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Martin Holbr aad
Dinheiro e necessidades no “period Especial’ de Havana
Nos últimos anos, tem se verificado – em parte, no contexto do
contínuo cabo de guerra intelectual entre o regime socialista de
Cuba, já quinquagenário, e os “cubanólogos” antirrevolucionários dos EUA – o crescimento de uma indústria informal de textos que documentam, explicam, preveem e, de modo generalizado, apontam em todas as direções os indicativos das profundas
mudanças por que passaram a sociedade e a economia cubanas ao
longo das últimas duas décadas, após o colapso do bloco soviético. Não quero tomar partido, formando um juízo a respeito dos
eventos desse período que, em 1990, o próprio Fidel Castro, com
sua aptidão para eufemismos, chamou de ‘Especial’, mas o qual
os observadores da realidade cubana, de todas as persuasões, têm,
às vezes, chamado de ‘a crise’. O que pretendo fazer, neste artigo,
é contribuir para que seja corrigida a tendência da literatura sobre o tema para as visadas macroscópicas, que dão prioridade às
questões de ‘ciência política’, relativas à legislação, a análises macroeconômicas, políticas de governo etc.1 Meu objetivo é ficar
alerta para perceber de que modo as drásticas transformações dos
últimos anos têm sido experienciadas pelas pessoas que tiveram
de enfrentá-las e, a elas, sobreviver.2
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A primeira metade deste capítulo oferece uma imagem etnográfica em miniatura [thumbnail] da situação em Havana, tal como a encontrei nos bairros velhos junto ao centro da cidade.
Minha pesquisa com trabalho de campo vem se realizando desde 1998 (e grande parte do material que apresento aqui se restringe ao período compreendido entre 1998 e 2000, relativo especificamente a minha tese de doutorado), quando as condições de
vida de muitos habaneros estavam consideravelmente melhores
do que no período crítico de, digamos, 1992 a1995; mas um dos
pontos de minha argumentação é que, apesar dessa melhora, os
habaneros, em contextos informais, falam das dificuldades atuais
em termos indignados. O ponto principal na expressão das queixas, conforme ilustrarei, é relativo ao consumo e se forja por meio
de comparações: “antes” (do início da crise) todos possuíam pouco, mas era o bastante; “ahora” (agora), alguns têm muito mais
que outros, mas quase ninguém tem o bastante. O que tentarei
mostrar, no entanto, é que por trás da fachada da comparação
quantitativa, há uma avaliação irredutivelmente qualitativa do
período Especial como uma crise de caráter marcadamente moral. A relação entre consumo e moralidade é mais evidente nas
elaborações em torno da ideia de necesidad. Como veremos
adiante, o que é marcante nessa noção é o fato de que, no plural,
o termo parece indicar de forma aparentemente simples e direta
as necessidades (necesidades) que os habaneros precisam, constante e arduamente, enfrentar hoje em dia, ao passo que a forma singular passou a designar a pobreza como, intrinsecamente, uma
força perniciosa que permeia todos os aspectos da existência.
A segunda metade do capítulo trata das razões por que a pobreza veio a ser pensada nesses termos. O argumento aqui segue
uma lógica ‘desenvolvimentista’, no sentido de que as concepções
de pobreza e suas mudanças são analisadas como função de um
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deslocamento daquilo que designarei como ‘paradigmas de consumo’: da ordem moral da distribuição socialista (cujo auge é anterior aos anos 1990), para o mercantilismo ‘bruto’ que tem
avançado de modo cada vez mais intrusivo ao longo do período
Especial. Esse deslocamento corresponde, como veremos, às importantes transformações na área do consumo, provocadas, em
primeiro lugar, pela legalização do dólar norte-americano, em
1993, que foi anulada em 2004, mas apenas para ser substituída
pela instituição do, assim chamado, “peso convertível” ou
“CUC” – emitido pelo governo para cumprir a tarefa do dólar,
ao qual permanece atrelado (tanto assim que as pessoas frequentemente ainda se referem aos CUCs como “dólares” – e vou
acompanhá-las nessa prática). O estado combalido da “economia
moral” socialista (que ainda é administrada por meio dos pesos –
a “moeda nacional”) é cruamente ressaltado pela intrusão da economia dolarizada, tipificada pelos supermercados e shoppings que
se proliferaram em Havana, nos últimos anos. No entanto, pretendo mostrar que os dólares não são apenas o símbolo de uma
nova desordem moral, por assim dizer. Também funcionam como seu principal catalisador, na medida em que expandem o reino da “necessidade”, despojando-o de sua essência moral (socialista) por meio da comensuração. Há, portanto, subjacente a meu
relato da experiência de pobreza e de carência material dos habaneros a partir dos anos 1990, um argumento a respeito do poder
inerente do dinheiro como catalisador nos processos de transformação moral.
Permita-me, antes, contextualizar meu argumento, dando brevemente ao leitor uma ideia das radicais transformações econômicas pelas quais passou Cuba em consequência do colapso do bloco soviético. Não há, em geral, divergências na literatura, quanto
ao fato de que as conquistas mais significativas da Revolução
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Cubana, seu carro-chefe (penso, aqui, na garantia de subsistência, moradia, serviços de saúde e educação a toda a população),
se fizeram possíveis às custas da União Soviética, por assim dizer.
A política econômica de Fidel Castro – em parte, como reação a
um belicoso embargo comercial norte-americano –desde cedo
baseou-se em dois pilares: exportação de açúcar e níquel para a
União Soviética e os países do Conselho para Assistência
Econômica Mútua (COMECON), em bases extremamente lucrativas (para Cuba) comparativamente às condições do mercado
mundial; e “financiamento de dívida” em rublos, garantido pela
URSS, que permitiu à Cuba administrar déficits recorrentes em
sua balança de pagamentos. No período de 1989 a 1991, os dois
pilares desmoronaram. Primeiro, os países do COMECON, e, a
seguir, a própria União Soviética foram cancelando, um a um,
seus acordos com Cuba e começaram a exigir o pagamento das
dívidas em moeda forte. Em consequência disso, Cuba foi lançada numa profunda crise econômica, de modo que, em 1992, o
país havia perdido 70% de seu poder aquisitivo.3
Em reação à crise, o regime adotou, de um lado, drásticas medidas de austeridade; de outro, procurou incessantemente captar
moeda forte. Em consequência dos cortes em todas as formas de
uso de energia, no início dos anos 1990 (assim como da redução
na força de trabalho), a produção agrícola e industrial despencou.
