3 - Revista Brasileira de Terapia Intensiva

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3 - Revista Brasileira de Terapia Intensiva
Volume 15 • nº 3
Julho/Setembro 2003
ISSN 0103-507X
NESTA EDIÇÃO
EDITORIAIS
O balanço inicial e
o “Bem Vindo”
Programas de aplicação
médica para palmtops –
Uma ferramenta poderosa
no manejo do paciente grave.
ARTIGOS ORIGINAIS
Análise comparativa do gasto
energético entre as equações
de Harris-Benedict e de Long
e a calorimetria indireta em
pacientes sépticos.
Gasto energético em
pacientes sépticos:
Correlação entre a
calorimetria indireta
e as equações preditivas
derivadas a partir de dados
hemodinâmicos.
Traqueostomia Percutânea
à Beira do Leito: Estudo
de 52 Casos.
Comparação entre dois
Métodos de Retirada do
Suporte Ventilatório
Mecânico no Pós-operatório
de Cirurgia Cardíaca.
Complicações da
Esofagectomia
Transmediastinal.
RELATO DE CASO
Broncoespasmo refratário
por Strongyloides stercoralis.
Volume 15 - Número 3 - Julho/Setembro 2003
Fundada em 1980
SUMÁRIO
Diretoria para o Biênio 2002-2003
Presidente
Dr. Jairo C. Bitencourt Othero
Vice-Presidente
Dr. Jefferson Pedro Piva
1º Secretário
Dr. Luiz Alexandre A. Borges
2º Secretário
Dr. José Maria da Costa Orlando
1º Tesoureiro
Dr. Marcelo Moock
2º Tesoureiro
Dr. Odin Barbosa da Silva
Associação de Medicina
Intensiva Brasileira
Rua Domingos de Moraes, 814
Bloco 2 – Conj. 23
Vila Mariana – CEP 04010-100
São Paulo – SP
Tel.: (11) 5575-3832
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A REVISTA BRASILEIRA DE TERAPIA INTENSIVA reserva-se
todos os direitos, inclusive os de
tradução, em todos os países signatários da Convenção Pan-Americana e da Convenção Internacional sobre os Direitos Autorais.
Os trabalhos publicados terão
seus direitos autorais resguardados pela AMIB, que em qualquer
situação agirá como detentora
dos mesmos.
Editorial
O balanço inicial e o “Bem Vindo”
47
Gilberto Friedman
Editorial
48
Programas de aplicação médica para palmtops – Uma ferramenta poderosa no
manejo do paciente grave
Marcelo Freire de Oliveira*, Werther Brunow de Carvalho**
Artigo Original
49
Análise comparativa do gasto energético entre as equações de Harris-Benedict e de
Long e a calorimetria indireta em pacientes sépticos.
Comparative analysis of energy expenditure between Harris-Benedict and Long’s equations
and indirect calorimetry in septic patients.
Francisco Antonio Coletto*, Flávio Marson*, Antonio Dorival Campos**, Júlio Sérgio
Marchini***, Anibal Basile-Filho****
Artigo Original
57
Gasto energético em pacientes sépticos: Correlação entre a calorimetria indireta e
as equações preditivas derivadas a partir de dados hemodinâmicos*.
Energy expenditure in septic patients: Correlation between indirect calorimetry and predictive
equations derivated from hemodynamic data*.
Anibal Basile-Filho*, Maria Auxiliadora Martins**, Maria Tereza Batiston***, Paula Pileggi
Vinha****
Artigo Original
Traqueostomia Percutânea à Beira do Leito: Estudo de 52 Casos.
Bedside Percutaneous Tracheostomy: a report of 52 cases.
64
Pedro Miguel Mattos Nogueira*, Luis Antônio Bustamante Monteiro**, Alcides Mariano de
Souza Jr.***, Marcos Rey Madeira****, Sérgio Sardinha
Artigo Original
70
Comparação entre dois Métodos de Retirada do Suporte Ventilatório Mecânico no
Pós-operatório de Cirurgia Cardíaca
Comparison of two Methods of Weaning From Mechanical Ventilation After Cardiac Surgery
Luciana Castilho de Figueirêdo*, Sebastião Araújo**, Carolina Kosour*, Cristina Aparecida
Veloso*, Orlando Petrucci Júnior***
Artigo Original
Complicações da Esofagectomia Transmediastinal
Complications of transmediastinal esophagectomy
77
Luciani Bassan*, Silvia M.T.P.Soares**,Desanka Dragosavac***, Sebastião Araújo****, Luiz
Roberto Lopes ****, Nelson Adami Andreollo*****
RELATO DE CASO
Broncoespasmo refratário por Strongyloides stercoralis
Refractory bronchospasm by Strongyloides stercoralis
Marilene da Silva Moura¹, Sérgio da Cunha², Gustavo Vaz³, Saturnino de Campos Sarat
Júnior³, Maria Cláudia Mattos Simão³
82
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO NESTA REVISTA
RBTI
REVISTA BRASILEIRA DE
TERAPIA INTENSIVA
Editor
Gilberto Friedman (RS)
Secretário
Thiago Lisboa
Editor Associado
Werther Brunow de Carvalho (SP)
Conselho Editorial
Álvaro Réa Neto (PR)
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Cid Marcos Nascimento David (RJ)
Edson Stefanini (SP)
Eliezer Silva (SP)
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Flávio de Barros Maciel (SP)
Gilberto Friedman (RS)
José Luiz Comes do Amaral (SP)
José Raimundo de A. Azevedo (MA)
Odin Barbosa da Silva (PE)
Paulo César Ribeiro (SP)
Paulo Gabriel Bastos (RJ)
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Rosane Goldweisser (RJ)
Sayonara de Fátima F. Barbosa (SC)
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Jornalista Responsável
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Diretora de Arte
Anete Salviano
Capa
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90
A Revista Brasileira de Terapia Intensiva é publicada trimestralmente (março, junho, setembro a dezembro) em um
único volume anual, editada pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) e destina-se fundamentalmente a
publicar artigos originais. Eventualmente, em casos excepcionais, serão aceitos relatos de caso. Revisão de literatura será
considerada quando de autoria de especialistas de reconhecido saber, ou a convite. Resumos de congresso ficarão a critério
do editor, bem como outras matérias de interesse da medicina intensiva e especialidades correlatas.
Tanto o Abstract (resenha condensada) como o resumo, deverão ser escritos de maneira estruturada na forma do
“Annals of International Medicine”.
Os textos devem ser escritos preferencialmente em português. Serão aceitos os trabalhos escritos em inglês ou em
espanhol, quando os mesmos forem realizados em serviços estrangeiros de língua inglesa ou espanhola, ou quando forem
escritos por experts convidados. Todos os trabalhos deverão ser acompanhados de um Abstract (resenha condensada),
necessariamente em inglês, seguindo o exemplo mostrado abaixo. O texto deve se fazer seguir de um resumo na língua em
que foi escrito (resumo, summary, resumen).
O texto deve ser digitado em espaço duplo e apresentado na seguinte ordem: Página de rosto, Título em inglês,
Abstract, Key Words, Introdução (deve ser feita, mas o título “Introdução” deve ser omitido), Material e Métodos, Resultados, Discussão, Resumo, Unitermos, Agradecimentos, Referências, Tabelas, Figuras, Legendas das Tabelas e das Figuras.
A Página de Rosto deve ocorrer: Título de artigo; Nome(s) do(s) autor(es) e respectivos títulos; Nome do Serviço ou
Instituição em que foi realizado o trabalho; Nome e endereço do autor principal para correspondência (a sair publicado);
Telefone e e-mail do autor para contato com o editor de texto; Fonte de patrocínio (bolsas, subvenções, ofertas de produtos).
Abaixo do resumo na língua em que foi escrito, enumerar, até um máximo de cinco, as palavras ou expressões indicativas
do conteúdo do artigo (Unitermos), de preferência com base no Index Medicus, para maior facilidade na indexação.
Os trabalhos deverão ser enviados em três vias e em disquete (sendo o texto salvo em Word, letra Times New Roman,
tamanho 12 e espaço 1,5). Não deverão ultrapassar 15 páginas digitadas, salvo casos autorizados pelo Conselho Editorial.
Esses trabalhos serão apreciados pelo Conselho Editorial que se reserva o direito de recusá-los e de fazer sugestões quanto
à sua estrutura ou à sua redação. As ilustrações (gráficos, tabelas, fotografias e desenhos) devem ser apresentadas em páginas
separadas, contendo suas respectivas legendas e assinalando sua exata localização no texto. Deverão, preferencialmente,
serem enviadas em forma original e/ou em disquete. Somente serão aceitas as ilustrações que permitirem boa reprodução.
As Referências devem incluir o material estritamente necessário, realmente citado no texto. As revistas devem ser
referidas de forma abreviada, segundo critérios internacionais. As citações no texto devem ser feitas por números índices
(sobrescritos e entre parentêses), correspondendo às respectivas referências listadas por ordem cronológica, não-alfabética. Os livros devem ser referidos pelo autor, título, cidade-sede da casa editora, nome da casa editora, número da edição
(a partir da 2ª), volume, ano da impressão, e páginas inicial e final citadas. Se se tratar de capítulo de livro, fazer constar: autor
do capítulo, título do capítulo, a palavra In (grifada), dois pontos, nome dos editores indicando com a abreviação eds., título
do livro (grifado), cidade da editora, nome da editora, nº da edição (a partir da 2ª), volume, ano da publicação, páginas citadas.
Quando o artigo tiver mais de três autores deverão ser citados os três primeiros seguidos de et al.
EXEMPLO DE ABSTRACT:
Background: Cardiovascular disease is a common cause of morbidity and death in persons with renal insufficiency.
Although 3-hydroxy-3methylglutaryl coenzyme A reductase inhibitors (statins) are effective for secondary prevention of
cardiovascular events in the general population, they have not been specifically studied in chronic renal insufficiency.
Objective: To determine whether pravastatin is effective and safe for secondary prevention of cardiovascular events
in persons with chronic renal insufficiency.
Design: Post hoc subgroup analysis of a randomized, double-blind, placebo-controlled trial.
Setting: The Cholesterol and Recurrent Events (CARE) study, a randomized trial of pravastatin versus placebo in 4159
participants with previous myocardial infarction and total plasma cholesterol levels less than 6.21 mmol/L (<240 mg/dL).
Participants: 1711 participants with chronic renal insufficiency defined by creatinine clearance less than or equal to
75 mL/min, using the Cockcroft-Gault equation.
Measurements: The primary outcome was death from coronary disease or symptomatic nonfatal myocardial infarction.
Results: After a median follow-up of 58.9 months, the incidence of the primary end point was lower in participants
receiving pravastatin than in those receiving placebo (adjusted hazard ratio, 0.72 [95% CI, 0.55 to 0.95]; P = 0.02).
Pravastatin was associated with lower adjusted hazard ratios for major coronary events (0.72 [CI, 0.59 to 0.88]; P = 0.001)
and coronary revascularization (0.65 [CI, 0.50 to 0.83]; P = 0.001), but not total mortality (0.81 [CI, 0.61 to 1.08]; P =
0.14) or stroke (0.62 [CI, 0.39 to 1.00]; P = 0.051). Tests for interaction suggested that the observed benefit was independent
of the presence and severity of renal insufficiency. Incidence of side effects was similar in persons receiving pravastatin
and those receiving placebo.
Conclusions: These data suggest that pravastatin is effective and appears safe for secondary prevention of
cardiovascular events in persons with mild chronic renal insufficiency. Since statins may be underused in this setting,
physicians should consider prescribing them for patients with chronic renal insufficiency and known coronary disease.
EXEMPLO DE REFERÊNCIAS
1. Leppänieme A,Haapiainen R,Kiviluoto T, et al. Pancreatic trauma: acute and late manifastations. Br J Surg 1988; 75: 165-7.
2. Carter DC. Pancreatitis and the biliary tree: the continuing problem. Am J Surg 1988; 155: 10-7.
3. Buchler M, Malfertheiner P, Berger HG. Correlation of imaging procedures, biochemical parameters and clinical stage in acute
pancreatitis. ln: Malfertheiner P, Ditschuneir H. eds. Diagnostic procedures in pancreatic disease. Berlin: Springer-Verlag 1986; 123-9.
4. Crystal RG. Interstitial lung disease. In: Wyngaarden JB, Smith LH. eds. Cecil textbook of medicine. Philadelphia: WB Saunders &
Co., 18th ed., 1988; 421-35.
Para fim desta Revista, tabelas e quadros correspondem à mesma coisa e são convencionados sob o nome Tabelas,
numeradas em arábicos. Figuras, também em arábicos, incluem desenhos, fotografias, esquemas e gráficos. À margem de
cada Tabela ou Figura, ou no verso, devem ser grafados a lápis sua numeração, título do trabalho e nome do autor, ou outras
indicações que facilitem sua absoluta clareza. Cada Tabela e cada Figura devem estar montadas ou feitas em folhas separadas
(uma para cada elemento) e também em disquetes. As legendas das Tabelas e das Figuras devem ser digitadas com claras
indicações a que se referem.
Esta Revista deve ser referida com as seguintes abreviações: Rev Bras Terap Intens.
A correspondência para publicação deve ser endereçada para:
RBTI - Revista Brasileira de Terapia Intensiva
AMIB
Rua Domingos de Moraes, 814 – Bloco 2 – Conj. 23
Vila Mariana – CEP 04010-100 – São Paulo – SP
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RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
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RBTI / EDITORIAL
O balanço inicial e o “Bem Vindo”
Gilberto Friedman
sta é a primeira edição sob a nossa responsabilidade. O editor anterior, o nosso amigo Cleovaldo, saiu com um sentimento que
o trabalho dele foi bom, mas que muito ainda poderia ser feito. A tarefa do Cleovaldo foi exemplar naquilo que ele se comprometeu inicialmente. A RBTI
foi regular e o número de artigos originais e de pesquisa cresceu. Parabéns Cleovaldo!
Contudo, eu sou otimista e entendo que existe produção científica em quantidade e qualidade para sustentar uma RBTI grande. Produção brasileira, sem
dúvida! Produção internacional, por que não!
A medicina intensiva brasileira é de longe a que
mais apresenta trabalhos em congressos e publica
estudos em revistas internacionais entre todos os
países de terceiro mundo. Em tempo, será que a nossa
produção científica é de terceiro mundo?
Ela existe e é majoritariamente desperdiçada em
bancos de dados no computador ou em teses de
mestrado ou doutorado que jamais são publicadas e
mofam em bibliotecas universitárias.
A nossa tarefa é, portanto, captar esta produção
científica para ser publicada na RBTI. Quais as
nossas estratégias? A primeira estratégia já foi aplicada: todos os artigos aqui publicados foram revisados por até três revisores. Os revisores convida-
E
Volume 15 - Número 3 - Julho/Setembro 2003
dos são necessariamente envolvidos em atividades
acadêmicas. O corpo editorial será renovado e os
critérios de seleção serão baseados na qualificação
acadêmica e científica. Assim como nós queremos
um “especialista” cuidando do nosso paciente na
UTI, tu leitor deves querer um “especialista” cuidando das publicações. Tanto os membros do corpo
editorial, bem como vários revisores estão sendo buscados em centros acadêmicos nacionais e internacionais (Argentina, Chile, Espanha, Uruguai). Por
fim, demos início a um processo de indexação no
Sistema SCIELO-BIREME que é referência para a
CAPES e fator decisivo para atrair a produção das
nossas universidades que só assim é reconhecida
pelos órgãos oficiais.
Provavelmente, o leitor não vai ainda notar grandes diferenças. A diagramação é a mesma, o corpo
editorial não foi reformado e o número de artigos é o
usual. Caro leitor, eu o convido a ler a RBTI, ela já
está sendo modificada para melhor há várias edições
e está melhor ainda. Se gostares, quem sabe a tua
próxima peça de estudo não seja enviada para ser
publicada na RBTI?
Agradecemos aos que nos confiaram esta tarefa,
aos antigos e aos novos colaboradores. Um “bemvindo” a todos os leitores!
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RBTI / EDITORIAL
Programas de aplicação médica
para palmtops – Uma ferramenta
poderosa no manejo do paciente grave
Marcelo Freire de Oliveira*, Werther Brunow de Carvalho**
a última década, temos acompanhado a utilização de palmtops para se agilizar a velocidade de informação para profissionais de
saúde, visando o diagnóstico e a decisão terapêutica.
A utilização dessa ferramenta não envolve nenhum
conhecimento sofisticado, ao contrário do que se possa
pensar em um primeiro momento. Atualmente, mais
de um quarto dos médicos canadenses possui um
palmtop e esse número deverá dobrar nos próximos
dois anos1,2. Esse crescimento se deve, em maior parte, pelos variados programas de aplicação médica
desenvolvidos para esse tipo de equipamento 3. Há
um grande número de títulos disponíveis, e novos
aplicativos surgem em velocidade crescente.
A maioria dos programas médicos está disponível
através da Internet. Sua obtenção (download) pode
ser gratuita ou paga. Alguns fornecedores permitem o
uso por tempo limitado de determinados programas –
o usuário, ao final desse período, deve pagar uma taxa
de registro para continuar utilizando o software.
Ao avaliar um programa, assim como qualquer
outra fonte de informação médica, o usuário deve estar
atento para certas características do software, especialmente a credibilidade dos autores, se a informação é atual e, tratando-se desse tipo de equipamento,
se os dados serão atualizados no decorrer do tempo,
à medida em que novas evidências sejam incorporadas ao assunto em questão. Outros itens a serem
avaliados são a abrangência das informações, a quantidade de memória do palmtop ocupada pelo programa e como as informações são apresentadas ao usuário, ou seja, quão “amigável” (userfriendly) é o
software. Finalmente, deve-se considerar o preço, a
existência de suporte técnico e o custo das atualizações ao escolher os programas que se adequem às
necessidades particulares de cada médico.
Atualmente, estão disponíveis programas de referência médica como o Harrison´s Principals of
Internal Medicine, Merck Manual, The Harriet Lane
N
*Preceptor da Residência Médica em Pediatria da Universidade Federal de São Paulo - EPM
** Livre-Docente do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo – EPM
92
Handbook of Pediatrics, Washington Manual of
Medical Therapeutics, Dorland´s Medical Dictionary,
5-Minute Consult Series, entre outros, cujos preços
variam entre vinte e cem dólares por programa.
Farmocopéias , fontes de informação extremamente populares entre profissionais médicos, estão também disponíveis, destacando-se, entre elas, ePocrates,
Drdrugs, A2zDrugs, MosbyDrugs e o Lexi-Drugs
Platinum, sendo apenas a primeira delas gratuita.
Outras categorias disponíveis são seleções de
publicações científicas, calculadoras médicas, programas para registro de pacientes e aplicativos de uso
geral, como processadores de textos, planilhas eletrônicas e softwares para realização de apresentações.
O avanço tecnológico dos palmtops tem acontecido
de forma muita rápida. Atualmente, estão disponíveis
máquinas com altos recursos e poder de computação.
Além das poderosas funções de computador, esse tipo
de equipamento está caminhando para reunir, em um
só aparelho, funções de envio de mensagens e dados,
telefone celular e pager, o que tornará o gerenciamento
de informações cada vez mais flexível, dinâmico e
passível de atualizações instantâneas.
Os programas disponíveis no mercado são inúmeros, e muitos deles de grande utilidade no dia-a-dia
no médico. A imensa maioria dos títulos, no entanto,
é disponibilizada em língua inglesa, e muitos aspectos da prática médica em nosso país não são contemplados. Resta aguardar que, à medida em que esses
equipamentos se popularizem entre médicos brasileiros, programas de qualidade comparável aos produzidos no exterior surjam em nosso meio, sintonizando a nossa prática com o que já é realidade em
outros países.
REFERÊNCIAS
1.
2.
3.
Adatia F, Bedard P L:”Palm reading”: 2. Handheld software for physicians.
CMAJ 2003;18:727-34.
Physician´s use of handheld personal computing devices increases from 15%
in 1999 to 26% in 2001. Harris Interactive. 2001 Aug 15. Disponível em
www. Harrisinteractive.com/news/allnewsbydate.asp?NewsID=345 (acessado
2003 Maio)
Martin S. MDs’ computer, PDA use on the upswing. CMAJ 2002; 167(7):794.
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
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RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Análise comparativa do gasto energético entre as
equações de Harris-Benedict e de Long e a
calorimetria indireta em pacientes sépticos.
