"julgamento" da mulher adltera

Transcrição

"julgamento" da mulher adltera
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O "JULGAMENTO" DA MULHER ADÚLTERA
a igualdade entre homens e mulheres
Luiz Guilherme Marques
[email protected]
2004
O que não queres para ti não o queiras para os demais.
(Hilel)
Sem os direitos das mulheres não existem os direitos humanos.
(Daniela Auad)
É preciso que as mulheres tenham liberdade de experimentar, que possam
ser diferentes dos homens, sem medo, e que expressem essas diferenças
livremente.
(Virginia Woolf)
Essa poderosa estrutura (patriarcal) é como uma máquina bem azeitada,
que opera sem cessar e quase automaticamente.
(Daniela Auad)
DEDICATÓRIA
- a Terezinha, minha esposa,
- a Jaqueline Mara e Tereza Cristina, minhas filhas.
Dedico este estudo também a Juana Inés de la Cruz, que viveu no México
no século XVII.
ÍNDICE
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Introdução
1ª Parte - Há 2.000 Anos
1 - A Sociedade Judaica
1.1 - A Política
1.2 - A Família na Sociedade Judaica
2 - A Situação da Mulher
2.1 - Mulheres em Papéis de Liderança
2.2 - Mulheres e Monarquia
2.3 - Mulheres e Profecia
2.4 - Mulheres e Sabedoria
2.5 - Mulheres e a Comunidade da Aliança
2.6 - A Posição das Mulheres dentro da Família
2.6.1 - Seu Status Social
2.6.2 - O Relacionamento Matrimonial
2.6.3 - Divórcio
2.6.4 - Prostituição
2.6.5 - Mulheres e Escravatura
2.6.6 - O Ideal de Igualdade
3 - O Direito
3.1 - As Coletâneas de Leis
3.2 - As Penas
4 - O "Julgamento" da Mulher Adúltera Segundo os Filósofos
4.1 - Gibran Khalil Gibran
4.2 - Huberto Rohden
4.3 - José Bortolini
2ª Parte - A Atualidade
1 - As Mulheres na Atualidade
1.1 - Feminismo
1.2 - Igualdade
Conclusão
Notas
INTRODUÇÃO
De início, alertamos que nosso estudo tem caráter estritamente
científico, sem nenhum cunho religioso e que não pretendemos desmerecer
a história e a cultura judaicas e nem a de qualquer outro povo. Muito pelo
contrário, temos muito a agradecer aos judeus a contribuição relevante
que deram e dão à civilização, conforme afirma JAYME DE ALTAVILA
(2000:35):
Dos judeus saiu a idéia de justiça social e dos direitos do homem.
O incidente do "julgamento" da mulher adúltera, apesar de ocorrido
em Jerusalém, tem, na verdade, como palco todos os pontos da Terra
daquele tempo.
DANIELA AUAD (2003:25-27) mostra a situação das mulheres
gregas em geral e em Atenas, que era uma das cidades mais evoluídas do
mundo antigo:
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Na Grécia dos filósofos de quem tanto ouvimos falar, como Platão e
Aristóteles, a mulher era, ao longo de toda a sua vida, considerada
"menor" e portadora de um espaço secundário na sociedade. A
mulher grega passava toda a sua vida sob a dependência de um
homem, que poderia ser seu pai, marido, filho ou um outro tutor. Na
condição de tutelada, a mulher era destinada ao casamento, sem que
seu consentimento fosse necessário. [...]
Em Atenas, até o casamento as mulheres jovens cresciam à sombra
do gineceu, ou seja, per,aneciam em uma parte da casa destinada
exclusivamente às mulheres. Elas podiam sair apenas em raras
ocasiões, como em festas religiosas; no restante do tempo, deviam
se manter afastadas de todo e qualquer olhar masculino, mesmo de
seus
familiares.
Elas
aprendiam
exclusivamente
trabalhos
domésticos e alguns rudimentos de cálculos, leitura e música junto a
uma parente ou a uma mulher conhecida de sua família..
Uma vez casadas, as mulheres continuavam reclusas em suas novas
casas. É importante notar que tal regra se aplicava com menos rigor
às mulheres de classes pobres que não tinham escravas e que,
portanto, deveriam dar conta dos afazeres domésticos e das
compras. [...]
O homem tinha o direito de matar a mulher com quem era casado se
a considerasse infiel. [...]
Era admitido que o homem tivesse outras parceiras e concubinas.
Essas mulheres moravam junto com o homem e sua esposa legítima.
Eram mulheres de famílias pobres que não tinham dotes a oferecer a
um noivo ou eram estrangeiras, ambas incapazes de pretender um
marido. Então, moravam e tinham filhos junto com homens que já
tinham uma esposa. Os filhos da concubina não eram considerados
legítimos e não tinham direito a herança, por exemplo. [...]
As escravas não tinham nenhuma relação ou vida familiar e seus
filhos eram, na maioria das vezes, resultasdos de estupros que
sofriam nas casas onde serviam.
Tomamos o incidente do "julgamento" da mulher adúltera como
ponto de partida para nossa reflexão sobre a desigualdade entre homens e
mulheres.
MARILENE SILVEIRA GUIMARÃES (2001:37) diz que:
Igualdade não se decreta, constrói-se.
Essa conscientização das mulheres é imprescindível e vem
acontecendo com muitas lutas por elas travadas no ambiente em que
vivem e, algumas, em arenas mais amplas, mas não foram suficientes para
a solução defintiva do problema.
Se não houver um texto legal imperativo e explícito no sentido da
decretação da igualdade na ocupação de cargos públicos através do
sistema de cotas, somente daqui a alguns séculos as mulheres conseguirão
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fazer com que seus direitos sejam considerados no mesmo nível que os dos
homens.
ÁUREA TOMATIS PETERSEN (2001:21) faz uma assertiva que mostra
o atraso em que ainda vivemos quanto à igualdade das mulheres:
De acordo com o Relatório da ONU, se nada fosse feito, no que se
refere à representação por gênero, somente daqui a 400 anos
chegar-se-ia à igualdade entre homens e mulheres.
No âmbito da própria ONU verifica-se a existência de desigualdade:
(vide em www.unicrio.org.br/Textos/0411j.htm)
Mulheres ainda enfrentam obstáculos para ocupar cargos de chefia
na ONU
As Nações Unidas ainda não conseguiram atingir a meta – definida
pela Assembléia Geral – de ter seu quadro de funcionários
equilibrado em relação a questão de gênero, especialmente no que
se refere a cargos de gerência. Apesar do número de mulheres neste
tipo de cargo ter aumentado de 1,7% no ano passado para 37,4%
em junho de 2004, “a análise a longo prazo mostra que a
participação feminina na entidade em todos os níveis apresenta um
progresso irregular”. Este resultado foi apresentado recentemente
pelo Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, em um relatório para a
Assembléia Geral.
O relatório recomenda cerca de 30 medidas para lidar com os
obstáculos que dificultam uma maior participação das mulheres em
cargos de chefia porém alerta que “as barreiras para o progresso
feminino têm se tornado mais sutis, e portanto, mais difíceis de
serem identificadas, principalmente nos escalões mais altos da
Organização”.
Até junho de 2004, as mulheres ocupavam 83,3% dos cargos
profissionais mais baixos e somente 16,7% dos cargos mais altos –
como o de Sub-Secretário-Geral – estavam em mãos de mulheres.
João, o evangelista, relata essa história das mais importantes do
Evangelho.
O "julgamento" da mulher adúltera[1] precisa ser analisado por
todos nós homens para reconhecimento da injustiça que vem pesando
sobre as mulheres desde as mais recuadas épocas da história humana e
que, inconscientemente, contribuimos para manter.
Muitos homens idealistas se acreditam justos com as mulheres. Para
esses lembramos o mahatma Gandhi, que relata em sua autobiografia um
traumático episódio de sua vida, quando, em razão de sua mulher ter-se
recusado a cumprir o que ele entendia um dever de humildade, expulsou-a
de casa, mas, preocupado, arrependeu-se e, com toda a transparência de
sua personalidade idealista, relatou o fato não só para esclarecimento dos
homens como também para ele próprio reconhecer suas limitações
humanas. Se Gandhi se reconheceu machista, imagine-se nós, os
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eticamente medíocres, que formamos a imensa maioria dos representantes
do gênero masculino...
A desconsideração pelas mulheres tem sido verdadeira "instituição",
transmitida de geração a geração, entranhada no nosso psiquismo a tal
ponto que sequer percebemos o absurdo que representa.
Dessa forma, metade da humanidade vive sob a "dominação", mais
ou menos explícita, da outra metade, somente muito devagar processandose a libertação, no curso dos séculos, à medida que as próprias mulheres
vão impondo seus direitos, mas ainda longe a época da necessária
igualdade.
DANIELA AUAD (2003) historia, de forma didática e eloqüente, a
epopéia das mulheres desde o começo dos tempos na procura do
reconhecimento da ambicionada igualdade, lembrando nomes memoráveis
como OLYMPE DE GOUGES, JEANNE DEROIN, FLORA TRISTAN, VIRGINIA
WOOLF, SIMONE DE BEAUVOIR, BETY FRIEDMAN etc.
Há 2000 anos atrás a situação das mulheres era muito mais
sacrificada que a de hoje.
Somente quando brilhar a soberania da inteligência é que as
mulheres alcançarão plenamente seu desiderato, ficando nas páginas do
passado, como época obscurantista, aquele período em que preponderava
a força bruta explícita ou disfarsada.
CHRISTIANE SAULNIER e BERNARD ROLLAND (2002:65-73)
mostram a triste realidade feminina do mundo antigo em Israel:
Não é fácil determinar a condição da mulher na época de Cristo: é
que muitas informações nos são transmitidas por textos rabínicos
posteriores. Parece certo que o antifeminismo aumentou no decurso
do séc. II da nossa era, tanto no judaísmo como no cristianismo;
antes dessa data, ele era muito menos acentuado e é conhecido o
sucesso encontrado, no séc. l, pelos fariseus, nos meios femininos. É
portanto perigoso — neste como em outros domínios — extrapolar as
informações que temos e dizer com certeza se a mulher que
apresentamos aqui é somente a de séc. II ou já a do l.
"Compra-se a mulher por dinheiro, contrato e relações sexuais,
constata um rabino. Compra-se um escravo pagão por dinheiro,
contrato e tomada de posse. Há então diferença entre a aquisição
duma mulher e a dum escravo? — Não!" Essa definição apresenta
bem a condição feminina: como o escravo, a mulher depende de seu
senhor-marido e tem que assumir todas as tarefas; não pode
aproveitar-se nem dos rendimentos do seu trabalho nem do que ela
achar; só está sujeita aos mandamentos negativos ou gerais da Lei e
não aos que estão ligadas a um tempo preciso: senão, como haveria
de ocupar-se das crianças ou das tarefas do lar? Se não lhe é
proibido interessar-se pela Lei e pelas tradições, é muito
desaconselhado, no entanto, ensinar-lhe demais a respeito disso,
pois "aquele que ensina a Torá à sua filha ensina-lhe a prostituição"!
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O lugar da mulher é em casa, ocupando-se dos filhos e da casa e
fiando a lá, na Judéia, ou o linho, na Galiléia: os textos prevêem a
quantidade mínima que ela deve fiar ou tecer por semana,
quantidade esta que é reduzida se ela amamenta um filho de menos
de dois anos.
Ela nada tem a fazer fora de casa e se for obrigada a sair, deve
guardar o anonimato mais completo, por isso se usa o véu. Se ela
conversa com alguém, por exemplo para pedir uma informação,
deve-se responder-lhe o mais brevemente possível; fora disso, não
se lhe deve dirigir a palavra, nem sequer para cumprimentá-la.
Diante dum tribunal, ela jamais é admitida como testemunha e
menos ainda como juíza. Na sinagoga ela tem seu lugar; no entanto,
pode haver lá uma infinidade de mulheres, se não houver dez
homens adultos, é impossível celebrar o ofício.
Ela deve ainda aceitar que seu marido divida sua
outras mulheres, quer sejam esposas como
concubinas, ou até mesmo escravas. Notemos
poligamia é muito rara e isso em primeiro
econômicas.
afeição entre ela e
ela, quer sejam
no entanto que a
lugar por razões
Mas a mulher é também filha de Israel, o que lhe confere direitos.
Tem direito a um mínimo vital; seu marido é obrigado a lhe dar o
necessário em alimento, vestes e dinheiro para uso próprio, sem o
que ela pode se queixar perante um tribunal que, após inquérito,
obrigará eventualmente o marido a se divorciar. Ela também tem
direito à dignidade: se ela cai na escravidão, o marido deve fazer
tudo para resgatá-la; se ela está doente, ele deve conseguir-lhe os
medicamentos necessários; enfim, ele não pode lhe impor votos
contrários à sua dignidade nem obrigá-la à prostituição. Finalmente,
ela não pode ser repudiada de qualquer maneira: o contrato de
matrimônio é ao mesmo tempo um freio para os desatinos do marido
e uma garantia para a mulher.
Tal é a situação jurídica que se deduz dos textos antigos, mas a
realidade é, de fato, menos sombria; principalmente na roça, se
vêem mulheres ajudando os maridos nos trabalhos da lavoura,
outras se dedicando ao comércio. O amor conjugal está longe de ser
desconhecido e sabe transfigurar todas as leis, tanto assim que em
resposta a cada crítica ou razão para se desconfiar das mulheres, na
literatura antiga, pode-se citar um testemunho exatamente
contrário.
Não esqueçamos tampouco as diferenças provenientes da situação
social, da possibilidade ou não de ter servos e servas. Em certas
cidades, o fato de as famílias judias viverem lado a lado com famílias
pagãs de mentalidade greco-romana onde a mulher tem uma
situação bem diferente, não deve ter deixado de criar problema ou
de influenciar os costumes.
Fala sobre os filhos e sua educação:
Tanto o Antigo Testamento quanto a literatura judaica antiga nos
mostram que o filho é absolutamente essencial para o judeu: é ele a
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garantia de que o povo eleito continuará a existir, o sinal da
perenidade da Aliança e portanto a prova da bênção divina: não ter
filho é uma verdadeira maldição (pela qual unicamente a mulher é
responsável !).
Trata-se, portanto, de ter o maior número de filhos possível e são
muito elogiadas as famílias numerosas.
Aborda o Nascimento e seus ritos:
O nascimento acontecia em casa, com a ajuda duma parteira. O
recém-nascido era lavado, esfregado com sal e envolto em faixas.
Depois a mãe ou o pai lhe dava o nome; o uso de esperar o oitavo
dia não é atestado antes do NT(Lc 1,59; 2,21). A mãe amamentava o
filho durante longos meses, às vezes por dois ou três anos.
Oito dias após o nascimento, o menino era circuncidado. Os antigos
hebreus certamente tomaram esse rito de iniciação ao matrimônio
dos semitas, quando se instalaram em Canaã. Mas foi durante o
Exílio em Babilônia, num momento em que quase já não tinham mais
meios de afirmar seu caráter próprio, que a circuncisão adquiriu
toda a sua importância e se tornou o sinal da pertença a Deus e a
seu povo. Era praticada pelo pai ou por um especialista, em casa.
Todo menino primogênito pertence ao Senhor (Ex 13,2). Assim,
devia ser "resgatado" (Ex 13,13). Nenhum lugar era prescrito para
fazer esse resgate; era feito durante o mês que se seguia ao
nascimento, mediante pagamento de cinco siclos de prata (Mm
18,15-16).
Ao cabo de 40 dias, se ela dera à luz um menino, e de 80 dias, se
fosse uma menina, a mãe devia purificar-se (Lv 12,2-7). Essa
purificação nada tem a ver com impureza moral (no sentido atual do
termo) que a mãe tivesse contraído. A noção de "impureza" no
Levítico é semelhante à de "tabu" e esta "purificação" se parece com
uma espécie de "dessacralizaçâo".
Aprofunda as informações sobre a educação das crianças:
A criança é amada por sua família, mas isso não quer dizer que seja
adulada. Todos os textos preconizam, ao contrário, uma educação de
tipo enérgico, para endireitar um rebelde, incapaz de sabedoria e de
respeito pela Lei: há a convicção de que esta sabedoria penetra
melhor usando a vara!
Durante os primeiros anos, a mãe é a única a cuidar da criança. Mas
aos quatro anos, a situação muda conforme o sexo: a menina
continua com a mãe e o menino passa para os cuidados do pai. Tanto
para um como para o outro, começa então o aprendizado da
profissão: o de cozinheira-dona-de-casa-futura-esposa para a filha e
geralmente a profissão do pai para o filho. Pode acontecer que o
filho seja mandado para a casa de um outro para aí aprender o
ofício, ou que a filha seja vendida como escrava, mas, para isso,
deve-se esperar até os seis anos. Após esta idade, o pai não é mais
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obrigado, juridicamente, a sustentar os filhos: eles têm de aprender
a se arranjar.
A educação não visa somente ao aprendizado de um ofício: consiste
sobretudo em ensinar a Torá aos filhos. E aqui também, esta função
compete aos pais. Mas há uma grande diferença neste ponto entre
as meninas e os meninos. A menina, evidentemente, deve conhecer
todos os preceitos negativos: "Tu não farás ..." e os que se referem à
sua condição; mas fora disso, quanto menos se lhe ensina, melhor é.
O menino, ao contrário, deve saber o mais possível da Lei, a fim de
melhor conhecê-la e honrar o Senhor. Deve saber ler o texto sagrado
e ser capaz de interpretá-lo. Mas como muitos pais não podem fazêlo por si mesmos, inventa-se a escola, destinada só aos meninos; as
meninas conseguem, no entanto, adquirir certa formação, graças
sobretudo aos comentários do ofício sinagogal. De acordo com uma
tradição judaica, só por volta de 63 d.C. é que o sumo sacerdote
decidiu criar em cada aldeia uma escola gratuita para todos os
meninos a partir de 6 ou 7 anos; mas alguns fazem a instituição do
ensino público remontar a 130 a.C., embora sua finalidade não fosse
outra senão preparar leitores para a sinagoga.
Nestas escolas, são as Escrituras que formam a base do ensino: O
mestre e os alunos as repetem, o mestre as comenta, para que os
alunos
acabem
decorando-as.
Utilizam-se
os
processos
mnemotécnicos da época, dos quais os evangelhos nos oferecem
muitos exemplos: paralelismo, antítese, assonância. É lendo o texto
bíblico que se aprende tudo: o cálculo é ensinado quando se fala da
duração da vida dos patriarcas; a geografia, a propósito das guerras
de Israel, as ciências a partir deste milagre ou daquele fenômeno. A
Bíblia é o livro completo que permite integrar tudo e é inútil ir
procurar algo fora dela, dizem os rabinos do séc. II da nossa era.
Mostra como se praticava o ensino superior de então:
Como em todos os países do mundo, é o ensino superior que
primeiro se organiza. Bem antes da época de Cristo, cada sábio (ou
rabino) preocupava-se com formar discípulos e futuros escribas que
pudessem exercer seu ofício nos tribunais e nas sinagogas. HileI
tinha cerca de 80. Dentro do movimento dos escribas de afinidade
farisaica, havia duas correntes: uma mais rigorista, a outra mais
laxista em matéria de pureza ritual; na escola de Shamai, exigia-se
um ano de estágio para conhecer essas prescrições rituais, ao passo
que na de HileI contentava-se com 30 dias.
Não temos informações sobre a escolarização antes da ruína do
segundo Templo (70 d.C.). Todavia, a preparação de pessoas
capazes de fazerem a leitura e a homilia na sinagoga era certamente
uma preocupação. Após o séc. II da nossa era, as informações
existem. Seriam antigas algumas delas? Demos alguns exemplos.
Certas famílias se organizam em grupos de cinco ou seis e contratam
um professor para seus filhos. Cria-se no lugar principal da região
uma espécie de escola secundária, que são obrigados moralmente a
freqüentar todos os jovens de 16 a 18 anos. Mas isso cria problemas,
pois o horário escolar vai do nascer ao pôr-do-sol: é preciso fazer a
caminhada todo dia ou pagar pensão. Por outro lado, esses jovens
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de 16 a 18 anos nem sempre são muito dóceis: o Talmud nos diz que
"quando o mestre tinha de se queixar de um dos seus alunos, este
ficava revoltado e abandonava a escola". Essa iniciativa esquecia
sobretudo que os jovens desta idade estão normalmente inseridos
totalmente no mundo do trabalho e que, a não ser que tivessem uma
fé profunda ou fortuna familiar que permitisse sustentá-los, tinham
que pensar primeiro na sua alimentação. Praticamente, portanto, só
os filhos de famílias abastadas é que podiam receber tal ensino,
embora os líderes de Israel tenham tido sempre o cuidado de
oferecer a mais ampla educação a todos, inclusive ao pobre e ao
órfão. Foi isso que levou à criação de escolas gratuitas para todas as
crianças a partir de seis anos, em todas as aldeias.
O ensino superior tem como centro a discussão e a argumentação
entre estudantes a propósito desta ou daquela interpretação de um
texto bíblico. O estudo do grego, a língua internacional da época, é
aceito até o séc. II da nossa era (as traduções gregas das Escrituras,
denominadas de Áquila e de Teodocião foram feitas em ambiente
judeu após o ano 70). Depois, será malvisto; segundo os escribas, já
não tem mais sentido ensinar a filosofia grega, que perverte os
homens; quanto à língua grega, dizem eles: "Podes estudá-la, se
encontrares um tempo que não seja nem o dia nem a noite". No que
diz respeito ao mestre quase sempre um escriba, já que ele difunde
a Palavra de Deus, deve ser honrado pelos alunos à imagem de
Deus, primeiro doador da Lei; os pais passam para o segundo lugar
depois dele.
Quais eram as regras sobre o matrimônio?
Quanto à idade:
Até os doze anos, a criança é menor e não pode tomar decisão
alguma que a comprometa de verdade. Quando chega aos doze anos,
a situação é diferente para o menino e a menina.
Após completar doze anos, o menino torna-se maior, é obrigado a
observar a Lei, que ele pode ler na sinagoga (mais tarde, ele
ganhará o nome de bar-miçwah ou filho do mandamento}. É
convidado a se dedicar ao trabalho. "Deve em primeiro lugar
construir sua casa, depois plantar uma vinha, depois casar-se". É
preciso que ele ajunte o necessário para abrigar e alimentar
corretamente mulher e filhos. A idade considerada boa para se casar
é entre os 1 6 e 22 anos, o ideal é aos 18 anos. "O Santo — que ele
seja bendito — está atento a que o homem se case ao mais tardar
aos 20 anos e o amaldiçoa se não o fez até essa data". Alguns
escribas toleram até 24 anos.
A filha, entre 12 anos e 12 e meio, é uma adolescente que o pai tem
o dever absoluto de entregar a um noivo, pois após essa data ela se
torna plenamente maior e pode portanto livremente aceitar ou não
os projetos do pai. Durante esse período da adolescência, é o pai que
decide e, pelo direito, pode fazê-lo contra o parecer da filha.
Contudo, aconselha-se fortemente a ele que procure ouvir a opinião
dela e não contrarie sua vontade expressa. Se o pai lhe deu um
noivo ou um marido antes dos seus doze anos, ela pode dizer, no dia
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em que atinge essa idade: "Considero-me como vendida em
escravidão e portanto me liberto hoje". E ela se torna efetivamente
livre.
É no meio dos parentes que normalmente o pai procura um noivo
para a filha: isso evita a dispersão dos bens da família e tem
também a vantagem de os futuros parceiros já se conhecerem,
sendo portanto maiores as chances de se entenderem. Com efeito é
proibido, segundo uma lei dos escribas, fazer dois jovens se casar
sem que nunca se tivessem encontrado antes, porque no dia do
casamento, um deles poderia dizer: "Não tenho realmente o que eu
esperava e portanto não quero".
As regras do noivado eram rígidas:
Juridicamente, o noivado é o ato essencial que liga efetivamente os
futuros esposos e suas famílias, graças ao contrato de matrimônio; é
coisa bem diferente, portanto dos nossos noivados ocidentais.
Esse contrato é um ato oficial que estipula: como serão divididas as
despesas da festa do matrimônio; o que o noivo vai pagar ao pai da
moça (como "preço" da noiva); o que eventualmente a moça possui
como bens próprios, bens que podem provir de herança ou de
indenização por algum acidente que lhe teria acontecido após os
doze anos; o dote que o pai paga por sua filha (os bens próprios e o
dote são, de fato, administrados pelo marido que tem a posse total
das rendas que eles podem dar, mas em caso de separação dos
esposos ou de morte do marido, a esposa recupera esses bens ou
seu equivalente); o penhor de casamento, enfim, indicado antes sob
a forma de bens do que de dinheiro, bens reservados para a esposa:
se ela fica viúva, esses bens lhe são atribuídos e a partilha entre os
filhos só tem lugar depois; se ela é repudiada, o esposo deve dar-lhe
esse penhor, exceto em alguns casos em que fosse notória a má
conduta da esposa.
Vamos explicar alguns pontos referentes, a este contrato. O dote ou
provisão do pai para sua filha é algo muito importante: isso
representa, de fato, sua herança paterna. Em estrita justiça, só os
filhos herdam, recebendo o mais velho uma dupla parte, mas as
filhas devem receber um dote. Os textos especificam que, se o pai
morre na indigência, os irmãos que entretanto não herdam nada,
devem trabalhar para constituir um dote para suas irmãs.
O valor dos diversos elementos depende da fortuna das famílias e
das exigências recíprocas. O pai que ama sua filha deve interessarse especialmente pelo valor do penhor do matrimônio e assegurar-se
de que o noivo certamente o possui.
Como os esposos de Jerusalém unanimemente adquiriram o costume
de deixar sua casa para sua eventual viúva, uma lei estipula, no séc.
I, que, de qualquer forma, a viúva conserva por toda a vida o
usufruto da casa de seu marido.
Escrever um "bilhete de repúdio" é, portanto, como se vê, muito
constrangedor para o marido, pois equivale a renunciar ao usufruto
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dos bens da esposa e abandonar parte dos seus próprios bens (o
penhor); se alguns felizardos podem se permitir esse sacrifício "por
qualquer motivo" (Mt 19,3), a imensa maioria dos judeus hesita
muito mais.
Esse noivado não altera nada na vida concreta dos dois: cada um
continua a viver na sua própria família como antes e as relações
sexuais são malvistas. Cada um sabe, porém, que está totalmente
ligado ao outro e que a separação não se poderá realizar senão por
um bilhete de repúdio com todas as suas conseqüências. O noivo,
que já recebeu o dote, pode começar a fazê-lo render, ao passo que
a noiva não precisa senão esperar em sua casa, mantendo boa
conduta para assim dar prova de sua fidelidade. O tempo do noivado
dura mais ou menos um ano e, segundo as discussões dos rabinos,
ele se apresenta claramente como o tempo necessário para que a
moça se torne fisiologicamente uma mulher e portanto uma possível
mãe: insistem para que se espere as primeiras ou até as quartas
regras.
O matrimônio também era regulamentado detalhada e rigidamente:
Chega afinal o momento do verdadeiro encontro e da vida em
comum. Sabe-se pouca coisa sobre o matrimônio mesmo no séc. I. É
ocasião de uma grande festa para as famílias e para os vizinhos. Eles
dançam, cantam, organizam farândolas, inclusive noturnas. O
esposo vai buscar a noiva para conduzi-la à casa dele, isto é, as mais
das vezes, à casa dos seus pais: esta chegada à família dos sogros
não deve ter sido sempre fácil para a noiva. Pois é esse o último dia
da sua vida em que ela tem o direito de não usar véu na cabeça.
Parece não haver cerimônia religiosa especial, a não ser uma bênção
pronunciada pelo pai da noiva. A verdadeira bênção virá com os
filhos que nascerão desta união. Não quer dizer que não se faça
referência a Deus: pensa-se, ao contrário, que é ele quem decide
todos os matrimônios. Mas já que toda a vida do judeu está voltada
para Deus, esse ato eminentemente humano é sagrado em si
mesmo, sem que haja necessidade de mais outra coisa. Durante a
noite de núpcias, a noiva sobretudo não deve esquecer a prescrição
de Dt 22,13-21 que continua sempre em vigor.
Pelo matrimônio, a esposa passa duma submissão total ao pai para
uma submissão quase total ao marido:
Criança: nada pode possuir; deve respeito ao pai e aos irmãos; o que
ela encontra pertence ao pai; pode-se fazer dela uma escrava; nada
pode decidir sozinha (votos); representada na justiça pelo pai;
mutilada ou deflorada: a indenização vai certamente para o pai.
Esposa: possui, mas sem nenhum direito; deve respeito ao marido; o
que ela encontra pertence ao marido; se se tornar escrava, o marido
deve resgatá-la; nada pode decidir sozinha e o marido pode lhe
impor votos; representada pelo marido, a não ser quando ela
apresenta queixa contra ele; mutilada: a indenização fica muito
provavelmente com o marido.
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É necessária a viuvez ou o divórcio para que a mulher encontre
enfim sua autonomia e goze da liberdade e da possibilidade de
administrar seus negócios. Mas ainda é preciso que suas rendas lhe
permitam viver! Se não, ela pode escolher entre o segundo
casamento e a miséria ... a não ser que, abandonando o véu, ela se
entregue à prostituição.
Esta situação global explica bem a pequena importância das
mulheres e ao mesmo tempo a insistência sobre as viúvas que se
pode encontrar no Novo Testamento.
O divórcio era previsto em favor do homem:
O marido pode repudiar a mulher. Discutia-se muito, na época
rabínica, sobre o motivo alegado em Dt 24,1: "se ele encontrou nela
algo de inconveniente". A escola de Shamai não admitia como
motivo senão a má conduta ou o adultério da mulher, mas a de Hilel
admitia razões mais fúteis: bastava que a mulher tivesse preparado
mal uma refeição ou mesmo que ela tivesse cessado de agradar ao
marido.
As mulheres, ao contrário, não podem pedir o divórcio: a hipótese de
Mc 10,12 (que não consta em Mt-Lc) é sem dúvida influenciada pelos
costumes pagãos.
Já um tanto informados sobre o mundo feminino da época do
nascimento do Cristianismo, demos um salto de 20 séculos em direção ao
futuro e verificaremos a realidade feminina ainda insatisfatória da nossa
época.
A estatística mundial confirma o que todos sabemos sobejamente
(vide em Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Feminismo):
As mulheres detêm apenas 1% da riqueza mundial, e ganham 10%
das receitas mundiais, apesar de constituírem 49% da população.
Quando se considera a criação dos filhos e o trabalho doméstico, as
mulheres trabalham mais do que os homens, quer no mundo
industrializado, quer no mundo sub-desenvolvido (20% a mais no
mundo industrializado, 30% no resto do mundo).
As mulheres estão sub-representadas em todos os corpos
legislativos mundiais. Em 1985 a Finlândia detinha a maior
percentagem
de
mulheres
na
legislatura
nacional,
com
aproximadamente 32% (cf. NORRIS, P.. Women's Legislative
Participation in Western Europe, West European Politics).
Actualmente a Suécia tem o maior número, com 42%. A média
mundial é apenas 9%.
Em média e a nível mundial, as mulheres ganham 30% menos do
que os homens, mesmo quando têm o mesmo emprego.
Quanto à presença das mulheres nos cargos públicos
relevantes no Brasil verificamos em http://www.cfemea.org.br que:
mais
13
1. No Poder Judiciário:
1.1. No Supremo Tribunal Federal - 1 ministra
1.2. No Superior Tribunal de Justiça - 3 ministras
1.3. No Tribunal Superior do Trabalho - 1 ministra
1.4. No Tribunal Superior Eleitoral - 1 ministra
2. No Poder Legislativo:
2.1. No Senado - 9 senadoras
2.2. Na Câmara dos Deputados - 45 deputadas federais
2.3. Nas Assembléias Legislativas Estaduais e Distritais - 132 deputadas
estaduais e distritais
2.4. Nas Câmaras de Vereadores - 6.990 vereadoras
3. No Poder Executivo:
3.1. Nos Ministérios - 3 ministras
3.2. Nos Governos Estaduais e Distrital - 2 governadoras
3.3. Nas Prefeituras Municipais - 318 prefeitas municipais
Esclarece ainda a Wikipédia:
Apesar dos avanços feitos pelas mulheres no que respeita à
igualdade no mundo ocidental, há um longo caminho a percorrer
para se chegar à igualdade.
Voltando no relógio do tempo, verificamos que Moisés[2], o grande
legislador judaico, realizou uma importante obra em favor da humanidade.
De tudo que legou aos pósteros é o Decálogo[3] sua contribuição mais
importante, pelo caráter de universalidade, enquanto que suas demais
regras jurídicas são meramente locais e não ultrapassaram o nível daquela
época primitiva.
Entretanto, infelizmente, até o próprio Decálogo, no seu 10º
mandamento, mostra esse tratamento inferiorizante das mulheres.
Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu
próximo, nem seu servo, nem sua serva, nem seu boi, nem seu
jumento, nem coisa alguma que lhe pertença.
ALICE L. LAFEY (1994:21-24) afirma que em todo o
Testamento[4] a situação da mulher é de mera sombra do homem:
Antigo
... o valor das mulheres estava associado a certas funções e tarefas.
A mulher justificava sua existência como filha pelo seu futuro papel
de gerar filhos para seu marido. As mulheres que não conseguiam
cumprir as responsabilidades desse papel (as estéreis), as que eram
infiéis a essa missão (prostitutas, adúlteras), ou as que danificavam
a autocompreensão de Israel pela idolatria (as mulheres
estrangeiras) - todas essas eram rejeitadas pela sociedade. As
mulheres são quase sempre identificadas por meio dos homens que
são seus pais, maridos ou filhos, e eventualmente pelos seus
irmãos... [...] As viúvas e as órfãs não tinham como se "ligarem" à
comunidade, já que a ligação era feita através dos homens com os
quais eram identificadas. [...] A história teológica narrada no
Pentateuco é escrita de uma perspectiva de homens.
14
A miopia do Novo Testamento[5] nesse ponto não é menor,
conforme ressalta ELISABETH S. FIORENZA (1992).
O "julgamento" da mulher adúltera, na verdade, não foi um
verdadeiro julgamento, como veremos.
Sob o aspecto jurídico, o questionamento que Jesus apresentou à
multidão presente foi uma reflexão sobre o Direito draconiano em vigor. A
pena de morte para o adultério era um excesso para um ilícito que, na
verdade, só interessava aos cônjuges e nunca ao Estado ou à comunidade.
Jesus não julgou: não absolveu nem condenou (pois não era juiz,
enquanto que existia um corpo judiciário estabelecido, único que tinha
legitimidade para julgar os judeus, ainda mais em casos em que a pena
cominada era a morte). Deixou às pessoas presentes dois temas para
reflexão:
1) aqueles que pretendem analisar os outros devem ser moralmente
superiores e, sendo superiores, têm o dever de ser benevolentes, uma vez
que tout comprendre c'est tout pardonner;
2) a ninguém se deve fechar as portas do recomeço.
O texto de João a que nos referimos é o Capítulo 8 do seu Evangelho:
1- Jesus foi para o Monte das Oliveiras. 2- De madrugada, voltou
outra vez para o templo e todo o povo vinha ter com ele. Jesus
sentou-se e pôs-se a ensinar. 3- Então, os escribas e os fariseus
trouxeram-lhe certa mulher apanhada em adultério, colocaram-na
no meio 4- e disseram-lhe: «Mestre, esta mulher foi apanhada a
pecar em flagrante adultério. 5- Moisés, na Lei, mandou-nos matar à
pedradas tais mulheres. E tu, que dizes?» 6- Faziam-lhe esta
pergunta para o fazerem cair numa armadilha e terem de que o
acusar. Mas Jesus, inclinando-se para o chão, pôs-se a escrever com
o dedo na terra. 7- Como insistissem em interrogá-lo, ergueu-se e
disse-lhes: «Quem de vocês estiver sem pecado atire-lhe a primeira
pedra!» 8- E, inclinando-se novamente para o chão, continuou a
escrever na terra. 9- Ao ouvirem isto, sentindo-se acusados pela
consciência, foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos, e
ficaram só Jesus e a mulher diante d'Ele. 10- Então, Jesus ergueu-se
e perguntou-lhe: «Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?»
11- Ela respondeu: «Ninguém, Senhor.» Disse-lhe Jesus: «Também
eu não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecar.»
Jesus estava em Jerusalém, tendo passado a noite no Monte das
Oliveiras, mas, de madrugada, voltou ao Templo e ali permaneceu, e,
permanecendo sentado, ali compareceu muita gente, com quem Ele
conversava e a quem orientava. À certa altura ali compareceram alguns
escribas e fariseus trazendo uma mulher flagrada em adultério, tendo eles
perguntado a Jesus se deveriam cumprir a Lei, que cominava a pena de
morte por apedrejamento para as adúlteras. (Um parêntese: a Lei
cominava pena de morte por apedrejamento tanto para a adúltera como
para o adúltero) O evangelista pondera que tratava-se de uma armadilha
para Jesus, pois queriam um pretexto para o acusarem perante o Sinédrio,
que funcionava ali mesmo no Templo. Entretanto Jesus, ao invés de
15
responder pela justiça ou injustiça da Lei, inclinou-se e passou a escrever
(o que?) com o dedo no chão. Não se contentaram com o silêncio de Jesus
e insistiram para que Ele se manifestasse e então Ele levantou-se e disselhes: «Quem de vocês estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra!» e
novamente abaixou-se e voltou a escrever (o que?) no chão com o dedo.
Gradativamente eles foram indo embora humilhados, a começar pelos mais
velhos, até que ficaram somente Jesus e a mulher. (Se João esteve
presente, também não se sentiu em condições de permanecer). Jesus
perguntou a ela se algum deles a tinha condenado, ao que ela respondeu
negativamente. Então Jesus disse-lhe: «Também eu não te condeno. Vai e
não tornes a pecar.»
Para bem compreender o que ocorreu, deve-se conhecer o triste
mundo das mulheres judias e o Direito de então.
A frase atribuída a HILEL[6]: O que não queres para ti não o queiras
para os demais, apesar de sobejamente conhecida, na prática, não era
levada geralmente em conta inclusive pelos religiosos. Como hoje ainda,
usa-se de rigor contra os outros e de complacência para si.
Naquela época e naquele país qualquer relacionamento de uma
mulher[7] casada ou noiva com algum homem que não fosse o marido ou
noivo era punido com a morte, enquanto que permitia-se a poligamia[8]
ao homem, o qual somente era punido como adúltero se tivesse um
relacionamento com mulher casada ou noiva, pois, nesse caso, estaria
desrespeitando o direito de outro homem.
Quanto ao nosso estudo dividimo-lo em duas partes:
- a primeira abordando a realidade judaica de vinte séculos atrás e
- a segunda tratando do mundo feminino da atualidade,
e finalizamos, na Conclusão, com uma proposta arrojada para a
concretização da igualdade entre homens e mulheres: a adoção do sistema
amplo de cotas[9] no referencial de 50% para cada um dos sexos, numa
ampliação das propostas de MARTA SUPLICY e MARY FERREIRA.
Esperamos contribuir para o despertamento dos prezados Leitores
para um mundo justo, onde a igualdade entre homens e mulheres exista
não só na legislação como também no íntimo de cada pessoa.
1ª PARTE - HÁ 2.000 ANOS
1 - A SOCIEDADE JUDAICA
http://www.chamada.com.br/mensagens/artigos/quaobiblico.shtm
mostra a Israel de hoje naquilo que repete o ontem, ou sejam, o apego às
tradições:
A questão não é: "Quanto Israel é religioso?", mas: "Quanto Israel é
bíblico?"
16
Encontramos o fio da meada para a resposta em Ezequiel37.
Segundo a seqüência lá encontrada, primeiro os judeus retornam à
sua terra como monte de "ossos secos" vindos da dispersão para
Sião. Enfim de volta à terra de seus pais, "havia tendões sobre eles,
e cresceram as carnes, e se estendeu a pele sobre eles", isto é, os
que voltaram para casa se tornaram um corpo nacional, o que
começou a acontecer em 1948 com a fundação do Estado judeu. Só
bem no final, como terceira e última etapa, o Espírito de Deus
entrará neles. Só então, a sua posição de direito se transformará de
fato na situação para que foram predestinados e que corresponde ao
caráter que deveriam ter, ou seja, eles se tornarão em povo santo de
Deus também na prática. Atualmente o corpo está se formando, o
recipiente vazio toma forma, o que representa a condição para que
possa receber dentro de si o Espírito de Deus. Nos exemplos a seguir
podemos ver que o recipiente já vai assumindo formato bíblico:
O povo
Os judeus são em primeiro lugar um só povo. Não uma religião pela
qual cada um se decide individualmente, mas um povo pelo qual
Deus se decidiu. Pois como descendentes de Abraão, Isaque e Jacó
foram escolhidos por Deus, sendo, portanto, um só povo por
descendência. O fato dos escolhidos adorarem o Deus que os
escolheu, a JHWH, é apenas uma conseqüência dessa eleição divina.
Por exemplo, reconhece-se que os judeus são um só povo, por
fazerem parte do povo de Deus inclusive aqueles judeus que não têm
vínculo algum com a religião judaica. Nos quase 2.000 anos de
diáspora (dispersão) entre todos os povos, os judeus continuaram
isolados como um povo e sobreviveram a todas as ondas de
perseguição. Assim Deus preservou os judeus como um povo – os
religiosos e os não-religiosos – até aos dias de hoje. O Estado de
Israel é, portanto, a continuação do povo bíblico, o que se mostra
inclusive nos cohanin, os descendentes de Arão, que são os únicos a
possuírem o gene YAP DYS19B.
A terra
"Tomar-vos-ei de entre as nações, e vos congregarei de todos os
países, e vos trarei para a vossa terra. Habitareis na terra que eu dei
a vossos pais. (Ez 36.24,28a). Quando, no começo do século, o
movimento sionista enfrentou resistência em seus esforços de se
estabelecer em Eretz Israel (a terra de Israel), surgiu a tentação de
se criar o Estado judeu em Madagáscar ou em Uganda. Mas por esta
não ser a pátria bíblica, esses planos resultaram em nada. Assim, o
Estado de Israel surgiu, apesar de toda a oposição, nas terras
bíblicas segundo as promessas divinas, e as novas aldeias e vilas
foram sendo construídas em cima de ruínas de lugares bíblicos.
Nisso se reconhece que Deus trouxe os judeus de volta para sua
pátria bíblica.
A língua
A língua oficial de Israel é o hebraico bíblico enriquecido com
vocábulos modernos e se chama "ivrit". Isso significa que hoje
poderíamos conversar com o rei Davi, com o profeta Isaías e com o
17
apóstolo Paulo. Elieser Ben-Yehuda (1858-1922) ressuscitou e deu
nova vida ao hebraico bíblico, que, na Diáspora, era a linguagem
usada na liturgia e na teologia. A língua hebraica se manteve em seu
estado original e não se modificou com o passar do tempo como
aconteceu com as outras línguas vivas (por exemplo, o grego)
porque ficou hibernando por quase 2.000 anos e conservou-se igual
ao hebraico bíblico original.
A moeda
Já há 2.000 anos a.C. o "shekel" (siclo) era uma moeda. Abraão
pagou a caverna de Macpela com 400 siclos de prata (Gn 23). O siclo
era a moeda para se pagar o tributo ao templo em Jerusalém. Em
1982, Israel reintroduziu essa moeda bíblica e passou a usar outra
vez o siclo como moeda corrente.
A religião
Outras religiões se modificaram, reformas e contra-reformas
adaptaram as religiões ao espírito de cada época. Com o judaísmo
não foi assim. A religião judaica se ateve teimosamente aos
preceitos da Bíblia. Nem o hebraico bíblico podia ser revisado, para
se ter a garantia de que as normas e mandamentos religiosos
oriundos da Bíblia, as orações, festas e rituais se mantivessem
inalterados. Do sábado não se fez o domingo, os dias continuam a
começar pelo anoitecer, a direção para se orar continua sendo
Jerusalém. A circuncisão, o xale de oração, a trombeta de chifres
tocada nas festas e os rolos da Torá escritos à mão continuam sendo
os mesmos como nos tempos bíblicos.
A legislação
Apesar de Israel ser um Estado democrático moderno, sua legislação
se baseia em fundamento bíblico. Assim, em Israel não existe
casamento civil, só a cerimônia religiosa rabínica, segundo a qual os
cohanin (descendentes de Arão) não podem casar com pessoas
separadas. Contratos de arrendamento só têm validade por 49 anos,
para que no 50º ano, que é ano de jubileu, tudo volte às mãos de
seus
proprietários
originais.
Soldados
israelenses
prestam
juramento com a Bíblia sobre o peito e com a arma na mão. E ainda
não existe uma Constituição em Israel. Desse modo, a lei bíblica
continua sendo a instância máxima para a legislação em Israel.
Tudo em Israel...
...tem idade bíblica, mas isso não faz de Israel um museu. Ele é um
dos países mais modernos do mundo. Em outros lugares se
abandonam as tradições dos antepassados, mas em Israel existe
uma volta à antiga Bíblia. Assim, Israel vai se tornando mais e mais
um recipiente com formato bíblico para, algum dia, estar em
condições de receber em si o Espírito de Deus (Ez 37 e Jr 31). Por
enquanto Israel é bíblico apenas em sua forma exterior, mas
interiormente ainda não, contudo todas as coisas têm a sua hora
para acontecer.
18
1.1 - A POLÍTICA
ÉMILE MORIN (1981:104-114) analisa a política judaica da época:
Os ocupantes romanos tinham sua concepção do poder. Para eles,
"era o Estado que constituía o princípio vital soberano. . . A religião
e a nacionalidade só eram reconhecidas enquanto instrumentos do
Estado. A religião e o culto religioso, na forma prescrita pelo Estado,
eram um dever cívico" (Baron).
De acordo com o testemunho de Flávio Josefo, a concepção dos
judeus era completamente diferente: "Alguns povos colocaram o
poder político supremo nas monarquias, nas oligarquias e outros
ainda no povo. Mas, nosso legislador não foi seduzido por nenhuma
dessas formas de governo. Ele deu à sua constituição a forma que se
poderia chamar teocracia, se se pode arriscar um neologismo.
Colocou toda soberania e toda autoridade nas mãos de Deus".
