Carolyn Davidson - A bela forasteira _PtBr

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Carolyn Davidson - A bela forasteira _PtBr
A bela forasteira
Carolyn Davidson
Clássicos Históricos nº 77
Título original: Gerrity's Bride
Copyright para a língua portuguesa: 1996
Copyright © 1995 by Carolyn Davidson
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
DIGITALIZAÇÃO: PALAS ATENÉIA
REVISÃO: VAL G.
Este Livro faz parte de um projeto sem fins
lucrativos.
Sua comercialização é estritamente proibida.
Sob o sol ardente do Oeste selvagem, ela descobriu o poder da
sedução…
Arizona, século XIX
Criada na cidade grande, Christine Carruthers tinha certeza de que não iria
se acostumar naquela fazenda do Arizona. Nem com o intratável Matthew
Gerrity, com quem teria de se casar. Mas o que ela não esperava é que por
trás daquele rude cowboy se escondesse um homem capaz de despertar nas
mulheres as mais desatinadas paixões!
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UM
“Senhorita Christine Carruthers
Rawlings Farms
Lexington, Kentucky
É meu triste dever informá-la que na última terça-feira seu pai, Samuel
Carruthers, faleceu numa enxurrada, juntamente com a esposa, Arnetta.
Aguardamos suas instruções em relação à filha de ambos, Theresa, de cinco
anos de idade. Por favor, entre em contato conosco o mais breve possível.
Seu humilde servo,
Oswald Hooper,
advogado.”
— Com certeza nem o inferno pode ser tão horrível quanto este fim de
mundo. — As palavras murmuradas ao vento desapareceram no ar como
fumaça, enquanto uma figura esguia e delicada fitava assombrada a paisagem
estéril de Forbes Junction.
O trem fizera uma parada rápida para deixá-la descer e logo sumira no
horizonte, o apito longo e angustiado rompendo o silêncio da tarde.
O sol já ia alto, porém desde o amanhecer o calor se mostrara
insuportável. Passara as últimas horas abanando-se com um jornal dobrado e
umedecendo as têmporas com um lencinho perfumado. Ainda assim, sentia-se
drenada de toda energia.
— Arizona… Até o nome sugere calor — ela tornou a murmurar, batendo
os pés elegantemente calçados na plataforma de madeira para livrar-se da
poeira.
Bem, restavam-lhe duas alternativas. A primeira era seguir pelo caminho
à sua frente, uma rua estreita e sem calçamento, ladeada por casas e
estabelecimentos comerciais. Uma visão nada animadora.
A segunda alternativa seria procurar refúgio imediato contra o sol
escaldante. Para isto teria que se contentar com a minúscula sala de espera da
estação. Deixando o baú com suas roupas na plataforma deserta e carregando
apenas a valise, pesada por causa dos livros, Christine Carruthers jogou os
ombros para trás e abriu a porta.
A saleta estava na penumbra, e esta era quase a única coisa positiva que
podia-se dizer a respeito do local. Nenhum conforto, à exceção de uma
janelinha aberta. Por um momento ela pensou em desabotoar a gola do paletó,
mas o bom senso prevaleceu. Melhor sentir calor do que não se comportar com
o decoro próprio de uma lady.
— Por favor. — Sua única defesa contra aquela situação era justamente
o decoro, que a permitira viajar centenas de quilômetros sem desesperar-se.
Bastara deixar os limites da civilização para perceber que somente sua postura
de verdadeira lady poderia protegê-la das vulgaridades ao redor.
— Ah… só um minuto. — A resposta arrastada veio de sob o balcão e
Christine teve vontade de se debruçar sobre a madeira estreita para enxergar
o que se passava do outro lado.
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— Em que posso servi-la? — indagou o chefe de estação, levantando-se
afinal, os óculos teimando em escorregar pelo nariz aquilino.
— Estou sendo esperada — ela anunciou um tanto seca. — Deveria haver
um veículo da fazenda Carruthers me aguardando, porém não vejo ninguém
nos arredores. Você tem algum recado para mim?
— Bem, tanto posso ter, como não ter. Diga-me a quem o recado
deveria ser endereçado.
— Sou Christine Carruthers.
Os olhos do funcionário se arregalaram por trás das lentes grossas, o
rosto fino cheio de admiração.
— Sim, claro que você é quem diz ser. Basta ver como se parece com
seu pai… os mesmos olhos… os cabelos.
— Verdade? — ela indagou atordoada, sem saber como interpretar o
comentário.
— Sim, seu irmão virá buscá-la.
— Quem virá me buscar?
— Seu irmão — o chefe de estação insistiu, dando-lhe as costas para
cuidar de alguns papéis sobre a mesa.
— Mas eu não tenho irmão. — Com certeza o homem havia se
confundido. — Vim encontrar minha irmã Theresa. Não tenho outros parentes
na cidade.
Christine repetiu mentalmente o nome da irmã, saboreando cada sílaba.
Theresa. Cinco anos de idade… filha de Samuel. Sem dúvida sua irmã.
— Sinto o que aconteceu com seu pai. Jamais fique no leito de um rio
seco. Nunca se sabe quando a enxurrada começará.
Ela agradeceu as condolências com um breve aceno de cabeça. Era difícil
sentir pesar pela perda do homem que lhe dera a vida. Afinal ele não passava
de uma lembrança distante, uma lembrança que não fora encorajada a
florescer.
Mortos numa enxurrada.
O telegrama havia sido bastante claro. Seu pai morrera e a esposa
também. Samuel e Arnetta Carruthers. Estranhos com quem partilhava apenas
o sobrenome.
— Você o conheceu bem? — Christine perguntou num impulso.
— Como? Se conheço seu irmão? Claro que sim. Todo mundo em Forbes
Junction conhece Mat Gerrity.
— Não, eu só queria… — Ela desistiu de indagar sobre o pai. O
importante era que alguém viria buscá-la. Logo… logo veria a criança. Era a
única coisa que importava.
— Ele não deve demorar muito, a menos que seja obrigado a parar para
conversar com uma moça ou outra quando puser os pés na cidade. Seu irmão
atrai as mulheres como um imã.
— Como um imã… Isto me parece…
— Hora do almoço — o funcionário anunciou, retirando-se para o fundo
da sala.
Christine suspirou desanimada, sentindo um vazio no estômago. O
pedaço de pão que comera no café da manhã estava muito duro e o pêssego
excessivamente maduro. Viagens de trem deixavam bastante a desejar, fora o
que descobrira antes de chegar a Kansas City.
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Sozinha, ela parou um segundo diante do espelho. A visão não era nada
agradável. Olheiras escuras sob os olhos azuis aumentavam a palidez do rosto
claro. Para não mencionar os fios de cabelo fora do lugar e a roupa
amarrotada.
— Estou um horror — murmurou para si mesma.
— Não, eu não diria isto.
— O senhor falou alguma coisa? — Ela virou-se para encarar o recémchegado sem disfarçar a indignação. Se não podia evitar o suor que lhe
escorria pelo pescoço ou o embaraço de ter sido pega olhando-se no espelho,
só lhe restava apelar para a arrogância.
— Eu não diria isto — o homem repetiu, examinando-a da cabeça aos
pés com prazer. — Você é a mulher mais bonita que meus olhos jamais viram.
Ela inspirou fundo, irritada com a ousadia do desconhecido. Então virouse de costas e aproximou-se da janela.
— Não é preciso ser rude com o homem que irá lhe assegurar
transporte, madame.
Oh, céus, ele estava bem atrás de si. Podia sentir o calor daquele corpo
atlético junto ao seu.
— Como vai, Matt? Sua irmã está esperando-o há algum tempo.
— Eu não tenho irmão. — Cada palavra foi dita com tanta ênfase que
não deixava dúvidas quanto ao seu estado de espírito.
O tal de Matt segurou-a pelos ombros e obrigou-a a virar-se de frente.
— Estou aqui para representar sua família, senhorita.
— Não sei quem é você — Christine retrucou secamente, os olhos claros
brilhando de raiva. — Vim de Lexington para conhecer minha irmãzinha,
Theresa Carruthers, e estou aguardando que alguém me leve até a fazenda.
Não sou sua parenta.
— Ah, mas é aí que você se engana, madame — o homem respondeu, os
braços fortes e bronzeados cruzados sobre o peito, um sorriso arrogante
iluminando o rosto viril. — Sou seu parente de fato. Arnetta Carruthers era
minha mãe e depois que se casou com seu pai, tornei-me um novo membro,
aliás, interessante, da família.
Matt soltou-a e dando um passo para trás, fez uma mesura exagerada.
— Bem-vinda ao lar, senhorita Christine Carruthers. Nós a estávamos
aguardando.
A carroça não oferecia grande conforto depois do trem, Christine concluiu
antes de vencerem o primeiro quilômetro.
— Você costuma usar isto aqui com freqüência? — ela perguntou,
segurando-se nas bordas do banco para manter o equilíbrio.
— Tendo dificuldade para ajeitar-se? — Sorrindo, Matt pressionou as
rédeas sobre os flancos dos dois cavalos, fazendo-os trotar mais rápido.
Christine agarrou-se à tábua que servia de assento, o corpo já dolorido pelo
esforço.
— Com certeza você deve ter uma charrete ou algo mais confortável.
— Charretes não carregam mantimentos. — Matt olhou-a de soslaio,
perguntando-se se não exagerara na recepção. Obrigá-la a enfrentar tamanho
desconforto quando a sabia tensa e nervosa, não era exatamente um jogo
limpo.
— Escute, irmãzinha…
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— Eu… não… sou… sua… irmã! — Christine murmurou entre os dentes,
como se cuspisse as palavras.
— Seja lá qual for sua opinião, somos parentes, lady. Agora que já
esclarecemos este detalhe, é melhor se refrescar um pouco. Você não pode
ficar sentada sob o sol vestindo todas essas roupas. Acabará sofrendo de
insolação antes de chegarmos à fazenda. E como terá forças para conhecer
nossa irmãzinha?
Percebendo que Matt esticava as mãos com o firme propósito de
desabotoar seu casaco, Christine não teve outra alternativa. Ela mesma
desabotoou a gola do casaco preto, expondo o pescoço ao calor intenso.
O alívio imediato a fez fechar os olhos e saborear o prazer de sentir a
brisa suave roçando-lhe a pele quente. De repente o toque daquelas mãos
rudes em seus pulsos arrancou-a do torpor em que se encontrava.
Assustada, observou-o abrir os botões dos punhos e enrolar as mangas
até a altura dos cotovelos. Tanta audácia deixava-a literalmente sem fala. A
proximidade de seus corpos a desconcertava por completo e aquela sensação
esquisita na boca do estômago não se tratava apenas de fome e sim de algo
bem diferente.
— Sentindo-se melhor agora?
— Sim — ela conseguiu murmurar, engolindo em seco.
— Assim que chegarmos à fazenda você poderá se livrar dessas meias
grossas ou do que mais estiver usando sob tantas camadas de roupas.
— Desculpe-me, mas o que estou usando não é mais nem menos do que
uma lady deveria usar.
— Você não encontrará tantos casacos e anáguas na fazenda, senhorita.
As damas por aqui costumam vestir cores claras e tecidos leves.
— Estou de luto — ela falou empertigada, embora soubesse ser difícil
lamentar a morte de um pai quase desconhecido. Porém o dever exigia que
usasse preto e um véu cobrindo o chapéu. Ainda no trem tivera que se
desfazer do véu, ou não conseguiria respirar. Oh, era horrível pensar que
aquele… caubói tivera a ousadia de tocá-la, de criticar suas roupas…
A lembrança dos dedos longos e bronzeados roçando sua pele foi a gota
d’água. Matt era mandão, arrogante e detestável. O cansaço, o calor e o
desgaste emocional eram tão grandes que sentia vontade de chorar.
— Chegamos — ele anunciou, salvando-a da humilhação de perder o
controle ali mesmo, diante de um estranho.
Como se tivesse brotado do deserto, a casa enorme se expandia em
várias direções, as paredes claras dotadas de várias portas e janelas. Um
telhado largo providenciava sombra e abrigo necessários contra o sol
escaldante. Logo uma mulher saía da casa para lhes dar as boas-vindas,
limpando as mãos no avental imaculadamente branco.
Matt parou a carroça e desceu. Sem lhe dar tempo de pensar ou esboçar
uma recusa, enlaçou-a pela cintura e colocou-a no chão.
— Sentindo-se mais firme agora? — ele perguntou, os olhos risonhos
observando-a com atenção. A senhorita Carruthers era uma coisinha
pequenina e magra, Matt concluiu, pressionando os dedos de encontro às
várias camadas de roupas sem conseguir perceber qualquer sinal de músculos.
Talvez depois que se livrasse daqueles corpetes idiotas que as mulheres
costumavam usar, ela ganhasse alguns quilos extras.
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— Obrigada, senhor…
— Me chame de Matt. Não nos apegamos a formalidades por aqui, irmã.
— Está bem. Obrigada, Matt — Christine retrucou, preferindo não discutir
a natureza do parentesco de ambos.
— Vamos, entrem, entrem — a mulher parada na varanda os convidou.
— Está muito quente aqui fora.
— Maria, esta é Christine. — Matt as apresentou. — Maria é nossa
governanta.
— Estávamos esperando-a, querida. Você deve estar cansada e com
fome. Tenho a impressão de que também precisa de algo gelado para beber.
Christine seguiu a governanta, agradecida pela temperatura agradável
do interior. Cortinas brancas rendadas enfeitavam as janelas e dois sofás
confortáveis ficavam defronte a lareira enorme. As paredes, também brancas,
exibiam uma coleção de aquarelas suaves e tapetes claros forravam o assoalho
de tábua corrida.
Uma sensação de boas-vindas, que jamais julgara possível experimentar
naquele lugar, inundou-a silenciosamente.
— Leve a bagagem da srta. Christine para o quarto de hóspedes — Maria
estava dizendo a um dos empregados.
— Eu trouxe apenas esta valise e um baú.
— O resto de suas coisas virá depois? — Matt perguntou, ainda parado
junto a porta.
— Não. — Virando-se para fitá-lo, ela tirou o pequeno chapéu e sacudiu
a cabeça, os cachos avermelhados ganhando vida sobre o vestido de luto. —
Não planejo ficar muito tempo, assim o que tenho comigo basta.
— É mesmo? — Era impressionante a carga de desafio contida naquelas
duas únicas palavras.
— Planejo ficar apenas o tempo suficiente de ouvir a leitura do
testamento e fazer os arranjos necessários para levar minha irmã comigo, de
volta a Lexington.
Tarde demais ela percebeu a presença de outra pessoa na sala. Mas o
estrago já estava feito.
— Naaão! — A angústia da criança era tão profunda que cortava a alma.
— Não vou embora daqui! Não vou para Lexington, não é, Maffew?
— Claro que não, Tessie — ele a reassegurou, tomando-a no colo e
abraçando-a com força. O olhar lançado a Christine deixava claro que ela havia
acabado de cometer seu primeiro grande erro.
— Esta é sua irmãzinha Theresa. É uma pena que você não tenha
conseguido causar uma boa impressão.
Ignorando as palavras irônicas, Christine aproximou-se da garota, que
continuava com o rosto enterrado no pescoço do irmão.
— Theresa você não quer olhar para mim? Viajei muito apenas para
conhecê-la. — Ela tentou tocar a mãozinha apoiada no braço de Matt, mas a
menina estremeceu de pavor.
— Não, não quero vê-la! Faça-a ir embora, Maffew! Por favor!
— Senhorita Carruthers, venha comigo. Vou lhe mostrar onde é o seu
quarto.
Grata pela sugestão de Maria, Christine saiu da sala, não sem antes
ouvir a voz da criança tornar a implorar:
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— Faça-a ir embora, Maffew.
A resposta dele, embora não passasse de um murmúrio, chegou aos
seus ouvidos com extrema clareza.
— Ela não ficará aqui muito tempo, pedacinho de gente. Tudo acabará
bem. Ela não passa de uma mulher engomadinha que resolveu conhecer como
é a vida no campo. A srta. Carruthers não ficará aqui muito tempo. Prometo.
— Ele não sabe de nada — Christine murmurou entre os dentes, morta
de raiva. — Mulher engomadinha, eu? O homem é incapaz de reconhecer uma
dama quando a vê. Tampouco viajei quilômetros até o meio do deserto para
voltar de mãos abanando. Veremos!
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DOIS
Cuidadosamente Christine remexeu na tortilla com o garfo, decidindo o
que fazer. O café da manhã no Arizona era, sem dúvida, bastante diferente
dos habituais presunto e pãezinhos a que estava acostumada.
— Coma, coma! — Maria a incentivava da porta da cozinha, o rosto
redondo exibindo entusiasmo. — Coloquei bastante carne e ovos. Não lhe
faltará energia para enfrentar a manhã inteira.
Christine retribuiu a preocupação da governanta com um sorriso. Então,
determinada, cortou o primeiro pedaço daquele estranho alimento, servido
numa terra também estranha, e levou-o à boca, cautelosa.
— Acabei de coar um café fresco. — Maria exibiu a cafeteira como se
fosse um troféu. — O sr. Matthew levantou-se muito cedo hoje e já saiu para
inspecionar as novas crias.
— Onde está Theresa? — Christine perguntou, atacando o segundo
pedaço de tortilla com entusiasmo. E pensar que quase rejeitara aquela delícia!
A combinação dos ingredientes era simplesmente fantástica.
— Com a professora, estudando. — Maria ficou alguns instantes em
silêncio, o olhar terno fixo na jovem mulher sentada à mesa.
Os cabelos de Christine eram avermelhados e caíam sobre os ombros em
cachos delicados. Os olhos muito azuis e brilhantes revelavam uma
personalidade interessada em tudo o que se passava ao redor. As feições
bonitas e regulares pareciam ter sido herdadas do pai. De repente a velha
mexicana, responsável pelos cuidados com o lar dos Carruthers há vinte e
cinco anos, sentiu-se tomada por um sentimento forte de nostalgia.
— Sabe, senhorita, você me faz lembrar de seu pai — ela murmurou
carinhosa. — Ele tinha os mesmos cabelos avermelhados, que brilhavam sob o
sol. Lembro-me bem do dia em que sua mãe levou-a embora daqui. Seu pai
abraçou-a com força, o rosto colado ao seu. Era difícil distinguir onde
começava os cabelos de um e terminava os do outro.
— Você se lembra de mim? — Christine indagou incrédula. — Depois de
vinte anos? Eu não fazia idéia que naquela época você já trabalhava aqui.
— Ah, sim. Sua mãe vivia dominada pela tristeza. Sentia-se infeliz com o
brilho do nosso sol e com as chuvas de primavera. Tantas e tantas vezes a
ouvi dizer como gostaria de morar num lugar onde a grama fosse verde e um
vento frio soprasse. —A governanta suspirou fundo, como se quisesse
expressar simpatia pela mulher há anos morta.
— Mamãe sempre tinha tremores quando falava daqui — Christine
comentou, apoiando o queixo nas mãos, o olhar perdido ao longe. Aliás,
mamãe vivia tendo tremores, ela pensou resignada, tomando um gole de café
quente para afastar a melancolia.
— E qual a sua opinião sobre o brilho do nosso sol? Talvez você tenha
herdado algumas características de seu pai e aprecie o calor, os espaços
abertos.
— Ainda não cheguei a uma conclusão sobre o assunto. Ontem foi uma
experiência dura, enfrentar a estrada naquela carroça durante as horas mais
quentes do dia.
— Christine percebeu que a outra continuava a fitá-la, cheia de
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interesse. — Acho que Matthew estava querendo me expor a uma espécie de
prova… Talvez quisesse me desencorajar de permanecer aqui.
Maria sorriu compreensiva, revelando dentes brancos e perfeitos.
— Sim… ele pode ter tomado uma atitude errada. Por outro lado,
precisava trazer mantimentos da cidade e uma charrete não comporta muita
coisa.
— De qualquer forma, não creio que vá me demorar muito tempo aqui.
Vou marcar uma hora com o sr. Hooper para a leitura do testamento e depois
então…
— E depois então você levanta sua barraca e foge para cidade, que,
aliás, é seu hábitat natural.
Ao ouvir aquela voz rouca, bem atrás de si, Christine teve vontade de
jogar o resto do café no rosto viril e arrogante. Foi com muita dificuldade que
manteve a voz controlada.
— Não costumo fugir para onde quer que seja. Quando o momento vier,
deixarei esta casa do mesmo modo que cheguei. Às claras. Só que estarei
levando minha irmã a tiracolo.
O sorriso irônico de Matt serviu apenas para deixá-la possessa de ódio.
Num ímpeto, Christine levantou-se, disposta a enfrentá-lo.
Entretanto, em vez de palavras ásperas, sentiu que o olhar masculino a
percorria de alto a baixo. A Matt, não passou despercebido nenhum detalhe da
figura delgada: os pés elegantemente calçados, as várias camadas de saia, o
corpete abotoado até o queixo. Os cabelos vermelhos eram o único toque
vibrante sobre as cores do luto. A visão contrastante teve tamanho efeito
sobre seus sentidos, que ele cerrou os dentes querendo negar o que o próprio
corpo admitia.
A verdade é que a beleza de Christine ameaçava sua paz de espírito.
Com aqueles lábios sensuais e os olhos azuis faiscando, ela era muito mais do
que imaginara.
— Pensei que você tivesse escutado o que Tessie disse ontem a noite.
Minha irmãzinha não parece disposta a atravessar metade do país na sua
companhia. Aqui é o lar dela.
— Theresa é minha irmã tanto quanto sua — Christine falou com
firmeza. — Não viajei centenas de quilômetros para passar alguns dias ao lado
de minha irmã e depois esquecê-la.
Matt aproximou-se, o cheiro de poeira, cavalos e couro não deixando
dúvidas sobre onde ele andara horas antes.
— Não torça esse seu nariz elegante para mim, lady. O cheiro que você
sente é um cheiro honesto, misturado ao pó do Arizona. Não que você fosse
capaz de reconhecê-lo, claro.
— Muito pelo contrário — ela o contradisse, a voz sedosa disfarçando
uma profunda irritação. — Você tem o odor característico de um cavaleiro e
posso garantir-lhe que é o mesmo, tanto em Kentucky quanto no Arizona.
Estou bastante acostumada ao cheiro de celeiros.
— Você sabe montar? — Matt indagou secamente.
— Com certeza já montei mais do que você possa imaginar — Christine
respondeu sorrindo. — E em pêlo.
— É uma pena que não fique aqui tempo suficiente para prová-lo.
— Estou sendo muito tolerante esta manhã, especialmente porque você
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não sabe nada a meu respeito ou quanto às minhas intenções, exceto que
pretendo obter a guarda de minha irmã. Mas não me pressione, sr. Gerrity. —
Ela cerrou as mãos em punhos e meteu-as nos bolsos da saia, tentando não
deixar transparecer o quanto sentia-se agravada.
Porém Matt parecia conhecê-la mais do que seria de se esperar,
considerando o breve contato entre ambos.
— De alguma maneira, suspeito que não haja um único vestígio de
tolerância neste seu corpo. Em especial no que diz respeito a mim.
Determinada a não se deixar arrastar para uma outra batalha verbal,
Christine deu de ombros e virou-se de costas, decidida a sair da sala.
— Senhorita! — ele a chamou, obrigando-a a parar.
— Sim? — ela respondeu, esforçando-se para manter a serenidade
aparente, quando o íntimo fervilhava.
Matt fingiu não perceber a extrema frieza com que estava sendo tratado.
— Oswald Hooper deverá chegar daqui a pouco. Gostaria de se juntar a
nós na biblioteca?
Melhor descobrir logo em que pé andavam as coisas do que tecer
conjecturas, Christine concluiu, confirmando presença com um aceno de
cabeça. A situação estava longe de ser o que imaginara e a presença de Matt
Gerrity não figurara em seus planos iniciais. Mas claro que seu pai colocara
Theresa sob sua guarda. Portanto não valia a pena preocupar-se à toa.
— Mande me avisar quando o advogado chegar — ela pediu. Embora sua
voz não traísse qualquer ansiedade, as mãos frias revelavam profunda
agitação interior.
Durante anos ela sonhara em ter uma família. Sua mãe fora uma mulher
de saúde frágil, sempre presa à cama ou ao sofá, até sucumbir a uma
pneumonia sem esboçar qualquer resistência. Seus avós haviam sido pessoas
gentis, porém pouco afetuosas, preocupados principalmente em educá-la para
ser uma lady e desempenhar com perfeição os futuros papéis de esposa e mãe
na sociedade de Kentucky.
Entretanto nada fora suficiente. O telegrama do sr. Hooper abrira-lhe os
olhos para sua existência solitária e insatisfatória. Descobrir-se ligada pelo
sangue a uma garotinha de cinco anos a fizera pensar que talvez o afeto e o
aconchego familiar, que tanto desejara, estivesse ao seu alcance. Mesmo a
maneira rude como Theresa a tratara não fora suficiente para desencorajá-la.
Iria conquistar o amor da irmã, nem que para isto empenhasse todos os anos
de sua vida.
— Você vai estar em seu quarto? — Matt perguntou, observando-a
atentamente. Christine estivera tão imersa nos próprios pensamentos que
sentia ter invadido sua privacidade, embora sem intenção. — Então vou
mandar Maria chamá-la.
Mais uma vez ela concordou com um breve aceno de cabeça e depois
saiu da sala. Sem que pudesse evitar, Matt acompanhou o ondular dos quadris
delicados, reparando como o tecido grosso da saia marcava as curvas bem
torneadas.
— Não acredito nisto! — Ditas num murmúrio, as palavras de Christine
ecoaram pelo silêncio da biblioteca como se fossem um grito. Com as mãos
metidas nos bolsos para esconder o tremor, ela parou defronte à janela, sem
no entanto enxergar a beleza dos jardins lá fora.
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O homem sentado à escrivaninha observou-a preocupado. Christine era
filha de um velho amigo e Oswald Hooper previra exatamente esta reação por
parte da jovem. Aliás, qualquer pessoa com um pingo de bom senso, teria
previsto aquela reação. Christine Carruthers tinha todo o direito de sentir-se
indignada, pois não lhe restavam alternativas para uma situação incomum.
— A idéia foi sua? — ela indagou, os olhos fixos em Matt.
Encostado à parede, ele passou as mãos pelos cabelos enquanto
considerava a questão. As roupas escuras acentuavam ainda mais a extrema
palidez de Christine e somente a rígida educação a impedia de mostrar o
desespero que lhe ia na alma.
Balançando a cabeça numa negativa e praguejando silenciosamente
contra o homem que os metera naquela confusão, Matt aproximou-se da
jovem, que a custo mantinha os ombros eretos e a cabeça erguida.
— Seu pai não precisou de nenhuma ajuda minha para imaginar esta
situação. Ele deu conta de tudo sozinho.
— Não posso fazer isto — ela falou desesperada.
— Então não faça — Matt retrucou dando de ombros, desinteressado. —
Basta subir na charrete e a levarei até Forbes Junction, onde pegará o próximo
trem para o leste. Aposto que estaria de volta a Lexington antes do nascer do
sol de domingo — ele completou com um ar não tão inocente assim.
— E você não iria adorar que fosse assim! Simplesmente adorar! —
Christine devolveu entre os dentes.
— Engano seu, madame. — Para dizer a verdade, ele gostava de ouvir o
ligeiro sotaque que aquela voz culta imprimia a cada palavra e também
divertia-se com o contraste entre as maneiras finas de uma lady e a raiva
estampada nos olhos azuis.
— Suponho então que prefira a outra alternativa — ela sugeriu
desdenhosa.
Por um instante os olhares de ambos se encontraram, como se
medissem forças.
— Bem, madame, eu diria que minha posição é neutra. Não cabe a mim
tomar a decisão. Prefiro acatar os seus desejos.
Christine sentiu o sangue ferver de raiva diante da ironia com que aquele
arrogante parecia tratar um assunto tão sério. Tinha vontade de esganá-lo ou
pelo menos xingá-lo com todos os palavrões que ouvira os peões usarem em
Lexington.
Entretanto engoliu os insultos e cerrou os punhos, pondo-se a andar de
um lado para o outro da sala para aliviar a tensão.
— A questão aqui não inclui os meus desejos, sr. Gerrity — ela falou
sarcástica. — Meu falecido pai, por exemplo, pai não demonstrou a menor
preocupação com minhas necessidades ou desejos.
— Srta. Carruthers, por favor. — O homem sentado à escrivaninha
decidiu interferir, ansioso para levar a conversa de volta ao ponto principal. —
Precisamos ouvir o resto do testamento antes que você tome uma decisão
precipitada.
— Há mais? — Christine indagou, como se houvesse esquecido a
presença do advogado.
De repente ela se deu conta de que estivera em estado de choque desde
que ouvira a leitura da primeira parte do testamento. Era inacreditável que seu
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pai tivesse atado a fazenda, o dinheiro no banco e o destino de sua irmãzinha
num único nó. Parecia-lhe inumano.
As palavras do advogado ainda soavam-lhe na memória como se
tivessem acabado de ser proferidas.
“E meu desejo expresso que minha filha, Christine Carruthers, e meu
enteado, Matthew Gerrity, unam-se em matrimônio para que possam herdar a
fazenda e passá-la às gerações futuras. Portanto, Christine e Matthew terão
também a custódia de minha amada filha Theresa. Desde que Christine e
Matthew aceitem estes termos, a fazenda lhes pertencerá por direito. Porém se
se recusarem a casar-se, nenhum deles herdará coisa alguma, exceto alguns
itens pessoais listados abaixo.”
— Sim, há mais — o advogado respondeu, ajeitando os óculos sobre o
nariz para disfarçar o desconforto. Sem dúvida a segunda parte do testamento
deveria ser ainda menos agradável do que a primeira. — Permita-me
continuar.
“Entretanto se este casamento não der frutos dentro de dois anos,
declaro que tanto Christine Carruthers quanto Matthew Gerrity perderão a
posse da fazenda, passando a ser Theresa minha herdeira universal. Um
guardião será apontado pelo juiz para cuidar de Theresa e da fazenda, até que
ela alcance a idade de vinte e um anos.”
— Ele não pode fazer isto! — Christine exclamou angustiada. Oswald
Hooper olhou-a cheio de simpatia, como se não pudesse discordar.
— Pois me parece que foi exatamente isto o que ele fez — Matt
comentou sem demonstrar qualquer emoção.
— Não há muito mais a acrescentar — finalizou o advogado. — Apenas
alguns bens deixados para as pessoas que trabalham aqui e processos legais a
serem acertados, assegurando os direitos da criança. Vocês já estão a par dos
pontos realmente importantes. Tão logo se casem, iremos ao cartório e o
testamento será mudado, passando a fazenda para o nome de vocês dois.
— Matt Gerrity não tem nenhum direito — Christine explodiu. — Ele não
é parente de sangue.
— Foi seu pai quem escolheu os termos do testamento, srta. Carruthers
— Oswald Hooper a lembrou delicadamente.
— Não aceitarei nada — ela falou num murmúrio carregado de
determinação.
— Não se precipite em tomar decisões. — A voz de Matt, profunda e
controlada, exigia atenção. Christine fitou-o apesar de irritada. — Se você
repudiar os termos do testamento, não terei outra alternativa a não ser
mandá-la de volta para Lexington. Você perderá todo e qualquer contato com
Tessie.
— E quanto a você? O que acontecerá com você? Ele deu de ombros,
sem qualquer traço de preocupação.
— Bem, suponho que permanecerei na fazenda, como capataz e
administrador geral. Se não me engano, o testamento me dá esta opção.
— Sim, o testamento dá margem a este tipo de interpretação — o sr.
Hooper concordou.
— E você também terá Theresa — Christine concluiu amarga.
— E eu também terei Theresa — ele repetiu, fitando-a fixamente.
— Pois não vou permitir que isto aconteça. — Decidida a não se deixar
13
abater, a não perder sem lutar, Christine ergueu a cabeça, uma expressão
desafiadora no rosto, os olhos azuis brilhando furiosos. — Farei qualquer coisa
que for necessária para estar perto de minha irmã.
Aquela mulher, feminina e suave, era uma lutadora, Matt concluiu,
observando as linhas deliciosas dos lábios sensuais transformarem-se num
risco duro e impenetrável.
Num impulso de raiva, ele aceitou o desafio.
— Então que seja!
O velho Samuel afinal rira por último, Oswald Hooper pensou surpreso.
Seu amigo sempre dissera que gostaria de ver o dia em que Matt encontraria
uma mulher à altura de sua determinação e arrogância. E não é que a filha de
seu cliente se mostrava uma oponente respeitável à personalidade forte do
caubói?
14
TRÊS
— Sí, o sr. Matt tem sido responsável pela administração da fazenda há
dois anos. E todas as mulheres solteiras da região não sabem mais o que fazer
para tentar conquistá-lo — Maria acrescentou, o corpo redondo sacudido por
risos.
Christine ficou em silêncio durante vários minutos, considerando a
situação.
— Aposto que ele derrama charme para cima de todas — falou afinal.
A governanta apenas deu de ombros e sorriu.
— Que outro homem jovem e viril não faria o mesmo? As mulheres
sempre tiveram um fraco pelo sr. Matt e agora então…
— E agora então?
— Todo mundo vai pensar que ele herdou a fazenda. Um homem bem de
vida não permanece solteiro por muito tempo.
— Por acaso ele tem… — Christine parou no meio da frase, sem saber
como continuar.
— Se você tivesse descido para tomar o café da manhã mais cedo,
poderia ter perguntado a ele mesmo. — A governanta parecia determinada a
não levar o assunto para a frente.
Christine alisou o guardanapo pela enésima vez. Verdade. Infelizmente
aparecera para tomar café quando Matt e a srta. Olívia já estavam saindo da
mesa. No Kentucky as refeições costumavam ser servidas em horários mais
civilizados. Era impossível sentir fome ao amanhecer.
Lá, também, pelo menos na sua experiência, os criados não costumavam
ser tão desembaraçados e falantes. Só que as coisas funcionavam de maneira
diferente aqui. Lexington estava a quilômetros de distância de Forbes Junction.
Informalidade era um modo de vida. Theresa e Matt sequer usavam luto, ela
pensou não pela primeira vez, olhando o próprio vestido de seda preta,
inadequado ao calor da região. Sim, Arizona estava muito longe da civilização.
Irritada, Christine tornou a insistir.
— Não é o tipo de pergunta que uma lady possa fazer a um homem,
Maria. Além do mais, perguntei a você. Para completar, o sr. Gerrity não é das
pessoas mais fáceis com quem se possa lidar.
A governanta balançou a cabeça de um lado para o outro, discordando.
— Já que ele vai ser seu marido, você tem o direito de lhe perguntar o
que quiser. Devo lealdade tanto ao sr. Matthew quanto a você.
— Duvido que eu mereça tanto — Christine falou baixinho.
O som da voz rouca e profunda pegou-a de surpresa, fazendo-a
estremecer.
— Pode perguntar o que quiser, Christine. Minha vida é um livro aberto.
— Matt falou com fingida inocência. — Não coloque Maria numa posição difícil.
Ela é leal à família e numa situação dessas, sente-se dividida entre nós.
— Você me considera parte da família?
Ele hesitou apenas um instante antes de responder.
— Maria a considera. E é o que importa.
— Si — a governanta apressou-se a dizer. — Você é filha de seu pai e faz
parte da família. Como se nunca houvesse ido embora daqui.
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As palavras da velha senhora tocaram-na mais profundamente do que
Christine gostaria de admitir.
__Obrigada — ela murmurou levantando-se da mesa, os lábios trêmulos,
os olhos marejados de lágrimas.
Na verdade achava difícil sentir-se em casa quando a única pessoa que
se mostrara amigável naqueles últimos dois dias fora justamente a
empregada. As palavras de boas-vindas de Matt haviam sido carregadas de
arrogância e sua maneira de tratá-la variava da mais absoluta arrogância à
total indiferença. E desde a reunião com o advogado na biblioteca, ele parecera
se fechar, o que não deixava dúvidas quanto aos seus sentimentos reais.
Provavelmente Matt ficaria muito feliz se a visse dar as costas à fazenda
Carruthers para sempre.
— Christine — ele a chamou, impedindo-a de sair da sala. — O que você
quer saber a meu respeito?
Onde aquele homem andara e o que estivera fazendo com a própria vida
não lhe dizia respeito, ela decidiu. Melhor preocupar-se com os assuntos de
hoje e esquecer-se dos de ontem. Talvez acabasse descobrindo coisas que
preferiria não saber. Além de tudo, logo estaria aprendendo mais sobre o sr.
Gerrity do que imaginara possível.
Vagarosamente Matt colocou o chapéu e puxou uma das abas sobre os
olhos, escondendo a expressão do rosto de maneira proposital.
— Você perdeu sua chance. Até a hora do almoço. Ao vê-lo sair,
Christine arrependeu-se de não ter feito ao menos uma pergunta.
Como Matt Gerrity estaria se sentindo diante da possibilidade de
enfrentar um casamento forçado?
Por outro lado ele não parecia o tipo de homem que se deixava
pressionar, que permitia que outros o forçassem a tomar uma atitude.
Especialmente em se tratando de algo tão definitivo quanto um casamento.
Um casamento que, por estrita necessidade contratual, envolveria o
nascimento de uma criança.
Banhar-se diariamente era um hábito profundamente enraizado em
Christine. A alternativa seria contar com a ajuda de terceiros para carregar
baldes de água quente e fria ou então mergulhar num dos vários riachos que
cortavam a fazenda, conforme sugestão de Matthew. Sugestão, aliás, feita com
tanta ironia que servira apenas para enfurecê-la.
Porém, no terceiro dia de sua chegada, já não suportava mais banhar-se
numa bacia colocada dentro do quarto. Além de inadequado, ansiava o prazer
de ter o corpo inteiro coberto de água. Assim, acabou cedendo e pedindo ajuda
aos empregados.
A banheira era larga e mais comprida do que Christine estava
acostumada.
— Quase posso me esticar inteira — ela comentara admirada, enquanto
Maria supervisionava a chegada dos baldes de água quente e fria. O detalhe
desanimador estava na localização da sala de banhos, construída do lado de
fora, junto à cozinha. Uma maneira bem primitiva de resolver algo tão
fundamental.
— Seu pai precisava de uma banheira grande — a governanta explicou
de bom humor. — Ele era um homem enorme e não gostava de ficar com os
joelhos para fora d’água.
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— Lembro-me um pouco dele, sabe… — Christine comentou pensativa. —
Aos meus olhos, parecia um gigante, braços e pernas compridos… Lembro-me
de meu pai me pegando no colo… Ou seria apenas imaginação? Talvez as
lembranças e os sonhos já estejam misturados em minha mente.
— Vou prender seus cabelos para evitar que molhem. — Sem esperar
resposta, Maria entregou-se à tarefa de trançar os cabelos vermelhos e ajeitálos no alto da cabeça de Christine.
— Acho que nossa mente guarda muitas lembranças, senhorita. Se você
é capaz de recordar-se de seu pai depois de tantos anos, é porque o amor que
ele lhe tinha era forte, verdadeiro. Não pense no sr. Carruthers com amargura.
Ele queria apenas que você tivesse recebido as cartas que costumava lhe
enviar e que as tivesse respondido. Mas nunca usou isto contra você.
— Ele me escreveu?
— Si, todos os meses mandava uma carta. Durante anos esperou…
porém sua mãe ou seus avós… Bem, está tudo acabado agora. — Maria
inspirou fundo e sorriu, decidida a mudar de assunto. — Quando Arnetta
Gerrity chegou aqui, a vida de seu pai mudou completamente. Talvez ele
tivesse se conformado e acabado desistindo de aguardar notícias da filha.
— Aqui estão as toalhas, sobre o banquinho — a governanta falou, dando
uma última ajeitada nos cabelos de Christine. — Tão parecida com o seu pai —
a velha senhora deixou escapar, os olhos brilhando de emoção. Então saiu da
sala de banho e fechou a porta.
Vagarosamente, Christine pôs-se a desabotoar o vestido, o coração
tomado de angústia. Era insuportável pensar que sua mãe houvesse lhe
escondido tantas coisas. Se seu pai tivesse mesmo lhe escrito as tais cartas, o
que acontecera com elas?
— Você estava certo, Matthew Gerrity — ela murmurou entre os dentes,
arrancando a combinação. — Este lugar é quente demais para roupas
civilizadas. — Lançando um olhar maligno para o vestido preto, com suas
dezenas de metros de tecido grosso, Christine entrou na banheira, aspirando o
perfume delicioso de flores silvestres.
Trazer seus sabonetes preferidos na viagem lhe parecera pura vaidade
quando arrumara a bagagem, entretanto agora o que era detalhe
transformara-se em necessidade. Aquela fragrância delicada tinha o poder de
aliviar a tensão de seu corpo cansado, além de remover os resíduos de pó e
suor.
— Você ainda está aí? — indagou uma vozinha antes de girar a maçaneta
devagar.
Imediatamente Christine submergiu, deixando apenas a cabeça do lado
de fora da água.
— Pensei que você já tivesse ido embora — Theresa falou sem disfarçar
a hostilidade contra aquela mulher, a quem preferia ver longe da fazenda
Carruthers.
Christine hesitou um instante antes de responder, escolhendo as
palavras com cuidado.
— Vim até aqui apenas para vê-la, Theresa, Não posso partir sem que
nos conheçamos melhor. Afinal somos irmãs, não é?
A criança suspirou fundo e entrou na sala de banho, as mãos na cintura,
um ar beligerante no rosto delicado.
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— Não preciso de uma irmã — ela declarou firmemente. — Tenho Maffew
e ele é meu irmão.
— Eu sei. — Christine sentia-se pisando em ovos e procurava agir com
cautela. Bastava a má impressão que causara no primeiro encontro. — Mas
todas as meninas precisam de uma irmã, sabe. Eu sempre quis ter uma irmã e
agora que a encontrei, não quero perder a chance de conhecê-la.
— Por quê? — Theresa indagou fazendo biquinho.
— Porque tenho certeza de que você é uma boa menina e sei que vamos
nos dar bem. Também posso lhe ensinar algumas brincadeiras novas.
— Brincadeiras? — Por um breve instante os olhos da garota brilharam
de entusiasmo para logo depois fingirem indiferença.
