Coordenadora de ONG indiana fala sobre essência do ser humano

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Coordenadora de ONG indiana fala sobre essência do ser humano
Entrevista.qxp
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ENTREVISTA
Seres em
transformação
á quase 30 anos ela se dedica
a ajudar as pessoas a
descobrirem dentro de si
a razão do ser. Formada em
Ciência Sociais pela
Universidade de São Paulo (USP), Luciana
Ferraz é coordenadora da Organização
Brahma Kumaris (OBK), que foi fundada na
Índia em 1937 e chegou ao Brasil em 1979
pelas mãos do australiano Ken O´Donnell.
Vegetariana desde os 18 anos, hoje aos
52, afirma que depois de ter parado de
comer carnes só ganhou disposição para
dar conta das atividades diárias. A paulista
que coordena os 40 núcleos da
organização aqui no Brasil e ainda dá aulas
de yoga, acredita que, apesar de ser
intrinsecamente bondoso, o ser humano
perdeu a conexão com o espírito. "O que
falta é o despertar da consciência espiritual,
de quem somos realmente, atrás da
máscara do nome, do status, das posses e
designações do corpo." Nessa entrevista,
Luciana fala sobre o poder da meditação
nesse processo de auto-conhecimento e do
vegetarianismo para a elevação espiritual.
H
“
A visão de uma evolução
da humanidade é
equivocada (...) Uma nova
visão está emergindo
A OBK foi fundada na Índia em 1937 e
hoje está presente em 120 países do
mundo, com mais de oito mil escolas. Ela
apóia a prática da meditação de acordo
com a linha do Raja Yoga que tem como
objetivo principal o desenvolvimento
espiritual e a consciência do ser humano; a
realização de vários cursos para a melhoria
da qualidade de vida, tais como para
conquistar a auto-estima, aprender a pensar
positivamente, administrar o tempo, superar
o stress e a raiva e desenvolver a
inteligência espiritual.
Minha idéia de um mundo ideal abarca
várias dimensões: a natureza e o meio
ambiente estarão limpos, puros e em
harmonia com o ser humano. As
instituições sociais estarão todas
desenhadas a desenvolver o ser humano de
forma holística propiciando a manifestação
de múltiplos talentos: culinários, artísticos,
administrativos, científicos, etc. Animais e
plantas serão respeitados e amados porque
serão valorizados e não apenas vistos como
bens de consumo. O ser humano será
virtuoso, amoroso, gentil, simples,
verdadeiro, honesto e generoso. A ciência
estará totalmente a serviço do ser humano
e em equilíbrio com a natureza à sua volta.
A OBK tem um objetivo definido:
alcançar um mundo melhor. Como o
mundo pode ser melhor?
Arquivo Pessoal
Luciana M. Ferraz:
coordenadora da
ONG Brahma
Kumaris fala sobre
benefícios da
meditação e do
vegetarianismo
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RevistaVegetarianos.com.br
“
Por Samira Menezes
Coordenadora de ONG indiana
fala sobre essência do ser humano
Pode-se acreditar que a bondade
do homem está perdida?
O ser humano é intrinsecamente
bondoso. Sua natureza é de paz, amor e
felicidade. Devido à perda da consciência
de que somos seres espirituais vivenciando
uma experiência humana, perdemos a
consciência de que somos em essência
almas, e nos confundimos com o corpo
físico. Passamos então a nos definir pelas
qualidades e limites do corpo: feio/bonito,
alto/baixo, gordo/magro, desta ou daquela
nacionalidade, com esta profissão, desta
raça, desta cultura, desta religião, deste
status social, etc. Isso gera separatividade,
competição e exclusão dentre a
humanidade e o sentimento de "não
pertencimento", que acaba com o amor, o
respeito e a aceitação das diferenças.
Neste processo, não há culpados, vilões
nem vítimas, mas precisamos acordar para
a nossa responsabilidade em relação ao
estado atual criado por cada um de nós.
O que vemos na mídia é apenas o espelho
do estado precário de consciência da
maioria. A ênfase no ter e no possuir em
detrimento ao incentivo a sermos seres de
paz e plenos faz com que a mídia tenha
uma visão acanhada do potencial da vida.
O mundo não é um mercado de
matérias-primas e nós não somos mero
consumidores. Relacionamentos e hábitos
saudáveis poderiam ser semeados por uma
mídia consciente.
No Ocidente do século 14, surge o
Renascentismo e com ele a valorização
do individualismo e antropocentrismo.
Isso está chegando ao fim?
A visão de uma evolução na
humanidade é equivocada.Tem havido
progresso científico e tecnológico, mas não
observamos um progresso real em termos
de consciência e espiritualidade na
humanidade em geral.Violência e
preconceitos diversos ainda são
prevalecentes na maioria das culturas e
povos. Uma pequena camada da sociedade
globalizada experimenta o chamado
progresso em suas vidas. Mesmo dentre
esta minoria, o que chamam de conforto ou
bem-estar nem sempre é o mais saudável e
apropriado para o corpo e a mente. Ou seja,
a possibilidade de consumo não pode ser
traduzida como melhoria geral da
qualidade de vida, de nível de felicidade e
melhores relacionamentos. Prosperidade
material nem sempre se reflete em
prosperidade espiritual e de valores
humanos. Uma nova visão está emergindo
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e se espalhando, mas ainda está distante de
tornar-se o status quo.
