico); b) Físico-químico - (qualidade do ar) A poluição
do ar é uma das mais decisivas na qualidade do ambiente urbano; c) Hidrometeórico (impacto meteórico).
Com o suporte teórico e metodológico oferecido por MONTEIRO, o estudo de clima urbano no Brasil
é evidenciado como área em que mais se desenvolveram pesquisas no ramo de climatologia nas décadas de
1990 e 2000. A maior parte dos trabalhos foi desenvolvida dando ênfase ao subsistema termodinâmico, onde
são analisadas principalmente a temperatura do ar e a umidade relativa do ar. Em alguns casos são incluídos
os elementos chuva, temperatura do solo, e ventos.
Por outro lado, os riscos e os prejuízos dos eventos meteorológicos são mais intensos onde a população
está exposta às condições de vulnerabilidades, portanto os riscos são potencializados. Os problemas sociais
frente às alterações atmosféricas são tomados a partir da vulnerabilidade dos grupos sociais em seu ambiente.
O conceito de vulnerabilidade socioambiental vem sendo amplamente utilizado para melhor compreensão da
realidade das populações, visto que, ao considerar a exposição a riscos ou influencias externas, apresenta uma
visão mais ampla das condições de vida dos grupos sociais menos favorecidos, sem abordar apenas renda,
número de indivíduos, entre outros.
O espaço socioambiental é aquele onde são articuladas as relações sociais e o ambiente (SANTOS
1996). A natureza do espaço inclui a forma e os conteúdos, que podem ser naturais ou produzidos pelas
atividades humanas. Assim, a condição de pobreza de uma determinada população está estreitamente vinculada
à condição de vulnerabilidade socioambiental.
Apesar da maioria das atividades biológicas e socioeconômicas ser em grande parte dependente dos
insumos climáticos, sua falta ou excesso conduz a um aumento no risco socioeconômico e ambiental. A
intensidade dos riscos está relacionada ao grau de vulnerabilidade da população que será afetada. Quanto
maior a vulnerabilidade humana, maior o risco, e um evento extremo pode se tornar um desastre climático.
Mesmo em condições de clima normal, a população de baixa renda, sofre diariamente, especialmente nos
horários das extremas climáticas (máxima e mínima).
“Em população de baixa renda, as condições econômicas muitas vezes não permitem o uso de ar
condicionado, ventiladores e aquecedores para regular as condições microclimáticas internas desfavoráveis.
Além disso, as construções são precárias, com materiais e técnicas que dificultam o isolamento térmico,
deixando essa população mais vulnerável às condições climáticas extremas”. (SILVA e RIBEIRO, 2006).
Para CONFALONIERI (2003), o estudo da vulnerabilidade social e ambiental das populações sujeitas
aos efeitos dos impactos climáticos na sua integridade física e bem-estar é de fundamental importância para a
orientação de ações preventivas. O IPCC a define como “o grau de suscetibilidade de indivíduos ou sistemas ou
de incapacidade de resposta aos efeitos adversos da mudança climática, incluindo-se a variabilidade climática
e os eventos extremos” (IPCC, 2001).
47
Em estudo financiado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (CONFALONIERI ET AL., 2005)
foi desenvolvida uma metodologia específica para o mapeamento e a quantificação da vulnerabilidade
nacional aos impactos do clima. Foi criado um Índice de Vulnerabilidade geral (IVG) para cada Unidade da
Federação, para fins comparativos. Este índice foi formado por três componentes ou dimensões principais:
socioeconômica, epidemiológica e climática. O componente socioeconômico utilizou indicadores produzidos
pelo IBGE, tais como densidade demográfica, urbanização, renda, escolaridade, saneamento básico, taxa
de mortalidade infantil, esperança de vida ao nascer e acesso a planos privados de saúde. O componente
epidemiológico constou de taxas de incidência e mortalidade por seis doenças infecciosas endêmicas, bem
como seus custos financeiros para o sistema de saúde e a disponibilidade de tecnologias para o controle
destas condições mórbidas. A dimensão climática constou basicamente de uma avaliação de extremos de
precipitação observados nos últimos 40 anos.
Para diversos pesquisadores no Brasil (MENDONÇA, 2000; CONFALONIERI, 2003; CHAGAS E
FERNANDA MARQUES, 2007; SOUZA E SANT ANNA NETO, 2007), a vulnerabilidade é resultado da
exposição física frente a um perigo natural e sua capacidade de recuperar diante dos impactos negativos de um
desastre, sendo, também, as características de um grupo, ou mesmo uma pessoa, em poder se antecipar, resistir
e solucionar os impactos, podendo ser eles, os agravados pela influência do clima.
A redução dos impactos causados pela variabilidade climática na população brasileira só pode ser
efetuada com o entendimento e a modificação dos fatores de vulnerabilidade social que afetam essas populações
em seus contextos geográficos específicos (CONFALONIERI, 2003).
Para RIBEIRO SOBRAL (2005), a urbanização é um dos principais fatores que influencia a relação
clima-saúde, e, no entanto, há poucos trabalhos e estudos sobre as alterações climáticas nas áreas tropicais e
sua relação com saúde em centros urbanos. Ressalta que a poluição térmica causa doenças cardiovasculares e
respiratórias, além de desconforto e stress, atingindo principalmente determinados grupos da população, como
crianças (respiratórias), idosos e cardíacos.
Silva (2010), também relata que diversos estudos têm demonstrado a influência do aumento ou
diminuição da temperatura em doenças respiratórias e cardiovasculares.
“Em geral as pesquisas utilizam a temperatura do ar e um índice de conforto térmico como parâmetros
ambientais de exposição. Os trabalhos mais recentes têm utilizado índices complexos e têm encontrado
associação entre esses indicadores complexos e dados de morbidade e mortalidade” (SILVA, 2010).
Perspectivas futuras
Na escala Geológica, o planeta passou por sucessivas alterações climáticas, que desencadearam
profundas mudanças geomorfológicas, hidrográficas e biogeográficas. O exemplo mais evidente é o das
glaciações e fases interglaciares com efeitos na precipitação e no nível dos oceanos, que ocorreram, sobretudo,
no Pleistoceno.
No entanto, os riscos, definidos como probabilidade de ocorrência de um efeito indesejável, de
48
desastres naturais aos seres humanos vêm se ampliando por uma série de fatores:
-Urbanização: maior aglomeração de pessoas em espaços contíguos
-Crescimento demográfico e aumento da densidade humana
-Ações humanas que impactam o ambiente natural e sua dinâmica
Segundo o IPCC (2001):
As alterações ambientais consequentes às mudanças climáticas podem, nas grandes cidades, afetar a
saúde da população por diferentes mecanismos. Os principais fatores podem ser resumidos assim:
Episódios de extremos de temperatura;
Episódios de extremos de pluviosidade;
Aumento da incidência de doenças infecciosas;
Aumento das concentrações de poluentes atmosféricos;
Pressão decorrente das migrações de refugiados atmosféricos
A figura 3 ilustra como as mudanças climáticas globais podem afetar a saúde de forma direta e indireta,
com mediação de desiquilíbrios sociais, econômicos e demográficos.
49
Considerações finais
Os atributos climáticos, entendidos como recursos para vida, formam uma composição integrada ao
espaço que os contém. O clima entre outros fatores pode ser um elemento desencadeador na manifestação de
determinados agravos à saúde através de seus atributos (a temperatura do ar, umidade, precipitação, pressão
atmosférica e ventos), que interfere no bem estar das pessoas. Entretanto, não se pode colocar o clima como o
único e nem mesmo como o principal responsável pelo desencadeamento de enfermidades. Deve ser visto na
composição de totalidade, que, junto às características físicas, biológicas, econômicas, sociais, psicológicas e
culturais, pode se tornar um fator de risco à saúde. Além disso, quando associado a estilos e hábitos de vida
pode ser mais um contribuinte para o agravamento de determinadas enfermidades.
Entretanto, há situações socioambientais de especial vulnerabilidade a eventos climáticos extremos,
tais como aqueles associados aos fenômenos La Niña e El Niño (Oscilação do Sul), que trazem como
conseqüências, principalmente as secas e as tempestades, seguidas de inundações e eventual deslizamento
de terra, nas áreas de habitações precárias e, portanto mais vulneráveis. Entretanto o risco não está só nos
períodos de episódios extremos, há que ser monitorado no dia a dia cada bairro, e, de preferência até o nível
do habitat das populações humanas.
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52
URBANIZAÇÃO, MEIO AMBIENTE E SAÚDE EM SÃO PAULO
Suzana Pasternak1 e Lucia Maria Machado Bógus2
Resumo
O artigo discute as relações entre a expansão urbana desordenada, a precariedade ambiental e as
condições de saúde na Região Metropolitana de São Paulo, na 1ª década de século XXI, a partir das informações
do Censo Demográfico e dos registros vitais disponíveis para 2009 e 2010. A análise é realizada com base na
metodologia do Observatório das Metrópoles e na categorização dos tipos de município da metrópole de São
Paulo. Para o município da capital é utilizada uma divisão territorial em anéis, que permite trabalhar os dados
distritais de forma agrupada e estabelecer comparações em âmbito intra-urbano.
A construção da tipologia de municípios foi feita a partir de uma análise fatorial da distribuição
da população ocupada e residente nos 39 municípios, de acordo com as categorias sócio-ocupacionais
hierarquizadas, e constituiu importante instrumento para a análise das condições de vida e saúde da população,
que se distribui de modo desigual pela região metropolitana e usufrui de forma desigual dos equipamentos
coletivos e da infra-estrutura urbana.
O texto aborda, também, as relações entre as condições do habitat e de saúde, apontando para as causas
do agravamento das condições de vulnerabilidade dos grupos sociais residentes em áreas de risco ambiental ou
de grande concentração de pobreza, sobretudo na periferia. A mortalidade infantil e na infância, por tipologia
de município apontam, por sua vez, para desigualdades relevantes nas distintas áreas da região metropolitana.
A ocupação urbana descontrolada em áreas de mananciais compromete a qualidade da água da população
e aumenta as ilhas de calor, modificando o micro clima e aumentando as precipitações pluviométricas, além
de intensificar a erosão. A expansão da área urbanizada, em sinergia com o aquecimento global, provoca
grandes precipitações em áreas cada vez maiores da metrópole, ampliando as áreas de risco. Tais ocorrências,
aliadas à grande concentração populacional na maior região metropolitana do país, compõem um quadro de
possíveis implicações para a saúde humana, incluindo a contaminação da água, seja por ingestão, contato (no
caso da leptospirose) ou pela proliferação de vetores (entre os quais a dengue), e provocam o aumento da
vulnerabilidade, sobretudo entre crianças e idosos.
Palavras-chave: expansão urbana, vulnerabilidades, áreas de risco, saúde ambiental.
1
Arquiteta, Professora Titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.Vice-coordenadora nacional do Observatório das
Metrópoles
2
Socióloga, Professora Titular do Departamento de Sociologia da PUC/SP. Coordenadora do Observatório das Metrópoles São Paulo
53
URBANIZATION, ENVIRONMENT AND HEALTH IN SÃO PAULO
Abstract
The article discusses the relationship among disordered urban sprawl, environmental precariousness and
health conditions in the Metropolitan Region of São Paulo, in the first decade of the 21st century, according to the
Census data and vital records available for 2009 and 2010. The analysis is performed based on the methodology
of the Observatório das Metrópoles and on the categorization of the types of municipality of the Metropolitan
Region of São Paulo. To the capital city of the Metropolitan Region a division of rings is used which allows
you to work with the district data in a grouped way and to establish comparisons in an intra urban context.
The construction of the typology of municipalities was designed from a factor analysis of the distribution of
the working and resident population in 39 municipalities, according to the socio-occupational hierarchy, and it
was an important tool for the analysis of living conditions and population health which is unevenly distributed
across the metropolitan area and benefits unequally from the community facilities and urban infrastructure.
The text also addresses the relationship between habitat and health conditions, pointing to the causes
of deterioration of vulnerable social groups living in environmental risk areas or in areas with high
concentration of poverty, especially on the periphery. Infant and childhood mortality, by typology of
municipality point, in turn, to relevant inequalities in the different areas of the metropolitan region.
The uncontrolled urban settlement on fresh water sources sensitive areas compromises the water quality of the
population, increases the heat islands, modifying the microclimate and increasing not only rainfall but erosion as
well. The urban sprawl area, in synergy with global warming causes increase in rainfall in major growing areas of
the metropolis, broadening the risk areas. These events, linked to high population density in the largest metropolitan
area in the country, create a scenario of possible implications for public health, including water contamination,
either by ingestion, water contact diseases (in case of leptospirosis ) or by the proliferation of vector borne
diseases (including dengue fever), causing increased vulnerability, especially among children and the elderly.
Keywords: urban sprawl, vulnerability, risk areas, environmental health.
54
Introdução
Este artigo aborda as relações entre a expansão urbana desordenada, a precariedade ambiental e as
condições de saúde na RMSP na 1ª década de século XXI. Para tanto são utilizadas informações do Censo
Demográfico e dos registros vitais disponíveis para 2009 e 2010. A análise será realizada com base na
metodologia do Observatório das Metrópoles na categorização dos tipos de município da metrópole de São
Paulo. Para o município da capital será utilizada uma divisão territorial em anéis, que permite trabalhar os
dados distritais de forma agrupada e estabelecer comparações dentro do tecido intra-urbano.
Caracterização da região metropolitana de São Paulo
A Região Metropolitana de São Paulo, com uma população em torno de 20 milhões de habitantes, é
constituída pelo município de São Paulo e mais 38 municípios que se agrupam em torno da Capital do Estado
e são por ela polarizados.
Os 39 Municípios que integram a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) representam 3,24% do
total do território do Estado, concentrando cerca de 48% da população de todo o Estado.
TABELA 1 - População do município de São Paulo, Região Metropolitana de São Paulo e Estado de
São Paulo, 1940 a 2010
ANO
1940
1950
1960
1970
1980
1991
2000
2010
MSP
1.326.261
2.198.096
3.781.446
5.929.206
8.493.226
9.610.659
RMSP
1.568.045
2.688.901
4.791.245
8.139.730
ESP
7.180.316
9.134.423
RMSP/ESP MSP/RMSP MSP/ESP
21,84
84,58
18,47
29,15
81,75
24,06
36,96
78,92
29,49
45,8
72,84
33,36
50,27
67,47
34,04
49,4
62,53
30,57
48,28
58,37
28,18
47,70
56,68
27,30
Fonte: Censos Demográficos de 1940 a 2000; Sinopse Preliminar do Censo de 2010
55
TABELA 2 - Taxas geométricas de crescimento anual - Município de São Paulo, Região Metropolitana
de São Paulo e Estado de São Paulo
Anos
1940-1950
1950-1960
1960-1970
1970-1980
1980-1991
1991-2000
2000-2010
Município
de São
Paulo
5,18
5,58
4,79
3,66
1,13
0,92
0,76
Região
Estado de
São Paulo
5,54
5,95
5,44
4,42
1,86
1,66
0,96
2,44
3,45
3,32
3,45
2,12
1,78
1,08
Fonte: Censos Demográficos de 1940 a 2000; Sinopse Preliminar do Censo de 2010
O período de maior expansão da região metropolitana paulista estendeu-se do final da 2ª, Guerra Mundial
ao inicio dos anos 60. Esse período coincidiu com uma grande aceleração do processo de localização industrial
na área vinculado, principalmente, às rodovias recém abertas, dando origem a novas áreas de concentração de
estabelecimentos industriais como novos elementos da estrutura urbana metropolitana.
A partir dos anos 1960, registrou-se o grande desenvolvimento da indústria automobilística, reforçando
a concentração industrial ao longo da Via Anchieta nos municípios da região do ABC (Santo André, São
Bernardo e São Caetano). Esse processo evolutivo acentuou a extensão de áreas ocupadas pelos usos urbanos,
na medida em que o crescimento das atividades secundárias demandou o surgimento de vários tipos de serviços
com a alocação de maior espaço para os estabelecimentos industriais e comerciais. As taxas de crescimento
populacional, apresentadas na tabela 2 expressam a feição demográfica da dinâmica metropolitana, que
acompanhou a sua expansão econômica e atraiu migrantes de várias partes do país e do mundo. Em que pese
a redução dessas taxas em período recente, sobretudo no município de São Paulo, os municípios do entorno
metropolitano continuam a apresentar taxas positivas, que ao lado das taxas observadas para o estado como um
todo, expressam o dinamismo e a transformação econômica da região, em suas relações com os municípios
do entorno e do interior.
O crescimento e diversificação das atividades econômicas foi acompanhado pela elevada taxa de
urbanização da população – hoje da ordem de 98% - e pela extensão da área urbanizada. Essa situação faz
com que toda a região se polarize de forma extremamente acentuada em torno de área urbana e das atividades
desenvolvidas na maior região metropolitana nacional.
Neste artigo serão utilizados os procedimentos para a análise da estrutura social da Região Metropolitana
de São Paulo e seu rebatimento no espaço das cidades, com base em informações censitárias georeferenciadas,
56
para o período 1991-2000, conforme metodologia desenvolvida no Observatório das Metrópoles3.
No que diz respeito à construção de uma tipologia de municípios para a Região Metropolitana de São
Paulo, tendo em vista analisar as formas e as condições de inserção da população na maior área metropolitana
brasileira, foi realizada uma análise fatorial da distribuição da população ocupada residente nos 39 municípios,
de acordo com as categorias sócio-ocupacionais.
A variável síntese “categoria sócio-ocupacional” constitui um sistema de hierarquização social obtido
a partir da combinação das variáveis censitárias renda, ocupação e escolaridade , fornecendo uma proxy
da estrutura social. Como resultado chegou-se a uma estrutura sócio-ocupacional composta de 8 grandes
categorias (CATs) agrupadas segundo a presença simultânea de certas características quanto à ocupação,
escolaridade, renda, posição na ocupação e ramo de produção/atividade. São elas:
1) elite dirigente – formada principalmente por empresários, dirigentes do setor público e dirigentes do
setor privado.
2) elite intelectual –formada por profissionais liberais de nível superior, professores universitários e
trabalhadores por conta própria de nível superior.
3) pequena burguesia – constituída principalmente por pequenos empregadores e comerciantes por
conta própria.
4) camadas médias – constituída, entre outros, por trabalhadores em atividades de supervisão, técnicos
e artistas, trabalhadores das áreas de saúde e educação, segurança pública, justiça e correios.
5) operariado secundário – inclui operários da indústria moderna, da indústria tradicional e da construção
civil.
6) operariado terciário – constituído por prestadores de serviços, trabalhadores do comércio e
trabalhadores autônomos em ocupações manuais com capacitação específica.
7) trabalhadores da sobrevivência – inclui ambulantes, empregados domésticos e
biscateiros
(Trabalhadores eventuais do setor informal da economia).
8) trabalhadores agrícolas – formada por todas as ocupações agrícolas com renda abaixo de 20 salários
mínimos.
Maior detalhamento acerca das categorias sócio-ocupacionais pode ser encontrado em PASTERNAK,
S. e L. BÓGUS 19984.
3
O Observatório das Metrópoles é uma instituição em rede que desenvolve estudos e pesquisas que contribuem teórica e metodologicamente para os debates sobre os impactos sociais produzidos pelas transformações econômicas que vêm ocorrendo no Brasil, desde meados de
1980. A metodologia desenvolvida pelo Observatório das Metrópoles permite realizar análises comparativas entre as regiões metropolitanas brasileiras com o uso da mesma base de dados e de informações georeferenciadas. As análises apresentadas nesse texto são resultado de um conjunto
de trabalhos realizados pelas autoras a partir da pesquisa “Metrópole, desigualdade sócio-ocupacional e governança urbana: Rio de Janeiro, São
Paulo e Belo Horizonte” (1998) – Pronex/CNPq. Para mais informações consultar: www.observatoriodasmetropoles.net
4
A variável ocupação foi construída a partir de 400 diferentes tipos de ocupação utilizados pelo IBGE e as categorias sócio-ocupacionais
(CATs) constituíram o ponto de partida para a classificação dos tipos de área, através da realização de análise fatorial por correspondência binária.
No que se refere à classificação ocupacional, foram utilizadas as informações fornecidas pelo IBGE para os anos de 1980 e 1991. A mudança
na forma de classificação das ocupações para o censo de 2000 introduziu uma dificuldade comparativa, que foi superada com alguns ajustes e
compatibilizações. Em 2000 modificaram-se os critérios de classificação das ocupações, introduzindo-se o uso da CBO (Classificação Brasileira
de Ocupações). Além disso foi também modificado o critério temporal: em 1991 entendia-se por ocupação o exercício de cargo ou função, emprego, profissão, etc, exercidos durante a maior parte dos doze meses anteriores à data de referência do censo; em 2000 este intervalo temporal foi
reduzido para sete dias. A realização dos ajustes necessários possibilitou a utilização da mesma metodologia para a construção de tipologias para
1991 e 2000.
57
A análise fatorial, realizada para 38 municípios da periferia da Região Metropolitana de São Paulo
em 1991 e 39 municípios em 2000 resultou em dois eixos: o primeiro eixo opõe estratos superiores e médios
a operários e trabalhadores da sobrevivência, exprimindo as relações de poder expressas pela qualificação
profissional. O segundo eixo exprime a oposição entre trabalho qualificado e não qualificado, colocando de
um lado as ocupações que requerem algum tipo de treinamento e de outro, as de baixa qualificação e que quase
não necessitam de adestramento, como construção civil, serviços domésticos, ambulantes, biscateiros.
A partir desses eixos foram estabelecidos, para a região metropolitana de São Paulo, os clusters que
resultaram em 5 grandes aglomerados ou tipos de município:
1) municípios de tipo popular - concentram grande proporção de trabalhadores da sobrevivência e da
construção civil. Esses municípios apresentaram, tanto em 1991 quanto em 2000, uma distribuição bastante
semelhante das categorias sócio-ocupacionais e das suas densidades relativas, sendo a maior densidade para
os dois períodos a dos trabalhadores da sobrevivência. Pertencem ao tipo popular os municípios de Arujá,
Cotia, Embu-Guaçu, Guararema, Itapecerica da Serra, Juquitiba, Mairiporã, Mogi das Cruzes, Pirapora do
Bom Jesus (apenas em 1991), Santa Isabel, Santana do Parnaíba, São Lourenço (apenas em 2000), Suzano e
Vargem Grande Paulista.
2) municípios de tipo agrícola – são aqueles com forte presença de trabalhadores agrícolas. Tal como
no caso anterior a similaridade das distribuições de 1991 e 2000 permite estabelecer a mesma tipologia para
os dois anos considerados. Os municípios agrícolas de Biritiba Mirim e Salesópolis se distiguem pela alta
porcentagem de trabalhadores agrícolas residentes: 35,2% em 1991 e 16,7% em 2000. Também é significativa
a presença nesses municípios de trabalhadores da sobrevivência,
3) municípios operários da industria tradicional – este tipo reúne os municípios de residência operária,
sobretudo de operários da indústria tradicional e de serviços e que apresentaram, no ano 2000, presença
acentuada do proletariado terciário, do proletariado secundário e de trabalhadores da sobrevivência. Dentre
os 18,4% dos ocupados que pertenciam ao operariado secundário em 2000 3,4% eram da indústria tradicional
e 5,9% da construção civil. De outro lado, 7,8% eram trabalhadores da sobrevivência. Assim, cerca de 17%
da população ocupada residente no cluster era composta de operários tradicionais, operários da construção
civil e trabalhadores da sobrevivência. Em 1991, os municípios de tipo operário tradicional possuíam 31% da
sua população ocupada no proletariado secundário. Fazem parte deste tipo os seguintes municípios, em 1991:
Cajamar, Carapicuiba, Ferraz de Vasconcelos, Francisco Morato, Franco da Rocha, Itapevi, Itaquaquecetuba
e Jandira. Em 2000, aos municípios de Ferraz de Vasconcelos, Francisco Morato, Itapevi, Itaquaquecetuba e
Jandira somaram-se Pirapora do Bom Jesus e Santa Isabel que pertenciam ao tipo popular em 1991, Poá e Rio
58
Grande da Serra que pertenciam ao tipo operário moderno em 1991.
4) municípios operários da industria moderna - reúnem, no ano 2000, municípios com percentuais
elevados de trabalhadores residentes do proletariado secundário , sobretudo da indústria moderna e com
presença expressiva de trabalhadores de serviços auxiliares. Faziam parte deste tipo, em 1991, os municípios
de: Barueri, Caieiras, Diadema, Guarulhos, Mauá, Poá, Osasco, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra, Taboão da
Serra. Em 2000, Poá e Rio Grande da Serra passaram a fazer parte dos municípios do tipo operário tradicional,
devido a alterações no perfil de sua população ocupada residente. Por outro lado, passaram a fazer parte do
grupo os municípios de Cajamar e Carapicuíba, antes pertencentes ao tipo operário tradicional, também em
razão das características de sua população residente, segundo a categoria sócio-ocupacional.
5) municípios da elite industrial - esses municípios apresentam , tanto em 1991 quanto em 2000,
percentuais elevados de residentes da elite intelectual e da elite dirigente. Distinguem-se também pela
presença elevada da pequena burguesia. Embora a presença do operariado secundário seja pequena, ela é
expressiva para os trabalhadores da indústria moderna, tanto em 1991 como em 2000. Fazem parte deste tipo,
em 1991, os municípios de: Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, que constituíram o
berço da indústria metalúrgica, automobilística e metal-mecânica do Estado de São Paulo. A esses municípios
incorporou-se em 2000 Santana do Parnaíba, importante área de expansão de serviços ligados à indústria
e onde se localizam os maiores condomínios horizontais de alta renda, para residência de empresários e
profissionais pertencentes às elites dirigente e intelectual.
