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VETERINARY
A revista internacional para o Médico Veterinário de animais de companhia
Medicina
felina
• Lesões reabsortivas odontoclásticas felinas: a compreensão é a chave para um bom diagnóstico •
Pancreatite felina • Doença inflamatória intestinal idiopática felina • Causas infecciosas de anemia em gatos
• Como tratar... Colangite felina • RSS é melhor indicador de dissolução de estruvita que o pH urinário
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O conhecimento científico
é feito para ser partilhado
O grande objetivo
dos pesquisadores que
trabalham para a Royal
Canin é compartilhar nosso
conhecimento com os
nossos colegas da
comunidade veterinária,
através de variados
artigos e livros.
Recebemos com agrado quaisquer artigos, idéias e sugestões para tópicos e autores, os quais devem ser endereçados ao editor. A “Veterinary Focus” está protegida por todos os direitos de autorais. Nenhuma parte desta publicação pode
ser reproduzida, copiada ou transmitida sob qualquer forma ou meio (incluindo meios gráficos, electrônicos ou mecânicos) sem o consentimento escrito dos editores. © Aniwa S.A.S. 2009. Os nomes comerciais (marcas registadas) não
foram especialmente identificados. No entanto, a omissão de tal informação não significa que são nomes sem registo nem que podem ser usados livremente. Os editores não se responsabilizam pela informação fornecida sobre doses e
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qualquer responsabilidade pela veracidade dos ar tigos originais, e, por isso, não serão aceitas queixas de alegada negligência profissional. As opiniões expressas pelos autores ou colaboradores não refletem necessariamente as opiniões
dos editores, da redação ou dos consultores editoriais.
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SUMÁRIO
© Jane Sykes
VETERINARY
# 19.2
2009 - 10$/10€
A revista internacional para o Médico Veterinário de animais de companhia
A Veterinary Focus é publicada em inglês, francês, alemão, chinês, italiano, polonês, português,
espanhol, japonês, grego e russo.
Illustração da capa: Citologia de um aspirado da medula óssea
Lesões reabsortivas odontoclásticas felinas: a compreensão
é a chave para um bom diagnóstico
p. 02
Nicolas Girard
Pancreatite felina
p. 11
Panagiotis Xenoulis e Jörg Steiner
Doença inflamatória intestinal idiopática felina
p. 20
Dionne Ferguson e Frédéric Gaschen
Causas infecciosas de anemia em gatos
p. 31
Jane Sykes
Como tratar... Colangite felina
p. 41
RSS é melhor indicador de dissolução de estruvita que o pH urinário
p. 47
Allison German
Ingrid van Hoek, Elise Malandain, Capucine Tournier, et al.
ALEMANHA ARGENTINA AUSTRÁLIA ÁUSTRIA BAHREIN BÉLGICA BRASIL CANADÁ CHINA CHIPRE COREIA CROÁCIA DINAMARCA EMIRADOS ÁRABES UNIDOS ESLOVÉNIA ESPANHA ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA ESTÓNIA FILIPINAS FINLÂNDIA FRANÇA GRÉCIA
HOLANDA HONG-KONG HUNGRIA IRLANDA ISLÂNDIA ISRAEL ITÁLIA JAPÃO LETÓNIA LITUÂNIA MALTA MÉXICO NORUEGA NOVA ZELÂNDIA POLÓNIA PORTO RICO PORTUGAL REINO UNIDO REPÚBLICA CHECA REPÚBLICA DA ÁFRICA DO SUL REPÚBLICA
ESLOVACA ROMÉNIA RÚSSIA SINGAPURA SUÉCIA SUIÇA TAILÂNDIA TAIWAN TURQUIA
AGRADECIMENTOS: A ROYAL CANIN DO BRASIL AGRADECE A PROFA. DRA. HELOÍSA JUSTEN PELA COLABORAÇÃO
NA REVISÃO DESTA EDIÇÃO DA REVISTA VETERINARY FOCUS.