Isso teve impacto imediato na população, pois muitos bens e serviços, anteriormente fornecidos pelo Estado a preços acessíveis,
foram se tornando cada vez mais difíceis de obter ou então, em
muitos casos, desapareceram totalmente. Durante meu trabalho
de campo, no fim dos anos 1990, as queixas mais prementes das
pessoas eram relativas ao sistema de racionamento, que durante
toda a Revolução constituiu a espinha dorsal do consumo doméstico: se “antes” da crise as famílias podiam viver decentemente
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com as mercadorias fornecidas através do talão de racionamento
(la libreta), “agora” as quantidades fornecidas em cada mês só duram, em média, dez dias. Por outro lado, os cortes foram acompanhados de reformas que, alguns anos antes, seriam inimagináveis. No início dos anos 1990, sob o slogan de “capital, sim;
capitalismo, não”, o regime “cortejou” as divisas em moeda forte
– não só abrindo a economia a investidores estrangeiros (especialmente no setor turístico, que decolou ao longo da década de
1990), mas também captando os dólares que já circulavam ilegalmente dentro de Cuba. Em 1993, o governo descriminalizou a
posse de dólares, incorporando assim uma fatia importante do
mercado negro, que então vicejava. Com esquemas de segurança
dignos do Fort Knox, mais e mais estabelecimentos comerciais
foram abertos, vendendo artigos de consumo em dólares. Quando cheguei, em 1998, uma ampla gama de produtos (inclusive de
primeira necessidade, como óleo de cozinha e detergente) só
eram encontrados nas lojas que operavam em dólares (ou la chopin – como dizem os cubanos, a partir do inglês norte-americano “shopping”), e a situação persiste.4
Assim, o que temos efetivamente em Cuba desde 1993 é uma
economia de duas classes. Há aqueles que têm sorte ou esperteza
para possuírem dólares e, dependendo da quantidade de que dispõem, essas pessoas podem viver com relativo conforto, e, em alguns casos, podem mesmo ter acesso a luxos como um carro, uma
televisão colorida etc. E há, em seguida, a maioria, os que ainda
têm que se virar com os pesos. No fim dos anos 1990, um trabalhador recebia em média menos de 200 pesos por mês (menos de
10 dólares), uma quantia totalmente inadequada, ao se considerar que, por exemplo, um litro de óleo de cozinha custa 2,20 dólares. Durante o tempo que permaneci em Havana, praticamente todas as pessoas que encontrei recorriam a uma ou outra forma
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de atividade ilegal, seja como suplemento ou como substituto do
salário. Uma auxiliar de laboratório alugava. para casais. um
quarto de seu apartamento, cobrando por hora; um motorista de
caminhão criava aves em seu quintal; um intelectual sonhava em
se tornar porteiro de um grande hotel e etc. A mercadoria mais
estimada nesse grande e empobrecido segmento da sociedade cubana é, obviamente, o próprio el dolar. Com efeito, durante o trabalho de campo, acostumei-me a ouvir de diferentes informantes
e em vários contextos a mesma observação sociológica. “Em
Cuba, hoje, temos duas classes: os que têm dólares, e os que não
têm. Não era assim antes” – isto é, anteriormente ao período
Especial.5 É difícil não notar a amargura nessas palavras, uma mágoa tanto mais pungente por se estar falando de uma sociedade
socialista cuja razão de ser, desde o início, era alcançar a meta da
igualdade através da abolição das classes.
No entanto, um aspecto marcante dessa amargura com que os
cubanos veem suas atuais dificuldades econômicas é que ela é, em
grande medida, compartilhada por aqueles que possuem alguns
dólares e por aqueles que não possuem. Na verdade, essa mesma
distinção pode muito bem ser atenuada por afirmações do tipo:
“Cuba é um país de pessoas pobres”, ou “ninguém, aqui, está bem
de vida”. Eis um trecho típico, extraído de uma conversa que tive em 2001 com um músico de 40 anos de idade, que ganhava
seus dólares dando aulas de percussão para turistas:
No tempo das “vacas gordas”, nos anos de 1970 e 1980, meu
salário era baixo; 280 pesos para um recém-formado. [Mas] havia muito trabalho, e isso era dinheiro, na época. Um quarto no
Havana Libre, um dos [hotéis] mais caros, custava 39 pesos.
Hoje, mesmo uma posada 6 custa mais. […] A entrada para casas noturnas como o “Jonnie” era de graça; uma pessoa podia se
divertir com 5 ou 10 pesos. Na Cia [um posto de varejo], ven-
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diam carne. […] Uma libra de carne de porco era 4,50 pesos.
Neste momento, custa 25 pesos. […] Desde 1996, eu fui chamado para me apresentar duas vezes, e por uma delas ainda não
me pagaram até hoje.
A questão não é que a dolarização permitiu aos felizardos possuir dólares e alcançar um nível de prosperidade antes inatingível.
Ao contrário, com a alta abrupta dos preços no varejo e a redução dos produtos disponíveis, pelo sistema de racionamento, o
padrão de vida que era tido como certo, antes da crise dos anos
1990, agora é percebido como difícil de manter, até mesmo por
aqueles que têm dólares. Certamente, não é acurada a imagem
nostálgica que alguns de meus interlocutores faziam do antes, do
tempo das “vacas gordas” (especialmente tendo em vista a escassez substancial de vários artigos, nos anos 1970 e 1980); mas, ainda assim, o fato é que, na economia bipartida dos anos 1990 e
2000, mesmo aqueles que passam bem melhor do que os demais
comparam o “agora” desfavoravelmente ao “antes”. Quase todas as
pessoas, “antes”, ganhavam pouco, mas era o bastante; “agora” alguns ganham muito mais do que outros, mas poucos têm muito.
Além disso, as pessoas também deixam bem claro que a dolarização fez subir o patamar do que hoje em dia poderia ser considerado como “suficiente”. Afinal, as novas lojas operando em dólares não vendem apenas óleo de cozinha e detergente; elas
oferecem toda uma gama de bens de consumo, de sopas Knorr e
molhos Dolmio a tênis Nike e perfumes Chanel, e muitos outros
produtos que, não raro, custam várias centenas de dólares, cada
um. O que me chamou particularmente a atenção durante o trabalho de campo foi a tendência das pessoas a estarem muito bem
informadas sobre os preços de produtos absolutamente inacessíveis aos meios de que dispunham. Com efeito, as lojas “dolarizadas” (com destaque para os conjuntos comerciais, ao estilo nor-
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te-americano, no centro da cidade) ficavam apinhadas de pessoas
olhando vitrines, praticando o window-shopping, passando horas
a examinar os produtos e, muito frequentemente, saindo com as
mãos vazias, do mesmo modo que entraram7. Quando perguntava a amigos sobre essas visitas às lojas, eles, às vezes, me davam vagas explicações, falando de uma quantia que esperavam vir a receber em algum momento futuro (uma promessa de remessa do
exterior, um negócio pendente e de algum vulto etc.). Mais frequentemente, usavam como pretexto os produtos mais baratos:
“não, eu só entrei porque ouvi dizer que na seção de “tudo por
$1” estão vendendo peças de louça”; ou “eu fui ver se hoje estavam vendendo fígado, e aí fui só dar uma olhada em volta”.
