texto - Universidade Federal de Uberlândia

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Festival de Arte 2007 . INTERNOEXTERNO . DEART FACS UFU
Experimentações pictóricas tendo a apropriação como base para o início do
desenvolvimento de uma identidade plástico-visual.
Vitor Marcelino da Silva
Resumo: A presente comunicação se refere ao projeto de monografia apresentado
na disciplina Projeto 1 orientado pelo Professor Especialista Alexandre França e coorientado pela Professora Mestre Aninha Duarte. É uma pesquisa que está apenas
começando e analisando esse começo já percebo o grande caminho que ainda tenho
que percorrer.
Esse projeto de monografia objetivou a produção de três pinturas (acrílica
sobre placas de MDF) e sua eventual discussão teórica que originou o texto do
projeto.
As pinturas produzidas foram feitas a partir de montagens de fotografias de
família e amigos, cartazes e frames de filmes de cinema, obras de artes visuais,
desenhos e fotografias do interior da minha casa e frases e palavras que vem
naturalmente com as imagens que utilizo ou se referem a acontecimentos pessoais.
Todas essas imagens que estão dispostas em cada trabalho não estão relacionadas
entre si, mas isso acontece somente se não considerarmos a relação narrativa e
extremamente íntima que crio em cada pintura.
Para compor os elementos de cada trabalho, uso a computação gráfica como
principal apoio. Monto a estrutura visual de todas essas telas em um software
específico para depois transpô-las, usando o recurso da projeção, para a placa de
MDF e posteriormente pintar esse desenho transposto.
___________________________________________________________________
Cheguei à conclusão que sou tudo aquilo que amo e tudo isso se constitui
basicamente na minha família, nos meus amigos, nas artes visuais e no cinema.
Tudo isso faz parte de uma grande rede de acontecimentos que forma a minha vida.
Juntar todas essas questões se configura como uma tentativa de buscar
minha identidade a partir da figura do outro, como se eu quisesse listar vários alteregos e registrá-los na superfície pictórica que também acaba se portando como um
deles.
Pensando dessa maneira, cada fotografia de família ou de amigos é um
registro de um determinado acontecimento pessoal ou de uma determinada época,
que forma uma infinita rede que envolvem eu e as pessoas retratadas. Essas
fotografias são partes integrantes de um passado que têm sua energia recarregada
para permanecerem dentro do meu imaginário. É uma espécie de fonte da memória
pessoal que forma a minha identidade e que se firma através de uma dicotômica
ancestralidade recente.
Mediante esse processo de identificação, sinto a necessidade de falar das
obras de arte e do cinema, pois esses também fazem parte da construção da minha
identidade. Listar essas obras e esses cartazes se torna mais um registro pessoal que
só faz sentido dentro do meu imaginário. Isso acontece porque os elejo não por sua
importância histórica ou cultural, mas sim por me fazer lembrar de certos momentos
ou de pessoas que convivem ou conviveram comigo ou simplesmente pelo fato de
gostar das obras ou dos filmes que não deixa de ser uma forma de identificação ou
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até de um ideal de vida fantasiado. Criando assim uma identificação através da
figura do ídolo, seja ele popular ou não.
Em um outro contexto, mas representado juntamente com os outros
elementos já citados, temos o interior da minha casa se configurando como um
ambiente de refúgio, um ambiente de produção dos trabalhos fazendo com que casa
e atelier virem uma coisa só e principalmente como um “museu” de acontecimentos
pessoais.
Pensando dessa maneira pode se perceber que se trata de trabalhos que
falam de um universo bastante íntimo, mas que acaba por invadir o ambiente do
expectador por falar de questões inevitavelmente comuns a qualquer pessoa,
atingindo assim a memória coletiva. Esses trabalhos na verdade são uma espécie de
inventário de tudo aquilo que acontece no meu cotidiano e sua estreita relação com
os acontecimentos anteriores (memória).
