A Carta de Caminha na literatura e na pintura do Brasil e de Portugal

Transcrição

A Carta de Caminha na literatura e na pintura do Brasil e de Portugal
A CARTA DE CAMINHA NA LITERATURA E NA
PINTURA DO BRASIL E DE PORTUGAL:
TRADIÇÃO E CONTRADIÇÃO
MARIA APARECIDA RIBEIRO
1. A Carta e as cartas
A beleza da terra e o exotismo das gentes encontradas a 22 de
Abril de 1500 causaram impacto na tripulação de Cabral. Talvez
outros momentos das navegações, portugueses ou não, tenham sido
assim, mas nenhum outro conjugou como este o deslumbramento e o
poder do registo de um homem afeito às letras como Pêro Vaz de
Caminha. Talvez por isso o Brasil seja o único espaço do antigo
império português a ter uma certidão de baptismo e a Carta de
Achamento constituem um tópico não só da literatura brasileira e
portuguesa, mas também um lugar privilegiado pelos pintores dos dois
lados do Atlântico.
Escritores como Francisco Adolfo Varnhagen, Mário de Andrade,
Oswald de Andrade, Prudente de Moraes Neto, Cassiano Ricardo,
Murilo Mendes, Sebastião Nunes, Manuel Alegre, Sílvio Castro, José
Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta; e pintores da projecção de
Vítor Meireles, Oscar Pereira da Silva, Pedro Peres, Aurélio de
Figueiredo, Ernesto Condeixa e Roque Gameiro, Malhoa, Domingos
Rebelo e Costa Rebocho, Cândido Portinari, Glauco Rodrigues,
Nelson Leirner, Paula Rego e muitos outros artistas brasileiros e
portugueses, utilizando linguagens como a da caricatura, a do cinema e
a do teatro, leram de diferentes maneiras o texto enviado a D. Manuel
dando conta do encontro de uma terra nova aos olhos de Cabral e sua
gente.
São algumas dessas leituras que pretendemos tratar aqui. Nos
limites impostos pelo tempo e pelo espaço, ficaremos apenas com
algumas que nos permitam exemplificar leituras consagradoras e
questionadoras do texto de Caminha, diferenças de olhar entre Brasil e
Portugal. Para isso tomaremos os textos de Mário de Andrade, Oswald
de Andrade, Prudente de Morais, neto e Manuel Alegre e as
representações pictóricas de Vítor Meireles, Ernesto Condeixa e
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Roque Gameiro, Cândido Portinari, e Paula Rego na pintura, além de
três caricaturas.
2. A primeira notícia
É como participante de uma empresa do rei de Portugal que Pêro
Vaz escreve a D. Manuel, para dar a "nova do achamento desta vossa
terra nova, que nesta navegação se achou"; é também em seu nome e
no dos outros navegantes que faz um balanço das dimensões e riquezas
do novo território. Daí a utilização da primeira pessoa do plural, na
redacção da "enciclopédia do mundo descoberto" (Ouellet 1993: 240):
Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a
estender os olhos, não podíamos ver senão terra com arvoredos, que
nos parecia muito longa.
Nela até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem
coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. (Cortesão, 1994: 173)
Se são nomes cristãos aqueles dados por Cabral à nova terra —
Monte Pascoal, Terra de Santa Cruz —, é de maneira cristã que Pêro
Vaz assinala o tempo em seu texto — "terça-feira, pelas oitavas da
Páscoa", "a horas de véspera houvemos vista de terra" —, comunga do
mesmos sentimentos apostólicos de Frei Henrique Soares em sua
pregação e observa a D. Manuel que a melhor semente lançada à nova
terra será "salvar esta gente". Refere, portanto, o "nós" um povo de
navegantes (já que "nesta navegação" implica outras navegações) e um
povo cristão.
Assumindo o papel de narrador da "nova do achamento",
Caminha, dizendo-se o menos indicado para descrever os
acontecimentos e dando sempre o devido destaque à liderança de
Pedro Álvares, sem descurar também da participação dos outros
navegadores, prefigura o narrador de Os Lusíadas pedindo auxílio às
musas para cantar a epopeia de Vasco da Gama e de seus
acompanhantes, que é, a rigor, de todos os portugueses. E nem faltam
a ideia de povo assinalado ("E pois Nosso Senhor [...] por aqui nos
trouxe, creio que não foi sem razão") e a antevisão de conquistas
maiores, pois a terra de "águas infindas", "graciosa" a ponto de tudo
nela se dar, pode ser, mais que pousada para navegação de Calecute,
lugar de "acrescentamento da nossa santa fé". É verdade, porém, que o
tom não é grandíloquo, nem existem combates, perdas e vitórias (os
portugueses apenas tacteavam o novo espaço e sua gente), e, por essas
entre outras razões, não há heróis, como em algumas relações de
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viagem, o que aponta a carta como uma espécie de grau zero do
ficcional.
Existe, porém, no seu texto o esboço de uma transformação
semântica das referências discursivas (lugares, entidades, sinais de
comunicação, ordenação efabulativa) que constitui o limiar do
romanesco, e uma hibridização de processos narrativos, factos para os
quais chama a atenção Maria Alzira Seixo (1998).
Se o começo e o fecho da Carta obedecem às convenções
epistolográficas1, assim como o próprio sentido de notícia (também
canónico nas cartas), igualmente são observáveis a fragmentação e
repetição, características do diário, e a fixação, típica da crónica2.
Desse hibridismo informado pelo talento de Caminha, cidadão do
Porto e homem afeito às letras, resulta a singularidade e a qualidade
literária do mais importante texto sobre o descobrimento do Brasil.
Iniciando as suas palavras pelo vocativo Senhor, o escrivão, ainda
dentro dos cânones, assume uma postura humilde3 — aquele que "pior
que todos" saberá dar a notícia do achamento —, de neutralidade e de
precisão4, já que não pretende "alindar nem afear" e demonstra que,
entre o ver e o parecer, ver há uma gama de matizes.
O facto de Caminha chamar também a si a notícia do achamento
— o que indica aos historiadores ser ele o escrivão da frota de Cabral
— e o facto de fazer um ponto da situação depois da minuciosa
narrativa mostram o pacto actancial anteriormente referido. Pêro Vaz
não se diz (como é encontrável em outros textos coetâneos) designado
pelo rei, mandatado pelo rei, mas ao escrever "não deixarei também de
dar disso minha conta a Vossa Alteza" revela que tem para com D.
Manuel alguma obrigação que não será unicamente a de súbdito, mas a
de quem está investido de uma responsabilidade durante a viagem. Por
outro lado, também ao fazer o balanço final do valor da terra para a
exploração, colonização e catequese (mesmo acrescentando o pedido
de uma benesse — a primeira "cunha" da História do Brasil), assinala1
Compare-se por ex. com a Carta de Mestre João.
Seixo (1998) e Pizzorusso (1978) também consideram o hibridismo da Carta, embora
sob prismas diferentes.
3
Essa humildade está dentro das regras, como se pode ver em outros textos da época.
O próprio Mestre João, fala em importunar, depois de esclarecer o rei de que não vai
falar senão sobre dois pontos.
4
A mesma atitude pode ser encontrada em Fernão Lopes: "se outros por ventura em
esta crónica buscam fremosura e novidade de palavras e nom a certidom das estorias,
desprazer-lhe-á de nosso razoado, muito ligeiro a eles de ouvir e nom sem grande
trabalho a nós de ordenar" (Lapa, 1941: 4).
2
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se como participante de uma empresa na qual o mandatário é D.
Manuel e estabelece uma relação entre o achamento e a existência de
um protocolo anterior5.
A anunciada probidade é, a todo o momento, reiterada pelo
narrador, que não se cansa de ressalvar "segundo os pilotos diziam",
"segundo disseram os navios pequenos", "segundo meu parecer", "do
que tiro ser", "isso tomávamos nós por assim o desejarmos", "isso me
faz presumir", "eu creio", "segundo parece", "mas não que a mim me
parecesse", "a que os mareantes chamam botelho", "penas vermelhas e
pardas como de papagaio", "que querem parecer de aljaveira", "como
se lhes dissesse alguma coisa de bem; e nós assim o tomámos",
"segundo a mim e a todos pareceu", "Alguns diziam que viram rolas;
eu não as vi"; "não duvido que por este sertão haja muitas aves",
"parece-me gente de tal inocência".
O gosto pela precisão, o desejo de tudo dizer, que determina uma
descrição "assim pelo miúdo" e leva a anotar a existência de um
camarão "tão grande e tão grosso", entre os "camarões grossos e
curtos", também incentiva comparações do tipo "com uma confeição
branda como cera (mas não o era)", "todo cheio de penas pegadas ao
corpo, que parecia asseteado como São Sebastião", "que na cor
queriam parecer castanheiros, embora mais pequenos", "que parece
uma fita preta, da largura de dois dedos", "a inocência desta gente é
tal, que a de Adão não seria maior, quanto à vergonha"; pintados "de
tanta feição como em panos de armar"; "muito bons ares, assim frios e
temperados como os de Entre Douro e Minho". São algumas destas
comparações que, juntamente com os trocadilhos usados por Pêro Vaz,
fazem o seu texto situar-se na fronteira entre o documental e o
literário, embora o escrivão tente minimizar este último aspecto
quando se propõe não alindar nem afeiar os acontecimentos. É esse
espírito que não permite que a carta (que inclusivamente exclui os
episódios relativos à viagem marítima e a dor dos naufrágios) se torne
a narrativa de uma aventura, como acontece com muitas relações de
viagem.
A mais longa e mais importante comparação, no entanto, é aquela
que se dá entre um eu/nós e o(s) outro(s). Nem sempre explícita, é ela
que informa a descoberta do Brasil do ponto de vista de Caminha
5
Embora em nenhum momento Caminha fale da intenção em achar uma terra, o
começo e o fecho da Carta apontam para a linha estabelecida pelo Tratado de
Tordesilhas, pois que mencionam sempre "vossa terra" ou "vossa Ilha", ao mesmo
tempo que ao utilizar o possessivo lembram o poder real.
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como um encontro de culturas ao qual subjaz um confronto e desejo de
dominação. A partir de uma oposição de cenários — mar e terra, uma
e outra margem do rio —, como chamou atenção Pizzorusso na sua
curiosa leitura da carta como a apresentação de um espetáculo para o
rei, estabelecem-se as fronteiras entre o velho e o novo mundo, entre o
homem natural e o civilizado. Os indivíduos que vêm do mar diferem
dos que habitam a terra pelos sinais de cortesia, pela indumentária,
pelos ornamentos, pelos hábitos alimentares, pelo conhecimento ou
desconhecimento da natureza local, pela forma de habitação, pelas
armas, pela religião, na saúde, na formosura, no pudor. Tudo isso
Caminha põe em relevo, mesmo sem falar constantemente em
semelhança ou diferença. Aliás, a descrição, como lembra TisonBraun (1980) propõe significações.
O seu encantamento pelos enfeites de penas – referidos três vezes
na Carta –, advém não só da cor e da quantidade de formatos, como
também da novidade. Os portugueses têm barretes vermelhos,
carapuços de linho e sombreiros pretos; os índios, carapuças,
sombreiros e cabeleiras de penas de ave das mais variadas cores e
feitios. Os navegantes trazem camisas mouriscas e "destoutras"; os
nativos andam "galantes, pintados de preto e de vermelho, e
quartejados". O capitão ostenta "um colar de ouro muito grande"; os
índios, pedras, ossos ou espelhos de madeira nos lábios. Os europeus
levam arcos, flechas, cocares, metaras como amostras e documentos;
os índios mostram a sua adesão ao inusitado utilizando os objectos que
lhes dão: uma armadura de porco montês enfiada no beiço,"como se
tivera uma grande jóia", e cruzes de estanho ao pescoço. Os
navegantes comem figos, mel, fartéis, peixe cozido, vianda, lacão,
bebem vinho e em terra, nutrem-se de legumes e trigo; os nativos
alimentam-se "desse inhame que há aqui muito, e dessa semente e
fruitos, que a terra e as árvores daqui lançam". Dormem em camas,
cobertos com lençóis e com as cabeças apoiadas em travesseiros, os
portugueses; descansam em redes os selvagens.
Na oposição nu/vestido reside talvez a diferença básica entre os
descobridores e os "descobertos"6. Ela revela-se não só pela grande
preocupação de Cabral em estender uma manta sobre os dois índios
6
Essa diferença e a sequente imposição de roupa aos índios é vista por Oswald de
Andrade como um dos erros da civilização e como resultado de um jogo, em que os
descobridores têm uma vitória apenas casual no poema "erro de português": "Quando
o português chegou/ Debaixo duma bruta chuva/ Vestiu o índio/ Que pena!/ Fosse uma
manhã de sol/ O índio tinha despido/ O português" (Andrade, 1966: 161)
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que pernoitaram a bordo (ou na de Caminha com a índia jovem a
"quem deram um pano com se cobrisse" durante a missa e que "não
fazia grande memória de o estender bem"), como também pelas
frequentes alusões ao corpo despido de homens e mulheres, que
culmina numa comparação entre as índias e as portuguesas, que se
tornou célebre. Prenunciando a similitude que irá estabelecer entre a
inocência dos selvagens e a de Adão ("a inocência desta gente é tal,
que a de Adão não seria maior"), Caminha sublinha que uma jovem
índia desconhece a fronteira entre bem e mal, ao mesmo tempo em que
regista o seu fascínio pela formosura das mulheres do Novo Mundo,
num trocadilho com a palavra vergonha, onde explora os sentidos de
"parte pudenda" e "pudor":
E uma daquelas moças era toda tingida, de baixo a cima daquela tintura;
e certo era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha (que ela não tinha) tão
graciosa, que a muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera
vergonha, por não terem a sua como ela. (Cortesão, 1994: 161)
Reforçando o sentimento de pudor, advindo da quebra da
inocência, como um traço do civilizado, o trocadilho mostra também a
beleza plena como uma propriedade de quem vive num tempo
inaugural, tempo no qual os descobridores mergulham ao entrar em
contacto com os índios do Brasil. Contemplando essa beleza
desassombrada, voltam eles ao estado edénico: também dos seus
olhares se elide a fronteira entre bem e mal, resgatando-se a
naturalidade e a visão inocente, como dão conta outros trocadilhos,
sempre com a palavra vergonha:
Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis,
com cabelos mui pretos e compridos pelas espáduas, e suas vergonhas tão
altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem
olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha.