Evidentemente, Deus não governa sem intermediários! Vejamos
quem detinha, concretamente, o poder judaico, na época da
atividade de Jesus, e quais eram as posições dos diferentes partidos.
O poder judaico
No tempo de Jesus, o poder político tinha sua origem no templo.
Certo que a Judéia estava ocupada pela força militar romana e
Pilatos, o governador, representava o imperador Tibério. Mas, os
romanos tinham o costume de respeitar a organização interna dos
países ocupados, sobretudo quando esta atitude era particularmente
recomendável, como no caso dos judeus, bastante ciumentos de seu
modo de vida. E assim, o templo com seu mais alto funcionário, o
sumo sacerdote, permanecia como sede do Estado judaico.
Todos os israelitas (600 a 700 mil, na Palestina; 6 a 7 milhões, no
império romano) dependiam da jurisdição de Jerusalém. E qual era a
dinâmica política, nos anos 28 a 30 depois de Jesus Cristo?
Lembremos, inicialmente, como se escolhia o sumo sacerdote, na
época herodiana e romana. O primeiro personagem de Israel devia
ser da família de Sadoc. Mas de fato, em vinte e oito titulares, nesta
época, apenas dois foram desta família. O princípio de
hereditariedade para atribuição desta alta função, em parte, fora
abandonado. Os sumos sacerdotes foram tirados de famílias
sacerdotais comuns. Simonia, rivalidades, nepotismo, intervenções
do poder romano decidiam a escolha. A família de Anás foi
particularmente hábil, por suas intrigas, para conseguir ocupar o
posto durante cerca de 50 anos. Vários de seus membros, entre os
quais o famoso Caifás (18 a 36 dC) ocuparam o cargo. Por causa
destas rivalidades, o princípio do pontificado vitalício foi
abandonado.
Deus governava, pois, de muito longe, esta teocracia!
19
O acesso ao poder, no Sinédrio, revela uma situação constante, na
humanidade. Os chefes dos sacerdotes se mantinham nesta
assembléia, por causa de suas ligações com o sumo sacerdote. Este,
instalado no cargo graças a seu nascimento, ao dinheiro e à intriga,
cuidava de colocar nos postos mais importantes o seu pessoal, a
começar pelos membros de sua família.
Os anciãos eram chefes de família de origem pura e ricos. O poder
romano escolhia dentre eles aqueles que deveriam responder com
sua própria fortuna pela entrada dos impostos devidos ao império.
Estas duas categorias, conservadoras e com tendência de aliança
com o invasor ocupante, eram saducéias. A aristocracia sacerdotal
(os sacerdotes-chefes) e a aristocracia leiga (os anciãos)
constituíam, no século I, uma classe dirigente bastante
comprometida com os romanos, pela maneira de designação do
sumo sacerdote e pelas razões econômicas já sublinhadas.
No Sinédrio, internamente, um terceiro grupo, o dos escribas, não
cessou de aumentar sua influência nos destinos do país. Os escribas
eram, na maioria, fariseus. De onde lhes vinha seu poder, pois, até
Alexandra teve que se compor com eles? Inicialmente, este poder
lhes vinha de sua influência sobre o povo. Leigos, recrutados de
todas as camadas do mundo judaico, os fariseus apresentam certa
imagem democrática. A conduta moral e sua piedade impunha-nos
ao povo. Seu espírito, mais progressista em teologia (interpretação
constante e renovada da Lei, enquanto os saduceus cuidavam de
nada lhes acrescentar), e sua independência em relação ao invasor
ocupante, fazem deles um partido sedutor.
Além da influência sobre o povo, havia uma verdadeira tecnocracia.
O conhecimento da Lei, a ciência secreta, as exigências em matéria
de ritual dos escribas impressionavam o povo e os próprios
sacerdotes. Nada se podia fazer, no país, sem eles, pois toda vida
estava sob o domínio da Lei religiosa. Depois do ano 70, eles serão
os únicos mestres do judaísmo. Mas antes desta data, não detêm, no
entanto, a direção das finanças, nem da ordem pública e nem da
justiça de seu país. Representam, no entanto, uma oposição ativa,
não comprometida com o ocupante, que precisa ser levada em
consideração.
Os critérios estabelecidos no país para a escolha de juizes e as
exigências a propósito de testemunhas, precisariam ser lembrados.
As posições dos diferentes partidos judaicos
É quase uma ousadia empregar, aqui, a palavra "partido". Mas, de
fato, cada um dos grupos que vamos estudar mistura suas
convicções religiosas e suas posições políticas.
Por motivos de clareza, vamos nos arriscar, mesmo assim, a falar
sucessivamente do partido da classe dirigente (os saduceus) e de
três partidos da oposição (os fariseus, os zelotas, os essênios).
Os saduceus
20
A documentação relativa a este grupo é parcial e injusta. Nenhum
escrito nao-canônico intertestamentário tem suas origens neste
grupo. Flávio Josefo, sacerdote fariseu, os ataca. Os escritos
rabínicos dos primeiros séculos orientam contra eles uma rude
polêmica. A origem do grupo é incerta. Eles entram em cena na
época de João Hircano, cerca dos anos 130 a 120 antes de Jesus
Cristo, quando se ingerem em questões públicas. E isto não é de se
admirar, pois eles são ou da aristocracia sacerdotal ou do mundo
leigo rico.
O sumo sacerdote e o templo são seu sustentáculo. No tempo de
Alexandra, defrontaram-se com os fariseus. Herodes os tratou
duramente. Do ano 6 ao ano 70, comandaram uma política de
conciliação com o invasor romano. A partir do ano 6, o sumo
sacerdote, Joazar, persuadia os judeus a declararem seus bens.
Acalmavam os movimentos populares. Entre eles é que se deve
procurar os responsáveis pela morte de Jesus.
Suas tendências doutrinais conservadoras são coerentes com sua
posição política. São defensores da ordem estabelecida. Em matéria
cultual, apegam-se à letra da Torá e, neste ponto, muitas vezes,
entram em conflito com os fariseus. Assim, a presença de Deus é
muito localizada no Santo dos Santos do templo. É por isso que,
conforme seu ritual, o sumo sacerdote deve usar o incenso antes de
penetrar no Santo dos Santos para se proteger com a fumaça contra
a claridade, da glória divina. Os fariseus, que tinham uma concepção
bastante ampla da presença divina, pensavam, ao contrário, que
bastava impor o incenso depois da entrada no Santo dos Santos.
Este é um detalhe bastante pertinente. Traduz bem o liame que pode
existir entre uma política e uma teologia: Deus muito localizado, no
templo, de quem só se aproxima o sumo sacerdote. Isto significa um
conservadorismo institucional saduceu em que o templo passa a ser
o penhor de salvação do povo. Deus presente aí, mas também
presente em todo território é a posição, quase democrática, dos
fariseus. Apesar das aparências, é a posição política que molda a
teologia e não o contrário.
Os saduceus privilegiam os Cinco livros, o Pentateuco, supostamente
legados por Moisés. Não rejeitam os livros proféticos. Mas são
compreensíveis suas resistências e sua reticência em empregá-los! A
evolução doutrinal sem apoio no Pentateuco é descartada. Assim, a
idéia de uma retribuicão individual e coletiva extraterrena. Para
eles, o que importa é a salvação atual da nação. A ressurreição dos
mortos, a existência de anjos e de demônios lhes parecem dados
bastante tardiamente acrescentados. Em matéria criminal, rejeitam
as mitigações inventadas pelos fariseus e as acomodações
financeiras. São partidários de uma estrita aplicação da lei do talião.
Os saduceus constituíam o partido da ordem. Não eram gozadores
vulgares. Viviam presos à sua fé. Eram arrogantes e duros com os
pequenos. Não tinham influência sobre o povo. Acredita-se que nem
mesmo sobre as próprias mulheres. É que eles não resistiram à
tentação de todo partido no poder; utilizar a religião.
21
Os herodianos
Este grupo, mencionado por Flávio Josefo e pelos Evangelhos,
parece designar, na Galiléia onde reina Herodes Antipas, mas
também na Judéia, os partidários da dinastia herodiana, os
beneficiados no reinado de Herodes, o Grande.
Entre eles, cita-se a família de Boetos. Simão, filho de Boetos, foi
elevado ao supremo pontificado, por Herodes, o Grande, cerca do
ano 22 antes de Cristo.
Os fariseus
Desde os tempos dos macabeus existiam associações de judeus
piedosos. No tempo de João Hircano (135-104 aC) e de Alexandre
Janeu (103-76 aC), aparecem referências aos fariseus {perushim =
separados ou separatistas). Entre si, eles se chamavam
"companheiros". De fato, eles se separavam da massa popular,
ignorante, vulgar, pecadora. E também dos reis-sacerdotes,
asmoneus, que não eram da linhagem de Davi e estavam muito
comprometidos com o helenismo.
Alexandre Janeu foi bastante sábio ao aconselhar sua mulher,
Alexandra, de dar-lhes sua colaboração. É que eles haviam
conquistado o povo. Tornaram-se, então, os verdadeiros chefes do
Estado.
Sendo novamente relegados por Aristóbulo II (67-63 aC), fizeram
uma oposição ao rei e motivaram o povo a enviar uma embaixada a
Pompeu para lhe tirar a realeza.
Foram respeitados por Herodes, o Grande, pois tinham aconselhado
a rendição de Jerusalém a Herodes quando conseguiu o poder dos
romanos, mas sobretudo porque tinham atrás de si o povo. No ano 6
antes de Cristo, Herodes desentendeu-se e rompeu com eles por
causa de suas intrigas na corte.
Sob a autoridade e domínio romanos, do ano 6 ao ano 66 depois de
Cristo, a aristocracia sacerdotal e leiga recuperou a situação no
Sinédrio. Mas, a influência dos fariseus sobre o povo e na área
religiosa era tal que eles representavam uma força que precisava ser
levada em conta. O zelotismo nasceu em suas fileiras. Mas, sua
grande maioria opunha-se à ação violenta contra o império.
Esperavam de Deus a libertação. E, nesta espera, submetiam-se a
Deus que lhes impunha, então, chefes estrangeiros. Em 70, com
permissão dos romanos, eles vão colocar o judaísmo num bom
caminho. No tempo de Jesus, mantinham-se numa vigilante
expectativa e conheciam bem os laços que os ligavam ao povo.
Segundo Flávio Josefo, no tempo do reinado de Herodes, o Grande,
havia cerca de 6.000 fariseus. E o número de simpatizantes era bem
elevado. Eram recrutados em todas as camadas da sociedade, mas
sobretudo, nos meios medianamente favorecidos, especialmente,
entre os artesãos e os pequenos comerciantes. Organizavam-se em
22
comunidades. Tomavam refeições em comum. Tinham intervenções
públicas e um regime de admissão e exclusão bem preciso.
Embora houvesse sacerdotes fariseus, o grupo se compunha
sobretudo de leigos, sem a formação dos escribas, mas que se
distinguiam, no entanto, pelo conhecimento exato das tradições
mosaicas e dos antigos e pelo cumprimento minucioso dos preceitos.
Os chefes e os membros influentes das comunidades dos fariseus
eram escribas.
O segredo de sua influência é conseqüência de dupla oposição.
Primeiramente, diante da massa popular, afirmavam sua origem
judaica com uma piedade bastante desenvolvida. Sua interpretação
escrupulosa da Lei os levava a uma observância rigorosa do sábado,
a um extremo cuidado com a pureza legal, ao pagamento integral
dos dízimos dos mínimos produtos. Com isso, pretendiam impor ao
povo em geral, em toda a sua vida, uma pureza totalmente
semelhante àquela que devia caracterizar o sacerdote oficiante do
templo. Os saduceus não exigiam tanto, pois tinham que manter as
distinções. Os fariseus, mais católicos que o papa, mostravam-se,
assim, como exemplo ao povo. Fascinavam a todos e a todos
desprezavam.
Por outro lado, opunham-se à nobreza sacerdotal e leiga na área
religiosa, constituindo-se uma nova casta de intérpretes da Escritura
com espírito renovador. Diante dos que se agarravam apenas ao
livro da Lei, os fariseus escribas combinavam a exegese da Lei
escrita com as contribuições da Tradição oral para a elaboração de
uma teologia mais aberta e mais espiritualista. Eles tinham uma
idéia bastante elevada das relações entre o homem e o Criador, da
liberdade humana e da providência. Manifestavam uma viva fé
messiânica e afirmavam a existência dos anjos, o julgamento depois
da morte e a ressurreição dos justos. Ao contrário dos saduceus que
desconfiavam de toda abertura da história, os fariseus admitiam as
crenças dos apocalípticos e esperavam uma era verdadeiramente
nova (rever as observações sobre o cenário apocalíptico, na
Introdução).
Os fariseus, irrepreensíveis aos olhos do povo, superavam, por sua
ciência e sua piedade, os chefes-saduceus pouco considerados nos
meios populares. Seu espírito comunitário e seu cuidado de
purificação para todo Israel continham germes democráticos. Tudo
isso constituía excelentes trunfos para um partido de oposição que
colheu, no ano 70, os frutos de seu devotamento à Lei.
Os zelotas
São "zelosos" ou fervorosos, pessoas decididas ou engajadas,
embora com certo fanatismo. São chamados também sicários ou
homens do punhal: "sica" era um pequeno, um curto punhal romano.
No recenseamento dos anos 6 e 7 depois de Cristo, ordenado por
Quirino, legado da Síria, para levantamento fiscal, o fariseu Sadduq
e o galileu Judas de Gamala dirigiram uma revolta popular. O
movimento que tinha suas origens entre os fariseus, embora
23
reprimido por Roma, conseguiu propagar-se. O meio de ação era o
golpe de mão, o assassinato.
Os zelotas separavam-se dos fariseus, julgados por eles muito
conciliadores e muito passivos. Barrabás era um zelota. Durante a
revolta dos anos 66 a 70, o fanatismo zelota atingiu o paroxismo.
Depois da queda de Jerusalém, eles ainda resistiram e só cederam,
no ano 73, em Massada. Mas Bar Koseba retomou a resistência nos
anos 132 a 135.
Inflamados pela Lei, eles também contavam, para breve, com a com
a vinda do Reino de Deus. Pretendiam reformar o culto e o
sacerdócio pela violência.
Segundo Flávio Josefo, Judas o Galileu "censurava os judeus por
aceitarem o pagamento do tributo aos romanos e por admitirem
chefes mortais ao lado de Deus. E seus sequazes tinham um
invencível amor à liberdade, pois julgavam que Deus era o seu único
chefe e seu único soberano".
O programa dos zelotas continha uma reforma social, mas lutavam
pelo templo e, portanto, pela conservação das instituições judaicas.
Eram os resistentes que queriam a expulsão dos romanos, mas eram
os reformistas que pretendiam, simplesmente, corrigir os abusos do
sistema em vigor sem questionar o modo de produção vigente desde
o século X antes de Cristo. Seu desejo de purificar o culto e o
sacerdócio não deve, pois, criar ilusão. Os zelotas não eram
verdadeiros revolucionários. E perderam a guerra.
Os essênios
Com os testemunhos de Plínio, o Velho, de Fílon e de Flávio Josefo,
pode-se deduzir a existência de uma seita de essenos ou essênios,
desde a metade do século II antes de nossa era. Nela se entrava só
depois de uma longa iniciação. E aí se vivia de maneira bastante
parecida com a vida monástica (bens em comum e continência),
levando-se bem a fundo as exigências do monoteísmo.
A fidelidade à Lei e ao legislador Moisés era tema favorito da seita
que praticava, rigorosamente, o sábado e a pureza legal. Entre eles
não havia sacrifícios cruentos, o que é uma originalidade no mundo
judaico palestino. As descobertas no deserto de Judá, à margem do
mar Morto (manuscritos das grutas e escavações de Khirbet Qumrã)
parecem possibilitar a afirmação dos vestígios deste grupo que
recusa o culto no templo, enquanto não for realizado pelo sacerdócio
legítimo e segundo os ritos e o calendário da seita.
Esses escritos de Qumrã confirmam a existência de um grupo que
escolheu retirar-se da sociedade judaica até que soasse a hora de
Deus. Fervorosos e muito preocupados em se separar dos maus de
seu povo e dos pagãos, os membros desta comunidade querem
voltar à pureza da Aliança e da organização sacerdotal. Esperam que
se desencadeie a "guerra dos filhos da luz contra os filhos das
trevas". E contam com a ajuda de Deus e dos exércitos celestes. Eles
não têm em vista a conversão dos pecadores nem a salvação dos
24
pagãos. O mosteiro de Qumrã foi ocupado da metade do século II
até o ano 31 antes de Cristo e, depois, do começo de nossa era até
sua violenta destruição no ano 68. Parece ter sido o lugar onde se
recusava, silenciosamente, tomar consciência das dificuldades
concretas da Palestina.
Na sociedade em que se manifestou o Acontecimento-Jesus,
ninguém é indiferente ao poder. Mesmo tratando-se do poder numa
"teocracia", nada se muda. Fuga dos essênios, na espera de uma
revanche que só Deus pode tornar eficaz, contestação violenta dos
zelotas, espera vigilante dos fariseus, oportunismo dos saduceus
que prefeririam a independência, mas tiram vantagens da situação
vigente, são atitudes, todas elas, motivadas pelo apetite do poder.
Onde situar Jesus nesta realidade?
1.2 - A FAMÍLIA NA SOCIEDADE JUDAICA
ÉMILE MORIN (1981:55-56) descreve a estrutura da família na
sociedade judaica:
A família israelita antiga é de tipo patriarcal. Aí tudo se compreende
do ponto de vista do pai (ex, a genealogia de Jesus). O pai goza de
total autoridade sobre a “casa” (comunidade de sangue e de
habitação. Sobre todas as pessoas ligadas à família), sobre todos os
"irmãos". O marido é o senhor (ba'al) da mulher. A solidariedade
familiar é bastante forte. Na antiguidade israelita, impunha-se ao
go'el (redentor) resgatar o parente que se tivesse vendido como
escravo e também o patrimônio que corresse o risco de sair do clã e
de assegurar a vingança do sangue.
O parente próximo devia suscitar posteridade ao membro da família,
morto sem deixar filho. Esta tradição antiga iniciou-se com a
sedentarização e o desenvolvimento da vida urbana, permanecendo
ainda o "espírito familiar". O que ainda hoje se observa no mundo
rural árabe e na África rural negra nos ajuda a compreender o que
era a solidariedade familiar no tempo de Jesus, na Palestina.
A coesão das famílias judaicas se enraíza também em sua orientação
para o templo. Cada dia, nos momentos de oração, o israelita se
volta para o lugar" que Deus escolheu para fazer habitar seu Nome".
Desde o século VII a.C. o templo se tomará o único local, onde se
ofereciam os sacrifícios e se recolhiam os dízimos e as oferendas.
Três vezes, por ano, o santuário atraía as famílias para Jerusalém:
Páscoa, Pentecostes e festa das Tendas. E não se podia ir de mãos
vazias.
2 - A SITUAÇÃO DA MULHER
Daremos inicialmente uma pincelada geral sobre a situação social
das mulheres através da pena de JOACHIM JEREMIAS (1983:473-494):
25
No Oriente, a mulher não participa da vida pública; o mesmo
acontecia no judaísmo do tempo de Jesus, pelo menos entre as
famílias judaicas fiéis à Lei. Quando a mulher saía de casa, trazia o
rosto escondido por um manto, peça de pano dividida em duas
partes, uma cobrindo--lhe a cabeça (espécie de couffieh de hoje),
e a outra, cingindo a fronte e caindo até o queixo, tipo de rede com
cordões e nós. Desta forma, não se podia reconhecer os traços de
seu rosto. Certa vez, um sumo sacerdote de Jerusalém não
reconheceu a própria mãe, quando lhe aplicou a sentença prescrita
para a mulher acusada de adultério. A mulher que saía de casa sem
ter a cabeça coberta, quer dizer, sem o véu que ocultava o rosto,
faltava de tal modo aos bons costumes que o marido tinha o
direito, até mais, tinha o dever de despedi-la sem ser obrigado a
pagar a quantia que, no caso de divórcio, pertencia à esposa, em
virtude do contrato matrimonial. Havia mulheres tão rigorosas que
não se descobriam nem mesmo em casa, como aquela Qimhit que
viu — assim contam — sete filhos se tornarem sumos sacerdotes, o
que foi considerado uma recompensa de Deus pela sua
austeridade: “Caiam sobre mim [isto ou aquilo] se as traves de
minha casa viram os meus cabelos”. Somente no dia do casamento
a esposa, se fosse virgem e não viúva, aparecia de cabeça
descoberta no cortejo”.
Em conformidade com tais regras, as mulheres, em público, deviam
passar despercebidas. Ouvimos falar da sentença de um dos mais
antigos escribas que conhecemos, Yose ben Yohanan de Jerusalém
(cerca de 150 a.C.): “Não converse muito com uma mulher”; —
acrescentaram depois: “ [Isso vale] no caso de tua mulher e mais
ainda em relação à mulher do próximo”. As regras do decoro
proibiam encontrar-se sozinho com uma mulher, olhar para uma
mulher casada, e até mesmo cumprimentá-la. Seria vergonhoso para
um aluno de escriba falar com uma mulher na rua. Aquela que
conversasse com alguém na rua ou ficasse do lado de fora de sua
casa podia ser repudiada sem receber o pagamento previsto no
contrato de casamento.
Preferia-se que a mulher, especialmente a moça antes de seu
casamento, não saísse de casa. Eis o que diz Fílon: “Negócios,
conselhos, tribunais, procissões festivas, reunião de muitos homens,
em suma, toda a vida pública com suas discussões e assuntos, em
tempo de paz ou de guerra, é feita para homens. As jovens devem
permanecer nos cômodos afastados, fixando como limite a porta de
comunicação [com os apartamentos dos homens]; e as mulheres
casadas, como limite, a porta do pátio”. As mulheres judaicas de
Alexandria, diz Fílon noutro lugar, são mantidas em reclusão: “Não
passam além da porta do pátio. Quanto às moças, ficam confinadas
nos quartos das mulheres e, por pudor, evitam o olhar dos homens,
mesmo de parentes próximos”. Inúmeras provas nos demonstram
que essa reclusão da mulher, desconhecida na época bíblica, era
usual mesmo fora do judaísmo alexandrino. “Eu era uma jovem
casta que não passava além da soleira da casa paterna”, diz a mãe
dos sete mártires a seus filhos.
26
Os dados seguintes nos levam a Jerusalém e nos mostram o estrito
costume observado nas casas dos notáveis. Quando Ptolomeu IV
Filopator quis, em 217 a.C., penetrar no Santo dos santos, “as jovens
confinadas em seus aposentos precipitaram-se para fora com suas
mães; cobriram a cabeça com cinza e pó e encheram as ruas com
suas lamentações”. Semelhantes manifestações de grande excitação
se repetem em 176 a.C.; sabendo que Heliodoro, ministro do rei
Seleuco IV, tentava apoderar-se do tesouro do Templo, “as jovens
que estavam retidas em casa acorriam, umas às portas, outras, por
sobre os muros; e ainda outras debruçavam-se às janelas” e as
mulheres cingidas de tecido grosseiro aglomeravam-se nas ruas
(2Mc 3,19). Foi um espetáculo absolutamente sem precedente ,
quando, em 29 a.C., sem levar em conta os bons costumes, a rainhamãe Alexandra correu às ruas de Jerusalém para invectivar, em altos
brados, sua filha Mariana, condenada à morte. De modo análogo, o
Talmude vê nas palavras do salmo 45,14: “Vestida com brocados a
filha do rei é levada para dentro”, a descrição da vida retirada das
mulheres, não saindo de seus aposentos. Como vemos, a jovem de
uma família de notáveis de Jerusalém, observando estritamente a
Lei tinha o hábito de ficar o mais possível em casa, antes de seu
casamento; a mulher casada, de só sair com o rosto oculto pelo
véu”.
Entretanto, para sermos bem exatos, não devemos generalizar. Nas
cortes governamentais pouco se preocupavam com o costume. Basta
pensarmos na rainha Alexandra que, durante nove anos (76-67
a.C.), com prudência e energia, manteve nas mãos as rédeas do
poder, não se distinguindo, em nada, das princesas dos ptolomeus
ou dos selêucidas; ou na irmã de Antígono (último rei macabeu l 4037 a.C.), defendendo a fortaleza de Hircânia contra as tropas de
Herodes, o Grande. Lembremo-nos também de Salomé, dançando
diante dos visitantes de Herodes Antipas (Mc 6,22; Mt 14,6). Aliás,
mesmo onde se conservava rigorosamente o uso, havia exceções.
Duas vezes por ano, em 15 ab e no Dia das expiações, realizavam-se
algumas danças nos vinhedos das cercanias de Jerusalém; as jovens
se exibiam diante dos rapazes. Segundo o Talmude da Palestina, as
moças das melhores famílias também participavam desses festejos.
Todavia, as mulheres dos meios populares não podiam levar uma
vida totalmente retirada como as da alta classe, rodeadas de
domésticos, e isso, principalmente por razões econômicas. Em
muitos casos, por exemplo, a mulher precisava ajudar o marido em
sua profissão, talvez mesmo como comerciante. Que nos meios mais
simples havia menos rigor, podemos concluir também da descrição
das festas populares que se realizavam no átrio das mulheres,
durante as noites da festa das Tendas: a multidão aí se via tão
descontraída que foi necessário construir galerias para as mulheres,
a fim de separa-las dos homens. Além do mais, relações mais livres
reinavam no campo. Ali, a jovem vai à fonte, a mulher dedica-se,
juntamente com o marido e filhos, ao trabalho agrícola, vende
azeitonas à porta, serve à mesa. Nada indica que as mulheres
observassem de modo tão estrito no campo, como na cidade, o
hábito de cobrir a cabeça; pelo contrário, existia, sem dúvida, nesse
sentido, entre a cidade e o campo, uma diferença semelhante àquela
que vemos na população árabe da Palestina atual. Uma mulher não
27
deveria, entretanto, ficar sozinha no campo e não é comum, mesmo
ali, um homem manter conversa com uma estranha.
A situação da mulher em casa correspondia a essa exclusão da vida
pública. Na casa paterna, o lugar das filhas vinha após o dos
meninos; sua formação limitava-se ao aprendizado dos trabalhos
domésticos, costura e fiação, especialmente; tomavam conta dos
irmãos e irmãs menores. Para com o pai tinham, certamente, os
mesmos deveres que os filhos: alimentá-lo e dar-lhe de beber, vestilo e cobri-lo, ajudá-lo a entrar e sair, quando se tornasse velho,
lavar-lhe o rosto, as mãos e os pés0. Não tinham, porém, os mesmos
direitos que os irmãos; do ponto de vista da sucessão, por exemplo,
os filhos homens e seus descendentes” passavam à frente.
O pátrio poder era grandemente exercido sobre as filhas menores
até se casarem; dele dependiam totalmente. Para maior precisão,
vejamos como as distinguias: 1° a menor (menina até a idade de
“doze anos e um dia); 2° a moça (entre 12 anos e 12 anos e meio); e
3º, a maior (bôgeret, acima de doze anos e meio). Até a idade de
doze anos e meio, a autoridade do pai é soberana. A filha nada pode
possuir; a renda de seu trabalho e o que encontra, pertencem a ele.
A filha com menos de 12 anos e meio também não dispõe de si
mesma: o pai pode anular seus votos; representa-a em qualquer
assunto legal; a aceitação ou recusa de um pedido de casamento
pertence exclusivamente
ao poder paterno ou ao de um
representante seu. Até a idade de 12 anos e meio, uma jovem não
tem direito de recusar o casamento decidido pelo genitor, mesmo
que o escolhido seja disforme. Mais ainda: o pai tinha o direito de
vender sua filha como escrava, conforme vimos, mas somente até
aos doze anos. A filha maior (acima de 12 e meio) é autônoma; seu
noivado pode ser decidido sem o consentimento paterno. Entretanto,
mesmo que a filha seja maior, a quantia para o casamento, que o
noivo pagava por ocasião do noivado, pertence ao pai. Esse
autoritarismo dilatado do pai levava-o naturalmente a considerar as
filhas, sobretudo as menores, como aptas ao trabalho e fonte de
renda; “alguns casam a filha e contraem grandes dívidas; outros a
casam e recebem dinheiro por ela”; diz uma frase lacônica.
Os noivados realizados em idade extremamente precoce, segundo
nosso modo de ver, mas aceitável no Oriente, preparavam a
transferência da jovem de sob o poder do pai para a submissão ao
esposo. A idade normal para o noivado era entre 12 e 12 anos e
meio, mas noivados e casamentos ainda mais precoces são
comprovados. Muito freqüente o noivado entre parentes e isso não
só no meio de notáveis onde o conhecimento das jovens tornava-se
difícil pelo fato de viverem muito à parte, excluídas do mundo.
Ouvimos dizer, por exemplo, que um pai e uma mãe discutiram
acerbamente porque cada um queria casar a filha com um rapaz de
sua própria parentela. Quando na falta de filhos, as filhas eram
herdeiras, a própria Torá ordenada que se casassem com parentes
(Nm 36, 1-12). O livro de Tobias (6,10-13:7,11-12) mostra-nos um
caso em que tal prescrição foi aplicada; aliás, seu uso vigora até hoje
na Palestina. Os sacerdotes, particularmente, tinham o costume,
como já vimos, de escolher suas esposas nas famílias sacerdotais;
casamento de leigos com parentes são comprovados, por exemplo,
28
em Tb 1,9;4,12; Jd 8,1-2. O livro dos Jubileus parece recomendar o
casamento com a prima; freqüentemente, com efeito, ele conta,
passando por cima do relato bíblico, que os patriarcas, antes e após
o dilúvio, desposaram filhas da irmã ou do irmão de seu pai. O
período posterior apresentou o casamento com a sobrinha, isto é,
com a filha da irmã, de preferência e até mesmo como obra pia;
diversas vezes, pois, ouvimos dizer que um rapaz contrai matrimônio
com a filha de sua irmã. Não raro, também, o casamento com a filha
do irmão. Já vimos acima que tais casamentos se realizavam nas
famílias sacerdotais de alto nível. A violenta polêmica do Doc.
Damasco contra o casamento com a sobrinha, quer se trate da filha
do irmão, quer da filha da irmã, confirma a freqüência dessas uniões.
Finalmente, os dados fornecidos por Josefo a respeito dos
casamentos na família real de Herodes, mostram o quanto eram
usuais as alianças entre parentes; a maioria das uniões mencionadas
por Josefo são com parentes, isto é, com a sobrinha (filha do irmão
ou da irmã) a prima e a prima em segundo grau.
O noivado que precedia o pedido em casamento e a execução do seu
contrato, expressavam “a aquisição” (qinyan) da noiva pelo noivo, e,
assim, a conclusão válida do casamento; a noiva passa a se chamar
“esposa”, pode ficar viúva, é repudiada por um libelo de divórcio e
castigada de morte em caso de adultério. É característico da situação
legal da noiva que “a aquisição” da mulher e a do escravo sejam
postas em paralelo: “Adquire-se a mulher pelo dinheiro contrato e
relações sexuais”; assim “adquire-se” também o escravo pagão por
dinheiro, contrato e tomada de posse (hazaqah, consistindo para o
escravo em fazer, para o novo patrão, um serviço inerente aos
deveres do escravo). Assim se formula a pergunta à qual se
responde negativamente: “Há, pois, por acaso, alguma diferença
entre a aquisição de uma mulher e a de um escravo?”
Todavia, era com o casamento— geralmente realizado um ano após o
noivado — que a moça passava definitivamente do poder do pai ao
do marido. O jovem casal ia morar, quase sempre, com a família do
marido, o que representava para a recém-casada, na maioria das
vezes ainda muito jovem, o árduo e penoso dever de ingressar numa
comunidade familiar que lhe era estranha e que não escondia, em
relação a ela, seus sentimentos hostis. Juridicamente, a esposa se
distinguia de uma escrava: em lº lugar, por poder conservar o direito
de possuir (mas não de dispor) bens que trouxera consigo como
bens parafernais; em 2° lugar, pela garantia que lhe dava o contrato
de casamento, ketúbbah. fixava a quantia que se devia pagar à
mulher, em caso de separação ou morte do marido. “Qual a
diferença entre uma esposa e uma concubina? R. Meir [cerca de 150
d.C.] respondia: A esposa dispõe de um contrato de casamento, a
concubina não o possui”.
Na vida conjugal, quer dizer, depois de efetuado o casamento, a
mulher tinha o direito de ser mantida pelo marido e podia exigir a
aplicação de tal direito diante do tribunal. Cabia ao marido provê-la
de alimento, vestuário, habitação e cumprir o dever conjugal; era
também obrigado a resgatá-la em caso de eventual cativeiro,
providenciar-lhe medicamentos necessários quando doente, e
29
sepultura por ocasião do falecimento: até mesmo o mais pobre tinha
de providenciar pelo menos dois tocadores de flauta e uma
carpideira. Ainda mais: onde era costume haver discurso fúnebre no
enterro das mulheres, ele teria de providenciar.
Os deveres da esposa consistiam, especialmente, em atender às
necessidades do lar. Devia moer, cozinhar, lavar, amamentar os
filhos, fazer a cama do marido e, para compensar sua manutenção,
fiar e tecer a lã; outras acrescentavam aos deveres de esposa,
preparar a bacia para o marido, lavar-lhe o rosto, as mãos e os pés.
A situação de serva em que se encontrava a mulher diante do marido
já se exprime suficientemente nessas prescrições, mas os direitos do
esposo iam mais longe ainda. Ele podia requisitar o que ela
encontrasse, assim como a renda de seu trabalho manual, e tinha o
direito de lhe anular os votos. A mulher era obrigada a obedecer ao
marido como a seu senhor — ele se chamava rab — e essa obediência
revestia-se de dever religioso. Tal dever de obediência ia tão longe
que o marido podia exigir da mulher a profissão de votos, mas os
votos que colocassem a mulher numa situação indigna, conferiamlhe o direito de exigir a separação perante o tribunal. As relações
entre filhos e pais eram também determinadas pela obediência que a
mulher devia a seu marido; os filhos tinham de colocar o respeito ao
pai acima do respeito à mãe, pois essa, por seu lado, devia prestar
respeito semelhante em relação ao pai de seus filhos. No caso de
perigo de morte era necessário primeiro salvar a mãe.
Dois fatos são particularmente
dependência da mulher ao esposo.
característicos
do
grau
de
a) A poligamia era permitida. A esposa devia, portanto tolerar a
presença de concubinas a seu lado. Sem dúvida alguma, temos de
admitir que, por questões pecuniárias, a posse de muitas mulheres
não era freqüente. Em todo caso, ouvimos falar de maridos que
admitiam uma segunda mulher quando não se entendia bem com a
primeira e não podia repudiá-la devido à alta quantia mencionada no
contrato do casamento. Uma constatação serve de estatística para
determinar a freqüência da poligamia: em 1927, na cidade de Artas,
perto de Belém, dentre 112 homens casados, doze tinham diversas
mulheres, portanto, em números redondos, 10%: onze tinham duas,
e um tinha três. Evidentemente, é preciso tomar esses números
como pontos de referência e não transpô-los, levianamente, à época
de Jesus.
b) O direito de divórcio achava-se exclusivamente do lado do
homem; os raros casos em que a mulher tinha o direito de requerer
a anulação jurídica do casamento já foram mencionados (p. 410). Na
época de Jesus (Mt 19,3) os shamaítas discutiam com os hilelitas
sobre a exegese de Dt 24,1 que menciona, como justo motivo para o
homem repudiar a esposa, o caso em que ele encontre nela
“qualquer coisa de vergonhoso, 'erwat dabar. Contrariamente à
exegese dos shamaítas, anuindo ao sentido do texto, os hilelitas
explicavam essa passagem da seguinte maneira; 1° uma impudicícia
('erwat) da mulher e 2°, qualquer coisa(dabar) que desagradasse ao
marido davam-lhe o direito de afastar de casa a mulher. Como
vemos, o ponto de vista hilelita reduzia a uma total fantasia o direito
30
unilateral de divórcio que o marido detinha. De Fílon e de Josefo, que
só conhecem o critério hilelita e o defendem,deduzimos que esse
prevaleceu desde a primeira metade do século I de nossa era. A
reunião dos esposos separados podia acontecer. Decorrente do
divórcio, uma impureza pública podia ser atribuída ao marido, assim
como à mulher e às filhas. De outro lado, em caso de divórcio, o
marido era obrigado a entregar à mulher a fiança prescrita no
contrato de casamento. Na prática, esses dois motivosmuitas vezes
criavam obstáculo ao repúdio precipitado da esposa. Quanto à
mulher, podia eventualmente fazer justiça a si mesma e voltar à
casa paterna no caso, por exemplo, de injúrias recebidas. A despeito
de tudo isso, o ponto de vista hilelita revelava grande degradação da
mulher. Entretanto, se, a partir das disposições legais, tirarmos
conclusões relativas à prática quanto ao número de divórcios, por
exemplo, convém guardarmos extrema reserva. H. Granqvist
constatou que na cidade de Artas, perto de Belém, de 264
casamentos realizados em cem anos, de 1830, aproximadamente, a
1927, somente 11, isto é 4% terminaram em separação. Tais dados
garantem contra uma superestima do número de divórcios. Se, como
convém supor, em caso de divórcio os filhos ficam com o pai, essa
solução constituía a provação mais intensa para a esposa que se
divorciava.
Podia a mulher ser considerada propriedade do marido a ponto de
ser vendida como escrava para acobertar um furto cometido por ele?
Conforme vimos supra (p. 415), é muito duvidoso.
Dentro de seus limites, a situação da mulher variava, certamente, de
acordo com os casos particulares. Dois fatores representam certa
importância: de um lado, a mulher encontrava grande apoio junto de
seus parentes consangüíneos, sobretudo seus irmãos; tal fato era
capital para a sua posição na vida conjugal. Recomenda-se como
louvável o casamento, com uma sobrinha (ver supra, p. 481);
relaciona-se ao fato de a mulher encontrar aí maior proteção por
causa de seu parentesco com o marido. De outro lado, o ter filhos,
especialmente filhos homens, assumia grande importância para a
mulher. A falta de filhos era tida como desonra, até mesmo como
castigo divino.
Sendo mãe, a mulher via-se valorizada; dera ao marido o mais
precioso presente.
Como viúva, a mulher permanecia eventualmente ligada a seu
marido, isto é, no caso em que ele morresse sem deixar filho (Dt
25,5-10; cf. Mc 12,18-27). Nessa circunstância, a viúva deveria
esperar, sem poder sugerir de forma alguma, que o ou os irmãos do
falecido marido contraíssem com ela o casamento levirático ou lhe
manifestassem a recusa, sem a qual ela não podia tornar a se casar.
As condições descritas refletem nas prescrições da legislação
religiosa da época. Do ponto de vista religioso também,
especialmente por sua posição em face da Torá, a mulher não era
igual ao homem. Devia sujeitar-se a todas as proibições da Torá e a
todo o rigor da legislação civil e penal, pena de morte incluída.
Quanto aos mandamentos da Torá, em compensação, eis o que
31
vigorava: “Os homens são obrigados a seguir todos os mandamentos
ligados a um tempo determinado; as mulheres ficam isentas dessa
obrigação". Por motivo dessa fórmula que não é inteiramente exata,
cita-se uma série de mandamentos aos quais a mulher não se
obriga: ir em peregrinação a Jerusalém para as festas da Páscoa, de
Pentecostes e das Tendas, abrigar-se nas tendas e agitar o lûlab por
ocasião desta festa, tocar o shofar no dia do Ano Novo, ler a
megilhah (o livro de Ester) na festa de Purim, recitar diariamente
Obrigado(a), s ema127 etc. Dispensavam-na também de estudar a
Torá; R. Eliezer (cerca de 190 d.C.), enérgico representante da
antiga tradição, lançou a seguinte sentença; “Aquele que ensina a
Lei à sua filha, ensina-lhe a devassidão [ela fará mau uso do que
aprendeu]. A idéia de que se devia ensinar também a Tora às moças
e que somente era proibido transmitir-lhes a tradição oral não
representa, de modo algum, o direito antigo. Em todo caso, as
escolas lá estavam unicamente para os meninos e vedadas às
meninas. Das duas repartições da sinagoga mencionadas na lei de
Augusto, sabbateion e andrón, a primeira reservada para as
cerimônias litúrgicas, era igualmente acessível às mulheres; em
contrapartida, o outro lado, destinado às instruções dos escribas, só
se abria para os homens e meninos, conforme o próprio nome indica.
Entretanto, nas famílias de classe alta, dava-se às jovens uma
formação profana, ensinando--lhes, por exemplo, o grego, “pois era
um adorno para elas”.
Os direitos religiosos da mulher eram tão limitados quanto seus
deveres religiosos. Segundo Josefo, no Templo só lhes era permitido
penetrar no átrio dos gentios e no das mulheres; durante os dias de
purificação mensal e, além desses, no período de 40 dias após o
nascimento de um filho (cf. 2,22), de 80 dias se fosse menina, não
podiam penetrar nem mesmo no átrio dos gentios. Não era hábito as
mulheres imporem as mãos sobre as cabeças das vítimas e
sacudirem as porções do sacrifício; quando ocasionalmente se
menciona ter sido permitido às mulheres impor a mão, logo se
acrescenta: “Não que seja de uso para as mulheres, mas para
acalmá-las”. Segundo o Dt 31,12, as mulheres podiam, como os
homens e as crianças, penetrar na parte da sinagoga utilizada para o
culto mas estacas e grades separavam o local que iriam ocupar. Mais
tarde, chegou-se mesmo a construir para elas uma tribuna com
entrada particular. No serviço litúrgico, a mulher comparecia
somente para escutar. Não se nega que, em época muito antiga,
tenham-se chamado mulheres para ler a Torá: já na época tanaíta,
porém, esse costume tinha caído, e não eram mais solicitadas para
tal mister. O ensino também lhes era vedado. Em casa, à mesa, não
pronunciavam a bênção e não tinham o direito de prestar
testemunho,
pois,
consideravam-nas
mentirosas,
conforme
interpretação de Gn 18,15. Aceitava-se seu testemunho somente em
alguns casos excepcionais precisos, e, nos mesmos casos, aceitavase o testemunho de um escravo pagão; por exemplo, para o novo
casamento de uma viúva contentavam-se com o testemunho de uma
mulher acerca da morte do primeiro marido.
A situação da mulher na legislação religiosa de modo geral é
expressa, e da melhor maneira, pela fórmula constantemente
repetida: “Mulheres, escravos [pagãos] e filhos [menores]”; como o
32
escravo não-judeu e o filho menor, a mulher conta com um homem
superior a ela, como senhor; tal fato limita igualmente a sua
liberdade no serviço divino. Por esse motivo, do ponto de vista
religioso, acha-se inferior ao homem.
A tudo o que foi dito acrescentemos o fato de não faltarem sobre a
mulher opiniões desdenhosas; é impressionante o quanto essas
superam os julgamentos favoráveis que, no entanto, não lhes
faltam. É característica a alegria ao nascer um menino, enquanto o
nascimento de uma menina é acompanhado de indiferença, até
mesmo de tristeza. Temos a impressão de que o judaísmo do tempo
de Jesus também alimentava pouca consideração para com a
mulher; situação comum no Oriente, onde ela é valorizada antes de
tudo pela sua fecundidade e vê-se afastada tanto quanto possível do
mundo exterior, submissa ao poder do pai ou do marido, e onde, do
ponto de vista religioso, não é igual ao homem.
Somente a partir desta perspectiva da época é que podemos apreciar
devidamente a posição de Jesus em face da mulher (Lc 8,1-3); Mc
15,41 e par. (cf. Mt 20,20) falam das mulheres que acompanhavam
Jesus; trata-se de um fato sem precedente na história da época. O
Batista pregou às mulheres (Mt 21,32) e batizou-as; Jesus altera
conscientemente os costumes, deixando que algumas o sigam. Por
assim proceder é que exige dos discípulos a atitude de pureza que
supera qualquer desejo: “Quem olhar para uma mulher [casada]
com desejo libidinoso já cometeu adultério com ela em seu coração”
(Mt 5,28). Jesus não se contenta de elevar a mulher acima do nível
em que a tradição a mantinha; enquanto Salvador, enviado a todos
(Lc 7,36-50), coloca-a em pé de igualdade com o homem (Mt 21,3132).
Além do mais, a posição de Jesus a respeito do casamento
representa novidade ímpar. Não se contenta com insistir a favor da
monogamia; proíbe, categoricamente o divórcio a seus discípulos
(Mc 10,9) e não hesita em criticar a Torá por permitir o divórcio por
causa da dureza do coração humano (Mc 10,5). O casamento é para
ele tão indissolúvel que considera adultério novo casamento dos
divorciados, homem ou mulher, pois o primeiro casamento subsiste.
Pelo valor que atribui ao matrimônio e por essa maneira de
santificá-lo que não tem precedentes, Jesus leva a sério a palavra da
Escritura que declara ser o casamento uma disposição criadora de
Deus.
ÉMILE MORIN (1981:56-59) fala sobre a condição das mulheres:
Flávio Josefo escreveu, em seu livro Contra Apião:
"A mulher, diz a Lei, é inferior ao homem em todas as coisas. Ela
deve obedecer não para se humilhar mas para ser dirigida, pois foi
ao homem que Deus deu o poder" (2,24). "Mulheres, escravos
(pagãos), crianças" são quase sempre associados nas citações.
Recomendava-se aos homens a seguinte prece: "Louvado seja Deus
que não me criou mulher".
33
Em princípio, a mulher não participava da vida pública. Pelo menos
na cidade e, sobretudo, no meio de pessoas importantes, as
mulheres só podiam aparecer cobertas com um véu. Um homem não
devia olhar para uma mulher casada, nem cumprimentá-la. Um
homem, sobretudo um aluno dos escribas, não devia falar em
público com uma mulher. Nos meios populares, na roça, estas
normas quase não eram respeitadas. Contudo, mesmo na roça, um
homem não falava a uma mulher estrangeira.