Toda essa idéia de memória e identidade vem me percorrendo desde o
terceiro período da faculdade quando comecei realmente a produzir e buscar uma
temática que me agradasse. Mas só consegui perceber que o meu trabalho estava se
estruturalizando no final da disciplina de Pintura II ministrada pelo professor
Alexandre França1 e durante a disciplina de Pintura III ministrada pela professora
Aninha Duarte2, mas foi na disciplina de Serigrafia ministrada pelo professor
Aloísio Diniz3 onde se percebe um tipo de embrião de toda essa idéia que venho
abraçando para a produção dos trabalhos para o projeto de monografia. O trabalho
mais importante produzido nessa disciplina foi o trabalho intitulado “O timão do
meu pai”, onde me aproprio de uma fotografia de família e do trabalho “Pôr do sol”
de Roy Lichtenstein4. As cores têm uma grande relevância para a composição do
trabalho como podemos ver na figura abaixo:
Figura 1: MARCELINO, Vitor. O timão do
meu pai. 2007. Serigrafia. 18 x 25 cm.
Falando agora sobre a cor em minhas composições, a percebemos como um
revivamento da memória e como uma referência de um universo bastante carregado
1
Alexandre França é artista plástico mineiro e professor do Departamento de Artes Visuais da
Universidade Federal de Uberlândia.
2
Aninha Duarte é artista plástica mineira e professora do Departamento de Artes Visuais da
Universidade Federal de Uberlândia.
3
Aloísio Diniz é artista plástico mineiro e foi professor do Departamento de Artes Visuais da
Universidade Federal de Uberlândia.
4
Roy Lichtenstein nasceu em 1923 em Nova York e morreu em 1997 na mesma cidade. È
considerado um dos grandes nomes do movimento artístico dos anos 60 chamado Pop Arte.
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de informações onde estou inserido. O ato de pintar também é muito importante
para o trabalho e consequentemente na escolha das cores para se criar o contraste
pretendido. Pintar, para mim, é um prazer e essa escolha nada mais é que uma busca
por pares contrastantes como, por exemplo, um determinado tom de vermelho com
um determinado tom de amarelo, um tom de amarelo com um tom de roxo, um tom
de roxo com um tom de branco e assim sucessivamente. Agindo dessa maneira
consigo abstrair o que pretendo representar dando certo grau de complexidade para
o trabalho. As cores têm um papel fundamental para a estruturação de cada imagem,
quando estou pintando penso somente como uma cor se comporta com todas
aquelas que a envolve. Tornar a tela legível ou não é uma conseqüência que não
tenho controle e nem pretendo ter.
Como já foi dito o cotidiano e sua relação com a memória se tornam o
grande tema dos trabalhos em questão. Essa representação de cotidiano não é uma
característica exclusivamente da arte contemporânea ou moderna, mas também da
arte clássica. E um grande exemplo disso é a chamada Pintura de Gênero.
A Pintura de Gênero desenvolveu-se no século XVII nos Países Baixos,
principalmente no norte, na região que hoje corresponde ao território holandês. O
grande tema dos trabalhos desses artistas eram cenas extremamente rotineiras e
simples. A busca pela representação do ambiente em que vive o povo holandês é
constante e um dos maiores nomes desse período foi Johannes Vermeer.
Vermeer viveu entre os anos de 1632 e 1675. Muito pouco se sabe sobre a
sua vida, especula-se que foi uma pessoa muito pobre e pouco conhecida na época,
por isso não se sabe quais são realmente as obras do pintor. Mas posteriormente seu
valor foi reconhecido e hoje é considerado um dos maiores pintores holandeses da
história.
Figura 2: VERMEER, Johannes. Mulher de azul lendo
uma carta. 1662-3.
Óleo sobre tela. 46,5 x 39 cm.
Coleção: Rijksmuseum de Amsterdã.
Fonte:http://www.aloj.us.es/galba/monograficos/VERME
ER/damazul.htm
Como se vê, Vermeer representa o interior de uma casa como ambiente
caracteristicamente feminino e com uma alta carga reflexiva aliada a questões
rotineiras que é inerente ao interior doméstico. Esse é um aspecto que também
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permeia a minha produção. Cotidiano e casa são idéias indissociáveis pra mim, pois
a casa é e será um ambiente comum a qualquer fase da vida de qualquer pessoa.
