Actividade Contabilística até Luca Pacioli

Transcrição

Actividade Contabilística até Luca Pacioli
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REVISTA DE CONTABILIDADE E COMÉRCIO
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Hernâni O. Carqueja
Actividade Contabilística
1
até Luca Pacioli
1
Estes apontamentos têm como base lições policopiadas de TEORIA DA CONTABILIDADE
ao curso de 1968/1969, na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, uma "sebenta",
que, só por excepção, tinha indicação das fontes. Só parcialmente foi possível colmatar essa
falta. De memória o autor recorda que a versão de 1968/1969 assentou principalmente na
consulta conjunta das lições de J. Sarmento coligidas por alunos (1955,) dos livros de Lopes
Amorim (1929), Gonçalves da Silva(1938), Martim Noel Monteiro (1965), Cañizares Zurdo
(1933), Ferrando Boter Mauri (1959), H. Vlaemminck (1961), e Federico Melis (1950) e de
artigos de “The Accounting Review” e da Revista de Contabilidade e Comércio.
Nesta reedição foram feitas correcções e alterações muito significativas. Na bibliografia
listam-se as obras recordadas como fontes de consulta quando da versão de 1968/1969 e as
fontes consultadas quando da revisão, estas referenciadas nos lugares próprios.
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Enquadramento:
CONTABILIDADE como SISTEMA DE INFORMAÇÃO (ciência aplicada)
Saberes, Práticas e Instrumentos contabilísticos.
Actividade Contabilística até Luca Pacioli.
Do Saber da profissão às Doutrinas da Academia.
Saber académico e pesquisa contabilística.
Contabilidade: coerência de princípios e soluções.
Objecto da informação.
Referência da informação (entidade e perímetro).
Destinatários da informação.
Modelos e qualidades da informação.
Quadro conceptual e normalização contabilística.
Contabilidade como construção social.
Contabilidade: problemas em aberto e novos rumos?
Contabilistas e Ética Profissional.
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TEORIA da CONTABILIDADE (Contabilidade Geral)
I

CONTABILIDADE como SISTEMA DE INFORMAÇÃO (ciência aplicada)
II

EXPRESSÃO CONTABILÍSTICA
III

MEDIDA CONTABILÍSTICA
IV

ANÁLISE CONTABILÍSTICA
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SUMÁRIO
0.
Apresentação
1. Actividade contabilística
1.0 .......................................
1.1 Actividade contabilística na antiguidade
1.1.1 Actividade contabilística nas civilizações dos grandes rios
1.1.1.1 Os Sumérios, Acádios e Babilónios
1.1.1.2 Civilização Egípcia (Egipto Faraónico)
1.1.2 A Contabilidade na Grécia e Roma antigas
1.1.2.0 .................
1.1.2.1 A Contabilidade na Grécia
1.1.2.2 A Contabilidade em Roma
1.1.3 A actividade contabilística noutras civilizações antigas
1.2 Actividade contabilística durante a Idade Média
1.2.0 ....................
1.2.1 Os maometanos, em especial os da Península Ibérica
1.2.2 A Igreja, os Templários e os Cavaleiros Teutónicos, as feiras e
associações comerciais na Europa Central
1.2.3 Império Romano do Oriente, Cruzadas e as Republicas
Italianas
1.3 Algumas notas sobre os entendimentos de Pacioli
1.3.0 ....................
1.3.1 Digrafia (partidas dobradas)
1.3.2 Técnica de registo e documentação de apoio
1.3.3 Informação sobre o negócio, a periodização e a prestação de
contas
1.3.4 Autenticação dos livros e correcções de registos
1.4 Rebusco de ideias estruturantes
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RESUMO:
Enquadrada no estudo da Teoria da Contabilidade, a exposição tem como
objectivo contribuir para validar a ideias de profunda ligação entre
actividade económica e actividade contabilística, reconhecendo a
contabilidade como apoio da organização socio-económica, e o de
situar, no desenrolar histórico da civilização, o livro de Luca Pacioli.
Respigando a história da civilização europeia salientamos alguns
aspectos da actividade económica da Antiguidade e, depois, da organização
económico-social, política e religiosa da Idade Média, procurando as raízes
das construções agora rotuladas como contabilísticas. Salientamos também
algumas soluções técnicas, até chegar ao papel e à impressão, e passos
importantes até ao saber contabilístico implícito no quadro conceptual de
Pacioli, conforme o “Tractatus particularis de computus et scripturis”.
Nos últimos números registamos características das soluções descritas no
célebre livro que, em 1994, completou meio milénio.
Palavras chave (ordem alfabética, separação = ;) :
actividade contabilística; auditoria; banqueiros; cambistas; contabilidade;
história; digrafia; documentos; economia; escrita; partidas dobradas.
Créditos
Agradecemos em particular ao arqueólogo Dr. Adriano Vasco Rodrigues a
autorização de reprodução de gravuras e de quadros cronológicos. Toda a
exposição beneficia muito de tais referências históricas e visuais.
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APRESENTAÇÃO
Vamos abordar a TEORIA da CONTABILIDADE como ciência social
aplicada. Dadas as limitações da experimentação nas ciências sociais, é
importante ponderar a evolução histórica da actividade e do saber
contabilísticos, procurando entender como se interligaram com as sociedades
de cada época. Para os cortes no tempo, definindo períodos, tomaremos como
referências, o livro de Luca Pacioli, a entrada da contabilidade na academia,
e a aprovação do primeiro plano contabilístico português.
A exposição sobre o primeiro período corresponde ao tema “Actividade
contabilística até Luca Pacioli”. O segundo período será abordado sob o
título “Do Saber da Profissão às Doutrinas da Academia”, e abarca os cerca
de 350 anos que passaram desde o livro de Pacioli até à entrada na
academia.O período que seguiu a entrada da contabilidade na academia e
até ao Plano Contabilístico de 1977, corresponde a: “Saber académico e
pesquisa contabilística”.
A primeira etapa termina, portanto, com a publicação do primeiro livro
impresso sobre contabilidade, em 1494, o que aconteceu na mesma década
em que navegadores portugueses chegaram á Índia(1498), foi assinado o
tratado de Tordesilhas(1494) e deixou de haver reis maometanos na
Península Ibérica(1492).
1. ACTIVIDADE CONTABILÍSTICA
1.0.
... …
A actividade contabilística tem foral de independência como profissão
desde que implica aprendizagem especializada, tem dignidade como
ramo do saber desde que é objecto de ensino universitário e
formulações teóricas, mas existe desde que há organização económicosocial estável, tem como centro das suas preocupações as unidades
económicas e a natureza de informação económica.
Pensamos que a contabilidade foi e é, sempre, apoio essencial da
organização económico-social. É esta ligação entre contabilidade e
actividade económica que vamos procurar validar, passando em revista
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alguns aspectos das civilizações anteriores à impressão do livro de Luca
2
Pacioli, em 1494 .
A vida do dia a dia sugere que a contabilidade anda ligada à
actividade económica e que os registos contabilísticos têm como pano de
fundo a representação da riqueza duma entidade, vista como coisas
apropriáveis ou como rendimento, só ganho ou recebido. Esta primeira
achega, da nossa vivência, é corroborada pela história: o desenvolvimento
da actividade contabilística seguiu o da actividade económica. A
unidade económica desde muito cedo foi centro de actividade
contabilística e os bens e fluxos económicos sempre foram o objecto
da informação contabilística. O desenvolvimento da vida social e
económica acentuou a necessidade de registos, acrescentou-lhes utilidade
como prova e meio de informação.
No século XV, avultam factos como a conquista de Ceuta em 1415,
queda de Constantinopla em 1453, primeiro livro impresso em 1454, fim do
Reino de Granada em 1492, tratado de Tordesilhas em 1494, descobrimentos
portugueses com a chegada à Índia, em 1498, o que muitas vezes
contribui para tornar menos notados factos como o conhecimento e a
3
disponibilidade de papel, a existência da imprensa e conjunto de
alterações profundas nas condições de vida anteriores. Foram necessários
milénios para a civilização construir os sistemas de escrita, de operação
numérica, e mais condições técnicas e de estruturação do saber que
viabilizaram a publicação do livro. São diferentes os apoios tecnológicos
e conceptuais e é uma nova atitude de sistematização e busca de saber
2
Comemorando e recordando o meio milénio que passou depois da publicação do tratado
impresso foram editadas obras em que merece especial destaque, pela qualidade da análise e
fotografia do livro original, a obra do Professor Fernández Estebe (1994).
Anote-se também a edição que transcreve os textos de Pacioli em italiano conjuntamente com
a tradução para francês por Jouanique(1995).
A Revista de Contabilidade e Comércio editou e distribuiu conjuntamente com o número 205,
1995 – 1.º Tr, a colectânea “Luca Pacioli” em que reeditou o artigo de F. V. Gonçalves da Silva
anteriormente publicado, de pág. 5 a 27 do nr.º 61/62, “Luca Pacioli: o Homem e a Obra”. Na
mesma colectânea também foram publicados artigos sobre Luca Pacioli de António Lopes de Sá,
Esteban Hernández Estebe, Fernando Martin Lamouroux, José Fernandes de Sousa e sobre o
estudo e investigação da história da contabilidade de Enrique Fernández Peña.
3
Os primeiros livros impressos portugueses, impressos no século XV, os incunábulos
portugueses foram objecto de notícia na Revista de Contabilidade e Comércio  Rodrigues
(1998).
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que enquadra o primeiro livro impresso com exposição sobre
contabilidade, caldeado pela civilização em longa evolução e somatório de
saberes.
Entendemos que para a civilização em que vivemos foi
imprescindível teia contabilística que torna possíveis a produção,
circulação, e utilização de bens e capacidades, e suporta a
organização pública da nossa vida social; esta ideia é suportada
pela evolução histórica.
1.1
Actividade contabilística na antiguidade
1.1.1 Actividade contabilística nas civilizações dos grandes rios
Datas: a.C.
Egipto
Mesopotâmia e Pérsia
Palestina
4000
Neolítico
Neolítico
Neolítico
3000
Metalurgia do cobre
Metalurgia do cobre
Metalurgia do cobre
2700
2600
Império Antigo
Época das Pirâmides
3.º dinastia
2300
6.ª dinastia
Sargão I
2.º idade do bronze
2050
Império Médio
2000
Abraão sai de Ur para Canaã
1700
1728-1689 Hamurábi
1530
Hicsos (invasão)
1567
Novo Império
Período de
Tell-al-Marna
1400 a 1350
Período dos impérios
Hitita e Mitaniano
1250
1200
1800-1500 Hebreus
no Egipto
Ocupação hebraica
Ramsés III
1.º idade do ferro
1010-970
1.º idade do ferro
David
961
Salomão
671
Conquista por Ciro (rei Pérsia)
625
Conquista pérsica
522-486
Conquista pérsica
Dário I
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1.1.1.0 ............
O saber sobre o passado da nossa civilização é apoiado nos testemunhos
que chegaram até nós e de que temos conhecimento, directa ou
indirectamente. A pesquisa arqueológica justifica situar 8000a.C. símbolos
que podemos interpretar como servindo para informação sobre bens
económicos, riqueza, e que, dentro dos entendimentos actuais, são já
assomos de actividade contabilística. Procurando base para ajuizar sobre o
significado de dos símbolos em tão recuada data, 8000a.C., considere-se o
cotejo da cronologia4 com que abrimos este tema, em diferentes civilizações,
e em que a primeira data é 4000 anos A. C.
Entre as civilizações antigas hoje conhecidas destacam-se as dos
grandes rios, assim chamadas em virtude da sua localização geográfica.
Pela influência mais directa que exerceram sobre a nossa civilização,
muitas vezes referida como ocidental, ou, simplesmente, porque as
5
conhecemos melhor , é normal destacar os povos entre Tigre e Eufrates6
e do Nilo, isto é, sumérios, acádios, babilónios e os egípcios, respectivamente.
Por volta do ano 3000a.C. ambas as civilizações conheciam o cobre e
tinham desenvolvimento compatível. Tendo usado a roda, o carro de
cavalos e o ferro depois da Mesopotâmia7, a civilização egípcia exerceu
influência até mais tarde e é, talvez, melhor conhecida. No respigar de
aspectos mais significativos adoptamos a ordem de abordagem mais
frequente nos nossos livros de história.
Procuraremos evidenciar que, no desenrolar destas civilizações, houve,
desde muito cedo, actividade que, pelos nossos critérios de hoje, pode ser
vista como contabilística. Nem sempre a memória do homem é fiel e nem
sempre os homens têm recta intenção. Aparentemente quando a utilidade de
registos, testemunhos, dos factos económicos justificou o custo, em
trabalho e material, de os produzir, começou a actividade contabilística. O
4
Rodrigues (1969, 35), (transcrição rectificada e autorizada pelo autor).
5
É ainda recente o nosso acesso ao conhecimento da história de outras civilizações
adiantadas para a época, como foram as da China e Índia, ou a desenvolvida na América do
Sul. Na Europa a observação histórica continua centrada nas influências que conduziram à
nossa situação actual, tendo como fulcro a Europa, e, portando, ainda divorciada de
realizações humanas que, embora grandiosas, tiveram, na civilização europeia, influência
menos reconhecida.
6
Actual Iraque.
