Qual o significado de GRACE?
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Qual o significado de GRACE?
Peregrinación de Grace de 2007 en el desierto de Negev, Israel Qual o significado de GRACE? Sabine Lichtenfels, 2006, excerto do livro: “GRACE. Peregrinação por um Futuro sem Guerra” A peregrinação conduzir-nos-á a Israel-Palestina, para a chamada Terra Santa, uma região que durante muito tempo tem sido dominada pela guerra, pelo conflito, e por lutas e divisões. Para que esta peregrinação seja um sucesso em termos de trabalho pela paz interior e exterior, será necessária uma fonte espiritual. Isto fará com que nós, como peregrinos, ajamos de forma que seja simultaneamente correcta e curativa, independentemente de quaisquer situações difíceis. Na pesquisa de um nome para a peregrinação chegámos ao termo GRACE. GRACE tem muitas conotações, e em Inglês significa mais do que a palavra “Graça” significa em Português. GRACE é misericórdia, boa vontade, encanto, doçura, prontidão, caridade, consideração, harmonia, e também significa o acto de GRACE em si mesmo. GRACE recorda-me de caminhar ao serviço de uma missão mais elevada, ao serviço da vida e da sua justiça inerente. Aqueles que caminham em nome da GRACE não vêm para acusar. Eles não vêm para introduzir uma nova ideologia num país, ou numa terra e na sua gente: eles vêm em serviço à abertura, à percepção e ao apoio. GRACE não se compromete que a guerra não piore, mas sim a pôr-lhe um fim onde quer que surja. Em nome de GRACE, eu estou sempre em busca de uma solução não -violenta, uma solução que crie justiça e cura entre todos os que estão envolvidos. Muitas vezes é necessário um julgamento claro para alcançar isto, mas nunca a condenação. GRACE diz: eu estou disposto a acabar com a guerra e a entender os meios através dos quais ela pode ser terminada, e coloco-me a mim mesmo ao serviço de uma solução. Nós podemos examinar facilmente até que ponto nos comprometemos a nós próprios a agir desta maneira pela forma como reagimos, especialmente quando sentimos que alguém nos tentou magoar ou nos tratou injustamente. Em tais situações, nós esquecemos rapidamente a nossa determinação de viver em paz, e rapidamente entramos em disputas e guerras, grandes ou pequenas. Apresento um pequeno exemplo, talvez um pouco cómico, mas esclarece o pretendido: se ouvirmos que o carro de um conhecido distante foi roubado, provavelmente receberemos a notícia com muita calma. Se ouvirmos que o carro do nosso melhor amigo foi roubado, provavelmente ficaremos um pouco agitados, mas ainda assim suficientemente calmos para proferirmos algumas palavras de comiseração. Quando, no entanto, o nosso amado carro é roubado, a paz interior é estilhaçada, e provavelmente assim fica durante algum tempo. As direções mais profundas que tomamos são decididas a um nível de consciência completamente diferente. No entanto, podemos compreender mais sobre as correlações numa escala maior, quando tivermos aprendido a nos tornarmos testemunhas de nós próprios numa escala mais pequena. GRACE não é realizada pelo ser humano. GRACE remete-nos sempre para o nível mais elevado de ordem da vida em si mesma. Sabine Lichtenfels durante la primera peregrinación de Grace en Israel-Palestina, 2005 Sabine Lichtenfels en negociación con el general del ejército Hector Peña, en Colombia, 2008 Não serei eu quem julgará, mas antes a vida em si mesma. Não importa onde estiver ou para onde vou, ponho de lado todo o preconceito e julgamento. Não chego com ideias pré-concebidas sobre quem o outro poderá ou não ser, e não faço dessas opiniões a referência para as minhas ações. Pratiquei e aprendi a ver o Cristo em cada ser humano, onde quer que estivesse, durante toda a peregrinação. Inicialmente, eu dirijo-me a outro ser humano que acontece ser o meu interlocutor e deixo-me tocar pela sua história. Para fazer isto, eu trato de ancorar-me o mais possível no momento presente. Uma e outra vez, eu imagino que a pessoa sentada à minha frente, poderia muito bem ser eu. Eu podia ser uma mulher colona dos territórios ocupados, uma mulher Palestiniana ou uma jovem mulher Israelita prestes a entrar no serviço militar. Eu podia ser o soldado que está prestes a atirar gás lacrimogéneo a crianças Palestinianas. Eu procuro