[...] e suas vergonhas tão nuas e com tanta inocência descobertas, que
nisso não havia vergonha nenhuma. (Cortesão, 1994: 161 e 165)
E nem é só a nudez das mulheres que o escrivão admira, embora
apenas com relação a elas (como é lógico dada a sua condição de
homem e de civilizado) se lembre de falar em vergonha. Caminha
observa que os índios não são "fanados" (o que aponta para uma outra
comparação, possivelmente com os judeus, já que em Portugal os
havia em grande número, mas talvez também com os povos islâmicos
com os quais os portugueses já haviam entrado em contacto), mas
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"assim como nós". E conclui também sempre pela beleza física dos
homens índios, "porque os seus corpos são tão limpos, tão gordos e
formosos que mais não pode ser".
Não dura muito porém, o mergulho no Paraíso. Perdidamente
contaminado pela civilização, o olhar de Caminha volta a estabelecer a
fronteira entre "nós" e os "outros". À formosura de corpo e à inocência
da gente "boa e de boa simplicidade", a quem "Nosso Senhor [...] deu
bons corpos e bons narizes, como a bons homens" corresponde uma
ausência de valores; matéria não moldada, a ela "imprimir-se-á
ligeiramente qualquer cunho". E o proselitismo que levou o narrador a
interpretar o facto de um índio apontar o céu como se "lhe dissesse
alguma coisa de bem", impulsiona-o também a interpretar que "não foi
sem causa" que "Nosso Senhor [...] por aqui nos trouxe" e a lembrar
por duas vezes ao Rei a facilidade de conquistar os selvagens para a fé
cristã, anulando uma das oposições entre "nós" e "outros", não mais
pela adopção do olhar alheio, mas pela imposição de uma nova ordem,
transformando o encontro em desejo de dominação.
Não é, porém, subitamente que esse desejo eclode. Ele perpassa
todo o texto, repontando aqui e ali, quando Caminha fala da alteridade
e quando deixa entrever o espírito que comanda as navegações. Não
lhe é alheia a associação feita por Frei Henrique Soares no fim da
pregação: o achamento da terra foi feito sob o signo da Cruz e da
missionação. Também não lhe é estranha a observação "não pudemos
saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro".
Escrita em função de uma expedição organizada sob o signo da
expansão da fé e do império, a Carta de Caminha teria, naturalmente,
essa marca.
A penetração da estrutura de diário de bordo na estrutura do texto
epistolar fornece, sem querer, outros traços desse desejo de
dominação. Preocupado com a minúcia, o escrivão, apesar de registar
os factos ocorridos a posteriori (veja-se o tempo pretérito que marca o
texto), faz questão de descrevê-los dia a dia, ainda que se tenha de
repetir. Nessas repetições, aproveita para corrigir ou acrescentar,
conferindo ao leitor a oportunidade de descobrir com o narrador, o que
confere interesse à narrativa. Assim é com os índios — primeiramente
"pardos", depois "pardos, maneira de avermelhados". Assim é também
com a pintura dos corpos, que vai apresentando a cada passo uma
combinação diferente de cores e formas. Assim é ainda com o tipo de
moradia: os primeiros contactos levam a presumir a ausência de "casas
ou moradas a que se acolham", mas o progressivo conhecimento
revela existirem "umas choupaninhas de rama verde e de fetos muito
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grandes, como de Entre Douro e Minho" que, já no dia seguinte (2ª
feira, 27 de abril), são descritas "tão compridas [...] como esta nau
capitaina", "de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas de palha,
de razoada altura", "com duas portas", num texto tão pormenorizado
que chega a detalhar os utensílios nelas existentes, o número de
pessoas que abrigam e a forma de aquecê-las. É também o caso das
armas, referidas inúmeras vezes, mas cujo formato, matéria e cor, só
depois de muitos outros registos, Caminha repara que não deu conta ao
rei.
Por outro lado, também ao descrever situações semelhantes, o
olhar do escrivão oscila quanto à animalidade e à humanidade dos
índios. Os nativos que se apresentam logo de saída armados, revelando
não propriamente medo, mas uma permanente atalaia com relação ao
que lhes é estranho, ao menor sinal depõem as armas, mostrando-se
dóceis. Tão dóceis que seguem Nicolau Coelho até à nau capitânia e,
mesmo não gostando da refeição (pão, peixe cozido, confeitos, fartéis,
mel, figos passados e vinho), estranhando-a ou temendo ingeri-la,
provam-na. Tão dóceis e inocentes que se deixam cobrir, aceitam
coxins para repousar as cabeças e se põem a dormir em barco estranho.
Mas a par dessa mansidão, Caminha regista a ausência de sinais de
cortesia, por não falarem "ao capitão nem a ninguém", ao chegarem à
embarcação de Cabral. E o que poderia ser apenas uma diferença de
costumes entre homens de culturas diferentes, passa a ser visto, num
outro dia, como índice de bestialidade. Depois de mostrar os índios,
cooperadores a ponto de terem enchido barris de água para os
portugueses, a troco de nada ou de qualquer ninharia7, Caminha regista
não só a sua esquivança — que não permite homem "lhes falar de
rijo"—, mas o facto de os dois hóspedes de Cabral não mais terem
aparecido como coisa de "gente bestial, de pouco saber", comparável
na formosura e saúde dos seus corpos às aves e animais monteses, "às
quais faz o ar melhor pena e melhor cabelo do que as mansas". Não é,
porém, no pescoço de animais que Frei Henrique lança os fios com
crucifixos que sobraram a Nicolau Coelho de uma outra viagem, mas
ao da gente, a quem parece a Caminha, no seu proselitismo, nada faltar
para ser cristã senão entender os portugueses. Ora isso vai implicar a
anulação de uma outra diferença — a da língua.
Curiosamente, esta marca de alteridade não será descrita por Pêro
Vaz com o mesmo cuidado que dedica às outras. Fosse porque achasse
7
Veja-se que isso nem sempre acontecia, como relata Pêro Lopes de Sousa no seu
Diário de Navegação.
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natural a diferença linguística, fosse porque não lhe causasse maior
preocupação, uma vez que a comunicação podia ser estabelecida
através de gestos, a verdade é que o escrivão da frota de Cabral
desculpou sempre um entendimento não tão completo entre
navegantes e nativos "por o mar quebrar na costa" ou pela "berberie"
dos índios. O gesto, pela ambiguidade que lhe é própria, deixou-o
concluir aquilo que desejava: na terra havia ouro e prata, e os
habitantes — que não conheciam rei (observe-se o registo da
ignorância dos nativos quanto à superioridade de Pedro Álvares
Cabral: "não porque o conhecessem por Senhor, pois me parece que
não entendem nem tomavam disso conhecimento"), — facilmente
obedeceriam a D. Manuel e ansiavam por ser cristãos.
A sinalização do chefe, sempre em posição mais elevada,
ostentada pelos portugueses e descrita ao pormenor em cenas típicas
de crónica que Caminha pinta no decorrer da sua narrativa é outro
traço da oposição entre o "nós" que descobre e os "outros"
descobertos. A melhor delas é talvez a que apresenta Cabral, sentado
numa cadeira, "bem vestido, com um comprido colar de ouro mui
grande ao pescoço" e tendo "aos pés uma alcatifa por estrado",
enquanto os outros capitães e o próprio Caminha estavam sentados no
chão. Mas há também a da passagem do rio, em que o Capitão se faz
carregar por dois homens, mostrando mais uma vez a sua
superioridade hierárquica. E poderia ser aduzida a cena da "procissão"
após a missa, em que o Capitão, com a "nossa bandeira alta", é seguido
pelos outros navegantes, voltando para os batéis. A presença de uma
hierarquia entre os portugueses contrasta com o facto de Caminha não
ter observado a sinalização de um comandante entre os índios:
"Andava aí um que falava muito aos outros que se afastassem, mas
não que a mim me parecesse que lhe tinham acatamento ou
medo"(Cortesão, 1994: 163).
As contas do terço e o colar de Cabral são também signos
demarcadores da fronteira entre o "nós" e o "eles". As observações de
Caminha deixam entrever não só o desconhecimento dos índios com
relação ao significado religioso do terço, como também o valor dado
ao ouro pelos portugueses: o índio coloca o rosário no pescoço e
enrola-o no braço como se fosse adereço. Os navegadores não lhe
querem dar o colar, por ser de ouro, do ouro que eles desejam
entender, pelos gestos do nativo, que existe na região. É também nesse
passo que, pela primeira vez, o escrivão alude, embora de forma
implícita, à barreira da língua como factor impeditivo da comunicação,
assinalando a ambiguidade da linguagem gestual:
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Viu um deles umas contas de rosário, brancas; acenou que lhes
dessem, folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço. Depois, tirouas e enrolou-as no braço e acenava para a terra e de novo para as
contas do colar do Capitão, como dizendo que dariam ouro por aquilo.
Isto tomávamos nós assim por assim o desejarmos. Mas se ele
queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não o queríamos
nós entender, porque não lho haveríamos de dar. E depois tornou as
contas a quem lhas dera. (Cortesão, 1994: 159)
A pouco e pouco a estrutura de diário da Carta revela o evoluir
dos contactos entre portugueses e índios, que se fazem por uma
"coreografia" de avanços e recuos, de idas ao mar e de entradas na
floresta, com o rio servindo de fronteira. Essa aproximação ou
esquivança narrada de maneira não sintética permite concluir que, para
além da inocência, sempre reiterada por Caminha, não lhe foi possível
chegar a uma síntese quanto à sociabilidade dos índios. Estes são
capazes de se aproximarem das naus, baixarem os arcos e até
dormirem uma sesta nos barcos, dançarem com os recém-chegados e
com eles medirem forças, mas não permitem, porém, que os
degredados passem a noite em suas tabas. Por seu lado, os portugueses
só isoladamente ou em pequenos grupos se aproximam dos índios:
repare-se que Cabral designa Afonso Lopes para ir nos batéis
pequenos que se aproximam dos índios, "por ser homem vivo e destro
para isso" e manda que Diogo Dias, "por ser homem ledo" com quem
os índios folgavam, e com quem até já haviam dançado, juntamente
com Afonso Ribeiro e outros dois degredados, se fossem com os
nativos; por outro lado, na noite de 30 de Abril, embora fosse possível
que muitos índios aceitassem dormir nas caravelas, só "quatro ou
cinco" foram admitidos. Indica esta atitude dos navegantes não
propriamente desconfiança (embora haja uma diferença entre estar em
terra e estar no mar, em vista do número de portugueses em relação ao
de índios, e embora a certa altura Caminha compare a segurança dos
índios entre os portugueses e a insegurança dos seus compatriotas
entre selvagens), mas interesse em conhecer para explorar, que se
revela nas várias indagações acerca da existência de ouro que a carta
contém8. A franqueza dos índios ou a sua esquivança poderiam ser
explicadas pela sua familiaridade ou não com visitantes (seriam os
homens de Cabral os primeiros brancos que viam e com quem
realizavam um rudimentar comércio?) ou por um traço cultural que os
8
É forma de sondagem era frequente. Veja-se, por exemplo, a adoptada pela
expedição de Vasco da Gama.
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cronistas posteriores e os antropólogos assinalariam. Caminha, no
entanto, sem pensar que a inconstância (observável na forma pela qual
os nativos usam e deixam objectos como camisas e terço) possa ser
uma característica dos selvagens, e sem notar que as diferenças de
comportamento possam ser atribuídas a índios de personalidade
diferente ou a situações que não são iguais, prefere ora aproximar a
esquivança da animalidade e ora julgar a cordialidade dos habitantes
da terra descoberta superior a dos próprios descobridores: "são muito
mais nossos amigos que nós seus".
Também é de observar que essa "coreografia" — de índios que
vêm e vão, de índios que acenam aos tripulantes do esquife de
Bartolomeu Dias para que saiam em terra, de índios cuja conversação
com os viajantes é já tanta que beira o estorvo, de portugueses que
passam o rio e da outra margem retornam, de homens que
confeccionam uma grande cruz e a plantam na terra descoberta, de
padres que cantam a missa, enquanto uma índia se descobre, de
navegantes sentados a ouvir a pregação e selvagens a saltar e tanger
buzina — confere à narrativa uma certa dramaticidade e permite
dividir o texto em várias cenas ou episódios, que serão recortados da
Carta nos séculos posteriores e lidos como fragmentos isolados ou
inseridos em novos contextos, como se verá no decorrer deste estudo.
