PDF - Associação Paulista de Homeopatia

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Gheorghe Jurj
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Homeopatia em imagens: Diagnóstico diferencial da acne, Parte II
Gheorghe Jurj
Resumo
Considerada do ponto de vista homeopático, a acne não é meramente uma patologia a
ser curada, mas carrega em si indicadores semiológicos tanto para sua cura, quanto
para o diagnóstico do remédio de fundo (constitucional tipológico) do paciente. Este é o
segundo de uma série de artigos dedicados à análise das características
individualizantes da acne. São utilizadas, primariamente, a semiologia visual e a análise
através de grupos de medicamentos homeopáticos. A Parte II está dedicada ao
medicamento homeopático Hepar sulphur e ao seu diagnóstico diferencial com o radical
enxofre.
Palavras-chave
Acne; Homeopatia; Individualização; Semiologia visual; Hepar sulphur
Homeopathy in images: Differential diagnosis of acne, Part II
Abstract
From the homeopathic perspective, acne is not merely a disease to be healed, but
carries semiologic markers for both its treatment and to diagnose the constitutional
(typological) medicine of the patient. This is the second of a series of articles devoted to
analyze the individualizing characteristics of acne. For this purpose, visual semiology
and analysis by means of classes of homeopathic medicines are used. Part II is devoted
to homeopathic agent Hepar sulphur and its differential diagnosis relative to the sulfur
class.
Keywords
Acne; Homeopathy; Individualization; Visual semiology; Hepar sulphur

Médico homeopata, Doutor em Filosofia, Doutor em Medicina Alternativa, Presidente da Associação Romena de
Homeopatia Clínica, Vice-presidente da Sociedade Romena de Homeopatia.  [email protected].
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Um dos principais problemas no diagnóstico diferencial da acne é representado
pelo caso de Sulphur propriamente dito e Hepar sulphur. No entanto, duas séries de
fenômenos contribuem a dirimir a questão:
1) O caráter local da erupção, que é sensivelmente diferente, e radicalmente diferente,
quanto às modalidades de agravação e melhora: Hep apresenta extrema sensibilidade
ao toque, evolução mais lenta e mais localizada, e marcada tendência para progredir
em profundidade.
2) O caráter geral do paciente: Sulph é calorento, Hep é friorento; Sulph é extrovertido,
Hep é introvertido, com todas as consequências derivadas, tanto do ponto de vista
psíquico, quanto físico.
Assim, o que na literatura homeopática muitas vezes é relatado como um
“Sulphur magro”, muito sensível ao frio, mas que não tolera o calor, tende mais
frequentemente a se tratar de um caso de Hep.
Na presente análise, considero o radical enxofre como o ponto de partida,
porque as caraterísticas principais da acne de Hep são, neste sentido, simples e claras,
e derivam da “atenuação do enxofre” pelo processo de calcinação necessário para a
produção de Hep:
 Em Hep, a acne é retentiva, lenta e destrutiva, com expressão difícil da
secreção, enquanto que em Sulph a evolução é mais rápida e explosiva. Em Hep, a
erupção é prolongada, com períodos de agravação e de melhora, em Sulph, é muito
mais rápida e ininterrupta. Em Sulph, as pústulas “amadurecem” mais rapidamente, e o
conteúdo é fácil de exprimir, em Hep, a pustulização é difícil, dolorosa, lenta e a
destruição é muito maior. Da onde, a tendência evolutiva: a evolução de Hep é mais
lenta, porém persistente, enquanto que a de Sulph é mais rápida, com extensão tanto
em superfície, quanto em profundidade.
 Ambos os medicamentos evoluem formando furúnculos, mas em Hep são
muito mais frequentes, recorrentes, dolorosos e sua evolução é mais lenta.
 Hep apresenta acne e também (ou só) furúnculos de repetição, amiúde em
localizações “ocultas” (como Med, Merc ou Thuj) especialmente nas axilas
(hidrosadenite), que muitas vezes têm indicação cirúrgica. Ao contrário, Sulph não
“escolhe” a localização, mas apresenta furúnculos e processos inflamatórios por toda
parte, por vezes associados com complicações. Nesse sentido, Hep é “seletivo”: afeta
determinadas áreas e deixa outras indenes, embora, eventualmente, também possa
associar-se com infecções sistêmicas. De fato, nos casos de infecções sistêmicas com
ponto de partida cutâneo, Hep é um dos medicamentos de primeira linha (ao lado de
Ars, Lach e Merc).
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 A acne é extremamente dolorosa em Hep. A sensibilidade pode ser tão
extrema que não só as grandes, mas também as mínimas infecções causam dor, às
vezes sem proporção com o grau da foliculite.