a essência do ser humano em todos os seus papéis, e por detrás de todas as máscaras de alienação. É, muitas vezes, difícil estar neste estado de presença. Quantas vezes fiquei indignada com as ideologias que tive de suportar ouvir, por exemplo, de um rabino extremista ou de um muçulmano fanático? E quantas vezes senti uma reacção de defesa interior ou uma reacção de repulsa quando ouvia as acusações intermináveis e as histórias de sofrimento dos Palestinianos na Faixa de Gaza, ou os discursos fanáticos dos ocupantes? GRACE requer autoconhecimento, e o autoconhecimento nem sempre é fácil. Descobrir as falhas nos outros é muito mais aprazível e fácil, do que desmascararmo-nos a nós próprios. Todo o meu ser quer gritar de raiva e indignação quando me sento em frente a um jovem soldado que excitadamente me apresenta os valores ideológicos do seu país. De repente, ocorre-me que ele podia muito bem ser meu filho, e imediatamente começo a ver nele não apenas o soldado, mas o ser humano por detrás do seu papel. Este é um primeiro passo que cria abertura. Agora tudo depende se eu vou ser capaz de lhe dizer a verdade do que eu vejo sem qualquer medo. É então que GRACE acontece. Deixo-me tocar e tento tocar os outros. Sempre que possível, entro nos lugares com o meu coração aberto. Este foi o caso quando me encontrei com soldados e oficiais, camponeses ou agricultores Palestinianos, ou colonos Israelitas. GRACE vem da força e da conexão com a fonte da vida. Isto não deve ser confundido com uma atitude tímida a partir da qual eu não ouso falar contra a injustiça quando a vejo. Não condeno nada ou ninguém quando estou em estado de GRACE, em vez disso, reúno a coragem para falar a verdade. Eu quero dizer a verdade de uma maneira que alcance os outros e os mude, e não para eu ter razão, o que agravaria ainda mais a situação de guerra. Na nossa realidade diária nós calamos ambos os lados. Calamos a verdade da vítima, bem como a verdade do opressor. E então rapidamente impomos a nossa visão do mundo a qualquer En Anata, Palestina durante la peregrinación en 2005 um deles. E mais importante que tudo, é que consideramos que a nossa visão do mundo é a única correcta! Fazemos isto para nos protegermos de sermos tocados. Apenas conseguimos suportar ver as notícias constantes e terríveis porque estamos tão fechados. E ficamos aliviados quando somos capazes de distinguir os “bons” dos “maus”. Tratamos de viver as nossas vidas quotidianas confortáveis e acreditamos que somos boas pessoas quando conseguimos mostrar alguma pequena caridade nas nossas vidas. É desta forma que o fascismo subtil dos nossos tempos emerge - indiferença. As pessoas fecham as suas boas portas burguesas face à realidade. Elas fazem-no até ao momento em que, de repente, elas próprias são apanhadas pela onda da vida real que, até à altura, tinham vindo a conseguir suprimir com sucesso. A supressão agora contra-ataca e, mostra o seu lado mais cruel e violento. Não é a vida em si que é cruel. É através da supressão que ela parece ser cruel e violenta. Vemos isto nas crises dos casamentos, nas doenças, nas taxas crescentes de suicídio, nas doenças psicológicas, no alcoolismo e em outros problemas semelhantes. Isto é, até acordarmos! GRACE lembra-nos de uma outra verdade e realidade que trabalham por detrás das dimensões terríveis de uma cultura que, muito em breve, esgotará os seus últimos recursos. A verdade é simples e a mesma em toda a parte. Quando formamos uma opinião, tendemos a esquecer que fazemos isto, maioritariamente, a partir de um nível de interpretação. A verdade está para além de todas as opiniões. A verdade é tão distinta de uma ideologia, quanto é simples e verdadeira. Fiquei chocada ao aperceber-me que os conflitos são muito frequentemente ateados e re-ateados pelas ideologias e pelas convicções que as pessoas disparam continuamente umas contra as outras. Por causa do nosso medo da verdade da vida, consideramos as nossas opiniões e pontos de vista como verdadeiros e defendemo-los até ao seu amargo fim. Isto é uma guerra psicológica que, no fim, resulta numa guerra real. Nós queremos manter como verdadeiro, algo que não tem nada que ver com a verdade. Esta é a história da nossa socialização, com a qual nos identificamos. Subitamente olhamos