la casa das penhas douradas en serra da estrela (portugal)

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la casa das penhas douradas en serra da estrela (portugal)
ISSN 2340-5457
Volumen VI, Nº 1 (enero de 2016)
http://www.monfragueresiliente.com/
LA CASA DAS PENHAS DOURADAS EN SERRA DA ESTRELA
(PORTUGAL):
"EMPRENDIMIENTO
EMPRESARIAL"
EN
LA
CONSTRUCCIÓN DE TERRITORIOS NATURALES RESILIENTES.
CASA DAS PENHAS DOURADAS IN SERRA DA ESTRELA (PORTUGAL):
"ENTREPRENEURSHIP" IN BUILDING RESILIENTE TERRITORIES.
Carolina Alves 1
Joana Silva 2
Adélia N. Nunes 3
Revista Científica Monfragüe Resiliente. http://www.monfragueresiliente.com/
Editada en Cáceres, Dpto. Arte y Ciencias del Territorio de la Universidad de Extremadura.
Elaborada conjuntamente con las Universidades de Lisboa y la Autónoma de México.
Recibido: 18/09/2015
Aceptada versión definitiva: 22/11/2015
1
Departamento de Geografia, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Portugal,
[email protected]
2
Mestre em Geografia Humana, Ordenamento do Território e Desenvolvimento, [email protected]
3
Departamento de Geografia, CEGOT, Universidade de Coimbra, Portugal, [email protected]
ISSN 2340-5457
Volumen VI, Nº 1 (enero de 2016)
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RESUMEN
El presente trabajo tiene como objetivo analizar la contribución de la creación de una
empresa - Casa das Penhas Douradas - en el municipio de Manteigas, situado en la
Serra da Estrela, Portugal, y evaluar cómo esta entidad, mediante la utilización de los
recursos y potencialidades de este territorio, constituye un elemento estructurante de
su resiliencia social y ecológica. El estudio de caso aquí analizado ha permitido
verificar que la valorización
de los productos locales, del medio ambiente y del
paisaje, con el apoyo del know how de la población local, junto con la habilidad y la
capacidad de aprender, adaptar-se e innovar, donde los productos tradicionales
inspiraron nuevas combinaciones productivas, con sabiduría, refinamiento y elegancia,
de que es ejemplo el burel, han contribuido par la valorización del territorio y fomento
de su capacidad de resilencia.
Palabras clave: zonas de montaña, el desarrollo, la innovación, los productos locales,
la capacidad de recuperación, Portugal
ABSTRACT
The present work aims to analyze the contribution of setting up a company - Casa das
Penhas Douradas - in the municipality of Manteigas located in Serra da Estrela,
Portugal, and assess how this entity by enhancement of resources and potential of this
territory constitutes a structural element of their social and ecological resilience. The
case study analyzed here allowed to verify that through the enhancement of local
products, environment and landscape, supported in the local population know-how,
together with the skill and ability to learn, adapt and innovate, where traditional
products inspired new productive combinations, with wisdom, refinement and elegance,
as example the burel, have contributed to the valorization of the territory and
encourage their resilience.
Keywords: mountain areas, development, innovation, local products, resilience,
Portugal
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1. INTRODUÇÃO
A Serra da Estrela, parte integrante da cordilheira central portuguesa, caracterizou-se,
durante várias décadas, por um intenso aproveitamento agro-silvo-pastoril, assente na
hierarquização do território de modo a extrair o máximo de produtividade (Nunes,
2008). Todavia, os constrangimentos físico-naturais (declives acentuados, pobreza
dos solos em nutrientes e irregularidade dos principais elementos do clima) juntamente
com a debandada populacional do espaço rural e agrícola e, mais recentemente, as
políticas agrícolas da União Europeia (UE) promoveram o desmantelamento da
estrutura produtiva e o abandono maciço das atividades agrícolas tradicionais. Este
sistema socioeconómico viria a desmoronar-se com a incorporação do meio rural num
mercado competitivo, dirigido e controlado pelas áreas urbanas, operado no ocidente
europeu, cujo marco histórico se localiza no pós II Guerra Mundial.
De facto, o contributo subsidiário destes espaços no processo de desenvolvimento
económico, perante a incapacidade de adaptação às novas regras estabelecidas pelos
mercados, devido a um conjunto de estrangulamentos naturais, económicos, sociais e
estruturais, ditou a sua marginalização em relação aos centros de decisão e consumo.
Pese embora a redução do uso agrícola, pastoril e florestal da montanha, os
“habitantes das terras baixas” demonstram grande interesse por alguns dos outputs
dos sistemas de aproveitamento dos recursos dessas áreas, destacando-se vários
produtos locais, como carnes, queijos, enchidos, mel, castanha. Por outro lado, a
riqueza patrimonial das serras portuguesas, com um conjunto alargado de recursos
turísticos, devido às suas excecionais condições naturais e ao seu património cultural,
passou a constituir um polo de atração turística.
Com efeito, o desenvolvimento sustentável destes territórios, e das respetivas
comunidades locais, depende da sua capacidade de adaptação face às grandes
tendências evolutivas de cariz económico, social, ambiental, político ou tecnológico,
segundo a perspetiva da resiliência estratégica. Por conseguinte, a estratégia do
LEADER+/Serra da Estrela tem-se desenrolado em torno da existência de importantes
e
diversificados
recursos
naturais,
paisagísticos,
culturais,
gastronómicos
e
patrimoniais, bem como através da valorização dos produtos locais de qualidade.
Como objetivos gerais visa, ainda, fixar a população local; reforçar a identidade
regional; valorizar os recursos endógenos; desenvolver capacidades de atração;
revitalizar as comunidades locais; incrementar a qualidade de vida das populações
locais e promover os “produtos Serra da Estrela”.
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Nesta perspetiva, construir territórios mais resilientes pode ser um caminho para
estimular trajetórias de desenvolvimento mais sustentáveis e mais preparadas para
reagir às grandes tendências evolutivas e aos seus impactes. Santos (2009) refere,
que em teoria, territórios resilientes são territórios menos vulneráveis e mais
preparados para lidar com a mudança, com a complexidade, com crises e
perturbações múltiplas (de carácter económico, ambiental, tecnológico, social ou
político), evitando disrupções e colapsos, sendo por isso mais sustentáveis a longo
prazo. A resiliência é, sobretudo, uma forma de pensar e planear o futuro numa lógica
de adaptação e valorização dos territórios.
As regiões, assim como, as comunidades, empresas ou estados, necessitam de uma
grande capacidade de adaptação para poderem fazer face aos problemas e às
perturbações que se vão conjugando de forma sucessiva ao longo do tempo, de modo
a minimizarem os seus impactes, que no extremo podem conduzir a disrupções e a
colapsos. A combinação de diferentes tipos e sistemas de conhecimento pode
aumentar a resiliência, à escala local (Davidson-Hunt e Berkes 2003). Construir a
resiliência social e ecológica requer, assim, a compreensão dos ecossistemas que
incorpora e o conhecimento dos utilizadores locais (Berkes e Folke 1998). Em
contrapartida, a falta de atenção e sensibilidade para o conhecimento local pode
aumentar a vulnerabilidade da população e da propriedade. Longworth (2006) refere
que o que está em causa é, sobretudo, o conceito de aprendizagem social que pode
ser definido como a capacidade das sociedades e das comunidades em aprenderem
coletivamente e em partilharem conhecimentos, objetivos e responsabilidades comuns
para o seu desenvolvimento futuro. Por outro lado, um número crescente de estudos
de caso revelaram a estreita ligação entre a resiliência, a diversidade e a
sustentabilidade dos sistemas sociais e ecológicos (Berkes e Folke 1998, Adger et al.
