inconstitucionalidade da preferência do crédito estabelecida no

Transcrição

inconstitucionalidade da preferência do crédito estabelecida no
RAFAEL CÂNDIDO VELASQUES OROZCO
INCONSTITUCIONALIDADE DA PREFERÊNCIA DO CRÉDITO ESTABELECIDA NO
PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 187 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL.
Artigo apresentado como tese no XLI Congresso
Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito
Federal.
Porto Alegre
Outubro de 2015.
Este trabalho objetiva analisar a constitucionalidade da
preferência do crédito tributário estabelecida no parágrafo único
do artigo 187 do Código Tributário Nacional, verificando se a
Súmula 536 editada pelo STF acerca do tema em 1976 ainda se
mostra válida pós Constituição Federal de 1988.
Sumário
Introdução. .................................................................................................................................. 5
A inconstitucionalidade do concurso de preferência do crédito tributário dos entes da
Federação estabelecido no parágrafo único do artigo 187 do Código Tributário Nacional.
.................................................................................................. Error! Bookmark not defined.
Análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca do tema pós Constituição
Federal de 1988. ....................................................................................................................... 10
Conclusão. ................................................................................................................................ 13
Referências. .............................................................................................................................. 14
5
Introdução.
O artigo 187 do Código Tributário Nacional, na redação estabelecida pela Lei
Complementar n.º 118, de 9 de fevereiro de 2005, assim dispõe:
Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de
credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou
arrolamento.
Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas
jurídicas de direito público, na seguinte ordem:
I - União;
II - Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pró rata;
III - Municípios, conjuntamente e pró rata.
Acerca do tema do concurso de preferência do crédito tributário entre os entes da
Federação estabelecido pelo parágrafo único desse disposto, há súmula editada pelo Supremo
Tribunal Federal, em 15/12/1976.
O teor dessa súmula, que levou o número 563, foi assim estabelecido:
O concurso de preferência a que se refere o parágrafo único, do art. 187, do
Código Tributário Nacional, é compatível com o disposto no Art. 9º, inciso I, da
Constituição Federal.
O artigo 187 do CTN foi alterado pela Lei Complementar n.º 118/2005 apenas para
acrescentar no seu “caput” a expressão “recuperação judicial”, não tendo seu mérito sido
modificado pela alteração.
Já quanto à Súmula 563 do STF, a referência ao disposto no artigo 9º, inciso I, da
Constituição Federal, é em relação à Constituição Federal de 1967, que vigia ao tempo da
edição da súmula, em 1976.
O artigo 9º da anterior Constituição Federal era assim redigido:
Art. 9º - À União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios é
vedado:
I - criar distinções entre brasileiros ou preferências em favor de uma dessas
pessoas de direito público interno contra outra;
II - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes
o exercício ou manter com êles ou seus representantes relações de dependência ou
aliança, ressalvada a colaboração de interêsse público, na forma e nos limites da lei
federal, notadamente no setor educacional, no assistencial e no hospitalar; e
III - recusar fé aos documentos públicos.
O artigo correspondente a esse artigo 9º na Constituição Federal de 1988 é o artigo 19,
que assim dispõe:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o
funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência
ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
II – recusar fé aos documentos públicos;
III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
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O objetivo deste trabalho é verificar se o concurso de preferência do crédito tributário
dos entes da Federação estabelecido no parágrafo único do artigo 187 do Código Tributário
Federal ainda se mostra válido sob a égide do atual ordenamento jurídico-constitucional
brasileiro e, consequentemente, se a Súmula n.º 563 do Supremo Tribunal Federal ainda é
hígida para regular o tema.
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A inconstitucionalidade do concurso de preferência do crédito tributário dos entes da
Federação estabelecido no parágrafo único do artigo 187 do Código Tributário
Nacional.
O artigo 187, parágrafo único, do Código Tributário Nacional e, consequentemente, o
artigo 29, parágrafo único, da Lei de Execuções Fiscais, Lei 6.830, de 22 de setembro de
1980, que o repete, que estabelecem o concurso de preferência em relação aos créditos
tributários dos entes da Federação, são inconstitucionais.