7
Rodrigues, (1969, 38): “Foram os hicsos que, entre 1530 e 1370,a.C., introduziram no
Egipto a roda e o carro, o cavalo, o arco e a flecha, a cerâmica torneada e o ferro fundido”.
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registo convencional em placas de cerâmica, varas de madeira8, atados de
cordas com nós, e outros métodos engenhosos - alguns semelhantes aos que
chegaram quase até nós, como os registos de moleiros ou de taberneiros9,
analfabetos, com soluções muito suas para representar responsabilidades e
créditos - corresponde a necessidades intensas, dado o labor e engenho
requeridos pela sua produção.
1.1.1.1. Os Sumérios, Acádios e Babilónios
Na civilização entre o Tibre e o Eufrates, c.8000a.C. e até c.3000a.C.,
aparecem registos simbólicos, anteriores à escrita que a arqueologia
atribui ao propósito de registar situações jurídico-económicas. Mattessich
(2000,23) esquematiza a interpretação de tais testemunhos arqueológicos
nos termos seguintes:
“
STAGES IN THE
EVOLUTION OF ACCOUNTING AND
SYMBOLIC REPRESENTATION IN THE
PREHISTORIC MIDDLE EAST
I - 8,000 BC: Plain clay tokens of various shapes (spheres, discs, cylinders, triangles, rectangles,
cones, avoids and tetrahedrons, each standing for a unit of a specific commodity) which account
for the stocks and flows of agricultural goods and services - coinciding with agricultural revolution.
II - 4,400 BC: complex tokens with incised lines or punctuation (and occasionally perforated)
appear in the old as well as some new shapes (parabolas, vessel forms, trussed duck forms, bent
coils, etc.) - coinciding with the first monumental architecture and the rise of the state,
indicating a need for greater accounting accuracy.
III - 3,250 BC: Emergence of sealed aggregation devices, such as hollow clay envelopes, to
safeguard accounting tokens (usually representing agricultural products that were common
`currencies') and sealed string systems for safeguarding perforated accounting tokens (usually
representing manufactured goods and labour units). Both devices were impressed with
personal or institutional seals and often used simultaneously to give evidence for inventories
and debt claims as well as the equities behind them - indicating increasing legalism and
bureaucratism.
IV - 3,200 BC: Surfaces of clay envelopes are also impressed with each token to be enclosed (or
each token shape combined with a number symbol) to reveal from outside the assets and equity
8
Ver Baxter (1989) e também Rodrigues (2001).
9
Amorim (1969,11 e 12) testemunha a solução duma viúva analfabeta que era dona de uma
pequena mercearia e que resolveu os seus problemas, para registar vendas a crédito, com tábuas
e giz, e com traços e circulos que ela entendia.
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represented by the token content - constituting a kind of double entry system (actual tokens
inside represent assets, token impressions on the surface are counter entries representing the
corresponding equity).
V - 3,100-3,000 BC: First pictographs incised in soft stones (very rare in contrast to the
abundance of clay tokens and early pictographs in clay). Emergence of archaic cuneiform
writing, using many symbols identical or similar to negative token impressions. This stage is
also the beginning of abstract counting and writing. Continuing use of both token accounting
systems.
“
No período histórico, já com escrita, os registos têm como suporte
gravações em placas cerâmicas, secas ao sol ou cozidas, caso em que
beneficiamos de maior resistência à passagem do tempo.10
Chegaram até nós escritos do III milénio a.C. em que a escrita era
executada com uma cunha, facto realçado pela designação escrita
cuneiforme.
10
Melis (1950, quadro X entre pág. 144 e 145)
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Mattessich (1994,18 e 19) não só interpreta os testemunhos do período
anterior à escrita como de natureza contabilística, como entende que há
cinco mil anos (portanto cerca de 3000a.C.), existia já uma lógica digráfica
no desenvolver de registos com base na deslocação dos símbolos de
riqueza.
Vários historiadores notam que no fim do III milénio a.C. já alguns
registos sugerem claramente conceitos contabilísticos actuais, por exemplo o
11
de conta , com indicação das partes interessadas, unidades em que se
avaliavam as operações, e movimento efectuado. Há mesmo casos em que o
movimento é classificado conforme o sinal que afecta as operações, e em
que se indica o saldo anterior e o saldo actualizado.
Registos já do II milénio a.C., período em que a cidade de Babilónia
dominou, na época de Hamurabi (cerca de 1728a.C.-c1689a.C.) têm
conteúdo semelhante ao das actuais “contas sintéticas”, formando
apanhados de movimentos descritos em pormenor noutros registos. Também
existem testemunhos evidenciando a minuciosa regulamentação
12
jurídica dos negócios de então: (disposições do código de Hamurabi :
“Se um comerciante tiver emprestado dinheiro para os seus negócios, e
sofrer, no entretanto, um prejuízo, o comissário deverá entregar o dinheiro ao
comerciante.”
“Se um comerciante confiar a um comissário trigo, lã, azeite ou outras
mercadorias para venda, o comissário deverá fazer uma declaração de débito
pela importância respectiva, e reembolsar o comerciante, devendo este
passar-lhe então uma quitação ou recibo”.
“Se alguém confiar à guarda de outrem prata ouro ou outros objectos,
deverá mostrar na presença de testemunhas tudo aquilo que dá, assinar o
documento respectivo e depois entregar os objectos.”
Nestes preceitos é bem evidenciada a importância da elaboração de
documentos de conteúdo jurídico-económico. A referência a dinheiro no
primeiro dos preceitos transcritos deve ser entendida como resultante de
problema de tradução pois no segundo milénio a atribuição de valores
baseava-se ainda em sistemas de equivalências, sistemas ponderais,
11
Sobre o conceito de conta ver, por exemplo, Carqueja(1975-A)
12
Amorim ( 1929, 29).
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solução que nós temos pouca capacidade de idealizar, dada a nossa vivência
com o meio geral de pagamentos institucionalizado, a moeda. Numa
economia de troca a relação do valor entre dois bens pode ser estabelecida
pelas quantidades de um terceiro correspondentes às razões de troca de cada
um. O terceiro bem serve para ponderar o valor dos dois primeiros.
Ainda na mesma época alguns dos documentos evidenciam o propósito de
controlo de gestão e o de análise das explorações. Muitos foram
conferidos, pois neles existem sinais próprios das conferências, outros
foram emitidos em várias vias. Em qualquer caso a verificação da
actividade do escriba, ou do administrador, parecem evidentes.
Para além da margem esquerda do rio Tigre desenvolveram-se a Média e
a Pérsia, origem dos medos e persas, que, sob o comando de Dario (521486a.C.), dominaram não só as Cidades Mesopotâmicas mas, também na
Europa, o norte da Grécia e, na África, o Egipto. O fulgor da civilização
mesopotâmica esbate-se, tal como o da egípcia, com as conquistas pérsicas
que assinalaram final da civilização chamada de Antiguidade Oriental, a
que sucedeu a Antiguidade Clássica. O Império Persa deixou, entretanto,
um testemunho, hoje visto como de teor contabilístico, que merece registo
especial: existência de inspecções sobre as unidades administrativas,
as satrapias. É uma primeira evidência sobre a utilidade dos
serviços de auditoria em organizações sociais grandes ou
complexas.
Depois, com a conquista pelo macedónio Alexandre o Grande, em 325a.C.
os centros de desenvolvimento passam para a Grécia e Roma, e a
Mesopotâmia perde influência como base de desenvolvimento da Europa.
Dada a feição utilitária das realizações dos sumérios, acádios e
babilónios, e também dos medos e persas, os testemunhos que nos chegaram
só podem ser explicados por necessidades muito intensas, atendendo ao
trabalho exigido na sua elaboração. Os testemunhos contabilísticos
aparecem lado a lado com outros de carácter económico e jurídico, a
qualificação só tem como base a compartimentação baseada nos
entendimentos actuais. Então a actividade contabilística não existe
com independência e só por semelhança com a realidade actual
distinguimos os registos contabilísticos dos restantes de carácter económico
e jurídico: são contabilísticos os que visam representação de riqueza.
Aparecem conjuntamente cartas de negócios, assentos de contratos, ordens
de pagamento e registos, desenvolvidos com quantidades em espécie,
que são vistos como lançamentos em contas.
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A civilização de que nos ocupamos ficou caracterizada pelo seu
desenvolvimento em torno de agregados urbanos. É mesmo a hegemonia de
uma ou outra cidade que serve aos historiadores como referência das épocas
e culturas. O desenvolvimento de grandes agregados urbanos implica
organização da contabilidade e despesas públicas. Estas devem ser
custeadas pela colectividade, o que origina um complexo trabalho de
rateio. Há ainda que controlar a recolha, manobra e aplicação dos
fundos públicos. Também nas grandes cidades se complica a vida
económica privada. Praticam-se operações de crédito que exigem
registos como meio de prova. Desenvolvem-se unidades de produção cuja
grandeza impede o titular de seguir pessoalmente toda a actividade;
aos registos incumbe a missão de informar e controlar. O mandato ganha
importância e implica prestação de contas, isto é, registos. Os grandes
agregados urbanos aparecem assim como fonte da necessidade de registos.
A existência, antes de existir escrita, de registos com conteúdo
legitimando a qualificação, pelo critério de hoje, como
contabilísticos, merece destaque; e até não pode ser ignorada a ideia de
que a necessidade de elaborar tais registos pode ter sido factor
13
importante no desenvolvimento dum primeiro sistema de escrita .
Entre os testemunhos da vida económica, pública e privada, aparecem os
registos contabilísticos. A estruturação da organização económicosocial passa pela resolução das necessidades de registos
contabilísticos, e isso aconteceu na civilização entre o Tigre e o
Eufrates.
1.1.1.2. Civilização Egípcia (Egipto Faraónico)
O despontar, nas margens do Nilo,14 da civilização egípcia esconde-se, tal
como a entre rios Tibre e Eufrates, no recuado dos tempos. Não é pacífica a
atribuição de prioridades quanto à sua influência. Houve tempo em que a do
13
Mattessich(1994,5). Logo no resumo inicial escreve, referindo-se a Denise SchmandtBesserat: “She also drew parallels between the shapes of the tokens and those of the first signs
of writing, establishing accounting as a perequisite and impetus to writing and abstract
counting”.
14
Considerado um dos rios mais compridos, corre perdominantemente de Sul para Norte,
com curso paralelo ao Mar Vermelho, termina no delta em cujos cantos se situam as actuais
cidade do Cairro (início do delta), Alexandria (a ocidente) e Port-Said (na margem do Suez; o
canal de Suez foi aberto em 1869).
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Egipto era considerada como mais antiga, hoje tem com grande aceitação a
perspectiva que a da Mesopotâmia evidenciou desenvolvimento
anterior, e que nos dois últimos milénios a.C. são coexistentes, e tem
ambas muita importância no desenrolar da civilização europeia. A
civilização Egípcia chegou mais perto de nós.
Passando ao lado de problemas de prioridade e datações, mais do domínio
da história, evocamos o conhecimento pacífico de que, milhares de anos
antes de Cristo, no Egipto Faraónico foram realizadas obras ainda hoje
grandiosas.
A unificação do Egipto sob o governo dum mesmo senhor
aconteceu cerca de três milénios antes da nossa era. Até à passagem do
Egipto para o domínio persa em 525 a.C. estão identificadas 30
dinastias, com alterações significativas não só nas etnias predominantes
como nos limites de fronteiras e na organização. É frequente realçar os
períodos do Egipto Faraónico, do Império do Meio e do Novo Império,
antes da passagem ao Egipto Greco-Romano e ao Egipto Bizantino, em que o
Egipto foi ponte entre a cultura grega e a civilização europeia.
Na globalidade podem ver-se os primeiros milénios como
referidos a uma organização que hoje seria caracterizada como enorme
monopólio em que o Faraó, deus vivo, tudo controlava: a armazenagem e
conservação das colheitas eram uma das funções de quem tinha que se
preocupar com a vida dos indivíduos. A organização político-social, em
que os sacerdotes e os templos ocuparam sempre lugar de realce, era
complicada e burocrática, o que conferiu aos escribas lugar junto da
autoridade e prestígio.
A escrita Egípcia15 evoluiu muito ao longo dos séculos e coexistiram
tipos de escrita diferentes. A leitura dos escritos egípcios é dificultada,
15
Rodrigues (1969,43): figura com esclarecimento sobre escrita egípcia.
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mesmo depois de 1821 e Champollion16, pela evolução de simbologia
usada. Nas inscrições dos monumentos, tão cheios de interesse para os
arqueólogos, só por excepção se referem factos económicos.
17
O uso do papiro e da tinta de fuligem nos escritos correntes, desde
épocas recuadas, talvez cerca de 2000a.C. impede-nos hoje de dispor de
elementos equiparáveis aos deixados pelos mesopotâmicos com base em
material bem mais resistente ao envelhecimento. Os papiros foram
destruídos pelo tempo e muito raros exemplares chegaram até nós, mas,
embora poucos, e mutilados, existem alguns18. Também foram usados para
escrever em alguns casos pedaços de cerâmica especialmente para
documentos correntes como cartas, recibos ou certificados de depósito.