Veterinary Focus, Vol 19 n° 2 - 2009
Descubra os volumes mais recentes da Veterinary Focus no site IVIS: www.ivis.org
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ACVIM, Dipl. ACVN Comunicações Científicas,
Royal Canin, EUA
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Comunicações Científicas, Royal Canin, França
• Drª Pauline Devlin, BSc, PhD, DiretoraAssistente Veterinária, Royal Canin, RU
• Drª Franziska Conrad, DVM, Comunicações
Científicas, Royal Canin, Alemanha
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Comunicações Científicas, Royal Canin,
Argentina
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• Prof. Dr. R. Moraillon, DVM (Francês)
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• Dr. Ben Albalas, DVM (Grego)
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Publicado por Aniwa S. A. S.
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As autorizações de comercialização dos agentes terapêuticos para uso em animais de companhia variam muito a nível mundial. Na ausência de uma licença
específica, deve ser considerada a publicação de um aviso de prevenção adequado, antes da administração de tais fármacos.
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Lesões reabsortivas
odontoclásticas felinas:
a compreensão é a
chave para um
bom diagnóstico
Nicolas Girard, DVM
Veterinary Referral Clinic, La Gaude, França
O Dr. Nicolas Girard é formado pela Escola Nacional
Veterinária de Toulouse, em 1987. Exerceu clínica de
pequenos animais durante 12 anos e atualmente
dedica-se exclusivamente à odontologia veterinária no
Sudeste da França.
PONTOS-CHAVE
➧ A reabsorção dentária é muito frequente nos gatos
domésticos;
➧ Este tipo de lesão está frequentemente associada a dor
facial;
➧ A etiologia destas lesões permanece desconhecida;
➧ O tratamento suporte raramente é suficiente;
➧ A maioria dos casos requer monitoramento radiográfico
a longo prazo;
➧ O tratamento de eleição continua sendo a extração
cirúrgica.
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Introdução
A reabsorção dentária envolve a perda progressiva de
substância dentária. Durante muitos anos, estas lesões
eram referidas como "lesões reabsortivas odontoclásticas
felinas" de acordo com a observação da ação clástica de
células multinucleadas (1,2,3). Atualmente, é preferível
o termo simplificado "reabsorção dentária" (4). No
entanto, não postula a possível etiologia ou o processo
patogênico e apenas especifica a origem dentária do
processo de reabsorção.
As lesões de reabsorção num único dente são observadas tanto nos humanos como nos cães; contudo,
raramente são observadas formas múltiplas que envolvam diversos dentes. Nos humanos, estão associadas
a uma sequela inflamatória de periodontite ou ao
estresse mecânico do ligamento periodontal (ex.
tratamento ortodôntico ou trauma dentário).
A prevalência da reabsorção dentária foi descrita
como sendo de 28 a 67% em diferentes populações de
gatos domésticos (5,6). Esta variação reflete as diferentes populações escolhidas para o estudo (consultas
odontológicas de referência, clientes de primeira
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consulta odontológica ou população saudável) e os
métodos de diagnóstico utilizados (exame clínico +/exame radiográfico).
Dois estudos recentes, utilizando os exames clínicos
e radiográficos de populações felinas "saudáveis",
demonstraram uma prevalência de 30% (7,8). Em gatos,
a reabsorção dentária é diagnosticada sob múltiplas
formas e o número de dentes afetados é influenciado
pela idade do animal. Apesar do progresso indiscutível
quanto à descrição da patogênese e prevalência desta
condição, ainda não foi determinada a etiologia
precisa, de modo a explicar a prevalência
excepcionalmente elevada da reabsorção dentária
nos gatos.