A Súmula 563 do Supremo Tribunal Federal que trata do tema, afirmando ser
constitucional essa preferência, foi editada sob a égide do antigo ordenamento constitucional
e, claramente, tinha como premissa a prevalência, mesmo hierárquica, da União sobre os
Estados membros e Distrito Federal e desses sobre os Municípios.
O atual ordenamento constitucional estabeleceu a igualdade como premissa da
Organização do Estado Brasileiro.
Já no artigo 1º da Magna Carta está estabelecida a isonomia de hierarquia existente
entre a União, os Estado, Distrito Federal e os Municípios:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático
de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo poder emano do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
No “caput” do artigo 5º da Constituição Federal também há destaque à igualdade. Mas
o dispositivo base da autonomia entre os entes federados é o artigo 18, in verbis:
Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do
Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos
autônomos, nos termos desta Constituição.
Logo após, no artigo 19, a Constituição Federal trata das vedações impostas aos entes
federados:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o
funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência
ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
II – recusar fé aos documentos públicos;
III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
O inciso III desse artigo 19 é o substituto da regra contida no 9º da antiga
Constituição, que fundamentou a interpretação contida na súmula 563 do STF.
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O regime adotado pela novel Constituição foi o do Federalismo em contraposição a
um Estado Unitário. Independentemente da ideia de Federação do regime antigo, notório é
que ele estava pautado pela centralização do poder nas mãos do governante, especialmente
porque, claramente, as regras imposta pelo regime eram de natureza antidemocrática, oriundas
de um governo imposto pela força.
Eram outros tempos e sabemos as consequências deles advindas.
A Constituição da República de 1988 trouxe os ares da democracia e do necessário
regramento da atuação do Estado sobre os cidadãos e também dos entes da Federação uns
sobre os outros.
Assim, sob esse enfoque, o enfoque ontológico, fica claro o objetivo do dispositivo do
inciso III do artigo 19, que fixa como limite para os Entes federados o de não estabelecerem
distinções entre si, dando efetividade ao princípio Federativo.
Ainda, claramente, pelo arcabouço constitucional, fica estabelecido o Federalismo e a
autonomia dos entes federados pela regra da repartição de competências entre eles. Ou seja,
não há hierarquia entre os entes federados, mas repartição de competências, onde cada ente
desempenha, nos termos autorizados pela Constituição, atribuições que dão efetividade aos
princípios nela inseridos.
Acerca do tema, diz Paulo de Barros Carvalho, em sua obra Curso de Direito
Tributário 1:
O tacitamente revogado art. 187, parágrafo único, do Código Tributário
Nacional, prescrevia o seguinte:
O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de
direito público, na seguinte ordem:
I – União;
II – Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pro rata;
III – Municípios, conjuntamente e pro rata.
Em edições anteriores, em face do dispositivo transcrito, argumentados:
“Sua inconstitucionalidade ressalta ao primeiro súbito de vista. É flagrante,
insofismável e vitanda, sob qualquer ângulo pelo qual pretendamos encará-la. Fere, de
maneira frontal e grosseira, o magno princípio da isonomia das pessoas políticas de
direito constitucional interno, rompendo o equilíbrio que o Texto Superior consagra e
prestigia. Discrimina a União, em detrimento dos Estados, e estes, juntamente com o
Distrito Federal, em prejuízo dos Municípios, quando sabemos que estão
juridicamente parificados, coexistindo num clima de isonomia. E, como se isso não
bastasse, dá preferência aos Territórios, que não têm personalidade política, com
relação aos Municípios. Lamentavelmente, a ordem preferencial que o art. 187,
parágrafo único, cristaliza na redação de seu texto vem sendo passivelmente acolhida
e cordatamente aplicada, sem que o meio jurídico nacional se dê conta da manifesta
inconstitucionalidade que encerra no seu significado em face do sistema do direito
positivo brasileiro. Exclamam algumas vozes, como as de Geraldo Ataliba, Michel
.1 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 22ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2010,
pp. 649-650.
9
Temer, Roque Carrazza e pouco mais, sem que delas façam eco os pronunciamentos
do Poder Judiciário”.