Desenvolveram-se comunidades numerosas, e a vida económica
conheceu uma complexidade que merece destaque dentro dessa época
histórica. Os problemas relativos à administração pública, aos pagamentos
ligados às grandes construções e à organização económica, motivaram
registos de feição contabilística. Nem poderíamos esperar outra coisa numa
civilização em que o escrever gozou de tanto prestígio como no Egipto
antigo. O lugar social dispensado aos escribas, evidenciado em
19
pinturas e registos , ilustra bem a importância das suas funções.
Chegaram, tal como os mesopotâmicos, também até à elaboração de
“contas”, registos em que se indicavam as partes interessada, se descrevia e
valorava o movimento efectuado e se indicavam os saldos resultantes.
16
Em 1821 Young e Champollion decifraram a escrita de hieroglifos com base na pedra da
Roseta, encontrada em 1799, com inscrições em grego, egípsio demótico e caracteres hieroglíficos.
Rodrigues (1969,43).
17
O porto de Alexandria foi, durante séculos, a referência europeia para obtenção do papiro.
O papiro continuou em uso na Europa até ao século XIII, coexistindo com as tábuas de cera dos
romanos, e com o pergaminho e com o velino já usados na antiguidade clássica, e mais tarde
com o papel, até que este acabou por todos substituir. Entretanto, como Gonçalves da Silva
(1970,38) refere, em Roma o uso da papiro não foi regra nem mais frequente, os romanos
escreviam em tabuinhas enceradas com um estilete. O documento ibérico em papel mais antigo é
de 1009 e está depositado no museu do Escorial. O papel foi usado em Portugal no reinado de D.
Dinis.
18
Especialmente sobre o período helenistico do Egipto chegaram até nós testemunhos
preciosos. Os papiros de Zenon, colecção de mais de um milhar de documentos, fornecem
evidência sobre o sistema contabilístico desde o século V a.C. (Hain, 1966, 699)
19
Stone, Wiliard E., (1969)
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Há que salientar um avanço notável, básico para o desenvolvimento da
20
contabilidade: o uso de uma unidade de conta: o “shat ”. À
complexidade de expressão de valores quando só a correspondência espécie espécie, dos sistemas ponderais, permite avaliações, sucede a simplicidade
resultante do uso de uma referência geral de valores. Notemos que se não
trata ainda de moeda no sentido actual do termo, pois, além do mais
falta ao “shat” o carácter de meio de pagamentos. Estamos perante
uma medida de valor, mas ainda não perante um meio de pagamentos, ou
de entesouramento, institucionalizado.
Outra faceta curiosa dentro do desenrolar da actividade contabilística no
21
Egipto em reinado datado entre 1728-1689 a.C., a atender a Abel Rey , é o
aparecimento de um escrito que pretende ensinar os segredos de bom
calculador e de bom contabilista. Para referência no tempo
22
consideremos que, conforme datações recentes, os hicsos aparecem no
Egipto no período entre 1630 a 1530 a.C., portanto o escrito é anterior a
estes.
A civilização junto do Nilo continuou muito influente mesmo depois do
século V, em que o milagre grego abre uma nova fase. O desmembrar do
império de Alexandre, o Macedónio, criou condições para o período
helenístico. Face aos antecedentes não surpreende que, entre 332 a
30 a.C., tenha existido ensino de cálculo e registo contabilístico em
Alexandria.
Concluindo: o registo contabilístico fazia certamente parte do conjunto de
tarefas do escriba, profissional cujo prestígio é evidenciado em muitos
testemunhos. São realizações egípcias o uso da unidade de conta, talvez
resultante do apuramento dos sistemas ponderais, e a elaboração de
escritos contabilísticos, pelo menos parcialmente, com fim
didáctico.
A observação histórica continua a sugerir a estreita ligação entre
contabilidade e actividade económica. Surgem testemunhos de registo
20
Melis (1959, 87-91) analisa a possibilidade do uso como unidade de conta ter resultado da
utilização do ouro como meio de pagamento e conveniência em considerar parcelas do valor
atribuido à peça normalmente utilizada.
21
Citado por Vlaemmink (1961,13).
22
Citado por Vlaemmink (1961,12) refere como suporte o “papiro de Rhind” existente no
British Museum, feito no reinado do rei Hiksos Auserre Apofis, entre 1788 e 1580 a.C. .
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contabilístico logo que existe uma organização social implicando relações
económicas com alguma complexidade.
A Contabilidade na Grécia e Roma antigas.
Datas
Grécia
A.C
Jogos Olímpicos
776
753
Roma
Península Ibérica
Colónias fenícias
Fundação
Santuários
750
Coloniz. grega Mediter.
Reino dos Tartessos
750-600
Creso. Moeda cunhada
e comércio
Colónias Gregas
625
Tales de Mileto
621
Dracon (legislação)
508
Clístenes (reformas
democráticas)
490-485
Tesouro Ateniense.
Delfos
Partenon.
Liga Pan-helénica
477
461
Péricles
449-448
Fim Guerras Pérsicas
325
Alexandre Magno
Castros da Idade do Ferro
264
Início Guerras
237
Guerra Púnica
Aníbal
218
2.ª Guerra Púnica
Desemb. romano Ampúrias
181-174
154
Guerras Celtiberos
Com Macedónia
província romana
147-139
A.C
48
D.C
30-33 ?
Lusitanos: Viriato
Júlio César
introduz o áureo
Morte de Jesus
Morte de Jesus
98-117
Trajano
117-138
Adriano
313
Édito de Milão
404-409
Vândalos, Suevos, Alanos
415
476
Morte de Jesus
Visigodos
Odoacro
Roma
conquista
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1.1.2.0.
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... ...
Em história, os cortes no tempo, necessários às soluções de caracterização
de épocas ou civilizações, são, em muitos casos, resultado de guerras ou
conquistas. Embora a conquista persa (século VI a.C.) seja uma marca, quer
no evoluir das civilizações Mesopotâmica, quer da egípcia, o corte marcando
um para período de nova fase da civilização, corresponde ao surto de
esplendor intelectual na Grécia, ao milagre grego no século seguinte, o
séc. V a.C.
Dos dois mil e quinhentos anos desde o início da idade do cobre, dos sete
séculos desde a divulgação do uso do ferro ficou muito saber
acumulado, principalmente sobre o como fazer. Mas o ritmo do progresso
muda quando o homem grego se dedica à reflexão primeiramente sobre o
mundo, e depois sobre o próprio homem, o que acontece no século V a.C. e
ficou conhecido por milagre grego (Péricles vive entre 495-429 a.C.).
Depois, no século IIIa.C., surge a empreendedora Roma que reformula as
fronteiras políticas. Como referências consideremos a sequência cronológica23
que consta da página anterior.
Procuremos sumariar aspectos com interesse para esclarecimento da
actividade contabilística. Durante o período histórico em que a Grécia e
Roma são referências, um milénio dividido a meio pela vida de Cristo
(33 anos?), a contabilidade continuou a acompanhar a actividade
económica respondendo a maiores exigências, e chegando a apurados
aperfeiçoamentos, dentro da chamada técnica de partida simples.
1.1.2.1. A Contabilidade na Grécia
Na Grécia aparecem os primeiros filósofos e cientistas. Como já referimos
a civilização grega é um marco no mundo antigo: separa o homem que pensa
do homem que sabe que pensa, e que essa reflexão o distingue de todas
as outras criaturas vivas. Os gregos salientam-se na análise do abstracto e
ideal; os problemas económicos ligados ao dia a dia, só lhes mereceram
atenção quando relacionados com a política24 ou em situações de excepção.
23
Ao autor, arqueólego e prof. Adriano Vasco Rodrigues, agradecemos a autorização de uso e
publicação deste seu quadro (inédito, e por ele adaptado acedendo ao nosso pedido).
24
Amazalak (1942).
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No despontar da civilização grega a actividade contabilística
começou por existir num figurino difícil de explicar25 face ao
prestígio que, na mesma época, os escribas tinham na Mesopotâmia
e no Egipto. No II milénio a.C. os escribas e os auditores eram escravos:
" In 1939 archaeological excavations at Pylos, Greece (the possible site of
the palace of Nestor of Trojan-war fame) recovered hundreds of clay tablets
written in Minoan script. Scholars have since concluded that a Cretan scribe
had been carried off by Mycenaean raiders and set to work keeping the
accounting records of this early Grecian King (circa 1400 B.C.). Perhaps
from this beginning, it became customary to use slaves as scribes and
auditors in Greece. The early Greeks were a war-like people with
little use for writing, arithmetic or accounting and the scribe lost his
place of great respect. Slaves were preferred as accountants because the law
prohibited the torture of the freeman. The statements of a slave under torture
were felt to be more conclusive evidence than those of a freeman under oath;
an unsophisticated and drastic, even though effective, type of audit."
Enquanto a organização social foi rudimentar e menos estável, o
desempenho tal função pode ser entregue a escravos. Nos séculos VI a.C. e
V a.C. a importância do governo das cidades, e da riqueza dos
templos, e o desenvolver de negócios, dotaram de nova dignidade as
tarefas de registo sobre factos económicos, designadamente das
receitas e despesas públicas ou relacionados com os templos.
Com o milagre grego a administração pública atingiu notável
aperfeiçoamento. Gerir e controlar os dinheiros públicos implica registos,
portanto actividade contabilística. Em alguns casos o registo das operações
relativas a fundos públicos terminava com a elaboração de quadro a expor
para informação pública (por ex. quadros de receita e despesas
classificadas por grandes classes). Por terem sido gravados em pedra
alguns deles chegaram até nós. Chegaram poucos, porque foi corrente
reaproveitar as pedras, quando a informação já não tinha actualidade, para
outras utilizações.
É conhecida a riqueza e actividade económico-financeira dos templos
gregos.
25
Surpreende a exposição de Stone (1969, 287). Simaultâneamente, no século XV a.C., no
Egipto os escribas tinham estatuto social de que nos ficaram testemunhos.
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O templo de Delfos foi um dos templos importantes. Aí aparecem
gravadas em mármore e outros calcários não só ofertas feitas aos deuses
mas outros registos. A acumulação e movimentos de riqueza no templo
obrigou a registos contabilísticos. Por volta de 339 a.C. a administração
do templo não tem os registos em ordem e é necessário nomear uma
comissão de especialistas para os regularizar!
Entre outros testemunhos sobre a actividade junto dos templos aparecem
26
os ábacos de riscos , instrumento baseado no desenho numa pedra de
linhas definindo colunas para cálculo. Cada coluna correspondia a uma casa:
unidades, dezenas, etc., e, tal como o ábaco de eixos, poderia ter
possibilidade de representar o cinco com uma só pedra. As tarefas de registo
contabilístico certamente eram facilitadas pela disponibilidade deste
instrumento de cálculo.
A actividade contabilística dos gregos desenvolveu-se também à volta das
grandes unidades de produção agrícola e industrial, mas aparece
uma nova fonte que convém referir especialmente: o negócio dos
cambistas e banqueiros. O aparecimento e divulgação da moeda
27
cunhada e a sua muito rápida multiplicação tiveram como consequência o
aparecimento dos cambistas banqueiros — os trapezistas — uma nova
profissão. Na Mesopotâmia foram usados sistemas ponderais, os
egípcios tiveram já uma unidade de conta e os gregos utilizam a
moeda representativa cunhada. Isto foi um novo passo facilitando a
atribuição de valor, mas foi também uma fonte de dificuldades, pois logo
apareceram vários cunhos simultaneamente em circulação.
26
O artigo “L´’ Abaque – machines à calculer des anciens grecs” , Archéologia, nr 379 Juin
2001, pág 52 a 57, contém várias fotografias e esclarecimentos. È provável que exista maior
relação do que tem sido reconhecido entre a utilização do ábaco e dos contos (ou moeda de
contar, ou moeda de contas)
27
Notemos que a moeda não é invenção grega. É um produto de lenta evolução. No Séc. XIII
a.C., na Lídia, região da Ásia Menor que foi centro comercial em que reinou Cresos, rei deposto
pelos persas em 540a.C., conhecia-se a moeda representativa como pedaços de metal (ouro e
prata) de valor relativo definido. A cunhagem foi talvez motivada pela necessidade de garantir o
valor de cada peça. A partir do século V a c a moeda é cada vez mais vulgar e perde-se parte da
vantagem oferecida pelo seu uso quando se multiplicaram as espécies em
circulação,(Rodrigues,(1969,167)).
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Já Sócrates28 (470-399 a.C.) que, convém lembrar, nada deixou escrito,
teria considerado
a economia como ciência29, ao lado da medicina,
metalurgia e arquitectura30. No tempo de Aristóteles31 (384-322a.C.) já a
moeda justificava a reflexões deste pensador, conforme os termos seguintes
termos:
“Não pode haver comunidade de relações entre dois médicos, em
compensação isso é possível entre um médico e um trabalhador e, de um
modo geral, entre pessoas diferentes e de situações desiguais. Contudo é
indispensável, antes, torná-las iguais. Também é preciso que todas as coisas
sejam de qualquer modo comparáveis quando se deseja trocá-las. Eis por
que se recorre à moeda que é, por assim dizer um intermediário. Ela mede
tudo, o valor superior de um objecto e o valor inferior de outro, por exemplo
quantos sapatos são necessários para equivaler a uma casa ou à alimentação
duma pessoa, na sua falta não haveria nem troca nem comunidade de
relações. Essa relação não se realizará se não existir um meio de estabelecer
a comparação entre coisas diferentes. Como acima dissemos é pois
necessário uma referência a uma medida comum para tudo.
