Estudo comparativo entre as técnicas de liberação de partes moles

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Estudo comparativo entre as técnicas de liberação de partes moles
ESTUDO COMPARATIVO ENTRE AS TÉCNICAS DE LIBERAÇÃO DE PARTES MOLES, UTILIZANDO AS VIAS DE ACESSO DE CODIVILLA E CINCINNATI SEGMENTADA
Estudo comparativo entre as técnicas de liberação
de partes moles, utilizando as vias de acesso de
Codivilla e Cincinnati segmentada, no tratamento
cirúrgico do pé torto congênito idiopático*
LUIZ CARLOS RIBEIRO LARA1, HENRIQUE SODRÉ2
RESUMO
SUMMARY
Os autores apresentam os resultados do tratamento cirúrgico do PTC idiopático, resistente ao tratamento conservador, de 45 pacientes (63 pés), operados pela técnica
de Codivilla (30 pés) e pela técnica de liberação pósteromédio-lateral (LPML em 33 pés) utilizando-se a via de
acesso de Cincinnati com abordagem transversa segmentada (ATS). Todos os pacientes tinham menos de 2 anos de
idade no momento da cirurgia. O tempo médio de seguimento foi de 46,50 meses para as crianças operadas pela
técnica de Codivilla e de 11 meses para as operadas pela
técnica de LPML. Os pacientes foram avaliados pelo método proposto por Lehman. Os resultados obtidos foram:
excelentes (66,77%), bons (20%), regulares (3,33%) e ruins
(10%) para o grupo de crianças operadas pela técnica de
Codivilla; e pela técnica de LPML, excelentes (87,88%),
bons (9,09%) e ruins (3,03%). Os autores concluem que
os resultados excelentes e a correção da adução do antepé
foram melhores nos pacientes operados pela técnica de
LPML com a via de acesso de Concinatti (ATS). Não houve diferença dos resultados entre as crianças operadas
abaixo e acima do primeiro ano de vida.
Comparative study between the soft tissue releasing techniques, using Codivilla and Cincinnati segmented access
ways, in the surgical treatment of idiopathic congenital clubfoot
Unitermos – Pé torto congênito; cirurgia; pé eqüinovaro adulto
* Resumo da tese apres. pelo primeiro e orientada pelo segundo autor, ao
Curso de Pós-Grad. da Unifesp-Esc. Paul. de Med., sendo obtido o título
de Mestre em Medicina.
1. Prof. Assist. da Fac. de Med. de Taubaté-Unitau; Chefe do Grupo de Cirurg. do Pé do Hosp. Universit. de Taubaté.
2. Livre-Doc.; Prof. Adjunto e Chefe da Disc. de Ortop. Pediátr. do Dep. de
Ortop. e Traumatol. da Unifesp-EPM.
Endereço para correspondência: Luiz Carlos Ribeiro Lara, Rua Alípio Bastos, 55, Vila Resende – 12280-000 – Caçapava, SP. Tel. (012) 253-3819, fax
(012) 252-3406.
Rev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 7 – Julho, 1998
The authors present the results of the surgical treatment of
idiopathic clubfoot (which is resistant to conservative treatment) of 45 patients (63 feet), operated on by the Codivilla
technique (30 feet) and by the PMLL technique (33 feet) using the Cincinnati access way (STA). All patients were under
2 years of age at the time of surgery. Mean follow-up was
46.50 months for the children operated on by the Codivilla
technique and 11 months for those operated on by the PMLL
technique. Analysis of the results obtained was done according to the method proposed by Lehman. Results were excellent (66.67%), good (20%), regular (3.33%) and poor (10%)
for the group of children operated on by Codivilla technique;
and excellent (87.88%), good (9.09%) and poor (3.03%) for
the children operated on by PMLL technique. The authors
conclude that the excellent results and the correction of the
forefoot adductus were better in patients operated on by the
PMLL technique with the Cincinatti access way (STA). There
was no difference in the results between the children operated under and over the first year of life.
Key words – Congenital club foot; surgery; adult equinovarus foot
INTRODUÇÃO
O pé torto congênito idiopático (PTC) constitui uma das
principais malformações do aparelho locomotor. Seu diagnóstico é realizado logo ao nascimento. Nos casos não tratados, a deformidade do pé em eqüino, varo e aduto é acentuada e antiestética, estigmatizando o paciente. Tais fatos justi519
L.C.R. LARA & H. SODRÉ
ficam o grande interesse dos ortopedistas quanto a seu tratamento e resultado.