Vermeer vem pra me mostrar a importância dos aspectos rotineiros e
simples na construção da identidade do artista. São esses aspectos simples da vida
que norteiam toda essa minha pesquisa. São aspectos que fazem parte da vida de
qualquer pessoa, e é justamente isso que os tornam tão especiais e insubstituíveis.
Outros artistas também foram muito importantes para mim por falarem
dessas questões domésticas e rotineiras. São eles: Vincent van Gogh, Edward
Hopper e Alexandre França.
Um dos interiores domésticos que mais pinto, é sem dúvida alguma o meu
quarto, assim como fez Van Gogh na seguinte tela:
Figura 3: VAN GOGH, Vincent. Quarto em Arles.
1888.
Óleo sobre tela. 72 x 90 cm.
Coleção: Van Gogh Museum.
Fonte: http://www.vggallery.com/painting/p_0482.htm
Essa é uma das obras de Van Gogh mais conhecidas e uma das que mais
me influenciou no decorrer desses quatros de anos de faculdade. Pintar seu próprio
quarto é atitude de muita interioridade que pretendo captar toda vez que dedico esse
tema a uma tela. A influencia é tão grande que até me apropriei dessa dela e faço
uma ligação com o quarto do artista com o meu quarto, como se pode ver no
trabalho intitulado “Beijo ou O quarto do artista em Araxá e o quarto do Vincent em
Arles” (fig. 12). Faço uma clara referência à tela e declaro sua importância e minha
grande admiração sobre esse trabalho.
Um outro artista que trabalha com interiores domésticos que também me
influencia bastante é o norte-americano Edward Hopper.
Hopper nasceu em Nova York em 1882 e morreu em 1967, também em
Nova York. É um dos artistas americanos mais conhecidos justamente por falar dos
próprios Estados Unidos em seus trabalhos. Pintou inúmeras paisagens, tanto
urbanas como naturais, da América. O artista se interessava muito pelo embate
natureza-cidade e começou a pintar em uma mesma tela esses dois tipos de
paisagem. Dessa maneira a relação interior-exterior foi se fortalecendo até chegar a
nível psicológico e reflexivo bastante considerável. Interiores domésticos
começaram a fazer parte do imaginário do artista. Interiores simples, quase despidos
de personalidade, mas que carregam uma carga reflexiva bastante forte. Talvez
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justamente por estarem reduzidos ao mínimo, no que se diz respeito aos objetos que
habitam um quarto, é que se cria essa forte atmosfera de reflexão.
Uma figura feminina pensativa que olha para aquilo que não está dentro
da pintura sempre habita esses interiores reforçando a atmosfera do trabalho.
Enquanto Hopper esconde o que seu personagem está vendo, deixando fora dos
limites da tela, eu faço o contrário, mostro aquilo que eu vejo quando estou dentro
de casa.
Figura 4: HOPPER, Edward. Sol de manhã. 1952.
71,4 x 101,9 cm. Óleo sobre tela.
Coleção: Columbus Museum of Art.
Fonte: RENNER, 2006, p.59.
A idéia de interior doméstico como lugar de reflexão é também muito
presente do trabalho do artista plástico mineiro Alexandre França.
Talvez seja Alexandre França a minha maior influência no que se diz
respeito a esse conceito de casa, principalmente pelo fato do artista estar bastante
próximo de mim, pois já fui seu aluno na Universidade e acabei me tornando seu
orientando nessa pesquisa.
A casa sempre foi o tema de França e me aproximo muito do seu
pensamento quando ele afirma que a casa é o lugar seguro, lugar onde tentamos nos
refugiar, lugar onde colocamos nossas coisas, onde construímos nossa identidade.
Olhar pra casa é observar a nossa intimidade. Estar em casa é estar acompanhado e
só ao mesmo tempo.
Figura 5: FRANÇA, Alexandre. Cada casa, uma
casa (detalhe). 2005. Pintura sobre azulejo em
queima de baixa temperatura.