Não enumera Pêro Vaz em seu texto os animais e plantas da terra;
sua "enciclopédia do mundo descoberto" fica-se pelos índios, seus
ornamentos, armas, hábitos alimentares, habitações, indumentárias,
maneira de transportar as crianças, instrumentos musicais. É verdade
que ele procura identificar as aves e os crustáceos, fala das conchas e
da presença de um tubarão, e, por ausência, mostra que o carneiro, a
cabra e a galinha não fazem parte da fauna do Brasil. É verdade
também que regista a presença de frutos e sementes comestíveis, de
"inhame". Mas o saber do morador ou do viajante que se demora na
terra percorrida, que se pauta pela profusão e pela diversidade de
elementos enumerados, não aparecem na Carta. O que ela inaugura, na
série de textos sobre o Brasil, é a marca da abundância: são os densos
arvoredos, as águas infindas, os bons ares — os três A que a posterior
literatura, mesmo sem ter conhecido o seu texto, irá também explorar.
Curiosamente, essa visão pouco pormenorizada do espaço figura
uma ideia de lugar inexplorado, de ambiente paradisíaco, que os textos
seguintes vão corroborar, diferentemente do estado de inocência
atribuído aos índios, ou mesmo das observações menos positivas que
Caminha regista com relação a eles. Os nativos aparecem na posterior
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literatura de viajantes mais que esquivos e desconhecedores das
normas de cortesia: desagradecidos, ferozes e até cruéis.
Há um episódio, porém, que disputa com a imagem da nova terra
e das novas gentes o espaço da Carta. Trata-se do momento em que a
chegada dos portugueses é assinalada pela cruz. A primeira e a
segunda missas são pormenorizadamente descritas e é exactamente a
partir dessas descrições que Caminha entra em conjecturas que
constituem um passo em direcção ao ficcional: o céu quer dizer àquela
gente “alguma coisa de bem”; e ela “não lhes falece por outra coisa
para ser toda cristã”. Curiosamente serão esses momentos de
celebração eucarística, a que Caminha tenta incorporar os índios, seja
porque constituem verdadeiras cenas teatrais, seja pelo que
representam de desejo de delir oposições culturais, seja ainda pela
margem que dão ao questionamento do projecto colonial, os mais
glosados pela pintura.
3. A pintura romântica brasileira: Vítor Meireles e o
seu quadro fundador
Desde 1822 havia no Brasil a preocupação de demarcar-se de
Portugal, forma de sublinhar a independência proclamada e forma
também de corresponder ao que a Europa entendia por Novo Mundo.
A imagem da nação, porém, ficaria mais associada a Pedro II, apesar
de ter sido seu pai a dar a independência ao Brasil; além disso Pedro II
seria o primeiro (e único) imperador nascido no Brasil. Com a
maioridade, em 1840, inicia-se um verdadeiro culto de uma
brasilidade, que se estende desde as roupas e retratos do monarca9,
assinalado com ícones tropicais10, até à procura em arquivos europeus
de documentos relacionados com a História do Brasil. É a união da
natureza com a cultura tão bem representada numa tabaqueira de
porcelana, onde, em esmalte e ouro, aparece a efígie do Imperador
ladeado por duas alegorias da Marinha, em que uma traja à maneira
civilizada e a outra à maneira selvagem.
9
Veja-se a esse respeito o excelente livro de Lilia Moritz Schwarcz, As Barbas do
Imperador, São Paulo, Cia. das Letras, 1998.
10
Basta lembrar o motivo dos bordados do manto — ramos de fumo e café — e o
capelo de penas de galo da serra (este já desde Pedro I), depois substituído por um de
penas de tucano.
A Carta de Caminha na Literatura e na Pintura do Brasil e de Portugal
31
É dentro dessse espírito que se cria, em 1839, o Instituto Histórico
e Geográfico, ao qual Pedro II irá dar todo o seu apoio. Entre os sócios
estarão, além de Manuel de Araújo Porto Alegre, de quem se falará
adiante, Joaquim Norberto de Sousa e Silva, Domingos José
Gonçalves de Magalhães e Gonçalves Dias, Francisco Adolfo
Varnhagen11, o futuro Visconde de Porto Seguro, fundador da
historiografia brasileira.
Como observa Lilia Moritz Schwarcz, “é com a entrada de Pedro
II no IHGB e seu mecenato que o romantismo brasileiro se transforma
em verdadeiro nacionalismo, e como tal passa a inventariar o que
deveriam ser originalidades locais” (1998: 131).
O interesse do Imperador Pedro II em dar ao mundo uma imagem
de um Brasil sábio, com identidade própria nas letras, nas artes e nas
ciências (interesse pela cultura que aos olhos de alguns pareceu
exagerado), o apoio e incentivo de Araújo Porto Alegre, uma das
figuras inaugurais do Romantismo brasileiro, pintor oficial do império,
renovador da ópera, da música e das belas artes, homem-tudo na
engatinhante nação que se queria fazer adulta, levam Vítor Meireles
(1832-1903), que recebera, em 1852, o 7º Prémio de Viagem à Europa,
conferido pela Academia de Belas Artes, com a tela “São João no
Cárcere”, e que conseguira prolongar por oito anos a sua estada no
Velho Mundo, a voltar-se para os temas nacionais e a buscar nos temas
históricos o objecto de seus quadros.
Meireles começa em Paris, em 1858, uma grande composição,
para a qual toma por base o texto da Carta de Achamento, referente à
primeira missa. Faltavam, no entanto, ao quadro, alguns pormenores,
que o amigo Porto Alegre nota e sugere, ao receber no Rio de Janeiro
o seu esboceto: um homem d'armas com pendão da Ordem de Cristo e
"algumas embaíbas, que são formosas e enfeitam o bosque pelo
carácter especial de suas folhas". Isto: é algo que reforçasse a marca
heróica portuguesa e algo que fosse a marca autóctone como
receitavam os europeus, de Denis a Garrett.
Com o mesmo vigor que mostrara em Paris, procurando pintar a
paisagem brasileira e fundando a revista Niterói junto com Gonçalves
de Magalhães e Salles Torres Homem, mas também com a mesma
falta de estro com que escreveria o Colombo, Porto Alegre procura
incentivar Meireles compondo versinhos toscos: "Lê Caminha, ó
11
Nascido a 17/2/1816, em Sorocaba, São Paulo, filho de pai alemão e mãe
portuguesa, foi educado em Portugal e viveu no Brasil dez anos da sua existência.
Faleceu a 29/6/1878.
32
MARIA APARECIDA RIBEIRO
artista, marcha à glória / Já que o céu te chamou Vítor na terra / lê
Caminha, pinta e então Caminha" (Sampaio, 1880: 331).
Era a culminância de um conselho de ler "cinco vezes" a Carta,
para fazer "algo digno de si e do país", numa correspondência escrita a
4 de Fevereiro de 1859.
Vítor Meireles aprimoraria a paisagem, seguindo o lembrete do
mestre quanto a forma das árvores brasileiras: "troncos rectos,
carregados de plantas diversas12, altas e com coqueiros ou palmitos
pelo meio". Mas não levaria em conta as sugestões de Pedro Américo,
genro de Porto Alegre, recém-chegado do Brasil, e que viajara pelo
interior do país, observando as florestas virgens e lhe chegara a
desenhar o que vira. Com Ferdinand Denis, também conhecedor da
natureza brasileira (embora talvez tão esquecido dela quanto Vítor
Meireles, mas sempre reverenciado pelos brasileiros13), trocaria ideias.
E como não se tratasse apenas de brasilidade, mas também de
técnica, Robert Fleury, professor da Academie des Beaux Arts, foi
chamado a opinar. E para dar maior variedade de posição aos índios
(que afinal não deveriam figurar todos a meio corpo), desapareceu um
selvagem que estava de joelhos diante de outro que permanece de
corpo inteiro, no canto inferior direito da versão conhecida do quadro.
Das opiniões de Joaquim Lopes de Barros Cabral, cuja promoção
a professor de Pintura Histórica da Academia sem a consulta prévia a
Porto Alegre levou-o a demitir-se da direcção da Escola, Vítor
Meireles parece ter acatado apenas uma: a de "mostrar ao fundo um
pouco de mar com alguns galeões fundeados para melhor dar a ideia
do assunto" (Sampaio, 1880: 335).
Exposta no Salon de Paris de 1861, depois de os seus esboços
terem sido exibidos nas Exposições Gerais da Academia de 1859 e
1869, a Primeira Missa figuraria também na Exposição de Filadélfia,
em 1876. Tendo gerado uma enorme polémica sobre ser ou não um
plágio da “Missa em Kabilia” de Horace Vernet, foi também
conhecida em Portugal, onde Pinheiro Chagas (1878) lhe teceu
elogios. Até aqui, a história; agora a nossa leitura. (Fig. 1)
Tendo excitado da Carta de Caminha uma cena religiosa, a
primeira imagem do cristianismo vista pelos índios, o pintor colocou-a
no centro do quadro, sobre ela fez incidir uma luminosidade maior, e
12
Porto Alegre, numa litografia que executara em 1853 —“Floresta Brasileira”, havia
posto em prática esta sua recomendação.
13
Veja-se a esse respeito o que diz Maria Helena Rouanet, Eternamente em Berço
Esplêndido. A fundação de uma literatura nacional, São Paulo, Liv. Siciliano, 1991.
A Carta de Caminha na Literatura e na Pintura do Brasil e de Portugal
33
escolheu o momento mais solene da Eucaristia, a Consagração (do
vinho), para fixar na tela. A elevação do cálice e a cruz dirigem para o
alto o olhar do observador. São também de observar os detalhes da
riqueza dos paramentos, das flores silvestres enfeitando o altar, do
tapete que forra os degraus do altar, as galhetas, o baú aberto contendo
talvez outras alfaias litúrgicas — tudo isso, em contraste com a sombra
em que estão colocados sobretudo os índios, a indicar que o olhar do
pintor privilegia a celebração.
A adoração dos portugueses contrasta com as diferentes posturas
dos índios, embora quase todos os selvagens pareçam reagir de forma
positiva à liturgia: um sobe na árvore, outros por trás do altar, parecem
cantar e dançar; outros ainda sentados pelo chão, como a índia que
amamenta um curumim, não deixam de observar aquele desconhecido
ritual. Mesmo o índio que, depois das observações de Fleury, ficou de
corpo inteiro sem que o outro o encobrisse, embora de costas para a
missa, ainda olha para trás. Pela esquerda da cena, acorrem mais
selvagens, enquanto bem ao fundo, alguns nativos dirigem os olhos
para o mar, onde estão galeões e pirogas, ou ocupam-se noutras
actividades. Foi certamente a Carta de Caminha que motivou essa
atitude de interesse dos índios, o que mostra que Meireles fez da Carta
uma leitura ao mesmo tempo crédula e consagradora.
Do texto da Carta saiu certamente o índio velho que, no quadro,
aponta não propriamente o céu, mas, talvez, os portugueses vestidos
com roupagens que os distinguem (o que já é uma tentativa do pintor
de marcar as diferentes hierarquias dos homens citados por Pêro Vaz).
Da Carta também foi recortado Pedro Álvares Cabral, a figura de
longas barbas escuras, vestida com manto vermelho, ostentando o seu
colar de ouro, logo abaixo de Frei Henrique e do frade que lhe serve de
acólito.
34
MARIA APARECIDA RIBEIRO
Já a figura de frente, de barbas brancas e gola de pele, com as
mãos postas é uma corporificação dos nomes de fidalgos mencionados
pelo escrivão e que a imaginação de Vítor vestiu daquela maneira.
Reproduzido em inúmeros livros escolares brasileiros, o quadro
de Vítor Meireles14 representa uma espécie de "pintura de fundação" e
foi interlocutor de muitos outros, dentre os quais a ilustração de O
Ocidente, revista portuguesa, e "A Primeira Missa" de Cândido
Portinari, de que se falará adiante. Dele pode também ser vista uma
imitação, oferta de um “brasileiro”, na paróquia de N. Sra. da
Assunção, em Vilar de Maçada (Diocese de Vila Real): trata-se de um
óleo sobre tela (78, 5 x 101, 4 cm), assinado por Muker Josef Weiss,
que data do Brasil, do ano de 1900, o que reforça o seu carácter de
modelo.
Os discípulos de Vítor — Pedro Peres e Oscar Pereira da Silva —
seguiram-no, fazendo eco a uma parte do texto de Caminha, e
louvando a chegada da civilização e do Cristianismo. Um estilo que
agradaria a Malheiro Dias e a Roque Gameiro, que elegeriam a
“Primeira Missa”, a “Elevação da Cruz” e o “Desembarque de Cabral”
14
Apesar da correcção feita por alguns autores de que a missa pintada por Meireles é a
segunda, por causa da cruz de madeira, pensamos que o pintor considerou que ela era
a primeira em terra firme.
A Carta de Caminha na Literatura e na Pintura do Brasil e de Portugal
35
de 1900, quadros respectivamente de Vítor, Peres e Pereira da Silva
para ilustrrar a História da Colonização Portuguesa no Brasil.
Ainda na missa que marca o final de Iracema (1865) e da missão
de Martim, quando o sacerdote de negras vestes baptiza Poti, com o
nome do santo do dia, com o do rei e com o seu próprio, mas em
língua portuguesa, impondo-lhe, portanto, o que ele não tinha segundo
os cronistas — a fé, a lei, e um rei, palavras cujos fonemas iniciais o
tupi não comportava — também se pode ver uma leitura do quadro de
Meireles.