Surgem, então, as polêmicas: Tratamento a adotar, conservador ou cirúrgico? Qual a idade ideal para a cirurgia?
Técnica a empregar? Melhor via de acesso? Fixação ou não
das articulações? A literatura médica atual sobre o assunto
apresenta controvérsias em todos esses pontos essenciais de
seu tratamento.
No século passado e início deste, a correção das deformidades do PTC realizava-se através do emprego da força mecânica, utilizando-se aparelho denominado osteoclasto. Esse
instrumento proporcionava, em muitos casos, a correção da
deformidade do pé, porém resultava em pés rígidos e dolorosos devido à grande destruição osteocartilagínea.
A partir dos trabalhos de Kite(14) (1939), padronizando o
tratamento conservador do PTC, propondo a utilização de
gessos seriados, por ser menos agressiva, obteve boa recepção no meio ortopédico até a metade deste século. Entretanto, como os resultados obtidos com o tratamento conservador variavam de autor para autor, o tratamento cirúrgico ressurgiu.
William Deltmont(28) (1838) foi o primeiro autor a propor
o alongamento do tendão calcâneo para a correção do PTC,
mas os fundamentos da correção cirúrgica foram lançados
por Codivilla(8) (1906), que buscava, em um único ato operatório, corrigir todas as deformidades do pé. Attenborough(2)
(1966), Turco(36) (1971) e Main et al.(20) (1977) propuseram
suas técnicas cirúrgicas, amplamente utilizadas, mas estas
não fugiram dos preceitos propostos por Codivilla(8).
Atualmente, o tratamento do pé torto congênito inicia-se
precocemente e a maioria dos autores propõe o tratamento
conservador como primeira etapa de correção, até mesmo
para facilitar, quando necessário, o ato operatório. As cirurgias impõem-se de maneira bem mais acentuada que no passado.
Realizávamos a técnica de Codivilla para a correção do
PTC, mas após o estudo dos trabalhos de McKay(21,22) (1983),
Simons(30,31) (1985) e Sodré(32) (1989), que propunham ampla
liberação talar, utilizando a via de acesso de Cincinnati, para
a liberação médio-póstero-lateral das estruturas do pé, passamos, então, a partir de 1992, a realizar essa via de acesso,
porém, com uma abordagem transversa segmentada (ATS).
O objetivo do presente estudo é o de apresentar e comparar os resultados funcionais do tratamento cirúrgico de 63
pés tortos congênitos de 45 pacientes. Realizamos em 23
pacientes, 30 pés, a técnica de Codivilla, e em 23 pacientes,
33 pés, a técnica de liberação póstero-médio-lateral das par520
tes moles (LPML), utilizando a via de acesso de Cincinnati
(ATS).
MATERIAL E MÉTODO
O tratamento cirúrgico do pé torto eqüinovaro congênito
foi realizado em 45 crianças matriculadas no Hospital-Escola da Unitau, no Departamento de Ortopedia e Traumatologia (Serviço do Dr. Nélson Franco Filho), e na clínica particular do autor, operados no Hospital Nossa Senhora da Ajuda, em Caçapava, SP, durante o período de 1986 até 1995.
Excluímos do estudo os pacientes portadores de outras malformações associadas, os pacientes sindrômicos ou neurodisplásicos, os que previamente se submeteram à cirurgia corretiva das deformidades do pé e crianças com idade maior
que dois anos no momento da cirurgia. Os pacientes encaminhados a nosso serviço, logo após o nascimento, foram submetidos ao tratamento conservador com gesso utilizando-se
o método proposto por Kite(14). Após quatro meses do tratamento gessado e não se obtendo a correção das deformidades do pé, indicamos a cirurgia.
Os pacientes operados pela técnica de Codivilla tiveram
tempo de seguimento que variou de 10 a 132 meses, com
média de 46,50 meses; por outro lado, as crianças operadas
pela técnica da LPML tiveram tempo de seguimento que
variou de 6 a 24 meses, com média de 11 meses.