Então, se a cultura do consumo – como tem sido tantas vezes sugerido – está suprindo uma certa espécie de cultura global, então
os habaneros cada vez mais se encontram na desconfortável situação de serem seus intérpretes competentes, porém – por necessidade – falantes pouco articulados.8
O sentimento de indignação com esse estado de coisas, na época de minha presença em campo, era tão disseminado, que parecia universal. Fossem babalawos (babalaôs) ou donas de casa
desempregadas, habilidosos agentes do mercado negro ou frequentadores de bar sem um tostão, abastados acadêmicos brancos com quartos para alugar a estrangeiros ou malandros negros
versados no mundo das ruas – os habaneros, invariavelmente,
demonstravam frustração com a situação que lhes impunha salários em pesos cubanos, sistema de racionamento severamente limitado, e quantidade crescente de produtos disponíveis apenas
em dólares. Gisel (nome fictício) – mãe solteira, negra, chegando
aos 40 anos de idade, sem familiares próximos residindo no exterior – falou-me de suas perspectivas de emprego em um tom irritado, absolutamente típico:
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Não, eu tive todos os tipos de emprego. Com meu diploma da
escola técnica, trabalhei [até 1994] em gastronomia, numa unidade
militar, os correios… Na época, valia a pena […], dava para viver
disso. Mas as coisas ficaram difíceis de uns tempos para cá, e eu parei. […] Em 1996, comecei a vender flores para turistas na Cidade
Velha, e era bom, mas sempre nos pegavam e multavam. Foi quando comecei a cozinhar e fazer faxina no albergue de turistas, a $1 dólar por dia. Não era muito, mas, pelo menos, eram dólares. É o que
nós aqui chamamos la lucha (a luta, a batalha). [...] Por que trabalhar para o Estado, se todas as coisas de que preciso são em dólares?
Em que país do mundo você ouviu dizer que existe um sistema assim? (...) Tirando o arroz e algumas outras coisas, tudo o que preciso – carne, banha, detergente, coisas da casa, roupas, tudo isso –
tenho que procurar em la chopin (as lojas que vendem em dólares)
ou na rua (no mercado negro). (...) Não é fácil... (no es fácil...)
A oposição, na fala de Gisel, entre a “necessidade” e a “batalha”
para obter os dólares com que supri-la é um tema que surge onde quer que se vá, na Havana do período Especial. Ouvindo os
habaneros falarem sobre sua atual “pobreza” ou sua “necessidade”
(o termo, necesidad, traz amalgamadas as duas conotações9), ficase com a imagem de um povo em estado de suspensão, em uma
espécie de “terra de ninguém” econômica, entre um sistema socialista parcialmente desintegrado, com seu Estado provedor, e
um mundo de fartura capitalista, que, no entanto, é praticamente inalcançável (o mundo de el dolar e la chopin)10. Essa imagem
ficou marcada em mim muito cedo, em meu trabalho de campo,
por ocasião de uma das várias aulas de inglês que dei para um grupo jovem de dança ”folclórica”, em Centro Habana. Decorrido
um par de meses de nosso curso informal, decidi desabafar minha frustração em relação à inconstância com que meus alunos
frequentavam as aulas, e recorri a uma conversa de incentivo:
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— Estudar inglês é provavelmente o melhor investimento que
vocês podem fazer agora. Vocês não sonham em viajar para o exterior? Como vocês acham que vão se ajeitar? Mesmo aqui neste
hotel, (um três estrelas em que eles se apresentavam para turistas)
vocês não acham que receberiam mais dos estrangeiros se pudessem se comunicar bem com eles? A turma pareceu ficar ofendida. Um dos principais dançarinos – ele havia chegado com uma
hora de atraso, vindo da rua cansado e com sede, trazendo uma
quadro a óleo emoldurado, de gosto duvidoso – zombou de minha atitude, com delicadeza: — Olha, professor! Talvez um dia a
gente viaje, provavelmente para o Haiti (risos), mas os problemas
e a necesidad estão aqui. Você acha que com uma apresentação
por semana as coisas se resolvem? Não, preciso estar nas ruas todo dia, tentando pensar em jeitos de cavar dois ou três fula (gíria
para dólares) para as coisas que preciso. Hoje eu cheguei tarde
porque estava na luta (estaba en la lucha), andando na rua, debaixo do sol, desde 8 da manhã, pegando filas de ônibus para todos
os lados, tentando encontrar alguém que me dê dinheiro por este quadro. Este aqui. Você quer? (risos) Não? É difícil…
Quero, agora, mostrar que há muita quilometragem etnográfica a ser percorrida a partir do conceito de la necesidad. O primeiro ponto a ressaltar é que o emprego cotidiano do termo
necesidad pelos habaneros traz a conotação de um juízo marcadamente qualitativo da situação atual de pobreza. A necesidad é
constantemente mencionada nos comentários correntes dos habaneros sobre as dificuldades que enfrentam na “luta” (la lucha)
para obter os dólares de que precisam. Especialmente interessante é a frequência com que eles associam a condição de necesidad à
noção que já se tornou ubíqua em todas as camadas da sociedade
cubana (inclusive nos meios de comunicação estatais), a saber:
que o período Especial é um tempo de ”crise moral” ou de ”crise
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de valores”.11 Praticamente todos os sinais de ”crise moral” que
são objetos de queixa dos habaneros (prostituição e delinquência,
separação de casais e também casamentos de conveniência, migração para Havana e emigração para os E.U.A., corrupção, roubo, preços altos no mercado negro, alcoolismo, e o que você escolher) são comumente explicados como resultado inevitável –
conquanto lastimoso – de “la necesidad que hay” (“a pobreza que
há”). Por exemplo, quando comparei, recorrendo a um clichê, o
reaparecimento da prostituição, em anos recentes, com a que havia antes da Revolução, um amigo me desaprovou:
Ninguém gosta. Mas [as prostitutas] sabem que os estrangeiros ficam mesmo dando em cima delas (las vacilan), então, muito melhor ‘assar o pão’ (gíria que significa “obter dólares por
meios escusos”). Têm uma criança para alimentar, que ficou em
casa, no interior, e não preciso contar a você da pobreza (necesidad) que há.
