Uma visionária na
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Uma visionária na
EM FOCO | F A V E L A O R G Â N I C A Uma visionária na COZINHA Por MANUELLA MENEZES Fotos LEO AVERSA A paraibana Regina Tchelly descobriu a fórmula – e muitas receitas – para diminuir o desperdício de alimentos. Agora, com o projeto Favela Orgânica, ela compartilha seus segredos com o Brasil e o mundo R egina Tchelly nunca tinha ouvido falar em “empoderamento” feminino, empreendedorismo ou alimentação orgânica quando desembarcou no Rio de Janeiro vinda da Paraíba. Em 2001, esses temas não estavam no noticiário, nas capas de revistas e nos debates nas redes sociais – bem, há 15 anos estas sequer existiam. Mas, mesmo sem plena consciência, ela começou a pôr em prática tais conceitos para mudar a sua história e a de quem cruza o seu caminho: Regina, hoje com 34 anos, é o nome por trás do Favela Orgânica, iniciativa pioneira que tem como objetivos modificar a relação das pessoas com os alimentos, evitar o desperdício e cuidar do meio ambiente através de palestras e oficinas. Ao chegar à capital fluminense, a paraibana, natural de Serraria, ficou chocada com o que viu: trânsito caótico e uma enorme quantidade de comida jogada fora. “Na minha cidade sempre tivemos a preocupação de aproveitar tudo. O que não ia para a panela dávamos para os animais ou virava adubo”, conta. Se contra a poluição e o barulho dos carros ela não tinha como lutar, tão logo conseguiu o primeiro emprego, como empregada doméstica, tratou de fazer a sua parte para evitar os gastos desnecessários à mesa. 116 A Z U L M A G A Z I N E | 0 5 . 2 0 1 6 117 EM FOCO | F A V E L A O R G Â N I C A Na página anterior, Regina no Morro da Babilônia. Nesta página, ao lado, na casa do aposentado João Batista, que plantou uma pequena horta na laje; e, abaixo, muffins por ela preparados NA MINHA CIDADE, O QUE NÃO IA PARA A PANELA DÁVAMOS PARA OS ANIMAIS OU VIRAVA ADUBO” Dona de um sotaque carregado e de muito carisma, fez amizades nas feiras que frequentava e ganhou acesso livre ao que antes ia para o lixo. Com cascas, talos e folhas em mãos colocou a imaginação para funcionar no fogão. Sua patroa na ocasião, adepta de um menu saudável, enxergou o talento da funcionária e a incentivou a cozinhar cada vez mais. Regina gosta de citar o caso do brócolis, que ela mesma evitava colocar em seus pratos. “Para vencer minha própria resistência me coloquei o desafio de prepará-lo de uma maneira que conquistasse meu paladar”. Cinco receitas depois, comemorou a missão dada e cumprida. RECONHECIMENTO DE EMPREGADA DOMÉSTICA A PALESTRANTE E PROFESSORA. VEJA ALGUNS PRÊMIOS E HOMENAGENS CONCEDIDOS A REGINA TCHELLY: > Prêmio Donne Che Ce L’Hanno Fatta (Mulheres que Fazem), na Conferência Mundial de Mulheres 2015, em Milão > Homenagem no Evento Trip Transformadores 2015 > Prêmio Toda Extra 2014, na categoria Toda Tempero > Prêmio Sebrae Mulher de Negócios 2013, na categoria microempreendedora individual > Prêmio Aliança Empreendedora 2013, na categoria comunidades do Brasil 118 A Z U L M A G A Z I N E | 0 5 . 2 0 1 6 Mas a doméstica não queria mudar apenas os seus hábitos e os da patroa. Moradora do Morro da Babilônia, na Zona Sul da capital fluminense, inscreveu-se na Agência de Redes para a Juventude, iniciativa da Prefeitura que procura ações para desenvolver as comunidades cariocas. Já batizado de Favela Orgânica, seu projeto baseava-se na filosofia do desperdício zero, ensinando às pessoas como aproveitar cada parte do alimento e o que fazer com o que realmente não fosse à mesa, como a compostagem. Mas, como em toda história com final feliz, Regina sofreu um baque logo no início. Ela lembra até hoje a data em que foi rejeitada pela banca examinadora. “Era 30 de agosto de 2011. Mas quer saber? Foi o melhor não que recebi. Segui em frente com a ideia e, menos de um mês depois, com apenas R$140, ministrei a primeira oficina para algumas mulheres da minha comunidade. Elas nunca tinham feito nenhum curso na favela e me apoiaram. Viram logo de cara que, com esse conhecimento, poderiam ter uma vida melhor, com economia domiciliar e comida na mesa para os filhos e, de quebra, colaborariam com o meio ambiente.” Na semana seguinte, mais uma oficina – e o número de frequentadoras quase