Professor Affonso

Transcrição

Professor Affonso
2
Nosso Recanto Acampamentos
50 Anos
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Acampamento Nosso Recanto 50 Anos: 1953-2003 / edição e textos
Dirce Helena Salles; fotografia Luiz França, Foto Mujano, Arquivo NR.
— São Paulo: O Acampamento, 2003.
1. Acampamento Nosso Recanto (Sapucaí Mirim, MG) – História I.
Salles, Dirce Helena. II. França, Luiz. III. Foto Mujano. IV. Arquivo NR.
03-3140
CDD-796.540981512
Índices para catálogo sistemático
1. Acampamento Nosso Recanto : Sapucaí Mirim : Minas Gerais :
Estado : História
796.540981512
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Um prefácio dispensável
Abertura
Um espaço de formação e lazer
Mensagem do professor Affonso
A encantadora tia Jacy
Pais e filhos
Nas férias, a educação pára?
Diversão e saúde
Crescer é uma arte
Bons companheiros
Aprendizado no exterior
Histórias para contar
A família Vívolo
O caminho da felicidade e do sucesso
Um jeito gostoso de aprender
Para fazer a festa!
Uma temporada especial
Aventuras na maturidade
Acampamento Emunah
Amigos para sempre
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Um prefácio
dispensável
Parece haver uma contradição entre uma
instituição de 50 anos de vida e sua atividade
dirigida aos jovens. Mas neste caso não há: o idoso
Nosso Recanto continua tão jovem como sempre,
talvez por sua contínua convivência com a
juventude de seus acampantes. Este talvez seja
também o segredo para que, durante suas cinco
décadas de vida, a passagem dos anos, ao invés de
enferrujar a estrutura dessa colônia de férias para
jovens, só faz com que ela se aperfeiçoe,
aprendendo a cada temporada modos novos
e melhores de realizar seus objetivos.
Fazer que férias escolares se tornassem, de um
período de ócio inútil ou de monótonos lazeres,
um momento de enriquecimento, através de
atividades de todo tipo para o desenvolvimento do
físico, da mente e da personalidade dos jovens, foi
o sonho que deu origem ao Nosso Recanto.
O jovem professor que, na década de 1950, teve
esse sonho, teve também o talento e a pertinácia
necessários para transformá-lo na realidade que,
ano após ano, se desenvolveu e aprimorou como
uma das mais perfeitas organizações de colônia
de férias do país.
Durante meio século, o Nosso Recanto tem
realizado suas temporadas plenas nos períodos de
férias escolares, oferecendo a crianças,
pré-adolescentes, adolescentes e jovens seus
recursos de entretenimento, esportes, convívio,
cultura e formação. Em períodos mais curtos, no
correr de cada ano, outros grupos de jovens
desfrutam também das atividades que se realizam
nas várias unidades do Nosso Recanto. Com o
passar do tempo, locais cada vez mais bem
equipados e um corpo de colaboradores bem
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preparados para os trabalhos de infra-estrutura e
para o trabalho substantivo do acampamento
— nas esferas esportiva, cultural e educativa —
garantem a realização das atividades envolvidas
em cada temporada.
Esta publicação conta muita coisa sobre o Nosso
Recanto. Como nasceu, quais as idéias e ideais em
que se baseou, como cresceu, se desenvolveu e
aprimorou. Fala do número e variedade de
atividades de cada temporada e da diversidade de
públicos a que atende. Essas informações nos
oferecem uma idéia clara e completa da estrutura,
organização e funcionamento do Nosso Recanto.
O essencial, porém, é que esta publicação nos
demonstra que o sonho daquele jovem professor
da década de 1950 tornou-se mesmo realidade.
E o faz não mediante o relato de alguma avaliação
objetiva de especialistas. Mas na forma simples,
sincera e direta de depoimentos que colheu, os
quais comprovam que os ex-acampantes do Nosso
Recanto — sejam eles, hoje, recém-saídos da
adolescência, jovens senhores maduros, ou “quase
idosos” — todos eles expressam do mesmo modo o
que representaram para eles as temporadas que ali
passaram, possuem lembranças muito semelhantes
sobre o que ali aprenderam, sentem idênticas doces
saudades do tempo incomparável que ali viveram.
“No NR sempre seremos crianças”
é como encerra seu depoimento um dos mais
antigos ex-acampantes, comentando a relação que
teve com velhos amigos em reunião de veteranos
do NR de que participara. Mas eu me atrevo a dizer
que essa pequena frase diz mais, sintetizando
poeticamente o mais profundo sentimento comum
a todos os que passaram pelo Nosso Recanto.
O sentimento de que a criança que foram graças
ao Nosso Recanto continua viva dentro de cada um
deles e os ajuda a se sentirem melhores em seu dia
a dia de adultos.
Lólio Lourenço de Oliveira
7
“
…ele era um professor dedicado e
competente. Querido pelos alunos, respeitado
pelos colegas. Fora da escola,
passava o dia dando aulas particulares.
Sua vida era ensinar.
Muitas vezes
— e nesta história aconteceu assim —
ele era a única esperança de pais
dispostos a tudo para evitar que seus filhos
repetissem de ano.
Certo dia, uma vovó muito simpática tira da
bolsa uma promessa dessas pra duvidar:
— Professor, quero que o senhor dê aulas
particulares para o meu neto. Se ele passar de
ano, farei questão de oferecer ao senhor umas
férias no hotel de sua escolha.
Meses depois, o garoto aprovado, o professor
prestes a desfrutar de seus poucos dias longe
dos livros, volta a vovó. Não estava brincando,
queria cumprir sua palavra.
O professor aceita, meio sem jeito, mas feliz
pela expectativa do merecido descanso.
Malas prontas, véspera da viagem, a gentil
senhora reaparece:
— Professor, houve um imprevisto! Quero lhe
pedir um favor. Minha filha precisou se
ausentar e deixou meu neto comigo.
O senhor se importaria de levá-lo junto, nessa
semana, para o hotel?
Como dizer não? Foi assim que o jovem
professor, um esportista entusiasmado, se
apresentou na recepção: de um lado,
um par de chuteiras prontas para os campos
verdes do hotel fazenda; do outro, um
garoto de 11 anos, pronto para uma
temporada de diversão.
Mal refeito da surpresa, o professor só tinha
um pensamento:
E agora? O que é que eu faço
com esse moleque?
Nosso Recanto
“
… o professor
Affonso não demorou
muito a encontrar a
resposta para a sua
pergunta.
Em pouco tempo, reuniu
os garotos que estavam no
hotel e ajeitou uma
partidinha de futebol.
Depois, montou um time
para o basquete. E logo
um grupo se reunia à sua
volta para nadar no
lago... e o esperaram no
dia seguinte para...
Bem, o resto da história,
nem precisa contar.
O que ele fez com aquele
moleque? Na época, ele
não sabia. Mas hoje se
chama Acampamento
Nosso Recanto.
Um empreendimento fruto
da sua vocação, de seu
talento e de uma vida
inteira dedicada às
crianças e aos jovens.
Ex-seminarista, formado
em Direito pela Faculdade
São Francisco, o professor
Affonso conquista, com os
50 anos de sucesso do
NR, mais uma etapa de
sua carreira promissora —
em que se destaca, entre
as realizações que tiveram
sua marca, a fundação do
Colégio Friburgo, em
São Paulo.
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Um espaço de
formação e lazer
a Serra da Mantiqueira,
emoldurada pela Mata
Atlântica, uma das maiores
infra-estruturas de lazer da
América Latina completa, em
2003, 50 anos de amizades
duradouras, inesquecíveis
momentos de diversão e um
respeitado trabalho de formação
de jovens e crianças para a vida.
N
O Acampamento Nosso Recanto,
que todos tratam
carinhosamente por NR, fica na
cidade de Sapucaí Mirim, ao sul
de Minas Gerais, divisa com São
Paulo. É nesse endereço que
“A convivência é um dos instrumentos
fundamentais do NR. Crianças e
adolescentes, tão diferentes entre si,
durante o ano ou em período de férias,
participam do acampamento. Os dias e
as semanas que passam juntos vão
educando, aproximando uns dos outros,
diminuindo diferenças, eliminando
arestas, despertando simpatias e apreço
mútuo, levando à compreensão e à
porta de novas amizades. J. Delors,
presidente da Comissão Internacional
de Educação para o século XXI, sublinha
os ‘quatro pilares da educação’, dos
quais destaco dois: aprender a viver
juntos e aprender a ser, como indivíduo
e ser social. As temporadas no NR
propiciam a convivência, sadia e
desinteressada, de amizade e
comunhão, que os acampantes
testemunham com freqüência e
saudade.
No NR, os acampantes encontram
chances de manifestar criatividade
e desenvolver habilidades. São
milhares de jovens passam suas
férias, participam de excursões
escolares para estudo do meio
ou se reúnem com a turma para
comemorar formaturas e
aniversários.
aprenderam no acampamento,
transmitindo a seus filhos — a
até netos! — muito do que o NR
lhes deixou como lição de vida.
Passaram pelo NR pessoas que
hoje se tornaram importantes
formadoras de opinião, líderes
em suas áreas de trabalho,
expoentes no campo das artes e
dos esportes. Ou cidadãos
anônimos, que dão sua
contribuição para a sociedade
trazendo na bagagem um pouco
daquilo que descobriram e
estimulados a freqüentar os espaços
reservados à arte, artesanato, dança,
música, pintura… Nas circunstâncias
de hoje, quando a violência, a
competitividade antagônica ofuscam
o fair play olímpico do altius, fortius,
citius, vale a pena resgatar o valor do
esporte: o brio, o empenho no
individual; o cavalheirismo e a garra
no coletivo. No NR, sob o comando
do poderoso Safo, o grande educador
Affonso Vívolo, com a sua guapa
equipe, tudo isso acontece.
Diretor, professores, assistentes,
monitores, acampantes, veteranos ou
calouros, motivam-se a concretizar esse
sonho, essa cidadania. Do “eu” ao “tu”
para o “nós”. A camiseta NR cobre o
coração – passa a ser ostentada com
orgulho de pertença. De um grupo, de
uma equipe. Desafia a tornar-se
comunidade. Sonha a esperança de
tornar-se família, a Família NR.
De pequena semente, em 1953,
desenvolveu-se em árvore frondosa;
de poucos membros, transformou-se,
na realidade, em grande família.
Como frade franciscano, membro da
Ordem Religiosa fundada por Francisco
de Assis, um homem universal, uma das
dez maiores personalidades do milênio
recém-findo (em pesquisa do
semanário Time), chamado de santo por
todos, orgulho-me de ter convivido e
conviver ainda na Família NR. E
testemunho que a experiência religiosa
de partilhar a palavra de Deus, com
tantos jovens, constitui um marco
lindo, histórico também, de minha vida
franciscana. Considerando a dimensão
pedagógica do NR, peçamos todos e
cada um, que o Deus da Sabedoria
continue a inspirar o coração de muitos
educadores e educadoras dedicados a
construir os sonhos e as esperanças de
um Brasil justo e solidário, fraterno
e feliz.”
Frei Agostinho
ondições para transformar
cada uma das oportunidades
vividas no NR em experiências
ricas e gratificantes não faltam.
Do ponto de vista pedagógico,
porque o NR oferece a seus
visitantes toda a competência
acumulada por seu pioneirismo e
por seu empreendedorismo. Na
prática, porque lá as crianças e
os jovens brincam, praticam
esportes, despertam para suas
vocações artísticas, desfrutam a
natureza, exercitam as relações
sociais... tudo com o apoio de
uma equipe de monitores e
profissionais preparados para
promover o bem estar e o
desenvolvimento humano dessa
turma especial.
C
Não tão difundida no Brasil
quanto nos países estrangeiros, a
atividade de acampamento
educativo, além de conquistar a
garotada, recebe total aprovação
dos educadores. Associar o lazer
ao crescimento pessoal é uma
fórmula de sucesso garantido.
Marta Kohl de Oliveira (exacampante do NR), professora da
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Universidade de São Paulo na
área de psicologia da Educação,
explica os benefícios dessa
experiência: “ Balizado por
horários, tarefas, hierarquias, o
jovem se situa em uma estrutura
explícita, dentro da qual pode se
mover com segurança e
construir uma interação
produtiva com o
ambiente, com as outras
pessoas e as atividades
vivenciadas”. Marta diz
que o ser humano é o
“menos pronto” dos
animais – o potrinho sai
andando poucas horas
depois de nascer, toda
pulga nasce sabendo ser
uma pulga: “Mas a
criança humana nasce
´em aberto`, poderá ser
pessoa de muitas
maneiras diferentes e
cabe aos adultos que a
rodeiam fornecer-lhe
uma estrutura
orientadora do seu
processo de
desenvolvimento”.
Pe. Novelli
Evelina Holender
Orientador do Colégio São Francisco
Xavier (SP)
Diretora do Colégio I. L. Peretz
“O colégio São Francisco se
ufana de ser um de seus
hóspedes há 18 anos
consecutivos! Procurávamos
um lugar de descanso e
encontramos um lar
carinhoso e acolhedor para
nossas férias anuais. O bemestar que se experimenta ao
contato com a natureza é
maravilhoso nesse recanto
privilegiado. Nada falta para
isso: piscina, jogos, passeios,
farta refeição. E o que dizer
de seus donos? Gente fina e
prestimosa, sempre a criar
novidades esportivas a cada
ano que passa.”
“Uma colônia de férias bem
estruturada, que se preocupa
com os aspectos formativos...
Não pensem, todavia, que
esse pensamento racional de
ter crianças criativas,
autônomas e saudáveis foi o
que nos fez permanecer
durante tantos anos
freqüentadores assíduos do
NR. Foi ouvir de nossos filhos,
cada vez que desciam dos
ônibus, na volta de uma
temporada: Mamãe, podemos
ir de novo nas próximas
férias?”
Maria Lúcia Camargo
de Garcia
Professora na área de Psicologia da
Universidade de Porto Rico
“Hoje fora do Brasil, em outro
contexto de vida, mãe de três
filhos, não deixei passar por
alto a oportunidade de fazer
com que meus filhos também
vivessem uma experiência
parecida com a minha. A
alternativa de poder mandálos para o NR foi uma decisão
com um propósito educativo
firmemente definido, pois eu
sabia que a vivência com
outros jovens e sob o cuidado
de mãos firmes e unidas, seria
muito valioso para todos nós.”
Depoimento escrito em 1993
Luiz Antônio Bochio
Advogado e professor da Unip
“Uma imaginação poderosa
criou esse lugar mágico, onde
a formação pessoal convive
com o esporte e a arte. Uma
determinação inigualável
transformou em realidade o
sonho de educação de
crianças e jovens, revelando
em mim uma inequívoca
vocação de educador. Pude
constatar a importância do
NR não só como um recanto
de fazer amizades firmes e
duradouras,mas um local
capaz de aprimorar
personalidades, valorizar o
bom caráter, engrandecer o
convívio social, enfatizar a
vida sadia do esporte, das
artes, do respeito à natureza.”
Cristina Alvim Castello
Branco, a Kiki
Educadora, especialista em currículo
no Programa das Nações Unidas
(UNDP)
“Muito esporte, muitos
amigos, vitórias, derrotas. Mas
o que realmente ficou de tudo
isso foi a noção de equipe, a
descoberta da vida em grupo.
Hoje trabalho na prevenção e
na luta contra a Aids,
atividade onde a palavrachave é solidariedade. E esse
sentimento, essa atitude, eu já
conhecia de perto, com a
minha vivência no NR.”
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Os números do NR
• 20 mil acampantes por ano
• 2.280.000 m2 de área dos
acampamentos NR1 e NR2
• 680 camas
• 1.300 e-mails recebidos pelos
acampantes, por dia
ma coisa é certa. Para se
divertir ou para aprender
coisas novas, opções não faltam
no NR. Nos dias ensolarados do
verão ou nas noites frias de
inverno, os monitores sempre
preparam uma programação
recheada de novidades. Torneios,
gincanas, festas, trilhas, piscina,
lago, trabalhos manuais...
são tantas atrações que não
dá para fazer tudo em uma
única temporada.
U
Para que todo mundo possa
aproveitar melhor sua estada, os
acampantes são divididos em
grupos de idade. O NR1 é um
acampamento exclusivo para
crianças de 5 a 10 anos. No NR
2, ficam os jovens de 11 a 16.
Mesmo dentro de cada unidade,
as atividades são realizadas em
turmas de idades próximas e,
algumas, dirigidas só para
as meninas; outras, só para
os garotões.
16
• 33 quilos de arroz, 90 quilos
de batata frita e 110 litros de
suco consumidos por dia
• 5.800 medalhas e 400 troféus
concedidos por ano
• 500 ônibus com destino
ao acampamento, por ano
• 250 mil refeições servidas por
ano
• Capacidade para atender 650
acampantes simultaneamente
• 193 monitores em atividade
Nas acomodações dos chalés,
a mesma regra: meninos
e meninas, distribuídos pelos
quartos, masculinos e femininos,
de acordo com suas idades.
Sempre acompanhados por
um monitor, que dorme junto
com eles, para ajudar no que
for preciso.
Estamos no ano de 2003. Durante o mês de janeiro, como
sempre vem acontecendo, eu estou envolvido com centenas de
acampantes. Tenho a meu lado minha esposa, companheira incansável
de muitas lutas, meus filhos e netos. Entre os acampantes há filhos
de jovens que um dia viveram as mesmas emoções que eles vivem hoje.
O pai também foi acampante ou a mãe foi acampante. Há também
casos de pai e mãe terem se conhecido no NR. Paro para pensar o
que foi a minha vida.
Há 50 anos, no mês de janeiro, Jacy e eu estávamos casando.
Ambos jovens, idealistas, sonhando em criar uma família com muitos
filhos mas aceitando a idéia de que como professores estaríamos
participando da formação de outros jovens e crianças. Paro, penso e
por uns momentos me vem a lembrança tudo que vivi nesse tempo.
Muito trabalho, muita alegria, muitas realizações. Tudo que
consegui realmente devo à colaboração da minha família e dos meus
milhares de acampantes.
Junto com todos os depoimentos aqui registrados por tanta gente,
deixo os meus agradecimentos a minha esposa Jacy, a meus filhos
Marco Antônio, Toninho, Ricardo, Afonsinho, a minha filha
Maria Júlia, às minhas noras Sandra, Vera e Rachel, ao meu
genro Gianni, aos meus netos Kito, Fernanda, Rafael, Patrícia,
Juliana, Marcelo, Zeno, Antônio Felipe, Julian, Bruna,Nina,
Rony e Tereza Flor e a milhares de jovens que passaram pelo
Nosso Recanto.
E, finalmente, o meu pensamento e os meus agradecimentos a
Deus, que me guiou e me assistiu nessa longa caminhada.
Affonso Vívolo
julho de 2003
A encantadora tia Jacy
“
Affonso freqüentava o
sítio do meu pai desde
nosso tempo de namoro.
O casamento foi dia 21 de
janeiro de 1953. Queríamos ter
11 filhos! Tivemos 5, mas
compensamos nos netos… 13!
Quando ele veio com a idéia do
acampamento, eu já tinha
ouvido falar sobre isso na escola
de comércio, onde estudava.
O
Muitas amigas judias me
contaram que costumavam ir
a acampamentos antes de vir
para o Brasil.
Meu pai e meu tio deram o
maior apoio e de pronto
puseram o sítio à disposição. Na
primeira temporada, em julho, eu
não pude ir — estava grávida do
Marco Antônio. E assim foi… em
54 nasceu o Toninho, em 56 o
Ricardo, em 57 o Afonsinho, em
60 a Juju. Nesses anos todos, eu
ia ao acampamento de vez em
quando, só para visitar, passar
um dia ou dois. Uma amiga
ficava com pena porque eu
morria de saudades do Affonso
e mandava o próprio chofer me
levar, com toda a filharada.
Só depois que a Juju cresceu um
pouco, os meninos já
independentes, eu me envolvi de
corpo e alma nas atividades do
NR. Fiz questão de coordenar
sozinha – que desafio! – o
primeiro acampamento dos
menores, em São Roque.
Convidei minha amiga Ilse Kohl
de Oliveira e montamos a turma
de 6 a 8 anos, todos alunos do
Colégio Friburgo, onde eu era
diretora. Fiquei na ‘frente de
batalha’ por muitos anos. E não
tinha medo de trabalho.
Ao contrário, fazia de tudo com
muito amor: cozinhei, lavei
roupa, levei crianças doentes
para o hospital, tirei muito
carrapato, botei pra dormir na
minha cama os que estavam
com febre... enfim, eu era uma
mãezona, o acampamento era
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a extensão da casa deles e
também da minha, por que não?
Acho que esse carinho, esse bom
senso foram a combinação
perfeita com a sensibilidade,
a inteligência e a dedicação do
Affonso. Foi isso que fez o
sucesso do NR e a felicidade da
nossa união, que junto com
o acampamento, completa
50 anos.
”
Boas lembranças
Trocando pneu
Uma vez, uma garotinha caiu de
febre e nada da temperatura
baixar. Eu não quis esperar o
quadro se complicar. Botei a
garota no meu fusquinha e
peguei a estrada para levá-la ao
hospital, na cidade. No meio do
caminho, fura o pneu. Eu só
estava acompanhada de uma
monitora adolescente. Tive que
descobrir como se troca um
pneu de carro em uma única
lição — e rapidamente! Consegui.
Mas acho que ainda precisava de
mais treino… poucos metros à
frente o pneu trocado se soltou.
Acho que eu não tinha força pra
apertar os parafusos. Felizmente,
dessa vez apareceu alguém pra
ajudar. Fomos “escoltadas” até o
hospital. E a menina ficou bem,
pôde voltar ao acampamento
e curtir o final da temporada.
Escapadas do Safo
Muitas temporadas, o Affonso
cuidava dos jovens em Ferraz,
e eu ficava com os pequenos em
São Roque e depois em Sapucaí.
Assim passávamos um mês ou
mais, cada um atarefado com
suas coisas. Nós éramos casados
há pouco tempo, morríamos de
saudades… então, de vez em
quando, ele dava uma
“escapada” pra me ver. Quando
esses encontros iam acontecer,
eu colocava minha melhor roupa
e um aplique de cabelo,
arrematado por uma linda
trança — naquela época, anos
60, era um luxo! E era muito
engraçado: quando as crianças
me viam “de peruca”,
começavam um coro: “O Safo
vai chegar! O Safo vai chegar!”.
Eu me divertia. E ficava feliz.
O Safo ia chegar.
No nosso aniversário de 25 anos de casamento, estávamos em
plena temporada de verão. Eu, de um lado; ele, de outro. No dia
das bodas – 21 de janeiro – não teve como nos encontrarmos.