Comparative analysis of energy expenditure between Harris-Benedict
and Long’s equations and indirect calorimetry in septic patients.
Francisco Antonio Coletto*, Flávio Marson*, Antonio Dorival Campos**, Júlio Sérgio Marchini***, Anibal Basile-Filho****
ABSTRACT
The measurement of accurate resting energy expenditure (REE) in critically ill patients is important to assess
nutritional needs. The purpose of this study is to compare Harris-Benedict equation (H-B) and its correction for
injury factors (CALC) and the indirect calorimetry (IC), in septic patients.
A total of 28 patients were enrolled in the study (15 males and 13 females), ranging from 46.6 ± 19.5 years old. The
APACHE II was 23.7 ± 7.8 with a risk of death of 48.5 ± 27.5. The sepsis score was 22 ± 7.7. The REE was obtained
by IC at four different times (T1, T2, T3 and T4) in a steady patient for at least 30 minutes. The patients were divided
in two groups; GI – n=19 – with four hourly measurements and GII – n=9 – with one measurement. The REECI mean
values to GI, from T1 to T4 were 1625, 1660, 1685 and 1705 kcal.d-1, respectively and 1351 kcal.d-1 to GII. The
REEH-B means were 1507.5 ± 208.1 (GI) and 1317.1 ± 240.7 kcal.d-1 (GII). When Long’s injury correction factors
were introduced, and the REE values increased in both groups (GI = 2894.5 ± 399, 6; GII = 2528.8 ± 462.1 kcal.d1
). As expected, the REEH-B shown a difference from REECI (p=0.02). However, with the correction factors, we
observed a statistical difference in both groups. For all patients, there was a variation of only 7.6% between REECI
and REEH-B, and an increase as much as 50% in energy requirements, when the REE was corrected.
Keywords: Sepsis, resting energy expenditure, indirect calorimetry.
atenção na determinação das necessidades
energéticas deve estar incluída entre os primeiros cuidados ao paciente em estado grave, uma vez que as alterações metabólicas provocadas
pela doença aguda tornam a avaliação nutricional um
difícil exercício clínico. Estes pacientes são caracterizados pelo aumento do gasto energético de repouso
e pelo balanço nitrogenado negativo, ambos correlacionados com a gravidade da doença ou extensão
do trauma(1,2). Historicamente, observa-se que pacientes febris e gravemente enfermos têm catabolismo
protéico aumentado, sendo que este conceito foi a
base do fornecimento alimentar superestimado aos
pacientes graves nas décadas de 70 e 80, particularmente por meio da terapia nutricional parenteral (3).
A
Atualmente, sabemos que há poucas vantagens e
muitos riscos potenciais na hiperalimentação e nos
últimos quinze anos um conceito de suporte
nutricional mais moderado tem se desenvolvido(4,5,6).
Em contrapartida, há várias décadas a má nutrição
tem sido descrita com alta prevalência hospitalar. Em
ambiente de terapia intensiva, segundo diversos critérios de avaliação, pode ocorrer em 30% a 50% dos
pacientes internados (7,8).
Diante dessas situações, a determinação apropriada
das reais necessidades energéticas do paciente em
estado crítico deve ser realizada. Este processo é
usualmente determinado por equações preditivas ou
calorimetria indireta. Sendo assim, particular ênfase
deve ser dada à mensuração do gasto energético total
*Médicos Assistentes e Pós-Graduandos da Disciplina de Terapia Intensiva do Departamento de Cirurgia e Anatomia da ------Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo
**Professor Associado do Departamento de Medicina Social (Estatística Médica) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto Universidade de São Paulo
***Professor Associado e Chefe do Laboratório de Espectrometria de Massa do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo
****Professor Associado e Chefe da Disciplina de Terapia Intensiva do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo
Dissertação de Mestrado realizada na Disciplina de Terapia Intensiva (Centro de Terapia Intensiva da Unidade de Emergência e
Campus – Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto) do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto da Universidade de São Paulo. Projeto de pesquisa financiado pela FAPESP (99/07266-7).
Av. Bandeirantes, 3900 – Ribeirão Preto – SP – CEP 14049-900 – E-mail: [email protected] – Tel.: (16) 602-2439
Volume 15 - Número 3 - Julho/Setembro 2003
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RBTI / ARTIGO ORIGINAL
ou real objetivando a administração adequada do
suporte nutricional. Na ausência da calorimetria
indireta, fórmulas presuntivas são rotineiramente utilizadas, como as tradicionais equações de HarrisBenedict(9), para o cálculo do gasto energético. Essa
equação pode subestimar ou superestimar o gasto
energético real em até 10% dependendo do paciente
e do tipo de doença(10). Muitos estudos encontraram
significativas diferenças entre os valores do gasto
energético medidos através da calorimetria indireta
com os resultantes de várias equações presuntivas (11,12). Fórmulas ou tabelas, como as de HarrisBenedict e Talbot(13) têm sido empregadas aos pacientes em estado grave para estimar o gasto energético.
É freqüente a utilização de fatores de correção específicos para os diversos tipos de injúria, visando atenuar as diferenças. Estes fatores variam de 1,0 a 2,7,
como relatado por muitos autores(12,14,15), embasados
nos achados de LONG et al. de 1979(16).
O objetivo do presente estudo é comparar as medidas do gasto energético obtidas pela calorimetria
indireta e pelas equações de Harris-Benedict e com
os fatores de correção para injúria e atividade nos
pacientes em estado grave, vítimas de sepse de qualquer origem e sob ventilação mecânica.
CASUÍSTICA E MÉTODOS
O estudo foi realizado no Centro de Terapia Intensiva (CTI) – Unidade de Emergência e Campus – do
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, tendo
sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do
referido Hospital (Processo HCRP nº 4989/99). A análise clínica prospectiva envolveu 28 pacientes de
ambos os sexos (15 do sexo masculino e 13 do sexo
feminino), sedados, vítimas de sepse de qualquer origem, com necessidade de ventilação mecânica, após
restauração volêmica, estabilização hemodinâmica e
respiratória em até cinco dias da internação no CTI e
terapia nutricional padronizada em 25-30 kcal.kg-1.d-1
(1kcal.mL-1). Os pacientes foram estudados do 1º ao
5º dia do início do quadro clínico de sepse.
Os critérios utilizados para o diagnóstico de sepse
e choque séptico foram estabelecidos pela conferência de consenso realizada pelo American College of
Chest Physicians/Society of Critical Care Medicine(17)
e todos os pacientes foram estratificados, à admissão
no Centro de Terapia Intensiva, de acordo com o
índice de gravidade APACHE II(18) e pelo sistema de
graduação de sepse SS – Sepsis Score(19), tanto para
os casos de sepse isoladamente como para os com
94
trauma associados à infecção. Os pacientes com trauma apresentavam-se com pneumonia e sépticos.
Os critérios de exclusão foram: idade > 85 e < 15
anos, necessidade de FiO2 (fração de oxigênio no ar
inspirado) > 0,6, PAM (pressão arterial média)
< 50mmHg, FC (freqüência cardíaca) <50 ou >140
bpm, presença de fístula aérea bronco-pleural, choque circulatório irreversível, diurese horária < 50
mL.h-1, morte encefálica e recusa do paciente ou de
seu representante em participar do estudo. O peso
dos pacientes foi obtido por medida direta através de
balança portátil (Slingscale 2002, Instrucom/Hill-Rom
series, Hillembrand Industries, EUA).
O protocolo teve duração média de cinco horas
por paciente, onde foram realizadas, em 19 pacientes, quatro medidas de calorimetria indireta em séries
de 30 minutos, intercaladas por aproximadamente 45
minutos. O intervalo de tempo entre as séries de medidas contou com 15 minutos destinados a procedimentos e cuidados rotineiros do serviço e 30 minutos
para estabilização das novas medidas, cujas técnicas e
equipamentos foram demonstrados com detalhes,
anteriormente(20,21). Em 09 pacientes foram realizadas
medidas únicas com período de monitorização variando de 30 a 60 minutos. Esta variação no delineamento
do protocolo ocorreu em decorrência de questões
como: agitação (01 paciente), necessidade de realização de procedimentos e exames complementares que
não poderiam aguardar todo o período do protocolo
(02 paciente), necessidade de aspiração endotraqueal
freqüente (04 pacientes) e problemas técnicos com o
calorímetro (02 pacientes).
Com a finalidade de uniformização da análise, os
pacientes foram separados em dois grupos: grupo I (19
pacientes com quatro séries de medidas de 30 minutos
de calorimetria) e grupo II (09 pacientes com as medidas isoladas). Para fins de padronização de nomenclatura, considerou-se como gasto energético de repouso
(GERH-B) o calculado através da equação de HarrisBenedict, de acordo com as equações abaixo:
Homens: GEB = 66,4730 + (13,7516 x Peso) +
(5,0033 x Altura) – (6,7550 x Idade)
Mulheres: GEB = 655,0955 + (9,5634 x Peso) +
(1,8496 x Altura) – (4,6756 x Idade)
Além disso, utilizou-se o termo gasto energético
real (GERCI), quando este foi obtido por calorimetria
indireta. Foi designado pela terminologia de gasto
energético total (GER CALC), o calculado através da
multiplicação dos valores obtidos no gasto energético
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
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RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Tabela 1. Cálculo do gasto energético com os fatores
de correção específicos (GERCALC) para atividade
e injúria propostos por LONG et al., 1979(16).
FA = Fator Atividade:
FI = Fator de injúria:
Acamado = 1,2
Cirurgia = 1,20
Trauma = 1,35
Deambulando = 1,3
Sepse = 1,6
Queimadura grave = 2,10
de repouso (GER H-B ) pelos fatores de correção de
Long específicos para injúria e para atividade (Tabela 1). Todos os pacientes encontravam-se
acamados (fator de correção para atividade de 1,2) e
sépticos. Apesar de seis deles apresentarem trauma
concomitantemente ao quadro infeccioso, todos
foram considerados como pertencentes à mesma
classe de injúria, sepse, com o fator de correção de
1,6, conforme a equação abaixo:
GERCALC = GERH-B x 1,6
A análise estatística levou em consideração as
médias dos valores obtidos para o gasto energético
de todos os pacientes, através dos dois métodos
(calorimetria indireta e equação de Harris-Benedict
com e sem a utilização do fator de injúria para sepse
e atividade). Os dados foram comparados empregando-se o teste não paramétrico para duas amostras
independentes de Mann Whitney, baseadas na hipótese nula de inexistência de diferenças entre os gastos energéticos obtidos pelo calorímetro e o calculado pela equação de Harris-Benedict corrigida ou não.
Foram consideradas estatisticamente significativas as
comparações para valor de p < 0,05.
RESULTADOS
Foram estudados 28 pacientes (15 homens e 13
mulheres), com idade média de 46,6 ± 19,5 anos. Os
dados referentes aos pacientes encontram-se na Tabelas 2. Os pacientes com o diagnóstico isolado de
sepse de várias etiologias (n = 22) representaram
Tabela 2: Diagnósticos clínicos e dados demográficos dos pacientes estudados. Pacientes de número 1 a 19 com quatro medidas de calorimetria indireta durante 30 minutos e de 20 a 28, com uma medida de 30 a 60 minutos.
PACIENTES
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
Média
Desvio Padrão
Mediana
Diagnóstico infeccioso
Pneumonia
Pneumonia
Pneumonia
Pneumonia
Pneumonia
Pneumonia
Celulite MID
Pneumonia
Pneumonia + Trauma
Pneumonia + Trauma
Pneumonia + Trauma
Pneumonia + Trauma
Pneumonia + Trauma
Pneumonia
Pneumonia
Pneumonia
Pneumonia
Abscesso Abdominal
Peritonite
Peritonite
Pneumonia
Pneumonia e Celulite
Pneumonia
Pneumonia
Doença de Chron e peritonite
Pneumonia
Pneumonia
Pneumonia e Trauma
Volume 15 - Número 3 - Julho/Setembro 2003
Sexo
F
F
M
F
M
M
M
M
M
M
M
M
M
M
M
M
M
F
F
F
F
F
F
F
F
F
F
M
Temperatura(°C)
37,3
36,4
38,2
36,9
35,3
37,0
37,8
38,6
37,4
37,1
37,8
38,3
38,1
36,6
36,1
37,0
36,3
37,2
38,4
36,0
37,4
37,5
37,2
37,5
36,4
38,5
36,5
36,6
37,19
0,84
37,2
Idade
39
38
32
78
67
72
22
51
28
35
19
16
31
69
48
68
55
41
23
69
57
42
45
81
59
65
38
18
46,64
19,49
43,5
Peso(kg)
53
62
63
70
77
62
70
57
67
74
67
65
70
60
80
58
80
88
62
60
70
45
47
63
75
54
44
78
65,04
10,90
64
Altura(cm)
150
162
167
163
170
160
170
160
173
177
177
174
176
160
177
160
170
162
160
170
165
160
165
165
168
165
165
180
166,82
7,05
165
95
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
78,6% do total, onde 09 (40,9%) eram do sexo masculino. Nos pacientes com trauma associado a sepse
(n = 6), todos eram do sexo masculino, representando 21,4% do total de pacientes. O SS médio de toda
a casuística foi de 20,7 ± 7,7. O peso corporal médio
foi de 65,0 ± 10,9 kg e a altura de 166,8 ± 7,0 cm. O
índice de APACHE II de todos os pacientes, no primeiro dia de internação na UTI foi de 23,7 ± 7,8 e o
risco de óbito geral calculado a partir do APACHE
II, de 48,5 ± 27,5%. A mortalidade geral da casuística
situou-se em 50% (n=14). As médias dos valores das
medidas do quociente respiratório (RQ), consumo de
oxigênio (VO2) e produção de gás carbônico (VCO2)
para cada paciente são detalhados na Tabela 3.
Ao total, foram realizadas 85 medidas de
calorimetria indireta nos 28 pacientes. Os valores
médios das medidas do gasto energético obtidos pela
calorimetria indireta (GERCI) para os 19 pacientes do
grupo I nos tempos T 1 a T 4, bem como os valores
médios do gasto energético dos 09 pacientes do grupo II com apenas uma medida (T 1), são mostrados
na Tabela 4. O valor médio do gasto energético basal
Tabela 4: Valores médios das medidas do gasto
energético real obtidas por calorimetria indireta
(GERCI), nos tempos T1 a T4, para os pacientes
do grupo I e média das medidas do GERCI dos
pacientes do grupo II (DP = desvio padrão).
19 pacientes (grupo I)
Tabela 3. Média dos dados colhidos dos pacientes.
Quociente respiratório = RQ, Consumo de
oxigênio = VO2, Produção de gás carbônico =
VCO2, Índice prognóstico APACHE II = AP II,
Risco de óbito calculado pelo APACHE II = AP II (%),
Sepsis Score (Graduação de sepse) = SS.
Pacientes
RQ
VO2
VCO2
APII
APII (%)
SS
1
0,77
223
171
31
73
21
2
0,89
170
151
11
14
12
3
0,82
294
242
28
72
11
4
0,9
196
175
28
66
10
5
0,99
225
222
16
24
19
6
0,94
193
182
28
78
28
7
0,81
286
232
26
73
25
8
0,92
268
246
24
43
23
9
0,96
202
195
20
28
27
10
0,75
284
212
12
11
26
11
0,80
306
244
17
11
45
12
0,89
241
214
26
55
9
13
0,85
292
238
15
16
17
14
0,90
208
186
33
88
26
15
0,76
211
160
24
52
15
16
0,75
264
179
27
63
16
17
0,76
252
191
27
58
17
18
0,80
256
207
14
11
28
19
0,74
279
203
16
23
27
20
0,80
185
148
20
38
21
0,82
215
177
31
68
22
0,80
209
168
17
16
17
23
0,93
152
143
33
84
10
24
0,78
195
152
38
83
17
25
0,89
213
188
10
13
28
26
0,95
177
167
27
75
19
27
0,92
144
132
36
85
24
28
0,87
280
243
28
38
17
Média
0,85
229,29
191,71
23,7
48,5
20,7
DP
0,07
45,89
34,04
7,8
27,5
7,7
Mediana
0,84
219
187
26,0
53,5
19,5
96
09 pacientes
(grupo II)
Tempo 2 Tempo 3 Tempo 4
Única
medida
Média 1625,32* 1660,05 1685,32 1705,37
1351,21
Tempo 1
DP
272,38
279,93
279,13
254,73
275,30
* Resultados expressos em kcal.d-1.
(GEBH-B) foi de 1507,5 ± 208,1 kcal.d-1 para os pacientes avaliados no grupo I e 1317,1 ± 240,7 kcal.d -1
para os do grupo II; valores obtidos através da equação de Harris-Benedict. Quando utilizados os fatores de correção para injúria e atividade (GET CALC),
os valores do gasto energético total calculado
representaram 2894,5 ± 399,6 kcal.d -1 e 2528,82 ±
462,15 kcal.d -1 , para os grupos I e II, respectivamente (Tabela 5).
Tabela 5: Valores médios e desvios-padrão dos
gastos energéticos obtidos pela equação de HarrisBenedict (GERH-B) e pela utilização dos fatores de
correção específicos para injúria e atividade
(GERCALC) e calorimetria indireta (GERCI),
em kcal.d-1, dos dois grupos de pacientes.
Procedimento
Grupos
I (n = 19)
II (n = 09)
GER CI
1669,00 ± 266,00*
1351,22 ± 275,34
20
GER H-B
1507,50 ± 208,10
1317,10 ± 240,70
25
GERCALC
2894,50 ± 399,60
2528,82 ± 462,15
*média ± desvio padrão.
O valor médio do gasto energético real (GER)
obtido através da calorimetria indireta foi de 1669,0
± 266,0 kcal.d-1 para o grupo I (19 pacientes) e de
1351,22 ± 275,34 kcal.d-1 para os demais (grupo II 09 pacientes). A Figura 1 ilustra os valores médios
correspondentes a toda a casuística, segundo os procedimentos GEBH-B, GER e GETCALC. Os resultados
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
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RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Figura 1: Comparação entre o gasto energético calculado
pela equação de Harris-Benedict (GERH-B), com os fatores de
correção para injúria e atividade (GERCALC) e com o gasto
energético real obtido por calorimetria indireta (GERCI).
evidenciaram diferença estatisticamente significante
entre o gasto energético médio resultante da equação
de Harris-Benedict (GEBHB = 1507,5 ± 208 kcal.d-1) e o
valor médio obtido pela calorimetria indireta (GER =
1669,0 ± 266,0 kcal.d-1) no grupo I (p = 0,02). No grupo II, não foi observada diferença estatisticamente
significante entre o GEBH-B (1317,1 ± 240,70 kcal.d-1)
e o GER (1351,22 ± 275,34 kcal.d-1) (p = 0,41). Para
ambos os grupos, quando aplicados os fatores específicos de correção propostos, houve diferença estatística.
Para toda a casuística, houve uma variação global de
7,6 %, em média, entre o GER e o GEBH-B, bem como
diferença estatisticamente significante entre eles, com
p = 0,007.
DISCUSSÃO
O objetivo deste estudo foi comparar o uso da equação de Harris-Benedict, com os fatores de correção
específicos para injúria e atividade propostos por Long
e com os valores obtidos através da calorimetria indireta para o cálculo do gasto energético em pacientes adultos vítimas de sepse, sob ventilação mecânica.