— Trouxe comigo algumas coisas interessantes. Achei que talvez você
fosse gostar de vê-las. — Christine começou a se ensaboar, fazendo questão
de não parecer ansiosa.
Um longo silêncio se seguiu, até que a criança cedeu à curiosidade.
— Que tipo de coisas?
— Oh… tenho um jogo de varetas e uma corda especial… Você sabe pular
corda?
Theresa balançou a cabeça de um lado para o outro e aproximou-se um
pouco mais.
— Oh, quase ia me esquecendo. Tem também um embrulho que veio da
França.
— Da França? — A menina sentou-se no banquinho sem sequer perceber
que amassava as toalhas. — A srta. Olívia diz que a França é um lugar do
outro lado do oceano.
Christine concordou com um aceno e continuou a se ensaboar,
aparentando um quase desinteresse pela conversa.
— Claro que talvez você não se importe com o jogo de varetas. Mas…
poderíamos pular corda juntas. Sou ótima nesta brincadeira e terei paciência
para ensiná-la… caso você tenha dificuldade para aprender.
— Oh, não — Theresa respondeu depressa. — Aprendo as coisas muito
rápido. Maffew diz que minha inteligência é afiada. — De repente a menina
ficou muito séria, como se um pensamento tivesse acabado de lhe ocorrer. —
Só que você não ficará aqui muito tempo. Maffew diz que logo estará indo
embora.
— Bem… — Christine virou-se para a garotinha, porém era tarde demais.
Theresa saiu correndo, deixando a porta entreaberta.
— Onde você esteve, pombinha? — Bastou ouvir o som daquela voz
rouca para Christine afundar o corpo na água, querendo desaparecer da face
da Terra.
— Conversando com aquela mulher — Theresa respondeu. — Ela está lá
fora, tomando banho.
— Com a porta aberta? — O humor contido no comentário era
indiscutível. E para desespero de Christine, o dono da voz parecia se aproximar
perigosamente da sala de banho.
— Você está querendo companhia aí dentro? — Matt indagou irônico. —
Em geral, quando tomamos banho, costumamos fechar a porta.
— Por favor, feche esta porta — ela pediu, apertando os joelhos de
encontro as seios.
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— Tem mesmo certeza de que não quer companhia?
— Por favor, Matt.
Percebendo o extremo embaraço de Christine, ele puxou a maçaneta,
mas não sem antes provocá-la, dizendo:
— Não se atrase para o café da manhã. Maria costuma servir a mesa
apenas uma vez. Depois terá que sé arrumar por conta própria.
— Só espero que você engasgue com o seu café — Christine murmurou,
saindo da banheira e enrolando-se na toalha.
Os últimos raios de sol tingiam o horizonte de rosa e laranja, oferecendo
um contraste magnífico com as sombras escuras trazidas pela noite que se
aproximava. Sentada num degrau da varanda, os braços passados ao redor do
corpo, Christine admirava o espetáculo oferecido pela natureza.
— Nunca viu um pôr-do-sol antes? — ele indagou num tom quase
brincalhão.
— Já vi muitos — ela devolveu fitando-o e desviando logo o olhar.
— Parece que este aqui conseguiu encantá-la.
— É diferente. De certa forma mais forte, mais impressionante. Talvez
por causa dos espaços abertos.
— Amanhã teremos outro igual. — Matt atravessou o espaço que os
separava com duas passadas largas e sentou-se no degrau também,
estendendo as longas pernas à sua frente.
Disfarçadamente, Christine o examinou da cabeça aos pés, observando
os contornos das coxas musculosas sob a calça jeans surrada. Matthew Gerrity
era capaz de manter a sensualidade vestindo qualquer coisa…
Nenhum dos homens que conhecera em Lexington, sempre metidos em
roupas feitas sob medida, poderia competir com aquele caubói em termos de
charme e elegância natural.
Havia nele uma segurança, uma perfeição máscula que desafiava
qualquer estilo. O corpo bem proporcionado, de ombros largos, quadris
estreitos e braços fortes, exsudava virilidade.
— Christine? — A voz rouca soou tão próxima aos seus ouvidos que ela
estremeceu, embaraçada com o rumo dos próprios pensamentos. — Você já se
decidiu? Já está fazendo planos para o casamento?
— Ainda não.
— Desistindo antes mesmo de começar? — Matt a provocou cheio de
cinismo.
— Eu lhe disse que faria tudo o que fosse preciso, não disse?
— Então é assim tão ruim? Casar-se com o capataz da fazenda?
— Você não continuará sendo apenas o capataz depois de nos casarmos.
Será dono do lugar.
— Da metade. Não se esqueça de que metade da fazenda estará em seu
nome. Com certeza seus parentes ficarão felizes ao saber que agora é dona de
terras.
— Ainda assim não é o que meus avós planejaram para mim. Com
certeza também não era o que minha mãe tinha em mente para a única filha.
— Em outras palavras, você estaria melhor de volta a Lexington — Matt
comentou, a voz destituída de qualquer emoção.
— Você também não estaria melhor de outra maneira? Existia alguém
em sua vida antes de eu chegar? — Por fim ela ousara fazer a pergunta que há
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dias a atormentava.
— Ninguém de importância — Matt respondeu depois de um longo e
desconfortável silêncio.
— Você partirá o coração dela? Ou então existe mais de uma?
— Dificilmente. Não tenho tempo para correr atrás de mulheres.
— Maria diz que você não precisa se dar ao trabalho de correr atrás de
ninguém. São elas que o perseguem.
— Maria fala demais.
— Você não respondeu à minha pergunta. O nosso casamento vai partir
o coração de alguma mulher?
— O coração da maioria das mulheres não se parte com facilidade.
Christine decidiu insistir, até conseguir uma resposta satisfatória.
— Você abrirá mão dela?
— E isso tem importância?
— Não há pressa, não é? — Ela corou, sentindo-se profundamente
desconcertada. — Afinal não precisamos nos casar já. Porque se você está
tendo segundos pensamentos ou se está planejando…
— Você não me respondeu. — Matt sorriu e fitou-a, como se tivesse o
poder de hipnotizá-la.
Seria aquela boca rígida ou suave quando tocasse os lábios de uma
mulher?, Christine tentou imaginar. As carícias seriam gentis ou as mãos fortes
magoariam uma pele delicada? Confusa, ela não sabia como lidar com os
pensamentos proibidos, envolvendo coisas que aconteciam entre um homem e
uma mulher.
— Sim… tem importância sim.
— Mesmo os caubóis têm honra. Não vou ficar atrás de mulheres depois
de termos nos casado.
— Mas no fundo você não quer este casamento, não é?
— Já lhe disse, lady, a oferta continua de pé. Posso levá-la a Forbes
Junction para sermos abençoados pelo padre quando quiser. Por outro lado,
também posso levá-la até a estação e colocá-la no primeiro trem para
Lexington. Posso continuar levando minha vida sem você. Ganho bem como
administrador e estarei perto de minha irmã. No momento, a situação me
satisfaz com está. Theresa é tudo o que me importa.
Christine sentiu um aperto no coração. Todos os seus sonhos de
adolescente jamais se realizariam. Matt Gerrity não poderia lhe oferecer
nenhuma ternura, apenas o cumprimento do dever. Seria o bastante para
satisfazê-la? Teria outra escolha?
— Você se acha capaz de casar-se comigo sem sentir nada por mim? —
ela indagou num rompante de ousadia.
— Oh, não se preocupe, querida. Esteja certa de que sentirei alguma
coisa.
Vermelha até a raiz dos cabelos, Christine levantou-se.
— Isso tudo não passa de uma grande brincadeira para você, não é?
Matt levantou-se também, dominando-a com a sua alta estatura.
— Não costumo brincar. Jogo para ganhar. Deixe-me lhe dizer uma
coisa, mulher. Se nós nos casarmos, você não terá do que reclamar. Eu lhe
dispensarei toda a atenção que quiser.
Sem lhe dar chance de reagir, Matt tomou-a nos braços e beijou-a na
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boca, indiferente às débeis tentativas femininas para afastá-lo.
Atordoada, Christine fechou os olhos, tomada por intenso rubor. Aquele
homem a estava tratando como uma mulher qualquer, invadindo o território
virgem de sua boca como se tivesse direito. Porém o mais humilhante era a
maneira traiçoeira como seu próprio corpo reagia à pressão dos lábios
masculinos. Incapaz de entender as sensações estranhas que a sacudiam, ela
começou a chorar, lágrimas silenciosas escorrendo pelo rosto bonito.
Talvez tenha sido a reação inesperada de Christine o que sufocou a força
do ardor de Matt, fazendo-o quase arrepender-se de havê-la beijado.
O fato é que cedera a um impulso, quando na verdade já não tinha idade
para deixar-se dominar pelas emoções. Além do mais, Christine não estava
acostumada a ser tratada daquela maneira. Era uma lady da cabeça aos pés,
não uma das mulheres do Katy Klein's Golden Garter.
Delicadamente Matt afastou-se, dando-lhe tempo de se recompor.
— É isto o que devo esperar? — Christine indagou secamente.
— Você pretende chorar todas as vezes que eu a beijar? — ele devolveu
no mesmo tom.
— Era assim que você beijava todas as suas mulheres?
— Apenas as que eu planejava levar para a cama. Ela ficou rígida, porém
ergueu a cabeça e fitou-o nos olhos, a voz um murmúrio quase inaudível.
— Você não é um cavalheiro, Matthew Gerrity.
— Nunca disse que o era, Christine Carruthers. Talvez da próxima vez eu
seja mais gentil. — Embora as palavras soassem arrogantes, ele tocou-a de
leve no rosto, secando as lágrimas com as pontas dos dedos, numa carícia
terna e suave.
— Talvez não haja uma próxima vez — ela disparou, livrando-se da mão
que a tocava e correndo para dentro da casa.
Matt observou-a afastar-se, um sorriso duro nos lábios.
— Não aposte a fazenda nisto, lady.
21
QUATRO
A caixa, embrulhada com um papel brilhante cheio de florzinhas coloridas
e lacinhos de fita, parecia dominar o quarto, despertando curiosidade. Solitária
sobre a cama, oferecia um contraste agradável entre as cores variadas e o
branco da colcha.
Parada junto a porta, Theresa esforçava-se para vencer a tentação. O
pacote estivera naquele mesmo lugar durante os últimos três dias e a porta do
quarto sempre convenientemente entreaberta, permitindo uma fácil inspeção
do interior.
A srta. Olívia tinha lhe mostrado um mapa da Europa e mostrado onde
ficava a França. Porém a breve explicação não conseguira satisfazer o
interesse da criança pelo assunto. Por fim a professora conseguira um livro
com gravuras sobre o país e seus habitantes. Fascinada, Theresa não se
cansava de admirar as parisienses elegantes, o Arco do Triunfo, a torre Eiffel.
Com certeza um lugar tão maravilhoso devia oferecer apenas tesouros
indescritíveis.
E um desses tesouros estava bem ali, ao seu alcance, dentro da caixa
sobre a cama de Christine. A única coisa que ainda segurava Theresa era sua
relutância em aceitar a presença da irmã.
Sentada à penteadeira, do outro lado do quarto, Christine observava o
rosto da menina refletido no espelho.
Paciência nunca fora uma de suas virtudes, entretanto nos últimos dias
descobrira-se buscando aquela qualidade com uma persistência que teria
agradado à sua avó, caso a velha senhora soubesse.
— Você gostaria de entrar? — Fingindo não perceber o dilema da irmã,
Christine virou-se e sorriu.
Um levantar de ombros foi a única resposta, apesar do brilho interessado
dos olhinhos infantis.
— Eu estava esperando que você viesse me ver — ela insistiu.
— A srta. Olívia falou que eu podia deixar para treinar caligrafia mais
tarde se eu quisesse. Pensei que seria bom ver como é o jogo de varetas.
Suspirando aliviada, Christine levantou-se devagar, temendo assustar a
menina.
— Eu adoraria lhe mostrar todas as coisas que trouxe comigo.
Ignorando propositalmente a caixa sobre a cama, ela tirou a valise de
dentro do armário e começou a remexer no conteúdo.
— Você já experimentou pular corda?
Theresa balançou a cabeça de um lado para o outro e deu mais um
passo à frente, diminuindo a distância entre as duas.
— Não senhora. Também nunca brinquei com um jogo de varetas. A
srta. Olívia me disse que já brincou com varetas quando era pequena.
Sem dúvida sua irmãzinha havia discutido o assunto dos presentes com
a professora, o que era um ótimo sinal, Christine pensou satisfeita.
— Você quer ver meus livros?
— Gosto muito de livros, senhora.
— Talvez você devesse me chamar de Christine. Como quer que eu a
chame?
22
— De Theresa. Somente Maffew me chama de Tessie.
— A garotinha parou ao lado da cama e passou os dedos pela colcha
devagar, tendo o cuidado de não tocar na caixa.
— Oh! — Christine fingiu-se surpresa. — Eu ia quase me esquecendo do
presente que lhe trouxe da França.
— Verdade? Você ia quase se esquecendo?
— Olha, o presente está aí, sobre a cama. Deixei-o bem à vista, caso
você decidisse passar por aqui.
Delicadamente Tessie passou a mão sobre o papel, admirando as
florzinhas coloridas e o laço de fita.
— É mesmo para mim?
— Vamos, por que não abre logo? — Christine a encorajou, feliz com o
sucesso de seu plano para conquistar a confiança da irmã e desfazer a má
impressão causada no primeiro encontro.
Bonito como uma pintura. As palavras descreviam bem o impacto da
cena sobre os sentimentos de Matthew Gerrity. Sentindo-se excluído, ele
hesitou do lado de fora do quarto.
A emoção estranha que o incomodava tinha um nome: ciúmes. Ciúmes
da mulher que começava a tomar o seu lugar. Com uma habilidade
tipicamente feminina, Christine jogara a isca, despertando a curiosidade de
Tessie, atraindo-a para a sua órbita.
— Espertalhona — ele falou com naturalidade, preferindo romper aquele
círculo mágico, do qual não fazia parte, do que admitir o momento de
vulnerabilidade que acabara de experimentar.
— Espertalhona não, apenas sagaz — Christine o corrigiu sem perder o
bom humor. — Preciso de toda a vantagem que eu puder conseguir.
Indiferente às palavras trocadas entre os adultos, Theresa tinha toda a
atenção voltada para a tarefa de desembrulhar o presente, as mãozinhas
ansiosas rasgando o papel que momentos antes admirara quase com
reverência.
Com um gritinho de prazer, ela tirou uma boneca de louça de dentro da
caixa. Chapéu, vestido impecável e o rostinho pintado à mão, o brinquedo era
a coisa mais perfeita e encantadora que jamais vira na vida. Com extrema
delicadeza, a garotinha examinou as mãos da boneca e os pés, calçados com
botinhas de veludo.
Quando a criança ergueu a cabeça para fitá-la, Christine vislumbrou,
pela primeira vez, a personalidade verdadeira daquela irmã por causa de quem
viajara centenas de quilômetros e a quem queria clamar como sua.
— Oh, obrigada, Chris — ela falou, dominada por uma alegria
genuinamente infantil.
Christine lançou um olhar de puro triunfo na direção de Matt e então
sentou-se ao lado da irmã, que segurava a boneca no colo com um cuidado
que beirava ao exagero.
— Chris? — ela indagou num tom calmo e controlado, embora no íntimo
estivesse louca de felicidade diante daquela pequena demonstração de
intimidade.
— Christine é um nome muito comprido para ficar dizendo a toda hora —
Theresa explicou, voltando a atenção para o irmão quase no mesmo instante.
— Você gostou do meu presente, Maffew?
23
Matt Gerrity sorriu e demonstrou total aprovação, não querendo estragar
o prazer da irmãzinha. Quanto mais cedo admitisse que seu relacionamento
com Tessie estava deixando de ser exclusivo, melhor seria para todos.
— Sua irmã sabia bem o que iria agradá-la, não é fofinha?
Sentindo-se de certa forma criticada, Christine ergueu o queixo, numa
reação francamente desafiadora.
— Você largou na minha frente, Matthew — ela falou baixinho, dando a
entender que embora tivesse chegado muito atrasada na tarefa de conquistar
o afeto de Tessie, não iria desanimar. Lançaria mão de qualquer artifício para
ser aceita.
Theresa olhava de um para o outro, como se percebesse a tensão
embutida nas palavras trocadas entre os adultos.
— É uma linda boneca — Matt respondeu afinal, não permitindo que
qualquer dúvida ou incerteza roubasse a alegria da criança. — Fico satisfeito
que sua irmã tenha lhe trazido este belo presente.
Sentindo-se reassegurada, Theresa abraçou a boneca de encontro ao
peito, o rostinho transbordando de felicidade.
Matt fitou a irmãzinha com uma ternura tão pungente que Christine
sentiu um aperto no coração ao presenciar aquela demonstração silenciosa de
afeição.
Apenas por um momento, por um louco instante, ela se perguntou como
seria ter aquele mesmo olhar afetuoso voltado na sua direção. E pelo espaço
de um segundo, sentiu-se muito só, destituída de qualquer calor humano, mais
uma vez a menina solitária que passara uma vida inteira à procura de algo e
que até agora não descobrira o que tanto procurava.
— Você vai se casar? — As palavras ditas num tom quase histérico
ecoaram pelo corredor, fazendo Christine parar onde estava. O som de vozes
vindo da biblioteca a tinha alertado para a presença de visitantes e sua
primeira reação fora manter-se distante e não atrapalhar uma conversa
particular.
A resposta de Matthew foi um murmúrio quase inaudível porque a
mulher não parecia disposta a ouvir explicações.
— Eu não entendo! Não posso acreditar que você tenha me aparecido
com uma noiva arrastada do meio do nada!
— Vamos, Deborah, pare com isto — Matt falou decidido. Se antes
Christine estava disposta a se retirar para o quarto, agora pensava diferente.
Adeus às maneiras delicadas e às atitudes educadas, que exigiam ignorar a
conversa passada na biblioteca. A mulher estava fazendo comentários a seu
respeito e o fato a irritava tremendamente.
— De maneira alguma fui arrastada do meio do nada — ela murmurou
entre os dentes.
Entretanto foram os soluços abafados que a fizeram esquecer um resto
de hesitação e entrar na biblioteca. Nada poderia tê-la incomodado mais do
que a visão de Matthew secando as lágrimas da desconhecida com um lenço
enquanto a confortava com tapinhas nas costas. A mulher não parava de
suspirar e soluçar, como se desempenhasse o papel de viúva inconsolável.
— Estou atrapalhando? — Christine perguntou da porta, o rosto uma
máscara impenetrável.
Matt olhou de uma para a outra, indeciso quanto ao que fazer.
24
— Acho que esta não é uma boa hora para apresentações — falou
decidido.
A tal mulher suspirou uma vez mais e caminhou até a janela, puxando a
cortina branca e mantendo os olhos fixos no jardim lá fora, embora pouco
interessada estivesse na beleza das flores.
Christine observou a figura patética e decidiu que talvez fosse melhor
poupar Matt de tamanho embaraço. Porém foi impedida de afastar-se.
— Não se dê ao trabalho de sair — ele falou, segurando-a pela mão com
força. — Provavelmente esta hora é tão boa quanto outra qualquer. Deborah —
Matt a chamou —, esta é Christine Carruthers, a mulher que será minha
esposa.
Não “minha noiva”, ou “a mulher a quem pedi em casamento”, mas
“minha esposa”. Mais objetivo seria impossível. Christine tentou parecer
tranqüila e com uma fisionomia agradável, já que amigável estava fora de
cogitação. Demonstrar qualquer sinal de simpatia estava além de sua
capacidade, pelo menos naquele momento. “Agradável” teria que bastar.
Sem dispensar a menor atenção a Christine, a mulher voltou-se para o
homem alto e bonito que acabara de desferir um golpe fatal em sua vaidade.
Talvez tenha sido a piedade estampada nos olhos masculinos o que acabou
fazendo-a recuperar um pouco do controle.
— Parabéns a vocês dois. Devo admitir que a notícia me pegou um tanto
desprevenida, Matt, mas você sempre foi cheio de surpresas.
— Esta é Deborah Hopkins, filha de nosso vizinho mais próximo —
Matthew explicou, puxando Christine para perto, indiferente à relutância da
noiva.
— Realmente preciso ir embora agora. Passei aqui apenas para convidálo para o almoço de domingo, Matt. — A criatura loura suspirou dramática e
marchou na direção da porta.
Somente quando já estava de saída, foi que se dignou a lançar um olhar
na direção de Christine. Os olhos frios a mediram de alto a baixo, analisando
os cabelos ruivos, a pele clara e o vestido preto, abotoado até a altura do
queixo. Depois de considerar o objeto de seu exame insignificante, Deborah
deu-se por satisfeita.
— Deixe-me acompanhá-la até a charrete — Matt ofereceu, soltando a
mão da noiva para cumprir seu dever de anfitrião.
Desgostosa com toda a situação, Christine parou diante de uma das
janelas da biblioteca, os olhos fixos no casal que acabava de atravessar os
jardins, a caminho da charrete.
— Que estranho — murmurou pensativa. Aquela mulher daria uma
excelente atriz. Passar de profunda tristeza à aceitação e depois ao desdém
em questão de minutos não era tarefa assim tão fácil. E embora se
considerasse uma pessoa perspicaz, Christine não saberia dizer qual das
emoções era verdadeira. Que a loura gostava de Matthew não havia grande
dúvida, porém não parecia ser capaz de ficar com o coração partido, conforme
ele mesmo dissera referindo-se às mulheres em geral.
De fato não acreditava sequer que aquela mulher tivesse coração.
Matthew acabara de ajudar Deborah a subir na charrete e depois de despedirse com um aceno, virou-se na direção da casa, os olhos voltados para a janela
onde Christine estava. Com passadas longas e decididas, ele cruzou os jardins,
25
passou pela varanda e continuou o trajeto até a biblioteca. Mesmo de longe
era possível enxergar a raiva estampada no rosto viril.
— Nada disso era necessário — Matt explodiu impaciente. — Você
deveria ter ficado com o nariz fora dessa história. Não lhe dizia respeito.
Por um breve instante Christine experimentou uma pontada de culpa,
porém imediatamente vestiu a couraça da irritação.
— Ouvi meu nome sendo mencionado. Portanto o assunto me dizia
respeito sim senhor. Afinal, sou eu a noiva arrastada do meio do nada —
completou, com fingida doçura.
— Se você não estivesse nos espreitando, não teria escutado o
comentário infeliz.
— Eu estava apenas atravessando o corredor, vindo de meu quarto.
Seria impossível não ouvir.
— Pois então deveria ter dado meia-volta e ido para o quarto outra vez.
Qualquer um perceberia que Deborah estava agitada e que falou sem pensar.
Afinal, eu tinha acabado de anunciar que nós dois vamos nos casar.
— Por acaso você a está defendendo, Matthew? — Christine indagou
friamente, os braços cruzados sobre o peito.
— Deborah não precisa de defesa. Ela é mais do que capaz de tomar
conta de si mesma.
— Talvez seja este exatamente o tipo de esposa que você precisa. —
Apesar de dita com tranqüilidade, a frase exalava sarcasmo.
— Talvez. — A palavra pareceu ecoar no ar como uma explosão e Matt
desejou não tê-la dito. A conversa entre os dois já havia ido longe demais e
Christine dava a impressão de estar a beira de um ataque de nervos.
— Ouça, vamos pôr um ponto final nesta história. Não vou me casar com
Deborah. Aliás, nunca discuti o assunto com ela. Trata-se apenas de uma
vizinha e amiga. Vamos esquecer a coisa toda.
— Talvez não tenham discutido o assunto, mas sua vizinha certamente
alimentava essa possibilidade. E o que você acha que eu deveria pensar
quando entrei na biblioteca e os encontrei… juntos?
— A mulher estava chorando — ele retrucou exasperado. — O que eu
deveria ter feito? Mandá-la embora?
— Tenho certeza de que um cavalheiro como você jamais tomaria uma
atitude assim.
Matt ficou em silêncio, considerando o ponto de vista de Christine. De
certa forma ela estava certa. Deborah alimentara esperanças de tê-lo para
marido e fora um tolo em não perceber as intenções da vizinha. Por outro lado,
nunca lhe passara pela cabeça que alguns beijos e carícias roubadas pudessem
significar uma promessa de casamento. Provavelmente Deborah estivera
decidida a levá-lo ao altar e sua consciência o obrigava a admitir que isto até
poderia vir a acontecer um dia… caso aquela ruiva não houvesse entrado em
sua vida.
Mas o fato é que ela entrara em sua vida sim, e ainda não conseguira
absorver o impacto da presença esfuziante. Sua raiva diante da interferência
de Christine e as emoções desencontradas que o atordoavam, acabou fazendoo perder a cabeça.
Tarde demais ela percebeu o que estava para acontecer.
— Solte-me — Christine pediu, tentando empurrá-lo.
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— De jeito nenhum. Você entrou nesta biblioteca para reivindicar a
posição que lhe pertence por direito. Não tente negar. Você sabia exatamente
o que estava fazendo quando passou por aquela porta.
— Não, eu… — Embora quisesse justificar sua atitude, bem no fundo
sabia que Matt estava certo. Talvez devesse ter ido para o quarto e lá ficado
até que o noivo terminasse de explicar-se com a vizinha. Melhor ainda se
tivesse ficado em seu quarto a manhã inteira… Agora não tinha mais
importância. O mal já estava feito. Matt se irritara com a sua interferência e
por um instante ela desejou poder voltar atrás no tempo e desfazer os
acontecimentos dos últimos quinze minutos.
Sem lhe dar chance de reagir, Matt segurou-a pela cintura e deslizou os
dedos logo abaixo da curva dos seios numa carícia leve e sensual.
Ela corou violentamente, sentindo a pressão num ponto que cavalheiro
algum ousara tocar antes, ou sequer olhar. Apesar de chocada, não conseguia
evitar uma sensação estranha, inexplicável.
— Não faça isso — Christine implorou, os anos de uma formação rígida
impedindo-a de agir de outra forma.
— Desculpe-me, eu não devia tê-la tocado ainda com raiva. — Por mais
que Christine houvesse provocado a sua desaprovação, não merecia ser
tratada como uma qualquer, mesmo que o seu desejo superasse a raiva.
— Você realmente está num beco sem saída agora, sabia? — Ela falou de
repente, a voz trêmula, um sorriso incerto nos lábios.
— Estou?
— Sim. Você contou à srta. Hopkins que vai se casar comigo. Ao
anoitecer, a cidade inteira estará sabendo, caso o Arizona seja igual a
Kentucky. E tenho minhas suspeitas de que as pessoas são iguais no mundo
inteiro.
— Talvez.
— Você vai se casar comigo?
— Sim.
— Quando? — Christine indagou num murmúrio, como se a voz lhe
faltasse.
— Tão logo eu possa fazer os arranjos necessários.
Instantes depois Christine tinha consciência apenas da boca que
esmagava a sua num beijo ardente, mas cheio de ternura. Sem que
conseguisse evitar, ela aconchegou-se ao peito largo, entregando-se ao prazer
que lhe era oferecido.
— Abra os seus lábios para mim — Matt pediu.
Não sabendo como agir, Christine ficou imóvel, os lábios firmemente
cerrados, apesar dos olhos azuis faiscarem de paixão.
— Da próxima vez você os abrirá para mim. — A segurança de Matt era
tamanha, que Christine ficou indignada.
— Não conte com isto — ela retrucou, uma expressão decidida no rosto.
— Não conte com isto, Gerrity.
Dando-lhe as costas, Christine saiu da biblioteca, mantendo a cabeça
erguida a duras penas. Somente na solidão de seu quarto, entregou-se à
emoção que aquele beijo despertara.
— Oh, Delilah — murmurou aflita. — Você não me falou nada sobre
essas coisas. Você não me falou nada!
27
CINCO
Olívia Champion poderia ser uma mulher atraente, Christine decidiu. Se
ao menos não estivesse tão determinada a parecer uma professora típica. Com
os cabelos severamente puxados para trás e o corpo metido em roupas
escuras e sem graça, dava a impressão de querer sufocar a feminilidade.
Como um camaleão, misturava-se à atmosfera da casa, passando quase
despercebida. Apenas durante o café da manhã Christine conseguia ouvir a voz
da professora, quando Matt lhe fazia perguntas sobre as tarefas de Tessie para
aquele dia.
Entretanto um bom observador logo iria reparar um leve rubor cobrir as
faces da srta. Champion a cada vez que fitava o sr. Gerrity.
Então era assim, Christine pensou interessada. As palavras descreviam
lições e livros, porém os olhares contavam uma história inteiramente diferente.
— Hoje vamos trabalhar com as letras e os números — Olívia estava
dizendo. — Planejei lições de geografia para a parte da tarde, contudo vai
depender de Theresa. As vezes ela fica um pouco sonolenta depois do almoço
e precisa descansar.
— Entendo — Christine comentou compreensiva. — Tem dias que eu
também enfrento o mesmo problema. Mas Theresa tem apenas cinco anos. Ela
não está sendo muito exigida, srta. Champion?
— Claro que não. O sr. Gerrity quer que a a irmã tenha uma formação
sólida, pois planeja mandá-la para a universidade quando chegar o momento.
Por enquanto ficamos apenas no estudo das letras e dos números. História e
geografia são ensinadas num nível básico, através da leitura de livros.
Aquela mulher parecia mesmo uma professora nata, Christine pensou de
bom humor. Contida, séria, profissional. Exceto pelos olhares ardentes que
lançava a Matt, olhares que este sequer percebia.
Matt, por sua vez, embora acompanhasse a conversa, ocupava-se em
comparar as duas mulheres, apesar de saber estar sendo injusto. O contraste
era tão grande que colocava Olívia em desvantagem. Se os cabelos de
Christine caíam sobre os ombros numa cascata sedosa e brilhante, os da
professora, escuros e sem vida, estavam sempre puxados para trás, num
coque sobre a nuca. As cores pesadas dos vestidos era a única coisa em
comum entre as duas.
— Quero que deixe de usar luto, Christine — Matt anunciou de repente.
— Você não está falando sério.
— Estou sim. Você dificilmente se encontrará com os membros da alta
sociedade de Kentucky aqui e no Arizona as regras de comportamento são
menos rígidas.
— Regras de comportamento nunca se alteram no que diz respeito a
pessoas civilizadas.
Olívia Champion engoliu o último pedaço de torrada às pressas e
levantou-se da mesa.
— Se me dão licença, preciso preparar as lições de Theresa.
— Claro, srta. Champion. Nos veremos à hora do almoço então.
Matt esperou a professora afastar-se antes de indagar a Christine:
— Você já está aqui há uma semana. Qual a sua opinião sobre Olívia
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Champion? Quer dizer, será que ela fará um bom trabalho com Tessie?
— Por quê, em nome dos céus, você está perguntando a mim? Por acaso
não checou as credenciais da mulher antes de empregá-la? Há quanto tempo a
professora está na fazenda?
— Há três meses, desde o aniversário de Tessie. Foi minha mãe quem a
contratou, através de um anúncio no jornal.
— Bem, suponho que ela esteja se saindo bem. E além de gostar de
Tessie, o admira profundamente.
— Me admira? O que eu tenho a ver com a história? Você está apenas
tentando ignorar a questão inicial.
— Que questão?
— A questão envolvendo essa coisa preta que você insiste usar.
Christine ergueu a cabeça desafiante.
— Essa coisa preta é feita da mais pura seda, importada da França.
— Só que essa seda pura, importada da França, não servirá para o verão
do Arizona.
— Sinto desapontá-lo, mas minha opinião é muito diferente da sua. Se
me lembro bem, já tivemos essa conversa antes. Pretendo continuar de luto
por mais seis meses. Creio que será suficiente, considerando as circunstâncias
de nosso casamento.
Matt ficou de pé e apoiou as mãos na mesa, os olhos fixos na mulher à
sua frente.
— Considerando as circunstâncias de nosso casamento, insisto que
mande vir roupas mais adequadas de Kentucky ou eu mesmo irei a Forbes
Junction pare resolver o problema a meu modo.
Christine corou, engolindo as palavras malcriadas que sentia vontade de
dizer.
— E então? — ele insistiu.
— E então o quê? Quem lhe deu o direito de julgar meu guarda-roupa,
sr. Gerrity? Até que um pastor nos case, você não tem o direito de me dar
ordens. A respeito de nada!
Parecendo divertir-se com a situação, Matt segurou Christine pelos
cabelos e puxou-a devagar na sua direção, apossando-se da boca macia como
se lhe pertencesse.
Porém Christine manteve os lábios cerrados, resistindo a qualquer
tentativa de uma intimidade maior. Sem se deixar desanimar, Matt pôs-se a
mordiscá-la no lábio inferior, até obrigá-la a protestar.
Bastou que ela entreabrisse os lábios para a língua masculina explorar o
interior de sua boca, numa carícia ardente e ousada. Entretanto, quase tão
depressa quanto iniciara a investida Matt soltou-a, um sorriso vitorioso
iluminando o rosto viril.
— Tenho todo o direito. Estou no comando aqui, sobre tudo e todas as
pessoas que vivem nesta fazenda. E mais especialmente, minha querida noiva,
estou encarregado de protegê-la. Isto me dá todo o direito de me preocupar
com o seu bem-estar.
Embora Matt esperasse uma explosão depois de seu comportamento
pouco civilizado, Christine permaneceu em silêncio, como se perdida nos
próprios pensamentos. Duas vezes antes ele já a tinha beijado. Primeiro com
uma aspereza que a fizera sentir-se indefesa, vulnerável. Depois com uma
29
ternura tal que a seduzira, despertando sensações que julgara impossível
experimentar.
Agora, fora um beijo exigente, arrogante, indiferente aos seus débeis
protestos. Mas ainda assim não conseguia ter medo do domínio másculo. Tinha
medo apenas das emoções estranhas que a sacudiam por dentro.
— E se eu recusar sua generosa oferta, sr. Gerrity? E se eu decidir não
fazer compras no armazém da cidade? — Christine levantou-se, os olhos azuis
faiscando destemidos.
— Então, srta. Carruthers, terei que descobrir entre as roupas de Maria
algo que lhe sirva.
— Entre as roupas de Maria?!
— Você vai precisar de um traje diferente se espera cavalgar comigo —
ele retrucou, fazendo questão de ignorar o espanto da noiva. — Vamos ter que
dar um jeito para que um vestido de Maria lhe sirva.
— Duvido — ela rebateu, opondo-se à sugestão. — Nós duas não temos
nada em comum.
Somente ao perceber o sorriso de Matt foi que Christine se deu conta de
que aquela história de tomar emprestadas roupas de Maria não passava de
uma provocação. As duas eram tão diferentes quanto a água do vinho.
— Que tal uma trégua? — Matt propôs, erguendo a mão como se
quisesse aplacá-la. — Tenho exatamente a coisa certa para você vestir.
Decidindo que podia ser generosa pelo menos uma vez, Christine sorriu
também e aceitou o pedido de paz.
— Você vai ter sua chance de se exibir. Vou lhe arrumar a roupa certa e
então veremos se é mesmo capaz de dominar um cavalo do Arizona.
— De quem é? — Christine perguntou, alisando o couro macio com a
palma da mão. Estendida sobre o cobre-leito, a saia de montaria parecia à
espera de sua aprovação. Com certeza tal peça de roupa, com cintura tão
estreita, não podia pertencer à roliça Maria.
— Era de minha mãe — Matt respondeu num tom baixo e contido, como
se tivesse dificuldade para pronunciar as palavras.
— Oh… bem, talvez então eu não devesse…
— É uma roupa muito boa para ser desperdiçada. E não creio que minha
mãe iria se importar se você a usasse.
— Obrigada. Vou ter muito cuidado. — Ela sorriu, aceitando o presente
que lhe era oferecido.
— Vamos, apronte-se. Vou mandar um dos homens selar os animais.
Christine concordou com um aceno, observando-o sair do quarto, uma
emoção esquisita ameaçando sufocá-la. Bastava olhar para aquele homem
para que um calor inexplicável dominasse suas entranhas. Alto, cabelos
escuros, ombros largos, pernas e braços musculosos… A própria imagem da
virilidade.
As mãos fortes eram capazes de erguê-la sem qualquer esforço enquanto
os lábios sensuais tinham o poder de inebriá-la como uma droga potente.
Tudo era tão novo, tão diferente. Nada, na sua vidinha resguardada, a
havia preparado para interpretar os sentimentos que a sacudiam. Por outro
lado, Matt era um homem capaz de atitudes antagônicas. Tanto podia ter um
gesto de extrema delicadeza, como lhe dar a saia que pertencera à mãe, como
também tentar manipular cada uma de suas atitudes.
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— Ainda não comecei sequer a compreendê-lo, Matthew Gerrity — ela
murmurou acariciando a saia, o olhar perdido.
— Dez minutos, Christine — ele avisou, batendo na porta do quarto
secamente.
— Mandão.
O cavalo que lhe havia sido reservado era pequeno, com pernas curtas e
musculosas. Christine estranhou a sela, mais alta atrás e com uma
protuberância na frente.
— Não é exatamente aquilo a que você está acostumada, certo? — Matt
indagou, ajudando-a a montar.
— Nunca montei com uma perna passada de cada lado antes. Sempre
usei selas próprias para mulheres. Também estou acostumada a segurar as
rédeas com ambas as mãos.
Temendo passar por um fiasco logo no seu primeiro dia, Christine
colocou o animal em movimento e ergueu-se na sela, como tinha hábito de
fazer, saindo em disparada.
— Não… assim não! — Matt gritou, vindo logo atrás. — Você não pode se
erguer na sela e sair em disparada quando montada num cavalo do oeste.
Apenas trote e mantenha o traseiro grudado na sela até acostumar-se ao
movimento.
Ela o fitou com toda a dignidade de que era capaz.
— Pois eu gostaria de ver como você seria capaz de se ajeitar sobre a
sela a que estamos acostumados lá no leste. Para não mencionar o tamanho
de nossos cavalos.
— Você nunca vai me ver trepado numa daquelas panquecas a vocês
chamam de selas. Nós não montamos apenas por pura diversão, lady. Aqui no
oeste, os cavalos são somente um equipamento que nos permite realizar nosso
trabalho.
— Bem, com certeza eu não pretendo classificar o que estou fazendo
agora de pura diversão. — Mas apesar do desconforto inicial, Christine acabou
entrando no ritmo do animal e acomodando-se melhor na sela.
— Por acaso este bicho tem nome? — ela indagou, sentindo-se à vontade
o suficiente para iniciar uma conversa civilizada.
— Acho que Claude o chama de Brownie.
— Brownie? — Christine riu com prazer, como se tivesse ouvido uma
piada. — Vocês realmente foram capazes de dar o nome de Brownie a um
cavalo?
— De fato eu não o chamo de nada — Matt retrucou, divertindo-se com a
conversa. — Como vocês costumam chamar os animais lá em Kentucky?
— Todos os nossos cavalos são registrados e temos por hábito chamá-los
por um dos nomes com que foram registrados. A minha égua, por exemplo,
recebeu o nome de Rawlings Sweet Fancy. Eu a chamo de Fancy.
— Bem, pois hoje você está montando um animal chamado Brownie,
nascido e treinado para controlar o gado.
Matt pôs seu cavalo a galope, no que foi imediatamente imitado por
Christine.
Com os olhos fixos no horizonte, Christine entregou-se ao prazer de
apreciar a paisagem. Colinas baixas pareciam se fundir umas nas outras,
estendendo-se ao redor de um pasto imenso, onde as éguas e suas crias eram
31
mantidas. Restringidas em sua liberdade por uma cerca de arame farpado, as
éguas davam a impressão de já terem aceito seu confinamento. Porém os
potrinhos não pareciam tão dóceis assim e corriam de um lado para o outro,
tendo as mães sempre ao seu encalço.
— Nós vamos trabalhar com as crias hoje a tarde, começar o
treinamento. Se você quiser assistir…
— Eu gostaria muito — ela respondeu, sorrindo encantada. — Já ajudei a
cuidar de potros em Kentucky. Ouça, eu queria lhe agradecer por ter me
emprestado a saia.
— Não foi nada. Minha mãe era uma pessoa generosa. Tenho certeza de
que aprovaria.
— Me fale sobre sua mãe. — Apesar do pedido, ela duvidou que fosse
atendida. Matt Gerrity não era o tipo dado a confidencias. Assim foi com
surpresa que o ouviu dizer:
— Minha mãe nasceu e foi criada neste território, uma verdadeira nativa.
O fato de ser filha de pai índio e mãe branca a transformou numa mestiça,
portanto pouco cotada para se transformar em esposa de fazendeiro. Mas ela
era linda… De qualquer forma, quando Jack Gerrity a viu, tomou-a para si e
levou-a embora. Minha mãe era muito jovem quando eu nasci, tinha apenas
dezesseis anos, e inocente demais para perceber que aquele irlandês, o meu
pai, era um homem sem caráter. Vivemos alguns anos numa fazenda onde
meu pai trabalhava como capataz e minha mãe logo foi ajudar no serviço
doméstico, lavando a roupa da família. — Matt fez uma pausa, uma expressão
indecifrável no rosto ao se lembrar do passado. — Tem mesmo certeza de que
quer ouvir a história?
— Sim.
— Jack Gerrity não era um homem gentil e certo dia, quando eu tinha
uns cinco ou seis anos, meteu-se numa briga de bar e acabou morto.
— Qual foi o motivo da briga?
— Meu pai estava trapaceando num jogo de pôquer.
— E o que fez sua mãe? — Christine indagou, a voz vibrando de
simpatia.
— Tivemos que nos mudar do chalé, já que seria a moradia do novo
capataz. Ela conseguiu emprego de cozinheira numa fazenda próxima e levoume junto.
— Quantos anos você tinha na época?
— Tinha idade suficiente para saber que deveria ficar fora do caminho
quando o fazendeiro estivesse bêbado. Certo dia, minha mãe arrumou nossos
pertences, jogou-os numa carroça e saímos de lá. Seu pai nos encontrou na
estrada e nos levou para a fazenda Carruthers. Quando o fazendeiro vizinho
veio atrás da gente, seu pai pagou a carroça e o pôs para correr.