2001).
Tendo por base as premissas anteriores, o presente estudo pretende:
(i)
compreender as trajetórias socioeconómicas de um território de montanha,
dando-se particular ênfase ao município de Manteigas, localizado no interior do maciço
da Serra da Estrela;
(ii)
analisar o contributo da instalação de uma empresa – Casa das Penhas
Douradas – no concelho como elemento de resiliência, ou seja, aferir o modo como
esta entidade tem contribuído para a valorização dos recursos e potencialidades deste
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território e como é que a sua presença se constitui como um elemento estruturante da
resiliência social e ecológica deste espaço.
Com o intuito de alcançar os objetivos anteriormente enunciados, a metodologia
utilizada centrou-se na recolha de informação, sobretudo estatística, relativa à
trajetória sociodemográfica do concelho de Manteigas, sobretudo a partir dos anos 60
do século passado. No que se refere à informação acerca da Casa das Penhas
Douradas, a mesma obteve-se através de uma entrevista, semiestruturada/orientada,
aos respetivos proprietários, à qual se acrescentaram dados recolhidos e fontes de
divulgação da respetiva empresa.
2. ÁREAS DE MONTANHA EM PORTUGAL
Vários estudos afirmam que a montanha cobre aproximadamente 40% da superfície
da UE e que 1/10 da população mundial vive nestas áreas (Caeiro, 2009). Portugal
carateriza-se pelas áreas de baixa altitude, com mais de 70% do território abaixo dos
400 metros, ao mesmo tempo que se estima que as áreas de montanha ocupem 18%
do território nacional, dos quais 11% se encontram acima dos 600 metros. Acima dos
1100 metros concentra-se apenas 0.5% do território português (Cunha 2003).
Os anos 60 marcam o abandono progressivo dos espaços de montanha, modificando
a sua reorganização territorial. Essas áreas passaram a caracterizar-se por uma forte
depressão demográfica que resultou em baixas densidades populacionais (Saraiva
2012), dificultando o seu crescimento físico e económico. Cabero Dieguez, segundo
Fernandes (2009: 2973) afirma “assiste-se a um recuo das áreas cultivadas, ao
incremento dos incultos e à degradação de estruturas ancestrais da economia e das
relações sociais da montanha, rompendo com o sistema tradicional agro-pastoril,
provocando uma submissão crescente dos espaços de montanha”.
Os desequilíbrios das estruturas populacional e económica que as médias montanhas
vêm conhecendo, provocaram um quadro de exclusão e marginalização territorial, nos
quais estão bem marcadas as ruturas de desenvolvimento que foram conduzindo
estes espaços para situações de crise. Por outro lado, estas transformações
quebraram também a autonomia das comunidades de montanha que apresentavam
até então sólidas relações de coesão e solidariedade (Fernandes 2009). A montanha
passa, assim, a ser alvo dos usuários que promoveram as mudanças na estrutura
social e na organização tradicional prevalecente até então. Valcarcel, segundo Caeiro
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(2009: 19) refere-se à montanha como “um espaço construído socialmente, no qual as
comunidades locais desenvolvem formas próprias de exploração dos recursos
disponibilizados pela natureza, de forma sustentável, tendo em conta o contexto
histórico, técnico, económico e social em que ocorrem”.
Nos dias de hoje assiste-se cada vez mais à valorização ambiental e cultural das
áreas
montanhosas,
suscitando
novos
usos
e
expectativas,
principalmente
relacionadas com o turismo. A redescoberta das potencialidades associadas a estes
espaços conferem-lhe uma crescente atração turística, nas quais as maiores
disponibilidades de tempo, os recursos económicos, meios de transporte e os
equipamentos de lazer atraem cada vez mais população (Fernandes 2009).
Como referem Cravidão e Cunha (1994: 90), “O turismo, uma forma privilegiada de
rentabilização de espaços rurais deprimidos e de resposta aos anseios e expectativas
de desenvolvimento das suas populações, deverá ser devidamente enquadrado em
planos de ordenamento do território que tenham em conta não só os interesses das
várias áreas de desenvolvimento económico, mas também as necessidades da
preservação da boa qualidade das condições ambientais, ou seja que permitam a
recuperação e desenvolvimento económico de espaços por vezes inóspitos e quase
sempre repulsivos, mas sem que sejam transpostos os limiares de tolerância das
condições físico-naturais que ponham em causa a própria sobrevivência do turismo.”
O sucesso da montanha será, então, o resultado da estratégia de aproveitamento e
divulgação dos seus recursos. Esses devem potenciar as atividades para o
desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida das populações que aí residem.
2.1. O concelho de Manteigas
A localização do concelho de Manteigas confere-lhe um conjunto de especificidades
do ponto de vista físico e humano que têm marcado, não só as suas paisagens, mas
também todas as suas trajetórias de desenvolvimento. Situado em plena Serra da
Estrela e totalmente integrado no Parque Natural da Serra da Estrela (Fig. 1), o
concelho apresenta uma singular riqueza natural e paisagística que o diferencia. Os
modelados da ação tectónica dos ciclos Hercínico e Alpino (Carrola 2013), os vestígios
da glaciação würniana, de que se destaca o vale glaciar do Zêzere, os cordões
morénicos, os covões e os cântaros e a presença de uma biodiversidade rica e
diferenciada pelas caraterísticas altimétricas e bioclimáticas são alguns dos elementos
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que estruturam a individualidade desta área. A estrutura física do concelho foi
marcando, ao longo dos tempos, as suas gentes e as atividades que desenvolviam,
sendo, talvez, um dos fatores preponderantes na evolução social, económica e
demográfica locais.
À semelhança da generalidade dos ambientes de montanha em Portugal, a presença
humana tem causado tensões evidentes face às preocupações de preservação do
ambiente, mas o despovoamento vem aumentando a sua exposição, por abandono
das atividades tradicionais essenciais à preservação da diversidade dos ecossistemas
(PTD 2007). De facto, as trajetórias demográficas e económicas podem dividir-se em
duas grandes fases tendo por base o comportamento diferenciado antes e após a
década de 1960. Entre 1864 e 1960, o concelho apresentou uma evolução
demográfica positiva, passando dos 2855 para os 6276 habitantes. A ruralidade
caraterística do território condicionou as atividades económicas ao setor primário,
onde a pastorícia tomava evidência. Em 1960, este setor ocupava cerca de 43% da
população empregada. Seguia-se o setor secundário baseado em atividades
relacionadas com a transformação dos produtos naturais. Segundo Saraiva (2012) a
indústria têxtil apresenta-se como a principal fonte económica do século XX para a
população do concelho de Manteigas. A lã adquiriu uma grande importância como
matéria-prima, levando ao desenvolvimento da indústria de lanifícios na região. Nesse
ano, 29% da totalidade das atividades económicas e cerca de 73% das integradas no
setor secundário correspondiam a esse setor industrial. De facto, os lanifícios foram os
grandes impulsionadores da economia da Serra da Estrela, e particularmente de
Manteigas, até às décadas de 1990 e 2000, altura em que a região perdeu
competitividade produtiva para outras áreas, com o encerramento da quase totalidade
das fábricas e consequentemente com o aumento do desemprego.