Patogênese
As reabsorções dentárias desenvolvem-se a partir de
origem interna (da polpa para o cemento), ou de
origem externa (do cemento para a polpa). O
estímulo das células odontoclásticas que participam
no processo reabsortivo é influenciado por condições
que podem ou não estar relacionadas com a
inflamação tecidual. As recomendações na
odontologia humana enfatizam a função essencial do
cemento radicular e do ligamento periodontal, o que
foi confirmado em dois estudos histológicos
veterinários recentes (9,10).
Foram definidos três grupos de lesões reabsortivas
dentárias (11,12):
1) relacionada à lesão mecânica no ligamento
periodontal (infra-oclusão, trauma dentário
crônico), em que a causa é considerada "nãoinflamatória": reabsorção da superfície, anquilose
dento-alveolar, reabsorção por substituição;
2) relacionada à lesão da polpa (pulpite), em que a
origem é considerada "inflamatória": periodontite
apical, reabsorções inflamatórias da raiz;
3) relacionada à lesão do ligamento periodontal
devido a infecção (periodontite crônica), em que a
origem é considerada "inflamatória": reabsorção
cervical da raiz.
Atualmente, na odontologia veterinária, estas condições são todas agrupadas num só termo: "reabsorção
dentária" (4).
A maioria das lesões de reabsorção felina são descritas como lesões dentárias externas (3,13,14). A
atividade clástica das células multinucleadas
(odontoclastos) é observada localmente em volta da
superfície da raiz (1). O tecido dentário reabsorvido é
depois gradualmente substituído por cemento ou
tecido ósseo renovado. As lesões reabsortivas
odontoclásticas felinas começam no cemento da raiz e
desenvolvem-se, subsequentemente, através da
dentina e/ou coroa do dente. O osso alveolar local e o
ligamento periodontal adjacente estão igualmente
envolvidos no processo reabsortivo (2,3). O canal
radicular encontra-se envolvido apenas numa fase
avançada do processo, sendo por isso sinônimo de
lesão reabsortiva externa e interna.
A polpa é, deste modo, raramente afetada por inflamação, apesar de nas fases mais avançadas do processo
ter sido descrita uma fase degenerativa (2,13). O esmalte
da coroa sofre reabsorção odontoclástica ao longo do
tempo ou, mais frequentemente, é debilitado pela perda
da dentina subjacente e sofre fratura, formando
cavidade dentária clinicamente aparente. A cavidade
é geralmente obscurecida por um tecido de granulação reativo, inflamatório, de cor vermelho brilhante.
Uma fratura por "fadiga" pode, eventualmente, resultar
na perda da coroa, conduzindo à exposição da gengiva
(com graus variáveis de inflamação) e dos restantes
fragmentos da raiz que continua a sofrer reabsorção.
O processo apenas termina verdadeiramente quando
o tecido dentário desaparece por completo.
O exame histológico revela processos alternados de
reabsorção dentária e/ou aposição de cemento:
• fase aguda (reabsorção da superfície);
• fase crônica (reabsorção da dentina e reparação por
aposição de cemento ou tecido ósseo novo);
• fase quiescente (reparação através de aposição de
cemento ou tecido ósseo novo).
De um modo geral, as reabsorções dentárias surgem
na face bucal da coroa. Cerca de 70% das reabsorções
dentárias descritas estão associadas a um processo
inflamatório e 30% mostra sinais de reparação (3,5,13).
As recomendações veterinárias atuais (4) não propõem a classificação das lesões reabsortivas com base
em um critério em particular. No entanto, a avaliação
radiográfica foi proposta como sendo de boa ajuda no
diagnóstico e terapêutica. De acordo com os autores,
a classificação radiográfica permite um tratamento
cirúrgico mais conservador no caso de lesões de
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b
a
Figura 1.
a: Periodontite crônica, localizada e severa na raiz distal do molar mandibular.
b: Reabsorção do Tipo 1, osteólise severa do osso alveolar.
reabsortivas de Tipo 2, sob a forma de amputação
sub-gengival. Esta classificação é baseada nos sinais
radiográficos (15):
• Tipo 1. Radiodensidade similar às raízes dentárias
subjacentes (Figura 1) e aparência normal do
espaço do ligamento periodontal (lâmina dura);
• Tipo 2. Ausência do ligamento periodontal ou da
lâmina dura e a radiodensidade da raiz afetada é
semelhante à do osso alveolar, ou radioluscente quando
comparada com as raízes adjacentes (remodelação
óssea) (Figura 2).