Classicamente, os pacientes em estado crítico são
caracterizados pelo aumento do gasto energético basal
e pelo balanço nitrogenado negativo, ambos correlacionados com a gravidade da doença ou a extensão do
trauma(1,2). A maneira mais rotineira de se medir o gasto
energético, nessa população de pacientes, é através da
equação de Harris-Benedict, acrescendo-se fatores de
correção para cada estado patológico. No entanto, esta
prática tem sido muito questionada por vários autores,
há algum tempo, pelo fato do emprego desta metodologia sub ou superestimar as reais necessidades
energéticas de cada paciente em até 50%(22,23,24,25). Uma
obervação muito interessante foi efetuada, recentemente,
Volume 15 - Número 3 - Julho/Setembro 2003
por Zauner et al.(25). Estes autores estudaram 25 pacientes submetidos à terapia nutricional parenteral, admitidos numa unidade de terapia intensiva, cuja objetivo
foi comparar o gasto energético total de pacientes sépticos (n=14) e não sépticos (n=11), no primeiro (D1),
no 2o (D2) e 7o (D7) dia de admissão. Curiosamente,
estes autores não observaram diferenças significativas
entre o grupo de pacientes sépticos e não sépticos em
D1, D2 e D7 (2,65±0,49 e 2,36±0,56 kJ.min -1 .m 2;
0,68±0,4 e 0,74±0,6 kJ.min-1.m2; 0,65±0,3 e 0,78±0,5
kJ.min-1.m2, respectivamente). É muito razoável supor
que o paciente criticamente enfermo apresenta uma série enorme de nuances que prejudicam a aplicação destas equações teóricas, em virtude, sobretudo, de sua
labilidade e inconstância fisiológica. Dentre os principais aspectos observados, pode-se incluir: - sedação e/
ou bloqueadores neuromusculares, catecolaminas
vasoativas, instablilidade hemodinâmica, terapia
nutricional (efeito termogênico), episódios de
bacteremias, temperatura corpórea (hipo ou hipertermia), procedimentos terapêuticos. Estas razões são
suficientes para explicar por que as predições do gasto
energético diários são de difícil precisão nesses pacientes, ocorrendo, às vezes, o mesmo com o uso da
calorimetria indireta. Em outras palavras, é muito difícil
atingir um steady state no paciente em estado crítico,
conseguindo-se medidas repetidas e constantes, em função do tempo(26). No presente estudo, nós observamos
um valor diferença de RQ constante durante o protocolo, refletindo a obtenção de um verdadeiro steady state
para os nossos pacientes.
É importante, contudo, salientar que quando estas
equações teóricas são utilizadas, pode ocorrer uma
adminstração de nutrientes inadequada conduzindo-se
à sub ou superalimentação, cujos efeitos deletérios já
foram bem documentados, dependentes ainda da via
de administração desses nutrientes (parenteral ou
enteral)(27). A inacurácia das equações teóricas tornase, particularmente, importante nos pacientes graves de
longa duração de doença. Estes pacientes são mais susceptíveis de evoluir para a síndrome de disfunção de
múltiplos órgãos e, conseqüentemente, de apresentar
uma deterioração do estado nutricional em virtude da
persistência do estado hipermetabólico. Neste grupo de
pacientes, a calorimetria indireta oferece a possibilidade de se observar a variabilidade do gasto energético
diário e proceder às correções necessárias, a fim de se
manter o balanço energético, durante todo o período de
internação. Nesse contexto, Vermeij et al.(28), utilizando
a calorimetria indireta em pacientes graves, investigaram se apenas uma medida diária do gasto energético
poderia ser extrapolada para todo o tempo de perma97
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
nência na unidade de terapia intensiva. Estes autores
observaram que apesar da média diária ser próxima da
média de 7 dias de estudo, ocorreram variações de até
31% para o mesmo paciente. No presente estudo, a média
do gasto energético medido pela calorimetria indireta
(GERCI) para toda a casuística foi de 1566,9 ± 304,1 kcal.d-1
e através da equação de Harris-Benedict (GERH-B) de
1446,3 ± 232,9 kcal.d-1; 7,6% abaixo das medidas obtidas pelo calorímetro (média de 120 kcal.d-1), enquanto
que as correções efetuadas sobre os valores do GERH-B
superestimam o gasto energético em mais de 50%.
De acordo com as considerações tecidas acima, quais
as conseqüências para o paciente criticamente enfermo
de uma sub ou superalimentação?
Sabe-se que a administração insuficiente de energia,
no paciente grave, é caracterizada por perda da massa
muscular magra e eliminação importante de nitrogênio,
via urina, conduzindo-o rapidamente a um estado de
deterioração e desnutrição. Sob estas circunstâncias, os
efeitos da desnutrição estão associados à redução da força da musculatura envolvida na respiração, levando a
dependência do paciente ao respirador, além de aumentar a sua predisposição às infecções, cujas conseqüências incluem, de maneira direta, o aumento da morbimortalidade do mesmo. Por outro lado, a administração
excessiva de nutrientes causa um estresse adicional, tendo
como conseqüências as complicações cardiopulmonares
(hipercapnia e dificuldades no desmame do respirador),
hepáticas e metabólicas(29,30,31,32,33).
Qual o papel da calorimetria indireta sobre a
individualização da oferta de nutrientes nestes pacientes? O uso da calorimetria pode evitar esses erros de
oferta?
Embora exista uma vasta literatura sobre o assunto,
poucos estudos bem controlados, no entanto, foram
conduzidos para responder a estas perguntas. Por exemplo, Vo et al.(4) analisaram o impacto de infusões de
altas concentrações de glicose parenteral (61 a 77% da
proporção calórica diária) sobre a morbi-mortalidade
de pacientes nas primeiras 24 horas de pós-operatório.
Estes autores observaram o comportamento do coeficiente respiratório (QR) de um grupo de pacientes que
recebeu 1,5 vezes o gasto energético basal (RQ>0,95)
e outro que recebeu 1,0 vez o gasto energético basal
(RQ<0,95). Foram observadas, no grupo que recebeu a
maior oferta glucídica, episódios sépticos com maior
freqüência e uma mortalidade maior quando comparados ao outro grupo que recebia os nutrientes apenas
para cobrir o gasto energético basal. Em um outro estudo clínico prospectivo e randomizado, foi comparado
o uso da calorimetria indireta e o uso de equações teóricas, durante a terapia nutricional enteral (21 dias) em
98
um grupo de pacientes jovens (média de idade de 33
anos) com queimaduras graves. Os autores concluíram
que havia uma diferença de apenas 20% entre os dois
métodos(34). A exata extensão pela qual a sub ou superalimentação podem ser prejudiciais para o paciente em
estado crítico permanece obscura, uma vez que por
razões éticas é muito pouco provável que estudos controlados provocando essas condições, nessa população
de pacientes, sejam conduzidos. Contudo, o consenso
atual é o de que a energia fornecida esteja em equilíbrio
com o gasto energético medido.
Além do que se verifica nos estados hipercatabólicos,
um gasto energético medido abaixo do calculado, através da equação de Harris-Benedict, pode sugerir uma
resposta hipometabólica. Realmente, diferentes estudos
demonstraram que 15 a 20% dos pacientes em estado
críticos são hipometabólicos(22,24,35). No entanto, antes
do paciente ser classificado como tal, devem ser verificados inúmeros erros técnicos durante a medição do
gasto energético pelo calorímetro, a saber: - a simples
colocação do paciente sob ventilação mecânica reduz
o gasto energético em 15 a 20%(36); - erro de calibração
do aparelho; -vazamentos nas conexões com o respirador e/ou tubo endotraqueal ou torácico, que podem
causar perdas de volume expiratório (VE), importantíssimo nos cálculos do gasto energético, efetuados pelo
microprocessador do calorímetro; - uso do peso do
paciente utilizado na equação de Harris-Benedict, pois
o peso medido pode ser diferente do peso habitual (ou
pré-hospitalar), por influência da intensa mobilização
do compartimento hídrico(37). Além disso, a formulação da dieta deve ser levada em consideração, por ocasião da interpretação dos dados fornecidos pelo
calorímetro. Em outras palavras, um regime misto
(carboidratos e lipídeos) está associado a um gasto
energético menor do que um regime apenas rico em
carboidratos. Foi demonstrado que quando a oferta está
em equilíbrio com a necessidade energética, os pacientes apresentam um gasto energético muito menor do
que aqueles que são hiperalimentados(38).
Os fatores mais importantes que podem causar o
hipometabolismo são a sepse e a síndrome de disfunção
de múltiplos órgãos. Nesses casos, existe uma perturbação do metabolismo oxidativo celular, cuja tendência
é a diminuição do gasto energético. Nesse particular,
Kreymann et al.(39) observaram a evolução temporal do
gasto energético em um grupo de pacientes em estado
crítico dividindo-os em 3 subgrupos: sepse, síndrome
séptica e choque séptico. Foi demonstrado que quanto
maior a gravidade do quadro infeccioso (choque séptico) menor é o gasto energético, porém maior é a mortalidade. Estes autores notaram, também, que na fase de
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
convalescença estes valores retornam rapidamente a normalidade. Estes achados sugerem que um certo grau de
hipermetabolismo deve fazer parte da defesa orgânica
contra uma agressão e que a identificação do hipometabolismo pode ser um fator prognóstico importante
para indicar o resultado final da doença.
Existem evidências de que as complicações das
doenças de base (pós-operatório complicado, sepse/choque séptico, trauma, queimaduras), como a síndrome
do desconforto respiratório agudo (SARA), acentuam
ainda mais o quadro clínico inicial de desnutrição e
perda nitrogenada urinária. Conforme foi salientado
anteriormente, vários estudos mostraram claramente que
as equações teóricas não são precisas e nem acuradas,
quando utilizadas neste tipo de complicação. Em um
estudo conduzido com 112 pacientes em estado crítico
sob ventilação mecânica, a energia medida foi 34%
maior do que o gasto energético basal com uma enorme variação de 11% abaixo a 82% acima dos valores
teóricos(22). Além do mais, é importante notar que o
hipermetabolismo é um fator denominador comum dos
pacientes graves com SARA, onde este tipo de paciente apresenta um grau interindividual muito variado de
gasto energético e variações intraindividuais diárias(40,41),
cujo objetivo da terapia nutricional é evitar ao mesmo
tempo a superalimentação e uma desnutrição profunda, reduzindo as chances de fadiga muscular e o desmame do respirador(42).
O hipermetabolismo observado nos pacientes com
SARA aumenta a produção de gás carbônico (VCO2),
agravando uma condição pré-existente de remoção de
gás carbônico (CO2)(38). A taxa de VCO2 depende do
grau de hipermetabolismo e do tipo e da quantidade de
nutrientes administrado(43). Assim, a quantidade de CO2
produzida por unidade de energia (kcal) é significantemente menor durante a oxidação dos lipídeos (0,15
L.kcal-1) do que para os carboidratos (0,20 L.kcal-1).
Mais uma vez, deve ser enfatizado que quando a terapia nutricional é isoenergética (energia administrada é
equivalente à energia gasta), com teores de carboidratos
abaixo de 60%, o impacto sobre a VCO2 é muito pequeno. Por outro lado, existem evidências de que a
administração de quantidades crescentes de calorias,
mesmo com o teor de carboidratos abaixo de 60%, existe um aumento proporcional da VCO2, da ordem de 20
(1,5 vezes o gasto energético real) a 50% (2 vezes o
gasto energético real)(33). Achados similares concuíram
que o hipermetabolismo que acompanha a SARA é o
principal determinante do aumento da demanda
ventilatória (VE demand)(44). No entanto, um aumento
na demanda ventilatória não prejudica a interpretação
dos dados calorimétricos obtidos à beira do leito,
Volume 15 - Número 3 - Julho/Setembro 2003
sobretudo se esses resultados forem expressos como a
média de diversos tempos, pois existem dados na literatura que mostram que mudanças no VE somente produzirão alterações na leitura do aparelho depois de, ao
menos, 120 minutos(45). Finalmente, face ao exposto, o
risco de um aumento adicional da VCO2 provocado
pela terapia nutricional no paciente grave com SARA é
melhor controlado através da medição da energia gasta, da VCO2 e da manutenção do RQ entre 0,8 e 0,95
com a calorimetria indireta e não através do uso de equações teóricas acrescidas dos fatores de injúria, onde o
risco de superestimação desse gasto, com conseqüente
superalimentação, é quase certo.
Em conclusão, estes resultados sugerem que a equação de Harris-Benedict, sem os fatores de correção para
injúria e atividade, aproximou-se mais do gasto
energético medido por calorimetria indireta nos pacientes em estado grave. Além disso, o uso rotineiro da
calorimetria indireta para guiar a suplementação calórica
nos pacientes sépticos parece ser a técnica mais adequada na avaliação do gasto energético real neste grupo de pacientes. Além disso, o desenvolvimento de estratégias portáteis, não invasivas e exatas para a medida
do VO2, à beira do leito, permite individualizar o planejamento nutricional de qualquer paciente grave. Nesse
particular, o uso da calorimetria indireta a fim de se
estimar o gasto energético pode permitir uma monitorização mais acurada das necessidades energéticas dos
pacientes e diminuir os riscos relacionados com hiper
ou hipo alimentação.
RESUMO
A determinação precisa das necessidades energéticas
está incluída nos cuidados ao paciente em estado grave. O objetivo deste estudo foi comparar o gasto
energético (GER) entre as equações de Harris-Benedict
(H-B), os fatores de correção específicos para injúria
de Long (CALC) e o a calorimetria indireta (CI), em
pacientes sépticos.
Foram estudados 28 pacientes com sepse (15 homens
e 13 mulheres), com idade de 46,6 ± 19,5 anos. O
APACHE II foi de 23,7 ± 7,8 e o risco de óbito de 48,5
± 27,5. O escore de sepse foi de 22 ± 7,7. Os pacientes
foram divididos em dois grupos (I – n=19 – com quatro
séries de medidas de CI durante 30 minutos e II – n=9 –
uma medida com período de 30 a 60 minutos). Os valores médios do GERCI no grupo I, nos tempos T1 a T4,
foram de 1625 kcal.d-1 (T1), 1660 kcal.d-1 (T2), 1685
kcal.d-1 (T3) e 1705 kcal.d-1 (T4), respectivamente. No
grupo II, com apenas única medida (T1), de 1351 kcal.d-1.
O valor médio GERH-B foi de 1507,5 ± 208,1 kcal.d-1
99
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RBTI / ARTIGO ORIGINAL
no grupo I e 1317,1 ± 240,7 kcal.d-1 no grupo II. Quando utilizados os fatores de correção de Long (GERCALC),
esses valores aumentaram nos dois grupos (I = 2894,5
± 399,6 kcal.d-1 e II = 2528,8 ± 462,1 kcal.d-1). Em
média, o GEBH-B foi estatisticamente diferente (p=0,02)
dos valores obtidos pela CI, apenas no grupo I. No
entanto, quando aplicados os fatores específicos de correção, foram observadas diferenças nos dois grupos.
Para toda a casuística, houve uma variação de 7,6%
entre o GERCI e o GERH-B (p=0,007). Em conclusão,
nossos dados demonstraram pequenas diferenças entre
o GER medido através da CI e o calculado pela equação de H-B, com pouca importância clínica. No entanto, os valores obtidos quando a equação é corrigida pelos
fatores de injúria, superestima o GER em mais que 50%.
Unitermos: Sepse, gasto energético, calorimetria
indireta.
AGRADECIMENTOS
Ao apoio financeiro complementar para a execução
deste projeto de pesquisa fornecido pela Fundação de
Apoio ao Ensino e Pesquisa (FAEPA) do Hospital das
Clínicas de Ribeirão Preto e Pró-Reitoria de Pesquisa
da Universidade de São Paulo.
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RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
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RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Gasto energético em pacientes sépticos: Correlação
entre a calorimetria indireta e as equações preditivas
derivadas a partir de dados hemodinâmicos*.
Energy expenditure in septic patients: Correlation between indirect
calorimetry and predictive equations derivated from hemodynamic data*.
Anibal Basile-Filho*, Maria Auxiliadora Martins**, Maria Tereza Batiston***, Paula Pileggi Vinha****
ABSTRACT
The objective of the present study is to compare the resting energy expenditure (REE) obtained by indirect
calorimetry (DELTA) to the REE calculated by the predictive equations (Brandi and Liggett) using the oxygen
consumption (VO2) obtained by indirect calorimetry or Fick’s method in septic patients. Fifteen adult patients (11
men and 4 women) were studied. The APACHE II at admission was 22.6±7.2, with a mortality risk of 46.1±27.7%.
Forty-five VO2 measurements were made using a portable metabolic cart connected to a respirator and a pulmonary artery catheter. The mean REEs obtained by indirect calorimetry and by Brandi and Liggett equations were
1699±271, 1815±355 and 1361±277 kcal.day-1, respectively. There were no statistically significant differences
between the two methods, with the two means showing a difference of 8.7%. REE values were close for DELTA
x BRANDI (r=0.80), but the correlation between DELTA x LIGGETT was only 0.58. Usually, in the intensive care
setting predictive equation is used to estimate the energy expenditure. The direct method most frequently used
to calculate REE is indirect calorimetry, although it can be obtained with a Swan-Ganz catheter. The results
suggest that REE can be easily calculated by obtaining VO2 with the Swan-Ganz catheter using the Brandi
equation even for septic patients under mechanical ventilation.
KEYWORDS: Oxygen consumption, resting energy expenditure, indirect calorimetry, sepsis.
doença aguda e o seu tratamento alteram, invariavelmente, o metabolismo do
paciente em estado crítico, acarretando
num aumento ou diminuição de seu gasto
energético. Por esta razão, a determinação precisa do gasto energético destes pacientes é obrigatória, sobretudo naqueles recebendo terapia
nutricional. Asseguram-se, assim, suas necessidades energéticas, evitando-se as complicações
associadas à hiper ou subnutrição, cujas conseqüências deletérias têm sido bem documentadas (1,2) . Muitos métodos de avaliação do gasto
energético no paciente grave foram descritos,
porém todos têm limitações. A calorimetria indireta, embora seja, atualmente, considerada um
A
“padrão ouro” possui limitações técnicas bem
conhecidas, tais como: exigência de pessoal treinado com disponibilidade de tempo, necessidade
de uma fração de oxigênio inspirado menor do
que 0,6 e custo elevado do equipamento (3,4,5) . Por
outro lado, os outros métodos existentes referemse às equações preditivas, tal como a clássica
equação de Harris & Benedict (6) , acrescida de
vários fatores de estresse, cuja finalidade é predizer o custo energético das alterações metabólicas, nessa população de pacientes (7) . Estas
equações são largamente utilizadas, pela sua
facilidade de execução e a um custo zero. No
entanto, estas se mostraram imprecisas numa
extensa variedade de situações clínicas bem defi-
*Professor Associado e Chefe da Disciplina de Terapia Intensiva do Departamento de Cirurgia e Anatomia do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo.
**Supervisora de Equipe Médica do Centro de Terapia Intensiva - Campus do Departamento de Cirurgia e Anatomia -da Faculdade
de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo.
***Médica Residente do Centro de Terapia Intensiva - Campus do Departamento de Cirurgia e Anatomia -da Faculdade de Medicina
de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo.
****Médica Adida (Research Fellowship) da Disciplina de Terapia Intensiva do Departamento de Cirurgia e Anatomia do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo.
Trabalho apresentado no 32nd Critical Care Congress, San Antonio, EUA, 2003.
Projeto de pesquisa financiado pela FAPESP 99/07266-7.
Centro de Terapia Intensiva – Campus, Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.
Av. Bandeirantes, 3900 – Ribeirão Preto – SP – CEP 14049-900
E-mail: [email protected]
( (16) 602-2439
Volume 15 - Número 3 - Julho/Setembro 2003
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RBTI / ARTIGO ORIGINAL
nidas, apresentando variações importantes inter
e intra-individuais (8,9,10,11,12) .
Outros métodos, muito empregados para calcular o gasto energético, desenvolvidos há algum
tempo, baseiam-se na equação de Fick, que utiliza dados hemodinâmicos, como o débito cardíaco, a concentração sérica de hemoglobina, as
saturações arterial e venosa mista de oxigênio,
obtidas através de um cateter triluminal inserido
na artéria pulmonar (13,14,15,16) .
Com base nessas informações, o objetivo do
presente estudo é avaliar o gasto energético em
pacientes sépticos, através da correlação entre a
calorimetria indireta e duas equações preditivas,
obtidas a partir de dados hemodinâmicos.
CASUÍSTICA E MÉTODOS
Este estudo clínico prospectivo foi realizado
no Centro de Terapia Intensiva do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto da Universidade de São Paulo. O projeto
foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa
do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, tendo sido obtido o termo
de consentimento livre e esclarecido em todos os
casos (4989/99 – HCRP). A investigação envolveu 15 pacientes adultos de ambos os sexos (11
do sexo masculino e quatro do sexo feminino),
com choque séptico, após restauração volêmica
e estabilização hemodinâmica. Os critérios utilizados para o diagnóstico de choque séptico foram
os estabelecidos pela conferência de consenso
realizada pelo American College of Chest
Physicians/Society of Critical Care Medicine (17) .
Os critérios de inclusão foram pacientes vítimas
de choque séptico do 1º ao 5º dia de evolução,
com indicação de monitorização hemodinâmica
invasiva. Os critérios de exclusão incluíam: idade > 85 e < 15 anos, necessidade de FiO 2 (fração
de oxigênio no ar inspirado) > 0,6, PAM (pressão
arterial média) < 50 mmHg, diurese horária < 50
mL.h -1 .