O fato dessas alusões se fazerem no vocabulário das dificuldades (“no es facil”, “você tem que batalhar” etc.) mostra, de modo
quase icônico, que la necesidad é mais do que mera condição de
fundo – ela é experienciada como algo que se faz sentir. Assim como as conversas sobre ocorrências do dia-a-dia são pontuadas de
menções estóicas às dificuldades, o próprio domínio desses acontecimentos diários é experienciado como tomado de dificuldades
contra as quais é preciso lutar.12 Na medida em que os habaneros
tendem a reinterpretar sinopticamente, em termos verbais, sua situação, dando-lhe uma forma reificada (pelo emprego de um
substantivo no singular), faz sentido pensar nela como algo semelhante a uma força. Poderia-se afirmar que, nesse sentido, o conceito de necesidad é, para o meio social cubano contemporâneo,
como o calor para o meio ambiente natural, ou, talvez, o que é o
destino, na ordem espiritual.
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Nesta altura, surge a questão de por que tais circunstâncias
atuais deveriam ser representadas especificamente nesses termos?
Além do mais, o que levaria a lhes dar (quase) universalmente esse tipo de representação, quando a situação é, para alguns, menos
penosa do que para outros? Eu diria que a chave para a resposta
está na profundidade diacrônica da comparação entre o ”agora”
da necesidad e os tempos melhores, de ”antes”. De fato, o conceito de necesidad torna-se duplamente interessante, nesse contexto.
Como vimos, o que faz de “antes” um objeto da nostalgia dos habaneros é o fato de que, naquela época, o Estado, como provedor,
garantia uma relativa equidade entre salários e preços: “todos tinham o bastante”. Aquilo que os habaneros anseiam, com efeito,
corresponde diretamente à segunda metade do princípio socialista da remuneração: “de cada um conforme sua capacidade, a cada um segundo sua necessidade, ou segundo sus necesidades, para
empregar no plural uma palavra bem familiar em Cuba. Já está
bem documentado, nas obras de ciência política, que esse princípio constituiu a plataforma central das políticas estatais cubanas,
no que diz respeito à regulação do consumo para os cidadãos.13
Aqui, o ponto crucial é que, sob os auspícios da Junta Central de
Planejamento (JUCEPLAN), instituído já nos anos 1960, o consumo era organizado pelo Estado de modo a refletir uma hierarquia moral de “necessidades”, segundo a qual as mais “básicas”
eram claramente demarcadas como “direitos” a moradia, serviços
de saúde, alimentação etc., gratuitos ou subsidiados.14 Concorrentemente, os planejadores do Estado asseguraram, desde o
início dos anos 1960 até um momento já adiantado do período
Especial, que tanto os salários, na maior parte dos setores da economia, quanto os preços de mais de um milhão de produtos e serviços (cobertos ou não pelo sistema de racionamento) se mantivessem relativamente fixos.15 O estabelecimento de uma relação
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preço/salário estável e equitativa foi, portanto, desde o início,
proclamada pelo governo revolucionário, em termos morais, como estratégia de redistribuição da riqueza de modo a cobrir as
“necessidades básicas” da população (cf. Roca 1993: 99). A dimensão moral da provisão pelo Estado foi elaborada dentro de
um discurso dos fundamentos morais do socialismo, formulado,
de modo mais forte e expressivo, por Ché Guevara, nos primeiros anos da década de 1960. Na visão de Guevara, tinha lugar
central a ideia de que, combinadas, educação e medidas econômicas baseadas em incentivos morais ajudariam a forjar um “novo homem” (hombre nuevo) em Cuba.16 Nesse quadro, os discursos que falam da escolha, do lazer, do entretenimento etc., tão
familiares no Ocidente, tendem a ser rejeitados como caprichos
burgueses.
É importante agora, para minha argumentação, fazer uma
pausa e considerar que o papel do Estado como regulador moral
(e, daí, prático) do consumo tem uma implicação peculiar, especificamente para o uso do dinheiro. Será útil, quanto a este ponto, recorrer a um outro, mais abstrato, que desenvolvi em outra
oportunidade, relativo ao duplo aspecto monetário: como medida transcendental do valor, por um lado, e como objeto de consumo integrado aos demais, por outro.17 Fazer uma distinção entre o dinheiro e os demais valores, com base no caráter abstrato
daquele, já tem algo de ato reflexo intelectual – talvez um reflexo
condicionado por Marx e, especialmente, por Simmel18. O que
faz a moeda ser tão especial – tendemos a supor – é que sua denominação digital, como quantidade, permite-lhe ocupar uma
posição transcendental com relação aos outros valores, como que
às costas deles e mais ao fundo, fornecendo uma escala quantitativa para que possam ser comensurados. Em outras palavras, o caráter digital do dinheiro como medida de valor permite que ele
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esteja implicado nos cenários modais do tipo “como se” – nos
quais se imagina a existência de determinada quantia de dinheiro, virtualmente conversível em todas as diferentes coisas que
com ela se podem comprar.
Pois bem, esse modo de ver certamente chama atenção para
um aspecto muito importante do dinheiro; mas ao fazê-lo – conforme sugeri – também obscurece outro ponto, a saber, os momentos temporalmente limitados em que o dinheiro é efetivamente empregado: a ocasião em que é consumido, em uma
compra específica. Quando estou aqui, fitando uma libra esterlina em minha mão, posso ser levado pela imaginação e começar a
pensar que ela me compraria dois chocolates (se eu tiver sorte!),
ou um bilhete de loteria, ou $1,45 dólares, ou qualquer outra coisa. Mas a questão é que, quando decido realmente gastar essa libra, os cenários de tipo “como se”, possibilitados pelo cálculo
quantitativo, retrocedem. Minha libra, nesse momento, se torna
importante, não porque pode comprar qualquer coisa que tenha
esse preço, mas porque comprará uma coisa específica. O momento do consumo, então, eclipsa, com uma troca concreta,
aquela projeção de mundos possíveis, e, assim, opera imanentemente e despoja o dinheiro de seu caráter transcendental. Pois,
eclipsados os mundos possíveis, restam apenas duas entidades
diante da pessoa: um punhado de dinheiro e aquilo que ela está
comprando com ele. No momento em que é despendido, o dinheiro não é empregado como padrão digital de valor, mas sim
integrado como um ente temporal que em si mesmo e em sua
concretude é atraído, por assim dizer, pela ação gravitacional direta que a entidade a ser adquirida exerce sobre ele.