— Foi então que os dois se casaram?
— Não… Minha mãe primeiro cuidou dos serviços da casa até chegar a
notícia de que sua mãe havia morrido, uns dez anos atrás. Seu pai pensou que
você voltaria imediatamente para a fazenda.
— Eu tinha apenas doze anos de idade. Meus avós estavam arrasados e
não tive coragem de deixá-los. Mas para dizer a verdade, eu não queria
mesmo deixá-los, pois meu pai jamais demonstrou interesse na minha pessoa.
— Nós dois sabemos que isto não é verdade. Lembro-me de todas
32
aquelas cartas que ele lhe mandou, até que, finalmente, desistiu de esperar
resposta.
Lá vinham as tais cartas outra vez. Maria as mencionara com tanta
sinceridade que agora se perguntava se a história não teria fundamento.
— Parece que meu pai tinha uma família aqui. Você e Arnetta
preenchiam qualquer possível vácuo. Ele não precisava de uma filha… ele não
precisava de mim.
— Você está redondamente enganada — Matt retrucou com firmeza. — A
cada vez que as cartas voltavam para cá sem terem sido abertas, ele caía em
depressão. Depois de muitos anos, parou de insistir.
As cartas voltavam para cá sem terem sido abertas, Christine pensou
chocada. Qual teria sido a participação de sua mãe e de seus avós? Porém
agora era tarde demais para se lamentar. Se seu pai quisesse, ele poderia ter
ido procurá-la em Kentucky…
— E então? O que queria me mostrar? — ela indagou de repente, ansiosa
para mudar de assunto.
— Apenas o pasto para onde costumo mandar os cavalos durante o
verão.
— E os potrinhos? Você os manda para cá também?
— Sim, exceto os que ainda estão mamando e os que serão amansados
e domados.
— Quando eu era adolescente, o nosso cavalariço-chefe deixava eu
ajudar no treinamento dos potros.
— Aposto que sua mãe não sabia de nada.
— Não. — Bastara mencionar a mãe para Christine perder o brilho do
olhar. Era como se as lembranças fossem muito duras e desagradáveis.
— Olhe só! — Matt apontou na direção do horizonte, onde um vale se
estendia a perder de vista.
— É o início das montanhas?
— Não, são apenas colinas. As montanhas ficam mais ao norte, junto às
nascentes dos riachos.
— É um tanto desolado, não é? — Christine comentou, os olhos varrendo
a paisagem sem que encontrasse qualquer sinal de vida além da vegetação.
— Algumas pessoas diriam que sim.
— Mas não você?
— Hora de voltarmos — Matt falou sem responder à pergunta. — Maria
não deve demorar a servir o almoço.
Pronto. A sensação de proximidade havia desparecido no ar como
fumaça, Christine pensou chateada. Outra vez Matt parecia se fechar em
copas.
— Você consegue me acompanhar? — ele indagou, lançando o cavalo
num trote.
— Ponha-me à prova.
— Qualquer dia desses, minha lady. Qualquer dia desses vou aceitar o
desafio.
33
SEIS
Os flancos arredondados do cavalo brilhavam sob o sol, os pêlos
tornando-se ainda mais sedosos a cada nova escovada. Christine suspirou
fundo, satisfeita com o trabalho. Aquele cheiro de feno e couro parecia trazer
de volta lembranças queridas do passado.
De certa forma foi seu amor pelos cavalos, animais elegantes e
majestosos, que a salvou de uma infância triste e solitária. Sua mãe passava
os dias inteiros descansando no quarto e seus avós davam a impressão de
estar mais interessados em ensiná-la rígidas regras de comportamento do que
cercá-la de afeto.
Na verdade sempre se sentira uma forasteira na mansão imponente. Mas
apesar disso, depois da morte da mãe, esforçara-se para viver de acordo com
a etiqueta social tão admirada pelos avós. Somente as horas passadas no
celeiro davam-lhe prazer e a libertavam daquela sensação de claustrofobia.
Christine ergueu a cabeça e olhou ao redor, reparando o curral, as portas
enormes e escancaradas do celeiro, o pasto ainda verde despois das chuvas de
primavera. Dominando a paisagem, a casa toda pintada de branco, bela e
arejada, dando-lhe as boas vindas.
Mesmo as pessoas que viviam dentro daquelas quatro paredes haviam
começado a tratá-la como se fizesse parte da família.
Theresa, por exemplo, passara meia hora antes do café da manhã
praticando pular corda com o incentivo entusiasmado da irmã. Ao terminar, a
menina a abraçara, um tanto timidamente, é verdade, porém com carinho.
— Você está estragando esse folgado, srta. Christine — disse Claude,
parado junto a porta do celeiro de onde a observava. — O velho Brownie nunca
passou tão bem em sua vida, desde que a senhorita começou a montá-lo.
Ela sorriu, divertindo-se com os comentários do empregado, a
perspectiva de cavalgar algum tempo sob o sol da manhã enchendo-a de
prazer.
— Gosto de paparicá-lo — Christine explicou, terminando de escovar o
pêlo do animal e acariciando o focinho aveludado.
— Pois ele nunca recebeu tanta atenção assim e não sabe o que fazer
para agradá-la e merecer mais.
O rapaz viu-a colocar uma manta sobre o dorso do cavalo e depois
levantar a sela com a intenção de ajeitá-la. Christine hesitou e acabou
colocando a sela no chão, inspirando fundo enquanto se preparava para repetir
a operação. A sela era muito mais pesada do que a que costumava usar em
Kentucky.
— Deixe-me ajudá-la — Claude ofereceu, largando o cabresto que
estivera consertando e correndo para terminar a tarefa.
Grata pelo auxílio, Christine passou as mãos na saia de couro e inspirou
fundo, querendo reter nos pulmões o cheiro da natureza. Outra vez a
suavidade do material chamou-lhe a atenção, fazendo-a lembrar-se da
delicadeza do gesto. Ao pensar em Matt, seu rosto cobriu-se de um rubor
intenso, especialmente depois da maneira como ele a olhara enquanto
tomavam o café da manhã.
Matt a fizera prometer não se afastar muito da casa já que, estando
34
sobrecarregado de serviço, não poderia acompanhá-la e preferia não sabê-la
correndo o risco de perder-se.
Assim que Claude terminou de selar Brownie, Christine tomou o animal
pelas rédeas e preparou-se para montar, agradecendo a gentileza do
empregado com um sorriso franco.
Assim que ela colocou o pé num dos estribos, o cavalo afastou-se para o
lado. Sem se abalar, Christine falou algumas palavras tranqüilizadoras junto a
orelha de Brownie enquanto passava a outra perna sobre o dorso largo e
segurava as rédeas com a mão esquerda.
Foi o que bastou. Como um animal enlouquecido, o cavalo jogou a
cabeça para trás e relinchou alto, corcoveando desesperadamente, dando
coices contínuos e furiosos. Pega de surpresa, Christine perdeu o controle das
rédeas e agarrou-se à sela para não cair.
— Calma… calma, Brownie! — Claude falou à beira do pânico, os olhos
fixos na mulher que lutava para manter-se sentada sobre o animal e proteger
a própria vida.
Do curral, três homens saíram correndo. A frente vinha Matt Gerrity, as
passadas largas cobrindo a distância que o separava da cena onde ocorria o
drama.
Christine estava se agüentando bem, ele precisava reconhecer. Porém
não suportaria aquela agonia por muito mais tempo. O cavalo não poupava
esforços para livrar-se do peso sobre o dorso. Foi quando o animal pulou outra
vez no ar e jogou-se para a lateral antes de voltar ao chão, que a tragédia
chegou ao fim.
O corpo de Christine foi arremessado para longe. Matt correu para
ampará-la na queda enquanto dois homens capturavam Brownie. Ainda
agitado, o cavalo continuou a corcovear durante alguns minutos, mesmo sob a
sela vazia.
— O que diabos aconteceu? — Matt berrou furioso, segurando o corpo
inerte da noiva de encontro ao peito.
Perplexo, Claude balançou a cabeça de um lado para o outro, sem saber
o que dizer.
— Não sei, patrão. Brownie parecia ótimo minutos atrás. A srta. Christine
o estava adulando e o animal sentia-se visivelmente satisfeito. Então eu o selei
e entreguei as rédeas à srta. Christine, como fiz ontem e anteontem.
— Bem, alguma coisa aconteceu e é melhor que você descubra o que é,
meu velho.
Matt deu as costas aos empregados e andou na direção da casa,
obrigando-se a não correr por temer machucá-la ainda mais.
— Você acha que ela vai ficar OK? — indagou um dos homens que
segurava Brownie.
Claude levantou os ombros, uma expressão aturdida no rosto.
— Quem pode saber, Tucker? Ela sofreu uma queda e tanto… E está
desmaiada.
O terceiro homem, Earl, ocupava-se agora em retirar a sela que Claude
colocara no lugar momentos antes.
— Vamos dar uma boa olhada em Brownie — ele falou, entregando a
sela a Tucker. — É incrível, mas nem parece o mesmo animal de segundos
atrás. Agora tão manso, antes dando a impressão de querer matar alguém.
35
— Juro que não consigo entender — murmurou Claude, os olhos fixos na
figura alta de Matt que acabara de entrar em casa. — Juro que não consigo
entender nada.
— Ela ficará bem, sr. Matthew. — As palavras, ditas num tom delicado,
expressavam profunda confiança e Christine as ouviu através de uma névoa
espessa.
Devia ser Maria, pensou, reconhecendo o leve sotaque.
— Maria… — Embora acreditasse haver pronunciado o nome da
empregada com clareza, o som que saiu de seus lábios não passava de um
murmúrio quase inaudível. Imediatamente duas cabeças se abaixaram um
pouco mais e Matt tomou a mão fria entre as suas.
— Christine? — Sentado na beirada da cama, ele a acariciava no pulso
devagar enquanto afastava os fios de cabelos do rosto bonito, num gesto de
extrema delicadeza.
Manchas de sangue cobriam parte da testa e um galo enorme já
aparecera. De repente, ao reconhecer a vulnerabilidade daquela mulher, Matt
foi tomado de intensa emoção. Poderia perdê-la tão facilmente, antes mesmo
de a conhecer melhor, antes mesmo de a tornar sua.
O pensamento o surpreendeu. Era estranho à sua existência solitária
esse desejo de sentir outro ser humano como parte de si mesmo. Nada tinha a
ver com as mulheres que haviam passado em sua vida. De nenhuma delas
ficara uma lembrança ou uma marca. Apenas as possuíra e as deixara, como
folhas levadas pelo vento. Porque sexo fora tudo o que conhecera… até agora.
Até que aquela mulher vibrante cruzara seu caminho e alterara todos os seus
planos para o futuro.
O fato do velho Carruthers ter sido o responsável pela reviravolta do
destino já não tinha a menor importância. Matt Gerrity estava determinado a
casar-se com Christine de livre e espontânea vontade. A única coisa que
importava agora era protegê-la de qualquer outra tragédia, de mantê-la a
salvo e em segurança.
Ele abaixou-se um pouco mais e tornou a chamá-la.
— Sim… — Outra vez Christine tentou abrir os olhos e fitá-lo, porém o
esforço era muito grande e sua cabeça parecia a ponto de estourar, tamanha a
dor.
— Cabeça dói. — Ela piscou e tentou erguer a mão para tocar o
ferimento.
— Já mandei chamar o médico. — Matt acariciou-a na testa
delicadamente, querendo lhe dar um pouco de alívio, embora soubesse não ser
impossível.
— Estou bem — Christine murmurou. Seus braços, pernas e pés
pareciam normais, apesar de doloridos. A única coisa que a preocupava era a
dor de cabeça.
— Fique quietinha.
— Não posso… dói.
No mesmo instante Matt deslizou os dedos até tocá-la na altura da
orelha, onde o inchaço era visível.
— Sim, você tem um galo e tanto aí, querida. A pele sofreu alguns
arranhões, mas não há sangramento.
— Estou bem… Preciso só descansar…
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— Temos que limpá-la e vesti-la com uma camisola antes que o médico
chegue — Maria falou, a preocupação evidente no rosto enrugado.
— Não… — Christine sussurrou. — Me deixem descansar… me chamem
na hora do almoço.
— De jeito nenhum — Matt interveio. — Não quero discussões, querida.
Seja uma boa menina e deixe que Maria a ajude ou então eu mesmo cuidarei
do assunto.
Resignada, Christine suspirou e apoiou a cabeça nos braços fortes que a
sustentavam. Seria tão mais fácil permitir que Matt assumisse o comando da
situação. Pelo menos por enquanto iria render-se sem causar problemas.
— O que aconteceu lá fora, sr. Matt? — Maria perguntou tão logo
Christine voltou a dormir.
— Não sei ao certo. Brownie atirou-a para fora da sela sem motivo
aparente. Mas esteja certa, Maria, vou descobrir o que aconteceu.
O espeto de ferro, pequeno e afiado, havia sido implantado no couro da
sela, na parte interna e central, de forma tal que passava despercebido.
— Quem encontrou isto? — A voz de Matt vibrava ameaçadora. — Ainda
bem que Christine é leve. O peso de um homem teria enfiado esta coisa no
dorso de Brownie até o fundo.
Claude concordou com um aceno.
— É verdade. Brownie só sofreu arranhões. Nada de sério.
— Eu encontrei o pedaço de ferro, patrão. — Tucker estava parado na
porta do curral, uma expressão sombria no rosto. — Quando fui tirar os arreios
e a sela de Brownie, percebi manchas de sangue na manta que lhe cobre o
dorso. Achei que valia a pena dar uma boa examinada na sela inteira.
— Alguém desconhecido andou rondando o curral ou o celeiro hoje? —
Matt indagou.
— Não sei — Claude respondeu. — Pelo menos não que eu tenha visto.
Mas passei a manhã inteira com os potros.
— Não consigo imaginar quem teria feito uma coisa dessas — Tucker
comentou. — Será que foi de…
— Bem… alguém o fez. E quando eu descobrir quem foi… — Matt cerrou
os maxilares, os olhos faiscando de ódio. Acertaria as contas com o culpado,
disso estava certo.
— Ela é uma dama muito teimosa.
— Por acaso você não está se referindo a Christine, está, Maria? —
Depois de ouvir o médico afirmar que Christine ficaria boa, Matt sentia-se mais
aliviado e até com um humor cordato.
Porém, a mulher parada diante da porta fechada do quarto, com uma
bandeja nas mãos, não parecia nada satisfeita com a situação.
— Sr. Matt, ela falou que pretende levantar-se para jantar esta noite. E
quando eu lhe disse que o médico a mandou passar o resto do dia deitada,
simplesmente fez cara feia e afirmou que o médico não sabe de nada.
Indignada, Maria deu um passo para trás, certa de que Matthew Gerrity
resolveria o problema.
Com um sorriso resignado, a empregada entregou a bandeja ao patrão e
desceu a escada depressa, murmurando para si mesma:
— Mais parecida com o pai a cada dia. Tão ruiva e teimosa quanto o
velho Carruthers.
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Matt girou a maçaneta, a bandeja firmemente segura numa das mãos.
— Olá, Christine. Encontrei Maria no corredor com esta bandeja cheia de
coisas deliciosas. Que tal partilhar comigo?
— Você poderia ter batido antes de entrar. — De pé junto a cama,
vestindo uma camisola branca de algodão que lhe deixava apenas os pés e as
mãos de fora, Christine era a própria imagem da fragilidade. Descorada, o
rosto tenso por causa da dor de cabeça, ela procurava aparentar serenidade
apesar do extremo desconforto. Se não fosse pelos cabelos vermelhos, sua
palidez seria ainda maior.
— Pareço assim tão mal? — ela perguntou. — Você está me olhando de
um modo…
— Sim, você com certeza está abatida, lady. E nem pense na
possibilidade de sair deste quarto e descer para o jantar. De fato, eu diria que
é melhor voltar já para a cama e se comportar.
— Eu não levaria mais do que alguns minutos para me arrumar —
Christine contestou, embora naquele exato momento a cama lhe parecesse o
melhor lugar do mundo.
Ela abriu a boca para protestar, mas acabou desistindo. De repente a
idéia de sair do quarto deixou de interessá-la.
— Nunca fui jogada no chão por um cavalo antes… Matt relaxou e sorriu.
Para sua surpresa, ela estava cedendo quase sem discussão.
— Pois se eu tivesse ganho um centavo a cada vez que comi a poeira do
curral, estaria rico.
— Verdade? Você já foi derrubado por algum cavalo?
— Querida, quando se ganha a vida domando cavalos, é bom conformarse com a idéia de cair.
— Eu não queria causar toda esta confusão. — Christine sentou-se na
beirada da cama e puxou o lençol até o queixo, aceitando a bandeja. — Tenho
certeza de que o médico lhe disse que meu estado é bom.
— Não exatamente. O médico suspeita que você tenha sofrido uma
pequena concussão e por isso deve ficar na cama o resto do dia. Se até depois
de amanhã sua cabeça continuar doendo, mandaremos avisá-lo.
— Ele disse isto? — Dominada por uma estranha emoção, ela baixou o
olhar e afastou a bandeja. Só recusara a idéia de jantar no quarto porque não
queria dar trabalho à ninguém, entretanto Matt não parecia nem um pouco
incomodado.
— Christine? Você não está chorando, está? Sua cabeça está doendo? —
Gentilmente, ele ajudou-a a deitar-se, as mãos grandes tocando-a quase com
reverência enquanto ajeitava os travesseiros sob a cabeça ferida.
— Não, não estou chorando. Nunca choro — ela afirmou, piscando várias
vezes para esconder as evidências da mentira. Entregando-se aos cuidados de
que era alvo, Christine inspirou fundo, adorando a proximidade daquele corpo
másculo. — Você sabia que homens cheiram diferente das mulheres? —
indagou num murmúrio.
— Sim, querida. Mas tinha minhas dúvidas de que você também
soubesse.
— Agora eu sei. Sua camisa cheira a sabonete, couro e cavalos.
Consegui sentir o cheiro da sua pele também…
— Bem… — Matt sorriu e segurou a bandeja com mais força. A idéia
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daquele nariz aristocrático roçando a sua pele era realmente excitante.
— Gosto que você cuide de mim, Matthew — Christine sussurrou,
fechando os olhos por um momento. — Não posso acreditar que eu esteja lhe
dizendo todas essas coisas. Minha cabeça está esquisita por dentro.
— Provavelmente é o efeito do remédio que o médico lhe deu. Pode falar
o quanto quiser, querida, porém tenho a impressão de que amanhã não se
sentirá muito satisfeita consigo mesma se me tratar de maneira gentil hoje.
— Não estou sendo gentil. Veja como tratei Maria. Diga-lhe que peço
desculpas.
— Sim, você realmente é uma chata quando quer. Agora, vamos, abra a
boca e deixe-me lhe dar a sopa. — Matt ajeitou o guardanapo sobre o peito de
Christine, a mão roçando os seios de leve num gesto destituído de segundas
intenções. Percebendo que a assustara, procurou acalmá-la. — Não é nada.
Estou apenas tentando evitar que caia sopa na sua camisola.
— Pensei que você estivesse querendo se aproveitar de mim… Não sei
nem se você deveria estar no meu quarto.
— Nós vamos nos casar, querida. Logo estarei dormindo no seu quarto.
— Meus avós dormiam em quartos separados. Talvez fosse uma boa
idéia para nós. Com certeza você se sentirá melhor com mais espaço na cama.
— Vamos, pare de conversar e tome a sopa. Discutiremos esse assunto
outro dia. Que tal experimentar o pão que Maria fez?
Christine obedeceu, para logo depois ajeitar-se entre os lençóis,
sonolenta devido aos efeitos do sedativo que o médico lhe dera.
Matt tomou as mãos delicadas entre as suas e beijou-as, deslizando a
ponta da língua pela pele arranhada.
— Matthew?
— Sim?
— Lembro-me de quando era muito pequena, meu pai costumava beijar
meus arranhões e machucados, dizendo que um beijo fazia sarar mais
depressa. Talvez eu não devesse me lembrar de nada, não é? Era tão pequena
quando minha mãe me levou embora…
— Nós sempre nos lembramos das coisas importantes, querida.
— Fico feliz que você tenha me beijado.
— Quando? — ele indagou num murmúrio, beijando-a na testa.
— Hoje à noite… E no outro dia também, quando agiu como se realmente
gostasse de mim.
— Mas eu realmente gosto de você, querida.
— Você vai me beijar muito depois que estivermos casados? — Christine
sufocou um bocejo e fitou-o, as pálpebras pesadas de sono.
Sem que pudesse evitar, Matt começou a rir, finalmente sentindo-se livre
da tensão que o consumira o dia inteiro.
— Vou beijá-la muito querida, e você fará o mesmo.
— Não sei como.
— Não se preocupe, prometo lhe ensinar.
— Você está bastante atraente sob o luar.
— Não lhe dei permissão para falar comigo com tanta familiaridade.
— Você me deve mais do que o direito de fazer um comentário qualquer,
lady — o homem retrucou rindo, dando um passo a frente.
39
No mesmo instante a mulher se afastou, os dois protegidos pela parede
do celeiro.
— Não lhe devo nada… ainda.
— Você não me disse que a queria morta. Apenas que desejava assustála o suficiente para mandá-la de volta para o leste.
— Se chegarmos a esse ponto, você pode fazer o que deve ser feito? —
A voz dela soava tão fria quanto a dele.
— Acho que posso fazer tudo o que for preciso, se a recompensa valer a
pena.
— Já combinamos o preço. Você não acha suficiente?
— Não é o bastante, a menos que eu receba o resto do pagamento, lady.
E não em dinheiro.
— Creio que você vai gostar do que eu posso lhe dar — a mulher falou,
os olhos cheios de promessa.
Ansioso, o homem tentou agarrá-la.
— Não, ainda não. Seja paciente.
40
SETE
— O testamento de Samuel está pronto e acabado — Oswald Hooper
enfatizou. — Eu mesmo tive o cuidado de eliminar quaisquer chances de uma
interpretação duvidosa quando o redigi.
— Eu não pretendia deixá-lo tão agitado — Matt interveio, andando de
um lado para o outro da sala do advogado. — Só queria me certificar de que os
avós de Christine não poderão me causar problemas.
Oswald clareou a garganta e aguardou explicações num silêncio
profissional.
— Telegrafei a Lexington hoje pela manhã bem cedo, pedindo que
mandem as coisas de Christine. Comuniquei a eles que vamos nos casar. Devo
receber resposta logo. Acho que vou dar um pulo à estação e perguntar a
Harley Summers se já tem alguma notícia para mim.
— Quando será o casamento?
— Pretendo conversar com o pastor depois de falar com Harley. Por mim
poderia ser até amanhã. Preciso apenas encontrar um vestido para a noiva
usar.
Irritado, Matt ouviu Harley Summers dizer que não havia chegado
nenhuma notícia de Lexington. Provavelmente os avós de Christine estavam
chocados demais para reagir de imediato. Portanto só lhe restava esperar.
A visita à igreja, entretanto, foi muitíssimo bem sucedida. O reverendo
Josiah Tanner mostrou-se entusiasmado com a possibilidade de oficiar a
cerimônia, a qualquer dia ou hora. Satisfeito com os resultados da conversa,
ele rumou para o melhor armazém de Junction Forbes.
Graças a Deborah, cada um dos moradores da cidade sabia que sua
noiva fazia parte do trato para obter a fazenda Carruthers. Christine julgara
bem o caráter da loura.
— Bom dia, sr. Gerrity — Ruth Guismann o cumprimentou sorridente,
sem sair de trás do balcão.
— Bom dia, senhora. — Sentindo-se o centro dos olhares de todas as
mulheres presentes, Matt precisou resistir ao impulso de sair depressa dali,
sem completar sua missão.
— Preciso comprar um vestido — ele anunciou afinal, num tom
deliberadamente baixo para despertar a menor atenção possível.
— De que tamanho? — indagou a sra. Guismann, parecendo divertir-se
com o desconforto masculino.
— Ela não é muito grande… Bem, é muito menor do que Maria.
Ruth Guismann cerrou os lábios para evitar um sorriso e virou-se para
uma prateleira onde estavam expostas várias peças em tonalidades sóbrias.
— Senhora?
— Sim, sr. Gerrity?
— Não quero nada assim tão escuro.
As mulheres presentes, que seguiam o desenrolar da cena com atenção
e interesse, cochichavam tanto entre si que Matt, impaciente, decidiu a
resolver a questão que o levara até ali o quanto antes.
Recusava-se a proporcionar momentos de diversão para aquele bando de
mulheres. Erguendo os ombros na altura de seu um metro e noventa, tirou um
41
maço de notas do bolso e jogou-o sobre o balcão.
— Preciso de um vestido de casamento para minha noiva — ele anunciou
em alto e bom som. — Quero um tecido claro, talvez azul ou rosa, com algum
babado, ou laços, ou seja lá o que for de bem feminino. Precisa ser mais ou
menos dessa largura na cintura. — Com as mãos paralelas, tentava mostrar o
tamanho da cintura de Christine.
O vestido azul-marinho voltou imediatamente para a prateleira,
substituído por outro em tom claro e alegre, cheio de florzinhas minúsculas.
Matt inspecionou a peça de roupa, tentando imaginar o corpo esguio de
Christine Carruthers coberto pelas camadas vaporosas e babados delicados.
— Este tem elástico na cintura — a sra. Guismann estava dizendo. — É a
última moda em Nova York e aposto que vestirá sua noiva com perfeição.
— É um pouco quente com estas mangas compridas, não é?
— Uma lady nunca expõe os braços em público.
— Está bem então — Matt respondeu depressa, percebendo que o bando
de mulheres não perdia uma só de suas palavras ou atitudes. — Vou precisar
de alguma coisa mais para acompanhar o vestido?
— Vamos ver o que posso encontrar. — Dando-lhe as costas, a sra.
Guismann pôs-se as vasculhar gavetas e prateleiras com a firme intenção de
ajudá-lo a gastar o maço de notas ainda sobre o balcão.
A pilha de coisas foi crescendo a olhos vistos. Resignado, ele aguardou
num silêncio estóico e chegou a sorrir para a mulher mais próxima, certo de
que não adiantava mais se aborrecer. Afinal quem está na chuva é para se
molhar.
— Ouvimos dizer que vai haver um casamento — comentou Hilda
Schmidt, aproveitando a brecha oferecida pelo sorriso. — Ontem mesmo falei
com meu marido que o clube de costura vai fazer uma colcha para sua futura
esposa.
— Há quanto tempo vocês estão sabendo disso?
— Oh, há muitos dias. Desde domingo passado.
Um dia após a visita de Deborah à fazenda, Matt concluiu irritado. Então
ela não perdera tempo. Christine acertara na sua previsão,
— Vai ser um casamento simples. Apenas uma cerimônia íntima na
paróquia.
— Oh… — a sra. Schmidt deixou escapar, sem esconder o desaponto. —
Se é assim, iremos visitá-los depois da lua-de-mel.
O murmúrio de aprovação geral fez Matt sufocar um gemido de
desânimo e virar-se para a sra. Guismann em busca de salvação.
— A senhora já terminou de separar tudo?
Com um breve aceno de cabeça, Ruth indicou que seu trabalho estava
terminado e depois de somar todos os itens, mostrou-lhe a conta.
Embora o total o surpreendesse, ele pagou sem hesitar e, murmurando
um “obrigado”, saiu depressa da loja.
Já entardecia quando Matt chegou à fazenda.
— Precisa de ajuda, patrão? — Earl ofereceu, reparando no embrulho
enorme sobre o assento da carroça.
— Não, posso cuidar disso sozinho. — Depois de todo o trabalho que
tivera para comprar aquelas coisas, queria ele mesmo levá-las até o quarto de
Christine.
42
Satisfeito, caminhou na direção da casa, carregando o embrulho nas
mãos e a resposta vinda de Lexington no bolso.
Os avós de Christine não tinham sequer discutido. Simplesmente
concordaram em mandar os pertences da neta. Dentro de uma semana ou um
pouco mais, a mudança de sua noiva estaria completa.
Christine estava sentada em seu lugar habitual, tendo Olívia à frente e
Theresa à sua esquerda. Maria acabara de colocar um prato de carne assada e
legumes sobre a mesa, o cheirinho delicioso impregnando o ar.
— Nós o esperamos até que a carne começou a esfriar — a empregada
apressou-se a dizer, vendo-o entrar. — Venha, sente-se.
— Christine — Matthew falou, parando diante da noiva que parecia
ocupada ajeitando o guardanapo sobre o colo.
— Sim? — ela respondeu friamente, fitando-o desafiante. Irritado, Matt
deixou o embrulho cair no chão, o som abafado ecoando no ambiente
silencioso.
— Você trouxe alguma coisa para mim, Maffew? — quis saber Theresa.
— Matthew — corrigiu Olívia numa voz firme, ignorando o olhar
suplicante de Tessie. — Já discutimos o assunto, Theresa. Você é grandinha o
bastante para pronunciar o nome de seu irmão de maneira correta.
— Será que precisamos de lições também à hora do jantar, Olívia? —
Matt indagou exasperado.
— Estou apenas tentando…
— Não agora — ele finalizou secamente.
— Maff… Matthew…
— Sim, Tessie?
— Você trouxe alguma coisa para mim?
— Não desta vez, querida.
— Quer dizer que o embrulho é inteirinho para Christine? — A garota
inclinou-se sobre o colo da irmã para enxergar melhor o tamanho do pacote.
— Sim, inteirinho. — Sabendo que teria que esperar até o final do jantar
para descobrir a razão do mau humor da noiva, Matt sentou-se à mesa.
Christine fez questão de conversar com Olívia sobre os progressos de
Tessie e também cumprimentou Maria, dizendo que a refeição estava deliciosa,
em especial o pudim de pão servido como sobremesa.
Porém para o homem sentado à sua direita, reservou apenas silêncio e
olhares desconfiados. Ao terminar de comer, Matthew sentia-se à beira de
arrastá-la para o quarto e sacudi-la com força, até obrigá-la a despir aquele ar
arrogante.
Pegando-a pelo pulso, levou-a para o grande quarto de casal, na ala
norte da casa e fechou a porta pesada com um estrondo.
— Não é apropriado ficar sozinho num quarto com uma mulher que não é
sua esposa — Christine anunciou cheia de afetação.
— Fiquei sozinho com você no seu quarto poucos dias atrás, depois que
aquele seu querido cavalo atirou-a para fora da sela, lembra-se? — Matt
inclinou a cabeça até quase tocar o rosto feminino. Apreensiva e incapaz de
sustentar o exame de que era alvo, ela baixou o olhar.
— Aquilo foi diferente. Eu estava fora de mim.
— Tem razão. Estava tão fora de si que chegou a me tratar com cortesia.
— Ele cruzou os braços e fitou-a fixamente:
43
— Agora me diga que bicho lhe mordeu.
— Que coisa mal educada para me dizer! — Nervosa, Christine tentou
empurrá-lo para longe, porém, era como tentar mover uma montanha. O peito
másculo tinha a dureza do aço e não cedeu um milímetro sequer. Percebendo
que o noivo se mantinha irredutível, decidiu abordar logo o assunto e dar o
caso por encerrado.
— Maria me contou que você foi à cidade acertar os detalhes do nosso
casamento.
— É por isto que você está tão louca da vida? — Matt indagou sem
esconder o assombro.
— Sim, é por isto que estou tão louca da vida — ela devolveu,
completamente descontrolada.
— Pois eu o fiz por você! — Obrigando-se a não perder a calma, Matt
passou as mãos pelos cabelos em vez de sacudi-la como tinha vontade.
— Então muito obrigada. — As palavras destilavam sarcasmo. — Por
acaso lhe passou pela cabeça que eu gostaria de haver participado dos planos
para o nosso casamento?
— E por quê? O que havia para planejar? Vamos à cidade, encontramonos com o pastor e ele nos casa. Eu só estava tentando lhe fazer um favor,
resolvendo alguns detalhes. — Pela primeira vez Matt se deu conta de que a
tinha ofendido da pior maneira possível.
— Quer dizer que casar-se é apenas um detalhe na sua vida? — ela
indagou horrorizada.
— Ah… vamos, Christine. Não fique com raiva. Você está me
interpretando mal. Apenas pensei que talvez preferisse não se dar ao trabalho
de me acompanhar à cidade.
— Você estava com medo de que eu quisesse uma cerimônia cheia de
pompa, não é?
Silêncio.
Christine empalideceu, mas suportou o silêncio durante vários segundos
até que, finalmente, fez a pergunta que a angustiava.
— Você tem vergonha de mim?
— Droga, não! — As palavras explodiram com tal veemência que ela não
duvidou da sinceridade do noivo.
— Por favor, não pragueje na minha presença — Christine pediu, dando
um passo para trás, sem saber como sustentar o olhar que parecia enxergarlhe a alma.
— Você consegue me tirar do sério, srta. Certinha. E se acha que estou
praguejando, precisa ver quando realmente perco a calma.
Atordoada, ela deu mais um passo para trás e franziu o nariz
delicadamente. Matthew Gerrity irado era uma visão de tirar o fôlego. Até seu
cheiro tornava-se ameaçador, uma mistura de virilidade, poeira e vida ao ar
livre.
— Não faça isso outra vez! — ele esbravejou. — Você torce o nariz como
se eu tivesse acabado de sair do celeiro e como se não fosse bom o suficiente
para você!
— Não é verdade! — Christine retrucou, horrorizada com a acusação. —
Isso nunca me passou pela cabeça. Não sou uma esnobe, Gerrity! Não como
você!
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— O que a senhora está querendo dizer com isso?
— Só porque eu venho do leste, você parece achar que não sirvo para
ser esposa de um fazendeiro. Está planejando casar-se comigo numa
cerimônia rápida e quase às escondidas para evitar que seus amigos riam da
mulher que foi obrigado a aceitar como esposa.
— Ah… droga! — Matt segurou-a pela cintura e apertou-a de encontro ao
próprio corpo com uma intimidade indecente, obrigando-a a sentir a evidência
de sua excitação. — Você me deixa louco, mulher — murmurou, beijando-a na
boca com extrema delicadeza, seduzindo-a, incitando-a a retribuir a carícia.
Christine inspirou fundo e entregou-se ao abraço, consciente do peito
largo esmagando seus seios estranhamente sensíveis.
Então Matt aprofundou o beijo, tomando posse de seus lábios com uma
sofreguidão insuspeitada, pressionando a língua num dos cantos de sua boca
até forçá-la a abrir.
Ela estremeceu, rendendo-se às sensações desconhecidas que a
sacudiam de alto a baixo, tomada por um calor estranho que se espalhava do
ventre em direção ao corpo todo.
Oh, Deus, tão facilmente quanto Matt a forçara a aceitar aquele abraço,
ela se deixara dominar, sem oferecer qualquer resistência, por menor que
fosse. Mesmo a invasão de sua boca, a indignidade de ter uma língua
impetuosa entre seus lábios, servira apenas para excitá-la de uma forma
incompreensível.
E não podia sequer reclamar, mantendo um resto de dignidade. Era difícil
comportar-se como uma lady quando seu corpo inteiro estava colado ao de um
homem, quando sua mente recusava-se a se concentrar em qualquer coisa que
não fosse a busca do prazer oferecido pelos lábios masculinos.
— E agora, mulher, você tem qualquer dúvida de que eu queira me
casar? Você realmente acredita que esteja sendo julgada se será ou não boa
esposa de fazendeiro ou seja lá o que for que isto signifique?
Incapaz de falar, ela levou as mãos ao rosto afogueado e tentou ajeitar
os cabelos, na esperança de controlar a agitação interior.
— Deixe seus belos cabelos em paz — Matt falou suavemente,
segurando-lhe as mãos com delicadeza.
— Se você quer mesmo se casar comigo, terá que esperar até termos
planejado uma cerimônia decente.
— Se eu quero me casar com você? — ele indagou incrédulo. — Pensei
que houvesse deixado bastante claro!
— Bem, ou eu vou à cidade conversar com o pastor e combinar alguns
detalhes, ou… — Ela parou no meio da frase, sem saber que tipo de ameaça
faria efeito sobre este homem.
— Então irei com você.
— Veremos… — Christine respondeu evasiva.
45
OITO
O céu estava se tornando cor-de-rosa lá fora, a madrugada estendendo
suas cores sobre a noite escura. As longas horas insones haviam sido passadas
com o pensamento voltado para Matthew Gerrity. Infelizmente era ele quem
segurava as rédeas da situação, dominando-a com o poder de beijos e carícias,
planejando o futuro sem se importar com os seus desejos e anseios.
Talvez fosse melhor adiar as coisas até que se sentisse com a cabeça no
lugar, livre da influência de seu coração traiçoeiro. Se ao menos sua vida
girasse apenas em torno do bem-estar de Tessie… Será que não haveria uma
maneira de adiar o casamento? Quem sabe o advogado não encontraria
alguma falha no testamento?
Apesar de não acreditar muito nesta possibilidade, valia a pena tentar.
Sair da casa sem que ninguém percebesse havia sido a parte fácil. Selar
Brownie e convencer Tucker de que precisava ir à cidade também não fora
assim tão difícil.
Porém cavalgar de estômago vazio causara-lhe um desconforto maior do
que imaginara, especialmente quando pensava nas delícias que Maria
costumava preparar para o café da manhã. Somente a certeza de que logo
Matt estaria ao seu encalço, furioso, a fez manter o passo acelerado.
Mas precisava tentar. Oswald Hooper iria saber a resposta para as suas
dúvidas… caso existisse resposta.
A bala voou diante do rosto de Christine antes mesmo que se ouvisse o
som do tiro.
— Caçador descuidado — ela murmurou, olhando de um lado para o
outro na esperança de avistar a pessoa que por um triz não causara um sério
acidente.
Entretanto a única coisa que conseguiu enxergar foi um cavaleiro
solitário desaparecendo no horizonte, a camisa vermelha brilhando sob o sol.
— Da próxima vez que eu avistar um homem usando camisa vermelha
vou estar preparada para tirar satisfações — Christine falou, acalmando
Brownie. — O idiota podia ter me acertado em vez daquela árvore. Mas no que
será que ele estava atirando? Não vejo nenhum animal por aqui…
— Onde está ela? — Matt indagou reparando que a cadeira onde
Christine costumava sentar-se continuava vazia, apesar do café da manhã já
ter sido servido.
— Estou certa de que a srta. Christine logo estará aqui — Maria falou,
secando as mãos no avental.
— Você a viu esta manhã? — ele insistiu, servindo-se de leite e ovos
mexidos.
— Não desde que a servi de uma xícara de café, ainda no quarto.
— Ela já devia estar aqui a uma hora dessas. — Inquieto, Matt levantouse e empurrou a cadeira para o lado.
— Chris não vai vir tomar café, Maff… Matthew — Theresa anunciou,
entrando na sala acompanhada pela professora.
— Como assim, Tessie?
— Ela já foi para a cidade. Ela foi muito, muito cedo.
— Para a cidade? — repetiu atônito. — Para a cidade? Maldição!
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Com gestos rápidos e precisos, Matt selou o cavalo, esforçando-se para
não perder a calma.
— Ela foi sozinha? — indagou a Tucker, a voz baixa e tensa traindo toda
a carga de preocupação.
— Sim, senhor, patrão. Eu me ofereci para ir junto, mas a senhorita
disse que estaria bem. Achei melhor não discutir.
— Jamais volte a permitir que aquela mulher saia desta fazenda sozinha,
ouviu bem?
— Sim, senhor, ouvi muito bem. Desculpe-me não ter lhe avisado que a
senhorita pretendia cavalgar esta manhã, mas só percebi que ela ia para a
cidade quando tomou a direção norte.
A resposta de Gerrity foi algo ininteligível. Ele montou no cavalo e saiu
em disparada. Infelizmente não iria alcançá-la antes que chegasse a Forbes
Junction, porém não ficaria muito atrás.
Oswald Hooper acabara de destrancar a porta do escritório quando
Christine aproximou-se.
— Bom dia, srta. Carruthers. Eu certamente não esperava vê-la hoje. —
O advogado sorriu e convidou-a a entrar. — E devo dizer-lhe que está me
parecendo um tanto agitada.
— E que alguém atirou num coelho ou em outro bicho qualquer quando
eu estava a caminho da cidade e a bala ficou perdida. Por pouco não me
atingiu, mas preciso admitir que…
— Ei, calma lá! — o advogado exclamou, segurando-a pelo braço. —
Alguém atirou em você? Não a acertou por pouco?
— Não, não. Não creio que o homem estivesse apontando a arma para
mim. Foi simplesmente um caso de bala perdida.
Oswald Hooper engoliu em seco e piscou várias vezes.
— Sinto muito que você tenha passado por um susto tão grande… e num
dia tão bonito — ele falou afinal, esforçando-se para aparentar bom humor. —
E uma surpresa recebê-la em meu escritório hoje. Achei que fosse estar em
casa, cuidando dos detalhes para o casamento.
— Parece-me que o sr. Gerrity o colocou a par das últimas novidades.
— Pelo que eu saiba, ele já fez os últimos arranjos necessários. — De
repente Oswald Hooper se deu conta de que estava pisando em terreno
perigoso e achou melhor ter cautela nos comentários.
— Diga-me, existe algum meio legal que me permita obter a custódia de
minha irmã sem me casar com Matthew Gerrity?
Apesar do choque que a pergunta lhe causara, o advogado não
demonstrou qualquer reação.
— Julguei que a senhora já estivesse decidida a casar-se, madame. Há
algum problema em que eu possa ajudá-la?
Christine inspirou fundo e balançou a cabeça de um lado para o outro.
— Andei pensando que talvez seja melhor esperar um pouquinho e não
apressar os acontecimentos.
— Infelizmente não posso imaginar um meio de evitar este casamento,
srta. Christine.
— Quer dizer que não há saída?
— Bem, a única coisa que posso sugerir é uma conversa com o juiz
itinerante. Ele chegou ontem à cidade e conhecia muito seu pai, além de saber
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tudo sobre o testamento. Talvez o juiz possa ajudá-la, esclarecendo mais
detalhes. Ele deve estar no restaurante do hotel, do outro lado da rua.
— Obrigada, sr. Hooper. Vou procurá-lo agora mesmo.