Todos os pacientes foram estratificados na
admissão na Unidade de Terapia Intensiva de
acordo com o índice de gravidade APACHE II (18)
e pelo sistema de graduação de sepse (19). Em todos
os casos foram realizados monitorização hemodinâmica invasiva e não invasiva, restauração
volêmica, ventilação mecânica (Servo 900C,
Siemens, Suécia), antibioticoterapia, drogas
vasoativas e terapia nutricional de acordo com o
102
gasto energético real calculado pela calorimetria
indireta. Os pacientes foram sedados com
benzodiazepínicos e/ou opiáceos e bloqueador
neuromuscular foi utilizado quando necessário.
O peso atual dos pacientes foi obtido através de
balança portátil eletrônica (Slingscale 2002, HillRom, Hillenbrand Industries, EUA). O protocolo
teve duração média de três horas, onde foram
realizadas três séries de medidas horárias e simultâneas do VO 2 e do gasto energético de repouso
(GER) pelo método de termodiluição e pela
calorimetria indireta. Todos os pacientes foram
submetidos a monitorização hemodinâmica
invasiva e a calorimetria indireta à beira do leito,
com calorímetro portátil cujos equipamentos e procedimentos foram descritos, em detalhes, anteriormente (20,21) . Paralelamente, foram colhidas
amostras de sangue venoso do orifício proximal
do cateter de Swan-Ganz (átrio direito), distal
(artéria pulmonar) do cateter de Swan-Ganz e sangue arterial (artéria radial) para análise dos gases
sangüíneos que nos permitiu avaliar a concentração de hemoglobina (Hb), a saturação de oxigênio no sangue arterial (SaO 2) e venoso (SvO 2) e a
pressão parcial de oxigênio no sangue arterial
(PaO 2) e venoso (PvO 2). Após a obtenção do VO 2
(mL.min -1) pelo método de Fick e dos valores dos
conteúdos de oxigênio no sangue arterial e venoso, foi possível calcular o GER (kcal.dia -1 ) de
acordo com as seguintes equações:
[1]
GER = VO 2 x 4,838 x 1,44
GER = VO 2 x 6,996
onde 4,838 kcal.L -1 (20,2 kJ.L -1 ) é o valor
calórico do oxigênio para um coeficiente respiratório (RQ) de, aproximadamente, 0,824 (este valor
é a média obtida para a população do presente
estudo, medido pela calorimetria indireta), assumindo-se uma excreção nitrogenada entre 13 e
15g.dia -1 e 1,44 é o fator de conversão para
kcal.dia -1 (14,15) .
[2]
VO2 = DC x (CaO2-CvO2) x 10
Onde:
DC = Débito Cardíaco (L.min -1 )
CaO 2 = Conteúdo arterial de O 2
(1,38 x Hb x SaO2) + (0,00301 x PaO2)
CvO 2 = Conteúdo venoso de O 2
(1,38 x Hb x SvO2) + (0,00301 x PvO2)
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
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RBTI / ARTIGO ORIGINAL
cada um dos 15 pacientes, totalizando 45 medidas. As técnicas de realização desse procedimento foram descritas minuciosamente em publicações anteriores (5,20,21) .
O teste estatístico utilizado para comparação
entre os dois métodos de avaliação foi o teste não
paramétrico dos sinais de Wilcoxon para duas
amostras correlacionadas. Para amostras seriadas
foi utilizado o fator de correção de Bonferroni.
Consideramos como estatisticamente significativas, as comparações com valor de p < 0,05. Foi
realizado também o coeficiente de correlação de
Pearson entre a variável (GER) obtida nos três
métodos.
Substituindo-se os valores acima na equação
[2] , obtém-se:
[3]
VO2 = DC x [((1,38 x Hb x (SaO2 – SvO2))
+ ((0,00301 x (PaO2- PvO2))] x 10
Assim, substituindo os valores da equação [3]
na equação [1], chega-se ao seguinte:
[4]
GER = 6,996 {DC x [(13,8 x Hb x
(SaO2 - SvO2) + 0,00301 x (PaO2 - PvO2)]}
GER = DC x [96,54 x Hb x
(SaO2 - SvO2) + 0,211 x (PaO2 - PvO2)]
Porém, a adição do valor, da equação acima,
de 0,211 x (PaO 2- PvO 2) representa menos de 1%
do resultado final do cálculo. Assim sendo, a
equação final e resumida para efeitos práticos é a
que se segue abaixo:
RESULTADOS
Foram avaliados 15 pacientes (11 do sexo
masculino e quatro do sexo feminino) com diagnóstico de choque séptico, em estabilidade hemodinâmica, admitidos na unidade de terapia intensiva entre o 3 o e 5 o dia de evolução. A idade
média variou de 41,3 ± 18,9 anos. O índice prognóstico APACHE II médio foi de 22,6 ± 7,2 com
risco de óbito calculado de 46,1 ± 27,7%. O SS
(Sepsis Score) médio foi de 20,3 ± 9,5. A mortalidade geral da população estudada foi de 20%
(n = 3). Os principais dados clínicos e demográficos dos pacientes estão demonstrados na
[5] GER = DC x [ 96,54 x Hb x (SaO2 – SvO2)]
A calorimetria indireta foi realizada em todos os
pacientes com o calorímetro portátil DELTATRAC
II Metabolic Monitor (Datex-Ohmeda, Finlândia).
A calibração de pressão barométrica e de gases
foi realizada antes de cada protocolo. Foram realizadas três séries horárias de medidas consecutivas, com duração de 30 minutos, do VO 2 para
Tabela 1 - Diagnósticos clínicos e dados demográficos da população estudada. Idade = anos,
Peso = kg, Altura = cm, AP II = Índice prognóstico APACHE II, Risco Óbito = Risco de óbito
calculado pelo AP II (%), SS = Sepsis Score (Graduação de sepse).
Paciente
Idade
Sexo
Altura
Peso
AP II
%RO
SS
Óbito
1
TCE +Pneumonia
Diagnóstico
28
M
173
67
20
28
27
Não
2
Pneumonia
39
F
150
53
31
73
21
Sim
3
TCE + Trauma de esterno
35
M
177
74
12
11
26
Não
4
Pneumonia
38
F
162
62
11
14
12
Não
5
TCE + Trauma de esterno
19
M
177
67
17
11
45
Não
6
Amputação de Membro Superior
16
M
174
65
26
55
9
Não
7
Pneumonia
78
F
163
70
28
66
10
Não
8
Pneumonia
32
M
167
63
28
72
11
Não
9
TCE + Trauma de esterno
31
M
176
70
15
16
17
Não
Não
10
Celulite de Membro Inferior E
22
M
170
70
26
73
25
11
Megacólon Chagásico
69
M
160
60
33
88
26
Sim
12
Pneumonia
48
M
177
80
24
52
15
Não
13
Pneumonia
68
M
160
58
27
63
16
Não
14
PO Neurocirurgia +Pneumonia
55
M
170
80
27
58
17
Sim
15
Politraumatismo + Pneumonia
41
F
162
88
14
11
28
Não
Média
41,3
167,9
68,5
22,6
46,1
20,3
DP
18,9
8,1
9,2
7,2
27,7
9,5
Volume 15 - Número 3 - Julho/Setembro 2003
103
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Tabela 1. A maioria dos pacientes (60%; n = 9)
foi vítima de pneumonia com insuficiência respiratória aguda. Não houve qualquer complicação
inerente aos procedimentos realizados durante o
estudo (cateterização venosa, punção arterial e
calorimetria indireta). A média dos GERs, para a
população estudada, obtidos pela calorimetria
indireta (DELTA) foi de 1669 ± 271 kcal.dia -1 e
calculados pelas equações de BRANDI e
LIGGETT foram de 1815 ± 355 e 1361 ± 277,
respectivamente (Tabela 2). A diferença dos valores observados entre a calorimetria indireta e
as equações preditivas situou-se em +8,7% (DELTA x BRANDI) (p<0,5) e – 22,7% (DELTA x
LIGGETT) (p>0,5). O coeficiente de correlação
entre a calorimetria indireta e a equação de BRANDI foi de 0,80 (Figura 1), enquanto que este
coeficiente foi de 0,58 quando a calorimetria
indireta foi correlacionada com a equação de
LIGGETT (Figura 2).
DISCUSSÃO
O objetivo desse estudo foi comparar o gasto
energético real obtido pela calorimetria indireta
com o GER calculado pelas equações preditivas
de Brandi e de Liggett, utilizando dados hemodinâmicos e o VO 2 obtido pelo método de Fick
em pacientes com choque séptico. Na realidade,
Tabela 2 – Gasto energético real (GER)
obtido através da calorimetria indireta (Delta),
das equações de Brandi (GER = VO2 x 6,996)
e de Liggett (GER = DC x [96,54 x Hb x
(SaO2 – SvO2)]), em kcal.dia-1. Os valores
do VO2 (em mL.min-1) e do coeficiente respiratório
(RQ), para cada paciente, representam a médias
das três medidas horárias seriadas.
Paciente
DELTA
BRANDI
LIGGETT
RQ
1
1881
1958
1473
1,06
2
1150
1443
955
0,73
3
1494
1413
1293
0,71
4
1717
1605
1309
0,97
5
1867
1693
1372
0,76
6
2229
1755
1783
0,82
7
1919
1419
1389
0,96
8
1923
1913
1249
0,81
9
1505
1499
1325
0,81
10
2383
1988
1475
0,81
11
1271
1229
898
0,90
12
2222
2089
1348
0,70
13
1891
1678
1191
0,74
14
1651
1371
1331
0,75
15
2118
1989
2021
0,83
Média
1669
1815
1361
0,824
DP
271
355
277
0,106
Figura 1.
Correlação entre
as médias dos
valores seriados
dos gastos
energéticos reais
obtidos pela
calorimetria
indireta (DELTA) e
pela equação de
Brandi (BRANDI)
(n = 15; r = 0,80).
Valores expressos
em kcal.dia-1.
104
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Figura 2.
Correlação entre as
médias dos valores
seriados dos gastos
energéticos reais
obtidos pela
calorimetria
indireta (DELTA) e
pela equação de
Liggett (LIGGETT)
(n = 15; r = 0,58).
Valores expressos
em kcal.dia-1.
o gasto energético de pacientes graves pode ser
estimado por uma variedade muito grande de
métodos. A maioria das fórmulas, propostas na
literatura, constitui-se em derivações da equação
de Harris & Benedict, desenvolvida, a princípio,
para indivíduos normais. Desde que, por definição, o gasto energético basal é a necessidade de
energia mínima de indivíduos saudáveis em
repouso, um problema aparece quando esta energia deve ser calculada para os pacientes em situações especiais, como a sepse, o trauma e as queimaduras extensas. Os esforços de alguns autores
em melhorar a precisão da equação de Harris &
Benedict para estas situações, adicionando fatores de estresse à equação original (7) , introduziu
uma causa de erro e, talvez de custo, ainda maior,
no planejamento da terapia nutricional. Acurácia
na administração da terapia nutricional é importante nesta população de pacientes, visto que é
por demais conhecido o fato de que a administração insuficiente de nutrientes deprime o “drive”
ventilatório (22), diminui a força dos músculos respiratórios (23) e gera imunodepressão (24) . Por outro
lado, a hipernutrição causa hiperglicemia, infiltração gordurosa do fígado e pode favorecer o
aparecimento de acidose respiratória e dificuldades de desmame do respirador (25) . Sendo assim,
pelo fato da hiper ou subnutrição serem deletérias, a calorimetria indireta ficou em voga, tornando-se, atualmente, o padrão ouro, para o cálculo das necessidades energéticas.
Contudo, em virtude da calorimetria indireta
Volume 15 - Número 3 - Julho/Setembro 2003
ser pouco praticada em nosso meio, a tentativa
do presente estudo foi avaliar duas equações baseadas em dados hemodinâmicos e correlacionálas com a calorimetria, sobretudo pela razão de
que a maioria das unidades de terapia intensiva
tem a rotina de introduzir um cateter triluminal
na artéria pulmonar, para fins de exploração
hemodinâmica. Nós optamos por avaliar o comportamento das duas equações mais difundidas,
a de Brandi e a de Liggett. Originalmente, Liggett
e cols. (13) , em 1987, sugeriram um novo método
de obtenção do gasto energético em 19 pacientes
com cateter posicionado na artéria pulmonar. Estes
autores desenvolveram uma equação baseada em
dados hemodinâmicos e correlacionaram com a
calorimetria clássica. De acordo com este estudo
inicial, houve uma boa correlação entre os dois
métodos (r = 0,90, p<0,0001). A partir desses
achados, inúmeros estudos foram delineados, com
a finalidade de confirmar estes achados.
Tentativas foram feitas, em nosso meio, de
correlacionar a calorimetria indireta com a equação de Liggett. Rocha e cols. (26) realizaram um
estudo prospectivo em 30 pacientes graves sob
ventilação ventilação mecânica. Estes autores
encontraram uma correlação de 0,66 entre os dois
métodos, subindo para 0,86 quando um fator de
correção, deduzido a partir da regressão linear
obtida na casuística, foi adicionado aos dados para
o cálculo do gasto energético. Por outro lado,
Flancbaum e cols. (10) , em 1999, estudaram 36 pacientes em estado crítico sob ventilação mecâni105
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
ca e encontraram uma fraca correlação entre o
gasto energético medido pela calorimetria indireta e pela equação de Liggett (r = 0,28). Os autores atribuem estes achados ao fato de que qualquer variação num dos componentes da equação
de Fick pode introduzir erros no cálculo do gasto
energético. De acordo com os autores a SvO 2 pode
flutuar durante o período de estudo, pois uma queda de seu valor abaixo de 60% pode ser indicativo
de um aumento do consumo tecidual de oxigênio
ou o comprometimento de uma das variáveis ligadas ao transporte de oxigênio (27). Embora estas
informações tenham uma certa lógica, a casuística
do nosso estudo apresentou uma SvO 2 e SaO 2
dentro dos limites da normalidade (SvO 2 = 80 ±
5%, com variação de 65 a 88%; SaO 2 = 99 ± 1%,
com variação de 96 a 100%), sendo improvável
que a correlação encontrada (r = 0,58) deva ser
responsabilizada apenas pelas pequenas variações
dessas variáveis. Outra explicação em potencial
para a fraca correlação entre os dois métodos pode
ser devida à alteração da relação entre a oferta e
a demanda de oxigênio, situação descrita para a
sepse (28) . Porém, a razão mais provável, que
inclusive foi o principal desafio para a validação
deste conceito inicial, está ligada ao acoplamento
matemático das diversas variáveis hemodinâmicas
envolvidas no cálculo (29) (equações de 1-6).
Os pacientes do presente estudo apresentaram
um consumo de energia de 1669 ± 271 kcal e um
APACHE II de 22,6 ± 7,2. Estes dados são
indicativos de doença grave e, conseqüentemente,
de estresse metabólico. Interessantemente, os
escores de gravidade da doença foram utilizados
para predizer o gasto energético de pacientes em
estado crítico. Swinamer e cols. (30) demonstraram
que pacientes com um APACHE II > 20 apresentam uma correlação muito ruim entre os dados
calorimétricos e os dados obtidos pelo método de
Fick, onde diferenças individuais, entre os dois
métodos, de até 50%, foram encontradas. Ainda,
erros técnicos ou de interpretação dos resultados
podem ser introduzidos, em ambos os métodos,
na obtenção do VO 2. É sempre bom lembrar que
no cálculo do VO 2 obtido pelo método de Fick há
uma limitação inerente à sua utilização, que é o
fato deste procedimento não levar em conta o consumo pulmonar de O 2. O consumo total de O2 pode
ser subestimado em até 25% na vigência de
infecções pulmonares, em pacientes sob ventilação mecânica (31) .
Em relação à proposta de se calcular o gasto
106
energético pela equação GER = VO 2 x 6,996,
empregando o VO 2 obtido pelo método de Fick,
Brandi e cols. (14) compararam a obtenção do gasto energético pelo método de Fick e pela
calorimetria indireta em um grupo de 26 pacientes na fase de pós-operatório de traumas diversos, ventilando espontaneamente. Estes autores
encontraram uma excelente correlação entre os
dois métodos (r = 0,96, p<0,001). Deve ser
enfatizado que em nosso estudo todos os pacientes foram submetidos à ventilação mecânica e,
mesmo assim, a correlação entre os dois métodos
foi de 0,80. Nós nos permitimos utilizar a mesma
equação pois a variável 6,996 (equação 1) foi
obtida a partir de um RQ médio de 0,827, extremamente próximo à média de 0,824 encontrado
na presente casuística (Tabela 2). Nesse particular, deve ser enfatizado que nessa equação a
introdução de um valor fixo de RQ (0,824) e uma
excreção nitrogenada entre 13 e 15g.dia -1 , introduz um erro de, aproximadamente, 3,6% em virtude do valor calórico do oxigênio se situar entre
4,686 a 5,047, para um RQ com variação fisiológica de 0,70 a 1,00, respectivamente. Esta margem de erro, para fins de cálculo de gasto
energético pode ser negligenciada.
Finalmente, embora a calorimetria indireta seja
o método mais confiável para medir as necessidades de energia de um determinado paciente, a
correlação satisfatória encontrada entre a calorimetria e a equação de Brandi, e a pequena diferença, de apenas 8,7% entre os dois métodos,
permite a proposta de utilização desta equação,
mesmo para pacientes sépticos sob ventilação
mecânica. O presente estudo sugere que a predição do gasto energético realizado por este simples procedimento pode ser empregada para fins
clínicos, sobretudo nas unidades de terapia intensiva que dispõem somente da técnica de inserção
de cateter triluminal na artéria pulmonar. Além
disso, a equação emprega apenas o VO 2 , como
variável a ser estimada, que gira em torno de 75%
do cálculo do gasto energético total (15) .
RESUMO
O objetivo do estudo foi comparar o gasto
energético real (GER) obtido pela calorimetria
indireta com o GER calculado pelas equações
preditivas de Brandi e de Liggett, utilizando dados
hemodinâmicos e o consumo de oxigênio VO 2
obtido pelo método de Fick em pacientes com choRBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
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RBTI / ARTIGO ORIGINAL
que séptico. Foram estudados 15 pacientes adultos (11 homens e 4 mulheres). O APACHE II de
admissão foi de 22,6±7,2, com risco de mortalidade global da casuística de 46,1±27,7%. Foram
obtidas 45 medidas do VO 2 em três medidas seriadas horárias, através de um calorímetro portátil
(DELTA) conectado a um respirador e através de
um cateter triluminal inserido na artéria pulmonar. Os GERs médios obtidos pela calorimetria
indireta e estimados pelas equações de Brandi e
Liggett foram de 1669±271, 1815±355 e 1361±277
kcal.dia -1 , respectivamente. Não houve diferenças estatísticas entre os dois primeiros métodos
(DELTA x BRANDI), sendo que as duas médias
apresentam uma diferença de 8,7%. Foram observados GERs próximos entre esses dois métodos
(r = 0,80), porém com uma correlação entre DELTA x LIGGET de apenas 0,58. Ainda é rotineiro,
nas unidades de terapia intensiva o uso de equações preditivas para o cálculo do GER. O método
mais direto para a obtenção do GER é a calorimetria indireta, embora este dado possa ser
obtido através do cateter triluminal. Pelo fato da
calorimetria indireta não ser muito utilizada, em
nosso meio, os resultados obtidos apontam para
o fato de se poder obter facilmente o GER, através da obtenção do VO 2 pelo método de Fick,
inclusive para doentes sépticos sob ventilação
mecânica.
UNITERMOS: Consumo de oxigênio, gasto
energético, calorimetria indireta, sepse.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
17.
18.
19.
20.
21.
AGRADECIMENTOS
22.
Ao apoio financeiro complementar para a execução deste projeto de pesquisa fornecido pela
Fundação de Apoio ao Ensino e Pesquisa (FAEPA)
do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto e PróReitoria de Pesquisa da Universidade de São Paulo.
23.
24.
25.
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○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Traqueostomia Percutânea à Beira do Leito:
Estudo de 52 Casos.
Bedside Percutaneous Tracheostomy: a report of 52 cases.
Pedro Miguel Mattos Nogueira*, Luis Antônio Bustamante Monteiro**,
Alcides Mariano de Souza Jr.***, Marcos Rey Madeira****, Sérgio Sardinha
Abstract
Background: The bedside percutaneous dilatational tracheostomy in the intensive care unit is now considered
an alternative and safe tool to provide long- term airway management.