Com a Lei Complementar n. 118, de 2005, não há mais essa ordem de
preferência. Agora, os créditos tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal
e Municípios concorrem em igualdade de condições. O dispositivo corrigiu a
flagrante aberração, valendo a crítica que adscrevemos nos textos das anteriores
edições deste Curso. Fica a experiência sempre valiosa de que os enunciados legais
que contrastam com a Constituição da República devem ser suprimidos, quer pelo
Poder Judiciário, quer por novas disposições provenientes do Poder Legislativo.
Verifica-se, portanto, que Paulo de Barros Carvalho não só entende inconstitucional,
como entende que, com o advento da Lei Complementar n.º 118/2005, o dispositivo aqui
atacado estaria revogado.
Independentemente da opinião desse ilustre tributarista, o que se tem é a manifesta
inconstitucionalidade da preferência em comento.
A jurisprudência acerca do tema, como se verá a seguir, não traz a solução tão
almejada, que seria a declaração de que, após o advento da Constituição Federal de 1988, o
concurso de preferência do crédito tributário dos Entes da Federação estabelecido no
parágrafo único do artigo 187 do Código Tributário Nacional é inconstitucional.
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Análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca do tema pós
Constituição Federal de 1988 .
No sítio na Internet do Supremo Tribunal Federal, em pesquisa jurisprudencial,
encontramos apenas três resultados para o tema Súmula 563. Essa pesquisa estabeleceu como
limites os julgamentos realizados a partir da data da promulgação da Constituição Federal de
1988, ou seja, 5 de outubro de 1988, e o dispositivo legal do artigo 187 do Código Tributário
Nacional. Foram localizados apenas um acórdão e duas decisões monocráticas.
O único acórdão encontrado foi assim ementado:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PREFERÊNCIA DE PAGAMENTO.
VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO FEDERATIVO. INOCORRÊNCIA. SÚMULA N.
563 DO STF. O Supremo fixou entendimento no sentido que a disposição legal
prevista no artigo 187, parágrafo único, do CTN não viola o princípio federativo
[artigo 9º, I, da CB/67, artigo 19, III, da Constituição do Brasil]. Tal entendimento
foi consolidado na Súmula n. 563 do STF. Agravo regimental a que se nega
provimento. (AI 745114 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma,
julgado em 23/06/2009, DJe-148 DIVULG 06-08-2009 PUBLIC 07-08-2009
EMENT VOL-02368-22 PP-04709 RT v. 98, n. 889, 2009, p. 203-204).
As duas decisões monocráticas localizadas foram exaradas nos seguintes termos:
Decisão: Trata-se de agravo de instrumento interposto de decisão que não admitiu
recurso extraordinário fundado na letra a do permissivo constitucional. O Estado
recorrente aduz com violação aos arts. 1º, 9º, 18 e 19, incisos II e III da
Constituição. Sustenta ser “inconcebível a aceitação do pedido do INSS de
recebimento preferencial de seus créditos, uma vez que os arts. 187, Código
Tributário Nacional, e o art. 29, parágrafo único da Lei nº 6.830/80, nos quais
sustenta sua pretensão são flagrantemente inconstitucionais, pois ferem não só
princípio do estado federativo, mas norma expressa da Constituição (art. 19 II, supra
referido), que veda a existência de preferência entre pessoas jurídicas de Direito
Público Interno”. Decido. Em primeiro lugar, verifico que os arts. 9º e 18 da
Constituição, tidos por violados, carecem do necessário prequestionamento, sendo
certo que não foram objeto dos embargos de declaração opostos. Incidem as
Súmulas 282 e 356/STF. No mais, o acórdão recorrido decidiu a matéria com base
na Lei nº 6.830/80 e no art. 187 do Código Tributário Nacional, para reconhecer a
preferência do crédito do Instituto Nacional do Seguro Social. Sobre o tema, a
jurisprudência da Corte é pacífica no sentido de que o disposto no art. 19, III da
Constituição não atinge as preferências estabelecidas por lei em favor da União.
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO
CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PREFERÊNCIA DE PAGAMENTO. VIOLAÇÃO
DO PRINCÍPIO FEDERATIVO. INOCORRÊNCIA. SÚMULA N. 563 DO STF. O
Supremo fixou entendimento no sentido que a disposição legal prevista no artigo
187, parágrafo único, do CTN não viola o princípio federativo [artigo 9º, I, da
CB/67, artigo 19, III, da Constituição do Brasil]. Tal entendimento foi consolidado
na Súmula n. 563 do STF. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI nº
745.114/SP – AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Eros Grau, DJ 7/8/09) Nego
provimento ao agravo de instrumento. Publique-se. Brasília, 24 de junho de 2014.