— Você quer uma mesa para tomar o café da manhã? — indagou a
garçonete, olhando-a com interesse.
— Não, obrigada. — Christine varreu a sala com o olhar, tentando decidir
qual dos homens presentes seria o juiz. Incapaz de chegar a uma conclusão,
acabou pedindo ajuda à garçonete.
— Por acaso o juiz já tomou o café da manhã?
— Oh, sim, senhora. Ele foi para o Katy Klein's há tempos. Isto é, para o
Golden Garter. Vai haver um julgamento hoje. Aqueles dois ali — a garota
apontou para os dois peões que se entretinham diante de um prato de
salsichas e ovos mexidos —, são testemunhas de um tiroteio. Aposto que o
julgamento vai atrair uma multidão.
Somente duas palavras pareciam ter importância dentro da cabeça de
Christine.
— Golden Garter?
— Sim, senhora. Até que o tribunal fique pronto, é lá que o juiz
itinerante costuma julgar os casos.
— Bem… obrigada pela informação — Christine falou distraída, saindo do
hotel. — Julgamentos num bar. Nunca ouvi falar de algo parecido!
As portas do Golden Garter eram pintadas de um vermelho brilhante,
impossíveis de passarem despercebidas. Apesar da hesitação inicial, Christine
empurrou-as decidida e entrou no bar. As duas únicas janelas estavam
entreabertas, deixando os raios de sol lançarem um pouco de luz no ambiente
sombrio.
Um jovem limpava o assoalho energicamente, tendo o cuidado de
manter as cadeiras de pernas para o ar sobre mesas espalhadas ao redor. Uma
profusão de poeira levantava-se a cada investida do rapaz. Christine procurou
localizar o homem que a interessava.
— Senhorita? — Do outro lado de um balcão limpo e arrumado, um
homem de camisa branca impecável procurava chamar sua atenção. — Posso
ajudá-la?
Christine aproximou-se devagar, perguntando-se se agira certo ao ter se
aventurado ali, um lugar onde uma mulher decente jamais colocaria os pés.
Sua avó teria um ataque se soubesse onde a neta fora parar. Mas àquela hora
do dia com certeza não haveria problemas, estaria a salvo.
Porém a confiança de que o juiz seria capaz de responder às suas
dúvidas, acabou com qualquer indecisão.
— O juiz itinerante está aqui? — indagou ao bartender.
— Sim, senhora, do outro lado do salão. O nome dele é juiz Whitley. —
De repente o velho sorriu. — Diga-me, por acaso você não é a filha de Sam
Carruthers, a que morava no leste?
Ela concordou com um breve acendo de cabeça, os olhos finalmente
localizando uma figura sentada numa mesa de canto.
— Ouvi dizer que você havia chegado à cidade. Claro que eu seria capaz
de reconhecê-la, basta ver seus cabelos avermelhados. Com certeza você se
parece muito com seu pai.
— Meus cabelos não são vermelhos, apenas castanhos — ela o corrigiu,
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as mãos fechadas em punhos, os passos decididos levando-a na direção do
juiz.
O homem estava todo vestido de preto, à exceção da camisa branca,
fechada até o pescoço. A gravata fina preta e o chapéu da mesma cor, caído
sobre os olhos, completava o traje sóbrio. Mesmo sentado, Christine podia-se
ver que se tratava de um homem enorme.
— Juiz Whitley? — ela indagou um tanto insegura, mas decidida a levar a
tarefa que se impusera até o fim.
— Sim.
— Preciso falar com o senhor.
— Pois então fale, minha jovem. Mas seja breve — o juiz a avisou,
esvaziando o conteúdo do copo que segurava até a última gota. Por um
instante Christine se perguntou se o magistrado não estaria tomando bebida
alcoólica àquela hora da manhã. — Vou abrir uma sessão no tribunal daqui a
pouco.
— Sou Christine Carruthers.
— Sim, eu sei. Com todo este seu cabelo vermelho e o jeito da família
Carruthers, não foi difícil imaginar.
— Posso perguntar o que o senhor está querendo dizer com este jeito da
família Carruthers?
— Você é muito mais bonita do que seu pai, mas tem o mesmo queixo
determinado. Suponho que esteja querendo saber sobre o testamento, não é?
— Sim, estou — ela respondeu ansiosa. — Quero saber se existe uma
maneira de cancelar o testamento. Quero a guarda de minha irmã, entretanto
não tenho certeza se quero me casar agora. Gostaria de esperar um pouco
mais.
É tudo culpa de Gerrity, Christine pensou pela enésima vez. Se ao menos
ele não fosse tão mandão, tão decidido, tão… Infelizmente faltavam-lhe
palavras para descrevê-lo. Aquele jeito másculo e duro a irritava muito. O
modo terrível como ele a manobrara na noite anterior a fizera decidir-se sobre
qual atitude tomar. Por isso estava ali, na presença do juiz.
Entretanto havia um lado mais suave naquele homem, um lado que a
atraía, que a convencera a aceitar a idéia absurda de casamento. Isto para não
mencionar a maneira como ele a tocava, como a abraçava…
Pelo menos agora estava decidida. Se o casamento pudesse ser adiado
sem que corresse o risco de perder a guarda da irmã, era o que iria fazer.
A noite passada acordada com a lembrança daqueles beijos ardentes a
atormentá-la fora a gota d’água. Matthew Gerrity acabaria conquistando o seu
coração, se permitisse. Logo não passaria de um joguete entre as mãos fortes
e capazes. Bastava ver o modo como reagia à simples proximidade do corpo
viril. Melhor colocar um paradeiro na história antes que fosse tarde demais.
— Não há a menor possibilidade de contestar o testamento, srta.
Carruthers. Seu pai o costurou tão bem que não existem falhas — o juiz
Whitley anunciou.
Atrás dela, a porta foi aberta de novo, e não pela primeira vez.
Gradualmente o salão fora se enchendo, os homens parecendo fascinados pela
presença daquela dama ali. Porém antes mesmo que o recém-chegado
pronunciasse a primeira palavra e a segurasse pela cintura, Christine soube de
quem se tratava. Aquele toque era capaz de atravessar as várias camadas de
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roupa e queimar-lhe a pele.
— Então você já conhece minha noiva, juiz — Matthew falou gentilmente,
mantendo-a num abraço apertado.
— Esta jovem não me parece muito ansiosa para casar-se com você,
rapaz.
— Ela é difícil de ser persuadida.
— Me solte — Christine murmurou, sem quase mover os lábios.
— Sem chance — ele retrucou, beijando-a de leve junto a orelha.
— Agora vamos resolver este assunto de uma vez por todas para que eu
possa cuidar dos outros problemas. — O juiz levantou-se, afastando a cadeira
para o lado.
Christine engoliu em seco. O homem era ainda maior, mais alto e mais
largo do que julgara. Inconscientemente, aconchegou-se ao corpo de Matt,
como se impressionada pela visão.
— Matthew Gerrity, você compreende que deve se casar com esta
mulher para obter a custódia de sua irmã e também tornar-se um dos donos
da fazenda Carruthers?
As palavras do juiz ecoaram pela sala silenciosa. A resposta de Matt veio
rápida e decidida.
— Sim, eu compreendo.
— E você, Christine Carruthers — o juiz continuou —, está consciente de
que para herdar a propriedade de seu pai e obter a custódia de sua irmã
deverá casar-se com este homem e gerar um filho dele? Você compreende
isto? Christine ficou em silêncio. Claro que entendia os termos do testamento,
assim como metade da população da cidade, graças à voz trovejante do juiz.
Oh, Deus, e pensar que sempre gostara de privacidade. Mas se o magistrado
dizia-lhe que não havia como alterar os termos do testamento, só lhe restava
uma alternativa. O assunto definitivamente escapava à sua alçada. A decisão
estava tomada.
— Senhorita Christine?
O que será mesmo que o juiz lhe perguntara? Se entendera os termos do
testamento ou se aceitava casar-se com Matt?
— Sim, claro — ela respondeu, sentindo o calor das mãos do noivo
irradiar de sua cintura pelo corpo inteiro.
— Pois bem, de acordo com as leis do território do Arizona e de acordo
com a vontade de ambos, eu os declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva,
Matt.
De repente era como se centenas de pontos brilhantes toldassem sua
visão e o chão fugisse sob seus pés. Como se de muito longe, Christine
percebeu os lábios de Matt aproximarem-se dos seus. Então foi engolfada por
uma escuridão imensa e apoiou-se no peito forte para não cair.
Matt tomou-a no colo e carregou-a para fora sob uma chuva de assovios,
risadas e vivas. Vagamente, Christine lembrava-se dos gritos de
encorajamento dos presentes que testemunharam sua derrota nas mãos
daquele homem arrogante e decidido. Ela apertou os olhos com força,
tentando afastar a lembrança.
O sol brilhava intenso contra suas pálpebras e o calor dos braços que a
envolviam pareciam queimá-la. Jamais se sentira tão segura e protegida
quanto naquele momento, apertada de encontro aos músculos rijos.
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— Pode abrir os olhos agora, querida. Sei que você já voltou a si — ele a
provocou, caminhando na direção do hotel.
— Eu só estava fingindo — Christine retrucou de má vontade. — Nunca
desmaiei em toda a minha vida.
— Pois então você fez uma ótima imitação lá no bar. Somente ao
chegarem à varanda do hotel foi que Matt a colocou no chão.
— Tem certeza de que está se sentindo bem agora? Percebendo que os
dois chamavam a atenção de todos os passantes, Christine alisou a saia e
tentou ajeitar os cabelos sem muito sucesso. Porém o que mais a irritava era a
maneira ousada como as mulheres olhavam para Matt. Não era a toa que ele
se sentia tão seguro de si.
— Espero que agora você esteja satisfeito, Gerrity — ela falou irada. —
Finalmente conseguiu me transformar em motivo de riso da cidade inteira.
— Não exatamente da cidade inteira, Chris — ele respondeu de bom
humor.
— Talvez ainda não, mas a notícia não tardará a se espalhar.
Tomando-a pelo braço, Matt conduziu-a na direção do restaurante.
— Você ainda não tomou o café da manhã, minha querida esposa. Com
certeza é por isso que acabou desmaiando. De fraqueza.
— Apenas senti um pouco de falta de ar.
— Antes de seguirmos em frente, você vai comer alguma coisa.
— Suponho que eu consiga comer uma torrada com manteiga, acho…
— Depois do café da manhã decidiremos o que fazer. — Matt puxou uma
cadeira e ajudou-a a sentar-se. — Estarei de volta em um minuto — anunciou.
— Se quiser, pode fazer o pedido. Para mim é apenas uma xícara de café.
O quarto era grande, o melhor do hotel, dissera o funcionário.
Pelo menos a cama também era grande, Christine pensou, tendo
dificuldades para encarar aquela peça do mobiliário. Para seu desespero, Matt
decidira passar o resto do dia e a noite de núpcias no hotel. Não havia uma
única pessoa presente que não soubesse o que acontecera no bar horas antes
e todos pareciam achar a situação bastante divertida.
Incapaz de fitar o marido, Christine analisou o quarto. Cortinas de veludo
vermelho cobriam as janelas, criando um efeito estranho, mas sedutor. Como
se não bastasse o papel de parede florido, havia uma profusão de aquarelas
espalhadas e ela fingiu-se interessada nas paisagens, embora tivesse
consciência apenas da presença masculina.
— Você podia olhar para mim de uma vez e dizer o que a está
incomodando. Não vamos sair do quarto até que tenhamos nos entendido.
— Eu não sabia que me era permitido falar alguma coisa. Parece-me que
até o momento presente, tudo caminhou a sua maneira.
— Foi escolha sua ir até o bar — Matt fez questão de lembrá-la. — Eu
pretendia assumir nosso compromisso diante do pastor.
— O juiz me manobrou e você sabe disso.
— Sim, eu sei. Mas acredite-me, não era o que eu havia planejado. Só
que o velho juiz Whitley nunca age como esperamos. Ele parecia ansioso para
resolver o assunto e ficar livre de nós. Entretanto era um grande amigo de seu
pai e talvez desejasse celebrar a cerimônia em honra aos velhos tempos.
— Cerimônia? — ela indagou incrédula. — Você tem coragem de chamar
aquilo de cerimônia? Tudo não passou de uma farsa.
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— Mas perfeitamente legal. Você é minha esposa, Christine Gerrity.
— Não me sinto legalmente casada.
— Sentiria-se melhor se o pastor celebrasse a cerimônia? Ele voltava a
surpreendê-la com aquela demonstração de sensibilidade e compreensão.
— Vamos nos casar outra vez, sra. Gerrity — Matt anunciou, tomando-a
pela mão.
— Não tenho um vestido de casamento.
— Não, porém você continua bonita nesta roupa emprestada e com um
laço de fita azul prendendo os cabelos. Não tem importância o que esteja
vestindo, acredite-me.
— Só que eu não tenho nada novo para usar — Christine falou num
murmúrio, os lábios trêmulos, a emoção a flor da pele.
— Talvez isto possa ser arranjado.
— Arranjado como?
— Surpresa — ele falou, beijando-a de leve no rosto.
— Estou esperando um pacote que deverá ser entregue daqui a pouco.
Por que não aproveita para tomar um banho e arrumar os cabelos? Quando o
pacote chegar, venho trazê-lo, está bem?
O banho foi delicioso e ajudou-a a relaxar a tensão. De pé diante do
espelho, o corpo ainda molhado coberto pela toalha, Christine penteava os
cabelos enquanto tentava decidir como iria prendê-los, já que os grampos
eram escassos.
Uma batida à porta a fez correr para trás do biombo.
— Matt?
— Sim, sou eu — ele respondeu entrando no quarto.
— Onde está você? Ainda na banheira?
— Não. Estou tentando pentear os cabelos.
— Eu lhe trouxe algo. Quer ver?
— Não terminei de me vestir. — Apesar de continuar atrás do biombo,
ela corou até a raiz dos cabelos.
— Enrole-se numa toalha. Quero que veja isto. Mandei que trouxessem
da fazenda.
Cedendo à tentação, Christine saiu de trás do biombo. Porém bastou dar
dois passos na direção de Matt para arrepender-se de não ter se vestido
direito.
Embora a visão dos ombros, braços e pés nus da mulher o afetassem
profundamente, Matt obrigou-se a manter o controle e a mostrar-se quase
indiferente.
— Venha ver o que tenho para você — ele a chamou, esforçando-se para
não demonstrar o estado de excitação crescente. Rapidamente o embrulho foi
desfeito e Matt estendeu o vestido sobre a cama.
Esquecendo-se de que estava seminua, Christine deu um passo para a
frente e tocou o tecido macio, apreciando a delicadeza das flores pequeninas.
— É lindo — ela falou afinal, os olhos marejados de lágrimas. — Foi você
quem o escolheu?
Concordando com um aceno de cabeça, Matt afastou-se da esposa,
sabendo que seu controle estava por um fio. Christine nunca lhe parecera tão
linda, vestindo apenas uma toalha, os cabelos soltos sobre os ombros, uma
expressão vulnerável no rosto. A menos que saísse já do quarto, iria acabar
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cedendo à tentação de possuí-la naquele exato momento sem que o pastor
tivesse a chance de casá-los pelas leis de Deus.
53
NOVE
A sorte estava lançada. E por mais que tentasse entender como tudo
acontecera naquele dia estranho, Christine sentia-se incapaz de raciocinar com
clareza.
O fato é que estava casada e em vias de passar a noite de núpcias num
hotel de Forbes Junction.
O homem sentado à sua frente parecia muito satisfeito, saboreando
calmamente o filé enorme que lhe fora servido pela garçonete.
— Você está apreciando tudo isto, não é? — ela perguntou num tom
acusador.
— Hum… pode apostar que sim.
— Não estou me referindo à refeição, mas a esse dia inteiro. Quero dizer,
estarmos aqui e a cidade inteira saber que acabamos de nos casar.
— Duas vezes — Matt fez questão de completar, partindo uma fatia de
pão. — Eu seria capaz de apostar meu último dólar que casal algum já esteve
tão bem casado quanto nós. Duas vezes… — ele tornou a dizer.
— O pastor estava nos esperando. Acho importante termos sido casados
por um homem de Deus.
— Se isto a faz feliz.
Christine remexeu-se na cadeira e tentou comer um pedaço de batata
assada, mas acabou desistindo. A última coisa que sentia agora era fome.
— De qualquer forma, você entende aonde quero chegar. A cidade
inteira sabe que quando subirmos aquelas escadas, será nossa noite de
núpcias. — Ela corou até a raiz dos cabelos e baixou o olhar.
— Christine, minha querida, não há um único casal nesta cidade que não
tenha partilhado uma noite de núpcias.
— Mas é isto mesmo que estou tentando lhe dizer — ela murmurou
angustiada. — Todos eles sabem!
Desistindo de argumentar, Matt tomou um pouco do café que já esfriara
na xícara e apontou para o prato da noiva, onde a comida permanecia
intocada.
— Você precisa comer — ele falou com delicadeza. — Ao que eu saiba,
você não comeu nada no almoço e agora recusa-se a jantar. A única coisa que
passou pela sua boca hoje, além de reclamações, foi uma fatia de pão com
manteiga, na hora do café da manhã.
— Não estou com fome.
— Bem, então não me vinha chorar lá pelo meio da noite, reclamando
que o estômago está doendo.
— Não estou planejando reclamar a respeito de nada. — Pela enésima
vez, Christine olhou ao redor.
— Ninguém está olhando para você, querida. Ninguém está prestando
atenção em nós dois.
— Oh, não? Deborah Hopkins acabou de entrar na companhia de um
homem. E está vindo para cá.
— Tente parecer feliz — Matt a instruiu. Obedientemente Christine
estampou um sorriso na face e até conseguiu comer um pedacinho de cenoura.
— Muito bem, então esta é a noiva — Clyde Hopkins anunciou em alto e
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bom som, parando ao lado da mesa.
— Olá — Matt respondeu sorridente, levantando-se em deferência a
Deborah. — Você está certo. Esta é Christine, minha esposa. Acabamos de nos
casar.
— Sim… — Clyde examinou-a de alto a baixo antes de completar: — uma
mulher realmente encantadora. Você não acha, Deborah? Quer dizer que enfim
seu marido conseguiu arrastá-la para o altar, sra. Gerrity?
Christine não teve dúvidas: agora o pequeno grupo era mesmo o centro
das atenções de todos os presentes. Se ao menos pudesse encontrar uma
maneira de deixar o restaurante com a dignidade intacta.
— Para o altar? Clyde sorriu malicioso.
— Ouvi dizer que você teve que se contentar com uma cerimônia rápida
no bar. Mas como sempre digo, um casamento é um casamento.
— E eu sempre disse que Matt é cheio de surpresas — Deborah falou
num tom falsamente amigável. — Tenho certeza de que esta decisão de levar
a noiva para um bar de reputação duvidosa como o Golden Garter é apenas
uma das muitas surpresas que tem reservado para a esposa. — Inclinando-se
sobre Christine, ela concluiu, fazendo questão de que todos a ouvissem. —
Talvez seu marido a leve até Silver Bullet, para a lua-de-mel.
— Chega, Deborah — Matt falou entre os dentes, os olhos duros, uma
expressão furiosa no rosto. — Você insultou minha noiva e se fosse homem, eu
não hesitaria em arrastá-la até a rua antes de lhe meter uma bala.
Deborah empalideceu e pareceu vacilar.
— Leve sua filha para longe daqui — ele continuou, dirigindo-se a Clyde.
— Agora, ou não me responsabilizarei pelas conseqüências.
Depois de lançar um olhar cheio de ódio para Christine, Clyde tomou a
filha pelo braço e saiu do restaurante em meio a um silêncio pesado e
constrangedor. Nenhum dos presentes perdera um só detalhe da cena.
— Por favor, vamos embora — Christine pediu.
— Iremos dentro de um minuto. Beba um pouco d’água, querida, e coma
um pedaço de pão ou de qualquer outra coisa. Não vou permitir que a
afugentem daqui.
— Eles não me afugentaram. Já estava pronta para correr antes mesmo
que os dois aparecessem.
— Você não precisa fugir de mim, querida. E caso o faça, saiba que
estarei seguindo logo atrás — Matt tentou brincar, percebendo o caos
emocional em que a noiva se encontrava.
Não ia ser fácil fazê-la relaxar naquela noite. Já estava sendo difícil antes
de Clyde aparecer, agora então…
— Por favor? — ela insistiu.
— Está bem.
Quando Matt abriu a porta do quarto duzentos e nove para logo depois
trancá-la, Christine estava à beira do pânico.
— Eu não tenho uma camisola — foi a primeira coisa que falou, tão logo
viu a enorme cama de casal. — Vamos ter que ir para casa, para a fazenda.
Não posso dormir sem camisola.
A tentação de sorrir era quase irresistível, porém Matt permaneceu
firme. Deixar a noiva ainda mais nervosa seria imperdoável.
— Tudo bem, querida. Você pode dormir usando sua combinação.
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— Minha combinação? Você quer que eu durma naquilo? Mas é quase
inteiramente transparente!
— Sim, eu sei. — Imaginar Christine vestida apenas com a leve
combinação foi o bastante para fazê-lo arder de desejo. Entretanto precisava
ter calma ou poria tudo a perder.
— Será que não podemos voltar para a fazenda? — ela tornou a insistir,
pensando que preferia morrer do que encarar todas as pessoas do hotel na
manhã seguinte.
— Querida, do que você tem tanto medo? Com certeza sabe que não
farei nada capaz de machucá-la.
— Eu não sei do que tenho medo, Matt. É esse o problema.
Simplesmente não sei… nada. Oh, claro que tenho uma idéia geral da coisa.
Sei como os cachorrinhos nascem, como o garanhão engravida a égua e já vi
os passarinhos na primavera… — Christine parou de repente, dando-se conta
de que estava falando sobre aquele assunto proibido com o marido.
— Oh, Chris, homens e mulheres não são a mesma coisa que cavalos,
cachorros ou pássaros. Agora, se você assistisse à performance das galinhas
com o galo, talvez descobrisse um ou dois detalhes interessantes.
— Sei que não é a mesma coisa, Gerrity! Eu sei que não!
— Sabe mesmo, querida? — ele murmurou gentilmente, segurando-a
pela cintura e puxando-a de encontro ao peito.
— Não me olhe assim — ela pediu, percebendo uma mudança no clima
que os envolvia.
Sem dizer uma palavra, Matt começou a desabotoar o vestido da esposa
bem devagar, como se tivesse todo o tempo do mundo.
— O que você está fazendo, Matthew Gerrity? — Christine indagou num
murmúrio, tentando, em vão, puxar o vestido de encontro ao peito.
— Apenas ajudando-a, querida.
— Vesti esta roupa sozinha e posso sair dela do mesmo modo.
— Vamos, querida, deixe-me ajudá-la. Você não quer que seu vestido
novo fique amarrotado, não é?
— Não — ela respondeu, sentindo que a situação começava a escapar ao
seu controle.
— O vestido lhe caiu bem, não? — Matt procurava falar com naturalidade
enquanto apanhava o vestido do chão e o dependurava, fazendo de conta que
não percebia a pele branca e macia exposta sob o corpete. — Precisa de ajuda
com o resto de suas roupas?
— Não.
-— Será que você não sabe dizer mais nada além de sim e não?
— Eu não sei mais o que dizer. E também não preciso de ajuda. Você
não me comprou um espartilho.
— Não creio que as mulheres daqui costumem usá-lo muito. Duvido que
alguém na fazenda tenha espartilhos. O Arizona é quente demais para se ficar
amarrado como um novilho.
— Bem, quando eu mandar buscar minhas coisas em Lexington, terei
meu espartilho.
Por um momento Matt sentiu-se tentado a contar que suas coisas já
estavam a caminho e que seus avós já estavam a par da situação. Mas achou
melhor esperar.
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— Será que posso ficar um pouco sozinha para tomar um banho rápido?
— Christine perguntou, numa súbita inspiração. Por nada deste mundo iria
deitar-se vestindo apenas uma combinação transparente enquanto restava um
pouco de luz. O sol estava se pondo e a noite não tardaria a chegar.
Restavam-lhe alguns preciosos minutos para adiar o inevitável.
— Claro — Matt concordou. — Vou me sentar aqui perto da janela e olhar
a rua, enquanto você .vai para trás do biombo e toma banho.
— Bem… vou precisar de mais privacidade do que isto.
— Entendo… Ouça, Christine, não pretendo me demorar lá fora. Darei
uma volta no quarteirão e o passeio não vai levar mais do que dez minutos.
Deitada de costas num cantinho da cama, com o lençol puxado até o
queixo e os olhos fechados, Christine era a própria imagem do pavor.
Ao ouvir o som da maçaneta girando e da porta sendo trancada, ela
engoliu em seco. Oh, céus, era uma mulher casada e não sabia o que fazer.
Por que Delilah não lhe dissera o que esperar? Pelo menos diminuiria a
angústia diante do desconhecido.
— Dormindo, Chris? — Matt perguntou aproximando-se da cama e
começando a desabotoar a camisa.
— Não. — Graças a Deus já estava ficando escuro. Somente a luz da lua
rompia a escuridão do quarto.
Matt terminou de despir-se, tendo o cuidado de não tirar a cueca. Então
deitou-se também e cruzou as mãos sob a cabeça, parecendo muito à vontade.
— Tem espaço suficiente para você? — ele indagou depois de alguns
segundos de silêncio.
— Hum…
— Este “hum” quer dizer sim ou não?
— Quando é que você vai fazer aquilo? — Christine indagou de repente,
dividida entre o medo de enfrentar a situação e a ansiedade provocada pela
espera interminável.
— Fazer aquilo?
Ela sentou-se, o luar envolvendo-a num círculo de luz, os seios firmes e
orgulhosos pulsando sob o tecido fino da combinação.
A visão era quase insuportável para um homem que passara o dia inteiro
mantendo os instintos sob um controle férreo.
Matt puxou-a de encontro ao peito e pôs-se a acariciar os cabelos
sedosos e fartos, aspirando o perfume de flores que emanava dos fios
encaracolados.
— Gosto de seus cabelos, sra. Gerrity — ele murmurou carinhoso.
— Obrigada.
— Sempre tão polida. O que você responderia se eu dissesse que gosto
de seus belos ombros e da sua pele macia?
Christine inspirou fundo e aconchegou-se ao peito másculo.
— Não sei — respondeu, depois de uma longa pausa. — Mas você gosta
mesmo dos meus ombros?
— Oh, sim. — Matt acariciou-a de leve no rosto, pensando que talvez
fosse o lugar mais seguro para começar sua exploração.
— Você tem mãos bonitas — ela murmurou.
— Não, são cheias de calos… — Cautelosamente, Matt beijou-a na boca,
percebendo o tremor que sacudia aquele corpo delgado. — Você disse que
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gostava quando eu a beijava…
— Sim… — Envolvida pelo beijo, Christine aventurou-se a tocar o peito
do marido, numa carícia tímida e hesitante.
Matt fechou os olhos e saboreou o prazer de sentir as mãos da mulher
em sua pele. Seu estado de excitação era quase doloroso. Seria impossível
Christine não perceber, embora inexperiente, o quanto o estava
enlouquecendo.
— Ei, sra. Gerrity…
— Sra. Gerrity? — ela repetiu, adorando a proximidade de seus corpos.
Tudo ia dar certo. Matt estava tendo o cuidado de tratá-la como uma dama.
— Eu só queria saber se você responderia ao chamado.
— Claro que sim. Agora que sou sua esposa, é este o meu nome.
Matt sorriu e rolou na cama, puxando-a consigo, pressionando os seios
delicados de encontro à rigidez do tórax.
— Mas você não é… não ainda, não realmente.
— Sim, eu sou — Christine devolveu indignada. — Sou tão sua esposa
quanto o juiz e o pastor puderam me tornar!
— Ah, é aí que você se engana, sra. Gerrity. Todas aquelas palavras de
praxe não puderam fazer a mágica. Sou o único homem no mundo capaz de
transformá-la em minha esposa.
Christine ficou em silêncio, uma expressão desconcertada no rosto. Matt
aguardou, dando-lhe tempo de entender o significado de suas palavras.
— Estamos na cama juntos — ela falou de repente.
— Sim.
— Você tem me beijado, me tocado.
— Há mais… Você não sabe o que é, querida?
— É a parte… é quando devo me submeter a você?
— É isto o que você acha que vai acontecer? Que vou machucá-la? —
Delicadamente, Matt forçou-a a abrir as pernas.
— Não sei muito sobre esse assunto e não sou muito boa em ser
submissa — ela retrucou num murmúrio, dando-se conta de que o marido
havia se insinuado entre seus joelhos.
— Vou lhe mostrar como, querida — Num movimento rápido, Matt livroua da combinação, expondo a nudez que tanto desejara admirar.
Christine inspirou fundo, tentando calar as batidas do próprio coração.
Ambos estavam nus, não havia uma única tira de roupa a separar suas peles.
Aquela situação era estranhamente perturbadora.
— É isto o que acontece quando duas pessoas fazem amor. É esta a
parte que nos torna marido e mulher. Você vai carregar nosso filho aqui… —
ele tocou-a de leve no ventre, fazendo-a estremecer de prazer. — Você não
sabe como isto acontece, sabe? — Sem outra alternativa, Matt resignou-se a
desempenhar o papel de professor. Por que alguém não se encarregara de
falar a Christine sobre os fatos da vida? Com certeza a avó ou uma empregada
muito próxima…
Vagarosamente Matt deslizou os lábios pelo pescoço esguio, pelo colo
arfante até alcançar os seios. Então tomou um dos mamilos na boca e sugou-o
com delicadeza, enquanto continuava a acariciá-la no ventre e nos quadris. Ela
estremeceu e segurou-o pelos cabelos, arrastada por um turbilhão de emoções
que jamais sonhara experimentar. Seu marido a estava tocando em lugares
58
proibidos, de uma maneira que nunca lhe passara pela cabeça permitir. Mas
por nada deste mundo iria fazê-lo parar.
— Fique quietinha agora, querida — Matt murmurou, movendo-se sem
pressa e rezando para não lhe causar dor.
Entretanto foi uma esperança vã. Ela era maravilhosamente apertada,
quente e úmida. Com os olhos fechados e a respiração pesada, Matt esforçavase para refrear a paixão, reconhecendo a barreira da inocência que bloqueava
o seu caminho.
Então ele a segurou com firmeza pelos quadris e cerrou os dentes antes
de penetrá-la com uma única investida.
Christine gritou de dor, a invasão de seu corpo pegando-a de surpresa.
Porém logo abraçava-se ao marido, numa cálida aceitação.
— Isto é tudo? — ela indagou, a voz quase sumida.
— Não, querida, há mais.
— Sinto-me tão plena, tão completa.
— Fique quietinha — Matt pediu, não querendo lançar sua semente sem
que antes a esposa sentisse o prazer da união. Afastando-se alguns
centímetros, tocou-a no centro da feminilidade. — Estou machucando você?
A resposta de Christine foi um gemido rouco.
— Oh, por favor, Matt… por favor… não posso mais. Percebendo o estado
de excitação febril da esposa, ele aumentou o ritmo das investidas até que
ambos alcançaram um orgasmo violento e prolongado.
— Chris? — Matt chamou, depois de um silêncio que pareceu durar
horas. Como se não tivesse resposta, apoiou-se nos cotovelos para enxergar o
rosto delicado. — Não chore, baby. Não vai doer da próxima vez.
— Não estou chorando porque sinto dor.
— Então por quê?
— Por causa de… tudo o que aconteceu entre nós… Você… eu… as nossas
carícias, a proximidade de nossos corpos. Sinto-me como se fizesse parte de
você.
Ele sorriu feliz, experimentando um sentimento de ternura tão grande
que pensou explodir.
— E é isto mesmo o que somos agora. Parte um do outro até a
eternidade.
59
DEZ
O rosto refletido no espelho parecia um tanto afogueado, um tanto
ansioso talvez, mas nem de longe correspondia ao que Christine esperara ver.
Claro que aquele rosto era o seu, porém, de certa forma, não correspondia ao
que imaginara.
Com certeza os eventos da noite anterior, da sua noite de núpcias,
deveriam ter lhe dado uma aparência mais velha, mais amadurecida ou…
— Christine, você está pronta para irmos?
Ela virou-se para fitar o homem que entrara no quarto de repente.
— Não me espie. Você me assustou.
Matt sorriu e observou-a da cabeça aos pés. O rosto da esposa estava
coberto por um rubor intenso desde as primeiras horas do dia, como se a
lembrança do acontecido horas atrás a mantivesse num estado de profunda
confusão.
— Acho que agora sei o que a expressão “noiva envergonhada” significa
— ele a provocou de bom humor.
— Não me olhe assim. Detesto enrubescer com facilidade.
Matt venceu o espaço que os separava com, duas passadas largas e
tomou-a nos braços.
— Quietinha, Chris. Gosto da maneira como você fica vermelha.
Ela inspirou fundo, atordoada com as emoções que o simples toque do
marido despertava em sua alma. Também sentia-se estranhamente triunfante
ao saber o quanto ele a queria. Não fora isso o que Matt dissera? Nas horas
silenciosas da madrugada ele não havia sussurrado aquelas mesmas palavras
em seus ouvidos?
— Eu te quero, Chris — fora o que Matt murmurara logo antes de…
Oh, Deus, como podia pensar nas carícias ousadas e desconhecidas que
haviam trocado? Era um assunto proibido. Porém…
— O que foi, Chris? Está com medo de que eu a leve para a cama outra
vez? — ele indagou deslizando as mãos pelas costas esguias até senti-la
estremecer. — É uma pena, mas não posso fazer o que quero agora. Temos
que voltar para a fazenda ainda de manhã. Tessie deve estar se perguntando o
que aconteceu conosco.
— Não, eu não estava com medo.
— Aposto que passou mais do que alguns minutos preocupando-se com
o que aconteceu entre nós. Não foi assim tão ruim, foi, Chris?
— Não, não foi nada ruim — ela respondeu com a honestidade que lhe
era habitual. — Foi apenas… — As palavras lhe faltaram.
A noite de núpcias havia sido uma revelação, um despertar. Nada a tinha
preparado para o ardor de Matthew naquelas horas de paixão. O prazer
inesperado que sentira ao ser tocada, a alegria que experimentara entre os
braços fortes, a ternura que o marido imprimira a cada gesto, eram
lembranças que acalentaria para sempre. Porém não se sentia capaz de falar
sobre nada daquilo. O pudor a impedia de expor os próprios sentimentos. Uma
lady de verdade sequer devia alimentar pensamentos semelhantes.
Eu me tornei uma mulher sensual, Christine pensou horrorizada.
Exatamente igual a uma daquelas criaturas que se vendem aos homens.
60
Aquelas sobre as quais minha avó falou quando me avisou que é necessário
evitar pensamentos impuros.
— Eu não sabia o que acontecia de fato entre homens e mulheres — ela
murmurou, admitindo sua completa ignorância.
— Foi o que imaginei. Por acaso ninguém nunca conversou com você
sobre isso?
Ela balançou a cabeça de um lado para o outro, incapaz de fitá-lo.
— Delilah apenas me falou que quando eu me casasse, deveria ser boa
esposa e me submeter à vontade do meu marido. Minha avó também me
avisou sobre o perigo de ter pensamentos impuros e me disse que sempre
devo me comportar como uma lady. Você tornou muito difícil que eu agisse
como uma lady, Matt.
— Para lhe dizer a verdade, querida, estou surpreso que nossa noite de
núpcias tenha sido tão tranqüila, considerando as idéias absurdas que
passavam por esta sua cabecinha. Olhe-me bem nos olhos, Christine, e ouça o
que vou lhe dizer: você não tem que se submeter ao seu marido. Quero
apenas que goste do que fazemos juntos.
— Não tenho certeza se devíamos estar falando sobre esse assunto. —
Christine procurou afastar-se do marido, sem grande sucesso. Empurrar
aquele peito másculo era como tentar mover uma montanha.
Matt riu com prazer, o som vigoroso ecoando pelo silêncio do quarto.
— De qualquer forma, duvido que precise me preocupar com a
possibilidade de você ser submissa a mim, querida. Você é a mulher mais
inflexível que já cruzou o meu caminho.
— Verdade? E muitas mulheres flexíveis já cruzaram o seu caminho?
— Provavelmente não tantas quanto poderia ter havido, caso eu tivesse
mais tempo disponível. Ouça, Christine, tenho vinte e oito anos de idade e
muitas mulheres passaram pela minha vida. Mas digo-lhe uma coisa, daqui
para a frente, você será a única. Portanto não precisa se preocupar.
O comitê de boas-vindas já estava a postos quando os cavalos foram se
aproximando da casa.
— Alguém deve ter nos avistado no meio do caminho — Matt falou rindo.
— As mulheres parecem mortas de curiosidade para nos ver juntos, não é?
Basta reparar o sorriso das empregadas.
Christine concordou com um aceno, os pensamentos imersos num
verdadeiro caos, o rosto tomado por um rubor intenso. A idéia de enfrentar
Maria, Olívia e os peões na sua posição de recém-casada era assustadora.
Entretanto a perspectiva de receber um abraço de boas-vindas de Theresa
recompensava o desconforto causado pela situação.
E lá estava sua irmãzinha, dando a impressão de não estar muito
satisfeita.
— Você não voltou para casa ontem a noite, Matt — a garotinha foi logo
dizendo. — Fiquei sem minha história de boa-noite.
— Sinto muito, Tessie. — Matt desmontou e caminhou na direção da
irmã, tomando-a nos braços. — Acabamos ficando mais tempo na cidade do
que o planejado e simplesmente foi impossível voltar antes do entardecer.
Assim resolvemos passar a noite no hotel.
Com a menina no colo, ele aproximou-se de Christine, que ainda não
desmontara.
61
— Você sabe que Christine vai ficar morando aqui de agora em diante?
— Matt murmurou junto ao ouvido da criança.
— Não, ninguém me contou nada, Maff… Matthew.
— É porque nós mesmos queríamos contar a você, Theresa. — Christine
abaixou-se na sela e acariciou os cabelos da irmã, sorrindo cheia de ternura.
— Quer dizer que nunca mais vai voltar para Lexing… para aquele lugar
de onde você veio? — Tessie indagou esperançosa. — Vai ficar aqui com
Maffew… quer dizer, Matthew… e comigo para sempre? — Ela olhou
rapidamente na direção da professora e sussurrou para Christine: — Vivo me
esquecendo.
— Não tem importância. Todos nós sempre nos esquecemos de alguma
coisa de vez em quando.
— Não a srta. Olívia. Ela me lembra de tudo o tempo inteiro.
Quando Christine ergueu a cabeça e fitou Olívia, foi como se uma onda
de ar frio a envolvesse. A expressão do rosto da professora era tão carregada
de animosidade que a fez estremecer involuntariamente.
Não, não era possível, devia ter se enganado. Com certeza não havia
motivos para aquela mulher odiá-la.
De repente Olívia baixou o olhar, o rosto tranqüilo e inescrutável. Graças
a Deus eu estava errada, Christine pensou, dominada por uma sensação
profunda de alívio.
— Chris, você vai desmontar deste cavalo ou não? — Tessie perguntou.
— Claro que sim, querida. Temos algo para lhe contar.
Sem dar tempo à esposa de esboçar qualquer movimento, Matt colocou
Theresa no chão e segurou Christine pela cintura, para ajudá-la a descer. O
gesto possessivo falava mais do que mil palavras.
— Christine e eu nos casamos ontem, na cidade — ele anunciou.
Theresa olhou para os dois sem disfarçar a enorme surpresa. Maria
sorriu feliz e deu um passo a frente.
— Si, foi o que imaginei que tivesse acontecido quando o senhor mandou
buscar as coisas que comprou para a senhorita. Tucker contou que ambos
estavam no hotel e que o senhor parecia muito satisfeito.
— Tudo correu bem. — Matt apertou Christine pela cintura, como se
quisesse aumentar ainda mais a proximidade de seus corpos.
— Meus parabéns, sr. Gerrity. — Olívia sorriu polidamente, os olhos
velados, outra vez calma e composta. — E minhas felicitações, sra. Gerrity.
— Obrigada. — Embaraçada e decidida a livrar-se das mãos do marido
que insistiam em tocá-la na frente de todos, Christine abaixou-se para abraçar
Theresa.
— Tenho alguns problemas que preciso resolver. — Relutante, Matt
soltou a mulher e caminhou para os estábulos, a mente já voltada para as
tarefas que o aguardavam. — Tentarei estar de volta à hora do almoço, Maria.
— Ótimo. Matei dois frangos hoje de manhã — a empregada respondeu.
— Vou fazê-los ensopados.
Christine franziu o nariz, como se duvidasse do que acabara de ouvir.
— Você matou frangos?
— Si. Quem mais o faria? Não posso permitir que os peões coloquem os
pés no galinheiro porque são muito barulhentos e assustam minhas galinhas
poedeiras. Talvez fosse um bom trabalho para você… alimentar as galinhas e
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recolher os ovos.
— Não, acho que não. Não sei nada sobre galinhas exceto que de algum
modo vão parar à mesa.
— Quer dizer que não sabe cozinhar? — Agora era a vez da empregada
se surpreender.
— Nunca fui de passar muito tempo na cozinha. Nossa cozinheira não
gostava de ninguém por perto e tampouco pensei que um dia precisaria saber
cozinhar.
— As coisas por aqui são um tanto diferentes — Maria explicou. — Todo
mundo tem que ser capaz de se cuidar numa fazenda, o que inclui saber
cozinhar.
Christine estremeceu ao tentar imaginar como seria o processo de matar
uma galinha.
— Acho que eu poderia ficar encarregada de colher os vegetais na horta
e prepará-los — ofereceu, querendo ser agradável. — Mas o fato é que sempre
me interessei mais em trabalhar nos estábulos, com os cavalos, do que com o
que se passava na cozinha.
— Damas não costumam trabalhar em estábulos, onde ficam os homens.
Peões vão e vêm, cabe às mulheres manterem-se longe. Com certeza o sr.
Matt não vai querê-la por lá.
Maria e Christine entraram em casa, ainda discutindo o assunto.
— Bem, eu já estive no meio dos peões. Pelo menos na companhia de
Claude.
