karl von koseritz - Instituto Martius Staden

Transcrição

karl von koseritz - Instituto Martius Staden
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Grupo RELLIBRA - "Relações Linguísticas e Literárias Brasil-Alemanha" | www.rellibra.com.br
Credenciado na USP e no CNPq
Coordenação Geral: Profa. Dra. Celeste Ribeiro de Sousa
KARL VON KOSERITZ
1830-1890
(Celeste Ribeiro de Sousa)
Resumos comentados
A narrativa A expiação (Die Sühne), de 1875, já anuncia em
seu subtítulo tratar-se de “um conto da colônia” (“eine Erzählung
aus der Colonie). Em meio a rocambolescas histórias de amor e
tragédias supremas, e alguns traços autobiográficos, que, em
paralelo, espelham a atmosfera doméstica de imigrantes, emergem
cenas, referentes a três fatos históricos brasileiros: a vinda de
colonos alemães para povoamento e substituição da mão de obra
escrava no Brasil, o recrutamento de mercenários na Alemanha (os
Brummer) para a Guerra do Paraguai no chamado “ano especial”
(tolles Jahr) e a resistência de imigrantes alemães a entregar seus
filhos ao exército do imperador, durante a Guerra dos “Farrapos”
(20 de setembro de 1835 a 1 de março de 1845).
O conto apresenta-se dividido em quatro partes – quatro
períodos temporais -, é narrado por um narrador onisciente e
começa in medias res. Depois de vinte anos de Brasil, o protagonista
já se encontra estabelecido na colônia e já é senhor de muitos bens,
no início dos anos 40 do século XIX.
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Segue-se um flash back e o narrador esclarece que Wilhelm
Schulze (Guilherme Schulze), oriundo de Mecklenburg, região ao
norte da Alemanha, à época arruaceiro e beberrão, havia chegado
com os primeiros colonos, no grupo trazido pelo major Schäffer. No
Brasil recebeu uma área de mata virgem, que preparou e cultivou
com displicência junto com um camarada, nascido na região do
Reno.
De fato, conforme informações da Wikipédia, Georg Anton
Schäffer recrutou alemães (militares e colonos) para o rei português
no Brasil, D. João VI e, depois, para o imperador D. Pedro I. Assim
diz o texto:
A primeira leva com 39 imigrantes alemães chegou em 25 de
julho de 1824, à então desativada Real Feitoria do Linho
Cânhamo, localizada à margem esquerda do rio dos Sinos,
dando início à Colônia de São Leopoldo. Além de recrutar
colonos, Schäffer também buscava contratar pessoas de
profissões que dessem uma base à comunidade, como médicos
(Johann Daniel Hillebrand) e pastores (Friedrich Osvald
Sauerbronn, Georg Ehlers, Carl Leopold Voges e Friedrich
Christian Klingelhoefer). Em quatro anos, de 1824 a 1828, o
major Schäffer conseguiu trazer para o Brasil mais de seis mil
pessoas, sendo que pelo menos metade eram rapazes solteiros e
militares.1
Porém, segundo informações de Armindo L. Müller em Os
colonizadores alemães em Nova Friburgo, em 1824, não mais se
trataria da primeira leva de imigrantes, senão da segunda. Assim
consta de sua cronologia:
1824 - Colônia de São Leopoldo (no Rio Grande do Sul) – a
segunda leva de imigrantes organizada pelo major von Schäffer,
que chegou ao seu destino em 25.07.1824, no “Anna Louise”, 39
pessoas, seguida, pouco depois, da terceira leva, do
“Germânia”.2
1
http://pt.wikipedia.org/wiki/Georg_Anton_von_Sch%C3%A4ffer
2
http://www.djoaovi.com.br/index.php?cmd=section:imigrantes_alemaes
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Portanto, pode-se deduzir que o herói de nosso conto deve ter
chegado ao Brasil em 1824, vinte anos antes de 1844, marca
temporal do início da história. A expressão “com os primeiros
colonos” deve ser entendida, portanto, lato sensu.
A partir daqui, a história ganha autonomia e entra no plano da
ficção. Dada a sua vida desregrada, o companheiro de Schulze
acabou se apartando dele e, na colônia, também nunca chegou a ser
benquisto. Depois de quatro anos, desapareceu. Correram boatos
que teria ido para a região da campanha. Contudo, ao fim de um
ano, voltaram a encontrá-lo ora em São Gabriel ora em Porto Alegre.
Até que um dia voltou à colônia, casado com uma moça de Porto
Alegre, recém-chegada da Alemanha, comprou terras e aí voltou a se
estabelecer. Era um outro homem. Constituiu uma família feliz, com
dois filhos e uma filha, e seus negócios sempre deram lucro. Era
dono de fazendas, criava cavalos, tinha uma loja, enfim, era um
homem rico. No entanto, vez por outra, um traço de angústia traía o
seu semblante alegre.
A segunda parte da narrativa constitui, além de uma volta à
história, uma digressão de ordem moral e uma invectiva contra a
religião. A volta à história dá-se com a evocação do “Menino Diabo”
nas redondezas. De fato, houve um “Menino Diabo”, apelido dado ao
revolucionário brasileiro, nascido em Portugal, António Joaquim da
Silva, por causa de sua figura pequena aliada à grande crueldade
com que agia pela parte dos “Farrapos”, na Revolução Farroupilha,