Objetive: To assess the procedure reproductibility, the complications related to it and its safety, in order to be the
method of choice when a long- term airway is necessary for patients in a Intensive Care Unit (ICU) of a hospital.
Design: Longitudinal sudy of 52 consecutives bedside percutaneous tracheostomies performed in a ICU.
Setting: ICU of Military State Police Hospital, Rio de Janeiro
Material and Methods: From January 2001 to February 2003, 52 percutaneous tracheostomy were performed in
the ICU and were prospectivelly followed. The performance time and the frequency and kind of complications
related to it were assessed.
Results: In the 52 percutaneous tracheostomy performed, 67,3% of patients were male. The mean age was 59,4±
15,8 years. They have been intubaded for a mean time of 11,8 ± 4,6 days by the time they were submitted to
percutaneous tracheostomy. The procedure took a mean time of 7± 2,6 minutes long to be performed. There were
11% of complications, which were mainly minor bleedings. Patients with higher creatinine levels, previous
tracheostomy, and with spinal cord trauma, had a higher incidence of complications (p=0,02). Infection of
stoma, pnemothorax, or death related to the procedure were not observed.
Conclusions: Percutaneous tracheostomy is a safe method and should be evaluated as the one of choice when
providing a tracheostomy in the setting of an ICU, once it takes few time to be performed and has a low incidence
rate of serious complications.
Keywords:Percutaneous dilatational tracheostomy, critically ill patients, airway management.
esde a descrição da técnica da traqueostomia em 1909 por Jackson, ela vem sendo utilizada ao longo de todo o século passado(1), sendo considerado o procedimento cirúrgico
mais freqüentemente realizado em Unidades de
Terapia Intensiva (UTI)(2).
Apesar da entubação oro traqueal ser o procedimento inicial de escolha para o manuseio da via aérea,
a traqueostomia é considerada o método ideal nos
pacientes com perspectiva de permanecerem em
assistência ventilatória a longo prazo(3).
Seldinger introduziu em 1953, a técnica de
cateterização vascular percutânea com o auxílio de
um guia(4). Esta técnica foi adaptada para vários pro-
D
cedimentos, inclusive para a traqueostomia percutânea (5). A primeira traqueostomia percutânea foi
descrita por Shelden e cols em 1955, com alto índice de complicações(6). Em 1969, Toy and Weinstein
aperfeiçoaram o método (7) e, finalmente, em 1985,
a técnica de traqueostomia percutânea com o uso
de dilatadores seqüenciais sobre um fio guia foi desenvolvida por Ciaglia e cols.(8). Hoje, dispomos de
“kits” com um único dilatador, que substitui os múltiplos dilatadores, facilitando a realização do procedimento (1) .
A traqueostomia percutânea utilizando a técnica
de Seldinger, é um método alternativo para o estabelecimento de via aérea de longa duração nos doentes
*Chefe de Clínica do CTI do HCPM Rio de Janeiro - Coordenador Clínico da UTI Cirúrgica do Hospital Pró Cardíaco R.J. - Intensivista
pela AMIB - Presidente do Dept. de Emerg. e Terapia Intensiva da SOCERJ
**Chefe do CTI HCPM Rio de Janeiro - Intensivista pela AMIB - Mestre em Cardiologia pela UERJ
***Residente do Serviço de Pneumologia do HCPM Rio de Janeiro
****Cirurgião de Tórax do HCPM Rio de Janeiro
*****Chefe do Serviço de Cirurgia de Tórax do HCPM Rio de Janeiro
Trabalho realizado no Centro de Tratamento Intensivo do Hospital Central da
Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro.
Autor Principal: Pedro Miguel Mattos Nogueira
Endereço: Rua Pinto Guedes n.140 apt. 501 Tijuca Rio de Janeiro cep 20.511-320
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RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
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em UTI. Em vários estudos(1,5,8,9,15) mostrou ser uma
opção segura, com baixas taxas de morbi-mortalidade, e menor incidência de complicações tardias quando comparada à cirúrgica(5), além do fato de poder
ser realizada sem a necessidade de submeter o paciente a um transporte de risco até o centro cirúrgico, ou
de se ocupar uma sala de cirurgia para a realização
do procedimento (9).
Alguns serviços já utilizam esta técnica como método de eleição nos pacientes críticos (9), tendo este
fato nos motivado à realização deste estudo que tem
como objetivo principal a avaliação da reprodutibilidade do procedimento e como objetivo secundário avaliar as suas complicações a fim de torná-lo o
método de escolha diante da indicação de uma
traqueostomia em pacientes críticos internados na UTI
do Hospital Central da Polícia Militar do Rio de
Janeiro (HCPM-RJ).
MATERIAL E MÉTODOS
Estudo longitudinal realizado na UTI do HCPMRJ no período de janeiro de 2001 a fevereiro de
2003. O serviço possui 10 leitos e atende a pacientes adultos críticos, oriundos de todos os setores do hospital.
Critérios de inclusão: foram incluídos de forma
consecutiva, todos os pacientes com indicação de
traqueostomia segundo critérios estabelecidos pelo
consenso do American College of Chest Physicians
de 1989 (3) .
Critérios de exclusão: foram excluídos pacientes com distúrbios de coagulação diagnosticado
através de contagem de plaquetas inferior a 40.000,
tempo de ativação de protrombina (TAP) inferior
a 40% ou tempo parcial de tromboplastina (PTT)
superior a 2 vezes o padrão, pacientes com grave
instabilidade hemodinâmica caracterizada por
hipotensão refratária ao uso de aminas vasoativas,
grave injúria pulmonar, caracterizado pelo uso de
pressão positiva expiratória final (PEEP) igual ou
superior a 20 mmHg, presença de infecção sobre
o sítio de punção, necessidade de acesso à via aérea
de urgência e vaso sanguíneo visível no sítio de
punção.
TÉCNICA
Utilizamos o “kit” de único dilatador (Blue
Rhino, Cook-USA.) , em todos os casos.
Em todos os pacientes foi realizada a traqueostomia sob visualização direta com auxílio de
Volume 15 - Número 3 - Julho/Setembro 2003
broncoscópio flexível, realizada por um broncoscopista cirurgião de tórax. Os pacientes, todos em
ventilação mecânica, eram adequadamente
posicionados em decúbito dorsal com hiper extensão do pescoço e sedados. A sedação padronizada
foi de fentanil 250mcg, associado a midazolan
15mg, e posteriormente, curarização com pancurônio ou antracúrio.
Eram realizados ajustes na prótese ventilatória,
com fornecimento de fração inspirada de oxigênio
(FiO2) de 100% , diminuição do fluxo inspiratório
visando redução das pressões de via aérea e
aumento do limite do valor do alarme da pressão
de via aérea até 60 mmHg, para permitir adequado
volume corrente a despeito da presença do
broncoscópio na luz do tubo oro traqueal. Os
pacientes foram adequadamente monitorados quanto à pressão arterial e oximetria de pulso.
Utilizando-se da transluminação proporcionada pelo broncoscópio, a região eleita, após adequada degermação, era anestesiada topicamente e
posteriormente puncionada, preferencialmente
entre o primeiro e segundo anel traqueal ou entre
o segundo e terceiro. Seguia-se os passos descritos da técnica inicialmente descrita por Ciaglia e
cols. (8) , que sofreu pequenas modificações ao
longo dos anos(1). Em nossa casuística, o único momento em que se incisava a pele era após a passagem do guia, quando se realizava uma incisão longitudinal a partir do sítio de inserção do mesmo,
em sentido superior, nunca maior que 5 mm. Em
algumas ocasiões, para facilitar a passagem do
dilatador, a pele era cuidadosamente divulsionada
com uma pinça cirúrgica.
As seguintes variáveis foram avaliadas: idade
dos pacientes; sexo; diagnóstico de base; número
de dias de entubação no momento da traqueostomia;
duração do procedimento, estabelecida como a partir do momento da infiltração do anestésico local
até o adequado posicionamento da cânula de
traqueostomia; contagem de plaquetas (superior a
100.000 mm³); creatinina sérica superior a 1,5 mg/
dL; complicações durante o procedimento, tais como
sangramento superior a 10 ml; falso trajeto durante
o posicionamento da cânula; desaturações (avaliada pela oximetria de pulso <90%) ou hipotensão
(pressão sistólica<90 mmhg) prolongadas (maiores
de 60 segundos), óbito relacionado ao procedimento; características sugestivas de dificuldade, tais
como pescoço curto, obesidade, traqueostomias prévias e se o procedimento foi considerado de difícil
realização pelo operador.
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ANÁLISE ESTATÍSTICA
Para a análise estatística, utilizou-se o programa
SPSS versão 10.0 para Windows. As variáveis numéricas foram expressas por média, desvio-padrão e
mediana, quando recomendado. As variáveis categóricas foram expressas como freqüência absoluta e
relativa. Na análise estatística de variáveis categóricas foram realizados os testes de Qui-quadrado e exato
de Fisher, quando necessário. Foi adotado o nível de
significância de 0,05.
RESULTADOS
No período de janeiro de 2001 a fevereiro de 2003,
foram realizadas 52 traqueostomias percutâneas em
pacientes internados em uma UTI, todas com o auxílio de broncoscopia.
O sexo masculino foi o predominante, com 35
casos (67,3%). A média de idade dos pacientes foi
de 59,4 ± 15,8 anos. O tempo médio de entubação
foi de 11,8 ± 4,6 dias, (figura 1). Houve grande variabilidade do tempo de entubação na ocasião da
traqueostomia em função da precocidade das mesmas em doentes com grave comprometimento do sistema nervoso central.
Tabela 1: Diagnósticos dos pacientes submetidos a
traqueostomia percutânea. (n= 52).
Diagnóstico
N. de
pacientes
Percentual
Acidente vascular encefálico
15
28,8%
Trauma crânio encefálico
7
13,4%
D. P.O.C.
6
11,5%
Trauma por arma de fogo
4
7,7%
Peritonite
4
7,7%
Pneumonia
3
5,7%
Cardiopatia isquêmica
3
5,7%
Sepsis/Sara
2
3,8%
Obesidade Mórbida
2
3,8%
Trauma raqui-medular
2
3,8%
Meningite
1
1,9%
Pós op.cir. vascular
1
1,9%
Pós op.cir. cardíaca
1
1,9%
Trauma de face
1
1,9%
A duração média do procedimento, foi de 7,0 ±
2,6minutos (figura 2).
Figura 2:Tempo de duração (minutos) das 52
traqueostomias percutâneas realizadas.
Figura 1: Tempo em dias de intubação oro
traqueal nos 52 pacientes ao ser realizada
a traqueostomia percutânea.
As patologias de base mais freqüentes foram Acidente Vascular Cerebral (28,8%), trauma crânio
encefálico (13,4%) e D.P.O.C. (11,5%) além de
outras, como descrito na tabela 1.
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Treze pacientes (25%) entre os 52 estudados preenchiam critérios que sinalizavam para a maior possibilidade de complicações, a saber: elevação da
creatinina acima de 1,5mg/dl, obesidade mórbida,
traqueostomia prévia, trauma raqui-medular cervical,
grave mediastinite. Dois pacientes tinham mais de
um critério. O número de complicações neste grupo
foi de 4 (30,7%). No grupo sem estas características,
o percentual de complicações foi de 5,1% (p=0,02).
Somente um paciente (1,9%) apresentava no momento do procedimento, contagem de plaquetas
inferior a 100.000 e neste não se observou sangramento considerado como maior que 10ml.
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Quarenta e cinco pacientes apresentavam, no momento do procedimento, nível sérico de creatinina
inferior a 1,5mg/dl; neste grupo ocorreram sangramentos maiores que 10ml em 3 casos (6,6%).
Creatinina igual ou superior a 1,5mg/dl, foi observada em 7 pacientes e um deles apresentou sangramento maior que 10ml (14,2%) (p=0,45) (tabela 2).
Desta forma, no grupo total de 52 pacientes ocorreu
em 4 (7,6%) sangramento superior a 10ml. Todo o
sangramento considerado como superior a 10 ml foi
contornado à beira do leito, sem necessidade de transfusão de hemoderivados.
Tabela 2: Complicações ocorridas em 52 traqueostomias
percutâneas classificadas por grupos.
Grupos
N. de
N. de
pacientes complicações
Percentual
Total
52
6
11,5%
Creatinina<1,5
45
3
sangramentos
6,6%
Creatinina>1,5
7
1
sangramentos
14,2%
sem critérios
de dificuldade
39
2
5,1%
com critérios
de dificuldade
13
4
30,7%
Casos iniciais
26
4
15,3%
Casos subsequentes
26
2
7,6%
“p”
0,45
0,02*
0,66
Ocorreram duas outras complicações relacionadas ao procedimento, 3,8% do total de casos, a
extubação acidental com hipoxemia associada,
corrigida com a pronta reintubação e prosseguimento da técnica e mau posicionamento da cânula, acarretando maior sangramento e maior tempo de execução da traqueostomia, além de hipoxemia.
Considerando em conjunto os sangramentos
maiores que 10ml com as outras duas complicações
descritas, temos um total de 6 complicações (11,5%)
dos 52 procedimentos.
Complicações menores como hipotensão ou desaturação passageiras, com duração menor que 60 segundos e sem repercussão, não foram consideradas.
Outro aspecto fundamental, é o da curva de aprendizado. Quatro complicações ocorreram nos primeiros 26 casos (15,3%), comparadas à duas (7,6%) nos
26 subseqüentes (p=0,66).
A tabela 2 resume e analisa estes dados.
Não ocorreram mortes relacionadas ao procedimento, e em nenhum caso foi necessária revisão cirúrgica , seja por sangramento ou por qualquer outro
motivo.
Em 40 pacientes (77%) acompanhados por 3 semanas, não foram observadas complicações relaVolume 15 - Número 3 - Julho/Setembro 2003
cionadas ao método. Doze pacientes (23%) não
completaram este tempo de acompanhamento, uma
vez que evoluíram para óbito antes do final deste
período.
DISCUSSÃO:
O advento da traqueostomia dilatacional percutânea, representou um avanço para o intensivista, que
passa a deter a autonomia da realização de traqueostomias em seus pacientes críticos. Há ainda a vantagem da mesma poder ser realizada à beira do leito,
sem a necessidade de transporte dos pacientes para o
centro cirúrgico, além do fato de não se ocupar uma
sala de cirurgia, o que acarreta transtornos no
agendamento de outros procedimentos.
Em relação aos custos, o preço estimado de um
“kit” de 350 a 400 dólares americanos, mais o custo
da broncoscopia poderiam ser equivalentes, em instituições privadas, ao custo do aluguel da sala do centro cirúrgico, mais equipe cirúrgica e anestesista.
Os resultados desta série com 52 pacientes submetidos a traqueostomia percutânea realizada em
nosso serviço, estão completamente inseridos dentro
daqueles previamente divulgados na literatura no que
tange à incidência de complicações, duração do procedimento exeqüibilidade do mesmo em pacientes
críticos. Esta série inicial estudada de 52 pacientes,
embora pequena para uma plena análise de alguns
aspectos, está incluída nos casos publicados na literatura internacional que varia de 26 a 356 casos(5,11).
No entanto, é importante ressaltar que no que se refere à literatura nacional, não há casuística publicada
até então, o que aumenta a relevância deste estudo.
Ocorreram em nossos pacientes um total de 6 complicações (11,5%) e 4 sangramentos (7,6%). Não houve em nenhum caso pneumotórax, infecção de
estoma, ou óbito relacionado ao procedimento.
Marx e cols.(10), numa série de 254 casos, relataram mortalidade de 0,39% , sangramento de 1,2%,
pneumotórax de 0,4% e infecção de 1,2%. Hill e
cols. (11) descreveram uma taxa de mortalidade de
0,3% e um total de complicações de 19% em um estudo com 356 pacientes. Friedman e Mayer (12), em
46 pacientes, observaram 8% de complicações, 5%
de sangramento, e 3% de infecção de estoma. Platz(16),
Torre(9), e Polderman(14), publicaram respectivamente (5%), (5,7%), e (5,2%) de sangramentos
A duração média do procedimento foi de apenas
7 minutos, com uma duração máxima de 15 minutos
(figura 2). Nas séries pesquisadas a duração média
do procedimento variou de 6,7 a 15 minutos(12,5,9,11).
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Tabela 3: Resultados de séries de traqueostomia percutânea e da atual.
Autor
Ano
“n”
Idade
Dias
tot
Comp.
(%)
Sang.
(%)
8
5
Friedman
1993
46
Toursarkissian
1994
141
Friedman
1996
26
Marx
1996
254
Platz
1996
40
Hill
1996
356
Torre
2002
35
48,9
8,4
5,7
5,7
Polderman
2003
174
52,3
11,8
6,3
5,2
0
0,6
Série atual
2003
52
59,4
11,8
11,5
7,6
0
0
11
56
53,6
17,2
15,9
34,6
12,5
Mortal.
(%)
Infec. estoma
(%)
Pneum
(%)
3
D proc.
(min)
Ref
6,7
12
0,7
15
11,5
0
0
0
1,2
0,39
1,2
0,4
8,2
5
19
5
10
16
0,3
15
14,3
11
9
14
0
7,0
Dias “tot”:dias de entubação; comp:complicações; sang:sangramentos; mortal:mortalidade, ifec estoma:infecção de estoma; pneum:pneumotórax: Dproc:dias
do procedimento; Ref:referência.
Cabe ressaltar a maior média de idade de nossos
pacientes quando comparado às séries relacionadas
na tabela 3. Embora este dado pudesse prever uma
maior incidência de complicações , tal fato não ocorreu sugerindo o aspecto da segurança do método mesmo em doentes mais idosos.
A tabela 3 compara os resultados de algumas
publicações com a atual.
Tivemos 4 (7,6%) pacientes com sangramento
maior que 10 ml. Neste aspecto fomos rigorosos
em relação à quantificação do sangramento e em
nenhum destes 4 casos considerados como perdas sanguíneas superiores a 10 ml, houve a
necessidade de hemotransfusão, ou foram os
sangramentos responsáveis por instabilidade
hemodinâmica sendo todos contornados com
medidas conservadoras de hemostasia. Somente
um paciente tinha no momento do procedimento
contagem de plaquetas inferior a 100.000 e este
não apresentou sangramento maior que 10 ml. Por
outro lado, nos pacientes com creatinina maior
que 1,5mg/dl tivemos 14,2% de sangramentos
maiores que 10ml, contra 6,6% nos pacientes com
creatinina menor que 1,5 mg/dl (p= 0,45), sem
significado estatístico, talvez em função do pequeno número amostral.
Quando conhecemos as limitações do método,
devemos respeitá-las. Treze de nossos pacientes
apresentavam características que sinalizavam para
maior incidência de complicações, nestes o
percentual de complicações foi de 30,7% quando
comparados aos 39 que não apresentavam estas
características, e que tiveram percentual de complicações de 5,1% (p =0,02) (tabela 2). Outro aspecto de grande relevância, é o da curva de aprendizado, que como em outros procedimentos, neste também revela sua importância. Nesta série
112
tivemos nos primeiros 26 casos, um percentual
de complicações de 15,3%, contra 7,6% nos 26
subseqüentes (p =0,66), apesar de não haver significado estatístico, houve uma diminuição do número de complicações ao longo do tempo. O
percentual de complicações, dos 26 casos subseqüentes após a curva de aprendizado inicial, 7,6%,
seria o terceiro menor entre aqueles especificados na tabela 3. Embora os critérios dos diversos
autores quando avaliaram as complicações não
tenham sido uniformes (5,9-12,14-16), acreditamos que
nossos critérios foram bem estabelecidos.
Interessante ainda, foi que realizamos 2
traqueostomias percutâneas em obesos mórbidos,
e estes não apresentaram dificuldades, nem complicações. Corroborando tal fato Mansharamani (13),
publicou uma série de 13 pacientes obesos, com
apenas uma complicação.
O cuidado na realização do procedimento, desde
a separação de todo o material necessário, passando
pelo correto posicionamento do paciente no leito, a
adequada sedação e monitorização do mesmo, e a
realização do ato por pessoal experiente, com a presença de broncoscopia em todos os casos, é sem dúvida fundamental para o sucesso do mesmo,
minimizando os riscos. Polderman e cols.(14), ratificam estes aspectos em recente trabalho.