Etiologia
A etiologia exata da reabsorção dentária é desconhecida e permanece objeto de debate e de pesquisa.
A suspeita contribuição do estresse mecânico
associado à mastigação e da inflamação crônica
associada à doença periodontal foi evidenciada em
vários estudos histológicos (9,10), radiográficos (15)
e em estudo clínico recente (8). Foi proposto o excesso
de suplementação de vitamina D nos alimentos comerciais para gatos (16) como um cofator, no entanto
permanece alvo de controvérsia (17,18). Devem ainda
ser esclarecidas as funções exatas das estruturas
dentárias histológicas específicas do gato (vasodentina,
osteodentina). Foi proposta a existência de interações entre as vias metabólicas do cálcio e as reabsorções
dentárias (2).
Na odontologia humana, sabe-se que a reabsorção
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dentária externa está associada a:
• processo inflamatório crônico adjacente a um cisto
ou a um tumor benigno ou maligno;
• eventuais consequências de trauma dentário (mecânico ou de oclusão) ou desvio dentário ortodôntico.
As lesões são descritas com base na presença ou
ausência de processo inflamatório. As reabsorções de
superfície, a anquilose dento-alveolar e as lesões de
substituição são consideradas como o resultado de
trauma dentário e são descritas como não-inflamatórias. Contrariamente, a reabsorção apical e a periodontite peri-radicular resultam de lesões da polpa e
são qualificadas como reabsorções inflamatórias
(reabsorção inflamatória da raiz). A reabsorção da
raiz do colo do dente é, com frequência, confundida
com a reabsorção inflamatória da raiz. Estas lesões
são consideradas inflamatórias porque estão
associadas a lesão inflamatória do ligamento epitelial
(ex. na doença periodontal) (11,12).
Alguns autores consideram que a elevada prevalência
das reabsorções dentárias múltiplas no gato são
indicador de uma eventual origem metabólica, enquanto
outros a encaram como um sinal de fatores dietéticos
ou biomecânicos e que estão insuficientemente
estudados.
O argumento biomecânico
Um estudo analisou uma população de gatos alimentados exclusivamente com alimento seco. A prevalência
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LESÕES REABSORTIVAS ODONTOCLÁSTICAS FELINAS: A COMPREENSÃO É A CHAVE PARA UM BOM DIAGNÓSTICO
b
a
Figura 2.
a e b: Ausência do pré-molar mandibular direito. Notar a distorção gengival ("expansão alveolar óssea"). O exame radiográfico (b)
mostra a reabsorção dentária de Tipo 2 no terceiro pré-molar. A coroa sofreu fratura após a perda de suporte mecânico.
c e d: Terceiro pré-molar mandibular esquerdo do mesmo gato. Notar o tecido de granulação cobrindo a reabsorção na coroa. O exame
radiográfico (d) demonstra reabsorção dentária de Tipo 2.
c
dos diferentes tipos de reabsorções dentárias divergiu
significativamente de acordo com a sua localização
(8). Na população de estudo de gatos domésticos, as
lesões de Tipo 1 foram mais frequentes ao redor do
dente carniceiro, enquanto que as lesões do Tipo 2
prevaleceram em volta do terceiro pré-molar. Na
população de gatos de raça, foi revelada uma
diferença significativa nos incisivos (reabsorção
dentária do Tipo 2) e nos dentes carniceiros inferiores
(reabsorções dentárias de Tipo 1). A distribuição das
reabsorções dentárias foi desigual e dependente do
tipo radiográfico. Estas evidências corroboram a
hipótese que existem, provavelmente, diversas
etiologias diferentes de reabsorção dentária felina.