para o espelho distorcido da humanidade, que se separou ela própria das suas raízes. Vemos os mesmos padrões de medo, raiva, impotência e trauma, que estão em todo o lado, e a guerra resultante com os seus actos destrutivos de vingança. É a vida suprimida em si mesma que escolhe a vingança para sobreviver. Neste ponto é escusado apelar à moralidade. Imagine que o seu filho é morto à frente dos seus próprios olhos. Não é a vingança o seu impulso mais forte e imediato? Vemo-lo em todo o lado, por vezes menos forte, por vezes na sua mais forte expressão, mas o padrão básico permanece idêntico em todo o lado. Pode ser encontrado por detrás de cada ideologia, por detrás de todas as religiões, por detrás de todas as visões do mundo. Todos nos havemos tornado, em igual medida, vítimas de uma cultura imperialista. Por detrás desta avalanche que se desenrola nas regiões em guerra neste planeta, escrevendo a sua história dolorosa de oprimidos e opressores, por detrás disto, de repente chegamos à mesma fome em todo o lado – uma fome de vida, uma fome de amor, uma fome de confiança e de sentido de pertença, uma fome por reconhecimento e uma fome de se querer ser visto e compreendido. Esta fome é independente de qualquer cultura. Existe simplesmente em cada ser humano, desde que ele ou ela continue a ser humano/a. Quando estou lá fora em nome de GRACE, tento reconhecer o ser humano e deixar-me tocar pelo Ser, em vez das visões do mundo que ele representa. Estava tudo perdido, sempre que os nossos encontros começaram com um debate sobre as visões do mundo. Ninguém continuava a ouvir e, em vez disso, estes encontros terminavam numa escalada de emoções. Os encontros desenrolaram-se de uma forma completamente diferente, sempre que as pessoas foram tocadas umas pelas outras a um nível humano. GRACE recorda-nos sempre disto. GRACE é como uma ingenuidade escolhida de forma consciente, que nos ajuda a não nos perdermos no oceano das diferentes visões do mundo, de modo a reconhecermos e a protegermos a verdade elementar e simples por detrás de todas as coisas. Desta forma, criamos uma abertura para o grito pela vida. Vemos o corpo de dor colectiva à nossa frente, este corpo de dor que trouxe aos judeus o seu terrível destino. Igualmente, reconhecemos a ilusão colectiva do povo alemão, que ainda não foi capaz de olhar verdadeiramente para o seu passado e curá-lo. Vemos os efeitos de uma cultura e religião patriarcais, que tomaram uma direção errada durante milhares de anos, e vemos como a guerra é uma parte inseparável desse caminho, tal como um trovão e um relâmpago fazem parte de uma noite de tempestade. A história das vítimas e dos opressores, e a nossa identificação com qualquer um deles, tem de chegar ao fim. Neste ponto em que nos encontramos, a história mundial espera uma grande transformação, o despertar final! GRACE RECORDA-NOS SEMPRE QUE ESTA MUDANÇA NÃO PODE ACONTECER POR MEIO DAS NOSSAS PRÓPRIAS FORÇAS. GRACE recorda-nos, a cada momento, do sentido do sagrado da vida em si própria. GRACE recorda-nos que a única forma da humanidade conseguir sair do beco sem saída é voltar com sucesso às verdadeiras bases da vida e do amor, da confiança e da verdade. GRACE é o poder de um longo fôlego que vai durar porque consegue ver uma nova aurora no horizonte da História, um paraíso de amor e caridade, uma cultura que honra a diversidade, enquanto simultaneamente reconhece os valores universais da vida. GRACE é o cordão umbilical que nos liga a esta visão e nos guia, a partir deste momento, para agirmos e comportarmo-nos a partir do seu espírito, da sua frescura, da sua abundância e beleza. Encontro com Soldados Israelitas e um Palestiniano Na manhã seguinte, nós partimos por um longo caminho através dos olivais, que são típicos desta região. (…) Não caminhávamos há muito tempo, quando um jipe com três soldados veio na nossa direcção. A experiência, descrita em seguida, está profundamente gravada na minha memória. Está guardada no mais fundo da minha alma e, emerge repetidamente para me lembrar desta experiência elementar. Eu tornei-me testemunha de como os seres humanos são capazes de abandonar instantaneamente os seus antigos padrões de comportamento, e de se abrirem a si próprios para algo novo. Através disto, uma nova