Então eu liguei para o acampamento de Ferraz e quando ele
atendeu coloquei no telefone uma música do Roberto Carlos:
Você meu amigo de fé meu irmão camarada,
Amigo de tantos caminhos de tantas jornadas
Cabeça de homem mas o coração de menino,
Aquele que está do meu lado em qualquer caminhada
Me lembro de todas as lutas meu bom companheiro,
Você tantas vezes provou que é um grande guerreiro
O seu coração é uma casa de portas abertas,
Amigo você é o mais certo das horas incertas
Às vezes em certos momentos difíceis da vida,
Em que precisamos de alguém para ajudar na saída
A sua palavra de força, de fé e de carinho,
Me dá a certeza de que eu nunca estive sozinho…
21
Pais & filhos
pôr do sol na
mureta… lugar ideal
para paquerar!
Como vivia ouvindo
música, inaugurei a
rádio NR em
Agudos. Levei o
equipamento de
som para o
barzinho e montei
a rádio, que
oferecia notícias
intercaladas com
músicas. Foi no NR
que conheci minha
esposa. E fiz
questão que meus filhos
conhecessem o acampamento
para aprenderem o que é
convivência, para amadurecerem,
serem mais independentes.
Quando a nossa filha ganhou
a medalha de melhor esportista,
a alegria foi imensa. A gente
passou por isso e sabe
o que significa. Eu ainda
guardo as minhas medalhas
daquela época.”
Irene Fischer Cimerman
Fonoaudióloga
Família Cimerman
Irene e Paulo estão casados há
18 anos, ele foi monitor e hoje
seus trigêmeos de 10 anos são
acampantes.
Paulo Cimerman
Administrador de empresas
“Eu trocava qualquer viagem
pelo NR. Ficava ansioso,
aguardando o dia chegar. Mal
podia esperar a roda de violão, o
22
“Quando comecei em Agudos,
aos 13 anos, ganhei a medalha
de caloura revelação. Na
segunda temporada, quatro anos
depois, conheci o Paulo. A gente
ficou juntos direto, um ia assistir
as atividades do outro, mas
sempre como amigos. Lembro
que tinha medo dos morcegos.
E hoje posso confessar que
participava dos assaltos à
cozinha... No dia da volta era a
maior choradeira. Nossos filhos
Como um bem precioso
que passa de geração
para geração, esse
mundo de aventuras e
brincadeiras é
compartilhado por pais e
filhos. Não são raros os
acampantes que
conheceram suas “caras
metade” no NR. E cujos
filhos hoje seguem seus
passos rumo às
deliciosas férias na
“fazenda” ou no antigo
prédio do seminário.
começaram a acampar no NR
com 5 anos e meio e já estão na
sexta temporada! No começo, eu
tinha as preocupações comuns
de mãe: será que vão comer?
Ficar com o cabelo molhado?
Mas ao mesmo tempo eu estava
sossegada porque sabia que a
temporada é coordenada pelo
Marco Antônio, com a assessoria
do Zezinho. Que garantia maior
a gente pode ter?”
Isadora Cimerman
“Meu pai falava muito do
acampamento. E falou tanto que
um dia a gente veio… e nem me
importo de acordar cedo. Antes
do toque da alvorada, já estou
em pé!”
Catherina Cimerman
“Eu gosto da brincadeira do
arco-íris, do tamancoball, do
handball... de tudo! Mas quero ir
pra fazenda. Vai levar um tempo
pra conhecer tudo por lá.”
Daniel Cimerman
“Sempre fazemos muitos amigos,
mas nem sempre dá para
encontrar com eles em São
Paulo. A gente gosta tanto daqui
que até dobramos a temporada”.
Família Brull
Michel Brull
Empresário
“Quando fui pela primeira vez a
Ferraz, eu tinha 8 anos. Naquela
época, os pais visitavam os filhos
no final da primeira quinzena.
E eu aproveitei a chance para
me mandar de volta pra casa.
Quando estava indo embora,
o professor disse que as minhas
coisas iam ficar ali. Se eu
quisesse voltar ao acampamento,
poderia aproveitar a sua carona,
já que ele ia à capital durante a
semana. Eu estava inseguro com
a saída de casa, queria ter
certeza se a minha cama
continuava lá, se o meu cachorro
me esperava... E me lembro que
na manhã seguinte, quando a
empregada perguntou se eu já
tinha mesmo voltado, respondi,
para surpresa da minha mãe, que
eu ia embora à noite. Foi o que
aconteceu. E aí não deixei mais
de ir. Eu fazia vários esportes.
Também me lembro das idas ao
cinema na cidade, todo mundo
de uniforme – aquela camiseta
de argolas. Às vezes o cansaço
era tanto que a gente até dormia
durante o filme. Mas recordo
que foi lá que assisti Psicose e
Teorema, com direito ao debate
no dia seguinte. Era o máximo:
chegar mais cedo na cidade,
subir aquela escadaria que
levava à lanchonete e usar o
cheque colorido para comprar
refrigerante, chocolates e outras
guloseimas. Aliás, a gente não
podia levar guloseimas para o
acampamento. Um dia de visita,
os pais de um menino levaram
uma caixa
enorme de
chocolates que,
misteriosamente,
desapareceu.
Claro que o
garoto
comunicou ao professor Affonso.
Logo depois teve a brincadeira
da caça ao tesouro e o que era o
tesouro? A caixa de chocolates,
que foi irmanamente dividida
entre todos. Um dia virei
monitor. E tinha o professor
Affonso como referência porque
sempre apreciei a forma com
que ele agia. Quando ele
premiava o melhor esportista,
por exemplo, não
necessariamente era o cara que
jogava melhor. O importante era
ter o espírito esportivo, gostar do
esporte, saber perder, ajudar
a equipe.”
Marcelo Brull
“Eu sempre ouvi as histórias do
acampamento, contadas por
meu pai, meu tio, e por meus
irmãos. Mesmo assim, na
primeira vez que fui, senti medo.
Já chorei logo na saída do
ônibus. Eu queria estar sempre
perto dos meus irmãos. Mas na
segunda temporada tudo
mudou. Não tinha mais aquela
história de insegurança. Fiz
novos amigos, não precisei mais
chamar meus irmãos. Foram eles
que me ensinaram a dobrar as
roupas e a organizar minhas
coisas por causa da inspeção.
Isso era importante porque a
equipe que tinha o melhor
quarto ganhava a pizza.”
Daniel Brull
“Freqüento o NR desde os 6 anos
e já tive muitos momentos
inesquecíveis no acampamento.
Gostei tanto que resolvi
continuar. Hoje sou assistente.
E o que mais me impressiona
é a quantidade de amigos, a
renovação dos amigos que tive
durante todos esses anos. Acho
que me dei bem como monitor.
Prefiro trabalhar com os
menores, apesar da
responsabilidade ser maior.
O retorno é imediato e
gratificante. Tudo o que você faz
eles gostam, qualquer música,
qualquer piada rende muitos
sorrisos, muita alegria”.
23
Um acampamento
de férias, para
crianças ou para
adolescentes,
sempre é um universo
de muita diversão,
onde o cotidiano dá
lugar a descobertas
fascinantes e emoções
intensas. Para os
adultos que os
acampantes vão se
tornar, esse aspecto
é só a parte mais
aparente dos benefícios.
Nas férias, a
educação pára?
filosofia e a pedagogia
adotadas pelo NR propiciam
outros ganhos: em formação de
caráter, em experiência de vida,
em crescimento pessoal e em
desenvolvimento de senso
comunitário. A alegria, os bons
momentos, ficam registrados nas
fotos dos álbuns de recordações.
O aprendizado fica no coração,
em cada gesto, em cada
posicionamento diante dos
desafios do mundo.
A
“Do ponto de vista educacional,
o professor Affonso sempre foi
vanguarda”, testemunha o
educador Luiz Antônio Bochio.
“Ele conseguiu ser bem-sucedido
no binômio educação e
recreação”, acrescenta.
A realidade dos 50 anos de NR
comprova: o acampamento tem
uma forte tradição em veteranos,
26
isto é, jovens que retornam em
diversas temporadas. Muitos,
quando chegam à idade limite
para ser um acampante, 16 anos,
prosseguem na carreira de
monitor. Outros tantos são filhos
de ex-acampantes, sem falar
dos diversos casamentos de
jovens que se conheceram
nas temporadas.
Mas essa fórmula de sucesso
não chegou pronta às mãos do
professor Affonso, nem foi
importada de outros países.
Quando ele começou a traçar
o seu projeto, com todo o
entusiasmo de seus 25 anos,
acampamentos eram novidade
no país. “A princípio, imaginei
um lugar que fosse a
continuidade da casa de cada
um. Um lugar onde a criança
recebe afeto e formação”, diz ele.
A partir daí, o professor Affonso
foi aperfeiçoando seu modelo,
acompanhando a evolução das
técnicas para lidar com a
garotada e modernizando a
infra-estrutura. As únicas coisas
preservadas integralmente, ao
longo de todas essas décadas,
foram o carinho e a dedicação
para receber crianças que deixam
o conforto de suas casas e a
proteção de seus pais.
Adquirindo autonomia
e respeito ao próximo
ão demorou muito para
a Colônia de Férias Nosso
Recanto se transformar no
Acampamento Educativo NR
— onde tudo o que acontece
contribui para a formação dos
acampantes, e de forma tão
natural, que eles nem se dão
conta disso. Mesmo pequenas
tarefas diárias, como fazer a
cama, recolher a louça, cuidar da
roupa representam uma
oportunidade de aprender.
“Por meio desses detalhes, os
acampantes adquirem
autonomia e respeito ao
próximo. Além de fazer um
treino para conquistar sua
independência, eles também
comprovam, na prática, que o
bem-estar comum depende do
cuidado de cada um com o seu
pedacinho”, explica Marco
Antônio.
N
Outro grande mérito do
acampamento é oferecer um
ambiente propício ao trabalho
com as características de
personalidade. Timidez,
agressividade, competitividade…
a lista é imensa. Mas há
acolhimento para todos os
comportamentos que necessitem
de atenção. Lado a lado com os
acampantes, 24 horas por dia, os
monitores estão preparados para
identificar e encaminhar da
melhor forma possível cada
caso. “Sabemos que cada criança
é única, tem suas características,
seu ritmo, suas fantasias, seu
medos e seus sonhos. Quando
formamos um time ou
organizamos um campeonato,
não queremos que os bons de
bola façam o show nas quadras
enquanto os retraídos se
encolhem, intimidados, nas
arquibancadas. Ao contrário,
estamos atentos para dar chance
de crescimento a todos”, diz o
professor Affonso, completando
que há muitos casos de
acampantes excepcionalmente
reservados e fechados que se
tornaram líderes quando
adultos. “O acampamento
propicia uma autoconfiança que
você carrega pelo resto da vida”,
acrescenta o professor.
27
Saudades da mamãe?
Sim, mas dá pra agüentar…
m exemplo de como o
acampante se sente seguro
é a “prova da saudade”: passar
tantos dias sem ver os pais,
podendo comunicar-se apenas
por escrito. Parte do processo de
construção da proposta
educativa do NR, o esquema de
relacionamento dos acampantes
com a família também passou
por uma evolução. Nos primeiros
anos, os domingos eram
reservados à visita dos pais.
“Mas logo vimos que não dava
certo. Nem todos os pais iam,
por diferentes motivos. Ou
algum ia de sábado, porque
tinha compromisso no domingo,
atrapalhando a programação.
As crianças ficavam ansiosas,
agitadas. Então testamos
a forma atual, que se
mostrou bem mais eficaz”,
diz Marco Antônio.
U
Nos últimos anos, com as novas
tecnologias, a comunicação
28
entre acampantes e pais deu
um salto em qualidade. Em sua
página na Internet, o NR publica
diariamente muitas fotos dos
acampantes em atividades.
Por meio desse canal também
trafegam, todos os dias, cerca
de mil mensagens de correio
eletrônico entre pais e filhos.
O professor Affonso explica que
esse distanciamento físico dos
pais também tem um
fundamento educativo. A criança
ou o jovem acabam sendo
obrigados a descobrir e exercitar
sua capacidade de resolução de
problemas: “Longe de casa, eles
não têm mais a facilidade de
recorrer aos pais — às vezes até
sem necessidade — para resolver
qualquer probleminha. Essa
rotina caseira tira a
oportunidade do menino ou
da menina buscarem a solução
por conta própria”, avalia
o professor.
Diversão para
todos os gostos
A programação do acampamento
é intensa e muito divertida. Mas
não cansa nem constrange os
acampantes porque é
cuidadosamente estudada e
preparada. Os jogos e
brincadeiras são selecionados e
renovados a cada temporada.
Mais que isso, são selecionados
de acordo com cada turma. Ou
seja, não variam apenas se a
época é de frio ou de calor, se os
acampantes são crianças
pequenas ou moçada.
Existem outras preocupações,
como atender às expectativas
ansiosas daqueles que, já
enturmados, chegam com “a
corda toda”; e dar tempo para
ambientação dos que estão
chegando no pedaço pela
primeira vez. Também é preciso
estar atento para alimentar a
ansiedade dos fanáticos por
esportes e, ao mesmo tempo,
criar oportunidades para os que
preferem atividades mais
introspectivas… Acima de tudo,
porém, a direção do NR e os
monitores procuram identificar
as particularidades de cada
acampante, captadas nas
entrevistas pessoais feitas antes
da temporada.
“Se uma criança tem problemas
de relacionamento, se os pais
estão se separando, se está indo
mal na escola… todos esses
detalhes podem interferir na
disposição desse garoto ou
garota ao se expor em um jogo
de futebol, por exemplo. Quem
sabe nesse momento ele ou ela
prefiram fazer uma atividade
com argila. Temos que saber
compreender e lidar com cada
caso”, diz o professor Affonso.
O dia no acampamento começa
com o toque alvorada às 7h30
da manhã. As turmas se revezam
entre a arrumação do quarto e o
delicioso café com os pães da
padaria do NR. Antes das
atividades, todos se reúnem no
teatro para o aviso diário.
Depois, vêm as atividades
individuais ou em grupo,
divididas em duas modalidades,
esportivas ou culturais. A
programação esportiva conta
com caiaques, piscinas, cavalos,
tirolesa, tênis etc. e acontece
sempre pela manhã. No período
da tarde o acampante participa
de atividades culturais na oficina
de artes, faz trabalhos no jornal
mural, dança e teatro, entre
outras opções.
“Acho que o segredo do sucesso
da programação do NR é o fato
de ela ser elaborada pelos
próprios assistentes e
monitores, que também são
acampantes. Como você já foi
acampante, sabe o que eles
querem”, diz Kito.
Lólio Lourenço de Oliveira
sociólogo e tradutor
“Quando o NR completou 40 anos,
perguntei ao Affonso: `Alguma vez
você pensou que um dia o Nosso
Recanto seria assim? Ele me olhou,
apertando um pouco os olhos,
umedeceu os lábios de um jeito
todo seu, e sorriu.
Pensei que adivinhava sua resposta.
Quem o conhece sabe que o
professor Affonso se orienta
sempre para fazer coisas. Não é um
contemplativo: ele age no mundo.
Os possíveis sonhos ou fantasias
que tenha imediatamente se
transformam em projetos que, por
sua vez rapidamente se convertem
numa operação para a consecução
de objetivos a serem alcançados
custe o que custar.
Mas ele me disse: `Não sei
responder essa pergunta… Talvez lá
no fundo, sem saber, eu sonhasse
com alguma coisa assim. Mas não
posso dizer que fosse um plano
concreto desde o início. Da
perspectiva de hoje, posso dizer que
esses 40 anos de acampamento
foram de passos gradativos, até
chegar a este ponto. Na verdade,
porém, não sei se sequer tinha
consciência de cada um desses
passos antes que fossem dados.`
Essa afirmação, que poderia parecer
que as coisas aconteceram fora de
seu controle, é, na verdade, o
indício de outros traços que
caracterizam o professor Affonso.
Talento, que é o que leva alguém a
fazer as coisas sem que precise de
longa preparação prévia; convicção
do próprio acerto no que faz e,
conseqüentemente, a permanente
disposição de arriscar; competência
na ação, que permite concretizar
com rapidez e eficiência o projeto
que se tenha em mente”.
29
É hora de prestar atenção
“Não dá para imaginar a
existência de um
acampamento sem uma
presença realmente efetiva.
Não falo de uma presença
fiscalizadora, mas sim
daquela que é sentida por
ser co-participante de
todas as coisas. Sabe, os
acampantes sentem a
presença da gente. Sentem
essa participação. Eu já fiz
duas encomendas para
poder tocar o trabalho:
uma muleta e um carrinho
de rodas, pois pretendo
continuar envolvido nessa
atividade”.
Professor Affonso
30
odos os dias, depois do café
da manhã, os acampantes
têm um encontro marcado.
No NR2, com o professor
Affonso (é o famoso “aviso do
Safo”) ou com o Afonsinho para
os menores. No NR1, com o
Marco Antônio ou com o
Zezinho. Esse é o momento de
uma conversa amiga, da
aproximação entre a direção e os
acampantes. Além dos informes
sobre a rotina da temporada,
nessa hora os acampantes
recebem “doses homeopáticas”
de cidadania e respeito ao outro,
ao ambiente.
T
“Embora hoje haja tantas
técnicas de comunicação —
temos alto-falante,
painéis para fixar
comunicados, o
jornal —, faço
questão de manter o momento
dos avisos. É nessa hora que
passamos a filosofia do
acampamento”, conta o
professor Affonso.
As crianças e os adolescentes
ouvem com a mesma atenção as
orientações sobre a festa a
fantasia que vai acontecer à
noite e um pedido para respeitar
as regras de convivência coletiva
evitando entrar na piscina com
os pés sujos de terra. Esses
pequenos ensinamentos, nessa
hora, são imperceptíveis. Mas
ficam dentro de cada um para o
resto da vida. Basta ler os
depoimentos dos ex-acampantes
ao longo deste livro.
Os acampantes em visita ao
Reino da Garotada – 1965
O Reino da Garotada
Durante os primeiros anos,
a equipe de futebol do NR era
imbatível. Além do campeonato
interno, aconteciam jogos com
times de fora. Um deles era
o time do Reino da Garotada,
um orfanato de Poá, que na
época tinha como diretor
o padre Simão.
Os acampantes iam até lá jogar
futebol e assim conheciam o que
era um orfanato. Os meninos do
Reino geralmente tinham
instrução primária e depois
faziam cursos profissionalizantes.
Eles tinham uma tipografia, uma
lavanderia, uma fábrica de
brinquedos e faziam consertos de
sapatos para fora.
Quando eles iam ao
acampamento, além de jogar
futebol, tomavam um lanche
junto com os acampantes.
O contato com aquela realidade
era muito educativo dentro do
nosso programa.
Como prova desse aprendizado,
duas histórias inesquecíveis.
O professor Affonso conta que
um dos acampantes, Michael
Perlman, era filho de um
industrial que importava
máquinas para sapataria. Sem
contar a ninguém, ele conseguiu
que seu pai doasse uma máquina
para o Reino. Zezinho também
tem lembranças emocionantes:
“Havia um acampante chamado
Stefan Alexander. Ele e o irmão
levavam roupas mais velhas, mais
rasgadas, exatamente para usar
no dia do jogo com o os garotos
do Reino porque não queriam
que os meninos do orfanato se
sentissem diferenciados”.
31
Joel Korn
Economista, presidente da Câmara
Americana do Rio de Janeiro e
coordenador geral do Grupo de
Investidores Estrangeiros
“Aos 55 anos ainda relembro as
temporadas que passei no NR,
no final da década de 50. O
acampamento era uma atividade
ainda recente no Brasil. As
famílias de muitos dos
acampantes geralmente se
conheciam porque os filhos eram
amigos ou colegas de escola.
Quem passava por essa vivência
queria sempre mostrar às
pessoas queridas como era
fascinante a vida naquele
recanto em Ferraz.
A disciplina sempre foi algo
importante no acampamento.
Não a disciplina militar, mas
aquela que delega
responsabilidades, seja pela
arrumação do quarto ou pelo
cuidado com as roupas. Além da
organização, aprendi muito, em
termos de independência.
Também aprendi a me relacionar
com outras crianças.
No acampamento havia
companheirismo. Fiz amizades
sólidas. Nessa idade, as amizades
são desinteressadas. O jovem se
aproxima por afinidade. E o NR
sempre procurou incentivar as
atividades em grupo.
O professor Affonso, muito
dedicado, procurava oferecer
àqueles jovens uma visão aberta
e saudável do mundo que se
dava principalmente por meio
das atividades artísticas e
esportivas.
Sempre pratiquei esportes.
Na infância, fazia atletismo e
durante o acampamento lutei
boxe e joguei futebol, vôlei,
basquete e tênis de mesa.
Algumas vezes o Biriba, campeão
brasileiro dessa modalidade,
32
aparecia por lá para jogar
e incentivar a garotada.
Os monitores também animavam
muito a temporada. Eles deviam
ter seis a oito anos a mais do
que a gente, uma diferença
pequena na fase adulta, mas
bastante significativa na
adolescência. E eles foram para
mim uma referência tanto nas
atividades culturais quanto
esportivas e sociais. Me lembro
bem das sessões de cinema em
Ferraz, das noites passadas nas
tendas ao ar livre, do toque do
sino anunciando o horário das
refeições. Atividades pequenas
e simples que proporcionavam
prazeres enormes. A experiência
foi tão importante para minha
formação que fiz questão de
proporcionar o mesmo benefício
a meu filho, mesmo morando no
Rio de Janeiro”.
Sandra Burstin Lilienthal
Ex-acampante, mora atualmente
nos Estados Unidos
“Certo dia eu estava no carro
com minhas três filhas, hoje com
8, 6 e 3 anos. A menor era um
bebê e coloquei uma fita com
músicas de Bach para bebês, que
ela acabara de ganhar. Quando
começou a ária da 4ª corda,
imediatamente me veio, com
extrema nitidez, a imagem do
Toninho tocando essa peça nos
degraus da enorme escadaria do
seminário em Agudos. Em
poucos minutos me dei conta de
como a minha passagem pelo
NR alterou a minha vida. Posso
afirmar que se sou hoje quem
sou, é em função da minha
experiência no NR.
No NR aprendi a ser gente. E se
essa frase parece lugar comum,
esclareço: foi no NR que aprendi
o valor da amizade e da família.
Ainda me lembro como eu
admirava a família de vocês,
e o quanto cada amigo novo foi
importante para mim. Mais do
que tudo isso, e talvez aqui
venha a ironia da situação, no
NR aprendi o valor da religião.
Tendo nascido em uma família
totalmente secularizada, sem
nenhum vestígio de religião
(sabíamos que éramos judeus,
mas parava por aí), foi no NR
que eu aprendi a importância
dos valores éticos e morais das
religiões.