Sob o aspecto religioso, a mulher não era igual ao homem. Estava
sujeita a todas as proibições da Lei, a todo rigor da legislação civil e
penal e, mesmo, à pena de morte. Mas, enquanto os homens deviam
observar os mandamentos a serem cumpridos, em tempos
determinados (por ex.: peregrinar a Jerusalém em tal ou tal festa),
as mulheres eram dispensadas desta obrigação. Elas não eram
obrigadas a aprender a Lei: "Aquele que ensina a Lei à sua filha,
ensina-lhe a devassidão". Alguns mestres julgavam que era
preferível queimar a Torá (Lei) Que ensiná-la às mulheres. As
escolas eram reservadas para os jovens. As jovens de classe social
rica aprendiam o grego. No templo, havia um adro reservado para as
mulheres judias. E elas eram excluídas "nos dias de sua purificação"
e depois do nascimento de um filho: quarenta dias se filho homem,
oitenta se era uma mulher.
Na sinagoga, na parte reservada ao serviço litúrgico, as mulheres
ocupavam um espaço separado, por uma barreira, do lugar dos
homens. Em nenhum caso, uma mulher tinha acesso à parte da
sinagoga reservada para os escribas. Nos atos litúrgicos do templo,
não impunham as mãos sobre as vítimas. À mesa, não pronunciavam
a bênção. Seu testemunho não era válido (Gn 18.15), salvo em
pequenos casos, em que se levava em conta até o testemunho do
escravo pagão. Aliás, mulheres e escravos pagãos são comparáveis
no seguinte: eles e elas eram dispensados do cumprimento de
mandamentos ligados a um momento determinado.
[...]
Condição da mulher no casamento
A mulher tornava-se posse do marido, mas não sua escrava. É certo
que se podem estabelecer aproximações entre a aquisição de uma
mulher e a de um escravo. Podia-se, com efeito, vender uma filha
menor, mas não sua mulher. O ato de repúdio deixava livre a
mulher. A esposa entrava na casa e no clã do marido. Ela devia ser
mantida pelo esposo e ser resgatada, em caso de ser levada em
cativeiro. Tinha direito a uma sepultura honrada. Normalmente, não
herdava do marido. Dedicava-se às ocupações domésticas,
preparando a alimentação do marido. Devia lavar-lhe as mãos, o
rosto e os pés. Um senhor não podia exigir de um escravo judeu que
lhe lavasse os pés, mas esperava isso de seu escravo pagão. . . e de
sua mulher. O marido podia exigir tudo: a renda de seu trabalho, a
anulação de seus votos e a obrigação de fazê-los. É preciso lembrar
que a mulher era protegida por sua própria família, por seus irmãos.
Ficava ao abrigo de muitos inconvenientes, quando casada com um
parente. Forçava o auto-respeito quando gerava muitos filhos
homens.
34
A escolha da esposa
A idade mínima legal para o casamento dos rapazes era 13 anos. Na
realidade só se casavam por volta dos 18 anos. Para as moças, a
idade mínima era 12 anos. Mas, citam-se casos de meninas casadas
aos 6 e aos 10 anos.
Os pais combinavam tudo. O pai era dono de sua filha até os 12 anos
e meio. Depois desta idade, em princípio, devia levar em conta seu
consentimento. Casamentos entre primo-irmãos eram freqüentes.
Preferia-se fazer a escolha entre a parentela. Os noivados eram
verdadeiros compromissos e seus efeitos jurídicos equivaliam aos do
casamento. Este consistia na entrada da noiva na casa do esposo. Na
época
greco-romana,
faziam-se
casamentos
com
contrato.
Determinavam-se, então, quais eram os bens extra-dotes (o que o
pai da noiva devia oferecer, cuja propriedade era da mulher, mas de
que o marido tinha o usufruto), o dote (o que o pai da noiva devia
pagar e que se tornava propriedade do marido cujo equivalente era
assegurado à esposa, em caso de separação), a fiança de casamento
(uma quantia que retornava à mulher, em caso de separação ou de
morte do marido). Estas disposições legais parecem proteger a
esposa. Seriam, de fato, universais?
Em todo caso, o jovem devia "adquirir" sua mulher pagando uma
quantia ao sogro. Oferecia também jóias à jovem e um presente ao
sogro, na época do noivado. Não é fácil saber, com precisão, em que
medida estas práticas eram aplicadas, no tempo de Jesus.
ÉMILE MORIN (1981:59) analisa o instituto do repúdio:
O direito de repudiar era, quase exclusivamente, do marido. Dt 24,1:
"Se qualquer coisa de vergonhoso for imputada à mulher". Shammai
interpretava isso assim: "por mau procedimento, adultério". Hillel,
cujo ponto de vista devia prevalecer, no tempo de Jesus, comentava:
por algo vergonhoso como o adultério, mas também "por qualquer
coisa". Logo, não importava muito o motivo: esterilidade, um prato
mal cozido, o encontro de uma mulher mais agradável.
Uma declaração, como esta: "Você não é mais minha mulher" era
suficiente. O libelo de divórcio, dado à mulher, lhe permitia o
recasamento. Os filhos ficavam com o pai. O direito do marido tinha
alguns limites: não podia devolver a mulher falsamente acusada de
não ser virgem, no momento do casamento, nem a violada por ele,
antes das núpcias. As obrigações financeiras do contrato deviam ser
cumpridas.
A esposa não podia repudiar. No entanto, algumas mulheres da
família herodiana, bastante helenizada, abandonaram seus maridos.
Esse direito era concedido às esposas cujos maridos exercessem
uma profissão particularmente repugnante (ex. o cortume). Direito
de requerer, em tribunal, o divórcio.
GRACE I. EMMERSON (1995:353-354)
marcante do machismo no Antigo Testamento:
demonstra
a
presença
35
A irrupção do feminismo em anos recentes e os interesses correntes
na hermenêutica feminista (cf. Tolbert: 1983, 113-126) estimularam
debate novo, às vezes apaixonado, da visão bíblica da mulher. Como
um aspecto desta, o status e o papel das mulheres no Israel antigo
assumiram nova relevância à luz de temas contemporâneos.
Estamos longe da atitude exemplificada na obra de Kõhier (1953)
sobre o homem hebreu que se contentou com apenas duas páginas
dedicadas à mulher hebréia!
O Antigo Testamento, nascido da sociedade patriarcal do Israel
antigo, foi às vezes acusado de contribuir para a subordinação das
mulheres através dos séculos. Devemos perguntar se esta idéia
negativa é inerente ao Antigo Testamento, ou se é conseqüência de
sua interpretação errônea. Devemos também perguntar se existem
atitudes conflitantes dentro do Antigo Testamento e sinais de que no
seio
da
cultura
patriarcal
havia
um
"princípio
de
despatriarcalização" (Trible: 1973, 48) em ação, desafiando as
estruturas da sociedade.
Ao abordar o material, enfrentamos problemas em duas frentes: em
primeiro lugar, referentes à própria natureza do material, e, em
segundo lugar, à dificuldade de interpretar textos antigos como
estes. O limitado material disponível foi transmitido principalmente,
se não inteiramente, por varões. Tem inevitavelmente perspectiva
masculina. Dará visão equilibrada da sociedade israelita como era na
realidade? Teria sido liderança feminina, por exemplo, tão rara como
implica o Antigo Testamento? Será devida essa impressão, em parte
pelo menos, ao silêncio dos documentos?
Se perspectiva é significativa, também o é o gênero literário. Textos
de leis e narrativas não podem ser tratados da mesma maneira como
prova. McKeating (1979, 65) adverte que "não podemos
simplesmente fazer nossa avaliação dos valores éticos de uma
sociedade a partir das leis que ela produziu (ou antes, a partir das
leis que casualmente nos foram preservadas)". Precisamos saber em
que medida a lei era aplicada. A literatura narrativa, observa ele,
apresenta exemplos de comportamento real, e a aceitabilidade ou
não
deste
comportamento
manifesta-se
pela
reação
de
personalidades na narrativa e pelos comentários do narrador. Mas é
preciso prudência, pois histórias costumam ser narradas acerca do
extraordinário mais que do típico, e é perigoso generalizar com base
em narrativas individuais. É a este ponto que surge avaliação
conflitante. Incerteza quanto à data de algum material também
forma parte do problema. Sakenfeld adverte que precisamos evitar
"generalizações sobre um milhar de anos de cultura que se baseia
em fragmentos de origem indeterminada" (Sakenfeld: 1982, 14).
Nem todas as dificuldades encontradas na tentativa de obter uma
avaliação equilibrada do tema são, contudo, inerentes ao material. A
teoria hermenêutica fez-nos cada vez mais conscientes da influência
na interpretação de nossos, próprios preconceitos (cf. Tolbert:
1983,114). Sem dúvida, existem os que, por uma razão ou outra,
superenfatizaram a subordinação das mulheres no Antigo.
Testamento. Outros tentando restabelecer o equilíbrio e reabilitar o
36
Antigo Testamento, minimizaram a inequívoca evidência
desigualdade entre os sexos (como Otwell: 1977, 151 e 193s).
de
2.1 - MULHERES EM PAPÉIS DE
LIDERANÇA
GRACE I. EMMERSON (1995:354-355) informa:
Sem dúvida, houve mulheres de distinção que influenciaram o curso
da história de Israel por seus papéis na comunidade. Poucas delas
aparecem no Antigo Testamento, mas, quando aparecem, o fato de
que seu sexo feminino manifestamente se considera sem ênfase,
sugere que sua contribuição não era rara, até em papéis de
liderança. A referência em Ne 3,8 a mulheres ocupadas em
reconstruir a muralha de Jerusalém pode nos parecer notável. O fato
de passar sem comentários sugere que isso não era incomum. Numa
crise ainda mais grave da história de Israel encontramos mulheres
contribuindo significativamente para a mudança de rumos. A
libertação de Israel do Egito começou com a recusa de umas poucas
mulheres
a
cooperar
com
a
opressão.
Trible
comenta
extravagantemente que "se o faraó tivesse percebido o poder destas
mulheres, teria invertido o seu decreto (Ex 1,16.22), fazendo matar
mulheres antes que varões" (Trible: 1973, 34). Não somente isso,
mas ao continuar o relato do êxodo, "Moisés, assim como também a
divindade, assumem atributos femininos, provendo o abastecimento
do povo em sua viagem do Egito a Canaã (ver especialmente Nm
11,11-14 para metáforas explicitamente femininas) (Exum: 1983,
82). Reavaliação de nossas suposições tradicionais sobre papéis de
mulheres na história bíblica está correia", ela comenta. Isso, porém,
nos levaria muito além do propósito do presente ensaio. Todavia, é
por essa razão que podemos começar, não com mulheres da esfera
doméstica, mas com o papel de mulheres na comunidade em relação
com a monarquia, a profecia e a sabedoria, ainda que a
documentação seja escassa. É, porém, insensato supor que apenas
as poucas mulheres cujas histórias se preservaram no Antigo
Testamento, alcançaram posições de liderança no Israel antigo. É
improvável que isso seja verdade tanto para mulheres como para
varões.
2.2 - MULHERES E MONARQUIA
GRACE I. EMMERSON (1995:355-357) diz:
Para mulheres governar considera-se sintoma de sociedade
desorganizada (Is 3,12). Talvez seja significativo que, em contraste
com as muitas ocorrências da palavra "rei", não se use em nenhuma
parte o título de rainha de qualquer membro feminino da casa real
tanto de Israel como de Judá, sequer de Atalia, monarca reinante
(2Rs 11,1-16; 2Cr22.10-23.15). Além da referência poética no plural
às muitas esposas de Salomão (Ct 6,8s), o título refere-se somente a
mulheres de famílias régias de cortes estrangeiras, tais como a
rainha de Sabá (l Rs 10,1; 2Cr9,l), e Vasti e Ester (Est l, 11 s; 2,18).
37
Em três casos, porém, a rainha mãe é chamada de gebiràh. Destas,
Maaca (IRs 15,13; 2Cr 15,16) e Jezabel (2Rs 10,13) pertenciam à
corte de Israel, e Neusta, mãe de Joaquim (Jr 13,18; 29,2), a Judá.
Que este é título significando posição oficial está claro pelo fato de
que Asa podia afastar sua mãe da condição de "ser rainha-mãe
(gebirah), porque ela tinha uma imagem abominável de Aserá" (l Rs
15,13; 2Cr 15,16). Ao investigar o sentido preciso do título, temos
que enfrentar a questão se estas raras ocorrências refletem a
realidade da situação, ou se sua omissão alhures é meramente
casual.
Na
tentativa
de
descobrir
a
existência
de
instituições
especificamente femininas que foram mais tarde esquecidas ou
supressas pela longa transmissão da literatura hebraica dentro de
uma sociedade patriarcal, Brenner (1985, 9) começa da premissa de
que o título era tão raro como indica o Antigo Testamento. Ela tenta
isolar como a chave para o seu uso um fator comum aos três casos
citados. Ela conclui que o título de gebirah era concedido quando
ocorria uma interrupção na normal transferência de poder de um
monarca ao seu herdeiro e a rainha-mãe agia como regente (1985).
Sua argumentação baseia-se na idéia de que Asa e Joaquim, que
chegaram ambos ao trono depois da morte do irmão mais velho,
eram menores na época, requerendo assim regência. No caso de
Jezabel, a morte repentina de seu filho Jorão criou uma ruptura na
sucessão (2Rs 9,24). Brenner nota, porém, que o título de gebirah
não é dado a Atalia, embora ela tenha assumido o poder depois da
morte de seu filho Azias em circunstâncias iguais às de Jezabel (2Rs
11,1; 2Cr 22,10). Para Atalia, essa foi uma medida temporária, e
Brenner argumenta que neste caso o título foi supresso por causa da
hostolidade a uma mulher que se estabelecera como monarca. O
argumento do silêncio é um tanto perigoso, pois se supormos que o
título foi omitido no caso de Atalia, não podemos estar seguros que
também não tenha sido este o caso alhures. Seu significado deverse-ia buscar então com base em provas mais amplas.
Deixando de lado o título, quando perguntamos que papel e
influência tinha a mãe do rei reinante, a documentação é escassa.
Betsabéia, tratada pessoalmente com grande cortesia pelo seu filho
Salomão, carece de autoridade, como o atesta a ríspida recusa do
seu pedido pelo rei (l Rs 2,19-25). A posição de Maaca como gebirah
é de dependente da boa vontade de seu filho (l Rs 15,13). Atalia,
sem dúvida, mulher de grande influência pessoal, é descrita como
conselheira de Azias, embora, uma vez que isso se qualifica por
"fazer maldade" (leharshia") (2Cr 22,3), pode-se não referir a
posição oficial.
Uma consorte real destaca-se, porém, não apenas como poder por
detrás do trono, mas também como mulher de autoridade pública e
de considerável riqueza pessoal (l Rs 18,19). Jezabel, princesa
estrangeira, parece que foi a única a alcançar posição tão poderosa.
Brenner a descreve como "rainha verdadeira, assistente e sócia de
governo do seu marido Acaz" (1985,20). Foi ela, e não Acaz, que
perseguiu os profetas de Iahweh (l Rs 18,4), e cuja ameaça levou
Elias a fugir durante o tempo de sua vida (IRs 19,2s). No episódio de
Nabot, ela é apresentada escrevendo cartas no nome de Acaz e
38
selando-as com o selo dele (v.8). Quando Nabot está morto, os
mensageiros voltam não para Acaz, mas para Jezabel (v. 14). Por
estes motivos, Brenner conjetura que aí, por oposição a mulher
governante, o Antigo Testamento distorceu a documentação.
Jezabel, argumenta ela, agiu por própria autoridade, usando o selo
que era dela, "o símbolo da autoridade institucional permanente que
Acaz lhe delegara" (1985,27). Ela nota, com as devidas reservas, o
descobrimento de um selo inscrito com yzbl pertencente mais ou
menos a este período.
A recusa do Antigo Testamento de reconhecer Jezabel como cogovernante com seu marido reflete-se também, afirma Brenner, em
2Rs 9,34, onde Jeú justifica o funeral dela por referência, não a seu
status na casa real de Israel, mas a sua origem de princesa
estrangeira. Foi em virtude só de personalidade que Jezabel
alcançou esta posição única de poder? A hipótese de Brenner é que
Jezabel era sacerdotisa de Baal, e com essa base se devem explicar
seu fanatismo militante e seu status especial na corte do marido.
2.3 - MULHERES E PROFECIA
GRACE I. EMMERSON (1995:357-359) esclarece:
Das muitas figuras de profeta no Antigo Testamento apenas quatro
são mulheres, pertencendo essas, de mais a mais, a períodos em
larga medida diversos desde o êxodo ao século V a.C. Cada uma
delas porta nome: Miriam, Débora, Hulda e a falsa profetisa Noadias.
À parte esta última, que apenas se menciona de passagem (Ne
6,14), cada uma delas é identificada por referência a parente varão,
não obstante sua óbvia importância na comunidade.
O envolvimento de Miriam com música e dança levou Noth
(1962[1959], 121) a catalogá-la como extática (Ex 15,20). A
diferença entre seu cântico (15,21) e o "Cântico do mar" de Moisés
(15,1-18) é notável. Seria isso talvez uma amostra da relegação
instintiva da mulher a papel secundário?A relação precisa dos dois
cânticos permanece problema, embora a atribuição dos cânticos a
fontes diferentes tenha sido em larga medida abandonada.
Debatendo a moldura redacional do Cântico do mar, Childs (1974,
248) comenta que "a tendência a atribuir um poema antigo a Moisés
teria recebido precedência sobre a autoria de Míriam". A disputa de
Míriam e Aarão com Moisés (Nm 12,1-15) resulta na reafirmação de
Moisés como o único portador da palavra do Senhor (vv. 6ss), mas é
óbvio que este não é conflito masculino versus feminino (cf. Burns:
1985, 48-79). A ira de Deus voltou-se contra Aarão e também contra
Míriam, e Aarão reconhece a culpa comum (v. 11), embora apenas
Míriam sofra punição. Todavia não existe nenhuma alusão em
qualquer lugar a motivação antifeminista que julgue Míriam por ter
ultrapassado os confins do papel tradicional de mulher. Explicação
mais provável é que Míriam teria iniciado a rebelião, visto que seu
nome ocorre pela primeira vez no v. 1. O episódio evidencia tanto
compaixão (vv. 12s) como respeito para com Míriam (v. 15). Ela se
39
insere em termos iguais com Moisés e Aarão como agente de Deus
na libertação de Israel (Mq 6,4).
Débora é profetisa e juíza na comunidade (Jz 4,4), e provavelmente
autora do cântico que se preservou em Jz 5,2-31, embora não se
possa provar. Não há nenhuma alusão no texto que sua autoridade
era suspeita por causa do sexo.
Tomando a iniciativa numa crise, ela exorta Barac (v. 6). Sua
resposta é imediata, sendo sua única reserva a necessidade do apoio
pessoal de Débora na campanha militar pretendida. O envolvimento
de Débora, assim como o de Míriam, não está em relação com papéis
tradicionais femininos, mas refere-se à sobrevivência das tribos de
Israel (5,7).
O nome de Hulda irrompe repentinamente na cena (2 Rs 22,14) e da
mesma forma desaparece rapidamente. Somente um breve oráculo
dela se preservou ao contrário dos ditos de Jeremias e Sofonias seus
contemporâneos, embora sua fama fosse já conhecida e elevado o
seu status. Porque afinal teriam os emissários de Josias procurado
por ela para pedir sua ajuda em época de tanta intranqüilidade? O
envolvimento dela com assuntos da maior importância para o rei e o
povo não é diferente na essência da atividade profética de Amós ou
Isaías, e a coragem dela de dar uma mensagem desagradável é igual
à deles. A sua é predição genuína, como se vê no v. 20. Porque não
raro se pergunta a Hulda, e não a Jeremias. O Antigo Testamento
não exibe nenhum preconceito contra mulheres exercendo papéis
proféticos. Elas são consideradas substitutas na falta de profetas
varões. A profetisa é mais respeitada do que o profeta. C. J. Vos
(1968,184) sugere que o laço, que já existia com o templo mediante
o cargo que nele possuía o marido de Hulda (2 Rs 22,14), pode ter
sido a razão."
Concluímos que o Antigo Testamento não fornece nenhum indício de
que o sexo feminino estivesse em desvantagem no exercício de dons
proféticos, embora ele possa estar em conexão com a medida em
que foram preservados oráculos proféticos feitos por mulheres. É
razoável supor que as poucas mencionadas pelo nome sejam
representativas de outras. Certamente seu sexo feminino parece não
ter causado estranheza. A expectativa futura de Jl 2,28s abrange
mulheres e varões. A única nota condenatória aparece em Ez 13,1723 contra um grupo de mulheres descritas como profetisas, se bem
que a natureza de suas atividades sugira que estivessem metidas em
magia. Está claro pela maneira em que se dirige a elas que são
mulheres israelitas, mas suas artes mágicas, reminiscências de
práticas babilônicas, são exercidas no exílio, e caem, fora do escopo
deste ensaio. Mas é evidente, pela necessidade de proibir estas
atividades impondo a pena de morte para mulheres e varões (Lv
20,27), que isso não era desconhecido em Israel. A narrativa de l Sm
28,1-25 mostra um mago em ação. O rei convoca especificamente
uma mulher prática na arte, após dispensar varões representativos
da atividade (v. 3). Ela permanece anônima por todo o episódio, mas
claramente é mulher de reputação, selecionada para o rei, e visitada
por este em sua casa. Deve-se notar o cuidado pastoral dela pelo
40
cliente real em sua conseqüente angústia (vv. 21ss). A narrativa é
única no Antigo Testamento.
2.4 - MULHERES E SABEDORIA
GRACE I. EMMERSON (1995:359-360) fala:
O Antigo Testamento conhece outras mulheres influentes, além das
dotadas de dons proféticos, que estiveram envolvidas em negócios
de importância para o Estado. Como as mulheres de Técua (2Sm
14,2) e de Abel (2Sm 20,16) designadas simplesmente de "mulher
sábia", 'ishshah hakamah. "Os sábios" no Antigo Testamento,
diversamente dos profetas, são antes um grupo nebuloso, raramente
identificados pelo nome. Sendo assim, estas duas mulheres,
diversamente das mulheres profetisas, permanecem anônimas.
O epíteto "sábio" não é aqui meramente descritivo, como em Ex
55,25; Jr 9,17, mas significa papel reconhecido na comunidade na
época dos juizes e do início da monarquia, embora não exista
nenhuma prova de sua existência depois. Assim na tese de Camp
(1981,16) baseada em elementos implícitos em 2Sm 14 e 20. Ela
descreve este papel como "um conjunto regularizado de funções
mais do que posição oficial". As duas mulheres são identificadas
apenas pelo adjetivo "sábia" e pelo nome de sua respectiva aldeia.
Isto era em si suficiente, argumenta Camp, para evocar "traços de
figura culturalmente estereotipada" nas mentes dos ouvintes.
Ambas falam com autoridade. A mulher de Técua, assumindo o papel
de viúva , naturalmente apresenta sua história humildemente ao rei,
mas em sua pergunta retórica acusadora (14,13) vemos uma pessoa
"acostumada a fazer e pronunciar tais julgamentos" (1981, 17).
Embora "Joab ponha as palavras em sua boca" (v. 3), ela não é
absolutamente figura passiva e Camp compara com Ex 4,14s onde
lahweh instrui a Moisés para por suas palavras na boca de Aarão
precisamente porque este já se mostrara eloqüente. Quanto à
mulher de Abel, somente um papel definido na comunidade pode dar
conta do fato de que ela tem autoridade suficiente não só para
intimar Joab, mas que trata com respeito o seu conselho, embora
não se tivessem encontrado antes (20,17). De modo semelhante,
quando ela "foi a todo o povo com sua sabedoria" (v. 22), suas
palavras foram levadas a efeito imediatamente. O uso de linguagem
proverbial pelas mulheres (2Sm 14,7; 20,18s) Camp também julga-o
significativo, comparando com uso semelhante de provérbios pelos
conselheiros reais, Aquitofel e Cusai (2Sm 17,3.10.12).
A maneira com que a mulher sábia de Técua aproxima-se do rei tem
certas semelhanças com a aproximação de Acab da parte de profeta
anônimo (l Rs 20,35-43) e da aproximação de Davi por parte de
Natã (2Sm 12,lss). Existe, porém, diferença significativa no fato de
que os profetas estão conscientes de receber comunicação direta de
lahweh, ao passo que a mulher recebe incumbência de Joab.
Hoftijzer (1970, 444) comenta que a mulher parece proceder mais
humildemente e circunspectamente do que os profetas, pois como
"pessoa comum" ela tem que "pedir desculpas por seu
41
comportamento para não cair em desgraça" com o rei, ao passo que
o profeta tem status que não precisa se desculpar. Ele observa que,
diversamente dos profetas mencionados, ela se prostra diante do rei
(v. 4), assegura-se que o rei confirme sua decisão por juramento (v.
11), e, antes de fazer ver a Davi as conseqüências de sua decisão,
pede sua permissão para continuar (v. 12). O primeiro destes atos,
pelo menos, pode-se, porém, atribuir a seu papel assumido de viúva.
A mulher de Abel, ao invés, age mais ao modo de líder militar. Camp
(1981,22) faz comparação com o Rab-shakeh do exército assírio em
seu confronto com os homens de Ezequias (2Rs 18,28ss) e no
confronto de Abner com Joab (2Sm 2,24-28).
Camp sugere que este papel da mulher sábia baseava-se no papel da
mãe de instruir os filhos. Por extensão, a mulher sábia da aldeia
interessava-se não só por educação, mas também por decisões
políticas. Isto Camp considera amostra da atitude igualitária do
primitivo javismo num sentido funcional, se bem que nem sempre
explícito. Ela conclui seu estudo sugerindo que, ainda que "imagens
femininas, seja na forma de pessoas 'históricas' significativas, seja
na de figuras simbólicas, sejam relativamente raras no Antigo
Testamento", a ênfase tanto aqui como nos provérbios em
imaginário feminino associado a sabedoria "revela tendência latente
na reflexão teológica de Israel, subdesenvolvida por causa do
sacerdócio dominado pelos varões e do ambiente geral patriarcal,
mas não insignificante para a compreensão de Israel das relações
entre pessoas na comunidade e entre a comunidade e lahweh"
(1981, 29).
2.5 - MULHERES E A COMUNIDADE DA
ALIANÇA
GRACE I. EMMERSON (1995:360-362) expõe:
Constitui lugar comum observar que se exigia somente de membros
masculinos da comunidade a assistência às três maiores festas
anuais (Ex 23,17; Dt 16,16). Mas diferença de obrigação não implica
necessariamente desigualdade, e neste caso provavelmente surgiu
de considerações práticas levando em conta o nascimento e o
cuidado dos filhos. Certamente o Deuteronômio deixa claro que
mulheres estavam presentes nas festas, participando da alegria (Dt
12,12) e dos sacrifícios (Dt 12,18). Mencionam-se especificamente a
festa das semanas e das tendas (Dt 16, l Os. 13s). Isso pode bem
representar avanço da lei mais antiga rumo à igualdade, traço que
parece característico do Deuteronômio. O livro apresenta mulheres
como participantes da cerimônia da aliança (Dt 29,10-13), e
conseqüentemente sob inteira obrigação de observar a lei de lahweh
(Dt 31,12). Da mesma forma que os homens, podiam ser
consideradas culpadas de transgredir a aliança, cuja pena era a
morte (Dt 13,6-11; 17,2-5). A documentação sugere que foi a lei
deuteronômica que pela primeira vez as inseriu explicitamente na
aliança. A idéia de que as mulheres eram inteiramente responsáveis
42
diante de lahweh continuou no período pós-exílico (2Cr 15,12s; Ne
8,2).
Havia discriminação contra mulheres no seio da comunidade da
aliança? Parece que não. Embora em geral o chefe de família
representasse a família na oferta de sacrifício, quando se estipulava
uma oferta individual, esperava-se da mulher que pessoalmente
cumprisse a exigência (Lv 12,6; l Sm 1,24 (cf. Vos: 1968, 130). A
consagração excepcional implicada no voto de nazireato estava
aberta à mulher (Nm 6,2-21). Com efeito, esta passagem com sua
única referência feminina (v. 2) recorda oportunamente que formas
gramaticalmente masculinas podem visar a sentido inclusivo, e a
convenção lingüística não deve ser erroneamente entendida.
Podemos comparar também Dt 29,18ss, onde se especificam
mulheres no v. 18, mas depois se usam formas masculinas nos vv.
19s.
O único papel do culto de que certamente mulheres eram excluídas
era o sacerdócio, da mesma forma como o eram a maioria dos
homens. As razões subjacentes à exclusão de mulheres
provavelmente são complexas, contudo, "uma vez que 'completitude
física' e pureza ritual eram condições essenciais para o culto divino
(Lv 21,lss; Ez 44,15ss), a impureza periódica da mulher como
menstruante e mãe deve ter desempenhado papel não pequeno em
sua exclusão do ofício sacerdotal "(Hayter: 1987,70; cf. Vos:
1968,194s). Permitia-se, porém, aos membros femininos de famílias
sacerdotais comer das "coisas santas" postas de lado para os
sacerdotes (Lv 22,13). Está aberto ao debate se houve mulheres que
tiveram lugar oficial no culto. Ex 38,8 fala de "mulheres que serviam
à porta da tenda de reunião". Embora a natureza de seu serviço não
seja clara, Childs comenta que o verbo sb' usado aí denota serviço
organizado como o dos levitas profissionais (Childs: 1974, 636;
contra De Vaux: 1961, 383s). Oficialmente ou não, mulheres
participavam no culto, dançando, cantando e tocando instrumentos
musicais (Ex 15,20; )z 21,21; SI 68,26).
O envolvimento regular de mulheres no culto está implícito nos
estritos regulamentos referentes a pureza ritual. Um aspecto
interessante deste é a lei relativa à impureza depois do nascimento
da criança (Lv 12). Devia ser oferecida oferta idêntica, quer se
tratasse do nascimento de varão, quer de mulher (v. 6), mas o
período de impureza depois do nascimento de filha era duas vezes
mais que o período depois do nascimento de filho. A exigência legal
é muito clara, sua motivação, porém, não o é. Assim Noth
(1962[1959]) comenta que "a inferioridade cultual do sexo feminino
expressa-se dando ao nascimento da mulher duplo efeito de
"impureza", manifesta-se também no duplo período exigido este
caso antes que a mãe se torne de novo pura". Ao invés, com base
em que Israel acreditava que Deus estava "intimamente presente
em todas as fases do nascimento desde a concepção até o parto",
Otwell (1977,176s) sugere que essa impureza depois do nascimento
de uma criança era devida ao envolvimento da mulher com a "obra
da divindade", uma idéia de santidade como na expressão 'livros
que poluem as mãos" usada das escrituras canônicas. É, argumenta
Otwell, por essa razão que o período de ser "desenergizado"
43
precisaria ser duas vezes mais longo para uma criança que podia
tornar-se capaz por sua vez de conceber filhos do que para filho
homem. Apóia sua argumentação notando que quando, na
preparação para a teofania do Sinai (Ex 19,15), e também como
condição para comer do pão sagrado (l Sm 21,4), os homens devem
se abster de mulheres, temos aí ilustrações da lei de Lv 15,18
relativa à impureza masculina, e não indicações da impureza
intrínseca das mulheres.
Embora sejam poucos os exemplos, há vários casos no Antigo
Testamento de mulheres se encontrando com Deus. O anjo do
Senhor dirige-se a Agar (Gn 21,17) e à mulher de Manué (Jz 15,3),
em ambos os casos referindo-se a filhos. Quando Manué exige outra
teofania, é de novo a sua mulher que o anjo aparece (13,9).
Mulheres se aproximam independentemente dos profetas para
interrogar o Senhor (l Rs 14,1; 2Rs4,22ss),e por própria iniciativa o
buscam na prece (Gn 25,22s; 30,6), de novo por razões familiares. A
prece de Ana tem também esta motivação (l Sm l, l0-17), e sua
resposta desperta um salmo de louvor (l Sm 2, l-l0), um lembrete de
que não se deve deixar de ver uma perspectiva feminina nos salmos
em geral.
2.6 - A POSIÇÃO DAS MULHERES DENTRO
DA FAMÍLIA
2.6.1 - SEU STATUS LEGAL
GRACE I. EMMERSON (1995:362-364) diz:
Quanto ao status legal, uma mulher estava claramente em
desvantagem. Por toda a vida era considerada sob a autoridade
primeiro do pai e depois do marido. Como cabeça da família ele, e
não os tribunais, era o responsável por todos os assuntos da lei
familiar (Phillips: 1973,351). Phillips cita dois casos que evidenciam
a falta de status legal independente da mulher. Em casos de sedução
de um moça não comprometida, Ex 22,16s manda que o homem que
a seduziu se case com ela, pagando o dote de praxe, e, se o pai
decidir de outra forma, igual soma lhe deverá ser paga em
compensação, não sofrendo ele perda financeira em qualquer dos
casos. A lei constitui parte da secção sobre a propriedade, e Phillips
(Phillips: 1973, 350) não hesita em descrever a moça como
propriedade pessoal do pai. De outro lado, Childs comenta que,
embora isso pareça ser seqüência tradicional, "o conteúdo da lei
hebraica exibe notável transformação relativamente a outros
códigos do Oriente Próximo antigo", pois "a sedução de uma moça
não comprometida não mais se considerava simplesmente como
prejuízo de propriedade" (Childs: 1974, 476). O sedutor tem que se
responsabilizar plenamente por seu ato e casar-se com a moça. A
compensação monetária não era opção aberta ao sedutor, mas ao
pai da moça. O que dizer da própria moça? Em teoria, poder-se-ia
44
dizer que o v. 17a dá oportunidade para que se consultem os
desejos da moça, mas isso não era salvaguardado na lei e
dependeria da qualidade do relacionamento individual de pai e filha.
Como segundo exemplo, Phillips aduz Ex 21,22, que estabelece que,
se um homem ferir uma mulher grávida com aborto conseqüente,
deverá indenizar o marido.
Viúvas e órfãos, sem proteção familiar normal, consideravam-se sob
a proteção especial de lahweh (Dt 10,18), embora, como comenta
Sakenfeld, a viúva não fosse deixada ao largo, falando
sociologicamente, porque a religião sustenta que Deus a valoriza e a
defende (Sakenfeld: 1979, 423). A comunidade, porém, se fiel a
suas obrigações, asseguraria o bem-estar dessas pessoas (Ex 22,22;
Dt 24,17ss). Havia também a possibilidade, se não o direito
absoluto, de dirigir apelo ao rei por justiça, não só pelas viúvas
(2Sm 14,lss; 2Rs 8,3-6), mas por outras pessoas que não tinham
proteção familiar, tais como as prostitutas de IRs 3,16ss.
A idéia da responsabilidade legal do homem por sua família subjaz à
regulamentação de que votos feitos por mulher deviam ser
ratificados pelo pai ou marido conforme o caso (Nm 30,3-16). Que
isso não se devesse a dúvidas sobre o senso de responsabilidade
inerente à mulher manifesta o fato de que se facultava às viúva e às
divorciadas assumir compromissos legalmente vinculantes (v. 9).
Otwel estima que "reflete mais a primazia da família no Israel
antigo do que status inferior da mulher perante o Senhor" (Otwell:
1977,170). Vistoque l Sm 1,11 apresenta Ana fazendo voto de
considerável conseqüência para a família independentemente do
marido, pode ser que a lei de Nm 30 seja restrição posterior. Sem
dúvida, as leis sobre heranças punha a mulher em desvantagem. A
esposa não herdava a propriedade do marido, nem as filhas a do pai,
a não ser que não houvesse herdeiro varão (Nm 27,6-11). O caso de
Noemi parece um tanto excepcional (Rt 4,3), embora se deva
comparar com Jz 17,2ss; Jó 42,15 (cf. Neufeld: 1944,240ss). Phillips
(1973, 356) sugere que pode ter sido o abandono da prática do
casamento de levirato que levou a essa inovação por parte do
legislador sacerdotal, segundo a qual filhos podiam herdar
propriedades e assim continuar o nome do pai.
Pelas razões acima, De Vaux compara desfavoravelmente a posição
social e jurídica da esposa israelita com a posição de mulheres no
Egito e na Babilônia.
No Egito, a esposa era não raro cabeça da família; e na Babilônia
"ela podia adquirir propriedade, fazer ação legal, ser parte em
contratos, tendo até certa participação na herança do marido" (De
Vaux: 1961, 40).
A dependência legal das mulheres, apesar das desigualdades
restritivas que inevitavelmente impunha, não se deve, porém,
confundir com opressão pessoal. O Antigo Testamento não deprecia
a iniciativa e habilidade das mulheres. Abigail é consultada por um
servo em dilema (l Sm 25,17), e, ao responder, age habilidosamente
(v. 18ss). A implicação do v. 25 é que, se ela tivesse sabido da
chegada dos homens de Davi, teria estado em seu poder tratar com
45
eles sem consultar o marido. A mulher eficiente de Pr 31,10-31 não
é nenhuma criatura oprimida, mas autoconfiante e expansiva, sendo
não só indivíduo, mas ideal a ser seguido. M. B. Crook descreve a
passagem como "instrução para uma moça casadoira equivalente à
dada aos moços como parte de sua preparação" (Crook: 1954,139).
Esta autora compara-a com a preparação para o casamento que uma
moça poderia esperar receber de sua mãe, descrevendo este poema
como "memorando de escola que responde às necessidades de
mulheres jovens que em breve assumirão posições de prosperidade
e importância em suas comunidades".
O relacionamento matrimonial
Até que ponto é apropriado descrever a esposa no Israel antigo
como posse do marido? Dois fatores em particular parecem ter
contribuído para essa impressão: o uso da palavra ba'al para dizer
"marido", e a prática de dar mohar, comumente traduzido por
"preço da noiva". Não é raro se frisar que, quando aplicado a casa
(Ex 22,8) ou a animal doméstico (Ex 21,28), ba'al significa
"proprietário". Mas é a palavra no seu contexto que determina o
sentido, e a transferência de idéias grosseiras de propriedade de um
contexto a outro é inadmissível. Também a palavra 'ish usa-se
freqüentemente para dizer "marido". Ainda mais significativo,
considera-se o imaginário do casamento como adequado para
descrever tanto o relacionamento de amor de lahweh com Israel
(Os l -3; Jr 2,2) como a alegria de Israel quando redimido pelo
Senhor (Is 62,4s). Temos aí o ideal israelita do casamento, de que
na prática muitos se desviavam. A idéia grosseira de propriedade
revela-se inteiramente inadequada aí, como também em Jr 31,32.
Sugerir que uma esposa era um pouco melhor do que um escravo
certamente é incorreto. Escravos, e em caso de extrema necessidade
até filha (Ex 21,7), podiam ser vendidos. Podemos notar a distinção
feita por Phillips (1981, 7) entre a posição de esposa "como
'extensão' do marido (Gn 2,24) e a da filha. Filhos também podiam
ser vendidos (Ne 5,5), não esposa, sequer esposa escrava (Ex 21,811) ou capturada na batalha (Dt 21,14). As instruções da literatura
sapiencial referentes à obediência são dirigidas a filhos, e não a
esposas". Com efeito, na lei referente ao filho rebelde, a mãe da
2.6.2 - O RELACIONAMENTO
MATRIMONIAL
GRACE I. EMMERSON (1995:364-368) diz:
Até que ponto é apropriado descrever a esposa no Israel antigo
como posse do marido? Dois fatores em particular parecem ter
contribuído para essa impressão: o uso da palavra ba'al para dizer
"marido", e a prática de dar mohar, comumente traduzido por
"preço da noiva". Não é raro se frisar que, quando aplicado a casa
(Ex 22,8) ou a animal doméstico (Ex 21,28), ba'al significa
"proprietário". Mas é a palavra no seu contexto que determina o
sentido, e a transferência de idéias grosseiras de propriedade de um
46
contexto a outro é inadmissível. Também a palavra 'ish usa-se
freqüentemente para dizer "marido". Ainda mais significativo,
considera-se o imaginário do casamento como adequado para
descrever tanto o relacionamento de amor de lahweh com Israel
(Os l -3; Jr 2,2) como a alegria de Israel quando redimido pelo
Senhor (Is 62,4s). Temos aí o ideal israelita do casamento, de que
na prática muitos se desviavam. A idéia grosseira de propriedade
revela-se inteiramente inadequada aí, como também em Jr 31,32.
Sugerir que uma esposa era um pouco melhor do que um escravo
certamente é incorreto. Escravos, e em caso de extrema necessidade
até filha (Ex 21,7), podiam ser vendidos. Podemos notar a distinção
feita por Phillips (1981, 7) entre a posição de esposa "como
'extensão' do marido (Gn 2,24) e a da filha. Filhos também podiam
ser vendidos (Ne 5,5), não esposa, sequer esposa escrava (Ex 21,811) ou capturada na batalha (Dt 21,14). As instruções da literatura
sapiencial referentes à obediência são dirigidas a filhos, e não a
esposas". Com efeito, na lei referente ao filho rebelde, a mãe da
mesma forma que o pai devem levá-lo ao tribunal (Dt 21,18-21).
Quanto à prática de dar mohar, a tradução de "presente de
casamento" é expressão mais adequada do que "preço da noiva"
(De Vaux: 1961,26s; Neufeld: 1944,95ss). O termo aparece só três
vezes no Antigo Testamento: em Gn 34,12 ligado a mattan,
"presente"; em Ex 22,17, com o verbo cognato no v. 16; e eml Sm
18,25 onde Saul faz uma exigência bizarra em vez do presente de
casamento. Os únicos casos em que a linguagem de comprar e
vender é usada em conexão com o casamento são a exigência de
que o sedutor deva pagar em dinheiro (shaqal kesep) equivalente ao
presente de casamento se não lhe for permitido casar-se com a
moça (Ex 22,17), as palavras raivosas de Lia e Raquel que acusam o
pai de tê-las vendido e "gastado nosso dinheiro" (Gn 31,15), e a
afirmação de Booz de que comprou (qaniti) Rute para esposa (Rt
4,10), embora Rute claramente não fosse parte forçada e passiva
nos arranjos, mas tivesse em larga medida tomado a iniciativa. O
que de fato foi comprado foi a herança sobre que Rute tinha
pretensão como potencial herdeira. Neste caso, a herança e o
casamento estão interligados. Os 3,2 é assunto diferente, tratandose de mulher que foi comprada da prostituição ou da escravidão. Ela
também não cai na categoria de bem móvel; ela deve ser amada
"como lahweh ama".
O presente de casamento era dado pelo noivo ao pai da noiva,
provavelmente como compensação pelo trabalho que de outra forma
a filha continuaria a prestar para a casa dos pais (Meyers: 1978,
98). As mulheres "vigiavam o rebanho, trabalhavam no campo,
cozinhavam e teciam" (De Vaux 1961, 39). A soma paga era
determinada pelo status da família da noiva (l Sm 18,23ss), embora
a implicação da oferta em aberto de Siquém (Gn 34,12) é que era
excepcional indo ao encontro de circunstâncias extraordinárias. Dt
22,29 estipula cinqüenta sidos de prata, mas, tomando-se isso como
penalidade para o rapto de uma virgem, a soma usual pode ter sido
menor (De Vaux: ibid., 26; mas cf. Phillips: 1981, 12). R. De Vaux
estima que, embora o presente de casamento seja dado ao pai da
noiva, pertencia provavelmente à moça de fato, daí a qualificação
dele por Lia e Raquel como "nosso dinheiro" (Gn 31,15). O pai da
47
noiva tinha o direito a seu rendimento, mas o capital voltava para a
moça quando o pai morria, ou mais cedo se o marido morria, como
provisão contra a miséria. Ele encontra apoio para isso no costume
assírio e babilônio, e nos contratos matrimoniais de Elefantina. Dote
dado pelo pai da noiva não era costume em Israel, sendo a única
exceção o dom do faraó (shilluhim) por ocasião do casamento de
sua filha com Salomão (IRs 9,16). Meyers (1978, 98; mas cf. Mace:
1953,175) estima que isso é indício da relativa falta de mulheres,
pelo que os pais não tinham necessidade de atrair maridos para as
filhas.
Certamente o casamento era a norma, e para a mulher ter que ficar
sem casar considerava-se desgraça (Is 4,1; Pr 30,23). Embora a
prática tenha variado nos diversos períodos da história de Israel, a
monogamia era de longe mais comum do que a poligamia. Além das
narrativas patriarcais e dos episódios de Gedeão e Sansão, há pouca
referência a outra coisa que a monogamia. Com a exceção dos
haréns reais, só Elcana, pai de Samuel, nos livros de Samuel e dos
Reis é marido de mais de uma esposa. A lei de Dt 21,15ss, porém,
considera a bigamia como legal, e a implicação era que não era de
todo incomum. Os problemas que a bigamia podia dar numa família
são manifestos no Antigo Testamento. A causa de ciúme da parte de
uma esposa sem filhos (Gn 30, l) e de provocação pela rival (l Sm l
,6) era amiúde a questão de filhos. Tal era o prestígio da
maternidade, principalmente quando nasciam filhos varões, que até
uma esposa escrava podia começar a usar dela para se impor à sua
patroa (Gn 16,4s). Mas se Gn 30,15s indica a humilhante rivalidade
pelos favores do marido que podia ocorrer, também mostra
mulheres tomando a iniciativa em relações sexuais. A singular
bênção com que a família de Raquel se despede dela (Gn 24,60), e a
celebração dos filhos no SI 127 e SI 128, iluminam sua importância
como garantia para o futuro. Era, até certo ponto, por razões
práticas que filhos eram mais valorizados do que filhas, pois a filha
depois do casamento se juntaria à família do marido, enfraquecendo
assim relativamente a sua própria. Parentes mulheres eram,
contudo, respeitados, e se permitia a sacerdote tomar-se impuro
pelo sepultamento de parentes mulheres da mesma forma que de
parentes homens (Lv 21,2).
É interpretação errônea do casamento no Israel antigo falar que a
esposa só era valorizada pêlos filhos que gerava. A mulher que dava
à luz filhos homens não era necessariamente a favorita
(Gn29.32.34; l Sm l,4), e os sentimentos de Elcana (l Sm 1,8) não
precisam ter sido únicos. É interessante notar que aqui, como em Gn
30, l, é a esposa mais do que o marido que se amofina pela falta de
filhos homens. O valor posto em filhos homens não era absoluto.