A etapa posterior de análise classifica os municípios em 6 sub-conjuntos, conforme o quadro 1 e o mapa
a seguir:
QUADRO 1
TIPOLOGIA DOS MUNICÍPIOS DA GRANDE SÃO PAULO
TIPOS DE ÁREA
MUNICÍPIOS
AGRÍCOLA
Biritiba Mirim, Salesópolis
POPULAR
Arujá, Cotia, Embu Guaçu, Guararema,
Itapecerica, Juquitiba, Mairiporã, Mogi das
Cruzes, São Lourenço da Serra, Suzano,
Vargem Grande
OPERÁRIO TRADICIONAL
Embu, Ferraz de Vasconcelos, Francisco
Morato, Franco da Rocha, Itapevi,
Itaquaquecetuba, Jandira, Pirapora do Bom
Jesus, Poá, Rio Grande da Serra, Santa
Isabel
59
OPERÁRIO MODERNO
ELITE INDUSTRIAL
MUNICÍPIO POLO
Barueri, Caieiras, Cajamar, Carapicuíba,
Diadema, Guarulhos, Mauá, Osasco,
Ribeirão Pires, Taboão da Serra
Santo André, São Bernardo, São Caetano,
Santana do Parnaíba
São Paulo
MAPA
A tabela 3 mostra que a tipologia de conjunto de municípios que mais cresceu no período 2000-2010 foi
o chamado popular, onde residem majoritariamente trabalhadores do terciário não especializado e operários
da construção civil, justamente as parcelas mais pobres e mais vulneráveis entre os residentes da metrópole.
Na década de 90, o maior crescimento ocorreu entre os municípios classificados no tipo operário tradicional.
Ou seja, é sempre na periferia da metrópole, onde os preços da terra são menores, onde os trabalhadores mais
desassistidos vão se alocar. No item 3 vai-se notar que as piores condições sanitárias e de saúde se apresentam,
justamente, neste tipo de município.
60
TABELA 3 - taxas de crescimento populacional por tipo de município, Região
Metropolitana de São Paulo, 1991 a 2010
população total
taxas
19912000tipo de município
1991
2000
2010
2000
2010
Abrícola
29.192
39.010
44.210
3,27
1,26%
Popular
800.249
1.107.060
1.334.204
3,67
1,88%
operário
tradicional
909.340
1.308.109
1.541.668
4,12
1,66%
operário moderno
2.688.810
3.422.777
3.810.444
2,72
1,08%
elite industrial
1.371.165
1.567.465
1.699.946
1,5
0,81%
Pólo
9.646.185
10.435.546
11.253.503
0,88
0,76%
RMSP
15.446.932
17.881.997
19.683.975
1,64
0,96%
Fonte: IBGE Censos Demográficos de 1991, 2000 e 2010
São Paulo: uma Cidade Segregada
O município pólo – São Paulo- mereceu aqui uma análise mais detalhada, até mesmo por seu peso
populacional, sem falar na sua importância, tanto social como econômica. Apresenta também um detalhamento
de informações sobre condições sanitárias e de saúde.
A Cidade de São Paulo expandiu-se com base em uma lógica segregadora desde o início do século XX.
A emergência de uma economia industrial é fator crucial para o entendimento histórico dessa lógica, voltada
ao alojamento dos trabalhadores estrangeiros, num momento inicial e de trabalhadores nacionais, oriundos
das áreas rurais, sobretudo a partir dos anos 1950. Naquele momento a população da cidade atingiu 2.198.096
habitantes, com taxa de crescimento, entre 1940 e 1950, de 5,25% ao ano. Estima-se que o componente
migratório foi responsável por 76% do incremento populacional na década de 1940-50.
Entre 1950 e 1960 a população paulistana cresceu para 3.713.865 residentes. Nesta data o que se
denomina de anel periférico agregava uma população ainda reduzida, menos de 11% do total municipal,
enquanto cerca de 20% dos moradores residiam no centro expandido (anéis central e interior). A divisão do
tecido urbano em 5 anéis seguiu metodologia proposta por Pasternak Taschner (1990). A construção dos anéis
privilegiou a variável demográfica, considerando a proporção de população jovem (com até 15 anos de idade)
sobre a população total em 1970. Agruparam-se os então sub-distritos e distritos componentes do município
em 5 conjuntos: o anel central, com unidades territoriais em torno de 15% de população com menos de 15
anos, o anel interior, com cerca de 20% de população com menos de 15 anos, o anel intermediário, com quase
30% da população considerada jovem, o anel exterior, com 35% e o anel periférico, com distritos com cerca
de 40% da população entre 0 e 15 anos5
5
Em 1991 o IBGG usou nova divisão da trama urbana, passando de 56 distritos e sub-distritos para 96 distritos.Como já se tinha alguns
trabalhos com a divisão anterior, e esta se provou bastante útil analiticamente, para fins de comparação achou-se interessante continuar com
unidades territoriais equivalentes. Para isso comparou-se o desenho dos anéis de 1970-80 com o mapa base de 1991, procurando-se manter o
traçado anterior e compatibilizando-o com o novos distritos: São componentes do
61
Na década seguinte a população da cidade apresentou crescimento explosivo, com taxa de 4,70% ao
ano. Este crescimento foi também devido à grande migração interna (61% do incremento foi migratório).
Estas duas décadas foram marcadas pela expansão do tecido urbano em direção ao que pode ser chamado o
anel periférico: entre 1960 e 1970 a taxa de crescimento do anel periférico foi de 12,81% anuais, enquanto o
centro expandido cresceu, no mesmo período, menos de 1%. É na periferia sem infra-estrutura física e social
que se alocam os migrantes pobres recém chegados à cidade. Moradores pobres são impelidos para regiões
cada vez mais distantes do centro histórico, tanto para o entorno da capital como para as cidades limítrofes.
A expansão periférica da cidade acentuou-se principalmente a partir dos anos 1970. As taxas totais
de crescimento demográfico do município decresceram a partir da década de 70, quando atingiram 3,66% ao
ano, caindo para 1,13% anuais nos anos 80, 0,92% nos anos 90 e 0,76% entre 2000 e 2010. Até o ano 2000,
este crescimento continuou essencialmente periférico. Nos anos 80, os três anéis centrais perderam cerca de
250 mil residentes. Entre 1991 e 2000 esta perda atingiu 265 mil moradores. De outro lado, o anel periférico
ganhou 1,4 milhão entre 1970 e 1980, 1,1 milhão entre 1980 e 1991 e 1,05 milhão entre 1991 e 2000. E esta
periferia era, fundamentalmente, lócus da pobreza, lugar sem equipamento, urbanização sem cidade. A renda
média do responsável pelo domicílio na periferia em 2000 era 2 vezes menor que a renda média do anel mais
rico (anel interior). A proporção de chefes de família que ganhavam até 1 salário mínimo mensal em 2000 é de
quase 6% , e a de chefes com até 2 salários mínimos alcança 24%. Em relação à categoria sócioocupacional,
é na periferia onde residem os ocupados classificados nos pontos mais baixos da hierarquia: 7% dos ocupados
pertencem aos trabalhadores do terciário não especializado e 27% aos trabalhadores do secundário. Apenas
2,7% são profissionais de nível superior e menos de 1% pertence à elite dirigente. Como comparação, no anel
interior 10% dos moradores pertenciam à elite dirigente em 2000 e 22,5% eram profissionais de nível superior,
enquanto apenas 3% dos moradores pertenciam aos trabalhadores do terciário não especializado e 5,6% eram
trabalhadores do secundário. Há uma diferença notável entre a renda e a ocupação dos moradores do centro
expandido e da periferia.
A população do município de São Paulo em 2010 atingiu 11.253.503 habitantes. Na primeira década do
século XXI o centro de São Paulo inverteu a tendência de queda das décadas anteriores: enquanto a população
da cidade cresceu a uma taxa de 0,76%, as dos anéis centrais e interiores cresceram a taxas de 1,24% e 1,05%.
Se os três anéis centrais tinham perdido 265 mil moradores nos anos 90, na primeira década de 2000 ganharam
216 mil. Boa infra-estrutura, facilidade de transporte e rede de serviços adequada foram redescobertos por
quem escolheu morar em distritos centrais como Sé, República, Santa Cecília ou Bela Vista. Entre os distritos
do anel central, apenas Consolação, distrito de alto poder aquisitivo, cresceu menos que a média da cidade
- anel central (6): Bela Vista, Consolação, Liberdade, República, Santa Cecília e Sé
- anel interior (11): Barra Funda, Belém, Bom Retiro , Brás, Cambuci, Jardim Paulista, Moóca, Pari, Perdizes, Pinheiros e Vila Mariana
- anel intermediário (15): Água Rasa, Alto de Pinheiros, Campo Belo, Carrão, Cursino, Moema, Ipiranga, Itaim Bibi, Lapa, Penha, Sacomã,
Saúde, Tatuapé, Vila Guilherme e Vila Leopoldina
- anel exterior (28) – Aricanduva, Butantã, Cachoeirinha, Cangaíba, Casa Verde, Cidade Ademar, Freguesia do Ó, Jabaquara, Jaçanã, Jaguara,
Jaguaré,Limão, Mandaqui, Morumbi, Pirituba,, Rio Pequeno, Santana, São Lucas, Sapopemba, Tremembé, Tucuruvi, Vila Formosa, Vila Maria,
Vial Matilde, Vila Medeiros, Vila Prudente, Vila Sônia e São Domingos
- anel periférico (36): Anhanguera, Artur Alvim, Brasilândia, Campo Grande, Campo Limpo, Capão Redondo, Cidade Dutra, Cidade Lider,
Cidade Tiradentes, Ermelino Matarazzo, Grajaú, Guaianazes, Iguatemi, Itaim Paulista, Itaquera, Jaraguá, Jardim Ângela, Jardim Helena, Jardim
São Luis, José Bonifácio, Marsillac, Parelheiros, Parque do Carmo, Pedreira, Perus, Ponte Rasa, Raposo Tavares, Santo Amaro, São Mateus, São
Miguel, São Rafael, Socorro, Vila Andrade, Vila Curuçá, Vila jacuí e Lajeado.
62
como um todo.
TABELA 4 - Município de São Paulo: taxas geométricas anuais de crescimento populacional
taxas
ANEL
60-70
70-80
80-91
91-2000 2000-2010
central
0,69
2,23
-0,94
-2,05
1,24
interior
0,08
1,26
-1,17
-1,78
1,05
intermediário
2,79
1,28
0,71
-0,79
0,81
exterior
5,52
3,13
0,83
0,13
0,33
periférico
12,81
7,39
3,05
2,71
0,96
TOTAL
4,70
3,66
1,13
0,92
0,76
Fonte: Censos Demográficos de 1960, 70 ,80 ,91, 2000 e 2010
Tomando em consideração a localização das categorias sócio ocupacionais (proxy da situação de
classe social, conforme metodologia do Observatório das Metrópoles), a estrutura sócio –espacial da capital
apresenta-se bem caracterizada: entre suas 456 áreas de pesquisa (AEDs, áreas de expansão demográfica),
64% são médias e/ou superiores: em 1991 33% eram superiores e 31% médias; já em 2000 as áreas de tipo
média representavam 37% do total e as superiores, 27%. Denominam-se áreas superiores aquelas onde o peso
relativo das categorias superiores (elite dirigente e profissionais de nível superior) é sensivelmente maior que
na média da cidade como um todo, mostrando grande concentração dessas categorias no grupo tipológico,
que compreende praticamente todo o centro expandido, na área delimitada pelos rios Tietê e Pinheiros. Nas
áreas médias o peso relativo das categorias médias é superior ao do município como um todo. Circundam as
áreas superiores, deslocando, em 2000, antigas áreas operárias. Entre 1991 e 2000 a predominância das áreas
na capital mudou de operárias para médias: em 1991 22% das áreas de estudo eram operárias, enquanto que
em 2000 este percentual diminuiu para 18%. Antigas áreas operárias a leste da capital, como Vila Prudente,
Sacomã e Cursino, transformaram-se em áreas médias em 2000, assim como no sul (Jabaquara, Pedreira,
Cidade Dutra, São Luis, Capão Redondo, Campo Limpo) e no extremo leste (Sapopemba e Cidade Lider). De
outro lado, a extrema periferia continua com maioria de áreas populares, com peso relativo alto de operários
da construção civil e de trabalhadores do terciário não especializado. Percebe-se que a cidade apresentava,
até 2000, um perfil típico de “mancha de óleo”, onde os tipos superiores se localizam em áreas mais centrais,
circundados por tipos hierarquicamente inferiores; primeiro os médios, depois os operários e por fim os
populares.
Meio ambiente e saúde na metrópole
Em 1940, cerca de 30% dos brasileiros viviam em cidades, índice que subiu para 85% em 2010. A
Região Metropolitana de São Paulo, como já foi colocado, apresenta hoje uma concentração populacional de
quase 20 milhões de moradores.
Esta população se distribui de forma bastante desigual no território de 8.051 km2. A maior concentração
está no município de São Paulo, que abriga mais de 57%% numa área de 1.051 km2. Além disso, o município
63
de Guarulhos tem mais de 1 milhão de habitantes, Osasco, Santo André e São Bernardo do Campo têm, cada
um, mais de 500 mil moradores e Mauá possui quase este número de residentes. A região conta com cerca
de 40 mil indústrias e quase 7 milhões de veiculos particulares. Esta densa urbanização constitui importante
fonte de calor. Segundo Nobre et Al (2010), as partes mais densas da metrópole costumam ser mais quentes,
a temperatura diminuindo `a medida que a densidade decresce. Os poluentes são mais ativos em áreas mais
densas e quentes, tanto material particulado, como ozônio (O3) e dióxido de carbono (CO2). A área central
do município, por exemplo, com edifícios altos e próximos e ruas estreitas, intensa pavimentação, vias sem
vegetação e arborização, forma uma enorme ilha de calor, dificultando a dispersão de poluentes em dias de
inversão térmica.
Cerca de 6,75% dos seus domicílios se situavam em favelas, segundo dados do IBGE de 2000. As
cidades de São Paulo, Guarulhos, Osasco e Diadema possuíam, em 2000, 938 favelas, cerca de ¼ das favelas
do país. “A proporção de domicílios favelados na região metropolitana aumentou entre 1991 e 2000, tanto na
capital como nos municípios periféricos. A taxa de crescimento das casas faveladas nos municípios periféricos
(outros que não o pólo) foi quase o dobro da capital, mostrando que a favelização está se espalhando na região
metropolitana. Não apenas a população da periferia da metrópole cresce mais que a da capital, como também
as favelas dos municípios periféricos crescem mais que as favelas da capital.” (Pasternak, 2006: 186).
De outro lado, as condições de infra-estrutura dos domicílios metropolitanos, quando comparados com
os dados para o Brasil, mostram uma situação razoável em 2010: para a metrópole como um todo, 97,22% dos
domicílios eram servidos por rede de água, 99,95% possuíam sanitário individual, entre estes 88,55% ligados
à rede pública de esgotos, e 99,49% das casas eram servidas por serviços de coleta de lixo.
Esta distribuição de equipamentos básicos de infra-estrutura, no entanto, não é homogênea. Utilizando
a classificação dos municípios por tipologia, a tabela 4 mostra que há diferenças sensíveis no usufruto da
água potável e da rede de esgotamento sanitário entre os diferentes tipos de áreas. Assim, os municípios dos
tipos agrícola e popular apresentavam proporções menores que 90% em relação ao abastecimento de água, e
os municípios da tipologia agrícola, popular e operário tradicional têm situação preocupante em relação ao
destino dos dejetos. E é justamente nestes municípios onde residem as parcelas mais pobres da população
metropolitana
64
TABELA 5 - Proporção de domicílios servidos por equipamento de infra-estrutura, por tipologia de
municípios, 2010
rede de rede de
lixo coletado por serviço de
tipo de município água
esgoto
limpeza
agrícola
64,60
58,46
91,19
popular
87,32
61,26
94,28
operário tradicional
96,03
72,70
95,14
operário moderno
98,22
87,23
95,10
elite industrial
97,87
89,57
91,81
polo
99,09
91,90
95,09
RMSP
97,22
88,85
94,60
Fonte: IBGE, dados censitários de 2010.
Já são bastante conhecidas no meio técnico e acadêmico as relações entre as condições do habitat e de
saúde. O aumento do adensamento de moradores em habitações precárias incide no incremento de doenças
respiratórias, sobretudo em crianças e idosos, parcelas mais vulneráveis. A falta de saneamento básico incide
em doenças infecciosas e parasitárias. A população mais pobre acaba por ocupar favelas e loteamentos
irregulares, em locais insalubres, como margens de córregos, áreas cm alta declividade, áreas perto de lixões,
áreas de preservação de mananciais, aumentando ainda mais sua situação vulnerável. A mortalidade infantil e
a na infância, por tipologia de município, mostram desigualdades relevantes nas distintas regiões. Embora a
mortalidade na infância tenha decrescido mais de 40% no estado de São Paulo nos últimos 20 anos, passando
de 35,4 por mil nascidos vivos para 14,5 por mil nascidos vivos, ainda persistem diferenças importantes,
mesmo dentro da Região Metropolitana: pela tabela 6, nota-se que nos municípios agrícolas, populares e
operários tradicionais os índices são superiores aos da metrópole como um todo e aos do estado. Insistindo,
é nestes espaços da metrópole que residem os mais pobres e onde as condições de infra-estrutura são as mais
precárias. E as condições precárias vão incidir também nas taxas de mortalidade perinatal (natimortos mais
óbitos perinatais por mil nascidos vivos). A taxa de mortalidade na infância nos municípios agrícolas atinge
18 mortes para cada 1000 nascidos vivos, enquanto que no anel interior do município de São Paulo, onde
residem majoritariamente os dirigentes e os profissionais de nível superior, em 2009 a taxa de mortalidade
na infância era de 8,8 mortes para cada 1000 nascidos vivos, menos que a metade que nos municípios de tipo
agrícola. Mesmo nos municípios populares a taxa de 16,37 é duas vezes maior que a registrada no anel central.
As taxas de natimortalidade nos anéis mais centrais no tecido urbano da capital são menores que 5 por mil,
e as taxas de mortalidade perinatal são cerca de 9 por mil nascidos vivos, bem menores que as apresentadas
pelos municípios do tipo popular e operário tradicional, mostrando que o atendimento pré natal e ao parto são
também desiguais. “Chamam a atenção as iniqüidades- desigualdades injustas e evitáveis- que caracterizam a
metrópole” (Maricato, Ogura e Comaru: 63)
65
TABELA 6 - Mortalidade infantil, na infância, natimortalidade e mortalidade perinatal, por tipologia
de município, 2009
taxas
na
tipo de município
infância
natimortalidade
agrícola
11,52
18,09
5,1
7,7
popular
14,06
16,37
9,2
15,8
operário tradicional 14,46
16,83
8,2
14,8
operário moderno
12,02
14,06
7,5
13,0
elite industrial
12,34
14,11
7,3
12,9
polo
11,94
13,84
7,2
12,7
RMSP
12,30
14,30
7,4
13,1
ESP
12,50
14,50
7,7
13,8
Fonte: Fundação Seade. Mortalidade infantil óbitos de menores de um ano por mil nascidos vivos;
mortalidade na infância: óbitos de menores de 5 anos por 1000 nascidos vivos; natimortalidade: nascidos
mortos por mil nascidos vivos; mortalidade perinatal: nascidos mortos + óbitos neo natais precoces pro 1000
nascidos vivos
Uma rápida avaliação das principais causas de mortes infantis (até 1 anos de idade) mostra a importância
relativa das doenças respiratórias e das doenças infecciosas e parasitárias na composição da mortalidade
infantil nas diferentes tipologias de município da metrópole: as doenças respiratórias apresentam proporção
de óbitos maior nos municípios do tipo popular e operário tradicional.Nos populares, as doenças respiratórias
são causa de 9,30% dos óbitos,enquanto nos operários tradicionais, de quase 8%. Chama a atenção que a
proporção deste tipo de óbito é menor no estado (5,35%) que na metrópole (6,65%) e no município da capital
(6,45%). Desnutrição, qualidade do ar, bronquites alérgicas que se agravam para pneumonias, na metrópole
poluída? Fica a questão.
66
TABELA 7 - Proporção de óbitos infantis, por algumas causas de óbito, 2009
municípios da RMSP,
por tipo
Total
Afecções
Originadas no
Período Perinatal
Malformações
Congênitas,
Deformidades e
Anom. Crom.
Doenças do
Aparelho
Respiratório
Doenças
Infecciosas e
Parasitárias
301
377
703
polo
2.072
53,16%
53,05%
56,61%
53,78%
56,19%
Região
Metropolitana
3819
55,49%
21,26%
6,65%
5,50%
Estado de São
Paulo
7475
56,66%
21,86%
5,35%
5,14%
popular
operário tradicional
operário moderno
elite industrial
357
21,93%
18,57%
22,62%
25,77%
20,46%
9,30%
7,96%
5,97%
5,60%
6,45%
5,32%
5,04%
4,55%
5,88%
5,83%
Fonte: Fundação Seade
A Região Metropolitana de São Paulo tem sido palco de inúmeras tragédias, por deslizamento de
encostas, inundações, epidemias como de dengue, etc. Lançamento de lixo, ações antrópicas de ocupação de
terras não adequadas, como topos de morros, áreas de alta declividade, encostas de córregos, modificam os
terrenos, deixando-os suscetíveis à erosão, assoreamento, deslizamentos, inundações. A ocupação crescente
de municípios periféricos, sobretudo onde a terra é mais barata, como nos populares e operários tradicionais,
faz com que parcelas pobres da população metropolitana vivam de forma precária, o que se traduz numa piora
da saúde e no aumento da mortalidade. Condições de moradia ruins, infra-estrutura deficiente, aumento do
tempo de transporte para o trabalho, falta de equipamentos sociais traduzem-se em aumento da mortalidade, da
morbidade, da violência. A ocupação urbana descontrolada em áreas de mananciais compromete a qualidade
da água da população e aumenta as ilhas de calor, modificando o micro clima e aumentando as precipitações
pluviométricas, além de intensificar a erosão. E é nestes municípios, do tipo popular e operário tradicional,
onde o crescimento demográfico é mais acentuado e onde a estrutura etária apresenta-se mais jovem: cerca de
30% dos moradores tinha menos de 15 anos, em 2000 (Pasternak, 2009).
A metrópole de São Paulo já sofre em todo o verão com as enchentes. Segundo Nobre et al (2010)
poderá sofrer um aumento do número de dias com fortes chuvas até o final do século. “Estudos preliminares
sugerem que, entre 2070 e 2100, uma elevação média na temperatura da região de 2ºC a 3ºC poderá dobrar o
número de dias com chuvas intensas (acima de 10 milímetros) na capital paulista.” (Nobre et al, 2010: 11).
Chuvas acima de 50 milímetros, raras antes da década de 1950, ultimamente têm ocorrido até cinco vezes por
ano na cidade de São Paulo. E a expansão da área urbanizada, em sinergia com o aquecimento global, projeta
grandes precipitações em áreas cada vez maiores da Região Metropolitana, ampliando as áreas de risco.
Além do município de São Paulo, os demais municípios que apresentam vulnerabilidade para acidentes
de escorregamento são, segundo Nobre et al:
Entre os municípios do tipo popular, os mais vulneráveis em termos sociais: ao norte, Mairiporã; ao sul,
67
Embu-Guaçu e Juquitiba; a oeste, Itapecerica da Serra e Cotia; a leste, Gaurarema
Entre os municípios do tipo operário tradicional, que agregam residentes ainda com grande grau de
vulnerabilidade: ao norte, Francisco Morato, Franco da Rocha; ao sul, Rio Grande da Serra; a oeste, Itapevi,
Jandira; a leste, Ferraz de Vasconcelos
Entre os municípios do tipo operário moderno, com uma população socialmente menos vulnerável
que os anteriores: a leste, Guarulhos; ao norte, Caieiras; a sudeste, Mauá, Ribeirão Pires e Diadema; a oeste,
Osasco, Carapicuiba, Taboão da Serra
Entre os municípios da chamada elite industrial; a oeste, Santana do Parnaíba; a leste, São Bernardo,
Santo André e Diadema
Nobre et al, numa tentativa de visualizar desastres ambientais num futuro próximo, criaram um modelo
de expansão urbana para a região metropolitana de São Paulo em 2030, que permitiria identificar as possíveis
áreas que teriam ocupação se o atual modelo se expandisse sem nenhuma alteração. Este modelo foi depois
integrado com um modelo de declividade, visando identificar as futuras áreas de risco. O que se observou foi
que a atual mancha urbana da capital sofrerá pouca alteração, já que sua expansão máxima foi quase atingida. De
outro lado, as áreas do entorno seriam ocupadas exercendo forte pressão sobre os recursos naturais existentes.
Segundo estes autores, “aproximadamente 11,17% das áreas de expansão em 2030 poderão se constituir em
novas áreas de risco de deslizamentos.” (Nobre et al. 2010: 24).
Toda esta ocupação e erosão dos recursos naturais, que aliam mudanças climáticas, ilhas de calor,
poluição atmosférica por excesso de veículos, agravados pela grande concentração populacional na RMSP,
trazem um cenário de sérias implicações para a saúde humana: contaminação da água, por ingestão, contato
(no caso da leptospirose) ou pela proliferação dede vetores (entre os quais a dengue). A chuva excessiva
carrega dejetos para os reservatórios de água potável. O excesso de umidade causa fungos, responsáveis por
afecções respiratórias. Episódios extremos de temperatura comprometem a saúde de crianças e idosos.