As missas na igreja do seminário
me emocionavam. Me lembro,
como se fosse hoje, a primeira
vez que participei de um serviço
de Shabbat. Ligia Zaborovsky fez
a bracha das velas. Fiquei tão
emocionada… eu nem sabia o
que era isso! Foi a partir daí que
comecei a estudar e aprender
mais sobre judaísmo. No NR eu
aprendi a ser judia. Ironia das
ironias, hoje sou casada com um
rabino (liberal), dou aulas de
Bar/Bat Mitzvah e sou
extremamente envolvida com
o judaísmo!
No NR aprendi, além do aspecto
da religião, o verdadeiro conceito
de amizade, de participação em
um grupo, de responsabilidade.
Me lembro com carinho de cada
um dos meus monitores. E da
alegria que senti na noite em
que os monitores vieram me
acordar porque eu havia passado
a aspirante. Não há nada que se
equipare a esses momentos,
tanto que passados mais de 20
anos, ainda estão tão presentes.”
Henri Zylberstajn
Ex-acampante
“Em julho de 2000, embarquei
para mais um desafio em minha
vida. Desta vez, uma experiência
profissional na Europa,
desempenhando tarefas
parecidas com as que eu já havia
feito como monitor do NR. Logo
que fui contratado para ser um
counselor of sports and activities
na TASIS da Suíça – The
American School of Switzerland,
imaginei, é claro, que minha
passagem no acampamento me
ajudaria a desempenhar melhor
as funções na escola. E isso, de
fato, aconteceu! No entanto, tive
uma grande surpresa: percebi
que não só valeu minha
experiência de monitor, mas
também todo o aprendizado
como acampante.
Equipe da lavanderia de
Agudos liderada pela tia Itália,
e varreção dos corredores das
alas do acampamento.
Por diversas vezes, fui chamado
pela direção da escola para
receber elogios com relação
à minha conduta. Numa ocasião,
um dos assistentes da diretora
ficou realmente impressionado
com o que ele classificou de
‘capacidade de percepção de
detalhes’. Eu havia sido escalado
para tomar conta das crianças
do andar onde dormia. Minha
obrigação era ficar no meu
quarto, para que as crianças me
procurassem em caso de
necessidade. Um colega de nível
superior ao meu chegou pouco
antes do ‘toque de recolher’
e resolveu ficar no meu lugar.
Então simplesmente dei um
aviso a todos os estudantes
comunicando a mudança e
expliquei que não fossem ao
meu quarto e sim ao dele, que
ficava no mesmo andar. Além
disso, ele gostou de ver os
bilhetes que eu havia deixado
ao lado do telefone do corredor,
informando o novo número da
enfermaria (para emergências),
e os avisos explicando as regras
do banheiro coletivo.
Agora compreendo por que
meus pais sempre preferiram
34
que eu passasse as férias no NR
do que em qualquer outro lugar.
As lições de vida e o espírito de
comunidade, passadas de forma
imperceptível aos acampantes de
geração em geração, fazem com
que o NR não seja simplesmente
um acampamento ou um local
de lazer onde se passa as férias
com os amigos, mas um lugar de
formação de personalidade, onde
se aprende a viver! É por isso
que eu também farei questão
que meus filhos passem por essa
experiência.”
Antonio Carlos Penteado
Economista
“Comecei a freqüentar o NR em
Ferraz, em julho de 1969. Estava
com 12 anos e fiquei no
dormitório dos médios. A partir
daí não parei mais, até completar
cerca de quarenta temporadas,
distribuídas em vinte anos de
acampamento. Durante esse
período passei por todos os
setores: rouparia, banco, salão de
jogos, departamento de esportes
e tudo o mais. E por todas as
categorias, de aspirante a
coordenador.
Vivi três etapas bem distintas.
Primeiro a de Ferraz onde, por
ser só masculino, os acampantes
não se preocupavam com a
aparência. Passavam o dia sujos
e suados até a hora do banho no
fim da tarde e já iam jantar de
pijama. Calça e camisa, só
quando tinha cinema em Poá ou
pizza em Mogi. Era esporte o dia
inteiro. A hora passava
rapidinho. Mal iniciava a
temporada e lá estavam os pais
para buscar seus filhos. Sem
dúvida foram as melhores
experiências.
A era de Agudos trouxe uma
mudança radical: temporada
mista em um lugar enorme.
No dormitório cabiam cem
acampantes. Realmente tudo
diferente. Foi como começar do
zero. Contudo, em poucas
temporadas todos já estavam
adaptados. Foram dez anos
maravilhosos, usufruindo do
teatro, três campos de futebol,
várias quadras, piscina de 50 m,
tudo no meio de uma grande
fazenda.
Minha terceira fase aconteceu
em Sapucaí Mirim. Acompanhei
desde a construção, indo quase
todo fim de semana dar uma
força para o Afonsinho, que
ficava lá direto. Cheguei a fazer
umas duas
temporadas na
Fazenda. Passei para
aspirante em Agudos
e cheguei a
coordenador da ala
masculina junto com
Celso Halpern. Essa
vivência foi muito
importante para
minha formação
pessoal e profissional.
Além da saudade,
guardo da passagem
pelo NR uma centena
de amizades que
permanecem até hoje”.
35
basquete
biribol
caiaque
(para o corpo e para o espírito)
cama elástica
ecochallenge
M
equitação
futebol
handebol
megabeisebol
minigolfe
natação
parede de
alpinismo
pebolim
pedalinho
pesca
pingue-pongue
playground
pólo aquático
rally na lama
Diversão e saúde
arca registrada do
professor Affonso, a prática
esportiva sempre foi um ponto
forte do NR. Porém, muito mais
do que uma herança pessoal, no
acampamento as atividades
físicas representam um valioso
instrumento pedagógico. No
plano individual, educam as
crianças e os jovens a cultivar
hábitos saudáveis, como
caminhar e nadar. No âmbito
coletivo, os esportes em grupo
ajudam a avançar na
sociabilização e na conquista de
seu espaço no mundo. “Todos
somos campeões quando
conseguimos superar a nós
mesmos, dando um passo que
represente o nosso crescimento,
não importa em que posição
cheguemos ao final da
competição”, sintetiza o
professor Affonso.
E são tantas as opções
oferecidas, tanto no NR 1
quanto no NR 2, que ninguém
fica fora do jogo por não
encontrar algo que lhe dê prazer
ou onde se sinta à vontade, de
acordo com suas habilidades e
características pessoais. Muitos
acampantes acabam até
descobrindo suas
potencialidades em esportes que
nunca imaginaram praticar. “Às
vezes a gente pergunta a um
menino: você sabe dar estrela?
Então vem cá, vamos fazer uma
apresentação de ginástica
olímpica. O garoto aprende a
fazer o exercício, volta para casa
e na outra temporada chega
dando salto mortal porque
começou a treinar no clube
coisas que ele não sabia que
podia fazer”, conta Kito Vívolo.
Assim, tudo o que acontece nas
quadras do acampamento – dos
campeonatos de minigolfe dos
pequenos aos torneios de
futebol dos marmanjos — é
resultado de um trabalho diário
e constante no sentido de
estimular nossos jovens à prática
de esporte em geral. Mesmo os
mais tímidos e inseguros vão
ganhando confiança e
descobrindo quais as
modalidades lhes são mais
apropriadas. “Os líderes não
nascem feitos, precisam ter
oportunidades em que vão
ganhando segurança e
crescendo”, acrescenta o
professor Affonso.
soft tênis
taco
tamancobol
tênis
tirolesa
touro mecânico
trilha
vôlei
xadrez
38
O professor Henrique Angielczyk,
o Kazi, responsável pela
introdução do judô nas primeiras
temporadas, lembra que a
proposta sempre foi permitir que
o jovem se observasse e
descobrisse suas aptidões ou
suas simpatias por uma
modalidade esportiva: “Nós
perguntávamos: o que você
gosta de fazer? O que seria mais
fácil praticar? O que quer
experimentar?”.
Medalhas e troféus
O importante é dar espaço para
todos. Mesmo para os que
acham que não levam muito
jeito. Por isso, o NR faz questão
de mostrar reconhecimento a
quem se esforça. Em todas as
temporadas, diversos
acampantes são homenageados
com medalhas e troféus
esportivos. No entanto, os
prêmios nem sempre vão para
aqueles que conquistaram mais
pontos nos placares. E sim para
os que melhor compreenderam
a essência do espírito esportivo:
o esforço coletivo, a força do
trabalho em grupo. Nas
“maratonas” (ginganas por
equipes) do NR1, por exemplo,
os participantes ganham pontos
em várias atividades, não só por
terem cumprido o objetivo, mas
pelo fato de participarem, de
enfrentar o desafio. “Até as
premiações individuais
contemplam os acampantes que
deram o melhor de si para
contribuir com o desempenho da
sua equipe, independentemente
dos resultados”, diz o professor
Affonso.
Afonso Celso Vívolo, Afonsinho
Diretor do NR 2
“Comecei em Ferraz. Aos 16
anos, já aspirante, meu pai me
incumbiu de ajudar minha mãe
com os pequenos, no NR1.
Montei minha equipe com
jovens da minha idade, como
Mauro e Ligia Zaborowsky, Zeca
e Marina Cunha. Eu era
apaixonado por agronomia mas
na hora do vestibular, envolvido
com o trabalho, acabei optando
por educação física. Uma de
minhas atribuições era
apresentar o acampamento às
escolas e percebi que o NR,
apesar de ter boas propostas
educacionais e de ser
organizado, não chegava aos pés
dos concorrentes em termos de
estrutura. Ouvir essa avaliação
dos donos de colégios me
estimulou a idealizar algumas
obras, como o minigolfe e os
grandes escorregadores da
piscina. Fiz ainda o teatro, que
leva o nome do meu avô
Marcos Brusarosco.
Em 87, ajudei na construção da
Fazenda. O primeiro chalé foi o
Pioneiro, baseado num projeto
de Ricardo Van Steen, na época
aluno do Friburgo. A primeira
planta do chalé Campestre foi
feita em um papel de pão, por
mim e pelo Marco Antônio.
Assim a Fazenda foi se
expandindo até chegar à grande
obra que é o Village.
Ainda me lembro das sensações
de medo e de satisfação que
senti na primeira temporada no
NR2, em 88. Realizado pela
concretização da sede, eu sabia
que havia muito por fazer.
O chão ainda era de terra, a luz
vinha de Campos, o gerador não
tinha grande porte. Choveu
direto, tinha barro por todo
canto e o gerador não
funcionou. Mas todo mundo
curtiu muito a temporada.
Hoje, sou responsável pela turma
do Village. No momento,
estamos fazendo o Museu da
Revolução de 32, que terá
exposições das peças e uma
trincheira para atividades,
unindo o lúdico à informação.
Também cuido da criação de
trutas — uma produção de 30
toneladas por mês —, graças ao
incentivo de Rachel, minha
mulher, que conhecia meu
espírito para agronegócios.”
39
É show na quadra
uitas vezes o acampante se
sente um verdadeiro atleta
no NR. As aberturas dos
campeonatos das temporadas
acontecem em grande estilo,
com ares das festas oficiais.
Monitores, acampantes,
coordenadores, funcionários de
apoio, diretores... quase todo o
acampamento se envolve nos
preparativos integrando, além
das equipes competidoras, a
turma da arbitragem, o grupo
que cuida das bolas ou dos
uniformes, a graciosa galera das
“líderes de torcida”, o time de
M
40
“jornalistas” que faz as
reportagens para o jornal diário.
A preparação para a abertura é o
primeiro exercício de integração
da temporada. E o que prevalece
é o espírito de coletividade. No
momento tão esperado e
prestigiado por todos os
acampantes, os atletas fazem o
juramento de respeito às regras,
aos colegas, aos árbitros, aos
adversários. Atletas com trajes
típicos representam os cinco
continentes, entre outras
exibições.
A seleção de craques do NR
o longo desses 50 anos, os
acampantes receberam aulas
e treinamento de muitos nomes
famosos no circuito esportivo
oficial. Da mesma forma, outro
tanto de craques renomados
despertou para a vida esportiva
nas quadras do NR.
A
Um dos primeiros esportistas
profissionais a colaborar com o
NR foi o técnico e ex-lutador de
boxe Lúcio Inácio. Seu
empresário, Jacob Nahum, tinha
um filho acampante, David. E,
além de trazer o lutador para dar
aulas no final de semana,
Nahum fornecia as luvas para a
garotada praticar.
“Porém, essa prática não era bem
aceita. Os garotos iam para o
ringue só para provar
masculinidade. E os pais não
viam muita graça em chegar ao
acampamento no final de
semana e ver os filhos levando
socos e sopapos”, conta o
professor Affonso. Por sorte, o
professor Kazi logo passou a
fazer parte da comunidade do
NR e introduziu o judô – que,
além de contribuir para a defesa
pessoal, foi descoberto como
filosofia de vida.
Outros esportistas e técnicos de
várias modalidades atuaram no
NR, o que representava um forte
estímulo aos acampantes.
Muitos deles tinham títulos de
campeões brasileiros e
sul-americanos:
• Edson Bispo dos Santos
– campeão brasileiro de
basquete e treinador da seleção
brasileira
• Eduardo Carlos Filippe
(Cipó) – integrante da seleção
brasileira de basquete
• Ilton José da Costa
– começou como goleiro de
futebol. Jogou no Palmeiras, foi
juiz e atualmente é gerente de
futebol do Santos
• Helinho – jogador de futebol
• Emílio – professor e jogador
de xadrez
Muitos professores de Educação
Física dos melhores colégios de
São Paulo também vieram
integrar a família NR: Emédio
Bonjardin, Erasmo, Pedro, Pedrão,
Antônio Roque, entre outros.
Em cima:
• Osmar Lopes – era jogador
de vôlei do Adamos, mas já
tinha integrado outros clubes
no Rio de Janeiro
• Henrique Angielczyk (Kazi)
– instrutor do NR e introdutor
da modalidade de judô no
acampamento
Embaixo:
• Francisco Brusarosco
– professor de aeromodelismo
e tiro ao alvo
• Professor Affonso
• Biriba – jogador e campeão
brasileiro de tênis de mesa
• Amauri Passos – foi jogador
da seleção brasileira de
basquete. Tinha muitos títulos
como campeão, defendendo o
Sírio e a Seleção Paulista
Flávio Emir Adura
Médico e professor da
Universidade Federal de São Paulo
“O acampamento Nosso Recanto
influenciou de forma marcante a
minha vida. Ainda recordo com
saudade as felizes temporadas
que lá passei nos anos 60. Com
a fórmula mágica do professor
Affonso, a gente era preparado e
educado para o futuro, enquanto
praticava esportes e se divertia.
Garoto introvertido e um tanto
inseguro, percebi no NR que
levava jeito para o esporte e
compreendi que, se
desenvolvesse essa aptidão, seria
bem mais fácil viver em
sociedade. Resolvi apostar nisso.
Como me destaquei nos torneios
de basquete no acampamento,
tomei coragem para praticar esse
esporte no Esporte Clube
Corinthians. Acabei chegando às
divisões principais do clube,
numa carreira que me
proporcionou muita satisfação.
No NR também descobri meu
lado artístico. Nas festas de
aniversários de acampantes
eu tocava violão, modestamente.
Mas recebi tantos aplausos
que me animei a estudar
esse instrumento.
Hoje, médico e professor,
considero que essa carreira teve
início com minha atuação como
‘enfermeiro’ do acampamento,
na saudosa Ferraz de
Vasconcelos.”
Henrique Angielczyk, o Kazi
Psicólogo
“Meus dois sobrinhos Moacyr
e Leonardo Strzygowski
freqüentaram a colônia de férias
do NR desde as primeiras
temporadas, na década de 50.
Nessa época, os pais iam ao
acampamento no final de
semana. Uma vez, fui junto com
meus cunhados e assisti a uma
luta de boxe. Morando no Brasil
há alguns anos, eu era industrial
e professor de judô.
No primeiro contato que tive
com Affonso, logo ficou
evidente uma grande empatia.
Como meu trabalho permitia
que durante as férias escolares
eu me ausentasse de São Paulo
42
a partir de quinta-feira, propus a
ele a introdução do judô no
acampamento, além de me
oferecer para auxiliar em outras
práticas esportivas como
natação, basquete e vôlei.
Sempre achei que a gente se
ajuda quando pode ser útil ao
outro. Essa dedicação me
entusiasmava tanto que em
nenhum momento o trabalho foi
penoso. Ao contrário: me fazia
muito bem a receptividade
daqueles jovens.
Nasci na Polônia e sou uma
testemunha do holocausto. Vivi
as atrocidades do nazismo, mas
sempre achei que se tivesse fé
no homem, que possui
características tão valiosas como
o amor, seria possível uma
sobrevivência mais fraterna.
E era isso que eu estava
experimentando no NR.
Ali prevalecia uma filosofia
de vida baseada no afeto, no
reconhecimento da qualidade
do outro.
O jovem era sempre valorizado.
Porque, no fundo, todo mundo
tem algum talento, algo de bom
que mereça ser ressaltado. E isso
acontecia ao se premiar o
melhor amigo, o melhor
esportista, o calouro revelação.
Existia ainda a presença doce da
Jacy, sempre por perto, como um
anjo pairando no ar.
Eu me identifiquei com a
proposta do acampamento e me
redescobri. Ali nada era imposto.
Tudo acontecia naturalmente. Eu
que senti o preconceito de raça e
de religião, através do NR pude
conhecer um outro jeito de viver.
Não posso dizer que não exista
preconceito no Brasil, mas ele é
tão diminuto que os povos de
diferentes nacionalidades, idéias,
classes e credos se adaptam
facilmente à sua realidade. Aqui
eu pude escolher o caminho que
me permitiu a realização. Graças
também às aulas de português
dadas pelo Affonso, consegui
passar no vestibular e fazer o
curso de Psicologia na USP.
Ainda hoje atuo na área”.
43
argila
banda
biblioteca
bijuteria
biscuit
cinema
culinária
dança
jornal
marcenaria
mosaico
em vidro
papelaria
teatro
44
Crescer
é uma arte
esmo sem que a gente se
dê conta, a arte permeia
toda a nossa existência.
Na juventude, ainda mais.
Porque é tempo de assumir
personagens, de ensaiar para
viver a vida, de questionar se o
mundo vai nos aplaudir ou nos
vaiar! Ciente desse processo do
crescimento humano, o NR
procura propiciar oportunidades
para os acampantes descobrirem
os seus melhores papéis.
M
Teatro, dança, música, literatura,
cinema, artes plásticas… diversas
manifestações artísticas
marcaram os 50 anos do
acampamento. No início de cada
temporada, o acampante escolhe
uma modalidade e participa de
aulas, oficinas, ensaios. É a
oportunidade de experimentar
novas atividades, onde poderão
se expressar, se divertir e
também levar lembranças
concretas dos dias passados no
NR. O teatro e a dança sempre
tiveram lugar de destaque entre
as atividades culturais. A cada
final de semana, os grupos se
revezam no palco. E todos se
preparam com muita dedicação
para o grande espetáculo final.
Essa apresentação é um dos
mais esperados acontecimentos
da programação da temporada,
com cenários, figurino,
iluminação e sistema de som que
não deixam nada a desejar para
o circuito de arte profissional.
Também, pudera... o trabalho é
resultado do esforço conjunto de
todo o acampamento: quem não
gosta de aparecer na ribalta,
colabora fazendo cenários, na
sala de artes; quem não tem
habilidades manuais, ajuda a
escrever o texto, e assim todos
dão sua contribuição.
No início, a atividade cultural no
NR exigia uma cuidadosa
pesquisa. “A gente aproveitava
o Heitor Isoldi, com sua
harmônica, para descobrir
cantores. Também ensaiávamos
poesias e montávamos jograis”,
relembra o professor Affonso.
Outra atração muito prestigiada,
nos primeiros anos, era a noite
do cinema, em Ferraz de
Vasconcelos ou Poá.
Naturalmente, era uma farra sair
do acampamento para passear
na cidade, uma ou duas vezes
por semana. Mas o programa
não terminava aí. No dia
seguinte, a turma dos maiores se
reunia para discutir o tema do
filme, trocar idéias sobre o que
aprendeu, exercitar seu direito
de manifestação e a capacidade
de ouvir o outro.
Com o tempo, o leque de opções
foi se abrindo. Surgiram os
grupos de teatro, de dança, de
música. Hoje a meninada passa
45
horas na sala de artes e na
marcenaria, onde mexem com
argila, fazem bijuterias com
miçangas, dobraduras e pipas de
papel ou ainda preparam
presentes para levar para casa,
como porta-retrados e caixinhas
dos mais variados materiais. Há
também a “turma da imprensa”.
Jornalistas e fotógrafos
registram os melhores — e os
piores — momentos do dia:
quem se destacou no videokê,
quem perdeu o jogo, recadinhos
que envaidecem e que provocam
gatinhas e gatões… Tudo fica
escancarado nas paredes do
barzinho.
Cortinas sempre abertas
teatro exerce um fascínio
especial sobre os
acampantes do NR. Ou será o NR
que desperta nos acampantes a
fascinante vocação para a arte?
Não importa saber. O
fundamental é constatar que os
palcos de Ferraz, Agudos, São
Roque e Sapucaí impulsionaram
grandes revelações — daqueles
que se tornaram mais tarde
verdadeiros artistas profissionais
aos que simplesmente
desfrutaram dela para viver
momentos de prazer.
O
Bem longe de ser uma festinha
de encerramento de temporada,
os espetáculos do acampamento
consistem em grandes
produções. No início, em Ferraz,
as peças eram escritas e
ensaiadas pelo professor
Affonso. Mas hoje existem testes
para os atores, ensaios, exercícios
de impostação de voz,
composição dos textos, produção
e tudo o mais. Além do teatro de
características profissionais, os
atores e diretores dispõem de
camarins completos e um acervo
com centenas de peças de
figurinos e acessórios. “Sempre
tem aquele acampante que vai
para o teste pensando em ser
46
ator e acaba encantado com a
magia da contra-regra”, conta
Márcia Regina Martins, gerente
do NR2.
Os palcos do NR já abrigaram
peças de sucesso como Aí Vem o
Dilúvio, Pluft, o Fantasminha, A
Bela e a Fera, Cats e O Fantasma
da Ópera.
Foi na época de Agudos que o
teatro ganhou grandes
proporções no acampamento. A
sala de espetáculos era tão
fantástica que poderia concorrer
com qualquer similar da capital.
Nesse período, o acampamento
já era misto e contava com
grande participação feminina. Foi
também o auge das
apresentações de dança. Júlia
Vívolo, a Juju, logo passou de
acampante a monitora e dedicou
todo o seu talento e graça para
coordenar os grupos de dança.