 A hipersensibilidade abrange um largo escopo de fatores ambientais:
correntes de ar, frio, calor, aplicações locais e, especialmente, o toque. E assim, a
pressão exercida para “apertar espinhas” embora dolorosa, após produza melhora local
em Sulph, no caso de Hep leva a agravação e extensão em profundidade da acne. Por
esse motivo, particularmente estético, deve advertir-se aos pacientes de Hep para não
exprimir as pústulas enquanto ainda não apresentarem solução de continuidade – como
no caso de todos os medicamentos sifilíticos (derivados de flúor, bromo, mercúrio e
Lach).
 Ambos os medicamentos são congestivos, no entanto, a congestão tende
a estender-se em profundidade em Hep e em superfície, em Sulph. Com outras
palavras: Sulph é mais centrífugo e à inspeção, apresenta-se mais eritematoso,
enquanto que Hep é mais localizado e mais profundo.
 Sulph tende a pustulizar na superfície, enquanto Hep tende a progredir em
profundidade e permanentemente, da onde a destruição tissular é mais marcada. No
entanto, deve levar-se em conta que nos casos de acne mais prolongada, também
Sulph pode produzir destruição em profundidade. Assim, ambos os medicamentos
podem deixar “estigmas sulfúricos” na pele: cicatrizes deprimidas de forma e tamanho
diferentes, geralmente sobre um pano de fundo de pele oleosa. Deve remarcar-se que
em todos os medicamentos do radical enxofre, o fundo das cicatrizes permanece
congestivo durante longo tempo, mesmo depois do desaparecimento da foliculite ou da
acne propriamente dita.
 As sensações gerais e locais são em parte similares (sensação de ardor
local, queixas digestivas e nevrálgicas) e em parte diferentes (Hep agrava pelo frio e
Sulph pelo calor).
Assim, por vezes a demarcação entre esses dois medicamentos não é definida,
especialmente depois de que a noção de “Sulphur magro” foi introduzida pela escola
francesa e que inclui todas as características de Hep. Nesse sentido, deve observar-se
que esses medicamentos podem complementar-se ou seguir-se um ao outro, levando
estritamente em conta as diluições respectivas. No caso de um “Sulphur magro”, pode
utilizar-se uma diluição mais baixa de Sulph, seguida de uma diluição alta de Hep. No
caso de um Sulph rubicundo, calorento e congestivo, com acne cujas pústulas são
difíceis de exprimir, pode utilizar-se Hep em diluições intermédias (30cH), seguido de
Sulph em diluição alta, depois da eliminação da secreção.
Sintetizando Hep é um Sulph magro, friorento, sensível a toda forma de frio em
geral, mas com o padrão caracteristicamente psórico de agravação pelo calor da cama.
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Além disso, apresente os medos, fobias, ansiedades e obsessões do radical carbono.
No entanto, enquanto compensado, os traços psíquicos podem não se manifestar
acentuadamente. Hep é um excelente medicamento para drenar abscessos difíceis e na
minha opinião, a caracterização mais sucinta é “um Sulph frio, que agrava pelo frio, com
muitos furúnculos e abscessos e, frequentemente, ideias fixas obsessivas”.
Caso I: paciente de sexo feminino, 21 anos de idade.
Fig. 1. Observe-se a distribuição da acne:
predomina em algumas áreas, com elementos
isolados na parte superior da bochecha, mas
um conglomerado ao lado da boca e na região
maxilar. Essa “distribuição interrompida” da
acne, diferente da distribuição em Sulph,
aparece também em outros medicamentos do
radical enxofre (Calc-s, Kali-s, Nat-s) e nos
permite distinguir entre Sulph puro e seus sais.
Fig. 2. Detalhe da acne na região
maxilar,
apresentando
muitas
características sulfúricas. Na parte
superior,
elementos
foliculíticos
isolados, na parte inferior, o aspecto
típico: sobre um fundo eritematoso e
congestivo, pápulas muito próximas,
pústulas
pequenas,
quase
puntiformes, na superfície. Observese as áreas de pele sadia acima das
lesões e a cor vermelha intensa do
eritema basal.
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Fig. 3. Detalhe da face. Do lado da
congestão, pápulas e pústulas
puntiformes,
esbranquiçadas,
superficiais. Podem observar-se os
primeiros
sinais
das
futuras
cicatrizes, como áreas afundadas e
congestivas.
Fig. 4. Detalhe de área eritematosocongestiva-papular típica do radical
enxofre. A pele parece formar uma placa
congestiva, ao redor da qual se localizam
alguns elementos pustulosos, com pontas
amarelo-esbranquiçadas. Em Hep, estas
áreas são muito sensíveis ao toque, a
expressão das pústulas agrava tanto a
erupção, quanto a dor local.
Fig. 5. Detalhe no lado esquerdo da face. Observe-se a
presença de elementos foliculíticos no nível do lábio
inferior (Nat-m) e a presença de crostas finas depois da
expressão do conteúdo.
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Fig. 6. Detalhe da foliculite labial, com
ampla
base
congestiva,
sem
pustulização; crosta fina de cor
amarelada depois da expressão do
conteúdo.