E essa medida resulta da necessidade que temos uns dos outros, a qual
salvaguarda a vida social; porque sem necessidade e sem necessidades
28
Anotem-se, para referência histórica, as épocas : Górgias ( c 484-376 a.C), Sócrates (470399.a.C.), Platão ( c 429-348 a.C) e Aristóteles ( c 384-322 a.C), Gorgias nasceu 55 anos antes de
Platão e 100 anos antes de Aristóteles.
29
A primeira classificação das ciências foi feita por Aristóteles, não está esclarecido o
conceito de ciência no diálogo atribuído a Sócrates por Xenofonte.
30
Bensabat, (1942,89)
31
Aristóteles, “Ethica Nicomaque”, tradução para francês de J. Foilquim, edições GarnicoFlammariou, cap. V, pág-134. A tradução para português é de Rodrigues, Maria da Assunção
Carqueja, em manuscrito inédito comentando Aristóteles.
A origem da palavra “moeda” é atribuível à conexão com “nomos=lei”, portanto sem relação
com o templo da deusa romana “Moeda”.
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semelhante, não haveria trocas, ou as trocas seriam diferentes. Em virtude
de uma convenção, por assim dizer, a moeda tornou-se um meio de troca por
aquilo que nos faz falta. Eis por que se lhe deu o nome de numisma, porque
ela é instituída, não é natural, mas legal (nomos=lei) e está no nosso poder
seja de a alterar seja decretar que ela não servirá mais.”
A necessidade de trocar moeda por outra moeda e estabelecer
32
equivalências motivou o aparecimento de cambistas . O enriquecimento e
aumento de negócios destes obrigaram a registos contabilísticos cuja
complexidade levou à adopção de processos de registo, em duas etapas, em
que se esboçam sistemas futuros. Os cambistas registam os factos, com
o seu contexto histórico, num memorial e, partindo desse memorial
agrupam-nos em novo registo por contas.
O esplendor do pensamento grego chegou ao tempo de Pacioli através dos
romanos, e depois do império Bizantino e dos árabes, mas a liderança
política deslocou-se para Roma quando esta ainda não tinha grandeza. A
retalhadura do poder na Grécia não resistiu ao centralismo romano.
Os registos dos cambistas, na Grécia, atingiram apuro significativo.
Entretanto hoje aceita-se que só deficiente conhecimento das coisas de
33
contabilidade permitiu haver historiadores que atribuíram aos
34
gregos, e outros aos romanos, a criação da digrafia . Não é o uso de
dois registos – o diário e o razão – que caracteriza a partida dobrada. Esta
tem a sua base em princípio(s) diferente(s). Não existe qualquer evidência
que tenha sido conhecida a partida digráfica, o uso de dois registos com
funções parecidas com as do actual diário e do razão só realça
aperfeiçoamento da técnica de partida simples adoptada.
Concluindo: a actividade contabilística grega desenvolve-se,
principalmente, em redor dos dinheiros públicos, dos templos, e dos
cambistas (trapezistas). Estes, os cambistas, apareceram quando a
utilização de moeda cunhada originou a necessidade de trocar diferentes
32
O conhecimento dos problemas de câmbios manteve-se como saber especialmente
necessário aos contabilistas até meados do século dezanove, época em que se divulgou na
generalidade dos países europeus o uso de moeda fiduciária nacional, reduzindo os problemas
de câmbios ao comércio internacional e à efectiva troca de moeda. Os livros de contabilidade
muitas vezes dedicavam aos câmbios cerca de metade do ttotal de páginas.
33
Por exemplo Niebuhr, Vlaeminck (1961, 35 a 39)
34
. O destaque deste método dentro da contabilidade é tal que há mesmo quem confunda
contabilidade com digrafia (ou partidas dobradas), Carqueja (1969 e 1993).
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moedas. O uso que fizeram de dois registos, um cronológico e outro por
conta, foi base para confusão em opiniões, hoje, em geral, consideradas sem
apoio adequado, sobre o uso da digrafia35.
1.1.2.2. A contabilidade em Roma
O espírito organizador e geométrico dos romanos foi talvez a sua
melhor ferramenta no talhar da herança que nos deixaram.
O desenvolvimento das artes e da ciência em geral não é favorecido com
tal estrutura psicológica, mas o direito e a contabilidade são excepções,
bebem na organização social os seus princípios. Por isso os romanos se
distinguiram como juristas e aperfeiçoaram de maneira notável a
contabilidade. Claro que acabam em destaque os aspectos legais da
contabilidade, como seria de esperar em tal enquadramento.
O material de escrita então mais utilizado – tábuas com cera em que
se escrevia com um estilete – não apresenta condições excepcionais de
resistência, embora alguns registos tenham conseguido enfrentar o tempo.
Também
excepcionalmente
aparecem
registos
em
pedra,
complementando o conjunto de testemunhos que inclui escritos em
papiro e em pergaminho.
Em Roma a contabilidade desenvolve-se junto dos templos, que foram
ricos e poderosos, mas encontrou meio mais propício para o seu
enquadramento na administração pública e, tal como na Grécia, junto
dos banqueiros, e ainda na administração das grandes fortunas,
algumas delas relativas ao domínio da Península Ibérica.
A grande superfície abarcada pelo Império Romano implicou os
problemas das grandes organizações, pelo que não surpreendem as funções
dos “questores”, cerca do ano 200a.C., muitas vezes apontadas como próprias
de auditoria. Ao termo auditor aponta-se mesmo como origem o relatório
oral perante o senado. A verificação dos factos por observação directa e o
relatório são uma das primeiras formas de auditoria. Roma não inovou, pois
35
Note-se, entretanto, que Mattessich (1994,18 e 19) qualifica como “registo em partidas
dobradas” solução adoptada pelos sumérios 3000 a.C. . O conceito de partidas dobradas ainda
não é conceito pacífico. Um sistema em partidas dobradas não é a mesma coisa que o registo
duma certa transacção em partidas dobradas.
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uma solução semelhante tinha sido já usada por Dario, o conquistador
persa.
Merecem referência especial os processos de registo seguidos pelos
banqueiros relativamente às operações em que intervinham. Aparecem
bem marcados os passos seguidos e os registos utilizados. É possível
distinguir registos auxiliares da gestão e registos próprios do
testemunho de cada transacção. No primeiro grupo encontramos o
“calendarium”, registo de lembrança de vencimentos de créditos e débitos
que é, portanto, auxiliar precioso da gestão financeira. Enquadram-se no
36
testemunho da transacção o ”comentarius”, o ”codex accepti ed
expensi” e “tabulae rationum”. Os diferentes autores parecem de acordo
sobre a ordem de registo e as passagens, primeiro em registo menos
formal no “comentarius”, depois em transcrição já formalizada para o
“adversária”, e ordenamento das operações por classes no “tabulae
rationum” em que o “codex accepti ed expensi” era escriturado com separação
da receita e despesa. Gonçalves da Silva (1938,28) esclarece os
entendimentos sobre estes livros com a tradução do seguinte passo do
discurso de Cícero “Pro Roscio Comedo”:
“ É petulância apresentar o codex em lugar de testemunha; mas não será loucura produzir os
adversaria com as suas anotações e cancelamentos?
Porém, se os adversaria tiverem o mesmo crédito, a mesma exacção e a mesma autoridade
que as tabulae, que vantagem haverá em instituir o codex, escriturá-lo, mantê-lo em ordem,
perpetuar os lançamentos? Mas porque nenhuma confiança nos inspira o adversaria por isso se
estabeleceu escriturar o codex. Como há-de ser importante e digno perante o juiz aquilo que para
todos é de pouco peso e sem garantia? Porque é que escrituramos os adversaria
despreocupadamente? E porque é que estabelecemos as tabulae com tanto cuidado?. . . . . . “
Pode encontrar-se semelhança com o Memorial, o Diário e o Razão do
sistema de coordenação de registos contabilísticos conhecido por clássico, e
um livro-caixa preenchido pelo tesoureiro para seu controlo e informação.
Apreciando o método de registo dos banqueiros romanos merece destaque
o uso das transferências de conta a conta, e a maneira correcta de as
registar. O sistema de registos abreviadamente referido corresponde a um
processo de partidas simples muito aperfeiçoado. Um pequeno passo poderia
36
Silva, Gonçalves da (1970, 35, 67, 115).
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ter levado em certos casos à digrafia. Parece que tal passo não foi dado em
grupo e que, se foi dado por alguém, não se generalizou o método37.
Em Roma a contabilidade possui grande dignidade legal. São
elucidativos sobre tal aspecto, entre outros testemunhos, as orações de
Cícero “Pro Fonteio” e “Pro Roscio Comedo”. Durante o império as próprias
disposições legais expressas bastam para ilustrar o valor legal dos registos
contabilísticos. Assim, por lei, foram os cambistas e banqueiros
obrigados a efectuar certos registos. Determina-se que os executem na
presença do devedor ou credor. Relativamente aos restantes
comerciantes a contabilidade estabelecia, certamente, presunções.
O hábito dos grandes senhores romanos confiarem a mandatários a
gestão dos seus patrimónios implicou a necessidade de prestar contas e,
portanto, actividade contabilística. Em escritos de carácter económico
são muitos os elementos sobre essa actividade. Por exemplo em “De re
rustica” Catão (234-149 ac) descreve a forma de efectuar os registos
contabilísticos numa exploração agrícola.
Concluindo: a contabilidade continua a acompanhar a organização
económica e, em Roma, encontra um novo apoio: reforço da dignidade
legal. A obrigação legal do cambista fazer o registo com a presença do
devedor ou credor, tem significado. Os contabilistas romanos usaram a
unigrafia de forma apurada e com um bom domínio da técnica, como
testemunham as transferências de conta a conta.
1.1.3. A actividade contabilística noutras civilizações antigas.
Dentro das limitações dos nossos propósitos com estas breves notas
acerca das civilizações da antiguidade cabe ainda mais um breve
esclarecimento. Além dos mesopotâmios, egípcios, gregos e romanos, muitos
outros povos desenvolveram intensa actividade contabilística, sempre
resultante do condicionamento da civilização em que viveram. É o caso dos
hebreus e dos hindus.
No caso dos judeus, Stone (1969,287) refere exemplos de testemunhos do
velho testamento. Por exemplo Jonas, tio do rei David, era conselheiro, sábio
37
Vlaemminck( 1961, 35 a 39). O historiador Niebuhr, que decifrou num palimpsesto o
discurso de Cicero designado “ Pro Fonteio”, atribuiu aos romenos o conhecimento das partidas
dobradas mas com base num errado entendimento da essencia deste método.
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e “escriba”. Um outro escriba bíblico foi o representante, em Israel, do rei
persa Artaxerxes quando este dominou, entre 536-456 a.C.
Os Hindus desenvolveram entre cerca de 321 a.C. e 184 a.C., período
Maurya, conceitos sobre rendimento, capital e classificação de despesas que
38
merecem particular atenção . Nota Mattessich “These aspects indicate a
surprising long-standing need for and, possible, use of relatively
sophisticated accounting concepts”.
Também na China e nas Civilizações americanas aparecem testemunhos
de interesse. Entretanto as civilizações referidas, dos grandes rios, entre
Tibre e Eufrates e do Nilo, e da Grécia e de Roma, tiveram influência
mais reconhecida no desenvolvimento da nossa e bastam para
salientar as ideias de ligação entre actividade económica e contabilística, e
entre unidade económica e centro de actividade contabilístico.
1.2. Actividade contabilística durante a Idade Média
Datas
(D.C.)
Europa
476
Odoacro em Roma
480
Nasce S. Bento
573
Península Ibérica
Médio Oriente
Leovegildo faz a unidade
política
586
S. Gregório Magno
Recaredo faz a unidade
religiosa
622
Hégira
711
Entrada dos maometanos
732
Batalha de Poitier
800
Coroação de Carlos
Magno (742-814)
866
Afonso III das Astúrias
926
Califado de Córdova
962
Sacro Império
Romano-Germânico
1086
38
Afonso VI conquista Toledo
Matttessich(2000).
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1099
Cruzados
Jeruzalém
1135
Maimónidas
Córdova
(judeu)
1139
Afonso Henriques aclamado rei
de Portugal
1143
Papa reconhece Portugal
1147
Conquista de Lisboa
em
1187
1218
Perda de Jeruzalém
pelos cristãos
1225 nasce
S. Tomás
1290
1339
tomam
Estudos Gerais em Salamanca
Estudos Gerais em Lisboa (D.
Dinis)
Guerra dos Cem
Anos
1341 portugueses descobrem
as Canárias
1415 portugueses conquistam
Ceuta
1453
Fim da Guerra dos
Cem Anos
1455
Impressão da Bíblia
de Gutenberg
Conquista de
Constantinopla pelos
turcos
1468 imprensa em Barcelona
1487 imprensa em Faro
1492
Conquista de Granada
Colombo chega à América
Expulsão dos judeus
1494
Tratado de Tordesilhas
1498
Vasco da Gama  Índia
1500
Pedro Álvares Cabral  Brasil
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1.2.0
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... ...