visão e a possibilidade de uma nova realidade irradiam para as nossas vidas. Os soldados querem controlar-nos. Com rostos frios e formais, perguntam-nos porque andámos por aqui, e dizem-nos que é proibido entrar na zona de segurança. Enquanto falamos sobre o que fazemos, os seus rostos formais profissionais começam a estalar. Eles olham-nos com alguma suspeita. Estão habituados a grupos internacionais politicamente comprometidos, que vão aparecendo na Faixa de Gaza. Mas nós seguimos seriamente o nosso caminho a pé, atravessando o país inteiro em nome de GRACE, e eles nunca viram nada assim antes. Eles tornam-se cada vez mais curiosos, e a conversa ganha traços humanos. Finalmente, eles deixam-nos continuar. Passado algum tempo, nós chegamos a uma fonte. Fayez, o nosso guia Palestiniano, mostranos alegremente como é que os agricultores conseguem recolher a água nestes oásis. Nós descansamos à sombra de uma oliveira. A oliveira é o emblema da Paz do mundo Palestiniano. Eu sinto o impulso para começar um círculo de partilha. Aqui, sob a luz prateada e cinzenta que brinca com as oliveiras e com a imensa frequência sagrada do lugar, um círculo de partilha podia revelar-se útil na função de trazer à vida um futuro humanizado para todos os participantes. Já há algum tempo que estava a pensar em iniciar um círculo de partilha. (…) O que é que move os jovens? O que é que ocorre nos peregrinos alemães que sabem o quanto o destino deste país está ligado às consequências do Holocausto? Quando é que os Israelitas vão dizer como se sentem? O Joel dá-me uma romã. Ela passará de mão em mão, e servirá de símbolo da nossa estima e respeito mútuos, e da nossa vontade para ouvir a pessoa que tiver a romã na mão. (...) Eu inicio com uma oração e sou recordada da Deusa com a romã, que ilumina festivamente toda a situação. O quanto a alma pede estes momentos, em que é elevada para além do sofrimento, da dor e do desespero, de modo a reforçar novamente as forças de auto-cura. Rituais simples e despretensiosos, que não sejam embebidos em nenhuma religião ou ideologia definida, podem sempre ajudar um grupo a encontrar-se e a construir uma vibração mútua. Uma escuta tão profunda pode produzir milagres. (...) Evidentemente, a vida toca frequentemente uma música um pouco diferente da que estávamos à espera. Assim que começamos, aproxima-se um jipe com os mesmos soldados que nos tinham parado anteriormente, e as caras de todos os nossos participantes espelham tensão, curiosidade e preocupação mútua. Eu estou determinada a proteger este círculo de partilha, e dirijo-me à janela do condutor. Eu explico-lhes a nossa situação, e que é muito importante que nós não sejamos perturbados. Eles perguntam se podem assistir. “Assistir? Isso lamento que seja difícil, mas vocês podem perguntar ao grupo se podem participar”. Eu surpreendo-me a mim própria com a minha resposta. Eles saem rapidamente do carro para se juntarem ao nosso círculo. Um dos participantes implora-nos que reconsideremos: “como é que é suposto nós dizermos a verdade com pessoas de uniforme sentadas entre nós? Eles representam tudo aquilo que nós queremos superar.” “Podemos decidir ver o ser humano que está por detrás do uniforme”, sugiro eu. O grupo concorda. Os soldados sentam-se. Agora, a romã passa de mão em mão e os indivíduos falam, comovidos com o que tocou o seu coração desde que entraram na Faixa de Gaza. Os Israelitas expressam, não só os medos que experienciaram desde que chegaram a este lado do muro, mas também o quão profundamente comovidos se têm sentido com a hospitalidade Palestiniana. Alguns viram e experienciaram tanto, que agora precisam de um dia de descanso. Muitos admitem perante o círculo que nunca se tinham deixado tocar pela miséria deste mundo anteriormente. Para além da dor, eles também sentem uma força acrescida e uma nova responsabilidade. Alguns simplesmente passam a romã sem falar. Após um período de silêncio, um dos soldados finalmente ultrapassa os seus limites interiores, depois de ter lutado visivelmente com eles durante algum tempo. Ele não sabia como nos encarar. “Devo realmente permitir-me entrar nisto? O que é que eles pensam de mim? Eles desprezar-me-ão por eu ser um soldado. Eles são coniventes com os Palestinianos para que a frente