A distribuição quanto ao sexo foi de 32 pacientes do masculino e 13 do feminino. Quanto à raça, houve predomínio
da branca com 41 pacientes, contra 4 não brancos. Com relação ao lado acometido, 32 pés tortos congênitos eram do
lado direito e 31 do esquerdo. A presença da deformidade
bilateral foi observada em 25 crianças (50 PTC); destes, 7
pés foram corrigidos com o tratamento conservador e não
necessitaram da cirurgia; nas 20 crianças restantes a deformidade era unilateral.
A idade, por ocasião da cirurgia, variou de 8 a 22 meses,
com média de 14 meses para as crianças operadas pela técnica de Codivilla, e de 7 a 20 meses, com média de 10 meses,
para as pela técnica de LPML.
Técnica cirúrgica
A – Crianças operadas pela técnica de Codivilla
O paciente é colocado na posição de decúbito dorsal horizontal, realiza-se a anti-sepsia com solução de polivinilpirrolidona alcoólica a 10%. Inicia-se a cirurgia, sob anestesia
geral endovenosa e inalatória, com o membro exangue, após
o uso de faixas de Esmarch e garroteamento ao nível da coxa.
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Fig. 2 – Aspecto da
via de acesso de
Cincinnati
segmentada na
região lateral do
pé
Fig. 1 – Aspecto da via de acesso de Cincinnati segmentada na região medial e posterior do pé
Incisão clássica da técnica de Codivilla. A pele e o tecido
subcutâneo são dissecados em plano único; segue-se a identificação e o isolamento do feixe vasculonervoso. Faz-se a
identificação, o isolamento e o alongamento em “Z” dos tendões dos músculos tibial posterior, tendão calcâneo, flexor
comum dos dedos, flexor longo do hálux, este último na região do antepé. O tendão calcâneo é alongado em “Z” desde
a transição músculo-tendínea até a inserção no calcâneo.
Continuando o procedimento cirúrgico, tenotomiza-se a
fáscia plantar, o abdutor do hálux e o plantar delgado quando
presente. O tendão do músculo tibial anterior foi seccionado, apenas, a sua inserção medial na base do primeiro metatarsiano. Desfaz-se o vínculo fibroso existente entre o tendão do músculo flexor longo do hálux e flexor comum dos
dedos. Iniciam-se, então, as capsulotomias na seguinte ordem: primeiro metatarsiano com primeiro cuneiforme; primeiro cuneiforme com navicular; navicular com tálus; subtalar anterior e posterior e tibiotársica em sua região posterior. O nó de Henry e o ligamento interósseo são seccionados
totalmente, de forma rotineira. Por outro lado, libera-se somente o fascículo superficial do ligamento deltóideo, preservando o profundo. Não se utiliza nenhum método de fixação interna; na posição de correção faz-se a sutura dos tendões alongados com fio de náilon 5.0. O fechamento do tecido subcutâneo é realizado com pontos separados de categute
simples 3-0; a pele é suturada com pontos separados de náilon 5-0. Faz-se, então, enfaixamento compressivo elástico e,
em seguida, retira-se a faixa de Esmarch e confecciona-se
aparelho gessado cruropodálico, com o pé e tornozelo em
posição de função e joelho fletido em 90º.
O pós-operatório constitui-se de trocas gessadas semanais,
quando se realiza o curativo da ferida operatória. Os pontos
de sutura de pele são retirados por volta da segunda semana
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e o gesso é mantido durante três meses. A seguir, prescrevese um tutor curto de polipropileno mantendo o tornozelo em
90º por mais três meses. A partir da retirada do gesso, iniciase o tratamento fisioterápico.
B – Crianças operadas pela técnica de liberação pósteromédio-lateral (LPML) com a via de acesso de Cincinnati,
abordagem transversa segmentada (ATS)
Após a mesma rotina pré-operatória utilizada nas crianças
operadas pela técnica descrita anteriormente, inicia-se a incisão da pele na região medial do pé, ao nível da cabeça do
primeiro metatarsiano, seguindo a borda medial do pé, passa-se inferiormente ao maléolo medial dirigindo-se para a
região posterior do pé. A incisão é interrompida logo após
passar sobre o tendão calcâneo. Outra incisão é então realizada na região lateral do pé, começando à altura da articulação calcâneo-cubóide, seguindo-se pela borda lateral do pé
até 1cm posteriormente ao maléolo lateral (figs. 1 e 2). A
liberação póstero-medial das estruturas contraturadas é realizada de forma igual à descrita para as crianças operadas
pela técnica de Codivilla.