Ministro Dias Toffoli Relator Documento assinado digitalmente (AI 833386,
11
Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 24/06/2014, publicado em
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-149 DIVULG 01/08/2014 PUBLIC 04/08/2014).
Decisão: 1. Correto o acórdão regional ao considerar aplicável ao caso a Súmula
STF nº 563, cujo teor é o seguinte: "O concurso de preferência, a que se refere o
parágrafo único do artigo 187 do Código Tributário Nacional, é compatível com o
disposto no artigo 9º, inciso I, da Constituição Federal". O entendimento referido é
aplicável, mutatis mutandis, ao caso dos autos, pois a vedação estabelecida pelo art.
19, III, da Constituição Federal (correspondente àquela do art. 9º, I, da EC nº 1/69)
não atinge as preferências estabelecidas por lei em favor da União Federal, como
ocorre no caso do art. 53 da Lei 8.212/91. 2. Nego seguimento ao agravo. Publiquese. Brasília, 13 de dezembro de 2005. Ministra Ellen Gracie Relatora (AI 440765,
Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, julgado em 13/12/2005, publicado em DJ
15/02/2006 PP-00092).
O teor da decisão do agravo de instrumento 745.114-7/SP - que foi o único acórdão
localizado considerando-se os critérios apontados, e que não adentrou no mérito propriamente
dito da questão constitucional de fundo, tendo em vista que, no caso concreto, não houve a
análise da questão constitucional pelo acórdão recorrido no Tribunal “a quo” - mencionou
outros julgados que tratariam da matéria no âmbito da Suprema Corte.
O Relator, Ministro Eros Grau, mencionou os seguintes julgados: AI n.º 197.771,
Relator Ministro Cezar Peluso, DJ de 12.09.2007; AI n.º 440.765, Relatora Ministra Ellen
Gracie, DJ de 15/02/2006; o AI n.º 608.769-EgR, Relator Ministro Eros Grau, DJ de
23/02/2007; o RE n.º 85.354, Relator Ministro Cordeiro Guerra, DJ de 31/12/1976; e o RE n.º
80.045, Relator Ministro Aliomar Baleeiro, DJ de 13/12/1976.
Para fins da análise a que nos propusemos, sobre a vigência da súmula 563 do STF sob
a égide da Constituição Federal de 1988, prestam-se para a análise os três primeiros julgados
mencionados, sendo que, desses, o segundo já foi transcrito acima, que é o da relatoria da
Ministra Ellen Gracie.
Pois bem, o teor desses julgados é o seguinte:
DECISÃO: 1. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que indeferiu o
processamento de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e assim ementado: "MASSA FALIDA.
CRÉDITOS
PREFERENCIAIS
ENTRE
ENTES
FEDERATIVOS.
CONFORMIDADE CONSTITUCIONAL. A preferência entre créditos tributários
da União, dos Estados e do Município, regrados por leis infraconstitucionais,
continua em vigor, sem qualquer infringência com a Lei Maior. Agravo improvido"
(fl. 15). O recorrente, com base no art. 102, III, a, alega violação ao disposto nos
arts. 1º, 18, 19, III, e 24, da Constituição Federal. 2. Inconsistente o recurso. É que
esta Corte já firmou orientação no sentido de que a proibição à União, Estados,
Distrito Federal e Municípios de criarem preferências entre si, contida no art. 9º, I,
da Constituição Federal de 1967, e repetida pelo art. 19, III, da Constituição de
1988, não exclui ordem de preferência para o recebimento de crédito tributário,
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prevista em legislação infraconstitucional, como se pode ver à seguinte ementa:
"Tributos. Preferência. O crédito previdenciário do INPS, contribuição parafiscal,
equiparada legalmente a crédito da união, prefere ao crédito tributário do estado. A
proibição de se criarem preferências entre uma das pessoas de direito público interno
contra outra (Constituição Federal, art. 9, I) não exclui a ordem de preferência, no
concurso para cobrança de crédito tributário, estabelecida pelo art. 187, parágrafo
único, do Código Tributário Nacional. Recurso extraordinário não conhecido" (RE
nº 80.045, Rel. Min. ALIOMAR BALEEIRO, DJ de 13.12.76. No mesmo sentido:
RE nº 80.748, Rel. Min. LEITÃO DE ABREU, DJ de 29.4.77). 3. Ante o exposto,
nego seguimento ao recurso (arts. 21, § 1º, do RISTF; 38 da Lei nº 8.038, de
28.5.90; e 557 do CPC). Publique-se. Int.. Brasília, 16 de agosto de 2007. Ministro
CEZAR PELUSO Relator (AI 197771, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, julgado
em 16/08/2007, publicado em DJ 12/09/2007 PP-00038).