anti-semita seja fortalecida.” Estes pensamentos e outros semelhantes podem ser lidos na cara dele. Mas agora, chegou o momento, ele ultrapassa o tabu interior, pega na romã e começa a falar da sua situação. “Eu não gosto de fazer o que tenho de fazer. Eu também não penso que os Palestinianos são nossos inimigos. Mas enquanto os actos de terrorismo acontecerem, nós temos de proteger o nosso povo. Eu estou aqui a tentar comportar-me de forma amigável. Às vezes, até dou às crianças algo para comerem. Mas a minha experiência é que, pouco tempo depois, as crianças me atiram pedras. Porque é que as crianças me atiram pedras depois de eu lhes dar algo para comerem?” Com alguma insegurança, ele chega ao fim das suas palavras de pesquisa. Depois a romã continua pelo círculo. Ninguém fala durante bastante tempo. Agora, Fayez pega na romã. Ele rola-a nas mãos, para a frente e para trás, lutando visivelmente para encontrar as palavras. Os seus olhos brilham tão poderosamente, como se pudéssemos ler neles a história completa do seu país. Fayez, um Palestiniano com a sua própria história, educado a esconder os seus sentimentos, um Marxista, um combatente da resistência do movimento Palestiniano “Parem a Ocupação”, está obviamente comovido. Os músculos do seu rosto tremem. Quase certamente que é a primeira vez na sua vida que ele se senta num círculo espiritual deste género, tomando o tempo para ouvir sem interrupções os pontos de vista dos outros, e acima de tudo, fazer isto na presença de soldados israelitas uniformizados. Se os seus camaradas o vissem, poderiam acusá-lo de ser um colaborador e desprezá-lo por se sentar no nosso círculo. Mas o Fayez é demasiadamente sedento de verdade para permitir que estes pensamentos o impeçam de seguir a sua busca intuitiva por uma solução. Ele olha fixamente os jovens soldados. O círculo está completamente silencioso. Todos estão expectantes para o ouvir falar. Ele começa a falar com os soldados de maneira lenta e pungente. Muito profundamente, ele explica porquê que as crianças atiram pedras. É-lhe doloroso falar tão controladamente, mas depois vê-se como uma onda de sentimentos o envolve e submerge. Ele desata a chorar e luta por cada palavra. “Oiçam, vocês são novos, ainda não têm mulher e filhos. Mas eu tenho a certeza que as vossas mães e os vosso pais se sentem como eu, quando os meus filhos ou a minha filha saem de casa. As crianças começam a simpatizar com o Hamas, porque querem fazer algo para o seu país. Conseguem imaginar como é que eu me sinto quando testemunho isto? Conseguem imaginar como é que todos nós nos sentimos? Durante gerações e gerações, nós vivemos pacificamente lado a lado. Porque é que temos agora isto há tanto, tanto tempo? Será que não podemos começar a aceitar lentamente que não podemos continuar assim? Desta forma esta mortandade infinita nunca terá um fim. Porque é que nós finalmente não paramos simplesmente? Nós podíamos parar isto, agora mesmo.” As suas palavras têm um efeito forte e persistente. Praticamente todo o grupo se permite deixar correr as lágrimas abertamente. Nós acalmamo-nos. Podia ser assim tão simples. Ainda assim, a saída desta confusão parece impossível. Entre eles, estão os muros - as paredes de julgamento e preconceito, paredes construídas com incontáveis feridas, muros de perspectivas sobre o mundo, religião e ideologia, muros de slogans políticos e de arregimentação. Por causa destes muros, tudo o que é humano, maravilhoso e verdadeiro está a ser empurrado para nichos privados. Só às vezes, uma racha cria uma pequena abertura, iluminando tudo o que estiver próximo. E isto liberta muita iluminação. É a fenda que traz esta prontidão para a reconciliação, e a prontidão para um novo começo. Mais à frente, no nosso caminho através das aldeias, entre carros que buzinam ruidosamente, e muitos Palestinianos que acenam, Michal, uma trabalhadora para a paz Israelita, fala comigo sobre os seus sentimentos. “Eu vejo que tu já te adaptaste a este sítio. Tu tomas as buzinadelas como um gesto amigável. Mas eu encolho-me nervosamente todas as vezes.” Ela, que é muito corajosa no seu trabalho pela Paz, agora expressa as suas principais questões e dúvidas. “Onde está o caminho? Se os árabes nos virem como fracos, vão correr connosco e nós