Depois dos mil anos da antiguidade Clássica, séc. Va.C. até Vd.C.,
estende-se a Idade Média por outro milénio fértil em acontecimentos e
realizações, algumas vezes esquecidas, período que significa cerca de
metade do período da Era Cristã: entre os séculos V e XV, em que foi
caldeada a civilização europeia, e marcado pelas quedas do Império Romano
39
40
do Ocidente (476 ) e a do Oriente (1453 ). Recordemos algumas datas que
41
são referências especiais com base na cronologia apresentada na página
anterior.
Como estudiosos da contabilidade não podemos deixar de notar desde já
que a técnica digráfica, embora divulgada nos séculos XV e
seguintes, é produto medieval. No final da Idade Média este método de
registo era já bem conhecido nas Republicas Italianas, donde irradiou para o
resto da Europa.
Já havia mais de um século desde a queda de Roma quando apareceu o
maometanismo, religião dos crentes em Maomé. A rápida propagação
desta fé teve grande influência no desenrolar da civilização europeia e,
em especial, dos povos ibéricos.
O intensificar do comércio e a dignificação da actividade
económica e a divulgação do uso de letras de câmbio e a chegada ao
conhecimento europeu, através dos maometanos,
das possibilidades
oferecidas pelo uso de algarismos e da técnica de fabrico de papel, foram
pedras fundamentais no assentar das condições existentes quando da
publicação do livro de Pacioli.
São efemérides que merecem referência, no balizar o desenvolver da
actividade contabilística, a sobrevivência do saber romano no Império
Romano do Oriente, a rápida expansão maometana que conduziu à
ocupação da Península Ibérica, a evolução e desenvolvimento de feiras,
especialmente na Europa Central, a que acresceu o internacionalismo
dos Cavaleiros Teutões e dos Templários, e o período das cruzadas e
desenvolvimento das Repúblicas Italianas.
39
Tomada de Roma por Odoacro.
40
Tomada de Constantinopla pelos turcos.
41
Ao autor, arqueólego e prof. Adriano Vasco Rodrigues, agradecemos a autorização de uso e
publicação deste seu quadro (por ele ajustado, acedendo ao nosso pedido).
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- Pág. 726 ______________________________________________
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1.2.1.
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Os maometanos42, em especial os da Península Ibérica
Quando Roma caiu, marcando o fim do Império Romano do Ocidente, já o
cristianismo era a religião predominante no Centro e Sul da Europa. Tinhase estendido também pela Ásia Menor e Norte de África. No norte da Europa
continuaram a existir reinos pagãos, por quase mais cinco séculos. A
expansão cristã não obstou a que, na primeira metade do século VII,
aparecesse outra religião monoteísta, o maometanismo, cuja rápida
propagação, em especial na Ásia e Africa, influenciou a evolução da Europa.
Na Península Ibérica, os séculos V a VII correspondem a período de
instabilidade e grandes movimentações de pessoas, chefes e fronteiras,
com reis visigóticos na abertura ao século VIII. Depois, em 711, chegaram os
maometanos chamados por uma facção de cristãos, que disputava o poder.
Em finais do século X os maometanos controlavam a quase totalidade
do território ibérico, embora no norte sempre tenham sobrevivido bolsas de
ocupação sob chefia de reis cristãos, e alguns deles tenham tido importância
na sua época. Mas só em 1492 Granada deixou de ter reis maometanos. Nos
últimos sete dos dez séculos da Idade Média houve, na Península, reis
maometanos.
Foram sete séculos com muita instabilidade de fronteiras, com um
permanente esforço de reconquista cristã e vários surtos de reconquista
árabe. Alternaram-se também fases em que reis cristãos foram vassalos de
reis árabes com fases em que reis árabes foram vassalos de reis cristãos.
Registaram-se vários pedidos de ajuda de maometanos a cristãos e de
cristãos a maometanos em situações em que a guerra era, de base, só
entre cristãos, ou só entre árabes.
Estes sete séculos, já tão perto de nós, são período muito representativo,
que deixou marcas não só nas línguas e costumes de todas as regiões
ibéricas, mas também nas actividades e saberes dos povos43.
Toledo, Granada, Córdova, Sevilha, Badajoz e outros lugares centros da
cultura maometana, foram também lugares de convivência de maometanos,
judeus e cristãos, em que o conhecimento não era travado pelas barreiras
42
Optou-se por referir a designação baseada na religião e não na origem dos povos porque
estes tiveram origens diversas, embora sempre crentes de Maomé.
43
Notem-se, por exemplo, as marcas da passagem dos maometanos deixadas na Guarda.
Rodrigues (2000,46).
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entre credos. Os sábios de vários credos e as bibliotecas maometanas44
foram famosos e muito importantes na transmissão do conhecimento, não só
dos pensadores gregos como do saber entretanto acumulado. Os
Moçárabes, cristãos a viver dentro dos reinos maometanos aos quais era
consentida a prática religiosa e forma de viver diferente, embora sujeitos a
tributos especiais, foram, na passagem do saber e actividades, um elo muito
importante. Numa fase da reconquista cristã mais adiantada foram os
Mudéjares, maometanos a viver em território cristão, que fizeram ponte
entre as culturas.
Ficaram-nos testemunhos da atracção que a cultura maometana
peninsular do século XII exerceu não só nos cristãos peninsulares mas
mesmo em estudiosos de outros países europeus, Alemanha, Inglaterra
Escócia. Mesmo o rei cristão Pedro de Aragão (1070-1104) revela
acolhimento da influência dos maometanos, quando assina com caracteres
árabes45.
Allháqueme II, filho do Abderramão III, que tomou o título de Califa e
Príncipe dos Crentes de Córdova, no século X, ficou conhecido pela sua
biblioteca e fomento das letras46.
No séc. XIII Afonso X, o Sábio (1221-1284) fundou o colégio
muçulmano de Múrcia, que foi uma espécie de universidade, e também
testemunha a diferença entre fronteiras políticas e fronteiras do saber,
agora em reino de cristãos.
É neste contexto de interpenetração de culturas na Península,
marcadas pela religião judaica, maometana ou cristã, que merecem
44
Damião Peres (1928, vol.I -414).
Esta influência não foi anulada pela instabilidade e guerras, que incluíram o queimar de
bibliotecas famosas. Por exemplo Almançor queimou e arrasou, incluindo bibliotecas. Mais do
que os acontecimentos pontuais representam as atitudes generalizadas.(autor)
45
Damião Peres (1928,volI-431)
Houve reis cristãos que viveram com mulheres maometanas e maometanos que tomaram
esposas cristãs. O episódio da tentativa do rei Ricardo, durantre a terceira cruzada, ter
pondereado a hipótese de fazer a paz com Saladino acordando o casamento da irmã deve ser
apreciada face aos entendimentos da época. (autor)
46
Damião Peres (1928, vol I- 398 e 414)
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destaque os algarismos, o ábaco, a organização religiosa-política árabe
e a existência de uma fábrica de papel de linho47 em Xátiva.
A chegada ao conhecimento europeu dos algarismos indianos, em que
o zero fazia parte do conjunto de sinais, foi um passo cultural muito
importante, embora de lenta aceitação. O Papa Silvestre II, (reinado c.999
a 1003) antes frade Gelberto (francês) já os conhecia. Leonardo de Pisa
(c.(1165 a 1170) -1235), escreveu o “Liber Abaci” que, contrariamente à
sugestão do título, não tem como objecto a arte do ábaco, mas sim as
operações relacionadas e resolvidas com base em algarismos. A escrita de
números com base em letras48 ou na notação romana estendeu-se entretanto
até à revolução francesa, com a designação de números financeiros! A arte
49
do ábaco, ou o saber do calculador , perderam rapidamente
importância com a possibilidade de encolunamento e facilidade do
operar com algarismos árabes e sistema decimal. Como forma de
entender a importância deste conhecimento e como ilustração da dificuldade
de calcular, sem recurso aos algarismos ditos árabes, considere-se a tarefa
de determinar o resultado da soma de MCCI, com MCCXCIX e MMD.
Encontrar a solução implicava o recurso ao ábaco, de colunas ou de eixos;
tudo mudou quando foi possível escrever: 1201 + 1299 + 2500 = 5000. Os
centros de cultura peninsulares tiveram necessariamente um papel muito
importante na divulgação de conhecimento tão importante, a que ficou
ligado o nome árabe de Al-Khwarismi50 (ou Al-Kuwarismi), bibliotecário em
Bagdad, embora de facto, os algarismos árabes tenham origem hindu.
47
Damião Peres (1928,volI-414 e 415): “ ... e Xátiva teve uma fábrica de papel, a primeira
que houve na Europa...”... “Facilitava esta difusão do livro , e por isso favorecia imensamente a
cultura, a substituição do pergaminho, muito caro, pelo papel de linho, cuja indústria foi
introduzida na Europa pelos árabes antes do século XI e de que houve uma fábrica famosa em
Xátiva,..”
Rodrigues (1969,436):”Também foram os árabes que introduziram na Europa o papel
chinês. Encontra-se em Espanha o mais antigo documento existente na Europa escrito em papel
de algodão, baseado no mesmo sistema de fabrico do papel actual. Trata-se de um manuscrito
árabe de 1009, existente na biblioteca do mosteiro do Escorial”
48
Em hebraico, e também noutras línguas, os algarismos foram representados pelas
primeiras letras do alfabeto, o que implicava cuidados especiais para evitar dificuldades na
interpretação dos caracteres como algarismos.
49
No Brasil é corrente designar o contabilísta por “contador”. Contar, entendido o termo
como fazer contas, e calcular, continuam no dia a dia dos contabilistas.
O ábaco entrou em Inglaterra através via maometanos de Espanha (Baxter(2000, 217).
50
Vlaemminck (1961,63)
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Foi certamente ponte na divulgação do uso dos algarismos mas a
Espanha Maometana foi simultaneamente uma das origens da divulgação
do ábaco na Europa designadamente da versão do ábaco em colunas que
deu origem ao “checker-board”. Por virtude do uso nos serviços do tesouro
dos reis ingleses este dispositivo de cálculo, e o controlo das situações de
crédito e débito através do “tally”, ficaram particularmente registados no
Reino Unido51.
A organização político-religiosa maometana corresponde a um
domínio do religioso sobre o administrativo e político, o que legitima a
presunção de organizações muito semelhantes entre os califados da
Península e os do Oriente. Ora a organização religiosa implica pagamento
52
de impostos (?) sobre o rendimento , entendido como diferença entre
receitas e despesas, o que tem implicações grandes na organização dos
registos, não só dos centros religiosos, que se confundem com o estado, como
do contribuinte. Esta é a base para destacar não só a importância dos
registos sobre bens económicos na organização maometana, como mesmo
para legitimar hipóteses sobre o desenvolvimento das partidas dobradas.
Até que ponto os métodos de registo dos maometanos na Arábia
foram usados e divulgados na Península? É uma questão em aberto e
sem resposta fácil, especialmente quando considerado que foram várias, e
tiveram diferentes bases, as invasões maometanas na Península e que são
muito especiais as características da organização político-religiosa
maometana. Entretanto a organização político-militar é um dos aspectos
realçados sobre a influência maometana na Península, evidenciada
ainda hoje na terminologia, não só castelhana de outras línguas espanholas,
mas também da portuguesa.
Os meios e instrumentos de escrita foram sempre uma condicionante da
existência de documentos escritos. O livro de Pacioli foi impresso em
51
Baxter (2000,198): “To us, wood must seem a clumsy material for records. But our
ancestors were short of alternatives. The most obvious was parchment (sheep or calf
skin); but this was costly. Such paper as was used in Europe Game from the outside
till the twelfth century, when its manufacture started in Italy or Spain; Britain had
to rely on imports till the late sixteenth century. And wood was in fact a surprisingly
suitable means of recording. It could take ink and seals, and was for long regarded
as the most important writing material after parchment. Even lengthy documents
such as charters could be written on birch bark.“
52
Zaid, Omar A.,(2000, 73 a 90).
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papel, produto que só em finais da Idade Média53 se torna mais acessível.
Admite-se que o seu fabrico e uso passou para os árabes no século VIII
através dos chineses, que o souberam produzir e usar muito mais cedo.
Entretanto o uso de papel implicava em geral fornecimento por mercador
que o trazia do oriente. Por isso a existência da primeira fábrica
europeia, no Andaluz maometano, é uma efeméride que não deve ser
passada em claro. A fábrica produziu papel de linho e é referida como
fábrica de Xátiva (Játiva?)54. O fabrico de papel foi divulgado, foi fabricado
em Nuremberga c. 1390, ainda no século XV é possível que tenha existido
uma fábrica de papel em Leiria, facto que pode ter influenciado a instalação
dum prelo donde podem ter saída alguns dos primeiros livros impressos em
Portugal55 (é outro problema histórico em aberto).
A organização dos reinos árabes maometanos baseava-se em
menos barreiras e maiores distâncias entre fronteiras, e o
conhecimento, em maior tolerância relativa a credos, apesar de ter
havido períodos em que o território maometano peninsular esteve
retalhado bem ao estilo medieval, e de ter havido períodos de
particular intolerância religiosa. Acresce que existiram épocas de
grande relacionamento entre o sul de Espanha e as cidades italianas,
designadamente através do reino de Aragão.