Além disso, uma análise detalhada de 14 critérios
clínicos e radiográficos associados à doença periodontal revelou a existência de forte associação com as
d
reabsorções dentárias (18). Estaticamente, as
reabsorções do Tipo1 e do Tipo 2 parecem ser dois
fenômenos diferentes sem qualquer critério associado.
As reabsorções dentárias de Tipo 1 foram associadas
de modo significativo a oito das variáveis
periodontais estudadas e, por isso, fortemente
associadas à doença periodontal. As reabsorções
dentárias de Tipo 2 foram correlacionadas com
apenas dois dos parâmetros periodontais estudados e,
por isso, fracamente associadas à doença periodontal.
A idade surgiu como um fator fortemente associado à
presença de reabsorção dentária do Tipo 2 e
fracamente associado a reabsorção dentária de Tipo
1. Todas estas observações sugerem que as
reabsorções dentárias de Tipo 1 são menos sensíveis
ao fator idade que à sua suposta ligação com a
progressão da doença periodontal (Figura 3).
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a
b
Figura 3.
a e b: Exame radiográfico do gato da Figura 2 apresentando uma anquilose radicular discreta e sinais precoces de reabsorção
dentária observados no dente canino maxilar.
c e d: Monitoramento radiográfica do gato da Figura 2, 4 anos depois. O exame radiográfico demonstra um processo reabsortivo
aparente no terceiro pré-molar mandibular e nos terceiros incisivos e caninos maxilares.
c
Outro estudo avaliou amostras post mortem de uma
população de gatos selvagens com acesso exclusivo
a uma dieta baseada em aves marinhas (gatos de
Marion Island). A prevalência da reabsorção dentária
foi elevada (14,3%) apesar de se tratar de indivíduos
jovens (3 anos). A prevalência calculada das lesões
moderadas e/ou avançadas associadas ao desenvolvimento de inflamação periodontal nesta população
foi de 62%. O autor analisou isto como uma
consequência do estresse mastigatório específico
associado à dieta destes gatos e sugeriu a hipótese da
possível associação entre a reabsorção dentária e as
lesões inflamatórias periodontais e/ou estresse
mecânico específico (19).
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d
Os resultados de estudos recentes reforçam as conclusões de outros dois estudos conduzidos em serviços
odontológicos especializados. A análise das reabsorções dentárias na população de gatos tratados no
departamento de odontologia da Universidade da
Califórnia, Davis, EUA, revelou a existência da
associação entre a reabsorção dentária e a presença
de perda óssea vertical localizada severa (20). Num
estudo retrospectivo conduzido num centro de referência odontológico, as lesões do Tipo 1 foram
associadas à inflamação de origem periodontal com
uma frequência oito vezes superior à verificada para
as lesões do Tipo 2 (15).
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LESÕES REABSORTIVAS ODONTOCLÁSTICAS FELINAS: A COMPREENSÃO É A CHAVE PARA UM BOM DIAGNÓSTICO
Particularidades metabólicas
Os gatos são incapazes de sintetizar vitamina D na
pele e a maioria das suas necessidades é fornecida pela
dieta, através da absorção no sistema digestório.
Alguns autores sugerem que a suplementação com
Vitamina D das dietas comerciais para gatos contribui
para intoxicação crônica com efeitos nocivos,
promovendo o desenvolvimento da reabsorção,
enquanto altera o metabolismo do osso alveolar e a
integridade histológica do ligamento periodontal. No
entanto, a vitamina D é de difícil análise e os valores
encontrados devem ser interpretados com precaução.
Além disso, as informações por parte da indústria de
nutrição animal nem sempre estão disponíveis, uma
vez que a vitamina D não constitui análise de rotina e,
por isso, tanto os níveis de deficiência como os de
excesso devem ser verificados (21).