Meio ambiente, clima e saúde no município de São Paulo
O Município de São Paulo, até o início do milênio, apresentava um padrão de crescimento nitidamente
periférico, com a população pobre se alocando nas franjas urbanas e, não raro, ultrapassando as fronteiras da
capital e indo residir nos municípios limítrofes, como já foi explicitado no item 3 do presente texto. Desde
1980 notava-se perda populacional nas áreas centrais (Tabela 4). Entre 1980 e 1991 os 3 anéis mais centrais
já apresentavam perda de 253 mil moradores, perda esta que cresceu para 265 mil entre 1991 e 2000. Na
primeira década do século XXI esta tendência se inverte, com ganho de 216 mil residentes nos anéis central,
interior e intermediário. O anel periférico, que na década de 90 fora responsável por todo o crescimento
populacional do município, e na década de 80 por 97% deste crescimento, agora continua com crescimento,
porém menos vigoroso, responsabilizando-se por “apenas” 60% do incremento municipal (o que fornece um
total nada desprezível de 492 mil habitantes, mas menor que entre 1991 e 2000, quando o crescimento do anel
periférico ultrapassava 1 milhão de pessoas).
68
Alguns reflexos começam a aparecer, com a diminuição de imóveis vagos, de um lado, e mudanças no
padrão de mortalidade, de outro.
O anel central, denso, pavimentado, forma uma ilha urbana de calor, como já foi dito. Por outro lado,
a ocupação dos vales dos rios Tietê, Tamanduateí e Pinheiros hoje se assemelham a grandes bacias aquecidas
(Nobre et al, 2010), produtoras de poluentes orgânicos, com cursos d’água conduzindo dejetos orgânicos e
industriais e poluentes atmosféricos, resultantes de um grande volume de tráfico pesado. A expansão urbana na
direção do vetor leste produziu bairros com densidade demográfica bastante alta, e sem nenhuma área verde.
A parte leste dos anéis intermediário e exterior é um mar cinzento, de tijolos de concreto e lajes prel, o que
se reflete em temperaturas elevadas e em inundações freqüentes no verão. Já em bairros mais ao sul, como
Cidade Jardim e Morumbi, a vegetação urbana torna o microclima mais ameno. As árvores tendem também
a remover parte do material particulado e do monóxido de carbono
A capital apresenta condições bastante boas de infra-estrutura básica: 99,09% dos domicílios são
servidos por rede de água, 91,90% estão ligados à rede de esgoto e 95,09% têm o lixo coletado por serviço de
limpeza, no ano 2010. Em 2000 as desigualdades entre os anéis eram pequenas, com o anel periférico, onde
residem os mais pobres, apresentando pequena piora em relação à rede de água (com 97% dos domicílios
servidos, à rede de esgoto, com 79% das moradias conectadas e com 98% das casas com serviço de coleta
de lixo (Bógus e Pasternak, 2004). Mas há grande número de famílias residindo em assentamentos precários,
em áreas de grande vulnerabilidade. Excluídas do mercado de moradias privado, não atendidas por políticas
públicas, estas famílias vão ocupar favelas, cortiços, loteamentos irregulares, não raro construindo suas casas
num processo lento de auto-construção, de acordo com seu fluxo de recursos. Tanto estas favelas como os
loteamentos irregulares de alocam, preferencialmente, nos anéis exterior e periférico.(Tone e Ferrara,2010).
As taxas de crescimento da população favelada têm sido, historicamente, maiores que as população
municipal: entre 1980 e 1991, foi de 7,07% anuais, enquanto que a da população municipal foi de 1,13%
ao ano. Entre 1991 e 2000, a população favelada cresceu a taxa de 2,82% ao ano, enquanto que a da cidade
como um todo cresceu a 0,92%. E as favelas paulistanas crescem mais no anel periférico: entre 1991 e
2000 as favelas do anel periférico cresceram a taxa de 3,98% ao ano, ou seja, 1,3 vezes a taxa média dos
favelados. Alguns distritos paulistanos apresentavam, em 2000, mais de 20% da sua população residindo
em favelas, como Vila Andrade, Pedreira, Jaguaré, Sacomã, Cidade Dutra, Vila Jacuí, Capão Redondo,
Rio Pequeno e Jardim São Luis (Pasternak, 2006: 192). Parte destes distritos apresentavam coeficientes de
mortalidade infantil maiores do que o coeficiente médio municipal de 2009, como Vila Jacui, com 16, 6 óbitos
por mil nascidos vivos, Pedreira, com 13,5, Cidade Dutra, com 112,8. Outros, como Jardim São Luis e Capão
Redondo, tinham mortalidade infantil em 2009 próximas da média, com 11,2 e 10,4 óbitos por mil nascidos
vivos. Na Zona Sul, os distritos da Cidade Ademar, Pedreira, Cidade Dutra, Jardim Ângela, Capão Redondo e
Campo Limpo concentram quase 50% das favelas paulistanas, no entorno dos mananciais. Ao norte, estão 327
favelas, situadas muitas vezes em terrenos de alta declividade, que antes apresentavam a vegetação da Serra
da Cantareira. Hoje sem esta cobertura vegetal, são terrenos sujeitos à erosão e deslizamento. No vetor leste,
entre as quase 350 favelas, muitas se situam em áreas de rico e em várzeas sujeitas à inundação. O Jardim
69
Pantanal, na várzea do Tietê, aparece freqüentemente na mídia parcial ou totalmente coberto pelas águas. E já
tem sido notado que a incidência de leptospirose aumenta entre 15 a 18 dias após um forte temporal
Em 2010, nota-se que o esvaziamento do centro reverteu, com diminuição inclusive dos imóveis vagos.
Há unanimidade, entre os urbanistas, das vantagens de uma cidade compacta. Desta forma, este “retorno”
ao centro é bem vindo, a população de menor poder aquisitivo podendo usufruir dos equipamentos de infraestrutura física e social presentes nos anéis centrais. Mas as condições de adensamento destes imóveis centrais
se refletem numa maior mortalidade na infância, como mostra a tabela 8.
TABELA 8 - Mortalidade infantil, na infância, natimortalidade e mortalidade perinatal, por anel,
Município de São Paulo, 2009
taxas
anel
central
interior
intermediário
exterior
periférico
Município de São
Paulo
10,1
7,7
9,7
10,6
13,5
12,0
na
infância
natimortalidade
11,7
4,9
8,8
4,6
11,1
4,8
12,3
6,8
15,7
7,9
9,9
8,2
9,2
11,7
13,0
7,2
12,7
13,8
Fonte: Fundação Seade. Mortalidade infantil óbitos de menores de um ano por mil nascidos vivos;
mortalidade na infância: óbitos de menores de 5 anos por 1000 nascidos vivos; natimortalidade: nascidos
mortos por mil nascidos vivos; mortalidade perinatal: nascidos mortos + óbitos neo natais precoces pro 1000
nascidos vivos.
Percebe-se que desigualdades relevantes são encontradas em diferentes anéis do município: assim
no anel interior, onde reside a população mais afluente, as taxas de mortalidade infantil e na infância são
bem menores que no anel periférico, onde a mortalidade na infância chega a ser 1,8 vezes maior que no
anel interior. No anel central uma hipótese é que as condições de pobreza e de adensamento da moradia
estejam associadas às taxas relativamente mais elevadas, tanto de mortalidade na infância como da infantil
e da mortalidade perinatal. Mas percebe-se um nítido gradiente, partindo de taxas menores no anel interior,
até maiores no anel periférico. Trabalho de Maricato, Ogura e Comaru (2010: 63), já comentava que distritos
nobres, como Pinheiros, apresentavam taxas de mortalidade infantil de 15,71 óbitos para mil nascidos vivos,
enquanto distritos mais populares, como Jaguara e Barra Funda, tinham 16,33 e 12,2 óbitos por mil nascidos
vivos, em 2004. Em 2009 Pinheiros registrou mortalidade infantil de 6 óbitos por mil nascidos vivos, enquanto
distritos periféricos como Lajeado e Jaguara continuam com taxas de 17,4 e 16,0, respectivamente.
70
Esses dados mostram que nos distritos nobres houve uma redução importante de taxas que não foi
acompanhada pelos distritos populares. Nos últimos 5 anos os indicadores de mortalidade de parte da periferia
não melhoraram. De outro lado, distritos centrais como Santa Cecília e República, no anel central, apresentam
mortalidade infantil maior que a média municipal: 14,5 e 12,7 mortes para cada mil nascidos vivos, apontando
para uma possível relação entre adensamento, condições de moradia, pobreza e más condições do ar na
população na área central.
As causas de morte que afetam estes óbitos infantis apresentam também algumas diferenças: embora,
em todos os anéis, as afecções originadas no período neonatal sejam em proporção majoritária, doenças do
aparelho respiratório, estas apresentam porcentagem maior nos anéis exterior e periférico. (Tabela 9)
TABELA 9 - Proporção de óbitos infantis, por algumas causas de óbito. Município de São Paulo, 2009
anel
central
interior
intermediário
exterior
periférico
MSP
Total
45
62
174
543
1248
2072
Afecções
Originadas
no Período
Perinatal
60,00%
51,61%
56,90%
54,51%
56,89%
56,19%
Malformações
Congênitas,
Deformidades e Anom.
Crom.
22,22%
25,81%
22,41%
23,76%
18,51%
20,46%
Doenças do
Aparelho
Respiratório
0,00%
1,61%
5,75%
6,45%
7,05%
6,45%
Doenças
Infecciosas e
Parasitárias
4,44%
8,06%
6,90%
4,05%
6,41%
5,83%
Fonte: Fundação Seade
A urbanização tem se mostrado inevitável, embora a taxa de crescimento da cidade de São Paulo esteja
declinante desde a década 1950-60 (Tabela 2). E como também se observou, a infraestrura básica espalhou-se
por todo o tecido urbano, mesmo nas favelas: em 2000, 98% das casas em favela tinha acesso à rede pública
de água, 51% à rede de esgoto, 99,8% possuía energia elétrica e 80,2% coleta de lixo regular (Pasternak, 2006:
193). Mas, apesar das melhorias ainda persiste a desigualdade intraurbana de acesso à moradia de qualidade,
com tamanho e materiais adequados e com acessibilidade ao transporte público.
Em áreas de fronteira, como regiões de preservação ambiental, como em torno dos mananciais e nas
encostas da Cantareira, a proliferação de invasões e loteamentos irregulares coloca a população que ai reside em
condições vulneráveis, além de comprometer as condições da água, com impactos sobre custos de seu tratamento
e transporte.O desmatamento influi no clima urbano, gerando ondas de calor, e a retirada indiscriminada de
vegetação gera deslizamentos e escorregamentos de terra, em áreas com alguma declividade. E é justamente
nas zonas fronteiriças do norte (Serra da Cantareira) e do sul (área dos mananciais) que o aumento de invasões
e loteamentos irregulares tem se mostrado maior. Em relação aos loteamentos irregulares, na década de 80 o
vetor sul do município liderava a proporção dos loteamentos irregulares, com 62% deles (Pasternak, 2010:
162). Já na década de 90, a distribuição espacial dos lotes irregulares muda: embora a predominância se
observe no vetor leste da capital, o norte apresenta 30% dos lotes em parcelamentos irregulares, num total de
71
17 mil lotes irregulares, expandindo-se pela área montanhosa da Serra da Cantareira. O Instituto de Pesquisas
Espaciais (Inpe) apontou, em 2009, que num raio de 10 km no entorno do parque da Cantareira, ocorreu a
perda da cobertura vegetal em 52 hectares; 28 deles situam-se fora da capital, já no município de Mairiporã.
A residência de camadas pobres na periferia penaliza ainda mais estes segmentos populacionais, já que
o tempo de deslocamento casa-trabalho aumenta proporcionalmente à distância das áreas centrais, onde se
concentram os empregos. De outro lado, o aumento do trânsito, além do tempo perdido, impacta as condições
atmosféricas. E a poluição do ar, embora em processo de redução em São Paulo, tem efeitos deletérios,
causando doenças respiratórias, isquêmicas e em arritmias cardíacas. A inflexão do crescimento periférico,
em direção aos anéis centrais, indicada pelo censo de 2010, com tendência de retorno ao centro histórico,
trará benefícios, com o aproveitamento de infra-estruturas existentes, mas também colocará desafios para
a construção de habitação de qualidade, no contexto de um “ mix social” que não expulse a pobreza para a
periferia, como historicamente tem ocorrido.
No município de São Paulo, morar perto de um parque é extremamente valorizado: o usufruto da área
verde, os benefícios que estas áreas trazem para a redução do calor e da poluição, a absorção proporcionada pela
área verde- minimizando as inundações- e a densidade menor do bairro são fatores que contribuem para que
estas parcelas do solo urbano sejam as mais valorizadas. As atuais medidas de construção de parque lineares
parecem acertadas. Além destas medidas, uma mudança na matriz do transporte urbano e intra-municipal
deverá ser incrementada, com maior utilização de ferrovias e do metrô, enfim, com a oferta de transporte de
massa de boa qualidade, melhorando as condições de circulação e de emissão e dispersão de poluentes.
Bibliografia
Bógus, L e Pasternak, S. Como anda São Paulo. Cadernos Metrópole nº especial. São Paulo, EDUC,
2004
Maricato,E. Ogura, A e Comaru, F. Crise urbana, produção do habitat e doença In Saldiva, p et AL,
Meio Ambiente e saúde: o desafio das metrópoles. São Paulo, Ex Libris, 2010. PP 48-65
Nobre, Carlos et al, Da vulnerabilidade das megacidades brasileiras às mudanças climáticas.Região
Metropolitana de São Paulo, Junho de 2010, www.inpe.br acesso a 28 de junho de 2010
Pasternak, S. e Bógus,L ,- A Cidade dos Anéis, Caderno LAP 28. FAU-USP, 1998
Pasternak, S., Habitação e demografia em São Paulo Revista Brasileira de Estudos de População v.7,
nº1, jan-jun 1990, PP 3-19
Pasternak, s e Bógus, L. - A dinâmica espacial da desigualdade na região metropolitana de São Paulo,
Caderno LAP 47, jul-dez 2005
Pasternak, S -Aspectos demográficos da Região Metropolitana de São Paulo, In Bógus, L e Pasternak,
S, Como Anda São Paulo, Rio de Janeiro, Letra Capital, Observatório das Metrópoles, 2009,pp11-37
72
Pasternak, S.-Loteamentos irregulares no Município de São Paulo: uma avaliação sócio-urbanística
Planejamento e Políticas Públicas (PPP). Brasília, IPEA, nº 34, jan-jun. 2010, PP 131-170
Pasternak, S São Paulo e suas favelas. - Revista Pós 19. Revista do Programa de pós graduação em
Arquitetura e Urbanismo da FAU-USP, vol 27, n º 19, 2006, jun , PP 176-197
Pasternak Taschner, S.-Habitação e demografia intra-urbana em São Paulo.Revista Brasileira de
População, v.7.n.1, Campinas, janeiro/junho,1990, pp.3-34
Tone, Beatriz B. e Ferrara, Luciana N. “Notas sobre a produção da irregularidade no Espaço Urbano
em São Paulo” In: Bógus, L. Pasternak,S. e Raposo,I. (Orgs) Da Irregularidade Fundiária Urbana à
Regularização: Análise Comparativa Portugal-Brasil. São Paulo, EDUC, 2010,pp. 309-334.
73
Mudanças Climáticas e Saúde
Evangelina da Motta Pacheco Alves de Araujo Vormittag
Efeitos da Mudança Climática sobre a Saúde
Estimativas da Organização Mundial da Saúde - OMS mostram que a mudança do clima causa 150 mil
mortes anuais e 5,5 milhões de anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (DALY - Disability-Adjusted
Life-Years). Em 2000, a incidência de malária foi cinco vezes maior em Moçambique, em decorrência de
chuvas e três ciclones que inundaram o país. Em 2003, a onda de calor no verão da Europa, com temperaturas
10ºC acima da média dos 30 anos anteriores, acarretou 70 mil mortes, perdas de colheitas, queima de florestas
e derreteu 10% da massa glacial dos Alpes. O furacão Katrina, em 2005, causou devastação nas comunidades
costeiras. A onda de calor e incêndios florestais no verão na Rússia em 2010 deixou 56 mil mortos.
No mundo, a inundação é o desastre natural mais freqüente, afetando quase dois bilhões de pessoas
ao redor do mundo. As enchentes contaminam as fontes de água, aumentam a proliferação de vetores de
doenças, causando doenças como a leptospirose, hepatite A e diarreia. Como exemplo, destaca-se a epidemia
de gastroenterite aguda causada por Norovírus, que afetou cerca de 40% das crianças e 21% dos adultos
refugiados do Katrina, na Louisiana. As enchentes também causam afogamentos, lesões físicas e, mais
tardiamente, transtornos psiquiátricos. Após o Furacão Andrew, casos de estresse pós-traumático foram
relatados até depois de dois anos.
As mudanças do clima põem em risco a quantidade e a qualidade da água (estresse da água) em muitos
países. A ONU estima que 20% da população mundial já sofram com a escassez de água. Até 2050, estima-se
que haverá um bilhão de refugiados ambientais decorrentes de seca, escassez de água e alimentos, catástrofes
ambientais, aumento do nível do mar e doenças infecciosas. As doenças sensíveis ao clima são transmitidas
através da água ou por vetores e estão entre aquelas que mais matam globalmente. Apenas diarreia (1,9
milhões), malária (0,9 milhão) e desnutrição (3,7 milhões) causaram mais de 6,5 milhões de mortes no mundo
em 2009.
O aumento da faixa de clima tropical no planeta levará a migração e aumento dos vetores de doenças
mais comuns, causando pandemias. Estima-se, através de modelos matemáticos, aumento potencial de 5 a 7%
na distribuição de malária na África para 2100.
Embora a mudança de clima seja um fenômeno global, suas conseqüências não são igualmente
distribuídas. A combinação de crescimento populacional, pobreza e degradação ambiental aumenta a
vulnerabilidade às catástrofes climáticas. O impacto em países pobres pode ser de 20 a 30 vezes maior do que
em países industrializados.
A alteração do clima afeta mais as áreas urbanas que as rurais, sobretudo por causa das emissões
veiculares e a abundância de superfícies que retêm o calor, as chamadas ilhas urbanas de calor.
74
Cobenefícios em Saúde
Carta de Recomendações em Saúde, São Paulo C40 2011
Mudanças Climáticas e Urbanização foram escolhidas pela OMS como os temas para o Dia Mundial
de Saúde em 2008 e 2010, respectivamente.
A Associação Médica Mundial definiu Mudanças Climáticas como o maior desafio de saúde pública
no séc. XX1 e elaborou um documento sobre o assunto, a Declaração de Delhi, que reforça o compromisso,
em nome das associações médicas nacionais, seus membros e médicos afiliados, de apoiar, liderar, educar,
capacitar, observar, pesquisar e colaborar com ações de prevenção e atendimento à saúde diante dos impactos
das mudanças climáticas.
Os impactos à saúde humana promovidos pelas mudanças climáticas têm sido relatados em diversas
publicações nacionais e internacionais, destacando-se a série Saúde e Mudança Climática, veiculada pela
revista médica Lancet em 2009 (um dos artigos da série é traduzido nesta revista).
As principais Academias de Ciência no mundo publicaram em 2010 recomendações dos cobenefícios
imediatos em saúde decorrentes das políticas de redução dos gases de efeitos estufa (GEE), que são imediatos
e perceptíveis localmente, ao contrário dos benefícios ambientais que levam um maior período de tempo para
mostrar seus resultados.
A Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com o Comitê Gestor
Local do C40, a Coordenadoria do Quadrilátero Saúde/Direito da USP e o Instituto Saúde e Sustentabilidade,
teve a iniciativa de elaborar o documento Carta de Recomendações em Saúde, São Paulo C40 2011, para
ser entregue aos prefeitos das megacidades na São Paulo C40 Large Cities Climate Summit, em junho de 2011.
A reunião tem o objetivo de propor políticas de mitigação e adaptação para auxiliar as cidades na redução de
GEE e programas de energia limpa e energia eficiente, que serão seguidos por todas as cidades signatárias .O
documento foi elaborado por 78 autores, onde assinalam os cobenefícios imediatos à saúde resultantes das
medidas práticas para o combate da emissão dos GEE nas cidades. O intuito do documento é chamar a atenção
para a saúde do homem nas cidades, seus moradores, e estimular os governantes a adotarem políticas que os
incluam.
Por causa desta iniciativa, pela primeira vez o tema Saúde Humana foi incorporado de forma incisiva
na programação do evento.
No documento estão listadas evidências científicas e extensa bibliografia sobre as práticas que poderão
contribuir de modo mais efetivo para mitigar o efeito estufa enquanto promoverão, também, a melhora da
saúde humana. Também inclui dados como a ampliação da eficiência econômica, redução de custos com
tratamentos de saúde, redução de custos de seguridade social e a ampliação da disponibilidade de recursos
orçamentários para investimentos em programas diversos.
O documento pode ser acessado na íntegra no website: http://www.saudeesustentabilidade.org.br/html/
comunicacao/noticias/0034_carta_recomendacoes_saude_sp_c40.html
75
Alguns dados descritos no documento Carta de Recomendações em Saúde, São Paulo C40 2011 são
reproduzidos a seguir:
As medidas propositivas que trazem cobenefícios descritas no documento relacionam-se principalmente
às áreas de transporte, energia doméstica e consumo de carne nas cidades: 1) redução do uso do transporte
individual (motocicleta ou automóvel privados); 2) aumento do transporte ativo (caminhada e ciclismo); 3)
diminuição da poluição dentro das casas pela queima de biomassa; 4) geração de eletricidade a partir de fontes
renováveis ou de outras fontes de baixo carbono, ao invés de combustíveis fósseis; e 5) redução do consumo
de produtos de origem animal em centros urbanos.
Em relação à melhoria da qualidade do ar, medidas que priorizem a redução dos poluentes acarretam
benefícios imediatos, como a prevenção e redução da incidência de doenças respiratórias, cardiovasculares,
problemas oftálmicos, câncer, doenças reprodutivas e outras doenças crônico-degenerativas, diabetes,
sedentarismo, obesidade e a redução dos acidentes de trânsito.
A poluição atmosférica urbana provoca cerca de 1,2 milhões de mortes todos os anos no mundo e 6,4
milhões de anos de vida perdidos por morte prematura, devido a três desfechos principais: câncer do pulmão
e vias aéreas superiores; arritmias e infarto agudo do miocárdio; e bronquite crônica e asma. Alarmantes
estimativas globais atribuem aos efeitos da poluição do ar cerca de 3% dos óbitos por doenças cardiopulmonares,
5% dos cânceres de pulmão e 3% dos óbitos em crianças até cinco anos de idade. Na cidade de São Paulo
ocorrem aproximadamente 4.000 mortes ao ano e uma redução de 1,5 anos de vida, com custos que podem
chegar a mais de um bilhão de dólares. Há maior risco de morte por doenças cardiovasculares e respiratórias
em áreas de ilhas de calor mais intensas.
Cidadãos do mundo consomem 68 milhões de veículos ao ano!
Em vista da magnitude do risco e da exposição da população, a poluição atmosférica e tráfego juntos são
a primeira ameaça para infarto do miocárdio dentre os fatores de risco evitáveis (tais como stress, tabagismo,
exercício físico e outros).
Em Londres e Nova Delhi medidas de estímulo à mobilidade ativa, como o ciclismo e caminhada, bem
como adoção de motores de baixa emissão, reduziram as doenças cardíacas e isquemia cerebral entre 10 a
20%, câncer de mama em 13%, demência em 8% e depressão em 5%.
Nos Estados Unidos, o Smart Growth Network mostrou que nas cidades mais espraiadas há maior
incidência de obesidade na população, devido, entre outras razões, à dependência do uso do automóvel.
O Metrô de São Paulo, como alternativa modal de alta capacidade movida à energia elétrica, reduz as
emissões de poluentes em 75% e o risco de mortalidade cardiorrespiratória de sua população, com um ganho
de US$ 36 a 50 milhões/ano com as mortes evitadas. Além disso, constatou-se a redução de 30% no tempo de
viagem do usuário, que, em 2010, permitiu um ganho de mais de 575 milhões de horas e a redução de 13 mil
acidentes de trânsito, com economia de R$ 138 milhões com saúde.
Em 2007, constatou-se 14,7 mortes por acidentes de trânsito para cada 100 mil hab/ano na RMSP.
Dentre estas, destacam-se 39% do acidentes com pedestres, 20,6% com motociclistas, 10,5% em ocupantes de
automóveis e 3 % com ciclistas.
76
Como consequência do aumento da frota de motocicletas na cidade de São Paulo, os acidentes de
trânsito aumentaram e passaram a ocupar a 6ª posição de causa de morte para o sexo masculino em 2009.
Óbitos por motocicleta passaram de 3,4% em 1998 para 23,4% em 2008. Além do alto índice de acidentes, a
moto emite 13g de CO por km rodado, enquanto o carro emite 0,5g/km rodado.
Todos os anos a poluição do ar causada pela queima de biomassa para cozinhar no interior das casas é
responsável pela morte de 1,6 milhão de pessoas (2/3 de crianças) por pneumonia, doença respiratória crônica
e câncer de pulmão. É quarta causa de mortalidade em países em desenvolvimento, estando à sua frente apenas
desnutrição, sexo inseguro e saneamento inadequado. No Nordeste há fogões a lenha em mais de 60% das
casas. Foi estimado que um programa na Índia, objetivando a instalação de 150 milhões de fogões com baixa
emissão em substituição dos atuais fogões a lenha ou fogueiras a céu aberto, evitaria a morte prematura de 2
milhões de pessoas. No Brasil, é importante ressaltar a queima de canaviais, causando níveis de poluição e
danos a saúde similar aos da cidade.
Custos de Saúde devido aos danos do uso de combustíveis fósseis foram estimados para Xangai: US$
730 milhões; Cracóvia: US$ 87 milhões e Santiago: US$ 780 milhões.