200 x 120 cm. Coleção particular.
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Fonte: FRANÇA, 2005.
O quarto é o lugar mais íntimo da casa. É lá que guardamos aquilo que
mais estimamos e aquilo que mais nos envergonham. O quarto se torna o lugar onde
podemos reconhecer totalmente a identidade de seu dono. Penso então nos meus
trabalhos quase que como uma representação pictórica do meu quarto, mas com
uma abrangência maior. Na minha pintura consigo colocar tudo aquilo, palpável ou
não. Cria-se então um emaranhado de imagens assim como o emaranhado de coisas
dentro do meu quarto.
Quatro artistas foram muito importantes nessa idéia de junção de imagens
para se criar um trabalho. São eles: Manuel Valdés e Rafael Solbes (que formam o
Equipo Crónica), James Rosenquist e Jeff Koons.
O Equipo Crónica nasceu nos anos 60 na Espanha e era inicialmente
formado por três pessoas: Manuel Valdés, Rafael Solbes e Antônio Toledo, mas
esse último saiu do grupo já no primeiro ano de sua formação. O grupo adotou um
caráter declaradamente Pop influenciado pelos movimentos americano e britânico
daquela época. Mas diferentemente desses dois paises, a Espanha enfrentava a tensa
ditadura de Francisco Franco que durou de 1939 a 1975, fazendo com que o grupo
adotasse um perfil político criticando as situações atuais de seu país, se distanciando
bastante daquela intenção americana ou britânica, buscando assim um Pop
definitivamente espanhol. Essa crítica era feita através da apropriação e montagem
das clássicas pinturas espanholas associadas com outras imagens de caráter popular,
como se pode ver claramente na imagem a seguir:
Figura 6: EQUIPO CRÓNICA. Barroco
Espanhol. 1966. Serigrafia. 75,8 x 56 cm.
Coleção: Instituto Valenciano de Arte Moderna.
Fonte: http://www.equipocronica.com/
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Se compararmos o trabalho desses espanhóis com o meu veremos uma
referência direta. Foi só depois de conhecer Equipo Crònica que cogitei a
possibilidade agregar em um mesmo campo pictórico, várias referências. Mas com
certeza foi a apropriação o aspecto que mais me marcou. Usar o trabalho de outros
artistas no meu próprio trabalho era, pra mim, uma idéia ainda muito tímida, pois
não sabia exatamente como isso poderia acontecer. O caráter manufaturado que os
trabalhos da dupla espanhola apresentam também me chama muito a atenção. O
Equipo Crónica se apropria de telas de artistas e as tornam meros objetos de um
determinado cotidiano e é exatamente isso que proponho ao pintar elementos tanto
das artes visuais com elementos mais populares como o cinema.
Como já se sabe, montar vários elementos que foram apropriados não é
uma característica unicamente do Pop espanhol, mas sim do movimento Pop de
uma maneira em geral e um artista que praticamente esgotou essa idéia foi o
americano James Rosenquist.
Antes de ser um grande nome da Arte Pop, Rosenquist era um pintor de
painéis de cinema nos Estados Unidos e isso foi um grande aprendizado para o
artista desenvolver uma técnica impecável e bastante pessoal. O artista, assim como
vários outros da Arte Pop, se apropriava de elementos da publicidade para fazer
uma crítica, com certo tom de homenagem, à mesma, como se pode ver na figura a
seguir:
Figura 7: ROSENQUIST, James. Eu te amo com o
meu Ford. 1961. Óleo sobre tela. 210 x 237.5 cm.
Coleção: Moderna Museet.
Fonte:http://www.guggenheim.org/exhibitions/rosenq
uist/images/opt_for_highlights/2_61_07.jpg
O artista une os elementos do trabalho de uma maneira bastante rígida,
não pretendendo a formação de uma única imagem, mas a idéia clara da junção de
elementos separados e muitas das vezes interdependentes entre si que às vezes não
nos mostra uma ligação coerente entre tais. A ligação se dá pelo cotidiano do
artista, e é justamente esse o pensamento que mais me apóia quando construo as
minhas telas.