— Você está segura com Claude, talvez até com os outros também,
porém não é uma boa idéia. Deixe o sr. Matt decidir o que é melhor. Você é
uma mulher bonita e também a senhora da casa, portanto deve fazer o que o
marido mandar.
— Oh, você até parece Delilah e minha avó falando. Casei-me com
Matthew sim, mas isto não significa que ele deva me dizer o que fazer.
— Matt diz a todos nós o que devemos fazer — interveio Theresa. — Ele
administra este lugar, não é mesmo, srta. Olívia?
— Seu irmão é o dono da fazenda. E não cabe a nós discutir com aqueles
que ocupam posição de autoridade. — Olívia parecia recitar uma frase
ensaiada.
— Oh, bobagem — emendou Christine. — Qualquer mulher de verdade
pode aprender muito bem a cuidar de cavalos.
— Christine! — Os olhos escuros faiscavam, penetrantes como lâminas
afiadas. — A menor de suas preocupações neste exato momento deveria ser
cuidar de cavalos.
— Que estardalhaço é esse?
— Estardalhaço?! Estou furioso como o diabo, Christine! — ele rosnou. —
Além de não demonstrar um mínimo de bom senso ao cavalgar por aí sozinha,
sequer pensou em contar ao marido que alguém atirou em você!
Ela inspirou fundo, lembrando-se do acontecido. Será que fora apenas
ontem?
— Devia ser algum caçador ou alguém praticando tiro ao alvo. Aliás,
como foi que descobriu? Apenas comentei o assunto com o sr. Hooper.
— O que houve? — Maria quis saber. — Quem iria atirar na srta.
Christine?
63
— Aparentemente nossa querida srta. Christine não considerou o
acontecido importante o suficiente para mencioná-lo — Matt falou desdenhoso.
— Mas pelo visto, alguém esteve perto de matá-la ontem.
— Não é verdade! E é claro que eu acabaria contando a você, só que
outras coisas exigiam atenção imediata.
— Bem, se Tucker não tivesse visto Oswald Hooper quando foi à cidade
ontem, eu ainda não saberia de nada, não é?
Sentindo-se encurralada, Christine reagiu na defensiva.
— Não creio que o homem quisesse atirar em mim. O mais provável é
que sequer me enxergou.
Matthew Gerrity simplesmente não podia acreditar no que a esposa
acabara de dizer.
— Você é a criatura mais exasperante que jamais encontrei na vida. Não
ouse cavalgar sozinha. Você está me escutando, Christine?
— E como poderia não escutá-lo, sr. Gerrity? — ela devolveu furiosa. —
Você está gritando comigo! Quero deixar claro que estou acostumada a montar
e que não preciso de uma babá nesta altura da vida.
— Não fale comigo neste tom! Sou seu marido agora e é bom que se
lembre disto. Sou eu quem dá as ordens e espero ser obedecido. Você me
entendeu?
— Não briguem — Tessie pediu, segurando a saia da irmã, os olhos
brilhando de lágrimas.
Percebendo a angústia da menina, Christine obrigou-se a sorrir.
— Não estamos brigando, querida. Seu irmão e eu estamos apenas
discutindo um assunto.
— É verdade — Matt apressou-se a completar depois de xingar palavras
ininteligíveis num tom baixo e nervoso. — Voltaremos a falar sobre isto logo
mais a noite. — Ele saiu da sala pisando duro.
— Suponho que você vai tornar a dizer que devo obediência ao meu
marido — Christine comentou resignada, virando-se para a empregada.
— Não, acho que você sabe melhor do que ninguém como deve agir. O
que me surpreende é que não tenha contado nada ao sr. Matthew sobre o tiro.
— Oh, mas foi tudo uma bobagem. Claro que não passou de um
acidente. Ninguém em Forbes Junction teria motivos para atirar em mim. A
propósito, o que foi que Matt disse e que não consegui entender? Parecia uma
outra língua.
— Ele sempre fala coisas em espanhol quando está fora de si — Tessie
explicou. — Às vezes consigo entender, mas não sei o que as palavras
significam.
— E nem precisa saber — Olívia falou com firmeza.
— Concordo com você, Olívia. De fato, acho que vou ter uma
conversinha com meu marido sobre seu linguajar na frente de Theresa.
— Não comece a gritar comigo — Christine o avisou, vendo-o fechar a
porta do quarto. — Eu teria lhe contado, se julgasse importante. Além do mais,
tinha me esquecido completamente do assunto.
Ele ficou em silêncio um longo tempo, apenas os olhos escuros
parecendo ter vida no rosto impenetrável.
— Matt?
64
— Você já terminou de expor seu ponto de vista? — A voz profunda
soava tão baixa e controlada que assustava na sua própria intensidade.
— Não estou entendendo.
— Oh, está me entendendo sim. Se já terminou de me dizer como tudo
não passou de um acidente sem importância, eu gostaria que me ouvisse por
um momento. Temos um problema, Christine. Sua queda do cavalo, dias atrás,
não foi um acidente. Alguém colocou um pedaço de metal afiado sob a sua
sela.
Ela ficou pálida, como se de repente todo o ar lhe faltasse dos pulmões.
— Tem certeza? — indagou num murmúrio tenso.
— Sim, tenho certeza — Matt admitiu relutante. — Como também tenho
certeza de que tentaram matá-la com um tiro ontem.
— Eu achava que era alguém caçando… ou fazendo uma outra coisa
qualquer. Por que alguém iria querer me… — Christine fez uma pausa, incapaz
de pronunciar a palavra. Matar. — Eu não pensei que…
— Você conseguiu vê-lo?
— Não… Apenas a cor da camisa. Vermelha.
— De que cor era o cavalo?
— Escuro… acho. Não sei. Já lhe disse que não consegui ver direito. Foi
tudo tão rápido.
Toda a raiva que Matt estava sentindo veio à tona. Quem estaria
planejando ferir aquela mulher tão frágil e vulnerável? E por quê?
De repente ele começou a despir-se, sem deixar de fitá-la um instante
sequer. Percebendo a expressão assustada da esposa, indagou:
— Alguma coisa errada?
— Você está tirando a roupa. A luz ainda está acesa.
— Estou me preparando para deitar.
— Espere, vou apagar a luz.
— Venha para a cama — ele ordenou segundos depois, a voz dura e
seca.
— Você está zangado comigo?
— Droga, não! Não estou zangado com você! — Matt estendeu a mão. —
Venha para a cama, Chris. Agora.
— Sim — ela respondeu aliviada, deitando-se ao lado do marido.
— Não estou zangado com você. Estava bastante preocupado, mas agora
já passou.
Ele beijou-a de leve nos lábios, começando a explorar cada centímetro
de pele com uma delicadeza que beirava a reverência.
Christine correspondia às carícias com igual entusiasmo, sua falta de
experiência excitando-o além da imaginação. Por um instante ela temeu que
seus verdadeiros sentimentos ficassem expostos. Pois aquele homem não se
apossara apenas de seu corpo, mas também de sua alma. Se ontem lhe
entregara a virgindade, hoje entregava-lhe o seu amor.
Estava muito escuro lá fora, o luar mal conseguindo penetrar os ramos
espessos das árvores.
— Você falhou — ela o acusou num murmúrio.
— Eu não falhei, senhorita. Simplesmente quis assustá-la.
— Ela pensou que você fosse um caçador. — A mulher riu, o som amargo
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e desdenhoso ecoando pela noite silenciosa. — Acho que vou ter que encontrar
outra pessoa para terminar o serviço.
— Não. Eu disse não. Entendeu? Prometi-lhe que daria um jeito nela e
vou cumprir o trato. No início pensei apenas em assustá-la, em mandá-la de
volta para o leste, que é o seu lugar.
— Mas ela continua aqui — a mulher insistiu irritada.
— Não por muito tempo.
66
ONZE
Matt já estava à mesa do café da manhã. Com sua arrogância
costumeira, observou Christine entrar e sentar-se. Vagarosamente ela
desdobrou o guardanapo e colocou-o sobre o colo, depois ajeitou os talheres
como se fosse a coisa mais importante do mundo, tendo o cuidado de não
olhar para o marido. Quando enfim decidiu fitá-lo, arrependeu-se de tê-lo feito.
O homem parecia estar rindo dela. Claro que não abertamente. Mas sob o
exterior frio e controlado, dava mostras de se divertir com a situação. Os olhos
escuros ainda guardavam vestígios da paixão que os unira na noite anterior
enquanto a analisava da cabeça aos pés.
— Estávamos quase desistindo da sua companhia, querida — Matt falou.
— Tessie acabou de me perguntar se você ia dormir o dia inteiro, porém eu a
assegurei que você iria se levantar antes do meio-dia, pelo menos. Ah,
também disse a Tessie que vocês duas vão passar muitas horas juntas hoje.
— Você pretende planejar todos os meus dias, Matthew, ou hoje é
apenas uma exceção?
Ele baixou a cabeça por um segundo antes de fitá-la fixamente.
— Até descobrirmos a fonte das ameaças, quero que você permaneça
dentro de casa ou nos arredores próximos. Hoje me pareceu um bom dia para
você e Tessie começarem a estabelecer uma rotina regular. Agora que lhe cabe
a responsabilidade pela administração doméstica, creio que vá querer fazer
algumas modificações.
— Não pretendo mudar nada — Christine afirmou, olhando para Maria
que começara a servir a mesa. — Acho que a casa está em boas mãos.
Pretendo deixar tudo exatamente como está. Pelo menos durante algum
tempo.
A empregada parou junto a Christine, demonstrando deferência e
respeito.
— Você é a nova dona da casa e passaremos muitos anos juntas. Hoje é
apenas o primeiro dia de muitos. — Ela serviu a patroa de ovos mexidos,
atenta a cada detalhe do que estava ao redor. — Acho que vou lhe trazer mais
café e um pouco de leite para Theresa.
Inquieta, Christine remexeu na cadeira e fitou o rostinho sorridente da
irmã.
— Será que posso assistir suas aulas hoje de manhã? — indagou.
— Parece-me uma boa idéia — interveio Olívia, entrando na sala e
sentando-se à mesa. — Por favor, desculpem o atraso. Acabei perdendo a hora
enquanto lia e preparava o material de estudo.
— Estou pensando em fazer companhia à minha irmã hoje — Christine
anunciou, para a alegria de Tessie. Porém o que lhe chamou a atenção foram
os olhos de Matt, que davam a impressão de querer devorá-la do outro lado da
mesa.
A ousadia deste homem é indesculpável, ela pensou baixando a cabeça,
totalmente desconcertada, o rosto coberto por um rubor intenso. Ele mais
parecia um tigre, pronto para pular sobre sua presa.
Matthew, por sua vez, conseguia apenas manter os pensamentos e os
olhos voltados para a mulher. Ela parece o paradigma da esposa virtuosa, ele
67
decidiu, sufocando um sorriso. E nenhuma das pessoas presentes pode
imaginar que sob o exterior controlado exista uma personalidade vibrante. Se
Christine estava vermelha agora, era porque sua proximidade a fazia lembrarse da noite tórrida que haviam passado juntos.
Sem jamais deixar de fitá-la, Matt ia respondendo, quase por
monossílabos, às dezenas de perguntas que Tessie disparava na sua direção.
Será que podíamos cavalgar esta tarde? Ele gostaria de ver os desenhos que
fizera ontem? Será que os cachorrinhos já estavam prontos para serem
vendidos? A menina simplesmente não conseguia parar de falar.
— Por que não posso cavalgar, Matthew? — Tessie insistiu, um tom
quase arrogante na voz. — Tucker diz que sou quase tão boa sobre uma sela
quanto a srta. Olívia.
Ele levou alguns segundos para responder, considerando a colocação da
irmã.
— Tucker diz que você é quase tão boa sobre uma sela quanto a sua
professora, porém é preciso muita prática para saber lidar com as rédeas,
querida. Você é apenas uma menininha e, portanto, não deveria estar
contando vantagens. Não é educado.
— Então talvez eu precise realmente de mais prática e só vou conseguir
se treinar.
— Eu poderia praticar com Tessie esta tarde — Christine ofereceu
depressa, pensando nas horas deliciosas ao lado da irmã.
— Não estarei na fazenda esta tarde. Precisarei ir com mais dois peões
checar o gado que pretendemos mandar para Yuma. Talvez amanhã. — O
olhar de Matt era um aviso de que não admitia ser contrariado.
— Vamos ver — Christine respondeu delicadamente, embora a expressão
do rosto fosse de puro desafio.
— Christine, acompanhe-me até a varanda. — Tratava-se de uma ordem
direta, dita num tom que mal disfarçava a raiva.
— Claro. — Depois de dobrar o guardanapo e colocá-lo sobre a mesa,
sem demonstrar qualquer pressa, ela seguiu o marido.
Tão logo estavam a sós na varanda, Matt puxou-a pela cintura e beijou-a
na boca, esmagando possíveis protestos, pressionando o corpo delicado de
encontro à rigidez do seu.
Totalmente à mercê do marido, Christine tentou trazer à tona a raiva que
a conversa à mesa despertara. Entretanto, para seu espanto, a urgência de
colar seu corpo ao de Matt sufocava a necessidade de protestar. Bastava sentir
aquelas mãos tocarem sua pele, bastava experimentar o gosto daquele beijo,
para tudo mais perder a importância. Sem que pudesse evitar, ela acariciou o
peito forte, deslizando os dedos sob o tecido da camisa.
Matt ergueu a cabeça e fitou-a, os olhos escuros transtornados de
paixão. Que esta mulher, esta mistura de astúcia feminina e curvas suaves,
fosse sua, era quase mais do que conseguia lidar. Porém precisava admitir que
Christine estava a caminho de dominá-lo, de enredá-lo numa teia de sedução e
encantamento. Contudo, ao mesmo tempo em que o fazia conhecer o prazer
sensual mais profundo, também era capaz de irritá-lo até o limite. Agora, por
exemplo, depois da conversa tensa à mesa do café da manhã, queria apenas
carregá-la de volta para o quarto e esgotar suas frustrações sobre o corpo
delicado.
68
— Ouça, Christine, não posso fazer meu trabalho se fico o tempo inteiro
preocupado com a sua segurança. É preciso que me prometa passar o dia
dentro de casa ou então na companhia de Claude. Nem cogite a possibilidade
de se meter em apuros, entendeu?
— Não estou pretendendo “me meter em apuros hoje” — ela retrucou no
mesmo tom baixo e controlado, sabendo que as vozes de ambos poderiam ser
ouvidas na sala. — Planejo passar o dia com Theresa e Maria. Talvez também
trabalhar no curral, ao lado de minha irmã e de Claude. Se meus planos
receberem a sua aprovação, é claro.
Matt deu um passo para trás e sorriu cheio de arrogância. Bem devagar,
colocou o chapéu na cabeça, os olhos com o mesmo brilho divertido de
momentos atrás.
— Era isto, exatamente, o que eu queria ouvi-la dizer. — Rindo, ele saiu
da varanda e começou a caminhar na direção do estábulo.
Christine cerrou os lábios, irritada ao extremo. Porém, por nada deste
mundo, iria deixá-lo perceber como se sentia humilhada ou permitir que o
marido cantasse vitória. Portanto foi com tranqüilidade que aproximou-se do
portão da varanda e disse as palavras que sabia iriam atingi-lo como um raio.
— Mas vou passar parte do dia planejando nossa festa, querido.
As costas de Matt ficaram rígidas, porém quando ele se virou para fitá-la
tinha uma expressão satisfeita e um sorriso triunfante no rosto.
— Ótimo. Isto deverá servir para mantê-la ocupada durante alguns dias.
— Oh… — Christine obrigou-se a sufocar o desaponto que a reação do
marido lhe causara. Onde estava a raiva, o mau humor que antecipara?
— Foi a melhor idéia que você teve hoje, querida. Cuide-se, OK?
Ela bateu o pé no chão, como uma criança mimada. Porém Matt já ia
longe, dando a impressão de estar mais relaxado do que nunca.
Parecia até que a recepção ia ser para a cidade inteira, Christine
concluiu. Maria imediatamente havia embarcado no projeto e já estava às
voltas com o planejamento do menu. Só que o cardápio mostrava-se mais
apropriado a uma comemoração ruidosa do que a uma festa de casamento.
Teria que haver um consenso, Christine decidiu com firmeza. Algo entre
um churrasco e um jantar, sendo o churrasco escolha de Matthew, claro. Sem
muito entusiasmo, ela percebeu que sua idéia de uma apresentação formal aos
vizinhos fazendeiros e aos moradores da cidade estava indo por água abaixo.
Por outro lado, sentia que ganhara maior aprovação de Maria, e dos outros
empregados, ao aceitar que a festa fosse ao ar livre, permitindo que os
convidados se espalhassem sob as árvores, em toda a área entre a casa e os
estábulos.
— Acho que terminamos a lista de tudo o que vamos precisar comprar na
cidade — Maria falou satisfeita, entregando o papel à patroa para aprovação.
— Ah, também devemos decidir sobre as mesas e os bancos.
Christine ergueu os olhos do papel, ainda se perguntando se aquela
quantidade enorme de comida seria mesmo necessária. — Vamos precisar de
mesas? Os convidados não podem se sentar sob as árvores e comer? — O
problema era como resolver a disposição das mesas e bancos.
— Os mais jovens ficarão felizes de sentarem-se no chão, mas os
homens preferem se ajeitar nas mesas, onde podem passar horas,
confortavelmente discutindo sobre assuntos variados e contando casos.
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— E quanto às mulheres?
Maria deu de ombros, despreocupada.
— Elas servem seus homens e depois procuram um lugar para sentar e
comer.
— Onde vamos colocar tantas mesas e bancos? — De repente o projeto
estava assumindo proporções enormes.
— Nossos peões se encarregarão de fazê-las, no celeiro.
Temos um bom estoque de madeira, pronto para ser transformado em
bancos e mesas. A madeira que sobrar poderá ser usada para outras coisas
depois.
Tais medidas temporárias eram estranhas a Christine. Acostumada a
jantares formais e ao uso da mais fina louça, sentia dificuldade em elaborar
uma imagem mental da festa que estava para acontecer.
Servir os homens não era uma idéia que a agradasse muito, mas em
atenção a Matt estava disposta a desempenhar o papel de esposa dócil, pelo
menos uma vez. De repente Christine se deu conta de que aquela não era a
primeira vez que abria mão de certos pontos de vista para agradar o marido.
Talvez, sem sequer perceber, já estivesse se encaixando no molde que ele lhe
preparara.
— Deixarei a questão das mesas para você resolver, Maria. Acho que
agora vou escrever os convites e mandá-los entregar.
— Um dos peões poderá levá-los à cidade, quando for comprar os
mantimentos. O resto nós mesmos cuidaremos de entregar aos vizinhos, pois
eles estão sempre aparecendo por aqui.
Aquela maneira tranqüila e relaxada de fazer as coisas estava além da
sua compreensão, Christine decidiu, entrando no escritório de Matt e
sentando-se na poltrona atrás da escrivaninha. Só então, depois de afundar no
couro macio, notou que sentara-se na poltrona que pertencera ao pai.
Ele se sentara ali vezes sem conta, o homem que lhe dera a vida, e a
amara por dois únicos anos. De súbito lembranças quase esquecidas vieramlhe à mente. Lembrava-se dos braços de um homem a segurando firmemente
enquanto sua mãe, parada junto a porta do escritório, tinha uma expressão
fechada no rosto. Sempre infeliz, sempre reclamando numa vozinha estridente.
Era essa a imagem que ficara da mãe, para sempre impressa em sua mente.
Ela fechou os olhos com força, querendo abafar a memória. Porém sua
reação serviu apenas para clarear a visão. Seus pais estavam discutindo e
aquele havia sido o dia em que partira da fazenda Carruthers para nunca mais
voltar.
Seu pai a estivera beijando e abraçando quando sua mãe entrara e a
mandara sair num tom frio e seco. De fato era apenas na presença do pai que
se permitia rir e agir como uma criança. Na presença da mãe, devia ficar
quieta e em silêncio.
O impressionante é que ao longo da vida jamais conseguira se comportar
de maneira diferente quando perto da mãe. Sentia-se relaxada e alegre apenas
nos estábulos, ao lado dos empregados, onde se mostrava como realmente
era.
E agora aqui, junto de Matthew, fora outra vez capaz de romper as
amarras, de rebelar-se contra um estilo de vida que lhe fora imposto pela mãe
e pelos avós. Bastara o toque impetuoso do caubói para transformá-la de
70
menina em mulher ardente. Nos braços dele descobrira seu lugar no mundo.
Finalmente.
Era como se fechasse um círculo. Minhas primeiras lembranças estão
aqui, nesta sala. E agora voltei. Voltei para o homem que meu pai escolheu
para mim. A raiva inicial fora de alguma maneira se diluindo com o passar dos
dias, sendo quase esquecida. Inconscientemente havia começado a aceitar o
testamento do pai como a vontade dele de influir na sua vida de forma
positiva, de ajudá-la a encontrar o próprio caminho.
— Ele se importava comigo de verdade — Christine murmurou. — Ele me
queria aqui e agiu do único modo possível para me obrigar a ficar na fazenda.
— O pensamento foi como um bálsamo para seu espírito conturbado. Feliz com
a descoberta, acabou adormecendo.
Foi assim que Matt a encontrou. Com extrema delicadeza, tomou a
esposa nos braços e depositou-a num sofá sob a janela. Então tirou as botas e
deitou-se ao lado da mulher, moldando as formas esguias de encontro a si.
Ela sorriu, como se estivesse tendo um sonho muito agradável, e
aconchegou-se ao marido, procurando o calor que irradiava do corpo másculo.
Dali a uma hora Christine acordou, surpresa ao perceber que não estava
só.
— Matt? O que você está fazendo aqui, deitado ao meu lado em plena luz
do dia, num lugar onde qualquer um pode nos ver?
— Fechei a porta, querida — ele respondeu suavemente, não querendo
que aqueles momentos de paz e quietude chegassem ao fim.
— Não tem importância se a porta está fechada ou não. — Christine
tentou levantar-se enquanto alisava o vestido com as mãos. — Agora me solte.
— Vamos, querida, se eu estivesse em cima de você, até entenderia
certas reclamações, mas estava apenas deitado do seu lado, fazendo a siesta.
— Oh, céus, olhe para mim. Estou horrível. Meu vestido está todo
amarrotado…
— Acho que está ótima, Chris. Bem que pensei em tirar seu vestido
antes de colocá-la no sofá, porém tive medo de acordá-la.
— Tirar meu vestido?! Você está completamente louco. Bem, quero
avisá-lo de que serei obrigada a me sentar para jantar usando esta mesma
roupa amarrotada, porque os meus outros dois vestidos estão sendo lavados.
— Quando suas coisas chegarem de Lexington este tipo de problema
deixará de existir.
— Como é que é? — Christine indagou desconfiada.
— Estou dizendo que passei um telegrama para seus avós e lhes pedi
que mandassem suas coisas para cá.
— Não acredito.
— É melhor acreditar, querida. Passei o telegrama quando fui à cidade
resolver os últimos detalhes de nosso casamento e falar com o pastor,
portanto suas coisas deverão chegar dentro de um ou dois dias.
— O que foi que você lhes comunicou? O que mandou dizer no
telegrama?
— Apenas que nós dois íamos nos casar e que você precisaria de tudo o
que é seu, já que não pretende voltar para o leste.
— Não acredito numa só palavra! — Ela foi veemente, apesar da dúvida.
— Você não seria capaz de dar a notícia aos meus avós dessa maneira.
71
— Ah, mas foi o que eu fiz! Não existe uma outra maneira de dar a
notícia.
— Será que não lhe passou pela cabeça que eu mesma gostaria de
comunicar o fato aos meus avós? — Christine indagou com uma calma
aparente.
Tarde demais Matt percebeu que havia forçado a esposa além de certos
limites. Até o momento ela havia concordado com quase tudo, porém agora…
— Maldito seja, Matthew Gerrity! — As palavras explodiram no ar com
uma fúria incontida. — Quem você pensa que é, me manipulando dessa
maneira? Com certeza acha que eu sou alguma idiota, incapaz de pensar com
clareza.
Matt levantou-se do sofá, porém logo se deu conta de que cometera um
erro de cálculo. Completamente fora de si, Christine agarrou a primeira coisa
que encontrou sobre a escrivaninha.
O pesado tinteiro de cristal atingiu-o bem no meio do peito, a tinta se
espalhando pela camisa numa lentidão aterradora.
Pálida, Christine observou por um instante o resultado de seu
descontrole. Depois, como se não suportasse enfrentar a cena, deu as costas
ao marido e saiu correndo, indo trancar-se no quarto.
Vários minutos se passaram antes que o ouvisse subir as escadas. Porém
se esperava que Matt abrisse a porta com um arranco, surpreendeu-se ao
escutá-lo bater.
— O que você quer? — perguntou, a voz trêmula.
— Apenas entrar — foi a resposta paciente.
Ele estava nu da cintura para cima, os braços musculosos e o peito largo
manchados de tinta.
— Matt?
— Sim, Christine?
— Você acreditaria se eu lhe dissesse que sinto muito?
— Não, acho que não.
— E por que não? — ela indagou com toda a dignidade de que era capaz.
— Provavelmente porque você parece a ponto de cair na risada.
— Não, não é isto. Bem… para dizer a verdade, eu poderia rir se não
estivesse com medo da sua reação. Mas você não me parece zangado…
— Não sei se tenho o direito de ficar zangado, Christine. Você tinha seus
motivos para agir daquela maneira. Acho que andei sendo um pouco duro nos
últimos dias e era natural que você se ressentisse.
— Quer dizer que não está mesmo zangado?
— Não. Sabe, foi até engraçado ver a expressão de Maria quando ela viu
minha camisa. Imagine só quando a coitada ver o estado do tapete.
— Você acha que o tapete ficará manchado?
— Você me deve uma, Chris.
— Sério?
— Sim. E é melhor que pague logo a dívida.
— Oh… E como?
— Teremos anos e anos pela frente para eu lhe mostrar como — Matt
murmurou beijando-a na boca e arrastando-a para a cama.
72
DOZE
— O que você acha Christine? — Matt sussurrou as palavras no ouvido
da esposa enquanto a puxava pela cintura, obrigando-a a colar o corpo ao seu.
— Nunca vi uma vaca tão grande em toda minha vida — ela respondeu
observando os peões rolarem o espeto enorme sobre o braseiro.
— Não é uma vaca, querida. É um novilho — Matt explicou paciente,
esforçando-se para não rir.
— Pois para mim se parece com vaca. Só espero que haja carne
suficiente para alimentar toda essa gente.
Ele inclinou-se de leve para plantar um beijo na nuca da mulher,
aproveitando que os cabelos ruivos estavam presos no alto da cabeça por
causa do calor. Apreciando a curva suave do pescoço e aspirando o perfume
daquela pele, chegava à conclusão de que o casamento realmente trazia certos
benefícios.
— Será que posso tirar os grampos de seus cabelos, querida?
— Pare com isto — Christine murmurou estremecendo.
— Todo mundo está olhando para nós.
Matt continuou a acariciá-la na cintura, aconchegando-a de encontro ao
seu membro rígido. Excitado… Aquela era a única palavra capaz de descrever o
estado constante em que se encontrava nos últimos dias.
— Ainda bem que nossos convidados não podem me enxergar direito
agora… Felizmente estão mais interessados em reparar minha esposa.
Christine inspirou fundo e tentou afastar os dedos que teimavam em
deslizar na direção dos seios.
— Matthew Gerrity! Pare já com isso! — ela pediu aflita, os olhos fixos no
reverendo Josiah Tanner e esposa, que se aproximavam.
— Não se preocupe, eles sabem que somos recém-casados. Esta é nossa
festa de casamento. As pessoas esperam que troquemos carinhos em público.
— Estamos tão felizes que você tenham vindo — Christine exclamou
educada, consciente do corpo do marido, abraçando-a por trás.
— É uma bonita festa, senhora. Aceite nossas felicitações. — O pastor
abaixou a voz, como se fizesse uma confidencia. — Admito que no início dessa
história tive minhas dúvidas quanto ao sucesso do casamento de vocês,
especialmente depois daquele dia na cidade. Mas hoje tenho certeza de que
seu pai ficaria muito feliz ao vê-la de volta ao lar, sra. Gerrity.
— Sim, aqui é mesmo o lugar de Christine — Matt falou com firmeza. —
Por que vocês não pegam um prato e vão se servir do delicioso churrasco que
estivemos preparando o dia inteiro?
— É o que pretendemos fazer — anunciou Josiah Tanner, levando a
esposa pela mão.
— Você também está com fome, querida? — Matt indagou num
murmúrio, acariciando-a nas costas. — Podíamos nos servir, sentar sob aquela
árvore enorme e apreciar nossos convidados se divertirem.
— Mais tarde. Ouça, os músicos estão começando a afinar os violões e o
piano.
— Violinos, querida. Aqueles são violinos. Eles estão se preparando para
começar o baile. Daqui a um instante o tablado estará cheio de fazendeiros…
73
— Então vamos… — Christine parou no meio da frase, uma expressão
atônita no rosto.
— Eu não sabia que você havia convidado sua antiga paixão — ela falou
friamente, os olhos fixos na mulher que acabara de chegar, acompanhada pelo
pai.
Suas tentativas de afastar-se do marido serviram apenas para fazê-lo
estreitar o abraço.
— Me solte.
— Não faça cena, querida — ele murmurou passando um braço ao redor
dos ombros delicados. — Apenas aja como uma noiva feliz e cumprimente os
convidados.
— Você tinha mesmo que convidá-la?
— Deborah é nossa vizinha. Não seria polido ignorá-la.
— Que tal? Estou parecendo polida o suficiente?
— Comporte-se, Chris, ou serei obrigado a tomar uma atitude.
— Ameaças, Matthew Gerrity? — ela indagou com falsa doçura, ficando
nas pontas dos pés para roçar o rosto viril com os lábios.
Matt fechou os olhos por um segundo e então puxou-a pela cintura outra
vez, inebriado de paixão.
— Que surpresa! Olha só quem está aqui! A noiva e o noivo,
agarradinhos num canto escuro. — Jovial, Clyde Hopkins tirou o chapéu e
cumprimentou-os com satisfação.
— Com medo de que o marido fuja? — Deborah perguntou, o olhar
voltado para Christine. Depois, como se fosse a coisa mais natural do mundo,
deslizou os dedos pelo queixo de Matthew. — Sem dúvida você não se oporia a
soltá-lo durante alguns minutos para que ele dance com uma velha amiga.
— Tenho certeza de que Matthew não está colado a mim, não é mesmo,
querido? — Christine conseguiu imprimir às palavras a dose exata de ironia e
sorrir com tamanha desenvoltura, que seria difícil reconhecer a raiva que a
consumia.
— A música ainda não começou, Deborah. Os músicos estão apenas
afinando os instrumentos — Matt respondeu secamente, segurando-a pelo
pulso e obrigando-a a afastar os dedos de seu rosto.
— Bem, pois você não deveria estar escondendo sua noiva aqui, neste
canto escuro. — Deborah não conseguia disfarçar a profunda irritação que o
descaso de Matt lhe causava. — Deixe-a ir conversar com os vizinhos enquanto
nós dois iniciamos o baile.
— Não é que eu prometi a primeira dança à minha mulher? — ele falou
com fria deliberação. — Desculpe-me se não posso satisfazer o seu pedido,
Deb. Mas estou certo de que não lhe faltarão parceiros quando o baile
começar.
Admitindo derrota, pelo menos temporária, Deborah afastou-se de braço
dado com o pai, não sem antes lançar um olhar venenoso na direção daquela a
quem julgava ter lhe roubado o namorado.
— Você poderia ter dançado com ela, sabe — Christine murmurou quase
com pena da outra.
— Será mesmo? — Matt riu alto, como se a situação toda o divertisse. —
Para dizer a verdade, prefiro eu mesmo convidar a pessoa com quem desejo
dançar. Vamos?
74
— É uma valsa o que os músicos estão tocando? Parece tão rápido,
embora o tempo esteja correto.
— Não sei como você chama esse tipo de música, querida. Nós apenas o
dançamos — ele respondeu, arrastando-a para o celeiro onde fora colocado o
tablado. — Não se preocupe, você vai se sair bem.
Sentindo o ritmo rápido que os pés do marido imprimiam aos passos,
Christine procurou ajustar-se. Em questão de segundos conseguia acompanhálo, a saia esvoaçando ao redor de suas pernas, as palmas dos convidados
encorajando os recém-casados a atravessar o tablado de uma ponta a outra.
Minutos depois vários casais começaram a dançar também, o barulho
das botas sobre a madeira e o som de risos ecoando pelo celeiro numa
celebração de alegria.
Matt puxou-a para mais perto, beijando de leve no rosto. Numa reação
instintiva, Christine deslizou as mãos dos ombros até o pescoço do marido,
amoldando-se à rigidez daquele corpo viril. Por alguns momentos mágicos, os
dois se deixaram envolver pela música, pelo prazer descuidado que a
intimidade oferecida pela dança lhes proporcionava. Tudo ao redor cessara de
existir, restando-lhes apenas a felicidade de estarem nos braços um do outro.
— Sinto-me como uma noiva de verdade — ela conseguiu dizer, num
murmúrio ofegante e emocionado enquanto davam uma última volta pelo
tablado.
— Dançar a faz sentir-se assim? E eu que pensei que estava fazendo-a
sentir-se como uma noiva de verdade há semanas — Matt brincou, fingindo-se
chateado.
Christine tentou mostrar-se indignada, mas não foi capaz. O tom alegre
da música, os rostos amigáveis dos convidados e o homem que a abraçava não
permitia qualquer sombra de irritação. Tudo estava perfeito demais.
— Mal posso respirar — ela declarou ao último acorde da melodia. Para a
satisfação dos músicos, os aplausos foram ensurdecedores. Logo havia uma
fila de pedidos para que tocassem as músicas favoritas de vários convidados.
Decididos a tomar um pouco de ar fresco, os dois saíram do celeiro para
apreciar a noite. Uma charrete havia acabado de chegar, trazendo um casal de
meia-idade, baixo e robusto.
— É Otto Schmidt e senhora — disse Matt junto ao ouvido da mulher. —
Ele é dono de um estábulo na cidade, onde trabalha com cavalos de aluguel.
De mão estendida, o recém-chegado aproximou-se, com a esposa
tiracolo.
— Acho que chegamos a tempo para o jantar, Matthew. Eu disse a Hilda
que você ia matar um novilho para a ocasião. — Hilda Schmidt endossou as
palavras do marido com comentários entusiasmados sobre a importância do
acontecimento.
Christine sorriu, alegre ao perceber que os Schmidt realmente pareciam
contentes em participar da celebração.
— Fico feliz que vocês tenham vindo. Sou Christine.
— Sim, eu sei — apressou-se a concordar Hilda. — Eu estava na loja de
Ruth no dia em que Matthew foi comprar aquele vestido para você. Por acaso
ele lhe contou que nosso círculo de costura está fazendo uma colcha para lhe
dar de presente?
— Não… — Christine respondeu distraída, observando o sr. Schmidt
75
arrastar o marido na direção de um grupo de fazendeiros parados junto a uma
carroça.
— Oh, deixe-os ir. Os homens não dispensam um trago do uísque do
velho Tyler Mason antes que a festa fique realmente boa. Matthew logo estará
de volta ao seu lado. Puxa, não é que tudo parece uma delícia? — Hilda tomou
Christine pela mão e levou-a até a mesa onde alguns homens, usando aventais
imaculadamente brancos, serviam generosas porções de churrasco. — Você já
experimentou, Christine?
— Aqui temos pratos limpos, sra. Gerrity — uma mulher próxima falou,
acenando com a mão.
— Aquela é Ruth Guismann — explicou Hilda. — O sr. Guismann é o dono
da loja na cidade e foi ela quem ajudou Matt a escolher todas as coisas bonitas
para o seu casamento.
Christine enrubesceu, imaginando a cena.
— Quem mais estava lá?
— Oh, querida, metade de todas as damas da cidade estavam na loja
naquela manhã. Nós nos divertimos muito, observando seu marido tentar
escolher as coisas certas para lhe agradar.
Era fácil imaginar o desconforto de Matthew rodeado por um bando de
senhoras enquanto se esforçava para fazer as compras. Oh, Deus, todas elas
tinham visto as roupas íntimas de renda que usava agora!
— Aqui está um prato. Agora vamos, sirva-se e saboreie o churrasco que
seu marido está oferecendo em sua honra.
— Obrigada… sra. Guismann. Não é este o seu nome? — Christine
aceitou o prato e em questão de segundos duas fatias de carne ocupavam
metade do espaço disponível.
— Por favor, menina, me chame apenas de Ruth, como todo mundo faz.
— Divertindo-se, sra. Gerrity? — Do outro lado da mesa, Claude,
arregimentado por Maria para auxiliar no churrasco, parecia resplandecente no
seu avental branco. Carregando uma travessa de frango frito, tinha dificuldade
para encontrar um lugar onde colocá-la.
— Está tudo maravilhoso, Claude.
E de fato estava, Christine decidiu quando momentos depois descobriuse sentada sob uma árvore, diante de um prato de salada, carne e fatias de
pão besuntadas de manteiga. Ao seu lado, Tessie não sabia se falava ou se
comia a coxa de frango que segurava nas mãos.
— Oh, Chris, esta não é a festa mais divertida do mundo? Você viu o
homem tocando piano? Seus dedos se moviam tão rápido que quase não dava
para enxergá-los.
— Você não acha que deve usar um prato para colocar o frango,
Theresa? — Olívia indagou aproximando-se, o tom de voz levemente
reprovador.
— Por que não se senta conosco? — Christine convidou, apontando para
a manta estendida sobre a grama.
Bastou a professora chegar para os olhos de Tessie perderem um bocado
do brilho.
— Eu não pensei que precisava usar todas as minhas boas maneiras
hoje, srta. Olívia. E só um churrasco que mais parece um piquenique.
— Boas maneiras nunca devem ser descartadas, não importa onde
76
estejamos.
Sem que pudesse se conter, Christine interferiu na conversa:
— Creio que podemos desculpar os modos de Tessie à mesa, pelo menos
desta vez. Afinal, é uma ocasião especial.
— Tenho certeza de que a senhora sabe o que é melhor.
Olívia ficou em silêncio alguns segundos, porém quando viu Tessie
levantar-se e correr pelo jardim, comentou:
— Faria bem àquela criança ter uma mãe. Christine ficou, literalmente,
de queixo caído, uma expressão atônita no rosto.
— Ela tem a mim — respondeu.
— Uma família de verdade teria sido o ideal. Theresa requer pulso firme.
— E por acaso você tem alguém em mente?
— De qualquer maneira, agora é muito tarde. E, afinal, sou apenas a
professora.
Somente quando Olívia afastou-se, foi que Christine começou a se
recuperar da surpresa causada pelas palavras da professora. Será que
entendera bem ou apenas imaginara a conversa? Foi a chegada de Matthew
que a arrancou do torpor em que parecia ter caído.
— Aonde foi Olívia? — ele perguntou, sentando-se ao lado da esposa.
— Não sei…
— Como é que você conseguiu ficar aqui sozinha, abandonada por todos?
— Ajeitando-se sobre a manta, Matt pegou uma fatia de pão do prato da
mulher e começou a comê-la. — Hum… gostoso.
— Podemos dividir o prato. Não vou agüentar tudo sozinha mesmo.
— Você não está com fome, querida?
— Claro que sim! E que estou excitada e também já comi um pouco…
— Hum… não muito. — Ele a observou atento, percebendo uma nuvem
de preocupação toldar o brilho dos olhos azuis. — Você está bem?
— Olívia diz que Tessie precisa de uma mãe — Christine falou de
repente, como se não suportasse o peso das palavras. — Acho que ela não me
aprova.
— Vou ter uma conversa com Olívia. Talvez ultimamente eu não esteja
dando atenção a tudo o que diz respeito à educação de Tessie. Creio que a
professora está se metendo onde não é chamada. Jamais deveria ter tido a
ousadia de lhe dizer algo assim.
— Não, não tome nenhuma atitude. Não creio que Olívia tenha falado por
mal. Quem sabe não é de opinião que Deborah teria sido uma esposa mais
adequada para você?
— E pouco provável. Olívia nunca deu importância a Deborah.
— Talvez então ela tivesse a si mesma em mente — Christine sugeriu
baixinho.
— De jeito nenhum! — As palavras de Matt soaram tão altas e decididas,
que Christine procurou acalmá-lo, resolvida a esquecer-se da conversa com a
professora.
— Que tal outra dança, sra. Gerrity? — Antes de dar tempo à esposa
para protestar, ele tomou-a pela mão e arrastou-a na direção do celeiro, onde
os violinos e o piano continuavam a tocar suas melodias rápidas e alegres.
O sol já havia se posto e as sombras da noite se espalhavam pela
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fazenda quando Christine procurou refúgio dentro da casa silenciosa e vazia.
Depois de lavar as mãos na pia da cozinha e secá-las numa toalha, olhou pela
janela.
Lá fora sons de música e risadas ecoavam pela noite quente. Os
convidados não davam mostras de estar cansados e nem pareciam dispostos a
ir embora tão cedo. A festa estava sendo um grande sucesso.
— Onde está Christine? — ela ouviu Matt perguntar antes de procurá-la
no meio das árvores.
Ansiosa pára ir ao encontro do marido, Christine abriu a porta da cozinha
e saiu para a varanda. Foi o que bastou.
Surgido das sombras, um homem cobriu-lhe a boca com a mão e puxoua com violência para um canto escuro do lado de fora da casa.
Desesperada, ela tentou libertar-se, esperneando e lutando para livrar-se
da mão que ameaçava sufocá-la. Porém o homem continuou a arrastá-la para
a parte de trás da casa, onde um cavalo o aguardava.
— Escute, fique de pé na minha frente e não cause problemas…
entendeu? — A voz rude soava ameaçadora, fazendo-a estremecer de pavor.
Christine sentiu os joelhos fraquejarem, mas o homem a segurou com firmeza,
obrigando-a a ficar de pé.
— Droga! Eu lhe disse para ficar quieta! — ele grunhiu, pegando uma
corda com a firme intenção de amarrá-la antes de jogá-la sobre o cavalo.