Através da incisão lateral, sob visão direta, realizam-se os
seguintes procedimentos: secção dos ligamentos fibulotalar
posterior e fibulocalcaneano; liberação da bainha dos tendões fibulares e capsulotomias laterais das articulações subtalar e calcâneo-cubóide. O ligamento fibulotalar anterior é
preservado. Os procedimentos das tenorrafias e suturas, bem
como do pós-operatório, seguiram o mesmo protocolo das
crianças operadas pela técnica descrita anteriormente.
Método de avaliação pós-operatória
As avaliações pós-operatórias foram analisadas segundo o
Sistema de Avaliação Funcional proposto por Lehman(17,19).
Esse sistema confere a cada pé examinado o máximo de 100
pontos. Avaliam-se dez parâmetros e uma nota é atribuída a
521
L.C.R. LARA & H. SODRÉ
cada um deles. A classificação final é obtida pela soma das
notas dos dez itens e os resultados serão: excelentes – de 85
a 100 pontos; bons – de 70 a 84 pontos; regulares – de 60 a
69 pontos; e ruins – abaixo de 59 pontos.
Considerando que o PTC é uma patologia que normalmente
deixa alguma seqüela, por melhor que seja seu resultado clínico, agrupamos resultados excelentes e bons como satisfatórios e os regulares e ruins como insatisfatórios.
RESULTADOS
Os resultados finais obtidos, separados de acordo com a
técnica cirúrgica empregada nos 63 pés operados, estão na
tabela 1.
Agrupamos os resultados em satisfatórios (excelentes e
bons) e insatisfatórios (regulares e ruins) na tabela 2.
Os resultados obtidos em relação às recidivas e hipercorreções de 63 PTC (46 pacientes) operados pela técnica de
LPML e de Codivilla são vistos na tabela 3.
TABELA 1
Resultados finais
Total de pontos
Codivilla
LPML
Excelente (85 a 100)
Bom (70 a 84)
Regular (60 a 69)
Ruim (< 60)
20 0(66,67%)
06 0(20,00%)
01 00(3,33%)
03 0(10,00%)
29 0(87,88%)
03 00(9,09%)
00 00(0,00%)
01 00(3,03%)
Total
30 (100,00%)
33 (100,00%)
U = 329,0; p = 0,0182*
TABELA 2
Resultados finais
Resultado
Codivilla
LPML
Satisfatório
Insatisfatório
26 0(86,67%)
04 0(13,33%)
32 0(96,97%)
01 00(3,03%)
Total
30 (100,00%)
33 (100,00%)
TABELA 3
Recidivas
Recidivas
Codivilla
LPML
Eqüinovaro-aduto
Varo-aduto
Adução
Varo do retropé
Valgo do retropé > 5º
1
4
7
3
1
1
2
0
0
4
522
Complicações
Tivemos em cinco pés deiscência superficial da sutura operatória, que evoluiu para infecção superficial da pele. Não
registramos presença de infecção profunda da pele em nenhum dos casos por nós operados.
A cicatrização hipertrófica da sutura de pele foi encontrada em três pés operados pela técnica de Codivilla e em um
pé pela técnica de LPML.
Outra importante complicação foi a secção iatrogênica dos
tendões fibulares, utilizando a técnica de Codivilla. O paciente foi reoperado, sendo realizada a tenorrafia; contudo, o
resultado final da avaliação desse pé foi ruim.
DISCUSSÃO
A correção das deformidades do PTC em um único ato
cirúrgico, como foi proposto inicialmente por Codivilla(8), é
defendida por inúmeros autores(10,16,21,23,30,32,33,36,38,). Os atos
operatórios menos invasivos, tais como, alongamento do tendão calcâneo e liberações isoladas de partes moles posteriores e mediais(4,12,15), mostraram-se insuficientes quando avaliados a longo prazo, observando-se com elevada freqüência
a necessidade de nova intervenção cirúrgica complementar(38).
Hudson & Caterall(12) relataram recidiva do varismo do retropé em 32% dos casos operados e Porter(27) necessitou de
um segundo estágio cirúrgico em 53% dos seus pacientes.
Da mesma forma, Vizkelety & Szepesi(39), após revisarem
118 cirurgias, observaram que a recidiva das deformidades
seria decorrente de uma primeira cirurgia insuficiente.
