curso profissionalizante de cabeleireiro
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curso profissionalizante de cabeleireiro
CURSO PROFISSIONALIZANTE DE CABELEIREIRO: PROJETO DE INCLUSÃO SOCIAL DE PESSOAS COM SOFRIMENTO MENTAL Hayla Luciana da Silva1 Tânia Lúcia Hirochi2 Roberta D’ Ávila Silva Pessoa3 Elza Moreno Guimarães Naves4 Fernanda Maria Gonçalves Baldi5 Rua Atlético, 1030, Bairro Novo Alvorada, Sabará – MG. CEP 34.650-260 3485-2542 / 9163-1001 [email protected] 1. INTRODUÇÃO O trabalho é uma das formas de realização e do reconhecimento do homem como sujeito, sendo fundamental para garantir a cidadania e o sentimento de pertencimento de qualquer pessoa.1 A educação profissional inicial e continuada de trabalhadores, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional2, inclui a capacitação, o aperfeiçoamento e o desenvolvimento de “aptidões para a vida produtiva e social dos indivíduos”. É destinada a proporcionar ao cidadão conhecimentos que lhe permitam a qualificação, requalificação e atualização para o exercício de funções demandadas pelo mundo do trabalho. Nesse contexto, os cursos profissionalizantes oferecidos devem ter currículos baseados em competências requeridas para o exercício profissional e estar sintonizados com as demandas do mercado, dos cidadãos e da sociedade. O indivíduo portador de sofrimento mental, diante da sociedade, é marcado pelo estigma da periculosidade e da incapacidade e, com isso, as oportunidades de trabalho 1 Acadêmica do Curso de Graduação em Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG / Estagiária do Centro de Atenção Psicossocial – CAPS II no “Programa de Estágio Supervisionado” da Prefeitura Municipal de Nova Lima 2 Docente do Curso de Graduação em Terapia Ocupacional da UFMG 3 Psicóloga / Supervisora do estágio em Psicologia no CAPS II 4 Terapeuta Ocupacional / Supervisora do estágio em Terapia Ocupacional no CAPS II 5 Acadêmica do Curso de Graduação em Psicologia da PUC Minas / Estagiária do CAPS II no “Programa de Estágio Supervisionado” da Prefeitura Municipal de Nova Lima apresentam-se mais comprometidas, limitando o seu processo de inclusão social. Na perspectiva dos conceitos de Reabilitação Psicossocial, o trabalho para as pessoas portadoras de sofrimento mental deve ser compreendido como um processo em que devem estar articulados os aspectos relativos aos interesses, às necessidades, à competência e aos desejos desses indivíduos.3 De acordo com o Ministério da Saúde4, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são instituições destinadas a acolher os indivíduos com transtornos mentais severos e persistentes, estimular sua integração social e familiar e apoiá-los em suas iniciativas de busca da autonomia. Os objetivos propostos pelos CAPS são oferecer cuidados clínicos e fomentar a reinserção social, pelo acesso ao trabalho, aos direitos e pelo aumento e fortalecimento da rede social dentro do contexto de vida do usuário. As demandas dos usuários de um CAPS estão alocadas em vários contextos e não apenas no âmbito da saúde mental. Dessa forma, é necessária uma prática intersetorial, ou seja, uma articulação entre o CAPS e a comunidade para que esses projetos sejam efetivados.3 Os cursos profissionalizantes são recursos da comunidade que vêm de encontro à possibilidade de transformar a realidade de pessoas portadoras de sofrimento mental, na medida em que essas têm a oportunidade de descobrir e mostrar os seus potenciais e capacidades, engajando-se em atividades significativas. Um repertório de habilidades mais variado e consolidado permite a qualificação e a otimização da performance ocupacional dos indivíduos para o desempenho de um novo papel social: o de trabalhador. E, é por esse viés, que as pessoas portadoras de sofrimento mental poderão aumentar o seu poder contratual4 e formar novos laços sociais, saindo do lugar de improdutivo, marginalizado e excluído, somando-se à rede social como mais um cidadão. 2. OBJETIVO Promover a participação de usuários do CAPS II do município de Nova Lima no Curso Profissionalizante de Cabeleireiro, como meio de viabilizar a aquisição de habilidades e a qualificação de pessoas portadoras de sofrimento mental, contribuindo para o processo de inclusão social dos mesmos. 3. METODOLOGIA O Curso Profissionalizante de Cabeleireiro é desenvolvido em parceria com o Sandra’s Institute, por intermédio da professora responsável, com o acompanhamento da equipe técnica do CAPS II. Teórico-prático, com carga horária total de 332 horas, o curso é oferecido gratuitamente, de segunda à sexta-feira, por quatro horas diárias e acontece nas dependências de uma instituição de grande porte, prestadora de serviços sociais no município. O diploma permite ao aluno exercer a profissão de cabeleireiro. Dessa forma, o curso é apresentado aos usuários e, conforme o interesse e desejo de cada um, aliado ao projeto terapêutico individual, estes vão, com os estagiários do CAPS II, conhecer o ambiente, a professora, os colegas e a dinâmica de desenvolvimento das atividades. A partir disso, iniciam a participação nas aulas e o acompanhamento é feito através de visitas periódicas dos estagiários. 