Entretanto, como precisava mantê-la de boca fechada, sobrava-lhe apenas
uma das mãos livres para lidar com a corda. E foi exatamente o breve instante
de hesitação de seu captor que lhe permitiu esboçar uma reação.
Ela gritou com todas as forças de que era capaz, lançando ao ar o seu
medo e a sua raiva. Ainda assim o homem tentou jogá-la sobre o cavalo. Cega
de ódio, ela cerrou os dentes no braço que insistia em agarrá-la, fazendo-o
urrar de dor.
— Droga de mulher idiota — o agressor berrou, atingindo-a na têmpora
esquerda com um soco.
Por fim os sons estranhos pareceram atrair alguma atenção. Temendo
ser descoberto, o homem largou sua presa e montou no cavalo, saindo em
disparada.
— Christine… onde você se meteu?
Era a voz de Matt, vinda de tão distante…
— Aqui… Estou aqui, Matt… — As palavras não passavam de um
murmúrio enquanto Christine caía, o chão frio ferindo o rosto delicado. — Eu o
mordi… eu o mordi — ela sussurrou, ao sentir mãos firmes erguerem-na e
apertarem-na de encontro ao peito.
78
TREZE
— Conseguiu alguma pista, Claude?
— Ainda não, senhor. — Os olhos atentos do velho empregado
vasculharam outra vez os cantos escuros do celeiro. — Não é um bom sinal
quando a gente começa a procurar problemas dentro da nossa própria terra,
não é? Talvez fosse bom o senhor descansar um pouco, patrão. O estado de
tensão em que tem vivido nos últimos dois dias só irá deixá-lo esgotado.
Matt deu de ombros e sentou-se num banco, apoiando os cotovelos nos
joelhos. A expressão dura do rosto deixava transparecer uma raiva contida, e
também frustração.
— Não consigo entender o que aconteceu. Tenho certeza somente de
uma coisa: este homem está agindo a mando de uma outra pessoa. Apenas
não sei quem o teria contratado para fazer o serviço e por quê.
— Sem dúvida alguém não gosta da D. Christine e está tentando dar um
jeito de tirá-la do caminho.
— O que o criminoso não contava era que estaria lidando com uma
verdadeira tigresa. — Matt sentia-se grato por Christine haver lutado e
resistido à agressão, pois se não fosse assim, teria sido seqüestrada.
— Sim, ela é mesmo uma tigresa — Claude concordou. — Todo aquele
cabelo vermelho e temperamento forte foram herdados do pai, sabe? Aposto
que o mercenário contratado para o serviço pensará duas vezes antes de
colocar as mãos na sua esposa outra vez.
— O homem não terá outra chance de encostar um dedo na minha
mulher. Pelo menos se eu puder evitar.
— Você não pode amarrá-la ao pé da cama para sempre, patrão. Logo
ela estará querendo andar por aí e nós sabemos que é impossível mantê-la
longe dos cavalos. D. Christine gosta de cavalgar todas as manhãs.
— Pois simplesmente não irá cavalgar sem mim daqui para frente — Matt
respondeu abrupto. — E tampouco sairá da minha cama até amanhã a tarde. O
médico quer ter certeza de que a pancada na cabeça não deixou seqüelas.
Claro que pedi a ele para forçá-la a ficar na cama. Preciso de mais tempo para
analisar a situação antes de deixá-la a solta.
— Maria me contou que d. Christine anda dizendo que só falta o senhor
querer colocar grades nas janelas, patrão.
— Duvido que grades iriam detê-la — ele admitiu de má vontade. — Ela
é uma mulher determinada, Claude. E por nada deste mundo quero que algo
de mal lhe aconteça. Eu só a estava provocando com essa história das grades,
porém não tenho dúvidas de que sua liberdade será vigiada. Pelo menos até
que tudo esteja resolvido.
— Pode ficar descansado, vamos ficar de olho nela. — Claude levantouse e acompanhou o patrão até a casa, onde o almoço estava para ser servido.
De repente Matt parou no meio da varanda, ao reparar a figura que o
aguardava junto à porta.
— Droga, Christine, o que você está fazendo fora da cama?
— Boa tarde, sr. Gerrity — ela respondeu secamente. — Caso seja de
seu interesse, estou cansada de comer numa bandeja e já não suporto mais
contar as flores do papel de parede. Decidi me levantar e retomar a rotina.
79
Está na hora da minha vida voltar ao normal.
— Você tem um galo do tamanho de um punho na sua cabeça, mulher, e
suas mãos estão esfoladas. Vi quando o médico limpou a poeira dos arranhões
em sua face…
Matt esperava uma explosão ou mesmo uma resposta mal educada da
mulher, porém jamais lhe ocorrera que seu comentário seria recebido com um
sorriso terno e meigo.
— Desculpe-me… Sei que você tem andado preocupado e realmente sou
agradecida por tanta dedicação. Mas eu preciso disso… preciso estar fora da
cama. Por favor, não fique zangado comigo.
Ignorando a presença do empregado, Matt puxou a esposa de encontro
ao peito e enterrou o rosto nos cabelos perfumados, inalando a fragrância
deliciosa. Que poder tinha essa mulher sobre os seus sentidos, um poder tão
grande que o perturbava de uma maneira que jamais julgara possível?
— Pode almoçar conosco se quiser, Chris, mas depois voltará para a
cama. Nem que eu tenha que carregá-la. — Abaixando o tom da voz, ele
murmurou: — Prometo que passarei uma ou duas horas ao seu lado. O que
você acha, querida?
A resposta dela foi uma tentativa de afastar-se.
— Você não consegue me fazer mover um centímetro, querida.
— Eu me esforcei para ser simpática e educada, Gerrity. Cheguei a lhe
pedir “por favor”! E tudo o que recebo em troca é um ultimato nojento.
— Verdade, “por favor” não são palavras que esses seus lábios deliciosos
costumam pronunciar com freqüência. Posso imaginar como tenha lhe custado
dizer estas duas palavrinhas… — Apesar do esforço, Matt não conseguia
disfarçar o riso. — Vou até reconsiderar a minha…
— De nada servirão suas ameaças. Não vou voltar para cama hoje e
ponto final. — Quando Christine fez biquinho, ele simplesmente não conseguiu
mais resistir. Com ou sem a presença de Claude, a necessidade de
experimentar o gosto daqueles lábios era maior do que podia suportar.
Ela resistiu apenas por alguns segundos antes de entregar-se ao beijo
com igual ardor. Não importava que houvesse perdido a batalha. Não
importava que se sentisse dominada por aquele homem forte, possessivo,
arrogante. Não importava que nos braços dele esquecia até de si mesma.
— Você não me beija assim desde… — ela murmurou lânguida.
— Psiu… — Matt sussurrou, apossando-se dos lábios carnudos outra vez.
— Acho melhor eu entrar pela porta da cozinha se quiser almoçar —
Claude falou, saindo da varanda. — Parece que esses dois aqui não apreciam
tanto a comida de Maria quanto o resto de nós.
— Oh, Deus… — Christine corou até a raiz dos cabelos e baixou a cabeça.
— Não há motivo para ficar assim, toda embaraçada, querida. — Matt
tomou-a pela mão e levou-a para a sala de jantar. — Claude é um tipo muito
discreto, sabia? Ele não vai sair dizendo por aí que nós nos beijamos e
abraçamos como o resto dos casais.
— Já foi difícil enfrentar nossos convidados com você me abraçando a
festa inteira. Estou mortificada que tenhamos nos beijado na frente de Claude.
— Você não me parecia nem um pouco mortificada minutos atrás,
querida. Além do mais, o velho Claude sabe tudo sobre beijos e abraços. De
qualquer forma, eu não a teria beijado se você não me parecesse tão
80
tentadora usando este lindo vestido, com os cabelos soltos e os olhos
brilhantes.
— Não me venha com essa conversa mole, Gerrity. Estou imune aos
seus truques.
— Será mesmo? — ele a provocou com um sorriso sedutor.
— Vamos, vá lavar as mãos. Maria não vai deixá-lo sentar-se à mesa
com as mãos cheirando a celeiro.
Matt tornou a abraçá-la, uma expressão preocupada no olhar.
— Christine?
— O que foi?
— Não quero que você saia de casa sozinha. Pode passar o resto do dia
fora do quarto hoje, mas fique em casa, está bem?
— Está bem. Pelo menos por hoje. Voltaremos a falar sobre o assunto
esta noite.
Matt tinha consciência de que alcançara apenas uma pequena vitória.
Somente mais um dia. Logo Christine iria rebelar-se contra as amarras que
tentaria lhe impor. A certeza de que o perigo continuava rondando a mulher o
angustiava tanto que mal podia respirar. Precisa resolver o problema para
finalmente ter paz.
— Esta é a melhor parte de ser casada — Christine sussurrou dentro da
escuridão, aconchegando-se ao corpo rígido do marido. Não havia nada que se
comparasse ao prazer de ter as mãos de Matt deslizando pela sua pele numa
carícia terna e suave.
— Com sono? — ele indagou.
— Hum…
— E o que este “hum” quer dizer?
— Que estou quase dormindo.
— Uma droga que está.
Cuidadosamente, com movimentos experientes, Matt virou a esposa de
costas e livrou-a da camisola, apossando-se dos seios empinados com
sofreguidão.
Christine gemeu baixinho ao sentir os lábios do marido fecharem-se ao
redor de seus mamilos.
— Não pragueje, Gerrity.
— Mas como? Eu não praguejei. Simplesmente duvidei de que estivesse
dizendo a verdade. Você não costuma sentir-se sonolenta ao meu lado.
— Você não acha que eu deveria estar cansada? — Ela forçou um bocejo.
— Afinal, passei a tarde inteira costurando suas camisas e abaixando as
bainhas dos vestidos de Tessie. Também já estava quase dormindo quando
você veio para cama.
— Mentirosa… Pensei neste momento o dia inteiro, sra. Gerrity e se você
já estava quase dormindo quando vim para a cama, sou mico de circo. Aposto
que me esperava ansiosa. — Matt beijou-a de leve no pescoço, fazendo-a
estremecer.
— Você me deixa arrepiada…
— Verdade? — Vagarosamente ele tomou a mão da esposa e colocou-a
sobre o peito. — Agora me toque, Chris.
— Onde?
— Você saberá quando alcançar o lugar certo. Hesitante a princípio,
81
Christine deslizou os dedos pelo peito másculo, experimentando a textura da
pele bronzeada e dos músculos rijos.
— Matt?
— Isso, querida… Você está se saindo muito bem.
— Eu o deixo arrepiado também?
— Oh, baby, pode ter certeza que sim.
Mais segura, Christine explorou o corpo do marido, detendo-se nos
mamilos pequenos e eretos até finalmente roçar o membro enrijecido. A força
daquela ereção quase a fez perder o fôlego.
— Não creio que eu seja capaz de agüentar mais arrepios hoje, querida…
Louco de paixão, ele sugou um dos seios com tamanha voracidade que
soube haver deixado a marca de seu ardor na carne tenra. Amanhã, quando
Christine se olhasse no espelho, iria lembrar-se do que haviam partilhado
juntos.
— Eu a machuquei? — Matt indagou num murmúrio suave, deslizando a
língua ao redor dos mamilos rosados.
Incapaz de responder, Christine tinha consciência apenas do calor que
parecia ter tomado conta de seu corpo inteiro e como uma onda, carregado-a
além do ponto de retorno. Aquelas carícias e beijos ousados despertavam uma
sensualidade que jamais julgara possuir. Ao senti-lo encontrar e massagear o
ponto escondido de sua feminilidade, ela perdeu por completo o controle.
— Matt… oh, Matt… — O prazer era tanto que a voz não passava de um
murmúrio rouco e entrecortado. Dominada por uma emoção que não
conseguia definir, Christine agarrou-se ao marido, as pernas se movendo sem
que fosse capaz de controlar.
Consciente da relativa inocência da esposa, Matt encaixou um dos
joelhos entre as coxas bem torneadas, forçando-a a abri-las, a entregar-se
sem reservas.
— Matt? — ela tornou a repetir, as mãos vagando sem rumo pelo corpo
viril, numa exploração ansiosa e voraz.
— Christine… — O modo como ele dissera o nome da esposa era algo
novo, até para si mesmo. Nunca usara aquele tom com mulher alguma, nunca
fora capaz de colocar a alma numa única palavra, nem de abrir o coração aos
sentimentos. Até encontrá-la… Então tudo mudara de figura e já não se sentia
dono da própria vontade ou senhor do próprio destino.
— Estou aqui, querido. — O sussurro trêmulo e vibrante ecoou pelo
quarto com a força de um raio.
Dentro dela, a tensão ia atingindo níveis insuportáveis, como se fosse
uma criatura viva e que exigia satisfação imediata. Christine mudou a posição
dos quadris, ansiando para ser possuída, certa de que somente o corpo do
marido dentro do seu lhe daria a felicidade sonhada.
— Por favor… — ela pediu, puxando-o pelos cabelos de encontro aos
seios e erguendo os quadris num oferecimento mudo. Alucinado, Matt enterrou
a virilidade intumescida na pele quente e macia com um ardor que beirava o
desespero.
Palavras sussurradas na escuridão eram a medida exata da paixão que
os unia. O mundo lá fora cessara de existir. Nada mais importava a não ser o
prazer que podiam dar um ao outro.
-— Eu sabia que você não era muito inteligente, mas jamais pensei que
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fosse tão estúpido. — As palavras cuspidas da boca da mulher continham uma
fúria tal que desafiava a sanidade.
Dentro das sombras, a voz dele parecia tensa e contrita.
— Me pareceu uma boa oportunidade de agarrá-la. Afinal ela estava
sozinha na cozinha e não havia mais ninguém em casa. Minha primeira idéia
havia sido assustá-la um pouco, porém quando a vi sair para a varanda, pensei
em amarrá-la e levá-la para um lugar qualquer por algumas horas. Creio que
seria o bastante para amedrontá-la.
A voz da mulher deixava transparecer toda a frustração e maldade.
— Eu não a quero assustada. Eu a quero… fora de cena.
— Talvez você não tenha sido muito clara, lady. Se a quer morta, deveria
ter me dito desde o início.
— Eu a quero longe daqui! De um jeito ou de outro… longe daqui! — Um
silêncio curto serviu apenas para aumentar o efeito das palavras. — Mas agora
estou me perguntando se você tem peito para fazê-lo…
O rosnado do homem era como um aviso. Ele segurou-a pelo braço e
apertou-a com força, enterrando os dedos grossos e sujos na pele frágil.
Ela tentou afastar-se, praguejando baixo, uma expressão de nojo no
rosto. Porém sua reação serviu somente para fazê-lo rir de uma maneira que
quase chegou a apavorá-la.
Quase. Percebendo que parecer vulnerável o agradava, deixou de
resistir.
— Você se esquece de quem está no comando desta situação. — Apesar
do desconforto que a proximidade daquela criatura lhe causava, a mulher
ergueu a cabeça e fitou-o de frente, como se quisesse medi-lo da cabeça aos
pés.
Por fim ele a soltou, deixando-a afastar-se alguns passos.
— Você vai voltar atrás na palavra empenhada? — o homem indagou,
observando-a. — Você me disse que passaríamos algumas horas juntos. Você
me prometeu…
O som de risadas irônicas interrompeu-o no meio da frase.
— Você ainda não me deu o que eu lhe pedi. Ele tornou a aproximar-se.
— Da próxima vez eu não desistirei assim tão facilmente, lady. Você vai
ser boazinha comigo, de um jeito ou de outro. E também pretendo subir o
preço do serviço.
A mulher cedeu, percebendo a raiva que o dominava e temendo
empurrá-lo além do controle limitado que sabia exercer. Pelo menos
temporariamente.
— Já lhe disse que vou lhe dar o que você quiser e que pagarei o preço
que pedir.
— Tenho um plano. Você vai ter o que tanto quer. E eu também — ele
pensou, vendo a mulher que o excitava tanto afastar-se. — E eu também.
83
CATORZE
A chegada de quatro cavalos no trem da tarde foi o ponto alto do dia
para o funcionário da estação. Que os animais estivessem acompanhados de
um casal idoso, ambos vestidos com todo o requinte, serviu apenas para
aumentar a excitação que a novidade causava. Logo a notícia de forasteiros na
cidade se espalhava pela pequena Forbes Junction.
— Quem você acha que são? — indagou Abraham Guismann, pesaroso
por não ter visto o casal.
— Não posso dizer com certeza, mas acho que são os avós de Christine
Gerrity, pois tomaram o caminho da fazenda Carruthers. Aposto que os cavalos
são presente de casamento — explicou Otto Schmidt.
— Belos animais — Abraham decretou, apesar de não haver enxergado
nada mais além dos rabos.
— Bem, tenho a impressão de que os Gerrity terão uma surpresa hoje. O
chefe da estação falou que não tinha ninguém esperando o tal casal.
— O sobrinho de Harley contou que os forasteiros trouxeram tanta
bagagem que parecem dispostos a ficar muito tempo em Forbes Junction.
— Temos visita, patrão.
Matt tirou o chapéu e limpou o suor da testa. — Alguém com quem eu
queira falar, Claude?
Se fosse Clyde Hopkins ou a filha, iria mandá-los para o diabo. Os dois
encabeçavam sua lista negra e não estava disposto a tolerar insultos ou
esforçar-se para ser polido.
— Não sei, patrão. Nunca vi aqueles dois antes. Me parecem muito
arrumadinhos, porém estão trazendo os quatro animais mais bonitos que já vi.
— Animais? Sobre o que você está falando, homem?
— É melhor você vir dar uma olhada. — Claude apontou para a varanda.
— D. Christine está no portão e se não estou cego devido à idade avançada,
poderia jurar que ela está enxugando os olhos com um lenço.
Matt tirou as luvas e meteu-as no bolso, caminhando decidido ao
encontro da esposa.
— Vovó, vovô… Que bom vê-los — Christine exclamou, beijando o rosto
enrugado de ambos.
— Agora tenho mesmo certeza de que agi bem ao lhe trazer roupas
decentes para usar — foi o primeiro comentário da avó, num tom de
reprovação.
Christine enrubesceu ao ouvir as palavras de censura.
— Estou decentemente vestida, vovó. O calor requer roupas de cores
claras.
— A boa educação requer que uma lady sempre se vista de acordo com a
sua posição. Você está parecendo uma empregada.
Foi com esforço que Christine conteve o riso. De fato suas roupas
seguiam o mesmo modelo das de Maria, embora feitas de um tecido muito
mais caro.
— Estive ajudando Maria na cozinha. Ela está me ensinando a fazer
tortillas.
A velha senhora torceu o nariz.
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— Seja lá o que isto for.
— Bem, se tivermos sorte o bastante, encontraremos tortillas à mesa do
jantar — Matt falou aproximando-se da mulher e segurando-a pela mão.
— Este é Matthew Gerrity, vovô — Christine o apresentou cheia de
orgulho. Alguns segundos se passaram enquanto o severo cavalheiro de
Kentucky media o homem que casara com sua neta de alto a baixo.
— Senhor — disse Matt, apertando a mão de Jonathan Rawlings com
firmeza.
— Sr. Gerrity. — Não havia sinal de sequer um sorriso no rosto
enrugado, porém os olhos do velho, de um azul pálido, demonstravam um
certo calor. Talvez aquela visita inesperada acabasse sendo positiva para
Christine, Matt pensou.
— Senhora — ele falou, tirando o chapéu. — Estamos muito satisfeitos
em recebê-los.
— Vamos tentar não incomodá-los mais do que o necessário — Clara
Rawlings retrucou secamente. — Nossa decisão de fazer esta viagem em vez
de mandar as coisas de Christine foi tomada de uma hora para a outra. Não
podemos contar com o serviço ferroviário para garantir que a bagagem chegue
ao seu destino. — A velha senhora olhou ao redor e estremeceu, como se a
topografia plana, sem qualquer sombra de colinas, a incomodasse. — Não
posso dizer que a paisagem seja muito interessante, querida. Estou certa que
você se sente desolada sem a beleza de seu lar a cercá-la.
Christine abriu a boca para responder, mas tornou a fechá-la, engolindo
as palavras duras e mal educadas que haviam vindo à sua mente.
— Tenho sentido falta de algumas coisas que deixei para trás, entretanto
há muito em favor do estilo de vida que se leva aqui.
Clara Rawlings ergueu as sobrancelhas e olhou para a poeira agarrada às
elegantes botas de camurça. Depois olhou para a vegetação que se estendia
até o horizonte e balançou a cabeça de um lado para o outro.
— Não é o que você está acostumada, vovó, mas tem sua própria beleza
— Christine falou com segurança. E então, não pela primeira vez, fitou os
quatro cavalos que aguardavam pacientemente sob o sol, ainda amarrados à
parte traseira da charrete.
— Nós lhe trouxemos um presente de casamento. Você reconhece seu
cavalo? — indagou Jonathan.
— Sim, claro. — Sem que pudesse evitar, Christine sentiu um aperto no
coração ao olhar para a égua. O animal balançou o rabo escuro e ergueu as
orelhas, alerta. — Oh, sim — ela tornou a repetir, soltando a mão do marido e
acariciando o focinho aveludado, uma expressão terna no rosto.
Matt observou-a em silêncio, as mãos metidas dentro dos bolsos da calça
jeans. Christine realmente havia sentido falta de seu cavalo, ele pensou
surpreso. Entretanto nada dissera e aprendera a conviver com aquela
ausência.
— Não posso lhes dizer o quanto significa para mim vocês terem me
trazido Fancy.
— Seu avô sugeriu que o fizéssemos, uma vez que você escolheu ficar
aqui para o bem de sua irmã. Seja grata por ter um cavalo decente para
montar agora.
O comentário mordaz atingiu Matt com a força de uma bofetada e ele
85
precisou se controlar para não responder ao insulto à altura. A velha megera…
Como é que ela ousava insinuar que Christine havia ficado presa ali, sem
opção de escolher uma família ou que cavalo montar? Permanecer na fazenda
por causa da irmã… sem um animal decente para montar… Mentira!
Apreensiva, Christine imediatamente olhou para o marido, sabendo o
quanto devia estar sendo duro para Matt controlar-se.
— Eu… eu já andei montando, vovó… É diferente… Precisei me acostumar
à sela usada aqui no oeste.
— Tenho certeza de que a qualidade dos animais melhorará se seu
marido tiver bom senso suficiente para utilizar o garanhão que trouxemos. A
fazenda Rawling sempre teve orgulho de seus cavalos. Talvez sua irmã seja
beneficiada com a oportunidade de montar um puro-sangue.
Aquilo foi a gota d’água.
— Desculpe-me se não posso lhe oferecer uma permuta, madame —
Matt retrucou friamente. — Não tenho muito a dar em troca. Christine não está
no páreo e ela é o bem mais valioso que possuo. Temo que meus animais
estejam acostumados a trabalho duro e temperaturas elevadas. Eles
acabariam sendo desperdiçados no leste, com nada para fazer a não ser comer
grama e carregar os engomadinhos da cidade grande de um lado para o outro.
— Como? Engomadinhos da cidade grande… o que isso quer dizer? —
Clara Rawlings ergueu o queixo com toda a dignidade de que era capaz,
percebendo que havia sido insultada, embora de maneira velada. — Nós
certamente não pretendemos comerciar cavalos, sr. Gerrity. E tampouco
Christine deve ser colocada no mesmo nível de animais que vivem num celeiro.
Os cavalos são um presente para minha neta… um presente cujo valor você
desconhece.
Christine deu um passo para a frente, temendo que a situação fugisse
por completo ao controle. Seu avô, entretanto, tocou-a no braço, impedindo-a
de intrometer-se.
— Está tudo bem, querida. Sua avó está apenas sentindo os efeitos da
longa viagem. Não tenho dúvidas de que foi o cansaço o que a fez se exceder.
Não se preocupe, sr. Rawlings — Matt continuou muito calmo. — Quero
deixar claro para sua esposa que apreciei o presente dado a Christine. Afinal,
quatro puros sangue é tudo o que precisamos aqui no deserto.
— Matt! — Christine exclamou aflita, uma súplica muda no olhar. — Ela
não quis insultá-lo.
— Bem, uma vez que você se casou comigo apenas por causa de sua
irmã e sequer tem um cavalo decente para montar, fico feliz que seus parentes
tenham aparecido para salvá-la, querida.
Christine sentia-se dividida entre a vontade de fazê-lo engolir as palavras
arrogantes e chorar de pura frustração. Fora uma discussão tola entre duas
pessoas teimosas e temperamentais.
— Matt, será que podemos entrar agora e ajudar minha avó a sentir-se
confortável? Continuaremos essa conversa depois.
— Por acaso vocês têm um lugar onde eu possa me lavar e tirar a poeira
dessa terra da minha pele? — Clara indagou num tom propositalmente
condescendente.
— Talvez uma sala de banho?
— Temos um banheiro, vovó. Ou se preferir, pode se lavar em seu
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quarto. Mandarei um empregado levar-lhe água quente.
— Quer dizer que vocês têm quartos de hóspedes? — a velha aristocrata
insistiu, subindo os degraus da varanda.
— Sim, senhora. Aliás, temos até dormido em camas de verdade há anos
— Matt falou irônico. — De fato, abandonamos por completo o hábito de
dormir no chão, diante da lareira.
Christine e o avô trocaram um olhar de tácito entendimento e entraram
na sala refrigerada.
Clara olhou ao redor, até fitar o fazendeiro alto e arrogante que havia se
tornado o marido de sua neta.
— Hum… parece que aconteceram algumas melhorias desde que minha
filha morou aqui.
— Procuramos nos manter atualizados com os tempos modernos.
— Você tem uma bela casa, Christine — seu avô falou, sorrindo
encorajador.
— Creio que a mãe de Matthew é a grande responsável.
— Mas vovó tem razão. Isto aqui não era assim tão bonito e confortável
quando eu era criança.
— Será que alguém pode nos ajudar a carregar a bagagem lá para cima,
Christine? — Jonathan perguntou. — Talvez eu possa levar as coisas mais
leves.
— Vou mandar dois homens cuidarem do assunto — Matt ofereceu, mais
calmo por causa das palavras da esposa. A sua própria maneira, Christine saíra
em sua defesa e tomara o seu partido. Já não era o bastante?
Maria havia superado a si mesma, Christine concluiu quando o jantar
chegou ao fim. Matt estivera taciturno, os olhos velados e pouco conversando.
Olívia também permanecera quieta, respondendo por monossílabos,
interessada apenas em medir os visitantes de alto a baixo.
Christine sentira-se na obrigação de manter a conversação, esforçandose para dar uma aparência de normalidade à ocasião. A refeição, entretanto,
fora irretocável, desde o primeiro prato à torta de maçãs, uma das preferidas
de sua avó.
Logo após a refeição, Matt convidou Jonathan para visitar os estábulos,
deixando as senhoras a sós. Sua impressão do avô de Christine era bastante
positiva, porque percebera que ele realmente amava a neta, além de não ser
um esnobe.
— Sua fazenda é uma beleza, sr. Gerrity.
— Eu preferiria ser chamado de Matt, se não se importa. Sr. Gerrity soa
muito formal para um capataz.
— Suas habilidades vão além das de um simples capataz — Jonathan
Rawlings respondeu, fitando-o satisfeito. — O homem que conseguiu
convencer minha neta a casar-se em tão curto espaço de tempo deve possuir
qualidades interessantes.
Matt sorriu.
Bem, talvez um dia desses eu lhe conte a história toda, mas por
enquanto me considere apenas um tipo muito persuasivo.
— Christine me parece adaptada à vida aqui.
— Só espero que não esteja planejando convencê-la a voltar para o leste
porque na minha opinião Christine está feliz na fazenda Carruthers.
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— Vocês têm vizinhos próximos? Uma outra mulher de quem ela possa
ser amiga?
— Na verdade não. Deborah Hopkins e o pai moram na propriedade ao
lado e durante anos alimentaram o sonho de unir nossas terras. A chegada de
Christine, e o nosso casamento, causou um certo estremecimento…
— A garota o queria para si?
— É, as coisas poderiam ser colocadas dessa forma — Matt concordou,
achando divertida a idéia de Deborah ser chamada de menina. Era uma
palavra inocente demais para descrever alguém como Deb. — Há muitas
senhoras na cidade que adorariam ser amigas de Christine.
— Minha neta foi educada para ser uma lady e de repente teve a vida
virada de ponta-cabeça, tendo inclusive que abrir mão do luxo que a cercava
em casa.
— Não sei — Matt retrucou secamente. — Eu talvez não fosse capaz de
reconhecer uma lady, caso visse uma. Christine superou suas maneiras
afetadas bem depressa e está adaptada à essa região.
Jonathan riu baixinho, pegando Matt de surpresa.
— Acho que soei um tanto pomposo, não é? Mas você tem que entender
que Christine é tudo o que nos resta.
— Fique tranqüilo. Ela está num lugar do qual se sente parte integrante.
Nós nos casamos por motivos particulares, um dos quais é o bem estar de
nossa irmãzinha. Se Christine nunca mais voltasse a receber notícias suas,
creio que não faria diferença. Porém como apareceram aqui e lhe trouxeram os
cavalos de presente, são bem-vindos. Só lhes peço que não a culpem por
haver escolhido a casa do pai para morar e também não a façam sentir-se
menos que uma lady apenas porque já não usa espartilho sob as roupas.
O velho senhor concordou com um aceno.
— Acho que nos entendemos bem, Matt. Agora vamos voltar para casa e
amainar os ânimos. Suspeito que a avó de Christine esteja tentando convencêla a mudar de idéia em relação a vários assuntos e não sei se minha neta anda
com um humor dócil o bastante para agüentar as pressões.
— De qualquer forma já está ficando muito tarde e vocês precisam
descansar. Amanhã lhe mostrarei o resto da fazenda.
— Seu marido também trabalha a noite? — Clara Rawlings indagou
horrorizada. — Com certeza ele tem empregados para ajudá-lo.
Sentada no confortável sofá da sala, Christine esforçava-se para ser
gentil.
— Matt gosta de acompanhar tudo o que se passa na fazenda. Logo vovô
e ele estarão de volta.
— Devo dizer que esses costumes do oeste acabam com todas as
chances de sua casa manter um certo ar de cerimônia. É uma pena que sequer
esta sala seja um pouco mais… formal.
— Desconfortável e fria. É assim que você definiria formal? Pois gosto
muito desta sala. Aliás, gosto da casa inteira.
— Você sabe onde é seu verdadeiro lar. Quando tudo isto… Quando sua
vida tornar-se insuportável, basta tomar o trem para Lexington.
— Não há nada para mim em Kentucky — Christine respondeu decidida.
— Meu lugar é aqui, ao lado de Matt e Tessie.
— Mas nós somos sua família, querida — Clara respondeu enfática. —
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Sua linhagem é antiga. Há duzentos anos o nome Rawlings tem grande
significado neste país.
— Matt e Tessie são minha família agora. Tessie é tudo o que me restou
de meu pai.
— Não foi grande perda. Um grosseirão desde o início. Como ele
conseguiu persuadir sua mãe a vir parar neste fim-de-mundo sempre foi um
mistério para mim.
— Mas ela veio. E quisera que jamais tivesse partido.
— Como você ousa dizer um absurdo desses? Ela teria morrido neste
lugar miserável.
— Ela morreu em Kentucky — Christine a lembrou delicadamente. —
Tampouco creio que minha mãe tivesse sido feliz em Lexington.
— Se não fosse aquele homem horrível, minha filha ainda estaria viva e
casada com alguém de seu próprio meio.
— Ela o escolheu. Portanto deve tê-lo amado um dia. Ele era meu pai e
eu o amava.
— Ele não tinha tempo para você — Clara falou cheia de desprezo. —
Passava os dias cavalgando, cuidando de cavalos e vacas, deixando minha
pobre filha definhar neste clima horrendo.
— Ele teve tempo para me escrever cartas depois que minha mãe me
levou embora daqui.
— Verdade?
— Você sabe que sim. Meu pai me escreveu anos a fio. O único problema
é que jamais me entregaram nenhuma dessas cartas.
— Não há motivo para trazer certas coisas à tona. Quando você for mais
velha, saberá entender. Sua mãe queria apenas protegê-la da influência
daquele homem.
— Não acredito em você. — As palavras foram ditas num tom baixo e
destituído de qualquer emoção.
Clara Rawlings empalideceu e levantou-se.
— Não aceito essa sua colocação. Sua mãe sabia o que era melhor para
você. Foi decisão dela.
— Não creio que minha mãe tenha sido capaz de tomar qualquer decisão
quando retornou para debaixo de seu teto, vovó. Simplesmente voltou a
tornar-se a filhinha indefesa até o fim de seus dias.
— Por acaso você acha que eu a impedi de receber as supostas cartas de
seu pai?
— Sei que sim. Matt me contou.
— Ah, então chegamos a este ponto? Você confia mais na palavra de um
estranho do que em alguém de seu próprio sangue? — Clara estava a ponto de
perder a compostura ao ter suas mentiras descobertas.
— Matt é meu marido, vovó. Está longe de ser um estranho. Acredito no
que ele me diz.
— Bem, neste caso tenho certeza de que você não irá nos querer aqui
por mais tempo além do estritamente necessário. Nós havíamos planejado
passar alguns dias fazendo-lhe companhia e depois viajar pelos arredores.
Porém assim que seu avô entrar, vou mandá-lo reformular os planos.
Christine nada respondeu, o coração angustiado. Aquela mulher à sua
frente jamais a amara de verdade e o ponto de ruptura a que haviam chegado
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esta noite talvez nunca pudesse ser contornado.
— Ela é minha avó também? — Tessie perguntou enquanto Christine a
ajudava a vestir a camisola.
— Não, querida, não é.
— De qualquer maneira ela não é muito sorridente. Acho que avós
deveriam ser mais alegres.
— Provavelmente você tem razão.
— Mas não preciso de avó. Tenho você, Chris. E nós duas temos
Matthew, não temos, Chris?
— Sim, nós duas temos Matthew — Christine concordou, pedindo a Deus
que fosse verdade.
90
QUINZE
— Sinto vocês não poderem ficar mais alguns dias, Jonathan — Matt
falou cordial.
A mudança de planos havia sido anunciada antes do café da manhã e
aceita com naturalidade, como se nada tivesse acontecido.
— Clara acha o clima daqui enervante. Ela se sentirá melhor quando
formos mais para o norte — o velho cavalheiro explicou, sorrindo para a neta.
Matt olhou de um para o outro, uma expressão desconfiada no rosto.
Algo estava lhe escapando, concluiu.
Clara suspirou e colocou o garfo sobre a mesa sem tocar na comida e
sem disfarçar o desagrado.
— Notei que você deixou de usar luto, Christine — ela comentou seca, as
palavras soando como uma acusação.
Antes que a esposa se recuperasse da surpresa, Matt interveio.
— Pedi a Christine que não usasse os vestidos pretos. Christine teve
vontade de rir. Matt não lhe pedira nada, simplesmente ordenara e agora
mentia com a maior tranqüilidade do mundo.
— O clima daqui é insuportável, muito quente para tecidos pesados.
Christine foi à cidade e comprou o necessário para confeccionar roupas mais
leves e confortáveis. E então, quando nos casamos, pensamos que o resto de
suas coisas viriam logo de Lexington.
— Matt acha que posso honrar a memória de meu pai de outras
maneiras. — Ela ergueu o queixo e enfrentou o olhar desaprovador da avó. —
Gosto das roupas que estou usando e sou grata a Maria por ter me ajudado a
fazê-las.
A verdade não fora bem assim. De fato, para conseguir obrigá-la a
deixar o luto, Matt ameaçara queimar todos os vestidos pretos.
— Bem, estou certa de que seu pai não se importaria de um jeito ou de
outro — Clara falou, cheia de desprezo. — Ele não dava importância a esses
refinamentos.
— Certo, sra. Rawlings — Matt devolveu. — O velho Sam Carruthers não
ligava a mínima para convenções desnecessárias. Ele não se importaria com o
que Christine estivesse usando e minha mãe tampouco precisa que eu use
uma tira preta na manga da camisa. Ela está viva em minha mente, e é o que
conta.
As palavras do marido surpreenderam Christine. Jamais o imaginara tão
eloqüente. De fato, aquela era a primeira vez que o ouvia mencionar a mãe
desde a cavalgada pelas montanhas, semanas atrás. Ela sorriu, ansiosa para
banir qualquer possível estremecimento na frágil relação de ambos,
desencadeado pela chegada inesperada de seus avós.
Christine estava se saindo bem, Matt concluiu, observando-a
atentamente. Bastava que mantivesse a velha senhora sob controle até que
Jonathan a levasse embora da fazenda e da estação de Forbes Junction até
Lexington. Então sua esposa voltaria ao normal.
Exceto pelas olheiras escuras, ela parecia estar dando conta da
situação… Um pouco cansada, talvez, porém firme.
— Faço questão de dizer que se já não tivéssemos duas cozinheiras, eu
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iria lhe oferecer uma bela posição em nossa casa, lá em Kentucky, senhora —
Jonathan cumprimentou Maria, elogiando a fartura e variedade do café da
manhã.
— Pode desistir — Matt retrucou de bom humor. — Vou dar um jeito de
remover a tentação, Maria, levando o sr. Rawlings para um passeio.
— Então quais são os planos, sr. Gerrity? — Jonathan indagou,
acompanhando o caubói até a porta.
— Tenho que ir até a parte norte da fazenda para falar com alguns de
meus homens que estão acampados por lá para cuidar do gado.
— É um belo passeio, vovô. Por que não vamos também, vovó? —
Christine sugeriu.
— De jeito nenhum. Além do calor infernal, duvido que o sr. Gerrity
tenha selas adequadas a damas.
— Você quer vir conosco, querida? — Matt perguntou, ignorando o
comentário insolente de Clara Rawlings.
Christine hesitou por um momento, mas as boas maneiras prevaleceram.
— Não, vou ficar fazendo companhia a vovó. Vocês estarão de volta para
o almoço?
— Eu certamente preciso estar de volta até a hora do almoço — interveio
Jonathan, parecendo pouco à vontade. — Minha esposa e eu deveremos estar
em Forbes Junction até o final da tarde ou perderemos o trem noturno.
— Não se preocupe, o passeio não levará mais do que umas duas horas.
Tessie estará ocupada a manhã inteira com seus estudos, não é, Olívia?
— Eu tenho mesmo que passar a manhã inteira estudando, Matt? —
Tessie remexeu na cadeira, os olhos brilhando de excitação. — Será que não
posso ter um dia de folga e ficar com Chris?
— Acho que abrir uma única exceção não fará mal — Olívia falou, os
olhos velados, uma expressão indecifrável no rosto. — Tenho algumas coisas a
resolver na cidade. Talvez eu use uma das charretes pequenas ou peça a um
dos homens para me levar.
— Então está tudo resolvido. — Satisfeito por as coisas terem se
ajeitado, Matt saiu de casa, acompanhado por Jonathan.
Imediatamente Tessie correu para junto da irmã, um sorriso esperançoso
iluminando as feições frágeis.
— Vamos nos divertir bastante, não vamos, Chris?
— Sim, querida. O máximo possível.
Eles haviam partido e era como se nunca houvessem colocado os pés ali.
Christine repassou mentalmente cada momento da breve visita dos avós,
procurando uma partícula de conforto. Mas nada encontrou. Os Rawlings
tinham ido embora no meio da tarde, deixando-a atordoada, dominada por
uma estranha sensação de derrota. Somente a tagarelice incessante de Tessie
conseguira arrancá-la do torpor em que parecia ter caído. Por fim acabara
cedendo aos apelos da menina e as duas foram pular corda no quintal.
Depois de alguns minutos de intensa atividade, Christine sentou-se num
banco de madeira e examinou as solas dos pés. O sol escaldante esquentara a
areia de tal forma que só por um milagre acabara não se queimando.
— Eu bem que lhe disse para não pular corda descalça — Tessie fez
questão de lembrá-la, sentando-se ao lado da irmã.
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— Quisera que você não tivesse razão — Christine murmurou,
inclinando-se para examinar o estrago. A pele estava muito vermelha, porém
não havia sinal de queimaduras. De repente ela percebeu um movimento atrás
das árvores. — Espionando, sr. Gerrity? — Sem que pudesse evitar, Christine
enrubesceu, tomada por uma emoção profunda. Seu marido passara os
últimos dias tentando protegê-la, temendo que alguém lhe fizesse mal. A
certeza de que Matt continuaria ao seu lado, em todas as circunstâncias, davalhe uma sensação de paz e serenidade porque o amava de todo o coração, com
toda sua alma.
Tudo havia acontecido tão depressa, como um relâmpago numa
tempestade de verão. Não demorara muito a perceber que Matthew Gerrity
possuía o seu coração. Logo se dera conta de que não apenas se sentia “bem”
sendo a esposa de Matt, mas extremamente feliz e orgulhosa. Aquele
sentimento tinha um nome. Amor.
Sentindo lágrimas de pura emoção virem-lhe aos olhos, Christine
levantou-se.
— Onde você vai, Chris? — Tessie indagou, segurando-a pela saia.
— Acho que vou entrar. Está muito quente aqui. — Ela fitou o marido e
levou as mãos ao rosto, tentando disfarçar as lágrimas teimosas.
— Chris? O que houve, querida? — Matt segurou-a pelo braço, confuso.
— Não é nada. Só preciso lavar o rosto. — Desvencilhando-se do
contato, Christine correu, ansiosa para ficar a sós.
— Você não devia tê-la assustado, Matthew! Você fez minha irmã chorar.
— Não se preocupe, pedacinho de gente. Chris está bem. Apenas ficou
tempo demais no sol. E não a assustei, meu anjo. — Matt esforçava-se para
falar com tranqüilidade, embora a reação da esposa realmente o preocupasse.
— Agora vamos entrar, Tessie. Vamos ver o que Maria tem a nos oferecer
numa tarde quente como esta. Aposto que ela fez algo bem gelado para beber.
Os dois entraram na cozinha pela porta dos fundos.
— Maria, o que você tem para refrescar Tessie? Ela e Christine estão se
sentindo um pouquinho indispostas depois de passarem horas sob o sol.