Com essa distinção em mente, pode-se agora perceber um interessante paradoxo no paradigma socialista do consumo, tal como o esbocei. Vimos que um traço central do socialismo cubano
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tem sido a fusão ideológica dos fins morais e dos meios racionais
– este segundo termo designando, em primeira instância, as razões (ratios, quocientes, proporcionalidades), planejadas e estabelecidas pelo Estado. Nesse sentido, o planejamento estatal pressupõe, de forma precisa, o aspecto quantitativo do dinheiro, na
medida em que as escalas baseadas no peso permitem às agências
de planejamento comensurar várias “necessidades” e “produtos”
e, subsequentemente, ordená-las hierarquicamente dentro do
contexto de um ethos do consumo, orientado para as necessidades (mas que obviamente leva em conta as exigências práticas da
produção e do abastecimento). O paradoxo, porém, está no fato
de que, se os cálculos misteriosos dos planejadores permanecem
ocultos em uma das pontas do processo (aquela em que os produtos chegam às mãos dos cidadãos, isto é, os postos estatais de varejo, onde as mercadorias são adquiridas), a estabilidade de longo
prazo, observada na proporcionalidade quantitativa entre salários
e preços, e também entre os preços dos diversos produtos, tende a
enrijecer o curso do próprio meio da comensuração (ou seja, os
pesos cubanos), que se torna artrítico. Em outras palavras, quanto
mais o Estado assume o fardo do cálculo monetário, mais ele tende a retirá-lo dos consumidores. O dinheiro, nas mãos destes, fica
muito restringido em seu papel de catalisador da comensuração,
uma vez que a amplitude e possibilidade da escolha tendem a desaparecer, no processo de planejamento. A razão de ser do planejamento, afinal, é regular o consumo. Assim, do ponto de vista das
pessoas que consomem, os pesos não têm a capacidade de sempre,
interminavelmente, traduzirem todas as coisas que eles “poderiam” comprar. Ao contrário, pode-se dizer, nos termos de Viviana
Zelizer, que os salários são qualitativamente “rubricados”, ,pois
são concedidos aos cidadãos, na qualidade de veículos previamente orientados para a satisfação das “necessidades” estabelecidas.19
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Isso, a meu ver, traz duas consequências com relação à conceitualização do dinheiro e dos preços, no socialismo. Em primeiro
lugar, a fixação da relação salário/preço pelos planejadores do
Estado põe os consumidores diante de um paradigma de consumo que tende a eclipsar a própria premissa quantitativa, segundo
a qual as razões de proporcionalidade são tidas como índices permanentes da covalência entre os atributos morais de pessoas e coisas. Em outras palavras, o enrijecimento de salários e preços torna-os mais semelhantes a qualidades intrínsecas dos bens e do
trabalho (indicando como que um “tamanho” moral) do que a
”rótulos” extrínsecos e, portanto, variáveis. A segunda consequência, que se liga à primeira, diz respeito ao dinheiro, especificamente. Tendo em vista que o planejamento, em nome dos consumidores, faz com que se deem, aos salários, rubricas preestabelecidas
em função do consumo definido conforme as necessidades, o
meio de pagamento em circulação (ou seja, pesos) torna-se menos
circulante, por assim dizer. Nesse contexto, os pesos podem ser
considerados, mais propriamente, como “fichas” que têm valor,
para os consumidores, principalmente como facilitadores de transações que acontecem dentro dos limites planejados daquilo que
del Aguila designou de “economia moral” do setor estatal.20 Com
efeito, esta análise condiz com as repetidas declarações de Fidel
Castro, no auge da Revolução, ao fim dos anos 1960, de que, a
longo prazo, o dinheiro seria abolido por completo. Um artigo de
jornal daquela época expõe a ideia:
Desde pequenos fomos ensinados a perguntar “quanto você tem?
quanto você vale?”. Então aprendemos que o dinheiro era desnecessário; (…) em Cuba aquelas seis letras (dinero) já não significam tanto. A
nova geração não acredita em todos os velhos mitos sobre o dinheiro.21
Se o comunismo desmonetarizado chegou, alguma vez, a ser
uma séria possibilidade para Cuba é uma questão que permane-
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cerá em aberto. O certo é que a circulação de dólares (ilegal, a
partir de meados dos anos 1980; com aval do Estado, depois de
1993; e, em anos recentes, na forma de CUCs) destruiu quaisquer aspirações nesse sentido. Assim, para concluir, quero firmar
o argumento exposto, mostrando como se dá a conexão entre necesidad e dinheiro, referindo-a às transformações que se deram no
campo do consumo em seguida à dolarização parcial (mas invasiva) da economia.
Embora seja improvável que se depreenda, do que foi exposto,
que eu esteja propondo uma posição determinística com respeito à linguagem, será útil começar apontando a óbvia conexão entre a retórica socialista da satisfação das “necessidades básicas” e o
emprego, pelos habaneros, do mesmo termo necesidad para descrever suas atuais dificuldades com a situação de pobreza. 22
Sugiro que tal associação terminológica, somada às comparações
entre “agora” e ”antes”, do mesmo modo como explicitamente as
fazem os habitantes de Havana, constitui uma sólida premissa para uma interpretação da atual experiência dos habaneros à luz da
erosão do paradigma socialista de consumo. Fica evidente, desse
modo, que a dolarização e o novo paradigma de consumo que ela
sustenta não devem ser apenas exteriormente correlacionados à
“crise moral” dos anos 1990 e 2000, como se fossem a causa desse efeito – devem, sim, ser considerados parte integral da experiência que os habaneros têm da crise.
Então o que há de especial no consumo, que faz o “agora” ser
um período de crise moral? A resposta direta é que o cerne moral
do paradigma socialista – o planejamento de relações justas salário/preço – foi gravemente abalado, primeiro, por um mercado
negro volátil, operando em dólares, e depois, desde 1993, pela
dolarização crescente e invasiva de partes substanciais da economia oficial. Afinal, o preço exorbitante do óleo de cozinha mos-
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tra bem que, no domínio dos supermercados estatizados (para
não falar do domínio da “rua” – la calle) não há sinais de uma coregulação equitativa de rendas e preços. É preciso reconhecer que,
na racionalização governamental para a institucionalização dos
suntuosos bares e supermercados etc. operando em dólares, há
apelos à “justiça social” – a diferença de preços é apresentada como um meio de extrair os dólares da minoria que tem acesso a
eles, de modo a manter o setor de provisão estatal (o dos pesos)
funcionando em benefício da maioria dos que não têm dólares.