No meu trabalho tento discutir questões pertinentes a memória coletiva
aliada a minha memória pessoal e somente isso, nada extrapola esse sentido. Os
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elementos que disponho são conectados pela a sua importante participação no meu
cotidiano e por alguns deles, habitarem no universo coletivo.
Um outro artista que é nitidamente influenciado por James Rosenquist é o
norte-americano Jeff Koons.
Jeff Koons começou sua carreira em 1979 e acabou conquistando uma
grande importância na arte contemporânea devido a seu estilo inconfundível e com
seus trabalhos que são bastante polêmicos. Usando vários elementos kitsch para a
construção de suas obras, Koons ironiza inúmeros aspectos da nossa cultura ao
mesmo que os celebra questionando assim seus paradigmas, dogmas e valores
impostos.
Sua série que mais me influencia se chama “Easyfun-Ethereal” produzida
no ano de 2000 e são todas, ao todo sete telas, pintadas a óleo (a figura 8 se refere a
uma dessas telas). Em “Easyfun-Ethereal” vemos claramente o eco do trabalho de
James Rosenquist. São inúmeras imagens coloridas que o artista tirou de revistas,
catálogos, folhetos e anúncios e também de fotografias pessoais criando um
emaranhado que nos faz pensar na complicada trama do sistema capitalista. Um dos
objetivos de Koons é atingir as massas para que a mesma repense sua própria
cultura. Muitas das vezes, dentro desse universo das massas, o artista também cria
algumas relações com o universo da própria cultura das artes, como é o caso da
imagem a seguir, onde vemos claramente a relação que Koons cria com o trabalho
de Man Ray5 com o seu.
Figura 8: KOONS, Jeff. Lips. 2000. Óleo sobre tela. 120 x 172 cm.
Coleção: Deutsche Guggenheim Berlin.
Fonte: http://www.artfacts.net/exhibpics/12528.jpg
5
Man Ray foi um dos grandes artistas do século 20 e contribuiu muito para o desenvolvimento do
pensamento surrealista. Viveu durante os de 1890 e 1976.
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Figura 9: RAY, Man. À hora do Observatório – os apaixonados.
1932 - 1934. Óleo sobre tela. 100 x 250,4 cm.
Coleção particular.
Fonte: RUHRBERG, 2005, p.123.
Aliar a cultura das artes visuais com uma cultura mais popular é também
um dos meus objetivos e estudar Jeff Koons só me faz querer desenvolver esse
aspecto no meu trabalho. Reproduzo trabalhos de outros artistas para homenagear
minhas principais referências. Penso nas reproduções como partes integrantes do
meu cotidiano e como imagens que estão dentro do meu repertório cultural e
também pessoal.
Um outro elemento para o meu trabalho que também é bastante forte é a
palavra escrita. São frases apropriadas principalmente de cartazes de filmes que de
alguma maneira eu me identifico, seja pela história ou simplesmente por fazer parte
de um determinado período de tempo importante pra mim.
Existe também um outro tipo de frases e palavras que aparecem no
trabalho que são de certa maneira apropriadas. São frases mais pessoais que retiro
de conversas ou apenas de comentários das outras pessoas que me marcaram de
certa maneira. É aqui que afirmo estar retratado de uma maneira mais evidente o
meu cotidiano. Coloco as frases para não perdê-las na minha memória. São frases
demasiadamente importantes que falam mais que qualquer outro elemento sobre
tudo o que estou passando durante a produção do trabalho em questão. Muitas das
vezes uso essas frases como um tipo de desabafo. São frases desconexas e soltas no
campo pictórico, obviamente respeitando a composição da pintura, que, por estarem
desligadas de seu contexto original, não faz sentido pra o expectador, a não ser é
claro quando o mesmo se identifica com a frase, afinal de contas são palavras que
são ditas em qualquer tipo de conversa.