O período após 1960 trouxe grandes transformações à estrutura socioeconómica e
demográfica. A saída da população para as áreas urbanas (emigração e migrações
internas em direção, principalmente, à Área Metropolitana de Lisboa) repercutiu-se
num declínio populacional (em 2011 o concelho tinha 3430 habitantes) e num
envelhecimento da estrutura demográfica (índice de envelhecimento de 288.1%, em
2011), que pode, em parte, ser explicado pela baixa taxa de natalidade (4.1‰, em
2011). Ao nível económico, esta dinâmica regressiva teve o seu maior impacto na
diminuição da população ativa (taxa de atividade de aproximadamente 38% em 2011)
(Quadro 1). Para além disso, as transformações na economia nacional refletiram-se
também na perda de hegemonia do setor primário, enquanto o setor terciário via o seu
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peso a aumentar. A PAC e as estratégias nacionais para as áreas rurais e áreas de
montanha, fomentaram a expansão da multifuncionalidade destes espaços, em que o
turismo a valorização patrimonial e a potencialização dos produtos endógenos como
elementos de diferenciação e marketing territorial ganham enfase.
Porém, esta multifuncionalidade não teve reflexos muito positivos, na medida em que
não existe uma estratégia sólida que potencie os produtos endógenos. O mesmo
acontece ao nível das estratégias de marketing territorial. Resistem vários projetos que
tentam impulsionar a serra e torna-la um destino, mas são de tal modo isolados, que,
mesmo que se difundam pela comunicação social, acabam por ter uma expressão
residual em termos estruturais.
Simultaneamente, a crise na indústria têxtil não só implicou o aumento do desemprego
como também dificultou o reingresso das pessoas com baixas qualificações na vida
ativa (PTD 2007). Aquela que fora a principal indústria empregadora do concelho
resume-se hoje a pequenas unidades artesanais. Do período auge da indústria têxtil,
restam alguns artesãos e pequenas empresas que tentam sobreviver pelo recurso à lã
e ao burel de forma tradicional (Jacinto e Alves 2013).
Estas trajetórias de desenvolvimento colocaram o concelho numa situação de
vulnerabilidade social e económica. O capital humano envelhecido e de baixas
qualificações e a economia que se tente reestruturar, baseando-se agora nas
potencialidades locais como promoção do turismo, acarreta novos problemas: a
sazonalidade económica provocada pela associação do concelho (e da Serra da
Estrela) ao turismo de neve e uma certa inércia face à introdução de inovação e
dificuldade de opções criativas tornam Manteigas pouco competitiva e resiliente. A
introdução de capital exógeno quer pela capacidade de fixação da população mais
jovem que ainda está presente no território, quer pela captação de novos agentes e
novos investimentos, de que é exemplo o caso de estudo que aqui apresentamos,
poder-se-iam constituir como elementos de potencial aumento da resiliência local,
contribuindo para a reorientação das trajetórias de desenvolvimento local.
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3. DO TERRITÓRIO EM REGRESSÃO À EMPRESA INOVADORA.
Pensar o concelho de Manteigas no contexto das trajetórias de desenvolvimento é de
facto, como vimos, abordar um território de baixas densidades, condição que é
agravada pela sua posição excêntrica, quase remota, associada às caraterísticas
físicas das áreas de montanha. Ao nível socioeconómico, fator preponderante quando
se abordam territórios resilientes, o concelho apresenta algumas fragilidades. Por um
lado, a perda da hegemonia agrícola, neste caso concreto da atividade pastoril,
determinou o culminar de uma geração ligada “à terra” e fortemente marcada pela
rudez da serra. Com alguma relação à situação anterior, a perda de expressão da
indústria têxtil marcou estruturalmente as trajetórias de desenvolvimento local, pela
dimensão de empregabilidade e divulgação do concelho que detinha. Por outro lado, o
turismo como atividade económica estruturante não faz também sentido neste
contexto territorial, na medida em que, apesar da riqueza patrimonial (natural e
construída), esta atividade não é capaz de, por si só, garantir dinamismo, por ainda
não ter conseguido quebrar com a captação sazonal de atores (turistas e visitantes),
muito associada às lógicas da ligação da Serra da Estrela à neve e ao turismo e
desportos de inverno, o que se reflete também em flutuações interanuais de visitação
(dependentes dos invernos mais ou menos rigorosos).
Esta
dinâmica
económica
foi-se
refletindo
na
estrutura
demográfica
e,
consequentemente, na estrutura social daquele território. A falta de ofertas de
emprego levou à necessidade de saída da população para outras áreas geográficas,
nacionais e internacionais. Sendo esta uma migração seletiva, repercutiu-se num
desequilíbrio da estrutura etária local, com destaque para a redução da natalidade e o
envelhecimento da população. Ao nível social, os desequilíbrios centraram-se na
perda de população ativa, mas sobretudo na saída da população mais qualificada e
com potencial inovador. Ficam os mais idosos, os menos letrados e os menos
qualificados. As exceções surgem nos casos particulares da população mais jovem
que, apesar de ter adquirido alguma qualificação e níveis de ensino relativamente mais
elevados (poucas vezes atingindo o ensino superior), acabam por, pela conjuntura
externa – a crise de 2008 trouxe uma generalização do desemprego e da degradação
das condições de vida – permanecer no concelho pelo suporte financeiro e
habitacional fornecido pelos pais.
O concelho de Manteigas apresenta-se, assim, num contexto de vulnerabilidade, ou
seja, tendo por base o conceito de Blaike et al (1994, apud Gardner e Dekens 2007)
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encontra-se exposto a um conjunto de riscos e perigos associados à (in)capacidade
competitiva do lugar no sentido da atratividade de atores que permitam o
desenvolvimento local. Nesta lógica, a reposição do concelho no rumo das trajetórias
de desenvolvimento positivas implicaria uma reação à situação atrás descrita, sendo
esta uma oportunidade de mudança. Neste sentido, estaríamos a abordar a resiliência
na definição de Holling (1973, apud Freitas e Estevens 2012:6): “the capacity of a
system to absorb disturbance and reorganize while undergoing change so as to still
retain essentially the same function structure, identity and feedbacks”.
Perante isto, levanta-se a questão de que forma estes territórios (e neste caso
concreto Manteigas) se podem tornar mais resilientes. A resiliência depende de um
conjunto de elementos que se constituem como recursos territoriais para a mudança.
Ou seja, os recursos locais devem ser potenciados no sentido da readaptação face a
um
desequilíbrio
socioecológico,
valorizando
os
localismos
como
fator
de
competitividade potencial. Aqui destacam-se o capital económico, o capital humano, o
capital social, o capital cultural e o capital ambiental (Sánchez-Zamora et al 2014) (Fig.
2).
O capital económico surge como um dos elementos mais relevantes na criação de
territórios resilientes na medida em que integra um conjunto de fatores diferenciados,
mas substancialmente ligados ao investimento, ao emprego e a todas as
infraestruturas (físicas e organizacionais) de negócio. Em teoria, um território será
tanto mais resiliente quanto mais denso, diversificado e sólido for o capital económico.