tendo chegado a assassinar colonos alemães. As lições de ordem
moral e a condenação das religiões são colocadas na boca de um
forasteiro, naturalista, que, um dia, bate à porta de Schulze, pedindo
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pousada. Durante a conversa, o forasteiro mostra-lhe a importância
da consciência para o homem civilizado. Diz ele:
A consciência, que cada um carrega na mente e cuja voz não
deixa nada adormecer. E mesmo que a sorte sorria àquele que
comete injustiças ao outro, mesmo que tudo lhe corra bem,
mesmo que ele se considere feliz como poucos, – vem o dia em
que a consciência desperta e o faz lembrar-se diariamente da
maldade que ele levou aos outros. E, então, as forças do destino
agem maravilhosamente; muitas vezes, o castigo pelas más
ações ocorre bem mais tarde, mas sempre ocorre; não acredito
no inferno dos padres, mas no inferno que o ser humano
carrega em sua mente e estou convicto que cada pessoa, que faz
o mal ao seu próximo, vai pagar cedo ou tarde por isso e neste
mundo, mesmo que seja pela dor de consciência que o
consumirá. [Trad. Gregory, p.7]
A terceira parte da narrativa dá contorno à reviravolta na
história de felicidade da família Schulze. Diz o texto:
Nessa época a revolução caminhava para o seu desfecho; havia
ainda muita luta nas redondezas, mas o marechal Caxias
avançava cada vez mais e já havia rumores de uma possível
convenção entre ele e o general Canabarro. Ainda havia muito
sofrimento, porque tinha aqueles que preferiam o partido das
armas ao do trabalho. [Trad. Gregory, p.10]
Todos sabem que na base da Revolução Farroupilha, entre
outros, havia o desejo de criar uma república sulina, com centro em
São Leopoldo, independente do Império, à semelhança do Uruguai.
Cerca de três mil alemães engajaram-se nesta luta, em ambos os
lados, entre eles o major Otto Heise, o capitão Hermann von Salisch,
o alferes Julius Heinrich Knorr.
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Guilherme Litran, Carga de cavalaria Farroupilha, acervo do Museu Júlio de Castilhos
Curioso observar a presença de bandeiras alemãs
No conto, um dia, os “soldados” do imperador batem à porta
de Schulze à procura de cavalos para esmagar a Revolução. Ele negase a dá-los, não por ideologia, mas simplesmente por ganância. É
atacado e socorrido pelos dois filhos. Mais poderosos, os soldados
levam não só os animais como também os rapazes. O pai,
desesperado, junta uns auxiliares e põe-se a perseguir o bando.
Chega a um determinado ponto da floresta em que o faro dos cães
indica a presença de algo estranho. Aí, encontra os cadáveres dos
meninos, que haviam tentado fugir e sido assassinados. Volta para
casa com os corpos dos filhos, enterra-os. Logo depois, a mulher
também morre de dor. Destruído, fica só com a pequena Lieschen.
Um belo dia, o naturalista, na viagem de volta, vai cumprimentá-lo e
fica a par da tragédia, que se abatera naquela casa. Schulze, a certa
altura, pergunta-lhe, se não há salvação para um malfeito e o
naturalista responde-lhe que só com expiação.
A quarta e última parte da narrativa dá ensejo ao
esclarecimento do mistério, que envolve Schulze. Certa feita, um
forasteiro moço, de nome Heinrich Tannenheim (Henrique
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Tannenheim) bate-lhe à porta, pedindo abrigo e tal é seu estado de
fraqueza que ali mesmo desfalece, mesmo antes de Schulze lhe negar
a pousada. É levado, então, para dentro e cuidado por Lieschen.
Desses cuidados nasce um amor intenso entre eles. Durante a
recuperação, ele revela-lhe sua história. Seu pai havia sido enganado
por um amigo de infância, chamado Arno Rothenbusch, na
realidade, o verdadeiro nome de Wilhelm Schulze, que o havia
deixado na penúria. Heinrich, o único filho, procurando trabalho em
Hamburg, deparara-se com um capitão de nome Martin Valentin,
que recrutava mercenários para o Brasil. E, assim, o moço tinha
chegado ao Rio e andado de acampamento em acampamento até
desertar, para poder salvar-se, pois sua saúde não parava de
agravar-se.
É fato que o Brasil recorreu ao recrutamento de mercenários
alemães, conhecidos como „Brummer“, muitos deles da região de
Mecklenburg, para combater na Guerra do Paraguai. Karl von
Koseritz, o autor do texto, foi ele mesmo um „Brummer“.
Wilhelm Schulze ouve todas estas revelações, mas não revela
seu segredo. Ao contrário, reconhece o amor dos dois, abençoa o seu
casamento, retira-se para Porto Alegre, onde, para expiar seu
malfeito, passa todos os seus bens para o moço alemão, filho do
amigo a quem enganara e roubara, exigindo e que tudo seja vendido
e que eles retornem à Alemanha, enquanto ele arruma um emprego
de coveiro para sobreviver. O segredo só é inteiramente revelado a
Heinrich, já na Alemanha, através de uma carta enviada do Brasil.
Celeste Ribeiro de Sousa

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