Concluindo: o manto de esquecimento sobre a passagem maometana na
Península Ibérica não deve esconder achegas tão importantes como foram a
divulgação do uso do ábaco e dos algarismos, as necessidades e soluções
maometanas relativas a impostos e a divulgação e o fabrico de papel.
A influência maometana na civilização europeia, via Península, carece de
reconhecimento.
53
Rodrigues, (2000,267): “embora se saiba que o papel apareceu em Portugal no tempo de D.
Dinis”.
54
Xátiva = Játiva, localidade situada a sul de Valência e norte de Alicante, no interior.
55
Atendendo aos incunábulos que chegaram até nós o primeiro livro impresso em Portugal
pode ter sido escrito em hebraico, o “Pentatêutico Judaico” impresso em Faro 1487, a que se
seguiram, em Chaves 1489, “Tratado da Confisson”, em Lisboa 1495, “Vita Christ” e, em Leiria
1496, “Almanach Perpetuum” de Abraão Zacuto.( Rodrigues (1997,512)).
Américo Cortes Pinto (1948, 490) considera fundada a sua convicção que a imprensa entrou
em Portugal com a instalação dum prelo em Leiria no ano de 1465, sob a direcção dos frades
Cruzios, e que houve outras obras impressas de que não chegaram exemplares até nós.
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1.2.2. A Igreja, os Templários, os Cavaleiros Teutónicos, as
associações comerciais na Europa Central
feiras e as
Na Europa, a Idade Média abre, no séc. V, com um período de barbárie e
instabilidade política, social e económica. A contabilidade, actividade
baseada na ordem, não encontra ambiente próprio para se desenvolver.
No séc. IX, com Carlos Magno (742-814), afirmar-se nova ordem
político-social e parece estabilizar-se novo quadro da vida económica. Mas
seguiu-se logo a divisão dos territórios, que acabou por ser característica
da nova ordem, dificultando a expansão das actividades económicas. Esta
sofre com a limitação de horizontes e multiplicação de fronteiras, e com a
pequenez de cada centro. A contabilidade progride nos grandes centros e,
num primeiro período, estagnou dentro das fronteiras acanhadas deste novo
mundo, ou até esqueceu as realizações anteriores.
A limitação de fronteiras e quadro feudal, característica da Europa da
Idade Média, são menos pesadas para algumas espécies de instituições como
as ordens religiosas, organizações internacionais em que merecem
56
destaque a ordem dos Templários e a dos Cavaleiros Teutões , e as
feiras, lugares e ocasiões de encontro de mercadores em que existiam
excepcionais possibilidades de movimentação de pessoas e mercadorias. Os
mercadores criaram ainda uma terceira espécie – as associações de
mercadores em que se salientaa Hansa Adriática – contornando as
dificuldades das deslocações com uma rede complexa de negócio em que
floresciam a consignação e agência, e abarcava dezenas de cidades.
Qualquer destas realidades medievais serviu de suporte à utilização de
letras de câmbio e estas estão muitas vezes ligadas à utilização de
57
valores em conta e às transferências de conta para conta .
Sobre os Templários e os Cavaleiros Teutões muito se tem escrito, e não
raro são qualificados de banqueiros medievais ou de empreendimentos
multinacionais da época. Os seus privilégios e isenções de taxas não só
56
Raymond de Roover (1970,IX e X): “ A l’ époque des croisades les Templiers et les
Chevaliers de l’Ordre Teutonique doive avoir apris des Libanais, successeusr des Phéniciens, une
forme de comptabilité dont ils se sont servis pour la tenue de leurs comptes. ..... La comptabilité
des Templiers était tenue de manière très détaillé et suivant une technic déjà perfectionnée …”
57
Forrester (1999) refere várias explicações sobre a origem das letras de câmbio:
procedimento adoptado pelos judeus para evitar extorsões, forma de contornar os entendimentos
da Igraja Romana sobre juros, evolução de acordos objecto de escrituras notariais, evolução da
prova feita com base em livros comerciais, outras.
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facilitavam a circulação de membros da ordem por diferentes países,
como tornaram possível uma grande acumulação de poder económico
possibilitou, por exemplo, à ordem dos Templários servir como banqueiro
do rei de França, o que até pode ter sido a causa primeira da sua
perseguição. Os incidentes históricos, designadamente quando da extinção
da ordem dos Templários por iniciativa do rei francês (Filipe o Belo em 1311,
papado de Clemente V), não ajudaram a que chegasse até nós muita
documentação sobre os seus métodos de registo contabilístico. Entretanto
conhece-se a sua intervenção não só em operações de crédito como em
transferências internacionais de meios de pagamento e na utilização de
letras de câmbio.
As feiras são a outra realidade cujo papel tem que ser apreciado
especialmente dentro do grande número de fronteiras feudais da Alemanha
e Países Baixos. Os dias e lugares de feiras significavam liberdades
de circulação e isenções de taxas especiais, e eram também referências
para vencimento de obrigações mercantis, ao lado de datas litúrgicas
especiais, com as quais muitas vezes se confundiam. O papel que os
encontros de mercadores em feiras podem ter desempenhado no desenvolver
da digrafia pode ser imaginado com base na fábula criada por Littleton
(1961) para exemplificar como poderia ter-se chegado à compreensão dos
movimentos de transferência de conta para conta. A entidade que
mantinha as contas, perante as declarações formais do titular dum
crédito e da pessoa para quem o crédito era transferido assumiria
quase a posição dum notário, ficando em segundo plano as operações
mercantis subjacentes aos direitos de crédito.
A Idade Média é muitas vezes invocada para ilustrar o espírito
corporativo e uma organização social focada em proteger e manter o status
existente, e evitar interferências. As associações de mercadores não foram
excepção. A sua organização permitiu, no caso da Hansa teutónica, abranger
mais de oitenta cidades e espalhar a sua representação por parte
significativa da Europa. A contabilidade das operações de consignação
e agência foi particularmente aperfeiçoada, e foram apurados os conceitos
de apoio, designadamente a distinção entre operações semelhantes mas
tendo causas diferentes. As despesas que afectam uma conta de consignação
foram bem identificadas e não confundidas com despesas semelhantes do
agente58.
58
Roover(1970, X)
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Os juros como remuneração de empréstimos foram objecto de
especial condenação pela Igreja, o fundamento o desenvolvimento de
justificação de remuneração com base no lucro acessível ao devedor, ou com
base na perda de lucros pelo prestamista, ou outras razões. A dificuldade de
justificação religiosa acabou por não ser obstáculo suficiente e nos últimos
séculos da Idade Média desenvolveu-se o crédito. Crédito implica contas
entre devedor e credor e conduz à hipótese de transferência de
conta para conta, abrindo caminho para o uso de sistemas de contas
fechados. Estas foram as condições criadas nas feiras ou pela intervenção de
banqueiros, funções que os templários acabaram por também desempenhar.
1.2.3. Império Romano do Oriente, Cruzadas e as Republicas Italianas
Mais de cinco séculos depois da queda de Roma e retalhado o império de
Carlos Magno (742-814), faz-se sentir a força do cristianismo com a
59
realização das cruzadas, de 1095 a 1270 . Os cruzados, que também
facilitaram o arranque de Portugal como reino, contribuíram para uma
nova configuração política e criaram novas condições para a vida
económica até porque eles próprios adquiriam e traziam novos hábitos e
concepções. A necessária colaboração para passagem em diferentes
territórios e a custosa organização de armadas e exércitos iniciaram nova
época de expansão económica. Algumas cidades italianas, favorecidas pela
localização e organização político-social, souberam expandir-se e
crescer em importância dentro do novo ambiente. Foi o caso de Pisa,
Génova, Florença e Veneza
Os comerciantes e banqueiros das cidades italianas, que souberam
aproveitar as oportunidades, enriqueceram a suas empresas e as grandes
fortunas e interesses ressuscitaram a necessidade de informação e
da actividade apta a satisfazê-la. A unigrafia praticada pelos romanos
foi certamente o primeiro recurso. Depois a necessidade de informação e
controlo, e o génio inventivo ou elevada competência de alguns mercadores,
provavelmente fizeram o resto, embora não se deva excluir a possibilidade
de contributo maometano, mesmo através das ligações comerciais.
Quando e quem chegou pela primeira vez ao sistema de
expressão auto-controlado, conhecido por digrafia ou partidas
59
São em geral referidas oito cruzadas: 1.ª (1095-1099), 2.ª (1147-1149), 3.ª (1189-1192), 4.ª
(1202-1204), 5.ª (1217-1219), 6.ª(1228-1229), 7.º e 8.ª (1248-1254 e 1270); por exemplo in
Fonseca, Luís Adão da, (1984,455); “La Cristiandade Medieval”, tomoV, EUNSA, 1984.
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dobradas, não sabemos. Mas sabemos que no séc. XIII houve registos
digráficos e que, no século XIV já eram várias as casas italianas em que se
usava a nova técnica. Por volta de 1340 já a comuna de Génova
mantinha as suas contas pelo novo método. Melis (1950) descreve e
analisa testemunhos em que avultam:
Documentos relativos a:
Período:
Fonte:
Compagnia dei Fini di Firenza
1335-1343
Melis (1950,481)
Compagnia Farofoldi
1299-1300
Melis (1950,485)
dos Alberti del Giudice
1302-1329
Melis (1950,490)
dos Peruzzi
1292-1335,1335-1343
Melis (1950,494)
dos Bardi
1310-1345
Melis (1950,504)
dos Frescobaldi
1311-1313
Melis (1950,507)
dos Del Bene
1318-1324
Melis (1950,509)
Compagnia Benini
1372-1375
Melis (1950,519)
Compagnia degli Strozzi
1395
Melis (1950,520)
A partir da introdução das partidas dobradas, os registos, que hoje
chamamos contabilísticos, correspondem a um sistema já articulado. A
actividade contabilística, até então servo sem personalidade da
actividade económica e do direito, dá os primeiros passos como
actividade com foro próprio. Os registos em partidas dobradas
exigiam conhecimentos que só uma aprendizagem especializada
permitia adquirir, o que passa a caracterizar a profissão de contabilista.
A impressão do livro de Pacioli considerada como um corte no tempo,
tem muito de questionável. Existem registos em partidas dobradas do
século XIII e admite-se que, já em 1458,60 Benedetto Cotrugli teria escrito
60
Roover (MCMLXX:XVII).
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um livro descrevendo o processo, livro que entretanto só acabou impresso em
157361.
Mesmo sendo possível que o livro de Pacioli também não tenha sido o
primeiro livro de contabilidade impresso é entretanto a melhor referência
reconhecida. Da conjugação da existência de papel, possibilidade de
imprensa e atitude renascentista resultou um livro de contabilidade
impresso, que é, antes de mais, um símbolo. O autor, um sábio
renascentista, passou a letra de imprensa uma técnica comercial que tinha
tido a oportunidade de aprender e cuja divulgação estava em curso.
1.3. Algumas notas sobre os entendimentos de Pacioli
1.3.0
...........
Passaram mais de quinhentos anos62 desde a publicação do tratado de
Pacioli, o que é suficiente para dificultar adequada apreciação. Mas há
alguns aspectos cuja ponderação pode contribuir para a resposta a questões
actuais:
-
Como se caracteriza o método das partidas dobradas e qual o
desenvolvimento já evidenciado por Pacioli?
-
Nos tempos mais próximos de nós entende-se que o objecto de registo
contabilístico é a riqueza e que esta é objecto de prestação periódica de
contas, em geral anual; já era assim para Pacioli?
-
uso do computador é hoje regra. É um exercício ter que imaginar as
condições de registo no tempo de Pacioli. Quais eram?
A resposta a estas, e outras, questões não só ajuda a enquadrar a
evolução da contabilidade como contribui para esclarecer ideias actuais.
61
Stevelinck (MCMLXX:14) esclarece que Benedetto Cotrugli, nascido em Ragusa serviu na
corte de Afonso V de Aragão. Stevelinck nem sempre distingue este rei do sobrinho, D. Afonso V
de Portugal, e faz confusão no índice do livro entre os dois reis.
No Congresso de História da Contabilidade, que teve o patrocício da ADCES e da Apotec e
correu no ICAC, em Coimbra, foi apresentada comunicação sobre Cotrugli.
62
Dos quais trezentos e cinquenta, até meados do século XIX, considerados como de
estagnação Winjum (1970, 743-761).
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1.3.1. A obra de Pacioli e a digrafia (partidas dobradas)
Segundo Vlaeminck, o historiador Niepuhr, partindo duma falsa ideia de
digrafia, foi do parecer que os Gregos e os Romanos já a praticaram. Não foi
único na errada interpretação da expressão que nada tem a ver com a
existência de dois livros, o diário e o razão, nem com a possibilidade de
registar transferências de conta a conta, nem com a existência da conta
capital.
Só o simultâneo registo de valores antitéticos, de igual valor
absoluto, conduzindo à igualdade entre créditos e débitos
corresponde à exigência do método de partidas dobradas. Não se exige que o
controlo da igualdade seja feito em diário, só é necessário que se verifique,
salvo erros de execução. A caracterização e estudo deste método é um
problema do estudo da expressão contabilística. Neste bosquejo
histórico, só se pretende alertar sobre juízos pouco apoiados, relativamente a
toda a evolução do progresso contabilístico.