Isto é, um maior número de empresas, mas sobretudo a diversidade de ofertas, pode
repercutir-se num maior investimento local, enquanto possibilita a diminuição dos
impactos de choques/crises económicos pela multifuncionalidade. Por outro lado, esta
densidade e diversidade irão repercutir-se na necessidade de dotação do espaço em
infraestruturas de suporte às atividades económicas enquanto aumentam a
empregabilidade local. No entanto, esta estrutura física é tanto mais resiliente quanto
maiores forem as relações de parceria criadas e a densidade e distância das redes
topológicas, na lógica da teoria dos laços fortes e fracos de Granovetter (1983).
As áreas rurais, e com maior visibilidade as áreas de montanha, em Portugal,
apresentam uma tendência para a existência de empresas de pequena dimensão,
muitas vezes negócios de cariz familiar, sem grande suporte organizacional em rede e
com uma área de atuação que se resume a serviços quotidianos ou ofertas
específicas de maior raridade, associadas a atividades de lazer e turismo. Este é,
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talvez, o ponto mais fraco destes espaços no que toca aos elementos de resiliência
territorial, enquadrando-se o concelho de Manteigas nestas caraterísticas.
O capital humano é identificado como a chave dos processos de resiliência, tomando
efetivamente relevância no contexto das transformações das áreas rurais e das áreas
de montanha, em particular. A estrutura demográfica e, consequentemente, os níveis
de educação e qualificação da população, a par da abertura para a inovação,
contactos com outras realidades e, numa última instância, o empreendedorismo,
marcam a maior capacidade de um território se adaptar a situações de crise, estando
mais propenso às mudanças. Também aqui as áreas rurais, e principalmente as áreas
de montanha mais remotas, encaram um conjunto de problemas associados à
regressão demográfica que têm sentido desde meados do século XX.
Por sua vez, o capital social diz respeito às relações organizacionais estabelecidas.
Um território mais resiliente será aquele que apresentar uma maior autonomia,
cooperação e eficácia nas suas estruturas institucionais, sendo a constituição de
parcerias e a instauração de redes de trabalho fundamental para um processo de
desenvolvimento cooperativo, voluntário e responsabilizado.
Este é já um ponto que começa a ser trabalho pelos territórios de baixas densidades e,
em particular, pelos atores de maior peso nos processos de desenvolvimento (Covas e
Covas 2014). A perceção do aumento da competitividade pelo trabalhado em rede
fomenta a instauração de cooperações de diferentes tipologias, com destaque para os
produtores (com a sua versão mais usual e primária nas cooperativas agrícolas) e
empresas locais que tentam aumentar a sua competitividade pelo alargamento da
oferta através da associação de parceiros. No entanto, estas relações topológicas,
físicas e institucionais, devem ser potenciadas ao nível do alargamento euclidiano que
suporta estes espaços rede, no sentido de adquirir novas territorialidades, novos
mercados e, também, novos elementos de ligação. Por outro lado, a inovação social,
no sentido da constituição de novas formas de organização, cooperação e trabalho
institucional, deve ser também estimulada, fomentando, sobretudo, uma governança
ativa.
Todavia, se os três elementos de resiliência atrás descritos se encontram ainda como
problemas na constituição de territórios rurais e de montanha resilientes, quando se
aborda o capital cultural e o capital ambiental a questão deixa de ser a (in)existência
para passar a ser a forma de potencialização e valorização dos recursos endógenos.
De facto, estas áreas são ricas em património cultural (material e imaterial) que pode
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ser utilizado economicamente, quer pela revitalização de saberes-fazer antigos e
peculiares de cada área geográfica concreta, no sentido da produção tradicional,
introduzindo-lhe o fator inovação que lhe irá conferir uma maior competitividade, quer
pela utilização para a oferta de serviços, muito ligados, ainda, à atividade turística e
aos tempos de lazer, quer pela produção de produtos comercializáveis e exportáveis.
Por outro lado, a localização destes espaços confere-lhes peculiaridades físicas
(biodiversidade, geologia, geomorfologia, hidrologia) que podem ser trabalhadas
também do ponto de vista lúdico-turístico, mas sobretudo do ponto de vista da
preservação e sensibilização ambiental, pela constituição de espaços reserva que ao
mesmo tempo permitam uma experiência de conhecimento e contacto com o meio,
enquanto podem ser aproveitados como áreas de investigação e atividades de
produção (agrícola, silvícola, energética).
De facto é neste campo que o concelho de Manteigas se salienta. Ao nível cultural,
pelas particularidades identitárias ligadas, sobretudo, à pastorícia, quer no trabalho
ríspido pela serra, quer depois, pela arte da queijaria e o trabalho na transformação da
lã. Ao nível ambiental, pela sua localização na serra mais elevada de Portugal
continental, com vestígios da glaciação würniana, e uma biodiversidade protegida pela
figura do Parque Natural da Serra da Estrela.
Um território resiliente necessita, então, da conjugação de todos estes elementos de
forma integrada, colaborativa e interdisciplinar, visando assim um desenvolvimento
sustentável
(Santos
2009),
potenciado
pela
flexibilidade,
adaptabilidade,
competitividade e coesão. Para além disso, a construção da resiliência passa ainda
por processos como a aprendizagem e a diversificação, a par do aproveitamento do
conhecimento endógeno, da capacidade de reorganização e do estabelecimento de
redes e parcerias (Gardner e Dekens 2007) (Fig. 3).
A aprendizagem surge como ponto de partida para o processo de mudança inerente à
resiliência. Em primeiro lugar esta deve ser uma aprendizagem baseada nas situações
de crise anteriores, isto é, os erros do passado devem ser tomados como exemplo
para um progresso no futuro. Por outro lado, a instauração de laços fracos
(Granovetter 1983) permitirá a criação de redes de conhecimento que facilitarão as
trocas de experiências, numa lógica de valorização de boas práticas, que poderão ser
um ponto de partida para a criação de territórios mais pró-ativos (Santos 2011).
Esta questão da criação de laços fracos revê-se na necessidade de gerar parcerias
que promovam as lógicas da espacialidade topológica. O estabelecimento de relações
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institucionais é uma componente essencial para a mitigação dos impactos de crises
socio ecológicas, contribuindo, ainda, para uma melhoria após estes períodos, sendo,
então, peça fundamental na construção da resiliência. “[…] external linkages and
partnership do provide a medium through with resources and assistance flow to the
affected are and populations in the event of disaster” (Gardner e Dekens 2007:326).
No entanto, a capacidade de resiliência não é exclusivamente dependente das
relações com parceiros. A capacidade de auto-organização ou de reorganização pós
crise torna-se também fundamental. Referimo-nos à capacidade de um território
estabelecer instituições, possuir atores e organismos que mitiguem os efeitos de uma
crise e gerem a mudança. No entanto, mais que uma posição reativa, estes
organismos e instituições devem apresentar-se como atores de antecipação, isto é,
atores que promovem a mudança antes da ocorrência da crise propriamente dita.
Neste sentido é fundamental o conhecimento endógeno. Por um lado, a experiência na
vivência do território facilita a antevisão e a perceção do funcionamento do sistema
socio ecológico em mudança. Depois, o conhecimento local, no sentido do potencial
endógeno de aproveitamento dos recursos e estabelecimento da competitividade pela
diferenciação torna-se importante, quando pensamos, por exemplo, e no caso
concreto do concelho de Manteigas, no trabalho da lã ou do queijo, como herança
cultural a ser transmitida a novas gerações, para a perpetuação de uma marca
identitária.