Foi dentro do Grupo LAVA (grupo de pintura formado por eu e mais três
outros colegas da universidade) que essa idéia de escrever frases pessoais se
aflorou. É difícil afirmar quem foi o primeiro de nós que começou com essa prática.
É mais correto dizerr que não houve um pioneiro dentro do grupo e sim uma
constatação que todos nós fazíamos a mesma prática e é isto justamente uma das
causas da formação do grupo. Escrever é a maneira que descobri de tornar imagem
aquilo que leio ou escuto tornando a escrita como elemento fundamental na
elaboração do meu trabalho.
Finalmente afirmo que a junção de todos esses elementos citados nesse
texto (interiores domésticos, cartazes e frames de filmes, reproduções de obras de
arte, reproduções de fotografias pessoais e a palavra escrita) forma pinturas
compostas de sobreposições de planos que objetivam a criação do aspecto de
colagem pretendido e não a intenção de criar ilusões de perspectiva como essa
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técnica de sobreposições sugere. É uma pintura completamente chapada com cores
bastante luminosas que estruturam toda a composição de cada tela.
O tratamento pictórico não é uniforme em toda a superfície da tela.
Existem lugares onde a tinta está mais plana e outros onde existe certo
emplastamento da mesma. As formas que aparecem nas telas são bastante definidas
e são algumas geométricas e outras orgânicas, fazendo assim que os trabalhos
ganhem um aspecto gráfico bastante definido.
A primeira tela que produzi tem o título de “Fingindo que não via ou Um
pouco preocupado”. É composta de todos esses elementos citados. Podemos
perceber que nela existe um fundo que toma praticamente metade do espaço
disponível da tela. Essa é uma composição que não me agrada muito onde acredito
não ter alcançado os principais objetivos que pretendia. Esse fundo, além de ocupar
um grande espaço, é também um pouco carregado, devido as suas pequenas formas.
Mas gosto dessa tela e acredito ter sido um grande avanço considerando as minhas
pinturas anteriores. Foi a primeira tela que pintei tanto para esse projeto como a
primeira que pintei com essas dimensões (183 x 245 cm). Encaro-a como um
grande aprendizado e essencial para essa nova fase em meus trabalhos.
Figura 10: MARCELINO, Vitor. Fingindo que não via
ou Um pouco preocupado. 2007. Acrílica sobre MDF.
183 x 245 cm.
Coleção particular.
Fonte: Acervo do artista.
Já a segunda tela tem uma composição que já me agrada mais. Os elementos
estão mais bem distribuídos. Existe também um fundo (uma estampa xadrez), mas
que se harmoniza totalmente com o restante do trabalho. As sobreposições estão
mais evidentes (na tela anterior os elementos estão muito distantes entre si), criando
assim uma composição mais calma mesmo tendo mais elementos que a primeira
pintura. Seu título é “Fazendo pose com Johnny Depp ou A decisão mais difícil”.
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Figura 11: MARCELINO, Vitor. Fazendo pose com
Johnny Depp ou A decisão mais difícil. 2007. Acrílica
sobre MDF. 183 x 245 cm.
Coleção particular.
Fonte: Acervo do artista.
A terceira tem uma estrutura mais rígida. Sua composição é bastante
centralizada e elementos estão mais definidos, não existe nenhuma junção mais
clara. Seu título é “Beijo ou O quarto do artista em Araxá e o quarto do Vincent em
Arles”.
Figura 12: MARCELINO, Vitor. Beijo ou O quarto do artista
em Araxá e o quarto do Vincent em Arles. 2007. Acrílica
sobre MDF. 183 x 245 cm.
Coleção particular.
Fonte: Acervo do artista.
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E assim se forma o universo que crio dentro do meu trabalho. São imagens
desconexas que estão nas minhas telas devido a sua importância emocional, mais do
que tudo. São imagens que falam de inúmeras questões amplamente coletivas, que
acabam tornando as minhas experiências pessoais desconsideráveis se analisarmos
pelo ponto de vista de quem vê o trabalho, mas se vocês o pudessem ver com os
meus olhos, descobririam o quão fascinante e quão desprezível é esse meu mundo.
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