Eis como Jouanique (1995,15) caracteriza a parte da obra de Luca Pacioli
relacionada com a contabilidade:
« L'Arithmétique elle-même se divise en quatre parties
1.
Les nombres et les opérations fondamentales. Cette partie comporte également
des éléments d'arithmétique commerciale.
2.
Les sociétés commerciales, les changes, l'escompte, la monnaie.
3.
La comptabilité.
4.
Le « Tarif », c'est-à-dire les usages commerciaux, les poids et mesures et les
monnaies des différents pays.
La troisième partie, consacrée à la comptabilité, porte, en latin, le titre :
«Tractatus XI particulares de computus et scripturis (Traité particulier des comptes et
des écritures).
Les caractéristiques principales de la comptabilité «à la vénitienne», telle que la
décrit Pacioli, peuvent se résumer comme suit.
1.
C'est une comptabilité essentiellement analytique. Les comptes reflètent
chacun des éléments du patrimoine, tels qu'ils résultent de 1'inventaire
initial, très détaillé, mais ne font pas l'objet d'un regroupement méthodique
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au sein de plusieurs grandes catégories. En particulier, il n'existe pas de
compte Marchandises générales.
2.
Les livres sont arrêtés, soit lorsqu'ils sont entièrement remplis, soit, mieux, en
fin d'année ou à 1'issue d'une période de plus d'un an. A cette occasion, sont
déterminés, pour chaque compte, le bénéfice ou la perte, mais il n'est pas
dégagé de résultat d'ensemble.
3.
On n'enregistre au journal que les opérations de gestion. Bien que Pacioli
semble faire allusion, au chapitre 25, à des balances d'entrée et de sortie, il
préconise le transport direct des soldes d'un grand livre au suivant. De même,
le compte Profits et Pertes ne figure pas au journal, mais seulement au grand
livre.
4.
La façon dont Pacioli décrit le mécanisme des parties doubles correspond à ce
que est encore pratiqué actuellement.
5.
La «balance» des chapitres 33 et 34 parait bien être une simple balance de
vérification, bien que certains commentateurs la considèrent comme un bilan.
6.
Les opérations sont passées successivement sur trois livres, le brouillard, le
journal et le grand livre, dont la tenue obéit à des règles strictement définies. »
Conforme esta apreciação os conceitos contabilísticos de apoio são ainda
muito básicos: por exemplo todos os registos eram processados em contas
elementares, isto é, não havia contas gerais. O livro razão
funcionalmente aproximava-se mais de um livro de contas correntes
actual que do livro de razão. Fazer o controlo da igualdade entre
créditos e débitos com base num livro de contas correntes ainda hoje é
tarefa ingrata, pela dificuldade em localizar a origem dos erros, que tanto
pode estar nas passagens de valores copiados do diário, como nas operações
algébricas. O entendimento das funções do balanço na exposição de
Pacioli não é claro, dependendo da “opinião” do leitor.
1.3.2 Autenticação dos livros e correcção de registos
A função contabilística como testemunho jurídico, muito destacada
nos códigos comerciais de inspiração napoleónica, entre os quais se
contam os códigos portugueses, é corroborada por Pacioli ao referir a
necessidade de autenticar os livros e os cuidados relativos à correcção formal
e substancial dos registos. Interpretando Forrester (1999, 8/18): “Entre todas
as hipóteses e exposição de pormenor, podemos encontrar nas palavras e
símbolos comentados por Pacioli, alguma evidência que ele descreve menos
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um sistema privado livremente adaptável às necessidades de certas pessoas e
negócios e mais práticas em uso há muito em várias profissões63 e sujeitas a
regras públicas e legais”. De facto o capítulo VII do tratado de Pacioli começa
com a seguinte exposição64:
"Capítulo VII
De como em muitos lugares se devem autenticar (legalizar?) todos os livros dos
comerciantes, qual o motivo e por quem
Em muitos lugares em que tenho estado existe o bom costume de levar e apresentar os livros
num escritório ou centro oficial de comerciantes, como é, por exemplo, o consulado da cidade de
Perusa, aonde se declara que aqueles são os livros que quem escrever ou mandar escrever por
fulano de tal para registar ordenadamente todos os teus negócios, dizendo em que moeda os
queres manter, quer dizer, em liras "picioli" ou em liras "de grossi", ou em ducados e liras, ou
florentinos, soldos e dinheiros, ou em onças, "tari" (moeda napolitana), grãos, dinheiros, etc.,
termo que um bom comerciante deve apor na primeira folha dos seus livros. E se posteriormente
é mudada a pessoa declarada como encarregada de escrever os livros, convirá também registar o
facto com igual formalismo. O escrivão inscreverá todos os livros no registo de livros indicando
os dias em que foram apresentados, qual a forma de identificação, como se chama cada um,
quantas folhas tem cada um, e quem os vai escrever, tu ou fulano de tal, embora um deles,
chamado Borrão, ou "Vacchetta", possa ser preenchido por qualquer funcionário da casa, por
razões indicadas. Depois o mesmo escrivão autenticará todos os termos com sua própria mão, em
nome da entidade legalizadora, na primeira folha de todos os livros autenticando-os e apondo o
selo da entidade legalizadora como testemunho oficial que te servirá em todos os julgamentos
que possam ocorrer.
Este costume deve ser muito apurado, tal como as praças que o respeitam, pois de facto
muitos comerciantes têm dois jogos de livros, um para mostrar ao comprador e outro para o
vendedor, e, o que é ainda pior, juram e perjuram tanto sobre um como sobre o outro, prática que
é absolutamente reprovável. A apresentação dos livros na referida entidade torna menos fácil
mentir e defraudar o próximo.
Depois de haver apresentado os livros e de os ter devidamente autenticados e ordenadamente
registados, podes voltar para tua casa com a benção de Deus, já preparado para começar os teus
negócios. E, em primeiro lugar, deverás passar por ordem todas as partidas do Inventário para o
Diário, como se explicará posteriormente, mas antes terás que aprender a escriturar o Borrão."
O tratado de Pacioli sugere importância então atribuída à utilidade dos
registos contabilísticos como meios de prova. Como simultaneamente são
apresentados os fechos de contas sem particulares esclarecimentos, parece
razoável questionar a evidência dos entendimentos actuais sobre as funções
da contabilidade; pelo menos em termos históricos o cálculo de resultados do
período não aparece como função em destaque.
63
Forrester destaca a relação entre notários entre os profissionais da contabilidade .
64
Tradução livre por H. Carqueja a partir da tradução para castelhano de Hernández
Esteve, (1994,163)
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Aliás também a função de prova é necessariamente o pano de fundo para
os cuidados da descrição sobre o preenchimento do memorial:
“Se tens boa memória, recordarás que já disse que todos os teus podem fazer anotações no
Borrão, ou “Vacchetta” ou “Scartafaccio”, como outros o chamam.
Sendo assim, não podemos enunciar regras rigorosas sobre a forma de fazer estas anotações,
que alguns de tua casa poderiam entender mas outros não.
O que se costuma fazer normalmente é o seguinte: suponhamos que comprámos algumas
peças de pano, digamos 20 panos brancos da Brescia, ao preço de 12 ducados cada um. Bastará
que anotes simplesmente o facto: este dia comprámos ao senhor Felipo de Rufoni, de Brescia, 20
panos brancos de Brescia, que estão no armazém de Stefano Tagliaprieta, e cada uma das peças
mede tantas braças, ao preço de tantos ducados cada uma, e estão marcadas com tal número. De
igual modo indicarás se os panos são a três dobras ou simples, altos ou baixos, finos ou médios,
de Bergamo ou Vicenza, de Verona ou de Pádua, de Florença ou Mantrea, etc., e também
pormenorizarás, sendo o caso, se na compra interveio um corretor e se o pano foi todo pago a
pronto ou parte a pronto e parte a prazo, e dirás a que prazo, ou se foi parte em dinheiro e parte
em géneros, e em tal caso especificarás quais os géneros, sua quantidade, peso ou medida, e qual
era o preço do milhar, centena ou libra da unidade de conta empregada. E se o pagamento foi
totalmente a prazo, indicarás o prazo: por exemplo, se foi o das galeras de Beicret ou de
Flandres, o regresso das naves, etc., e em tal caso especificarás a data de chegada das mesmas, e
se o prazo foi até uma feira ou outra solenidade, como a data da Ascensão próxima futura, ou a
Páscoa ou a Ressurreição, ou o Carnaval, etc., também especificarás de acordo com o que haja
sido concertado na operação. Sumariando, pode dizer-se que no borrão não convém omitir
nenhum detalhe; pelo contrário, se fosse possível conviria escrever tal qual as palavras que se
tivessem pronunciado, porque, como já se disse a propósito do inventário, para o comerciante
65
toda a clareza é pouca.”
Só a importância atribuída à necessidade de comprovar operações e
ocorrências permite entender as recomendações, que fazem sentido
quando se aceitam como funções do borrão as de testemunho original
escrito. Se também lhe foi atribuído o objectivo de rascunhar lançamentos,
a passar a limpo no diário, tal função resultou do livro ser preenchido por
contabilista. É essencial entender que o borrão desempenhava as mesmas
funções que hoje os copiadores de documentos: era o testemunho original
em que se baseavam os lançamentos contabilísticos.
1.3.3 Técnica de registo e documentação de apoio
Um outro aspecto a que é fundamental atender para apreciar a evolução
do saber contabilístico diz respeito à documentação de apoio. Habituados
65
Tradução livre por H. Carqueja a partir da tradução para castelhano de Hernández
Esteve,(1994,166).
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como estamos ao uso de formulários e à disponibilidade de instrumentos e
suportes de escrita, precisamos de procurar compreender a base dos
procedimentos descritos por Pacioli.
O primeiro registo é processado num borrão. As recomendações e
sugestões não podem ser entendidas hoje sem imaginar uma situação em
que não havia formulários e as partes poucas vezes passam as
transacções em que acordam a documento escrito. Nessas condições todo
o pormenor para ajudar a recordar a operação a alguma das partes era
importante e, no mínimo, havia que registar em memorial todas as
especificações agora registadas em formulários. Portanto o Borrão
desempenha, à época de Pacioli, não só as funções dos nossos documentos
mas também dos respectivos arquivos. O registo no borrão é uma descrição
que pode não seguir convenções contabilísticas. O especial cuidado com o
borrão não dispensava, entretanto, o cuidadoso arquivo dos
documentos eventualmente disponíveis.66
Segue-se o registo em diário. Note-se que o tratado de Pacioli foi o
primeiro livro impresso, e, como já referimos, o recurso a formulários
impressos estava fora do quadro de trabalho pressuposto na época.
Depois note-se que o uso de algarismos era ainda novidade, sendo frequente
a indicação de números simultaneamente em notação romana ou por
extenso e, no colunado para soma, em algarismos. O custo do papel
era então custo significativo e o uso de abreviaturas, menos linhas e
outros expedientes, importantes.
A execução do trabalho contabilístico com o papel, a pena e a tinta da
época, comportava ainda outras dificuldades instrumentais como a
escolha do sistema de moeda de conta67, dado que corriam diversas moedas
e estas eram representativas. Havia que escolher um conjunto
compreendendo moedas com relação definida entre si e permitindo atribuir
valores grandes e pequenos. Não existia à época qualquer sistema monetário
que não resultasse da simultânea consideração das muitas moedas
representativas em circulação e correspondências entre elas.
66
Cap. 35 do Tratado, Hernández Estebe (1994, 224) ou Jouanique (1995,183).
Não se confunda moeda de conta, sistema monetário de referência contabilística 
exemplo: libra, dinheiro, soldo  com moeda de “conto”, alternativa a pedras no cálculo com o
ábaco. Algumas vezes a moeda de “conto” é designada como moeda de contar e outras vezes como
moeda de conta, esta última hipótese pode gerar equívocos.
67
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Vencer a dificuldade de homogeneizar valores resultantes de
quantidades vezes preços unitários fixados em moedas diferentes, era
uma parte importante da tarefa do contabilista. Mesmo a operação de
multiplicar exigia perícia calculatória que só com imaginação podemos
idealizar. Os problemas de cálculo e as equivalências entre moedas
ocuparam parte significativa dos livros e aprendizagem da contabilidade até
meados do século XIX.
Até o que hoje designamos tipo de letra era outra fonte de dificuldades,
pois estava-se ainda longe da harmonização actual, e os livros impressos da
série de iniciada por Pacioli descreviam soluções que deveriam ser
manuscritas. Recorde-se que a caligrafia foi disciplina importante na
preparação de contabilistas até meados do século XX.
A técnica de registo utilizada e exposta por Pacioli só pode ser apreciada
tomando em consideração as limitações dos instrumentos materiais e
conceptuais disponíveis na época.
1.3.4 Informação sobre o negócio, a periodização e a prestação de contas
Duas das ideias actuais pouco têm a ver com a realidade do tempo de
68
Pacioli: conceito de riqueza (situação ou rendimento) e períodos
contabilísticos.