A estes quatro elementos junta-se ainda a questão da diversidade. Um território social
e economicamente diverso cria oportunidades de escolha garantindo a continuidade
do sistema quando uma das suas componentes colapsa e falha. Nas áreas de
montanha, “provide livelihood options in the form cash employment that can
supplement or supercede traditional practices. Tourism livelihood is an example. These
opportunities increase income and diversity livelihood options that in combination
enhance resilience, however, over-reliance in new opportunities, such as tourism,
without attention to diversity may lead to increased vulnerability to hazards” (Gardner e
Dekens 2007:324).
Sendo a resiliência territorial a capacidade de um território recuperar o seu estado
dinâmico e encontrar um novo caminho após uma perturbação no seu ambiente, existe
um importante trabalho dos atores locais na materialização de ações para a resolução
de um problema. No entanto, a sua atuação pode desenvolver-se de diferentes
formas: a incapacidade de atuação individual leva à junção de um grupo de atores que
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trabalha num objetivo comum; cada ator local possui um objetivo concreto sendo o
trabalho conjunto focado na harmonização de estratégias e compromissos entre todos
os envolvidos, numa lógica de governança; os atores constituem redes de
aprendizagem e inovação que permitem a partilha de conhecimentos e a construção
de diferentes caminhos de mudança e desenvolvimento (Gilly et al 2014).
Neste sentido, cada ator deve ser também resiliente. Falamos, então, de resiliência
organizacional, uma capacidade contínua de reconstrução pela resposta ou
antecipação a choques internos ou externos, baseada na criação de sistemas de
centralização e autoridade, na racionalização da gestão financeira e dos recursos
humanos, no desenvolvimento de novas estratégias de marketing, na inovação e na
diversificação das ofertas de produto/serviço. Aqui, a resiliência pode apenas traduzirse na aptidão, pela existência de estruturas organizacionais estáveis, para absorver os
choques, ou, numa situação de menor estabilidade e densidade do sistema
empresarial, pela necessidade de criar novos produtos e novas estratégias de
mercado (Gilly et al 2014).
Todavia, não é possível existirem empresas/organizações dinâmicas em territórios que
não o são, ou vice-versa (Gilly et al 2014). Tendo em conta as caraterísticas do
concelho de Manteigas enunciadas atrás, transparece uma fraca capacidade de
resiliência por parte deste território. Nesta lógica, o dinamismo inerente a um qualquer
ator de desenvolvimento local e mais concretamente um ator empresarial surgirá numa
lógica de experiência piloto. E é neste contexto que se insere a “Casa das Penhas
Douradas”.
A Casa das Penhas Douradas surge em 2006, como Turismo de Espaço Rural, pela
iniciativa de dois alóctones que decidiram investir no concelho de Manteigas atraídos
pela riqueza e beleza naturais e culturais da região, mas sobretudo pela necessidade
de alterar o sentido das suas vidas quotidianas. De facto, o dinamismo do concelho
não permite uma atratividade na lógica da criação de negócios de lucros avultados.
Pelo contrário, promove expetativas ao nível da melhoria da qualidade de vida, pela
perceção de um quotidiano mais saudável, sobretudo pela possibilidade do contacto
com a natureza. Foi nesse sentido que estes dois investidores deixaram as suas
profissões, em nada relacionadas com o turismo ou a montanha, e a sua área de
residência (área urbana de dimensão expressiva), para encetar uma mudança nas
suas vidas, em que, mais que os lucros, são o prazer pelo trabalho desenvolvido e o
modo de vida que sobressaem.
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Os bons resultados obtidos nos primeiros quatro anos levaram à necessidade de um
alargamento da dimensão do negócio, neste caso concreto da ampliação do
equipamento turístico, passando de 9 para 18 quartos, sendo ainda incluído um SPA
(do latim Salute Per Aquam) e conseguindo uma classificação de Hotel de 4 estrelas.
A perceção das qualidades dos recursos endógenos levaram a uma reflexão por parte
destes atores locais acerca do seu potencial aproveitamento, na ótica da reativação de
algum dinamismo local, tentando tornar Manteigas mais atrativa e competitiva.
Aproveitando o encerramento do equipamento hoteleiro para os trabalhos de
ampliação e conscientes da importância da integração dos diferentes atores locais,
porque a empresa se insere num território que é suporte da atividade, os proprietários
da Casa das Penhas Douradas, em contacto com o poder local, promoveram um
workshop sobre produtos endógenos e inovação no concelho de Manteigas e na Serra
da Estrela.
Com este workshop pretendia-se a participação de toda a comunidade local, numa
lógica de governança ativa associada aos órgãos de decisão autárquicos. A par destes
atores, foram integrados um conjunto de consultores seniores (e.g. BCG – Portugal e
Deloitte). Com o epíteto “saberes e fazeres da vila” o objetivo desse encontro passou
pela identificação de projetos de negócio que, partindo dos recursos endógenos
potenciassem o concelho e alargassem a sua oferta económica. No total foram
identificados e avaliados 20 planos de negócio/projetos.
No entanto, este encontro, apesar de bem aceite entre os atores locais, acabou por
não ter consequências práticas generalizadas. Apenas os proprietários da Casa das
Penhas Douradas, e após alguns meses, repensaram todas as ideias debatidas
naquele
workshop
e
ponderaram
mais
uma
oportunidade
de
negócio:
o
aproveitamento dos produtos alimentares típicos do concelho e região e do burel.
Assim, em 2010, surgem a Penhas Douradas Food e a Penhas Douradas Factory.
Estes dois pequenos negócios associaram-se à oferta já existente no Hotel Casa das
Penhas Douradas, que apresentava já uma diversificação da atividade, quer pela
introdução do SPA e de uma sala de congressos/reuniões no equipamento hoteleiro,
quer pelo conjunto de atividades que poderiam ser desenvolvidas pelos turistas
(passeio
pedestre/BTT/Jipe,
workshops
temáticos,
pequenas
atividades
de
silvicultura). Iniciou-se, então, um processo de capacitação ao nível da resiliência,
baseado na diversificação, no capital ambiental e no capital cultural.
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3.1. O potencial endógeno e a necessidade de inovação
A diversificação implementada pela Casa das Penhas Douradas surge a partir do
reconhecimento do potencial endógeno como elemento promotor de dinâmica
económica. Em primeiro lugar, a expansão do próprio equipamento hoteleiro insere-se
numa lógica de integração no meio físico (Serra da Estrela), estando, ao mesmo
tempo, impregnada de um conjunto de elementos da identidade local. O Hotel surge
da reabilitação de um antigo sanatório, contando a história das Penhas Douradas
como estância turística de cura associada à climatoterapia.
De facto, as Penhas Douradas constituíram-se na primeira estância turística de
montanha em Portugal. Na sua base encontramos a predisposição para a vilegiatura e
climatoterapia.