4. Os pincéis portugueses de Condeixa e Gameiro: a
paráfrase e a contradição
Discípulo de Manuel de Macedo, de Henrique Casanova, de
Niepper e da Escola de Artes e Ofícios de Leipzig, que frequentou a
partir de 1893 como pensionista do Estado, grande retratista e um dos
maiores aguarelistas portugueses, Roque Gameiro (1864-1935), que
dedicou inúmeras telas ao mar, às paisagens bucólicas de Avô e às
ruelas, escadinhas, arcos e casas senhoriais de Lisboa, também incluiu
em sua pintura a temática das descobertas. Autor de “Chegada das
Naus” e de “Lisboa no século XVI”, pintou “A Primeira Missa no
Brasil”, a partir de uma ilustração15 feita por Ernesto Condeixa para o
IV capítulo de “Descobrimento do Brasil – narrativa de um
marinheiro”, publicado em O Ocidente (1878). Reproduzido em
grande estampa colorida como brinde aos assinantes de Mala da
Europa, a gravura, também incluída na História da Colonização
Portuguesa no Brasil, é uma espécie de paráfrase do quadro de Vítor
Meireles, a começar pelo facto de também intitular “Primeira Missa” a
uma cerimónia em que a cruz é, como no quadro do pintor brasileiro,
aquela feita em madeira que serviu à segunda celebração. (Fig. 2)
Reduzindo a floresta próxima a uma bananeira e a umas poucas
palmeiras e colocando em plano de fundo as árvores bastas, Condeixa
também privilegia com a incidência da luz a cena da missa, na qual
apenas inverte a posição do altar, colocando-o à direita do observador
do quadro, e elege a consagração do pão ao invés da do vinho. E lá
estão a mesma compenetração dos descobridores e a mesma
15
Vertente em que muito se destacou, sendo conhecidas as ilustrações que fez com
Manuel de Macedo para a edição monumental de Os Lusíadas (1900) e para a edição
das obras completas de Garrett (1904).
36
MARIA APARECIDA RIBEIRO
curiosidade dos índios (desta vez com cocares exóticos, porque com
penas flexíveis, que dão a sensação de pássaros em voo). Uma arara
distrai a atenção de um selvagem, que, como em Meireles, volta as
costas à cerimónia religiosa. Plantas tropicais forram o chão dessa
cena, mais acamada que a de Vítor, porque sem a sugestão do alarido
dos cornos e buzinas e sem a densidade da mata logo no primeiro
plano.
Há, porém, um elemento que assinala a diferença de olhar, nesse
novo culto à expansão da fé. Condeixa retira do altar as flores
silvestres (marca brasílica de Meireles) e, aproveitando a posição da
cruz em relação ao observador do quadro, impõe-lhe a marca do
império: um escudo português. Assim conjugados, cruz e escudo,
fazem eco às palavras de Caminha: “Chantada a cruz, com as armas e
a divisa de Vossa Alteza, que primeiramente lhe pregaram…”(cf.
infra).
E, ao que parece, esta será uma pintura reconhecidamente
portuguesa, como se pode ver mais tarde, quando Paula Rego dela se
apropriar para um seu quadro, assunto a ser abordado adiante.
A Carta de Caminha na Literatura e na Pintura do Brasil e de Portugal
37
5. O Modernismo de 22 e o espírito paródico
Reagindo contra uma arte que considerava desde sempre
importada, o Modernismo brasileiro, cujo acontecimento-marco é a
Semana de Arte Moderna ocorrida em São Paulo em Fevereiro de
1922, irá buscar produzir uma arte genuína, para o que se torna
necessário demolir tudo o que signifique importação e dejà-vue, seja
através de manifestos, seja por meio das próprias obras artísticas. A
volta ao período pré-cabralino é uma das utopias propostas ("Pau
brasil. Bárbaro e nosso", proclamará Oswald de Andrade, lembrando o
primeiro produto brasileiro de exportação) e a paródia um dos mais
usados processos na corrosão do estatuído.
As raízes do Brasil voltam a ser pensadas, e dessa vez, novamente
como resultado dos contactos com a Europa (embora a princípio o
Modernismo tentasse recusá-los por completo, para, depois verificar
essa impossibilidade16) — o negro e o seu contributo para a formação
da nacionalidade considerados. Mas não só: também os imigrantes
europeus e asiáticos, cujo trabalho, a partir dos finais do século XIX,
ajudou a construir o Brasil, tiveram lugar no novo conceito de nação,
que procurava mostrar-se como nova Canaã17.
Resultante do "abrasileiramento" da arte o problema da língua,
que já no Romantismo originara uma série de polémicas, volta à baila:
os modernistas procuram apagar as fronteiras entre o oral e o escrito,
entre o gramaticalmente errado e o linguisticamente correcto,
exacerbadamente delimitados pelo Parnasianismo, alvo preferencial
dos modernistas. O poema "pronominais" de Oswald de Andrade
expressa de forma paradigmática essa situação de distaciamento, ao
mesmo tempo que procura eliminá-la trazendo-a para o poema, que já
agora também se apresenta dentro de outra concepção:
dê-me um cigarro
diz a gramática
do professor e do aluno
e do mulato sabido
mas o bom branco e o bom negro
16
Oswald de Andrade irá escrever o Manifesto Antropófago, onde acaba por propor o
aproveitamento de tudo o que for bom: "Só me interessa o que não é meu. Lei do
antropófago", enquanto Mário de Andrade, outra das figuras tutelares do Modernismo,
acaba por admitir que "ninguém pode renegar o leite das teorias avós que bebeu.
17
Há que lembrar as várias identificações do Brasil com esse espaço bíblico, feitas por
intelectuais da época, de Graça Aranha a Villa-Lobos.
MARIA APARECIDA RIBEIRO
38
da nação brasileira
dizem todos os dias
deixa disso camarada
me dá um cigarro (Andrade, 1966: 114 )
5.1. Oswald de Andrade
Um ano depois de ter lançado no Rio de Janeiro, no jornal O
Correio da Manhã (18/3/1924), o "manifesto da poesia pau brasil",
Oswald de Andrade publicava em Paris, com prefácio de Paulo Prado,
um livro de poemas, Pau Brasil, com a seguinte dedicatória: "A Blaise
Cendrars por ocasião da descoberta do Brasil"18.
Abria o livro, um texto que, numa paródia ao "Pai Nosso", pedia
"a poesia de cada dia", reiterava a ideia do poeta de que "a poesia está
nos factos" e revelava o seu diálogo com correntes estéticas europeias
que pretendiam desauratizar a obra de arte, caso, por exemplo, do
Dada, que substituiu a "criação" pelo "ready-made". A seguir, um
outro texto que, sem distinguir linguagem de criação e linguagem de
crítica, era um poema-programa reproduzindo de forma condensada as
ideias contidas no "manifesto da poesia pau brasil". O seu título,
"falação", já demonstra a ironia de Oswald dirigida ao gosto pela
eloquência, pela linguagem balofa e roçagante que grassava no fim do
século e e contra a qual se pôs Modernismo.
Ilustrados pelo próprio autor, seguiam-se vários conjuntos de
poemas, a maior parte deles em torno da História do Brasil. No
primeiro conjunto, uma série de composições de carácter
epigramático, que se apropriavam dos textos dos primeiros cronistas,
tomados como "ready-made", a exemplificar algumas das ideias da
"falação": a "história da Penetração da América", o colocar-se contra
"a poesia emaranhada na cultura", no "cipó das metrificações", o
privilegiar a "alegria da ignorância que descobre", a proposta de
"desmanchar".
A Carta de Caminha é o primeiro texto da "história da
Penetração" a ser relido dentro dessas perspectivas. Dela toma a
própria linguagem arcaizante que contrastará com a modernidade da
sua própria escrita e com a da situação proposta no título "as meninas
da gare". A ideia do acaso da descoberta é colocada em pé de
18
A descoberta é aquela que Cendrars havia feito e ajudado alguns brasileiros, entre os
quais Oswald, a fazer.
A Carta de Caminha na Literatura e na Pintura do Brasil e de Portugal
39
igualdade com a da premeditação pela simplicidade com que a viagem
é descrita.
Eliminando o "discursivismo" de Caminha em torno das
suposições de haver ou não ouro na terra, da fertilidade do solo, da
bondade das águas e dos ares, da beleza e variedade dos enfeites
índios, da sua esquivança ou cordialidade, da propensão a serem
cristãos, da hospitalidade de Cabral, do envio de navegadores à terra,
os dois poemas finais ressaltam, através da paródia que os títulos
inauguram, o olhar ingénuo de Caminha: o encontro de Diogo Dias
com os indígenas é visto como "o primeiro chá": Oswald ressalta, com
o seu título, a penetração da "floresta" pela "escola", para usarmos
termos seus, ou, se quisermos, do campo pela cidade. O mesmo
acontece com "as meninas da gare", cujo título também sublinha — e
agora de forma ainda mais negativa — o "encontro de culturas".
Dando gradativamente ênfase nos três últimos poemas ao espanto ("os
selvagens"), à aproximação e familiaridade ("o primeiro chá"), ao
olhar de desejo de posse e à dominação ("as meninas da gare"), o poeta
segue, embora de maneira sintética e irónica, as ideias do romântico
Gonçalves Dias que vê nos selvagens vítimas da chegada dos
europeus19. Ao invés do lamento do Piaga que explicita por outras
palavras a violência sexual cometida contra as índias pelos
portugueses, Oswald aproveita as próprias palavras da Carta, para
ressaltar aquilo que o título anuncia: o olhar de desejo que vê a
mulher-índia como exclusivo objecto de prazer.
19
Leiam-se as composições indianistas de Gonçalves Dias, nomeadamente “O Canto
do Piaga”.
É também de assinalar que um recente estudo vê no texto uma inversão inexistente; o
modernista brasileiro não diz, como quer a autora desse trabalho "que de nós as muito
bem olharmos não tinham vergonha nenhuma", atribuindo às índias a falta vergonha,
mas reproduz o texto de Caminha que relata "que de as nós bem olharmos não
tínhamos nenhuma vergonha", colocando os portugueses como sujeito da oração cujo
núcleo é o verbo ter. Também não nos parece que Oswald tenha usado saradinhas por
cerradinhas para "dizer que as selvagens tiveram de curar-se da 'mácula' deixada pelos
portugueses como afirma Magalhães, 1995: 30. Isso seria um anacronismo, pois o
olhar lançado é inaugural. O que nos parece é que o poeta modernista utiliza
saradinhas no sentido de saudáveis, sintetizando a ideia de higiene expressa Caminha
("vergonhas tão altas e tão çarradinhas e tão limpas das cabeleiras"), a qual, aliás,
perpassa todo o texto da Carta associada sempre à beleza e à saúde.
MARIA APARECIDA RIBEIRO
40
5.2. A Carta de Prudentinho
Tal foi a repercussão da Semana de arte Moderna de 1922, que,
ainda em 1925, era discutida, arraigadas que estavam as ideias
literárias conservadoras no Brasil de então. Já afastados do Futurismo
que, aliás, nunca assumiram, os modernistas continuavam a ser
chamados futuristas.
Viriato Correia, afeito às ideias e ao estilo dos Parnasianos, ligado
ao jornal A Noite do Rio de Janeiro, convidou Mário de Andrade,
talvez com o objectivo de o pôr a ridículo, bem como aos seus amigos
a publicar numa coluna intitulada "O Mês Futurista". Mário impôs a
mudança do nome para "O Mês Modernista" e pediu a colaboração de
Manuel Bandeira, Prudente de Morais Neto, Sérgio Milliet, Martins de
Almeida e Carlos Drummond de Andrade — figuras do Rio, de São
Paulo e de Minas Gerais, ligadas ao Modernismo.
Os vários textos publicados ao mesmo tempo que esclarecem os
propósitos da Semana, são exemplos da nova maneira de encarar a
arte. Prudente de Morais, neto20, o Prudentico, como lhe chamava
Mário, ou Prudentinho, como diziam outros amigos, contribuiu com
"Historinha do Brasil", uma crónica extraída "Do Diário de um
Tupiniquim" (19/12/1925) ".
O texto inverte o ponto de vista da Carta, pois o registos passam
a ser feitos por um índio. Tal facto implica uma mudança no campo
ideológico, dando-se voz ao Outro da História, sempre narrada pelos
europeus.
O cronista tupiniquim realiza uma série de anacronismos a
começar pelo primeiro e pelo último registo do Diário: 18/12/1499 e
19.... Eles balizam o Brasil pré-cabralino e o Brasil República, quando,
insatisfeitos com a nação (uma insatisfação que permanece, ou
começaria o declínio: "todo apogeu é uma degeneração", diria Mário
de Andrade, no “Prefácio Interessantíssimo”), os modernistas buscam
o Brasil genuíno. "Não era esta a república dos meus sonhos",
escrevem pela pena do tupiniquim.
Os anacronismos do diário, nos quais se inclui o facto de o índio
dominar a escrita, instauram a sátira sobre a principal ideia da Carta: o
facto de o Brasil ter sido achado (como se antes não existisse). Assim,
o tupiniquim anota em 18/12/1499: — "O Brasil é um país perdido."