Apesar de vivermos na era da
racionalidade, muitos ainda tentam
compreender o sentido da vida, o
porquê de doenças incuráveis etc.
Existe uma resposta para esses
questionamentos?
O que falta é o despertar da
consciência espiritual, de quem somos
realmente, atrás da máscara do nome, do
status, das posses e designações do corpo.
Conhecimento sobre a nossa natureza
espiritual, com a percepção de que somos
espíritos utilizando o corpo e órgãos dos
sentidos para vivenciar nossos papéis
como atores na peça da vida, é a resposta
para estes questionamentos.
Não apenas entender isso filosófica ou
intelectualmente, mas transpor esta nova
consciência para nossas ações e
relacionamentos, para o uso de nossos
recursos como tempo, talentos, dinheiro, etc.
Esta é a transformação de que precisamos.
Para os iluministas, por meio da
razão é que o ser humano poderia
alcançar o conhecimento, a felicidade,
a liberdade e a convivência
harmoniosa. Eles estavam errados?
Já está claro para todos que o
racionalismo é muito limitado no alcance
do seu entendimento, uma vez que existe
um mundo inteiro sutil a ser explorado e
experimentado; e que o racionalismo não
tem os elementos para descortinar.
Nem tudo é visível e palpável. A física
quântica tem começado a nos provar isso.
Nosso intelecto compreende muito mais
do que nossa capacidade racional. Um
intelecto claro, focado, refinado e sensível
faz o ser humano explorar dimensões
superiores e não aquelas meramente
materiais. Mais do que isso. Possibilita que
esta compreensão em um nível superior
possa ser traduzida para nossa vida prática,
pois um intelecto elevado tem força de
vontade. É uma arte desenvolver um
intelecto amoroso e misericordioso.
Qual o caminho para uma
consciência mais elevada?
A aplicação de virtudes e valores
elevados na nossa conduta e relações
humanas e o serviço altruísta às pessoas
são os quatro elementos (conhecimento
espiritual, meditação, comportamento
elevado, serviço altruísta) fundamentais
para o desenvolvimento de uma
consciência elevada.
E o vegetarianismo?
O vegetarianismo pode ajudar a
preparar o solo onde a mente e o intelecto
irão fazer o trabalho de transformação.
Sozinho o vegetarianismo não eleva a
consciência de uma pessoa, mas pode
refinar sua capacidade de perceber o lado
mais sutil da realidade e ajudar a aflorar
nossa essência original, que é pura e
não-violenta.
Existe um tipo de meditação mais
eficiente ou depende de cada pessoa?
Meditação é a prática de conectar-se
com o divino. Assim, meditar não é apenas
uma técnica, mas está intimamente ligada
ao conhecimento de quem está meditando
(Quem sou eu) e do objeto da meditação.
Quanto mais elevado o objeto, mais elevada
a meditação e seus resultados. Se o objeto
da meditação é concentrar-se numa chama
de vela, numa paisagem bonita ou
conectar-se com a fonte divina, isso
determina o alcance da prática. Meditação
também implica mais do que sentar e
acalmar a mente ou relaxar. Esta experiência
estática é fundamental, mas tem que ser
complementada com a meditação na ação.
Meditar é mudar a atitude mental, a visão
de mundo, as ações e o comportamento. Se
a meditação não for vivida, será efêmera. Ela
depende da intensidade e dedicação do
praticante, mas basicamente precisamos
começar com o desapego da nossa atenção
no mundo externo, ou seja, com a prática
da introspecção. Em segundo lugar,
começamos a criar pensamentos,
sentimentos e imagens elevados para
podermos canalizar a energia da mente na
direção correta e diminuirmos sua
velocidade. Isto é chamado de
concentração. Em terceiro lugar, ao
focarmos nossa energia na alma que somos
e em nossas qualidades originais de paz,
amor e felicidade verdadeira, entramos no
estado de meditação, que significa
experimentarmos estas qualidades e nossa
aproximação com o divino. Em quarto lugar,
o silêncio vai se instalando de forma
natural, de maneira que nos recarregamos e
alcançamos um estado de plenitude. Assim,
a experiência de silêncio é nosso ponto de
chegada e não de partida.
O tema vegetarianismo é
apresentado na OBK?
O vegetarianismo é apresentado a
todos que freqüentam a OBK nas suas
palestras e curso de meditação. A dieta
vegetariana tem inúmeros benefícios do
ponto da saúde do corpo, mas igualmente
elevada é a sua atitude ética de
não-violência em relação aos animais. Na
prática da meditação Raja Yoga, também
reconhecemos o importante papel da
vibração com a qual preparamos os
alimentos e os comemos. Assim, a cozinha
é vista como uma sala de meditação.