Nas últimas temporadas de
Agudos, já morando nos Estados
Unidos, Juju vinha de Nova York
especialmente para as
apresentações.
Acima, João Adura,
Roque Monteleone,
David Cytrynowicz,
e Moacyr Strzygowski
no palco de Ferraz
Ao lado, grupo cover, dos
monitores, em festas
de formatura
47
Júlia Vívolo
Bailarina
“Quando penso no NR, eu penso
nos teatros de Agudos e de
Sapucaí, palcos onde dei os
primeiros passos para me tornar
uma bailarina profissional e onde
aprendi a amar meu trabalho. Eu
comecei a fazer balé aos 4 anos.
Tive aulas de clássico com a
professora Yolanda Verdier. Mas
as apresentações no
acampamento ajudaram a definir
minha vocação para o estilo
moderno. Lembro da primeira
coreografia que montei, aos 13
anos, junto com a monitora Iose
Pasqualini. Ao ser promovida a
aspirante, eu só queria saber da
dança. E desde o início com
pretensões à altura dos
produtores da Broadway, mesmo
que adaptadas à realidade do
acampamento. Assim, em 1979
montamos um espetáculo com
base no tema Viagem ao Centro
da Terra, de Rick Wakeman, onde
se misturavam clássico, jazz e
48
rock – afinal, era isso que as
pessoas queriam dançar!
A adesão dos meninos foi outro
marco histórico: eles foram
fisgados por um número de
country que começou com
4 “voluntários”, no início da
temporada, e terminou com 12
dançarinos no espetáculo final.
Um sucesso. Pelo nosso grau de
exigência, parecíamos
integrantes do Bolshoi. Mas as
condições de trabalho não eram
exatamente as do renomado
grupo russo… aproveitávamos
todos os “buracos” da
programação para ensaiar:
depois do banho, no intervalo da
tarde, de madrugada.
Encerrada minha carreira como
monitora do NR, iniciei minha
carreira artística profissional. Dos
palcos do NR, eu brinco, fui para
os palcos de Nova York, onde
estudei balé a partir de 1982.
Então eu voltava ao Brasil nas
temporadas, sempre para ajudar
nas apresentações. Foram
inesquecíveis os momentos ao
lado de Fernando Benini, Paulo
Schwartz e outras acampantes
bailarinas do Teatro Municipal de
São Paulo. De tudo isso, me ficou
o aprendizado das realizações
em equipe, do companheirismo.
Mesmo na minha área, onde há
uma concorrência acirrada pelo
pequeno mercado de trabalho,
me vejo como uma pessoa
aberta para a competição, sem
cultivar os aspectos negativos da
competitividade. Devo isso à
minha vivência no NR”.
A cultura em sintonia
com a natureza
ovens e rodinhas de violão: aí
está uma combinação que
sempre dá certo. Ainda mais em
um cenário envolvente como a
bucólica paisagem de um
acampamento. Ao pé de uma
árvore, à beira da piscina, na
intimidade do quarto, enfim, a
música cabe em todos os
momentos e todos os lugares.
“Envolve o ser de maneira
absoluta”, diz o músico Antônio
Maurício Vívolo, o Toninho, não
por acaso o organizador do
Acampamento Musical
promovido pelo NR em 1981.
J
Hoje, muitos acampantes levam
para as temporadas seus
próprios instrumentos e formam
bandas -- que ensaiam num
espaço especialmente equipado
com tudo o que os músicos e os
“técnicos de som” necessitam.
Essas bandas se apresentam no
Show de Talentos, tocam nas
discotecas e acompanham o
pessoal do teatro. “Alguns
garotos, quando passam do NR1
para o NR2, já avisam que
querem tocar na Rock Band. Na
temporada de janeiro de 2003,
cerca de 20 pessoas se
revezaram na banda”, conta Kito,
um dos coordenadores do NR2.
A cada temporada, novos grupos
aparecem e entusiasmam tanto a
platéia que vários rapazes e
garotas voltam das férias
dispostos a estudar um
instrumento.
Esse entusiasmo já foi tão
contagiante que resultou na
realização de um acampamento
musical, em Ferraz de
Vasconcelos. A proposta era
oferecer à garotada, entre 9 e 10
anos, um pouco de cultura
musical. Em meio a atividades
esportivas e brincadeiras, foram
incluídas atividades como aulas
de gramática musical, projeções
de slides sobre o funcionamento
de uma orquestra sinfônica,
audições de instrumentos
diversos.
O sucesso do acampamento
musical recebeu contribuições
importantes como as de colegas
Toninho
Vívolo
profissionais de Toninho, de sua
esposa, na época, Pauline Vívolo;
e do músico Dieter Gogarten,
que fazia parte da Orquestra
Sinfônica Municipal de São
Paulo.
Os acampantes fizeram aulas e
oficinas de música e prepararam
uma emocionante apresentação,
no final da temporada.
Participaram também alguns
estrangeiros, que quase não
falavam português. Mas isso não
causou qualquer dificuldade,
segundo Toninho: “Nós
conversávamos na linguagem
musical, que é universal”.
Michael Tullkop, Toninho Vívolo,
Sandra Burstin e Marcelo
Kauffman no palco de Agudos
49
Nascidos no berço da arte
lguns pais famosos no meio
artístico deram sua canja
nos palcos do NR. Quem viu, não
esquece do palhaço Arrelia, que
nas primeiras temporadas ia ao
acampamento visitar o filho e
aproveitava para arrancar
gargalhadas da garotada.
O mesmo acontecia com Renato
Corte Real, durante muito tempo
autor dos esquetes que seus
filhos Renato e Ricardo levavam
para a turma do NR encenar.
A
Guto e Júnior, filhos de Moacyr
Franco, também brilharam no
palco de Ferraz. Nessa época,
Mário Papaterra declamava
poesias de seu pai, Toninho
Vívolo e Fran Papaterra já
mostravam seu talento com o
violão, Milton Gevertz encantava
com a flauta doce e André Klein,
com a flauta transversal.
Os acordes do violão de Flávio
Adura ficaram gravados na
memória dos colegas. Enquanto
seu irmão João preferia divertir
a platéia em papéis cômicos no
teatro, ele integrava um grupo
musical ao lado de David
Cytrynowicz e Romeu Pisani.
Anos mais tarde, outra banda,
liderada por Eduardo Suplicy,
o Supla, e Eduardo Bidilowsky,
agitou a temporada de férias.
Passaram, ainda, pelo NR, nomes
que mais tarde se tornaram
profissionais. Como o cineasta
Carlos Reichenbach, os atores
Débora Bloch e Luciano Szafir,
o apresentador Luciano Huck,
os músicos Caribe da Rocha
e Peninha, e os teatrólogos
Fernando Benini, Roberto Lage
e Arthur K. de Oliveira.
50
Alexandre Novak, o Lelê
Médico anestesista
“Freqüentei o NR de 1978 a
1991. Foram 16 temporadas! Na
verdade, meu primeiro contato
com o acampamento não foi por
interesse em uma simples
colônia de férias. Em 1978 tive
notícias de um provável
acampamento musical onde
todos os jovens eram
interessados por música e eu, na
época, tocava piano.
Fiz minha inscrição, porém não
houve o número suficiente de
acampantes e então resolvi
participar de uma temporada
normal em Sapucaí-Mirim. Sem
dúvida foi uma experiência
excelente.
Estive no acampamento durante
quase toda a minha
adolescência. Foi lá que conheci
os meus melhores amigos.
Aprendi a conviver com pessoas
da mesma idade, com os
mesmos ideais, a ter espírito de
grupo e a deixar de lado o
egoísmo e a auto-afirmação tão
comuns nessa fase da vida.
Mantenho contato com o
acampamento até hoje e sempre
que posso visito o professor
Affonso nas grandes
temporadas. Parabéns ao NR e
que essa luz que o Safo acendeu
se propague por muitas e muitas
gerações.”
Acima, Mário Papaterra, Ricardo Corte Real e
Toni Vívolo, em acampamento para funcionários
da Arno, nos anos 60
Na página ao lado, acima, Moacyr Franco.
Abaixo, Waldemar Seyssel,
o palhaço Arrelia, abraçando seu filho,
Carlos Alberto de Azevedo Seyssel, à sua direita
51
Milton Gevertz
Engenheiro
“Fui e continuo sendo um fã
incondicional do NR. Foram 20
temporadas bem aproveitadas.
Desde pequeno me interessei por
música e encontrei no NR
condições de continuar minha
formação. Em Ferraz de
Vasconcelos e Agudos, comecei
a levar a flauta (estava iniciando
as aulas particulares) para
estudar durante o acampamento.
Na época, pouquíssimas pessoas
levavam algum instrumento,
geralmente violão. Imagino que
perturbei muita gente com
aquele som agudo, as escalas,
os exercícios. A tal ponto que um
dia os amigos fizeram a
brincadeira da caça ao tesouro
e esconderam minha flauta no
escritório do professor Affonso.
Espero ter compensado a turma
com as apresentações que
fazíamos no teatro. Era bom
criar, ensaiar durante a semana
para a apresentação do
domingo. Inesquecível o
grande teatro de Agudos.
Uma estrutura profissional,
construída dentro de um
seminário, numa quase
desconhecida cidade do
interior paulista. Quem
participou, quem esteve em
cima do palco, sabe do que
estou falando. Daquela
espera pelo momento de
entrar em cena, do
nervosismo e da
insegurança, que depois de
alguns segundos desaparecem.
Da curiosidade em saber se tudo
está saindo bem, da torcida pelos
colegas, do silêncio da platéia.
Do aplauso, da sensação de
leveza após o espetáculo, da
missão cumprida e da felicidade
de ter participado da peça.
Numa das primeiras temporadas,
integrei o coral, coordenado pelo
Toninho Vívolo. Ele conseguia
reunir mais de 20 pessoas e
chegar a um resultado
excepcional em poucos dias de
ensaios. O Toninho, que à noite
nos deliciava (essa é a palavra
correta) com seu violão, fazia
grandes grupos cantarem os
sucessos da MPB. Tocamos
diversas vezes duo de flauta
e violão num repertório bem
variado, com música medieval,
renascentista, barroca e até
uns chorinhos.
Quantos não se apresentaram no
teatro do NR? Só para lembrar
alguns: Marcelo Zimberg
(Cepolla), André Klein, Carlinhos
Algranti, Michael T., Fabinho e
Marcelo Kauffman, Supla, Sandra
Burstin, os Bidlowski, o
Afonsinho… Já como monitor,
assumi a coordenação do coral,
que tinha vozes assíduas como
Fernanda Vidigal e Betina
Galperin. Teatro, dança e música
se juntaram em algumas
ocasiões para compor uma
apresentação em torno de um
mesmo tema, como o espetáculo
em homenagem aos Beatles nos
anos 80.”
Carlos Reichenbach
Cineasta, dirigiu, entre outros filmes,
Anjos do arrabalde, Alma corsária
e Dois córregos
“O ano de 1960 foi marcante em
minha vida em razão do
falecimento de meu pai. Após o
segundo infarto, ele passou por
um longo tratamento em casa e
com isso, fui transferido do
Colégio Visconde de Porto
Seguro para o internato de Rio
Claro, que também oferecia o
alemão como segunda língua.
Apesar de ter sido triste a
separação da família, a
adaptação na nova escola não
foi traumática, como acontecia
com a maioria dos jovens, em
função da minha experiência no
NR. No acampamento, aprendi a
me virar sozinho, a ser
independente, a ter respeito
pelas diferenças. Outros valores
como entrosamento com o
grupo e organização também
eram incentivados no dia a dia.
O acampamento ficou na minha
história. Tanto que a região de
Ferraz se tornou referência para
mim. Alguns dos meus filmes
têm cenas rodadas em Suzano e
Poá. Vem também dessa época o
meu fascínio por estação
ferroviária, outro elemento
freqüente em meus trabalhos. Fiz
a minha primeira viagem de
trem com o pessoal do NR. Me
lembro até hoje de uma foto na
cabine, eu e meu primo-irmão,
Ronaldo Carlos Beich, que vinha
do Rio para as temporadas,
usando a camiseta da ‘colônia’,
com aquelas argolas
simbolizando as olimpíadas.
Embora durante a infância eu
praticasse — e até competisse —
mais os esportes ligados a água,
no NR ainda jogava vôlei e
lutava boxe. Ganhei até algumas
medalhas nessa modalidade.
Também foi lá que me apresentei
em público, cantando, pela
primeira vez. Logo eu, que
sempre fui tímido e retraído.
O NR sempre teve uma visão
humanística e aberta. Sua
proposta de educação visava a
formação. Além de oferecer
atividades novas para a maioria
daqueles garotos da cidade,
como o passeio de trem e a
chance de dormir em uma
cabana no meio do mato, a
gente passava por uma
convivência harmoniosa. Você
pensava no coletivo, respeitava a
liberdade e a diferença do outro.
Era algo revolucionário.”
Ronaldo Beich, Otávio Mindlin,
Carlos Reichenbach e sua mãe,
dona Lula
Bons companheiros
té os 16 anos, acampar no
NR é só aventura, diversão e
festa. Depois disso, continua a
aventura, a diversão e a festa…
mas o acampante pode virar
“aspirante” e, sem deixar de
aproveitar a curtição, começar a
ter pequenas tarefas de auxílio à
equipe do NR nas atividades com
o pessoal. Esse é o primeiro
passo na carreira de monitor.
A
Isso mesmo: carreira de monitor,
pois o NR tem um programa de
preparação de monitores
fortemente estruturado, por
meio do qual formam-se
colaboradores especializados em
receber e atender crianças e
jovens, tanto em férias quanto
em eventos escolares.
54
Existe um departamento
específico para essa capacitação
de monitores, sob a
responsabilidade da psicóloga
Lílian Andreucetti e de Marco
Antônio Vívolo Filho, o Kito. Esse
setor se encarrega de montar as
equipes adequadas às atividades
que o NR realiza com escolas e
grupos de férias.
A carreira de monitor começa
em uma temporada de férias.
Alguns acampantes são
selecionados pela direção e pelos
coordenadores do NR para,
juntamente com os assistentes e
monitores já profissionalizados,
desenvolverem algumas
atividades a eles atribuídas.
Tornam-se, assim, “aspirantes”,
cuja atribuição mais importante
é estar com os acampantes
todos os momentos do dia,
ajudando-os em todas as suas
necessidades.
A escalada da monitoria
O aspirante fica nessa função
durante algumas temporadas,
para se familiarizar com todos os
detalhes da rotina do
acampamento. Depois, começa a
galgar os níveis de “monitoria”.
São seis, um por temporada. O
monitor joga, brinca, dança e faz
tudo lado a lado com a turma.
Mas, no final do dia, precisa
participar da reunião de
avaliação e também fazer
relatórios periódicos sobre o
Pizza
Rato
Sumô
Pera
Bicudo
Banana
aproveitamento e a saúde de
cada integrante do grupo sob
sua responsabilidade.
À medida em que crescem os
níveis de monitoria, diminui a
participação do monitor nas
brincadeiras e jogos, enquanto
aumentam suas
responsabilidades na
organização e no funcionamento
da temporada. Quando completa
o nível seis, o monitor torna-se
“assistente”. Os assistentes são
encarregados de apitar os
torneios, organizar as escolas de
esportes, montar o espetáculo de
final de temporada. Também
existem os monitores
selecionados nos cursos de
Educação Física, Turismo,
Pedagogia e Psicologia, que não
precisam ser ex-acampantes mas
passam igualmente por um
processo de formação. Todos os
aspirantes, monitores e
assistentes atuam sob a
orientação do grupo que está no
grau máximo da monitoria, os
“coordenadores”.
55
Sumô
Gabriel Augusto Santoro dos Santos
24 anos, 8 de NR / coordenador
“Eu gosto de gente, de estar com as
pessoas. E como monitor percebo como
posso ser importante na vida das pessoas,
nem que seja de um único acampante.
Minha responsabilidade, como monitor, é
imensa, pois sei que posso influenciar um
adolescente, no sentido positivo ou
negativo. O mais prazeroso, para mim, é
ter sido monitor de algum deles e agora
ver esse jovem ou essa jovem trabalhando
a meu lado”.
Pera
Expedito Donizete Pereira
35 anos, 9 de NR / coordenador
“Eu nasci na região de Sapucaí e cheguei
ao NR para trabalhar como monitor em
uma temporada de férias. Confesso que
fiquei um pouco assustado. Mas aos
poucos, ao descobrir o que era o
acampamento, fui entendendo que era um
trabalho diferente dos outros... e acima de
tudo, de outros acampamentos. No NR a
gente exercita diariamente a criatividade,
inventa, transforma, renova.”
56
Dêfo
Fábio Defourny
30 anos, 8 de NR / coordenador
“O relacionamento da gente no NR é
intenso. Em um ano, cheguei a ter
contato com umas 12 mil pessoas.
Montei até um site para me corresponder
com os amigos que faço no
acampamento. E, mesmo depois de tanto
tempo realizando um trabalho de
coordenador, ainda me vejo como um
grande amigo de todos. Sinto saudades
quando eles vão embora, fico gratificado
quando um garoto se aconselha comigo
como se eu fosse um irmão mais velho.”
Taty
Tatyana Wolff
(à esquerda)
20 anos, 12 de NR / assistente
“Os sentimentos de amizade e respeito
que eu vivencio no NR, nunca encontrei
em outro lugar. Freqüento o
acampamento desde os 8 anos, sempre
me dedicando muito à dança – antes,
como acampante; hoje, como assistente.
Nesse posto, procuro preservar o senso de
integração das equipes, sempre ajudando
os monitores a aprender a compartilhar e
a liderar pessoas.”
57
Aprendizado no exterior
esde 1976, dois monitores
do NR representam o Brasil
no Annual Lions International
Youth Camp, em Montgomery,
no Alabama, Estados Unidos.
Tudo começou quando o
professor Affonso, que pertencia
ao Lions Club da Mooca, foi
convidado pelo professor João
Fernando Sobral para ser o
assessor da juventude da
instituição. “Organizei
acampamentos para os filhos
dos ‘leões’ em Ferraz”, lembra
Safo. Nessa fase, o Lions de
Montgomery já reunia jovens
de vários lugares do mundo
para conviver com culturas
diversas e conhecer a história
norte-americana.
D
Coube ao professor Affonso
indicar os primeiros
representantes do país para essa
experiência internacional. Os
escolhidos para a primeira
temporada foram um filho de
um integrante do Lions e David
Cytrynowicz, um jovem que
participava ativamente do NR.
Alguns anos depois, o professor
Affonso pediu afastamento do
Lions mas, a pedido do professor
Sobral, continuou responsável
pela seleção de dois
representantes brasileiros anuais.
Foi tão bem-sucedido em seu
trabalho que, no início dos anos
80, o então presidente do Lions
Internacional, William C.
Chandler, recomendou seu nome
para receber a Medalha de
Apreciação Presidencial. Além do
reconhecimento por sua
contribuição para o intercâmbio
juvenil, a premiação mereceu
destaque por ser a primeira
Medalha Presidencial conferida
a uma pessoa que não integrava
o quadro do Lions.
“Além do rico contato com
pessoas de diferentes
nacionalidades, o acampamento
do Lions oferece a chance de
conhecer vários Estados
americanos e visitar locais como
Professor Sobral com Carlos
Eduardo Pecucci e Rubens
Ochini, nos Estados Unidos.
Ao lado, Kito Vívolo e Bill
Chandler, diretor do Lions IYC,
Montgomery, Alabama.
58
certos departamentos da agência
espacial norte-americana, Nasa,
e o Palácio do Governo em
Alabama, onde dificilmente se
poderia entrar sem o respaldo da
entidade”, diz Kito Vívolo,
coordenador do NR.
Os irmãos Tiago e Felipe
Papaterra, que também passaram
por essa experiência,
recomendam. “É o top da
carreira de monitor”, avalia
Tiago. A temporada de 40 dias,
exclusiva para rapazes entre 16 e
22 anos, começa geralmente no
final de junho. Os jovens ficam
hospedados em alojamentos ou
em casas de família, mas passam
a maior parte do período em
viagem. Saem de Washington e
vão até o sul da Flórida. Também
visitam lugares históricos como
o Memorial de Martin Luther
King, em Washington,
participando de atividades com
enfoque nas questões raciais.
“Como falamos muito inglês, é
praticamente um intercâmbio,
que visa ampliar seu
conhecimento sobre a cultura
americana”, informa Felipe. Tiago
acrescenta que, no
acampamento do Lions, as
atividades não são programadas:
“Se você consegue, por exemplo,
organizar uma equipe de
basquete, o jogo acontece
porque a quadra está ali”, diz.
Mário de Magalhães
Papaterra Limongi
Promotor de Justiça
"Não apenas eu, mas meus
irmãos Francisco, João, Marcelo e
Fernando também freqüentaram
o acampamento. Mais tarde, foi
a vez de meus filhos. Assim, o
NR faz parte da vida dos
Papaterra. Eu peguei a época
romântica de Ferraz: toda
semana tinha festa de
aniversário, shows. A gente
adaptava os textos do Renato
Corte Real, declamava poesia e
fazia pantomimas. A estrutura
era precária: o campo não tinha
grama, o piso da quadra era
áspero, ralava os joelhos. No
entanto, a temporada era
mágica, o tratamento
excepcional,
havia clima de
camaradagem,
de amizade.
Tanto que
meus amigos
mais próximos
vieram dessa
fase.
Em janeiro de
71, quando já
estava na
faculdade de Direito, tive outra
experiência rica em Agudos. De
cara, não gostei muito da idéia
de ir como monitor porque
imaginei que iria perder minhas
férias. Trocar o lazer pela
responsabilidade, ter que dar
exemplos. Mas acabei topando e
vivi a primeira grande temporada
mista. Quando comecei em
Ferraz éramos 50 acampantes.
Em Agudos, a turma passava dos
300. No ano seguinte, encerrei
minha carreira — entrei menino
e saí no terceiro ano da
faculdade. Mas passei a visitar o
acampamento, geralmente em
dias de jogo de futebol. Mesmo
não sendo mais acampante, fiz
questão de manter o vínculo.
Meus dois filhos, Tiago e Felipe,
tornaram-se acampantes bem
pequenos. Eu morava em uma
cidade do interior que oferecia
uma boa qualidade de vida, mas
achava importante que os
garotos passassem pela
experiência de socialização que
eu tive. Eles gostaram, fizeram
carreira de monitor e
participaram do acampamento
internacional promovido
pelo Lions.”
Carta enviada ao professor Affonso por Renato Floh e Daniel Szyfman, enquanto
participavam do Acampamento Internacional do Lions, em julho de 2001.