20
(Francisco de Paula) Prudente de Morais, neto (Rio de Janeiro, 1904-1977),
classificado por Manuel Bandeira como poeta bissexto, foi um dos fundadores da
revista Estética (1924), junto com Sérgio Buarque de Holanda.
A Carta de Caminha na Literatura e na Pintura do Brasil e de Portugal
41
— para depois registar: 23/4/1500: "O Brasil é um país achado. Desde
ontem, quarta, de tarde, que eu desconfiava".
A essa espécie de prolepse, somam-se outros anacronismos que,
ora revelam a informação futurista do texto, pelo seu gosto em falar da
máquina ("Não tem sorvete nem ventiladores"), ora lembram que o
índio possuía valores religiosos, não sendo exactamente a tabula rasa
que Caminha insinua ("De hoje a uma semana é dia de Natal").
As observações sobre os índios são agora feitas a respeito dos
portugueses: "de pano e sentimentais", o que faz o tupiniquim avaliar:
"Ruim isso. Eu preferia os ingleses, povo mais organizado e
esportivo". A 9/8/1502 porém, esse registo feito no dia seguinte do
descobrimento parece mudar. Contudo, apenas reitera a ironia,
aludindo às críticas que se costumam fazer à colonização e ao engano
da expedição de Pêro Lopes de Sousa, que baptizou como Rio de
Janeiro, a baía de Guanabara por entendê-la como um estuário:
O homem não sabe reconhecer o bem que lhe fazem — é um ingrato. Os
portugueses afinal não são tão esquisitos como dizem. São muito cultos.
Falam como se escreve [...] São uns águias. Descobriram que a Baía de
Guanabara é um rio (isso só de português...) e que no Brasil tem largas costas
e riquezas.
Outra prática modernista, de raiz futurista, a palavra em liberdade,
instaura a ambiguidade entre a antropofagia ritual, não observada por
Caminha em sua Carta, e a realização do desejo sexual de que Pêro
Vaz nos dá conta: "Daqui onde escrevo estou vendo um branco e uma
bronze. Comidas..." O olhar do índio dirige-se à índia como objecto de
prazer, enquanto vê o branco dentro de uma óptica tribal: devorar o
inimigo sacro e adquirir-lhe as propriedades.
A falta de gentileza dos selvagens, assinalados por Caminha,
como "gente bestial e de pouco saber" por não terem correspondido às
amabilidades do Capitão enseja, no discurso que o Tupiniquim de
Prudentinho faz em resposta à saudação de Pedro Álvares, uma
paródia do gosto nacional pela eloquência, pela palavra "empolada",
pelo uso do clichê ("a união faz a força", "trabalhemos para a grandeza
e prosperidade") e pelo gosto da erudição dos brasileiros ("Salve 22 de
abril de 1500 e não 3 de maio como querem alguns autores!"). Ao
mesmo tempo o Diário glosa o tópico da hospitalidade desenvolvido
pelos cronistas e actualizado pelos modernistas na "nova Canaã", ("o
Brasil é um vasto hospital, hospitaleiro, sempre pronto a receber de
braços abertos como o Cruzeiro do Sul, os seus verdadeiros amigos.
MARIA APARECIDA RIBEIRO
42
Façam de conta que a terra é sua"), lendo a História do Brasil não
como uma história de doação: "trabalhemos para a grandeza e
prosperidade de nossas pátrias" [o sublinhado é nosso].
A substituição do verbo haver pelo verbo ter ("no Brasil tem
largas costas e riquezas"), comum no Português do Brasil, assim como
a utilização de registos coloquiais distensos e até vulgares ("uma ova")
marcam a abolição de fronteiras pretendida pelo Modernismo. É a
"contribuição milionária de todos os erros" de que fala Oswald no seu
"manifesto pau brasil", satirizando o monopólio linguístico
reivindicado por Portugal e a elitização defendida pelo Parnasianismo
(veja-se, por exemplo Bilac: "Profissão de Fé" fala em profanação e
prostituição). Nesse campo de ideias, vale a pena chamar a atenção
para o registo que traz, para a História do Brasil escrita no seu dia a
dia pelo Tupiniquim, o problema da mestiçagem, da posse da terra e,
consequentemente, o da nacionalidade, que já teria começado muito
antes de qualquer movimento nativista ou independentista registado, e
na qual, o Modernismo inclui o negro:
26/2/15... - "Agora tem homens cor de noite. Os filhos dos brancos não
são tão brancos e alguns começam a dizer que o Reino não existe e que isso
aqui é deles. Os velhos respondem que não existe, uma ova e que o seu a seu
dono. Ora, dono por dono, eu também sou dono. Logo, a propriedade é um
roubo."
Na sequência do problema da nacionalidade, põe-se o da
identidade, questão tematizada pelos modernistas: “Novembro de 1889
– O marechal Deodoro de barbas a cavalo proclamou a República e
avisou que todos são iguais perante a lei. Iguais a quê?”
5.3. A "Carta prás Icamiabas"
Em 1928, Mário de Andrade publica Macunaíma, o Herói sem
Nenhum Carácter, obra escrita em 1927 e que toma o nome do herói
das lendas dos índios tulipang e arecuná reunidas por Theodor KochGrumberg em 1916, no livro De Roraima ao Orenoco. Seu subtítulo
vem do facto de o escritor ter querido alegorizar, com esta
personagem, um Brasil "que nem o rapaz de vinte anos: a gente pode
perceber tendências gerais, mas ainda não é tempo de afirmar coisa
nenhuma". (Andrade, 1978: 219).
A Carta de Caminha na Literatura e na Pintura do Brasil e de Portugal
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Como Martim Cererê — outra obra modernista de que se falará
adiante, e Cobra Norato — o livro narra uma viagem: Macunaíma
nasce no "fundo do mato virgem" e caminha até São Paulo (encarado
como local de trabalho e progresso), indo também ao Rio de Janeiro
(visto como espaço de lazer). Cansado da vida e não podendo
recuperar Ci, o seu grande amor, vira estrela.
O "nenhum carácter" de Macunaíma fica patente nos inúmeros
traços contraditórios com que Mário o desenha: filho de uma índia
tapanhumas, o herói vem ao mundo "negro retinto, filho do medo da
noite", é objecto de uma pajelança (ritual indígena) de um Rei Nagô e
aprende com afinco inúmeras práticas dos índios, mas, quando vai a
São Paulo procurar a sua muiraquitã, o "velocino roubado", toma
banho no buraco de uma lapa do rio Araguaia e fica "branco louro de
olhos azuizinhos". É preguiçoso, mas extremamente rápido quando
quer; amigo do dinheiro e da luxúria, e de uma esperteza que se
confunde com a malandragem. Não tem persistência, é supersticioso,
valente e ao mesmo tempo covarde. Falastrão, utiliza o registo
popular, mas chegando a São Paulo, mistura-lhe "o brilho inútil" da
erudição.
Aproveitando-se do maravilhoso próprio das lendas, Mário de
Andrade constrói Macunaíma como personagem omnipresente, que se
desloca numa fracção de segundos do Norte para o Sul do Brasil,
passando pelo Leste e pelo Centro-Oeste. Aliás, uma das
preocupações de Mário de Andrade foi, no seu próprio dizer,
"desgeograficar", isto é, não vincular o espaço do seu livro a nenhuma
região do Brasil em especial.
Do livro de Koch-Grumberg, o escritor recortou não só o nome da
personagem principal e dos seus irmãos, como também muitas das
lendas e costumes indígenas que compõem o seu texto. Mas não parou
por aí, na composição do que chamou rapsódia: como ele próprio
confessa nos dois prefácios que escreveu para o livro e que não
chegou a publicar, nas cartas dirigidas aos amigos, e, como prova o
minucioso estudo de Cavalcanti Proença (51975), personagens reais,
dados autobiográficos, informações e muitos outros livros foram
utilizados.
O melhor exemplo desse discurso, que podemos chamar
macunaímico, mas que também, de certa forma, acaba por ser o do
narrador, é a "Carta pras Icamiabas". Nela, o herói inverte a situação
da "Carta de Caminha": não é mais o súbdito-escrivão que escreve ao
rei dando novas de ter descoberto a terra fértil e a sua estranha gente; é
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MARIA APARECIDA RIBEIRO
o índio-"Imperator" (Macunaíma depois de ter ficado viúvo de Ci
passara a governar as Amazonas) que escreve às suas governadas,
criticando os males da cidade, o tão exaltado progresso, falando da
prolixidade e dos "dislates de erudição" que levam os paulistanos
(leia-se aqui citadinos) a chamarem amazonas às icamiabas. No texto
dialogam, além da Carta de Caminha, versos de Gregório de Matos e
de Manuel Botelho de Oliveira, frases de Rui Barbosa, termos
vulgares, coloquialismos, uma série de referências à cultura clássica e
de expressões latinas tornadas clichê e divulgadas pelo Parnasianismo,
além de alusões às polémicas linguísticas travadas no início do século,
numa alegoria da multifária cultura brasileira. Essa apropriação tem,
declara o próprio Mário (cf. Andrade, 1978: 252), o objectivo de fazer
Macunaíma escrever "como o brasileiro actual", "pedantíssimo e
irritante". O carácter de cultura desenraizada deste discurso é, no
entanto, acentuado pelo escritor, nas confusões feitas pelo herói: ora
escreve "plátina respeitável da tradição", ora diz que as donas
paulistanas, em chegando a noite, "se entregam presto nos braços de
Orfeu", ora ainda refere já estar em condições de citar "no original [...]
os testículos da Bíblia".
5.4. Caminha lido por Cassiano Ricardo
Ainda dentro do espírito modernista, mas já tomando um novo
rumo, da autoria de Cassiano Ricardo, surge em 1926, Vamos Caçar
Papagaios, que serve de uma espécie de esboço a Martim Cererê, e
onde o poeta relê a História do Brasil, contemplando a viagem de
Cabral e a Carta de Caminha em vários poemas-episódios, como que
reunidos em “Gênese”: “Céu e Mar”, “O Poema”, “O Primeiro
Morro”, “A Manhã de Penacho vermelho”, “O Dia de Asas
Marítimas”, “Porto Seguro”, “A Primeira Missa”, “Profecia”, “o
Baptismo”. A epígrafe, que parodia e subverte as palavras de
Caminha, explicita a diferença do olhar entre selvagens e portugueses:
o ouro deixa aqueles indiferentes indiferentes; os papagaios provocamlhes um grande alarido.
Nos dois primeiros poemas, há como que uma síntese dos dias
mais ou menos iguais da viagem e a promessa de “mundos nunca
vistos nem sonhados”, que se concretiza, no terceiro texto, em
“alguma coisa muito azul que mostrava a cabeça / dentro da tarde
anunciadora / e olhava fixamente as caravelas” (Ricardo, 1926: 12).
Cassiano que irá explorar a cor a as formas propostas no texto de
A Carta de Caminha na Literatura e na Pintura do Brasil e de Portugal
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Caminha (Cortesão, 1994): “Neste dia, a horas de véspera, houvemos
vista de terra! Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e
doutras serras mais baixas ao sul dele”), sublinhará a surpresa dos
navegantes: “A serra parecia, / tão grande foi a surpresa, / o próprio
céu que caiu sem estrondo em montões de turquesa / no panorama
redondo”.
Assim também a manhã de 22 de Abril, que Caminha apenas
regista sem descrever, ganhará a coloração vermelha dos cocares
indígenas observados pela tripulação, que se expandirá pela flechas,
pelos pássaros, pelos frutos; a visão do paraíso será completada não
propriamente com a inocente nudez das índias, mas com a fartura da
terra, com o “cheiro de moita orvalhada” que “fazia pensar em goiaba
e pitanga”, com o mato “borrado de flores”. A pouco e pouco, as
outras cores registadas por Caminha nas penas dos ornamentos usados
pelos índios aparecerão nos novos índices de fertilidade da terra: “um
verde espanador varrendo o pó das últimas/ estrelas do amplo salão
azul do espaço”, a que o poeta soma a sensualidade colhida no olhar
de Caminha com relação às índias, sublinhada pelo oferecer-se e pelo
tatalar de uma bananeira — “E uma árvore nunca vista, / as grandes
folhas como plumas tatalantes / oferecia amavelmente / entre cantos de
júbilo e obséquios sem conta / seu lindo cacho amarelo / com o
coração roxo-escuro na ponta”.
Nessa profusão de cores, a mulher moça que se descobria do
lençol que lhe deram e o velho que apontava o céu, durante a missa,
transformam-se em elementos da natureza, lembrando que Caminha
viu nos selvagens animais monteses e pardais de cevadoiro:
A madrugada de trança amarela
Paramentou-se atrás do morro
Com seu lençol feito de bruma
E veio a correr pelos campos […]
O rio listado de espuma
Com a barba branca da cachoeira
Resmungou qualquer coisa profunda
Num socavão de cordilheira. (Ricardo, 1926: 20)
A introdução do Cristianismo, observada por Caminha como o
melhor fruto que se podia tirar da nova terra, é entendida por Cassiano
como algo magicamente assimilado, mas índice de um contacto que
causará sofrimento: os papagaios depois da missa “voltaram ao sertão /
dizendo coisas em latim” e “quando a noite veio / o vulto negro de um
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jequitibá / arremedou o capelão da armada / erguendo a lua como uma
hóstia iluminada / num altar de carvão… // E a terra que nascia […]
sentiu, pela primeira vez / como enorme profecia, / o Cruzeiro do Sul
pesar-lhe sobre os ombros…” (Ricardo, 1926: 20 e 21)
Em 1928, pelo editorial Helios, de propriedade de Menotti del
Picchia, e com ilustrações de Di Cavalcanti, era publicado Martim
Cererê, poema épico paradigmático do Verde-amarelismo, de
"mentalidade sadia vigorosa, destinada à solução dos problemas
brasileiros" (cf. Plínio Salgado, Despertemos a Nação, p.14-15) e no
seio do qual Alfredo Élis publicara, em 1926, Raça de Gigantes.