4. RESULTADOS Ao fazer o Curso Profissionalizante de Cabeleireiro, os usuários do CAPS II experimentam a possibilidade de aquisição de novas habilidades e melhora da performance ocupacional, caminhando no sentido de qualificarem-se. O projeto está na sua fase inicial e foi implementado em março de 2008, com a participação de dois usuários no curso: ♦ João, nome fictício, 20 anos, com hipótese diagnóstica de Retardo Mental Leve e Transtorno de Personalidade6, iniciou o tratamento no CAPS II em 28/01/08. Ex-aluno de escola especializada, “sempre apresentou muita dificuldade na escola, brigava com os colegas e não tinha interesse”, de acordo com a mãe. Desde os cinco anos de idade tem acompanhamento psiquiátrico. Foi abusado sexualmente pelo irmão mais velho aos quinze anos e, desde então, passou a abusar de crianças. Estudou até a primeira série do ensino fundamental e nunca trabalhou formalmente, fez apenas alguns “bicos” carregando caixotes e entregando jornais. A queixa principal da família era a perambulação de João pela cidade, “arrumando” confusão e jogando pedras nos telhados dos vizinhos. Apresentava comportamento inadequado, erotizado e infantilizado. ♦ Ester, nome fictício, 29 anos, hipótese diagnóstica de Personalidade Histriônica, Transtorno Dissociativo Misto, Transtorno de Ajustamento e Distimia6, foi levada ao CAPS II em 28/02/08, pela tentativa de auto-extermínio e com a queixa principal de “tenho medo de sair de casa, tenho medo de tudo” (S.I.C.). Apresentava desmaios freqüentes, ataques de pânico espontâneos, isolamento e negligência com o auto cuidado. Fazia tratamento psiquiátrico e psicoterápico irregularmente há cinco anos. Ficou dois dias em observação no hospital psiquiátrico antes de iniciar tratamento no CAPS II. Completou o segundo ano do ensino médio. Os usuários freqüentam turmas regulares com dez alunos em média. Segundo a professora, o desempenho de ambos no desenvolvimento das atividades é satisfatório. A interação de João com os colegas, os clientes e os funcionários da instituição tem melhorado gradualmente, assim como o seu engajamento nas atividades. Ester tem se destacado no papel de estudante, assumindo a liderança na organização e execução das atividades na ausência da professora. Nos eventos da área de beleza dos cabelos, interage, discute e se sobressai em relação aos demais, na medida em que permanece atenta à palestra, buscando a compreensão do assunto em pauta, chegando a ser premiada ao responder as perguntas direcionadas ao público. Ester relata seus sentimentos em relação à realização do curso: “O CAPS e o curso tem sido o divisor de águas na minha vida. Eu tive que passar pelo hospital psiquiátrico e pelo CAPS para ter a oportunidade de estar aqui hoje fazendo o curso (...). Já estou pensando em fazer algumas coisas para ganhar dinheiro, trabalhar arrumando cabelos. Já arrumei umas noivinhas, já faço umas escovas. Quero muito continuar o curso, concluir a carga horária. Fiz muitas amizades, construí vários vínculos que quero manter pra vida inteira” (S.I.C.). Ester iniciou o curso em 04/03/08 e recebeu alta do tratamento no CAPS II em 17/04/08, sendo encaminhada para a psiquiatria ambulatorial e prosseguindo com o acompanhamento psicoterapêutico. João iniciou o curso em 07/04/08 e recebeu alta psiquiátrica no CAPS II em 14/04/08, sendo que ainda tem acompanhamento terapêutico da técnica de referência e da psiquiatria ambulatorial. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Cuidar significa fazer com que ocorra a transformação imediata dos modos de viver e sentir o sofrimento na relação com o outro, ao mesmo tempo em que se transforma a vida concreta e cotidiana que alimenta esse sofrimento. Tal perspectiva fundamenta a inclusão social como diretriz e condição de tratamento para a loucura.7 O Centro de Atenção Psicossocial é o núcleo de uma nova clínica, produtora de autonomia, que convida o usuário à responsabilização e ao protagonismo em toda a trajetória do seu tratamento8 e, a partir da articulação com a comunidade, com práticas intersetoriais, busca promover o aumento da contratualidade social5 e a autonomia dos indivíduos, viabilizando o acesso ao trabalho e aos direitos de cidadania, através de práticas motivadoras, prazerosas e satisfatórias. A realização do projeto do Curso Profissionalizante de Cabeleireiro para os usuários do CAPS II do município de Nova Lima está apenas começando, mas em movimento constante no sentido de contribuir para a inclusão social, bem como mostrar para a sociedade o valor das pessoas com sofrimento psíquico e os potenciais muitas vezes inexplorados de cada um e, com isso, buscar o exercício de cidadania desses indivíduos e a transposição de barreiras estigmatizadoras que dificultam a real inclusão e criação de laços sociais. REFERÊNCIAS ABRANCHES, C. Inclusão no trabalho. In: ABRANCHES, C. et al. Inclusão dá trabalho. Belo Horizonte: Armazém de Idéias, 2000. BRASIL. Decreto n.5.154, de 23 de jul. 2004. Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras providências. Diário Oficial, Brasília, 26 jul. 2004. p.1. LEÃO, A. As práticas de inclusão social: o desafio para os serviços de saúde mental. 2006. 184 f. Dissertação (Mestrado) – Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde mental no SUS: os centros de atenção psicossocial. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. KINOSHITA, R. T. Contratualidade e Reabilitação Psicossocial. In: PITTA, A. Reabilitação Psicossocial no Brasil. 2. ed. São Paulo: Editora Hucitec, 2001. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10: descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993. MENDES, A. A. Tratamento na psicose: o laço social como alternativa ao ideal institucional. Mental. Barbacena, Ano II, n. 4, p. 15-28, jun. 2005. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas. Brasília: OPAS, nov. 2005.