Caso todos os veículos a gasolina e todos os ônibus a diesel passassem a usar etanol em um ano, haveria
a redução das internações hospitalares e da mortalidade com economia de US$ 43,10 e US$ 1463,46 milhões,
respectivamente.
O atraso em 4 anos no descumprimento da exigência de implementação do diesel com 50 partículas por
milhão de enxofre no Brasil poderá custar a vida de cerca de 14 mil pessoas, representando um ônus de US$
1,8 bilhão aos cofres públicos.
A implantação do Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores - Proconve
na RMSP reduziu, entre 1996 e 2005, em 30% a poluição do ar, prevenindo 50 mil mortes no período e
economizando US$ 4,5 bilhões por conta dos gastos evitados com saúde, além da diminuição do consumo de
energia e redução dos GEE.
A redução na produção de alimentos de origem animal pode fornecer uma contribuição efetiva
para diminuir as emissões e o consumo de produtos animais, que por sua vez reduzem em quase 20% as
conseqüências para doença isquêmica do coração.
Sobre o planejamento urbano, ocupação e preservação ambiental do solo e mudança de clima urbano,
os co-benefícios imediatos em saúde respondem às medidas que priorizem: promoção e a reordenação
territorial (princípios da cidade compacta); permeabilização do solo, diminuição de ilhas de calor (alteração
do microclima); estabilização de encostas em áreas de alta declividade; priorização da desocupação de áreas
de risco pela população vulnerável; redução de enchentes; atenção ao sistema de previsão e de comunicação
meteorológica e aos sistemas de alerta para desastres naturais; ampliação, preservação e proteção de áreas verde
urbanas, arborização, e priorização da manutenção das áreas de preservação permanente com recomposição da
mata ciliar levarão aos seguintes cobenefícios em saúde: melhora do desconforto térmico, evitando-se doenças
cardiovasculares; redução das doenças de veiculação hídrica, tais como doenças diarreicas, leptospirose,
hepatite A e dengue, redução dos desabrigados por enchentes; diminuição de doenças infecciosas pela
77
proliferação de vetores como a dengue; redução de acidentes com traumas e mortes em desastres naturais e
socioambientais; redução das desordens comportamentais e psicológicas (distúrbios psicológicos, violência,
depressão, síndrome do pânico, psicossociais).
O escorregamento de encostas em áreas de risco é a primeira causa de mortes por desastres no Brasil,
seguida por inundações.
A cidade São Paulo tem aproximadamente 30% de sua população vivendo em favelas e habitações
precárias, que ocupam quase sempre áreas inadequadas para o assentamento habitacional. Concentrações
significativas de áreas de escorregamentos ocorrem principalmente nesses locais. Dentre os acidentes naturais
que ocorrem no Brasil, os escorregamentos são os que causam o maior número de mortes. Dados levantados
pelo Núcleo de Monitoramento de Riscos Geológicos do IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado
de São Paulo mostraram um total de 2.246 mortes por escorregamentos no Brasil, no período de 1988 a 2009.
Um estudo realizado para a cidade de São Paulo mostra que a partir do 14° dia, se estendendo até o
18° após a ocorrência de um temporal com inundação e enchentes, há um pico no número de internações por
leptospirose. Variações de precipitação de chuva entre 20 a 140 mm em São Paulo aumentam o número de
internações entre 15,6% e 142%. Para cada 20 mm de precipitação, há um aumento não linear de 31,5% na
taxa de internação por leptospirose, principalmente nas áreas mais pobres e vulneráveis.
A umidade relativa abaixo de 30% por 11 dias consecutivos (evento climático extremo) em São Paulo
mostrou que o risco de morte por doenças cardiovasculares aumentou de 0,26% para 0,64% e o risco relativo
de 0,45 para 0,92. Este resultado foi significativo, pois as análises foram feitas controlando os efeitos dos
poluentes, ou seja, foi medido o efeito isolado do parâmetro umidade relativa do ar.
Um evento meteorológico extremo matou 32 pessoas idosas por causa do forte calor ocorrido em
fevereiro de 2010, em Santos‐SP. Neste episódio, a temperatura atingiu 39ºC e a umidade 21%, condição
meteorológica atípica. Episódios extremos de temperatura provocam alterações de mecanismos de regulação
endócrina, de arquitetura do sono, de pressão arterial e do nível de estresse, atingindo principalmente pessoas
acima de 65 anos e abaixo dos 5 anos de idade.
Finalizando, na íntegra, um parágrafo do documento:
“O presente documento, fruto do trabalho coletivo de pesquisadores de várias áreas do conhecimento,
visa explorar estes co-benefícios no cenário urbano. A expectativa é que estes benefícios, expressos tanto
em termos de melhora de saúde da população, como também de custos de saúde evitados, possam facilitar a
adoção de políticas sustentáveis pelas autoridades municipais, bem como sirvam de argumento adicional para
a adoção de hábitos sustentáveis pelo ser humano.”
78
AUTORES:
Adriana dos Santos Carneiro Alcir Vilela Junior Alfred Szwarc Ana Carolina Corberi Famá A. e Silva Ana Maria Maniero
Moreira André Palhano Andrea Ferraz Young Angela Maria Branco Antônio Carlos Magnanelli Cacilda Bastos Pereira da Silva
Caio Boucinhas Camila Márcia Villegas Carolina Bernardes Carolina Tavares Canhisares Clarice Umbelino de Freitas Cleber
de Souza Cordovil Cleide Lopes Cristina Guarnieri Daniel Gouveia Tanigushi Denis D. Tomás Diogo Mello Ferreira Edelci
Nunes da Silva Elizabeth Teixeira Lima Emilia Wanda Rutkowski Evangelina da M. P. A. A. Vormittag Flávia Saldanha - Corrêa
Flávio Francisco Vormittag Getúlio Martins Gina Rizpah Besen Helena Ribeiro Inês Suarez Romano Jesuino Romano João
Múcio Amado Mendes João Vicente de Assunção Juliana Cristina Mansano Furlan Laís Fajersztajn Ligia Vizeu Barrozo Lucia
Bógus Luciane Locatelli Luiz Alberto Amador Pereira Luiz Antonio Cortez Ferreira Marcel Oliveira Bataiero Marcella Ody
Piva Marcia Monteiro Alves Fernandes Maria Cecilia Loschiavo Maria de Fátima Andrade Marina Jorge de Miranda Mario Maia
Bracco Micheline S. Z. S. Coelho Natacha Aleixo Nelson Gouveia Neuzeti Maria dos Santos Olímpio de Melo Alvares Junior
Patricia Iglecias Paulo Afonso de André Paulo Saldiva Ricardo Moretti Ricardo Prist Rogério Araújo Christensen Rosana Oba
Roseane M. Garcia Lopes de Souza Rubens Harry Born Rubens José Mário Júnior Samanta Del Vecchio Nunes Silvana Zioni
Silvio Figueiredo Simone Georges El Khouri Miraglia Sofia Lizarralde Oliver Suzana Pasternak Sylmara Gonçalves-Dias Tatiana
Tucunduva P. Cortese Telma de Cássia dos Santos Nery Thais Mauad Ubiratan de Paula Santos Vera Lucia Anacleto Cardoso
Allegro Walter José Senise Wanda Maria Risso Gunther Wolney Castilho Alves
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81
REFLEXÕES SOBRE AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS NA CIDADE DE SÃO
PAULO
Emília Satoshi Miyamaru Seo1, Eduardo Antonio Licco1 e Luciana Mara Ribeiro
Marino1
O adensamento populacional é um dos fatores constituintes como fonte de calor. Hoje, se visualizarmos
as ocupações urbanas do Brasil, é notável que cerca de 80% dos brasileiros vivem em área urbana distribuídos
de forma fragmentada provocando degradação ambiental e desigualdade social. Não é tão diferente quando
se trata da Região Metropolitana de São Paulo – RMSP, com uma área de 8.051 km2, somente no município,
abriga cerca de 60% de habitantes, que a infere em uma área mais quente do Brasil.
Outras conseqüências resultantes do adensamento populacional é a circulação de mais veículos na
região, mais consumo de energia, mais habitações e entre outras. Atualmente, a região Metropolitana de São
Paulo conta com mais de 40 mil indústrias e 8,1 milhões de veículos individuais e 30,5 milhões de transportes
coletivos. Tais dados explicitam a presença de alta concentração de poluentes atmosféricos constituídos, em
geral, em torno de 40% de particulados e 31% do dióxido de enxofre advindos de veículos a combustão e 10%
particulados e 67% das emissões de SO2 provenientes das indústrias.
Neste contexto, embora os benefícios sociais e econômicos sejam ampliados por uso de fontes móveis
(veículos) e estacionárias (indústrias), os contaminantes atmosféricos são prejudiciais à saúde humana, por
exemplo, a exposição das vias aéreas ao ozônio causa danos ao sistema respiratório; e, as exposições ao longo
prazo pode vir a provocar complicações cardiovasculares. Além disso, a presença de aerossol secundário
(nitratos e sulfatos) e gases oxidantes (ozônio) poderão aumentar a mortalidade. Nos centros da cidade,
geralmente mais poluídos, a influência meteorológica é significativa, pois tais condições interferem na
dispersão dos poluentes, conseqüentemente ocasionando o aprisionamento dos poluentes nas camadas mais
baixas da atmosfera.
Se observarmos a arquitetura das edificações nos centros da cidade de São Paulo, edifícios próximos
uns dos outros, ruas estreitas e pavimentações das ruas, são fatores preponderantes da formação de ilha urbana
de calor, pois a circulação de ar é menor.
Neste cenário, o desenvolvimento das grandes metrópoles tem como uma de suas principais
conseqüências negativas o aquecimento excessivo de seus espaços. A construção do ambiente urbano em base
a concreto e asfalto, a redução das áreas verdes, o adensamento populacional e a poluição do ar dão origem às
chamadas “ilhas de calor”.
O termo “ilha de calor” descreve áreas construídas que são mais quentes do que áreas rurais próximas,
que podem afetar as comunidades através do aumento da demanda de energia elétrica no verão, das despesas
1
Centro Universitário Senac
82
com ar condicionado, das emissões poluidoras do ar (incluindo gases de efeito estufa), dos índices e morbidade
e mortalidade relacionados ao calor e, na qualidade da água.
Conforme as áreas urbanas se desenvolvem, ocorrem alterações em sua paisagem. Edifícios, estradas
e outras infra-estruturas substituem espaços abertos e vegetação. Superfícies que antes eram permeáveis e
úmidas se tornam impermeáveis e secas. Essas mudanças fazem com que regiões urbanas se tornem mais
quente do que seu entorno rural, formando uma “ilha” de temperaturas mais elevadas na paisagem.
Ilhas de calor ocorrem junto da superfície do solo e na atmosfera. Em um dia quente, ensolarado, de
verão, o sol pode aquecer superfícies expostas secas, como telhados e pavimento, a temperaturas que variam
de 27 a 50 °C mais quente que o ar, enquanto superfícies úmidas, sombreadas, mais freqüentes em áreas rurais,
permanecem próximos à temperatura do ar. Ilhas urbanas de calor de superfície são identificadas de dia e de
noite, mas tendem a ser mais fortes durante o dia quando o sol está brilhando.
Em contraste com as Ilhas urbanas de calor de superfície, as ilhas urbanas de calor atmosférico são
fracas durante o final da manhã e durante todo o dia e tornam-se mais pronunciadas depois do por do sol,
devido à liberação lenta do calor da infra-estrutura urbana. A temperatura média anual do ar de uma cidade
com 1 milhão de pessoas ou mais pode ser de 1 a 3°C mais quente do que seus arredores. À noite, a diferença
pode chegar 12°C.
É perceptível que o município de São Paulo apresenta temperaturas diferenciadas em toda a sua
área, ora a concentração maior de ilhas de calor em uma determinada área, inversões térmicas localizadas,
bolsões de poluição e diferenças locais nos comportamentos dos ventos, que favorecem a aumentar o índice
de mortalidade.
Soma-se ainda, os processos de alagamentos localizados de forma generalizada em diversos pontos da
RMSP, no período de chuvas, principalmente, por motivo das deficiências do sistema de drenagem urbano.
Para população que reside na periferia, que normalmente vive em ambientes de maior risco, inundações e
deslizamentos de terra devem atingi-la com maior intensidade.
Ainda, os resíduos domiciliares gerados na RMSP, cerca de 6000 famílias lançam esses resíduos nos
cursos d água ocasionando para sua obstrução e assoreamento. O Rio Tietê que possui declividade do leito
menor, por fim, recebe detritos sólidos arrastados pelas enxurradas.
Sumariamente, os efeitos das mudanças climáticas somente serão sentidos pela população da RMSP
se houver quebra da produção agrícola e industrial, redução da disponibilidade hídrica, destruição da infra
estrutura (inundações), etc.. Conseqüentemente, surgem graves riscos à saúde da população, de uma forma ou
outra onerando os orçamentos públicos.
O aumento das temperaturas durante o dia, resfriamento noturno reduzido, e níveis mais elevados de
poluição do ar, em associação com as ilhas de calor urbano podem afetar a saúde humana, contribuindo para
o desconforto geral, dificuldades respiratórias, fadigas de calor e exaustão, AVC não-fatais, e mortalidade
relacionada ao excesso de calor. Ilhas de calor também podem exacerbar o impacto de ondas de calor, que são
períodos de tempo anormalmente quente e, muitas vezes, úmido. Populações mais vulneráveis, como crianças,
idosos e aqueles com problemas de saúde existentes, estão particularmente em risco nesses eventos.
83
Episódios de calor excessivo, ou o aumento da temperatura abrupta são particularmente perigosos e
podem resultar em taxas de mortalidade acima da média. Os Centros de Controle de Doenças norte americanos
estimam que de 1979 a 2003, a exposição excessiva ao calor contribuiu para mais de 8.000 mortes prematuras
nos Estados Unidos. Este número excede o número de mortes resultantes de furacões, raios, tornados,
enchentes, terremotos e combinados.
No caso da capital paulista, segundo dados da UNESP, houve um aumento da temperatura de
aproximadamente 1,2ºC desde os anos 1950, época de início da intensa industrialização experimentada pelo
município.
Em face deste quadro, medidas devem ser tomadas para a construção de uma cidade sustentável
buscando melhorias sociais, econômicos e ambientais.
Inserido neste cenário, estudos e pesquisas devem ser ampliados pensando em um São Paulo sustentável,
minimizando as suas vulnerabilidades, em particular quanto a modelagem do clima e quantificação de
benefícios decorrentes de medidas de adaptação às mudanças climáticas. Além disso, as instituições públicas
e privadas da RMSP deverão buscar soluções para os impactos e perigos, ou seja, controle sobre construções
em áreas de risco, investimentos em transportes coletivos, proteção aos recursos naturais e criação de áreas de
proteção ambiental nas áreas de várzeas de rios, etc..
Soluções Sustentáveis
Na era do aquecimento global, em que os efeitos ambientais se fazem sentir de forma acentuada, nada
mais acertado do que investir em tecnologias capazes de resolver problemas de forma sustentável. Tipicamente,
a mitigação das ilhas de calor é parte das técnicas para sustentabilidade de uma cidade, assim como o são o
controle da qualidade do ar e da água ou, de forma geral, o saneamento ambiental. Medidas para reduzir
ilhas de calor variam de iniciativas voluntárias, tais como projetos de demonstração de pavimentos frios, até
políticas públicas, como a exigência de telhados frios via códigos de construção. A maioria das atividades
para mitigação das ilhas de calor tem múltiplos benefícios, incluindo uma melhor qualidade do ar, melhoria
nas condições da saúde humana e conforto e, redução na demanda de energia, com conseqüente redução nas
emissões de gases de efeito estufa.
•
•
•
•
Destacamos quatro estratégias básicas para reduzir os efeitos das ilhas de calor:
Aumentar a quantidade de árvores e de cobertura vegetal;
Promover a implantação de telhados verdes (também chamado de “jardins suspensos” ou “ecotelhados”);
Privilegiar a instalação telhados frios e reflexivos;
Utilizar pavimentos frios.
84
Formação Sustentável
Considerando as condições sociais, econômicas e ambientais atuais, de caráter local e regional e a contínua
busca por uma educação inovadora, o Centro Universitário Senac estabeleceu objetivos de ensino e de pesquisa
institucional ligados a uma contribuição socioambiental de relevância imediata, que promovam a integração das áreas
de conhecimento da Instituição. Dentre suas áreas de pesquisa está a Sustentabilidade, com projetos focados em estudos
e pesquisas aplicadas envolvendo técnicas e tecnologias para sustentabilidade, bem como estratégias e instrumentos
de gestão voltados à sustentabilidade, tanto no âmbito das políticas públicas como na gestão empresarial. Dentre estes,
destacam-se dois projetos cujos objetivos estão intimamente ligados à mudanças climáticas e saúde: “Telhados Verdes”:
uma análise de viabilidade para aplicação em moradias uni familiares da metrópole paulistana” e “Construção Verde
e Arquitetura Bioclimática: Um estudo preliminar de ventilação e iluminação naturais em moradias uni familiares no
meio urbano”.
O tema Mudanças Climáticas e Saúde também é debatido nos cursos de Engenharia Ambienta, Bacharelado em
Administração com ênfase em Gestão para Sustentabilidade e de Superior de Tecnologia em Gestão Ambiental.
A publicação de uma edição temática da Interfacehs - Revista Científica de Saúde, Meio Ambiente e
Sustentabilidade, com o tema “Mudanças Climáticas e Saúde”, em parceria com o Instituto Saúde e Sustentabilidade,
também faz parte do conjunto de ações da Instituição para trazer o tema para discussão no processo de qualificação de
nossos alunos. A edição conta com renomados autores que apresentam dados atuais e de grande qualidade, permitindo
que os leitores tenham acesso ao conhecimento da área, fomentando discussões e análises críticas em torno do tema.
Visando enriquecer ainda mais a formação de nossos alunos, a Instituição ainda realizará um Seminário sobre
Mudanças Climáticas durante a Semana Nacional da Ciência e Tecnologia.
O trabalho conjunto com instituições conceituadas como o Instituto Saúde e Sustentabilidade tem sido fundamental
no desenvolvimento de ações que contribuem com uma formação atual de qualidade dos futuros profissionais que
atuarão na promoção de saúde e sustentabilidade para a sociedade.
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Impactos da mudança climática na qualidade da água da superfície em relação à
produção da água de beber1
I. Delpla, A.-V. Jung, E. Baures, M. Clement, O. Thomas2
Resumo
Além dos impactos da mudança climática sobre a disponibilidade de água e riscos hidrológicos, as conseqüências
na qualidade da água estão apenas começando a ser estudadas. Esta análise tem por objetivo propor uma
síntese das mais recentes literaturas interdisciplinares existentes sobre o tópico. Após uma rápida apresentação
sobre o papel dos principais fatores (aquecimento e conseqüências de eventos extremos) os quais explicam os
efeitos da mudança climática na qualidade da água, o enfoque é dado a dois pontos principais. Em primeiro
lugar, são considerados os impactos na qualidade da água dos recursos (rios e lagos) que modificam os valores
dos parâmetros (parâmetros físico-químicos, de micropoluentes e biológicos). Em seguida, são discutidos os
impactos esperados na produção da água de beber e na qualidade da água fornecida.
A principal conclusão que pode ser tirada é que a tendência à degradação da qualidade da água de beber no
contexto da mudança climática leva a um aumento de situações de risco relacionadas ao impacto à saúde em
potencial.
Palavras-chaves: Mudança climática, Qualidade da água, Aquecimento, Eventos extremos, Inundações,
Estiagens, Carbono orgânico, Nutrientes, Micropoluentes, Cianotoxinas
© 2009 Elsevier Ltd. Todos os direitos reservados.
Índice
1. Introdução. . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2. Impactos nos parâmetros da qualidade da água . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . 1226
2.1. Parâmetros básicos . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.2. Matéria orgânica dissolvida . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.3. Nutrientes . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2.4. Micropoluentes inorgânicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.5. Micropoluentes orgânicos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.6. Patógenos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.7. Cianobactéria e cianotoxinas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2.8. Indicadores de qualidade da água. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
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Versão traduzida do artigo: “I “Impacts of climate change on surface water quality in relation to drinking water production” - I. Delpla,
A.-V. Jung, E. Baures, M. Clement, O. Thomas et al. / Environment International 35 (2009) 1225–1233.
2
Correspondência para o autor. Tel.: +33 2 99 02 29 20; fax: +33 2 99 02 29 29.
E-mail: [email protected] (O. Thomas).
0160-4120/$ – veja introdução © 2009 Elsevier Ltd. Todos os direitos reservados.
doi:10,1016/j.envint.2009.07.001
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2.9. Síntese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3. Impactos esperados na produção da água de beber . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . 3.1. Determinantes de SPDs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . .
3.2. Potenciais impactos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . 3.3. Monitoramento e modelo de impactos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.4. Síntese . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4. Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . Agradecimentos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . 1229
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1. Introdução
Inundações e estiagens são os principais impactos da mudança climática sobre a disponibilidade de
água. Além desses impactos quantitativos, a qualidade da água da superfície é também afetada pela mudança
climática. Por exemplo, parece óbvio que a estiagem pode implicar pelo menos na modificação da superfície
ou na qualidade da água subterrânea (concentração), provocando às vezes racionamento no abastecimento de
água. Se a retração da água da superfície pode ser diretamente afetada pela degradação da qualidade da água,
o bombeamento de poços pode ser interrompido por razões sanitárias (qualidade da água subterrânea), bem
como por razões de segurança (ameaças de inundações). Entretanto, embora esses fatos sejam bem conhecidos,
até recentemente poucos trabalhos científicos sobre impactos da mudança climática na alteração da qualidade
da água haviam sido publicados.
A mudança climática não é, de fato, o único fator que afeta a qualidade da água.
Integrada ao conceito de mudança global, a evolução do uso da terra, desflorestamento, expansão
urbana e impermeabilização da área podem também contribuir para a degradação da qualidade da água.
Porém, mais frequentemente, a poluição da água está diretamente relacionada a atividades humanas de
origem urbana, industrial ou agrícola, e a mudança climática poderá levar à degradação da qualidade da
água da superfície como consequência indireta dessas atividades. Quando a poluição de origem pontual foi
reduzida em muitos países (embora as plantas de tratamento da água servida comecem a atingir seus limites
de capacidade) os impactos da mudança do clima (global) poderiam tender a aumentar a poluição difusa com,
por exemplo, fuga agrícola ou urbana. Os determinantes da mudança climática que afetam a qualidade da
água são principalmente a temperatura ambiente (ar) e o aumento de eventos hidrológicos extremos. Ciclos de
secagem e reumedecimento do solo e aumento da radiação solar também podem ser considerados.
Em primeiro lugar, a temperatura (em geral) deve ser vista como o principal fator a afetar praticamente
todos os equilíbrios físico-químicos e as reações biológicas. É bem conhecido que todas as “constantes” físicoquímicas variam com a temperatura, e frequentemente aumentam as reações endotérmicas. De acordo com a
relação de Arrhenius, a cinética de uma dada reação química pode ser dobrada aumentando-se a temperatura
em 10 °C.
Consequentemente, diversas transformações ou efeitos relacionados à água serão favorecidos pelo
aumento da temperatura da água, tais como dissolução, solubilização, complexação, degradação, evaporação,
87
etc. Esses fenômenos globalmente levam ao aumento da concentração de substâncias dissolvidas na água,
mas também à diminuição da concentração de gases dissolvidos. Este último ponto é muito importante com
respeito ao oxigênio dissolvido na água. Efetivamente, sua concentração de saturação diminui em quase 10%
com aumento de 3 °C (10 mg/L a 15 °C). Lembrando que, qualquer que seja o cenário do IPCC, a média global
da temperatura do ar deverá aumentar entre 1,8 e 4,0 °C (Bates et al., 2008) durante o século XXI. Além disso,
é esperada a tendência à estiagem no verão, particularmente nos subtrópicos, a baixa e média latitudes, além
de aumentos de eventos extremos em geral (Bates et al., 2008).
Inundações e estiagens também modificarão a qualidade da água, por efeito direto da diluição ou
concentração de substâncias dissolvidas. Para rios de pequena vazão, o principal efeito na qualidade da água é
quanto ao aumento da temperatura, aumento da concentração de substâncias dissolvidas na água e diminuição
na concentração do oxigênio dissolvido (Prathumratana et al., 2008; Van Vliet e Zwolsman, 2008). Um efeito
positivo correlativo é a diminuição da concentração de alguns poluentes devido à baixa velocidade da água
(assimilação de nutrientes por plantas aquáticas e adsorção/ complexação de metais pesados na matéria
suspensa e sedimento).
Esses fenômenos serão aqui detalhados posteriormente. Para chuvas torrenciais e fortes condições
hidrológicas, o escoamento e o transporte de materiais sólidos são as principais consequências. Para países de
zona temperada, a mudança climática diminuirá o número de dias chuvosos, mas aumentará o volume médio
de cada evento de chuva (Brunetti et al., 2001; Bates et al., 2008). Como consequência, os ciclos de secagemreumedificação podem impactar a qualidade da água, uma vez que aumentam a decomposição e o fluxo de
matéria orgânica nos rios (Evans et al., 2005).
O aumento da radiação solar poderá também alterar a qualidade da água e especialmente as características
da matéria orgânica natural em sistemas de água doce tanto por aquecimento quanto por radiação UVB
(aumentando a fotólise) (Soh et al., 2008). A fototransformação deve ser seriamente levada em consideração
ao avaliar a possibilidade de formação de produtos de transformação por UV, a partir de micropoluentes
orgânicos, como por exemplo, os farmacêuticos (Canonica et al., 2008). Muitos documentos consideram os
farmacêuticos como substâncias foto-reativas. (Boreen et al., 2003; Buerge et al., 2006; Petrovic e Barceló,
2007).