vamos voltar à antiga situação, em que não há na Terra um sítio para nós.” Ela tenta descrever como é que os colonos se sentem, mas em tudo o que ela diz, eu oiço a sua própria busca por uma nova identidade. “Nós precisamos de uma cura muito profunda”, diz ela com uma seriedade calma. Nós chegamos a Tulkarem, e vamos para o local de encontro da administração Palestiniana. Na cidade, nós voltamos a ver por todo o lado os placares e as bandeiras do Hamas. Michal desmaia da acumulação de tudo, do medo, do sol, das inúmeras impressões novas! Mas quando eu chego até ela, ela já está a rir novamente. À noite, nós ficamos alojados numa pousada que pertence a Fayez, um pouco fora de Tulkarem. Ele preparou uma grande festa. Nesta altura, depois deste dia de experiências partilhadas, Fayez parece ser nosso amigo íntimo. Na sua aldeia, ele é o “pai” de um grande clã familiar. Começaram a estabelecer-se contactos emocionantes entre os nossos jovens e os filhos dele. (…) Nós sentimos a grande responsabilidade e as possibilidades que fazem parte do nosso trabalho. Possamos nós obter a força necessária, (...) para que o trabalho que foi iniciado possa ser realizado em grande escala, para que a juventude deste mundo possa ter novamente uma oportunidade. 9 de Noviembre de 2005: Meditación en el muro de separación israelí, cerca de Tulkarem, Palestina Significado Histórico do 9 de Novembro Antecedentes do muro em Israel-Palestina O dia 9 de Novembro é um dos pontos altos planeados na nossa peregrinação. É uma data histórica a muitos níveis. A nossa intenção era chegar neste preciso dia a um determinado ponto do muro Israelita, na fronteira com a Faixa de Gaza, e realizar nesse local uma vigília solene. A Faixa de Gaza, ou Território Ocidental Jordano, forma uma grande parte do território autónomo da Palestina. É a área a Oeste da parte inferior do rio Jordão e do Mar Morto. Desde a guerra dos seis dias, em Junho de 1967, que Israel ocupou Território Ocidental Jordano. Nos anos 90, foram feitos acordos para que, passo a passo, o território se tornasse numa região autónoma sob administração Palestina. Desde 2000, que este plano tem sido gravemente prejudicado, devido à escalada de violência entre Israelitas e Palestinianos. A construção do muro, que se iniciou em 2002 -e que passou maioritariamente despercebida ao mundo Ocidental -é o resultado final deste conflito. É uma intervenção violenta no destino de inúmeras pessoas. O argumento mais popular para a construção do muro é o seguinte: „Está a ser construído como defesa contra o terrorismo.“ A realidade diz algo diferente. O muro separa Palestinianos de Palestinianos, as cidades do campo, separa quintas dos recursos hidrológicos, e separa os trabalhadores dos seus locais de trabalho. Este muro é feito de betão armado, e com uma altura de oito metros, tem o dobro da altura do muro de Berlim. Fora das zonas construídas, transforma-se numa vedação de alta segurança. Quando for terminado, terá mais de 700 Km de comprimento – o dobro do comprimento da “Green Line” (linha de separação). Muito poucas pessoas estão conscientes que uma grande parte do muro não segue a linha de fronteira Israelita, tal como foi reconhecida pelas Nações Unidas em 1967, mas antes, que se estende largamente sobre a área Palestiniana. Consequentemente, muitas cidades e aldeias foram separadas dos hospitais, das escolas, dos telefones e do fornecimento de água e electricidade. Uma grande área de terra fértil foi, desta forma, anexada ao território Israelita sem o conhecimento público. O muro separa o Território Ocidental Jordano em 81 parcelas. Mais de 200.000 Palestinianos foram expulsos das suas terras devido à construção do muro. 160.000 pessoas vivem em áreas completamente vedadas - „por trás de arame farpado, com torres de vigia, trincheiras, vedações duplas, pressionadas pela burocracia militar a integrar um sistema de passes que controla todos os movimentos de cada pessoa“ - escreve o jornalista Israelita, Amira Hass. Em Julho de 2005, o Tribunal de Direito Internacional em Haia convocou Israel para parar imediatamente a construção da instalação da barricada, e demolir as partes que, contra o parecer da lei internacional, foram erigidas em Território Palestiniano.