A idade da criança no momento da cirurgia é motivo de
divergência entre os autores. Napoli(23) e Turco(36) indicam a
cirurgia por volta de um ano de idade; entretanto, outros autores tendem a indicá-la mais precocemente(6,7,11,13,15,33). Em
nossa experiência(16), os melhores resultados foram obtidos
nos pacientes operados abaixo do primeiro ano de vida. Dessa forma, somos favoráveis à cirurgia entre o sexto e oitavo
mês de idade.
Estávamos acostumados a realizar a cirurgia do PTC com
a criança deitada em decúbito dorsal horizontal, de modo
que nos habituamos com a anatomia das estruturas do pé
nessa posição. Ao iniciarmos a utilização da incisão de Cincinnati, com a criança deitada em decúbito ventral horizontal, tivemos certa dificuldade em identificar as estruturas
anatômicas do pé, que passaram a ser reconhecidas da região
posterior para a anterior. Somou-se a esse fato a preocupação com relação ao fechamento da sutura operatória na região posterior do pé, bem como o risco de ocorrer necrose de
pele nessa região. Esses motivos levaram-nos, então, à interRev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 7 – Julho, 1998
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rupção da via de acesso de Cincinnati na região posterior do
pé, diminuindo, assim, o risco de necrose de pele e possibilitando suturar a ferida operatória sem tensão, com o pé na
posição de correção e o tornozelo em 90º. Assim, dessa maneira, voltamos a realizar a cirurgia com a criança deitada
em decúbito dorsal horizontal. A utilização da via de acesso
de Cincinnati (ATS) gera uma incisão menor, mais estética,
não necessita isolar o nervo sural e permite visão direta das
estruturas mediais, posteriores e laterais do pé(9,21,31,32,40).
O ligamento deltóide é preservado; não participamos da
opinião de Yngve(41), que o secciona sistematicamente. Entendemos, em concordância com Sodré(34), que sua liberação
poderá levar a hipercorreção do retropé em valgo. A secção
do ligamento fíbulo-calcaneano é outro passo importante na
correção do eqüinismo do pé, e a indicamos em todos os
casos(3,5,7,9,22,31,33). Nesse particular, a incisão de Cincinnati
permite visão direta dessa estrutura, facilitando sua abordagem(9,22,31,32,40). Indicamos a secção do ligamento interósseo
talocalcaneano em todos os casos de ambas as técnicas cirúrgicas utilizadas(3,21,23,29,30), e não observamos que esse procedimento ocasione hipercorreção do retropé, como notaram
outros autores(1,4,25,36). O ligamento fibulotalar anterior sempre foi preservado, por entendermos que sua secção possa
levar à hipercorreção do retropé, uma vez que os ligamentos
fibulotalar posterior, fibulocalcaneano e interósseo já foram
seccionados. Ressaltamos a importância de corrigir a subluxação calcâneo-cubóide para melhor mobilização do retropé, diminuindo assim a recidiva da deformidade em adução(7,
18,25,33,37,).
Quanto aos resultados finais dos pés tortos operados, os
resultados excelentes ocorreram em maior número nas crianças em que utilizamos a técnica de LPML. Porém, quando
avaliamos os resultados em satisfatórios e insatisfatórios, não
houve diferença entre as duas técnicas empregadas.
A deformidade residual mais freqüente entre os pacientes
por nós estudados foi a adução do antepé(6,16,24,35,), que se
mostrou significantemente maior no grupo de crianças submetidas à técnica de Codivilla, quando comparada com aquelas pela técnica de LPML.
Os resultados finais das duas técnicas empregadas, quando analisados em função da idade do paciente no momento
da cirurgia, não apresentaram diferenças significativas. Entretanto, a maioria dos trabalhos consultados mostra melhores resultados nas crianças operadas abaixo do primeiro ano
de vida(3,6,7,13,15,16,26,33).
Finalizando, gostaríamos de lembrar as palavras de E.H.
Bradford (1889)*, que ainda hoje são verdadeiras:
Rev Bras Ortop _ Vol. 33, Nº 7 – Julho, 1998
“A literatura sobre o pé torto eqüinovaro congênito é, de
maneira geral, repleta de sucessos invariáveis. É brilhante
como uma folha de propaganda e, entretanto, na prática não
há falta de casos parcialmente corrigidos ou recidivados,
evidência suficiente de que os métodos de cura não são totalmente conhecidos.”
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