Baseado nos resultados descritos de nossa série, podemos concluir, que a traqueostomia
percutânea é um método de fácil reprodutibilidade, e uma vez seguidas de maneira correta
as etapas para a execução do procedimento e conquistado o treinamento adequado da equipe, as
complicações são pequenas, tornando-o método
de escolha diante da indicação de uma traqueostomia em pacientes críticos internados em unidades de terapia intensiva.
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RBTI / ARTIGO ORIGINAL
RESUMO:
Fundamentos: A traqueostomia percutânea
dilatacional em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) é atualmente uma ferramenta alternativa
e segura para prover o manuseio da via aérea a
longo prazo.
Objetivo: Verificar a reprodutibilidade, as
complicações, e a segurança do procedimento em
uma UTI, a fim de torná-lo método de eleição frente a um paciente em que se faz necessária a realização de uma traqueostomia.
Desenho: Estudo longitudinal realizado com 52
pacientes consecutivos, internados em uma unidade de terapia intensiva.
Local: Centro de Terapia Intensiva do Hospital Central da Polícia Militar do Estado do Rio de
Janeiro.
Casuística e Métodos: No período entre janeiro de 2001 a fevereiro de 2003, foram realizadas
52 traqueostomias percutâneas à beira do leito.
Foram avaliados o tempo de duração do procedimento, a incidência e o tipo de complicações
ocorridas.
Resultados: Na série de 52 traqueostomias
percutâneas realizadas, houve predomínio do sexo
masculino (67,3%). A média de idade dos pacientes foi de 59,4 ± 15,8 anos, entubados em média há 11,8± 4,6 dias, quando da realização da
traqueostomia. O tempo médio de duração do procedimento foi de 7± 2,6 minutos O índice de complicações foi de 11%, principalmente hemorragias
menores contornadas sem repercussões. O grupo
de pacientes com creatinina maior que 1,5mg/dl,
traqueostomia prévia e trauma raqui medular, teve
30,7% de complicações enquanto que no grupo
sem estas características a incidência de complicações foi de 5,1% (p=0,02). Infecção de estoma,
pneumotórax ou óbito relacionado ao procedimento não foram observados.
Conclusão: A traqueostomia percutânea é um
Volume 15 - Número 3 - Julho/Setembro 2003
método seguro e deve ser avaliado como o método de escolha quando se faz necessária uma
traqueostomia em uma UTI, uma vez que seu tempo de realização é menor e possui uma baixo
índice de complicações graves.
Unitermos: traqueostomia percutânea , pacientes críticos, manejo de via aérea, unidade de tratamento intensivo, ventilação mecânica.
Agradecimentos: A Prof. Cristiane A. Villela
Nogueira, pelas críticas, sugestões, e auxílio
durante a análise estatística.
REFERÊNCIAS
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RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Comparação entre dois Métodos de Retirada
do Suporte Ventilatório Mecânico no
Pós-operatório de Cirurgia Cardíaca
Comparison of two Methods of Weaning From
Mechanical Ventilation After Cardiac Surgery
Luciana Castilho de Figueirêdo*, Sebastião Araújo**, Carolina Kosour*,
Cristina Aparecida Veloso*, Orlando Petrucci Júnior***
ABSTRACT
Objective. To compare two methods of weaning from mechanical ventilation in uncomplicated coronary artery
bypass grafting (CABG) post-operative (PO) patients. Methods. Forty eight adult, both sexes, PO-CABG patients
were included in this trial, and randomly divided in: 1) study-group (n = 24): patients were submitted to direct
extubation; and 2) control-group (n = 24): patients were extubated after a 30 min breathing period on a “T” piece.
Ventilatory and pulmonary gas exchange parameters were measured and registered at the end of the weaning
process (initial values) and 30 min after extubation (final values). Results. Time-to-wean was 6.8 ± 1.9 h in the
study-group and 7.3 ± 2.5h in the control-group (p = NS). In relation to ventilatory and pulmonary gas exchange
parameters, both groups were comparable, without differences between them (p = NS). However, in the controlgroup (“T” piece) some kind of statistically significant worsening were observed in PaO2 (112.3 ± 30.5 vs 103.3
± 33.1 mmHg; p = 0.03); PaO2/FiO2 (280.8 ± 76.2 vs 258.3 ± 82.7 mmHg; p = 0.04); and in Respiratory Index
[P(A-a)O 2/ PaO 2 ; 1.28 ± 0.65 vs 1.54 ± 0.82; p = 0.02), when initial and final values were compared.
Conclusion. Although comparable in relation to time-to-wean, the “T” piece method had shown some decrease
of pulmonary gas exchange valuables. Thus, our data suggest that uncomplicated PO-CABG patients may be
directly extubated accordingly to a step-by-step weaning protocol, without the need to spent a time in a “T”
piece.
Key-words: mechanical ventilation; weaning; cardiac surgery.
aplicação de protocolos de desmame da
ventilação mecânica (VM) tem se mostrado segura, diminuindo o tempo de utilização da prótese ventilatória quando comparado com
uma retirada baseada na experiência individual de
quem está assistindo ao paciente1, com conseqüente
diminuição nos dias de internação em unidade de
terapia intensiva (UTI), redução dos custos e das complicações pulmonares, bem como da incidência de
reintubação2. Desde há alguns anos, a extubação precoce de pacientes em pós-operatório (PO) de cirurgia cardíaca tem sido proposto por alguns autores,
com tempos que variam de sete a 11 horas após o
término da mesma3,4,5, com o objetivo de diminuir o
tempo de permanência nas unidades de tratamento
intensivo, reduzir os índices de infecção pulmonar e
A
os custos globais da internação hospitalar. No entanto, ainda não existe consenso quanto ao momento
ideal para se iniciar o processo de retirada do suporte
ventilatório mecânico, assim como em relação à melhor técnica para se implementá-lo 4,5. Pacientes no
PO de cirurgia cardíaca de revascularização do
miocárdio que foram extubados em menos de 12
horas após a admissão na UTI obtiveram um período
menor de internação hospitalar, com redução nos
custos globais e no uso de recursos hospitalares 6.
Também a recuperação clínica de pacientes no PO
de cirurgia cardíaca que foram extubados num período de quatro horas após a admissão na UTI mostrouse substancialmente acelerada em relação a pacientes que foram extubados num período superior a este7.
Muito embora na grande maioria dos pacientes que
*Fisioterapeutas – Unidade de Terapia Intensiva do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (UTI-HC-UNICAMP)
**Diretor Médico - Unidade de Terapia Intensiva do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (UTI-HC-UNICAMP)
e Disciplina de Fisiologia e Metabologia Cirúrgica do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP.
***Médico Assistente – Departamento de Cirurgia Cardíaca do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas (UTIHC-UNICAMP)
Autor principal: Luciana Castilho de Figueirêdo
Endereço: R. João Passos da Silva, 285 Jd. Independência, B. Geraldo - Campinas, SP
CEP: 13084-484
Telefones: 19-2389.6744 e 19-9700.4866
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RBTI / ARTIGO ORIGINAL
são submetidos à cirurgia eletiva de revascularização
do miocárdio o desmame ventilatório possa ser feito
de forma rápida e satisfatória, é motivo de preocupação o grande aumento da mortalidade observado
naqueles pacientes que permanecem em VM por mais
de sete dias8. É importante ressaltar que a retirada do
suporte ventilatório em pacientes no PO imediato de
cirurgia cardíaca pode ser conduzida eficientemente por
um fisioterapeuta respiratório treinado9.
Ainda não existe um consenso quanto ao melhor
momento e a melhor técnica para a extubação traqueal
de pacientes que sob ventilação mecânica, principalmente pacientes que foram submetidos à cirurgia de
revascularização do miocárdio. No entanto, considerando-se que as taxas de complicações decorrentes da VM, como atelectasias, barotraumas e PN, estão
diretamente relacionadas ao tempo de permanência
do tubo endotraqueal e suporte ventilatório, inferese que também esse grupo de pacientes deva ser
extubado o mais precocemente possível 10,11,12,13,14.
A padronização de um protocolo de desmame numa
unidade de cuidados pós-operatórios pode propiciar
um atendimento de melhor qualidade, favorecendo a
evolução e diminuindo a incidência de complicações
em pacientes submetidos à cirurgia cardíaca. Dessa
forma, o presente trabalho teve como objetivo comparar dois métodos de retirada do suporte ventilatório
mecânico em pacientes no pós-operatório imediato de
cirurgia cardíaca de revascularização do miocárdio.
MÉTODOS
A realização do presente estudo foi aprovada pelo
Comitê Institucional de Ética em Pesquisa sob parecer nº 25/2000. Um termo de consentimento livre e
esclarecido, por escrito, foi obtido de todos os pacientes antes da cirurgia, os quais receberam orientações
sobre todos os procedimentos a que seriam submetidos, assim como sobre os riscos e potenciais benefícios decorrentes da participação na pesquisa.
No período compreendido entre agosto de 2000 e
maio de 2001 foram estudados 48 pacientes adultos,
não consecutivos, de ambos os sexos, em recuperação pós-operatória imediata de cirurgia cardíaca
eletiva de revascularização do miocárdio não complicada. Todos os pacientes foram assistidos pelas
mesmas equipes anestésicas e cirúrgicas, não tendo
havido quaisquer modificações nos protocolos básicos de tratamento intra-operatório nesse período.
Também, em decorrência da implementação do presente protocolo de pesquisa, nenhuma modificação
foi sugerida ou realizada nas condutas rotineiras intraVolume 15 - Número 3 - Julho/Setembro 2003
ou pós-operatória na UTI.
Os pacientes foram randomizados através de sorteio prévio para a composição de um ou outro grupo. Uma ficha de coleta de dados foi elaborada para
registrar os valores das variáveis de interesse. O protocolo foi aplicado e supervisionado em todos os
pacientes sempre pela mesma pessoa (LCF).
Após a admissão na UTI, a assistência ventilatória
(ventilador microprocessado – EVITA – DRÄGER,
LÜBECK, GERMANYR) dos pacientes foi padronizada de acordo com os seguintes parâmetros: modalidade ventilação mandatória intermitente sincronizada (VMIS); freqüência respiratória (FR) da máquina
= 12ipm; volume corrente (VC) = 8-10ml/kg; fração
inspirada de oxigênio (FiO2)= 0,6; pressão expiratória
positiva final (PEPF) = 5cmH2O e ventilação com
pressão de suporte (VPS) = 20cmH2O.
Uma vez atingidos os parâmetros de mecânica
ventilatória mínimos necessários para a retirada do
suporte ventilatório (modalidade VPS; FR espontânea entre 10 e 20ipm; VC espontâneo ³ 4ml/kg; FiO2
= 0,4; PEPF = 5cmH 2O e VPS = 10cmH 2O), uma
amostra de sangue arterial foi colhida para análise
gasométrica (RADIOMETER ABL 700 SERIESR) e realização dos cálculos de alguns parâmetros de troca
gasosa pulmonar, como o índice de oxigenação (PaO2/
FiO2) e o índice respiratório [P(A-a)O2/PaO2]. Com
esses valores dentro da normalidade, foram mensurados a FR, o VC, a pressão de oclusão nas vias aéreas
(P 0,1 ), o índice de Tobin (FR/VC), a pressão
inspiratória máxima (PImáx) e a pressão expiratória
máxima (PEmáx), aplicando-se, então, os protocolos evolutivos de retirada do suporte ventilatório dos
grupos estudo e controle, segundo randomização
prévia à internação dos pacientes na UTI.
Foram considerados critérios de exclusão pósrandomização o desenvolvimento de instabilidade
hemodinâmica após o início do protocolo e a impossibilidade de serem alcançados os parâmetros de
mecânica ventilatória mínimos necessários para a
retirada da VM num tempo menor que 12h após a
admissão na UTI. Durante a implementação do protocolo de pesquisa foram excluídos dois pacientes
que apresentaram instabilidade hemodinâmica decorrente de choque hipovolêmico.
Assim, dois grupos de pacientes compuseram a
população final do presente estudo:
• Grupo-estudo: 24 pacientes que foram submetidos à retirada da VM diretamente, ou seja, sem o
uso do tubo em “T”.
• Grupo-controle: 24 pacientes que foram submetidos à retirada da VM com o uso do tubo em “T”.
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RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Evolução do protocolo de desmame no grupoestudo:
Realizou-se a extubação direta. Os pacientes foram extubados e adaptados em máscara VENTURI R
facial de oxigenoterapia, com FiO2 = 0,4 por 30min.
Ao final deste tempo, uma amostra de sangue arterial foi colhida para mensuração e cálculo de
parâmetros de troca gasosa pulmonar.
Evolução do protocolo de desmame no grupocontrole:
Os pacientes foram adaptados ao tubo em “T” com
FiO 2 de 0,4 por 30min, e, em seguida, extubados e
adaptados em máscara VENTURIR facial de oxigenoterapia, com FiO2 = 0,4 por 30min. Ao final deste
tempo, uma amostra de sangue arterial foi colhida
para mensuração e cálculo de parâmetros de troca
gasosa pulmonar.
A oferta de oxigênio de 0,4 com máscara de
VENTURIR foi garantida, em todos os pacientes, pela
aferição da mesma através de interposição de um
oxímetro de rede na interface paciente-máscara.
Um fluxograma do estudo encontra-se representado na figura 1.
Figura 1. Fluxograma do estudo.
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RBTI / ARTIGO ORIGINAL
ANÁLISE ESTATÍSTICA
Para descrever o perfil da amostra foram feitas tabelas de freqüência das variáveis categóricas e estatísticas
descritivas das variáveis contínuas. Para analisar a distribuição de uma variável categórica entre os grupos
foi utilizado o teste qui-quadrado, ou o teste exato de
Fisher. Para comparar a distribuição de uma variável
contínua medida em um único momento entre os dois
grupos, utilizou-se o teste não paramétrico de MannWhitney. Para comparação das variáveis medidas nos
momentos inicial e final nos dois grupos foi utilizada a
análise da variância (ANOVA), fazendo-se duas comparações ao mesmo tempo: uma em que se compara os
grupos em cada momento e a outra em que se compara
a evolução entre os momentos em cada grupo. Caso o
efeito da interação tenha sido significativo, utilizou-se
o teste de contrastes de perfil para analisar a evolução
entre os momentos em cada grupo. O nível de
significância adotado foi de 5% (p < 0,05).
RESULTADOS
A maioria da população estudada foi constituída
de indivíduos do sexo masculino, sendo 70,8% no
grupo estudo e 66,7% no grupo controle, com idade
média abaixo dos 60 anos. A distribuição dos valores de hemoglobina, lactato sérico, tempo de circulação extracorpórea (CEC), parâmetros gasométricos
e parâmetros de mecânica ventilatória mensurados
ao final do período de desmame foram semelhantes
em ambos os grupos, sem diferenças estatisticamente significativas entre eles (tabela 1).
O tempo para a retirada do suporte ventilatório
foi de 6,8 ± 1,9 horas para o grupo estudo e de 7,3 ±
2,5 horas para o grupo controle (p = NS) .
Quanto aos parâmetros de avaliação da troca gasosa pulmonar, como a PaO 2, saturação da hemoglobina arterial pelo oxigênio (SaO 2), PaO 2/FiO 2 e
[P(A-a)O 2/PaO 2], não foram observadas diferenças
estatisticamente significativas entre os grupos em
nenhum dos momentos protocolados para suas determinações. No entanto, no grupo-controle (tubo em
“T”) foram observadas diminuições dos valores da
PaO2, da SaO2 e da PaO2/FiO2, quando comparados
os momentos final com o inicial. Também, neste
mesmo grupo, a evolução do índice respiratório [P(Aa)O2/PaO2] apontou para a mesma direção, como os
Tabela 1. Dados demográficos e distribuição dos valores de hemoglobina, lactato sérico, tempo de CEC, parâmetros
hemogasométricos arteriais e parâmetros de mecânica ventilatória ao final do desmame na amostra.
Variável
Grupo estudoN = 24
Grupo controleN = 24
p valor
Sexo
M = 17 F = 7
M = 18 F = 8
0,7555
Idade (anos)
56,7 ± 8,8
58,6 ± 10,7
0,4091
Hemoglobina (g/dL)
12,02 ± 1,63
11,40 ± 1,35
0,4032
Lactato sérico (mmol/L)
4,17 ± 2,78
5,16 ± 2,51
0,1638
Tempo de CEC (min)
92,12 ± 19,60
84 ± 6,86
0,3902
pH
7,36 ± 0,05
7,38 ± 0,05
0,1789
PaO 2 (mmHg)
101,1 ± 18,3
112,3 ± 30,5
0,5273
PaCO 2 (mmHg)
40,1 ± 5,3
37,9 ± 4,8
0,0922
HCO 3 (mmol/L)
22,5 ± 3,1
22,3 ± 3,3
0,7471
BE (mmol/L)
-2,3 ± 3,3
-2,1 ± 3,4
0,9876
SaO2 (%)
96,7 ± 1,6
97,8 ± 1,6
0,8000
P0,1 (cmH2O)
3,0 ± 1,3
2,7 ±1,0
0,5676
Índice de Tobin
31,4 ± 10,6
36,5 ± 12,9
0,2118
FR (ipm)
15,4 ± 3,3
16,9 ± 3,6
0,2436
–
VC (ml)
529,2 ± 146,6
502,1 ± 147,1
0,5051
PImáx (cmH2O)
-34,4 ± 12,9
-31,8 ± 10,2
0,5752
PEmáx (cmH 2O)
34,6 ± 12,4
34,6 ± 9,2
0,5779
–
CEC = circulação extracorpórea; PaO2 = pressão parcial de oxigênio arterial; PaCO2 = pressão parcial de gás carbônico arterial; HCO3 = bicarbonato; BE =
excesso de base; SaO2 = saturação arterial de oxigênio; P0,1 = pressão de oclusão nas vias aéreas; FR = freqüência respiratória; VC = volume corrente; PImáx
= pressão inspiratória máxima; PEmáx = pressão expiratória máxima
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Tabela 2. Parâmetros de troca gasosa pulmonar ao final do desmame
(valores iniciais) e 30min após a extubação (valores finais) na amostra.
Variável
Grupo estudo
N = 24
PaO2 (mmHg)
Grupo controle
N = 24
p valor
inicial
final
inicial
final
pG
pT *
101,1 ± 18,3
99,9 ± 17,4
112,3 ± 30,5
103,3 ± 33,0
0,53
0,03
SaO2 (%)
97,7 ± 1,6
97,4 ± 1,3
97,8 ± 1,6
97,0 ± 2,3
0,80
0,01
PaO2/ FiO2 (mmHg)
252,8 ± 45,7
249,8 ± 43,6
280,8 ± 76,2
258,3 ± 82,7
0,30
0,04
P(A-a)O2/PaO2 (mmHg)
1,40 ± 0,45
1,40 ± 0,38
1,27 ± 0,65
1,53 ± 0,81
0,97
0,02
PaO2 = pressão parcial de oxigênio arterial; SaO2 = saturação arterial de oxigênio; PaO2/ FiO2 = índice de oxigenação; P(A-a)O2/PaO2 =
índice respiratório; pG = comparação entre os grupos, pT* = comparação entre tempos referentes ao grupo controle.
demais parâmetros de oxigenação descritos acima
(tabela 2).
DISCUSSÃO
As populações de ambos os grupos mostraramse homogêneas com relação às variáveis idade,
sexo, tempo de circulação extracorpórea, hemoglobina, parâmetros hemogasométricos e parâmetros de mecânica ventilatória. Dessa forma, uma
vez que as populações foram totalmente comparáveis em suas características basais, os resultados
obtidos a partir da implementação dos distintos
protocolos de desmame da VM puderam ser avaliados com segurança.
A maioria da população estudada foi constituída de indivíduos do sexo masculino, com idade
média abaixo dos 60 anos. Esses dados estão de
acordo com as estatísticas que mostram a predominância da doença isquêmica miocárdica nos
indivíduos com idade, em geral, abaixo dos 65 anos
de idade e do sexo masculino, como é o caso do
Brasil 15 e dos países desenvolvidos 16 .
O tempo para a retirada da VM foi de 6,8 ± 1,9
horas para o grupo estudo e de 7,3 ± 2,5 horas
para o grupo controle (p = NS). Embora esses tempos não tenham diferido significativamente entre
si, nota-se que o tempo de retirada no grupo controle (tubo em “T”) foi cerca de meia hora maior
do que no grupo estudo (extubação direta). Isto
deveu-se provavelmente ao acréscimo de 30 minutos entre a desconexão da prótese ventilatória e
a extubação traqueal, período em que os pacientes
desse grupo permaneceram em ventilação espontânea com o tubo em “T”. De qualquer forma, os
grupos foram comparáveis entre si.