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO.
AUSÊNCIA
DE
PREQUESTIONAMENTO.
MATÉRIA
INFRACONSTITUCIONAL.
OFENSA
INDIRETA.
CONCURSO
DE
PREFERÊNCIA. ARTIGO 187 CTN. 1. O Tribunal a quo não se manifestou
explicitamente sobre o tema constitucional tido por violado. Incidência das Súmulas
ns. 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal. 2. Controvérsia decidida à luz de
legislação infraconstitucional. Ofensa indireta à Constituição do Brasil. 3. A
vedação estabelecida pelo artigo 19, III, da Constituição (correspondente àquele do
artigo 9º, I, da EC n. 1/69) não atinge as preferências estabelecidas por lei em favor
da União. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI 608769 AgR,
Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 18/12/2006, DJ 23-022007 PP-00031 EMENT VOL-02265-09 PP-01632).
Verifica-se, portanto, na análise da jurisprudência míngua acerca do tema pós
Constituição Federal de 1988, que o Supremo Tribunal Federal não adentra, após o advento
do novel ordenamento constitucional brasileiro, no mérito da questão.
Todas as decisões proferidas, pós 5 de outubro de 1988, limitam-se a analisar questões
formais quanto ao pré-questionamento das matérias constitucionais nos tribunais “a quo” e,
quanto ao mérito da constitucionalidade do disposto no parágrafo único do artigo 187 do
Código Tributário Nacional, apenas mencionam que há jurisprudência consolidada acerca do
tema espelhada na Súmula n.º 563, editada no longínquo ano de 1976, sob a égide do anterior
ordenamento constitucional.
Assim, urge que o Supremo Tribunal Federal analise, sob a égide da atual Constituição
Federal, o disposto no parágrafo único do artigo 187 do CTN e diga que o teor de sua Súmula
563 não mais vale à luz do sistema jurídico constitucional brasileiro a partir da promulgação
da atual Constituição Federal.
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Conclusão.
O concurso de preferência do crédito tributário dos entes da Federação estabelecido
pelo parágrafo único do artigo 187 do Código Tributário Nacional é inconstitucional à luz do
ordenamento jurídico firmado com a Constituição Federal de 1988.
O atual ordenamento constitucional estabeleceu como princípio a igualdade entre os
entes da Federação. Não há, portanto, hierarquia entre os entes federados, há uma divisão de
tarefas determinada pela Constituição Federal, na qual cada um, dentro de sua esfera de
atuação, tem funções constitucionalmente estabelecidas.
Parece ir de encontro ao atual estado jurídico das coisas no ordenamento brasileiro e à
vida moderna, o estabelecimento dessa preferência centralizadora deferida à União. O
caminho deve ser exatamente o contrário, a descentralização do poder e do orçamento,
conferindo mais autonomia e poder econômico aos municípios e estados e Distrito Federal.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pós Constituição Federal de 1988 é
incipiente acerca do tema, pois, em momento algum, enfrentou diretamente o mérito do
assunto à luz do novel ordenamento jurídico-constitucional brasileiro.
Há premência de que esse enfrentamento pela Suprema Corte brasileira seja feito.
O formalismo exacerbado com que os julgadores encaram temas já sumulados pode
prejudicar muito a evolução do Direito. O tratamento dado a este tema é exemplo disso.
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Referências.
CARVALHO, Paulo de Barro. Curso de Direito Tributário . 22ª edição. São Paulo:
Editora Saraiva, 2010.