Para a viúva, porém, privada do apoio de parentes homens, um neto
parecia ser nada menos que "um restaurador da vida" (le meshib
nepesh, Rt 4,15). Esta passagem é instrutiva pelo que revela de
relações íntimas e gratificantes que podiam existir entre mulheres.
Que liberdade tinha a mulher de se casar com o homem de sua
escolha? Phillips comenta que, uma vez que assuntos de família
estavam somente sob o controle do chefe de família, "um homem
tinha direito irrestrito de dispor das mulheres sob sua proteção
48
como quisesse, quer como pai arranjando casamento para a filha,
quer como marido divorciando-se da esposa. Nem a Filha nem a
esposa tinha direito último de voz no assunto, nem podiam apelar
aos tribunais" (Phillips: 1981, 351; ele nota, porém, que o episódio
da filha de Jefté não é tanto ilustração da autoridade do pai como do
poder de um juramento). A medida plena de autoridade de um pai
vê-se na oferta de Caleb de dar sua filha como recompensa por
sucessos militares Js 15,16; Jz 1,12), e na tentativa de Tamar de
evitar o rapto da parte de seu irmão Amnon (2Sm 13,13). Rebec
não foi consultada sobre seu casamento, mas somente sobre o
tempo de sua partida da casa (Gn 24,57s). Nem foi Isaac, embora a
narrativa mostre que se desenvolveu um relacionamento de amor.
Rute (Rt 3,7ss) e Abigail (l Sm 15,40ss), ambas viúvas, fizeram sua
escolha própria. Às vezes a mãe da mesma forma que o pai tomava
sobre si a responsabilidade de arranjar casamento. No caso de
Rebeca, sua mãe agiu junto com seu irmão Labão, uma vez que seu
pai tinha morrido. É interessante notar que o único ponto em que
Labão age independentemente de sua mãe é no cuidado pelos
camelos dos servos (Gn 24,29-31 ). A mãe de Sansão também se
envolveu com o marido nos planos do casamento de seu filho (Jz
14,2ss). R. De Vaux estima que "os jovens tinham ampla
oportunidade de se enamorarem e expressar seus sentimentos, pois
eram muito livres" (De Vaux: 1961, 30). O amor de Mical por Davi
era conhecido e foi levado em conta, mas primeiramente, pelo que
parece, porque cabia nos esquemas de Saul (l Sm 18,20s).
Com certeza, para algumas mulheres parece ter havido menos
liberdade ou dignidade. Particularmente isso é verdade das
mulheres do harém real. O trato de Davi com suas concubinas (2Sm
20,3) ilustra a total falta de controle que algumas mulheres infelizes
tinham sobre suas próprias vidas. É nessas situações que parece
dever ser consideradas como pouco melhores do que bens móveis. O
harém de Salomão pode ter sido para ele sinal de riqueza e status;
para as mulheres interessadas era aviltante. Nos primeiros tempos
da monarquia parece que o harém do rei passava para o sucessor
(2Sm 12,8). Descreve-se Absalão aproximando-se publicamente das
concubinas do seu pai por razões políticas, manifestamente
afirmando desta forma seu direito ao trono.
Em contraste marcante está o respeito que se tributava à mãe na
família. A instrução de uma mãe devia ser observada por seu filho
(Pr l ,8s; 6,20), e num caso se considerou suficientemente
importante passá-la adiante (Pr 31, l ). De ambos os pais se fala
com igual afeição (2Sm 19,37). Com efeito, a obrigação de tratar
mãe e pai com igual respeito enfatiza-se freqüentemente, desde o
decálogo até os muitos casos em Provérbios (Pr 15,20; 19,26;
23,22.25; 28.24). Uma expressão particularmente dramática merece
ser citada:
O olho que desdenha o pai e despreza a obediência à mãe, que os
corvos o arranquem e as águias o devorem. (Pr 30,17)
2.6.3 - DIVÓRCIO
49
A. VAN DER BORN (2004) fala sobre o divórcio:
(I) Nos tempos antigos o marido israelita tinha, ao que parece, o
direito ilimitado de mandar embora sua mulher (2Sam 3, 14-16); a
lei mosaica (Dt 24, 1; cf. Eclo 7, 26; 25, 26; 42, 9 restringiu tal
direito ao caso em que ele tivesse descoberto em sua mulher "algo
vergonhoso" (o que era interpretado de diversas maneiras). Ele
perdia esse direito, se acusava sua mulher falsamente de ter tido
relações antes do matrimonio (Dt 22,13-19), ou se a tinha violado
antes dos esponsais (Dt 22,28s). Quando o homem queria separarse de sua mulher, bastava entregar-lhe uma "letra de divórcio" (Dt
24,1; Is 50,1; Jer 3,8; Mt 5,31; 19,7), pronunciando, talvez, uma
fórmula de repúdio (Os 2,1). A mulher divorciada não podia tornarse esposa de um (sumo) sacerdote (Lev 21,7-14; Ez 44,22), nem
voltar para o seu ex-marido (cf. Dt 24,1-4; Jer 3,1). A própria mulher
nunca podia nem pedir nem efetuar um d. (Jz 19,2-10). — Contudo,
o d. era considerado, no AT, como coisa condenável; diversas
determinações da Lei procuravam limitá-lo e dificultá-lo, p. ex., a
obrigação que incumbia ao futuro esposo de pagar um determinado
preço ao pai da noiva; no caso de um segundo matrimônio ele teria
de pagar novamente um dote. Os profetas combateram o d. (Mal
2,14-16); essa condenação, sem dúvida, não se limitava ao caso de
alguém repudiar sua mulher israelita para se casar com uma
estrangeira (2,11).
GRACE I. EMMERSON (1995:368-370) informa:
Em nenhum lugar a desigualdade dos sexos e as limitações da
liberdade da mulher aparece mais vigorosamente do que no assunto
do divórcio. Não havia nenhuma circunstância em que a esposa
podia divorciar do seu marido, ao passo que o direito do marido de
divorciar de sua esposa em qualquer tempo e por qualquer motivo
era absoluto. Até que ponto essa liberdade era exercida é impossível
dizer, mas a forte oposição ao divórcio expressa em Ml 2,14-16 e o
louvor do casamento em Pr 5,15-19 e Eclo 9,9 deve-se contrapor a
ela. A lei de Dt 24, l considerou-se às vezes como tentativa de
restringir o direito absoluto do marido de divorciar-se da esposa,
tomando o adultério o único motivo para essa ação. Phillips (1981,
355) contradiz a este modo de ver pelo fato de que a lei
deuteronômica manda em Dt 22,22 que a execução e não o divórcio
seja a punição pelo adultério. Ela argumenta que a expressão 'erwat
dabar não tem conotação moral (cf. Dt 23,14), mas aplica-se a tudo
o que o marido encontra de objeção a sua esposa, coisas diversas do
adultério. Devia ser traduzida por "coisa desgradável" antes que
"indecente" (cf. Neufeld: 1946, 176, estima que isso é avanço na
posição das mulheres, visto que o divórcio não pode ocorrer
gratuitamente.) Na legislação deuteronômica, porém, o direito de o
marido divorciar é retirado em duas circunstâncias, a saber, como
penalidade por falsa acusação sobre a virgindade da noiva no tempo
do casamento (22,19), e no casamento compulsório conseqüente ao
rapto de moça não comprometida (22,28).
Na lei mais antiga, a pena para o adultério de mulher era o divórcio
e não a execução (Os 2,4; Jr 3,8), pois o homem que participou era
50
considerado o mais responsável. Phillips (1973, 353) observa que
Abimelec e não Sara, Davi mais do que Betsabéia, são tipos
responsáveis. A legislação deuteronômica, ao invés, como se
observou acima, impunha a pena de morte para ambos os
participantes, cuja maquinação razoavelmente se presume (Dt
22,22-27). Apesar deste movimento rumo à igualdade, as mulheres
continuaram a ser consideradas sob a autoridade de parente varão,
como é evidente no fato de que em casos de rapto ainda se pagava
indenização ao pai da moça (Dt 22,29).
O significativo contraste no procedimento legal entre casos de
divórcio e de adultério é exposto por Phillips. O divórcio, uma vez
que era improvável fosse causa de desordem na comunidade,
considerava-se como assunto privado e integrava a lei familiar
(1973, 350). O marido tinha o direito de agir independentemente da
comunidade e a cerimônia para terminar um casamento era
realizada privadamente no lar (Os 2,4s) e não no tribunal, como se
supõe , amiúde. Era efetuado por pronunciamento pelo marido da
fórmula do divórcio. A esposa divorciada normalmente retomava
para a casa do pai. Quando adultério era o motivo do divórcio, um
rito de desnudação pode ter precedido à expulsão do lar, como sinal
não só de que as responsabilidades de sua manutenção pelo marido
eram subtraídas, mas também e principalmente como sinal de sua
imprudência (Os 2,12; Jr 13,26s; Ez 16,37s; 23,10-29) (cf. Neufeld:
1944,166; Gordon: 1936, 277s). Tinha que ser dada prova de que o
casamento terminara por documento de divórcio (seper Keritut) para
que a mulher pudesse ), casar-se de novo sem incorrer em adultério
(Dt 24,1.3; Jr 3,8; Is 50,1).
Ao invés do procedimento do divórcio, o adultério considerava-se
crime e não assunto particular. Sua execução era assumida pelo
Estado e não pelo marido injuriado. Phillips argumenta que este
último não estava autorizado a tomar o assunto nas próprias mãos,
buscando vingança, acordo ou perdão. Quanto a isso, Israel diferia
dos outros países do Oriente Próximo antigo, onde o adultério era
considerado somente como injúria ao marido, que podia, pois,
determinar a punição dos ofensores ou, se quisesse, perdoar-lhes
(Phillips: 1973, 353s; 1981, 3s).
Sobre este ponto McKeating (1979, 58) discorda. Observando que
não existe nenhum caso no Antigo Testamento (além de Susana na
versão grega de Daniel) em que a lei bíblica do adultério é levada a
efeito, faz a pergunta: "Seriam, as leis, tomadas em si mesmas,
indicação suficiente da forma de se lidar com o divórcio?" Ele
argumenta que nos Provérbios o prejuízo para a reputação e ira do
marido ofendido figuram notoriamente como sanções contra o
adultério (Pr 6,27-35). Dificilmente seria assim se a pena de morte
fosse a conseqüência normal. As referências à morte nas
condenações do adultério (Pr 7,22s; 9,18; Eclo 9,9) parecem
metafóricas. Ele conclui que "não raramente se lidava com o
adultério fora do quadro da lei". A pergunta até que ponto os
procedimentos em casos de adultério possam reconstruir-se com
segurança de linguagem profética. Certamente na referência a
mutilação em Ez 23,25 a metáfora do adultério recuou atrás da
realidade da conquista.
51
Uma vez que o adultério não está incluído nas antigas maldições de
Dt 27 ou mencionado no livro da Aliança. McKeating estima que
foram os legisladores do Deuteronômio e do Código de santidade
que tentaram, aliás sem sucesso, fazer da pena de morte sanção
para o adultério (1979, 64), tirando assim o assunto da esfera da lei
familiar onde o marido tinha poder de decisão.
JAYME DE ALTAVILA (2000:31) comenta sobre o divórcio:
A legislação mosaica adotou o divórcio, porém admitiu penalidades
para o marido que falseasse a verdade em relação à virgindade da
desposada. O alcorão é menos rigoroso e os seus incisos muito
menos revestidos de moral. O Deuteronômio trata do assunto em
dois capítulos, como podemos ver:
- “Quando um homem tomar uma mulher e, entrando a ela a
aborrecer,” (22, v. 13)
- “E achei imputar coisas escandalosas e contra ela divulgar má
fama, dizendo: Tomei esta mulher e me cheguei a ela, porém não a
achei virgem;" (22, v. 13)
- "Então o pai da moça e sua mãe tomarão os sinais da virgindade e
levá-los-ão para fora aos anciãos da cidade à porta," (22, v. 15)
- "E o pai da moça dirá aos anciãos: Eu dei minha filha por mulher a
este homem, porém ele a aborreceu," (22, v. 16)
- "E eis que lhe imputou coisas escandalosas, dizendo: Não achei
virgem tua filha - Porém eis aqui os sinais da virgindade de minha
filha. E estenderão o lençol diante dos anciãos da cidade". (22, v.
17)
- “Então os anciãos da mesma cidade tomarão daquele homem e o
castigarão”. (22, v. 18)
- “E o condenarão em cem ciclos de prata e os darão ao pai da moça;
porquanto divulgou má fama sobre uma virgem de Israel. E lhe será
por mulher, em todos os seus dias não a poderá despedir”. (22, v.
19)
- “Porém se este negócio for verdade, que a virgindade não achou na
moça”, (22, v. 20)
- "Então tirarão a moça à porta da casa de seu pai e os homens da
cidade a apedrejarão com pedras, até que morra;" (22,v.21)
- "Quando um homem tomar uma mulher e se casar com ela, então
será que, se não achar graça em seus olhos, por nela achar coisa
feia, ele lhe fará escrito de repúdio e lho dará na sua mão e a
despedirá de sua casa." (24, v. l)
52
2.6.4 - PROSTITUIÇÃO
GRACE I. EMMERSON (1995:370-371) aduz:
Enquanto o adultério era crime, a prostituição era tolerada na
sociedade israelita. As advertências contra sedução de mulheres nos
Provérbios dizem respeito ao adultério antes que à prostituição (Pr
6,26; 7,29). Emerge o quadro de prostitutas angariando fregueses
em praças públicas (Gn 38,14; Ez 16,25), reconhecíveis por suas
roupas (Gn 38,15; Pr 7,10) e negociando os termos com os clientes
(Gn38,16; Ez 16,31). Em certas circunstâncias expressa-se certo
embaraço ligado com a prática (Gn 38,23) e forte desaprovação nas
leis de Lv 19,29 e 21,9.
Ao discutir sobre a sociedade israelita antiga, faz-se em geral a
distinção entre prostituição comum ou secular e prostituição cultual,
a que se estima corresponder respectivamente, falando em sentido
lato, os termos zônah e qedeshah com o correspondente masculino
qadesh. A prostituição secular, contanto que a mulher não fosse
casada, não era ofensa, mas "uma instituição social reconhecida
com poucas inibições morais ligadas a ela, apesar de ser vista com
sentimentos mesclados". A prostituição cultual do seu lado,
envolvendo pessoas dos dois sexos, era proibida absolutamente (Dt
23,18), embora não incomumente praticada, julgando-se da
polêmica profética contra ela. De fato, a distinção no uso de zonah e
qedeshah não é de maneira alguma absoluta. Ambos os termos
usam-se de Tamar (Gn 38,15.21s), e parecem sinônimos em Os
4,14e Dt 23,18s.
Essa distinção entre prostituição secular e religiosa por muito tempo
se tomou como axiomática. Deve-se, porém, rever a documentação.
Barstad (1984, 22ss) questionou a existência da prostituição cultual
como fenômeno difuso no Oriente Próximo antigo, uma vez que
referências explícitas só ocorrem em textos tardios. Sua existência
em Israel deve, portanto, ser reexaminada. Por um levantamento da
documentação textual, Barstad argumenta que qdshh/qdsh é
designação para membros femininos e masculinos do sacerdócio
não-javista ou sincrético. As referências a qedeshah e zonah em Dt
23,18s e Os 4,14 não se pretendem como sinônimos, mas
representam respectivamente duas proibições e acusações
(1984,29). Ele observa que Dt 23,18 não fala da ocupação do qdshh
e qdsh em geral, mas proíbe os israelitas de deter tais posições. O
ponto mais fraco no argumento de Barstad, como ele mesmo
reconhece, é o episódio de Tamar com sua inexplicada mudança de
zonah para qedeshah. Todavia é significativo que o episódio não tem
contexto cultual que sugerisse referência a prostituição cultual
(contra, G. von Rad: 1961, 359s).
2.6.5 - MULHERES E ESCRAVATURA
GRACE I. EMMERSON (1995:353-354) explicita:
53
Há no Antigo Testamento duas categorias de escravas a que
largamente se referem os termos shiphah e 'amah, se bem que nem
sempre se mantenha a distinção no uso. O primeiro aplica-se,
falando de modo geral, à virgem escrava cuja tarefa era servir à
patroa da casa (Gn 29,24.29; Is 24,2; SI 123,2; Pr 30,23), o último à
escrava pertencente ao seu patrão, às vezes como concubina (Jz
9,18; 19,19; Ez 23,12). Assim em Gn 16 Agar é descrita como serva
de Sara (shiphah) que Sara deu a Abraão para procriar filhos. Em Gn
21, como sua esposa escrava, ela é descrita como 'amah (vv.
10.12.13). No primeiro caso. Sara tinha autoridade de expulsar Agar
(Gn 16,6), e no segundo, a responsabilidade é de Abraão (21,10).
Dos dois, a siphah parece que devia assumir tarefas mais
domésticas (l Sm 25,41).
Em geral, escravas e escravos eram tratados igualmente na lei (Ex
21,20.26s), com uma exceção principal. No livro da Aliança não se
faz nenhuma provisão para libertar escrava depois de seis anos com
seu parceiro (Ex 21,7-11), porque como 'amah ela era concubina do
patrão e continuava sendo parte da família mais ampla. Não se deve,
porém, supor que isso se devia ao status inferior da escrava, ou ao
fato de que ela, em particular, era considerada como propriedade
pessoal do patrão, mas antes, como comenta Wolff, pelo fato de que
"o
relacionamento
de
marido
e
esposa
pensa-se
como
primariamente duradouro, mesmo com a escrava" (Wolff: 1974,201
). Seus direitos eram protegidos pela lei. No caso do cansaço do seu
patrão com ela, não era revendida (Ex 21,8). Sua família era
autorizada a comprar sua liberdade. Se designada para o filho do
patrão, ela devia ser tratada como filha (v. 9). Se o patrão tomava
outra mulher, seus direitos maritais não deviam ser diminuídos (v.
10). De outra forma, ela deve ser posta em liberdade. "Se o
relacionamento chegasse ao fim, sempre terminava na liberdade. As
regulamentações que governavam as exceções todas têm em mente
os interesses do escravo e não os do patrão" (Wolff: 1974, 201). Por
essa razão, Wolff se sente justificado ao descrever o relacionamento
entre patrão e escrava como "por relacionamento de nenhuma
maneira sem amor". Na verdade ele o caracteriza como "cheio de
solicitude". A lei correspondente de Dt 15,12-18 não diferencia entre
escravos e escravas, mas lhes dá iguais direitos de libertação após
seis anos. Com base em que Jr 34,9-11 também não faz nenhuma
distinção entre escravos e escravas. A lei posterior de Lv 25 não faz
nenhuma menção de escravas.
Wolff (1974,202) vê em Jó 31,13 a possibilidade de que escravos,
homens e mulheres, podiam apresentar queixas contra o patrão no
tribunal, rib pode, contudo, se entender em sentido menos formal de
"queixa" simples (cf. NEB).
Todavia a razão para o direito do escravo à justiça é sem
ambigüidades:
Aquele que me fez no ventre, não o fez também a ele?
e não foi um só que nos plasmou no ventre? (v. 15)
54
2.6.6 - O IDEAL DE IGUALDADE
GRACE I. EMMERSON (1995:372-374) comenta:
É pertinente que o debate sobre mulheres e escravatura fosse
seguido pelo contrapeso de tudo o que era opressivo das mulheres
na sociedade israelita antiga, por aquilo que se descreveu como
"latente potencialidade de libertação". Isso se encontra nas
narrativas da criação de Gênesis sem as quais nossa avalização do
material seria incompleta. Em contraste com a prevalente cultura
patriarcal do Israel antigo, existe no Antigo Testamento evidência
do
que
Tribles
chama
de
contracultura,
um
"princípio
despatriarcalizante" em ação. Este, afirma esta autora, não é
operação que o exegeta realiza no texto. É operação hermenêutica
dentro da própria Escritura" (1973, 48).
O varão e a mulher são criados à imagem de Deus (Gn 1,27). Ambos
recebem a ordem de sujeitar e dominar a terra . Não há aí nenhuma
alusão a dominação. Homem e mulher, criados juntos e abençoados
juntos, são chamados de Adão (Gn 5,2). É em Gn 2-3 que se
encontrou tradicionalmente justificação da subserviência da mulher.
É preciso corrigir várias concepções errôneas. A mulher, igualmente
com o homem, é criada somente por Deus. O varão não é
participante, nem espectador da divina atividade que edifica uma
mulher de uma costela. A criação da mulher não é pensada depois. A
estrutura de Gn 2 é exemplo de inclusão. "A criação do homem
primeiro e da mulher por último constitui uma composição em anel
pelo que as duas criaturas são paralelas. De nenhum modo a ordem
desmerece da mulher" (Trible: 1973,36). Deus visa a fazer dela uma
ajudante para o homem (´ezer), uma ajudante apropriada, igual e
adequada a ele (kenegdo). A palavra 'ezer é, como observa Trible,
termo relacional e não especifica posição dentro do relacionamento.
Na maioria dos casos, a palavra refere-se a lahweh como ajudante
do seu povo (Ex 18,4; Dt33.20.26; SI 33,20; 70,6; 115,9ss; 146,5).
Deus é o ajudante superior ao homem; os animais são ajudantes
inferiores ao homem; a mulher é a ajudante igual ao homem"
(Trible: 1973, 36).
Por que a mulher é tentada pela serpente? Não por causa de alguma
fraqueza inerente. A narrativa não faz nenhuma alusão a isso. O
homem é retratado como passivo, seguindo sua mulher sem
questionar, embora a proibição de Deus venha diretamente a ele
(2,17). Mas a mulher é "inteligente, independente e decisiva,
inteiramente consciente como teóloga quando ela toma o fruto e
come", escreve Trible (1976, 965). Ao escrever isso, ela visa "não a
promover chauvinismo feminista, mas cortar pela raiz interpretações
patriarcais alheias ao texto" (1973, 40).
Finalmente, Gn 3,16 não é concessão à supremacia masculina. É
sintoma da desordem da criação, da ruptura do relacionamento com
Deus que traz em sua esteira ruptura no relacionamento humano.
Juntamente com dor e instrumento opressivo a subserviência das
55
mulheres deve ser superada, e o ideal restaurado (Evans: 1985,
19s).
Semelhante ideal de igualdade aparece no Cântico dos cânticos, que
Trible descreve como midraxe de Gn 1-3. Discernindo na jubilosa
confiança da mulher: "Eu sou do meu amado e o seu desejo se volta
para mim" (Ct 7,10), reverso de Gn 3,16, ele vê aí a descrição do
pecado transformada em afirmação de mutualidade e deleite
(1973,46). No Cântico, não existe nenhuma subserviência da
mulher. Com ela começa o Cântico quando ela inicia o namoro (l,2),
e com ela termina quando ela chama pelo amado (8,13). Poderia
uma mulher ter sido seu autor? (cf. Brenner: 1985, 46ss).
Infelizmente há outra corrente no Antigo Testamento, uma
deteroração na visão da mulher que se torna manifesta no período
pós-exílico (cf. Terrien: 1985, 85s). Trible contrasta o imaginário
feminino usado pelo Dêutero-Isaías para descrever o amor de Deus
para com o seu povo no exílio (Is 49,15; 66,13) com o uso de
Ezequiel de metáforas sexuais desmerecendo das mulheres. Nisto, e
na luta por pureza racial nos tempos de Esdras (Esd 10,2s.44), ela
traça o desenvolvimento da misogenia que vê a mulher como inferior
e impura. "Todavia, esta visão não substituiu inteiramente o impulso
dinâmico da fé do Antigo Testamento... este impulso desafiou,
corrigiu e transcendeu a cultura. Em conseqüência, a fé do Antigo
Testamento corta pelas raízes as estruturas e idéias de feitura
humana para colocar homem e mulher sub specie aeternitatis"
(Trible: 1976,966).
TERTULIANO CABRAL PINHEIRO em www.dhnet.org.br/direitos/
militantes/tertuliano/apostila01.html afirma que:
Em todos os modelos de sociedade antiga, a mulher para efeito
político igualava-se aos escravos. Digna do maior respeito, a mulher
devia obediência a seu pai se solteira, ao marido se casada e ao filho
mais velho se viúva. No dizer de André Bonnard (Civilização GregaLisboa – 1966) era “uma sociedade rigorosamente masculina”.
AMILCAR
DEL
CHIARO
FILHO,
www.espirito.org.br/portal/cursos/amilcar/cap10.html, confirma:
em
Na antigüidade, especialmente nos tempos bíblicos, a mulher era
uma mercadoria, propriedade do homem, e por isso o adultério era
visto como um roubo. O marido, proprietário da mulher, era lesado
pelo adultério e por isso podia exigir reparação.
O adultério só acontecia nos casos de mulheres casadas ou noivas,
já que este era um compromisso muito sério. A mulher solteira,
viúva ou livre, não cometia adultério, no caso de manter relações
sexuais com algum homem. No caso de moça solteira, se houvesse
flagrante do ato sexual, o homem era obrigado a pagar uma multa
(50 ciclos de prata) ao pai da moça, seu proprietário, e casar-se com
ela, não importando quantas esposas tivesse, pois, poderia ter
quantas pudesse manter. (Deuteronômio 22: 28 – 29) simplesmente
comprava mais um propriedade, ao pai, antigo dono da donzela.
56
3 - O DIREITO
O Direito judaico era, na época, um dos mais adiantados em
determinados aspectos, como esclarece LEIB SOIBELMAN quanto ao Direto
do Trabalho daquele povo:
O direito do trabalho é uma das criações mais originais dos hebreus,
principalmente quando se sabe que na antigüidade oriental
trabalhador era sinônimo de escravo. Em nenhuma legislação da
antiguidade existiu a preocupação que se nota na Bíblia pela
proteção do trabalhador e das condições de trabalho. A legislação
hebraica foi a primeira legislação social do mundo. Estabelecia o
repouso semanal, o pagamento do salário em dinheiro e ao fim de
cada jornada de trabalho, a obrigação de todos terem uma ocupação,
repouso nos feriados religiosos, o direito de penhora por salários
devidos, a santificação do trabalho. O Talmud, interpretando uma
tradição oral que já vinha de séculos, obrigava o patrão a indenizar
os acidentes do trabalho e cinco eram as indenizações: Nezek, pelo
dano em virtude de lesão permanente; Ripui, dever de pagar
assistência médica e medicamentos; Shevet, pagamento pelos danos
causados pela incapacidade temporária para trabalhar; Boschet, pelo
dano moral provocado pelo acidente; Tzaar, pelos sofrimentos e
dores causados pelo acidente. A primeira lei brasileira de acidentes
do trabalho é de 1919. Ainda neste ano o Tratado de Versalhes
recomendava aos países contratantes a adoção do descanso
semanal, a jornada de oito horas e a proibição do trabalho de
menores. A primeira lei limitando o trabalho do menor a doze horas
diárias foi de 1802 na Inglaterra. É de 1841 a primeira lei na França
proibindo o trabalho dos menores de oito anos. B. - Mateo Goldstein,
Derecho hebreo. Atalaya ed. Buenos Aires, 1947.
ÉMILE MORIN (1981:103-104) fala sobre o Direito e a Justiça
judaicos:
O direito contém as leis seguidas pelos homens de uma determinada
sociedade. O poder judiciário controla sua aplicação.
Roma tentava controlar as suscetibilidades judaicas, especialmente
em matéria religiosa, através dos governadores, delegados do
imperador, teoricamente dependentes do legado da Síria para
questões mais importantes, mas que, de fato, dispunham de uma
considerável autonomia.
Mas a lei judaica não era outra que a Lei de Moisés. Considerada
como recebida de Javé, no Sinai, para todos os israelitas. Os fariseus
acrescentavam à Lei a Tradição oral de seus escribas. As questões
internas do judaísmo eram, portanto, tratadas sob a autoridade
bastante direta do Sinédrio de Jerusalém.
O Sinédrio não remonta a Moisés, como o pretendiam os rabinos. Ele
tem sua origem nos conselhos de anciãos de que o sumo sacerdote
se cercou, desde os tempos da dominação persa. Parece que há
provas de sua existência desde o ano 200.
57
Sob a rainha Alexandra (76-67 aC), escribas leigos e fariseus
entraram, maciçamente, no Sinédrio. Herodes, o Grande, exterminou
quase todos os sinedritas, no tempo de seu poder.
Este grande conselho retomou suas atividades, seguramente, pelo
menos no ano 6 dC. quando da chegada do primeiro governador.
Esta corte de 71 membros se compunha dos chefes dos sacerdotes,
dos "anciãos" ou representantes da aristocracia leiga, dos escribas
ou representantes da aristocracia intelectual. O sumo sacerdote
presidia a assembléia. Ignora-se a duração do mandato dos
membros do Sinédrio, recrutados, sem dúvida, por cooptação, tendose em vista os critérios de origem, já enunciados, e também as
intervenções dos chefes políticos
A competência do Sinédrio, diminuída sob Herodes, o Grande, foi
mais ampla sob os governadores. Roma admitia, tacitamente, a
competência desta assembléia, para todos os judeus do mundo. Na
Judéia, ocupava-se, principalmente, das relações com o poder
romano: ver, por exemplo, o processo de Jesus e de Paulo. Ocupavase, também, da entrada em Jerusalém do imposto do templo e dos
dízimos. O imposto do templo provinha de toda bacia mediterrânea.
Cuidava da interpretação da Lei e zelava sobretudo pela guarda de
seu depósito. Enfim, o Sinédrio funcionava como corte de justiça.
Dispondo da polícia do templo, podia prender e encarcerar os
delinqüentes, aplicar multas e castigos corporais e excluir os
criminosos da comunidade israelita. Para uma condenação à morte
era preciso reunir um tribunal de 23 membros. E, no tempo dos
governadores, a sentença de morte só se tornava executória depois
de ratificada pelo representante de Roma. Mas esta questão é
controvertida. Parece que a administração romana, às vezes,
fechava os olhos.
Nas aldeias da Judéia e da Galiléia e nos agrupamentos, judaicos da
diáspora. havia tribunais locais, igualmente chamados de sinédrios.
Os problemas aí eram julgados conforme a jurisprudência fixada
pelo grande Sinédrio de Jerusalém.
Para questões menores, muitas vezes aparece, nos textos, tribunais
de três membros. É preciso assinalar o papel de rabinos ordenados
para a jurisprudência como juizes dos tribunais.
Neste Capítulo seguimos a estrutura de R. DE VAUX, conforme seu
livro Instituições de Israel no Antigo Testamento.
3.1 - AS COLETÂNEAS DE LEIS
LEIB SOIBELMAN fala sobre o Talmud:
Vastíssimo comentário às leis de Moisés, completado em diversas
épocas: o Talmud de Jerusalém no ano de 350 d.C. e o da Babilônia
no ano de 500. É considerado uma autêntica enciclopédia jurídica,
que tem acompanhado toda a história do povo judeu. V. leis de
58
Moisés. B. - Lino de Morais Leme. Direito civil comparado. São Paulo,
1962. Ed. Rev. dos Tribunais. Moisés só codificou no Pentateuco a
parte mais importante da lei oral recebida de Deus, a qual continuou
a ser transmitida por Josué e pelos profetas. Sempre existiu ao lado
da lei escrita (micra), uma torá oral, cuja interpretação se chama
"mischná" (V.) ou repetição. Depois da tomada de Jerusalém por
Tito no ano de 70, continuaram, existindo escolas rabínicas na
Palestina e na Babilônia. No século II essa mischná foi compilada
por Rabi Iehuda. Aconteceu com a mischná o mesmo que com a torá
(V.): ela por sua vez foi objeto de interpretação das escolas
rabínicas, interpretação chamada de "guemara", palavra aramaica
que significa ensino. A mischná juntamente com a guemara constitui
o Talmud. Foram feitos dois talmudes: o de Jerusalém nos fins do
século IV e o da Babilônia, chamado Talmud Babli, nos séculos VI ou
VII. A guemara que acompanha ambos é que difere um pouco, pois a
mischná é a mesma. O Talmud é apenas uma parte da literatura
rabínica post-exílica, pois continuavam existindo os comentários ao
Talmud, sendo o mais importante deles o de Raschi no, século XI e o
de Elias de Vilna já nos fins do século XVIII. A primeira edição
completa de ambos os talmudes só se fez no século XVI, por David
Blomberg, em Veneza. Durante muito tempo o Talmud ficou
completamente desconhecido para os cristãos, a ponto de um papa
pensar que era o nome de um rabino. Foi queimado muitas vezes na
Idade Média pelas ondas de reação aos judeus. Foi o Talmud que
salvou o judeu da ignorância através dos séculos e desenvolveu sua
capacidade dialética, pois o Talmud absorveu os conhecimentos
leigos, transformando-se numa vastíssima enciclopédia de todos os
conhecimentos humanos: religião, legislação, botânica, medicina,
filosofia, etc. Há dois tipos de ensinamento no Talmud: a "halaká" e
o "hagadá". A primeira é a parte legal da vida do judeu e da
comunidade. A segunda é a parte folclórica, composta de historietas
e parábolas criadas nos momentos em que se descansava dos áridos
estudos ou para amenizar um pouco estes estudos difíceis. O
Evangelho é um filho direto da hagadá. Justiniano proibiu o estudo
do Talmud, por ele chamado de "segunda lei" nas suas Novelas. O
Talmud sobrepujou entre os judeus a própria Bíblia, pela sua
vastidão, que leva os estudiosos a falar do mar ou do oceano do
Talmud, e alguns autores como Maimônides e Caro fizeram índices
para encontrar as matérias referentes a um mesmo assunto.
3.2 - AS PENAS
JAYME DE ALTAVILA (2000:30) diz sobre as penalidades:
É preciso que se penetre no sentido legal da antiguidade, para se
compreender bem a aplicação das penas. Nem sempre os textos
exprimem com exatidão o intencionalismo da lei primitiva. O talião
foi tauxiado em todas as legislações daquele passado remotíssimo,
em que a humanidade ainda retinha certos impulsos herdados da
caverna. Moisés precisava reprimir os instintos primitivos de sua
gente, na preservação de seu estado, cercado que estava de
inimigos externos. Mas, como tivemos ensejo de explicar, o talião
não se aplicava a todos os casos delituosos. A legítima defesa e o
59
homicídio involuntário eram reconhecidos no seu direito, onde a
pena não passava da pessoa do criminoso.
Daí a necessidade de lermos com a devida compreensão estes
incisos:
- "O teu olho não poupará: vida por vida, olho por olho, dente por
dente, mão por mão, pé por pé". (19, v. 21)
- "Quando houver contenda entre alguém e vierem ao Juízo, para
que os julguem, ao justo justificarão e ao injusto, condenarão." (25,
v. l)
- “E será que se o injusto merecer açoites, o juiz o fará deitar e o
fará deitar e o fará açoitar diante de si, quando bastar pela sua
injustiça, por certa conta".
- “Os pais não morrerão pelos filhos, nem os filhos pelos pais: cada
qual morrerá pelo seu pecado”. (24, v. 16)
4 - O "JULGAMENTO" DA MULHER
ADÚLTERA SEGUNDO OS FILÓSOFOS
Como dissemos na Introdução, o incidente relatado pelo evangelista
João não foi um julgamento, mas sim uma cilada armada por escribas e
fariseus
que
pretendiam
que
Jesus
dissesse
qualquer
coisa
comprometedora para o acusarem perante o Sinédrio.
Quando Ele disse aos presentes que atirasse a primeira pedra quem
fosse impoluto, estava dizendo em linguagem figurada, pois a pena de
morte somente podia ser decretada após um processo cheio de
formalidades, onde inclusive se previa a defesa do acusado.
No incidente em apreço choca sobretudo o tratamento desigual dos
parceiros do adultério, pois somente a mulher foi presa, enquanto que o
homem não o foi, sendo que a Lei determinava que ambos deveriam ser
condenados à morte por apedrejamento.
Pode-se, com certa razão, entender que era muito mais comum elas
serem condenadas, ficando esquecidos os adúlteros do sexo masculino.
A situação desigual das mulheres sensibiliza filósofos dos tempos
recentes:
4.1 - GIBRAN KHALIL GIBRAN
GIBRAN KHALIL
compungidamente:
GIBRAN
(1973:128-129)
relata
e
comenta
E um dia eu O segui à praça do mercado de Jerusalém, como os
outros O seguiam. E Ele nos contou a parábola do filho pródigo, e a
60
parábola do negociante que vendeu todos os seus bens para
comprar uma pérola.
Mas enquanto falava, os fariseus trouxeram para o meio da multidão
uma mulher a quem chamavam de prostituta. E enfrentaram Jesus e
Lhe disseram: "Ela traiu seu voto de casamento, e foi apanhada no
ato."
E Ele a fitou; e colocou a mão sobre a testa da mulher e olhou
profundamente em seus olhos.
Depois, voltou-se para os homens que a tinham trazido, e olhou
longamente para eles; e curvou-se e começou a escrever na terra
com o dedo.
Escreveu o nome de cada homem, e ao lado do nome escreveu o
pecado que cada homem tinha cometido.
E, à medida que escrevia, eles iam fugindo, envergonhados, pelas
ruas.
E antes que tivesse acabado de escrever, somente aquela mulher e
nós permanecíamos diante Dele.
E novamente Ele olhou nos olhos dela, e disse: "Amas-te demais. Os
que te trouxeram aqui amaram pouco. Mas trouxeram-te como uma
armadilha para me pegar.
"E agora vai em paz.
"Nenhum deles está aqui para te julgar. E se for de teu desejo ser
ajuizada tanto quanto és amorosa, então procura-me; porque o Filho
do Homem não te julgará.
E conjeturei então se Ele dizia isso porque Ele próprio não estava
sem pecado.
Mas desde aquele dia tenho meditado longamente, e sei agora que
somente o puro de coração perdoa a sede que leva a águas
estagnadas.
E sòmonte quem tem o pé seguro dá a mão ao que tropeça.
4.2 - HUBERTO ROHDEN
HUBERTO ROHDEN (1997:17-20) relata sensibilizado:
Estavam terminadas as ruidosas festividades dos Tabernáculos.
Murcha pendia a ramaria dos ranchos, que cobria as praças da
capital e as campinas dos arredores; por toda a parte, a folhagem
seca a juncar os pavimentos — folhas de outono, significativo
símbolo do povo de Israel, estranho presságio daquela cena que
logo se ia desenrolar no átrio do templo.
61
Naqueles tempos, como muitas vezes em nossos dias, as festas
religiosas populares, a par de edificantes testemunhas de fé e
piedade, eram também dias de lamentáveis desordens, e, não raro, o
diabo mais do que Deus colhia farta messe.
Jesus conservava-se ainda em Jerusalém, ensinando diariamente no
templo. Por mais numerosos que fossem os seus inimigos, ninguém
lhe podia fazer mal antes de chegar a "sua hora"; e essa hora estava
nas mãos do Cristo. Ao anoitecer porém, saía invariavelmente da
cidade, retirando-se para o Monte das Oliveiras, a fim de fruir
algumas horas de repouso, talvez em casa de seus amigos de
Betania. Jerusalém era um campo de batalha semeado de espiões; e
Jesus, apesar de sua confiança na Providência Divina, nunca deixava
de parte os ditames da prudência humana.
De manhã, bem cedo, reaparecia no templo e tornava a falar ao povo
sobre o reino de Deus.
Em um dia desses, quando Jesus se achava no chamado átrio do
povo, acessível a todos os israelitas, homens e mulheres — eis que
de súbito um grupo de, fariseus abre caminho através da multidão,
arrastando aos pés de Jesus uma jovem mulher apanhada em
adultério.
Era noiva, a infeliz. Em um dos tumultuosos divertimentos dos
últimos dias da festa, caíra vítima da sedução de um homem que não
era seu noivo. A lei de Moisés decretava a morte para a mulher
casada que violasse a fidelidade conjugal, e a morte cruel de
apedrejamento público para a noiva que se esquecesse da palavra
empenhada. Para os israelitas, o noivado equivalia a um verdadeiro
matrimônio, com a diferença de os cônjuges não viverem ainda
debaixo do mesmo teto, nem usarem dos seus direitos recíprocos.
Os fariseus tinham olhos de lince, para os pecados do próximo...
A jovem, apreendida por eles, devia, pois, ser apedrejada. Disto nem
duvidaram os acusadores; pois era lei, e os zeladores da lei eram
eles. Mas queriam aproveitar o incidente para armar uma cilada ao
profeta de Nazaré.
A ocasião não podia ser mais propícia. Não faltavam testemunhas,
para presenciarem a "derrota do Nazareno". A trama estava muito
bem urdida; o plano tinha requintes de astúcia e não podia falhar.
— Mestre — dizem os fariseus, com fingida seriedade —esta mulher
acaba de ser apanhada em adultério. Ora, na lei, mandou-nos Moisés
que apedrejássemos semelhantes mulheres. E tu, que dizes?
Momentos de silêncio...
Todos os olhares convergiam sobre a desditosa criatura; todos a
condenavam; ninguém perguntava: onde está o cúmplice? Quem é o
sedutor? Quem é o mais culpado?. . . Não, ela, a parte mais fraca,
teve a desgraça de ser apanhada, ao passo que o outro, mais forte e
62
mais astuto, conseguiu evadir-se sem ser reconhecido. Por isso, a
perversidade do sedutor passa em silêncio, e a fragilidade da
seduzida é assoalhada na praça da mais larga publicidade. A lei era
só contra a mulher.
E o rabi de Nazaré? Estaria ele pelos autos? Renunciaria à sua
proverbial bondade e indulgência? Poderia ver o sangue da jovem
vítima a tingir o solo? Ou se atreveria a absolver a adúltera? A usar
de misericórdia em um caso de tamanha gravidade? Teria a audácia
de contradizer a lei de Moisés? Ele, que proclamava a cada passo
que não viera para abolir a lei, mas, sim, para levá-la à perfeição?...
Jesus parecia indeciso por alguns momentos. Inclinou-se, e traçou
na areia do pavimento caracteres misteriosos. Que escrevera ele? O
nome do cúmplice? Algum dentre os fariseus ou doutores da lei? Os
adultérios secretos deles? Não sabemos — eles leram...
Expectativa geral...
Jesus, depois de escrever na areia, ergue-se, corre um olhar
prescrutador pelos acusadores e diz tranqüilamente:
— Aquele dentre vós que não tem pecado, atire-lhe a primeira pedra!
Como um raio em céu sereno caiu esta palavra na consciência dos
fariseus... Estremeceram... Por essa não esperavam eles... O
Nazareno concorda em que a criminosa seja apedrejada, conforme a
lei — mas por mãos impolutas.
E onde estavam essas mãos bastante puras para lançarem a
primeira pedra àquela mulher impura?
Os zeladores da lei entreolharam-se, mudos, perplexos; cada um
esperava que o vizinho se abaixasse para levantar a primeira pedra.
Mas ninguém se atrevia, ninguém queria ser o primeiro; todos
tinham a sensação de que aqueles dois olhos devassavam os
mistérios da consciência deles como tantas vezes dera a entender o
Nazareno....
Jesus, no meio daquela indecisão geral, tornou a traçar na areia
sinais enigmáticos. Talvez os nomes dos pecadores. Os fariseus
aproveitaram a oportunidade para se esgueirarem sorrateiramente,
um após outro, a começar pelos mais velhos, provavelmente os que
tinham na consciência mais pesada carga de pecados...
Ficaram no meio do átrio só a mulher e Jesus — a miséria e a
misericórdia...
Se a adúltera tinha de esperar castigo, só o podia esperar da parte
deste homem, porque só ele era sem pecado; estava aí quem tinha
as mãos impolutas e lhe podia atirar a primeira pedra — primeira e a
última.
Mas a suprema pureza não podia deixar de ser o supremo amor.
63
Ergueu-se, pois, a divina misericórdia e perguntou à humana
miséria:
— Mulher, onde estão aqueles que te acusavam?
Ninguém te condenou?
— Ninguém, Senhor — respondeu ela levantando pela primeira vez o
olhar perturbado.
E, então, em vez do sibilar mortífero das pedras a derribarem por
terra a pecadora, soa aos ouvidos da penitente a palavra do perdão e
da vida:
— Nem eu te condenarei; vai-te, e não tornes a pecar.
4.3 - JOSÉ BORTOLINI
JOSÉ BORTOLINI (1990:40-48) narra e analisa dominado por ira
santa:
O tema do julgamento é muito importante em toda a literatura
joanina, e aqui também. Uma coisa é certa: Jesus não julga
ninguém, ou seja, não veio para condenar, mas para salvar (veja
3,16-18). Ele simplesmente provoca todas as pessoas a tomar
partido: quem está com ele não se perde; quem está contra ele se
autocondena, pois se colocou contra a vida. A pessoa de Jesus
suscita o discernimento, ou seja, faz-nos perceber se estamos a
favor da luz (vida) ou contra a luz (morte). Vindo para que todos
tenham vida (10,10), pôs a nu nossas raízes e nossas escolhas.
Um episódio do Evangelho de João é clássico nesse sentido (19,1315). Pilatos faz Jesus sentar-se na cadeira de juiz-presidente do
tribunal. De réu, Jesus se torna juiz supremo. Mas ele não diz nada,
não profere sentença alguma, não condena. São os chefes dos
sacerdotes que se desnudam diante de Jesus juiz, revelando de que
lado estão.
De fato, eles dizem que o rei deles é César. O contato desse tema
com o episódio da adúltera é evidente.
Esse episódio recorda sem dúvida o capítulo 13 de Daniel, a história
de Susana. As personagens praticamente se identificam: os juizes
que, não conseguindo possuir Susana, a condenam, fazem pensar
nos acusadores da adúltera; o jovem Daniel remete a Jesus. Há,
contudo, nítida distinção entre Susana, que não pecou, e a adúltera.
Jesus deve ter passado a noite no monte das Oliveiras (8,1), ou seja,
no jardim. Parece que ele gostava daquele lugar, pois recolhia-se aí
muitas vezes, a ponto de Judas, mais tarde, saber disso e chegar
com a gangue que o irá prender (veja 18,3). O jardim recorda Éden,
paraíso terrestre, moradia de Adão, o homem (Gênesis 2,8). Jesus
passa a noite no jardim, a mulher passa a noite na cama com um
64
homem que não é o dela, os doutores da Lei e fariseus passam a
noite planejando pegar essa mulher e matá-la, mas antes incriminar
também Jesus. A noite pode ser reveladora. Arriscaríamos
parafrasear: "Diga-me o que você faz de noite e eu direi quem você
é".