“A
procura
de
ambientes
revitalizadores
e
salubres
que
proporcionassem o encontro directo com a natureza e o ar livre tornou-se o ponto
fulcral entre a sociedade que partia em vilegiatura, tendo como elemento motivador a
questão da saúde pública e a proliferação de doenças de grande mortalidade pelas
cidades,
potenciadas
por
ambientes
sujos,
escuros,
sem
escoamentos
e
saneamentos, sobrepopulados e contaminados. A promessa higienista dos benefícios
climáticos e da propaganda climatoterápica actuava como agente potenciador de um
movimento turístico, suportado por uma ‘arquitectura campestre’, adaptada a locais de
natureza dominante. A fusão entre a medicina, o turismo e a arquitectura dava origem
a um conjunto responsável pelo mecanismo da cura. As casas, chalés, villas e hotéis
assumem o papel de observatórios sobre o domínio natural, que, por sua vez, se
converte em santuário” (Silva 2009:90).
O despertar para a importância e utilidade das características paisagísticas e,
particularmente, climáticas da Serra da Estrela, por analogia às grandes montanhas
europeias, como os Alpes suíços, dá início no século XIX a um conjunto de estudos
meteorológicos e climatológicos no sentido da resolução de problemas de higiene e
saúde pública, articulando trabalhos de cientistas, médicos e geógrafos, entre outros.
“Os bons resultados obtidos em milhares de casos, mercê do estágio prolongado no ar
frio, sêco, amicrobiano das grandes alturas, e a suposta imunidade contra a
tuberculose dos habitantes dessas regiões, criaram o dogma da altitude […]” (Patrício,
apud Silva 2009:97). No entanto, os avanços da medicina fizeram recuar esta
componente terapêutica associada diretamente à cura da doença, levando à
decadência deste espaço turístico. Ao mesmo tempo, assistiu-se, aos poucos, à sua
reconversão em espaço lúdico.
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A Casa das Penhas Douradas recupera estas lógicas da saúde, não tanto pela cura da
doença, mas no sentido da prevenção, numa lógica de promoção do bem-estar e da
qualidade de vida, ao introduzir a componente de SPA na oferta do equipamento. Por
outro lado, o Hotel não perde a traça arquitetónica local, aproveitando as linhas e os
materiais estruturantes e transformando-os com um design modernizado. O perfil da
construção e a utilização de materiais como a chapa, a cortiça (como isolante), e a
madeira de bétula (no interior), conferem modernidade à linha arquitetónica secular da
região. Ao mesmo tempo, conseguem identificar-se outros aspetos comuns como
sejam as varandas, adaptadas com vastas áreas envidraçadas com uma panorâmica
para o exterior, ou o aproveitamento dos elementos e estruturas naturais (blocos de
granito e a própria topografia) para o abrigo do edifício (Fig. 4).
Por outro lado, a localização (em pleno Parque Natural da Serra da Estrela) impele
quase que à obrigatoriedade de integrar a serra, e respeitá-la, em todo o equipamento.
Verifica-se uma tentativa de ter a serra dentro de casa, quer pela própria estrutura do
edifício, em que as amplas áreas envidraçadas permitem vistas panorâmicas para o
espaço envolvente, quer pela utilização de cores, aromas e materiais decorativos.
Mais uma vez, referimos a bétula utilizada em todo o mobiliário, o revestimento do piso
do SPA em quartzo branco, os aromas trazidos para os óleos de massagem ou para
os próprios chás e biscoitos ou os tons avermelhados, verdes, acastanhados,
arroxeados que pintam a serra nas diferentes estações do ano.
Esta ideia da transformação dos localismos em produtos de promoção local, mas
sobretudo bases de negócio, com a introdução do elemento inovação, ganha, neste
caso de estudo, maior relevância no contexto das extensões da Casa das Penhas
Douradas para as pequenas indústrias de transformação – Penhas Douradas Food e
Penhas Douradas Factory. No primeiro caso, trata-se da valorização da gastronomia
local com um aproveitamento dos produtos silvestres ou derivados da atividade agropastoril do concelho e da serra e a sua transformação em produtos gourmet,
associando a qualidade que lhes é inerente a uma marca vendível e visualmente
apelativa. Partindo de produtos base como a feijoca, a abóbora, o mel, a flor de
sabugueiro, o zimbro, a alfazema, o rosmaninho, a urze, o poejo e o queijo foram
criados produtos alimentares variados, desde aqueles que integram a ementa do
Hotel, menos exportáveis (e.g. gelado de zimbro, pudim de alecrim), aos que são
produzidos com a finalidade de venda (e.g. pesto de urtigas, geleias de ervas da Serra
da Estrela, caramelos de mel silvestre).
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No entanto, foi na Penhas Douradas Factory (atualmente Burel Factory) que se
verificou uma maior inovação do produto endógeno e, também, um maior investimento
por parte dos proprietários da Casa das Penhas Douradas, refletindo-se num maior
impacto ao nível do desenvolvimento e dinamismo do concelho. Tendo por base o
trabalho da lã transformada em burel, tecido tradicionalmente utilizado nas capas dos
pastores, conhecido pelo seu aspeto grosseiro, rude e cores escuras, o trabalho da
Burel Factory passa, numa primeira fase, pela conceção de novos produtos, com
funcionalidades diferenciadas e a introdução de novas cores.
Estas ideias começaram a ser trabalhadas num pequeno atelier, que surge também
numa lógica de perceção da necessidade de inovação e recuperação da indústria de
lanifícios ainda a operar no concelho (Lanifícios Império). A inovação materializa-se,
neste contexto, antes de mais, numa lógica de inovação social, pelo aluguer de
espaço numa fábrica em início de processo de insolvência, de forma a garantir
rendimento aos respetivos proprietários. Ao mesmo tempo, o excedente de mão-deobra existente na Lanifícios Império foi anexado, também, ao pequeno atelier da Burel
Factory, travando um processo de despedimento iminente.
Esta relação organizacional inicial veio a ampliar-se, mais tarde, quer pelo crescimento
da dimensão da Burel Factory, quer pela falência da Lanifícios Império. Na prática,
verificou-se uma compra desta última indústria pelos proprietários da Casa das
Penhas Douradas, processo que também teve o seu caráter inovador na medida em
que, para além das instalações, a Burel Factory adquiriu toda a maquinaria, a matériaprima, mas também grande parte dos funcionários que no momento integravam a
anterior unidade fabril e todas as encomendas que estavam por entregar aos clientes.
Ao nível do produto, a Burel Factory apresenta inovação quer na cor do burel, que do
preto, castanho e branco, passa a para trinta e nove cores (e.g. vermelhos, verdes,
azúis, rosas, amarelos), quer nas texturas que lhe são dadas (16 pontos inspirados na
tradição e cultura portuguesas), mas sobretudo nas funcionalidades para que os
produtos são feitos (e.g. acessórios de moda, vestuário, decoração, brinquedos,
material de escritório). Em continuidade, vai-se assistindo a uma ampliação do produto
oferecido e numa desagregação de marcas: o trabalho em burel abre espaço à
utilização em projetos de arquitetura, com enfoque nos revestimentos; a Lanifícios
Império deixou um legado de ensinamentos e clientes que se repercute, hoje, na
continuação do trabalho, que passa pela execução de uma série de tecidos que vão
além do burel (e.g. flanela, tartan); o trabalho exclusivo da lã resulta em produtos de
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maior simplicidade como mantas, cachecóis e echarpes, incorporadas numa nova
marca, a Mantecas.