Fig. 7. Detalhe de lesão
incipiente, aonde a inflamação
aparente é mínima. Só se vê
duas pápulas congestivas e
muitos elementos pseudocísticos, nodulares, com ponta
de cor preta (comedões).
Daqui, a lesão pode estenderse em profundidade e em
superfície,
resultando
no
aspecto descrito mais acima.
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Fig. 8. Sinais concomitantes:
lábio inferior com rachadura
medial
profunda;
lábio
superior com proeminência
medial (“lábio de anta”).
Fig. 9. O mesmo aspecto do lábio
superior numa criança de 5 anos,
tratada com Hep.
Caso II: Paciente com depressão e furunculose de repetição.
Fig. 10, 11. Aspecto característico da pele de Hep, Poros muito dilatados, inclusive em
localizações pouco comuns, como a região subnasal. A pele está infiltrada na superfície e é
oleosa. Lábios secos, múltiplas rachaduras verticais no lábio inferior e proeminência medial
no lábio superior.
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Caso III: Paciente de 17 anos de idade, com acne juvenil rebelde. Depois do tratamento
com Hep, a acne curou, mas ficaram leves “estigmas sulfúricos” na face e elementos
característicos deste medicamento.
Fig. 12. Depois do tratamento: elementos
foliculares congestivos, isolados, tendendo
para a cura, depois da redução da congestão e
da tendência confluente. A pele é oleosa, com
poros dilatados e muitos pseudo-cistos.
Fig. 13. Detalhe: sobre o fundo de pele oleosa,
alguns folículos proeminentes e cicatrizes (os
futuros “estigmas”), que ainda conservam o
fundo congestivo; algumas são bastante
profundas, outras mais superficiais, depois da
queda das crostas.
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Fig. 14, 15. Dez anos mais tarde, depois de um período de estresse pessoal e profissional
(mestrado, noivado, competências esportivas), consulta por foliculite facial, com elementos que
indicam o mesmo medicamento. “Estigmas sulfúricos” nas bochechas e têmporas, com aspecto
de cicatrizes retráteis, afundadas, com forma e profundidade diferente, mas nem tão profundas
nem largas como em outros medicamentos sifilíticos (derivados de bromo, flúor, mercúrio);
distribuição irregular das áreas afetadas.
Fig. 16. Detalhe dos “estigmas sulfúricos”:
cicatrizes puntiformes correspondentes a
um único folículo, que podem ser
confundidas
com
poros
dilatados;
cicatrizes mais longas e anfractuosas,
correspondentes à afecção de vários
folículos. A destruição tissular limita-se ao
nível da derme (à diferença dos
medicamentos sifilíticos, que também
podem afetar a hipoderme). Linhas de
fibrose que alteram a estrutura normal da
pele. O aspecto é como de pequenas
“crateras”, que persistem congestivas
durante longo tempo.
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Fig. 17,18. Foliculite recente, no limite entre a pele e a mucosa (embaixo do lábio inferior e do
nariz). Inicialmente, as lesões se compõem de pústulas bem definidas, separadas, sobre um
fundo congestivo, para após se estender.
Fig. 19. A foliculite no couro cabeludo
foi o motivo de consulta 10 anos
depois da cura da acne juvenil.
Elementos iniciais bem delimitados,
porém, já com a tendência para
confluir em profundidade, levando ao
aparecimento de indurações locais
muito dolorosas ao toque (mesmo, ao
pentear).
Fig. 20. Supuração típica de Hep, depois da
expressão das pústulas: branco-amarelada,
grossa (por vezes, com consistência caseosa),
aderente e fétida.
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Fig. 21. Crostas aderentes, amareladas,
úmidas, sobre fundo congestivo, no couro
cabeludo, depois da eliminação das pústulas.
Caso IV: rosácea, que apareceu depois de dar à luz o segundo filho, com 34 anos de
idade, num contexto de esgotamento e preocupações.
Fig. 22. Múltiplos elementos foliculíticos no
nariz, ao redor da boca e no queixo, sobre
fundo eritematoso, extenso em superfície, mas
pouco em profundidade. A observar, foliculite
no limite entre a pele e a mucosa labial e as
bochechas
limpas.
As
lesões
são
extremamente dolorosas ao toque. Agrava por
nervos, frio, calor excessivo, por temperos,
tomate,
lacticínios
em
excesso.
Concomitantemente,
lábios
secos
e
rachaduras verticais.
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Fig. 23. No detalhe, múltiplos
elementos foliculíticos ao redor da
boca; o contorno dos lábios é
descontínuo e esfumaçado. No queixo,
fundo
congestivo,
elementos
foliculares
isolados,
mas
com
tendência para se agrupar formando
ramalhetes. Pustulização difícil, a
formação do pus é lenta, a secreção é
pouca ou ausente, dói à expressão,
que agrava a erupção.