Este documento tem por objetivo analisar os principais impactos nos parâmetros da qualidade da água,
geralmente descritos para a água da superfície (rios e lagos), e os impactos esperados na produção da água de
beber.
2. Impactos nos parâmetros da qualidade da água
Os parâmetros da qualidade da água podem ser classificados de acordo com i) parâmetros físicoquímicos básicos (temperatura, pH, oxigênio dissolvido, matéria orgânica dissolvida…) e nutrientes, ii)
micropoluentes (inorgânicos e orgânicos) incluindo metais, pesticidas e farmacêuticos, e iii) parâmetros
biológicos com microorganismos patógenos, cianobactéria e agentes da qualidade da água (Tabela 1).
88
89
2.1. Parâmetros básicos
Tem-se observado uma elevação na temperatura da água da superfície desde os anos de 1960 na
Europa, América do Norte e Ásia (0,2 a 2 °C), principalmente devido ao aquecimento atmosférico relacionado
ao aumento da radiação solar (Bates et al., 2008). Nos rios europeus, Zwolsman e van Bokhoven (2007),
e VanVliet e Zwolsman (2008) observaram um aumento médio na temperatura da água em torno de 2 °C
respectivamente nos rios Rhine e Meuse, após a grave estiagem de 2003, com aumento de pH (refletindo em
uma redução na concentração de CO2) e redução na solubilidade do oxigênio dissolvido (OD) refletindo em
menor solubilidade do OD em temperaturas mais altas da água. A redução no OD também pode ser associada ao
aumento na assimilação do OD da matéria orgânica biodegradável por microorganismos (ligados ao aumento
de carbono orgânico dissolvido (COD)) (Prathumratana et al., 2008). No mesmo estudo que trata da qualidade
da água da superfície na parte mais baixa do Rio Mekong, significativas correlações negativas foram, de forma
geral, encontradas entre as precipitações (ou fluxo de descarga) e OD, pH e condutividade (de 0,2 a 0,9).
Em muitos lagos da Europa e América do Norte, o período estratificado teve duração de 2 a 3 semanas e as
temperaturas da água subiram de 0,2 a 1,5 °C, tendo influência na estratificação térmica (Komatsu et al., 2007)
e nos lagos hidrodinâmicos (Bates et al., 2008). Modelos computadorizados previram um aumento em torno
de 2 °C para 2070 em lagos europeus, embora essa elevação também dependa das características do lago e da
estação (George et al., 2007;Malmaeus et al., 2006). Foi demonstrado que lagos rasos seriam provavelmente
os mais vulneráveis à mudança climática. As temperaturas da água exercem impacto nos processos internos do
lago, como difusão, mineralização e mistura vertical (Malmaeus et al., 2006). O tempo de residência dos lagos
provavelmente aumentarão no verão em 92% em 2050 para lagos com curto tempo de residência George et al.
(2007). Foi também previsto que especialmente os lagos rasos terão aumento de temperatura no epilímnion e
hipolímnion durante o verão (Jöhnk et al., 2008), embora os lagos artificiais (nos Países Baixos) respondam
até mais diretamente às variações climáticas (Mooij et al., 2005).
Contudo, lagos mais profundos são mais sensíveis ao aquecimento climático a longo prazo, devido a
sua maior capacidade de armazenar calor e consequentemente apresentará temperaturas mais altas no inverno
(George et al., 2007). Um aumento em temperatura da água tem também um impacto nos processos químicos
dos lagos, com aumentos em pH e maior geração de alcalinidade (Psenner e Schmidt,1992). Com relação aos
impactos do aumento previsto nas precipitações de inverno nas águas dos lagos, eles dependem das dimensões
do lago. Pequenos lagos com menor tempo de residência serão particularmente sensíveis à mudança decorrentes
das chuvas (George et al., 2007).
2.2. Matéria orgânica dissolvida
A matéria orgânica dissolvida (MOD) afeta o funcionamento do ecossistema aquático devido a sua
influência na acidez, transporte de metais vestigiais, absorção da luz e fotoquímica e fornecimento de energia e
nutrientes (Evans et al., 2005). A principal fonte da MOD na água da superfície é a lixiviação do solo (Hejzlar
et al., 2003). Além disso, foi demonstrada uma relação espacial positiva entre o escoamento de carbono
90
orgânico dissolvido (COD) e áreas de terra úmida como turfeiras (Evans et al., 2005). Desde os anos de 1980,
vários estudos apresentaram significativos aumentos de COD na Europa Setentrional (Evans et al., 2005;
Monteith et al., 2007; Worrall et al., 2004), Europa Central (Hejzlar et al., 2003) e América do Norte (Monteith
et al., 2007). Muitos fatores potenciais (temperatura do ar, aumento na intensidade das chuvas, aumento de
CO2 atmosférico e declínio na deposição de ácido) foram propostos para explicar essas tendências de COD,
embora não houvesse consenso científico. Evans et al. (2005) mostraram que a recuperação da acidificação e
a temperatura da água são os principais condutores, uma vez que muitos compostos que participam do COD
são ácidos. Efetivamente, foi observada uma redução na deposição ácida, decorrente parcialmente da redução
das emissões de enxofre antropogênico (indústrias, transporte de passageiros/mercadorias...) (Monteith et al.,
2007; Evans et al., 2008). Isso teria provocado um aumento no pH do solo e consequentemente um aumento
nos ácidos orgânicos permitidos pelas novas condições de oxi-redução. Contudo, as tendências de COD
são provavelmente resultantes da combinação de vários fatores, incluindo a deposição ácida, uma vez que
o aumento nas tendências começou em poucos locais antes da redução na deposição ácida (Worrall e Burt,
2007).
De acordo com Clark et al. (2008), uma variação na vazão pode ser um bom indicador de mudanças
na concentração de COD em córregos que drenam os solos organo-minerais, embora o mesmo seja falso
para solos turfosos (neste caso, a temperatura é melhor). Finalmente, Prathumratana et al. (2008) mostraram
que a DQO (Demanda Química de Oxigênio), usada como indicador de Matéria Orgânica Natural (MON),
apresenta correlações significativas, de fraca a moderada, com as precipitações e fluxo de descargas no Rio
Mekong (de 0,3 a 0,4).
Finalmente, Prathumratana et al. (2008) mostraram que a DQO (Demanda Química de Oxigênio),
usada como indicador de matéria orgânica natural (MON), possui correlações de fraca a moderada com as
precipitações (0,295 a 0,426) e fluxo de descargas (0,312 a 0,324).
2.3. Nutrientes
É esperado um aumento de mineralização de N no solo devido ao aumento na temperatura média do
solo (Ducharne et al., 2007). Além disso, as estiagens aumentam a concentração de carbono orgânico total
(COT) extraível do solo no inverno e o aquecimento aumenta o nitrato extraível no verão e outono e amônio
extraível no inverno. Um aumento moderado na temperatura do solo (primavera, verão e inverno) levaria a
um grande aumento da atividade enzimática. A temperatura está positivamente correlacionada com o processo
de nitrificação (aumentando a atividade da fosfotase e mobilização de P nos solos). Mudanças observadas
na atividade enzimática estão relacionadas diretamente ao efeito de aquecimento do solo que estimula a
atividade biológica e aumenta a disponibilidade de N (Sardans et al., 2008). O aquecimento do solo aumenta
a concentração de nitratos extraíveis do solo no verão e outono (perdas de N facilitadas) e concentração de
amônio extraível no inverno.
A qualidade das massas aquáticas está sujeita à sazonalidade climática que provoca um importante
91
impacto em seus padrões de nutrientes (Zhu et al., 2005). Um clima mais quente criará impactos indiretos nas
massas aquáticas, por exemplo, aumento de cargas de nutrientes na superfície e água subterrânea (Van Vliet
e Zwolsman, 2008) e neutralizará os efeitos da política de redução da carga de nutriente externo (Wilhelm
e Adrian, 2008). De fato, temperaturas mais altas aumentarão a mineralização e liberações de nitrogênio,
fósforo e carbono da matéria orgânica do solo. Além disso, um aumento no escoamento e erosão devido a
precipitações de maior intensidade resultará em aumento no transporte de poluentes, especialmente após o
período de estiagem. Concentrações mais altas de amônio podem ser observadas em rios com capacidade de
diluição reduzida causada pelas estiagens (Zwolsman e van Bokhoven, 2007; Van Vliet e Zwolsman, 2008).
Além disso, espera-se um aumento na liberação de fósforo de sedimentos basais em lagos estratificados,
devido à diminuição das concentrações de oxigênio nas águas de fundo (Wilhelm e Adrian, 2008).
Modelos e cenários climáticos regionais e globais são ferramentas úteis para produzir entradas de dados
para modelos hidrológicos, a fim de compreender e prever os efeitos em potencial da mudança climática nas
massas aquáticas. Um aumento na frequência da seca de verão pode levar a uma gradual mobilização do
nitrogênio nos solos que poderia ser conduzido para os córregos no início da estação chuvosa e provocar
concentrações de nitrato mais altas nos rios (Wilby et al., 2006). Ducharne et al. (2007) previram um aumento
na concentração de nitrato nas camadas aquíferas da bacia de Seine para os anos de 2050 e 2100 devido a
um aumento nas precipitações e consequentemente na lixiviação do solo. Kaste et al. (2006) e Arheimer et
al. (2005) respectivamente previram um aumento de 40–50% no fluxo de nitrato em 2070 –2100 nas bacias
hidrográficas norueguesas e um aumento em fósforo (50%) e nitrogênio (20%) em lagos. Correlações entre
precipitações, temperatura do ar, fluxo de descarga e fosfatos, nitratos e fósforo total (FT) no Rio Mekong
também foram observadas (Prathumratana et al., 2008). Esses resultados estão em conformidade com Bhat et
al. (2007) que descobriu que 73% do total da carga de nitrogênio de Kjeldhal em saídas de bacias hidrográficas
florestadas foram levados pelo escoamento superficial durante eventos de temporais. Drewry et al. (2009)
também encontrou correlações positivas entre FT, nitrogênio total, sólidos suspensos e fluxo. Foi também
sugerido que a maior parte do fósforo é adsorvida em sólidos suspensos.
Para lagos, concentrações mais altas de fosfato e amônio em hipolímnion são frequentemente
observadas durante o período de calor em países de clima temperado (Petterson et al., 2003). A mudança
climática impacta esses ecossistemas de várias maneiras: mudanças na temperatura, na camada de gelo, vento
e precipitação (Mooij et al., 2005). O escoamento da carga de P, comandada pela descargas que seguem as
chuvas torrenciais, tende a aumentar com a mudança climática e consequentemente terá um impacto nos lagos
(Mooij et al., 2005). Inversamente, as concentrações de nitrogênio em córregos são menos dependentes da
vazão (Mooij et al., 2005). Supõe-se que os aumentos de temperaturas reduzam as concentrações de nitrato
em lagos e aumentem o índice de desnitrificação e as perdas de N em solos situados rio acima e nas águas da
superfície (Mooij et al., 2005). Ao contrário, a carga interna de P aumenta graças à decomposição microbiana
dos sedimentos do lago (Jackson et al., 2007).
O acúmulo de fósforo hipolimnético solúvel depende da profundidade da termoclina e temperaturas
hipolimnéticas (Wilhelm e Adrian, 2008). De fato, temperaturas hipolimnéticas mais altas aumentam a
92
mineralização da matéria orgânicas hipolimnética e a liberação de fósforo dos sedimentos. Dramáticos pulsos
de nutrientes na zona eufótica podem ser observados após vagas de calor (Wilhelm e Adrian, 2008).
Consequentemente, a alternância de eventos de mistura e longa estratificação ameaça mais
especificamente os lagos polimíticos que os lagos dimíticos (Wilhelm e Adrian, 2008). Os aumentos de
P na camada superficial, que estimulam o crescimento de fitoplâncton (Jackson et al., 2007), causando a
eflorescência de algas e a deterioração da qualidade da água (Komatsu et al., 2007). Por último, com relação às
concentrações de Fósforo Total (FT), as temperaturas mais altas podem impactar principalmente os lagos com
longo tempo de residência (Malmaeus et al., 2006), muito embora, os índices de mudança nas concentrações
de fosfato e nitrato parecerem independentes da morfometria do lago (Weyhenmeyer, 2008).
2.4. Micropoluentes inorgânicos
Na Europa Ocidental, a concentração de metais nos rios sofreram grande redução na década passada
com os esforços de tratamento da água servida industrial e urbana. Contudo, as estiagens podem ter impacto na
qualidade da água dos rios (Zwolsman e van Bokhoven, 2007; Van Vliet e Zwolsman, 2008), dependendo das
propriedades dos compostos que podem ser tanto negativas quando positivas. Em primeiro lugar, concentrações
de bário, selênio e níquel significativamente mais altas foram observadas no Rio Meuse durante a estiagem de
2003 (Van Vliet e Zwolsman, 2008).
Opostamente, concentrações de chumbo total, cromo, mercúrio e cádmio significativamente mais
baixas foram medidas dentro do mesmo período. Essas diferenças se devem principalmente às desigualdades
entre as capacidades de adsorção dos sólidos suspensos, contudo existem discrepâncias entre os estudos.
Efetivamente, no Rio Rhine observou-se que as estiagens causam impacto negativo nas concentrações de
metal de cádmio, cromo, mercúrio, chumbo, cobre, níquel e zinco, que foram mais altas durante a estiagem de
2003 que durante os períodos de referência (Zwolsman e van Bokhoven, 2007).
Thies et al. (2007) estudaram a resposta das águas do lago alpino alto (Alpes) ao aquecimento climático
e observaram a liberação de soluto de gelo de geleira rochosa ativa. As águas da superfície sobre as pedras
metamórficas foram afetadas pela condução progressiva de íons e metais pesados da água fundida. Eles
previram que a água doce de altas montanhas será então progressivamente afetada pelo aquecimento climático.
Além disso, a forte complexação de alguns metais pelo COD provoca o transporte de chumbo, titânio
e vanádio dissolvidos nos sistemas turfosos após o escoamento da tempestade (Rothwell et al., 2007). A
mudança sazonal nas concentrações de metal dissolvido foi também observada para vários microelementos
(Fe, Mn, Al, La, U, Th, Cd e As). O aumento no conteúdo de carbono orgânico e declínio nas condições de
oxi-redução parecem estar relacionados à liberação de microelementos. Uma correlação positiva também é
encontrada entre os eventos de tempestade e a concentração de microelementos em córregos (Olivie-Lauquet
et al., 2001). Efetivamente, os colóides orgânicos e inorgânicos podem desempenhar um importante papel na
mobilização de microelementos nos solos e na água (Pédrot et al., 2008).
93
2.5. Micropoluentes orgânicos
As águas da superfície são as principais receptores da contaminação por pesticidas de uso agrícola.
Bloomfield et al. (2006) observaram que as mudanças na sazonalidade e intensidade da chuva e aumento
da temperatura do ar são os principais condutores na mudança de destino e comportamento dos pesticidas,
embora os efeitos da mudança climática provavelmente sejam variáveis e difíceis de serem previstos.
Lennartz e Louchart (2007) estudaram as interações físico-químicas entre a matéria orgânica do solo e
compostos herbicidas (diuron e terbutilazina) após os ciclos de secagem e reumidificação, a fim de examinar
se os impactos climáticos induziram variações no estado da água subterrânea.
Os resultados mostram que variações nos conteúdos da água subterrânea modificam a estrutura da
matéria orgânica do solo, que obstruem a difusão e detém os pesticidas.
O aumento de eventos extremos com mudança climática provavelmente neutralizará as medidas de
redução de pesticidas. Probst et al. (2005) simularam as entradas em córregos e descobriram, em cenário de
tempestade (aumento na precipitação de 10 a 20 mm/dia), que a isoproturona e bifenox podem potencialmente
apresentar maior risco devido a sua ecotoxicidade.
Com relação aos farmacêuticos, na bacia hidrográfica ao sul de Ontário, Lissemore et al. (2006)
encontraram correlações significativas entre COD e algumas substâncias ativas frequentemente detectadas
na água (monensina e carbamazepina), com variações nas concentrações da monensina, lincomicina,
sulfametazina, trimetoprima e carbamazepina dependendo da vazão e quantidade de precipitação. Além disso,
descobriram que o ácido clofíbrico e iopromida apresentam importante potencial de lixiviação que pode
representar risco a longo prazo para a contaminação da água subterrânea pela água de rio, através de sedimento
e subsolo (Oppel et al., 2004), especialmente em caso de eventos de tempestades.
2.6. Patógenos
Os patógenos transportados por água podem se espalhar na água doce depois desta ter sido contaminada
por resíduos animais ou humanos, devido à descarga dos sistemas de esgoto combinado (SEC) em tempestades.
Quando o fluxo excede a capacidade dos SEC, as tubulações de esgoto descarregam diretamente no corpo da
água da superfície (Charron et al., 2004). Pednekar et al. (2005) estudaram a carga de coliformes em enseada
de maré e mostraram que a água de tempestade vindo da bacia hidrográfica das vizinhanças é fonte primária de
coliformes. Além disso, temperaturas da água mais altas provavelmente provocarão aumento na sobrevivência
de patógenos no meio-ambiente, embora ainda não haja evidências claras. (Hunter, 2003).
As inundações frequentemente causam a contaminação da água subterrânea e eclosões adicionais de
doenças como ceratite por Acanthamoeba em Iowa (EUA) em 1994 (Hunter, 2003). De acordo com Curriero
et al. (2001), metade das eclosões de doenças transportados por água nos EUA durante a última metade
do século ocorreu após um período de chuvas torrenciais. Embora o risco de erupção de doenças ligadas a
redes de abastecimento seja baixo em países desenvolvidos, os abastecimentos privados estariam em risco
94
(Hunter, 2003). Além disso, um aumento em temperatura ameaça a qualidade da água com relação a doenças
transportadas pela água, especialmente a cólera, na Ásia e América do Sul (Hunter, 2003). Por último, foi
mostrado que com o aumento da radiação UV devido à depleção da camada de ozônio, a MON capta os mais
altos níveis de energia UV e se separa em mais compostos orgânicos biodisponíveis, minerais e micronutrientes.
Todos esses processos podem estimular a atividade bacteriana em ecossistemas aquáticos (Soh et al., 2008).
2.7. Cianobactéria e cianotoxinas
A concorrência entre fitoplancton e cianobactéria pode favorecer a cianobactéria em clima mais quente
(Arheimer et al., 2005) e pode também aumento sua dominância. Um fluxo de fósforo mais alto em epilímnion
pode promover o crescimento de fitoplancton na camada eufótica e levar a evolução de um estado de água
transparente dominado por macrófitas para um estado túrbido dominado por fitoplancton. Aumento nas
temperaturas da água e na concentração de nutrientes provoca a eflorescência maciça de cianobactéria em
muitas massas aquáticas (Hunter, 2003). Vagas de calor de verão também podem estimular o desenvolvimento
de cianobactérias em lagos através da redução da mistura vertical turbulenta e aumento dos níveis de crescimento
(Jöhnk et al., 2008). Além disso, novas espécies de cianobactérias como Cilindrospermopsis Raciborskii
colonizaram habitats setentrionais devido a efeitos de aumento de temperatura. Essa cianobactéria tropical,
conhecida por produzir Cilindrospermopsina foi agora detectada em águas doces na Europa Ocidental e Sul
(Itália, Espanha e França) (Brient et al., 2008) e foi detectada nos lagos da Alemanha (Wiedner et al., 2007).
Além disso, o aquecimento anual antecipado em países de clima temperado permite um crescimento mais
importante e antecipado dessa alga (Wiedner et al., 2007). Por último, outra cianobactéria, como a Microcistis
que pode produzir a microcistina, pode se tornar invasiva com o aquecimento climático (Jöhnk et al., 2008).
2.8. Indicadores de qualidade da água
Peixes, algas verdes e diatomáceas são frequentemente usados como indicadores de qualidade da água.
Daufresne e Boët (2007) observaram um aumento relacionado a aquecimento global na abundância total e nas
proporções das espécies de água quente e mudanças nas estruturas de tamanho em comunidades de peixes nos
rios da França. As espécies de peixes termofílicos do sul substituíram progressivamente as espécies de água
fria do sul no Rio Rhône acima (Daufresne et al., 2003). Além disso, a alta temperatura e a baixa capacidade
de difusão de turbulência em lagos pode suprimir a abundância da população de algas verdes e diatomáceas
(Jöhnk et al., 2008). Altas temperaturas parecem favorecer a dominância das cianotoxinas, como Microcistis,
sobre as diatomáceas e algas verdes (Jöhnk et al., 2008).
2.9. Síntese
95
Os impactos da mudança climática na qualidade da água da superfície estão resumidos na Fig.1, que
considera os efeitos (estiagens e inundações) dos dois principais fatores (temperatura e chuva). Os impactos
dependem do ambiente natural ou artificial, e as consequências podem ser diferentes de acordo com o tipo
de corpo da água (rios, lagos, represas, tanques, mangues...) e características (tempo de residência da água,
dimensão, forma, profundidade…). Para córregos, os principais parâmetros afetados são MOD e nutrientes,
entretanto os patógenos e cianobactéria/cianotoxinas estão mais relacionados a lagos. Entre os micropoluentes,
inorgânicos ou orgânicos são com frequência igualmente afetados.
Fig. 1. Impactos da mudança climática nos recursos de água e na qualidade da água de beber.
3. Impactos esperados na produção da água de beber
Pesquisa realizada na década de 1970, indicou a presença de subprodutos da desinfecção (SPDs) na
água de beber (Rook, 1974; Symons et al., 1975). Atenção especial foi dada à concentração de trialometanos
(THMs) por causa de seus potenciais efeitos carcinogênicos (Singer, 1993). O estudo sobre a ocorrência de
SPDs nos sistemas de distribuição da água de beber aumentou nos recentes anos, focando em primeiro lugar na
transformação da matéria orgânica natural. Com relação a SPDs emergentes ligados aos farmacêuticos e novas
pesticidas, muito poucos estudos foram publicados, a fim de compreender sua formação e destino durante o
96
tratamento da água. Para subprodutos farmacêuticos, a maioria dos estudos está limitada aos farmacêuticos de
origem (PFOs) (Fent et al., 2006; Mompelat et al., 2009).
Esta parte tem por objetivo a revisão dos principais determinantes conhecidos na formação de SPDs
nas condições comuns de tratamento de água. Em seguida, consideramos os esperados impactos da mudança
climática sobre esses parâmetros e a degradação de qualidade da água de beber. Por último, apresentamos
algumas necessidades adicionais de monitoramento para melhor conhecimento.
3.1. Determinantes dos SPDs
Diversos fatores, tais como a temperatura, carbono orgânico dissolvido (COD), pH, concentrações de
bromo, bem como fatores operacionais ou doses de cloro e tempo de contato foram apontados no relatório,
por afetarem significativamente a formação de SPDs (Nikolaou et al., 2004; Teksoy et al., 2008). A matriz da
temperatura e da matéria orgânica influenciada pela mudança climática, será posteriormente considerada.
Com relação à influência da temperatura da água na formação de SPDs, a tendência geral indica que
para temperaturas da água natural de superfície (5 a 30 °C), o aumento de temperatura eleva o nível de
formação de SPDs. Alguns estudos (Rodriguez e Serodes, 2001) mostraram que as concentrações de THM
variam significativamente (de 1,5 a 2 vezes, dependendo das instalações) entre a planta da água de beber e a
torneira (a mais distante). Quando a temperatura da água excede 15 °C, as variações espaciais de THM são
particularmente altas (de 2 a 4 vezes, dependendo das instalações). Da mesma forma, outros autores relataram
que o aumento da temperatura (10 a 33 °C) geralmente aumentou a formação de SPDs de bromo orgânico
(Zhang et al., 2005). Entretanto, esta tendência geral deve ser moderada para determinados SPDs instáveis.
De fato, Yang et al. (2007) estudaram a formação de SPDs após 3 dias de cloraminação com monocloramina
(NH2Cl) em três temperaturas (10 °C, 20 °C e 30 °C). Eles comprovaram aumentos na formação de clorofórmio
com temperatura de10 a 30 °C. Entretanto, para SPDs mais instáveis as dicloroacetonitrilas (DCAN) e
1,1-dicloro-2-propano (1,1-DCP), esta tendência geral deve ser moderada, uma vez que sua decomposição
pode aumentar com a temperatura.
Em termos de qualidade da água, foi determinado que os constituentes fúlvicos e húmicos da matéria
orgânica são importantes precursores de THMs (Christman et al., 1990). O carbono orgânico total (COT),
bem como a absorvância de UV, tem sido usados como indicadores da presença de matéria orgânica na água
de beber (Thomas, 2007). Alguns autores apontaram que uma dose efetiva mínima de alume mostra uma forte
relação estequiométrica com concentrações de COD nas águas de modelo (Shin et al., 2008). Além disso,
diversos estudos mencionaram que a concentração de carbono orgânico dissolvido (COD) na água tratada
com alume ou ferro estava diretamente relacionada à potencial formação de THM (van Leeuwen et al., 2005;
Uyak e Toroz, 2007). Alguns projetos de pesquisa baseados em escala piloto de laboratório e dados de campo
mostraram que quanto mais altos são os valores desses parâmetros, mais altas as concentrações de THMs
formados (Rodriguez et al., 2000; Golfinopoulos et al., 1998; Garcia-Villanova et al., 1997; Montgomery,
1993). Para a formação dos SPDs, um fator determinante poderia ser a parte aromática ou fração hidrofóbica
97
de MON e a distribuição de peso molecular (Randtke e Jepsen, 1981; Bose e Reckhow, 1998; Croue et al.,
1999; Singer, 1999). Além disso, alguns estudos já mostraram que para águas que não são controladas pela
floculação por varredura, as doses coagulantes são determinadas pelas concentrações de MON e partículas,
sendo a sílica o fator determinante para a demanda de coagulação em altas concentrações de partículas (N100
mg/L) (Shin et al., 2008). Consequentemente, as substâncias húmicas associadas a mineral aumentam as
propriedades intrínsecas de complexação de substâncias minerais para poluentes orgânicos e inorgânicos
(Murphy e Zachara, 1995) e impacta diretamente na formação potencial de SPDs.