De manhã cedo, talvez ainda escuro, como novo sol, Jesus está no
Templo e ensina sentado. O Evangelho não mostra as palavras de
Jesus, mas um episódio capaz de resumir seu ensinamento. E isso no
Templo, lugar por excelência de encontro com Deus e com o
ensinamento dos doutores da Lei e fariseus.
Todos temos telhado de vidro. Talvez tê-lo não seja tão grave
quanto ignorá-lo ou, o que é pior, jogar pedras no do outro para
desviar a atenção do nosso. Essa mulher tinha telhado de vidro, era
adúltera. E não há coisa pior na vida do que quando pessoas —
sobretudo se são inimigas — descobrem nosso ponto fraco. Por essa
brecha entra todo o veneno da humanidade. Pobre de quem deixar
essa brecha aberta. Mesmo que Deus perdoe, deverá contar com a
resistência das pessoas em perdoar a fraqueza, pois é pressionando
sobre essa ferida que elas se tomam fortes. Fortalecem-se
apontando as fraquezas dos outros.
Com essa mulher aconteceu mais ou menos assim. Foi descoberta e
pega no seu ponto fraco pelos puritanos doutores da Lei e fariseus, e
agora é posta no centro da roda. Para ela são apontados todos os
dedos acusadores e já se aprontam as pedras para a execução, pois
a sentença parece algo já certo. A situação dela deve ter sido tão
dramática a ponto de parecer, também para o narrador, uma
miragem. De fato, quando todos vão embora e ela fica sozinha com
Jesus, o texto afirma que ela continuava lá, no meio. No meio do
quê, se não há mais ninguém, exceto Jesus com ela?
Nem o narrador parece acreditar no que relata. É como se os
inquisidores continuassem aí feitos estátuas de pedra milenares...
Jesus está ensinando no Templo quando os doutores da Lei e
fariseus trazem a ele uma adúltera pega em flagrante. Certamente
planejaram bem a coisa, examinaram os hábitos dessa mulher, suas
fugas ou as brechas que deixava para o adultério. Sem dúvida
alguma não foi ocasião furtiva, nem pra ela nem pra eles. Ela deve
ter insistido no pecado e eles no desejo de pegá-la.
Os doutores da Lei eram os peritos em legislação, em Bíblia e
normalmente eram pessoas ligadas aos tribunais. Os fariseus —já
conhecidos nos episódios anteriores — também são homens da Lei,
da pureza. Eram os "impecáveis". Para eles não resta dúvida e a
sentença já está traçada: a mulher deve ser apedrejada.
Simplesmente perguntam o parecer de Jesus que ensina, para pô-lo
à prova. Por Jesus à prova é, em todos os Evangelhos, uma das
características dos fariseus. Mas é também uma característica do
Diabo ou Satanás quando tenta Jesus (Mateus 4,1; Marcos 1,13;
Lucas 4,2). Visto que no Evangelho de João não temos a narrativa
das tentações de Jesus, podemos dizer que os doutores da Lei e
fariseus são o próprio Tentador, o Diabo, o Satanás. Tanto nas
65
tentações narradas por Mateus e Lucas, quanto aqui, o Tentador
conhece e usa a Bíblia. No caso da adúltera, um uso parcial e para a
morte.
Eles conhecem muito bem a Lei, e nós podemos conhecer também
como a violavam e torciam a seu gosto e capricho, conservando seus
privilégios. De fato, há dois textos do Antigo Testamento que
prescrevem a lapidação da adúltera, respectivamente Levítico 20,10
e Deuteronômio 22,22: "O homem que comete adultério com a
mulher do seu próximo se tornará réu de morte, tanto ele como a
sua cúmplice"; "Se um homem for pego em flagrante tendo relações
sexuais com uma mulher casada, ambos serão mortos, tanto o
homem como a mulher. Desse modo você eliminará o mal de Israel".
Note-se um detalhe. Nas duas citações, o responsável primeiro é o
homem: "O homem que comete..., "Se um homem...".Podemos,
então, perguntar: Cadê o homem desse adultério? Por que não foi
preso, se os doutores da Lei e fariseus deram um flagrante nos dois?
Por que pegaram apenas a mulher e querem já matá-la? Citam a
Bíblia, mas se esquecem do homem adúltero. Aí revela-se toda a
parcialidade desses dois grupos satânicos que põem a mulher no
centro da roda, apontam-lhe o dedo acusador e já têm pedras por
perto. Condenando a mulher pretendem inocentar-se, como
veremos. A armadilha está montada. Vamos ver se Jesus se orienta
pela "lei do mais forte".
Interrogado, Jesus não responde. Rabisca no chão. O que teria
rabiscado? Impossível saber. Uns sugerem que escrevia isso, outros
aquilo; outros afirmam que se trata apenas de rabiscos, não de
texto. Talvez estivesse dando um tempo para esses hipócritas
pensar no próprio telhado de vidro. Mas visto que insistem, aí vai a
resposta que põe a nu o telhado de vidro de todos, sem exceção,
aliás, um telhado de vidro que aumenta à medida que os anos
crescem: "Quem de vocês não tiver pecado, atire nela a primeira
pedra". O desmascaramento foi total, e a reação, patética: foram
todos embora, começando pêlos mais velhos. Trágica constatação:
quanto mais avançamos na idade, mais pecadores nos tornamos.
Isso se cada um tomar consciência de seu telhado de vidro.
A retirada dos adversários da mulher faz pensar e, sem dúvida,
podemos recordar os dois juízes que tentaram matar Susana na
história de Daniel 13. O fato de saírem um após o outro "começando
pêlos mais velhos", além de constatar que quanto mais velhos, mais
pecados carregamos, é extremamente irônica. De fato, há séculos
Israel associava velhice e sabedoria, cabelos brancos e sensatez,
terceira idade e equilíbrio. De acordo com os livros sapienciais,
quanto mais velho alguém se torna, mais próximo estaria de uma
vida santa, sábia e equilibrada. Nada disso acontecia com os
acusadores da adúltera. E deve-se ainda notar que, tanto em Daniel
13 quanto em João 8, os acusadores são homens ligados à justiça.
Isso nos leva, então, a outra constatação: quantas arbitrariedades
se cometem ao julgar as pessoas e, sobretudo, quando esse
julgamento é acobertado pelo poder, fama e status dos que detêm a
função de julgar. O povo olha pra eles como para pessoas
impecáveis e semidivinas, e considera justas suas sentenças,
66
indiscutíveis. Por quê? Porque camuflam suas decisões com a pompa
de seu cargo ou do seu poder. No tempo de Susana/ quem seria
capaz de ligar o desconfiômetro contra esses dois velhos corruptos,
violentos e imorais? E no tempo de Jesus, quem seria capaz de
imaginar que os acusadores da adúltera tinham no cartório uma
conta tão vergonhosa — ou mais — que a da adúltera?
Jesus disse "Quem de vocês não tiver pecado". Será que se referia
ao pecado de adultério? Será possível que todos fossem adúlteros? É
provável. Aqui entendemos a fina ironia nascida da resposta de
Jesus. De fato, não era preciso trazer o homem adúltero. Seus
legítimos representantes estavam todos aí, hipocritamente
apontando o dedo e preparando as pedras... Um adúltero a mais ou a
menos não fazia diferença. A representação era bem consistente.
Estavam todos aí, em peso.
Alguém pode pensar que estejamos exagerando. Mas trata-se de
uma possibilidade forte quando estamos diante de pessoas
extremamente moralistas e legalistas, cujo bordão é sempre o
pecado. Desconfiar não faz mal. É possível, portanto, que a
montagem do flagrante fosse movida pela busca mórbida de
adultério. E, quem sabe, inconscientemente tivessem deixado o
homem escapar, pois era isso que desejavam para si.
Além disso, é bom recordar o que Jesus disse no Evangelho de
Mateus (5,27-28): "Vocês ouviram o que foi dito: 'Não cometa
adultério'. Eu, porém, lhes digo: todo aquele que olha para uma
mulher e deseja possuí-la, já cometeu adultério com ela no
coração". A essas alturas, devemos agradecer a Jesus e à mulher por
terem revelado todas as nossas fraquezas, por nos terem recordado
que, de uma forma ou de outra, somos todos adúlteros e todos
precisamos, igualmente, de perdão. Essa mulher, sem querer, levou
todos os adúlteros a Jesus. Cabe a eles reconhecer e pedir perdão.
Triste constatação: para cada adúltera há numerosos adúlteros; para
cada prostituta há prostitutos sem conta.
A frase de Jesus "Quem de vocês não tiver pecado" pode, contudo,
ter um foco mais aberto. Pode ser que não se trate de pecado em
sentido de adultério. Isso, contudo, não alivia a situação, pelo
contrário. No Evangelho de João, pecado (no singular) é a raiz
principal que sustenta a vida dos fariseus, a ponto de Jesus lhes
dizer: "Se vocês fossem cegos, não teriam nenhum pecado. Mas
como vocês dizem: 'Nós vemos', o pecado de vocês permanece"
(9,41).
A frase é o encerramento do episódio em que Jesus curou o cego de
nascença. Quem era cego fisicamente passa a enxergar e
testemunhar; quem garantia "ver" acaba sendo declarado cego por
Jesus, uma cegueira tal que conserva um pecado permanente. O
próprio Jesus nada pode fazer para esse tipo de pessoas com essa
cegueira. E não podemos desculpar-nos diante disso, pois se pecado
é negação da Vida que se manifesta em Jesus, todos de alguma
forma temos rabo preso com essa negação. Também quando
apontamos o dedo. Se deixássemos de apontar, como os fariseus e
doutores da Lei, o dedo acusador, largássemos as pedras e nos
67
dispuséssemos a escutar o que Jesus tem a dizer à adúltera e aos
adúlteros, certamente não sairíamos daí envergonhados, mas
reconciliados e na paz.
Também nisso a adúltera tem a nos ensinar. Ela, de fato, é mestra. É
bom recordar um detalhe típico daquele tempo. Os professores
normalmente ensinavam de pé, tendo os alunos ao redor, sentados.
A cena da adúltera lembra um pouco isso. Posta no centro da roda
como mestra da infidelidade torna-se mestra da graça e do perdão.
Pena que os "impecáveis" fariseus não ficaram aí para ouvir a
conclusão do episódio, o ensinamento de Jesus.
Jesus era o único que podia condenar, mas não o fez. Assim
desautorizou toda condenação, pois todos temos uma dívida grande,
um telhado de vidro. Perdoou e ensinou a adúltera a reencontrar o
caminho. De alguma forma ela se tornou missionária e continuadora
do ensinamento prático de Jesus. Este transformou a lei que
mandava apedrejar numa recomendação de vida: “Eu também não a
condeno. Pode ir, e não peque mais”.
2ª PARTE - A ATUALIDADE FEMININA
1 - AS MULHERES NA ATUALIDADE
Apesar da Declaração Universal dos Direitos do Homem[10] falar na
igualdade entre homens e mulheres, o mesmo fazendo a legislação dos
países civilizados, a realidade é a posição de inferioridade das mulheres.
A própria utilização da expressão homem para designar o gênero
humano denota esse tratamento diferenciado.
Na França, país onde as mulheres já ocupam muitas posições de
relevo, ainda se utilizam substantivos masculinos para designar
determinados profissionais, por exemplo, juge, professeur, auditeur de
justice etc., independente do sexo desses profissionais, com muitas
queixas das mulheres.
A mão-de-obra feminina normalmente é recrutada para funções
subordinadas, portanto de baixa remuneração.
Se se consultam as mulheres sobre as poucas benesses que as leis
lhes outorgam, a esmagadora maioria se diz insatisfeita com o atual estado
de coisas e pretendem a igualdade irrestrita em relação aos homens.
Dois países se destacam mundialmente pelo prestígio das mulheres
na vida pública: a Suécia e a Finlândia.
O ALMANAQUE ABRIL MUNDO informa que:
68
Em fevereiro de 2000, as eleições presidenciais são vencidas por
Tarja Halonen (SDP), primeira mulher a ocupar o cargo no país (Finlândia).
Trocas no ministério (Suécia), em setembro de 1999, fazem com que
o país passe a ter pela primeira vez maioria feminina no governo: 11 dos
20 ministros são mulheres.
A Embaixada da Finlândia no Brasil orgulha-se de informar, através
de http://www.finlandia.org.br/portext/mulher.htm:
AS MULHERES FINLANDESAS, ADIANTE NA IGUALDADE ENTRE OS
SEXOS
A mulher finlandesa foi a primeira no mundo a obter em 1906 a
elegibilidade nas eleições parlamentares. Com a mesma reforma
eleitoral ela também virou a primeira na Europa a obter o sufrágio
universal. Naquela altura, só a Nova Zelândia aplicava sufrágio
universal para mulheres, mesmo sem elegibilidade. Já nas primeiras
eleições foram eleitas 19 mulheres, que constituíram quase 10% dos
200 deputados. O avanço não perde a importância pelo fato de que a
legislatura foi a de um país autônomo, cujo Poder Executivo era
subordinado ao Imperador russo.
Os princípios da reforma eleitoral de 1906, onde foi suprimida a
antiga Assembléia das quatro classes, continuam sendo válidos para
a execução de eleições até hoje. As finlandesas já estão
acostumadas a votar para mulheres e a percentagem de mulheres
eleitas nas legislaturas mais recentes tem sido aproximadamente
35-40%, um número que de vez em quando tem sido suficiente para
a liderança mundial, de vez em quando perdendo um pouco para
algum outro país nórdico.
As mulheres finlandesas obtiveram os plenos poderes políticos numa
sociedade ainda com muitos laços patriarcais. Todavia, já em 1864,
tinha sido promulgada a primeira das leis destinadas a eliminar a
tutela da mulher. Uma mulher com 25 anos completados foi
autorizada a tratar das suas coisas livre da tutela. A mulher casada
tornou-se livre da tutela do seu marido em 1929.
Na sociedade agrária daquela época, nas rigorosas condições de
natureza da Finlândia, os trabalhos da agricultura tinham que ser
feitos quando o tempo permitiu. Na altura própria, a família toda
saiu para o campo. A idéia de uma mulher que não trabalha não
tinha na Finlândia uma base favorável. Já em 1910 quase um terço
dos trabalhadores da indústria e do ofício eram mulheres. Depois da
Segunda Guerra Mundial, a parte das mulheres, particularmente
também a das casadas, tem aumentado consideravelmente nos
mercados de trabalho. Na Finlândia de hoje, o número das mulheres
que não participam na vida laboral é minúsculo. As mulheres
trabalham principalmente a tempo inteiro, e não largam o seu
trabalho quando se casam e têm filhos.
De acordo com a atual lei, cada mulher com emprego tem direito a
uma licença de nove meses durante a período de maternidade.
Durante a licença recebe parte do seu salário mais um subsídio
69
diário pago pela Caixa de Previdência. Parte da licença pode ser
transferida ao pai. A lei obriga as prefeituras a arranjarem para as
crianças na idade pré-escolar um lugar de assistência diurna. A mãe
de uma criança com menos de três anos pode também, se quiser,
deixar o trabalho com um subsídio para assistência da criança em
casa. O patrão é obrigado a conceder a ela esta assistência maternal.
As moças de hoje entram no mercado de trabalho com a vantagem
de ser melhor formadas do que seus concorrentes masculinos. No
ano 1992, 59% dos graduados pelas instituições vocacionais foram
mulheres, e dos graduados pelas universidades as mulheres
constituíram 55%. Este fato junto com a alta participação no
mercado de trabalho ainda não resultou numa igualdade nem para a
ocupação dos cargos de gerência ou administração superior, nem
para o nível dos salários em geral. Para melhorar a participação das
mulheres na execução de poder uma nova lei obriga todos os órgãos
públicos a nomear um mínimo de 40% de ambos os sexos para todos
os conselhos e grupos de trabalho da administração pública.
Nos anos 90 ficou óbvio que as mulheres ja vêm penetrando também
nas faixas superiores da sociedade: foram nomeadas mulheres para
ocupar cargos como Diretora do Banco Central, Ministra das
Relações Exteriores e Presidente do Congresso. Sem colegas no
mundo inteiro a Ministra das Forças Armadas, Sra. Anneli Taina, já é
a sucessora de outra mulher: Sra. Elisabeth Rehn, que durante a sua
ocupação do mesmo cargo em 1994 quase chegou a conquistar o
cargo de Presidente da República perdendo no segundo turno só com
47% contra 53% para seu concorrente masculino.
1995 foi um ano importante para a causa feminina, pois naquele ano
ocorreu a IV Conferência Mundial sobre a Mulher:
Ninguém fica indiferente ao deparar-se com a palavra China. Esse
país de cultura milenar, com mais de 9 milhões e meio de
quilômetros quadrados, detona em nossos cérebros e corações
imagens e alegorias abundantes. Surgem dragões, mandarins,
lanternas vermelhas, enguias, papiros, arrozais, surgem livros em
que lemos que os chineses inventaram a pólvora e o macarrão.
Surgem imagens de Mao, da Praça da Paz Celestial sangrando, da
enorme muralha e de milhões de bicicletas.
Pois foi na capital da China, Pequim, que teve lugar a IV Conferência
Mundial sobre a Mulher. O ano era 1995, o mês era setembro, os
dias foram de 4 a 15. No evento, compareceram delegadas e
delegados governamentais de 184 países e cerca de 5 mil
organizações não governamentais (ONGs).
Paralelamente à Conferência – e como parte do mesmo processo –
aconteceu o Fórum Mundial de ONGs em Huairou, a 60 km de
Pequim. Participaram do Fórum em torno de 30 mil mulheres de
todas as etnias, nacionalidades e representações sociais.
Não pensem que as participantes estavam inventando a roda, o que
ocorreu em Pequim e Huairou foi a culminação de um longo caminho
de lutas e intensa preparação nos níveis nacional, regional e
70
mundial. Os destaques desse processo foram as Conferências
Regionais dos Governos e os Fóruns Regionais de ONGs, realizados
em cada continente.
O objetivo de reunir tantos governos e mulheres dos quatro cantos
do mundo foi elaborar um programa mundial de eqüidade, orientado
para proteger os direitos humanos das mulheres.
Como resultado da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, dois
acordos foram firmados pelos 184 países presentes: a Declaração de
Pequim e a Plataforma de Ação.
Declaração de Pequim – Em síntese, a Declaração manifesta o
reconhecimento dos governos – independentemente de seus matizes
ideológicos, culturais e religiosos – de que a situação das mulheres
experimentou avanços importantes, mas que persistem as
desigualdades de oportunidades e direitos entre homens e mulheres,
o que constitui um grande obstáculo para o bem-estar dos povos. Os
governos comprometeram-se a combater as discriminações e
desigualdades, aceitando que os direitos das mulheres são direitos
humanos consagrados internacionalmente.
Plataforma de Ação - O documento final da IV Conferência Mundial
sobre a Mulher, assinado por todos os países participantes, contém
um conjunto de medidas que buscam eliminar os obstáculos que
impedem a plena cidadania das mulheres e, por extensão, sua ativa
participação nas vidas pública e privada. A Plataforma identificou
doze áreas críticas impedidoras do avanço e empoderamento das
mulheres. Essas áreas são as seguintes:
A. Pobreza - que afeta de forma desigual mulheres e homens.
B. Educação e Capacitação discriminar meninas e mulheres.
que
devem
ser
exercidas
sem
C. Saúde - que deve garantir o direito das mulheres ao controle
reprodutivo
e
sexual,
sem
discriminação
nem
violência.
D. Violência - que deve ser duramente combatida e condenada pelo
Estado e pela sociedade.
E. Conflitos armados - mulheres e meninas devem ser fortemente
protegidas, uma vez que são as mais afetadas pelas guerras e pelo
terrorismo.
F. Economia - deve haver remuneração igual por trabalho igual entre
homens e mulheres e criação de ações afirmativas que permitam o
real acesso das mulheres à renda.
G. Exercício do Poder - devem ser criados mecanismos que
favoreçam a igualdade de participação das mulheres nas decisões
políticas, diminuindo, assim, o atual desequilíbrio nas relações de
poder.
71
H. Mecanismos Institucionais para a Eqüidade - que entre as várias
medidas possíveis esteja a da integração de perspectivas de gênero
nas políticas públicas.
I. Direitos humanos - que os direitos humanos de mulheres e
meninas sejam parte integrante dos direitos humanos universais e,
portanto, em todos os principais instrumentos internacionais de
direitos humanos fica vetada a discriminação de gênero por parte
dos Estados.
J. Meios de comunicação - que seja monitorada a imagem da mulher
na mídia e desencorajada a inserção da mulher como objeto sexual e
de consumo.
K. Meio ambiente - que se criem mecanismos para a maior
participação da mulher nas decisões relativas a questões de meio
ambiente e desenvolvimento sustentável.
L. A menina - Que sejam combatidas e condenadas quaisquer formas
de abuso contra meninas e jovens mulheres, com ênfase em uma
educação não discriminatória.
A Plataforma de Ação Mundial também estabeleceu a necessidade da
Assembléia Geral da ONU medir os progressos alcançados no tocante
à sua realização e, portanto, ficaram acordadas avaliações para os
anos de 1996, 1998 e 2000.
No encerramento da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, ficou
muito claro que para a aplicação da Plataforma de Ação são
necessários o comprometimento efetivo dos governos, das Nações
Unidas e das ONGs. E que todas essas formas de organização
precisam incorporar a perspectiva de gênero em seus programas e
políticas.
E cabe a nós, organizadas ou não, fazer com que a Plataforma de
Ação Mundial seja de fato, e não de ficção, um Instrumento de Ação,
isto é, que seja um verdadeiro negócio da China para mulheres e
meninas do mundo todo.
(Fonte: Plataforma Pequim 95: Um Instrumento de Ação para as
Mulheres,
produção
da
Isis
internacional
www.undp.org.br/unifem/mariamaria/ ano2_n2/Pequim/
1995umnegociodachina.rtf)
1.1 - FEMINISMO
A Enciclopédia Brasileira fala no feminismo http://geocities.yahoo.com.br/vinicrashbr/historia/geral/feminismo.htm:
Movimento sociopolítico que luta pela defesa e ampliação dos
direitos da mulher. Surge na primeira metade do século XIX, na
Inglaterra e nos EUA, com o objetivo principal de conquistar direitos
72
civis, como o voto e o acesso ao ensino superior. Ressurge na
década de 60, nos EUA, com reivindicações mais amplas, como o
direito à sexualidade e à igualdade com os homens no mercado de
trabalho.
Para o feminismo, as diferenças entre os sexos não se podem
traduzir em relações de subordinação na vida social, profissional ou
familiar. O movimento procura reforçar a identidade sexual feminina
negando a relação de hierarquia entre o homem e a mulher.
Defende, ainda, que as qualidades ditas femininas ou masculinas
sejam vistas como atributos do indivíduo e não de um ou outro sexo.
Ocupa-se de questões como sexualidade, controle da natalidade e
violência contra mulheres. Embora tenha alcance internacional, o
movimento feminista não é unificado nem possui uma organização
central. Caracteriza-se pela auto-organização das mulheres em
múltiplas frentes. Seus métodos de atuação variam: desde grupos de
pressão política até grandes manifestações públicas.
Conferência de Pequim – De 4 a 15 de setembro de 1995,
representantes de 180 países reúnem-se na China num encontro
promovido pela ONU para tratar das questões femininas. Aprovado
por consenso, o documento final da conferência afirma que as
mulheres são as principais vítimas da pobreza e denuncia que
estupros sistemáticos estão sendo usados como tática de guerra.
Entre os abusos contra as mulheres, também são denunciados no
documento o casamento forçado, a exploração sexual, a circuncisão
feminina, a seleção pré-natal por sexo e a violência doméstica. O
texto sugere aos governos a revisão das leis que prevêem punições
às mulheres que fazem abortos ilegais e inclui, entre os direitos
femininos, o de decidir sobre temas ligados à sua sexualidade.
Feminismo no Brasil – No Brasil, a luta das mulheres pelo voto dura
22 anos. Começa em 1910, com a fundação do Partido Republicano
Feminino, no Rio de Janeiro, e termina em 1932, quando o
presidente Getúlio Vargas promulga por decreto-lei o direito das
mulheres de votar e ser votadas. Nos anos 60 e 70, o feminismo
acompanha a luta pela volta da democracia ao país. São criados o
Movimento Feminino pela Anistia e o Centro da Mulher Brasileira, e
aparecem jornais como Brasil-Mulher e Nós Mulheres. A partir da
década de 80, grupos feministas espalham-se pelo país. Ligado ao
Ministério da Justiça, em 1985 é fundado o Conselho Nacional da
Condição Feminina.
LEIB SOIBELMAN informa a respeito do feminismo:
Movimento originário do século XVIII que reivindica para as
mulheres os mesmos direitos sociais e políticos que tem os homens.
Teria surgido primeiro na França, por ocasião da Grande Revolução
(1789), ou nos Estados Unidos com a publicação da obra "Vindicação
dos direitos das mulheres" de Mary Wollstonecraft, em 1792. Houve
época em que o movimento reivindicava principalmente o direito de
voto para as mulheres (sufragistas) e depois passou a ser
confundido com a própria revolução sexual. Modernamente não se
limita mais a obter a igualdade jurídica entre homens e mulheres,
pretende também a igualdade econômica e a eliminação da
73
supremacia masculina na família e fora dela, e a igualdade sexual.
Stuart Mill escreveu sobre a "Sujeição da Mulher" em 1869,
defendendo a igualdade jurídica dos seres humanos, e Ruskin em
1864 proferiu uma conferência depois publicada em 1865 sob o
título de "Jardim das Rainhas", em que assume uma posição
moderada, ou conservadora. Grande foi a contribuição de Engels,
com a sua famosa obra "Origem da Família, da Propriedade Privada
e do Estado" (1884), onde desmonta a tese da eternidade da família
patriarcal, mostrando que a sujeição da mulher é um efeito da luta
de classes através da história e que a família deixará de ser a
unidade econômica da sociedade no dia em que os meios de
produção passarem a ser de todos. B. - Kate Millet, La politique du
mâle. Stock ed. Paris, 1971.
DANIELA AUAD (2003:14) esclarece:
... o objetivo maior do feminismo é liberar tanto as mulheres quanto
os homens para uma vida autêntica e consciente. [...] o feminismo
busca que mulheres e homens compartilhem o poder na sociedade, e
não que o poder seja apenas das nulheres.
LEIB SOIBELMAN fala da revolução sexual:
Nome que se dá ao movimento destinado a eliminar os tabus sexuais
em
matéria
de
homossexualismo,
relações
extraconjugais,
prostituição, vida sexual do adolescente. Tem por objetivo
estabelecer um princípio de tolerância e de liberdade total em
matéria sexual, bem como destruir o patriarcalismo da família
tradicional, libertando a mulher da submissão ao homem. Acreditam
seus partidários que dando à mulher uma situação econômica de
plena independência, eliminam também a submissão sexual e a
moral dupla que hipocritamente seria mantida até hoje pela
sociedade burguesa, admitindo para a conduta masculina o que não
se permite para a conduta feminina, situação contraditória que não
mais pode continuar do momento em que haja uma igualdade
sexual. Há partidários dessa revolução sexual que pretendem até
que as mulheres é que decidirão das futuras revoluções, aliando a
sua sorte com a dos estudantes, negros, e pobres de todo o mundo,
de modo a que elas farão a maior revolução social da história,
libertando assim toda a humanidade das formas de opressão. Muito
já se escreveu sobre o assunto, e não há uma uniformidade de vistas
sobre os objetivos a serem atingidos pelo movimento. B. - Kate
Millet, La politique du mâle. Stock ed. Paris, 1971.
Tendo permanecido até há pouco tempo limitadas coercitivamente a
um ambiente restrito, com a liberdade coarctada, não é de se estranhar
que, surgindo um espaço maior de atuação, as mulheres queiram avançar
até onde consigam.
Eventuais exageros na área da sexualidade podem, ao invés de
contribuir para valorizar as mulheres, reeditar, com outros contornos, o
incidente do "julgamento" a que se refere o evangelista João, sem nenhum
benefício real para a causa feminina.
74
1.2 - IGUALDADE
Se, por um lado, o fato dos homens ocuparem as posições de
comando ser quase regra geral, o oposto, ou seja, inverter-se essa
situação em favor das mulheres também seria prejudicial.
O ideal é a igualdade absoluta entre homens e mulheres tanto nas
posições de comando como nas demais.
Alcançar essa meta daqui a menos tempo depende de investir-se
mais esforço nessa luta, merecendo aproveitar-se a oportunidade da 49ª
Sessão da Comissão Sobre a Situação das Mulheres, que ocorrerá de 28 de
fevereiro a 11 de março de 2005, em Beijing, como se noticia abaixo:
(http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=14682)
Plataforma da ONU que trata sobre direitos das mulheres será
avaliada
Adital - Após 10 anos de existência a Plataforma de Ação, proposta
pela Onu, assinada em Beijing, em 1995, que trata, basicamente dos
avanços dos direitos das mulheres, será colocada em avaliação por
organizações e entidades de vários países. A 49ª Sessão da
Comissão Sobre a Situação das Mulheres irá se reunir de 28 de
fevereiro a 11 de março do próximo ano, em Beijing, China, e as
entidades interessadas nas discussões já podem encaminhar suas
inscrições.
Organizações não governamentais que estejam credenciadas e em
situação regular com o conselho econômico e social da Organização
das Nações Unidas podem designar representantes para a sessão. As
organizações não governamentais que não têm status consultivo,
mas foram credenciadas para Beijing e Beijing +5 também podem
assistir à 49ª Sessão em caráter excepcional.
As ONGs mencionadas devem apresentar à divisão para o Avanço
das Mulheres (Advancement of Women) o formulário com a lista de
representantes impreterivelmente até 31 de dezembro de 2004.
Os
registros
podem
www.um.org/womenwatch/daw
ser
feitos
no
site
As ONGs que estejam interessadas em enviar uma declaração podem
fazê-lo até 15 de janeiro de 2005.
Deve ser levado em conta que as declarações estarão sendo
processadas em grande quantidade e que isso precisa ser feito antes
do inicio da Sessão para que sejam elaboradas como documentos
oficiais das Nações Unidas.
As declarações devem ser enviadas diretamente à Vivian PlinerJosephs na Secretaria (Room S-295OE, Nações Unidas, Nova York,
Nova York 10017).
75
Num conceito muito amplo, o objetivo da Plataforma é consagrar o
compromisso da comunidade internacional em prol do avanço dos
direitos das mulheres, propiciando mudanças de valores ou atitudes
e práticas profundamente arraigadas que perpetuam a desigualdade
e discriminação contra a mulher, tanto na esfera pública quanto na
privada.
A decisão de avaliar os parâmetros dessa plataforma foi tomada na
23º sessão da assembléia geral das Nações Unidas, em 2000, pelos
países membros. Tal avaliação aconteceria, então, em 2005 e
contaria os progressos ou não da iniciativa internacional.
A Comissão vai considerar dois temas para discussão. Além da
avaliação, o outro ponto será os desafios atuais e estratégias para o
avanço do empoderamento das mulheres e jovens.
Duas autoras a mais merecem ser lembradas, para finalisar nosso
estudo:
ÁUREA TOMATIS PETERSEN (2001:20-21) fala sobre as relações de
gênero nos anos recentes:
Nas últimas décadas, a situação social da mulher brasileira parece
ter se alterado, consideravelmente. Hoje, é elevado o percentual de
mulheres que estão no mercado de trabalho (em torno de 40%) e
também é significativo o número das que fazem sucesso em
carreiras que, até bem pouco tempo, eram quase que
exclusivamente
masculinas,
como,
por
exemplo,
medicina,
engenharia,
direito,
economia,
administração,
informática,
jornalismo.
Já não é tão raro uma mulher ascender a um posto de grande
prestígio na sociedade. Vejam-se as reitoras, recentemente
empossadas em várias universidades do Rio Grande do Sul (na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Wrana Panizzi, na
Universidade Federal de Pelotas, Inguelore Scheunemann e na
Universidade de Cruz Alta, Lúcia Maria Baiocchi do Amaral), e a
escolha da primeira mulher Desembargadora do Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul, Maria Berenice Dias.
Também cresce a população feminina com formação universitária,
superando os dados registrados entre os homens - 52,3% contra
47,7% . Nos próximos anos, estima-se que esse percentual
aumentará, significativamente, visto que, hoje, 64% da população
universitária é composta de mulheres.
Saliente-se que as mudanças que vêm ocorrendo, na sociedade civil
brasileira, determinaram que a Constituição de 1988 introduzisse
alterações importantes quanto à relação entre homens e mulheres.
No que se refere a esse tema, a Constituição preocupou-se,
fundamentalmente, com a questão da isonomia, a qual introduziu a
igualdade como princípio geral. Todos foram considerados iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Os direitos
decorrentes da sociedade conjugal passaram a ser igualmente
reconhecidos para homens e mulheres, sendo definido que a chefia
76
familiar deve ser compartilhada entre ambos os cônjuges. Também
foram proibidas diferenças de salários, de exercício de profissão e de
critérios de admissão ao trabalho por motivo de sexo.
Ainda devem ser destacados alguns avanços decorrentes de
compromissos assumidos na IV Conferência Internacional da
Mulher, promovida pela ONU e realizada em Beijing. Nessa
Conferência, esteve muito presente a preocupação em romper,
radicalmente, com a herança cultural de desigualdade entre
homens e mulheres, historicamente construída.
Após a Conferência de Beijing, mulheres parlamentares brasileiras,
respaldadas em acordos assinados nessa oportunidade, conseguiram
aprovar
emenda
à
legislação
eleitoral
que
assegurou
a
obrigatoriedade da cota mínima de 20% de mulheres candidatas
para os cargos legislativos nas eleições municipais de 1996. Isso
permitiu que mais de 100 mil mulheres disputassem a eleição e que
inúmeras fossem eleitas.
E, nas páginas 22-26, aborda os limites dos avanços:
Não podemos superestimar, entretanto, a profundidade dos avanços
ocorridos, nem tampouco acreditar que a igualdade entre homens e
mulheres, finalmente, foi alcançada. Sem dúvida, houve um
significativo avanço para o gênero feminino, o que pode ser
constatado no crescimento das oportunidades de educação, na
ampliação de espaços no mercado de trabalho, em modificações no
âmbito constitucional e jurídico, assim como na ampliação do espaço
político das mulheres. Porém, essas mudanças ainda não foram
suficientes para superar a desigualdade e a opressão das mulheres
construídas ao longo da história.
No mercado de trabalho, apesar do crescimento havido, o gênero
feminino ainda está sub-representado, pois as mulheres (51% da
população brasileira) possuem somente 40% dos empregos,
enquanto os homens (49%) detêm 60% dos lugares.
Além disso, as ocupações destinadas ao sexo feminino não são as de
maior prestígio, nem as de melhor remuneração. As mulheres foram
incorporadas profissionalmente a funções definidas como femininas,
caracterizadas
pela
prestação
de
serviços
a
outrem
e,
conseqüentemente, menos remuneradas.
De acordo com o Censo de 1980, as principais profissões femininas
eram:
empregadas
domésticas
(20%),
secretárias
(15%),
professoras (8%), comerciarias (4,5%) e enfermeiras (2,5%). Essas
profissões dispõem de baixo prestígio e são precariamente
remuneradas. Veja-se o exemplo do magistério primário, onde 90%
dos 1,5 milhão de profissionais são do sexo feminino. Essa profissão
gozou de certo prestígio e foi relativamente bem remunerada, no
século passado, quando era exercida, predominantemente, por
homens. Hoje, quando predominam as mulheres, o magistério
primário deixou de ser uma profissão prestigiada, e o salário pago
aos profissionais tornou-se extremamente reduzido.
77
Essa constatação permite entender a afirmação de Margaret Mead,
que segue: o homem pode cozinhar, tecer, vestir bonecas ou caçar
colibris, mas se tais atividades são apropriadas ao homem, então
toda a sociedade, tanto homens como mulheres, as considera
importantes. Por outro lado, quando exercidas pelas mulheres, são
consideradas menos importantes (MEAD apud ROSALDO, 1979, p.
15).
Comparando-se os salários pagos a homens e mulheres, percebe-se
que, embora a Constituição de 1988 tenha estabelecido a igualdade
como princípio e vedado distinções de qualquer natureza, do que
decorre que homens e mulheres devem ganhar o mesmo salário
quando ocupam cargos iguais, ainda, os postos de maior
remuneração permanecem concentrados em mãos masculinas. A
trabalhadora ganha atualmente, em média, um salário equivalente a
76% do salário dos homens.
O fato de as mulheres ganharem menos explica por que hoje,
quando o País vive uma profunda crise econômica, estão abrindo-se
espaços no mercado de trabalho para as mulheres, especialmente
para as que têm formação universitária. Convém admitir mulheres
com essa formação porque, enquanto 28% dos homens com curso
superior completo ganham mais de vinte salários mínimos, apenas
7% das mulheres, na mesma situação, chegam a esse patamar
salarial.
José Roberto de Toledo, em artigo na Folha de São Paulo, faz
afirmações que complementam o que foi dito:
As mulheres com nível superior passaram a ser o objeto do desejo
do mercado de trabalho. Nos primeiros cinco; meses do ano, as
admissões/oram 86% maiores do que as demissões de
trabalhadoras com esse perfil, em todo o país. No mesmo período, as
contratações de homens que completaram a faculdade foi apenas
37% maior do que as demissões. Quem concluir que isso significa
diminuição do machismo nas empresas estará enganado. Não se
trata de diminuição de desigualdades, mas o contrário: as empresas
têm preferido contratar trabalhadoras qualificadas
porque elas
ganham dois terços do que recebem os homens. Em São Paulo, o
salário médio de admissão das mulheres com nível superior é 66%
do de um homem com a mesma escolaridade (TOLEDO, FSP,
26/10/96, cad. 2, p. l).
É evidente que a situação até aqui descrita não se limita ao Brasil.
Dados estatísticos contidos no Relatório de 1995 do Programa para
o Desenvolvimento das Nações Unidas (PDNU) corroboram a clara
distinção entre trabalhadores do sexo feminino e masculino.
Segundo esse relatório, as mulheres são hoje responsáveis por 70%
das horas trabalhadas em todo o mundo (evidentemente aí está
incluído o trabalho assalariado e o não pago, como é o caso das
chamadas lides domésticas), mas, em contrapartida, detêm tãosomente 10% da renda mundial. Ainda, o referido relatório indica
que 70% de 1,3 bilhão de pessoas que vivem abaixo da pobreza
absoluta e dois terços dos analfabetos do mundo são mulheres.
Também é dito que, se as mulheres recebessem pelo trabalho
78
doméstico não-pago, circulariam no mundo mais de 13 trilhões de
dólares. Em resumo, as mulheres trabalham muito mais e ganham
muito menos.
De acordo com a advogada Leila Unhares Barsted, diretora da ONG
Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (CEPIA), se fossem
somadas e pagas todas as profissionais contidas numa dona-decasa, o custo seria muito alto. Por outro lado, é mais barato para o
Estado e empresários que a mulher trabalhe em casa, pois assim não
é preciso fazer creches, hospitais e serviços de atendimento aos
idosos. Para Barsted, na verdade, as mulheres são a grande
previdência social privada e gratuita (Cadernos Terceiro Mundo, n°
194, p.7).
Os dados do Relatório das Nações Unidas, referentes ao Brasil,
reforçam a idéia de que, embora tendo havido avanços, a
desigualdade permanece, pois o País situa-se no 53° lugar no índice
mundial de igualdade entre gêneros. Comparado com os demais
países da América do Sul, o Brasil está em 6° lugar (antes estão o
Uruguai, a Argentina, a Venezuela, o Chile e a Colômbia).
Outra variável que comprova a desigualdade de gênero refere-se ao
acesso aos cargos de mando no local de trabalho. Cabe salientar
que, apesar de ter sido ampliado o espaço feminino no mundo do
trabalho, isso não teve grande ressonância na esfera dos cargos de
chefia das empresas brasileiras. De acordo com Andréa Puppim
(1994), verifica-se uma notável sub-representação de mulheres nos
quadros de comando: conforme dados de 1991, nos 300 maiores
grupos privados nacionais, somente 3,47% de mulheres ocupam
cargos executivos de topo. O percentual cai para 0,94%, se
consideradas as 40 maiores estatais brasileiras, e reduz-se para
0,48% entre as 40 maiores corporações estrangeiras (p.13).
Com respeito a esse ponto, é interessante fazer aqui referência ao
livro de Yara Fontana, intitulado Como fritar as Josefinas,
recentemente lançado. A autora, que é neta do fundador do Grupo
Sadia - Attílio Fontana -, trabalhou durante 11 anos na empresa e,
em seu livro, faz duras críticas ao que ela denominou de caráter
machista da administração da Sadia. Segundo ela:
A lei das sociedades anônimas estabelece que quem possui 10% das
ações tem direito a assento no Conselho de administração. Mas a lei
das empresas familiares é outra: quem tem 10% das ações tem
direito a assento no conselho desde que não seja mulher; e homem
senta até com 0,5% (Folha de São Paulo, 13/05/96, cad. 2, p. 6).
Se esse tipo de discriminação verifica-se entre mulheres acionistas
de empresas, não se pode esperar que mulheres, em geral, sejam
por elas tratadas de maneira diferente.
Um outro exemplo ilustra a utilização de critérios discriminatórios
no ato de seleção, nas empresas privadas. Carmem Barroso, em
depoimento à revista Veja, conta que, há vinte anos, formada em
pedagogia, fez um curso de computação na IBM. Eram cinqüenta
homens e apenas ela de mulher. Como foi uma das melhores alunas
79
da turma, achou que, facilmente, iria empregar-se na emergente
área de informática. Foi à empresa Systems, em São Paulo,
candidatar-se a uma vaga. Ouviu do diretor a seguinte frase: Olha,
na minha/irmã não trabalha mulher. Trabalha só essa secretária que
é velha e não cria casos (Veja, ago/set, 1994, p.36/7).
Andréia Puppim, anteriormente citada, tomando como base os dados
do Relatório Anual de Informações Sociais de 1988 (RAIS), refere-se
a uma importante exceção, na questão do mercado de trabalho
masculino/feminino
que,
em
última
análise,
comprova
a
discriminação da mulher. Diz ela que há uma elevada concentração
de mulheres em altos cargos do funcionalismo público (federal,
estadual, municipal). A autora explica essa exceção, chamando a
atenção para o fato de que a via de ingresso predominante nesse
setor é o concurso público, o que limita as potencialidades de ação
de critérios discriminatórios de gênero no ato de seleção de pessoal
(p. l4).
No campo político, a situação da mulher não é diferente,
especialmente porque a cultura política brasileira enfatiza que
política é coisa de homem, desestimulando a participação feminina.
Não resta dúvida de que houve avanços, também, nesse setor nos
últimos anos. Entretanto, as desigualdades ainda são muito
marcantes. Dados estatísticos evidenciam que, embora as mulheres
sejam mais de 50% do eleitorado, estão sub-representadas no
Congresso Nacional, pois, das 81 cadeiras no Senado, apenas seis
são ocupadas por mulheres e das 513 da Câmara Federal, somente
34 pertencem às mulheres. A representação feminina no Legislativo
Federal, portanto, é de 6%, o que significa que os outros 50% da
população - os homens - detêm 94% da representação política.
E, encerrando seu texto, traz suas considerações finais (p. 27):
Se, no limiar do século XXI, ainda é essa a situação da mulher, cabe
a interrogação: Mas, afinal, por que isso ocorre? O que terá
motivado a situação acima descrita? Elizabete Souza Lobo, uma das
autoras do livro O sexo do trabalho (1986), pergunta: O trabalho
tem sexo? Essa é uma pergunta absurda? É discussão do sexo dos
anjos? A própria autora responde:
Todos (as) sabemos que não é a mesma coisa ser mulher ou homem
dentro de uma fábrica, num sindicato, ou simplesmente dentro de
nossas casas. Vive-se no masculino ou no feminino [...] mecanismos
quase invisíveis tecem as relações entre mulheres e homens na vida
quotidiana [...] Estes fios sutis e às vezes imperceptíveis fazem com
que tarefas, salários, qualificações e práticas sindicais sejam ao
mesmo tempo articuladas e diferentes [...] Trabalho masculino é
diferente de trabalho feminino, salário masculino é diferente de
salário feminino.
Trabalhador não é igual a trabalhadora. O trabalho também tem
sexo.
Se assim é, cabe refazer a pergunta de Simone Beauvoir: Afinal,
como tudo isso começou? Na verdade, tudo começou há muito
80
tempo e é constantemente reforçado, estando muito presente na
cabeça dos homens e também das mulheres.
Sem a menor dúvida, ser mulher e ser homem são categorias
socialmente construídas e resultam de uma intrincada rede de
significações. Conforme disse Simone de Beauvoir: Não se nasce
mulher, torna-se...
MARILENE SILVEIRA GUIMARÃES (2001:29-37) trata da igualdade
jurídica da mulher:
A igualdade é um desejo universal, um valor jurídico e uma
conquista individual.
A lei de Manu estabelecia: "A mulher, durante a sua infância,
depende de seu pai, durante a mocidade, de seu marido, em
morrendo o marido, de seus filhos, se não tem filhos, dos parentes
próximos de seu marido, porque a mulher nunca deve governar-se à
sua vontade".
Desde Aristóteles, são apregoados os direitos à igualdade entre
todos os seres humanos. Com a Revolução Francesa, foi estabelecida
a igualdade formal, ou seja, um direito à igualdade hipotético,
genérico, mas de difícil efetividade, que, constando da Declaração
dos Direitos do Homem, estabeleceu a igualdade como um princípio.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem aprovada pela ONU
em 1948, e todas as declarações, tratados e convenções
internacionais ocorridas após aquele documento até a Conferência
de Pequim em 1995 passaram a alterar princípios e conceitos
declarando sempre a imposição ético-ideológica de garantia da
igualdade entre todos, tentando mudar a herança cultural da
submissão da mulher ao homem e conseqüente efetivação da
igualdade jurídica.