“Representar o Brasil e, é claro, o NR diante
de outros 52 acampantes de 25 países pode
parecer uma tarefa delicada, mas graças à
nossa experiência ao longo de mais de 10 anos
de acampamento, não encontramos muitas
dificuldades. O NR, graças à filosofia
implantada por você, possibilitou a formação
de grandes acampantes, líderes e, por que não
dizer, homens.
Ter consciência do quanto o acampamento
contribuiu para a nossa formação,
compreender e respeitar as tradições e
aprender sobre as culturas dos países aqui
representados nos levou a estabelecer um
estreito laço de amizade, que esperamos
perdure por um longo tempo.
Além disso, tivemos o orgulho de constatar
que o NR possui uma estrutura comparável ao
acampamento internacional. Acredite: os
nossos chalés são bem mais organizados que
os camps americanos.
A experiência tem sido interessante. O único
porém é que não participamos da temporada
de julho. Por isso, sentimos saudade da vida
no acampamento, das conversas com os
acampantes na hora do banho e na hora de
dormir; do convívio com os monitores e com
você. Não esquecemos, de forma alguma, do
estresse no último dia do teatro. Mas
amenizamos a nossa tristeza acompanhando a
temporada pelo site.”
59
“É difícil, pra mim,
imaginar que tenho 76 anos!
O tempo parece que
não passou...”
60
O professor Affonso
lembra os bons
momentos do NR em
50 anos dedicados à
formação de jovens
Histórias
para contar
Comboio rumo à aventura
No início, as saídas para o
acampamento pareciam uma
viagem de família. Todo mundo
se reunia em frente à casa de um
dos garotos. O primeiro posto foi
a residência da família
Kuperman. Depois, mudamos
para a casa dos Kasinsky. Shyl
Kuperman e Bibi Kasinsky foram
dois entusiastas do
acampamento e nos deram
muito apoio. Algumas famílias
colocavam carros com
motoristas à nossa disposição.
Farra no trem
Nós fazíamos um passeio de
Maria Fumaça, de Ferraz a Mogi.
Lá, a gente visitava a indústria de
máquinas Elgin, que era do pai
do acampante Henry Feder, ou
passava um dia no Clube
Náutico. O trem fazia quatro
paradas de dois minutos. Nem
preciso dizer que a brincadeira
predileta do pessoal, durante
esse tempinho, era sair de um
vagão e entrar em outro. Uma
vez, um dos mais levados não
conseguiu embarcar a tempo
e ficou na estação. Um monitor
teve que voltar pra buscá-lo.
Talentos para o mercado
O Banco NR era um negócio
espetacular. Os acampantes
62
faziam um depósito em dinheiro
e recebiam um talão de
“cheques” para gastar até o
limite depositado. O pai de um
dos acampantes, Murilo Macedo,
na época presidente do Banco da
Lavoura, nos fornecia os cheques
e as fichas dos “correntistas”.
Os cheques do NR eram aceitos
nos estabelecimentos das cidades
que visitávamos. No cinema, nas
docerias... Imagine cem garotos
entrando em Ferraz e Poá,
consumindo e pagando com
“cheque”. Eles se sentiam muito
importantes. A cada temporada,
um ou dois acampantes ficavam
responsáveis pela contabilidade
do Banco. Um deles, o Samuel
Berenstein, mandou fazer um
carimbo e registrou todos os
cheques com seu nome e
“cargo”: banqueiro. Outro que
assimilou totalmente o papel de
banqueiro foi o Martin
Glogowsky, que, quando adulto,
se tornou diretor do Citibank.
Aprontações na cidade
Quando saíamos do
acampamento, todos iam de
uniforme, para facilitar a
identificação caso alguém se
afastasse do grupo. Uma vez,
fomos a uma quermesse típica
do interior. Mas os garotos da
cidade tinham ciúmes porque as
meninas do local ficavam muito
entusiasmadas quando os nossos
acampantes chegavam. E, como
acontece nessas festas, o
alto-falante fazia anúncios do
tipo ‘o Joãozinho oferece essa
música à Mariazinha como prova
de amor’. A certa altura, ouvi um
anúncio que me deixou em
pânico: ‘Os playboys do Nosso
Recanto oferecem essa música
aos caipiras da cidade’. Ou seja:
o pau ia comer… Todo mundo
que estava de uniforme saiu
em disparada.
Tomates e só tomates!
Havia uma atividade de
acampamento ao ar livre, com
barracas montadas no meio do
mato mesmo. Uma vez, eu e
Francisco Brusarosco levamos o
pessoal para um desses
acampamento em Suzano.
A barraca destinada à cozinha,
onde se guardavam os
mantimentos, era coberta por
uma lona azul. Naquela noite,
choveu muito. A lona se encheu
de água e começou a vazar sobre
a comida. O arroz ficou azul, o
pão ficou azul, os temperos…
Só deu pra salvar os tomates.
Como o caminhão que nos levou
não conseguia voltar para onde
estávamos por causa do barro da
chuva, passamos um dia inteiro
comendo tomates e só tomates!
As Muralhas de Jericó
Mandamos fazer um chuveiro
fechado, lá em Ferraz. Era um
chuveiro frio para ser usado
depois de praticar esportes.
Foram levantadas as paredes, foi
instalada a ducha... tudo
direitinho. Ficou tão bom que
resolvemos fazer uma
inauguração. Terminada a partida
de futebol, todos correram para
estrear a ducha. Um monte de
garotos se espremendo e
fazendo bagunça dentro da
cabine. Foi um minuto pra
desmoronar tudo! As paredes
literalmente desabaram no chão.
Depois o chuveiro foi
reconstruído e apelidado de
Muralhas de Jericó.
Sauna improvisada
A água dos banheiros era
aquecida por uma serpentina.
Uma hora antes do banho, o Zé
Trator enchia o forno de lenha
e acendia o fogo. A água fria
esquentava à medida em que
circulava pela serpentina. Da
quadra de basquete dava para
escutar as borbulhas da água
fervendo. Aí o pessoal sabia que
tinha de correr porque, dali a
pouco, o que ia acontecer? Como
não existia misturador, a
temperatura da água subia sem
parar e ninguém aguentava
tomar banho. A técnica que eles
usavam era a seguinte: se a água
estava boa, o cara tomava banho
63
em pé e, conforme a
temperatura subia, ia abaixando,
ficando de cócoras, porque a
água chegava mais fria embaixo.
Tinha gente que ficava deitado,
porque não dava pra aguentar.
Tanto que alguém teve uma idéia
brilhante. Quando os
acampantes iam dormir, os
monitores colocavam bastante
lenha no fogo. Como já não saía
mais água, só vapor, era só levar
as folhas de eucalipto e
aproveitar a sauna.
Chacrinha na cozinha
Depois que a garotada ia para
cama, a noite era uma criança
para os monitores… eles iam
dormir às 4 da manhã, embora
tradição: acontece na última
noite e todos participam, com
pizza e guaraná.
diferentes, e faziam os meninos
medir o campo de futebol com
palitos de fósforo…
Guerra de mercúrio cromo
Passeio macabro
Uma vez, para variar as guerras
de ovos, eles resolveram fazer
uma guerra de mercúrio cromo.
A questão é que saíram correndo
uns alvejando os outros com
jatos de líquido vermelho, em
volta da casa cujas paredes eram
brancas. Quando a farra acabou
e os danados pararam pra ver, o
estrago não tinha tamanho! Eu
já estava dormindo e eles sabiam
que iam ter de dar um jeito
naquilo porque eu iria ficar
furioso. Então o que fizeram, em
plena madrugada? Arrumaram
tinta e caiaram
tudo. No dia
seguinte, levantei
e vi a casa, que era
branca, com as
paredes cheirando
a tinta fresca e…
rosadas.
Em Agudos, havia um passeio
que a garotada adorava. Era feito
à noite, em clima de suspense,
mas tudo na base da brincadeira.
Durante o dia, os monitores
preparavam o caminho:
colocavam abóboras no mato,
penduravam nas árvores
adereços que imitavam
fantasmas. Uma vez, durante
essa preparação do percurso, a
Iose Pasqualini e outra monitora
conheceram um senhor muito
gentil, que as deixou dar uma
voltinha em seu cavalo, pois
sabia que elas eram do
acampamento. À noite, o grupo
saiu para o tal passeio. Todo
mundo com lanterna, para ir até
a “fonte peristáltica” — diziam
para as crianças que, se
tocassem na água, ficariam com
a mão brilhante. Certa hora, a
Míriam Born se enfiou na lama
e fingiu ter caído na areia
movediça. Enquanto as crianças
se distraíam com ela, uma
monitora correu na frente para
se esconder em um buraco e dar
um susto no pessoal. Mas, de
repente, ela volta pálida, dizendo
para os outros monitores:
“Vamos embora daqui, pelo amor
de Deus, vamos embora!’. Só
mais tarde entendemos o que
aconteceu. O homem que as
monitoras encontraram à tarde
estava voltando pelo mesmo
caminho. Ela, no buraco, ouviu
o barulho e perguntou: ‘Quem
está aí?’ Ele respondeu: ‘Sou eu’.
Trote com
respeito
às 7 estivessem de pé. Uma das
brincadeiras mais apreciadas era
invadir a cozinha, de madrugada,
na surdina... o que deixava os
cozinheiros malucos porque a
turma da “chacrinha” fazia uma
boquinha com o que tivesse pela
frente! Quem ficava muito bravo
com essa história era o Zé
Mineiro, um vigia noturno
baixinho que andava com uma
espingarda mais pra botar panca,
porque a arma era do tamanho
dele. Hoje essa chacrinha foi
institucionalizada e virou
64
Nunca gostei da
brincadeira do
trote porque
achava que podia
ser constrangedor para o garoto
que acabava de chegar ao local e
não conhecia ninguém ali. Mas
em uma fase do acampamento,
essa tradição existiu e acontecia
no penúltimo dia da temporada,
quando o acampante já estava
enturmado com o grupo. Mesmo
assim, as aprontações eram
leves, não podiam ter falta de
respeito e duravam no máximo
uma hora: os veteranos davam
nó nas roupas dos calouros,
misturavam coisas de quartos
Imagine ela sozinha, no escuro,
ouvindo o homem… em vez
de dar um susto, foi ela que
levou o susto.
De Ferraz, ficaram na memória
os jogos de basquete,
os acampamentos ao ar livre
e a amizade da turma
Acima, João Adura
entrega flâmula comemorativa
dos 10 anos do NR
65
Kito Vívolo recorda
o grande lance de
Safo “Abdul Jabah”
Na temporada em que o
professor Affonso estava
comemorando 70 anos, houve
um jogo que ficou famoso como
o Safo 70. Ele tinha trazido dos
Estados Unidos uns óculos que
protegiam os óculos de grau
durante o jogo. E o pessoal logo
começou a chamá-lo de Safo
Abdul Jabah porque o Karin
Abdul Jabah, conhecido jogador
de basquete norte-americano,
usava um modelo parecido.
A marca registrada do Abdul era
uma técnica chamada “gancho”.
Por coincidência, o Safo também
era muito bom no gancho. Na
noite de abertura, com o ginásio
lotado, ele recebeu uma bola
quase no meio da quadra e fez
um gancho dessa distância.
A bola caiu direitinho na cesta.
Foi uma festa! A arquibancada
explodiu em um grito só,
o ginásio veio abaixo.
Os sete Safos
O acampamento nasceu em
Ferraz de Vasconcelos, num sítio
de dois alqueires e meio.
Os dormitórios, refeitório, salão
de jogos e campos eram
distribuídos dentro dessa área.
E eu conseguia estar presente
durante todo o dia, até a hora de
66
recolher, em todos esses lugares,
quase ao mesmo tempo.
participação, que era para todos
uma forma de prestigiá-los.
Depois de Ferraz as coisas
mudaram. Agudos, o novo local
era muitas vezes maior mas a
tradição continuou: eu
acompanhava de perto todas as
atividades. Os acampantes
sempre admiraram essa
Surgiu então a lenda dos sete
Safos, que atravessou os tempos
e não mudou quando passamos
para a Fazenda em Sapucaí.
Recentemente estávamos para
receber quase 500 acampantes.
Bem cedinho, os monitores se
encarregaram de arrumar os
chalés, cuidar da montagem das
camas e dos armários. Tarefa
cumprida, todos se encontraram
no café da manhã e o Kito
comentou que às 8 e meia eu
tinha estado no chalé dele para
conferir as camas, os armários
etc. Então o Rafael falou que
nesse horário eu também tinha
passado pelo seu chalé. E a
Fernanda Vívolo acrescentou:
“No meu também!” E o Pera:
“no meu também!” O tempo
passa, os lugares mudam mas a
lenda continua.
O ataque das abelhas africanas
Às vezes a gente ia ao Doctor’s
Club, lá em Ferraz. Num galpão,
estava um armário antigo, e
detrás dele saía uma ou outra
abelha. Num dia, o Ricardo
Vívolo disputava com um
acampante quem acertava não
sei o quê aonde. Só lembro que
ele atirou uma pedra nesse
armário... que escondia
uma casa de abelhas
africanas! Elas saíram
enfurecidas. E todo
mundo correu pra se
jogar na piscina. Um de
nossos acampantes
acabou perdendo uma
máquina fotográfica
novinha. Foi um susto
e nunca mais a gente
voltou àquele clube.
O misterioso Zé do Pinho
Existe uma tradição no
acampamento que é o sino.
Todas as atividades começam
após o toque de sino. Em Ferraz,
o sino ficava preso a um
coqueiro e às vezes caíam
aqueles coquinhos amarelos,
pequenininhos, bem em cima
dele. Então era aquele silêncio,
à noite, e de repente se ouvia um
pim… pim… Acho que um
monitor mais sofisticado
aproveitou a idéia do coquinho,
amarrou um fio de náilon
transparente no badalo e puxou
até o quarto. De madrugada, não
deu outra: o sino começou a
“badalar sozinho”.
E imediatamente surgiu a história
do Zé do Pinho, um fantasma
que tocava o sino. Mas o curioso
é que a história foi se
modificando, ao longo dos anos.
A primeira versão conta que o Zé
do Pinho teria sido um escravo
que foi enterrado embaixo do
sino porque a área de Ferraz
tinha sido um cemitério.
Depois disseram que ele era um
funcionário antigo e muito fiel
a mim. Tinha um espírito bom
e brincalhão, por isso pregava
peças. Os monitores começaram
a contar a história do Zé do
Pinho para as crianças e a
personagem crescia e se
enriquecia à medida que os
pequenos acampantes faziam
perguntas sobre ele. Com a
mudança para a Fazenda,
inventaram explicações até para
justificar como o Zé do Pinho
pode aparecer por lá, já que foi
enterrado em Ferraz. E chegaram
até a espalhar que ele gostava de
comer chocolate. Aí os garotos
passaram a deixar bombons para
o Zé do Pinho, em cima das
camas... Hoje tem o dia do
aniversário do Zé do Pinho, nas
temporadas. Ele é a única pessoa
que aniversaria duas vezes por
ano: em julho e janeiro!
Para resgatar essas histórias
memoráveis, colaboraram
Iose Pasqualini, José Inácio
(Zezinho), Kito Vívolo,
Márcia Regina Martins e
Marco Antônio Vívolo
67
A família Vívolo
Até parece que foi ontem.
Lembrar de tudo que
aconteceu nesses 50 anos
de vida do Nosso Recanto
seria impossível. Mencionar
o nome de acampantes,
pais, professores,
monitores, assistentes e
funcionários que
participaram conosco dessa
idéia seria justo, mas
arriscado. Temo que, aos
76 anos, minha memória
me trairia. Mas devo dizer
que não teria chegado a
construir o NR sem a
colaboração de muita gente.
Em 1953, falar em
acampamento de férias
para jovens era difícil.
Imaginar o quanto essa
prática poderia acrescentar
na formação de cada um
seria pretensioso.
Hoje, diante dos resultados
alcançados, constatamos
que não era uma utopia,
nem um sonho
simplesmente. Mas uma
proposta de vida. E somos
profundamente agradecidos.
Agradecidos a todos que de
alguma forma colaboraram
conosco nesses anos todos.
O Nosso Recanto realmente
é nosso: da Jacy, meu, dos
meus filhos e netos e nosso,
porque é de vocês que
ajudaram a construí-lo, e
de seus filhos, que
continuarão a tarefa de
engrandecê-lo.
68
Marco Antônio
Afonso Celso
Foi acampante desde os 11 anos.
Fez toda carreira para se tornar
monitor, atuou como assistente
e hoje é um dos diretores do
Nosso Recanto, responsável pela
administração da empresa. Dirige
as temporadas do NR1, com a
turma de crianças menores.
Coordena, nos dois
acampamentos, as equipes de
enfermeiras e de médicos. Em
1980, idealizou e iniciou, com
um grupo de médicos da Escola
Paulista de Medicina, o
acampamento para crianças e
jovens portadores de diabetes,
que coordena até hoje,
juntamente com sua esposa
Sandra. Atualmente é presidente
da Associação Brasileira de
Acampamentos Educativos
(ABAE). Seus filhos, Fernanda,
Marco (Kito) e Rafael estão
engajados no acampamento
e têm a mesma vocação do
pai e dos avós.
Como os irmãos, começou no
acampamento aos 11 anos e
chegou a assistente. Dirigiu,
junto com a mãe, Jacy, o
acampamento dos menores no
NR 1, onde criou atividades
novas e construiu a maior parte
das instalações. Formado em
educação física, contribuiu para
incrementar todos os esportes.
Durante a construção do NR 2,
em 1987, esteve à frente de uma
equipe de 200 trabalhadores
para concluir a obra. Juntamente
com seu pai, dirige o NR 2. Em
1978 participou do
Acampamento Internacional do
Lions em Montgomery,
representando o Brasil. Iniciou
no acampamento uma criação
de trutas que é, sem dúvida, a
maior do país e vem sendo
utilizada por muitas escolas no
programa de estudo do meio.
Casou-se com Rachel, jovem que
conheceu no acampamento.
Da esquerda para a direita, os filhos Marco Antônio, Afonso Celso, Maria Júlia, Ricardo e Antônio Maurício.
Maria Júlia
A única menina entre os cinco
filhos. Aos 6 anos, fez parte da
primeira turma feminina em
Ferraz. Seguiu carreira até se
tornar assistente. Atuou durante
anos na coordenação das turmas
femininas de Agudos. Sua paixão
pela dança a levou até Nova
York, onde realizou diversos
cursos de jazz, sapateado e
dança moderna. Desde que foi
para o exterior, não deixou de vir
ao Brasil para dirigir o grupo de
dança do acampamento. Graças
à sua participação, essa atividade
hoje é uma tradição que envolve
a maior parte das acampantes.
Mestre pela Universidade de
Nova York, foi contratada para
lecionar em Firenze, na Itália.
Mesmo vivendo na Europa,
continua prestigiando as turmas
da dança nas férias de janeiro.
assistente. Sua atividade de
empresário não lhe permite hoje
maior presença no acampamento
mas continua atuando como
consultor. Seus três filhos
seguem o caminho dos pais: a
Juliana e a Patrícia são
assistentes; o Marcelo está
envolvido na atividade de Rally,
onde tem se destacado atuando
como navegador nas provas em
que o pai é piloto e na equipe
oficial da Mitsubishi.
Antônio Maurício
Desde pequeno o envolvimento
de Toninho no acampamento
esteve voltado mais para a
música. Quando se tornou
assistente, e já casado com
Pauline, dirigiu o Acampamento
Musical do NR. A experiência
motivou alguns participantes a
desenvolverem sua vocação pela
música. Sua passagem pelo
Acampamento Internacional
ficou marcada por seu violão.
Deixou de freqüentar o NR ao
ser contratado pela Orquestra
Sinfônica de Salvador. Depois,
mudou-se para a Holanda, onde
tocou por 5 anos. De volta ao
Brasil, continua a se dedicar à
música. Alguns acampantes têm
aproveitado seus ensinamentos
nas aulas de violão. Seus filhos,
Zeno e Felipe, tornaram-se
monitores. Vivem na Holanda
mas esporadicamente participam
das temporadas.
Tia Jacy, Safo e netos.
Ricardo
Como acampante, sempre foi
muito ativo e selou grandes
amizades ao longo dos anos. Fez
toda carreira para monitor,
tornou-se assistente e foi,
durante muitas temporadas, o
organizador da parte burocrática
do escritório em São Paulo.
Viajou para os Estados Unidos no
programa do Lions de
Montgomery. Fez administração
na Getúlio Vargas e casou-se
com a Vera, que também foi
acampante chegando a
69
O caminho da felicidade
e do sucesso
Para um homem
como Affonso
Vívolo, esportista
nato, acostumado a
lidar com
estudantes, a idéia
de montar um
acampamento foi
como um jorro de
água sobre sementes
em terra fértil. A
experiência das
férias ao lado do
aluno, quando logo
se pôs a organizar
atividades com a
garotada do hotel,
fez germinar uma
brilhante vocação.
FERRAZ – 1953 a 1978
ob o estímulo de amigos e
familiares, seu projeto foi
criando raízes e desabrochando.
Em casa, a namorada Jacy deu
apoio total. O pai dela, Marcos
Brusarosco, e o tio, Armando
Inácio, entusiasmaram-se tanto
que ofereceram o sítio da
família, em Ferraz de
Vasconcelos, para receber os
S
70
primeiros acampantes – entre
eles os alunos do ginásio São
Judas Tadeu, em São Paulo, onde
o professor Affonso lecionava. O
incentivo dos pais desses alunos
também foi determinante para
tudo dar certo. Os Vívolo
recordam com carinho e
agradecimento as preciosas
contribuições de Shyl Kuperman
e de Bibi Kasinsky nas primeiras
temporadas.
Transformar o sítio Nosso
Recanto em uma “colônia de
férias” não era difícil. O lugar, 54
mil metros quadrados de área
verde com um grande bosque,
era extremamente agradável e
propício. Mas exigia muito
trabalho! A essa altura, Jacy e
Affonso já não eram mais
noivos. E sim jovens recémcasados com muita garra para
construir uma vida em comum.
De volta da lua-de-mel, em
fevereiro, os dois arregaçaram as
mangas dispostos a receber os
primeiros 28 acampantes nas
férias de julho. Não faltou apoio:
pais, sogros, tios e primos se
envolveram na empreitada. Em
quatro meses, compraram
beliches, adaptaram as
acomodações, fizeram um
campinho de futebol, uma
quadra de basquete, uma de
vôlei e uma cancha de bocha
(esporte, é claro, não podia
faltar!). O galpão que já existia
serviria para ser usado ora como
salão de pingue-pongue, ora
como refeitório.
Em julho, estava tudo pronto
para receber a turma de meninos
entre 10 e 15 anos. Sozinho, o
professor Affonso dava conta da
programação esportiva e
recreativa, além de cuidar da
administração geral – compras,
cozinha e manutenção. “Logo na
primeira temporada escolhemos
alguns dos rapazes maiores, de
15 anos, que demonstravam
capacidade de liderança, para
serem os primeiros monitores.