— Talvez um copo de leite? — a empregada sugeriu.
— Arg! — Theresa resmungou. — Não quero leite. Que tal uma
limonada?
— Si, acho que posso dar um jeito. E o senhor, patrão?
— Nada para mim. Quero apenas que você faça companhia a Tessie
durante alguns minutos.
Sem esperar resposta, ele rumou para o quarto onde sabia que Christine
fora buscar refúgio.
Ela estava sentada no meio da cama, os braços passados ao redor dos
joelhos, o corpo frágil sacudido por soluços silenciosos. Christine chorava por si
mesma, por se sentir vulnerável pela primeira vez na vida, por haver permitido
que seu coração fosse conquistado tão facilmente por um homem que casarase apenas para cumprir o dever.
— O que foi, Chris? Você ficou com raiva porque eu a assustei?
— Não.
— Christine? Quer olhar para mim? — Apesar da pergunta, o tom de voz
não deixava dúvidas de que se tratava de uma ordem.
— Eu não sou uma criança — ela respondeu erguendo a cabeça e
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desistindo de esconder as lágrimas. — Não costumo ficar zangada quando
alguém faz uma brincadeira de mau gosto. Posso não apreciar, mas não
emburro.
Aquele casamento havia acontecido por motivos que não incluíam
declarações apaixonadas e promessas de amor eterno. Matt parecia satisfeito
com a barganha e Christine não pretendia ser magoada como o fora tantas
vezes no passado.
Passara anos esperando que alguém lhe demonstrasse o amor pelo qual
ansiava desesperadamente. Primeiro fora o pai que a deixara partir sem
levantar um dedo para impedir a separação. Jamais superara a dor causada
pelo que considerava uma profunda e total rejeição.
Apenas Delilah a tratara com ternura. Porém os abraços e afagos haviam
cessado assim que se tornara uma mocinha, portanto grande demais para ser
confortada pela babá. Com certeza o tratamento rígido e formal que recebera
da avó em nada satisfizera as necessidades de sua alma. Quanto a sua mãe,
jamais recebera dela atenção ou carinho. Lembrava-se da mulher que lhe dera
a vida como uma pessoa insatisfeita, infeliz e amarga até o fim.
— Às vezes me pergunto por que minha mãe se casou com meu pai —
Christine falou de repente, as palavras ecoando pelo silêncio do quarto.
Não era o que Matt esperava ouvir, por isso foi incapaz de disfarçar a
surpresa.
— Mas o que foi que trouxe este assunto a tona? — ele indagou, sorrindo
e abraçando-a com força.
— Não sei — ela admitiu fechando os olhos e entregando-se ao abraço, o
rosto roçando o tecido fino da camisa do marido, os sentidos inebriados pelo
perfume viril que emanava da pele quente. — Tenho tendência a deixar minha
mente vagar.
— Você tem pensado muito no fato de haver se tornado mulher?
A resposta de Christine foi um balde de água fria sobre o orgulho
masculino:
— O que você está querendo dizer com isto, Gerrity? — Ela enrubesceu
até a raiz dos cabelos. — Se está se referindo a minha… — Christine parou no
meio da frase, incapaz de colocar em palavras o que lhe passava pela cabeça.
— Se está querendo dizer o que eu acho que está… bem… deixe-me dizer-lhe
que não é da sua conta.
— Sim, acho que estou me referindo ao que você acha que estou — Matt
devolveu seco. — E é da minha conta sim, sra. Gerrity. Especialmente quando
você fica assim chorosa e começa a agir como… — Ele levantou-se e apertou a
esposa de encontro ao peito, erguendo-a alguns centímetros do chão.
— Quer fazer o favor de me pôr no chão? Meus assuntos particulares não
são para ser discutidos, Gerrity.
— É o que vou descobrir agora mesmo.
— Como? — Ao perceber as intenções do marido, Christine murmurou
debilmente. — Oh, não! Não ouse nem pensar nisto, Gerrity! Ponha-me no
chão. Não me toque!
Rindo diante dos esforços da esposa para afastá-lo, Matt depositou-a na
cama, mantendo-a imóvel com o peso do próprio corpo.
— Me solte, eu disse!
— Não posso. Você está me agarrando pelos cabelos. Bem… se pretende
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continuar tão irritada, vou mantê-la onde está até que recupere o bom humor.
— Sem lhe dar chance de responder, Matt beijou-a na boca com avidez,
inundando-a com a força de sua paixão.
— Estou muito irritada, sabe? — ela murmurou entre um beijo e outro.
— Hum… e agora? — As mãos de Matt seguiam a mesma tática dos
lábios, acariciando, provocando, seduzindo…
— Matt! Quando é que você vai me escutar?
— Claro, querida, você já tem minha atenção.
— Em algum lugar lá fora, Tessie está tentando imaginar o que está
acontecendo dentro destas quatro paredes. Um casal não fica trancado dentro
do quarto a esta hora do dia. — Christine esforçava-se para afastá-lo.
— Bem… Será que sua raiva já terá se esgotado à noite?
— Já não estou com raiva — Christine capitulou, rendendo-se ao charme
devastador do marido.
— Não? Então me diga, querida. O que a fez pensar em sua mãe minutos
atrás? O que você estava lembrando?
— Acho que preciso saber mais a respeito de meu pai — ela respondeu
depois de alguns segundos de silêncio.
— Nunca tive a chance de conhecê-lo de verdade. As lembranças de uma
criança pequena não são muito confiáveis, não é?
Matt balançou a cabeça de um lado para o outro.
— Não sei o que você consegue se lembrar sobre o velho Sam
Carruthers, mas sei de uma coisa que vai ajudá-la a entendê-lo melhor.
Christine ficou imóvel, como se suspensa no ar. De repente era como se
o mundo tivesse cessado de existir, deixando-a insegura a respeito de tudo.
— As cartas, as cartas que Sam lhe escreveu, estão aqui, querida — Matt
falou afinal. — Ele fez questão de guardá-las quando o correio as devolvia,
sem serem abertas. Ele as guardou para você.
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DEZESSEIS
— Christine Gerrity em carne e osso! — Ruth Guismann exclamou
entusiasmada do outro lado do balcão, como se estivesse anunciando a
chegada de uma amiga há tempos desaparecida. — Eu não a vi mais desde a
festa na fazenda. Você veio comprar suprimentos? Pensei que Matt tivesse
mandado alguém anteontem com a lista de mantimentos. Christine corou ao
perceber que diversas cabeças se voltavam na sua direção. Depois de
cumprimentar duas mulheres, de quem não se lembrava o nome, aproximouse de Ruth.
— Preciso apenas de algumas coisas de que Matt acabou se esquecendo.
Ele lembrou-se do café e bacon, por exemplo, porém esqueceu-se de sal e
baunilha. Maria já estava pronta para deflagrar uma rebelião na cozinha, assim
decidi cuidar o assunto.
— Pode me entregar a lista de Maria que eu separo tudo o que for
necessário. Enquanto isto, me conte as novidades.
Uma peça de tecido sobre o balcão chamou a atenção de Christine pela
beleza das cores e delicadeza da estampa.
— Não é uma lindeza? — Ruth indagou, começando a trazer a
mercadoria. — Veio direto de St. Louis, no trem da manhã.
— Acho que daria um belo vestido para Tessie ir à igreja aos domingos.
Pode cortar dois metros para mim, sra. Guismann.
— Ruth — a mulher a corrigiu. — Estou quase terminando de separar as
coisas da lista. Por que não dá uma olhada ao redor e vê se não precisa de
mais nada? Recebi sapatos de crianças também. O par que a mãe de Theresa
comprou para a menina no último outono já deve estar pequeno.
De repente a porta da loja foi aberta e Deborah Hopkins entrou. Ao
avistar Christine, não teve dúvidas quanto a abordá-la, um sorriso falso
emplastrado no rosto.
— Pois não é a noiva em pessoa? — indagou numa voz estridente. —
Não posso acreditar que você tenha deixado Matt longe de suas vistas. Ou será
que o está escondendo atrás do balcão?
Christine cerrou os dentes.
— Olá para você também, Deborah. Puxa, realmente é um prazer vê-la.
Tive medo que as horas passadas na pista de dança a tivessem esgotado, pelo
menos por alguns dias.
— Oh, admito que precisei descansar depois da festa na sua casa. Afinal
tive que dançar com todos os solteiros elegíveis. Sabe, eu até teria despachado
alguns deles na sua direção, porém você estava tão agarrada a Matt que…
bem… — Deborah inclinou-se para frente, adotando um ar conspiratório. —
Sabe, não se consegue segurar um homem grudando-se nele, sendo pegajosa.
— Se há uma coisa da qual ninguém pode me acusar é de ser pegajosa
— Christine retrucou rindo. — E, ao contrário do que você possa pensar ter
visto, eram as mãos de Matt que me seguravam. Ultimamente ele parece não
querer se afastar de mim por um segundo sequer.
— Bem, aquele escândalo que você aprontou com o peão com certeza o
encheu de vergonha. Talvez por isso tenha medo de deixá-la só.
— Escândalo? — Christine indagou seca, considerando a acusação que
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Deborah acabara de fazer.
— Sem dúvida Matt ficou embaraçado com a confusão toda, sabe. Ele
acabou se sentindo um tolo, com você tentando escapar com aquele homem.
— Tolo? Você acha que meu marido se sentiu um tolo por eu quase ter
sido seqüestrada? Pois ouvi dizer que ele se comportou como um herói,
carregando-me para dentro de casa e cercando-me de cuidados. — Apesar das
palavras firmes, Christine estava arrasada com a acusação.
Que Deborah tivesse coragem de sugerir uma coisa daquelas… Que
alguém pudesse acreditá-la capaz de fugir…
— Bem, eu nunca soube de Matt Gerrity cercando uma pessoa de
cuidados, e olha que o conheço há anos — Deborah falou, como se pondo em
dúvida o que Christine acabara de dizer.
Embora estivesse tentando manter a calma e as boas maneiras, as
provocações da outra a forçaram até o limite máximo. Já não valia a pena
controlar-se.
— Claro que ele me cerca de cuidados o tempo todo, sendo um homem
recém-casado. Eu poderia lhe contar… — Christine parou no meio da frase e
cobriu a boca com a mão, sufocando uma risadinha maliciosa. — Mas não,
estando encalhada, por assim dizer, você não poderia entender esse tipo de
coisa… Ou será que sim? Não, claro que não… — ela falou num tom falsamente
delicado, negando o insulto velado.
— Eu poderia tê-lo tido para mim, sabe — Deborah fez questão de
afirmar, em alto e bom som.
— Oh, estou certa de que ele poderia tê-la tido… se tivesse desejado.
Mas pelo que ouvi dizer, Matt não estava muito interessado. Talvez as
amostras que você lhe deu não chegaram a tentá-lo o bastante.
Ruth Guismann aproximou-se, o rosto afogueado, a atenção voltada para
a conversa das duas mulheres.
— Já tenho tudo o que você pediu, Christine. Só falta o tecido. Quantos
metros quer que eu corte?
— Uns dois metros, acho. E também aviamentos para o vestido. Matt me
mandou escolher o que me agradasse. Ele é tão generoso.
Deborah deu um passo para frente e segurou o braço de Christine com
força, enterrando os dedos na carne frágil.
— Não cante vitória antes da hora. Nada estará definido até que você
tenha um filho. E se esse dia não chegar nunca?
A revelação de um detalhe tão íntimo envolvendo a barganha com Matt
fez Christine enrubescer até a raiz dos cabelos.
— O que você sabe sobre isso?
— Minha tia trabalha com o sr. Hooper.
— Pois então ela devia ter vergonha de si mesma ao contar coisas que
não lhe dizem respeito — Christine retrucou com dignidade, desvencilhando-se
da mão que a segurava e indo ao encontro de Ruth.
— Sr. Baines!
— Algum problema, Matt? — o velho xerife indagou, parando no meio da
rua para esperar pelo fazendeiro.
Percebendo a expressão preocupada do outro, sugeriu:
— Que tal tomarmos um café no restaurante do hotel? Lá poderemos
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conversar com mais calma.
— Claro. Eu lhe farei companhia enquanto você come. Mas não está um
pouco tarde para o café da manhã? Ou você tem feito horas extras?
— Não. E que não consigo engolir aquela coisa que Hilda prepara para os
prisioneiros. Meu apetite foi embora quando vi as salsichas gordurosas e
pãezinhos duros que ela colocou no prato de Smokey.
— O que o velho Smokey está fazendo na cadeia?
— Bêbado, como sempre.
— Ele esteve brigando outra vez?
— Não, apenas provocando as pessoas. Precisava esfriar a cabeça, por
isso o levei para a prisão.
A garçonete aproximou-se, trazendo um prato de ovos mexidos e duas
xícaras de café.
— Gostaria de comer algo, sr. Gerrity? — a moça perguntou com um
sorriso.
— Como é que o xerife foi servido tão depressa? — Matt quis saber
curioso. — Mal acabamos de chegar.
— Nós o vimos vindo — a garçonete explicou. — Assim que o xerife sai
do escritório, sempre à mesma hora, o porteiro nos avisa e começamos a fritar
os ovos.
— Obrigado, mas só vou querer café. — Assim que a garçonete afastouse, Matt foi direto ao assunto que o preocupava. — Tenho pouco tempo. Na
verdade, não quero deixar Christine sozinha além do necessário.
— Você a trouxe à cidade hoje?
— Sim. Deixei-a na loja de Ruth com uma lista de compras e mandei-a
esperar por mim lá.
— Então o problema é sério, Matt?
— Sim. Você estava na fazenda, naquela noite da festa, quando
tentaram seqüestrar minha mulher.
— Aconteceu mais alguma coisa desde então?
— Não. Porém não podemos nos esquecer da bala perdida na manhã do
meu casamento.
— Parece que alguém estava caçando, não é?
— Esta é a versão em que minha esposa deseja acreditar. Mas eu não
concordo. Não depois do incidente envolvendo a sela.
— Coincidências demais?
— Vamos dizer que não me sinto muito confortável se não a tenho por
perto. E posso lhe garantir que é muito difícil administrar uma fazenda desse
modo.
— Você tem alguma idéia? — indagou o delegado. — Por que alguém
estaria atrás de Christine? Ninguém aqui tem nada contra ela. Pelo contrário,
todos gostavam do velho Sam Carruthers.
— No início pensei que fosse apenas uma brincadeira de mau gosto,
talvez quisessem forçá-la a voltar para o Kentucky. Porém quando a agarraram
dentro de minha casa, cheguei a conclusão que a coisa era bem mais séria.
Além de tudo, quem me conhece sabe que eu jamais deixaria minha esposa
fugir para o leste, não importando quão apavorada estivesse.
— E ela está?
— Apavorada? — Matt sorriu. — Christine? De jeito nenhum. Enfurecida
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a descreveria melhor. Na verdade, xerife, eu preferiria que ela estivesse um
pouco apavorada. Talvez assim se conscientizasse de que precisa ter cautela.
Infelizmente temo que os problemas não terminaram na noite da festa.
— Seus peões são de confiança?
— Todos trabalham comigo há pelo menos um ano. Nunca tive queixa de
qualquer um deles.
— Você sabe se Clyde Hopkins empregou algum forasteiro para o período
da colheita? Afinal as propriedades de vocês dois são vizinhas.
— Não sei de nada. Também não costumo prestar atenção em rostos
novos.
O xerife pagou a conta e saiu do restaurante, acompanhado por
Matthew.
— Então só nos resta manter os olhos bem abertos. Se eu perceber
algum movimento estranho na cidade, entro em contato com você. E se algo
der errado na fazenda, você sabe onde me encontrar.
— No momento sinto-me como se estivesse de olhos vendados. Não sei
nem por onde começar a procurar. Tampouco imagino porque iriam querer
machucar Christine.
— Por acaso alguém ficou furioso devido ao seu casamento?
— Não, acho que não. A exceção de Deborah, talvez. Porém ela não
chegaria a este ponto.
— Será? Qual é mesmo aquele velho ditado sobre a fúria de uma mulher
rejeitada? — Percebendo a dúvida estampada no rosto de Matt, o xerife
insistiu. — Achei que valia a pena mencionar e também que a possibilidade de
vingança deve ser levada em consideração.
— Eu lhe disse para me esperar na loja de Ruth Guismann — Matt falou
num tom baixo e nervoso.
— E eu lhe disse que fiquei cansada de esperar. — Christine preferiu não
mencionar a discussão com Deborah nem sua saída repentina para tomar um
pouco de ar puro.
— Não a quero andando por aí sozinha.
— Pelo amor de Deus! A única coisa que eu fiz foi subir na charrete. Não
faça tempestade em copo d’água, homem!
Ele tomou as rédeas nas mãos e pôs os animais para andar.
— Você comprou tudo o que precisava?
— Sim — Christine respondeu de mau humor.
— Vi Deborah dentro da loja. Você falou com ela?
— Nós conversamos.
— Que pacote é este?
— Algumas coisas para Theresa. Ela precisa de um vestido novo para ir à
igreja aos domingos.
— Tessie não precisará de um vestido novo para ir à igreja tão cedo.
— Você não está pensando em nos impedir de ir à igreja só porque
algum idiota tentou me…
— Aquele idiota poderia tê-la seqüestrado. Mas está bem, vamos fazer
um trato. Eu mesmo as levarei à igreja.
— Não sei por quê. Que perigo haveria em plena luz do dia?
Em vez de responder, Matt calou-a com um beijo ávido e desesperado.
— Você está realmente preocupado, não é? — Christine indagou ao se
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separarem.
— Me dê apenas um pouco mais de tempo e resolverei o problema. Tudo
dará certo, prometo. Confie em mim.
— Confio em você e sei que tomará conta de mim. Fique tranqüilo, terei
cuidado e farei o que disser.
— Sabe no que estou pensando agora, querida? No que lhe falei outro
dia… sobre as cartas que seu pai lhe escreveu.
— Você sabe onde elas estão? — Christine perguntou ansiosa.
— Claro que sim. Estão num cofre, no escritório.
— Por que não me disse nada antes?
— Talvez porque eu sentisse que ainda não era a hora. Mas agora,
chegou o momento.
Sentada na poltrona do escritório, Christine tinha o maço de cartas sobre
o colo. Era estranho, mas podia sentir a presença do pai ao seu lado.
Dominada pela emoção e quase cega pelas lágrimas, leu as primeiras palavras.
“Minha querida filha,
Peço a Deus que sua mãe leia esta carta para você. Por favor, não se
esqueça de que este seu pai a ama muito e sente uma saudade grande.
Mando-lhe muitos beijos e abraços.
Seu pai que a ama!”
Com dedos trêmulos, Christine guardou a carta no envelope amarelado.
Durante vinte longos anos aquelas palavras haviam permanecido adormecidas,
à espera de serem lidas pela pessoa a quem haviam sido endereçadas.
“Minha querida filha,
Os cavalos foram para as montanhas para escapar ao calor do verão.
Resolvi mandar o seu pônei também, já que ninguém irá montá-lo até a sua
volta. Maria manda-lhe lembranças. Espero que você esteja aproveitando a
visita aos seus avós.
Seu pai que a ama.”
Então seu pai pensara que ela voltaria para a fazenda. Mas o que o
levara a pensar assim? De repente uma folha de papel dobrada caiu de um dos
envelopes. Era o desenho de um pônei cuidadosamente pintado a crayon. Sem
dúvida uma tentativa de mandar uma lembrança do animal de estimação à
filha ausente.
Como sua mãe pudera ser tão cruel a ponto de impedir a filha de manter
contato com o próprio pai?
— Oh, papai — Christine murmurou, o corpo sacudido por soluços
silenciosos.
— Ah, querida, seu pai não iria querer que você chorasse ao ler as
cartas. — Matt aproximou-se devagar e abraçou-a com força. — Ele iria querer
vê-la feliz.
— É tudo tão triste. Por que alguém não me disse que meu pai me
amava? Olhe, este é um desenho do meu pônei. Acho que seu nome era
Ranger.
— O velho Sam sempre teve jeito para desenhar. Este pônei morreu há
100
uns quatro anos.
— Verdade? Se eu tivesse voltado mais cedo, poderia tê-lo encontrado
ainda vivo. Ah, como poderei perdoar meus avós um dia? Tanta dor poderia ter
sido poupada se eu tivesse sabido a verdade sobre meu pai.
— É você quem terá que enfrentar os fantasmas do passado, querida e
quando se sentir pronta para perdoar… Mas duvido que seus avós tivessem
consciência da extensão do mal que lhe causavam.
— Minha mãe devia saber o quanto eu precisava de meu pai.
— Não pense nisso agora. Basta lembrar-se de que seu pai continuou a
amá-la até o fim da vida.
— Oh, papai… Que saudade…
— Os avós dela já partiram.
— Aposto que você esperava que eles a levassem de volta para a cidade
grande, não é? Pelo menos teria servido para me evitar problemas.
— Não seja idiota — a mulher respondeu secamente. — Vai ser preciso
mais do que uma simples visita de dois velhotes para tirá-la do meu caminho.
Ela sabe que tirou a sorte grande ao casar-se com Matt Gerrity e tornar-se
dona de metade da fazenda.
— E qual das duas coisas você mais quer? A fazenda ou Matt Gerrity? É
engraçado pensar que se não for por mim, você não terá nenhum dos dois. —
O homem aproximou-se e tentou tocá-la no rosto. — Não vejo a hora de
experimentar o gosto da sua pele.
— Tire suas mãos de mim. — Ela tentou disfarçar a aversão baixando o
olhar. — Quando terminar o serviço, terá seu dinheiro.
— Não apenas o dinheiro — o homem fez questão de lembrá-la.
— Faça logo o serviço e então…
— Eu poderia fazê-la feliz agora mesmo, querida. O dinheiro fica para
depois.
O bafo de uísque barato era tão nauseante que a mulher deu um passo
para trás.
— Não aqui! Não agora! Preciso entrar ou darão pela minha falta.
— Quero dar cabo logo desse serviço, lady. Mas você terá que me
ajudar. Gerrity vigia a esposa o tempo inteiro.
— Fique atento. Verei o que posso fazer.
101
DEZESSETE
— Será que podemos sair para cavalgar hoje? — Os olhinhos de Tessie
brilhavam esperançosos. — Limpei meu prato. Matt sorriu.
— Ouça, pedacinho de gente, você tem tarefa escolar para fazer.
A menina balançou a cabeça vigorosamente.
— Hoje não. A srta. Olívia diz que mereço um dia de folga porque estou
indo muito bem nas lições.
— Verdade? Você disse isso mesmo, Olívia?
— Se o senhor não se opuser. Afinal, se Theresa estivesse numa escola
normal, ela sequer chegaria perto dos livros durante os meses de verão.
— Quem sabe você também não está precisando de férias? Ainda não
tinha pensado no assunto antes, mas com certeza você gostaria de visitar sua
família, ou amigos.
— Não, sr. Gerrity. Não tenho nenhum lugar em particular para onde ir.
Minha família vive no leste e nunca fomos particularmente unidos.
— Bem, se mudar de idéia, basta me dizer. Quanto aos estudos de
Tessie, acho que durante o verão a carga horária poderá ser reduzida. De
qualquer forma, ela precisa passar mais tempo com a irmã.
— O que eu queria de fato era sair para uma longa cavalgada com Tessie
— Christine interveio. — Estou cansada de ficar trancada dentro de casa.
— Vamos, Chris… você sabe que nós devemos ter cuidado.
— Você está querendo dizer que eu devo ter cuidado, não é? — Embora
soubesse estar sendo rude ao discutir com o marido diante de Olívia, já não
conseguia se conter.
— Christine… — A palavra soou como um aviso.
— Matthew — ela o imitou no mesmo tom. — Preste atenção no que
você está dizendo! Em vez de aceitar um passeio em família comigo e Tessie,
prefere me passar um sermão.
— Um passeio em família? — ele repetiu, como se tivesse acabado de
escutar a coisa mais estranha do mundo.
— Você está dizendo “não” antes de sequer considerar a idéia.
— Isto aqui é uma fazenda, Christine, e eu a administro. Se não
mantenho as coisas sob controle, logo estaremos com sérios problemas. Não
tenho tempo para “passeios familiares” e tampouco tenho tempo ou disposição
para discussões inúteis. Além de tudo, uns dois dias atrás, você disse que faria
o que eu lhe pedisse.
— Eu sabia que você iria trazer este assunto à tona. Embora possa ter
lhe passado despercebido, sei muito bem quais são suas obrigações por aqui.
Pena que seus deveres não incluam a Tessie e a mim.
— Ouça, lady, estou envolvido até o pescoço com você. — A voz de Matt
soava quase inaudível, como se a raiva o impedisse de elevar o tom. — Tessie
não está fazendo nenhuma reclamação e, caso sua memória fosse boa, iria
lembrar-se que já lhe devotei um dia inteiro desta semana.
— Mas naquele dia você já estava planejando ir à cidade para falar com
o xerife. Eu simplesmente o acompanhei.
— Se vocês me dão licença, vou para o meu quarto agora — Olívia falou
levantando-se da mesa.
102
— Veja o que você fez — Christine acusou o marido. — Acabou
embaraçando Olívia.
— Eu a embaracei? Eu?
Theresa olhava de um para o outro, os olhos cheios de lágrimas.
— Eu não queria mesmo ir cavalgar — a menina falou angustiada. —
Vamos, Chris, vamos ler um livro ou brincar de outra coisa qualquer. Acho que
Matthew tem muito trabalho para fazer.
Matt inspirou fundo e passou as mãos pelos cabelos, considerando a
questão.
— Escutem vocês duas. Vamos fazer um trato, está bem? Vou passar a
manhã inteira cuidando dos assuntos mais urgentes e depois do almoço
sairemos para um passeio até o riacho do pasto norte. Talvez Tessie possa
nadar e brincar sob as árvores. Que tal?
— Oh, Matthew! Eu te amo muito! — Tessie exclamou feliz, atirando-se
nos braços do irmão. — Agora você tem que beijá-lo também para agradecer,
Chris.
— Isso mesmo. — Matt colocou a irmãzinha no chão e aproximou-se da
esposa, um brilho decidido no olhar.
— Matt, não! — Christine protestou, envergonhada diante da menina.
Ignorando o apelo, ele se apossou dos lábios tentadores, beijando-a até
ficarem sem fôlego, para a delícia de Tessie.
— Patrão, detesto dar a impressão de estar fazendo fofoca, mas acho
que você vai ter que tomar uma atitude em relação ao peão que contratou no
ano passado.
Matt e Claude estavam junto à porteira do curral, observando os cavalos
trazidos de Kentucky.
— Você está falando de Kane? — Matt indagou, imediatamente alerta.
— Sim. Acho que o homem tem faltado ao trabalho.
— Mas ele foi contratado para ficar com o rebanho, nas montanhas.
Como é que você poderia saber se está ou não faltando ao trabalho?
— E aí que está o problema. Tucker o viu na cidade um dia desses. Kane
tentou passar despercebido, porém quando se deu conta de que não havia
jeito, quis obrigar Tucker a jurar que não contaria nada a você.
— Essa história não me cheira bem. Por que Kane iria à cidade quando
deveria estar trabalhando?
Claude deu de ombros e cocou a testa enrugada.
— Não sei… Talvez tivesse ido visitar uma das mulheres lá… do bar. Você
sabe o que estou querendo dizer.
— Se ele estava neste estado, deveria ter pedido que alguém o fosse
substituir por uma noite. O que não posso admitir é que um empregado
abandone um posto sem comunicar nada a ninguém.
— E não foi a primeira vez que Kane largou o serviço sem avisar —
Claude arrematou evasivo.
— Você andou me escondendo informações?
— Não, patrão. É que procurei eu mesmo resolver o problema, achando
que a situação não se repetiria. Mas vejo que enganei.
— Droga! Nesta época do ano é difícil arranjar ajuda extra, já que todos
os peões estão contratados para a temporada.
— Tem razão. Você vai falar com Kane, patrão?
103
— Não hoje. Preciso terminar alguns serviços agora de manhã e à tarde
prometi levar Christine e Tessie até o riacho, no pasto norte. Ambas estão
precisando sair um pouco de casa.
O riacho estava cheio, a água borbulhando pelo leito de pedrinhas
brancas. Com a calça comprida arregaçada até a altura dos joelhos, Tessie
brincava na beira d’água.
— Papai comprou calças de meninos para que eu pudesse montar — ela
havia explicado orgulhosa a Christine, na primeira vez que saíram juntas para
cavalgar.
— Fico feliz que você se lembre de tanta coisa sobre seu pai — Christine
respondera com uma pontada de inveja.
— Ele era seu pai também. Não se lembra dele?
— Não muito, querida. Apenas um pouco.
— Então tenho pena de você, Chris. Sinto saudades de meu pai e de
minha mãe. Mas quando a saudade aperta, fico lembrando das coisas boas que
tivemos juntos.
Se pouco afeto tivera na infância, pelo menos podia se sentir consolada
agora, Christine pensou. Finalmente conseguira conquistar a confiança de
Tessie e uma parcela do amor da menina. Já era um bom começo.
Olhando para Matt deitado sobre a grama, à sombra de uma árvore, ela
percebeu que seria impossível continuar vivendo se algo acontecesse àquele
homem. Não se cansava de admirá-lo, como se de fato só tivesse começado a
existir quando o conhecera. Christine sorriu. O destino de uma pessoa era
mesmo imprevisível.
— Alguma coisa engraçada, querida? — Matt indagou preguiçosamente.
Atento a cada movimento da esposa, fora fácil notar quando ela se voltara
para fitá-lo. O calor que emanava dos olhos azuis tinha o poder de aquecer-lhe
a alma. Estou ficando envolvido por esta mulher, ele pensou surpreso. E muito
mais do que eu poderia sonhar.
— Não, não é nada engraçado. Estou apenas apreciando a tarde. — Nem
por um segundo ela iria admitir seu interesse irrefreável pelo corpo atlético e
viril. Matt era tudo o que uma mulher poderia querer. Por isso entendia a
decepção de Deborah e de tantas outras que se empenharam na conquista de
Gerrity.
— Por que você está sorrindo com esse ar de satisfação, Chris? Até
parece uma gata que acabou de comer um rato.
— Eu não! Estava apenas pensando que você bem merece uma soneca
no meio da tarde. Afinal um homem da sua idade tem que descansar — ela o
provocou, sentando-se ao lado do marido e ajeitando a cabeça dele sobre o
colo.
— Preciso descansar porque alguém me manteve acordado boa parte da
noite. Uma certa mulher não me deu sossego. Logo eu, um homem já velho,
precisando de descanso.
— Ouça o que você está dizendo, Gerrity. Lá estava eu, tentando dormir
e você ficava… bem, você não parava de…
— Sobre o que vocês estão falando? — perguntou Tessie, interessada na
conversa dos adultos. — Você a está perturbando de novo, Matt?
— Não, estou apenas brincando com sua irmã, pedacinho de gente. Acho
que ela está precisando molhar os pés e se refrescar um pouco.
104
— Então Christine pode brincar comigo no riacho?
— Claro que sim. — Em questão de segundos Matthew arrancava as
botas e as meias da esposa.
— Ei, mas essas meias são minhas — ele falou num tom de falsa
acusação.
— Apenas as peguei emprestadas. As suas são mais curtas e menos
quentes que as minhas.
— Bem, então você andou remexendo nas minhas gavetas, hein? E
posso saber o qué mais tem consigo que pertence a mim? — Num movimento
inesperado, Matt arrastou Christine para a grama, um braço passado ao redor
da cintura delicada para impedi-la de levantar-se.
— Me solte, Gerrity! — Christine pediu tentando parar de rir. — Não
tenho mais nada que lhe pertence. Nada iria me servir além das meias! Você
pensa que é durão, não é, me segurando dessa maneira?
— Sim, tenho certeza de que sou mais durão do que uma certa garota
cheia de dengos que chegou da cidade grande — ele respondeu provocando-a.
— Deixei de ter dengos há muito tempo e você sabe disso, seu caubói
grande e feio.
— Vamos, não o deixe escapar, Chris! — Tessie a animava do riacho,
divertindo-se com a cena sob as árvores. — Faça alguma coisa.
Mudando de tática, Christine ajoelhou-se, chegando bem perto do
homem que a segurava. Deslizando as mãos pelo peito forte, começou a fazer
cócegas perto das axilas.
— Ah… isto não é justo! — Matt gemeu, contorcendo-se de rir enquanto
tentava livrar-se dos dedos pequeninos e ágeis que o atormentavam.
— Ele está sentindo cócegas! — Tessie gritou entusiasmada. — Você
finalmente conseguiu pegá-lo!
— OK! Desisto! Desisto! — Matt agitava as mãos no ar, louco para se
libertar do suplício. — Você não joga limpo, Christine Gerrity.
— Ah, e quem é que tem coragem de dizer uma coisa dessas? —
Percebendo que o marido ainda não se dera por vencido, Christine correu para
o riacho, tendo o cuidado de segurar a saia-calça acima dos joelhos.
Matt parou na margem, preferindo não molhar as botas.
— Você acha que levou a melhor e conseguiu me escapar, não é?
— Infelizmente apenas por um momento — ela admitiu com uma risada.
— Mas pelo menos estou me sentindo refrescada.
Com os cabelos desalinhados e banhados pelo sol, os olhos azuis
brilhantes e a saia-calça erguida muito acima dos joelhos, sua esposa oferecia
uma visão tentadora.
— Você é linda, Christine Gerrity — ele murmurou, o coração dominado
por uma emoção devastadora.
— Matt? Por que está me olhando desse jeito?
Incapaz de responder, ele continuou a fitá-la, como se quisesse imprimir
na memória cada traço do rosto delicado, cada linha do corpo bem feito.
— Matt? — Christine tornou a repetir, aproximando-se do banco de areia
onde estava o marido.
— Venha, Chris, eu lhe dou a mão para ajudá-la a subir.
— Pode deixar que eu a ajudo — Tessie ofereceu. — Está um pouco
escorregadio perto da margem.
105
— Obrigada, querida — Christine agradeceu com um sorriso. — Você
precisa apenas me dar um empurrão quando eu colocar um pé sobre o banco,
está bem?
— Está bem! Prepare-se!
Com a mão estendida, Matt ajudou a esposa a sair do riacho,
envolvendo-a num abraço carinhoso.
— Você consegue sair sozinha, pedacinho de gente? — ele indagou,
pronto para ajudar caso Tessie encontrasse alguma dificuldade.
— Claro que sim. — Em menos de dez segundos Tessie subia no banco
de areia. — Creio que devíamos comprar uma calça comprida para Chris usar,
Matt. Assim ela não precisaria ficar se preocupando em segurar a saia o tempo
inteiro. Por que não fazemos isto?
— Verdadeiras ladies não usam calça comprida; de acordo com a avó de
sua irmã.
— Bobagem. Chris não é uma lady. Ela é apenas Chris.
— Ouviu bem? — Matt perguntou à mulher que continuava a abraçar,
num gesto possessivo. — Você não é uma lady. Sua irmã acabou de deixar
este detalhe bastante claro.
— Então como você me definiria, Gerrity?
— Eu diria que você é mulher da cabeça aos pés — ele respondeu num
tom francamente apreciativo.
— Não posso continuar me esgueirando para me encontrar com você — o
homem falou irritado. — Não preciso que você fique me vigiando o tempo todo.
— As coisas estão paradas — a mulher reclamou. — Quando é que você
pretende resolver o assunto? Será que vou precisar contratar uma outra
pessoa para fazer o serviço?
— Não! — Aquela única palavra soou dura e seca. — Preciso apenas ter
certeza absoluta de que as coisas vão acabar bem para mim. Quando tudo
terminar, não quero ter dúvidas de que receberei o combinado.
— Que tal uma amostra? — ela sussurrou provocante, aproximando-se
da figura alta sob a árvore. Apoiando as mãos nos ombros masculinos, um
brilho sedutor no olhar, ela ficou na ponta dos pés e plantou um beijo nos
lábios finos. Imediatamente o homem reagiu.
Ele a abraçou sem nenhuma delicadeza, obrigando-a a jogar a cabeça
para trás enquanto se apossava da boca entreaberta. Numa reação instintiva,
a mulher se retraiu, tentando afastá-lo.
— Quieta, mulher — ele grunhiu, negando-se a soltá-la. — De qualquer
maneira, você me deve isto. Há semanas não faz outra coisa a não ser me
provocar e me excitar com promessas e olhares. Estou apenas querendo um
beijo ou dois. Quando esta história chegar ao fim, terei muito mais do que uns
beijinhos apressados, para não mencionar o dinheiro combinado. Você tem
sorte, se não estou exigindo o pagamento integral agora.
Ela ficou tensa, prendendo a respiração para não ser obrigada a suportar
o cheiro de suor daquele corpo pouco asseado.
— Só um beijo — concordou afinal, sabendo que se encontrava numa
situação precária. — Estamos num local aberto, seu tolo. Seja rápido.
— Eu daria tudo por uma noite escura agora — ele murmurou roçando-a
nos lábios outra vez.
106
— Só que estamos em plena luz do dia, idiota. Volte para o lugar de
onde veio. Não quero vê-lo até que o serviço seja feito. Estou cansada de
esperar.
— O mesmo digo eu, lady.
107
DEZOITO
— “Até nos encontrarmos… até nos encontrarmos… Que Deus esteja com
você até nos encontrarmos outra vez.” — A vozes se erguiam em harmonia,
ressoando pelas paredes de madeira. Os bancos estavam lotados. Senhoras
abanavam-se com leques enquanto os homens usavam lenços brancos para
limpar o suor que lhes escorria pela testa e pescoço. O alívio trazido pelo canto
final era palpável, pois a congregação já não suportava o ar abafado dentro da
igreja.
Sentado junto a uma janela, Matt tentava tirar proveito da brisa suave
enquanto prestava atenção às palavras de Josiah Tanner. Ir à igreja nunca fora
prioridade em sua lista de afazeres, mas felizmente a experiência não estava
sendo tão negativa quanto temera. Há anos não assistia a nenhum culto,
porém hoje era diferente. Christine pedira sua companhia e por Christine…
— Prazer em vê-la esta manhã, sra, Gerrity — Josiah falou, parado junto
à porta para despedir-se dos paroquianos. — Que bom que o sr. Gerrity
conseguiu vir também.
Matt fitou-o desconfiado, contudo não percebeu qualquer sinal de malícia
no comentário.
— Foi uma boa palestra a que você deu, reverendo.
— Sermão, Gerrity — Christine corrigiu-o num murmúrio.
— Ele entendeu o que eu quis dizer, Chris.
— Não importa do que seja chamado, desde que a congregação entenda
a mensagem — Josiah Tanner respondeu de bom humor.
Depois de despedirem-se do reverendo, os Gerrity foram atrás de Tessie.
A menina conversava animada com uma outra garotinha, também da mesma
idade.
— Parece que Tessie descobriu uma amiga — Christine comentou
baixinho.
— É a filha de Josiah. As duas brincavam muito juntas até a morte de
minha mãe. Depois passaram a quase não se ver. Você já deve ter percebido
que em termos de freqüentar igrejas, deixo muito a desejar.
— Talvez pudéssemos convidar a menina para passar o dia na fazenda.
— Não posso fazer isto, querida. Já foi arriscado tê-la trazido e a Tessie à
igreja. Não é certo colocar uma terceira pessoa em risco até que as coisas
sejam esclarecidas.
— Suponho que você tenha razão. Eu só queria que Tessie tivesse
amiguinhas.
— Matt, esta é Rose — Tessie falou aproximando-se e trazendo a garota
pela mão. — Eu costumava me encontrar com ela aqui quando mamãe…
Percebendo a emoção da irmã, Christine apressou-se a abraçá-la.
— Fico feliz que você tenha se encontrado com sua amiguinha, querida.
Talvez no próximo domingo Rose possa passar a tarde conosco. Não seria
divertido?
— Eu gostaria muito, Chris. — As duas meninas deram-se as mãos e
saíram correndo para as charretes.
— Olhem, são os recém-casados! — Ruth Guismann exclamou,
afastando-se do grupo de senhoras com quem conversava. — Nós estávamos
108
planejando visitá-la, Christine. Você sabe que fizemos uma colcha para lhe dar
de presente.
Sabendo que a esposa logo seria cercada por um bando de senhoras,
Matt achou melhor afastar-se. Hilda Schmidt não tardou a sugerir:
— Talvez amanhã fosse um bom dia. Você poderia pedir ao sr. Guismann
para tomar conta da loja durante a parte da manhã, Ruth. Partiríamos para a
fazenda Carruthers cedo e estaríamos de volta à hora do almoço.
Ruth concordou com a sugestão, já fazendo planos para o dia seguinte.
Christine não estava acostumada a tanta informalidade, pois sua experiência
anterior deixava claro que as pessoas esperavam ser convidadas antes de
aparecerem na casa de alguém. Obviamente as damas de Forbes Junction
tratavam a questão de maneira mais direta. De qualquer maneira, teria
companhia amanhã de manhã. Pediria a Maria que preparasse bolos e
pãezinhos para servir às visitas.
— Será um prazer recebê-las — ela falou delicada.
— A esposa do reverendo Tanner e Júlia Hooper também irão — disse
Ruth.
— Mas você não precisa se preocupar em preparar nada — Hilda Schmidt
apressou-se a dizer, como se tivesse lido sua mente. — Queremos apenas lhe
fazer uma visita e levar a colcha.
— Vou esperá-las então. Agora, se me dão licença, meu marido está me
aguardando para irmos embora. Até logo.
Matt e Tessie de fato já estavam na charrete, prontos para partir.
— Talvez Rose vá à fazenda amanhã, acompanhando a mãe — Christine
contou à irmã, satisfeita em poder dar a boa notícia.
— Amanhã? — Matt indagou curioso. — O que tem de especial amanhã?
— Algumas senhoras irão me fazer uma visita. Ruth, Hilda, a sra. Hooper
e a esposa do pastor Tannes.
— Você acha que passarão o dia todo?
— Claro que não! — Christine exclamou alarmada.
— Pensei que talvez elas preferissem uma longa visita. E seria bom para
você ter um pouco de companhia. — O que a ajudaria a manter-se afastada de
qualquer confusão, ele completou mentalmente.