Narrando o surgimento do Brasil e da raça superior que o constituiria,
Cassiano mostra a sua relação com o Integralismo, feição do
nacionalismo político que o grupo Verde-amarelo viria a assumir.
O nome Martim Cererê, já aponta a preocupação com a origem
racial — uma mistura do Saci-Pererê, nome de origem indígena, que
por influência africana mudou-se em Cererê, com Matinta Pereira, do
folclore de origem portuguesa — e personifica o Brasil menino, que já
foi "o curumi das tabas, o moleque das senzalas" e "deve ser também o
italianinho das nossas fazendas de café e o escoteiro das nossas
escolas", como dizia Plínio Salgado na folha de rosto da 1ª edição.
Nas suas doze edições (1928-1972), o poema apresenta variantes
em tal quantidade e de tal modo diferentes, fruto da insaciedade de seu
autor, e talvez também das transformações histórico-sociais por que
passou o Brasil, que é preciso tomar uma edição por base de
comentário, o que, no caso presente, é a última. Misturando o histórico
e o lendário, narrado ao jeito de história infantil, melhor, de desenho
animado como lhe chamou o próprio autor, Martim Cererê é composto
em sete cantos que glosam epígrafes de origem variada — das
Metamorfoses de Ovídio aos cronistas do Brasil colónia, passando por
Os Lusíadas — e são formados por inúmeros poemas relacionados
entre si pela temática desenvolvida, mas que têm autonomia própria —
exemplo do privilégio dado ao fragmento pelo Modernismo — e são
fruto de pesquisa folclórica, histórica e literária, que neles inscreve e
reescreve textos de lendas e adivinhas, da Carta de Caminha, de
poemas e romances românticos como "Meus Oito Anos", "O Navio
Negreiro", Iracema, do poema modernista "História Pátria" de Oswald
de Andrade, do episódio do Adamastor de Os Lusíadas ou a narrativa
de Conimá, contada por Couto de Magalhães em O Selvagem.
Do casamento da Uiara, moça bonita que habitava a Terra
Grande, com o Marinheiro que a ela aportou e lhe foi buscar a noite,
oficiado por Anchieta — figura histórica privilegiada por Cassiano,
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que foi, aliás um dos seus cultores —, nasceram três gigantes de raça
cósmica — um tostado do sol da manhã, outro marcado com o fogo do
dia, e o terceiro mais preto que a Noite — que penetraram o sertão,
Terra do Nunca Dantes, e deram origem a outros gigantes de todas as
cores e à forma de harpa que o Brasil possui. À semelhança de
Macunaíma, publicado no mesmo ano, mas sem o tom humorístico
deste, Martim Cererê, no seu nacionalismo exacerbado, louva São
Paulo e o seu progresso — sinédoque do Brasil — obra dos
bandeirantes, gigantes das botas de sete léguas, que o Rio Tietê,
narrador do último Canto, exorta os imigrantes chegados àquela Canaã
a continuar.
É nesse contexto que se insere, sob a epígrafe "Gente assim como
nós, da cor do dia" (Os Lusíadas, V), o descobrimento do Brasil,
matéria desenvolvida no canto V de Martim Cererê, que se divide em
cinco episódios-poemas: "A Primeira Pergunta", "O 'Achamento'",
"Declaração de Amor", "A Missa e o Papagaio", "Ladainha".
Vista durante todo o tempo como um acto de amor — e só como
um acto de amor — (a dor não aparece nem mesmo de forma
simbólica, como na romântica Iracema, outra narrativa de fundação), a
criação do Brasil inicia-se com uma pergunta: "— [...] é aqui que mora
Dona Uiara?" (Ricardo, 1987: 45). Colocada na boca do marinheiro,
que "atravessara o Mar da Noite" e "saltou dos ombros" do "monstro
marinho" e que a procura por ter ouvido falar da sua beleza, ela
substitui as primeiras interrogações de interesse comercial21 dos
tripulantes da frota de Cabral.
O poema "O 'Achamento'" explora os aspectos de beleza e fartura
da terra, do colorido dos enfeites dos índios, da sua reacção ao ver a
chegada dos portugueses, da sua hospitalidade e da luz matutina
propostos por Caminha. Ao contrário de Oswald de Andrade e de
Prudente de Morais Neto, que injectam o riso no texto de Pêro Vaz,
Cassiano desenvolve a feição lírica da Carta. Os índios aparecem,
"cada qual com o seu sol / de plumas à cabeça"; o dia português
"saltara das ondas / qual pássaro marinho / ruflando a asa enorme / das
velas redondas"; a procura do ouro é metaforizada: os marinheiros
buscam o "sol da terra/ (um novo Tosão de Ouro)" (Ricardo, 1985:
49).
21
Além das interrogações directas sobre a existência de ouro, é de notar que o mostrar
a galinha e o carneiro, bem como o oferecer vinho, fartéis etc era maneira de sondar os
hábitos e conhecimentos dos índios.
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A noção de povo assinalado, sugerida por frei Henrique na sua
homilia e narrada por Caminha, é combinada com uma das formas de
dicção da Carta, o "querer parecer" que revela o desejo: o Marinheiro,
ao ouvir "Bem-te-vi!", imagina que o facto de o pássaro "de País tão
agreste" falar idioma que "com pouca corrupção" é "luso", só pode ser
um desígnio do "Pai Celeste". Por outro lado, "'O Achamento'" dá
continuidade ao mito narrado desde o início do poema, que faz
convergir os interesses de índios e portugueses e proporciona o
encontro no litoral brasileiro: enquanto estes seguiam a “lei do sol”em
busca de um “novo Tosão de Ouro”, aqueles procuravam a noite,
dirigindo-se para os “lados do Atlântico22.
O sentido ingénuo e ao mesmo tempo mágico de Martim Cererê,
sugerido no subtítulo — o Brasil dos meninos, dos poetas e dos heróis
— se faz sentir quando, ao descrever a natureza, diz o narrador "No
clarão matutino / os tucanos rombudos / eram como figuras / a lápis
encarnado / e que houvessem fugido / do caderno escolar / em que
Deus aprendia / desenho, em menino." (Ricardo, 1985: 46).
"Declaração de Amor" poderia parecer fugir ao texto da Carta,
mas não. Na voz do Marinheiro, que se declara "filho de outra raça",
servidor do rei, marcado pela "saudade" e pela "ambição", "rouxinol"
porque "lírico em terra" (embora "épico no mar"), mas, homem que
traz "uma cruz de sangue em cada vela", ouvem-se Camões e Pessoa;
porém fala igualmente o sensualismo entrevisto na descrição das
mulheres índias existente na Carta, apesar da proclamada pureza do
olhar de Pêro Vaz e de seus companheiros. Subtilmente, aliás, porque
apaga em muito as marcas de origem, Cassiano também recorta de
Caminha o tema "vergonha", palavra com que o escrivão faz
trocadilho: ela é um o pretexto da Uiara para que o Marinheiro vá
buscar a Noite.
Ao retomar a cena da primeira missa (no caso a de 1º de Maio), o
poeta de Martim Cererê detém seu olhar na imitação e no
proselitismo, uma vez que Caminha faz questão de frisar sempre que
os indígenas repetiam todos os gestos dos portugueses, inclusive o de
ajoelhar-se no momento da consagração, e vê, no facto de um homem
apontar a missa e o céu uma identificação entre ambos e um aspecto
positivo ("como se lhes dissesse alguma coisa de bem; e nós assim o
tomámos): "[...] há um frade que soluça / dizendo a sua missa/ e quase
22
Será esse desejo da Noite pelos índios, tornado uma exigência da Uiara para casar
com o Marinheiro, que irá apagar do poema a violência da escravatura, fazendo do
negro um elemento desejado.
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se debruça / no auge do seu latim [...] // Depois acaba a missa / e então
os papagaios / voltam, todos, pro mato,/ já falando latim." (Ricardo,
1985: 54).
E não se pense que nessa imagem de repetição há algum traço da
violência do apagamento da cultura nativa que muitos autores viram
desde os primeiros contactos entre portugueses e índios e que ele
próprio pareceu querer focar no poema “Profecia” de Vamos Caçar
Papagaios. O que Cassiano Ricardo privilegia é o encontro de
culturas. Branco e índio são colocados em pé de igualdade: assim é
que "o sol cacique" que "dançando ao pé cruz" na primeira missa quer
"forçar Frei Henrique / a um gole de cauim" (Ricardo, 1985: 54).
A fartura e beleza da terra descritas por Caminha, bem como o
constante assinalar das horas do dia pela luz do sol (que Cassiano faz
questão de aproveitar até mesmo na caracterização das personagens —
Uiara, "cor da manhã", Marinheiro, "cor do dia") aparecem
sintetizadas na "Ladainha" que repete, ao enunciar os três nomes dados
à terra descoberta: "Ilha cheia de graça / Ilha cheia de pássaros / Ilha
cheia de luz [...] Terra cheia de graça / Terra cheia de pássaros / Terra
cheia de luz [...] Brasil cheio de graça / Brasil cheio de pássaros /
Brasil cheio de luz" (Ricardo, 1985: 55).
5.5. Murilo Mendes
Ainda sob o influxo do Modernismo e da Revista de
Antropofagia, na qual colaborara, Murilo Mendes (1901-1975), depois
de lançar em 1930 com Poemas, que recebe o Prémio Graça Aranha,
publica, em 1932, História do Brasil, livro que depois considera pouco
representativo de sua obra e não abriga em Poesias (1959).
Afastando-se da síntese típica poema-minuto e também da
apropriação que caracterizaram a poesia de Oswald de Andrade, o
poeta conserva o humor dos modernistas, neste livro em que passa a
limpo a História brasileira, do descobrimento até 1930, mas imprime
também a sua “violenta frequentação de visionário” (Andrade, 1931:
102), único dos do Modernismo que teve um “aproveitamento
convincente da lição surrealista” (Andrade, 1931: 103).
O primeiro ponto a ser “rectificado” é a autoria do descobrimento,
em “Prefácio de Pinzón”, onde Murilo também procura, dentro do
louvor da rapidez das comunicações inaugurado pelos futuristas, e
seguido pelo Modernismo brasileiro (Oswald sobretudo), o elogio do
jornal. Vicente Pinzón, depois de jurar por São Tiago e buscar o
50
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Amazonas como testemunha, assim se justifica: “Nós tomamos na
cabeça / porque não tínhamos jornal. / A colônia portuguesa/ Mandou
para o jornalista/ um saquinho de cruzados. / Ele botou no jornal / Que
o arquimedes da terra / Foi um grande português.” (Mendes, 1994:
143)
Radicado no Rio de Janeiro desde 1921, é a paisagem carioca do
Pão de Açúcar e da Baía de Guanabara que o poeta escolhe para dar a
visão (surrealista) do encontro entre portugueses e índios, no poema
“1500”. O cenário paradisíaco pintado por Caminha como praia muito
chã e muito formosa transforma-se num espaço onde “a imaginação do
Senhor / flutua”, onde a fartura deixa em paz “as pitangas e cajus” e o
céu faz pinturas que já não existem, tirando-as “do baú”. As moças
cobertas de tinta, de vergonhas altas e beleza de fazer inveja às
europeias vistas por Cabral e seus companheiros são actualizadas num
cortejo carnavalesco que parte (do Casino) da Urca — elas vêm de
“carro”, “muito dengosas”, exibindo “tangas”, “maiôs” ou mesmo
“nuinhas da silva”. Na sua visão de 1500, Murilo cruza traços culturais
africanos, portugueses e indígenas, com fragmentos do próprio texto
de Caminha, com informações de cronistas, principalmente o Diário
de Navegação de Pêro Lopes de Sousa (que informa a “gentil gente”
carioca, o “engano” sobre a Baía de Guanabara ser a foz de um Rio e
ainda com os textos que falam da luta dos portugueses contra franceses
e tamoios no Rio de Janeiro, numa construção anacrónica e
multicultural. Um selvagem “desfia um “lundu”23 na sua “gaita”24 e
engravida uma índia saída do mar, qual Iemanjá25; o indiozinho
nascido dessa união já surge armado e dá uma flechada no “velho de
tamancos” vindo na fragata que “brotou do chão da baía” e pensa ser
“Dão Sebastião” (uma conjugação de Estácio de Sá26 — que com seu
tio Mem de Sá fundou a cidade do Rio de Janeiro, em homenagem ao
23
Ritmo de origem africana.
“Com isto se volveu Bartolomeu Dias ao Capitão; e viemo-nos às naus, a comer,
tangendo gaitas e trombetas, sem lhes dar mais opressão. E êles tornaram-se a assentar
na praia e assim por então ficaram. […] Passou-se então além do rio Diogo Dias,
almoxarife que foi de Sacavém, que é homem gracioso e de prazer; e levou consigo
um gaiteiro nosso com sua gaita. E meteu-se com eles a dançar, tomando-os pelas
mãos.” (Cortesão, 1994: 163 e 165). Caminha denomina gaita ao instrumento musical
indígena, mas, apesar de se tratar de instrumento de sopro não era propriamente uma
gaita. O poema de M. M. joga com a ambiguidade da palavra.