Quando a empresa era predominantemente individual o importante era
reconhecer os meios afectos à empresa. O centro de atenção eram os
diferentes valores, um a um, recebendo o conjunto, riqueza afecta ao
negócio, pouco realce, até porque conforme o método de Veneza os resultados
eram apurados por partidas, isto é, por conclusão da venda de um certo tipo
ou conjunto de mercadorias, e a conta ou contas de capital podiam ser
objecto de movimentos por afectação ou desafectação. A partida de
mercadorias podia corresponder às transportadas numa viagem de barco ou
a um tipo de mercadoria comprada pelo mercador a um certo fornecedor, ou
mercadorias compradas num certo local. Na contabilidade à maneira de
Veneza a ideia de fazer um corte no tempo para calcular resultados
não tinha força, pois estes tanto eram calculados à medida que as partidas
eram concluídas como por eventual fecho das contas do razão por mudança
de livro.
68
Lopes de Sá (1998,19): “riqueza como agregado de meios que visa satisfazer as
necessidades da célula social, como objecto de estudos da contabilidade”
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Os entendimentos de prestação de contas e do conceito de riqueza
implícito nos registos do século XV e que continuaram, em muitos casos, até
ao século XIX, pouco tem a ver com o nosso. A conta duma partida de
mercadorias poderia ser credora se as vendas já tivessem coberto todos
os custos já registados na mesma conta; se esta conta era encerrada e os
seus resultados apurados quando esgotada a existência.
Pacioli trata a conta de resultados como algo diferente, os seus
movimentos não eram registados no diário. Durante os séculos
seguintes os activos incorpóreos não eram reconhecidos, a não ser
eventualmente como despesa ainda não considerada em contrapartida de
resultados; o activo imobilizado mantinha o valor até que uma
avaliação por entrada de novos sócios ou herança provocasse uma
reavaliação e correspondente reconhecimento em contas de novo valor.
Aquilo que chamamos balancete do razão era produzido quando se
mudava de livro, e com base em saldos, ou por causas especiais como
alteração dos sócios ou abertura de sucessão. Também podia ser
produzido quando do apuro de resultados, mas não era frequente,
nem regra. O balancete correspondia a uma conferência, e não a uma etapa
para produzir um balanço.
Demorou a sedimentar-se a ideia de conjunto de bens constituindo
um património, embora desde Pacioli tenha sido entendida a ideia de
valores envolvidos no negócio.
As maneiras de contabilizar, por exemplo de Veneza ou de Florença,
correspondiam menos a modelos e mais a tipos de operações predominantes.
Na produção de panos, por exemplo, o conceito de partida não tinha
operacionalidade porque as existências não se esgotavam: seria
normal a produção repor a existência antes de totalmente vendida a
existência anterior. Nesta hipótese a ideia de momentos de balanço ou
cortes no tempo era a única que resolvia a dificuldade, e, por isso,
eram feitos balanços de quando em quando (cada dois ou mesmo cada
cinco anos, na maioria dos casos conhecidos sem especial cuidado em manter
o período).
Quer para efeito de fazer contas quando havia sócios, a companhia, quer
mesmo para efeitos de gestão, só contavam os valores investidos e o
valor das coisas quando vendidas no mercado ou avaliadas em
partilha.
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Por partidas, método mais corrente quando em Veneza, ou com balanços
de quando em quando, como em Florença, em qualquer dos casos a
contabilidade focava o valor dos fundos envolvidos no negócio e visava
conhecimento ou prestação das contas. Até ao século XIX a
contabilidade podia, por exemplo, não representar o imobilizado se
a gestão do negócio não era responsável por ele. Tal poderia ser o caso
do edifício de um convento, ou um terreno agrícola, que podiam ser
ignorados em contas. A contabilidade só abarcava o que era objecto da
gestão que servia de referência.
O objecto da representação contabilística sempre foi o conjunto de bens
económicos sujeitos a uma gestão com um certo fim, mas, quer o
reconhecimento, quer a atribuição de valores às coisas e situações, tinha no
tempo de Pacioli bases muito diferentes das de hoje, e tem variado de
civilização para civilização e, em cada uma, ao longo dos tempos.
1.4. Pesquisa de ideias estruturantes
Quer o aparecimento quer a divulgação do método de contabilidade por
partidas dobradas têm merecido a atenção de muitos estudiosos e foram
vários os que procuraram ligações com o tipo de organização económicosocial, ou outros aspectos sociais, que os esclareçam. Concorrem
actualmente várias opiniões, por exemplo:
 De 1250 a 1350 verificou-se alteração significativa da organização de
negócios nas repúblicas italianas, e só nestas, deixando o capital de estar
nas mãos de indivíduos ou famílias e passando a estar mais disperso, isto
é, por várias pessoas ou famílias. Este facto implicou maior exigência quanto
a prestação de contas e conduziu à conveniência da utilização do método de
partidas dobradas69.
 A partir do século XII regista-se uma alteração significativa nos
sistemas de ensino, multiplicando-se escolas e universidades régias, de
bispados, de ordens e de cidades. Foram os professores, em cujo conjunto
está incluído Pacioli, que racionalizaram e apuraram a técnica
69
Bryer (2000, 145 e seg.s).
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contabilística, e é esta alteração do quadro escolar que se deve procurar o
apuro da técnica de partidas dobradas.70
 As partidas dobradas proporcionam informação essencial à
racionalidade dos negócios e o seu aparecimento foi um dos motores do
desenvolvimento capitalista posterior71.
A nossa leitura da história da contabilidade deixa-nos com a ideia de que
o conhecimento do método das partidas dobradas tem recebido demasiada
atenção. Não devemos confundir desenvolvimento da contabilidade
com a divulgação ou apuro de um dos métodos em particular.
A unidade económica, vista como centro de interesses
económicos e de decisões, parece ser referência em toda a
informação contabilística, desde os primeiros registos em barro, os
registos simbólicos ainda antes da escrita. Os registos contabilísticos
respeitam à unidade económica titular dos direitos e obrigações ou à
entidade responsável pelas receitas e despesas. A referência de qualquer
registo contabilístico a uma unidade económica parece ser
universal, no tempo e no espaço.
A convivência de pessoas é uma realidade das sociedades organizadas, e
a história da actividade contabilística sugere que a contabilidade
responde a essa necessidade da organização, designadamente pública,
e também das relações de natureza patrimonial entre as pessoas, por
exemplo de créditos e débitos e do exercício de mandato. Na alta antiguidade
é importante a responsabilidade do pastor e aparecem soluções para esse
registo, mesmo antes da escrita, na Suméria. É importante conhecer as
receitas e despesas, para o banqueiro medieval bem como o registo dos
direitos que adquire e das obrigações a que se compromete. Nos
conventos é necessário prestar contas e encontrar base para gestão
racional. A utilidade dos registos está sempre em destaque: em cada
caso regista-se a observação importante para os fins visados. Em
nenhuma das civilizações referidas foi preocupação representar a riqueza
como tal, mas tão-somente representar as manifestações de riqueza
70
Citando Hoskin and Macve, Bryer (2000,165) refere o Magister Brown da corte inglesa em
1160, que tinha sido educado na Itália. A tese também pode encontrar apoio na história do sec.
XIX, quando a teorização da Contabilidade surge na Itália e na Alemanha e estes países são os
pioneiros na inclusão de disciplinas de contabilidade em cursos superiores.
71
Tese muito citada, atribuída a Sombard. Littleton é um dos autores que enfatiza o apoio à
decisão, e portanto a contribuição para a racionalidade.
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que importavam ao conhecimento, ou controlo, do negócio ou
actividade, adequados à vida social.
As relações postas em destaque pela teoria da agência são uma
explicação não refutada da actividade contabilística. No desempenho
de funções de prestação de contas a contabilidade condiciona o
desempenho social dos agentes económicos. Os destinatários podem
ser agentes da unidade económica, ou público interessado, como eram
os cidadãos de Atenas relativamente às contas da cidade, objecto de
publicidade por gravação em pedra.
O Rei Dario (521-486) recorreu a inspectores, “os olhos e ouvidos do rei”.
Roma apoiou-se em questores que inquiriam oralmente, e Carlos Magno
apoiou-se em auditores como forma de melhor coordenar e controlar
quem estava ao serviço do poder. O controlo dos agentes, sejam
decisores ou contabilistas, é um propósito que assume particular realce
sempre que as fronteiras se alargam e se complica o universo centro de
decisões. Não se estranhe que a auditoria actual tenha especial importância
quando estas mesmas condições se verificam: fronteiras que se afastam e
universo cuja dimensão torna o seu governo mais complexo.
A racionalidade de decisões nas casas dos grandes senhores romanos,
ou depois nos conventos e ordens religiosas, pode explicar alguns dos
testemunhos contabilísticos que chegaram até nós. A preocupação com
racionalidade acompanhou o intensificar da actividade económica que
foi acompanhado pelo desenvolver de actividade contabilística. A
história corrobora a ideia de utilidade dos registos contabilísticos para
facilitar a racionalidade das decisões, especialmente quando o tempo ou
a complexidade dificultam recordar sequências ou ponderar alternativas.
Tal como a complexidade da organização social também o destaque
da racionalidade de conduta parece ser indutor de actividade
contabilística.
Entendemos que a contabilidade por partidas dobradas proporciona
solução para apoio das relações de agência que se complicam e intensificam
nas grandes unidades de produção; mas não compartilhamos da opinião que
proporciona informação mais adequada a suportar decisões racionais do que
os sistemas apurados de partidas simples. É através do controlo do
comportamento de agentes com acentuada capacidade de arbítrio, e
não da busca de maior racionalidade, que encontramos forte
dependência entre qualquer sistema de produção complexo e a
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contabilidade por partidas dobradas. A tardia adopção das partidas
dobradas na contabilidade pública, considerada a evidente
complexidade da organização a que esta respeita, sugere também que a
complexidade não basta para explicar a opção pelo método das
partidas dobradas. Entretanto, quando os padrões de comportamento
social, adoptados nas grandes unidades de produção e baseados na
possibilidade de arbítrio do agente, são desejados no sector público o método
das partidas dobradas ganha suporte: aparentemente proporciona soluções
menos burocráticas e mais eficazes para condicionar o comportamento dos
agentes.
O livro de Pacioli contém uma exposição sobre o método de registo
conhecido por partidas dobradas ou digrafia; visa ensinar como fazer e não
corresponde a qualquer dissertação, seja sobre a natureza dos registos
contabilísticos ou sobre o entendimento do seu objecto. Entretanto é
evidente a atenção dada à correcção legal dos livros. A utilização da
escrita como meio de prova e para prestação de contas ressalta até dos
cuidados com a autenticação e com a correcção formal.
O apuramento de resultados não surge como objectivo em destaque na
digrafia do tempo de Pacioli, nem como apuramento por partida (Veneza)
nem como apuramento de quando em quando, período não regular
(Florença). Quando da partilha pelos sócios ou entrada de novos sócios o
apuramento de resultados acontece, tal como o apuramento do valor da
riqueza quando da sua afectação ao negócio. A atribuição de valor a itens
do inventário é resultado do acordo entre sócios ou do arbítrio do
comerciante.
As finalidades prestação de contas, condicionamento do
comportamento dos agentes económicos e informação para base
racional de decisão, desde a primeira hora parecem ser as justificações
em destaque para a actividade contabilística. No convento podia não se
registar o valor dos terrenos e edifícios, nas instituições públicas os registos
visavam as receitas e despesas, e não os bens disponíveis para utilização,
especialmente quando estes estão fora da alçada da gestão72. Registavam-se
receitas e despesas relativas à construção do templo ou obra privada ou
pública, mas não se registava o valor desta enquanto fonte de
72
Passando ao lado do sector público, onde a contabilidade até há poucos anos estava
inteiramente dirigidas a controlar receitas e despesas, a evidência dada pelo tratamento
contabilístico do imobilizado, até princípio do século XX, parece-nos bastante. Para aprofundar
a problemática especial do imobilizado ver, por exemplo, Lemarchande (1993).
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utilidades nem enquanto correspondente a um valor, pelo menos de
substituição.
Anotámos que o valor da riqueza aparece, durante todo o período
até Pacioli, mais como valor acordado ou arbitrado para viabilizar o
registo contabilístico, do que como fruto do registo contabilístico.
São apurados resultados para informação do mercador, ou para
distribuição pelos sócios, em qualquer caso com evidente propósito de
informação ou prestação de contas. Não se encontra em todo o longo
período de gestação das partidas dobradas que se deseje evidenciar e a
importância do propósito de determinar o valor da riqueza sob gestão, salvo
como meio necessário a outro fim. Se o maometano devia pagar imposto de
acordo com o seu rendimento e, por isso, anotava receitas e despesas, se o
agente da associação de comerciantes, por exemplo da Hansa Teutónica,
dedicava especial atenção às receitas e despesas de que deveria prestar
contas, se a contabilidade tinha, e tem, em tantos casos especial atenção as
receitas e despesas, e se não encontramos em todo o longo período
antes de Pacioli evidência do primado do propósito de determinar o
valor dos resultados ou da situação patrimonial, temos base para
questionar este objectivo como propósito básico da contabilidade.
O desenrolar posterior da história do saber e da actividade contabilísticos
proporciona esclarecimento adicional, mas considerar a história da
contabilidade até Luca Pacioli, só por si e, legitima que se questione a
determinação do valor da riqueza, especialmente em foco nas últimas
décadas do século XX, como fim característico da actividade contabilística.
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