Entre eles estavam Carlos Polini,
Armando Nakakubo, Elcio Isoldi e
Humberto Casarini”, registra o
professor.
A participação da família nas
atividades do acampamento
continuou, ao longo dos anos.
Francisco Brusarosco, irmão de
Jacy, gostava muito de acampar.
Ex-escoteiro, Chico chegou até a
levar 4 a 5 rapazes, equipados
com mochilas, cantis e barracas,
para acampar ao ar livre na
região de Mogi das Cruzes. Nos
finais de semana, ele ia ao
acampamento dar aulas de tiro
ao alvo e praticar
aeromodelismo com os garotos.
Primo de Jacy, filho de Armando
Inácio, José Inácio, o Zezinho, fez
uma temporada como
acampante e na seguinte já se
tornou monitor. Hoje é o gerente
responsável pelo NR1.
No início, o ponto forte das
temporadas eram os esportes:
futebol, basquete, vôlei, judô,
pingue-pongue, xadrez e até
boxe. Anos depois, foram
compradas mais terras e
escavou-se um lago, onde a
garotada nadava e passeava de
bote. Outra novidade que veio
com o tempo foi a construção de
um salão, com um palco, ao lado
do refeitório. O professor
Henrique Angielczyk, responsável
pela introdução do judô no
acampamento, foi um dos que
mais se dedicou a essa obra.
Armando e Esmeralda Inácio na
inauguração da represa do NR 2
Professor Chico do aeromodelismo
A cada temporada, o NR ia se
tornando mais conhecido e a
procura por vagas crescia. Era
preciso aumentar os dormitórios.
Mas não havia muito fôlego para
altos investimentos. Foram
surgindo galpões simples, sem
forro. “A cobertura era de telha
de amianto. Fazia um frio
danado no inverno e um calorão
no verão”, lembra o professor
Affonso.
Mas ninguém se incomodava
com esses pequenos detalhes,
nem se importava de passar
71
quase um mês
longe do
conforto de
casa. Ao
contrário, a vida
no NR era uma
aventura
instigante. Tanto
que, os
primeiros tempos de Ferraz, os
pais podiam visitar os filhos aos
domingos para matar a saudade
e para conhecer a rotina das
crianças no acampamento.
Duas turmas de Ferraz: em 1957
e em 1978, na comemoração dos
25 anos do acampamento
Também em Ferraz, o professor
Henrique (Kazi) em cerimônia de
hasteamento da bandeira
Depois do café da manhã, os
católicos iam à missa e os de
outra religião permaneciam no
acampamento preparando a
recepção para os visitantes.
Nesse dia, os pais participavam
de atividades esportivas e
assistiam a espetáculos
artísticos. Um dos pais mais
entusiastas do NR foi Paulo
Pascowitch, que patrocinava
famosos churrascos para todo o
acampamento.
Em cinco anos de existência, o
NR acolhia de 40 a 60
acampantes. Em 15 anos ,
chegou a 100 jovens por
temporada. Já havia uma
experiência razoável de
acampamento quando
começaram os pedidos para
formar um grupo feminino. A
idéia inicial foi organizar turmas
distintas. Assim que acabou a
temporada tradicional masculina,
começou a feminina, também
com limite de idade de 15 anos.
Mas essas primeiras turmas
femininas foram junto com os
meninos menores, até 9 anos. Tia
Jacy, Terezinha Brusarosco e Ilse
Kohl de Oliveira comandavam as
temporadas dos menores,
ajudadas pelos monitores
Zezinho e Miltinho de Barros
Freire.
SÃO ROQUE – 1969 a 1971
O sítio do Ingá, na Serra de São
Roque, foi a primeira extensão
do NR. Em 1969, os acampantes
mirins deixaram Ferraz e
ganharam um local próprio,
totalmente adequado a
atividades voltadas a crianças
menores. Tia Jacy lembra de uma
das primeiras temporadas em
São Roque que entrou para a
história. Eram 64 crianças
chegando e o acampamento de
repente fica sem água. “Fiquei
desesperada. Como íamos fazer,
72
duas semanas para cozinhar,
lavar roupa? Não tive dúvidas.
Fui para a cidade falar com o
prefeito. Em poucas horas
recebemos um caminhão pipa,
que deu pelo menos para cuidar
da alimentação”, conta ela.
A criançada nem notou o
problema. Até saiu ganhando:
“Inventamos um passeio diário
ao clube local. Todo mundo caía
na piscina e já voltava para o
acampamento de banho
tomado”, recorda Jacy.
Roberto Kasinsky
Criador de peixes em Miami, EUA
“Para descrever de forma
suscinta o que representou o NR
na minha vida, primeiro preciso
lembrar como nasceu a idéia de
fazer o acampamento. Aí entra a
minha querida mãe, que foi
talvez a pessoa com quem o
professor Affonso e a Jacy
trocaram idéias no sítio Santa
Mônica, na represa Billings, onde
passávamos quase todos os
finais de semana juntos com a
Lula e o Carlos Reichenbach.
Foi lá que minha mãe fez várias
referências aos campings
americanos, e o quanto seria
formidável os filhos poderem
aprender os esportes e conviver
em harmonia e respeito.
Sei que a família Vívolo continua
com o NR no mais alto padrão,
passando para os seus filhos a
vontade de formar, quem sabe,
os meus netos — que precisam
escutar de mim todas as
experiências vividas no Nosso
Recanto.”
No palco, Roberto Kasinsky.
Abaixo, a primeira turma mista
de Ferraz, em fevereiro de 1967
Por causa da cabeça aberta e do
fácil contato que o professor
Affonso tinha e tem com os
jovens, foi que ocorreu a ele e a
Jacy oferecer o sítio de Ferraz de
Vasconcelos para que fosse
realizada a primeira temporada
de férias. Não me lembro como
passei o mês, mas é viva a
lembrança da despedida e a
alegria da chegada dos pais para
a festa de encerramento. Tive o
prazer de fazer amigos que
cruzam comigo até hoje e que
não consigo esquecer, de tão
importante que foram para
minha formação.
Devo enfatizar o espírito de
equipe que foi sempre ensinado
lá e a necessidade de cuidar das
próprias coisas e respeitar as dos
outros. Freqüentei 17
temporadas e cheguei a monitor.
Não creio que meus pais
poderiam encontrar uma
alternativa melhor para as
minhas férias. Por isso incentivei
meus filhos a irem para o NR e
creio que foi bom para a
formação deles.
73
AGUDOS – 1971 a 1987
proposta de acampamento,
juntamente com alguns
seminaristas, entre eles Luiz
Antônio Bochio, deram o
impulso às atividades daquele
verão, iniciando uma nova era
no acampamento.
m janeiro de 1971 começou a
funcionar mais uma unidade
do NR, na cidade de Agudos. A
novidade era o grande número
de acampantes adolescentes de
ambos os sexos. A essa altura,
em Ferraz, as férias de inverno
continuaram a ser só masculinas
(até 1978), quando o local foi
reservado para atender apenas
grupos de escolas e igrejas.
E
A mudança para Agudos
representou um salto de
qualidade e profissionalização
para o NR. Mais espaço, infraestrutura completa, o local tinha
piscina semi-olímpica e teatro
para 400 pessoas. Isso só foi
possível por interferência do Frei
Agostinho, renomado educador,
que entendeu a vocação do
seminário como local de férias,
proposta por seu amigo,
professor Affonso. A geração de
monitores e assistentes de
Ferraz, convocada a colaborar
para desenvolver a nova
74
Como a tia Jacy permanecia
dirigindo a turma dos pequenos,
várias figuras femininas
colaboraram nesse início. Mas
quem passou a
progressivamente liderar o
grupo, inclusive por ter uma
atuação importante na parte
esportiva, foi a Márcia Regina
Martins, hoje gerente
responsável pelo NR2. Torneios
de várias modalidades esportivas,
competições de natação,
inclusive noturnas, cerimônia de
abertura dos campeonatos,
entraram para a história.
Grandes festas após a aprovação
dos aspirantes e apresentações
de teatro e dança foram marcas
registradas das temporadas
de Agudos.
Todo final de semana havia um
espetáculo de teatro e, no
encerramento da temporada,
fazia-se uma apresentação
especial, que era ensaiada desde
o primeiro dia. Foi a fase de
acampantes e monitores que
mais tarde se destacaram
profissionalmente na área
artística, sob a direção de
Fernando Benini e Roberto Lage,
entre outros.
O teatro de Agudos era
praticamente profissional. Os
espetáculos, superproduções que
envolviam todo o acampamento,
contavam com participações dos
grupos de dança, de música, do
coral. Nos bastidores, as turmas
do artesanato e da marcenaria se
desdobravam para adaptar o
palco e criar cenários —
veteranos mais entusiastas
traziam textos e materiais de
Nova York, especialmente para as
peças do NR. Monitores e
acampantes chegavam a fazer
ensaios durante a madrugada,
no bom estilo dos atores da
Broadway. Chegou-se a ter, em
uma temporada de 400
acampantes, 200 envolvidos na
peça, entre bailarinos, atores,
contra-regras e pessoal da
música e iluminação. Ficaram na
memória de Agudos montagens
de clássicos como Gimba, Dom
Quixote. Mais tarde, com o
mesmo espírito de grandes
performances, foram montadas,
na Fazenda, O Fantasma da
Ópera; A Bela e Fera; Simbá, o
Marujo; Cats; Aí Vem o Dilúvio;
Violinista no Telhado; Grease; e
Sociedade dos Poetas Mortos,
entre outros.
Ricardo Vívolo
pela marcenaria. Eu e a garotada
da vizinhança lavamos carros
para levantar dinheiro e comprar
uma serra tico-tico. Com ela
fizemos cúpulas de abajur. A
brincadeira virou negócio, logo
recebemos encomenda de 200
peças. Minha mãe me incentivou
a aperfeiçoar a técnica com dona
Uta, para levar a atividade ao
NR. Assim, criei a marcenaria, em
São Roque.
época, os primeiros colocados
nos quesitos ordem e disciplina
ganhavam a noite da pizza.
Quem ficava em segundo lugar
ia explorar os arredores na
caçamba de uma F 75, dirigida
por mim. Eu me divertia mais do
que a molecada.
Empresário e consultor do NR
“Sempre fui muito agitado,
mesmo antes de estrear no
acampamento, na primeira
temporada mista em Ferraz. Tive
passagens marcantes. Quase fui
expulso por ter
involuntariamente provocado um
ataque de abelhas africanas e fui
reprovado em um processo de
promoção a aspirante, em
Agudos. Mandado de volta para
Ferraz, eu fazia o que gostava.
Me tornei responsável pelo
aeromodelismo e pelo
departamento de esportes.
Confesso que nunca tive talento
para educador, afinidade com o
teatro, nem tinha jeito com
crianças. Mas gostava da parte
organizacional do acampamento.
Aos 13 anos, descobri o gosto
Foi onde conheci minha mulher
Vera. Eu tinha 11 anos e já dizia
que me casaria com aquela
garota com quem convivi
durante muitas temporadas.
Começamos a namorar quando
eu estava na faculdade. Há 5
anos participo das competições
de Rally pela Mitsubishi, com
meu filho como navegador
oficial. O interesse por esse
esporte vem de Agudos. Na
Sempre tive incentivo de meus
pais, por quem tenho enorme
admiração. Meu pai foi à luta
para estudar e se tornou um
grande educador. Poderia ter
levado uma vida tranqüila se
fizesse carreira nas empresas por
onde passou, mas preferiu se
dedicar ao acampamento. Minha
mãe nos mostrou o valor dos
estudos, explicando que essa
herança ninguém conseguiria
nos tirar. E sabiamente
completava: ‘façam o que vocês
quiserem, mas façam bem-feito
e sejam os melhores’”.
José Inácio, o Zezinho
Gerente do NR 1
“Quando fiquei sabendo que o
sítio do meu pai e do meu tio,
lugar onde eu passava as férias
escolares, ia se transformar em
um acampamento eu nem
acreditei! Tinha 13 anos e logo
me alistei ao pelotão de
‘reformas’: ajudei a pintar
árvores, fazer cercas, consertar
janelas… Mas só fiz a primeira
temporada como acampante
dois anos depois da inauguração
do NR. No ano seguinte, já
passei a monitor – posição em
que também fiz de tudo um
pouco. Ia de charrete comprar
alimentos, atuava como
enfermeiro.
Fui o primeiro premiado com o
troféu de ‘Melhor Amigo’. Mais
tarde, esse prêmio se tornou o
de ‘Melhor Acampante’ e fui eu
quem o entregou ao meu primo,
Marco Antônio Vívolo.
76
O NR foi e é a minha vida. Hoje
cuido do NR1 e moro lá com
minha mãe. Recentemente, voltei
a Ferraz de Vasconcelos com ela,
para uma visita ao local que foi
a primeira sede do
acampamento. O lugar foi
transformado no Parque
Municipal Nosso Recanto. Foi
uma emoção indescritível ver
que, além do nome, muitas
coisas permanecem como no
tempo em que a gente brincava
por lá. O ‘mato’, como
chamávamos o bosque, continua
igual; o coqueiro ainda tem a
marca do sino do acampamento;
os alojamentos, intactos, estão
sendo usados como salas de
aulas. Fiquei feliz. O local
continua sendo um espaço
destinado à formação e ao lazer
da comunidade”.
Márcia Regina Martins
Gerente do NR2
“Conheci o Afonso Celso Vívolo,
o Afonsinho, no vestibular para o
curso de Educação Física. Graças
a ele, minha vida mudou.
Fiz minha primeira temporada
como monitora no NR em
Agudos, em janeiro de 79. Nessa
época, já existiam os torneios,
os campeonatos, o pessoal
também ganhava medalhas.
Mas eu sentia falta de uma
cerimônia para valorizar a
temporada de jogos, como um
grande início de torneios, com
apresentações das equipes,
juramentos dos atletas, num
clima verdadeiramente esportivo.
Foi então que propus criar as
aberturas dos jogos.
Na primeira abertura que
fizemos em Agudos, o Toninho
nos ajudou a montar a fanfarra,
que ia puxando as equipes.
As meninas da dança também
foram responsáveis pelo sucesso
da apresentação.
Aos poucos, foi-se criando uma
mentalidade esportiva. O pessoal
aprendeu a não jogar de
chinelos, por exemplo. O grupo
foi incorporando esses detalhes e
a gente conseguiu colocar novos
esportes na programação.
Lançamos o handebol feminino
(antes só existia o masculino) e
arrumamos a quadrinha para
que as meninas tivessem uma
opção à queimada. Como eu
fazia atletismo, introduzimos
essa modalidade, mas não era
muito simples porque o lugar era
rústico. Em janeiro de 88, a
inauguração da Fazenda deu
início a uma nova fase. Ter uma
sede própria facilitava a
montagem e a decoração das
apresentações, havia uma melhor
infra-estrutura para as
atividades esportivas.
O acampamento foi responsável
pela grande definição não só da
minha vida profissional, mas
também da minha história
pessoal. Foi lá que conheci meu
marido Paulo Forlin. É na
Fazenda que moramos,
trabalhamos e pretendemos
criar nossos gêmeos, que vão
chegar justamente nesse ano
de tantas comemorações para
a família NR.”
Marina Brusarosco Cunha,
coordenadora pedagógica,
José Luiz Cunha (Zeca),
administrador de empresas,
Daniel e Luciano
“Além da grandiosidade do
trabalho e de tudo que vocês
construíram, o que fica para nós
e para os nossos filhos é o
exemplo, a lição de como a
determinação, o amor e a
dedicação podem conseguir
coisas incríveis. Obrigado por
tudo que vocês nos
proporcionaram e parabéns pelos
50 anos do Nosso Recanto.”
“A letra do hino
do acampamento
foi composta por
mim. Numa tarde
bucólica, debaixo
da ameixeira.”
Professor Affonso
77
SAPUCAÍ MIRIM – 1972
s atrações se multiplicaram
e, com elas, o público. Uma
nova mudança se fez necessária
para manter a proposta
educativa do NR. Em 1972,
decidiu-se transferir os
acampantes menores para uma
nova unidade em Sapucaí Mirim,
uma colhedora cidade do sul de
Minas Gerais. O prédio, um
antigo seminário da ordem Sion,
começou modesto e hoje
acomoda com conforto 200
pessoas. E a área de uma
natureza e clima privilegiados,
aos poucos foi se transformando
pelas mãos do casal Affonso e
Jacy e posteriormente pelo
entusiasmo do Afonsinho que
deu impulso a uma nova era de
crescimento das instalações, até
chegar ao seu diversificado
espaço da atual estrutura que
abriga 2 campos de futebol,
ginásio poliesportivo, salão de
jogos, 10 pistas de minigolfe,
touro mecânico, 2 piscinas com
toboágua de 14 metros, lago
para pedalinhos e para pesca,
área para tirolesa, casa de
bonecas, parede de alpinismo,
teatro para 300 lugares, barzinho
e discoteca.
A
Em janeiro de 1988 foi
inaugurado o NR2, também em
Sapucaí. Surgiu a “Fazenda”, em
78
área de mais de 70 alqueires
contornados pela mata da Serra
da Mantiqueira, por onde hoje
distribuem-se ginásios, quadras,
lagos, piscinas, teatro, oficinas de
artes, e estruturas de
hospedagem que vão do chalé
Pioneiro ao sofisticado complexo
“Village”.
A Fazenda veio com a difícil
incumbência de suceder Agudos,
não apenas na sua estrutura
grandiosa, mas, também nas
temporadas de sucesso. Não
decepcionou. É claro que todos
se lembram da temporada
inaugural com muita chuva e
muito barro, após um ano de
muita luta liderada pelo
Afonsinho. Mas o tempo foi
passando, as melhorias
acontecendo, até superar os
números anteriores, pois hoje o
NR2 hospeda, confortavelmente
450 pessoas. Sua estrutura
aliada à beleza natural faz dessa
unidade do NR um lugar
extremamente prazeroso.
O NR, entre outras coisas, é
muito conhecido pela excelente
cozinha. Pela história da
culinária do acampamento, que
hoje tem uma padaria
profissional instalada na
Fazenda, passaram figuras
inesquecíveis, a começar pela
cozinheira mineira da primeira
temporada. Impossível esquecer
de Sebastião, o gordo
pernambucano; Aristeu, que
também era pára-quedista e
bailarino; e Mário, um italiano
cineasta, refugiado da guerra,
que preparava pratos suculentos
da cozinha de sua terra e, nas
horas vagas, ensinava trechos de
ópera ao grupo. As irmãs,
cozinheiras-chefe de Agudos e
início da Fazenda, dona Cida e
tia Conceição Ferreira,
começaram há 35 anos, como
ajudantes. Hoje, Carlão, Vanildo e
Osvaldo, no NR2, Alessandro,
Maria e Janda, no NR1, são os
responsáveis pela continuidade
do sucesso.
Celso Zlochevsky
Cardiologista infantil
“No encontro de veteranos
comemorativo dos 50 anos do
NR, senti como se não houvesse
passado trinta anos, desde o
meu último acampamento.
Durante 12 anos freqüentei a
‘colônia`, férias após férias, com
o mesmo entusiasmo. Primeiro
como acampante, depois como
monitor e assistente. Foram
anos de convívio com um
pessoal sempre determinado a
nos orientar, educar, treinar e
divertir. O último reencontro
com os veteranos foi acima de
tudo emocionante, além de
propiciar um fim de semana
inesquecível.”
Iose Pasqualini
Empresária
“Sou veteraníssima do NR.
Estudei no Friburgo, quando o
professor Affonso e a tia Jacy
eram os donos. Depois fui
convidada a ir para o NR. Para
mim, tudo surpresa e
expectativa... A partir daí, muitas
temporadas se passaram. Pena
que a vida nos obriga a crescer e
trabalhar no que escolhemos
como profissão. Agradeço a
Deus por tê-los colocado no
meu caminho e ter me dado a
chance de conhecer os ideais do
NR. Ideais iguais aos
pensamentos dos meus pais, que
sempre tiveram o maior prazer
em que eu freqüentasse o
acampamento. O principal de
tudo que aprendi é que devemos
respeitar o próximo,
independentemente de sexo,
raça, religião ou posição social.
Essa lição hoje me orienta no
dia-a-dia, no trabalho, enfim,
em tudo o que faço.”
No alto, paisagem do NR 1,
em 1972
No centro, construção do NR 2,
em 1987
Embaixo, a equipe da
administração central do NR
79
“O Marco Antônio foi o
número 1 do
acampamento. O
Toninho, o número 2.
Ricardo, o 3. Afonsinho,
o 4. Quando a Juju
começou a freqüentar o
acampamento, na
primeira turma feminina,
criamos uma nova
modalidade de
numeração. E ela passou
a ser a 1-F”
Samuel Feldberg
Prof. de Relações Internacionais da USP
“É difícil expor em poucas linhas
o que representou participar das
‘bodas de ouro’do Nosso
Recanto. Sim, ainda que a
maioria de nós não tenha
convivido tanto tempo com o
acampamento, para nós foi um
casamento à moda antiga.
E apesar de toda a evolução dos
locais, Agudos e NR2, é vendo as
fotos de Ferraz de Vasconcelos
que dá aquele nó na garganta.
Lá começamos a nos formar,
recebemos os primeiros
conceitos de educação e
responsabilidade, ainda que
agora nos seja dito que a pizzada
e o cinema como recompensa
pela melhor arrumação tenham
sido equivocados. Com que
orgulho nos arrumávamos para
ir à cidade!
E com que alegria usávamos o
‘conjunto aquático’, aquele lago
que horrorizaria os acampantes
de hoje e onde nos jogávamos
felizes depois do futebol. Quadra
coberta? Nem pensar; aquele
piso mais parecia abrasivo e
somente para os dias sem chuva.
Com que saudade e carinho
80
recordo dos primeiros
aeromodelos e das disputas na
pista de autorama. Não havia
videogame, computador, nem
fax, escrevíamos cartas e
aguardávamos ansiosos o
correio.
Lá aprendemos que a água pode
ser esquentada em serpentina de
fogão a lenha e que, portanto,
estávamos imunes a crises de
energia. Aprendemos a servir a
mesa, a cuidar do banco e
testávamos nossa habilidade
administrativa na lojinha de
doces.
Sim, fomos felizes; e a maior
prova disto é a vontade com que
aguardamos as comemorações
para voltar a ver velhos amigos e
reviver aquelas experiências para
sempre guardadas no fundo de
nossa alma.
No NR sempre seremos
crianças.”