3.2. Potenciais impactos
Com relação a problemas de mudança climática na formação de SPDs, investigações anteriores já
observaram que a ocorrência de THMs em água clorada pode variar significativamente de acordo com estação
e localização geográfica do sistema de distribuição (Williams et al.,1997; Garcia-Villanova et al., 1997; Arora
et al., 1997; Singer et al., 1995; Clark, 1994). Essas variações temporais e espaciais são devido a mudanças
na qualidade da água bruta e tratada, bem como nos parâmetros operacionais (pH, dose de cloro, tempo de
contato…) relacionado a cloração. Eventos de temporais conduzem a elevados níveis de turbidez e matérias
orgânicas encontradas nas águas dos rios provocando a deterioração no desempenho do tratamento. Entretanto,
foi mostrado que esse efeito não é uniforme. Isso pode ser devido à combinação de temperaturas da água mais
baixas e uma mudança na natureza e maiores concentrações de MON na água natural (Hurst et al., 2004). Isso
também explicaria o motivo pelo qual esses autores observaram que as diferenças sazonais tem um impacto
significativo na robustez do processo, independente da turvação da água bruta. Rodriguez e Serodes (2001)
mostraram que quando a temperatura da água é inferior a 15 °C, os THMs na água tratada não são superiores
às concentrações iniciais de THM, mesmo que elas sejam altas (60 μg/L). A última situação pode ser típica
na primavera ou outono, quando o conteúdo orgânico da água bruta e água tratada tende a aumentar após a
chuva ou escoamento de campo. Para temperaturas da água de verão típicas (>18 °C), a concentração de THM
no tratamento do sistema pode ser de 2 a 4 vezes, dependendo das instalações (Rodriguez e Serodes, 2001).
A natureza e concentração de COD não são os únicos parâmetros que drasticamente se alteram durante
eventos de tempestade, devendo ser também levada em consideração a contribuição do compartimento
biológico. Chen e Zhang (2008) globalmente mostraram que a alga contribuiu muito mais para a formação de
AHA (ácidos haloacéticos) do que os THM durante eflorescências de verão e outono. Durante esses eventos
especiais, quando a concentração de algas é de 20 a 80 milhões por litro, os precursores de DPP que se
originaram da alga contabilizariam aproximadamente de 20% a 50% do total do potencial de formação.
Variações da temperatura, pH e composição aquosa que ocorrem durante a mudança climática também
influenciam os contaminantes em suas sorções nas fases minerais. Ao avaliar o comportamento de lixiviação
dos compostos antropogênicos, a influência das propriedades do solo deve ser levada em consideração (Oppel
et al., 2004; Yu et al., 2009). Além disso, especialmente durante os eventos de chuva, a lixiviação de partículas
minerais provoca altas concentrações em águas naturais, tendo um impacto direto na demanda de coagulação
98
durante o tratamento da água, conforme visto anteriormente (Shin et al., 2008) e na formação de SPDs.
Com relação à ocorrência e destino dos micropoluentes com respeito ao tratamento da água de
beber, os principais estudos (recentes) estão relacionados aos farmacêuticos. De fato, os estudos sobre os
farmacêuticos estão principalmente ligados ao tratamento de água servida, cuja eficiência poderá afetar a
qualidade dos recursos de água que recebem descarga de efluente tratada. Mesmo se eles forem parcialmente
removidos, as quantidades residuais podem permanecer na água tratada, e foram encontradas na água de beber
(torneira) (Al-Ahmad et al., 1999; Hernando et al., 2006). A eficiência da remoção dos farmacêuticos varia de
acordo com os processos de tratamento e também com temperatura e tempo (Choi et al., 2008). Por exemplo,
diclofenac apresentou índices de eliminação bastante diferentes entre 17% (Heberer et al., 2002), 69% (Ternes
et al.,1998) e 100% (Thomas e Foster, 2004) dependendo desses dois últimos parâmetros. Finalmente, para a
eliminação de pesticidas em processos de tratamento físico-químico convencionais da água de beber, tal como
a floculação, sedimentação, filtragem ou abrandamento com cal, apenas determinadas substâncias lipofílicas
são removidas adequadamente (Baldauf, 2006).
Micropoluentes naturais, principalmente os representados por cianotoxinas podem também exercer
forte impacto no tratamento da água de beber. A cloração, micro-/ultrafiltragem e especialmente a ozonação
são os procedimentos de tratamento da água mais eficazes na destruição da cianobactéria e na remoção de
microcistinas (Hitzfeld et al., 2000). Durante eventos de eflorescência de cianobactérias, a ozonação pode
ser um processo apropriado para eliminar as toxinas peptídicas, como a microcistina LA e LR (Rositano et
al., 1998, 2001; Brooke et al., 2006). Muitos estudos com relação a remoção das toxinas da cianobactéria
da água mostraram que a eficácia do processo de oxidação não é apenas dependente da concentração do
reactante, mas também da temperatura, pH, composição iônica (Rositano et al., 1998; Shawwa e Smith, 2001)
e concentração de MON (Al Momani et al., 2008). Embora poucos estudos tenham relatado a relação entre a
alga e os precursores de SPDs, alguns autores apontaram a contribuição da alga para algumas formações de
DPBs (Chen e Zhang, 2008). Alguns estudos tentaram melhorar a identificação de novos subprodutos para as
cianotoxinas (Rodriguez et al., 2007; Merel et al., 2009). Entretanto, a formação de SPDs não foi amplamente
investigada.
3.3. Monitoramento e modelo de impactos
Diante dos impactos previamente esperados na degradação da qualidade da água (de beber), diversas
ferramentas de monitoramento são propostas.
O primeiro modo é incorporar as medições do COT (ou COD) on-line no algoritmo de controle de
coagulação para o controle de pH e dose de coagulante para impedir a variação descontrolada, especialmente
durante eventos de chuva/tempestade (Hurst et al., 2004). Na mesma área, o desenvolvimento dos sistemas
ou os procedimentos de monitoramento em campo podem ser úteis para melhorar o conhecimento da MOD,
a fim de avaliar as propriedade do volume, que influenciam principalmente a formação de subproduto de
desinfecção, como as atividades biológicas (contribuição das algas, evolução fotossintética…) ou polaridade
99
molecular.
A análise de fluorescência pode ajudar na avaliação de fontes da MOD por assinaturas espectrais
relacionadas a águas afetadas pela atividade microbiana, tanto pela influência de água servida quanto por
processos autóctones e pode correlacionar alguns desses dados com o COD, por exemplo (Parlanti et al., 2000;
Jung et al., 2005; Rosario-Ortiz et al., 2007). Outra solução é a previsão da ocorrência ou destino de alguns
parâmetros físico-químicos através de modelos. Uyak e Toroz (2007) propuseram um modelo para estimar a
concentração de THM e AHA em água bruta clorada, por exemplo, no abastecimento de água da superfície.
Outros modelos que relatam a dose de coagulante para a concentração e qualidade dos orgânicos presentes
em águas naturais já foram desenvolvidos. Esses modelos possibilitam a previsão das doses de coagulante
inorgânico que maximizam a remoção de orgânicos em um pH específico de coagulação (van Leeuwen et al.,
2005). Como vimos anteriormente, é necessário continuar os estudos de desenvolvimento de modelo levando
em consideração a temperatura. A complexidade das reações de formação de DPP dificulta o desenvolvimento
de modelos universalmente aplicáveis. Esse campo de pesquisa, entretanto, deve ser considerado com especial
atenção para o futuro.
Um último ponto a ser considerado é o desenvolvimento analítico para substâncias emergentes e
subprodutos. Com relação a farmacêuticos e pesticidas, há uma real necessidade de identificação e avaliação
da toxicidade dos subprodutos da degradação formados durante o tratamento da água. A remoção de
farmacêuticos e outros micropoluentes polares podem ser garantido apenas utilizando-se avançadas técnicas
como a ozonação, carbono ativado ou filtro de membrana (Ternes et al., 2002) ou eventualmente tratamento
por UV (Canonica et al., 2008). Entretanto, apenas desenvolver as melhores técnicas de tratamento disponíveis
para remover essas substâncias sem levar em consideração a formação de SPDs não é um desafio real.
A comparação entre o consumo de substâncias emergentes (tal como os farmacêuticos) e a ocorrência na
água baseou-se em uma metodologia de referência, devendo as avaliações de risco ecotoxicológico e à saúde
serem desenvolvidas em paralelo com os métodos analíticos que permitam a identificação e quantificação dos
subprodutos.
3.4. Síntese
Os impactos da mudança climática nos problemas de tratamento da água de beber foram resumidos na
Fig. 2. Deve-se lembrar que a mudança climática pode provocar, em termos de recursos (águas da superfície),
grandes variações hidrológicos, elevação da temperatura da água e aumentos da carga de poluição (química
e microbiológica). Para plantas de tratamento, considerando-se que todas as ações de recuperação podem ser
feitas (redução da fonte de poluição, limitação de escoamento, administração da redução de fertilizantes e
pesticidas, etc.) medidas de adaptação precisam ser consideradas para melhor eficiência, particularmente com
relação a eventos extremos (chuvas torrenciais e estiagens). Essas medidas integram as etapas de tratamento
complementar e controle de processo, mesmo para pequenos sistemas de abastecimento de água. Além disso, o
monitoramento da qualidade da água com análise de micropoluentes, entre os quais as substâncias emergentes
100
e subprodutos do tratamento, precisam ser realizados, bem como a avaliação de risco à saúde (seguindo um
procedimento de plano de segurança da água). Obviamente, em caso de grandes inundações, o transporte de
garrafas ou tanques pode ser a única solução para abastecimento seguro da água de beber.
Fig. 2. Impactos da mudança climática e problemas de tratamento da água de beber.
4. Conclusão
O principal resultado desta revisão de literatura sobre o impacto da mudança climática na qualidade
da água da superfície (desde os recursos até a torneira) é que há uma tendência à degradação da qualidade da
água de beber, provocando um aumento de situações de risco com relação ao impacto em potencial à saúde,
principalmente durante eventos meteorológicos extremos. Entre os parâmetros da qualidade da água, a matéria
orgânica dissolvida, os micropoluentes e patógenos são susceptíveis à elevação em concentração ou número
como consequência do aumento da temperatura (água, ar e solo) e chuvas torrenciais em países de clima
temperado.
Outra conclusão é a falta de informação sobre ocorrência de micropoluentes e seu destino com relação
aos impactos da mudança climática e a eficácia do tratamento, incluindo potencialmente a associação e o
transporte com a matéria orgânica natural. Os subprodutos de desinfecção de micropoluentes não removidos
durante o tratamento e os resíduos precisam ser identificados e sua toxicidade avaliada. A última conclusão
101
se refere às doenças potencialmente transportadas pela água e fortemente ligadas aos impactos da mudança
climática, mas ainda pouco estudadas pelo menos em países de clima temperado. Finalmente, há grande
necessidade de monitorar a qualidade da água e prever ferramentas como modelos e sistemas de suporte
para tomada de decisão, principalmente com o objetivo de avaliar os riscos à saúde e ações de recuperação e
adaptação.
Agradecimentos
Os autores agradecem a Sophie Mompelat e Sylvain Merel, Estudantes PhD do Laboratoire d’Etude
et de Recherche en Environnement et Santé (LERES), por suas discussões produtivas sobre cianotoxinas
e ocorrências farmacêuticas e persistência em meio-ambiente. Agradecem também a André Lavoie da
Universidade de Sherbrooke por sua ajuda, bem como pela revisão do manuscrito, sugerindo-nos melhorias
bastante importantes.
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108
Saúde e Mudança Climática 6
Saúde pública se beneficia das estratégias de redução de emissão de gases de efeito
estufa: visão geral e implicações dos responsáveis políticos1
Andy Haines2, Anthony J McMichael, Kirk R Smith, Ian Roberts, James Woodcock,
Anil Markandya, Ben G Armstrong, Diarmid Campbell-Lendrum,
Alan D Dangour, Michael Davies, Nigel Bruce, Cathryn Tonne, Mark Barrett, Paul
Wilkinson
Resumo
Esta Série examinou as implicações à saúde das políticas que tratam da problemática da mudança
climática. Avaliações das estratégias de abrandamento nos quatro domínios - energia doméstica, transporte,
alimento e agricultura, e geração de eletricidade – sugerem uma importante mensagem: as ações para reduzir
a emissão de gases de efeito estufa frequentemente, embora nem sempre, acarretam benefícios líquidos
para a saúde. Em alguns casos, os potenciais benefícios parecem ser substanciais. Essa evidência fornece
uma razão a mais e imediata e para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, além do abrandamento da
mudança climática em si. A mudança climática é uma ameaça em evolução e crescente à saúde da população
mundial. Ao mesmo tempo, pesados encargos à Saúde Pública continuam em muitas regiões. Portanto, a
mudança climática adiciona também urgência à tarefa de resolver as prioridades internacionais da saúde,
como por exemplo, as Metas de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas. O reconhecimento de que
as estratégias de abrandamento podem ter substanciais benefícios para a proteção da saúde e do clima oferece
a possibilidade de escolhas políticas que tenham potencialmente melhor relação custo-benefício e socialmente
sejam mais atraentes que aqueles que tratam dessas prioridades de forma isolada.
1
Versão traduzida do artigo: “Public health benefi ts of strategies to reduce greenhouse-gas
emissions: overview and implications for policy makers” - Andy Haines, Anthony J McMichael, Kirk R
Smith, Ian Roberts, James Woodcock, Anil Markandya, Ben G Armstrong, Diarmid Campbell-Lendrum,
Alan D Dangour, Michael Davies, Nigel Bruce, Cathryn Tonne, Mark Barrett, Paul Wilkinson
et al. / Lancet 2009; 374: 2104–14.
2
Prof Andy Haines, Londres School of Hygiene and Tropical Medicine, Keppel Street, Londres WC1E 7HT, Reino Unido - andy.
[email protected]
109
Introdução
A mudança climática ameaça a saúde da população humana do mundo todo, mas particularmente
em países de baixa renda.1 Essas consequências adversas à saúde estão entre as mais importantes razões
pelas quais os governos precisam coletivamente agir com resolução e urgência para reduzir globalmente as
emissões de gases de efeito estufa. Entretanto, o que tem sido menos amplamente compreendido é que as
políticas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (políticas de abrandamento da mudança climática)
podem com frequência ter efeitos potencialmente grandes e mais imediatos na saúde da população. Esses
efeitos secundários são importantes não apenas porque podem oferecer uma razão adicional para se tentar
alcançar as estratégias de abrandamento, mas também porque o progresso tem sido lento no tratamento das
prioridades internacionais relacionadas à saúde como por exemplo, as Metas de Desenvolvimento do Milênio
das Nações Unidas (MDMs)2 e as reduções nas desigualdades da saúde. As medidas de abrandamento podem,
portanto, oferecer uma oportunidade não apenas de reduzir os riscos de mudança climática, mas também,
se bem escolhidas e implementadas, de propiciar melhorias em saúde. São os chamados co-benefícios do
abrandamento, embora nem todos os efeitos sejam necessariamente positivos.
110
Principais Mensagens
• Muitas medidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa nos
setores de energia doméstica, transporte, alimento e agricultura e geração de
eletricidade apresentam benefícios adicionais à saúde (ou co-benefícios à saúde),
que, com frequência, são substanciais.
• Os co-benefícios à saúde decorrentes de tais medidas podem ajudar a tratar
das atuais prioridades globais da saúde, como por exemplo, a mortalidade
infantil por infecção respiratória aguda, doença cardíaca isquêmica em adultos e
outras doenças não comunicáveis.
• Melhorias no acesso à energia limpa disponível (especialmente para as
populações desfavorecidas), juntamente com outras estratégias apropriadas de
vários setores, podem contribuir para a redução de risco da mudança climática
perigosa, ao mesmo tempo em que proporciona melhorias à saúde, reduz a
pobreza e favorece o desenvolvimento.
• Políticas específicas que podem reduzir as emissões de gases de efeito estufa e
resultar em benefícios à saúde incluem o transporte ativo (caminhada e ciclismo)
e uso restrito de carros em áreas urbanas, maior compreensão de fogões
aprimorados em países de baixa renda, consumo reduzido de produtos animais
em locais de alto consumo e geração de eletricidade de fontes renováveis ou
outras de baixo teor de carbono, em vez de combustíveis fósseis, particularmente
o carvão.
• Os custos variáveis da implementação de tais estratégias podem ser
compensados, pelo menos parcialmente, pelos benefícios à saúde e
desenvolvimento e esses co-benefícios devem ser levados em conta nas
negociações internacionais.
• Algumas medidas, entretanto, podem ter efeitos negativos à saúde; assim sendo
é importante que se avalie os efeitos à saúde das estratégias de abrandamento de
gases de efeito estufa.
• Os mecanismos de transferência de recursos de desenvolvimento limpo de
países de alta renda para os de baixa renda deverão levar em consideração
as consequências à saúde das tecnologias e estratégias ao decidir sobre as
prioridades dos fundos.
• Os métodos para avaliar os efeitos à saúde das estratégias de abrandamento
da mudança climática apresentados nesta Série devem ser ainda desenvolvidos e
aplicados, para informar os responsáveis políticos.
• Os profissionais da saúde possuem importante papel no projeto da economia de
baixa emissão de carbono, motivados pela evidência dos benefícios projetados
para a Saúde Pública.
País,
cidade,
ou
região
Mecanismo
de saúde
Principais
Consequências
à saúde
Redução
Custo
aproximado
(em dólar
americano)
Potenciais
efeitos adversos
à saúde
Energia doméstica
111
Eficiência
da energia
doméstica
Fogões de
combustão
limpa
Menor teor
de carbono
e transporte
mais ativo
Menor teor
de carbono
e transporte
mais ativo
Reino
Unido
Índia
Londres,
Reino
Unido
Delhi,
Índia
Mudanças
na poluição
em ambiente
interno
(radônio,
partículas,
monóxido
de carbono,
fumante
indireto);
mofo;
temperatura
de ambiente
interno no
inverno.
Mudanças
na exposição
à poluição
de ambiente
interno
Poluição do
ar alterada,
mudanças
no risco de
ferimento,
mudanças
em atividade
física
Idêntico ao
caso do Reino
Unido
Câncer de
pulmão
(radônio),
doença
cardiovascular,
doença
respiratória
aguda e
crônica, morte
relacionada ao
frio/inverno
850
$5000 a
50000, preço
único por
família,
compensação
por custos*
recorrentes
mais
baixos do
combustível
Infecção
aguda do trato
respiratório
inferior, doença
cardíaca
12500
isquêmica,
doença
respiratória
obstrutiva
crônica
Sistema de Transporte
Custo de $50
por fogão,
possivelmente
a cada 5
anos de
economia de
combustível
contínua e/ou
economia de
tempo
Doença cardíaca
isquêmica,
doença
cerebrovascular,
demência,
câncer de mama,
câncer pulmonar,
câncer do
cólon, diabetes,
depressão,
ferimentos por
acidentes de
tráfego
7400
Incerto:
possivelmente
negativo
(redução de
custo) para as
famílias
13000
Idêntico ao
caso do Reino
Unido
Doença cardíaca
isquêmica,
ferimentos por
acidentes de
tráfego, doenças
cerebrovascular,
câncer pulmonar,
diabetes,
depressão
Alimento e agricultura
Menor
consumo
de produtos
animais
Reino
Unido
Menor
ingestão
de gordura
saturada
Doença cardíaca
isquêmica
2900
Incerto:
possivelmente
negativo
(redução de
custos) para
residências e
sociedade
Aumento na
concentração
de poluição
decorrente de
pouca ventilação
e maior risco
relacionado ao
frio decorrente
de temperaturas
internas de
refrigeradores.
Nenhum
efeito adverso
identificado
Solução de
compromisso
entre a redução
de risco de
acidente
de tráfego
por redução
de viagens
por veículo
motorizado e
maior exposição
ao perigo
remanescente de
mais caminhada e
ciclismo.
Idêntico ao caso
do Reino Unido
Crescimento
infantil e
desenvolvimento
decorrente de
menor consumo
de produto
animal
(países de baixa
renda)
112
Menor
consumo
de produtos
animais
Cidade
de São
Paulo,
Brasil
Idêntico ao
caso do Reino
Unido
Idêntico ao caso
do Reino Unido
2200
Idêntico ao
caso do Reino
Unido
Geração de eletricidade
Tecnologias /
combustíveis
com baixo
teor de
carbono
Tecnologias /
combustíveis
com baixo
teor de
carbono
Tecnologias /
combustíveis
com baixo
teor de
carbono
Menor
poluição do ar
(particulado)
mortalidade
cardiopulmonar,
câncer pulmonar,
mortalidade
ocupacional
China
Idêntico ao
caso da União
Europeia
Idêntico ao
caso da União
Europeia
Índia
Idêntico ao
caso da União
Europeia
Idêntico ao
caso da União
Europeia
União
Europeia
Idêntico ao caso
do Reino Unido
100
$140 por
tonelada de
dióxido de
carbono
Aumento na
insuficiência
de combustível
decorrente de
custos mais altos
de eletricidade,
riscos à saúde
por geração
nuclear e captura
e armazenamento
de carbono.
550
$70 por
tonelada de
dióxido de
carbono
Idêntico ao
caso da União
Europeia
1500
$40 por
tonelada de
dióxido de
carbono
Idêntico ao
caso da União
Europeia
DALY= disability-adjusted life-year [Anos de vida com ajustamento pela deficiência]. *Explicação mais detalhada
para esses custos é dada no primeiro documento desta Série.3
Tabela: Resumo dos cenários considerados nas avaliações de quatro setores.
[legenda da Figura 1]
DALYs saved per million 2010 population in
1 year
Megatonnes CO2e saved per million 2010
population
India, clean cookstove, 2010*
=
=
=
UK, food (IHD)‡
UK, housing, fuel switching†
UK, housing, combined efficiency measures
=
=
=
UK, housing, lower thermostat setting
=
UK, housing, fabric insulation
UK, housing, ventilation
=
=
DALYs saved in 1 year (log scale)
Megatonnes CO2e saved (log scale)
=
=
Household energy
Food and agriculture
India, clean cookstove, 2010*
UK, food (IHD)
UK, housing, combined efficiency measures
=
=
=
=
=
1054 DALYs/megatonne
10 DALYs/megatonne
UK, housing, fabric insulation
=
=
=
DALYs preservados por milhão de população em
2010, em um ano.
Megatoneladas de CO2e economizadas por milhão
de população em 2010
Índia, fogão limpo, 2010*
Reino Unido, alimento (DCI)‡
Reino Unido, residência, troca de combustível†
Reino Unido, residência, medidas de eficiência
combinadas
Reino Unido, residência, regulagem mais baixa do
termostato
Reino Unido, residência, isolamento de tecido
Reino Unido, residência, ventilação
DALYs preservados em um ano (escala em log)
Megatoneladas de CO2e economizadas (escala em
log)
Energia doméstica
Alimento e agricultura
India, fogão limpo, 2010*
Reino Unido, alimento (DCI)
Reino Unido, residência, medidas de eficiência
combinadas
1054 DALYs/megatonelada
10 DALYs/megatonelada
Reino Unido, residência, isolamento de tecido
113
UK,
housing, ventilation
1032 DALYs/megatonne
10 DALYs/megatonne
=
=
=
Reino
Unido, residência, ventilação
1032 DALYs/megatonelada
10 DALYs/megatonelada
Figura 1: Estudo de caso de Redução imputável ao ônus da doença e emissões de dióxido de
carbono equivalente para energia doméstica e alimento e agricultura
(A) Anos de vida com ajustamento pela deficiência (DALYS) preservados e redução de dióxido de
carbono equivalente (CO2e) por milhão de população em 2010. (B) Redução no total de DALYs e CO2e
para cada país. Dimensões do círculo proporcional à população do país em questão. DALYs preservados
são baseados nos cálculos do custo imputáveis em comparação à saúde da população de 2010 com e sem as
medidas de abrandamento especificadas. Resultados de cenário com mudança negativa ou zero não foram
plotados em B. DCI = doença cardíaca isquêmica. *Cálculos alternativos baseados na implementação encenada
do programa do fogão de mais de 10 anos encontram-se no primeiro documento desta Série.3 A redução
nas emissões de gases de efeito estufa está principalmente baseada nos poluentes diferentes de dióxido de
carbono e a equivalência ao dióxido de carbono deve ser interpretada por aproximação. †Mudança zero foi
mostrada, mas a mudança líquida nas emissões de dióxido de carbono é provavelmente dependente das fontes
de combustível primário alternativo.
O estudo do caso da cidade de São Paulo não foi incluso, por causa das incertezas sobre as emissões de
gases de efeito estufa relacionadas à criação de gado. ‡As mudanças mostradas nas emissões de gases de efeito
estufa são aquelas que ocorreram diretamente no Reino Unido exclusivamente, e não incluem as possíveis
reduções na emissão de outros países que criam gado para consumo no Reino Unido. Aproximadamente 20 a
30% dos produtos derivados de gado consumidos no Reino Unido são importados.