“ E não aconteceu nada. Outro pormenor de que fomos informados durante a peregrinação: cerca de 12.000 Palestinianos foram, literalmente, expulsos da Palestina devido a este tipo de políticas, estes Palestinianos são agora forçados a viver comprimidos dentro dos muros, ou seja a insuperável vedação de alta segurança e a Linha de Separação (Green Line). Embora esta Linha não possa ser vista, os que são apanhados a cruzá-la são presos. Poderemos considerar isto como medidas de defesa contra o terrorismo? Aqueles que caminham pela Palestina e testemunham quantos agricultores perderam a sua terra, quantos parentes e famílias foram separados uns dos outros, a forma como crianças que anteriormente iam a pé para a escola mais próxima agora têm de ser percorrer de autocarro distâncias até 35 Km, de modo a poderem chegar à sua escola, quem testemunha isto torna-se muito consciente de que há uma bomba relógio prestes a explodir. Para todos os que já não têm esperança na vida, é uma satisfação derradeira deixar este mundo com um grito de vingança. Não nos parecerá próxima a ideia que num mundo mais justo não haveria terror? O terror não é sempre o resultado de uma vida suprimida? Eu peço a todos os Israelitas, a quem por vezes é difícil seguir estas linhas de pensamento sem se sentirem incriminados ou julgados, que não reajam imediatamente. Eu estou a escrever isto sem qualquer hostilidade dirigida aos habitantes de Israel. Eu escrevo tudo isto, de forma a desmascarar a estrutura, e para mostrar que esta abordagem apenas empurra todos os envolvidos mais profundamente em direcção à guerra e à miséria. Não poderá haver paz até que deixemos definitivamente para trás todo este sistema e a sua forma de pensar. Dia 9 de Novembro de 1989, frente ao Muro de Berlim A 9 de Novembro de 1989, também eu me tornei testemunha da abertura do muro de Berlim. Era uma barricada bem planeada de muros de cimento, com três a quatro metros de altura, ou uma rede metálica de arame reforçada com fossos com uma profundidade máxima de cinco metros, arames armadilhados, pistas de corrida para cães de guarda, e rodeados por sinais e torres de controlo. Foi assim que Berlim Oriental e a RDA (República Democrática Alemã) foram separados de Berlim Ocidental e da República Alemã. Sob a pressão dos protestos em massa não-violentos dos habitantes da RDA, o seu governo abriu este muro a 9 de Novembro de 1989. Eu vivi a experiência da abertura do muro no chamado „Posto de controlo Charlie“, um dos mais conhecidos pontos de passagem. Acidentalmente, aconteceu eu estar em Berlim nessa altura, junto com co-trabalhadores do projecto e com Dieter Duhm, e tive de fazer um discurso. As alegres novidades levaram-nos a formular, numa velocidade supersónica, uma afirmação a respeito da abertura do muro, e passar esta afirmação em centenas de milhares de cópias. Dizia: „A revolução no Oriente tem de ser seguida por uma revolução no Ocidente“, na esperança e com a crença que o enorme poder de mudança do Oriente fosse observado pelos espíritos mais corajosos do Ocidente, de modo a ultrapassarmos juntos, como novos camaradas, os muros e as atrocidades do sistema capitalista. A realidade foi bastante diferente. Rapidamente o capitalismo conseguiu tomar o poder de mudança do movimento da RDA. Foi terrível ver como esta mudança foi engolida por um sistema que pouco se importava com o tecido humano. Definhou tudo e não tínhamos mais humanidade para além do „valor acrescido, mais mercado, e mais consumo“, o mote de sobrevivência do capitalismo. Apesar de tudo isto, simultaneamente nos bastidores, espíritos dedicados continuaram a trabalhar silenciosa e determinadamente para a realização da „Utopia Concreta“. A abertura do Muro de Berlim foi um acontecimento histórico, que queríamos comemorar dia 9 de Novembro, mantendo uma vigília meditativa frente ao atual Muro de Israel. Era importante para nós estabelecer um sinal, no sentido de nos sentirmos ligados com as linhas gerais da história e o seu potencial de cura. A queda do muro na Alemanha é um dos poucos exemplos da história actual, em que uma revolução não violenta teve a capacidade de nos conduzir à vitória. Esta é apenas uma das linhas significativas que nos liga à data histórica de 9 de Novembro. 