— Acho que elas ficarão apenas uma ou duas horas na fazenda. —
Christine fitou o marido, dominada por uma emoção tão repentina quanto
intensa. Este homem é meu, ela pensou possessiva. Talvez Matt ainda não
houvesse percebido, mas um dia iria lhe contar, lhe falar desse amor há meses
guardado dentro de si. Numa reação instintiva, aproximou-se um pouco mais e
descansou a cabeça no ombro forte, procurando aconchego.
— Você está bem, Chris?
— Sim, estou — ela o reassegurou tranqüila.
Satisfeito com a resposta, Matt fixou o olhar no horizonte, atento a
qualquer movimento suspeito ou sinal de perigo. O resto do trajeto até a
fazenda foi feito num silêncio longo e confortável.
Rose mal esperou a charrete parar para saltar e correr ao encontro da
amiguinha. As duas meninas não cabiam em si de satisfação com a
possibilidade de passarem algum tempo juntas. Depois de pularem corda e
brincarem com o jogo de varetas, divertiram-se montando o pônei de Theresa,
sob o olhar vigilante de Claude. Somente quando o sol já estava a pino é que
109
buscaram refúgio no celeiro.
À hora do almoço as senhoras voltaram para a cidade levando Rose
também, para o desconsolo das duas amigas.
— Não sei por que Rose não pôde ficar mais — Tessie choramingou, mal
olhando para a comida no prato. — Talvez até passar uns dias aqui.
— Não esta semana, querida — Christine falou gentil.
— No momento há muita coisa que precisa ser resolvida, pedacinho de
gente. Prometo que Rose virá visitá-la de novo.
A criança empurrou o prato para o lado sem esconder a irritação.
— Se você não pode sentar-se direito e almoçar, é melhor que vá para o
seu quarto. — A voz de Matt soou dura e firme.
Sem dizer uma palavra, Tessie levantou-se e saiu da sala, os lábios
cerrados num sinal evidente de mau humor.
— Matt, por favor. — Christine pediu.
— Ela tem que aprender que nem sempre podemos ter tudo à nossa
maneira.
— Pelo menos você poderia ter sido um pouco mais delicado.
— Vocês duas precisam aprender a seguir ordens.
— Quando nos casamos, prometi apenas obedecê-lo, não seguir ordens
como um peão.
Ele suspirou, como se pedisse paciência aos céus.
— Não comece agora, Chris. Tenho a tarde inteira ocupada e não posso
sequer pensar em tomar conta de você ou Tessie. Por favor, fiquem em casa,
está bem?
Christine tinha que admitir que o pedido do marido era justo. Ele estava
atolado de serviço e mal teria tempo de respirar. Para que sobrecarregá-lo
com preocupações que podiam ser evitadas?
— Está bem. Ficarei em casa e manterei um olho em Tessie.
A tristeza daquela história nunca deixava de comovê-la e hoje não era
nenhuma exceção. Christine enxugou as lágrimas que quase a impediam de
enxergar a página aberta diante de si. Um Conto de Duas Cidades era um livro
que já havia lido várias vezes, porém seus heróis de eras passadas
continuavam a emocioná-la com a sua saga de grandeza e tragédia.
De repente ela se deu conta de que há horas não sabia de Tessie.
Provavelmente a garota tinha tirado uma soneca e agora brincava com a
boneca. Decidida a falar com a irmãzinha, Christine guardou o livro na estante
e rumou para o quarto da menina. Depois de uma breve batida à porta,
entrou. O quarto estava vazio, a janela aberta para o pátio, as cortinas
afastadas.
— Tessie? — ela chamou, embora soubesse que ali dentro não havia
ninguém. Quem sabe a garota não estava com Maria, atormentando a pobrecoitada como sempre?
Mas nem sinal de Tessie. A cozinha estava deserta. Maria foi encontrada
na varanda, cochilando sobre uma panela de feijão que ainda não terminara de
catar.
— Tessie não está aqui? — Christine indagou, vasculhando o quintal com
o olhar à procura da figura pequenina.
— Ela não está com você? — Maria esfregou os olhos, espantando os
110
últimos vestígios de sono. — Ou no quarto brincando?
— Não. Eu estava lendo e quando fui procurá-la, não consegui achá-la.
— Ela não teria saído por aí sozinha — a empregada falou decidida. —
Não há nada que uma criança pudesse querer fazer no pasto sob este sol
escaldante.
— Onde está Olívia? — A voz de Christine traía nervosismo e urgência. —
Talvez a professora a tenha levado para um passeio ou algo assim.
— Hum, duvido. Não vi Olívia a tarde inteira. Ultimamente aquela mulher
nunca parece estar por perto. Acho que enfim ela desistiu do sr. Matt e
resolveu contentar-se com um dos peões.
— Não imagino que um peão faça o seu estilo. — O espanto no rosto de
Christine era óbvio. — Mas se Olívia não está com Tessie, talvez seja melhor
eu ir dar uma olhada no celeiro.
O curto trajeto até o celeiro nunca lhe pareceu tão longo. Christine
estava ofegante, o coração batendo descompassado no peito, um medo terrível
rondando-lhe a alma.
O ar parado e o céu muito azul a faziam pensar num mau presságio.
— Não, senhora, estou certo de que não a vi — Claude falou tirando o
chapéu e passando as mãos pelos cabelos ralos. — Pensando bem, o cavalo
dela estava no curral à hora do almoço. Talvez… Não, um dos homens
provavelmente levou o animal para fazer um pouco de exercício.
— O cavalo dela? — O coração de Christine disparou ainda mais.
— Vamos dar uma olhada na baia onde fica o pônei. A baia estava vazia
e Christine sentiu um aperto no coração, como se a angústia repentina
ameaçasse sufocá-la.
— Talvez ela esteja perto do curral. Talvez não a tenhamos visto —
Claude murmurou, começando a ficar preocupado. — A senhora não acha que
a garotinha sairia para cavalgar sozinha, acha?
— Francamente não sei. Ela estava irritada com Matt à hora do almoço e
ele a mandou para o quarto.
— Sim, o patrão me contou. Mas a menina sempre soube que não deve
sair para cavalgar sozinha — o empregado insistiu. — Vou dar uma olhada por
aí e ver se posso encontrá-la.
— Sele o meu cavalo. — O tom de voz de Christine não deixava margem
a discussões e Claude não teve outra alternativa a não ser obedecer, apesar de
relutante.
— Não sei se a senhora deveria sair sozinha. O sr. Matt não vai gostar
nada quando descobrir.
— O sr. Matt não está aqui. Eu estou.
Depois de terminar os negócios na cidade, Matt resolveu passar
rapidamente na loja de Abraham Guismann antes de ir ao Golden Garter tomar
uma cerveja para aliviar o calor.
— Ouvi dizer que o xerife irá até sua fazenda hoje a tarde. Parece que é
importante — Abraham o avisou.
— E mesmo? — Matt era todo atenção.
— Talvez ele ainda esteja na cidade, pois passou aqui na loja a menos de
meia hora.
Não havia ninguém no escritório do xerife e Matt ficou algum tempo na
calçada, considerando o que fazer a seguir.
111
— O xerife está lá no hotel — informou-lhe um menininho. — Ele foi
atrás do assistente.
— Obrigado, filho.
Matt atravessou a rua quase correndo, certo de que encontraria
problemas pela frente.
— Tenho uma coisa para lhe mostrar, Matt — o xerife foi logo dizendo,
assim que o viu aproximar-se. — Um pôster chegou pelo correio hoje a tarde e
quero a sua opinião. Eu estava indo para a fazenda Carruthers.
— Onde está o pôster?
Hailey tirou um pedaço de papel, todo dobrado, do bolso da camisa e
mostrou-o a Matt.
— O desenho não está muito nítido, mas eu poderia jurar que se parece
com um de seus peões. Diz aqui que ele está sendo procurado por haver
matado um homem numa briga de bar, no Texas.
— Deixe-me ver. Ah, droga! — Matt fechou os olhos e balançou a cabeça
com raiva.
— O que você acha?
— Você sabe o que eu acho, Hailey. Se este não for Kane, é o irmão
gêmeo. E pensar que estou pagando um pistoleiro.
— Vá pegar os cavalos, rapaz — o xerife ordenou ao assistente. —
Temos um trabalho a fazer.
— Meu cavalo está perto da loja de Otto Schmidt. Encontro vocês aqui
num minuto.
— Matt? — O chamado repentino o fez virar-se. Hailey Baines estava
parado no meio da rua, uma expressão tensa no rosto.
— Onde está Christine?
— Christine? — Matt repetiu, sentindo uma onda de apreensão engolfálo. — Ela me prometeu que não sairia de casa hoje a tarde. Só peço a Deus
que tenha mantido a promessa.
— Talvez não haja uma conexão.
Apesar das palavras do xerife, nenhum deles parecia convencido de que
tudo o que acontecera fora mera coincidência.
112
DEZENOVE
A água do riacho estava tão fresca, borbulhante e gostosa quanto da
última vez em que ela estivera ali. Mas hoje era diferente, Tessie pensou
desconsolada, andando sem muito entusiasmo pelos bancos de areia.
A srta. Olívia dissera que seria um segredo, que não precisariam contar
nada a Matt sobre o passeio, porém tão logo a casa desaparecera de vista,
começara a se preocupar. Só que o que estava feito estava feito e não havia
como voltar atrás.
— Tudo dará certo… — Tessie murmurou para si mesma. — A srta. Olívia
sabe onde eu estou e ela falou que ia mandar Christine me encontrar aqui
daqui a pouco. — A menina sorriu, aliviada. A raiva que sentira do irmão à
hora do almoço e o incentivo da professora fora o que bastara para justificar
aquele passeio ao norte da fazenda.
— Matt vai se arrepender de ter ficado bravo comigo quando não
conseguir me encontrar em lugar nenhum.
O pônei pastava sob a sombra das árvores, as rédeas jogadas sobre um
arbusto. Tirar o animal do curral sem permissão já mereceria um castigo sério,
conforme Matt a avisara. Talvez acabasse levando umas cintadas desta vez.
— Eu realmente estou com raiva de você, Matthew.
Você ficou bravo comigo… Será que já está preocupado porque eu
desapareci?
O calor insuportável e o silêncio do lugar, quebrado apenas pelo
murmúrio da água, acabou deixando-a sonolenta. Tessie bocejou e procurou
um cantinho qualquer, protegido pela sombra.
Vencida pelo cansaço, deitou-se na grama macia, ajeitou a cabeça sobre
o braço e fechou os olhos.
— Vou descansar só um pouquinho antes de voltar para casa. Por que
será que Chris ainda não veio encontrar-se comigo? Aposto que Maria vai ficar
furiosa. — Com lágrimas nos olhos, adormeceu.
A cavalgada até o local onde haviam feito o piquenique não lhe parecera
assim tão longa quanto hoje, Christine pensou impaciente. Aquela tarde tinha
sido alegre, divertida, e deixara-lhe apenas lembranças doces. Matt nunca
estivera tão relaxado, tão brincalhão, tão pronto a dar risadas.
Com certeza Tessie tinha ido para lá.
— Se ela não estiver junto ao riacho, não sei onde procurar — Christine
murmurou, lutando para dominar a preocupação crescente.
A menina devia ter ficado desapontada ao perder a companhia de Rose e
por isso desafiara os adultos.
— Eu devia ter passado a tarde inteira com minha irmã — ela continuou,
culpando-se pela situação. — Talvez Olívia esteja com Tessie… Oh, Deus,
ajude-me a encontrá-la sã e salva…
Dominada pela urgência, Christine pôs Fancy a galope, ansiosa para
chegar ao lugar do piquenique. Tão atenta estava à visão repentina do pônei
da irmã, amarrado sob as árvores, que não reparou num cavaleiro solitário, a
menos de quinhentos metros de distância.
113
Ela abaixou-se na sela para passar a mão pelo pescoço de sua montaria,
incitando-a a ganhar mais velocidade. De súbito, vindo da sua esquerda,
escutou o som de um tiro. Segurando as rédeas com firmeza, virou-se para
olhar na direção de onde partira a ameaça inesperada. O cavaleiro
aproximava-se a toda, o rifle apontado para o alto.
— O que diabos… — Christine tentou enxergar o rosto do agressor, mas
uma bandana escura tapava-lhe parte das feições. Foi a certeza de que Tessie
estava em perigo o que a obrigou a agir com frieza. Ela puxou as rédeas de
Fancy e ficou imóvel, aguardando. — Oh, Deus — implorou baixinho. — Não
permita que nada de ruim aconteça a minha irmã.
— Você é uma dama inteligente — o cavaleiro falou debochado,
emparelhando o cavalo ao dela. — Imaginei que o som de uma bala atrairia
mesmo a sua atenção.
— Quem é você? O que quer de mim? — Christine esforçava-se para
manter a calma, torcendo para que o desconhecido não percebesse o pônei
pastando, algumas poucas centenas de metros adiante.
Foi com dificuldade que enfrentou o brilho do olhar malicioso. Só de
pensar naquelas mãos tocando-a tinha vontade de gritar de nojo e pavor.
— Você é o mesmo que me atacou na varanda de casa, não é?
A bandana passada sobre o nariz e a boca não escondiam o sorriso
perverso.
— Me reconheceu, hein? — Ele aproximou-se um pouco mais, uma corda
pronta nas mãos. — Se você está pensando que não sei o paradeiro de sua
irmãzinha, é bom mudar de idéia. A pequena Tessie está logo ali, junto ao
riacho. — As palavras soavam ameaçadoras, fazendo-a estremecer.
Com o coração batendo furiosamente no peito, Christine tentou decidir
qual atitude tomar. Sua primeira preocupação era afastá-lo de Tessie e não
havia nenhuma garantia de que entregar-se sem resistir iria mantê-lo longe da
criança. Fingindo surpresa, ela ergueu-se na sela e olhou por trás dos ombros
do cavaleiro.
— Quem é que está vindo lá longe?
— Onde? — O homem virou-se para trás, vasculhando o horizonte.
Foi exatamente o que Ghristine esperava que ele fizesse. Sem vacilar,
ela meteu as esporas em Fancy e incitou-a a uma corrida desesperada,
sabendo que não teria outra chance de escapar.
Seu único objetivo era afastar-se o mais possível do riacho e de seu
perseguidor. Christine e a égua voavam na direção nordeste, para longe do
cavaleiro enfurecido que a seguia aos berros. A certeza de que a cada segundo
a casa da fazenda se distanciava era angustiante, porém proteger Tessie
estava acima de tudo.
Foi então que um outro cavaleiro apareceu, vindo exatamente na sua
direção, como se aguardasse aquele encontro. Mas não era um homem,
Christine descobriu assombrada. Com uma expressão de triunfo no rosto e
uma arma na mão, a mulher lhe sorria irônica.
— Olívia — Christine murmurou, puxando as rédeas do cavalo devagar.
— Fique parada onde está — a professora ordenou, puxando o gatilho.
— Olívia! — ela repetiu, começando a compreender tudo.
— Fique onde está — o homem falou, chegando por detrás.
Cercada de ambos os lados e sem nada a perder, Christine sabia que
114
enfrentava uma situação desesperadora. A frente ficavam as montanhas. Suas
chances de escapar eram praticamente inexistentes, mas não pretendia
entregar-se sem lutar.
Fancy reagiu imediatamente ao leve toque de seus pés e explodiu numa
correria desabalada, pegando os inimigos de surpresa.
— Aquela vaca! — o homem xingou furioso.
— Chamá-la de nomes não vai servir para nada. Atire nela! Mire e atire
agora.
— Vou alcançá-la. — O cavaleiro saiu atrás de sua presa, determinada a
não deixá-la escapar.
— Seu imbecil. Eu mesma cuido disso então. — Olívia apoiou o rifle no
ombro e tentou focalizar as costas de Christine, mas a velocidade do purosangue era tão grande que a impedia de enxergar com clareza.
Quando finalmente atirou, o cavalo pareceu tropeçar antes de cair no
chão, esvaindo-se em sangue.
— Mulher idiota! — o homem berrou, apeando e correndo para onde
Christine estava caída, desmaiada. — Provavelmente matou o cavalo. Ele está
sangrando como um porco.
— Não se importe com o cavalo. Pegue Christine e vamos embora daqui.
— Eu estava pensando em levar este puro-sangue comigo quando
partisse. Seria fácil vendê-lo e obter um bom dinheiro.
Olívia revirou os olhos, irritada.
— Você já está ganhando um bom dinheiro de mim. Verifique se a
mulher está respirando.
— Já verifiquei. Ela está viva sim. — Ele pegou o corpo inerte de
Christine e jogou-o sobre a sela, como se fosse um fardo. Depois então
montou.
— Seria mais fácil deixá-la aqui. Tudo o que você teria a fazer era meterlhe uma bala na cabeça e depois fugir do estado.
— Não atiro em mulheres, não é o meu jeito de fazer as coisas — o
homem respondeu irritado. — Agora, se ela morrer na cabana lá em cima, a
questão já é outra.
— Não quero ficar muito tempo longe da casa. Preciso ir.
— Pois vá. Mas lembre-se de deixar o meu dinheiro atrás do celeiro, por
volta da meia-noite. E não se esqueça daquilo que você me deve. — Cada
palavra soava como uma promessa de intimidade.
— Onde está Christine? — A voz de Matt soava baixa e urgente.
— Ela foi atrás de Theresa — Maria respondeu, retorcendo o avental
branco numa tentativa de aliviar a angústia.
— E para onde foi Tessie? As duas deveriam ter passado a tarde em
casa.
— Eu sei! Eu sei! Mas a menina desapareceu quando eu estava na
cozinha e d. Christine no quarto. Achamos que Tessie foi para o riacho, onde
vocês fizeram o piquenique.
— Então Tessie foi a cavalo? Quem selou o animal?
— O pônei já estava selado, patrão — Claude explicou. Praguejando,
Matt montou e preparou-se para sair em disparada. Porém a chegada de um
outro cavaleiro o fez puxar as rédeas.
115
A visão de Olívia sobre um cavalo era uma surpresa inesperada. De certa
forma, jamais separara o papel de professora do de mulher. Observando-a
agora, não conseguia evitar uma sensação estranha de perigo.
— Onde você esteve? — ele indagou secamente.
— Saí à procura de Theresa. Ela teimou que queria brincar no riacho,
mesmo depois de eu lhe dizer várias vezes para não ir.
— Por que você não a obrigou a ficar em casa?
— Fiz tudo o que estava ao meu alcance. Por fim ela me prometeu que
iria ficar no quarto. Acabei acreditando.
— Vá para casa agora, Olívia. Você não achou Tessie, não é?
— Não… — ela hesitou e abaixou a cabeça. — Eu não tinha muita certeza
onde ficava o riacho e tive medo de me perder.
— Vamos embora, xerife — Matt falou, saindo em disparada.
A distância até o riacho foi vencida numa verdadeira corrida contra o
tempo. O sol começava a se pôr no horizonte.
— Lá está o pônei. — Ele mostrou um vulto sob as árvores.
— Você consegue enxergá-la? — Hailey perguntou.
— Sim, bem perto do riacho. Parece caída no chão.
— Não fique apavorado, homem. A menina está se mexendo. Acabei de
vê-la espreguiçar.
Matt suspirou aliviado, o coração batendo descompassado no peito. A
emoção de encontrar a irmãzinha a salvo era algo indescritível.
— Matthew! — Tessie gritou, estendendo os braços para o irmão. — Tive
um pesadelo, acho. Ouvi barulho de tiros… Eu não sabia que já estava ficando
escuro. Acho que dormi muito.
— Onde está sua irmã? Onde está Christine?
— Não sei. Ela devia me encontrar aqui, mas não apareceu. Acabei
adormecendo.
— Quem lhe disse que ela viria encontrá-lo aqui? Foi Christine quem
falou isto?
— Não. A srta. Olívia me disse que eu podia vir aqui e que ia mandar
Christine ao meu encontro.
— Algo bem diferente da versão que ouvimos — Hailey murmurou entre
os dentes, analisando as marcas de cascos que encontrara nos arredores.
Voltando-se para o assistente do xerife, Matt pediu:
— Leve Theresa para casa, está bem? E não deixe Olívia chegar perto
dela. Peça a Maria ou a Claude para fazer companhia à menina até a minha
volta. Essa história está ficando cada vez mais complicada. Estou começando a
pensar que Olívia… Bem, chega por enquanto.
Tão logo Matt viu Tad e Tessie tomarem o caminho da fazenda, ele saiu
atrás do xerife, que tomara a direção nordeste, os olhos fixos nas marcas de
cascos espalhadas pelo chão.
— O que você conseguiu descobrir, Hailey? São dois ou três cavalos?
— Três. Um dos quais tomou a direção da fazenda. Você está vendo
aquelas marcas ali? Eu diria que foram feitas por um dos animais que os avós
de Christine trouxeram do leste.
— Era o que eu temia. Você acha que está ficando muito escuro para
seguirmos as pegadas, xerife?
Hailey Baines examinou o céu e o horizonte com atenção.
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— Felizmente será uma noite de lua cheia e poderemos continuar a
busca.
— Ainda bem que posso contar com a sua ajuda, xerife.
Christine estava se sentindo gelada até aos ossos. Tentou mover as
mãos, mas tinha os pulsos amarrados e os dedos dormentes negavam-se a
obedecer ao comando do cérebro.
— Então você já voltou a si? — o homem perguntou, saindo das sombras
que envolviam o interior da cabana.
— O que você quer de mim? — ela retrucou num murmúrio débil.
— O que eu quero e o que vai acontecer provavelmente são duas coisas
muito diferentes.
— Eu o conheço?
— Talvez sim, talvez não.
— Onde estamos?
— A uma hora da fazenda. Assim que eu acabar de arrumar as minhas
coisas, você ficará sozinha. À exceção daquele pobre-coitado ali.
Somente então Christine se deu conta de que havia uma terceira pessoa
na cabana, amarrada junto a lareira.
— Fui obrigado a tirá-lo do caminho. Eu não havia planejado agir assim,
mas no final não fará diferença. Desculpe-me, Jackson, não tenho nada contra
você, mas não posso deixar testemunhas. Quanto a você, lady, é uma pena
que não possa apreciar sua companhia. O patrão já deve estar atrás de mim e
preciso montar pistas falsas.
— Por que você está fazendo isto?
— Você não deveria ter se casado com o homem, querida. Se fosse uma
mulher inteligente, teria voltado para o leste enquanto era tempo e deixado as
coisas aqui como estavam.
— E que importância isto tem para você?
— Nenhuma importância para mim, mas para a lady que me contratou,
sim. Ela quer o seu homem e não se importa em fazer o que for preciso para
tê-lo.
— Onde… o que você fez com Tessie? — Christine perguntou, lutando
contra o pânico.
— Nada. Ela não era parte da barganha. Apenas você, lady. Na verdade,
sem a garota Gerrity sequer iria precisar de… Chega, já falei muito.
— Kane… — A palavra ecoou pelo silêncio da cabana.
— Você conseguiu livrar-se da mordaça, Jackson? Pena que não possa
fazer o mesmo com a corda nos pulsos e tornozelos. Acho que por hoje é só,
companheiros. Bem que eu gostaria de ficar para ver o fogo, porém não será
possível. Preciso ir atrás do meu pagamento. Quando o patrão chegar aqui,
amanhã de manhã, vocês já terão virado cinzas.
— Não conte com isto — Christine o cortou, a voz ficando mais forte à
medida que a raiva ia crescendo. — Meu marido não é estúpido e já deve ter
entendido tudo.
— Se é assim, vou me apressar. — Com deliberada lentidão, Kane pegou
uma tocha da lareira e colocou-a sob a mesa de madeira, observando as
chamas se espalharem.
— Desculpem-se se não posso lhes fazer companhia. Tenho assuntos
117
importantes a resolver. Adeus.
— Jackson? — Christine chamou, esforçando-se para não se entregar ao
desespero.
— Sinto muito, senhora, mas não consigo me mover. Estou amarrado
como um porco.
— Hailey! — Matt chamou. — Olhe isto aqui!
Do alto da colina, era possível enxergar as chamas destruírem o telhado
da cabana plantada no meio do vale.
— Vamos!
Os dois homens desceram a encosta numa velocidade que desafiava o
bom senso. Matt corria contra o tempo, sabendo que qualquer demora seria
fatal. Nada mais importava, a não ser salvar a mulher que estava em perigo.
Christine observava as labaredas crescerem e se espalharem,
consumindo as pernas da mesa e enchendo a pequena cabana de fumaça.
Logo o fogo lambia as paredes em direção ao teto. Tarde demais, ela pensou
desesperada. O telhado já está em chamas.
De olhos fechados, Christine aguardava o momento final.
— Ouça, senhora! — Jackson falou do outro lado da cabana, procurando
chamar sua atenção.
De repente, como se vindos de uma grande distância, ela escutou sons
de gritos e tiros.
— Aposto que é o patrão! Vamos, senhora, agüente um pouco mais. Sou
capaz de jurar que é Matt Gerrity vindo nos salvar.
— Matt… — Christine murmurou tapando a boca com as mãos e baixando
a cabeça, que parecia pesar uma tonelada, para escapar à fumaça negra e
espessa.
— Christine! — A porta foi aberta com um arranco e dois homens
entraram, vasculhando o interior escuro.
Mal avistou o corpo da mulher caído ao chão, Matt tomou-a nos braços e
em duas passadas largas já estava quase do lado de fora.
— Ajude-me, Gerrity! — pediu alguém.
— É você, Jackson?
— Pode deixar que eu já o achei, Matt. — Hailey Baines arrastou o peão
para fora exatamente no instante em que o telhado desabava.
— Chris? — Matt chamou-a aflito. — Por favor, me responda, droga!
Com movimentos rápidos, ele tirou o cabelo do rosto da esposa e
desamarrou-lhe os pulsos, já inchados e vermelhos.
Ela tossiu ao inalar o ar fresco da noite, finalmente começando a voltar à
consciência.
— Chris… eu quase a perdi. — Sem que pudesse ou quisesse evitar, os
olhos de Matt encheram-se de lágrimas. — Oh, Deus, obrigado…
— Matt? E você? Você está mesmo aqui?
— Sim, estou aqui, meu amor.
— Gosto quando você me chama assim. — Ela tossiu outra vez, o corpo
frágil tremendo descontroladamente.
—Você está gelada, querida. Deixe-me vesti-la com minha camisa.
Pronto. Agora fique aqui quietinha. Volto num instante.
Matt aproximou-se do xerife, que o aguardava junto aos escombros da
118
cabana.
— Minha mulher está pronta para ir para casa, Hailey.
— Jackson também. Já o desamarrei.
— Você está bem? — Matt indagou ao peão.
— Sim. Apenas um pouco embaraçado por ter sido pego de surpresa.
Nem por um momento desconfiei de Kane, patrão. Ele me mandou voltar para
a fazenda com a desculpa de que precisava ficar sozinho na cabana. Eu me
recusei a abandonar o trabalho. A próxima coisa que me lembro é de ter sido
atacado pelas costas.
— Bem, Kane nunca mais causará problemas a quem quer que seja.
Você acha que Christine agüentará o trajeto de volta, Gerrity?
— Sim. Mas vá na frente. Estaremos logo atrás.
— Vou levá-la para casa, querida. — Ele tomou-a nos braços e colocou-a
sobre a sela com delicadeza.
Através de um véu de lágrimas, Christine observou o marido, o coração
transbordando de felicidade.
Matt lhe pertencia e o amava com todas as forças. Nada mais importava.
119
VINTE
A volta levou mais tempo do que Matt planejara. Temendo cansar
Christine além do necessário, depois dos acontecimentos daquele dia terrível e
sabendo que seu cavalo carregava um peso extra, achou melhor ir a passo.
Felizmente Christine cochilou um pouco, o que evitava perguntas sobre Fancy.
Matt cerrou os dentes ao pensar no momento em que fora obrigado a
sacrificar o puro-sangue. Quando a encontrara, Fancy estava caída no meio de
uma poça de sangue, já agonizante. Seria uma perda dura para Christine
superar.
— Eu nunca deveria ter ido à cidade ontem… — ele murmurou
condenando-se sem piedade. — Deveria ter ficado na fazenda, atento a tudo.
— Não… não diga isto — Christine respondeu, aconchegando-se ao peito
forte. — Foi minha culpa não ter vigiado Tessie.
— Você e Tessie são minha responsabilidade e quando precisaram de
mim, eu não estava por perto.
— Não, querido. Era eu quem estava encarregada de olhar Tessie. Não
se culpe.
— Tessie também está se sentindo culpada por haver criado toda essa
situação. Aposto que está nos esperando acordada.
— Quanto tempo até a fazenda?
— Mais ou menos uma hora. Você quer parar e descansar um
pouquinho?
Embora não demonstrasse, Matt continuava preocupado com a esposa.
Ela ainda tossia e inspirava fundo diversas vezes, como se precisasse limpar os
pulmões. Quando imaginava a tragédia que poderia ter acontecido, sentia o
sangue ferver de ódio. Raiva vã, já que não havia mais ninguém sobre quem
descarregar sua fúria.
Exceto a pessoa que o aguardava na casa da fazenda. Aquela criatura
sossegada e de maneiras educadas, que quase lhe custara a vida da mulher a
quem… Era estranho pensar numa palavra que mal fazia parte de seu
vocabulário.
Droga, essa mulher parece ter se impregnado na minha pele e não há
nada a fazer. Ela apareceu de repente, sempre pronta a discutir a respeito de
tudo e de nada, toda espirituosa e insolente. E jamais demonstrou estar
apaixonada por mim. Se eu disser que a amo, ela provavelmente… Droga, é
difícil imaginar o que ela faria.
Amor. Como diabos posso saber o que é amar? Só porque gosto de tê-la
na minha cama, não significa que… Ah, para que continuar escondendo a
verdade de mim mesmo? Eu a amo com paixão. Essa mulher é minha, agora e
para sempre.
— Matt… você está me apertando!
— Claro que sim, querida. Estamos quase chegando. Logo você estará
em sua cama e poderá descansar.
— Primeiro quero ver Tessie — Christine murmurou, outra vez sonolenta.
— Breve, querida. Breve.
O confronto com Olívia foi rápido, a expressão surpresa de seu rosto ao
120
ver-se frente a frente com Christine, o suficiente para condená-la aos olhos de
Matt. Porém quando Hailey Baines a segurou firmemente pelo braço,
declarando-a presa sob a acusação de cumplicidade numa tentativa de
assassinato, o resto de compostura da professora desabou.
— Não fiz nada de errado! — ela grunhiu ameaçadora, fitando o cadáver
de Kane jogado sobre a sela do cavalo.
— De qualquer maneira, vocês não têm provas contra mim!
— Provas concretas? Talvez não — Hailey respondeu.
— Mas a palavra da garotinha terá valor no tribunal. Você enganou a
menina e mandou-a sair sozinha a cavalo, dizendo-lhe que a irmã iria
encontrá-la.
— Então será a palavra de uma criança contra a minha?
— Você atirou no meu cavalo enquanto eu cavalgava — Christine falou
baixinho, adivinhando qual havia sido o destino de Fancy.
— Eu estava apontando para o peão que a perseguia.
— Você o mandou me matar. E depois disse que iria dar conta do serviço
sozinha.
— Você é uma pretensiosa que saiu do nada. Matt teria se casado
comigo mais cedo ou mais tarde se você tivesse voltado para o lugar de onde
veio. Eu sei que era isso o que a mãe dele queria que acontecesse e ele estava
começando a ficar interessado em mim. Você nunca fez parte desta casa.
Então Olívia a desacatou com as palavras mais vis e odiosas. Matt pegou
a esposa no colo e levou-a para o quarto. Logo o pequeno grupo se
dispersava. O xerife e seu assistente puseram a professora numa carroça, ao
lado do corpo de Kane, e tomaram o caminho da cidade, sob o olhar satisfeito
de Claude.
O encontro de Christine e Tessie foi emocionante. A menina não parava
de beijar os ferimentos da irmã, como se quisesse apagar a dor e fazê-los
desaparecer num instante. Enfim, depois de muitas tentativas, conseguiram
convencer Tessie de que estava na hora de dormir.
O quarto estava na penumbra, as janelas cerradas para afastar as
primeiras luzes do amanhecer. No meio da cama, coberta por um lençol,
Christine parecia mais indefesa e vulnerável do que nunca.
Matt experimentara uma sensação terrível de frustração quando a
banhara. As queimaduras nos pulsos e tornozelos, provocadas pela corda, era
a prova do quanto a esposa lutara para se libertar enquanto a cabana ardia em
chamas.
— Você estava mesmo ficando interessado em Olívia? Isto é, antes da
minha chegada?
— Claro que não — ele respondeu ofendido. — A única coisa que posso
dizer é que aquela mulher tem muita imaginação.
— Eu sabia que ela o queria.
— E eu quero apenas que você durma, Chris. Feche os olhos e tente
descansar, está bem?
Christine suspirou de satisfação quando Matt deitou-se ao seu lado e
aconchegou-a num abraço carregado de ternura.
Ao acordar, sentindo o braço do marido passado ao redor de seu corpo,
numa pressão gostosa e familiar, seu primeiro pensamento foi dar graças. Bem
121
no fundo do coração, mesmo nos momentos mais angustiantes, não duvidara
que o marido iria salvá-la.
— Oi, Chris — ele murmurou, a voz ainda pesada de sono.
— Oi. — Ela se espreguiçou devagar, só então dando-se conta de que
estava nua. — Mas não estou vestindo nada.
Matt sorriu.
— Eu sei. Fui eu quem a colocou na cama, lembra-se? — Tomando as
mãos da esposa entre as suas, ele beijou-as de leve. — Amo as suas mãos,
sabia?
— É mesmo? — Christine não poderia parecer mais surpresa. — E por
que amaria minhas mãos?
— Um dos motivos, é porque são parte de você. Amo seus cabelos
também.
— Matt? A última vez que você mencionou meus cabelos era para dizer
que gostava deles.
— Amo cada parte de seu corpo, Christine Gerrity. — Ele fitou-a com tal
intensidade, que a fez corar da cabeça aos pés.
— Você me ama, Gerrity? — Christine indagou num murmúrio ofegante.
— Sim. Profundamente.
De repente era como se Christine desabrochasse diante dos olhos do
marido. A felicidade estampada naquele rosto bonito era tanta que o
emocionou até o fundo da alma.
— Oh, Matt! Oh, Matt — ela tornou a repetir, como se não fosse capaz de
dizer mais nada, os olhos cheios de lágrimas.
— Christine?
— Oh, querido… eu o tenho amado há tanto tempo.
Matt estremeceu de emoção. Como desejara ouvi-la confessar os seus
sentimentos.
— Desde quando, Chris?
— Prefiro não lhe dizer, você vai ficar muito convencido.
— Não, não vou ficar. Me conte.
— Desde… aquela tarde que passamos no hotel.
— Aquela tarde? Antes de nos casarmos?
— Não, logo depois que o juiz nos casou. Quando você mandou alguém
buscar meu vestido de noiva.
— Foi isto que a fez me amar? — Matt indagou incrédulo.
Christine corou, um sorriso deslumbrante no rosto.
— Você sabia do que eu precisava e se dispôs a casar-se no religioso
para tornar as coisas certas. Mostrou consideração por mim. Quando nos
casamos, eu tinha certeza de que estava tomando a atitude correta.
— Pois você me enganou direitinho, não deixando transparecer nada.
— Eu estava com medo.
— De mim? Eu jamais seria capaz de machucá-la.
— Não… estava com medo de tudo. De amar… do que ia acontecer entre
nós na noite de núpcias.
Matt beijou a mulher de leve nos lábios, saboreando o gosto feminino
com intenso prazer.
— Você está sentindo-se confortável agora, Chris? A cabeça está
doendo? Foi uma queda e tanto.
122
— Estou bem. Sinto apenas uma dorzinha no lado esquerdo. Perto das
costelas. Mas vai passar logo, assim que você me beijar.
— Tem certeza de que não vou machucá-la?
— Preciso de você, Matt. Preciso que me toque em todos os lugares
doloridos, preciso que me ajude a esquecer as lembranças horríveis.
Ele segurou o rosto da esposa entre as mãos e fitou-a com uma ternura
infinita.
— Eu te amo, Chris. Sempre irei te amar. Tomarei conta de você e Tessie
pelo resto da minha vida.
Ela inspirou fundo e começou a chorar baixinho.
— Não chore agora, ouviu bem? Ou nunca mais voltarei a dizer que a
amo.
— Às vezes choro quando estou feliz.
— Você está feliz?
— Eu te amo. Hoje e para sempre.
A resposta de Matt foi tomá-la nos braços e possuí-la por inteiro. De
corpo e alma.
Tessie estava cheia de perguntas à mesa do almoço. Os olhinhos
arregalados da menina davam uma dimensão exata de sua curiosidade.
— Quer dizer que a srta. Olívia não vai voltar mais?
Você a mandou embora porque ela mentiu para mim, Matthew?
— As vezes as pessoas fazem coisas más, pedacinho de gente. — Ele
procurava escolher as palavras cuidadosamente. — A srta. Olívia mentiu para
todos e foi a causa de muitos problemas sérios. Assim, teve que ser punida.
— Nunca vou querer fazer coisas más — a criança o reassegurou.
— Eu sei disso, querida.
— E quem vai me dar aulas agora? Talvez eu já tenha idade suficiente
para ir para uma escola de verdade. O que você acha, Matthew?
— Ainda não, meu anjo. Quem sabe daqui a uns dois anos.
— Talvez eu possa ensinar Tessie durante este período — Christine
sugeriu. — Posso continuar usando os livros que Olívia adotava, além dos
meus próprios. Mas acho melhor interrompermos as aulas durante o resto do
verão e retomarmos a rotina em setembro. Na minha opinião, Tessie estava
sendo sobrecarregada desnecessariamente.
— Que tal a idéia, pedacinho de gente?
— Ótima. Mas será que posso ir para a escola de verdade no ano que
vem?
—Veremos — Christine respondeu sem fazer promessas.
— Você sabe que nós temos um outro projeto no qual nos
empenharmos, não é, Chris? — Matt a lembrou com um sorriso malicioso. —
Você não deve ficar se cansando muito.
— Matt!
— E se já tivermos plantado a semente?
— Por favor, quer sé comportar?
Tessie parecia muito mais interessada na conversa dos adultos do que na
comida à sua frente.
— É, acho que podemos falar sobre o assunto depois. Vou me sentir
bastante bem disposto esta noite. Prepare-se.
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Fitando o marido, Christine não teve dúvidas de que era amada. Nada no
mundo se comparava àquela sensação.
— Chris?
— Sim?
— Você está bem?
— Estou ótima, querido. Na verdade, nunca me senti melhor. Um
pouquinho cansada, um pouquinho dolorida, mas muito, muito feliz.
— Eu também estou muito feliz — Tessie exclamou. — Agora somos
mesmo uma família, não somos?
— Sim, somos uma família — Christine concordou sorrindo. — Pelo
menos o começo de uma família. Apenas o começo.
124
EPÍLOGO
— Será que deveríamos contar a Oswald Hooper? — A pergunta foi feita
dentro da escuridão e Matt franziu a testa, considerando a questão.
— Pensei que você já estivesse dormindo — ele retrucou num tom
acusador. — Você precisa descansar. Além do mais, a não ser que o velho
Oswald seja cego como um morcego, ele já deve saber.
— Se você não parar de ficar tomando conta de mim, vou mudar de idéia
a respeito de tudo isto — ela o ameaçou. — Tenho descansado toda tarde e
comido o que Maria põe no meu prato sem reclamar. Pretendo dormir quando
tiver sono, está bem?
— Você anda irascível nestes últimos dias, Christine Gerrity. — Matt
ajeitou-a de encontro ao corpo forte, procurando colocá-la numa posição
confortável. Ao senti-la remexer os quadris, gemeu baixinho.
— Vamos parar com isto, Chris. Estou fazendo o máximo para tomar
conta de você, só que você não quer deixar.
— Estou mesmo precisando que você tome conta de mim esta noite. De
uma maneira especial, é claro.
Matt deslizou a mão sob a camisola da esposa até descansá-la, num
gesto possessivo, sobre o ventre intumescido.
— Tem certeza de que não vou machucá-lo? Claro que posso ser
bastante cuidadoso. De fato, posso até pensar em algo novo que irá…
— Matt! Estou bem. O médico disse que o bebê está em perfeitas
condições e que ainda tenho uns bons dois meses pela frente antes dele
nascer.
— Ele? Ele? Christine? — Matt indagou esperançoso.
— Pensei que você quisesse um menino.
— É, acho que quero mesmo um menino. — Ele acariciou a barriga
enorme com as mãos, até encontrar uma protuberância. — Para mim parece
um pé de menino.
Christine riu e aconchegou-se ainda mais de encontro ao corpo do
marido.
— Vou lhe dizer uma coisa. O pequeno Sam e eu decidiremos como agir
na base do voto.
— Na base do voto?
— Sim — Matt retrucou, livrando-a da camisola. — Ele e eu decidiremos
como proceder esta noite. Espere só até eu lhe contar a idéia que tive quando
levei o garanhão para cruzar com as éguas trazidas de Lexington.
— Gerrity, quer fazer o favor de se comportar!
Os lábios masculinos, ávidos e imperiosos, percorriam seu corpo inteiro e
a voz rouca, carregada de paixão, a excitava de uma maneira impossível de
ser ignorada.
— Estou tentando me comportar, Chris. Mas acho que sou um caso sem
esperança, não sou?
— Hum… é verdade, Gerrity — Ela concordou. — Porém nem assim
abrirei mão de você.
125
CAROLYN DAVIDSON, ao se mudar de Michigan para a Carolina do Sul,
há muitos anos, deixou para trás o emprego numa grande loja de
departamentos. Achando que merecia algum tempo de lazer, decidiu realizar
seu antigo sonho de escrever. Mais precisamente, de escrever romances. Belos
frutos rendeu o lazer! A Bela Forasteira é seu terceiro livro e agora Carolyn
está às voltas com uma nova carreira e anda mais ocupada do que nunca.
Combinando os papéis de mãe, avó e funcionária de meio período numa
livraria, sua vida está completa. Uma vida partilhada com o marido Ed, fonte
de sua inspiração.
126

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