25
Rainha do mar, na mitologia afro-brasileira.
26
Morto um mês depois, em consequência da flechada.
24
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51
santo do dia e ao Rei desse nome (20/1/1565)27 — e Gaspar de Lemos
que voltou para Lisboa com as notícias da expedição de Martim
Afonso (1530), relatada por Pêro Lopes). Na figura de um índio “mais
velho / cheiinho de barbas brancas” superpõem-se as imagens do
nativo que falou a Cabral (e Caminha não retrata com barbas), do
selvagem velho (com alguma barba) que aparece em Vítor Meireles, e
de Sumé (Entidade da mitologia indígena, identificada pelos jesuítas
como São Tomé). O humor do poeta, ao construir esse samba do
crioulo doido28 intencional, continua a corrosão do discurso histórico
já iniciada em ”Prefácio de Pinzón” e justifica a exclamação do
curumim que fere o “velho de tamancos”: “— Sai, azar!” (Mendes,
1994: 144).
É esta mesma visão filtrada pelo humor e pelo onírico que
informa “O Farrista”: a chegada dos portugueses e a sua colonização
são encarados como um mal para os índios (e para os brasileiros) cujo
“anjo da guarda” estava passeando em Paris quando “o almirante
Cabral/ Pôs as patas no Brasil”; ao voltar, encontrando os holandeses
em Pernambuco, o anjo respirou alegre e voou novamente para uma
nova farra, mas … “deu um vento no anjo, /Ele perdeu a memória…/
E não voltou nunca mais” (Mendes, 1994: 144-145).
“Carta de Pero Vaz” é uma espécie de quarto capítulo da História
do Brasil e o texto que mais directamente tem a ver com a Carta de
Achamento. Numa linguagem colhida nos modernistas — a gíria (“que
nem chuchu”, “vossa perna encanareis”) e os usos do Português do
Brasil (emprego do verbo ter pelo verbo haver) misturam-se ao
português de lei — Murilo exagera (”No chão espeta um caniço / no
dia seguinte nasce / Bengala de castão de ouro”) e actualiza
(“Diamantes29 tem à vontade / Esmeralda é para os trouxas30”) as
27
Pode-se ainda ler uma alusão ao combate aos infiéis de que a figura de D. Sebastião
é paradigmática.
28
Utillizamos uma expressão cunhada pelo escritor carioca Sérgio Porto (Stanislaw
Ponte-Preta), para falar do letrista de sambas-enredo para as escolas de samba que,
semi-analfabeto, depois de muitas pesquisas para escrever sobre um tema histórico que
lhe era exigido, baralhava as personagens, as épocas e demais informações, criando
letras caricatas com anacronismos e outros absurdos.
29
Os diamantes só foram descobertos no final do século XVII, sendo a sua grande
procura, a partir de 1729, quando se divulgou a notícia da existência de grande
quantidade no Arraial do Tijuco (Diamantina, Minas Gerais).
30
Alude o poeta ao bandeirante Fernão Dias Paes Leme, conhecido como o “Caçador
de Esmeraldas”, que, indo procurá-las, morreu de febres, depois de encontrar pedras
de menos valor. Durante muito tempo divulgou-se a informação de que no Brasil não
havia esmeraldas, pedra de que a Bahia é boa produtora.
52
MARIA APARECIDA RIBEIRO
informações sobre a fertilidade da terra e sobre a cobiça do Império.
Nos dois últimos versos, o poeta, invertendo o sentido da saudade
portuguesa, reforça a ideia do encontro do Paraíso, afinal um dos
sentidos da Carta de Caminha (cf. Mendes, 1994:145).
6. Portinari e os homens não assinalados
Nos mesmos anos 20 em que a Semana de Arte Moderna
produzia os seus primeiros frutos, Cândido Portinari, um dos maiores
expoentes da pintura brasileira, dava os seus primeiros, mas já
determinados passos. Ainda aluno da escola Nacional de Belas-Artes,
sua produção como retratista começaria, a partir de 1923, a projectá-lo
na imprensa. Também ele — conforme se pode observar nas
entrevistas que deu — pensava numa pintura que, abandonando as
"tradições inúteis", se entregasse "com toda a alma à interpretação
sincera do nosso meio" (Fabris, 1996: 15). Apesar da fama, não ficou
livre de ter um seu quadro recusado no Salão de 1924: o “Baile na
Roça” que apresentava era muito pouco convencional, diferente
mesmo dos retratos, nos quais o pintor seguia mais de perto as regras
tradicionais da convenção. E foi pelo retrato que Portinari ganhou, em
1928, ano da publicação de Martim Cererê e de Macunaíma, o prémio
de viagem à Europa.
Os seus objectivos durante a bolsa poderiam parecer incoerentes
com o que anteriormente dissera a respeito da arte, pois Portinari
propunha-se "observar, pesquisar, tirar da obra de arte dos grandes
artistas [...] os elementos que melhor se prestem à afirmação de uma
personalidade" (Fabris, 1996: 61). Se observarmos, no entanto, nada
mais dentro do espírito "antropófago". Até porque é em Paris, na sua
aprendizagem, mas também dentro do seu isolamento que Portinari
começa a pintar o Palaninho, figura da sua infância, e outros quadros
que serão mostrados em 1932 no Palace Hotel do Rio de Janeiro.
Manuel Bandeira resumiu essas imagens referindo-se a elas como "o
menino e o seu povoado", já que o Candinho tinha na alma Brodósqui,
a sua cidade natal.
Contudo, revelando a paisagem e o homem rurais, Portinari
mostrava não só uma memória idílica dos bailes e da banda de música,
mas revelava também uma visão social — a do povo descalço, de pés
inchados e de mãos enormes motivados pelo trabalho no campo.
Afastava-se, assim, do Brasil miscigenado de Oswald e de Mário, e do
Brasil mágico de Cassiano Ricardo. Seu quadro “Preto na Enxada”
A Carta de Caminha na Literatura e na Pintura do Brasil e de Portugal
53
era, no dizer de Oswald, "matéria prima da luta de classes", embora
este pense que só em quadros como “O Operário”, tirado de uma
realidade citadina, o pintor se liberte da visão encantada que tem do
campo onde passou a sua infância.
Aos poucos, porém, a visão social do pintor, que assume maior
nitidez e que se associa ao retratista que ele continua, como se pode
ver pelos títulos já citados, vai sendo substituído pelo muralista.
“Café” — obra vetada na Exposição Internacional de Paris de 1939 —
tem essa marca. Ao preferir o negro e ao mostrar o trabalhador numa
posição estática, anónimo, ele contestava subtilmente o populismo do
Governo de Getúlio Vargas: o trabalho era uma força expropriada.
Aliás, Portinari não era o único a denunciar tal estado de coisas:
com ele, nomes hoje pouco conhecidos como Patrícia Galvão, Paulo
Torres, Lauro Palhano, Pedro Mota Lima31, e escritores de renome
como Graciliano Ramos, Jorge Amado, Rachel de Queirós, Amando
Fontes, e o próprio Oswald de Andrade de O Rei da Vela que, desde o
início dos anos 30 traziam para a literatura a presença da classe
trabalhadora, numa relação homóloga à intensificação das lutas de
classe que se faziam sentir no plano social32.
Todo esse conjunto de ideias pode ser visto nas têmperas que
Portinari pintou em 1941 para a Fundação Hispânica da Biblioteca do
Congresso (Washington) e do painel da "Primeira Missa" feito em
1948 em Montevidéu e comprado para decorar o Banco Boavista no
Rio de Janeiro, que havia sido projectado por Oscar Niemeyer. Neste
mesmo ano, Candinho fará um desenho a grafite sobre papel tendo
como tema a primeira missa.
Nas têmperas, "O Descobrimento"33 conjuga-se com outras três
cenas — "Desbravamento da Mata", "Catequese dos Índios",
"Garimpo do Ouro". Aquilo que Caminha desprezou por não ser do
seu ofício — os trabalhos no mar — é justamente o que Portinari
31
Autores respectivamente de Parque Industrial (1933); Poemas Proletários (1931);
O Gororoba (1931); Bruhaha (1931).
32
Estes dois comentários são bastante esclarecedores: "A Marcha da Fome,
manifestação contra o desemprego, que se dá em 19 de Janeiro de 1931 no Rio e em
São Paulo, mostra a liderança que ele [o Partido Comunista] vai conquistando entre o
proletariado; as comemorações do 1º de Maio, em 1931 e 1932, são de grande
repercussão; as greves sob sua direcção são inúmeras; a luta contra o integralismo,
cujo ápice está nos acontecimentos da Praça da Sé, em Agosto de 1934, mostra a sua
táctica contra o direitismo no Brasil" (Carone, 1982: 10); "30 é que é a grande data.
Nosso conhecimento do processo revolucionário soviético se acentua a partir da
revolução de 30" (da Entrevista com Jorge Amado citada por Táti, 1961: 13).
33
Pintura mural a têmpera (316 x 316 cm).
54
MARIA APARECIDA RIBEIRO
privilegia em "O Descobrimento". Despe-os, no entanto, de qualquer
função épica, conferindo-lhes, como diz Annateresa Fabris (1996:
122), uma visão quotidiana. Não aparecem as bandeiras com a Cruz de
Cristo, os frades, os soldados, as armas e os varões assinalados, enfim.
O pintor, mais uma vez, foca o trabalho anónimo, da raia miúda, dos
homens não assinalados: em primeiro plano não está Pedro Álvares o
Capitão, ou Caminha, o primeiro a escrever sobre a terra, mas
simplesmente um negro ou um mestiço. Nem espada, nem pena, nem
cruz; apenas as grossas cordas da embarcação e as mãos e pés do
marujo a trabalhar com elas.
Ao grupo que descalço trabalha, no primeiro plano, opõe-se
outro, ao fundo, calçado, que apenas exclama e, este sim, descobre.
Nenhum fura-buxo, nenhum rabo d'asno, nenhuma pitoresca palmeira;
apenas mar, céu e ao longe sinais de terra, mas realmente e apenas
sinais. O leitor do quadro vê-se obrigado a olhar o que para o seu
pintor é verdadeiramente importante: o homem a quem a História não
deu vez e que continua a existir, seja ele marujo, escravo, operário ou
camponês. E nesta oportunidade uma chamada de atenção para a
repetição da História, num quadro sempre actual. (Fig. 3)
A sua “Primeira Missa”34, comprada pelo Banco Boavista, será
como que um desmentido da Carta de Caminha e uma réplica ao
quadro de Vitor Meireles. O pintor dispõe em grupo e
hierarquicamente, pelos planos em que os coloca, frades, fidalgos,
soldados e marujos. Os índios não aparecem. A paisagem, um
esquema de montanhas e mar configurando uma missa que é uma ilha,
numa cultura que nada tem a ver com ela. Note-se que não é o
acentuar do ermo do “Panorama” de Meireles, mas o sublinhar da falta
de afinidades, da incongruência, que não será mostrada pela via
carnavalizante, como em Oswald de Andrade35, mas pelo silêncio.
Calando o índio velho da Carta de Caminha, Portinari dá-lhe voz, por
que o leitor do quadro, no mínimo, perguntará por ele e pela paisagem
tropical.
34
Painel a têmpera/tela (266 x 598 cm).
De lembrar o poema “brasil”: “O Zé Pereira chegou de caravela / E preguntou pro
guarani da mata virgem / — Sois cristão?/ — Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da
Morte / Teterê tetê Quizá Quizá Quecê! / Lá longe a onça resmungava Uu! ua! Uu! / E
o negro zonzo saído da fornalha /Tomou a palavra e respondeu / — Sim, pela graça de
Deus! / Canhem Babá Canhem Babá Cum Cum! / E fizeram o Carnaval” (Andrade,
1966).
35
A Carta de Caminha na Literatura e na Pintura do Brasil e de Portugal
55
Mas o pintor não iria parar aí na sua glosa à Carta. Em 1954-55,
pintaria um outro “Descobrimento do Brasil”36, mantendo algumas de
suas características das pinturas anteriores. Em primeiro plano, os
trabalhadores, descalços e de pés e mãos grandes e musculosas, ao
lado dos frades, também descalços ou com frágeis sandálias, mas de
pés e mãos ascéticos, contrastando com os dos trabalhadores; num
segundo plano, os navegantes e, separados deles, outros dois frades.
Ao fundo, um grupo de soldados. Enquanto os marinheiros executam o
seu trabalho como ginastas ou artistas de circo (de observar as cordas,
os movimentos de cada um e o próprio calçado de dois deles), falam
entre si ou exclamam em louvor os religiosos e parecem confabular
dois dos navegadores, o que também os coloca em contraste e acentua
a atitude de cada grupo como atitude de classe.
36
Painel a óleo e têmpera/tela: 492 x 393 cm, hoje pertencente à Coleção Banco
Central do Brasil - Brasília, DF, Brasil, mas executada para a sede do Banco Português
do Brasil, no Rio de Janeiro. Antes dele, foi feita, em 1954, a maquete do mesmo
nome (óleo/tela: 98 x 79 cm), pertencente à Coleção Henriqueta Gomes - Rio de
Janeiro, RJ, Brasil.