[legenda da Figura 2]
DALYs saved per million 2010 population in
1 year
Megatonnes CO2e saved per million 2010
population
Delhi, towards sustainable transport*
Delhi, more active transport*
London, towards sustainable transport
London, more active transport
India, electricity, full trade
Delhi, lower carbon transport*
China, electricity, full trade
London, lower carbon driving
EU, electricity, full trade
=
DALYs saved in 1 year (log scale)
Megatonnes CO2e saved (log scale)
=
=
Electricity generation
Transport
India, electricity, full trade
China, electricity, full trade
London, more active transport
EU, electricity, full trade
London,
towards sustainable transport
1054 DALYs/megatonne
103 DALYs/megatonne
102 DALYs/megatonne
10 DALYs/megatonne
London, lower carbon driving
=
=
=
=
=
=
=
=
=
=
=
=
=
=
=
=
=
=
=
=
=
=
DALYs preservados por milhão de população em
2010, em um ano.
Megatoneladas de CO2e economizadas por milhão
de população em 2010
Delhi, em direção a transporte sustentável *
Delhi, transporte mais ativo*
Londres, em direção a transporte sustentável
Londres, transporte mais ativo
India, eletricidade, comércio total
Delhi, transporte de menor teor de carbono*
China, eletricidade, comércio total
Londres, condução de menor teor de carbono
EUA, eletricidade, comércio total
DALYs preservados em um ano (escala em log)
Megatoneladas de CO2e economizadas (escala em
log)
Geração de eletricidade
Transporte
India, eletricidade, comércio total
China, eletricidade, comércio total
Londres, transporte mais ativo
EUA, eletricidade, comércio total
Londres,
em direção a transporte sustentável
1054 DALYs/megatonelada
103 DALYs/megatonelada
102 DALYs/megatonelada
10 DALYs/megatonelada
Londres, condução de menor teor de carbono
Figura 2: Estudo de casos de redução de encargos atribuíveis à doença e às emissões de dióxido de
114
carbono equivalente, relacionados à geração de eletricidade e ao transporte
(A) Anos de vida com ajustamento pela deficiência (DALYS) e redução de dióxido de carbono (CO2)
por milhão de população em 2010. (B) Redução no total de DALYs e CO2 para cada país, cidade, ou região.
Dimensões do círculo proporcional à população do país, cidade, ou região em questão. Estimativas de DALYs
preservados com base nos cálculos do ônus imputável em comparação aos cenários de abrandamento de 2030
em cenários de manutenção da situação atual em 2030. Resultados de cenário com mudança negativa ou zero
não foram plotados em B.
EU=União Europeia. *Embora haja pequenos aumentos (economias negativas) nas emissões de CO2
para cenários de abrandamento para o transporte em Delhi em comparação a 2010, todos os três cenários
promoveram economias apreciáveis de emissões de CO2 com relação às projeções da situação atual. As
reduções por milhão de população em 2010 com relação às projeções da situação atual são: 0,14 megatoneladas
para condução de menor teor de carbono, 0,52 megatonelada para transporte mais ativo, e 0,58 megatonelada
para cenário de transporte sustentável.
Visão geral das avaliações setoriais
Esta Série enfocou os efeitos das estratégias de abrandamento sobre a saúde em quatro setores —
energia doméstica,3 transporte,4 alimento e agricultura,5 e geração de eletricidade6 — usando exemplos de
cenários de alta, média e baixa renda. Em cada setor, as ligações potenciais entre a redução nas emissões
de gases de efeito estufa e saúde parecem ser fortes. Os métodos e resultados são resumidos na tabela e nas
figuras 1 e 2. O sexto documento7 da Série analisa e apresenta nova evidência dos efeitos dos poluentes de
efeito estufa de vida curta sobre a saúde, os quais são emitidos por vários setores.
As Figuras 1 e 2 mostram as avaliações dos efeitos dos cenários de abrandamento em termos de mudanças
na saúde (anos de vida com ajustamento pela deficiência [DALYs] preservados) e reduções nas emissões de
dióxido de carbono equivalente (CO2e) por milhão de população em 2010, e em termos de números absolutos
(ou seja, mudança total para as populações relevantes como um todo). É importante notar que os resultados
específicos por setor e por ambiente mostrados nas figuras 1 e 2 não são exatamente comparáveis entre si, uma
vez que cada avaliação possui seus próprios conjuntos de pressupostos e métodos detalhados de estimativa. Os
resultados devem ser, portanto, interpretados apenas como indicações gerais da magnitude do efeito.
Para o estudo de caso dos setores de energia doméstica e alimento e agricultura (figura 1), os efeitos
estimados à saúde das estratégias para reduzir os gases de efeito estufa foram calculados a partir da diferença
entre as exposições basais (2010) e os que ocorreriam com o abrandamento, supondo-se que as circunstâncias
são, de alguma forma, mantidas constantes em relação às condições de 2010. Essa abordagem possui a vantagem
de reduzir a necessidade de projeções incertas e tornar claro o efeito autônimo do abrandamento, contudo ela
115
não leva em consideração as tendências potencialmente importantes ao longo do tempo, particularmente na
exposição, que pode advir em decorrência das mudanças políticas ou sociais não relacionadas ao abrandamento
da Mudança Climática.
A avaliação das medidas de abrandamento nos setores de geração de eletricidade e transporte (figura 2),
por contraste, empregou as projeções para as exposições de 2030, parcialmente porque os modelos estavam
prontamente disponíveis aos investigadores, mas também porque nesses setores o passo do desenvolvimento
tecnológico e social provavelmente resultará em grandes mudanças em exposições durante as décadas
vindouras, especialmente em países como a India e China. Assim, calculamos os efeitos na saúde para a
população de 2010 usando as diferenças em exposições estimadas em 2030 entre a situação atual e os cenários
de abrandamento.
Espera-se que muitos, embora nem todos, dos cenários de abrandamento que tenham benefício líquido
em saúde da população, pelo menos em termos de caminhos diretos modelados. Em alguns casos, notadamente
os fogões limpos na India, e transporte sustentável com base na maior participação em caminhada e ciclismo
juntos com uso muito menor de carros em Delhi, os benefícios parecem substanciais – mais de 10 000 DALYs
por milhão de população em 2010. Esses cenários e o exemplo da ingestão reduzida de gordura saturada
para o Reino Unido também teve grandes reduções por megatonelada de economia de CO2e — maior que 10
000 DALYs economizados em 1 ano por megatonelada de redução das emissões CO2/CO2e (figuras 1 e 2).
Essas intervenções afetam os riscos das principais causas (grandes encargos) de mortalidade e morbidade,
116
que explicam as grandes reduções em DALYs por milhão de população sugeridas para esses cenários. Todos
os estudos de caso de transporte para Delhi mostram um aumento em emissões em comparação a 2010 por
causa do substancial aumento populacional projetado e, em alguns cenários, no transporte motorizado, em
comparação a 2010, embora todos os três cenários apresentem economias nas emissões de CO2 em comparação
a projeções da situação atual em 2030.
Essas economias de emissão de CO2 seriam substanciais para os cenários que acarretam menor número
de viagens motorizadas particulares.
Essas mudanças gerais positivas mascaram alguns potenciais efeitos negativos à saúde que precisam
ser preservadas contra — por exemplo, possíveis consequências nutricionais negativas de um menor consumo
de produtos de gado no crescimento e desenvolvimento infantil em cenários de baixo consumo; e possível
exposição aumentada ao radônio, mofo, e poluição do ar de ambiente interno devido a níveis reduzidos de
ventilação doméstica em cenários de alta renda.
Além disso, enquanto um menor uso de veículos motorizados pode causar menos risco de acidente de
tráfego, portanto menos ferimentos por acidentes de tráfego, mais caminhada e mais ciclismo podem aumentar
a exposição ao perigo de tráfego rodoviário remanescentes, aumentando assim o número de ferimentos por
acidentes de tráfego. A solução de compromisso entre esses efeitos variará de acordo com o cenário, mas pode
ser melhorado através de políticas apropriadas. Medidas para proteger de tais consequências adversas podem
ser tomadas, desde que elas sejam reconhecidas, salientando o valor dos estudos de modelo, da avaliação das
intervenções para testar e refinar as principais decisões políticas.
A extensão das mudanças em emissões, condições ambientais locais e comportamentos associados
apresentam incertezas inevitáveis que afetam o que poderia ser encontrado no complexo cenário do mundo
117
real. A geração de eletricidade com reduzida emissão de gases de efeito estufa e a maior eficiência de energia
doméstica no Reino Unido, parecem ter modestos, embora ainda importantes benefícios à saúde, contudo
afetam bastante as emissões de gases de efeito estufa. Os custos econômicos são também importantes na
escolha de estratégias de abrandamento, mas a sua avaliação não é direta, em decorrência dos desafios
metodológicos (painel 1).
Painel 1: Desafios Metodológicos
Um dos principais desafios é o desenvolvimento de cenários confiáveis de abrandamento das
emissões de gases de efeito estufa e projeção das situações atuais durante as futuras décadas. Esse desafio
é especialmente difícil no caso de sociedades que estão em rápido desenvolvimento, onde, por exemplo, os
padrões de transporte podem mudar substancialmente em curto tempo com implicações importantes para
a Saúde Pública. Os pesquisadores da Saúde Pública devem trabalhar em conjunto com os envolvidos na
pesquisa e no planejamento estratégico em setores relevantes, para assegurar que os cenários usados estão
baseados na melhor evidência disponível sobre prováveis tendências e que as suposições em que se baseiam
estão transparentes. A seleção de cenários de situações atuais e as suposições implícitas são importantes e
podem afetar as estimativas dos co-benefícios à saúde dependentes, por exemplo, quais suposições são feitas
sobre as reduções da poluição do ar em decorrência da legislação ou introdução dos mecanismos de limpeza
não relacionadas à política de mudança climática. Suposições sobre as tendências implícitas na prevalência e
mortalidade decorrentes de distúrbios, por exemplo, a doença cardíaca isquêmica pode afetar materialmente
as estimativas do efeito. São necessárias análises sensíveis que explorem as diversas suposições em potencial
sobre as futuras tendências e relações entre as políticas relevantes e as consequências à saúde. As estimativas
do efeito devem ser revisitadas como novas perspectivas científicas das relações de exposição-respostas ou
opções tecnológicas para que a redução de emissões de gases de efeito estufa seja disponibilizada.
A análise do custo-benefício ou, mais comumente, custo-eficácia é amplamente usada, para avaliar
as intervenções de saúde. No contexto particular dos co-benefícios da mudança climática à saúde, a análise
do custo–benefício não é especialmente útil, visto que tal análise implicaria a comparação dos benefícios da
redução nas emissões (benefícios à saúde a curto e médio prazo, bem como os que advêm da redução de longo
prazo de gases de efeito estufa) contra os custos implicados na obtenção de tais reduções. Os modelos de
avaliação integrados que incorporam as reduções em emissões de gases de efeito estufa em diversos setores
e estratégias devem levar em consideração os co-benefícios à saúde.
No projeto das medidas de abrandamento, os alvos da redução de gases de efeito estufa em diferentes
períodos são, com frequência, tomados como fixos e a análise de custo-benefício permite a escolha de opções
de custo de menor importância para atingir esses alvos. O principal objetivo da atividade é restringir as
emissões de gases de efeito estufa. Ganhos diretos e circunstanciais da saúde são um bônus adicional ao valor
da ação de abrandamento e se esses benefícios podem ser calculados em termos monetários eles podem ser
compensados pelos custos dessas ações, dando um custo líquido resultante por tonelada reduzida de gases de
118
efeito estufa. Essas análises foram amplamente feitas para intervenções que reduzem o dióxido de carbono
e outros poluentes de efeito estufa decorrentes de eletricidade e fogões domésticos. Entretanto, fazer uma
análise de custo-benefício pode ser uma tarefa difícil.
Algumas das questões que foram levantadas incluem:
Como calcular o curso indefinidamente contínuo do ganho da saúde, especialmente reduções de
mortalidade prematura? É ético tomar diferentes valores para os benefícios, que dependem do quanto o país
é saudável?
O desconto de futuros ganhos é relevante ou o valor do abrandamento estaria sendo subestimado e a
injustiça intergeracional sendo introduzida?
Como os benefícios devem ser avaliados em termos de custos? Por exemplo, a redução do uso de carro
e aumento de transporte ativo em cidades podem reduzir as contas de combustível e os custos de propriedade
de veículo para as famílias, mas poderia aumento os tempos de percurso, pelo menos até que o uso da terra e
destinos de viagem mudem.
Como podem ser avaliados os efeitos econômicos diretos e indiretos da principal mudança social ?
Esses efeitos incluiriam o benefício para setores específicos e desvantagens para outros e maior vantagem
comparativa para fornecedores locais em relação aos distantes. Esses efeitos não são perceptíveis para análise
de custo-benefício, mas ainda assim precisam ser investigados através de modelos macroeconômicos.
As cidades sustentáveis, com menor uso de recursos e reduzidas emissões de gases de efeito estufa,
podem atingir as metas sociais equivalentes ou melhores em comparação àquelas que consomem quantidades
maiores de recursos? Além disso, isso levantaria questões quanto ao tipo de cidades que desejamos para morar
e como desejamos viver dentro dela.
Nem todos os ganhos e perdas em saúde podem ser quantificados, assim os valores monetários
representarão apenas uma parte do conjunto total de ganhos e perdas de várias ramificações sociais, econômicas
e tecnológicas da intervenção inicial.
Por essas razões, não tentamos realizar uma análise de custo–benefício de todas as opções e não foi
possível realizar uma análise sistemática de custo-eficácia, pelo menos neste estágio do programa de pesquisa,
para cada uma das várias ações de abrandamento. Entretanto, o custo-eficácia da ação de abrandamento
pode ser avaliada por estratégias, cujas estimativas de custo podem exequivelmente ser desenvolvidas.8 Toda
atividade de abrandamento pode ser avaliada, pelo menos teoricamente, em termos de custo por unidade de
ganho de saúde e por unidade de redução em emissões de gases de efeito estufa.
Os custos de mudanças, particularmente nos setores de agricultura e transporte, são muitos difíceis
de serem avaliados, pois a implementação pode envolver uma complicada combinação de mudanças nos
impostos, subsídios, regulamentos, desenvolvimentos de infraestrutura e muitas outras políticas, com amplos
efeitos indiretos. É necessário também levar em consideração quem paga o custo das políticas e quem se
beneficia das potenciais economias — por exemplo, o custo das intervenções de eficiência e as economias
119
que podem decorrer dos custos de combustível. A identificação de todos esses fatores é um exercício por si só
importante, que justificaria futuras pesquisas.
Todavia, os custos das diferentes intervenções podem ser considerados em termos amplos (tabela). Um
programa de aprimoramento do fogão na Índia, por exemplo, acarretaria um custo anual por residência de, no
máximo, poucas dezenas de dólares norte-americanos e economias contínuas em termos de despesa que pode
assumir a forma de gastos em combustível ou em tempo que tem custo de oportunidade. Os custos do fogão,
particularmente para famílias mais pobres, podem ser reduzidos através do financiamento do carbono, a fim de
fornecer subsídios ou outros instrumentos financeiros em favor dos menos favorecidos. Entretanto, a eficiência
do programa de energia doméstica no Reino Unido, para atingir os padrões exatos especificados, custaria na
faixa de $5000 a 50 000 por residência, resultando em contas de combustível menores, em média, em torno do
$500 por ano sobre os preços atuais, porém muito mais que proporcionariam os custos de combustível fóssil
e eletricidade. Estima-se que as reduções, em relação aos níveis atuais de emissões de gases de efeito estufa,
devido à geração de eletricidade pelo modelo de comércio total — cujas metas nacionais podem ser atendidas
através de compra e venda de permissões de emissões no mercado mundial dessas referidas permissões –
variem em termos de custo de poucas dezenas de dólares por tonelada de CO2 na Índia para mais de $100 por
tonelada no Reino Unido. As mudanças no transporte, que proporcionam aumentos substanciais em caminhada
e ciclismo com redução no uso de veículo motorizado urbano e mudanças nos padrões da dieta alimentar, são
potencialmente econômicos para as famílias e para a sociedade com relação aos atuais gastos, embora as
políticas para concretizar essas mudanças acarretem custos não determinados em nossas análises.
O Serviço de Saúde Nacional do Reino Unido (NHS [National Health Service]) gasta aproximadamente
$5000 por minuto em tratamento de doenças que poderiam ser prevenidas por atividades físicas regulares.9
A redução nesses gastos e outros benefícios ajudariam a compensar qualquer custo de implementação. Além
disso, o potencial dos benefícios poderá ser maior no futuro — por exemplo, em 2050, o modelo utilizado no
relatório de Foresight10 sugere que 60% dos homens adultos, 50% de mulheres adultas, e aproximadamente
25% de todas as crianças com menos de 16 anos serão obesas.
A projeção para custos do NHS imputáveis a sobrepeso e obesidade é de que dobrem para 10 bilhões
de libras por ano em 2050. Estima-se que os crescentes custos para a sociedade e para os negócios cheguem a
aproximadamente de 50 bilhões de libras por ano (a preços atuais).
Em termos de escolhas estratégicas, os maiores ganhos em saúde parecem resultar de mudanças no
transporte ativo e nas dietas de baixo consumo de alimentos de origem animal, pelo menos para a população
adulta em países de alta renda. O programa do fogão limpo da Índia também parece uma intervenção prioritária
de baixo custo por seus benefícios à saúde pública, embora seus efeitos sobre as emissões de poluentes de
efeito estufa sejam menos facilmente determinados (e se refere principalmente às emissões de gases de efeito
estufa diferentes de CO2: metano, monóxido de carbono e carbono preto e orgânico, em circunstâncias que
120
o combustível de biomassa é armazenado de forma renovável, resultando em emissões CO2 líquidas nulas).
A evidência sugere que são possíveis ganhos substanciais em saúde (somados às substanciais reduções
em gases de efeito estufa e emissões de carbono preto) a baixo custo melhorando-se a combustão de sólidos
combustíveis domésticos (carvão e biomassa) em residências confinadas e não ventiladas em muitos países
de baixa renda.
A exposição doméstica aos poluentes de ar interior por combustão ineficiente ou não ventilada –
que é comum na China, Sul da Ásia e grande parte da África subsaariana e América Latina — provoca
mortes prematuras estimadas em 1,6 milhão por ano, predominantemente de mulheres e crianças.11 Embora
intervenções na geração de eletricidade e na eficiência de energia doméstica em países de alta renda apresentem
menos benefícios em termos de DALYs preservados por pessoa do que em países de baixa renda, elas contudo
parecem trazer apreciáveis benefícios à saúde pública, quando bem implementadas.
Em termos médios, o mundo não pode se dar ao luxo de escolher uma intervenção em vez de outra, visto
que apenas o efeito combinado de todas essas ações de abrandamento, em adição a muitas outras, permitirão
o alcance da redução substancial necessária nas emissões de gases de efeito estufa. As sociedades pode,
entretanto, escolher em qual opção investir mais com maior vigor inicialmente e como priorizar o uso dos
recursos para evitar a mudança climática, em comparação com as atuais formas de tratar as prioridades sociais
— decisões que podem ser fundamentadas pela análise do custo-benefício da saúde.Exemplos incluem o corte
das emissões de gases de efeito estufa relacionadas ao transporte, estimulando o transporte ativo e reduzindo
o uso do carro em centros urbanos em vez de implementar mudanças em tecnologia e, (um exemplo que afeta
cooperação e desenvolvimento internacional) a transição para geração de eletricidade com baixa liberação de
gases de efeito estufa em países como por exemplo, Índia e China em comparação com a Europa e América
do Norte. Esse benefício proporciona incentivo para antecipar as iniciativas em países como por exemplo,
India e China, embora claramente não seja um argumento para a Europa e América do Norte adiar as reduções
urgentes e necessárias em suas próprias emissões.
O sexto documento da Série7 chama a atenção para a importância de um conjunto de poluentes de efeito
estufa de vida curta que é emitido em vários setores e é com frequência, excluído da política e discussões públicas:
partículas de carbono preto e de sulfatos e ozônio tropos feérico. Todos apresentam consequências adversas à
saúde e são ativos no clima. A importância de prestar maior atenção a eles na política de abrandamento se deve
ao fato de que as mudanças nos níveis de emissão rapidamente se refletem nas concentrações atmosféricas. O
corte das emissões responsáveis, portanto tem efeitos imediatos no aquecimento climático. Ao mesmo tempo,
há dúvidas se diferentes tipos de partículas de diferentes fontes podem ser mais ou menos prejudiciais para a
saúde. A evidência de consequências adversas à saúde dos produtos de combustão e seus grandes encargos
à saúde global está bem determinada,11 contudo há incerteza se os sulfatos, que derivam principalmente de
setores de transporte e energia, o carvão preto, que é produzido pela combustão incompleta da biomassa e
121
combustíveis fósseis, principalmente nos setores de transporte e domésticos, são igualmente importantes para
a saúde.Nova evidência é apresentada no sexto documento7 desta Série sobre os efeitos à saúde do carbono
elementar, o equivalente mais próximo da métrica do carbono preto usada pelos cientistas do clima. Essas
análises encontraram alguma evidência de que as partículas do carbono preto e elementar causam mais risco
de mortalidade por massa que as partículas finas indiferenciadas, mas apresentam também uma pronunciada
interação com o ozônio nos modelos de risco, deixando a questão indeterminada. Para os sulfatos, entretanto, a
evidência das duas revisões e o novo estudo é mais consistente e indica, por massa, que as partículas de sulfato
não são menos prejudiciais que as partículas finas indiferenciadas e podem ser efetivamente, de alguma forma,
até mais. Esses achados têm importantes implicações para os esforços de abrandamento.
Uma vez que as intervenções para reduzir as emissões de carbono preto controlarão também as partículas
de carbono orgânico associadas que são danosas à saúde, porém moderadamente refrescantes, o efeito líquido
ao clima dependerá da proporção desses dois tipos de partícula na mistura original. As estratégias para reduzir
as concentrações de sulfato, entretanto, embora desejáveis pela perspectiva da Saúde Pública, poderiam
exacerbar a mudança climática a curto prazo, por causa da perda de aerossóis de refrigeração, implicando que
cortes até mais profundos nas emissões de gases de efeito estufa poderão mesmo ser necessários do que são
propostos nas presentes metas oficiais, para se evitar a mudança climática perigosa.
As concentrações de ozônio estão aumentando no mundo todo devido às crescentes emissões do
precursor antropogênico, incluindo o metano, o segundo gás de efeito estufa mais importante.
O ozônio é não apenas um gás de poderoso efeito estufa, mas está crescentemente implicado como
causa de mortalidade prematura em si mesma, que será posteriormente tratado em novo estudo. Ele danifica
também as colheitas e o ecossistema.
Futuras análises dos co-benefícios deverão considerar a geração do ozônio e seus efeitos em detalhe.
Implicações políticas
As estimativas e comparação dos efeitos secundários à saúde são, inevitavelmente, imprecisas. Todavia,
ela se beneficia dos desenvolvimentos na disciplina da ciência do impacto (por exemplo, quantificação
comparativa dos Riscos à Saúde11 da OMS e avaliações dos efeitos na saúde da geração de energia na Europa12).
Painel 2: Incertezas na estimativa dos co-benefícios à saúde
Mesmo para vias específicas causais, importantes fontes de incertezas surgem em relação às funções
de exposição-resposta (parâmetros e forma matemática) e a extensão ao qual as exposições de fato mudariam.
Nesta Série, mostramos algumas dessas incertezas — por exemplo, o emprego de intervalos de confiança
para índices de exposição-resposta no documento de alimento e agricultura,5 e contrastando diferentes
122
modelos para efeitos e poluição por particulados nos documentos de transporte e eletricidade.4,6 Não temos
sumários das incertezas rotineiramente calculados como por exemplo, intervalos de confiança, ao fazer isso
inevitavelmente apenas algumas fontes de incerteza é capturada e, portanto, apenas uma visão parcial é
oferecida. Entretanto, temos quantificado os efeitos apenas quando suas evidências foram fortes e assim
acreditamos que forneciam estimativas de ampla magnitude e direção dos efeitos.
Nossas análises omitem várias importantes vias pelas quais as estratégias de abrandamento da mudança
climática podem afetar a saúde, como por exemplo, o efeito dos preços de combustível e, ao contrário, o efeito
de fornecer acesso imparcial à energia limpa para a população de baixa renda. Não consideramos também os
efeitos à saúde da redução da amplitude da mudança climática, que é tópico de outro trabalho.
O tempo em que os potenciais benefícios à saúde decorrentes das estratégias para reduzir emissões de
gases de efeito estufa se manifestarão variará. Esses benefícios incluem provavelmente reduções imediatas
em infecções respiratórias agudas em crianças pela diminuição da poluição do ar interior em países de
baixa renda, reduções a curto e médio prazo na incidência de doença cardiovascular e mortalidade que pode
ocorrer em um período de anos e reduções na incidência de câncer e mortalidade relacionada à obesidade
que pode ocorrer ao longo de décadas. Potenciais benefícios à saúde podem, portanto, estar relacionados
aos benefícios envolvidos que podem advir em espaços de tempo variáveis, dependendo das consequências à
saúde. A distribuição da mudança em exposição normalmente varia entre os indivíduos e regiões, economias,
e culturas; mudança homogênea na atual dosagem recebida é improvável. Incertezas adicionais importantes
são a velocidade e a conclusão de alguma intervenção, mas especialmente daquelas que precisam de mudança
comportamental e daquelas que precisam de muito investimento e vontade política.
A despeito de muitas incertezas científicas (painel 2), os modelos fornecem evidências úteis sobre o
tipo e a escala aproximada dos efeitos à saúde que podem ser esperados das atividades de importantes políticas
de abrandamento. Um achado referente aos efeitos à saúde geralmente positivos do abrandamento mostra
que as estratégias que promovem pouca redução na emissão de gases de efeito estufa podem também ter
potencial para melhorar a Saúde Pública.13 Esse achado também apresenta razões para reduzir as emissões de
gases de efeito estufa que não estão totalmente voltadas à obtenção do Abrandamento da Mudança Climática.