A questão, no entanto, é que, na prática, essa redistribuição é imposta. De fato, as necessidades não são supridas pelo setor dos pesos, e todos são levados, por bem ou por mal, aos supermercados
dolarizados – mesmo aqueles que têm os bolsos vazios, como já
vimos. A falta de um ethos significativo de equidade no setor dolarizado é confirmada pelo fato de as lojas que operam em dólares se estabelecerem sob a égide das inauditas (até então) “sociedades anônimas”. Embora essas organizações devam, em última
instância, se reportar ao Estado, elas não estão sujeitas ao planejamento central.23
Pode-se dizer, portanto, que a crise moral está verdadeiramente inscrita na paisagem urbana do consumo na Havana de hoje.
A propaganda e os slogans governamentais sobre o heroísmo socialista de Cuba, diante da ortodoxia neoliberal globalizada, são
operacionalizados uma vez que ainda se mantém o sistema do
Estado provedor. No entanto, a condição debilitada do sistema
é duramente realçada pelo setor dolarizado em permanente expansão, com seus bares, supermercados e shoppings suntuosos, climatizados artificialmente. Assim, as coordenadas diacrônicas do
sentimento de crise moral experimentado pelos habaneros – o
contraste entre, de um lado, um “agora” e, de outro, um ”antes”
que constitui um passado de 20 anos – são mantidas, presente-
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mente, de um modo que Bakhtin chamou de “cronotrópico”.24 A
“terra de ninguém” dessa paisagem urbana da necesidad, digamos
assim, é um cronótropo do conflito entre o passado (tipificado
pela provisão estatal) e o presente (em que se “batalha” pelos dólares), uma vez que o “antes” – quando todos tinham pouco, porém suficiente – está contido dentro do “agora”, ainda que de modo negativo, como remanescente em decadência. Dobrando a
esquina da la chopin, o que se vê é uma fila em um posto estatal
de varejo, onde se vende a preço acessível, pelo sistema de racionamento, arroz vindo da China. Olhando pela janela da cafeteria
dolarizada, vê-se uma clínica de bairro onde os moradores locais
receberiam excelente tratamento gratuito, não fosse a falta de
remédios. O passado está sempre presente, nem que seja como evidência de sua relativa extinção. Em outras palavras, o contraste entre “agora” e “antes”, na fala dos habaneros, é ambiguamente diacrônico, apenas na medida em que também está sincronicamente
inscrito na forma de uma economia bipartida: dólar versus peso.
No entanto, penso que a peculiar guinada qualitativa pela qual
passou o conceito de necesidad durante esse período dá indícios
de uma transformação mais sutil, que pode estar no âmago do
sentido de crise moral dos habaneros. Por esse viés, é útil fazer
uma ligação entre dois fenômenos que, inicialmente, poderiam
parecer disjuntos. De um lado, a noção de necesidad passou por
um duplo deslocamento semântico: de negação e de expansão.
Negação, aqui, alude ao fato de que “antes” as necesidades (no
plural) qualificavam determinados bens morais e “agora” a necesidad (no singular) passou a designar privação de bens em geral.
Expansão diz respeito à mudança no uso do termo necesidad: ele
passa de referência a um conjunto limitado de bens preestabelecidos à reificação da própria condição que designa, como algo semelhante a uma “força” que permeia todos os aspectos da vida.
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Todavia, um duplo deslocamento semelhante ocorreu na pragmática (em oposição à semântica) do consumo, e está relacionado especialmente aos dólares. Nesse contexto, a negação é relevante porque o que “antes” era planejado na economia do peso,
já não o é na nova ordem do dólar. O ponto central do argumento, entretanto, está relacionado com a extensão, tendo em vista
que o elemento crucial dentro do planejamento socialista, como
vimos, é a alocação prévia dos pesos como instrumentos para a
satisfação de “necessidades” preestabelecidas. Nesse sentido, a
provisão socialista está baseada na restrição da esfera das transações monetárias. Como consequência, uma vez que os pesos devem espelhar “necessidades”, eles acabam tomando caráter semelhante ao de fichas nas mãos dos consumidores. Inversamente,
como o novo setor dolarizado não está sujeito a tais limitações ligadas ao planejamento, tanto a demanda (concretamente representada pelo dispêndio de dólares) quanto a oferta (as novas mercadorias) estão aparentemente livres para se multiplicar em todas
as direções. O papel dos dólares é tão fundamental nesse processo como era o do peso no paradigma socialista, pois o que eles fazem funcionar, no contexto cubano, é, precisamente, a capacidade desenfreada do dinheiro de envolver os consumidores em
cenários do tipo “e se” – aqueles em que o dinheiro é traduzido,
por abstração, em todas as diferentes mercadorias que ele “poderia” comprar. O dólar, tendo sido colocado em um lugar exterior
ao escopo das agências de planejamento, retoma o que é seu na
forma de uma escala transcendental de valor que indexa seu próprio potencial de comensuração: “em dólar, tudo tem um preço”,
gostam de dizer os habaneros, fazendo eco, assim, a seus vizinhos
“capitalistas” do norte. De fato, a prática compulsiva de olhar vitrines, à qual, como vimos, muitos habaneros parecem se dedicar,
talvez possa ser interpretada, em certo plano, como um fetiche
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pela quantidade. O fato de a maior parte daqueles que olham as
vitrines não poder comprar quase nada do que vê exposto, não a
impede de participar da fantasia de comensuração – fantasia intentada pela própria la chopin, quando mais não seja, por meio
de suas chamativas fileiras de preços etiquetados.
Isso me traz de volta, finalmente, à conexão com a necesidad: o
ponto relevante é que, em Cuba, dólares e necessidade estão intimamente ligados pelo fato de que a expansão incessante do setor
dolarizado durante os anos 1990 e 2000 foi vivenciada como
uma invasão ao lugar tradicional (i.e., socialista) da satisfação das
necesidades, a saber, o setor dos pesos. Era assim que meu amigos
repetidamente se queixavam: “tudo que precisamos é em dólares”. No entanto, poucas pessoas em Havana, hoje em dia, se
veem possuindo o suficiente para suprir as necessidades. Mesmo
a minoria, constituída pelos habaneros que dispõem de uma renda em dólares suficientemente alta e estável – e que podem comprar, nos supermercados, todos aqueles produtos que, em períodos anteriores, eram oferecidos pelo Estado a preços baixos –, tem
motivo para reclamar, pois o influxo de um imaginário “capitalista” ajudou a fazer com que a meta passasse a ser mais difícil de
atingir. Por isso, para o caso cubano, deve-se resistir ao ato reflexo
de ver nos dólares e nos mercados os catalisadores da fantasmagoria do “desejo”25. Para a maior parte dos habaneros, os dólares e la
chopin oferecem uma nova arena para um antigo objetivo, a saber,
a satisfação da “necessidade”. Com a diferença de que “agora” a
satisfação não mais é garantida pelo Estado sob qualquer forma reconhecível, muito ao contrário, tem se tornado, cada vez mais,
uma questão de “luta” pessoal em condições desfavoráveis.