Dimas Aparecido Silva
Administrador do NR1
“Comecei no NR quando tinha
14 anos. Estou com 42, me casei
e tenho um filho, Gabriel, que
adora o acampamento. Eu
ajudava na padaria, mas também
fazia trabalhos de pedreiro e de
manutenção. Hoje cuido para
que tudo esteja em ordem, a
cada temporada. Quando as
crianças saem, verifico o que
precisa ser providenciado para
que os próximos encontrem o
acampamento em perfeitas
condições. Me considero parte
da família NR. Tanto que o meu
casamento foi comemorado com
uma grande festa na Fazenda.”
Samy Liberman
Empresário
“Quem participou de umas 25
temporadas no NR, como eu,
tem dezenas de histórias para
contar. Mas a de julho de 1993,
comemorativa dos 40 anos do
acampamento, foi especial.
Tínhamos acabado de almoçar.
Era o dia da foto geral e, em
seguida, seriam feitas as fotos
das equipes. Foi quando
percebemos que não havia
sobrado ninguém para limpar o
refeitório. Tirada a foto geral,
pedi para o fotógrafo ir ao nosso
chalé, o Itapeva, para
complementar o trabalho. Lá,
como coordenador, expliquei o
problema aos acampantes.
Resolvemos então descer
‘marchando’ para enfrentar a
limpeza. Fizemos toda a
arrumação em menos de 5
minutos, sem quebrar nenhum
copo e todos adoraram!
Naquele momento percebi o
quanto tinha conseguido unir
aquele grupo e o quanto eles
tinham absorvido os ideais do
acampamento. O especial nessa
historia é que a experiência de
comandar o grupo foi adquirida
ao longo dos anos no NR.
Quando eu era um acampante de
13 anos, não me destacava nos
esportes e tinha problemas
dentro da equipe. O tempo foi
passando e as dificuldades
ajudaram a criar ferramentas
para avaliar melhor as situações
e as pessoas. A passagem para
aspirante foi um exemplo. Eu
estava com 15 anos e era o
responsável pelo xadrez, em
Agudos. Meu relacionamento
com os outros acampantes tinha
melhorado, mas ainda não o
suficiente para começar a
carreira de monitor.
Como teríamos um jantar
comemorativo, o grupo resolveu
alterar a disposição das mesas
do refeitório. O problema é que
existiam mais de 35, cada uma
pesava cerca de 50 quilos. Além
disso, o carrinho que servia a
refeição precisava de espaço
para circular. Tive, então, a idéia
de montar uma maquete do
local e tentar as várias
disposições possíveis. Um
sucesso!!! Acabei chegando a
aspirante. Depois, como monitor,
o acampamento me ensinou a
conhecer as pessoas e a achar o
caminho para a solução de
muitos problemas.”
anos. E, acredite, nossos
conhecidos dizem que é difícil
achar pais mais caretas que eu e
Solly para ‘programas fora de
casa’ das meninas até os 15
anos. Porém, desde cedo, tivemos
muita segurança no NR graças à
vivência que eu, meus irmãos,
primos e muitos amigos tivemos
ao longo dos anos.
Hoje, quase aos 40 anos, admito
que o NR foi uma das bênçãos
que pude ter dos meus pais, pois
além de se alinhar com a
educação que recebia em casa, o
NR praticamente ‘esculpia’ nossa
disciplina, liderança, força de
vontade, sociabilidade,
petitividade e solidariedade.”
Ligia Zaborowsky Peress
Corretora de imóveis
“Acho que eu só não morri de
saudade até agora pois transferi
para minhas filhas o
‘compartimento do coração
chamado: Carinho + Safo + Cia.’.
Toda vez que levo minhas
meninas (hoje uma é monitora e
a outra, acampante) à saída para
o NR, tudo me parece tão
nostálgico... elas freqüentam o
acampamento desde os sete
Ruth Halpern, empresária
e Sharon Halpern
“O NR foi construído dia após
dia, ano após ano, com
dedicação, amor e união. Vocês
souberam transformar os
obstáculos do caminho em
pedras preciosas e por isso são
um exemplo de esforço solidário,
dignidade, esperança e coragem.
Um exemplo de vida! Parabéns!”
81
Um jeito gostoso
de aprender
m lugar agradável, com
várias opções de lazer e
longe da rotina diária. O cenário
ideal para passar férias. Mas
também pode ser o ambiente
mais propício para estudar. Há
alguns anos, as escolas de nível
fundamental e médio
descobriram que podem motivar
e potencializar o aprendizado
dos alunos por meio de um
recurso pedagógico que fica fora
das salas de aula: o
acampamento.
U
Dois ou três dias em contato
com a natureza, envolvido com
atividades dirigidas durante 24
82
horas para um objetivo comum,
convivendo com os colegas de
classe como amigos em uma
viagem, tendo a oportunidade de
ver de perto os temas descritos
nos livros e aproveitando todas
as folgas para se divertir... não
há situação mais favorável para
despertar a atenção de um
estudante e ajudá-lo a reter os
conceitos que parecem tão
distantes nas páginas dos livros.
O NR foi um dos pioneiros nessa
tendência. Há mais de 35 anos,
quando o professor Affonso era
também diretor do Colégio
Friburgo, as primeiras turmas
escolares se reuniram no
acampamento. Hoje, diversas
escolas recorrem à competência
acumulada e à diversificada
infra-estrutura do NR para aliar
a teoria à prática de ensino ou
simplesmente para propiciar
momentos de descontração e
aproximação para seus alunos
e professores. Em 2002,
passaram pelo NR mais de 250
escolas, num total de 17 mil
alunos e 1.800 professores.
Para receber esses grupos, o NR
dispõe de um setor de
atendimento a escolas, que
prepara monitores
especializados. O acampamento
contabiliza mais de 300 horas de
treinamento de pessoal
operacional e administrativo.
Os monitores que acompanham
as escolas estão, portanto,
preparados para atender às
especificidades de cada
instituição e atualizados em
relação aos novos paradigmas
da educação.
Equipado com os mais
avançados recursos audiovisuais, workstations com acesso
à Internet em banda larga e
amplas salas para reuniões, o NR
oferece ainda o benefício de
gratuidade para estada de um
professor a cada dez
acampantes.
Contato direto com a ciência
mpenhado em promover a
conscientização educacional
sobre a preservação do
ambiente, o NR tem várias
possibilidades para realização de
estudos do meio.
E
A oito quilômetros do
acampamento, fica o Trutário do
NR, onde se dá a maior
produção de trutas do Brasil.
Na visita ao trutário, o
acampante conhece todo o
processo de criação, incluindo a
alevinagem, os tanques de
crescimento, o processo de abate
e as técnicas de industrialização.
O acampante pode ainda realizar
trilhas ecológicas pela Mata
Atlântica, na Serra da
Mantiqueira. Nessas
caminhadas, terá oportunidade
de conhecer a biodiversidade
local e de participar de
divertidas atividades, como o
plantio de mudas, colaborando
para o reflorestamento daquele
habitat.
Próximo ao NR fica também o
Viveiro de Mudas, no município
de São Bento do Sapucaí. Ligado
à Secretaria de Agricultura e
Abastecimento do Estado de São
Paulo, o Núcleo de Produção de
Mudas recebe as turmas
escolares para que estudem as
diferentes espécies da região.
84
That´s really cool!
Magali Felipe
Orientadora educacional
“Sempre acreditei no acampar
como uma atividade extraclasse
rica, que atende à necessidade
lúdica, sendo, portanto, fonte de
alegria e descontração. Sempre
verifico que nossas idas ao
acampamento aliviam tensões
em sala de aula, unem o grupo
de maneira ao mesmo tempo
séria e aprazível. Esse alegre e
gratificante convívio permite e
favorece que os objetivos do
cognitivo, do afetivo e do
psicomotor sejam atingidos de
maneira plena e harmoniosa.
Posso expressar também o que
sinto como mãe de exacampante. Aprendizagens
aconteceram fora da sala de
aula, sob o azul do céu aberto,
em liberdade. Nada sofisticado,
mas tudo dinamizado por
consciência pedagógica e
imaginação, em um ambiente
alegre, respeitoso, colorido e
desafiador.
Parabéns à família Vívolo por nos
proporcionar um espaço de
convivência, de encontros, de
iniciativas e de vida, despertando
em nós educadores um interesse
peculiar. Tenham a certeza de
que sempre terão nosso apoio
incondicional pela seriedade de
seu trabalho.”
Fábio Luiz Marinho Aidar
Vice-diretor do Colégio Santa Cruz
“Desde 1988, todos os anos
fazemos uma atividade de
integração no NR. Cerca de 200
alunos e professores das
terceiras séries do ensino médio
passam três dias no
acampamento, desfrutando da
excelente estrutura do local.
Não se trata apenas de uma
confraternização. Mas de um
momento com forte caráter
pedagógico, na medida em que
estreita os laços, aproxima a
comunidade escolar — o que
facilita o desenvolvimento do
aprendizado. A programação,
que inclui muita prática
esportiva, é feita em conjunto
entre os coordenadores da
escola e os monitores do NR.”
Outra importante iniciativa
educacional promovida pelo NR
é o Acampamento English &
Action. Durante os dias em que
os estudantes se reúnem, nessa
temporada especial, o
acampamento se transforma em
um verdadeiro camping
internacional. Todas as
atividades estimulam a prática
da língua inglesa, em diferentes
níveis — até as brincadeiras e os
desafios esportivos. Todas as
situações cotidianas — das
refeições temáticas à discoteca
— exigem que o aluno se
comunique nessa língua
estrangeira. Uma forma atraente
e eficaz de ampliar o
conhecimento do idioma, na fala
e na compreensão.
A escola especializada Red
Baloon é uma das adeptas dessa
proposta lúdica e interativa.
Já levou ao English & Action
alunos de cinco a quatorze anos.
“Nosso intuito é fazer as
crianças raciocinarem em inglês,
mesmo que usem pequenas
palavras, no início.
O desenvolvimento vem
naturalmente, à medida em que
esse ambiente rico propicia a
comunicação”, diz Regina Jelen
Eisig, diretora da Red Baloon.
Para ela, além da infra-estrutura
rica em opções, o NR tem a
grande vantagem de dispor de
uma equipe de monitores que
dominam a língua e as técnicas
didáticas. “Nossos professores
vão apenas para acompanhar as
crianças”, conta ela, que é mãe
de Vívian, de dezoito anos, uma
das coordenadoras do English &
Action e freqüentadora do NR
desde os cinco anos.
85
Para fazer
a festa!
juventude e a alegria andam
de mãos dadas. Ainda mais
quando a moçada tem uma
grande conquista para
comemorar… A formatura da 8ª
série, por exemplo, é um
momento especial na história de
vida dos jovens. E, como fazer
festa é com eles mesmos, não
faltam opções para aproveitar ao
máximo a companhia dos
colegas de tantos anos.
A
Um baile de formatura, uma
cerimônia religiosa, uma
viagem... e por que não tudo isso
junto? Há 15 anos, o NR tem
sido escolhido por muitos
estudantes para ser o lugar
“mágico” onde todas as emoções
vividas nos tempos da escola se
86
transformam em amizades
duradouras. No palco do teatro
do NR, os jovens formandos
viram uma página de suas vidas
rumo ao futuro. Nas quadras e
nos jardins do acampamento,
selam promessas e fazem planos.
A tradição já se consolidou.
Muitas escolas fazem as
formaturas das 8as séries no NR
há vários anos. A festa dura de
três a cinco dias, com direito a
tudo o que o acampamento
oferece: esportes, piscina, trilhas,
cavalos, brincadeiras, discoteca,
luaus. E mais o grande baile que
vai ficar na memória e nos
corações da turma para sempre.
A festa de formatura pode ser
ainda mais “quente” se os alunos
optarem pela confraternização
com outros colégios. Ou seja,
formandos de duas, três escolas
diferentes festejando juntos, na
mesma temporada. Nessas
ocasiões, o NR chega a receber
mais de 400 formandos de uma
só vez — cada turma
acompanhada por
coordenadores pedagógicos,
professores ou pais da comissão
de formatura.
Gilberto Bisca
Assistente de direção do Colégio São
José, de São Bernardo do Campo (SP)
“Todo começo de ano, os pais do
alunos da 8ª série são
convocados para a primeira
reunião onde divulgamos a
programação de formatura:
missa, jantar, baile e a tradicional
e tão esperada viagem ao NR.
Fizemos essa comemoração no
acampamento pela primeira vez
são o cuidado no planejamento
das atividades e a preocupação
em oferecer sempre novidades
aos jovens.
Em outubro, mais de 150 alunos,
acompanhados do coordenador
e professores, fazem essa viagem
de sonho. No acampamento,
nossos jovens logo se integram
com os de outras escolas e
fazem muitas amizades. E
gostam tanto que, no primeiro
dia da volta às aulas, depois do
acampamento, substituem a
camiseta do uniforme pela
do NR.
Contagiada por essa animação,
em 2002 a direção da escola
convidou especialistas da
empresa Fuji para dar um curso
básico de fotografia à turma que
encerrava o ensino fundamental.
Com o conhecimento adquirido,
o pessoal saiu fotografando e
registrando os momentos
marcantes do acampamento.”
Irmã Maria Lucília Gomes
Fernandes Relva
Ex-coordenadora das 8as séries do Instituto
Madre Mazzarello, de São Paulo (SP)
em 1988, por sugestão de uma
ex-aluna: Márcia Regina Martins,
atual gerente do NR 2, que na
época já trabalhava no
acampamento.
Desde então, há14 anos
mantemos a tradição. Não
apenas porque o lugar é muito
agradável, mas também porque a
filosofia de educação do NR é
semelhante à nossa. A proposta
do acampamento de trabalhar a
aceitação do outro, a
convivência em sociedade, vem
ao encontro de nossa prática de
ensino. Outros pontos positivos
88
“Meu primeiro contato com o NR
foi em 1987, por meio de um
folheto que chegou ao Instituto
São José, escola salesiana de São
José dos Campos. A convite do
acampamento, um grupo de
professores foi conhecer o local.
Eu estava entre eles e voltei
encantada com a infra-estrutura.
Era o que a gente procurava
para comemorar o encerramento
do ciclo fundamental. A partir
dali, incorporamos o programa
anualmente. Ao vir para São
Paulo, apresentei a sugestão ao
Instituto Madre Mazzarello e,
desde 1994, essa tem sido a
viagem de formatura das turmas
da 8ª série.
Durante esses anos, venho
testemunhando o espírito de
crescimento do NR: constróemse novas instalações, criam-se
novas opções de atividades.
Também se destaca a qualidade
da coordenação dos monitores,
que procuram integrar os jovens
e incentivar a participação nos
diversos programas.
A viagem acontece em outubro.
Mas na volta das férias de julho
já percebemos os grupinhos se
preparando para o passeio. Uma
está preocupada com a roupa do
baile, outro com a máscara da
festa à fantasia...
Há quatro anos compartilhamos
a alegria da estadia com alunos
de outras instituições. Nas
primeiras vezes a integração
aconteceu apenas com escolas
salesianas. No ano passado,
estivemos com escolas que
adotam linhas diferentes e o
resultado foi muito bom. O
entrosamento entre os alunos e
professores do próprio colégio
também melhora. Com mais
tempo para ficar juntos, eles
acabam se conhecendo melhor,
descobrindo valores. Com isso, as
classes se tornam mais unidas”.
Rosa Maria Silva Amaral
Coordenadora da 5ª à 8ª série do Colégio
Objetivo, de Alphaville, Santana do
Parnaíba (SP)
“Em 2002, o colégio repetiu pelo
sétimo ano a viagem de
formatura com o pessoal da 8ª
série. Tudo começou quando a
gente quis organizar esse
passeio com uma turma muito
boa que estava concluindo o
ensino fundamental. Como o
colégio ainda não adotava esse
tipo de atividade, foi preciso
primeiro convencer a diretora,
que impôs uma única condição:
o lugar deveria ser seguro.
Relacionei os locais que seriam
visitados e, por indicação de uma
mãe de aluno, acrescentei o NR
entre eles. Tirei um final de
semana para a pesquisa e fui a
campo com meu marido.
Quando cheguei ao
acampamento, foi amor à
primeira vista. Além da natureza
maravilhosa que rodeava as
instalações, o espaço oferecia
toda a infra-estrutura que eu
precisava. E quando o Zezinho
abriu a porta a empatia foi
imediata.
Sugestão aprovada pelos jovens,
suas famílias e direção, pegamos
a estrada rumo a uma
temporada deliciosa. De lá para
cá, sempre em outubro, durante
quatro dias cerca de 80 a 100
alunos e dez professores se
instalam no NR 1 num clima de
amizade e total entrosamento.
A cada ano a expectativa
aumenta. Os que já passaram
pela experiência contam sua
história. E os que estão
ingressando na série esperam
com ansiedade o momento da
grande festa de
confraternização. A meu ver,
essa atividade se torna muito
agradável em razão do
envolvimento emocional. Há
afinidades entre a linha adotada
pela escola e o NR, que preza a
amizade, o respeito ao próximo e
a saudável convivência social.”
89
Uma temporada
especial
dia começa com alvorada, as
equipes se preparam para os
jogos e para as brincadeiras.
Almoço, mais atividades, banho
no final da tarde, discoteca à
noite... enfim, o NR é igualzinho,
nessa temporada especial. A
única diferença é que os
acampantes, entre 9 e 16 anos,
são portadores de diabetes –
assim como alguns monitores. E
todos aprendem, nos sete dias
que passam juntos, que são
capazes de desfrutar as delícias
da vida, como qualquer pessoa.
O
Para isso, cerca de 50
profissionais, entre médicos,
enfermeiros, nutricionistas,
psicólogos, dentistas, professores
de educação física — todos
90
voluntários —, coordenados pela
endocrinologista Sandra Ferreira
Vívolo, convivem com o grupo,
em tempo integral. Dispensando
o uniforme branco, eles brincam,
comem e dormem junto com a
turma no alojamento. “É uma
oportunidade também para
mudar a maneira de pensar dos
profissionais dessa área de
atuação, à medida em que eles
deixam de ver a criança como
paciente esporádico e passam a
enxergá-la como alguém que
revela suas dificuldades e tem
vontade de superá-las”, diz o
também endocrinologista Marco
Antônio Vívolo, responsável pelo
acampamento para portadores
de diabetes.
Além de proporcionar diversão,
essa temporada especializada se
propõe a levar os jovens a
adquirir autonomia em relação a
suas condições especiais. Os
acampantes aprendem, por
exemplo, a fazer o controle da
glicemia várias vezes ao dia e
Empresas que
apóiam o evento
Abbot, Aventis, Bayer,
Becton Dickinson (BD),
Biobrás, Eli Lilly, Jonhson
LifeScan, Novo Nordisk,
Roche Diagnostics e Scil.
Ferramenta
para a educação
em diabetes
Acampantes, monitores
e profissionais do 23º
Acampamento Unifesp - ADJ.
preparar a insulina de acordo
com sua variação — cuidados
importantes para adequar a
intensidade da atividade física
e orientar a alimentação
apropriada. O jovem recebe
todas essas informações no dia
a dia, de forma natural, em meio
ao convívio com amigos que
têm a mesma situação.
Durante a temporada se faz
ainda um trabalho com a família
dos acampantes. Os pais
discutem temas sobre diabetes,
trocam experiências e vêem
imagens dos filhos brincando,
se relacionando, controlando a
glicemia e aplicando insulina.
“Nossa intenção é preparar os
pais para que as crianças
possam continuar a desenvolver
e aperfeiçoar, em casa, aquilo
que aprenderam no
acampamento”, explica
Marco Antônio.
Desde o início deste
programa, em 1980, os
organizadores não buscavam
uma atividade com fins
lucrativos. A idéia foi usar o
acampamento como
ferramenta para a educação
em diabetes. Por isso a
orientação médica do
acampamento para
portadores de diabetes está
sob a responsabilidade do
Centro de Diabetes da
Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp), com auxílio
de professores das disciplinas
de Endocrinologia e Medicina
Preventiva da universidade.
As inscrições são feitas pela
Associação de Diabetes
Juvenil (ADJ), que seleciona
os candidatos: cerca de 90
pessoas participam do
acampamento, que reserva
50 vagas para quem vai pela
primeira vez e 15 para
monitores portadores de
diabetes. Por intermédio da
ADJ, aqueles que não têm
condições de arcar com as
despesas do acampamento
podem obter bolsas de
custeio. O NR cede o local,
a infra-estrutura e os
monitores. Outro importante
parceiro nesse projeto é a
indústria farmacêutica, que
oferece aos acampantes
materiais diversos como
insulina, fitas e tiras
reagentes, monitores de
glicemia, seringas, agulhas,
“canetas” e alimentos
dietéticos.
Felipe Zago
(primeiro à esquerda)
Monitor e professor de música
“Eu freqüentava as palestras da
Associação de Diabetes Juvenil
(ADJ) quando me inscrevi para
participar do NR. Minha primeira
temporada foi em 1995. Uma
experiência inesquecível: sair de
casa aos 12 anos e ganhar
liberdade por dez dias. Liberdade
entre aspas, porque lá no
acampamento era preciso
obedecer aos horários da
alvorada, do café, das atividades e
das sessões para aprender a
controlar a glicemia e preparar a
insulina. Levei esse aprendizado
pra casa, como fazem os jovens
que participam da temporada dos
portadores de diabetes.
Até 1999, fui acampante. Conheci
muitas pessoas, fiz grandes
amizades, descobri a convivência
em grupo, enfim, cresci. Nas
temporadas aprendi a fazer o
auto-controle do diabetes e
mudei meu relacionamento com
os médicos, pois a gente tem
acesso direto a eles para
esclarecer todo tipo de dúvida,
não é aquele contato formal entre
paciente e doutor.
Para minha alegria, fui escolhido
aspirante no ano de 2000.
Hoje sou monitor das temporadas
especiais para portadores de
diabetes, e me sinto muito
satisfeito em ajudar os outros a
ter os benefícios que tive.”
91
Aventuras
na maturidade
medida em que a
civilização
avançou, juventude e
velhice se tornaram
dois conceitos muito
relativos. Os idosos de
antigamente não se
parecem nem um
pouco com os idosos
de hoje. Basta olhar
em volta para ver
quanta gente de
cabeça branca ainda
está superativa,
trabalhando,
estudando e
aproveitando ao
máximo todas as
opções de cultura e
lazer a seu alcance.
Por isso o NR idealizou
um acampamento
voltado para a
maturidade. Para os
“jovens idosos” que
cuidam de seus
corpos, cultivam suas
mentes e vivem seus
prazeres.
À
Desde a primeira
turma, no ano 2000, em Sapucaí
Mirim (MG), o Acampamento da
Maturidade foi um sucesso. Tudo
começou em conjunto com a
professora Silene Sumire Okuma,
da Faculdade de Educação Física
da USP, especializada no
trabalho com pessoas acima de
60 anos. O desafio era enorme:
92
pesquisar as atividades mais
indicadas para esse público e
adequar a estrutura do NR para
atender tanto as pessoas com
bom condicionamento físico
quanto as mais sedentárias.