Alguns comentadores sugerem que muitas características da mudança climática já são irreversíveis e que o
objetivo mais importante é tentar adaptar-se a elas e a outras ameaças ambientais globais.14 Entretanto, o caso
do abrandamento será bastante fortalecido, se apresentar benefícios colaterais diretos em adição à restrição
imposta pela mudança climática.
Muito do ônus da doença nos países mais pobres é ainda devido às condições de categoria I, que são
dominadas por doenças infecciosas e parasíticas, mortalidade maternal, consequências de gravidezes adversas
e má nutrição.15 Entretanto, os fatores de risco para doenças não comunicáveis e consequentes ônus de categoria
II estão em ascensão em muitos países de baixa renda.16 Rápida urbanização, industrialização e crescimento
do transporte motorizado resultaram em níveis de partículas finas e ozônio que excederam em muito as
123
diretrizes internacionais baseadas na saúde17, a despeito dos esforços de tratamento da qualidade do ar que
reduziram os níveis de poluição do ar em alguns locais. Além disso, à medida que as sociedades de baixa renda
modernizam, os riscos da inatividade e abandono das dietas tradicionais estão emergindo rapidamente (por
exemplo, a obesidade),especialmente na população urbana na qual o crescimento populacional e congregação
são grandes. O aparente crescimento na importância da doença não comunicável é também parcialmente
devido a seu desmascaramento, uma vez que o ônus da doença infecciosa cai e a população global envelhece.18
As atividades de Abrandamento da Mudança Climática poderiam, em poucos casos, também reduzir
diretamente, através dos co-benefícios, os riscos de doenças infecciosas em países de baixa renda. Um exemplo
apresentado nesta Série é o da menor incidência de infecção respiratória inferior aguda com uma melhor
eficiência de combustão ou mudança para combustíveis limpos na cozinha doméstica da população de baixa
renda.3
De fato, conforme mostrado no documento de energia doméstica,3 a intervenção em escala total no
fogão na Índia poderia reduzir as mortes atribuíveis à infecção respiratória inferior aguda, a principal causa
da mortalidade infantil do mundo todo, em praticamente um terço por volta de 2020. As presentes estimativas
sugerem que poluição do ar interior é responsável por mais de 2% do custo total mundial da doença, ou próximo
de 4% nos países mais pobres.11 Além disso, a evidência dos efeitos da poluição do ar interior em muitas outras
consequências à saúde, incluindo o nascimento de baixo peso e cataratas, está crescendo, potencialmente
somando-se a esse total.19
Painel 3: Prioridades da Pesquisa
Uma recente publicação da OMS apresentou a necessidade de expansão da pesquisa em saúde e
mudança climática envolvendo os efeitos, vulnerabilidade, adaptação, e abrandamento.26 As análises
apresentadas desta Série podem ser melhoradas através da extensão do escopo, detalhe e refinamentos de
dados e metodologias. Além disso, o trabalho deve complementar outros esforços no modelo de avaliação
integrada — por exemplo, EC4MACS, um Consórcio Europeu para Modelo de Poluição do Ar e Estratégias
Climáticas financiadas pelo programa EU-LIFE.
Durante o nosso programa de pesquisa e modelo, foram identificados vários tópicos que requerem
pesquisa adicional para reduzir as incertezas e esclarecer as estratégias de redução potencial de gases de
efeito estufa para melhorar (ou em alguns casos piorar) a saúde. Essas questões estão relacionadas a seguir:
124
Questões transversais
Custos de implementação de estratégias de abrandamento com substanciais benefícios à saúde;
Visão e modelagem dos efeitos sociais e econômicos mais amplos da transição para futuros com baixo
teor de carbono;
Maior aproximação das estratégias de abrandamento climático a alvos importantes da saúde, como por
exemplo, os estabelecidos nas Metas de Desenvolvimento do Milênio;
Incertezas nos modelos, incluindo tempo de exposição e efeitos à saúde;
Efeito do crescimento populacional global, incluindo questões de igualdade socioeconômica e
imigração.
Contabilidade completa dos efeitos à saúde e ao clima dos poluentes diferentes do dióxido de carbono
que provocam o efeito estufa;
Avaliação das estratégias combinadas de abrandamento e adaptação;
Métodos alternativos para a abordagem de avaliação do Risco Comparativo, estratégia que trata da
duplicação dos efeitos à saúde.
Mais específicos para grupos de tarefa
Identificar os esforços adicionais para o abrandamento em mais conjuntos de setores com substancial
efeitos à saúde;
Pesquisa primária adicional sobre poluentes de efeito estufa de vida curta, particularmente para a
compreensão dos efeitos das concentrações de sulfato no resfriamento climático e saúde, e os efeitos negativos
do carbono preto, carbono orgânico e ozônio na saúde e no clima;
Exploração da sensibilidade a suposições: desconto de tempo, modelos de exposição e mudanças
antecipadas em saúde ao longo do tempo em modelos de saúde-poluição;
Uso de modelos de dispersão de emissão de poluição do ar refinados para estimar as mudanças na
concentração por país para entregar estimativas específicas por país dos efeitos à saúde, construindo abordagens
em avaliação integradas, como por exemplo, os da Rede de Modelagem de Avaliação Integrada;
Exploração de métodos que caracterizam os efeitos econômicos sobre a saúde devido a mudanças nos
preços do combustível;
Exploração detalhada e modelo de desenvolvimento para matéria particulada em ambiente interno
(PM2·5) e concentrações de radônio e efeitos associados à saúde;
Além disso, exploração do desempenho de sistemas de ventilação doméstica e efeitos associados à
saúde;
Além disso, contabilidade de diferentes tipos de gordura saturada de produtos animais (por exemplo,
esteárico, palmítico, mirístico);
125
Avaliação das tecnologias para o abrandamento do impacto à saúde dos gases novos e emergentes de
efeito estufa como por exemplo, armazenamento e captura de carbono e esquemas de reengenharia como por
exemplo, emissões de sulfatos de origem não combustível.
Potencial para mudança climática e estratégias de abrandamento que afetam a colheita e risco de fome.
Para mais informações sobre Consórcio Europeu para Modelos de Estratégias para Poluição do ar e Clima, veja http://
www.ec4macs.eu/home/index.html
Para mais informações sobre Rede para Modelo de Avaliação Integrada, veja http://www.niam. scarp.se/
Esta Série não inclui as avaliações de todas as estratégias importantes de redução das emissões
de gases de efeito estufa. Uma estratégia não inclusa é a redução do crescimento populacional, cujos cobenefícios potencialmente importantes adicionais à saúde adviriam do acesso universal aos serviços da saúde
reprodutiva.20 Maior espaçamento entre nascimentos e a fertilidade reduzida decorrentes do acesso da mulher
à educação e contraceptivos de controle de suas reproduções podem gerar importantes benefícios à saúde pela
redução da e mortalidade infantil e maternal.21
A obtenção desses benefícios não é caso de coerção, mas de provisão do mesmo nível de serviços à
saúde reprodutiva que as mulheres já desfrutam em mais da metade do mundo. Embora o efeito exato das
emissões de gases de efeito estufa não seja facilmente medido, trazer o mundo para a fertilidade de reposição
mais rapidamente em vez de mais tarde reduzirá indubitavelmente os efeitos sobre o planeta em longo prazo.
Embora as emissões por pessoa sejam baixas em muitos países de poucos recursos, é previsto o crescimento
populacional nas próximas décadas em alguns países de alta emissão como, por exemplo, o Reino Unido e
EUA,22 tornando assim a realização de profundos cortes nas emissões de gases de efeito estufa nesses países
até mais desafiadores.
Uma abordagem controvertida do abrandamento é a produção de biocombustíveis, particularmente
para atender as demandas de crescimento de combustíveis líquidos para transporte. Muitos fatores afetam as
emissões de gases de efeito estufa decorrente dos sistemas de abastecimento de biocombustíveis, como por
exemplo, o uso de energia para o crescimento de plantas dos quais são derivados e a mudança no uso da terra
em decorrência do cultivo de plantas para os biocombustíveis. Tem sido uma preocupação particular que a
produção do etanol a partir do milho exija uma quantidade substancial de combustível fóssil e fertilizante,
resultando, portanto, em grandes emissões de gases de efeito estufa e particulados finos.23 Os biocombustíveis
podem potencialmente proporcionar uma importante contribuição na redução dos gases de efeito estufa, caso
sejam originados de “matérias-primas produzidas com emissões de gases de efeito estufa de ciclo de vida
inferior aos tradicionais combustíveis fósseis e com pouca ou nenhuma concorrência com a produção de
alimento”.24 Para atender às necessidades de transporte, porém, recente evidência sugere que a combustão
da biomassa para gerar eletricidade para carregar os veículos movidos à bateria supera o desempenho do
126
etanol em termos de eficiência de uso da terra e as compensações das emissões de gases de efeito estufa
por unidade de área da cultura.25 As potenciais implicações de biocombustíveis e bioenergia para a saúde e
emissões danosas devem ser mais investigadas.
Painel 4: Pontos de Ação
Os responsáveis políticos em seus respectivos setores quanto a substanciais emissões de gases de
efeito estufa, devem:
Levar em consideração os co-benefícios à saúde e potenciais riscos ao considerar as diferentes opções
de abrandamento de gases de efeito estufa, de forma que elas melhorem o progresso no alcance das Metas de
Desenvolvimento do Milênio e outras prioridades de desenvolvimento e saúde;
Assegurar que novas tecnologias e estratégias de abrandamento de gases de efeito estufa sejam
submetidas à avaliação do impacto à saúde antes de ser divulgadas;
Implementar políticas para reduzir as desigualdades no acesso a fontes de energia limpa;
Considerar as retiradas de subsídios que estimulem o consumo de produtos animais em nações de alto
consumo;
Aumentar o financiamento para medidas que estimulem o ciclismo e caminhada e desestimulem o uso
de carro particular em centros urbanos.
Os patrocinadores da pesquisa devem:
Aumentar o financiamento para a colaboração interdisciplinar, incluindo o desenvolvimento de métodos,
entre os pesquisadores da saúde e cientistas que trabalham em tecnologias e estratégias para o Abrandamento
da Mudança Climática em diversos setores;
Gerar capacidades para apoiar o desenvolvimento de carreira e treinamento de pesquisadores em
disciplinas relevantes;
Promover estratégias e políticas de baixas emissões de gases de efeito estufa em seus ambientes de
trabalho e na alocação de fundos.
Os responsáveis pela política da saúde devem:
Promover e apoiar as políticas de redução das emissões de gases de efeito estufa, que ofereçam cobenefícios à saúde e estimulam mudanças comportamentais simples que resultem na redução de gases de
efeito estufa;
Assegurar que a força de trabalho da saúde seja estimulada a reduzir as emissões de gases de efeito
estufa de seu pessoal, inclusive através do aumento do transporte ativo.
Os profissionais da saúde devem:
Lutar por políticas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e obter os co-benefícios à saúde
baseando-se na melhor evidência disponível;
Promover a educação a respeito desse tópico em escolas, universidades e a comunidade em geral;
Promover estratégias e políticas para diminuir as emissões de gases de efeito estufa em seu próprio
127
ambiente de trabalho.
Esta Série não considerou muitos outros potenciais benefícios com menor efeito direto na saúde que
poderiam advir da implementação de políticas e estratégias apropriadas na redução das emissões de gases de
efeito estufa.
Essas iniciativas incluem novas oportunidades de emprego em setores de energia renovável, maior
tempo produtivo da mulher, em particular para aquela que não precisará mais coletar tanta biomassa para
combustível, menor tempo gasto em congestionamento de tráfego e maior segurança de energia com potencial
de reduzir o conflito sobre as reservas escassas de combustíveis fósseis. No painel 3 resumimos as áreas de
pesquisa identificadas pela Força Tarefa, que requerem trabalho adicional.
Alinhamento da saúde, desenvolvimento, e Abrandamento da Mudança Climática
A Convenção do Quadro das Nações Unidades sobre Mudança Climática (UNFCCC [United Nations
Framework Convention on Climate Change]) estabelece que as medidas de abrandamento que proporcionem
benefícios sociais devem ser priorizadas. A saúde é um dos benefícios sociais mais evidentes dentre os benefícios
sociais (conforme mencionado de forma notável na seção de abertura da UNFCCC 1992).27 Os benefícios à
saúde atraem imediatamente o apoio público para a ação política, conforme mostrado por experiências nas
quais os benefícios à saúde dominaram as formalidades das intervenções ambientais, como por exemplo, a
legislação do ar limpo em muitos países.
O mecanismo de desenvolvimento limpo emergiu do Protocolo de Kioto,27 e estabeleceu mecanismos
para a comercialização de permissões do carbono. Embora os países de baixa e média renda fossem isentados
das exigências de obrigatoriedade constantes no Anexo 1 para países (industrializados), a fim de se atingir
cortes específicos nas emissões de gases de efeito estufa, esses países podem, pelo menos teoricamente, se
beneficiar da venda dos créditos de carbono para projetos que melhorarão seu desenvolvimento sustentável.
Embora o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo tenha feito alguma contribuição na canalização de fundos
para nações beneficiárias, surgiram dificuldades,28 incluindo a ausência de um padrão efetivo para quantificar
a extensão do desenvolvimento no referido projeto ou para escolher um projeto dentre outros de acordo com
o nível de desenvolvimento atingível. Portanto, embora o mecanismo tenha pretendido oferecer apoio ao
desenvolvimento sustentável, os projetos aprovados focaram amplamente o abrandamento dos gases de efeito
estufa, com alguma consideração de emprego. Além disso, os dados de 200628 mostraram que apenas poucos
projetos haviam beneficiado a África Subsaariana (1,8%), enquanto que países asiáticos (particularmente a
China) haviam tido muito mais sucesso. A iniciativa do Quadro de Nairóbi foi lançado em novembro de 2006,
com apoio das Nações Unidas, do Banco Mundial e Banco de Desenvolvimento Africano para promover a
participação de países pobres, particularmente da África.29
A conquista de uma condição de saúde razoável nas populações é um elemento essencial do
desenvolvimento, uma vez que ela é reconhecida por praticamente todos os países na forma de Metas de
128
Desenvolvimento do Milênio (MDM).2 Embora não sem incertezas, acreditamos que a avaliação dos cobenefícios à saúde dos projetos de abrandamento climático é suficientemente avançado para permitir
estimativas da magnitude de seus efeitos. Propomos, portanto, que a avaliação dos co-benefícios à saúde dos
projetos submetidos ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e outros esforços internacionais similares seja
um critério de adequação para fundos. Efetivamente, o estabelecimento em 2007 da Instalação para Carbono
das MDM através do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas, Fundação das Nações Unidas e
outros sugerem um mecanismo potencial através do qual esse esforço possa começar.30 O nosso trabalho pode
contribuir para o desenvolvimento de abordagens padronizadas para a avaliação dos co-benefícios à saúde e
ao desenvolvimento.
Transposição do fosso da igualdade
A principal dificuldade nas negociações internacionais sobre os gases de efeito estufa é a diferença nas
perspectivas históricas e futuras entre países ricos e pobres. Observadores de países de baixa renda apontaram
que as atividades históricas em países ricos causaram a maior parte das mudanças climáticas até o momento.31
Uma vez que os países de baixa renda possuem muitas necessidades urgentes de desenvolvimento, eles não
percebem o atual abrandamento. Contudo, caso a mudança climática deva ser colocada sob controle, com
adição de reduções urgentes e de longo alcance em países de alta renda, rapidamente ocorrerá a necessidade
para muitos países de renda baixa e média tomarem atitudes de abrandamento.
Políticas que promovam as atividades de abrandamento com fortes co-benefícios em saúde e
outras necessidades de desenvolvimento forma potencialmente uma ponte política por sobre a lacuna de
desenvolvimento entre países ricos e pobres.
Essas iniciativas tratarão diretamente as principais necessidades de desenvolvimento, com
reconhecimento dos imperativos da mudança climática. Efetivamente, a provisão de energia doméstica limpa
acessível em países em desenvolvimento pode contribuir para a realização de todos as oitos MDMs, através
dos co-benefícios à saúde e das contribuições para a redução da pobreza, fornecimento de trabalho produtivo,
redução de tempo improdutivo e , por meio disso a redução das desigualdades de gênero.32
Considerações da igualdade intergeracional também serão aplicáveis para pelo menos algumas das
decisões sobre as ações de abrandamento. Por exemplo, caso as atuais tendências nos métodos de produção de
animal e o consumo de produto animal por pessoa continuar, a geração atual legará para gerações futuras um
ambiente mais empobrecido e danificado que o de hoje. Ao contrário, a reforma do cenário urbano e mudanças
no planejamento da cidade e padrões de residências podem criar, em várias décadas, uma base infraestrutural
concedendo benefícios duradouros para gerações presentes e futuras.
129
Apelo à ação e conclusões
No painel 4 resumimos as implicações para diversos grupos de acionistas com relação às evidências
desta Série.
A melhoria da saúde (através dos co-benefícios e prevenção contra os efeitos à saúde acarretados
pela mudança climática) deve ser integrada nas políticas de redução das emissões de gases de efeito estufa e
dos riscos da perigosa mudança climática. Apelamos aos profissionais da saúde que ultrapassem seis limites
profissionais convencionais e colaborem com os responsáveis políticos e tecnológicos para abrandar a mudança
climática.
Esta Série deixa claro que os co-benefícios à saúde podem advir como resultado direto de muitas
atividades de abrandamento para emissões de gases de efeito estufa. Se as sociedades mudarem seus sistemas
de energia de forma a melhorar a qualidade do ar interior e exterior, mudar seus métodos de transporte
de forma a estimular a atividade física e o contato social e modificar as práticas de produção intensiva de
alimentos e as escolhas do consumidor de forma a reduzir os riscos dietéticos à saúde, então resultarão em
consequências positivas para a saúde. A despeito de incertezas sobre a magnitude e prazo, os co-benefícios à
saúde decorrentes do abrandamento podem ser antecipados. Portanto, o comprometimento com as ações para
o abrandamento que produzam muitos desses benefícios se tornou muito apelativo, especialmente se (como
provavelmente é) os ganhos da saúde acarretarem em substancial economia aos cofres públicos em decorrência
do corte nos custos das ações de abrandamento. A importância estratégica dessa questão é potencialmente
grande. Se os co-benefícios à saúde decorrentes das atividades de abrandamento em países de baixa renda
forem suficientemente grandes, isso fortaleceria as razões para se obter a convergência dos esquemas de
abrandamento entre os países de baixa e alta renda.
Os potenciais co-benefícios das medidas selecionadas para o abrandamento de emissões de gases de
efeito estufa devem elevar o perfil de saúde, conforme o critério em discussão na Conferência sobre Mudança
Climática em Copenhagen, Dinamarca em dezembro de 2009. Até o momento, a consciência da importância
e o significado para a saúde a longo prazo dos desafios da mudança climática tem sido baixa. Portanto, os
profissionais da saúde têm um importante papel na educação do povo e responsáveis políticos sobre os aspectos
da saúde relacionados à mudança climática, incluindo os potenciais co-benefícios à saúde das medidas de
abrandamento de gases de efeito estufa.33
Uma vez que os países considerem as reduções em suas próprias emissões de gases de efeito estufa ou
do clima para investir em desenvolvimento limpo, os co-benefícios à saúde (e consequências potencialmente
negativas à saúde) devem ser avaliados antecipadamente com cuidado. Além disso, são necessários pesquisa,
desenvolvimento metodológico e trabalho analítico para melhorar a priorização do abrandamento em
diferentes setores e regiões. Uma vez que trilhões de dólares serão provavelmente gastos no abrandamento de
gases de efeito estufa nas próximas décadas, é fundamental alocar os recursos consideravelmente pequenos de
pesquisa, necessários para direcionar esses investimentos ao longo das vias que tragam o mundo mais perto
das metas de sua saúde e clima.
130
Contribuidores
AH ocupou a presidência da Força Tarefa. Todos os autores participaram do desenvolvimento de ideias
para seus documentos. O texto deste documento foi preparado principalmente por AJM, AH, KRS, e PW, com
contribuições de todos os outros autores.
Força Tarefa para o Abrandamento da Mudança Climática e Saúde Pública
Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, Reino Unido Andy Haines (presidente), Ben G
Armstrong, Zaid Chalabi, Alan D Dangour, Phil Edwards, Karen Lock, Ian Roberts, Cathryn Tonne, Paul
Wilkinson, James Woodcock; Sociedade Americana do Câncer, Atlanta, GA, EUA, Michael J Thun; BC3
(Centro Basco para a Mudança climática), Bilbao, Spain Aline Chiabai, (também na Universidade de Bath)
Anil Markandya; Universidade Brigham Young , Provo, UT, EUA C Arden Pope III; Universidade Edinburgh
Napier, Edinburgh, Reino Unido Vicki Stone; Rede de Pesquisa do Clima e Alimento, Universidade de
Surrey, Surrey, Reino Unido Tara Garnett; Saúde Canadá, Ottawa, ON, Canadá Richard T Burnett; Instituto
de Efeitos à Saúde, Boston, MA, EUA Aaron Cohen; Instituto Indiano de Tecnologia, Delhi, Índia Ishaan
Mittal, Dinesh Mohan, Geetam Tiwari; Faculdade Imperial de Londres, Londres, Reino Unido Richard
Derwent; Faculdade Real de Londres, Grupo de Pesquisa Ambiental,Londres, Reino Unido Sean Beevers;
Centro de Desenvolvimento International de Londres, Londres, Reino Unido JeffWaage; Centro National
para Epidemiologia e Saúde da População, Universidade Nacional Australiana, Canberra, ACT, Austrália
Ainslie Butler, Colin D Butler, Sharon Friel, Anthony J McMichael; Universidade de Nova York, Escola de
Medicina, Nova York, NY, EUA George Thurston; Universidade Estadual de San Diego, Escola Graduada
de Saúde Pública, San Diego, CA, EUA Zohir Chowdhury; Universidade de St George de Londres, Divisão
de Ciência da Saúde da Comunidade, e Centro MRC-HPA para o Meio-Ambiente e Saúde, Londres, Reino
Unido H Ross Anderson, Richard W Atkinson, Milena Simic-Lawson; Takedo International, Londres, Reino
Unido Olu Ashiru; Universidade de Auckland, Escola da Saúde Popular, Auckland, Nova Zelândia Graeme
Lindsay, Alistair Woodward; Universidade da Califórnia, Berkeley, Escola de Saúde Pública, Berkeley, CA,
EUA Heather Adair, Zoe Chafe, Michael Jerrett, Seth B Shonkoff, Kirk R Smith; Faculdade da Universidade
de Londres, Escola Bartlett de Estudos Graduados, Londres, Reino Unido Michael Davies, Ian Hamilton, Ian
Ridley; Faculdade da Universidade de Londres, Instituto de Energia, Londres, Reino Unido Mark Barrett, Tadj
Oreszczyn; Universidade de Grenoble e CNRS (Centre Nationale de la Recherche Scientifique), Grenoble,
França Patrick Criqui, Silvana Mima; Universidade de Liverpool, Divisão de Saúde Pública, Liverpool,
Reino Unido Nigel Bruce; Universidade de Oxford, Escola de Geografia e Meio-Ambiente, Centro para o
Meio-Ambiente, Oxford, Reino Unido David Banister, Robin Hickman; Universidade de Ottawa, Ottawa, ON,
Canadá Daniel Krewski; Universidade de Warwick, Instituto de Pesquisa das Ciências de Saúde, Coventry,
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Reino Unido Oscar H Franco; Organização Mundial da Saúde, Genebra, Suíça Simon Hales, Diarmid
Campbell-Lendrum.
Conflitos de interesse
Declaramos que não há conflitos de interesses.
Agradecimentos
O projeto que possibilitou essa Série foi fundado pela Wellcome Trust (financiador da coordenação);
Departamento de Saúde, Instituto Nacional para Pesquisa da Saúde; Faculdade Real de Médicos; Academia
de Ciências Médicas; Conselho de Pesquisa Social e Econômica; Instituto Nacional de Ciências da Saúde
Ambiental dos EUA; e OMS. A ; Faculdade Real de Médicos é patrocinada por concessão educacional
irrestrita da Pfizer. Os financiadores não participaram do projeto, análise ou interpretação deste estudo. As
opiniões expressas são dos autores e não necessariamente refletem a posição dos organismos de financiamento
ou Instituto de Efeitos à saúde dos EUA ou seus patrocinadores.
Referências
Haines A, Kovats RS, Campbell-Lendrum D, Corvalan C. Climate change and human health: impacts,
vulnerability, and mitigation. Lancet 2006; 367: 2101–09.
United Nations. Millennium Development Goals Report 2009. New York: United Nations, 2009.
Wilkinson P, Smith KR, Davies M, et al. Public health benefits of strategies to reduce greenhouse-gas
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Woodcock J, Edwards P, Tonne C, et al. Public health benefits of strategies to reduce greenhouse-gas
emissions: urban land transport. Lancet 2009; published online Nov 25. DOI:10.1016/S0140-6736(09)617141.
Friel S, Dangour AD, Garnett T, et al. Public health benefi ts of strategies to reduce greenhouse-gas
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Markandya A, Armstrong BG, Hales S, et al. Public health benefi ts of strategies to reduce greenhousegas emissions: low-carbon electricity generation. Lancet 2009; published online Nov 25. DOI:10.1016/S01406736(09)61715-3.
Smith KR, Jerrett M, Anderson HR, et al. Public health benefi ts of strategies to reduce greenhouse-gas
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Smith KR, Haigler E. Co-benefi ts of climate mitigation and health protection in energy systems:
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