As concepções de necesidad como uma “força” derivam, assim,
da transposição das “necessidades” para fora do terreno dos pesos
e para o interior de um setor dolarizado que se expande e faz com
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que sua satisfação seja difícil e incompleta. No primeiro movimento (i.e., para fora do terreno dos pesos), as “necessidades” são
arrancadas da ordem moral do socialismo, especialmente por serem dissociadas daquilo que se prendia a elas como uma peça essencial, a saber, o preço em pesos. No segundo movimento (i.e.,
para dentro do setor dolarizado), as “necessidades” tornam-se
fluidas como o dólar, o catalisador de suas satisfações – reais ou
imaginadas. Dado que o novo setor dolarizado constitui, atualmente, a principal arena para o suprimento das “necessidades”, a
fluidez que a comensuração baseada no dólar empresta a esse determinado local flexiona o conceito de necesidad. Nesse sentido,
a prática de olhar vitrines com os bolsos vazios e a preocupação
constante dos habaneros com os preços, em dólares, de produtos
que eles não têm condições de adquirir podem ser interpretadas
como constituindo uma espécie de arqui-propensão para a nova
ordem do dólar. Pois o essencial é que na ausência de dinheiro
“suficiente”, as necesidades (e não, por exemplo, os desejos) são
mantidas como protagonistas dos cenários de cálculo do tipo “como se”, engendrados pela dolarização. Mas o que torna o dólar
tão poderoso é o fato de sua posição transcendental permitir que
atue como catalisador da comensuração de tais “necessidades”
(não-satisfeitas) com referência a uma série múltipla e, potencialmente interminável, de “bens”. Desse modo, a necesidad, como
um mana negativo, passa a ser imaginada como se permeasse todos os aspectos da vida, precisamente porque os mesmos têm um
preço (em dólares). Portanto, pode-se dizer que, se no paradigma socialista os pesos deviam ser um espelho das ”necessidades”,
o novo mercantilismo faz com que a ”necessidade” apareça como
uma sombra do próprio dólar.
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Agradecimentos
Este capítulo se baseia em trabalho de campo financiado pelo
Economic and Social Research Council (1998-2000) e pela
British Academy (2005). Versões anteriores foram apresentadas
no Institute for the Study of the Americas of the University of
London; no Latin America Research Group, da University College London; na Panteion University, em Atenas; e na University of the Aegean, em Mitilene.
Notas:
1 Ver, por exemplo, Miguel A. Centeno & Mauricio Font (eds.) Toward
a New Cuba: Legacies of a Revolution (Boulder, 1997), pp 109-210, e
Sergio Díaz-Briquets & Jorge Pérez-López Corruption in Cuba: Castro
and Beyond (Austin, 2006).
2 Ver Isabel Holgado Fernández. ¡No es fácil! Mujeres cubanas y la crisis
revolucionaria (Barcelona, 2000), Martin Holbraad, ‘Religious “speculation”: the rise of Ifá cults and consumption in post-Soviet Havana’,
Journal of Latin American Studies 36(4): 1-21 (2004), Anna Cristina
Pertierra. Battles, Inventions and Acquisitions: The Struggle for Consumption in Urban Cuba. PhD thesis (University College London,
2006), Catherine Gordy ‘“Sales + Economy + Efficiency = Revolution”:
dollarization, consumer capitalism, and popular responses in Special
Period Cuba’, Public Culture 18(2): 383-412 (2006), Maria Gropas,
‘The repatriotization of Revolutionary ideology and mnemonic landscape in present-day Havana’, Current Anthropology 48(4): 531-549
(2007), P. Sean Brotherton “We have to think like capitalists but continue being socialists”: medicalized subjectivities, emergent capital, and
socialist entrepreneurs in post-Soviet Cuba’, American Ethnologist
35(2): 259-274 (2008).
3 Ver Susan E. Eckstein, Back from the Future: Cuba Under Castro
(Princeton, 1994).
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4 Ver Archibald R.M Ritter & Nicholas Rowe, ‘Cuba: from ‘dollariza-
tion’ to ‘Euro-ization’ or ‘Peso re-consolidation?’, Latin American Politics and Society 44(2): 99-123 (2002), Brotherton “We have to think
like capitalists but continue being socialists”: medicalized subjectivities,
emergent capital, and socialist entrepreneurs in post-Soviet Cuba’.
5 O advento do período Especial é uma referência emblemática para esse tipo de observação. Quando chamados a comentar com mais detalhes a evolução da desigualdade econômica na Cuba revolucionária, vários informantes situaram o início em um momento mais recuado, nos
anos 1980, que assistiram a um aumento substancial nas remessas dos
ou para os E.U.A., em seguida ao êxodo maciço de cubanos para
Miami, em 1980. Ver também Frank T. Fitzgerald, The Cuban Revolution in Crisis: from Managing Socialism to Managing Survival (New
York, 1995), Alfredo González Gutiérrez ‘Economía y sociedad: los retos del modelo económico’, Temas 11: 4-29 (1998).
6 ‘Posadas’ são motéis que alugam quartos para casais, cobrando por hora.
7 Para uma descrição do mesmo fenômeno na China, ver Louisa Schein
‘The other goes to market: the State, the nation and unruliness in contemporary China’, Identities 2(3): 197-222 (1996).
8 Ver Grant McCracken, Culture and Consumption: New Approaches to
the Symbolic Character of Goods and Activities (Bloomington, 1988), pp.
57-89, Jean Baudrillard ‘The system of objects’, in Selected Writings (pp.
10-28), (Cambridge:1988), David Howes (ed.) Cross-Cultural
Consumption: Global Markets, Local Realities (London, 1996).
9 Sobre concepções de ‘necesidad’ no México, ver Miguel Díaz Barriga
‘Necesidad: notes on the discourses of urban politics in the Ajusco
foothills of Mexico City’, American Ethnologist 23(2): 291-310 (1996).