Ainda não existe um consenso quanto ao melhor momento para a extubação traqueal após
118
cirurgia de revascularização do miocárdio. No
entanto, considerando-se que as taxas de complicações decorrentes da VM, como atelectasias,
barotraumas e pneumonias, estão diretamente relacionadas ao tempo de permanência do tubo
endotraqueal e suporte ventilatório 17,18, infere-se
que também esse grupo de pacientes deva ser
extubado o mais precocemente possível 3,5,6,7 .
Evidentemente, considerando-se o aprimoramento ocorrido nas técnicas anestésicas e cirúrgicas, além do desenvolvimento de aparelhos de
suporte ventilatório cada vez mais sofisticados,
seguros e confiáveis, e também levando-se em
conta a necessidade de uma contenção cada vez
maior dos custos hospitalares, a retirada da VM
em pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos de alto custo, como a cirurgia cardíaca, tornou-se uma necessidade médica e social 8,19 . Os
pacientes que foram extubados com menos de 12
horas após a admissão na UTI apresentaram menor
tempo total de internação, com redução concomitante nos custos gerais e no uso de recursos hospitalares 6. Dessa forma, no presente estudo, em que
foram avaliados pacientes submetidos à cirurgia
cardíaca de revascularização do miocárdio, o tempo
de desmame até a extubação traqueal, em ambos
os grupos, ficou em média abaixo de oito horas.
Estes valores encontram-se dentro daqueles recomendados na literatura. Também não foram observadas falhas na retirada de VM neste grupo de
indivíduos e nenhum deles necessitou reintubação.
Evidentemente, o número de pacientes estudados
foi pequeno, e uma vez que foram selecionados
para inclusão no protocolo apenas aqueles sem
complicações cirúrgicas peri-operatórias, isto
seguramente favoreceu os resultados obtidos.
Quanto ao tempo de desmame, houve semelhança entre os grupos, indicando que, em pacientes
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submetidos a cirurgia eletiva de revascularização
do miocárdio, sem complicações peri-operatórias,
ambos os métodos (extubação direta versus tubo
em “T”) podem ser igualmente eficazes na condução da retirada da prótese ventilatória. De fato, não
existe um consenso sobre a melhor técnica de desmame do suporte ventilatório14. No entanto, o tubo
em “T” apresenta algumas desvantagens, sendo
bem documentado o aumento do trabalho resistivo
da respiração, pois o paciente ainda respira na presença de um tubo endotraqueal 14, além do colapso
alveolar devido a perda da pressão positiva final
residual 20,21 . Muito embora não haja um consenso
na literatura quanto ao melhor método a ser utilizado para a retirada da VM, desde que se disponha de equipamentos apropriados, a extubação
direta após ventilação temporária com pressão de
suporte parece prescindir do tradicional período
adicional de 30 a 60 minutos de tubo em “T”,
levando-se em conta que esse último método pode
induzir transtornos na troca gasosa pulmonar 22 .
No presente estudo, variáveis de troca gasosa
pulmonar foram mensuradas e avaliadas em ambos os grupos de pacientes, ao final do período da
retirada do suporte ventilatório (valores iniciais) e
30 minutos após a extubação (valores finais),
ressaltando-se que após a extubação traqueal os
pacientes de ambos os grupos permaneceram sob
ventilação espontânea com FiO 2 de 0,4 através do
uso de uma máscara de VENTURIR. Quando foram
analisados os parâmetros da avaliação da troca
gasosa pulmonar, como a PaO 2, SaO 2, PaO 2/FiO 2 e
[P(A-a)O 2/PaO 2], pôde-se observar que não houve
diferenças estatisticamente significativas entre
ambos os grupos em nenhum dos momentos
protocolados para suas determinações. No entanto, em relação ao grupo controle (uso do tubo em
“T”), foram observadas diminuições nos valores
da PaO2 (p = 0,03), da SaO2 (p = 0,01) e da PaO2/
FiO2 (p = 0,04), quando comparados os momentos
final com o inicial. Também, nesse mesmo grupo,
a evolução do índice respiratório [P(A-a)O 2/PaO 2]
apontou na mesma direção que os demais parâmetros de oxigenação descritos acima (p = 0,02).
Esses dados indicam, em acordo com os achados
da literatura, que o uso do tubo em “T” pode levar
à deterioração dos parâmetros de oxigenação durante o processo de desmame ventilatório 23 . Por
outro lado, especificamente nestes pacientes do
grupo controle ( tubo em “T”), não se pode afastar a influência do tempo interferindo nos
parâmetros de troca gasosa pulmonar, uma vez que
Volume 15 - Número 3 - Julho/Setembro 2003
entre a desconexão do ventilador e a coleta das
amostras hemogasométricas , eles permaneceram
um tempo adicional de 30 minutos em respiração
espontânea, quando comparados ao grupo estudo
(extubados diretamente). Deve-se ressaltar que
neste grupo (controle), muito embora tenha havido uma piora estatisticamente significativa dos
valores numéricos de alguns parâmetros de troca
gasosa, é pouco provável que eles tenham representado algum significado clínico de importância
na evolução dos mesmos, já que em nenhum
momento estiveram abaixo dos valores normais de
referência..
Annest et al23, citam que a glote parece exercer
uma função de “retardo expiratório”, funcionando
como um mecanismo de pressão expiratória final
positiva natural, impedindo ou minimizando o colapso alveolar. Os autores recomendaram que todos os pacientes em processo de retirada da VM
devem ser extubados diretamente de baixos níveis
de pressão positiva contínua nas vias aéreas e que
os testes de respiração intermitente em tubo em “T”
com essa finalidade deveriam ser completamente
abandonados, por terem se mostrado desnecessários, ou mesmo potencialmente deletérios 23.
Em conclusão, o presente estudo não mostrou
diferenças significativas nos tempos necessários
para a extubação em pacientes no PO de cirurgia
cardíaca eletiva de revascularização do miocárdio,
não complicado, conduzidos ao desmame da VM
pela técnica “direta” versus o tubo em “T”. Dessa
forma, recomenda-se que nos pacientes submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio
sem complicações peri-operatórias, e que de acordo com um protocolo pré-estabelecido tenham atingido os parâmetros mínimos necessários para o
desmame, sejam extubados diretamente, sem a
necessidade do tradicional período de permanência no tubo em “T”.
RESUMO
Objetivo. Comparar dois métodos de retirada
da ventilação mecânica (VM) em pacientes no pósoperatório (PO) de cirurgia cardíaca eletiva de
revascularização do miocárdio (RM). Métodos.
Foram estudados prospectivamente 48 pacientes
em PO imediato de cirurgia cardíaca, divididos aleatoriamente em grupo-estudo (n = 24), em que os
pacientes foram extubados diretamente, e grupocontrole (n = 24), em que os pacientes foram
extubados após um período de respiração com o
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RBTI / ARTIGO ORIGINAL
uso de um tubo em “T” por 30min. Parâmetros de
mecânica respiratória e de troca gasosa pulmonar
foram mensurados ao final do processo de desmame (valores iniciais) e após 30min da extubação
(valores finais). Resultados. O tempo de desmame foi de 6,8 ± 1,9h no grupo-estudo e de 7,3 ±
2,5h no grupo-controle (p = NS). Quanto aos
parâmetros de mecânica respiratória e de troca
gasosa pulmonar, não foram observadas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos
em nenhum momento. Porém, no grupo-controle
(tubo em “T”) observou-se uma queda estatisticamente significativa nos valores da PaO 2 (112,3 ±
30,5 vs 103,3 ± 33,1mmHg; p = 0,03) e da PaO 2/
FiO 2 (280,8 ± 76,2 vs 258,3 ± 82,7mmHg; p =
0,04), assim como uma piora do Índice Respiratório [P(A-a)O2/ PaO2 ; 1,28 ± 0,65 vs 1,54 ± 0,82; p
= 0,02), quando comparados os momentos final
com o inicial. Conclusão. Apesar de comparáveis
em relação ao tempo de desmame, o método do
tubo em “T” diminuiu os valores que dizem respeito aos parâmetros de oxigenação sangüínea.
Dessa forma, em se dispondo de recursos, recomenda-se que nos pacientes em PO de cirurgia
cardíaca eletiva de RM a retirada da VM seja realizada diretamente, sem o uso do tubo em “T”.
Palavras-chave: ventilação mecânica; desmame; cirurgia cardíaca.
AGRADECIMENTOS
Aos Prof. Dr. Reinaldo W. Vieira e Dr. Pedro P.
M. de Oliveira (Equipe de Cirurgia Cardíaca HCUNICAMP); Profs. Drs. Renato G. G. Terzi,
Desanka Dragosavac, Alípio B. Balthazar,
Venâncio P. Dantas Filho, Ivan F. C. Toro e André
L. B. Nunes (Equipe Médica da UTI-HCUNICAMP); Fts. Augusto C. Roquejani, Rosana A.
S. Thiesen e Rosmari A. R. A. de Oliveira (UTIHC-UNICAMP); Enfas. Claudinéia M. Logato,
Eliane A. Cintra e Valéria A. de Almeida (UTIHC-UNICAMP), pela colaboração e assistência
técnica na realização do presente estudo.
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RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
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RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Complicações da Esofagectomia Transmediastinal
Complications of transmediastinal esophagectomy
Luciani Bassan*, Silvia M.T.P.Soares**,Desanka Dragosavac***,
Sebastião Araújo****, Luiz Roberto Lopes ****, Nelson Adami Andreollo*****
ABSTRACT
Transmediastinal esophagectomy by cervicoabdominal approach causes less functional compromise of pulmonary mechanics than classical thoracotomy, but it’s not free of serious complications. In this study, all patients
submitted to transmediastinal esophagectomy, in the gross twenty two patients, and addmitted at the ICU-HCUNICAMP between January 2000 and November 2001, were retrospectively evaluated. Twenty patients were
male and two female, aging around 56 years. The primary diagnosis were malignancies (epidermoid carcinoma)
in nine patients, adenocarcinoma of the cardia in nine and advanced megaesophagus in four. Esophageal transit
was reconstructed by gastric transposition using a gastric tube with cervical esophagogastric anastomosis. Twenty
patients needed a chest tube positioning. The following complications were observed in the postoperative
period: cervical esophagogastric anastomosis leakage (9 cases), pulmonary infection (5 cases), sistemic respost
inflamatory syndrome (4 cases), sepsis (3 cases), empiema (3 cases), atrial fibrillation (2 cases) and atelectasis (1
case). Twenty patients survived to hospital discharge and two died. Thus, despite the fact that transmediastinal
esophagectomy causes less functional pulmonary mechanics compromise than classical thoracotomy, it carries a
high postoperative morbi-mortality risk, with high rates of severe complications, such as esophagogastric anastomosis leakage and pulmonary ones.
KEY WORDS: esophagectomy, postoperative, complications.
A esofagectomia transmediastinal, em
que a ressecção do esôfago é feita sem
toracotomia, efetuando a reconstrução do
trânsito gastrointestinal com transposição do estômago na forma de um tubo gástrico, com anastomose
esofagogástrica cervical pelo mediastino posterior ou
anterior, vem sendo realizada com maior freqüência,
tanto em afecções benignas, sobretudo no megaesôfago avançado, como também nos casos de carcinoma de esôfago e cárdia. Esta cirurgia tem proporcionado a volta da possibilidade de alimentação por via
oral para a maioria dos pacientes1,2.
A esofagectomia transmediastinal sem toracotomia
apresenta a vantagem de evitar o comprometimento
da dinâmica pulmonar, porém não é isenta de complicações 3. São descritas complicações no período
intra e pós-operatório como lesão da traquéia na região da carina durante o ato cirúrgico4, complicações
pulmonares como hidropneumotórax e hemotórax 3,
quilotórax5, infecção pulmonar 3, fístula cervical no
S
local da anastomose esofagogástrica 6,7,8 e também
complicações mais graves, como síndrome da
disfunção de múltiplos órgãos e falência cardíaca9.
O objetivo deste trabalho foi analisar as complicações de todos os pacientes submetidos à esofagectomia transmediastinal e que foram admitidos na
UTI do Hospital das Clínicas da UNICAMP, no período de janeiro de 2.000 a novembro de 2.001.
SUJEITOS E MÉTODOS
No período de janeiro de 2.000 a novembro de
2.001, foram avaliados retrospectivamente todos os
pacientes internados na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital de Clínicas da UNICAMP que realizaram esofagectomia transmediastinal, totalizando vinte
e dois pacientes sendo vinte homens e duas mulheres,
com idade média de 56 anos.
Neste estudo foram analisadas as complicações
apresentadas com essa cirurgia, sendo assim
Trabalho realizado na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital de Clínicas da Universidade Estadual de Campinas/ UNICAMP - SP.
* Fisioterapeuta, Aprimoranda em Fisioterapia Respiratória em UTI - UNICAMP
** Fisioterapeuta da UTI Hospital Clínicas da UTI - HC/UNICAMP.
*** Médica , Prof. Dra. Colaboradora do Departamento de Cirurgia-FCM - UNICAMP.
**** Médico, Prof. Assistente Doutor do Departamento de Cirurgia-FCM - UNICAMP.
***** Médico, Prof. Doutor Associado da Disciplina de Moléstias do Aparelho Digestivo do Departamento de Cirurgia-FCM UNICAMP.
Autora Principal: Luciani Bassan
Endereço: Av. Antonio Carvalho Miranda 173 – Jd Miranda
CEP 13034-030 - Campinas / SP
Telefone (0XX19): 3242-2674
Volume 15 - Número 3 - Julho/Setembro 2003
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RBTI / ARTIGO ORIGINAL
verificadas: lesão pleural com drenagem pleural unilateral ou bilateral, fístula da anastomose, síndrome
de resposta inflamatória sistêmica (SIRS), sepse,
pneumonia, empiema pleural, fibrilação atrial e
atelectasia.
A presença de líquido na cavidade pleural em quantidade anormal, chamada de derrame pleural, é a mais
freqüente e significativa das alterações do tórax10. A
drenagem pleural fechada, também chamada de contínua ou sob selo d’água, está indicada em grande
parte do pacientes com derrame pleural, com
pneumotórax e em quase todos os pacientes que foram submetidos à cirurgia torácica com abertura do
espaço pleural. Em todas as situações clínicas o objetivo é restaurar e manter a fisiologia do espaço
pleural 11.
A fístula ocorre quando há o rompimento da
anastomose entre o esôfago e o estômago, realizada
cirurgicamente na região cervical 6,7,8.
A síndrome de resposta inflamatória sistêmica
(SIRS) representa sinais de uma resposta inflamatória generalizada, atestada por três sinais obrigatórios:
taquipnéia, taquicardia e alterações da temperatura,
não resulta obrigatoriamente de quadro infeccioso12.
Sepse representa a evidência de infecção associada a uma síndrome de resposta inflamatória
sistêmica 12 .
A pneumonia representa uma inflamação aguda
de qualquer natureza, localizada no parênquima pulmonar, seja causada por processos bacterianos,
viróticos, fúngicos ou de outra natureza13.
Empiema pleural significa coleção de pus limitada a qualquer cavidade do organismo. Todavia, o
empiema pode representar a presença de pus na
cavidade pleural14. Os empiemas também podem ser
descritos como derrames pleurais com aspecto
purulento 10 .
Na fibrilação atrial ocorre uma desorganização
elétrica nos átrios de tal forma que as despolarizações
atriais passam a ocorrer de maneira desordenada e
irregular, levando a contrações atriais inefetivas15.
A atelectasia representa o colabamento de um segmento ou lobo pulmonar, ou mesmo de um pulmão
completo, e normalmente é secundária a outras patologias e situações clínicas como: pneumotórax, derrame pleural, processo inflamatório do parênquima
pulmonar com aumento na produção de secreção. As
atelectasias pulmonares segmentares ou lobares
podem por vezes produzir imagens de difícil interpretação pela radiologia convencional, como por
exemplo, a denominada atelectasia arredondada ou
pseudotumor atelectásico 16.
122
RESULTADOS
Dentre os vinte e dois pacientes analisados, em
nove pacientes o diagnóstico foi de carcinoma
epidermóide, nove adenocarcinoma de cárdia e quatro megaesôfago avançado.
Vinte pacientes foram submetidos à drenagem
pleural fechada uni ou bilateral, no intra-operatório
(tabela 1).
No período pós-operatório foram observadas as
seguintes complicações: síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) em quatro pacientes,
fibrilação atrial em dois e fístula da anastomose
esôfagogástrica cervical em um paciente. O tempo
de internação na UTI variou de um a cinco dias. Após
a alta da UTI, até o período de alta hospitalar, foram
observadas as seguintes complicações: fístula da
anastomose esofagogástrica em oito pacientes, pneumonia em cinco, empiema em três, sepse em três e
atelectasia em um paciente (tabela 1).
O tempo total de internação hospitalar foi de 12 a
36 dias, em média 18 dias (tabela 2).
Dos vinte e dois pacientes, vinte tiveram alta hospitalar e dois evoluíram para óbito no pós-operatório. As causas que levaram ao óbito foram pneumonia, empiema de tórax e sepse (tabela 2).
DISCUSSÃO
A esofagectomia transmediastinal via cervicoabdominal tem a vantagem de evitar a toracotomia 17 , além de não comprometer a dinâmica
pulmonar 3. Porém mesmo com essa vantagem, essa
cirurgia não está isenta de complicações.
Foi evidente nesse estudo a incidência de complicações respiratórias.
No intra-operatório, a drenagem pleural fechada
unilateral ou bilateral foi necessária em vinte, dos vinte
e dois pacientes estudados. As lesões pleurais são
decorrentes do intenso processo de periesofagite, predispondo a firme adesão da pleura ao esôfago. Por
esse motivo, a dissecção do esôfago ao nível
mediastinal pode resultar na abertura da pleura3. Essa
abertura resulta em drenagem pleural, podendo ter
como conseqüência outras complicações como
hemotórax, derrame pleural e empiema.
Também houve complicações respiratórias no período pós-operatório, como infecção do parênquima
(5 casos) e atelectasia (1 caso).
Kolh et al. 6 analisaram 130 pacientes submetidos a esofagectomia por câncer de esôfago. Destes
130 pacientes, 29 desenvolveram complicações resRBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
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RBTI / ARTIGO ORIGINAL
Tabela 1. Dados dos pacientes submetidos a esofagectomia transmediastinal
Paciente
Idade (anos)
Sexo
pré-operatório
Diagnóstico
Complicações
internação (dias)
Tempo
Evolução
1
39
M
Carcinoma Epidermóide
1/3 médio
LPU*
Empiema
33
Alta
2
50
M
Carcinoma
Epidermóide
1/3 médio
LPB**
20
Alta
3
61
M
Carcinoma Epidermóide
1/3 médio
Empiema
Pneumonia
LPB**
Fístula da anastomose
36
óbito
4
44
M
Carcinoma Epidermóide
1/3 médio
LPB**
Fístula da anastomose
34
Alta
5
70
M
Carcinoma Epidermóide
1/3 médio
LPU*
15
Alta
6
51
M
Carcinoma Epidermóide
1/3 médio
LPU*
12
Alta
7
56
M
Carcinoma Epidermóide
1/3 inferior
SIRS
LPU*
Fístula da anastomose
24
Alta
8
39
M
Carcinoma Epidermóide
1/3 inferior
LPB**
26
Alta
9
47
M
Carcinoma Epidermóide
1/3 inferior
LPB**
Fístula da anastomose
19
Alta
10
73
F
Adecarcinoma de cárdia
Sepse
29
Óbito
11
68
M
Adecarcinoma
de cárdia
LPB**
SIRS
32
Alta
12
66
M
Adecarcinoma
de cárdia
LPB**
FA***
18
Alta
13
55
M
Adecarcinoma
de cárdia
LPU*
16
Alta
14
49
M
Adecarcinoma
de cárdia
Pneumonia
Sepse
LPB**
Fístula da anastomose
16
Alta
15
63
M
Adecarcinoma de cárdia
SIRS
LPU*
Fístula da anastomose
32
Alta
16
43
M
Adecarcinoma de cárdia
LPB**
16
Alta
17
43
M
Adecarcinoma
de cárdia
LPB**
Fístula da anastomose
18
Alta
18
45
M
Adecarcinoma de cárdia
-
13
Alta
19
52
M
Megaesôfago grau IV
LPB**
15
Alta
20
48
M
Megaesôfago
grau IV
LPB**
Fístula da anastomose
SIRS
Sepse
FA***
Empiema
Atelectasia
29
Alta
21
57
F
Megaesôfago grau IV
LPB**
20
Alta
22
41
M
Megaesôfago
grau IV
LPB**
Fístula da anastomose
16
Alta
* LPU: lesão pleural unilateral
** LPB: lesão pleural bìlateral
*** FA: fibrilação atrial
piratórias, como infecção pulmonar e insuficiência respiratória.