56
MARIA APARECIDA RIBEIRO
O descobrimento resumir-se-ia assim a trabalho, fé, fidalguia,
poder militar, ou seja, àquilo que moveu os descobridores, já que não
aparece na cena nenhum índio. Esse o pintor deixaria para um outro
painel, feito em 1956, na linha desenvolvida em “Guerra e Paz”, para
decorar o saguão da Revista O Cruzeiro e hoje no acervo do Banco
Central, em conjunto com outros que registam momentos, figuras e
tipos da memória nacional. É um óleo sobre tela de 1,99 cm de altura
por 1,69 cm de base. No primeiro plano, um grupo de índios: nus,
quartejados, como diria Caminha, com o encarnado do urucum e o
preto do jenipapo. Acobreados e pujantes, de costas, olhando as naus
que se aproximam e Portinari figurou claras, geométricas, quase
rochas, esses índios adultos contrastam com um curumim, pintado de
azul, com as mãos no rosto, a adivinhar o futuro e a denunciá-lo, como
faz o piaga de Gonçalves Dias.
O que Caminha mostra cordial em sua Carta e que Vítor Meireles
e seus discípulos consagram – o encontro de culturas – Portinari, ainda
que em imagens negociadas como também o foram a do escrivão de
Cabral e a do pintor romântico, critica subtilmente, colocando em
primeiro plano o que costuma estar em último e separando o que o
A Carta de Caminha na Literatura e na Pintura do Brasil e de Portugal
57
espírito de conciliação fez unir. A sua leitura, longe de ser crédula,
instaura a dúvida, mas não tira da parede a pintura de Vítor Meireles.
Ela é um dos muitos caminhos que o texto de Caminha, colorido, rico,
sedutor, mas ambíguo, possibilita nas suas franjas.
7. Manuel Alegre e a tradição portuguesa
Tendo estreado em 1965 com Praça da Canção, Manuel Alegre
prosseguiria com O Canto e as Armas (1967), Lusiade Exilé (1970),
Um Barco para Ítaca (1971), Letras (1974), Coisas Amar (Coisas do
Mar) (1979), até publicar em 1979 Nova do Achamento, que incluiria
em Atlântico, em 1981, abrindo-o com a epígrafe "Procura o sangue
do teu sangue o nome do teu nome/ a História já sem vida e a vida
feita História"37 (Alegre, 1989: 37).
De todos os livros transcende a sua história pessoal que não se
desliga da História Portuguesa, nem da História na sua generalidade.
Unindo o protesto à saudade de um Portugal não-cumprido, os versos
do poeta assumem um tom ora lírico ora épico, onde ecoam várias
vozes do património cultural português — os trovadores, Camões,
António Nobre, Pessoa, Jorge de Sena, Miguel Torga, Sophia de Mello
Breyner...
Assim, inscrita na tradição e no mito da portugalidade, Manuel
Alegre relê a Carta de Caminha, à qual a mudança de género não tira a
objectividade, embora, no momento da descoberta, apesar de tentar
expressamente afastá-la ("Talvez alguém Vos possa dizer a dor o riso
o sentimento / as coisas que se passam só por dentro"), o eu narrador
acabe por deixá-la aflorar ("Era a luz a surgir de seus segredos/ e em
nós embora tarde era manhã [...] Achar Senhor é pão que mata a fome
/da ânsia de mais mundo e de mais luz), depois de anunciá-la através
da lítote e da repetição ("Nem sei dizer Senhor o espanto e o pasmo
[...] Nem sei dizer Senhor o espanto e o pasmo […] Nem sei dizer
Senhor o espanto e os medos. Sabei porém que foi um sobressalto/
tremo ainda ao pô-lo no papel.").
O verso decassílabo sustenta o tom épico, assim como a
manutenção da divisão em diário. Do texto de Caminha são mantidas
de forma sintética praticamente todas as informações, mas banidos os
trocadilhos e eliminados o tom humorístico e as comparações. A vista
37
"Lição do arquitecto Manuel da Maia".
MARIA APARECIDA RIBEIRO
58
das índias, sempre notada e anotada por todos os reescritores de Pêro
Vaz, ganha foros de emoção ainda mais fortes (embora mais breves)
que os da vista de terra: "(Eu nada invento destas maravilhas/digo-vos
só Senhor factos passados/ mesmo que sejam o que o sonhar não
ousa)".
Sustenta-se, assim, a maravilha da descoberta e o valor dos
descobridores, a "coisa grande de se ver" que era Cabral, "entre o azul
do mar e o azul do céu/ o grande capitão naquele ilhéu/ que ora se
achou nesta navegação”. A lembrança ao rei de que "a Fé que é vossa
arma/com que a alma da gente vencereis" e que substitui o fruto a ser
colhido, das palavras de Caminha, corrobora as restantes imagens
disseminadas por Atlântico, e em outros livros do poeta, nas quais
aparecem homens dominados por armas que não são a fé nem o canto;
nas quais "imagem doppo imagem" surge a "promessa não cumprida"
(p. 132). Sobretudo, a Nova do Achamento contrasta com a errância
que perpassa todo Atlántico e de que é síntese um dos últimos versos
de “D. Sebastião”: "A nossa pátria é sempre um outro lugar".
8. Paula Rego
Depois de estudar em Londres, Paula Rego (Lisboa, 1935) expôs
em Portugal pela primeira vez na II Exposição Gulbenkian (1961),
tendo sido elogiada pela crítica. Pintora cuja obra vem causando
escândalo: pelo facto de que a imagens que apresenta, ligadas às
questões da sexualidade e da morte, revelarem interditos, mas também
porque a artista, sem dar importância aos modismos artísticos,
continua fiel ao naturalismo, copiando “à vista” e utilizando modelos,
o que a demarca de grande parte do que é exibido como arte
contemporânea (cf. Pomar, 22/5/2000), usou essas mesmas lentes para
ler a carta de achamento. (Fig. 4)
A Carta de Caminha na Literatura e na Pintura do Brasil e de Portugal
59
A sua “Primeira Missa no Brasil” (1993), um acrílico sobre tela,
coloca como pano de fundo a missa propriamente dita, que Paula Rego
vai buscar na já mencionada ilustração feita por Ernesto Condeixa e
que foi pintada por Roque Gameiro (cf. 4.4). Em primeiro plano está o
que a História ocultou dessa acontecimento: as mulheres “que
ficaram” de quem falam poetas como Camões e Pessoa, representadas
por uma grávida, deitada sobre uma camisola de homem do mar.
Escolhendo uma pintura portuguesa bastante conhecida — reproduzida
como brinde aos assinantes de Mala da Europa, pintada por Roque
Gameiro, e incluída na História da Colonização Portuguesa no Brasil
— e um tema poético português, a artista, como é hábito seu, marca o
quadro com imagens das suas raízes. Mas não pára aí: a sexualidade
existente na fecundidade da mulher e da nação que se começa a formar
surge numa série de outras figuras. Algumas são fálicas — um peru,
jarros (no Brasil, copos-de-leite), uma espécie de fruto; outras
retomam o problema sexual do ponto de vista feminino: mulher com a
roupa ensanguentada, mulher com a mão na genitália, mulher com os
seios nus imersa numa taça em chamas, mulheres-cadáveres,
incompletas como as “que ficaram por casar”, Ofélias portuguesas
navegando à margem do “quadro histórico”.
MARIA APARECIDA RIBEIRO
60
9. Caricaturas e actualização
Em 1992, o Salão Nacional de Caricatura organizou em Lisboa,
uma “Quinzena do Humor”, cuja programação girou em torno dos
descobrimentos e incluiu uma exposição denominada “Humor nos
Descobrimentos”, com desenhos satíricos de 39 artistas pertencentes a
Alemanha, Austrália, Brasil, Chile, Colômbia, Croácia, Estados
Unidos da América, França, Holanda, Itália, México, Portugal, Rússia,
Suíça e Venezuela.
Condicionados pela ignorância do que fossem os descobrimentos
portugueses, como chama a atenção Osvaldo de Sousa (Câmara
Municipal de Lisboa, 1992: 2) — e com certeza também pelas
comemorações em torno da Descoberta da América e pela origem
hispano-americana de vários — a maior parte dos humoristas do
desenho estrangeiros optou por focar Colombo. Nem mesmo o único
brasileiro participante (Jorge de Salles) pensou em Cabral. Dos
portugueses apenas três detiveram-se no acontecimento de Abril de
1500.
A Carta de Caminha na Literatura e na Pintura do Brasil e de Portugal
61
Carlos Laranjeira actualizou o texto de Caminha em duas
composições. Na primeira, inverte o sentido da Carta, transformando a
paisagem edénica e a inocência das gentes em paraíso dos assaltantes,
ao focar um assalto a faca. Note-se o reforço dos preconceitos: em
função do acontecido, Cabral conclui que descobriu o Brasil e o
assaltante é identificado como um negro. (Fig. 5)
Na segunda composição, Carlos Laranjeira retoma da Carta o
momento em que Cabral desce à terra e inverte a direcção do olhar:
não são mais os selvagens que protagonizam a cena vista pelos
portugueses; é o Capitão o foco das atenções dos índios; estes tentam
captar com o auxílio de uma máquina fotográfica o instante histórico
e, num trocadilho feito a partir da informação dos muitos papagaios
vistos na nova terra pelos navegadores, dizem a Cabral: “— Olha o
passarinho!” (SALÃO, 1992: 20)
Zé Manel, outro dos portugueses a tematizarem o descobrimento
do Brasil, divide em dois momentos o seu enfoque. No primeiro,
também mostra Pedro Álvares como o protagonista, acentuando-lhe,
pela pose, esse papel. Não são porém os índios que o fotografam; mas
as índias que, munidas de filmadora, o focalizam. A sensualidade das
selvagens vem agora explicitada. E o segundo momento da descoberta
foge ao texto de Caminha, mas retoma o que Gil Vicente tornou risível
no Auto da Índia: a traição da mulher ao marido ausente. Na cama,
com outro homem, esta nova “Ama”, vendo o marido entrar com uma
arara ao ombro, exclama: “— Querido, voltaste! Descobriste alguma
coisa?…” (SALÃO, 1992: 31)
A terceira imagem referente a Brasil adopta a perspectiva do
índio, fazendo humor com a antropofagia, que Caminha não
vislumbrou, mas que foi registada por vários cronistas. Luís Poças
aproveita o trecho da Carta que refere a estada de um dos degredados
entre os índios. Ele é levado pelo selvagem “que o agasalhou” ao
cacique que diz: “— Toda a tribo te agradece por teres descoberto o
homem branco. Como prémio, podes ficar com ele. Bom apetite!”
(SALÃO, 1992: 22)
10. Consagração, tradição, questionamento
Interessado em criar uma origem para o Brasil, o Romantismo
brasileiro consagrou na pintura e no seu principal romance de
fundação a Carta de Caminha, na medida em que tentou reproduzir o
texto nos mínimos pormenores daquilo que tem de conciliador: um
62
MARIA APARECIDA RIBEIRO
encontro cordial, o que ocorreu naquele Abril de 1500 entre
portugueses e índios, a superioridade do Cristianismo, a beleza do rito
cristão, algo que se comunicou com facilidade aos índios e que passou
a ser a marca da jovem nação brasileira, que antes preferiu adoptar o
sinal da cruz que o padrão português, recém-derrubado. O
encantamento dos portugueses com os índios, esse mesclou-se ao
indianismo bebido nas lições francesas do bom selvagem, de
Chateaubriand e de Ferdinand Denis, não chegando a reproduzir-se
numa cena pictórica ou literária (embora o encontro de Martim e
Iracema, não deixe de resgatar o deslumbramento dos navegantes
diante das mulheres índias). Até porque falar de um encontro que não
privilegiasse um momento de êxtase ou de espiritualidade seria
fatalmente registar o confronto e a dor, o que não interessaria num
Brasil ainda tão cheio de portugueses, cuja independência foi
proclamada por um português e que ainda não sabia muito bem o que
fazer com os índios, como mostra a discussão entre Varnhagen e
Manuel António de Almeida.
É verdade que um texto não explorado aqui — o de Varnhagen —
aponta para uma abordagem diversa: mas o que o Visconde de Porto
Seguro questiona é a forma de fazer história, a diferença entre o
cronista, que foi Caminha, e o historiador que ele próprio encarna.
O Modernismo literário brasileiro, preocupado com uma revisão
da História e uma releitura das origens, dessacraliza as palavras do
escrivão de Cabral, procurando enfatizar, muitas vezes pelo ridículo, o
choque que representou o encontro entre civilizados e selvagens.
Portinari completa as lacunas da Carta, pintando o que ela apenas
sugere ou não diz, questiona as palavras do escrivão e, com elas, o
projecto colonial, dando voz aos que foram silenciados pela História.
Se a maior parte dos artistas brasileiros questiona a Carta e o que
ela representa, é o riso, corrosivo, mas regenerador, que predomina
nesse olhar. Já os portugueses aqui mencionados, mesmo os que se
colocam à esquerda do instituído, revelam uma incapacidade de olhar
para o índio como outro, pois os oprimidos dos seus textos não são os
índios, mas os próprios portugueses: os fadados à errância, os homens
de um Portugal não cumprido, as mulheres que “ficaram por casar”. A
Carta, perde, assim, na visão dos artistas portugueses, o sentido
inaugural que os brasileiros lhe emprestam, para ser um, dentre os
muitos episódios, de uma história trágico-marítima.
A Carta de Caminha na Literatura e na Pintura do Brasil e de Portugal
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