Entre nós, foi a primeira Constituição do Império que inaugurou a
garantia formal de igualdade. A Constituição de 1824 estabelecia
que "a lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue,...." . A
igualdade formal foi mantida nas demais Cartas Magnas, tendo o
direito ao voto da mulher sido concedido apenas em 1932. A nova
Constituição
Federal
de
1988
por
duas
vezes
garante,
expressamente, o princípio da isonomia: primeiramente nos Direitos
Fundamentais do Homem, ao estabelecer que "Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza", e adiante,
especificando para não restar qualquer dúvida, reafirma que
"homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos
desta Constituição" e, no capítulo da família, reforça "os direitos e
deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente
pelo homem e pela mulher.
A Constituição Federal ainda proíbe diferenças de salário, de
exercício de função e de critérios de admissão ao trabalho por
motivo de sexo , garantindo também, ao homem e à mulher, ao
cônjuge ou ao companheiro, o direito à pensão previdenciária.
81
Para garantia de todos esses direitos, a Magna Carta estabelece que
"a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e
liberdades fundamentais”.
Os textos constitucionais apregoavam a igualdade formal, perante a
lei, porém a igualdade material, a igualdade na lei, somente passou
a existir de forma efetiva, obrigatória, a partir do texto
constitucional de 1988 que, além de traçar o princípio genérico,
ainda inovou, explicitando a abrangência do papel da isonomia e,
excepcionando, textualmente, alguns tratamentos desigualitários
em respeito às diferenças naturais entre o homem e a mulher como
o direito à licença maternidade com duração de dias; proteção da
mulher no mercado de trabalho; aposentadoria para os homens e
mulheres com tempo diferenciado.
A discriminação entre homem e mulher acompanhou a história da
civilização. Apesar da igualdade formal garantida há séculos, quase
nenhuma igualdade material de efetiva aplicação, observou-se. Com
certeza, a causa desse discrime é inconsciente. A compreensão do
problema passa por uma análise interdisciplinar, através dos
conhecimentos fornecidos pela história, sociologia, economia,
psicologia, antropologia. Essa ciência informa como se deu a fixação
da mulher no espaço privado do lar e a saída do homem para o
espaço público: desde que as tribos deixaram de ser nômades, com o
aumento da população e conseqüente escassez de alimentos, o
homem passou a caçar grandes animais e a participar de guerras na
defesa do território, enquanto as mulheres cuidavam dos filhos,
semeavam e colhiam cereais. Também começou a haver sobra de
alimentos, surgindo o comércio e o acúmulo de patrimônio.
Possivelmente, o desejo de transmitir esse patrimônio a herdeiros
legítimos fez com que o homem desejasse apropriar-se da mulher
para ter certeza de sua sucessão. A família patriarcal, a partir do
interesse econômico, desvalorizou a mulher, confinando-a no espaço
privado do lar, quase como uma propriedade do marido, levando à
construção
de
uma
identidade
psicológica
de
submissão,
atavicamente transmitida de geração em geração.
A Revolução Industrial, o movimento feminista, a liberação sexual
através da pílula, o ingresso da mulher da classe média no mercado
de trabalho levaram a mulher deste século a adquirir uma nova
identidade. Embora existam registros de que, em 1836, na cidade de
São Paulo, a maioria das famílias era monoparental e mantida pelas
mulheres, como eram pobres e despolitizadas, não tiveram uma
atuação importante social e juridicamente.
Em 1916, o Código Civil Brasileiro considerou a mulher casada
relativamente
incapaz,
determinando
a
obrigatoriedade
de
autorização do marido para trabalhar ou para gerir seus bens. Na
segunda metade do século, as relações sociais mudaram
profundamente, sendo editado, em 1962, O Estatuto da Mulher
Casada, a partir do qual a mulher não mais foi considerada incapaz e
dependente do marido após o casamento.
O movimento de mulheres atuou diretamente no Congresso
promovendo lobby durante a elaboração da Constituição Federal.
82
Importante estudo constante da tese de mestrado de Denise Bruno,
que se reportou aos anais do Congresso durante a Constituinte,
informa que os direitos femininos estão muito mais ligados aos
direitos de proteção à célula familiar do que aos direitos das
mulheres cidadãs, denunciando que "o reconhecimento de direitos
femininos tenha se dado a partir de concessões e não de
reconhecimento de direitos", numa confusão inconsciente entre
cidadania de direitos e cidadania concedida, com o objetivo da
manutenção da célula familiar, muito mais do que para efetivar os
direitos da mulher.
De qualquer forma, o fato é que hoje existe a garantia constitucional
da isonomia material. Considerando o argumento constitucional da
supremacia da lei maior, uma vez promulgada a nova Carta, os
preceitos por ela declarados são de imediata aplicação, pois não há
necessidade de regulamentação para a efetivação de direitos
fundamentais. As lacunas do sistema codificado devem ser
preenchidas através da analogia, utilizadas as normas que o sistema
jurídico oferece para situações semelhantes. Os preceitos
anteriormente codificados que contrariem a lei maior, diz-se que por
ela não foram recepcionados, portanto, são revogados total ou
parcialmente, não podendo ser aplicados, exceto no que concerne
aos discrimes estabelecidos pela própria Constituição (9,10,11).
Embora a Constituição Federal seja de 1988 e já estejamos em
1997, nenhuma alteração foi promovida nos códigos, cabendo aos
advogados reivindicar ao Judiciário a aplicação da lei consoante a
Constituição.
A Constituição Federal está no vértice do sistema jurídico de uma
nação e, como lei maior, deve ser imediatamente aplicada pelo juiz
que, agindo de forma contrária, está proferindo decisões
inconstitucionais. A partir do princípio da isonomia, é possível
afirmar que não mais existe a figura do cabeça do casal, expressão
atribuída ao homem e que o autorizava a gerir sozinho o patrimônio
familiar, sem ouvir a mulher. A Constituição, hoje, garante a cogestão desse patrimônio tanto para os casais casados como para os
que vivem em união estável. Quanto à guarda dos filhos, também
inexiste discrime, e o Estatuto da Criança e do Adolescente garante
o exercício do pátrio poder por ambos os pais.
Na mesma esteira, está revogado o dispositivo que autoriza a
mulher a ter bens reservados, adquiridos com o fruto de seu
trabalho, uma das mais importantes conquistas do Estatuto da
Mulher Casada, de 1962 . Em nome da igualdade jurídica, esse
dispositivo está revogado, pois estendê-lo aos homens geraria
enorme injustiça, uma vez que, na grande maioria dos casais
brasileiros, o homem ainda é o único a ter renda ou sua renda é
maior.
Assim, também a exigência de que a mulher de 50 anos ou o homem
de 60 anos casem pelo regime de separação legal de bens mostra-se
discriminatória. Por certo, as mulheres que completaram 50 anos
não são incapacitadas mentais ao ponto de se deixarem envolver por
um sedutor que esteja querendo aplicar o golpe do baú.
83
Quando a mulher vivia em união estável, a partir de 1964, passou a
receber direito à partilha de bens, de forma proporcional ao esforço
comprovado. Não herdava nada do companheiro e não tinha direito a
receber alimentos, por mais necessitada que estivesse. Na defesa
dos interesses dessas mulheres, os advogados passaram a
peticionar, e os magistrados a conceder indenização por serviços
prestados, ferindo a dignidade de quem havia vivido como se fosse
esposa. Hoje, a companheira tem reconhecidos praticamente os
mesmos direitos da mulher casada.
No casamento, o uso do sobrenome do marido também é facultativo
e, pelo princípio da isonomia, pode-se afirmar que seja facultativo
tanto para o homem como para a mulher, pois desde 1977, com a lei
do divórcio, adotar o sobrenome do marido é mera faculdade.
Mesmo passados 20 anos, a mulher ainda muda a sua identidade
civil, agregando os apelidos do marido, repetindo a herança cultural.
Todos os preceitos que tratarem desigualmente o homem e a mulher
estão revogados pela nova Constituição, seja matéria civil, penal,
trabalhista, ou processual.
Nos processos judiciais, é comum encontrar referências à mulher
com
expressões
como:
"honestidade,
conduta
desregrada,
perversidade, comportamento extravagante, vida dissoluta, situação
moralmente irregular", impregnadas de ideologia preconceituosa.
O abandono do lar pela mulher é considerado grave desrespeito à
família, passível de penalização e que, se não forem tomadas
providências legais acautelatórias, pode ser usado, em represália,
como argumento para liberar o varão do pagamento de pensão
alimentícia, por mais necessitada que se mostre a mulher.
Impregnado de ranço discriminatório é o dispositivo da lei do
divórcio que libera o homem da obrigação alimentar quando a
mulher for considerada culpada pela separação.
Quem, de sã consciência, pode garantir que o comportamento
aparente desse ou daquele cônjuge autorize a julgá-lo culpado, sem
conhecer o que estaria por trás da atitude considerada culposa?
Quando a mulher já recebe alimentos e vem a construir uma nova
relação fixa e duradoura através de casamento ou de união estável,
o alimentante logo é exonerado da obrigação alimentar. Quando
mantém apenas uma relação eventual, ou mesmo um namoro, os
homens tentam se liberar da pensão e na maioria das vezes
conseguem.
Para manter o direito a alimentos ou a guarda dos filhos é exigido
que a mulher tenha um comportamento casto. Inúmeras são as
decisões punitivas ao exercício da sexualidade feminina, embora já
se observe alguma mudança de valores nas decisões do Superior
Tribunal de Justiça.
84
Para as mulheres jovens e com alguma habilitação profissional,
também não são mais concedidos alimentos. Quando a mulher,
apesar dessas características, desde que casou, abandonou a
profissão para criar e educar os filhos, ou para acompanhar o
marido, incentivando-o e auxiliando-o no seu desenvolvimento
profissional, têm sido reivindicadas e começam a surgir decisões
favoráveis à concessão de alimentos transitórios, ou seja,
concedidos por algum tempo, até que a mulher possa integrar-se no
mercado de trabalho.
Também a sujeição econômica da mulher a faz ser psicologicamente
dominada. Mas é curioso observar que mesmo as mulheres
independentes
economicamente
entregam
aos
maridos
a
incumbência de gerir os seus ganhos pessoais. Na esfera pública,
observam-se mulheres atuando em muitas atividades importantes,
mas, no momento de competir aos cargos de poder, elas se autoexcluem.
Portanto, não basta que a igualdade jurídica da mulher seja
constitucionalmente assegurada. Para que a igualdade se torne
efetiva, necessário se faz repensar o mito da submissão feminina a
partir da compreensão dos mecanismos de discriminação:
institucionais, sociais, educacionais e principalmente internos,
emergentes da identidade psicológica. É possível afirmar que a
igualdade se garante quando ela existe a partir de um sentimento
pessoal, de identidade construída internamente. Somente a partir
daí se aprende a conquistar a igualdade no espaço público.
Estudos realizados recentemente nos EUA alertam que, no ritmo em
que se encontram as conquistas femininas, levará cerca de 450 anos
para que seja adquirida a plena igualdade econômica e de decisões.
Contudo, a face mais cruel da desigualdade é a violência praticada
contra a mulher. Estatísticas da ONU informam que, no mundo, a
cada seis minutos uma mulher é vítima da violência no lar. Assim
como a mulher não deve ser estimulada a se sentir uma eterna
"vítima", é importante, também, não permitir a banalização da
violência.
Imperioso, também, que a mulher deixe de ser a "rainha do lar"
para ser a co-partícipe da aventura da parceria do casal. No espaço
público, importante que possa galgar cada vez mais cargos com
poder de decisão, para construir uma identidade de independência, a
partir dos valores femininos. Somente assim poder-se-á dizer que a
mulher se constrói cidadã, que se respeita e que se faz respeitar.
A busca de uma sociedade justa, mais cooperativa, conduz a uma
nova era em que a ordem não é reivindicar os direitos em relação ao
homem, mas sim exercê-los com o homem para ingressar no terceiro
milênio com uma cultura nova onde haja maior valorização dos
indivíduos, o que redundará na efetivação da, igualdade dos direitos
entre o homem e a mulher. Igualdade não se decreta, constrói-se.
CONCLUSÃO
85
1) O "julgamento" da mulher adúltera (que, na verdade, não foi um
julgamento) significou uma demonstração inequívoca de discriminação
absurda contra o sexo feminino.
2) Essa discriminação ainda existe, como resultado da pequena distância
moral que nos separa dos nossos antepassados daquela época.
3) Determinados benefícios previdenciários concedidos às mulheres (por
exemplo, aposentadoria com menos idade e menor tempo de contribuição)
não solucionam o grave problema da inferioridade que se impõe às
mulheres, pois geralmente trabalham em postos cuja remuneração é
menor.
4) De início, temos de reconhecer a irracionalidade desse tratamento
inferiorizante das mulheres e, depois, partirmos para implantar a
igualdade sem restrições.
5) Tomemos a Suécia e a Finlândia como modelos de mais ampla
participação feminina na vida pública.
6) A única solução compatível com a gravidade e urgência da situação é a
adoção, por força de lei, do sistema de cotas.
7) Nossa sugestão é de que nos cargos públicos dos três Poderes se
reserve 50% das vagas para as mulheres, e, no que for aplicável, nos
demais setores de trabalho.
8) Sem a aplicação de medidas enérgicas estaremos simplesmente adiando
a concretização da igualdade entre homens e mulheres.
NOTAS
[1] A. VAN DER BORN (2004) esclarece sobre o adultério:
(I) No AT o matrimônio não era considerado como uma instituição
religiosa, nem como instituição de direito público. Os costumes,
porém, e a lei escrita protegiam-no, e o adultério era punido pelo
direito público. O homem tinha nestas coisas mais liberdade do que
a mulher. O homem só e acusado de adultério com uma mulher
casada ou com uma noiva (Ex 20,17; Dt 5,21; Lev 20,10; Dt 22,22;
mulher casada; Dt 22,23-27: noiva), não por relações com uma
mulher não casada ou com uma escrava (Dt 22,28). Portanto,
também no AT valia o princípio, que se encontra mais tarde no
direito romano: a mulher só comete adultério contra o seu próprio
matrimônio, o homem só contra o de outro homem. Além disso, o
homem, suspeito de adultério, nunca podia ser submetido a um
exame humilhante, a mulher sim (Num 5,llss). Os culpados de
adultério deviam ser apedrejados, tanto o homem como a mulher
casada (Dt 22,22; cf. Ez 16,40; Jo 8,5), e ainda qualquer mulher que
se deixara violar dentro dos muros da cidade (Dt 22,23s), não a
mulher que foi violada "no campo" (Dt 22,25-28); a lei supõe,
portanto, que dentro da cidade a mulher teria sido ouvida se,
86
resistindo, tivesse gritado por socorro. O homem que seduziu uma
moça tinha a obrigação de pagar uma indenização ao pai e de se
casar com a moça (poligamia!); além disso perdia o direito de se
separar dela posteriormente (Êx 22,15s; Dt 22,28s). Outros castigos
para o adultério foram a mutilação (Ez 23,25) e a queimação (Gên
38,24; Lev 21,9). Apesar de tudo isso o adultério era um mal
freqüente; os livros sapienciais falam repetidas vezes sobre o perigo
da mulher adúltera (Prov 2,16-19; cf. Mal 2,14; Prov 5,15-23; 6,2435; 7,5-27; 23,27s; 30,20); Eclo 23,22-27 refere-se ao pecado da
mulher adúltera. Os, Jer e Ez apresentam a relação entre Javé e o
seu povo sob a imagem de um matrimônio (—> aliança) e
estigmatizam muitas vezes a infidelidade de Israel e o culto a outros
deuses como um adultério (Os 2,4s; Jer 2,2; 3,8s; 5,7; 9,1;
13,22.26s; Ez 16.23 passim).
(II) O NT cita o sexto mandamento do decálogo (Mt 5,27; 19,18; Mc
10,19; Lc 18,20; Rom 13,9; Tg 2,11). O decálogo já proibia cobiçar a
mulher do próximo (Êx 20,17; Dt 5,21), Jesus equipara o desejo ao
ato (Mt 5,28). Contudo, a sua condenação tão severa do adultério
(cf. Mc 10,lls) não exclui uma atitude misericordiosa para com a
mulher adúltera (Jo 8,2-11); "vai e não tornes a pecar", é o
julgamento de Jesus. Para S. Paulo o adultério não é apenas um
assunto jurídico (Rom 7,3), mas também uma transgressão da
vontade de Deus (Rom 13,9; ITess 4,3s; l Cor 6,18). Os adúlteros
não entrarão no Reino de Deus (l Cor 6,9); a mesma coisa em Hbr
13,5; et. 2Pdr 2,14. Em sentido figurado, como em Os, Jer e Ez, o
termo é usado em Mt 12,39; 16,4; Mc 8,38 (os contemporâneos
incrédulos de Jesus), Tg 4,4 (os mundanos) e Apc 2,22 (os falsos
profetas).
JAYME DE ALTAVILA (2000:32) comenta a respeito do adultério:
A lei mosaica não admitiu remissão para os adúlteros. E, em todas as
legislações antigas, que cotejamos, se encontram penalidades
extremas. Assim instituiu o Deuteronômio:
- "Quando um homem for achado deitado com mulher casada com
marido, então ambos morrerão, o homem que se deitou com a
mulher e a mulher: assim tirarás o mal de Israel". (22.v.22)
Compêndio das leis que ele legou ao povo tirado da escravidão para
a liberdade do estado teológico, erigido sobre uma moral diferente
de todas as civilizações antigas.
[2] A. VAN DER BORN (2004) diz sobre Moisés:
(I) No AT. No conjunto de Êx 2,10-Jos 24,5, Moisés é mencionado
mais de 700 vezes (nos demais livros históricos, 51 vezes, nos livros
proféticos apenas 4 vezes; depois, 8 vezes nos Salmos e 2 vezes em
Dan). No entanto, temos poucas informações certas sobre a sua
pessoa. Ninguém mais nega a sua existência histórica, mas um
estudo crítico terá de distinguir entre aquilo que ele foi realmente, e
aquilo que dele fizeram certas tradições, e, mais tarde, "a" tradição
dos israelitas. O nome é egípcio (a etimologia popular de Êx 1,10
deriva-o do hebr.), mas a aparição em que lhe é revelado o nome de
87
Javé se dá fora do Egito. Ele tem uma mulher madianita (Êx 2,11-21)
e/ou etíope (Num 12,1); em Jz 1,16 e 4,11 ele tem um —> sogro
ceneu; seu neto é sacerdote da tribo de Dan (Jz 18,30). Seu túmulo é
desconhecido. Nas tradições relatadas no conjunto Êx-Jos, Moisés é
aquele que, nascido no Egito de pais israelitas, liberta os israelitas do
Egito, promulga e escreve num livro as leis e prescrições de Javé,
conduz os israelitas, através do deserto, para Canaã, sem ele mesmo
entrar. E' essa também a base em que o judaísmo posterior construiu
as suas idéias sobre Moisés (parcialmente refletidas no NT —> II).
Por isso os textos fora do conjunto Êx-Jos chamam-no servo de Deus
(2Rs 21,8; SI 105,26; Mal 3,22), dileto de Deus (SI 106,23),
sacerdote (SI 99,6), legislador (Bar 2,28), profeta (Os 12,13; Sab
11,1), homem de Deus (Icrôn 23,14; SI 90,1). Os profetas
mencionam-no raramente (Ez nenhuma vez); dirigem os seus olhares
para o tempo de Moisés, mas não a ele mesmo. Também não é
mencionado como fundador de uma religião: não é nele que os
profetas se apóiam para converter seu povo, mas exclusivamente em
Javé. A tradição de Êx-Jos não os parece ter tocado, ou pelo menos
não influenciou decisivamente as suas idéias sobre Moisés. De fato,
fazendo-se abstração de alguns textos, como Êx 2s; 34,29s, é fora do
AT hebraico, no cântico de louvor de Eclo 45,1-6, que se encontram
os primeiros indícios de uma glorificação de Moisés e de uma
formação de lendas a seu respeito. Fora da "Lei de Moisés" (termo
esse, cujo conteúdo varia), são-lhe atribuídos, no AT, um cântico (Dt
32,1-43; cf. W. L. Moran, Bb 43,1962, 317-327), uma bênção (Dt
33,1-29) e um salmo (90). —> Monoteísmo; Bênção de Moisés.
(II) Para o judaísmo posterior Moisés é a figura principal da história
da salvação no AT; um grande número de lendas é tecido em tomo de
sua pessoa. No judaísmo helenístico do século I aC surgiu um
romance sobre Moisés, no qual ele é o mestre da humanidade, o
homem genial ou o piedoso ideal, e no qual a sua morte se torna uma
apoteose (morreu em glória ou foi elevado ao céu). Por esse
romance, que polemiza evidentemente com uma lenda egípcia antisemítica sobre Moisés, nasceu uma imagem de Moisés notavelmente
diferente da imagem bíblica. Também no judaísmo palestinense
Moisés é glorificado, não porém na qualidade de herói, como entre os
helenistas, mas na de —mediador da revelação, o mestre de Israel
por excelência. Aqui, portanto, a figura de Moisés está mais perto dos
dados bíblicos. No entanto, são-lhe aplicadas diversas noções
soteriológicas. Isso, porém, não tanto em escritos apócrifos, como
nas expectativas do povo. Ele entra na escatologia, toma-se
provavelmente uma figura do Messias (cf. Dt 18,15-18), o Messias é
concebido como um segundo Moisés, a libertação do Egito como
prefiguração da redenção messiânica (cf. p. ex. At 21,38). Também
esse segundo Moisés terá, de sofrer. O judaísmo posterior atribuiulhe o livro dos Jubileus e a Assumptio Mosis.
(III) No NT Moisés é em primeiro lugar o mensageiro e servo de
Deus, o legislador de Israel, ou, melhor, o mediador da Lei que
recebeu no Sinai das mãos de anjos. Por isso diz-se muitas vezes
"Moisés" em vez de "Lei de Moisés". E' também profeta, a saber,
profeta que anuncia Cristo. Um aspecto novo encontra-se em At 7,1744 (Moisés como testemunha de fé, não compreendida) e Hbr 11,2329 (Moisés como exemplo de fé). O NT, porém, é influenciado
88
também pelas idéias sobre Moisés no judaísmo posterior
palestinense (não helenista) (At 7.22S.30.38; Gal 3,19; 2Tim 3,8; Jud
9). Inteiramente nova, e inédita no judaísmo, é a crítica de Jesus
sobre Moisés Existe, afinal, uma tipologia evidente. Moisés prefigura
C.: em Hbr o antítipo supera muito o tipo; em Jo é relevada antes a
oposição entre tipo e antítipo. J. Jeremias (ThW 4,878) observa com
razão que Moisés e Cristo, como fundadores do AT e do NT, são
figuras paralelas enquanto ambos experimentaram contradição e
humilhação, mas que há antes oposição entre as religiões que
pregaram, a saber, a Lei e o Evangelho.
(IV) Foram atribuídos a Moisés os seguintes escritos apócrifos e
pseudepigráficos:
(1) O Apocalipse de Moisés, escrito judaico, redigido no século I dC
em hebraico ou aramaico, mas conhecido apenas em traduções grega
e armênia. Trata de Adão, Eva, Set e Caim e apresenta notável
semelhança com o livro Igualmente apócrifo "Vida de Adão e Eva". O
nome "Apc de Moisés" portanto não é feliz. Ver Eissfeldt, Einleitung §
103. Tradução alemã em Kautzsch, Apokryphen 2,506-528.
(2) A Assumptio Mosis, escrito judaico, redigido no século I dC em
hebraico ou aramaico, mas apenas conhecido, parcialmente, em
tradução latina (faltam o princípio e o final; sobre a luta em tomo do
cadáver de Moisés: Jud 9). O conteúdo é uma visão do futuro de
Israel (até a morte dos filhos do rei Herodes Magno) que Moisés,
antes de sua "ascensão ao céu", esboça para Josué; termina com um
discurso de consolação de Moisés e contém reminiscências dos
escritos de Qumran. Ver Eissteldt, Einleitung § 98. Tradução alemã
em Kautzsch, Apokryphen 2,311-331.
[3] A. VAN DER BORN (2004) diz sobre o Decálogo:
Decálogo, assim são chamadas as "dez palavras" que Moisés por
ordem de Javé (Êx 34,28), ou que o próprio Javé (Dt 4,13; 10,4)
escreveu nas duas tábuas de pedra, e que continham as obrigações
fundamentais da —* aliança. O nome d. encontra-se pela primeira
vez em Ireneu (Adv. Haer. 4,15; MG 7,1012) e em Ptolemeu (ep. ad
Floram 3,2; MG 7,1285). A respeito do d. podem-se pôr as seguintes
questões de ordem literária e histórica.
(I) Questões de ordem literária. Possuímos o d. em duas
formulações, que nos foram transmitidas em Êx 20,1-17 e Dt 5,6-21.
Na maior parte essas duas fórmulas concordam, p. ex., quanto ao
estilo do "direito apodíctico" (A-AIt): prescrições breves, compactas,
consistindo num verbo na segunda pessoa, com uma proibição (em
oposição ao "direito casuístico", que prevê determinações para
casos concretos, condicionados).
De outro lado, porém, há algumas diferenças notáveis em relação à
composição literária de cada uma destas fórmulas. Dt 5,21, em
oposição a Êx 20,17, isola a esposa do próximo dos seus demais
haveres, fazendo de "cobiçá-la" o objeto de uma proibição especial:
"Não cobiçarás a esposa de teu próximo". Isso é evidentemente um
indicio do espírito humanitário de Dt. O mesmo espírito manifesta-se
89
na motivação do descanso do sábado (Dt 5,14: "para que o teu
escravo e a tua escrava descansem, como tu mesmo"); em Ex 20,11
esse descanso é prescrito como imitação do descanso de Javé no
sétimo dia da criação. — Do ponto de vista literário o número de dez
é interessante. A constância da tradição neste particular causou uma
diferença de numeração, que hoje ainda persiste. Dt distinguia entre
a mulher e o resto das posses; isso fez surgir a opinião de que Dt
5,21 se refere propriamente a duas transgressões, de um lado o
desejo do adultério, do outro lado o desejo do roubo (como também
o adultério e o roubo são proibidos por duas determinações
distintas). Essa opinião foi ainda confirmada pelo fato de que os LXX
adotaram em Êx 20,17 a versão deuteronomística (colocando a
cobiça da esposa do próximo antes da cobiça dos seus haveres); não
é, pois, de admirar que essa opinião já se encontra em Clemente de
Alexandria (Strom. 6,16; MG 9,361); foi defendida também por
Agostinho (Quaest. in Ex 71; ML 34,620) e por muitos outros Santos
Padres; ela é comum na Igreja latina e entre os luteranos. O
Talmude, porém, bem como Filo (De Decálogo 65-106), Fl. Jos. (Ant.
3,5,5) e a maioria dos Santos Padres antes de Agostinho (Gregório
de Nazianzo, Jerônimo, etc.), consideram toda a proibição de cobiça
(de esposa e de bens) como um só mandamento; e esse modo de ver
ainda é aceito hoje na igreja grega, e entre os calvinistas. Por causa
do número tradicional de dez, os fautores da divisão da "proibição
da cobiça" eram obrigados a ligar a proibição das imagens, em Ex
20,4-6 ou Dt 5,8-10, com a proibição da idolatria (Éx 20,3; Dt 5,7).
Ora, é evidente que na prática, e no decurso da história de Israel a
veneração de imagens coincidiu, de fato, com a idolatria e a
veneração de deuses estrangeiros (e é isso, sem dúvida, o que visam
Ex 20,5 e Dt 5,9). Será difícil, portanto, dirimir a questão, qual das
duas opiniões corresponde, no fundo, melhor à intenção das duas
versões do d. (a que une idolatria e veneração de imagens, e
distingue duas espécies de cobiça, ou a que distingue entre idolatria
e veneração de imagens, unindo todas as formas de cobiça); seria
argumento bem fraco dizer que a metade dos mandamentos (uma
das duas tábuas) deve-se referir ao próximo, devendo portanto
conter cinco (e não seis) mandamentos. Pois a primeira metade (que
diz respeito a Deus, e aos pais que deram a vida) é formulada muito
mais largamente, e deve portanto ter ocupado muito mais lugar nas
tábuas de pedra. — Resumindo, podemos dizer que Ex 20,1-17 e Dt
5,6-21 constituem duas variantes de um mesmo texto original; as
pequenas diferenças provam que a formulação do d. deve ter tido
raízes multo profundas na tradição (muito mais profundas, p. ex., do
que o chamado d."cúltico", que os exegetas tentam reconstruir com
textos de Êx (34.14.17.19a.20b.21.23.25a.25b.26a.26b). Trata-se,
de fato, de termos fixos, bem determinados, que exprimem as
exigências fundamentais da vida religiosa e moral de Israel.
(II) Questões históricas. Essas dizem respeito, sobretudo, à origem
e ao ambiente histórico.
(A) Quanto ao tempo de origem, sem dúvida, o decálogo é anterior à
data em que recebeu a sua forma literária em Êx e Dt. Mowinckel
(Bibl.) coloca a origem do decálogo no tempo dos profetas, de cuja
pregação, conforme ele, o decálogo é um reflexo adequado; contra
essa tese (opugnada também por protestantes, como Volz e Kittel)
90
pode-se alegar o seguinte: Tem-se a impressão de que a pregação
profética supõe o decálogo, e não o criou; a reação de certos
profetas é tão firme e tão enérgica, que eles aparecem
evidentemente como mantenedores de uma tradição conhecida e
inelutável (2Sam 12,1-11: Natan contra Davi; IRs 17,18: Elias contra
os devotos de Baal; Am 5,26; contra a idolatria; Os 8,4.11.14). Mais
de uma vez os profetas se referem a catálogos de pecados bem
conhecidos (Os 4,2; Jer 7,9), e a prescrições invioláveis (Am 2,4: "lei
de Javé"; Os 4,6: "a lei de vosso Deus". Os 8,12: "por mais
numerosas leis que eu vos prescreva"; Jer 6,19: "a minha lei". Além
disso é ainda viva a lembrança de uma legislação "no deserto" (Am
5,25; Ez 20,10) "em duas tábuas de pedra" (Êx 24,12; 31,18; 32,15;
Dt 9,1; 10,1-4). Não há motivo para discordar da tradição que põe o
decálogo em relação com a atividade legislativa de Moisés (Êx 24,18.12); a proibição das imagens não pode valer como prova de uma
data mais recente do decálogo (tal proibição, assim argumentam,
indica uma mentalidade muito espiritualista, que não é provável no
tempo de Moisés), pois a tradição é unânime em julgar rejeitável
qualquer representação do Deus de Israel (cf. as reações veementes
dos profetas: Os 8,5; 10,5; Am 5,5). Outros quiseram negar a origem
mosaica do decálogo, alegando que a proibição de "pecados
internos", de maus desejos, seria inverossímil no ambiente primitivo
de Moisés, ou que não podia ter faltado alguma alusão à instituição
jurídica da vingança de sangue; mas também esses argumentos não
provam nada: se não quisermos pôr em dúvida o próprio teor dos
textos, é preciso aceitar o seu testemunho inequívoco.
B) Pois é de suma importância não perdermos de vista o fundo
histórico do decálogo e da sua promulgação por Moisés. Uma
comparação do decálogo com os chamados catálogos de pecados no
"Livro dos mortos" egípcio (§ 125; séc. XVI-XVII aC) ou nos textos
mágicos da Assíria (AOT 9-12 e 324s) mostra que a maior parte dos
mandamentos do decálogo de Israel já eram conhecidos antes de
Moisés, como sejam: a proibição do roubo, do assassínio, da mentira,
da falsificação de mercadorias, do desprezo dos pais, da ofensa dos
deuses, etc. Tudo isso era considerado moralmente errado; trata-se,
portanto, de violações da lei da natureza. E' digno de reparo, porém,
como, em comparação com as prescrições bastante ritualistas dos
egípcios e babilônicos, povos bastante civilizados, o decálogo dos
hebreus possui profundeza e radicalismo extraordinários. O próprio
Javé, pessoalmente, apresenta a seu povo uma exigência moral, que
apela para o que há de mais profundo na consciência do homem; tal
intervenção sobrenatural de Deus na vida privada e social de cada
indivíduo é desconhecida no Egito. Quanto aos textos assírios, é
evidente que eles são incomparavelmente inferiores ao alto valor
moral e religioso do decálogo, pois estão completamente imbuídos
do princípio da magia (que pretende exercer pressão sobre Deus, em
vez de o servir). Não há, portanto, nenhum motivo para negar a
originalidade do decálogo israelítico, pelo menos neste sentido de
que o espírito dessas "dez palavras" transforma as obrigações mais
antigas do homem, fazendo delas os sinais de uma "aliança"
particular, concluída por Deus com Israel. E' também possível, p. ex.,
que a celebração do sábado remonte a uma festa lunar pré-mosaica
(cf. Ex 20,8; inúmeras vezes o sábado é mencionado em relação com
a "lua nova": 2Rs 4,23; Is 1,13; 65,23; Os 2,13; Am 8,5; Ez 45,17;
91
46,2; ICrôn 23,31; 2Crôn 2,3; 8,13; 31,7), mas é claro e evidente que
o sentido do sábado foi completamente transformado pelo fato de
que "Javé o abençoou e o declarou santo" (Êx 20,11). Outra questão
histórica diz respeito à credibilidade da tradição que atribui a Moisés
um papel muito importante como mediador do decálogo Conforme o
testemunho de Êx 2 Moisés foi educado nos círculos egípcios cultos,
os quais tinham sido seriamente abalados pela crise de Amenófis IV
(Acnaton): durante a juventude de Moisés, portanto, foi posto, sem
dúvida, o problema do fundamento religioso da moralidade. E' bem
possível que a Providência se tenha servido desta circunstância para
inculcar a base monoteísta das obrigações éticas. Visto que houve
uma espécie de aliança entre Javé e seu povo (tem-se insistido
muito, ultimamente, numa semelhança formal com as chamadas
"alianças de soberania" hetéias, em que algum grande rei faz
contratos com uma série de vassalos; Mendenhall [Bibl.]), não é de
admirar que a carta magna dessa aliança fosse gravada em duas
tábuas de pedra; esse dado da tradição (Êx 24,12; 31,18; 32,15; Dt
9,1; 10,1-4) projeta muita luz sobre a mediação de Moisés. Conforme
Êx 24,12 o próprio Javé escreveu "a lei e os mandamentos, com seus
próprios dedos" (Êx 31,18); conforme Êx 34,28, Moisés escreveu as
determinações da Aliança, os dez mandamentos, nas tábuas. Em
ambos os casos, a intenção do autor sagrado é bem clara: as tábuas
são obra de Deus, e a escrita, gravada nas tábuas, é a escrita do
próprio Deus (Êx 32,15; Dt 4,13; 5,22; 9,10). Assim como, segundo a
literatura egípcia, as leis foram feitas "pelo dedo de Toth", assim
também o decálogo é, em última análise, e de uma maneira muito
real, a obra de Deus por intermédio de seu servo Moisés (Dt 4,14). O
dom da lei de Deus, porém, e particularmente o do decálogo não era
destinado apenas para o Israel segundo a carne, mas também para o
"novo Israel", que é a Igreja de Cristo. Por isso o decálogo é várias
vezes citado no NT por Jesus e pelos apóstolos, embora nem sempre
na ordem tradicional dos mandamentos (Mt 19,18s par.; Rom 13,9;
Tg 2,11); de outro lado os dois mandamentos principais: o do amor
de Deus e o do amor do próximo são recomendados como compêndio
de toda a Lei (Mt 22,40; Lc 10,26s).
[4] Antigo Testamento: conjunto formado pelos seguintes livros: 1)
Pentateuco (Gênesis - Êxodo - Levítico - Números - Deuteronômio; 2)
Livros Históricos (Josué - Juízes - Rute - I Samuel - II Samuel - I Reis - II
Reis - I Crônicas - II Crônicas - Esdras - Neemias - Ester); 3) Livros
Poéticos e Sapienciais (Jó - Salmos - Provérbios - Eclesiastes - Cânticos
dos Cânticos) e 4) Livros Proféticos (Isaías - Jeremias - Lamentações Ezequiel - Daniel - Oséias - Joel - Amós - Obadias - Jonas - Miquéias Naum - Habacuque (ou Habacuc) - Sofonias - Ageu - Zacarias - Malaquias).
[5] Novo Testamento: conjunto formado pelos seguintes livros: Evangelhos
Sinópticos e Cartas Paulinas (Mateus - Marcos - Lucas - João - Atos dos
Apóstolos - Romanos - I Corintíos - II Corintíos - Gálatas - Efésios - Filipenses Colossenses - I Tessalonicenses - II Tessalonicenses - I Timóteo - II Timóteo Tito - Filemon - Hebreus - Tiago - I Pedro - II Pedro - I João - II João - III João Judas - Apocalipse).
http://pt.wikipedia.org/wiki/Antigo_testamento#Antigo_Testament
o traz informações sobre a Bíblia:
92
A Bíblia é um conjunto de escritos muito antigo. Foi composta ao
longo de um período de cerca de 1500 anos por uns 40 homens das
mais diversas profissões, origens culturais e classes sociais,
segundo a tradição. No entanto, exegetas cristãos divergem cada
vez mais sobre a autoria e a datação das obras. É quase um
consenso de que a maioria delas foi escrita ou por pessoas que
elegeram patronos, ou coletivamente e ao longo dos séculos. Uma
das mais antigas traduções da Bíblia remonta ao ano de 405 d.C. e
se chama Vulgata, que foi traduzida para o Latim por São Jerónimo.
Se considerarmos apenas o antigo testamento, a primeira tradução
da Bíblia para o língua grega foi a septuaginta.
Os cristãos acreditam que estes homens escreveram a Bíblia
inspirados por Deus e por isso consideram que a Bíblia é uma
escritura sagrada. No entanto, nem todos os cristãos acreditam que
a Bíblia deve ser interpretada de forma literal, e muitos consideram
que muitos dos textos da Bíblia são textos metafóricos ou que são
textos datados que faziam sentido no tempo em que foram escritos
mas foram perdendo actualidade.
Alguns cristãos acreditam que a Bíblia é a Palavra do Deus, portanto
ela é mais do que apenas um livro, é a vontade de Deus escrita para
a humanidade. Para esses cristãos nela, e apenas nela, se concentra
a salvação da humanidade, só na Bíblia se encontram as respostas
para todos os problemas humanos.
Os ateus vêem a Bíblia como um livro comum, com importância
histórica e que reflecte a cultura do povo que os escreveu. Os ateus
recusam qualquer origem divina para a Bíblia e consideram que a
Bíblia deve ter pouca ou nenhuma importância na vida moderna,
ainda que na generalidade se reconheça a sua importância na
formação da civilização ocidental (apesar de a Bíblia ter origem no
oriente).
[6] HILEL.
Consigna LE PETIT LAROUSSE ILLUSTRÉ:
Doutor judeu (n. em Babilônia por volta de 70 a. C. - m. Jesrusalém
por volta de 10 d. C.), chefe de uma escola rabínica que interpretava a Lei
de uma maneira liberal.
O prestígio da sua doutrina atravessou fronteiras e acabou fazendo-se
respeitar
em
Roma,
conforme
se
vê
em
http://www.tryte.com.br/judaismo/colecao/br/livro9/l9cap2.htm quando
se noticia que o Imperador romano Alexandre Severo, enamorado desta
frase, mandou gravá-la em muitas das construções que edificou.
[7] A. VAN DER BORN (2004) diz sobre as mulheres judias:
Em http://www.eifo.com.br vê-se como viviam as mulheres judias:
A sociedade nos tempos bíblicos era patriarcal. Nessa época, a
mulher judia desempenhava um papel subordinado ao homem.
Pensava-se que a função da mulher era servir ao homem. Quando
93
ela casava, se tornava propriedade do marido. A Bíblia coloca
claramente que a mulher foi criada para ajudar o homem.
Durante o primeiro milênio antes da era comum, as mulheres não
participavam de rituais nos templos, não cantavam no coro e não
podiam chegar até a parte interior do templo quando traziam um
sacrifício. Por conseguinte, a mulher judia estava muito longe de se
igualar ao homem judeu. Embora considerada inferior, a mulher era
respeitada e não era abusada.
O status da mulher judia permaneceu o mesmo durante séculos, até
que os rabinos resolveram mudar as leis a respeito da mulher
perante o homem. Assim, a monogamia foi instituída e o divórcio só
poderia acontecer se houvesse um acordo entre os dois (tanto o
homem quanto a mulher). Alguns anos depois, as feministas judias,
em maioria ortodoxas, se tornaram protagonistas de um movimento
para que houvesse mudanças nas lei judaicas de modo a permitir
que as mulheres dividissem com os homens, todos os privilégios e as
obrigações da vida. O ápice dessa conquista se deu quando a
primeira mulher foi ordenada rabina.
Na religião judaica, a mulher tradicionalmente não é igual ao
homem. Essa situação vem desde o início dos tempos bíblicos, que
diz que a mulher foi feita da costela do homem; assim nunca poderia
se igualar a ele.
A educação judaica que a mulher recebe é bem diferente da que o
homem recebe. A partir do momento em que a mulher vive para
cuidar dos filhos e da casa, ela não necessita de uma educação
formal.
As mulheres judias tinham como objetivo de vida a maternidade. A
respeito esclarece A. VAN DER BORN (2004):
Mãe. Na Bíblia a palavra mãe é usada não apenas em sentido estrito,
mas também em sentido mais largo e figurado. p. ex., são chamadas
mãe também a sogra (Gen. 37.10; cf. 5, 16s), a avó (1Rs 15,10), a
ancestral (Gên 3,20; Ez 16,3), a coletividade de um povo em relação
com os seus membros, p. ex. Siao (Is 50,1; 66,7), Samaria (Os 2,4),
Babel (Jer 50,12), aJerusalém espiritual em relação com os cristãos
(Gál 4,26), Débora, por causa dos seus cuidados maternais para com
o povo (Jz 5,7),a cidade-mãe em relação com os lugares menores que
dela dependiam, "as filhas" (2Sam 20,19). Nestes últimos exemplos
já se nota umsentido figurado. Depois, a sabedoria é chamada mãe
de todas as virtudes (Sab 7,12; Eclo 24,18; cf. 15,2), Babel é a mãe
dos fornicadores e das abominações da terra (Apc 17,5), uma
encruzilhada é uma mãe de caminhos (Ez 21,26), a sepultura é a mãe
de todos os que ela recebe no seu seio (Eclo 40,1; cf. Jó 17,14).
Aqueles que fazem a vontade de seu Pai celeste, Jesus os chama sua
mãe, seus irmãos e irmãs (Mt12,50).
(II) A maternidade é para a mulher hebréia a maior felicidade (Gên
24,60; 30,1; ISam 1,8; SI 113,9), pela maternidade a mulher cristã
alcança a sua salvação eterna (ITim 2,15). Numa família polígama os
filhos se distinguem pelo nome da respectiva mãe; por isso os
94
autores sagrados mencionam o nome da mãe de reis e pessoas
ilustres (IRs 11,26 etc.; 2Rs 8,26 etc.). Irmãos germanos chamam-se
um ao outro "filho de minha mãe" (Gên 20,12; Dt 13,7; Jz 8,10). Os
defeitos e faltas dos filhos são motivo de crítica à mãe que os deu à
luz e criou (Prov 10,1; 29,15; ISam 20,30).
(III) O amor maternal é proverbial no AT (Is 49,15). E' usado como
imagem do amor de Javé a Jerusalém (Is 66,13). Jesus quis acolher
os filhos de Jerusalém, como a galinha acolhe os pintinhos debaixo
das asas (Mt 23,37). Exemplos de verdadeiro amor materno são:
Hagar (Gên 21,14-16), Jocabed, a mãe de Moisés (Ex 2,2-10), Ana, a
mãe de Samuel (ISam 1,22-28), Resfa (2Sam 21,8-10), a mãe dos
irmãos macabeus (2Mac 7). Sobre os direitos e deveres da mãe, e
sobre o seu lugar na família, —» Família; Filho; Matrimônio; Pais.
A. VAN DER BORN (2004) diz sobre a mulher:
O princípio da situação da mulher perante o —> homem é definido
em Gên 2,18 ("uma auxiliar que lhe seja adequada", i. é, que lhe
seja essencialmente igual); a situação, porém, como era de fato, é
caracterizada em Gen 3,16 (teu marido te dominará). Essa
submissão constata-se em inúmeros lugares do AT onde a mulher
exerce atividades servis, onde são limitados os seus direitos e sua
parte no culto aparece muito modesta. A mesma situação ainda é
suposta nas exortações de S. Paulo (ICor 11,3-15; 14,34-36; Ef 5,2233; ITim 2,9-15; Ti 2,4s) e de S. Pedro (IPdr 3,1-6). Sobre a posição
da menina como filha —> criança; da mulher como esposa —»
matrimônio; como mãe —» mãe. A literatura sapiencial fala muito
sobre a mulher: a mulher virtuosa é elogiada (Prov 11,16; 12,4;
11,22; 19,14; 31,10-31; Eclo 7,19; 26,1-4.13-28; 40, 19-23; et. Ecle
2,8); a mulher perversa é condenada (Prov 19,13; 21,9 = 25,24;
21,19; 22,14; 27,15; 30,20; Ecle 7,26-28; Eclo 25,13-26; 26,6-12;
42,6-13); cf. também textos como Prov 11,22; 31,3; Eclo 19,2;
36,21-27. Sobre o vestido das mulheres —» Vestes; Jóia. Cf. ainda —
> Esponsais; Diaconisa; Virgindade; Syneisaktol; Viúva.
[8] A. VAN DER BORN (2004) fala sobre o matrimônio:
(I) no AT.