Mesmo evitando-se a toracotomia, durante o procedimento são realizadas grandes manipulações das
Volume 15 - Número 3 - Julho/Setembro 2003
regiões cervical, abdominal e do mediastino posterior, sendo, portanto, um procedimento cirúrgico complexo e que acarreta alto risco de resposta inflamatória e até mesmo processos infecciosos.
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Tabela 2 - Complicações intra e pós-operatórias de pacientes submetidos a esofagectomia transmediastinal
Diagnóstico
Lesão pleural
Fístula da
anastomose
Carcinoma epidermóide
9
4
SIRS/Sepse Pneumonia Empiema
1
3
2
Fibrilação
atrial
Atelectasia
Pacientes
1
-
9
Adenocarcinoma de cárdia
7
3
4
1
-
-
-
9
Megaesôfago
4
2
2
1
1
1
1
4
Total
20
9
7
5
3
2
1
22
Algumas complicações sistêmicas também podem
se desenvolver devido a tais riscos inflamatórios e
infecciosos. Foi observado nessa revisão, a ocorrência de síndrome de resposta inflamatória sistêmica e
sepse em sete dos vinte e dois pacientes estudados.
Outra complicação observada nesse estudo, e também descrita por outros autores, é a fístula da
anastomose esofagogástrica cervical.
Kolh et al.6 verificaram a incidência de seis casos
de fístula de anastomose, dentre 130 pacientes analisados, estando esta complicação em segundo lugar
de ocorrência em tal estudo.
Boyle et al.7 descreveram a incidência de seis casos de fístula da anastomose cervical, em um estudo
que envolveu 65 pacientes submetidos a esofagectomia.
E também Blewett et al.8 analisaram 74 pacientes
submetidos a esofagectomia por câncer de esôfago,
sendo que em 19 pacientes a anastomose esofagogástrica foi cervical e em 55 foi torácica. Nesse estudo
a maior incidência de fístula foi na anastomose torácica,
tendo como ocorrência nove casos, e da anastomose
cervical a ocorrência foi de um caso.
A realização de tal procedimento exige treino e
experiência de toda uma equipe envolvendo cirurgiões, enfermagem, nutricionistas e fisioterapeutas,
além de Unidade de Terapia Intensiva com condições de tratar prováveis complicações decorrentes da
cirurgia. A maioria dos pacientes portadores de
doenças esofágicas malignas, além de serem tabagistas
e etilistas, já procura auxílio médico com suas doenças em estado avançado, tem emagrecimento e alterações nutricionais significativas. E aqueles portadores de megaesôfago avançado, também se encontram
na mesma situação, em decorrência da disfagia e má
ingestão alimentar de longa data. Portanto, ao serem
submetidos a procedimento de grande porte, como é
a esofagectomia, estão sujeitos a índices mais elevados de complicações, em comparação a outros procedimentos cirúrgicos.
CONCLUSÃO
A esofagectomia transmediastinal via cervicoabdominal é uma cirurgia complexa, com incidên124
cia elevada de complicações pós-operatórias e, dentre estas, destacam-se as fístulas da anastomose
esofagogástrica e as complicações respiratórias. A
evolução pós-operatória não depende apenas da
técnica cirúrgica bem executada, mas também de cuidados intensivos pós-operatórios, principalmente os
respiratórios e de profilaxia infecciosa.
RESUMO
A esofagectomia transmediastinal via cervicoabdominal evita o comprometimento da dinâmica
pulmonar, mas não é isenta de complicações. Foram
avaliados retrospectivamente todos os pacientes
internados na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital de Clínicas da UNICAMP que realizaram essa
cirurgia, assim como as complicações que apresentaram no intra e pós-operatório. No período de janeiro
de 2.000 a novembro de 2.001, vinte e dois pacientes foram operados, sendo vinte homens e duas mulheres, com idade média de 56 anos. O diagnóstico
foi de carcinoma epidermóide em nove pacientes,
adenocarcinoma de cárdia em nove e megaesôfago
avançado em quatro pacientes. A reconstrução foi
realizada com o estômago na forma de tubo gástrico
e a anastomose esofagogástrica foi cervical em todos
os casos. A drenagem pleural fechada uni ou bilateral foi necessária em vinte pacientes, no intra-operatório. No período pós-operatório, as seguintes complicações foram observadas: fístula na anastomose
esofagogástrica cervical (9 casos), infecção pulmonar
(5 casos), síndrome de resposta inflamatória sistêmica
(4 casos), sepse (3 casos), empiema (3 casos), fibrilação
atrial (2 casos), atelectasia (1 caso). Vinte pacientes
tiveram alta hospitalar e dois evoluíram para óbito.
Concluindo, a esofagectomia transmediastinal via
cervicoabdominal, apesar de ter a vantagem de evitar
a toracotomia e o comprometimento da dinâmica pulmonar, ainda apresenta um alto risco de complicações
intra e pós-operatórias, com altas taxas de complicações graves, destacando-se a fístula na anastomose
esofagogástrica e as complicações respiratórias.
PALAVRAS-CHAVES: esofagectomia, pós-operatório, complicações.
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RBTI / ARTIGO ORIGINAL
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RBTI / RELATO DE CASO
Broncoespasmo refratário por
Strongyloides stercoralis
Refractory bronchospasm by Strongyloides stercoralis
Marilene da Silva Moura¹, Sérgio da Cunha², Gustavo Vaz³,
Saturnino de Campos Sarat Júnior³, Maria Cláudia Mattos Simão³
Abstract
Patients treated with high dose corticosteroids, as occurs in asthma and chronic obstructive pulmonary disease
associated with bronchospasm, usually are not investigated for strongyloidiasis, a disease which manifests itself
in a limited form to gastrointestinal tract. However, in the condition mentioned above, this illness may evolve to
a dramatic presentation, with elevated mortality rate. Such knowledge leads many physicians to empirically treat
the infection before initiate aggressive corticotherapy. The patient in this report had asthma and was using high
dose methylprednisolone for a long period of time, thus potentially immunossupressed, and manifesting exacerbation of the disease with severe bronchospasm, which did not improved despite treatment for bacterial
respiratory tract infections. Under suspicion, it was discovered a positive stool test for Strongyloides stercoralis,
this rousing a test in lower respiratory tract secretions that was also positive. With the right treatment, the patient
begun to mend, however he developed a sum of complications inherent to his condition and to the length of stay
in the Intensive Care Unit, that had slow resolution although multi-professional efforts.
Keywords: strongyloidiasis, corticosteroids, bronchospasm, myophaty, neuromuscular blocking agents.
broncoespasmo é uma condição que resulta
em diminuição do calibre da árvore brônquica,
determinado clinicamente pelo sibilo respiratório. Dentre suas diversas causas, destacam-se a asma
brônquica e a bronquite crônica, além de doenças
infecciosas e congestão pulmonar. É tratado agudamente
com medidas broncodilatadoras farmacológicas, necessitando porém para remissão, de resolução/compensação da doença de base. Neste caso apresentamos um
paciente com sibilos difusos refratários, que tinha antecedentes de asma brônquica, recebendo tratamento adequado sem apresentar melhora.
O
RELATO DO CASO
Um homem de 57 anos foi admitido no Hospital Universitário Pedro Ernesto em abril de 2003, com dispnéia
de início há 40 dias, associada à tosse com expectoração
clara e sibilos. Na ocasião procurou auxílio médico, tendo passado por duas internações hospitalares, onde havia
relato de uso de ceftriaxona, corticoesteróide venoso, e
agentes inalatórios broncodilatadores, evoluindo porém
com piora progressiva.
À internação, apresentava manutenção dos sintomas
e mudança da expectoração para amarelada, estando
hipocorado +/4, com equimoses peri-umbilicais e em
antebraços, pressão arterial de 150x90mmHg, freqüência cardíaca de 100bpm e respiratória de 36rpm, sem
febre. O exame cardiovascular era normal, exceto por
hipofonese de bulhas, e não havia edema em membros
inferiores. Tinha o murmúrio vesicular universalmente
diminuído com intensos sibilos difusos, além de esforço respiratório importante. O exame de abdomen não
revelou alterações. Nos exames laboratoriais, o
hemograma mostrou anemia normocrômica e normocítica com hemácias 3.770.000/mm³, hemoglobina 11.1g/
dL e hematócrito 31.8%; leucocitose de 16.700/mm³ com
bastões 5%, segmentados 74.6%, linfócitos 15% e
eosinófilos 0.4%; plaquetas 367.000/mm³. A bioquímica revelou: glicose 152mg/dL, sódio 126mEq/L, potássio 2.9mEq/L, uréia 47mg/dL e creatinina 0.8mg/dL.
Gasometria arterial: pH 7.43, pCO2 50.7mmHg, pO2
184mmHg, HCO3ˆ 32.9mEq/L, BE +7.6 e SO2 99.6%,
sob macronebulização com O2 úmido a 5 L/min.
A radiografia de tórax (Fig.1) mostrou infiltrado
intersticial peri-hilar.
1. Médica Intensivista Titulada pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira e Coordenadora da Unidade Docente Assistencial
do Centro de Terapia Intensiva, Hospital Universitário Pedro Ernesto, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
2. Médico, Professor assistente e Coordenador da Disciplina de Terapia Intensiva da Faculdade de Ciências Médicas, Universidade
do Estado do Rio de Janeiro.
3. Médicos Residentes de Terapia Intensiva, Centro de Terapia Intensiva, Hospital Universitário Pedro Ernesto, Universidade do
Estado do Rio de Janeiro.
Centro de Terapia Intensiva, Hospital Universitário Pedro Ernesto, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Endereço para correspondência e contatos: Gustavo Vaz, Hospital Universitário Pedro Ernesto, Av 28 de Setembro 77, 5o andar- CTI
geral, CEP: 20551-030, Vila Isabel, Rio de Janeiro, Brasil. Tel.: (0xx21) 2587-6115, Tel. Residencial: (21) 2259-7869, Tel. Celular:
(21) 9192-0564 . E-mail: [email protected]
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RBTI / RELATO DE CASO
Foi então iniciada antibioticoterapia empírica com
ciprofloxacina e amoxicilina/clavulanato, mantendo-se
corticoterapia venosa e ˜2-agonista/anticolinérgico
inalatório. O paciente não apresentou melhora clínica, e
houve piora do infiltrado pulmonar radiológico. No 7o
dia de internação, apresentou pseudo-obstrução intestinal, quando foi submetido a clister opaco que evidenciou
dilatação do ceco, com resolução espontânea, porém evoluindo com insuficiência respiratória aguda, sendo intubado e transferido para o CTI, onde foi admitido em quadro
séptico com broncoespasmo grave, febre alta contínua e
petéquias subconjuntivais e em flancos abdominais.
Foram feitos novos exames, que mostraram piora da
anemia com hemácias 2.970.000/mm³, hemoglobina
8.73g/dL e hematócrito 25.3%, e do desvio à esquerda
com leucócitos 16.300/mm³, bastões 13%, segmentados 72%, linfócitos 7.8% e eosinófilos 0.02%; plaquetas
247.000/mm³. A função renal e os eletrólitos eram normais, a glicemia de 290mg/dL e amilase 55UI. A
gasometria arterial revelou: pH 7.45, pCO2 33.1mmHg,
pO2 104mmHg, HCO3ˆ 22.6mEq/L, BE +0.1 e SO2
98.2%, sob fração inspirada de O2 de 0.5.
A radiografia de tórax evidenciava piora do infiltrado
intersticial com áreas de preenchimento alveolar.
O paciente tinha história pregressa de asma brônquica
persistente e doença do refluxo gastroesofageano
(DRGE) grave, fazendo uso de salmeterol/fluticasona e
pantoprazol, sem relato de outras comorbidades, doenças prévias, tabagismo ou etilismo.
Foi instalada ventilação mecânica invasiva, tendo sido
necessários sedação e bloqueio neuromuscular contínuo
para melhor adaptação à prótese ventilatória. Os antibióticos foram suspensos e feitas culturas de sangue, urina e
mini-LBA (lavado bronco-alveolar), sem isolamento de
patógenos em contagem significativa. Iniciou-se
empiricamente moxifloxacina e ceftazidima sem melhora após 2 dias. A revisão do prontuário de acompanhamento ambulatorial do paciente revelou que um exame
parasitológico de fezes feito 3 meses antes da atual
internação era positivo para Strongiloydes stercoralis, não
tendo sido feito tratamento adequado. Foi então solicitada pesquisa de S. stercoralis em material obtido por miniLBA, que foi positiva, sendo iniciado tratamento com
tiabendazol na dose de 25mg/kg a cada 12 horas. Passados mais 2 dias houve controle do quadro séptico e melhora da febre, assim como do leucograma e do infiltrado
pulmonar, o broncoespasmo melhorando progressivamente nos 10 dias subsequentes ao início do tiabendazol,
após o que não foram mais necessários o bloqueio
neuromuscular nem a sedação. O anti-HIV (1 e 2) foi
negativo e a ultra-sonografia abdominal mostrou discreta
hepatomegalia homogênea sem ascite.
O paciente foi tratado com o anti-helmíntico por 10
Volume 15 - Número 3 - Julho/Setembro 2003
dias em dose máxima diária (3g), sem elevação significativa das aminotransferases hepáticas, continuando com
dose de manutenção diária (500mg) por 20 dias. Os
antibióticos foram administrados por 14 dias, reduzindo-se gradativamente o corticoesteróide e permanecendo com terapia plena para DRGE com omeprazol e
procinético. Novas pesquisas para S. stercoralis, por
mini-LBA e parasitológico de fezes, foram negativas ao
término do tratamento, e 28 dias após.
Ao final do tratamento com tiabendazol, o paciente
voltou a fazer febre, com recrudescência da leucocitose
e desvio à esquerda, desenvolvendo infecções
sequenciais e repetidas por bactérias multi-resistentes,
em sítios diversos, tendo-se administrado antibióticos
de amplo espectro.
Durante toda a evolução no CTI em seguida ao término da sedação e bloqueio neuromuscular, o paciente permaneceu com tetraplegia flácida de discreta melhora progressiva sendo difícil o processo de desmame ventilatório.
Múltiplos fatores foram implicados: desnutrição e ventilação por tempo prolongado, sepse e acometimento
polineuropático motor axonal e predominantemente
miopático confirmado por eletroneuromiografia. Sob protocolo lento e gradativo de desmame em peça T alternando com períodos em ventilação com pressão de suporte
(PSV) e intenso trabalho fisioterápico, o paciente pôde
ter a ventilação mecânica descontinuada, recebendo alta
para a enfermaria após 48h de retirada da cânula de
traqueostomia. Apresentava força muscular grau IV em
membros superiores e grau III em membros inferiores.
Após quase 60 dias na enfermaria, o paciente recebeu
alta hospitalar realizando todas as atividades cotidianas.
DISCUSSÃO
A estrongiloidíase humana é uma helmintíase causada pelo Strongyloides stercoralis, que apresenta duas formas: uma de vida livre e outra parasitária; ambas intercalando-se no ciclo evolutivo e determinando infecção[1].
As larvas filarióides- formas infestantes- seguem trajeto
que passa pela circulação venosa até os capilares pulmonares, onde penetram nos alvéolos e são eliminadas na
secreção traqueal para a faringe e deglutidas, indo instalar-se na intimidade da mucosa intestinal, principalmente
duodenal, local de infecção primordial, manifestando-se
clinicamente por dor epigástrica e diarréia e podendo
raramente levar a íleo paralítico ou enterorragia[1]. Eventualmente, há um aumento do número de vermes nos
tecidos e órgãos normalmente envolvidos no ciclo biológico, ao que se denomina hiperinfecção e em alguns casos
isto evolui para doença disseminada, quando as larvas
podem ser encontradas em virtualmente qualquer órgão
e líquido corporal, inclusive a pele, onde determinam
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RBTI / RELATO DE CASO
lesões petequiais e purpúricas por penetração[1], levando
a quadros graves, com sepse e infecções secundárias sob
a forma de pneumonia e até Síndrome de Angústia
Respiratória Aguda (SARA)[2], meningite, endocardite ou
peritonite, por carreamento de enterobactérias e até fungos da luz intestinal para a corrente sanguínea[1-5], sendo
o acometimento pulmonar de mais fácil suspeição mediante história clínica e achados radiológicos[6]. As formas graves da doença levam à mortalidade maior que 80%[1,3-4].
A hiperinfecção e disseminação são facilitadas por
estados de imunodepressão [1,3,4,7] , aí incluindo-se
principalmente a iatrogênica- por uso de corticoesteróides- e também a associada à infecção pelo HTLV1 (human T-cell leukemia virus type 1)[5,8].
O diagnóstico é feito através da identificação das larvas pelo método de Baermann[9] nas fezes, com sensibilidade próxima a 100% mediante coleta de sete espécimes consecutivos[10], assim como em qualquer fluido
orgânico[4,5], inclusive por coloração de Gram em secreção traqueal[11], havendo eosinofilia em mais de 80%
dos casos, exceto nas formas graves, quando ocorre em
menos de 20% dos casos[1]. O agente terapêutico de escolha atualmente é o cambendazol com eficácia em torno de 95%[12], esta semelhante à do tiabendazol e com
menos efeitos colaterais, sendo este entretanto o fármaco
preferido em formas extra-intestinais da doença, com
índice de cura entre 75% e 93%, tendo entre seus efeitos
adversos a hepatotoxicidade[1].
Em pacientes sépticos a incidência de neuropatia chega a 70% e, dependendo da doença de base, pode ter
recuperação ausente ou apenas parcial[12]. O acometimento miopático é também mais comum do que se imagina, especialmente em pacientes que fazem uso de
corticoesteróides e agentes bloqueadores neuromusculares (ABNM) não- despolarizantes isolados ou em
associação[13], mesmo na ausência de sepse grave e com
funções renal e hepática normais[14]. A miopatia grave é
associada à perda dos filamentos de miosina e proteínas
relacionadas e do mRNA (ribonucleic acid messenger)
da miosina, havendo na fase aguda a perda da
excitabilidade de membrana por diversos fatores, dos
quais a ação de corticoesteróides parece ser o principal,
além de ABNM, imobilização e sepse[15], isto ocorrendo
mesmo após curtos períodos de uso das drogas citadas.
CONCLUSÃO
Considerando-se a elevada prevalência de infestação
parasitária intestinal na população brasileira, devemos
estar atentos à possibilidade de desencadeamento de quadros respiratórios graves por estes agentes, especialmente em pacientes em uso crônico de corticoesteróides ou
outras condições clínicas causadoras de imunodepressão.
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RESUMO
Pacientes tratados com altas doses de corticoesteróides, como ocorre na asma e na doença pulmonar
obstrutiva crônica associadas a broncoespasmo, geralmente não são investigaddos para estrongiloidíase, uma
doença que se manifesta de forma limitada ao trato
gastrointestinal. Entretanto, na condição mencionada
acima, esta doença pode evoluir para uma apresentação
dramática, com elevada taxa de mortalidade. Tal conhecimento leva muitos médicos a tratar empiricamente a
infecção antes de iniciar corticoterapia agressiva. O
paciente neste relato tinha asma e estava usando
metilprednisolona em alta dose por um longo período,
portanto potencialmente imunossuprimido, e manifestando exacerbação da doença com broncoespasmo grave que não melhorou apesar de tratamento para infecções bacterianas do trato respiratório. Sob suspeita, foi
descoberto um exame parasitológico de fezes positivo
para Strongyloides stercoralis, o que suscitou o teste nas
secreções de trato respiratório inferior, também positivo.
Com o tratamento certo o paciente começou a melhorar,
no entanto ele desenvolveu um somatório de complicações inerentes a sua condição e à longa permanência na
Unidade de Terapia Intensiva, que tiveram lenta resolução apesar de esforços multi-profissionais.
UNITERMOS: estrongiloidíase, corticoesteróides,
broncoespasmo, miopatia, agentes bloqueadores
neuromusculares.
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