“Também queríamos mostrar aos
acampantes que eles eram
capazes de se organizar e fazer
seus programas com
autonomia”, acrescenta Marco
Antônio Vívolo, responsável
pela supervisão da programação
no NR.
A experiência surpreendeu. Todos
se mostraram dispostos a
participar pra valer. Até o
alojamento conjunto, que
poderia não ser tão atrativo
àquele público mais exigente, foi
encarado com espírito esportivo.
Para vencer a distância entre os
locais das atividades na extensa
área do NR, uma solução
divertida: o trenzinho. E até a
alimentação foi cuidadosamente
planejada para oferecer dietas
específicas a quem tivesse
colesterol alto, diabetes ou
hipertensão.
Não demorou muito para a
novidade chegar à Associação
das Universidades Abertas da
Terceira Idade. Os participantes
dos cursos dessa associação, em
diversas cidades do interior
paulista como Piracicaba, Santa
Bárbara, São João da Boa Vista e
Campinas, além do pessoal de
São Paulo e Rio de Janeiro, já
são freqüentadores do
acampamento desde 2002.
“Alguns acreditam que
envelhecer é um processo
restritivo. Mas na maioria das
vezes essa idéia não é real”,
alerta Silene, que fala com
conhecimento de causa, baseada
no bom desempenho dos
acampantes idosos. A
caminhada, por exemplo, é uma
das mais procuradas. Existe um
roteiro curto e mais plano, para
os mais sedentários ou para
quem tem limitações. Na
caminhada de média distância,
há um pouco de aclive e declive,
para os que estão em melhores
condições físicas. Mas há
também a caminhada mais
longa, em um morro.
Orientação de profissionais
Durante o Acampamento da
Maturidade, onde predominam
as mulheres, as equipes recebem
orientação de profissionais das
áreas de educação física,
recreação e saúde — todos
especializados no trabalho com
adultos. E há diversão para
todos os gostos e todas as
potencialidades: cama elástica,
traking (caminhada orientada,
com trilha em um percurso
estabelecido e tempo
determinado para cada trecho),
body combat (ginástica aeróbica
com exercícios que simulam
uma luta), artesanato e
jardinagem, teatro, danças
e festas temáticas, passeios
e excursões.
A primeira turma em 2000
e atividades durante o
Acampamento da Maturidade.
93
Acampamento Emunah
Fábio Spuch
Economista
“Queridos professor Affonso e
tia Jacy,
Sempre gostei de dividir as
minhas alegrias com vocês.
E me lembro que no dia do
meu casamento, poucas horas
antes da cerimônia, senti
necessidade de falar com
vocês pelo telefone.
Vocês não podem imaginar
como foram importantes para
o meu crescimento e a
influência que exerceram na
formação do meu caráter. Não
conseguem imaginar também
a quantidade de exemplos,
atitudes e boas ações que
transmitem aos outros que,
mesmo jovens, captam estas
inúmeras qualidades.
Que Deus continue
abençoando os Vívolo e lhes
dê muita saúde para que
prossigam fazendo com
muitos jovens o que fizeram
no decorrer de todos
esses anos.”
94
parceria entre os
acampamentos NR e Gan
Israel nasceu para atender
judeus tradicionais que queriam
oferecer a seus filhos uma
programação que aliasse os
costumes religiosos às atividades
de esportes, arte e lazer. O rabino
David Weitman conta que já
existia uma colônia de férias
dirigida a esse público, mas um
número significativo de jovens
da comunidade freqüentava com
entusiasmo o NR. “No entanto,
havia outros jovens que
gostariam de ir ao
acampamento, mas sentiam falta
de elementos judaicos, como a
alimentação kasher e a
cerimônia do shabat”, esclarece
Weitman.
A
Versátil e aberto a novas
propostas, o NR logo se adaptou
para receber o novo público. Sob
a liderança religiosa do rabino
Weitman e a reconhecida linha
educativa do NR, concretizou-se
a primeira temporada do
Acampamento Emunah, em julho
de 2002, em Sapucaí Mirim.
Dois jovens representantes do
NR, Felipe Dorf e André Czitron,
ficaram encarregados dos
contatos para a temporada. E
tiveram sucesso. A programação
agradou não apenas os cerca de
70 garotos, com idade entre 8 e
12 anos, que participaram das
atividades. Mas seus pais
também acharam a experiência
muito rica. “A criança que passa
pelo acampamento e vive a
filosofia do NR desenvolve
segurança, disciplina, espírito de
camaradagem, independência e
liderança. Ainda aprende a
conviver e a se relacionar com os
outros, aprendizado que é um
grande trampolim para a vida”,
esclarece o rabino.
Amigos para sempre
verso final da valsa de
despedida, cantada desde a
fundação pelos acampantes do
NR, era premonitório. No
passado, a separação seria
apenas de alguns meses, até a
próxima temporada. Agora, com
as obrigações naturais da vida
adulta, os reencontros demoram
um pouco mais para acontecer.
No entanto, a vivência do
acampamento deixou raízes tão
O
vigorosas e resistentes que
fazem desabrochar os frutos da
amizade e as flores das boas
lembranças, mesmo a cada
longínqua estação.
“Triste e saudoso eu partirei
De volta ao meu lar
Mas sei que ansioso esperarei
Um dia aqui voltar”
O Acampamento de Veteranos
comemorativo dos 50 anos do
NR, em fevereiro de 2003, foi
uma prova disso. Já na entrada
para receber o crachá, os
“acampantes”, pais e mães de
família que chegaram com seus
95
estes 50 anos, muitas pessoas
tiveram papéis importantes na
existência do NR.
N
Algumas de uma forma mais direta
e outras, não menos importantes,
apoiando nos momentos mais difícies,
nas horas de tomadas de decisão.
Dessa forma, deixar registrada sua
passagem pelo acampamento é
também uma maneira de homenagear
todos os apoiadores que, muitas vezes
anonimamente, tornaram os
momentos mais alegres, foram
companheiros e portanto são parte
da nossa turma.
Nomes como Terezinha, Cecília, Lígia
e Marina Brusarosco; Teresa Maria
Costa, Marisa Bochio, Ilze Born,
Julieta de Souza Freitas, Lígia Vívolo,
Ida Zoellner e Irene Viesti fazem
parte da história do NR.
Jacy Brusarosco Vívolo
Fran Papaterra, Toninho
Vívolo e Ricardo Corte Real
em apresentação no
Acampamento de Veteranos
comemorativo dos 50 anos.
esposos e filhos, recuperaram a
euforia juvenil. Como se o tempo
pudesse voltar, conferiram
ansiosos a relação dos
participantes e negociaram o
remanejamento de quartos para
ficar mais próximos dos amigos.
“Moro em Fortaleza e vim
porque era um momento muito
importante”, disse Marcus
Vinícius Strozberg, o Quinhas.
“No dia a dia, praticamente não
vejo o pessoal dessa época, mas
quando a gente se encontra
nessas temporadas o tempo
parece não ter passado, o
vínculo renasce”, contou Teresa
Suplicy de Barros Barreto.
O Acampamento de Veteranos,
uma tradição do NR, é resultado
do desejo principalmente de exacampantes cujos filhos também
freqüentam o acampamento.
Muitos participaram das
comemorações de 25, 30, 40 e
45 anos. Mas o aniversário dos
50, em 2003, superou as
expectativas. Mais de 240
pessoas voltaram à Fazenda para
prestigiar tia Jacy e o professor
Affonso, que em janeiro também
completaram 50 anos de
casamento.
A mesma rotina
Como acontece em todos os
acampamentos de veteranos, a
rotina foi preservada. Os
veteranos despertaram ao som
de música e, pelo alto-falante,
um monitor chamou a turma
para o café da manhã. Houve
também o momento dos
famosos avisos do Safo no
teatro — momento que ninguém
quis perder. “Naquela época, ele
deixava uma mensagem
subliminar. Hoje eu entendo por
que ele falou tantas coisas, o
que havia por trás de cada
observação”, disse Michel Brull.
artístico — alguns artistas que
hoje estão na TV e no teatro
foram acampantes e com
certeza os dias vividos no NR
contribuíram para aumentar sua
autoconfiança. Foram
temporadas memoráveis no
teatro de Agudos. Outros, mais
próximos, estavam na festa para
fazer a primeira parte do show,
apresentado por Ricardo Corte
Real. E o espetáculo emociona e
diverte, como nos velhos
tempos: Quinhas faz cover de
Frank Sinatra, Fernando Benini
conta piadas, Toninho Vívolo,
Francisco Papaterra e Corte Real
acompanham no violão a
afinadíssima Virgínia Rietmann.
Depois é a vez de outro
Papaterra, Mário, declamar uma
poesia do pai. A mesma que
recitou no dia em que conheceu
o Safo: um pedido a São
Benedito para que ajude o Brasil
a ganhar da Suécia, no jogo final
da Copa de 58.
A programação do dia incluiu
todas as atividades esportivas:
futebol, tênis, basquete, vôlei,
caminhada e piscina. E,
enquanto os pais reviviam os
bons tempos, as crianças se
divertiam com os monitores.
À noite, na festa dos 50 anos,
Safo relembrou que o NR já
colaborou com o mundo
97
Marco Antônio Sabino
Engenheiro civil
“Não perco essas reuniões de
veteranos. Estive na
comemoração dos 40, dos 45 e
agora dos 50 anos. E vou
continuar a fazer isso sempre
que tiver oportunidade. Como
acontecia em Ferraz, Agudos e
outras unidades, o ambiente
aqui em Sapucaí também é
acolhedor. O jeito de dormir, a
comida, é tudo igual ao que era
oferecido antigamente, só
adaptado aos tempos modernos.
A forma de condução do
encontro, a agenda de atividades
é praticamente a mesma.
A segunda parte da comemoração foi dedicada a homenagear
aqueles que nesses 50 anos contribuíram para o crescimento do
NR e, nas palavras do professor Affonso, “levaram para a vida o
que viveram durante as férias”. Houve entrega de medalhas e de
diplomas. No final, uma comissão de ex-acampantes presenteou
os fundadores do acampamento com uma placa comemorativa
que trazia os dizeres:
“À tia Jacy e ao professor Affonso, que souberam criar
para milhares de jovens um mundo onde o respeito, o
amor e a convivência sadia tornaram-se um verdadeiro
lema de suas vidas! A gratidão de seus acampantes e a
nossa homenagem na passagem dos 50 anos do NR.”
No encerramento, não faltaram o hino do acampamento e a valsa
de despedida. Mas o memorável encontro ainda reservava uma
surpresa, ou melhor, uma “reivindicação”. No momento do aviso
de domingo, Safo recebeu um abaixo-assinado pedindo que o
Acampamento de Veteranos se tornasse anual. Todos queriam
aproveitar mais as amizades, o carinho e a felicidade que o NR
semeou em suas vidas.
98
Em 1968 comecei a freqüentar o
NR em São Roque e só parei em
1979. Quando pequeno, você
está mais aberto à experiência. O
relacionamento é mais fácil.
Várias amizades daquela época
se mantiveram com o passar
do tempo.
Fui aspirante, monitor e
assistente. Havia integração
entre o grupo. Todos tinham
oportunidade de se expressar,
falar o que achavam da
temporada, colocar um
problema para se chegar a uma
conclusão. Todo esse estímulo de
relacionamento resultava em
liderança. Mas eu só vim a
entender o processo alguns anos
depois, quando consegui aplicar
essa experiência na vida
profissional, social e familiar.
Muito do que o professor
Affonso falava era verdadeiro
temporada, em janeiro.
ensinamento, que moldava a
relação do dia a dia: tanto nos
alertas para os hábitos
higiênicos quanto no
relacionamento com as pessoas.
Tudo era colocado sutilmente
nos avisos. O professor sabia se
antecipar aos problemas que
podiam existir ou não.
Com a maturidade, comecei a
ver que havia um diferencial
entre mim e os que não tiveram
a oportunidade de ter vivido o
que eu vivi. Penso isso a todo
momento. Hoje participo de
atividade social no Rotary de
Santo André, ao lado de 105
profissionais liberais. E os
ensinamentos que aprendi no
NR me ajudam a conduzir as
reuniões de uma maneira mais
fácil. Quanto mais você vai
tomando decisões, mais você
pode se basear na relação
humana, naquela vivência do
período do acampamento.”
Marcus Vinícius Strozberg
(Quinhas)
Médico especializado em
Medicina do Esporte
“No tempo do Colégio
Renascença, tive muitos amigos
que passaram pelo NR. Eu só fui
ter essa chance mais tarde,
quando já estava no terceiro ano
de Medicina. Estudava na PUC de
Sorocaba e, para me manter,
trabalhava como locutor na
rádio da cidade e integrava um
grupo de animação de festas. Na
faculdade, estudava com Cláudio
Tafla, que fazia a temporada no
NR 1 e, numa das festas que
animei, conheci Afonsinho.
A realidade de Sapucaí era
outra: o calçamento ainda não
estava pronto, choveu mais de
20 dias, e era preciso se adaptar
ao novo modelo. Como já existia
a discoteca sob o comando do
Ivan, sugeri uma atividade que
caiu no gosto da garotada e
permanece até hoje, o alfa: os
casais formam uma roda e
dançam lado a lado. De repente,
trocam-se pares. Assim, aquele
cara mais tímido tem a chance
de dançar com a menina que
queria sem o risco de
ouvir um ‘não’.
Aproveitando a minha
experiência, contribuí para a
rádio NR. No teatro, a primeira
peça que fiz foi o musical Aldeia
dos Ventos, de Oswaldo
Montenegro. A Juju ajudou na
coreografia. Há pouco tempo,
Marcelo Klabin, um dos
acampantes que participou do
grupo e hoje é ator profissional,
me confessou que descobriu sua
vocação ali no palco, a meu
lado. Foi gratificante.
Tudo isso acontecia enquanto eu
exercia minhas atividades
Acabei indo para a temporada de
julho de 1987 sem saber que
seria a última em Agudos. Tive
uma recepção calorosa, mas não
nego que tive dificuldade para
integrar o grupo. Os times já
estavam montados. Só na última
semana, consegui uma vaga. Foi
parecido com a banda: entrei
porque o vocalista ficou rouco.
Voltei do acampamento no carro
do Safo e ele me perguntou
como tinha sido. Expliquei onde
achava que podia melhorar. Ele
me ouviu e me convidou para a
primeira reunião para a próxima
99
médicas. Aprendi muito com o
Marco Antônio. Ele me ensinou a
reconhecer um problema de
saúde pelos sintomas de
carência ou de dificuldades de
adaptação.
A partir de 1990, já formado,
passei a ficar um período no
escritório do NR para organizar
a temporada. Também assumi a
coordenação da equipe dos
monitores e fiz o acampamento
de escolas. Durante dez anos,
vivi o NR. Pude vivenciar formas
diferentes de relacionamento.
Tenho no Safo a figura do meu
pai. Mas, em julho de 1996 fiz a
última temporada. Estava de
casamento marcado e depois
mudaria para Fortaleza. Hoje
tenho um filho de três anos e
meio que já está inscrito para a
temporada de 2005.”
Tommy, Martin e Tomas
reencontram, muitos anos
depois, o velho banco onde
tinham gravado seus nomes
durante uma das temporadas,
quando eram adolescentes
100
Teresa Suplicy
de Barros Barreto
Administradora de empresas
“Dos 9 aos 16 anos, passei por
várias sedes do NR. Fiz Ferraz,
São Roque, Agudos e Sapucaí.
Devo ter ido na primeira
temporada feminina e me
lembro de ajudar a colocar as
cortinas nas janelas antes de
começarem as férias.
Eu ia sempre com os meus
primos, que estudavam no
Colégio Friburgo. Algumas vezes
éramos 15. A gente adorava ir
para lá. Aprendi a praticar
esportes no acampamento, onde
tinha aulas de basquete, vôlei e
diversas modalidades. Tudo
aquilo que eu esperava,
acabava encontrando.
O NR se caracterizou como um
lugar que valoriza as pessoas.
Sempre se fazia um trabalho
para reforçar as características
positivas de cada um. Apesar do
acampamento ser uma coisa
coletiva, a proposta era de
reforçar o ego, ajudar a ter autoconfiança. E você tirava lições
individuais. Tinha o cara que era
bom no esporte, outro no teatro,
tinha também o bom amigo.
Outra grande lição era saber
aceitar as diferenças. Nunca vi,
por exemplo, um tratamento
diferente entre judeus e
católicos. Aprendi, e até hoje sei
cantar, a música ‘O meu chapéu
tem 3 pontas’ em iídiche. Nunca
houve menções às diferenças. O
que existia era uma troca de
experiências.
Claro que naquela idade a gente
não tinha noção do que era isso.
Só com o amadurecimento é que
se percebe o quanto o
ensinamento foi importante
porque você o carrega para a
vida. Você percebe que cada um
oferecia o que tinha de melhor.
Lá não existia ninguém infeliz.
Tudo era feito para que todos se
sentissem bem.
Ainda guardo de Agudos a
lembrança daqueles quartos
imensos com 100 pessoas,
distribuídas em 4 fileiras de 25
camas. E da premiação à equipe
mais aplicada na organização:
além da noite da pizza, uma
visita à fábrica da Brahma, que
era o máximo!
Hoje tudo é um pouco diferente.
Mas a integração permanece
igual. Vejo pelos meus filhos que
vêm ao acampamento. Eles
quiseram conhecer, adoraram e
se tornaram monitores.
Atualmente, trabalho na
Fundação Casa do Pequeno
Trabalhador, que atende
adolescentes carentes. E lá
costumo aplicar muito o que
ouvi e aprendi com professor
Affonso. Abordo a questão da
convivência, do respeito
humano, das diferenças, do
coleguismo. A cada semana, nas
reuniões com os meus jovens, eu
utilizo o que ele falava para nós.”
Ruth Halpern, empresária
e Sharon Halpern
“O NR foi construído dia após
dia, ano após ano, com
dedicação, amor e união. Vocês
souberam transformar os
obstáculos do caminho em
pedras preciosas e por isso são
um exemplo de esforço solidário,
dignidade, esperança e coragem.
Um exemplo de vida! Parabéns!”
Os “superveteranos” comemoram
os 45 anos do NR
101
Nosso Recanto Acampamentos
5 0 A N O S
Diretoria
Jacy Brusarosco Vívolo • Affonso Maurício Vívolo • Marco Antônio Vívolo • Afonso Celso Vívolo
NR1
Airton José Moreira • Alessandro Jarbas Moliterno • Amauri Alves • Antonia A. P. Ribeiro • Aparecida Donizete Rosa • Beatriz Aparecida Gonçalves •
Célia Pereira G. Dias • Danilo Flávio da Silva • Dimas Aparecido da Silva • Geila Márcia Siqueira • Isabel Moreira Silva • Ivanilda Lúcia da Silva •
Jacira Pereira Dias • Jandira Augusta da Silva • José Benedito B. Rodrigues • José Cláudio Santos • José do Carmo Lima Souza • Roni César Almeida Souza •
José Inácio • Jovana Aparecida Dias • Luiz Antônio Ribeiro • Maria das Dores Silva • Mauro Aparecido Carvalho • Neusa Aparecida Silva •
Nilton Rodrigues Simões • Reginaldo Monteiro Carvalho • Rita Lourdes A. Souza • Rosângela Aparecida Dias
NR2
Acelma Oliveira Silva • Ademilson Alves • Agnaldo A. Silva • Alessandro Oliveira Souza • Analdo Jorge Martins • Reginaldo Inácio Martins •
Antônio Donizete Nogueira • Antônio Dutra da Silva • Antônio Izalino Santos • Aparecida Maria S. Marcelo • Benedita A. S. Martins •
Benedito Dias Alvarenga • Benício Martins dos Santos • Bernadete Aparecida Silva • Carlos Cristiano Martins • César Augusto A. Martins •
Dalva Oliveira Souza • Edson Quintanilha • Eliel dos Santos • Expedito D. Pereira • Fábio Defourny Martins • Francisco Luiz Souza • Gilberto Antônio Santos
• Herculano Alves Magalhães • Ivo Donizete Melo • José Antônio Sales • José Beraldo da Silva • José Luiz da Costa • Leandro Pompeo Vilas Boas •
Luiz Carlos Alves • Luiz Fernando Martins • Manoel Luiz Cadete Neto • Márcia Regina Martins Forlin • Márcio Ailton Ribeiro • Marcio José Alves •
Maria Auxiliadora • Maria Helena Sales Cadete • Moisés Magno Vieira • Oswaldo Gomes da Silva • Paulo Monteiro Reno • Paulo R. Pereira •
Paulo Sérgio Forlin • Paulo Sérgio Martins • Paulo Sérgio S. Izidoro • Ricardo Oliveira Santos • Sebastião Ivo • Selma de Fátima F. Santos •
Sílvio Inácio Martins • Solange S. S. Martins • Valdir Alves • Valdir Ferreira Martins • Vanildo Alves • Daniel Lopes Castro • Vinício Carlos dos Santos
Escritório São Paulo
Adilson Barichello • Adriano Alves Crocco • Affonso Matricardi Filho • Akemi Agari • Andrea Isler Afonso • Aparecida Fátima R. Brito •
Bruna Nogueira Dompieri • Dolores Ferreira Mota • Francisco Aparecido dos Santos • Gabriel Santoro Santos • Inês Maria de Jesus • Ivanilde Almeida Queiros •
Ivy Moro • José Lázaro Araújo Resende • José Luiz das Chagas • Karina Gouveia Pichel • Liduina Inácio Alves • Lílian Aparecida Andreuccetti •
Luiz Rodrigues da Silva • Magda Barbosa Frigo Valente • Marco Antônio Vívolo Filho • Marcos Castilhos Garcia • Norma Sueli de Menezes Bispo •
Osvaldo Joaquim da Silva • Patrícia de Assis Guedes • Rafael Zoellner Vivolo • Ricardo Cipollari Filho • Rufino Teixeira Canedo • Tamyres Luiz Machado Neto •
Tatiana Fantin Furlan • Thaís Montoanelli da Silva • Valéria Marcolino Rebello Corrêa • Vinícius Zambonato Moraes
Coordenação Editorial
Áurea Lopes
Edição e Textos
Dirce Helena Salles
Projeto Gráfico
Luciano Pessoa Estúdio
Fotografia
Luiz França • Mujano • Arquivo NR
Pesquisa e Digitalização de Imagens
Francisco Aparecido dos Santos • Rafael Zoellner Vívolo
Impressão
GraphboxCaran
Impresso em papel Suzano DuoDesign 250 g (capa)
e papel Couché Brilhante Suzano 150 g (miolo)

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