(A) Essência. E' digno de menção que o hebraico não tem uma
palavra que corresponda a matrimônio; também o nosso conceito de
matrimônio falta no AT; a palavra .............. (aliança; Mal 2,14) é a
que lhe chega mais perto. Embora Javé tenha conduzido a primeira
mulher ao primeiro homem (Gên 1,28; 2,18-25; Tob 8,8) e o laço
matrimonial seja qualificado como uma aliança de Javé (Mal 2,16), da
qual Javé é testemunha e protetor, o matrimônio em Israel, como em
toda parte do Oriente Antigo, não era de direito religioso nem civil,
mas era um assunto puramente particular entre duas famílias, q. d.,
entre o pai da noiva e o pai do noivo como representante deste
último (Gên 24,2ss; 38,6; Dt 7,3; cf. Jz 14,2s) ou o próprio noivo (Êx
22,15). O pai escolhia uma mulher para seu filho (Gen 24,2-4; 38,6;
Dt 7,3; cf. Jz I4,2s) e procurava obter o consentimento do pai da
moça para o matrimônio (Êx 22,16), pagando o "preço da noiva". Que
tudo se arranjava sem ouvir a moça, não precisava torná-la infeliz; o
95
amor vinha post factum (Gên 24,67). Em tempo de guerra deve ter
acontecido que um homem roubasse para si uma mulher (Jz 21,1924) ou que lhe coubesse como parte da presa (Jz 5,30). Mas às vezes
o próprio filho escolhia, até contra a vontade dos pais (Gên 26,34s);
as vezes os pais pediam o consentimento da futura esposa (Gên
24,58). Matrimônios por amor também existiam (Gên 29,11.20; ISam
18,20s), sobretudo entre camponeses e pastores, onde os jovens se
conheciam pelo trabalho em conjunto, de cada dia (Ru 2,7ss; Gên
24,11-20; 29,10; Êx 2,16s; ISam 9,11). A noiva recebia de seu noivo
presentes que se tornavam sua propriedade (Gên 24,53; 34,12) e de
seu pai (por exceção?) um dote que podia consistir em escravas ou
num pedaço de terra (Gên 16,1; 24,61; Jos 15,18s; IRs 9,16),
tornando-se igualmente sua propriedade exclusiva. E' duvidoso se
tudo isso tinha que ser documentado num contrato escrito, como na
Babilônia; de um contrato documentado só ouvimos falar em Tob
7,14. ANET 222s dá o texto de um contrato matrimonial arameu de
Elefantina (1° e 3° matrimônio!). A mulher era escolhida, de
preferência, do mesmo clã ou da mesma tribo (Gên 24,4ss; 29,12.19;
Jz 14,3). Assim garantia-se que a propriedade familiar, sobretudo em
terras, ficasse dentro do clã ou da tribo. Filhas herdeiras nunca
podiam casar-se fora de sua tribo (Num 36,5-12); —> Levirato. No
judaísmo posterior a idade núbil era, para meninas 12 anos, para
meninos 13 anos; geralmente só se casavam com 18 anos. Sobre os
tempos anteriores faltam a este respeito os dados históricos; em
todo caso, aconselha-se casar cedo (Eclo 7,23; —> Impedimentos
matrimoniais). Depois de o homem pagar o "preço da noiva", sua
mulher era sua propriedade; ele era o ba'al (dono); ela uma ..............
ba'al (Dt 22,22), q. d., ela "tinha dono". O casamento consistia em
conduzi-la para a casa do noivo (—> núpcias), pelo que ela se
constituía sob a sua autoridade marital. O marido, então, tinha a
obrigação de cuidar do seu sustento e de defendê-la. A passagem da
mulher para debaixo da autoridade do marido exprimia-se talvez,
simbolicamente, pelo gesto de ele estender sobre ela o seu manto
(Ru 3,9; Ez 16,18). Embora o matrimônio israelítico tivesse
exteriormente a forma de uma compra, não tem cabimento dizer que
era um contrato comercial. Pois o marido não podia dispor de sua
mulher do mesmo modo como dispunha de um objeto comprado que
se tornou sua propriedade; o "preço da noiva" compara-se melhor
como uma espécie de "preço de sangue" ou "preço de reconciliação".
O matrimônio desfazia-se pela morte de um dos cônjuges ou pelo —>
divórcio.
(B) A finalidade do matrimônio era gerar filhos (Gen I,28; 9,1),
sobretudo filhos homens (SI 127,4s; Tob 6,22). Uma prole numerosa
era uma bênção de Javé (SI 127,3) e a maior felicidade (Gen 24,60);
a esterilidade era para a mulher uma grande desgraça (Gên 30,1;
ISam 1,2-18), sendo considerada um castigo de Deus (Jer 18,21; Is
47,9). À luz desta mentalidade devemos explicar também a
poligamia, o matrimônio de levirato e mais outros costumes. Este fim
prático não excluía o amor conjugal e o mútuo auxílio (Gên 2,20;
3,12; Tob 6,22; Prov 5,18-20; Eclo 40,23).
(C) O matrimônio era poligamo (Gên 4,19-25 etc.). Dt 21,15 supõe
como normal que o homem possuísse duas mulheres. Quantas
mulheres o homem tinha de fato, dependia da sua posição
96
econômica; os ricos, p. ex., os reis, possuíam numerosas mulheres
(2Sam 5,13; Irs II,1-8; cf. porém, Dt 17,17). De outro lado, nos
tempos posteriores não faltam indícios de que a monogamia era
considerada mais perfeita. O próprio AT (Tob 8,7-10) interpreta Gên
2,24 como uma recomendação do matrimônio monógamo. Quando os
profetas apresentam o matrimônio como imagem da relação
existente entre Javé e Israel (Os 2,18-22; Jer 2,2; 3,7; Ez 16,8; Is
50,1; 54,5; 62,5), então tal imagem supõe a monogamia. O sumo
sacerdote não podia ter mais de uma mulher. SI 127,20; Prov 5,15;
12,4; 18,22; 19,14; 31,10-31 não são compreensíveis senão num
ambiente monógamo. No tempo de Jesus a poligamia já havia
desaparecido quase por completo (StB 3,647).
(D) Que um israelita se tivesse abstido do matrimônio é uma idéia
estranha ao AT (ver sob B); a mesma coisa vale para a moça Israelita
(Jz 11,37; a filha de Jefté chora por ter de morrer inupta). Só nos
tempos posteriores uma viúva é elogiada por não contrair segundo
matrimônio (Jdt 15,11). A rejeição do matrimônio (p. ex,,pelos
Essênios, dos quais só uma pequena minoria julgava o matrimônio
lícito e o favorecia: B. J. 2,8,13) não provinha tanto de uma tendência
para maior pureza ritual, mas explica-se antes por certa aversão do
matrimônio, como se pode constatar mais vezes e também em outros
tempos entre pessoas de idéias escatológicas e apocalípticas. E' um
fenômeno daquele tempo, que se verificou no ascetismo de diversas
associações religiosas (inclusive a de qumrãn, talvez), também e
sobretudo fora de Israel.
(II) No NT.
(A) Que Jesus, como também o Batista, não eram casados, sem
dúvida não foi apenas por causa do ascetismo acima mencionado de
alguma seita do judaísmo (vide infra). Jesus não era hostil ao
matrimônio e falou sobre ele em sentido positivo, como prova o
resumo das suas palavras em Mt 19,3-12. Em primeiro lugar esse
texto afirma a unidade e indissolubilidade originais do matrimônio
Conta com a possibilidade de uma separação, mas nenhuma lei
divorcista poderá prejudicar a união fundamental dos cônjuges. Foi
apenas a ..... (dureza de coração) dos homens que levou à
jurisprudência mosaica acerca do divórcio (Mt 19, 3-9). A moral
matrimonial é aprofundada neste sentido de que não apenas as
relações com a mulher do próximo são condenadas, mas também o
mau desejo (Mt 5,27s). Tanto no citado trecho de Mt como em outros
textos, são indicadas as circunstâncias em que concluir um
matrimônio seria uma leviandade, como, p.ex., nos dias do dilúvio, e
"no dia do Filho do Homem", q. d., no novo —> mundo (Lc 17,27; Mc
12,25 par.), as circunstâncias, também, em que o matrimônio seria
para o homem um mal, a saber se o impedisse atender ao convite do
Reino de Deus (Lc 14,20). Haverá também homens que por causa do
Reino de Deus se absterão do matrimônio voluntariamente (Mt
19,16-29 par.), aos quais pertencem Jesus e João Batista. Sobre o
problema: monogamia ou poligamia Jesus não se pronunciou, o que é
muito natural, visto que no tempo do NT a monogamia era
considerada normal; no judaísmo posterior a poligamia já se tornara
cada vez mais rara. Em seguida exigiu-se que autoridades
97
eclesiásticas e diáconos, depois da morte da sua esposa, se
abstivessem de um segundo matrimônio (ITim 3,2.12).
(B) Também S. Paulo (ICor 7,10-16) condena o divórcio por motivos
de princípio, e alegando uma palavra do Senhor. Mesmo o
matrimônio com um não-cristão só pode ser dissolvido quando para
isso a parte não-crente toma a iniciativa (ICor 7,15; Cf. IPdr 3,ls).
No entanto, S. Paulo não encara o matrimônio com tanta
naturalidade como Jesus, embora não seja justo atribuir-lhe, como
às vezes se faz, idéias "pessimistas" sobre o matrimônio
("Ehepessimismus"). ICor 7,16 prova que ele mesmo nunca foi
casado. Ao passo que Jesus, que nunca condenou o matrimônio,
esteve presente num casamento, como hóspede de honra, e gostava
de lidar com crianças, temos de S. Paulo um texto (ICor 7,29) que
parece considerar o matrimônio um mal necessário, que serve para
evitar os pecados de luxúria. Por Isso os períodos de continência
também não devem demorar demais (7,5). No entanto, essa atitude
do apóstolo foi sem dúvida determinada pela sua polêmica contra a
imoralidade na igreja de Corinto, e pelas suas esperanças acerca da
proximidade da volta de Jesus; de fato, ele toma as palavras de
Jesus sobre o matrimônio e o Reino de Deus como ponto de partida
de sua argumentação (cf. ICor 7,26.29-34). Para S. Paulo, ser
casado e ser celibatário são dois carismas diferentes (ICor 7,7), e
ele aprofunda a moral matrimonial, baseando-a no amor mcristão
(...), não o ... profano) (Col 3,18s; Ef 5,25-33; menos positivo é IPdr
3,1-7), e comparando a união entre homem e mulher no matrimônio
com a união mística entre" Cristo e a sua Igreja. Essa é a norma da
relação entre homem e mulher no matrimônio cristão (Et 5,22s): o —
> mistério do texto de Gên sobre a união sexual entre homem e
mulher é grande, e S. Paulo o relaciona com a união entre Cristo e a
Igreja. Disso ele deduz a submissão da mulher ao homem e o amor
incondicional do homem para com sua mulher. — Na epístola aos
hebreus só se encontra uma exortação para viver santamente o
matrimônio, que é inviolável (Hbr 13,4); as cartas pastorais
polemizam contra uma espécie de "fuga" do matrimônio (Itim 4,3) e
procuram resolver problemas práticos (ITim 3,2; 4,3; 5,9-16; Ti 1,6).
Apc 14,4 não significa necessariamente que o autor desprezava o
matrimônio —* Syneisaktoi; Impedimentos matrimoniais.
Em http://www.morasha.com.br se vê a doutrina judaica sobre o
casamento:
Segundo o Zohar, o casamento é a união de duas metades de almas
que foram colocadas em corpos separados quando a alma desceu à
terra. Nos planos Divinos essas "almas gêmeas" vão ser reunidas
através do casamento. Mas não podemos esquecer do livre arbítrio.
Por isso, apesar de Deus estar envolvido na predestinação de cada
par, a decisão final cabe ao indivíduo, já que cada um de nós pode
interferir em seu próprio destino.
O próprio Todo-Poderoso, ao criar o homem, percebeu a necessidade
deste ter um companheiro fiel que o acompanhasse ao longo da vida.
"E disse o Eterno : "Não é bom que o homem esteja só" ( Gênese
2:18). E Deus criou Eva a partir da costela de Adão, assim
98
ordenando: "E é por isso que o homem deixará seu pai e sua mãe, e
se unirá à sua mulher, e eles serão uma só carne" (Gênese 2:24).
Nossos sábios ensinam que Adão estava só porque não havia alguém
a quem ele pudesse se "dar". Com a criação de Eva, as coisas
mudaram. Alguém precisava dele e de seu amor, assim como ele
precisava do dela. A palavra hebraica para amor - ahavá - vem da
raiz hav, que significa dar, o que já indica quão importante é saber
"doar-se" ao "bechirat libó", o eleito de seu coração.
O casamento não é uma instituição criada pelos homens, mas sim
um mandamento divino. O homem e a mulher foram criados como
uma entidade única, por isso seu estado natural é a união e, ao se
unirem, realizam plenamente "a imagem de Deus". A Torá afirma:
"Deus criou o homem à sua imagem. Na imagem de Deus, Ele os
criou, homem e mulher. Ele os criou e os abençoou e lhes disse:
"Sejam fecundos, multipliquem-se" (Gênese 1:27).
Em uma primeira análise, o Shir Hashirim, Cântico dos Cânticos, um
dos mais belos livros da Bíblia, de autoria do rei Salomão, parece ser
uma canção de amor entre um homem e uma mulher. Nossos sábios
ensinam que, ao ser analisada mais cuidadosamente, a obra pode
ser considerada uma alegoria do amor entre Deus e o povo de Israel.
O fato de o rei Salomão ter utilizado o amor entre homem e mulher
como alegoria mostra o quão poderoso e sagrado deve ser o amor –
pois sagrada e indissolúvel é a união entre Deus e Israel.
A união e o amor entre os cônjuges são descritos com insistência nas
biografias dos patriarcas (Abrahão e Sara, Isaac e Rebeca, Jacó e
Lea e, mais tarde, Jacó e Raquel. Estes dois últimos vivem uma das
mais bonitas histórias de amor em toda a literatura, uma relação
repleta de devoção e ternura.
Com Isaac e Rebeca o texto bíblico relata o primeiro casamento
conhecido na história da humanidade. Descreve Rebeca entrando na
tenda de Sara, a falecida mãe de seu futuro marido. O Midrash indica
que os milagres que se realizavam através de Sara e que haviam
cessado com a sua morte, reaparecem através de Rebeca.
O matrimônio
O matrimônio recebe o nome hebraico de kidushin (consagração,
santificação ou dedicação), pois o casamento é uma ocasião sagrada
no judaísmo. É um mandamento divino, a criação de um laço
sagrado. O casamento entre dois judeus é visto como o início de uma
nova vida para ambos. O casal passa a ter uma relação exclusiva, e
isto implica em uma dedicação total entre o noivo e a noiva para que
possam tornar-se o que a Cabalá descreve como "uma única alma
em dois corpos diferentes".
O Talmud, ao ser redigido, codificou os hábitos que haviam sido
estabelecidos ao longo das gerações. A lei talmúdica estabelece que
quando um homem e uma mulher decidem casar-se, ele precisa
dizer-lhe que ela passa a ser sua esposa. Ela, por sua vez, deve
aceitar de livre e espontânea vontade. Tal ato deve ser realizado
99
diante de duas testemunhas válidas, mediante uma das formas
aceitas pelo judaísmo para se contrair matrimônio, entre as quais, a
entrega simbólica de uma soma em dinheiro, uma garantia escrita
ou através do Kidushei Biá, ou Matrimônio por Cohabitação. Neste
último caso, a cerimônia terminava com a mulher entrando na tenda
do marido, ato que marcava o início de uma vida em comum. As duas
últimas formas de contratar casamento não são mais usadas.
Na época talmúdica o casamento era feito em duas etapas. A
primeira era a promessa ou "noivado" - em hebraico, erussin ou
kidushin. Era de fato um compromisso moral, que podia ser
revogado por uma das partes. Possuía praticamente a validade do
matrimônio, mas não concedia direitos aos envolvidos. Era também
chamado de kidushin (consagração ou dedicação) pois era, de fato,
quando a noiva era "prometida" ao noivo.
No ato do noivado, o homem entregava à futura esposa um presente
cujo valor devia ser maior do que uma moeda. A partir do século VII
o presente foi substituído por um anel sem pedras preciosas. Este
era colocado pelo noivo no dedo indicador direito da noiva, depois da
prece recitada por um oficiante, dizendo: "Harei at mekudeshet li,
betabaat zu kedat Moshe ve-Israel" (Eis que me és consagrada por
esse anel, segundo a lei de Moisés e Israel). Ao colocar o anel no
dedo da noiva, o rapaz efetivava seu vínculo com ela.
Algum tempo após o noivado, a cerimônia de casamento,
propriamente dita, em hebraico nissuin, era oficiada sob a chupá, na
presença de duas testemunhas competentes com a recitação das
sete bênçãos tradicionais - Sheva Brachot. A cerimônia era realizada
sob a chupá, o pálio nupcial, simbolizando o lar do novo casal e
"cobrindo" ou protegendo-o nesta fase abençoada e sagrada de sua
vida. Este "lar" simbólico, a chupá, é o que permite que a cerimônia
seja realizada em qualquer lugar.
Desde o século XVI, as duas etapas do matrimônio – erussin /
kidushin e o nissuin - são realizadas sucessivamente, durante a
celebração do casamento, como conhecemos hoje, apesar de
continuarem sendo dois atos distintos. A ketubá, o contrato de
casamento, é mencionado ou lido entre as duas etapas da cerimônia.
A cerimônia
A primeira parte do casamento judaico - o kidushin - inicia-se com
uma bênção sobre um copo de vinho. É uma bênção de
agradecimento e louvor ao Criador, que proporcionou a santidade do
matrimônio. E ao pronunciá-la, atrai-se as bençãos Divinas sobre
essa união. Tanto o noivo como a noiva bebem deste vinho. Todas as
bênçãos durante o casamento são feitas sobre o vinho, pois este
simboliza a vida.
A entrega da aliança pelo noivo e a sua aceitação pela noiva
constitui o ato central do kidushin, efetivando o vínculo entre os
dois. O noivo recita a frase que legitima o casamento - "Com este
anel te consagro a mim, conforme a lei de Moisés e de Israel", que
vimos acima, em hebraico. Em seguida, diante de duas testemunhas,
100
coloca uma simples aliança de ouro no dedo indicador direito da
noiva. Depois é feita a leitura ou menção da ketubá, conforme os
hábitos de cada comunidade.
O próximo passo da cerimônia é Nissuin, quando são novamente
recitadas as sete bênçãos sobre um cálice de vinho, enaltecendo e
agradecendo a Deus por Suas obras: a criação do ser humano e por
ter criado o homem como uma criatura composta de duas partes homem e mulher. Abençoa-se o casal para que juntos possam ter
alegrias, assim como o tiveram Adão e Eva no Jardim do Éden. As
berachot santificam os noivos para que o amor entre eles seja tão
permanente e indestrutível quanto o amor de Deus para com Israel.
Após as bênçãos, o noivo e, em seguida, a noiva, bebem outro cálice
de vinho.
Na conclusão da cerimônia é costume o noivo quebrar um copo
envolto em um pano. Este gesto serve para recordar a destruição do
Templo de Israel. Em algumas comunidades é também interpretado
como um sinal de bom augúrio. É o momento em que a solenidade e
santidade do ato parecem aliviadas, com as manifestações dos
presentes, alegremente fazendo votos de mazaltov, e que descontrai
a natural tensão dos noivos, ao chegar o tão ansiado momento de
consolidarem o seu amor, "consagrando-se um ao outro" diante de
Deus e de sua comunidade.
Ketubá
A ketubá é um contrato matrimonial que confirma legalmente o
casamento e especifica as responsabilidades do marido pela esposa.
Foi idealizada há mais de 2500 anos por nossos sábios para, através
de uma legislação específica, proteger a mulher e seus direitos em
uma época na qual ela era considerada, entre outros povos,
"propriedade do marido", ou "um ser sem direitos".
Na ketubá podem ser encontradas dez prescrições da Halachá. Três
estão escritas na Torá: o marido deve alimentar sua mulher, vesti-la
e unir-se a ela conjugalmente. As outras dizem que ele tem o dever
de tratar sua mulher quando ela estiver doente, comprá-la de seus
seqüestradores se mantida em cativeiro, enterrá-la se vier a morrer,
dar-lhe uma moradia decente, assegurar sua subsistência, assim
como de suas filhas, e se o marido vier a morrer, ter previsto uma
reserva para seu futuro. São citadas algumas obrigações específicas
entre os esposos e seus pais, assim como a soma que ele deve dar à
sua mulher em caso de divórcio. A mulher deve guardar este
documento por toda a vida.
Antigamente existia uma verdadeira arte em torno da confecção de
uma ketubá e famílias mais abastadas usavam documentos
belíssimos, com lindas ilustrações e bênçãos. Foram assim
conservadas ketubot magníficas, de grande valor artístico, que hoje
são peças de museus.
" Eu te consagro a Mim para sempre. Eu te consagro a Mim em
misericórdia e em julgamento, e em amor, e em retidão. Eu te
101
consagro a Mim em fidelidade, e tu conhecerás Deus" (Oséias 2:2122)
Sete expressões de noivado entre Deus - o noivo e Israel - a noiva
(Ela)
"Noite após noite, busquei aquele que minha alma adora!..."
"O seu falar é cheio de meiguice e tudo nele me deslumbra e
encanta!
Exatamente
assim
é
meu
amado
e
meu
amigo..."
"Eu pertenço ao meu amado e meu amado é meu!"...
(Ele)
"Ó, como és bela, amiga minha, e como és mimosa!...
És toda bela, amiga minha, e em ti mancha nenhuma existe...
Esposa minha e minha irmã, roubaste, sim, meu coração, apenas
com um de teus olhares..."
"Quem é esta que surge como a aurora, tão bela como a lua e tão
brilhante como o sol ?..."
"Ó, como és bela, como és graciosa, minha amada, delícia de minha
alma!..."
(Do Cântico dos Cânticos, Shir Hashirim, do Rei Salomão)
R. DE VAUX (2003:46-61) esclarece sobre o casamento:
POLIGAMIA E MONOGAMIA
O relato da criação do primeiro casal humano, Gn 2.21-24, apresenta
o casamento monogâmico como de acordo com a vontade de Deus.
Os patriarcas da linhagem de Sete são apresentados como
monógamos, por exemplo, Noé, Gn 7.7, enquanto a poligamia
aparece na linhagem reprovada de Caim: Lameque tomou duas
mulheres, Gn 4.19. Essa é a idéia que se tinha das origens.
Na época patriarcal, Abraão tinha, a princípio, uma só mulher. Sara,
mas como esta era estéril, Abraão tomou sua escrava Hagar, como
lhe havia proposto a própria Sara, Gn 16.1,2. Abraão tomou também
a Quetura como esposa, Gn 25.1, mas isto é contado depois da
morte de Sara, Gn 23.1,2, e Quetura poderia ter sido a esposa
titular. Contudo, Gn 25.6 fala no plural das concubinas de Abraão e
parece designar assim a Hagar e a Quetura. Naor, que teve filhos de
sua mulher Milca, tem também uma concubina, Reumá, Gn 22.20-24.
Do mesmo modo Elifaz, filho de Esaú, tem uma mulher e uma
concubina, Gn 36.11,12.
Em tudo isto, os patriarcas seguem os costumes de seu ambiente.
Segundo o Código de Hamurabi, por volta de 1700 antes de nossa
era, o marido não pode tomar uma segunda esposa a não ser em
caso de esterilidade da primeira. E mesmo desse direito se vê
privado se sua própria esposa lhe fornece uma concubina escrava.
Não obstante, o marido pode, mesmo sua mulher tendo filhos, tomar
ele mesmo uma concubina, mas uma só - a menos que esta seja
estéril -, e a concubina nunca tem os mesmos direitos que a esposa.
102
Na região de Kerkuk, século XV a.C., os costumes são mais ou menos
os mesmos. Parece, todavia, que a mulher estéril é obrigada a
procurar uma concubina para seu marido.
Em todos esses casos observa-se uma monogamia relativa: nunca há
mais que uma esposa titular. Mas há outros exemplos que
ultrapassam esse limite. Jacó toma como esposas as duas irmãs Lia
e Raquel, e cada uma delas lhe dá sua escrava, Gn 29.15-30; 30.1-9.
Esaú tem três mulheres, as três consideradas do mesmo nível, Gn
26.34; 28.9; 36.1-5. Assim, os costumes do período patriarcal
mostram-se menos severos que os da Mesopotâmia, na mesma
época. Estes, aliás, não tardam em fazer-se mais brandos. Na
compilação de direito assírio, que data de fins do segundo milênio,
há um lugar, entre a esposa e a concubina escrava, para a esirtu, a
"dama do harém"; um homem pode ter várias esirtu, e uma esirtu
pode ser elevada à dignidade de esposa.
Em Israel, sob os juizes e sob a monarquia, desaparecem as antigas
restrições. Gideão tinha "muitas mulheres" e, pelo menos, uma
concubina, Jz 8.30,31. A bigamia é reconhecida como um ato legal
por Dt 21.15-17, e os reis tinham um harém, às vezes numeroso.
Parece então que não havia limites. Muito mais tarde, e de forma
completamente teórica, o Talmude estabelecerá o número de quatro
esposas para um homem comum, e de dezoito para um rei. Na
realidade, somente os príncipes podiam se permitir o luxo de um
harém numeroso. As pessoas comuns deveriam contentar-se com
uma ou duas mulheres. O pai de Samuel tinha duas esposas, uma
das quais era estéril, l Sm 1.2. Conforme 2 Cr 24.3, o sacerdote
Joiada escolheu duas mulheres para o rei Joás. Não é fácil dizer se
tal bigamia, a que se refere também Dt 21.15-17, era muito
freqüente. A situação era, sem dúvida, a mesma que a dos beduínos
e felás da Palestina moderna, os quais, não obstante as facilidades
que lhes dá a lei muçulmana, raramente são polígamos. Às vezes, o
interesse é o que leva à procura de uma segunda mulher, pois assim
obtém-se uma criada; contudo, com mais freqüência há o desejo de
ter numerosos filhos, principalmente quando a primeira mulher é
estéril ou teve somente filhas. A isto acrescenta-se que a mulher
oriental, que se casa muito jovem, perde logo seu vigor. Os mesmos
motivos intervieram na antiguidade israelita.
A presença de várias esposas não contribuía para a paz no lar. A
mulher estéril era menosprezada por sua companheira; assim, por
exemplo, Ana por Penina, l Sm 1.6, mesmo sendo esta uma escrava;
e Sara por Hagar, Gn 16.4,5. Por outro lado, a mulher estéril tinha
ciúmes da esposa fecunda, como no caso de Raquel e Lia, Gn 30.1. A
esses motivos de inimizade acrescentavam-se as preferências do
marido por uma delas, Gn 29.30,31; l Sm 1.5; a lei de Dt 21.15-17
teve de intervir para que os filhos da mulher menos amada não
fossem desapossados em favor dos filhos da esposa preferida. Esse
traço dos costumes se reflete na língua, que chama "rivais" as
mulheres de um mesmo homem, l Sm 1.6; cf. Eclo 37.11.
Parece, entretanto, que a monogamia era o estado mais freqüente
na família israelita. É surpreendente que os livros de Samuel e dos
103
Reis, que compreendem todo o período da monarquia, não mostrem
entre o povo comum mais casos de bigamia que o do pai de Samuel,
bem no início. Da mesma forma os livros sapienciais, que
apresentam um quadro da sociedade de sua época, não falam de
poligamia. Salvo o texto de Eclo 37.11, que acabamos de citar e que,
aliás, se poderia interpretar em sentido menos estrito, as numerosas
passagens que concernem à mulher em família compreendem-se
melhor no contexto de uma família estritamente monógama. Assim,
por exemplo, Pv 5.15-19; Ecl 9.9; Eclo 26.1-4, e o elogio da mulher
perfeita, que fecha o livro dos Provérbios, 31.10-31. O livro de
Tobias, que é uma história familiar, só põe em cena famílias
monógamas, a do velho Tobit, a de Ragüel e a que o jovem Tobias
funda com Sara. E com a imagem de um casamento monógamo que
os profetas representam a Israel como a esposa única escolhida pelo
Deus único, Os 2.4s; Jr 2.2; Is 50.1; 54.6,7; 62.4,5, e Ezequiel
desenvolve a metáfora em uma alegoria, Ez 16. Se o mesmo profeta
compara as relações de Iahvé com Samaria e Jerusalém a um
casamento com duas irmãs, Ez 23, cf. Também Jr 3.6-11, é para
adaptar às condições da história posterior ao cisma político a
alegoria que havia proposto no capítulo 16.
O TIPO DO CASAMENTO ISRAELITA
Assim como a filha não casada está na dependência do pai, assim
também a mulher casada está na dependência de seu marido.
O Decálogo, Ex 20.17, enumera a mulher entre as demais posses,
junto com o escravo e a escrava, o boi e o asno. O marido é chamado
o ba 'al de uma mulher, seu "dono", da mesma maneira que é o ba
'al de uma casa ou de um campo, Ex 21.3,22; 2 Sm 11.26; Pv 12.4
etc. Uma mulher casada é "posse" de um ba'al, Gn 20.3; Dt 22.22.
"Tomar esposa" se expressa pelo verbo da mesma raiz que ba'al e
significa, portanto, "tornar-se dono", Dt 21.13; 24.1.
Esses usos da língua indicam que a mulher era de fato considerada
como a propriedade de seu marido, que havia sido comprada por
ele? A Etnografia mostra em alguns povos tais casamentos por
compra, e com freqüência se disse que o mesmo havia sucedido em
Israel. À parte o vocabulário, propõe-se como argumento a história
de Raquel e de Lia, que dizem que seu pai lhes havia "vendido", Gn
31.15; mas não se deve dar sentido formal e jurídico a essa palavra
proferida por mulheres encolerizadas. Invoca-se, sobretudo, e com
razão, o uso do mohar.
O mohar é uma quantidade de dinheiro que o noivo era obrigado a
pagar ao pai da moça. A palavra aparece na Bíblia somente três
vezes, Gn 34.12; Ex 22.16; l Sm 18.25. O montante podia variar
segundo as exigências do pai, Gn 34.12, ou segundo a situação
social da família, l Sm 18.23. No caso de um casamento imposto
depois do estupro de uma virgem, a lei prescreve o pagamento de 50
sidos de prata, Dt 22.29. Mas trata-se de uma penalidade e o mohar
ordinário devia ser inferior a essa quantia. Essa representa mais ou
menos o que o faraó Amenófis III pagava às mulheres de Gezer
destinadas a seu harém. Segundo Ex 21.32, 30 sidos indenizavam
pela morte de uma escrava, mas também isso era uma penalidade.
104
Para o cumprimento de um voto, 30 sidos representavam o valor de
uma mulher, mas uma moça de menos de vinte anos era estimada
somente em 10 sidos, Lv 27.4,5.
O pagamento do mohar podia ser substituído por uma prestação de
serviço, como no caso dos dois casamentos de Jacó, Gn 29.15-30, ou
por um serviço notável, como no casamento de Davi com Mical, l Sm
18.25-27, ou no de Otniel com a filha de Calebe, Js 15.16 = Jz 1.12.
Essa obrigação de entregar uma quantia em dinheiro, ou seu
equivalente, à família da noiva, dá evidentemente ao casamento
israelita a aparência de uma compra. Mas o mohar se apresenta,
mais que como o preço pago pela mulher, como uma compensação
dada à família e, apesar da semelhança exterior, isto é algo
moralmente diferente: o futuro marido adquire assim um direito
sobre a mulher, mas nem por isso a mulher é uma mercadoria. A
diferença salta aos olhos se o casamento com mohar é comparado
com outro tipo de união que é verdadeiramente uma compra: uma
moça podia ser vendida por seu pai a outro homem que a destinava
a ser sua concubina ou a concubina de seu filho, era escrava e podia
ser revendida, menos a estrangeiros, Ex 21.7-11. Além disso, é
provável que o pai não tivesse senão o usufruto do mohar e que esse
voltasse às mãos de sua filha como herança ou se a morte de seu
marido a reduzisse à indigência. Dessa maneira poderia explicar-se
a queixa de Raquel e de Lia contra seu pai que havia "consumido seu
dinheiro" depois de tê-las "vendido", Gn 31.15.
Entre os árabes da Palestina moderna observa-se um costume
parecido, inclusive no nome, o mahr, que o noivo entrega aos pais da
moça. A quantia varia segundo as localidades e a riqueza da família,
se a moça contrai matrimônio dentro da parentela ou fora de seu clã,
se ela é da mesma localidade ou de outra. Os interessados não
consideram esse pagamento como verdadeira compra, e uma parte
da quantia é empregada no enxoval da noiva.
Um costume análogo, mas não idêntico, existia no antigo direito
babilônico: a tirhatu, que aliás não era condição necessária para o
casamento, entregava-se geralmente ao pai da noiva, e às vezes à
noiva em pessoa. A quantia variava muito de l a 50 sidos de prata.
Essa soma era administrada pelo pai, que tinha o usufruto, mas não
podia dispor dela, e voltava às mãos da mulher se ficava viúva, ou a
seus filhos depois da morte da mãe. No direito assírio, a tirhatu era
entregue à própria noiva. Não era um preço de compra, era apenas,
segundo duas explicações prováveis, uma compensação feita à
jovem pela perda de sua virgindade ou um dote destinado a ajudar a
mulher se perdesse o marido. A mesma situação se manifesta nos
contratos de casamento procedentes da colônia judaica de
Elefantina, nos quais o mohar se conta entre os bens da mulher,
mesmo que tenha sido entregue ao seu pai.
Diferentes do mohar são os presentes que o jovem oferecia por
ocasião do casamento: as duas coisas se distinguem muito bem em
Gn 34.12. Esses presentes oferecidos à moça e sua família eram uma
recompensa por terem aceitado a petição de mão. Uma vez
concluído o casamento de Rebeca, o servo de Abraão apresenta jóias
105
e vestidos para a jovem e ricos presentes para seu irmão e para sua
mãe, Gn 24.53.
O mesmo costume se acha também na Mesopotâmia. Segundo o
Código de Hamurabi, o noivo distribuía presentes aos pais da moça
e, se estes rompiam os esponsais, deviam restituir o dobro do que
haviam recebido. Segundo a lei assíria, na qual a tirhatu é já um
presente em dinheiro dado à moça, o noivo lhe oferecia ao mesmo
tempo adereços e dava um presente a seu pai.
A moça também contribuía por ocasião do casamento, ou seja,
existia o dote? Isso é difícil de conciliar com o desembolso do mohar
por parte do noivo. De fato, o mohar não existe em casos em que
aparece algo que se assemelha ao dote: o faraó dá Gezer como
presente de casamento à sua filha, quando Salomão a toma por
esposa, l Rs 9.16; quando do casamento de Tobias com Sara, o pai
desta entrega a Tobias a metade de sua fortuna, Tb 8.21. Mas o
casamento de Salomão se faz à maneira egípcia e sai das condições
comuns, e a história de Tobias se situa em um ambiente estrangeiro.
Além disso, como Sara é filha única, essa entrega parece um
adiantamento da herança. Em Israel, os pais podiam dar presentes à
sua filha pelo casamento, dar-lhe uma escrava, Gn 24.59; 29.24,29,
ou mesmo terras, Js 15.18,19, onde, aliás, o dom é consecutivo ao
casamento; mas o costume de dotar a filha nunca enraizou em terra
judaica. Eclo 25.22 parece até repugnar esse costume: "É motivo de
ira, censura e grande vergonha que uma mulher sustente o seu
marido”.
Contudo, segundo as leis babilônicas, a jovem esposa recebia de seu
pai alguns bens, que lhe pertenciam como propriedade particular e
dos quais seu marido tinha somente o usufruto. Restituíam-se à
mulher se vinha a ficar viúva ou se fosse repudiada sem que
houvesse culpa de sua parte. As leis assírias parecem conter
disposições semelhantes.
A mulher, ao casar-se, deixa seus pais e vai morar com seu marido,
ela seliga ao clã deste, ao qual pertencerão os filhos que ela der à
luz. Rebeca deixa seu irmão e sua mãe, Gn 24.58-59, e Abraão não
quer que seu filho Isaque vá à Mesopotâmia se a mulher que
escolheu não aceita vir para Canaã, Gn 24.5-8. Entretanto, alguns
casamentos mencionados na Bíblia parecem escapar a essa regra
geral. Jacó, casado com Lia e com Raquel, segue vivendo com seu
sogro Labão; quando foge, Labão lhe reprova por ter levado suas
filhas e protesta que são "suas" filhas e que os filhos delas são
"seus" filhos, Gn 31.26,43. Gideão tem uma concubina que continua
vivendo com sua família em Siquém, Jz 8.31, e o filho deste,
Abimeleque, afirma o parentesco que o une ao clã de sua mãe, Jz
9.1-2. Quando Sansão toma por esposa uma filistéia de Timna, o
casamento se celebra na casa da mulher, que segue vivendo com
seus pais, onde Sansão vai visitá-la, Jz 14.8s; 15.1-2.
Pensou-se reconhecer nesses casamentos um tipo de união em que
a mulher não deixa a casa paterna, onde o marido vai morar com ela
desligando-se assim de seu próprio clã. É um tipo que os etnógrafos
chamam de casamento beena, por ter esse nome no Ceilão (Sri
106
Lanka), onde foi mais estudado. Mas a comparação é inexata. Os
catorze anos de serviço de Jacó são o equivalente do mohar. Se
permanece outros seis anos na casa de seu sogro, Gn 31.41, é
porque teme ainda a vingança de Esaú.Gn27.42-45, e além disso,
porque tem um contrato com Labão, Gn 30.25-31. De fato, Labão
não
põe à partida de Jacó com suas mulheres nenhuma
consideração de direito matrimonial, Gn 30.25s, mas unicamente lhe
reprova fazê-lo em segredo, Gn 31.26-28. Ele falaria de outra
maneira se o casamento de Jacó o tivesse integrado ao clã de seu
sogro. No caso de Gideão, o texto salienta que se trata de uma
concubina. A história do casamento de Sansão é mais interessante,
mas devemos notar que Sansão não vive com sua mulher em Timna,
mas simplesmente a visita e não é incorporado a seu clã. Não se
trata, pois, de um casamento beena.
O caso de Gideão deve antes ser comparado à união sadiqa dos
antigos árabes. Não é tanto um verdadeiro casamento quanto uma
união aceita pelo costume: sadiqa significa "amante, companheira".
Com relação ao casamento de Sansão, ele se parece muito com uma
forma encontrada entre os árabes da Palestina: é um verdadeiro
casamento, mas sem coabitação permanente; a esposa é chefe em
sua casa e o marido, chamado djôz musarrib, "esposo visitante",
aparece como hóspede e leva presentes. As antigas leis assírias
prevêem também o caso em que uma mulher casada continue
vivendo com seu pai, mas não se demonstrou que esse gênero de
casamento, chamado erebu, constitua um tipo especial de
casamento.
A ESCOLHA DA ESPOSA
A Bíblia não dá nenhuma informação acerca da idade em que as
moças se casavam. A prática de casar primeiro a filha mais velha
não era universal, Gn 29.26. Parece certo que se casavam as filhas
muito jovens, como se fez durante muito tempo e se faz ainda
freqüentemente no Oriente, e o mesmo devia suceder com os
moços. Segundo as indicações dos livros dos Reis, que
ordinariamente dão a idade de cada rei de Judá no momento de sua
chegada ao trono, assim como a duração de seu reinado e a idade
do filho que lhe sucede, que é normalmente o primogênito, pode-se
calcular que Joaquim se casou aos 16 anos, Amom e Josias já aos
14; mas esses cálculos se baseiam em números que não são de todo
seguros. Mais tarde, os rabinos determinaram a idade mínima do
casamento para as moças aos 12 anos, e aos 13 para os moços.
Em tais condições compreende-se que a intervenção dos pais seja
decisiva para a conclusão do casamento. Não se consulta a jovem
nem, freqüentemente, o jovem. Para escolher uma mulher para
Isaque, Abraão envia seu criado, que trata do assunto com Labão,
irmão de Rebeca, Gn 24.33-53.
Somente depois pede-se o
consentimento a Rebeca,vv. 57-58, que, segundo o paralelo de
certos textos da Mesopotâmia, só é necessário porque Rebeca havia
perdido seu pai e está sob a autoridade de seu irmão. Hagar,
expulsa por Abraão, escolhe uma esposa para Ismael, Gn 21.21,
Judá casa seu primogênito, Gn 38.6. Ocorre também que o pai
oriente a escolha de seu filho: Isaque envia Jacó para casar-se com
107
uma de suas primas, Gn 28.1-2. É Hamor que pede a mão de Diná
para seu filho Siquém, Gn 34.4,6. Sansão pede a seus pais a filistéia
por quem está apaixonado, Jz 14.2-3. Esaú, por independente que
seja, leva em conta a vontade de seu pai, Gn 28.8-9. Calebe, Js
15.16, e Saul, l Sm 18.17, 19,21,27; 25.44, decidem sobre o
casamento de suas filhas. No final do Antigo Testamento, o velho
Tobit aconselha seu filho sobre a escolha de uma esposa, Tb 4.1213, e o casamento de Tobias conclui-se com o pai de Sara, na
ausência da jovem, Tb 7.9-12.
Como o pedido de casamento é feito aos pais da moça, com eles é
que se discutem as condições, especialmente a quantia do mohar,
Gn 29.15s; 34.12. Em resumo, como hoje, as filhas casadeiras
proporcionavam a seus pais inquietações preocupações, Eclo 42.9.
Não obstante, essa autoridade dos pais não era tal que não deixasse
lugar em absoluto aos sentimentos dos jovens. Havia em Israel
casamentos por afeto. O jovem podia manifestar suas preferências,
Gn 34.4; Jz 14.2. Ele podia decidir por si mesmo sem consultar seus
pais e até contra a vontade deles, Gn 26.34-35. Mais raro é que a
jovem tome a iniciativa, como a filha de Saul, Mical, que se apaixona
por Davi, l Sm 18.20.
De fato, esses sentimentos tinham muitas ocasiões de nascer e de
exteriorizar-se, pois as jovens eram muito livres. É verdade que 2
Mc 3.19 fala das jovens de Jerusalém confinadas em suas casas,
mas essa informação refere-se à época grega e a uma circunstância
extraordinária. O véu com que se cobriam as mulheres é uma
prática ainda mais tardia. Em épocas antigas as jovens não ficavam
enclausuradas e saíam sem véu. Elas apascentavam os rebanhos, Gn
29.6, iam buscar água, Gn 24.13; l Sm 9.11, também apanhavam as
espigas deixadas pelos segadores, Rt 2.2s, faziam visitas, Gn 34.1.
Podiam sem dificuldade falar com os homens, Gn24.15.21; 29.1112; l Sm 9.11-13.
Essa liberdade expunha, às vezes, as moças às violências dos
rapazes, Gn 34.1-2, mas o sedutor era obrigado a casar-se com a
vítima pagando um elevado mohar e não tinha direito de repudiá-la
depois, Ex 22.15; Dt 22.28,29.
Era costume casar-se com uma parente: isso era uma herança da
vida tribal. Abraão envia seu servo para buscar uma esposa para
Isaque da sua família na Mesopotâmia, Gn 24.4; Isaque, por sua
vez, também envia para lá Jacó para que se case, Gn 28.2. Labão
declara que prefere dar sua filha a Jacó que a um estrangeiro, Gn
29.19. O pai de Sansão lamenta que este não tome por mulher uma
moça de seu clã, Jz 14.3. Tobit aconselha seu filho que escolha uma
mulher de sua tribo, Tb 4.12.
Os casamentos entre primos irmãos eram freqüentes, como por
exemplo o casamento de Isaque com Rebeca, o de Jacó com Lia e
Raquel. Atualmente, ainda é assim entre os árabes da Palestina,
onde o jovem tem direito garantido à mão de sua prima. Segundo Tb
6.12-13; 7.10, Sara não pode ser recusada a Tobias porque esse é
seu parente mais próximo; nos é dito ser esta uma "lei de Moisés",
108
Tb 6.13; 7.11-12. Não obstante, no Pentateuco não há nenhuma
prescrição legislativa desse tipo; o texto se refere aos relatos de
Gênesis sobre os casamentos de Isaque e Jacó, cf. especialmente
Gn 24.50-51, ou talvez à lei que obriga as filhas herdeiras a
casarem-se no clã de seu pai para evitar que se transfiram bens da
família, Nm 36.5-9. Sara é, efetivamente, filha única de Ragüel, Tb
6.12. A mesma consideração do patrimônio e dos vínculos de
sangue funda a obrigação do levir para com a cunhada que ficou
viúva.
Havia, contudo, casamentos fora da parentela, e inclusive
casamentos com mulheres estrangeiras. Esaú tem duas mulheres
hititas, Gn 26.34; José, uma egípcia, Gn 41.45; Moisés, uma
midianita, Ex 2.21; as duas noras de Noemi são moabitas, Rt l .4;
Davi tem entre suas mulheres uma calebita e uma araméia, 2 Sm
3.3; o harém de Salomão compreende "além da filha do faraó,
moabitas, amonitas, edomitas, sidônias e hititas", l Rs 11.1; cf.
14.21. Acabe toma por esposa a sidônia Jezabel, l Rs 16.31. E por
outro lado, moças de Israel se casavam com estrangeiros: BateSeba com um hitita, 2 Sm 11.3, a mãe do bronzista Hirão, com um
homem de Tiro, l Rs 7.13,14.
Esses casamentos mistos que a política aconselhava aos reis
tornaram-se freqüentes entre o povo comum desde a instalação em
Canaã, Jz 3.6. Não só eram um atentado à pureza de sangue, mas
também punham em perigo a fé religiosa, l Rs 11.4, e eram
proibidos pela lei, Ex 34.15-16; Dt 7.3-4. As cativas de guerra abriase uma exceção: podiam ser desposadas após uma cerimônia que
simbolizava o abandono de seu lugar de origem, Dt 21.10-14. Essas
proibições não foram muito respeitadas: a comunidade que voltou
do Exílio, continuou realizando casamentos mistos. Ml 2.11-12;
Esdras e Neemias tiveram que tomar medidas severas, que não
parecem ter sido muito eficazes, Ed 9.10; Ne 10.31; 13.23-27.
Entretanto, no interior da família estão proibidos os casamentos
com parentes imediatos pelo sangue ou por aliança, pois o indivíduo
não deve se unir a "sua própria carne", Lv 18.6, a afinidade era
considerada como um laço igual ao da consangüinidade, cf. 18.17.