9 de Novembro de 1938, o Terceiro Reich “A Noite do Pogrom” A segunda ligação essencial conduz-nos a um passado mais longínquo na história. Na noite de 9 para 10 de Novembro de 1938, a Noite do Pogrom do Terceiro Reich, em termos desvalorizadores também chamada „A Noite de Cristal“, foi realizado o primeiro grande ataque dos Nazis contra os judeus Alemães. Centenas de sinagogas foram incendiadas, muitos cidadãos judeus foram assassinados – os números variam entre 90 e 400 – e mais de 30.000 seres humanos foram arrastados para campos de concentração. Com uma contabilidade destas, eu dificilmente posso continuar a escrever. Eu tenho de me retirar e ficar em silêncio durante um momento, para me permitir ser tocada pelo facto de esta insanidade atroz ser verdade, a qual eu aqui apenas posso referir em palavras sóbrias, e sobre a qual nós gostamos de ler nos livros de história. E esta parte da história ainda não está assim tão distante no passado. Nós só temos compaixão relativamente ao destino dos outros, quando isso é suportável para nós e enquanto conseguirmos acreditar em algum tipo de consolação. Mas ficamos quase sem possibilidade de reacção, quando ouvimos o que foi feito aos seres humanos nos campos de concentração. Nunca antes eu fui tocada desta maneira pelas atrocidades do fascismo, como quando fui visitar o campo de concentração em Mauthausen, durante a minha peregrinação na Áustria. Então o ser humano é isto. A crueldade de que os seres humanos são capazes está muito para além do que eu sou capaz de imaginar, ainda hoje em dia. As casernas de madeira de Mauthausen, ainda hoje ressoam com a história viva de um passado, cuja realidade dificilmente pode ser olhada por nenhum dos sobreviventes. Ver este massacre é simplesmente demasiado horrível. Olhar para as pessoas que são reduzidas praticamente ao osso, olhar os olhos rasgados de medo e susto, ver os carros cheios com os cadáveres das pessoas que morreram de fome e que são removidas diariamente das casernas. E ver os comandantes que deram as ordens de tortura, subjugação, assassínio, mutilação, e violência sexual. Rapidamente o observador é tomado pela náusea e quer olhar noutra direção. Demasiado rapidamente a mente quer olhar para qualquer tipo de distracções suavizantes. A consciência tem a capacidade de correr um véu de esquecimento sobre as atrocidades da história. Foram os nossos pais e avós que viveram e actuaram desta forma nesta guerra, não adianta de nada olharmos para o lado. Aqueles que amámos e respeitámos participaram. Eles eram seres humanos. Seres humanos bastante normais! Tanto as vítimas, como os agressores, foram prisioneiros de uma hipnose de massas infinitamente maior. Hoje somos chamados a reconhecer isto. Só então poderemos começar a terminar a guerra. Claude AnShin Thomas, um monge Budista e veterano da guerra do Vietname escreve contundentemente: „Ao tomar armas, eu tornei-me directamente responsável, e a matança apenas parou quando eu fui dispensado honrosamente, e enviado para casa com inúmeras condecorações, incluindo uma „Purple Heart“, uma condecoração pelos ferimentos sofridos. Ainda assim, quando eu comecei a reunir os estilhaços de granada da minha vida, e descobri o coração que tinha sido partido pela guerra, eu compreendi que não existem mortes justificadas, que não existe distinção entre violência boa e violência má, e que na guerra não existem nem verdadeiras morais, nem honorabilidade. A guerra nunca tem qualquer tipo de moral. É simplesmente uma expressão de sofrimento. Uma acção gerada pelo sofrimento.“ Através da nossa presença junto ao muro, queremos prestar testemunho a esta parte da história que está subjacente, a qual causará mais danos até que seja reconhecida conscientemente e abandonada pela vasta maioria dos seres humanos. Material para ampliar el estudio: Libro recomendada: “GRACE. Pilgrimage for a Future without War” by Sabine Lichtenfels ISBN 978-3-927266-25-4, Pb, 264 pages http://www.verlag-meiga.org/node/205 Película recomendada: “We Refuse to Be Enemies” (Nosotros Rechazamos ser Enemigos), un documental de 85 minutos, dirigido por Angelika Reicherter sobre la peregrinación Grace de 2005 a través de Israel-Palestina (Idioma: subtítulos en alemán e inglés). Puedes pedir el DVD por 4,99 € en la siguiente pagina: http://bit.ly/Hpnxpg