Esta diversificação vai ainda mais longe, ultrapassando o mero trabalho da lã e dos
seus derivados. A Burel Factory, e na lógica da Casa das Penhas Douradas, e
também porque associada a esse equipamento hoteleiro, desenvolve um conjunto de
atividades ligadas ao turismo, para o público em geral e para a comunidade escolar
em particular. Trata-se da abertura da fábrica ao público, nas lógicas da nova
museologia e da territorialização da cultura e identidades locais. A fábrica, pela
atividade que desenvolve e pela riqueza cultural que encerra, em que a maquinaria se
torna o elemento mais valioso, na medida em que a laborar existem teares de todas as
gerações (o mais antigo data do século XIX), constitui-se como polo de atração de
visitantes. Aqui sobressai o trabalho de complementaridade entre as ofertas do Hotel e
as ofertas da fábrica. A isto junta-se ainda a existência de uma sala de congressos nas
instalações da Burel Factory, mas também um conjunto de eventos realizados no seu
interior que permitem um maior contacto com a população (e.g. concertos de música).
3.2. Know-How e capital humano
O capital humano surge, em primeiro lugar, e na ótica da empresa/negócio como
potencial de mão-de-obra. O alargamento e diversificação da oferta ligada à Casa das
Penhas Douradas repercutiram-se na necessidade da contratação de mais
colaboradores: dos 3 trabalhadores iniciais no equipamento de TER, hoje, no total dos
nichos de negócio, a equipa integra 40 trabalhadores.
As caraterísticas sociodemográficas que o concelho de Manteigas apresenta poderiam
constituir-se num entrave, em primeiro lugar à contratação, em segundo lugar ao
desenvolvimento do negócio: uma população ativa, no geral, pouco jovem que se
reflete em níveis de ensino pouco elevados. A este elemento, junta-se o facto de a
dimensão da empresa não ser capaz de, por si só, captar trabalhadores alóctones,
mas, por outro lado, enfatiza-se o sentido social e económico dos proprietários em
querer contratar população residente no concelho.
Neste contexto, podemos encontrar três perfis de trabalhadores na Casa das Penhas
Douradas e respetivos negócios anexos. Por um lado, os trabalhadores do Hotel, onde
se distinguem dois grupos: os mais jovens e mais qualificados (alguns dos poucos que
permaneceram no concelho), algumas vezes com cursos superiores, que trabalham
numa lógica de polivalência e rotatividade nas tarefas necessárias ao quotidiano da
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infraestrutura, estando todos preparados para o contacto direto com os clientes; os
trabalhadores de mais idade, menos qualificados, muitos deles ex-empregados fabris
que, sendo excedentes à necessidade da Burel Factory, foram formados para o
trabalho de hotelaria. Por outro lado, os trabalhadores da fábrica de burel, na sua
generalidade com mais idade e menores níveis habilitacionais, mas portadores de
conhecimento pela experiência de anos a trabalhar na indústria dos lanifícios. A estes
juntam-se, em menor proporção, trabalhadores mais jovens que tentam aprender as
formas de trabalhar a lã.
A Casa das Penhas Douradas, e em especial a Burel Factory, possui ainda um
conjunto de trabalhadores não filiados que apoiam a concretização destes projetos.
São profissionais altamente qualificados, quase sempre externos à região da Serra da
Estrela, que funcionam como parceiros ao nível técnico. Falamos de designers no que
respeita à fábrica de burel e, por exemplo, do Chef que estrutura a ementa do Hotel e
coordena os produtos da Penhas Douradas Food.
Esta diversidade de trabalhadores aumenta o grau de resiliência da empresa. Por um
lado, o conhecimento técnico e mais qualificado do grupo mais jovem e com formação
superior que permite a introdução de elementos mais criativos, inovadores, bem como
apresenta uma maior aptidão para a perceção das trajetórias de desenvolvimento e a
pretensão de uma maior competitividade. Por outro, o conhecimento tácito de quem
trabalhou durante décadas com a lã e o tear e que conhece os produtos locais e as
suas potencialidades.
Nesta lógica, constitui-se um fator de competitividade pela integração do capital
humano local, com um conhecimento prático, e do capital humano (externo) com um
conhecimento tecnológico e científico (know-what e know-why). Assim, a ideia de
transformação do produto endógeno, no sentido da sua valorização, tomada por um
conjunto de técnicos e/ou trabalhadores mais qualificados, é validada, adaptada ou
repensada a partir do conhecimento dos trabalhadores que apresentam experiência no
trabalho da matéria-prima e conseguem prever a sua reação a determinado processo.
Ao mesmo tempo, estes trabalhadores, menos qualificados, entram num processo de
aprendizagem, ao serem confrontados com a necessidade de aplicação de um
conjunto de novas técnicas que têm de implementar no seu posto de trabalho. A
partilha de informação por estes dois grupos de profissionais reflete-se num aumento
do conhecimento do grupo de técnicos mais qualificados e incita potenciais novas
investigações.
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Daqui resulta a inovação, como a conjugação do trabalho agilizado do capital humano,
o aproveitamento dos produtos endógenos e a introdução de novas ideias de produto,
organização empresarial e transformação da matéria-prima. Esta inovação poderá
refletir-se na criação de novas marcas, mas sobretudo novas formas de vender os
produtos locais, o que, por consequência, se poderá refletir na criação de novas
imagens e perceções do território que suporta todo este processo. Para além disto, o
conhecimento tácito aliado ao conhecimento explícito, o aproveitamento dos recursos
locais e o reconhecimento da sua versatilidade, a par da introdução de diversos tipos
de inovação torna a empresa mais capaz de antever e reagir a momentos de
perturbação no seu sistema de equilíbrio (Fig. 5).
3.3. A divulgação e a criação de redes
Segundo Caetano (2003:152), “para que a política de desenvolvimento local seja
eficiente é conveniente que se produza uma sinergia entre as acções locais,
empresariais e institucionais. Porém, isto só é possível quando existem formas de
concertação, como acordos de planificação, e se dispõe de instrumentos que
favoreçam a aprendizagem e a difusão do conhecimento e, ainda, mediante a
interacção dos actores”. Granovetter (1983) refere que os indivíduos com os quais
temos relações de “laços fracos” são importantes porque nos conectam com vários
outros grupos, rompendo a configuração de “ilhas isoladas” dos clusters e assumindo
a configuração de rede social. Assim, a estruturação de várias redes constrói a
diferença nos e para os lugares (Pratt in press) e/ou empresas.
É nesta lógica que a casa das penhas Douradas se tem desenvolvido. Em primeiro
lugar, e a uma microescala, as relações entre as diversas áreas de atuação, quer pela
complementaridade das atividades – o Hotel leva os turistas à fábrica, a fábrica coloca
os seus produtos no Hotel – quer pela transversalidade dos trabalhadores e
requalificação dos mesmos no sentido da garantia do emprego através da recolocação
em sectores de maior necessidade. Ainda à escala local, as redes surgem na lógica de
mercado. Ou seja, a empresa torna-se cliente de um conjunto de produtores locais,
seja no âmbito da aquisição da lã para a fábrica de burel, seja ao nível dos produtos
diários consumidos no Hotel (e.g. alimentação, higiene), contribuindo, enquanto
satisfaz as suas necessidades, para a continuidade de alguns micronegócios e a
criação de novas dinâmicas na economia do concelho.