dobrou. Com a ajuda das redes sociais, a iniciativa ultrapassou fronteiras e ficou conhecida até mesmo em outros países. Após alguns meses, Regina assinou os cardápios de um jantar para o príncipe Harry, da Inglaterra, e de um coquetel para o ator norte-americano Harrison Ford, além de ter participado de eventos importantes, como a Rio +20. Foi ainda a primeira mulher brasileira a lecionar na italiana Universidade dos Estudos de Ciências Gastronômicas, em Pollenzo. No Brasil, ela já rodou de Norte a Sul propagando sua sabedoria e sua experiência. “Eu trabalho com o ciclo do alimento, que é o ciclo da vida. Para manter essa roda girando em harmonia, precisamos nos olhar de dentro para fora, pensar e repensar nossa forma de consumo. Para que desperdiçar tanto? O meu consumo reflete na casa do vizinho, direta ou indiretamente. O lixo traz insetos que causam doenças, e por aí vai.” Mas o sucesso não subiu à cabeça da empreendedora. O jeito de paraibana arretada continua o mesmo, e o endereço no Babilônia não mudou – e nem vai, garante. Ao longo de sua trajetória, RECEITA MUFFIN DE CASCA DE ABOBRINHA COM MAÇÃ E CANELA • Cascas de duas abobrinhas • Uma maçã com casca cortada em cubos • Chia a gosto • Uma xícara de farelo de aveia • Uma xícara de farinha de trigo • Uma cenoura ralada • Três colheres de sopa de óleo de coco ou de semente de girassol • Uma xícara de açúcar mascavo • Uma colher de sopa de fermento em pó • 300ml de suco de laranja Modo de preparo: Bater todos os ingredientes, com exceção do fermento, no liquidificador. Incluir o fermento depois que formar um creme. Misturar e despejar a massa em uma forma untada. Levar para assar por 20 minutos em forno pré-aquecido a 180 graus 119 FOTO: SABY MAVIEL /DIV. EM FOCO | F A V E L A O R G Â N I C A Acima, registro da participação de Regina no Sirha World Cuisine Summit, realizado em Lyon, em 2015; à esquerda, muffins de talo de agrião e casca de cenoura com tomate e maionese de inhame; e, abaixo, a empreendedora com alunas de uma das primeiras oficinas do Favela Orgânica ZOOM Plantar para colher Além das oficinas nas comunidades, Regina incentivou e ajudou os vizinhos do Morro da Babilônia e do Chapéu Mangueira a ocuparem pequenos espaços, antes inutilizados, com hortas. É o caso da laje na casa do aposentado João Batista, que cultiva ervas e folhas com vista do mar. “Quero promover a ideia de que todos somos capazes de produzir alimento, não importa a área que temos”, afirma FOTO: DIVULGAÇÃO De olho no futuro também fez cair por terra preconceitos por ser ex-empregada doméstica e nordestina. “Quando chego às faculdades para dar oficinas e sinto aquele olhar de suspeita sobre minha competência, quebro essa visão com autoconfiança. Eu sei o meu valor, a minha missão e me acho uma pessoa incrível!” Não é à toa que, além de falar sobre alimentação, também faz palestras motivacionais. Visionária, Regina colocou em pauta – e na mesa – temas que só entrariam em voga anos mais tarde. O resultado é 120 A Z U L M A G A Z I N E | 0 5 . 2 0 1 6 uma agenda cada vez mais disputada. Aos eventos de gastronomia alternativa, às palestras e às oficinas dos temas Consumo Consciente, Aproveitamento Total dos Alimentos, Hortas em Pequenos Espaços e Compostagem Caseira, em breve devem se juntar novos projetos. Ainda este ano ela pretende reunir 100 receitas para lançar um livro e ter seu próprio programa de TV. Os detalhes ainda são segredo, mas prepare-se para ouvir falar de assuntos que só virarão tendência daqui a alguns anos. Entre seus próximos projetos estão a oferta de cursos para ensinar as mães a reaproveitarem os alimentos nas papinhas de bebês e a conscientizarem as crianças sobre a importância de acabar com o desperdício de comida Pelo mundo Em 2015, além de participar de eventos na Itália, Regina esticou a viagem para a França. Em Lyon, compôs uma mesaredonda do Sirha World Cuisine Summit, encontro dedicado ao setor hoteleiro e à gastronomia. E em Paris participou de uma edição da Disco Soupe, movimento com filosofia parecida com a do Favela Orgânica, organizada como uma forma de protesto contra a prisão de três jovens que recuperavam alimentos descartados por supermercados. “O que é mais criminoso? Desperdiçar produtos em boas condições ou recuperá-los?”, questiona