Para uma comparação interessante, ver Pierre Bourdieu a respeito do
‘gosto’ da classe trabalhadora francesa na ‘escolha do que é necessário’,
em sua obra sobre ‘a distinção’ – Distinction: a Social Critique of the
Judgment of Taste (trans. Richard Rice) (London, 1984), pp. 372-396.
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Para uma análise das mudanças na construção das ‘necessidades’ em
contextos pós-socialistas, ver o artigo de Lynne Haney sobre mães que
recebiam benefícios sociais na Hungria: ‘“But we are still mothers”:
gender, the state, and the constitution of need in postsocialist Hungary’, in M. Burrawoy & K. Verdery (eds.), Uncertain Transition:
Ethnographies of Change in the Postsocialist World (Lanham, 1999).
10 Para uma comparação com o caso pós-socialista, ver o relato de
Lemon sobre ‘o apartheid monetário’ [‘currency apartheid’] na Rússia
dos anos 1990, in Alaina Lemon, ‘“Your eyes are green like dollars”:
counterfeit cash, national substance, and currency appartheid in 1990s
Russia’, Cultural Anthropology 13(1): 22-55 (1998).
11 See C. Martín Fernández, M. Perera Pérez & M. Díaz Pérez ‘La vida cotidiana en Cuba. Una mirada psicosocial’, Temas 7: 92-98 (1996),
Mette Berg ‘Tourism and the Revolutionary New Man: the Specter of
Jineterismo in late “Special Period” Cuba’, Focaal - European Journal of
Anthropology 43: 46-56, Special issue on Sexual Encounters, Migration
and Desire in Post-Socialist Context(s), Hulya Demirdirek & Judy
Whitehead (eds.) (2004), Mette Berg ‘Localising Cubanness: Social
Exclusion and Narratives of Belonging in Old Havana’, in Jean Besson
and Karen Fog Olwig (eds.) Caribbean Narratives, pp. 133-148
(London, 2005), cf. M. Pérez-Rolo, J.A. Blanco, M. Limia, D.L. López
& J. Quirós ‘El socialismo y el hombre en Cuba: una mirada en los 90’,
Temas 11: 105-119 (1998).
12 Ver também Anna Christina Pertierra ‘En casa : women and households in post-Soviet Cuba’, Jounal of Latin American Studies, Vol. 40(4):
743-67 (2008), e Marisa Wilson, ‘La Lucha (de Provisiones)’
National and Local Moral Economies of Food Provisioning in Tuta, Cuba,
PhD thesis (University of Oxford, 2009).
13 Cf. Joseph Collins & Medea Benjamin ‘Cuba’s food distribution system’, in S. Halebsky & J. M. Kirk (eds.) Cuba: 25 years of Revolution
1959-1984 (New York.1985), Sergio Roca, ‘Reflections on economic
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policy: Cuba’s Food Program’, in J. F. Pérez-López (ed.), Cuba at a
Crossroads: Politics and Economics after the 4th Party Congress (Gainesville, 1993).
14 Claes Brundenius Revolutionary Cuba: the Challenge of Economic
Growth with Equity (Boulder, 1984), pp. 106-110, 119-122, Gordon
White ‘Cuban planning in the mid-1980s: centralization, decentralization, and participation’, in A. Zimbalist (ed.), Cuba’s Socialist Economy:
Toward the 1990s (Boulder,1987), Jorge F. Pérez-López Cuba’s Second
Economy: From Behind the Scenes to Center Stage (New Brunswick,1995), pp. 44, 51-60.
15 Ver Jorge F. Pérez-López ‘Wages, Earnings, Hours of Work, and
Retail Prices in Cuba’, Cuban Studies 19: 199-224 (1989). Cf. Andrew
Zimbalist ‘Reforming Cuba’s economic system from within’, in J. F.
Pérez-López (ed.), Cuba at a Crossroads: Politics and Economics after the
4th Party Congress (Gainesville,1993), pp. 223-229, e Archibald R.M.
Ritter ‘The Cuban economy in the mid-1990s: structural/monetary
pathology and public policy’, in M. A. Centeno & M. Font (eds.),
Toward a New Cuba: Legacies of a Revolution (Boulder, 1997).
16 Hugh Thomas. The Cuban Revolution (New York, 1971), pp. 669676, Juan del Aguila, Cuba: Dilemmas of a Revolution (Boulder &
London,1984), pp. 83-100.
17 Ver Martin Holbraad, ‘Expending multiplicity: money in Cuban Ifá
cults’, Journal of the Royal Anthropological Institute, 11(2): 231-54
(2005) e também Marilyn Strathern ‘Qualified Value: the Perspective
of Gift Exchange’, in C. Humphrey & S. Hugh-Jones (eds.), Barter,
Exchange and Value: an Anthropological Approach (Cambridge, 1992),
Bill Maurer, ‘Does money matter? Abstraction and substitution in alternative financial forms’ in Daniel Miller (ed.) Materiality (Durham,
2005).
18 Por exemplo, Georg Simmel, The Philosophy of Money (trans. T.
Bottomore and D. Frisby from a first draft by [a partir de um primeiro
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esboço por] K. Mengelberg) (London: 1978), p. 120.
19 Ver Viviana Zelizer The Social meaning of money: Pin Money,
Paychecks, Poor Relief, and Other Currencies (Princeton, 1997).
20 del Aguila, Cuba, p. 89.
21 Artigo no jornal Granma, citado por Thomas, The Cuban Revolution, p. 671.
22 Deve-se observar, aqui, que o emprego do termo necesidad para denotar a condição de pobreza dificilmente pode ser considerado como
peculiar a Cuba – a mesma palavra é usada em outros países hispanófonos, e há conexões similares entre “necessidade” e “pobreza” em outras
línguas, inclusive em inglês (por exemplo, no emprego de “needy” para
designar os “carentes”, “pobres” ou “necessitados”). Meu argumento a
respeito do emprego desse termo em Cuba, especificamente, lida com
as conotações e suposições contingentes que ele veio a adquirir no contexto socialista, e com as coordenadas de “antes” e “depois” que ele configura.
23 Eckstein, Back from the Future, pp. 69-71. Julio Carranza Valdéz,
‘Economic changes in Cuba: problems and challenges’. In Toward a
New Cuba: Legacies of a Revolution (eds.) M. A. Centeno, & M. Font
(Boulder & London, 1997).
24 Mikhail M. Bakhtin, The Dialogic Imagination: Four Essays, edited
by M. Holquist, trans. C. Emerson & M. Holquist (Austin, 1981).
25 Por exemplo, Simmel, The Philosophy of Money, p. 66.
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