Essas proibições se referem, pois, à proibição do incesto. Algumas
são primitivas, outras foram acrescentadas mais tarde; estão
reunidas sobretudo em Lv 18. Há impedimentos de consangüinidade
em linha direta entre pai e filha, mãe e filho, Lv 18.7, entre pai e
neta, Lv 18.10, em linha colateral entre irmão e irmã, Lv 18.9; Dt
27.22. O casamento com uma meia-irmã, aceito na época patriarcal,
Gn 20.12, e ainda sob Davi, 2 Sm 13.13, é proibido pelas leis de Lv
18.11; 20.17; o casamento entre sobrinho e tia, como o casamento
do qual nasceu Moisés, Ex 6.20, Nm 26.59, é proibido por Lv 18.1213; 20.19. Há impedimento de afinidade entre um filho e sua
madrasta, Lv 18.8, entre sogro e nora, Lv 18.15; 20.12; cf. Gn 38.26,
entre sogra e genro, Lv 20.14; Dt 27.23, entre um homem e a filha
ou a neta de uma mulher com quem ele tenha se casado, Lv 18.17,
entre um homem e a mulher de seu tio, Lv 18.14; 20.20, entre
cunhado e cunhada, Lv 18.16; 20.21. O casamento com duas irmãs,
que poderia ser autorizado pelo exemplo de Jacó, é proibido por Lv
18.18.
109
Os membros da linhagem sacerdotal estavam sujeitos a restrições
especiais. Segundo Lv 21.7, não podiam tomar por esposa uma
mulher que tivesse se prostituído ou que tivesse sido repudiada por
seu marido. Ez 44.22 acrescenta ainda as viúvas, a não ser que elas
fossem viúvas de um sacerdote. Para o sumo sacerdote havia regras
ainda mais estritas: só podia tomar como esposa uma virgem de
Israel.
OS ESPONSAIS
Os esponsais são a promessa de casamento feita algum tempo antes
da celebração das núpcias. Era um costume que existia em Israel e
a língua hebraica tem um verbo especial para expressá-lo: é o verbo
'arás, empregado onze vezes na Bíblia.
Os livros históricos dão poucas informações sobre isto. O caso de
Isaque e de Jacó são particulares: sem dúvida Rebeca foi prometida
a Isaque na Mesopotâmia, mas o casamento foi celebrado quando
ela chegou em Canaã, Gn 24.67; Jacó espera sete anos antes de
casar-se, mas tem um compromisso especial com Labão, Gn 29.1521. O caso de Davi e das duas filhas de Saul é mais claro: Merabe
lhe havia sido prometida, mas "quando chegou o momento" foi dada
a outro, l Sm 18.17-19; Mical foi prometida a Davi em troca de cem
prepúcios de filisteus, que ele apresentou "antes de vencido o
prazo", l Sm 18.26-27. Em compensação, Tobias desposou Sara logo
depois que o casamento foi acertado, Tb 7.9-16.
Mas os textos legislativos provam que os esponsais eram um
costume reconhecido e que tinham efeitos jurídicos. Segundo Dt
20.7, um homem que se comprometeu com uma moça, mas que
ainda não tenha se casado com ela, está dispensado de ir à guerra.
A lei de Dt 22.23-27 regulamenta o caso de uma virgem que está
prometida e sofre violência por parte de um homem que não é o seu
noivo. Se o estupro aconteceu na cidade, a noiva é apedrejada
juntamente com seu sedutor, pois deveria ter pedido socorro; se foi
assediada no campo, somente o homem deve ser morto, pois a moça
pode ter gritado e não ter sido ouvida.
A glosa de l Sm 18.21 conserva provavelmente a fórmula que o pai
da moça pronunciava e que garantia a validez do noivado: "Hoje tu
serás meu genro." O preço do mohar era discutido com os pais no
momento do noivado e sem dúvida era entregue imediatamente se,
como era o costume, fosse pago em dinheiro.
Os esponsais existiam igualmente na Mesopotâmia. Concluíam-se
com o desembolso da tirhatu, equivalente do mohar, e acarretavam
conseqüências jurídicas. Entre o noivado e o casamento havia um
intervalo mais ou menos longo, durante o qual cada uma das partes
podia voltar atrás, mas recebia uma penalidade. As leis hititas
contêm disposições análogas.
AS CERIMONIAS DE CASAMENTO
110
É interessante observar que em Israel, como na Mesopotâmia, o
casamento é um assunto puramente civil e não é sancionado por
nenhum ato religioso. É certo que Malaquias chama a esposa "a
mulher de tua aliança", berît, Ml 2.14, e que com freqüência berît se
refere a um pacto religioso, mas aqui este pacto não é senão o
contrato de casamento. Em Pv 2.17, o casamento é chamado "a
aliança de Deus" e, na alegoria de Ez 16.8, a aliança do Sinai tornase o contrato de casamento entre lahvé e Israel.
Fora estas prováveis alusões, o Antigo Testamento não menciona
contrato escrito de casamento a não ser na história de Tobias, Tb
7.13. Possuímos muitos contratos de casamento procedentes da
colônia judaica de Elefantina, que datam do século V antes de nossa
era, e na época greco-romana o costume estava bem estabelecido
entre os judeus. É difícil dizer até onde ele remonta. Existia desde
muito tempo na Mesopotâmia, e o Código de Hamurabi declara
inválido um casamento concluído sem que um contrato tenha sido
estabelecido. Em Israel redigiam-se documentos de divórcio desde,
antes do Exílio, Dt 24.1,3; Jr 3.8: seria, pois, estranho se naquele
tempo não houvesse contratos de casamento, e o silêncio dos textos
é, talvez, acidental.
A fórmula determinante do casamento é dada nos contratos de
Elefantina, que são redigidos em nome do marido: "Ela é minha
esposa e eu seu marido a partir de hoje, para sempre"; a mulher
não faz nenhuma declaração. Pode-se encontrar um equivalente em
Tb 7.11, onde o pai de Sara diz a Tobias: "Desde agora és seu irmão
e ela é tua irmã”. Em um contrato do século II d.C., descoberto no
deserto de Judá, a fórmula é: "Tu serás minha mulher."
O casamento era ocasião de alegria. A cerimônia principal era a
entrada da noiva na casa do esposo. O noivo, com a cabeça
adornada com um diadema, Ct 3.11; Is 61.10, acompanhado por
seus amigos com tamborins e músicas, l Mc 9.39, dirigia-se à casa
da noiva. Esta estava ricamente vestida e adornada com jóias, SI
45.14-15; Is 61.10, mas, coberta com um véu, Ct4.1,3; 6.7, e só se
descobria no aposento nupcial. Por isso Rebeca se cobriu com um
véu ao avistar seu noivo Isaque, Gn 24.65, e esse costume permitiu
a Labão substituir Raquel por Lia no primeiro casamento de Jacó, Gn
29.23-25. A moça, acompanhada de suas amigas, SI 45.15, é
conduzida à casa do esposo, SI 45.16; cf. Gn 24.67. Cantam-se
cantos de amor, Jr 16.9, nos quais se celebram as qualidades do
casal, dos quais temos exemplos no SI 45 e no Cântico dos Cânticos,
seja qual for a interpretação que lhes seja dada, alegórica ou literal.
Os árabes da Palestina e da Síria conservaram costumes análogos: o
cortejo, os cantos nupciais, o véu da noiva. Às vezes, durante o
trajeto, uma espada é levada pela noiva ou diante dela, e às vezes
ela executa, avançando e retrocedendo, a dança do sabre.
Relacionou-se a isso a dança da sulamita em Ct 7.1. Em algumas
tribos a noiva tenta, por brincadeira, escapar de seu noivo que deve
simular conquistá-la à força. Foi proposto ver nessas brincadeiras
uma sobrevivência do casamento por rapto, do qual haveria
igualmente um vestígio no Antigo Testamento: o rapto pelos
benjamitas das moças que dançavam nas vinhas de Siló, Jz 21.19-
111
23. Essas comparações não parecem ter fundamento. O gesto de
brandir a espada tem valor profilático: corta a má sorte e afugenta
os demônios. Nada indica que a dança da sulamita seja uma dança
do sabre, e o episódio de Siló se explica pelas circunstâncias
extraordinárias mencionadas no relato.
Em seguida, celebrava-se o grande banquete, Gn 29.22; Jz 14.10; Tb
7.14. Nesses três casos a ceia acontece na casa dos pais da noiva,
mas em condições particulares. Pela regra geral dava-se,
certamente, na casa do noivo, cf. Mt 22.2. A festa durava
normalmente sete dias, Gn 29.27; Jz 14.12, e podia se prolongar por
até duas semanas, Tb 8.20; 10.7. Contudo, o casamento se
consumava já na primeira noite, Gn 29.23; Tb 8.1. Dessa noite
nupcial se conservava o tecido manchado de sangue que provava a
virgindade da noiva e que servia de prova em caso de calúnia do
marido, Dt 22.13-21. O mesmo costume ingênuo existe ainda na
Palestina e em outros países muçulmanos.
O REPÚDIO E O DIVÓRCIO
O marido pode repudiar sua mulher. O motivo aceito por Dt 24.1 é
"ter ele achado coisa indecente nela". A expressão é muito genérica
e, na época rabínica, discutia-se vigorosamente sobre a abrangência
desse texto. A escola rigorista de Shammai só admitia como causa
de repúdio o adultério e a má conduta, mas a escola de Hillel, cuja
interpretação era mais abrangente, contentava-se com qualquer
motivo, inclusive fútil, como a mulher ter cozinhado mal um prato
ou, simplesmente, que outra mulher agradasse mais o marido. Já
Eclo 25.26 dizia ao marido: "Se tua esposa não obedece ao dedo e
ao olho separa-te dela."
A formalidade do repúdio era simples: o marido fazia uma
declaração contrária à que tinha estabelecido o casamento: "Ela já
não é minha esposa e eu já não sou seu marido". Os 2.4. Na colônia
de Elefantina, ele dizia diante de testemunhas: "Eu me divorcio de
minha mulher", literalmente: "Odeio minha mulher. "Na Assíria, ele
dizia: "Eu a repudio", ou seja: "Você não é mais minha mulher.
"Mas, em Israel, como na Mesopotâmia e em Elefantina, o marido
devia redigir um documento de repúdio, Dt 24.1,3; Is 50.1; Jr 3.8,
(que permitia à mulher voltar a casar-se, Dt 24.2. Nas cavernas de
Murabba'at descobriu-se um documento de repúdio, de princípios do
século II d.C.
A lei estabelecia poucas restrições ao direito do marido: um homem
que tivesse acusado falsamente sua mulher de não ser virgem ao
casar-se com ele, não podia repudiá-la nunca mais, Dt 22.13-19; da
mesma maneira, um homem que tivesse tido que se casar com uma
moça que ele tinha violado, Dt 22.28-29. Se uma mulher repudiada
volta a casar-se, e fica livre por ter morrido seu segundo marido ou
por que este a repudiou, o primeiro marido não pode retomá-la, Dt
24.3-4; cf. Jr 3. l. O duplo casamento de Oséias, Os 2.3, se é que se
trata, como parece, da mesma mulher repudiada e tomada
novamente, não está sob essa lei, pois a mulher não tinha voltado a
casar-se neste ínterim, mas se prostituído. A lei também não se
aplicava no caso de Mical, casada com Davi, dada depois em
112
casamento a outro e, finalmente, retomada por Davi, l Sm 18.20-27;
25.44; 2 Sm 3.13-16, posto que Davi não a tinha repudiado.
Não sabemos se os maridos israelitas faziam freqüentemente uso
desse direito, que parece ter sido bastante difundido. Os escritos
sapienciais fazem o elogio da fidelidade conjugal, Pv 5.15-19; Ec
9.9, e Malaquias ensina que o casamento faz dos cônjuges um só
ser, e que o marido deve sustentar o juramento feito à sua
companheira: "Odeio o repúdio, diz Iahvé. Deus de Israel". Ml 2.1416. Mas será preciso aguardar o Novo Testamento para que Jesus
proclame a indissolubilidade do casamento, Mt 5.31-32; 19.1-9 e
paralelos, com o mesmo argumento que empregava Malaquias: "O
que Deus uniu, o homem não deve separar”.
As mulheres, ao contrário, não podiam pedir o divórcio. Mesmo no
princípio de nossa era, quando Salomé, a irmã de Herodes, enviou
uma carta de repúdio a seu esposo Kostabar, sua ação foi
considerada contrária à lei judaica. Se o Evangelho apresenta a
hipótese de uma mulher que repudia seu marido, Mc 10.12 (que
falta nos paralelos), é seguramente pensando nas práticas dos
gentios. Mas a colônia de Elefantina, que havia sofrido influências
estrangeiras, admitia que o divórcio fosse pronunciado pela mulher.
E até na Palestina é atestado esse uso no século II de nossa era por
um documento do deserto de Judá.
Na Mesopotâmia, segundo o Código de Hamurabi, o marido pode
repudiar sua mulher pronunciando a fórmula de divórcio, mas deve
dar-lhe uma compensação que varia segundo cada caso. A mulher
não pode divorciar-se a não ser depois que uma decisão do juiz
reconheça a culpa do marido. Segundo as leis assírias, o marido
pode repudiar sua mulher sem compensação, mas a mulher não
pode obter o divórcio. Os contratos apresentam uma situação mais
complexa e com freqüência prevêem condições mais onerosas para
o marido: no momento da conclusão do casamento, os pais da noiva
a protegiam com cláusulas específicas.
Mesmo que o Antigo Testamento se cale sobre essa questão, é
provável que também em Israel algumas condições pecuniárias
estivessem ligadas ao repúdio. Segundo os contratos matrimoniais
de Elefantina, o marido que repudiava sua mulher não podia
reclamar o mohar, pagava o "preço do divórcio" e a mulher
conservava tudo o que havia levado ao casamento; a mulher que se
separava de seu marido pagava o mesmo "preço do divórcio" e
conservava seus bens pessoais, inclusive, pelo que parece, o mohar.
O ADULTÉRIO E A FORNICAÇÃO
O Decálogo condena o adultério, Ex 20.14; Dt 5.18, junto com o
homicídio e o furto como atos que prejudicam ao próximo. Em Lv
18.20, o adultério inclui-se entre os interditos matrimoniais, é algo
que torna "impuro". Como em todo o Oriente antigo, o adultério é,
pois, um delito privado, mas o texto de Lv 18.20 lhe acrescenta uma
consideração religiosa e os relatos de Gn 20.1-13; 26.7-11,
apresentam o adultério como uma falta castigada por Deus.
113
O adultério de um homem com uma mulher casada é severamente
punido: os dois cúmplices são condenados à morte, Lv 20; 10; Dt
22.22; nesse caso, a noiva é comparada à esposa, Dt 22;23s:
efetivamente a noiva pertence a seu noivo como a mulher a seu
marido. A pena se executa mediante apedrejamento, segundo Dt
22.23s; Ez 16;40; cf. Jo 8.5; entretanto, é possível que,
antigamente, se aplicasse a pena do fogo: Judá condenou sua nora
Tamar a ser queimada viva, Gn 38.24, porque suspeitou que ela
havia se entregado a um homem sendo viúva de seu filho Er,
estando prometida, pela lei do levirato, a outro filho seu. Sela.
A coleção mais recente dos Provérbios, Pv 1.9, põe repetidas vezes
em alerta os jovens contra as seduções de uma mulher infiel a seu
marido. A mulher é chamada "estrangeira", isto é, simplesmente, a
mulher de outro, Pv 2.16-19; 5.2-14; 6.23-7.27. Tal amor conduz à
morte, 2.18; 5.5; 7.26,27, mas essa "morte" é geralmente sinônimo
de perdição moral; uma vez aparece como a vingança do marido
ofendido, 6.34, mas jamais como castigo legal de adultério.
As partes antigas de Provérbios fazem poucas alusões ao adultério.
Pv 30.18-20, e comparam-no à prostituição, 23.27. O homem que
freqüenta as prostitutas dissipa seus bens e perde seu vigor, Pv
29.3; 31.3, mas não comete um delito punível pela lei. Nenhuma
censura recai sobre Judá por ter agido com Tamar como uma
prostituta, Gn 38.15-19; sua única falta consiste em não ter
observado, a respeito de sua nora, a lei do levirato, Gn 38.26.
A fidelidade conjugal é recomendada ao marido em Pv 5.15-19, mas
sua infidelidade não é castigada, a não ser no caso em que
prejudique o direito alheio e tenha por cúmplice uma mulher
casada.
Em contraste com essa indulgência de que usufrui o marido, a
imoralidade da mulher casada está sujeita a duros castigos; o
marido pode, sem dúvida, perdoar sua mulher, mas pode também
repudiá-la e ela sofre uma pena difamatória, Os 2.5,11-12; Ez
16.37-38; 23.29. É a "grande falta" de que falam alguns textos do
Egito e Ugarit, a "grande falta" que ia cometer o rei de Gerar com
Sara, Gn20.9; cf., metaforicamente, aplicado à idolatria Ex 32.21,3031. Nos faltam informações sobre as mulheres não casadas; só se
sabe que se a filha de um sacerdote se prostituísse, devia ser
queimada viva, Lv 21.9.
O LEVIRATO
Segundo uma lei de Dt 25.5-10, se irmãos vivem juntos e um deles
morre sem deixar descendência, um dos irmãos sobreviventes toma
por mulher a viúva, e o primogênito desse novo casamento é
considerado legalmente como filho do falecido. Entretanto, o
cunhado pode esquivar-se dessa obrigação mediante uma
declaração feita ante os Anciãos da cidade, mas ele é desonrado: a
viúva rejeitada o descalça e lhe cospe na cara porque "não edifica a
casa de seu irmão".
114
Essa instituição é chamada levirato, do latim levir, que traduz o
hebraico yabam, "cunhado". No Antigo Testamento ela é ilustrada
por dois exemplos, que são difíceis de interpretar e que só
imperfeitamente correspondem à lei do Deuteronômio: a história de
Tamar e a de Rute.
O primogênito de Judá, Er, morre sem deixar descendência de sua
mulher Tamar, Gn 38.6-7. Seu irmão Onã tinha o dever de casar-se
com a viúva, mas ele não quer ter um filho que não seja legalmente
seu, ele faz estéril sua união com Tamar e, por esse pecado, lahvé o
mata, 38.8-10. Judá deveria então dar para Tamar seu último filho,
Selá, mas esquiva-se do dever, 38.11. Então Tamar se une por
astúcia a seu sogro, 38.15-19. Nesse antigo relato, a lei do levirato
aparece mais estrita que no Deuteronômio: o cunhado não pode
escapar dela e o dever incumbe sucessivamente a todos os irmãos
sobreviventes, cf. Mt 22.24-27. A união de Tamar com Judá poderia
ser uma reminiscência de um tempo em que o dever do levirato
afetava o sogro se não tivesse outro filho, que é o que se praticou
em outros povos; contudo, aqui é mais o ato desesperado de uma
mulher que quer ter filhos do mesmo sangue que seu marido.
A história de Rute combina o costume do levirato com o dever do
resgate que incumbia ao go'el. A lei de Dt 25 não se aplica porque
Rute não tem mais cunhado, Rt 1.11-12. O fato de que um parente
próximo deva tomá-la por esposa, e isso seguindo certa ordem, Rt
2.20; 3.12, indica seguramente uma época ou um ambiente em que
a lei do levirato era um assunto de clã mais do que de família no
sentido estrito. De qualquer forma, as intenções e os efeitos desse
casamento são os de um casamento levirático: trata-se de
"perpetuar o nome do falecido", Rt 4.5,10; cf. 2.20, do qual a
criança que há de nascer será considerada filha, Rt 4.6; cf. 4.17.
Esse costume tinha paralelos em outros povos, e especialmente
entre os vizinhos de Israel. O Código de Hamurabi não fala dele,
mas as leis assírias consagram-lhe vários artigos. Nelas não se
expressa a condição de que a viúva não tenha filho, mas isso pode
ser devido a uma lacuna do texto. Em compensação, essas leis
assimilam, com respeito a isso, os esponsais a um casamento
consumado: se um noivo morre, sua noiva deve casar-se com o
irmão do falecido. Algumas leis hititas falam também do levirato,
mas com menos detalhe. O costume existia entre os hurritas de
Nuzu e talvez em Elam. Também é atestada em Ugarit.
Muito discutiu-se sobre o significado do levirato. Alguns explicaramno como meio de assegurar a continuidade do culto aos
antepassados, enquanto outros descobriram nele um indício de
sociedade fratriarcal. Independentemente de como era entre outros
povos, o Antigo Testamento dá uma explicação que lhe é própria e
que parece suficiente. A razão essencial é a de perpetuar a
descendência masculina, o "nome", a "casa", e é por isso que a
criança (provavelmente só a primeira) de um casamento levirático é
considerada filha do falecido. Não é somente um motivo
sentimental, é a expressão da importância dada aos laços de
sangue. Uma razão concomitante é a de evitar a transferência dos
bens da família. Essa consideração aparece em Dt 25.5, que põe
115
como condição do levirato que os irmãos vivam juntos, e, na história
de Rute, ela explica que o direito de resgate da terra esteja ligado
com a obrigação de casar-se com a viúva. A mesma preocupação se
encontra na legislação do jubileu, Lv 25, e na lei sobre as filhas
herdeiras, Nm 36.2-9.
A. VAN DER BORN (2004) esclarece sobre os esponsais:
Entre estar desposado e estar casado não há no AT uma diferença
essencial: tão logo que o contrato de casamento era concluído entre
o rapaz e os representantes da moça, ele tinha todos os direitos e
deveres matrimoniais, e a moça ficava obrigada à fidelidade
matrimonial. Não havia portanto um noivado no nosso sentido, com
promessa apenas de um futuro casamento, a não ser, talvez, no
caso de Booz, interpretando seu gesto em Ru 3,9 neste sentido de
que exprime a vontade de Booz de cuidar doravante de Rute. Muitas
vezes, no entanto, decorria algum tempo antes de a esposa dar
entrada na casa do marido e de se consumar o matrimônio;
enquanto ficava na casa dos pais, ela podia ser considerada como
desposada. Durante esse tempo os desposados estavam obrigados à
fidelidade mútua; infidelidade era punida judicialmente (Dt 22,2329); até a suspeição de infidelidade é motivo de investigação
(22,15-19). Sobre os esponsais no judaísmo posterior veja StB
2,393ss. No NT prevalecem as mesmas concepções (Mt l,18s; Lc
1,27; 2,5; ICor 7,36-38; 2Cor 11,12). Ver também -> Maria II.B;
Syneisaktos.
A. VAN DER BORN (2004) fala sobre as noivas:
(hebr. kallãh, gr. ...). —> Núpcias. A noiva é imagem da nova Sião (Is
62,4); ela faz a felicidade de Javé (62,5), que a cinge (49,18), e para
quem ela se enfeita com suas jóias (61,10; cf. Jer 2,32). A
comparação de uma cidade com uma mulher ou moça já era
tradicional no AT, mas a imagem da cidade como noiva depende
também do fato de que, a partir de Oséias, a aliança entre Javé e
Israel repetidas vezes é simbolizada como uma aliança conjugal, um
matrimônio (Os 2,16; Ez 16,8; Jer 2,2 fala em "o tempo da noiva");
uma interpretação alegórica do Cânt tornou esse simbolismo muito
popular no judaísmo posterior. No Apc a nova Jerusalém é "como a
noiva que se enfeitou para o noivo". Em Jer "os tons de festa e
alegria, de noivo e noiva" é uma expressão estereotípica, indicando
uma felicidade perfeita (7,34; 16,9; 25,10; 33,11; cf. Bar 2,23; Apc
18,23). No NT S. João Batista chama Jesus de —> Noivo (Jo 3,29), a
comunidade cristã de noiva (cf. 2Cor 11,2) e a si mesmo de amigo do
noivo. Em Apc 21,9 a noiva é a esposa do Cordeiro; em 22,17 o
Espírito e a noiva (esposa) são mencionados juntamente.
A. VAN DER BORN (2004) fala sobre o preço da noiva:
(hebr. mõhar: Gên 34,12; Ex 22,15s; ISam 18,25), a quantia que o
pai do noivo ou o próprio rapaz tinha que pagar ao pai da noiva ou a
quem o substituía. E' discutido se se trata de uma compra; —>
matrimônio.
A
quantidade do
preço
dependia
de muitas
circunstâncias (lugar, tempo, posição social, etc.), mas a média era
de uns cinco siclos de prata. O p. podia ser pago também com
116
serviços (Gên 29), com animais de muito valor (30,25-41), ou com
serviço militar (Jos 15,16; Jz 1,12; ISam 17,25; 18,25; 2Sam 3,14);
nesse último caso a noiva era a recompensa pela vitória.
A. VAN DER BORN (2004) fala sobre a virgindade:
A palavra virgindade pode ser empregada em dois sentidos: como
virgindade de fato, independentemente da intenção da pessoa que a
possui, e como virgindade intencional, como estado de vida ou modo
de vida livremente escolhido, i. é, como celibato voluntário.
(I) No AT a virgindade como estado de vida, em que a abstenção é
praticada por motivos superiores, era desconhecida. O israelita
considerava o —> matrimônio como honroso para todo o mundo e
desejava uma prole numerosa, sinal da bênção do Senhor (Gên
22,17). Esse respeito pelo matrimônio não significa que a virgindade
não fosse estimada: o sumo sacerdote só podia casar-se com uma
virgem (Lev 21,13-15); a Lei protegia a virgindade das jovens com
determinações especiais (Êx 22,15s); os pais velavam com multo
cuidado que a noiva chegasse intacta ao casamento (Dt 22,13-29); o
estado inupto da viúva era honrado em Israel (IRs 17,9; Jdt 15,10s;
2Mac 7). Só nos últimos tempos do AT (no judaísmo) houve homens
e mulheres que por motivos ascéticos se abstinham do matrimônio,
como se admite geralmente a respeito dos —> essênios.
(II) Só no cristianismo, no NT, a virgindade ganhou o seu devido
lugar como estado de vida. Aí nenhuma rejeição ou condenação do
matrimônio ou da vida sexual em si. Em palavras um tanto obscuras
Jesus recomenda o estado virginal ou inupto, por motivos superiores,
a saber, "por causa do reino dos céus" (Mt 19,lls). Igualmente S.
Paulo. Em lugar nenhum esse propõe a virgindade como um preceito.
Embora vivendo ele mesmo nesse estado (ICor 7,7), não o aconselha
a todos, porque nos desígnios de Deus não é a regra mas antes uma
exceção. Para aqueles que possuem o dom de Deus que possibilita tal
vida, a virgindade é boa, louvável, aconselhável (ICor 7,1-25). Esse
estado é melhor do que o matrimônio, porque desimpede a pessoa
para servir melhor a Deus e faz a alma tender mais livremente à
união com Deus (ICor 7,25-40). Pois a conseqüência da virgindade é
que a alma fica mais livre para se dar inteiramente a Deus. No NT não
se exige que os candidatos para os ofícios de supervisor (epíscopo),
presbítero e diácono sejam inuptos, mas sim que não se tenham
casado mais de uma vez (ITim 3,2.12; Ti 1,6).
A. VAN DER BORN (2004) fala sobre as viúvas:
Depois da morte de seu marido, a mulher que ficou sozinha vestiase com o vestido das viúvas (Gên 38,14; Jdt 8,5), do qual não
conhecemos os pormenores, e (quando não tinha filhos e não havia
para ela um matrimônio de levirato), voltava para a casa dos pais.
Se tinha filhos, esses deviam sustentá-la. Um segundo matrimônio
muitas vezes era necessário por motivos econômicos, mas
geralmente impossível e em alguns casos proibido (Lev 21,24: com
um sumo sacerdote; Ez 44,22: com um sacerdote). Por isso a
situação das viúvas era de pouca segurança e pertenciam elas,
como os órfãos e os estrangeiros, àquela categoria de pessoas que
117
sempre necessitavam da proteção dos profetas (p. ex.. Is 1,17; Jer
7,6; Miq 2,9) e da defesa da Lei (Êx 22,21ss; Dt 16,11.14; 24,19-21;
26,12). Louvava-se a viúva que voluntariamente continuava inupta
(Jdt 8,4s; Lc 2,36s; ICor 7,39s). O último refúgio das viúvas é Deus
(Êx 22,22s; Dt 10,18; SI 68,6; 146,9; Mal 3,5; ITun 5,5). Nas
primitivas comunidades cristãs, as viúvas eram sustentadas (At
6,lss); visitar as viúvas na sua necessidade é louvado em Tg 1,27
(cf. At 9,36ss) como um ato de verdadeira religiosidade.
Possivelmente as viúvas tenham às vezes vivido juntas na casa de
um cristão abastado, sob a supervisão de uma mulher (diaconisa?)
(ITim 5,16). Existiu também na Igreja primitiva um ofício de viúvas;
no contexto de uma exortação geral às viúvas, ITim 5,9s descreve
as condições (idade de 60 anos; casadas uma só vez; piedade) e a
tarefa (provavelmente o cuidado de mulheres pobres e doentes).
Enquanto no oriente aparecem as diaconisas, ouve-se no ocidente
falar mais em viúvas. As duas funções, no entanto, devem talvez ser
identificadas.
[9] O sistema de cotas para mulheres foi instituído no Brasil limitadamente
através de uma lei eleitoral, a de nº 9.100/95, destinada a imcrementar a
presença feminina nas Câmaras de Vereadores, idéia que aproveitamos
neste estudo como inspiradora para a proposta de cotas amplas para as
mulheres no patamar de 50% das vagas para todos os setores de cargos
(eletivos e por concurso público) e postos de trabalho em geral.
Transcrevemos abaixo o valioso artigo que nos dá grande alento para
vermos que não estamos sozinho:
Do voto feminino à Lei das Cotas: a difícil inserção das mulheres nas
democracias representativas (MARY FERREIRA[1])
O impacto proporcionado pela ação política do movimento feminista
é responsável pela gradativa mudança de mentalidade que vem se
processando na sociedade, juntamente com a implementação de
políticas públicas que têm contribuído para a transformação da
condição social das mulheres nas últimas décadas. Embora este fato
seja observado por diversos autores[2], existem setores que
continuam como “santuários que fogem às mulheres”: o religioso, o
militar e o político, como três ordens da Idade Média, constituem
segundo Perrot (1998) espaços que continuam quase inacessíveis às
mulheres, haja vista a resistência histórica de integrar mulheres
neste “redutos”, no qual os homens dominavam e ainda dominam
plenamente.
Ao analisar a presença das mulheres no legislativo em diferentes
países da América Latina, do Caribe, dos Estados Unidos e da África
pudemos perceber que a representação feminina ainda é bastante
desigual. Mesmo em países que passaram por processos
revolucionários recentes como foi o caso de Moçambique a
representação das mulheres reflete uma iniqüidade de gênero. O
Quadro I[3] reflete os dados que reforçam a desigualdade.
Quadro I Representação Feminina no Legislativo em diferentes
países
118
PAÍS
DEPUTADAS
SENADORAS
No
Brasil,
a
história
da
Colômbia
12 %
13 %
participação da
Chile
11 %
4%
mulher
no
Uruguai
10 %
10 %
parlamento,
Brasil
8,2 %
12 %
tem
como
Estados
14 %
13 %
marco inicial à
Unidos
conquista
do
Canadá
21 %
35 %
direito ao voto
Moçambique
27 %
que se deu em
1932. Essa conquista é resultado da luta contínua do movimento
sufragista, que emergiu, no Brasil em 1919, culminou com a
conquista do direito ao voto pelas mulheres, mas, não foi suficiente
para que estes contingentes humanos superassem o processo de
exclusão.
Argentina
México
27 %
16 %
3%
16 %
Até a década de 1970 esse quadro de exclusão não sofreu muitas
modificações. A partir do final da década de 1980, a situação se
modifica, em virtude do crescimento industrial, que contribuiu para
um aumento significativo da participação feminina no mercado de
trabalho, e, na crescente inserção das mesmas, nos cursos
superiores. A isto se aliou o processo de redemocratização do País
que se instaurou nesse período. Esses fatos contribuem, para
ampliar a participação da mulher nas esferas de poder, encorajandoas, também, a organizarem-se politicamente, o que revela a
importância dos movimentos de mulheres nesse processo.
O momento da elaboração da nova constituição brasileira foi
fundamental, para que as mulheres, a partir de sua atuação
conquistassem direitos legais e obtivesse legitimidade para suas
reivindicações, inclusive na esfera da política institucional. Nesse
período foram criados os Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais
da Condição Feminina, as delegacias da mulher, os coletivos de
mulheres nos partidos e sindicatos, a implementação da Lei das
Porém,
essas
instâncias
de
representação
e
Cotas[4].
reconhecimento político não determinaram um equilíbrio entre
homens e mulheres em termos de representação no legislativo.
Um breve balanço sobre resultados eleitorais de 2002
Atualmente, as mulheres constituem 8,2% dos/as representantes
responsáveis pela elaboração das leis nesse País. São 42 deputadas
num universo de 515 deputados que compõem a Câmara Federal. Se
considerarmos o pleito anterior de 1998, tínhamos 29 deputadas
eleitas que representavam cerca de 5,6% do total de representantes
na Câmara Federal, indicando um incremento na atual legislatura de
45 % quando comparada à eleição passada. Nas eleições de 1994
foram eleitas 26 deputadas, cujo índice situava-se no patamar de
5%. Percebe-se que a cada eleição o número de mulheres cresce, e
se compararmos com as eleições de 1986 quando foram eleitas 16
deputadas para elaborar a carta constitucional em vigor, pode-se
então considerar que tem diminuído o fosso existente entre os
gêneros no que se refere a participação no legislativo. A
119
desigualdade, entretanto, ainda permanece, quando se compara
quantitativamente.
No que se refere ao Senado, por exemplo, estabeleceu-se a mesma
relação desigual, das 81 cadeiras, apenas 10, são ocupadas por
mulheres o que representa 12,3%. Para ilustrar melhor esses dados
apresentamos nos quadro abaixo os quantitativos numéricos da
representação feminina por Estado e partido.
Nas análises sobre a representação feminina no Senado Federal
(Quadro II) não se pode deixar de evidenciar o fato de que 60 % da
bancada feminina eleita pertence ao Partido dos Trabalhadores, e 60
% das senadoras pertencem as regiões norte e nordeste do Brasil
caracterizado por cientistas políticos como grandes redutos
masculinos marcado pelo patriarcado - pelo caciquismo e pelas
oligarquias dos partidos considerados conservadores. Por outro lado,
percebe-se que em relação aos Estados de maior densidade
populacional e economicamente mais desenvolvidos: SP, RJ, RS, MG,
PR, não existe nenhuma representação feminina nessa instância de
poder. A maioria das senadoras eleitas representa partidos
considerados de esquerda[5] trazendo assim, elementos para novas
análises de pesquisadores dessa área.
Na representação partidária, a bancada que mais elegeu mulheres
na Câmara Federal a exemplo do que já ocorreu no Senado foi o PT.
Das 42 deputadas eleitas, 14 pertencem aos quadros do Partido dos
Trabalhadores. As outras 28 estão divididas entre o PFL e PSDB
(cada um elegeu 6 deputadas), o PMDB e PC do B também elegeram
4 deputadas cada um), o PSB e o PTB (elegeram 2 deputadas, cada)
e o PDT, PSD, PST e PPB cada um desses partidos elegeu 1 deputada.
Vale ressaltar o fraco desempenho do PPB que de 49 deputados
eleitos nenhuma do sexo feminino.(Quadro III)
Os índices para as Assembléias Legislativas são um pouco mais
elevados, porém, não é uma alteração substancial em relação à
Câmara Federal. Das eleições de 1998 às de 2002 houve um
aumento na ordem de 25, 5 % de deputadas estaduais. Hoje são 133
deputadas representando 12,5 % quando em 1998 eram 106
deputadas, que representava 10% dos integrantes. Dos Estados que
elegeram a maior bancada feminina no legislativo destacam-se o
Estado do Rio de Janeiro e São Paulo que elegeram 10
parlamentares, Maranhão, Ceará, Pará e Pernambuco elegeram 8
deputadas. No legislativo estadual os dados apontados pelo CFEMEA
(2002) também indicam que estão filiados ao PT os maiores
números de deputadas eleitas na atual legislatura.
Nas Câmaras Municipais o percentual é mais elevado, a presença
feminina corresponde a 11,6 % do total de vereadores das eleitos
em 2000. São nas câmaras municipais local onde se registram um
maior incremento da participação das mulheres em espaços de
poder. Em 1982 - pontua-se essa data, pois coincide com o início da
“abertura política” do país, - o percentual de vereadoras
correspondia a 3,5% do total. Em 1992, o índice situava-se na faixa
dos 8%. Nas eleições de 1996, este percentual passa a corresponder
a 11% do total de representantes nas câmaras municipais. Os
números evidenciam um incremento na ordem de 300 % nos últimos
120
vinte anos. Entretanto quando comparamos os dados, fica evidente a
desigualdade já que são 7.001 vereadoras e 53.266 vereadores. Um
exemplo dessa desigualdade é a Câmara Municipal de São Luís,
Capital do Maranhão que elegeu apenas uma mulher vereadora.
Na Câmara Municipal de Araraquara por exemplo são 5 vereadoras
num universo de 21 vereadores, quadro esse que se modificou
substancialmente nas últimas eleições , uma vez que, as legislaturas
de 92 e 96 apenas 2 vereadoras foram eleitas. Nos cargos da
administração direta nesse municipio as mulheres estão a frente de
4 secretarias: Saúde, Educação, Assistência Social e Secretaria de
Governo que me parece um número razoável, proporção semelhante
ao número de mulheres representadas no ministério de Lula. Temos
5 (cinco) ministras que, se compararmos com governos anteriores
representa um aumento significativo, entretanto quando analisamos
por outros campos percebe-se que as distâncias e desigualdades na
distribuição do poder no País é uma realidade que precisa ser
superada.
A lei das cotas e a representação das mulheres no poder
O processo de implementação da política de cotas no Brasil é muito
recente. Contudo, esta política vem dando, no mínimo, mais
visibilidade à exclusão da mulher nos espaços políticos e às
disparidades existentes no âmbito político, entre homens e
mulheres. Por esta razão, elas vêm sendo tratadas como um tema
central das discussões de gênero e política, sendo consideradas pelo
movimento feminista como expressão e reconhecimento público
alcançado pelas demandas femininas.
Existem muitos equívocos a respeito das cotas que precisam ser
elucidados enfatiza Delgado (1996), por exemplo, a de que 30% de
participação das mulheres não resolvem a desigualdade: a luta deve
ser por 50%. Embora o movimento lute pela paridade, um
percentual de 30% representa um ganho político se considerarmos a
estrutura da sociedade e a relações patriarcais que perpassam toda
a estrutura da mesma. Um outro grande equívoco é o de que a Lei
das Cotas não garante que a mulher tenha real acesso ao poder. As
Cotas não irão mudar as relações de poder à curto prazo, uma vez
que ela representa um elemento que modifica a composição dos
órgãos diretivos, traz novas idéias para o debate e propicia uma
nova forma de aprendizagem do exercício do poder. Além disso, as
cotas aguçam a participação feminina e tende a criar condições mais
favoráveis a ampliação do número de mulheres nas direções de
sindicatos, partidos, assembléias, câmaras etc., que por sua vez irão
tornar mais visível seu cotidiano e os obstáculos à sua integração à
vida política.
O que é preciso fazer para mudar essa realidade?
A história a cada dia desvenda a importância da participação das
mulheres e de sua ação política nos processos revolucionários. Da
Revolução Francesa e Americana à Revolução Industrial, da abolição
da escravatura à ampliação dos direitos dos/as cidadãos/cidadãs, as
mulheres foram força e presença em todos os processos
121
revolucionários que mudaram as relações entre os homens e entre
os gêneros.
No Brasil, a presença das mulheres nas lutas libertárias está sendo
desvendada à medida que as pesquisas com enfoque de gênero
trazem à tona novos sujeitos, antes invisíveis por uma ciência que
não lhes reconhecia como tal. São reconhecidas e notórias as
presenças de precursoras como Nísia Floresta, Isabel Dilan, Bertha
Lutz, Gilka Machado, Leolinda Daltro, que foram lutadoras
intransigentes dos direitos femininos, dentre os quais o direito ao
voto.
A conquista do voto em 1932 não significou para as mulheres uma
mudança substancial nos valores sociais então vigentes, uma vez
que estas continuaram submetidas a uma estrutura patriarcal
conservadora e a um modelo de cidadania que privilegiava a imagem
pública como espaço masculino. As mulheres, pela trajetória como
se inseriram na política, precisavam de um tempo maior para se
adaptar à nova realidade. A insegurança, o desconhecimento das
regras do mundo público, os condicionamentos culturais e
psicológicos, as práticas partidárias excludentes, continuavam
atuando sobre as mulheres, mantendo-as afastadas da estrutura
formal do poder político.(FERREIRA, 2003).
As ações afirmativas (mais precisamente a lei de cotas) são formas
positivas de reverter formalmente o quadro de desigualdade entre
os gêneros e entre seres historicamente excluídos. A Lei 9.100/95
vem responder as reivindicações dos movimentos de mulheres,
entretanto, sabe-se que, somente com uma ação conjunta das
diversas organizações de mulheres, com os partidos políticos, e a
partir de um projeto de educação política que tenha o gênero como
recorte metodológico, será possível diminuir estas disparidades.
É certo que a Lei das Cotas não irá mudar esse quadro nas próximas
eleições, entretanto, a legalidade permitirá uma maior ousadia das
mulheres de adentrar num mundo antes interditado. O ato de
permitir, o que antes foi negado de forma autoritária e irracional,
pode ser também estimulante. A presença cada vez maior de
mulheres nas Câmaras Municipais significa sua preocupação com os
destinos da Cidade da qual elas estão mais próximas, mais
receptivas e com maior poder de articulação para intervir dadas as
suas relações familiares. Sua inserção em um espaço geográfico
mais favorável, o deslocamento para exercer a vida pública é mais
facilitado. Diferente das Assembléias Legislativas e Câmara Federal,
que significa muitas vezes dificuldade de conciliar a vida pública com
a vida privada, dada as cobranças que em geral são feitas às
mulheres, ao contrário dos homens que são mais estimulados, uma
vez que o poder lhe é visto como algo natural, intrínseco a sua
condição de homem.
Assim, nas minhas análises, aponto que a Lei das Cotas que por se
só já demonstra um fato político que não foi dado de “mão beijada”,
foi uma conquista, fruto de uma história, na qual as mulheres foram
sujeito. As mudanças que elas irão proporcionar no cenário político
já são previsíveis pelo menos num ponto: maior visibilidade para as
122
questões daquelas que são a “metade encabulada da humanidade”
(parafraseando a Profa. Lucila Scavone), que durante séculos foram
impedidas de exercer o poder e dirigir seus destinos, quiçá os
destinos das Nações.
...........................................................................................................
[1] Professora da Universidade Federal do Maranhão, Mestre em
Políticas Públicas, doutoranda em Sociologia pela UNESP/Fclar.
[2] Apenas para citar alguns que reconhecem a importância desse
movimento social e de sua ação política, embora existam outros,
Robsbawn (1995) Bourdieu (1999), Mouffe (1996), Castell (1999).
[3] Elaborado a partir do texto de UTRERAS, Rosário. Gênero e poder
local, o qual a autora faz uma análise sobre a participação das
mulheres na política e a dificuldade das mesmas de acesso ao poder.
[4]A Lei 9.100/95 foi aprovada em 1995, tendo em vista apenas as
eleições para as Câmaras Municipais de 1996, mas já no final de
1997, foi votada a lei nº 9.504, ampliando a cota de vagas de 20%
para 30% (ficando definido um mínimo de 25% de vagas,
transitoriamente, em 1998). O significado relevante da aprovação
dessa Lei para o movimento de mulheres traduz o reconhecimento
da luta política dos grupos envolvidos. Além disso, ela possibilita
uma maior conscientização e uma conseqüente demanda da
sociedade a respeito da igualdade de direitos bem como amplia as
discussões em torno da mulher e participação política.
[5] Embora hoje esteja sendo rediscutido o sentido de direita e
esquerda, a literatura política considera partidos de esquerda
aqueles cuja origem representam os anseios de segmentos excluídos
que se contrapõem a interesses de grupos hegemônicos marcado
pelas relações capitalista. Característica na qual o Partido dos
Trabalhadores se enquadra e que até a bem pouco tempo se
constituía uma quase unanimidade.
(www.espacoacademico.com.br/037/37cferreira.htm)
[10] Reza a Declaração Universal dos Direitos do Homem, da qual
extraímos os trechos relacionados com as mulheres:
Aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10.12.1948.
PREÂMBULO.
[...]
Considerando que é essencial encorajar o desenvolvimento de
relações de amizade entre as nações; Considerando que na Carta das
Nações Unidas os povos reafirmaram a fé nos direitos fundamentais
do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade
dos direitos dos homens e das mulheres, e se declararam resolvidos
a favorecer o progresso social e a instaurar melhores condições de
vida em um grau maior de liberdade;
[...]
123
A ASSEMBLÉIA GERAL PROCLAMA
a presente declaração universal dos direitos do homem, como o ideal
comum a atingir por todos os povos e nações, a fim de que todos os
indivíduos, e todos os órgãos da sociedade, tendo sempre em mente
esta Declaração, se esforcem, através do ensino e da educação, por
desenvolver o respeito a esses direitos e liberdades e por assegurarlhes, através de medidas progressivas de caráter nacional e
internacional, o reconhecimento e a aplicação universais e efetivos,
seja entre as populações dos Estados Membros, seja entre as
populações dos territórios sob sua jurisdição.
[...]
ARTIGO 2º - Qualquer cidadão poderá valer-se de todos os direitos e
liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção
nenhuma, notadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de
religião, de opinião política ou qualquer outra, de origem nacional ou
social, de fortuna, de nascimento ou de outra qualquer situação.
Além disso, nenhuma distinção será feita na base do estatuto
político, jurídico ou internacional do país, ou território, do qual
alguém se tenha retirado, seja de país ou território independente,
sob tutela, não autônomo, ou submetido a qualquer limitação de
soberania.
[...]
ARTIGO 16º - (1) A partir da idade núbil, o homem e a mulher, sem
nenhuma restrição quanto à raça, nacionalidade ou religião, têm o
direito de casar e de fundar família. Possuem direitos iguais em face
do casamento, durante o casamento e quando de sua dissolução. (2)
O casamento não pode ser contraído senão com o livre e pleno
consentimento dos futuros esposos. (3) A família é o elemento
natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da
sociedade e do Estado.
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