A uma escala mais alargada, e enfatizando as sinergias regionais, a Casa das Penhas
Douradas tem já um conjunto de parcerias com outros estabelecimentos hoteleiros da
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Região Serra da Estrela, no sentido da potenciação do aumento da estadia dos
turistas. Foram desenvolvidas atividades complementares que permitem uma oferta
mais prolongada no tempo e dividida por diversas áreas da serra, pela articulação de
dois ou mais estabelecimentos que funcionam como pontos de partida e chegada
entre as atividades de lazer oferecidas (e.g. Casas da Lapa – Seia). No sentido da
maior divulgação do local, estão já a ser feitas tentativas de instituição de novas
parcerias, desta vez com novas tipologias de estabelecimento – hotéis de charme –
numa lógica de diversificação da oferta, alargamento dos territórios de atuação e
ampliação do público-alvo.
Ainda num âmbito regional, também a Burel Factory se constitui como um vértice de
rede. Por um lado, as complementaridades existentes com outras indústrias
especializadas no trabalho da lã, que desenvolvem a transformação inicial da matériaprima, tarefa que a fábrica em Manteigas não tem capacidade para laborar. Falamos
do caso específico da lavagem da lã que é feita numa indústria do concelho da
Guarda. Por outro lado, a componente inovadora que a fábrica apresenta implica uma
constante investigação ao nível dos materiais e dos produtos resultantes da sua
transformação, estando também ligada à componente do conhecimento e da ciência
através da Universidade da Beira Interior, mais especificamente do departamento de
Engenharia Têxtil.
Mas estas redes dispersam-se no espaço quando se promovem ligações com técnicos
mais especializados. No caso concreto da fábrica de burel, as colaborações de
designers e arquitetos repercutem-se em contactos territoriais que se alargam a áreas
diversificadas do país, como Lisboa, Porto, Braga ou Coimbra, mas também a espaços
internacionais, como é exemplo Londres. Aqui inicia-se já um processo de divulgação
da empresa e dos seus produtos, na medida em que cada um destes colaboradores,
não tendo um regime de exclusividade e participando noutros projetos (individuais ou
institucionalizados) acaba por divulgar o conceito e os produtos da Casa das Penhas
Douradas e da Burel Factory no seu percurso profissional.
E é de facto no contexto da divulgação do produto e numa lógica de marketing que a
rede se amplifica e ganha distâncias euclidianas mais vastas (Fig. 6). Por um lado,
através das lojas onde a produção, principalmente da Burel Factory mas também da
Penhas Douradas Food, chega ao contacto com o público: as pequenas lojas da
fábrica e do Hotel evoluíram para uma loja no Chiado em Lisboa – Loja da Burel – e
para um conjunto de exportações para lojas internacionais, em países como a
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Holanda, a Alemanha, a Finlândia, a Bélgica ou os EUA, a que se juntam espaços de
venda virtuais.
Estes espaços de venda/divulgação permanente são complementados com episódios
efémeros de promoção do Hotel, da fábrica e dos produtos, na participação em feiras
nacionais e internacionais, em eventos, ou exposições do produto. A marca Penhas
Douradas/Burel Factory é ainda difundida pelos projetos que a empresa integra ao
nível da dimensão decorativa e arquitetónica, associando-se a um conjunto de
empresas de atuação internacional, contribuindo para o alargamento das redes por
intermediários destes parceiros.
Verificamos, então, uma inovação social que quebra com as lógicas tradicionais dos
territórios de baixa densidade (associadas ao isolamento), pela adoção de estratégias
de atuação em rede e criação de parcerias que, a diferentes escalas e em diversas
dimensões (Fig. 7), tornam a empresa mais capacitada, na medida em que são
criadas múltiplas opções de atuação, enquanto se solidificam territórios de exportação
do produto e divulgação dos serviços. Ao mesmo tempo, criam-se sinergias locais e
regionais que contribuem para a redinamização das estruturas económica e social,
podendo contribuir para a criação de territórios mais coesos, competitivos e, por
consequência, mais resilientes.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos últimos anos a compreensão do conceito de resiliência requer a consideração
combinada de aspetos fundamentais (Pearson 2008): (1) persistência, referente à
capacidade de um sistema para manter a estrutura e função, quando confrontado com
choques e mudança; (2) adaptabilidade, associado à capacidade coletiva de pessoas
para aprender e se adaptar à mudança de condições, no intuito de alcançar um estado
desejado;
(3)
transformabilidade,
a
capacidade
das
pessoas
inovarem
e
transformarem, em períodos de crise, no intuito de criar um novo sistema
socioecológico, quando as condições sociais e económicas tornam o sistema existente
insustentável. Este último aspeto refere-se, por exemplo, à capacidade de transformar
o contexto socioeconómico de crise numa oportunidade de alterar e promover a
economia local.
O estudo de caso aqui apresentado, assente na valorização dos produtos endógenos
e da população local, suportado num conhecimento (know-how) local e exterior, teve a
habilidade e capacidade de aprender, adaptar-se e inovar, contribuindo para a
valorização deste território, e desta forma estimular a sua capacidade de resiliência.
Constitui, indiscutivelmente, um exemplo de empreendedorismo local, onde produtos
tradicionais deram origem as novas combinações produtivas, com requinte, elegância
e sabedoria.
É no entanto óbvio que, se por um lado, a Casa das Penhas Douradas e a Burel
Factory constituem elementos de incremento da resiliência deste território, do ponto de
visto socioecónomico, por outro lado é evidente que o seu dinamismo é claramente
insuficiente para subverter as trajetórias regressivas de desenvolvimento que
caraterizam o município de Manteigas, desde há já várias décadas. Outros
projetos/negócios que visem aproveitar e maximizar os recursos endógenos desta
região, capazes de desencadear crescimento económico, no intuito de reter pessoas e
aumentar a taxa de empregabilidade serão basilares na alteração das trajetórias
regressivas e no fomento do desenvolvimento local, nestes territórios de baixa
densidade.
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Figura 1 – Localização do concelho de Manteigas e da Casa das penhas Douradas.
Quadro 1 – Síntese sociodemográfica do concelho de Manteigas, 1960 e 2011.
1960
2011
População residente (nº)
Variável
5276
3430
Variação
-1846
Índice de envelhecimento (% )
24.00
288.10
264.10
Taxa de atividade(% )
57.60
37.76
-19.84
População empregada (nº)
1961
1103
-858
População empregada no setor primário (nº)
846
52
-794
População empregada no setor secundário (nº)
783
291
-492
População emrpegada no setor terciário (nº)
332
760
428
Taxa de desemprego (% )
2.60
14.80
12.20
Fonte: INE – Censos 1964 e Censos 2011.
Figura 2 - Processo de resiliência: elementos contribuintes nos territórios rurais de montanha.
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Figura 3 - Processo de resiliência: dinâmicas inerentes à criação de territórios resilientes.
Figura 4 - Comparação da arquitetura tradicional das Penhas Douradas (esq.) com a arquitetura da Casa
das Penhas Douradas (dir.)
Figura 6 – Redes territoriais da empresa, por tipologia de relação.
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Figura 7 – Elementos das redes da Casa das Penhas Douradas e Burel Factory: áreas de atuação,
dinâmicas e contribuições das parcerias.
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