Um estudo com 182 gatos selecionados para
tratamento dentário especializado demonstrou a
existência de maior concentração de vitamina D
(112,4 +/- 41,1nmol/l) nos gatos com reabsorção
dentária que nos gatos sem lesões (89,8 +/33,4nmol/l). Não foi encontrada nenhuma diferença
nos seus níveis de PTH e de fT4 (tiroxina felina), no
entanto, a densidade específica urinária foi inferior e
as concentrações de uréia foram superiores nos gatos
com lesões reabsortivas. O autor reforçou, também,
que os níveis calculados de vitamina D estavam dentro
do intervalo de limites normais (16).
Contudo, dois outros estudos descreveram resultados
contraditórios. Um estudo em 30 gatos, com e sem
reabsorção dentária, demonstrou menores concentrações de vitamina D no grupo com reabsorção
dentária (139 +/- 8,3nmol/l) que no grupo sem
reabsorção dentária (157 +/- 8,9nmol/l). Não foram
en-contradas diferenças significativas para os níveis
de Ca, P, PTH e Ca ionizado (17).
Um estudo com 64 gatos alimentados exclusivamente
com dieta contendo vitamina D num teor entre 1000 e
1500UI/kg demonstrou menor concentração de
vitamina D (164 +/- 78,8nmol/l) em gatos com, pelo
menos, uma lesão reabsortiva que nos gatos sem
qualquer lesão (226,8 +/- 88,2nmol/L) (22).
Aspectos clínicos
Dor
A dor é muito difícil de ser avaliada com rigor nos
animais. A dor de origem facial e bucal, agrupada sob
o termo único de "dor facial", é difícil de avaliar na
prática na rotina clínica. Os sintomas incluem
alterações comportamentais, astenia parcial e postura
alterada da cabeça e do pescoço, ligeira redução do
apetite e alteração da posição de decúbito (preferem
ficar enrolados). Em muitos casos, os clientes só
percebem a dor facial do gato quando o tratamento
dentário provoca uma alteração significativa do
comportamento do animal.
A reabsorção dentária está frequentemente associada
a dor facial, embora não em exclusivo; os sinais
clínicos ou radiográficos de inflamação do osso
alveolar ou do tecido periodontal constituem outro
fator determinante. Inicialmente, deve ser feita a
distinção entre a extensão supragengival e estritamente subgengival da lesão. A dor originada por
estimulação tátil é sempre observada nos casos de
reabsorção dentária supragengival. Está associada a
inflamação periodontal e/ou formação de tecido de
granulação inflamatório sobre a lesão (reabsoção
dentária Tipo 1 e reabsorção dentária Tipo 2 com
lesão supragengival).
Em contraste, o desenvolvimento de lesões de
reabsorção subgengival não está associado a inflamação periodontal e a presença de dor é difícil de
quantificar com exatidão. Além disso, a extensão do
processo de reabsorção no canal radicular ocorre na
fase avançada da doença e a resposta inflamatória da
polpa foi descrita histologicamente apresentando-se
mais como um fenômeno degenerativo que propriamente segundo um modelo de pulpite inflamatória.
Deste modo, estas evidências sugerem que a dor na
presença de lesões subgengivais é um evento terminal. Mesmo assim, os sinais radiográficos de lesões
reabsortivas extensas associados à reabsorção interna
inflamatória e/ou a uma resposta óssea periférica
inflamatória devem alertar o clínico para uma
possível componente de dor.
Diagnóstico
A reabsorção dentária pode ser diagnosticada através
de uma combinação de:
• exame clínico visual;
• exame odontológico tátil, utilizando um explorador
dentário;
• exame radiográfico.
O exame clínico visual e o exame tátil identificam
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lesões num estado clínico avançado, como quando o
processo invadiu a coroa e resultou na formação de
cavidade. O exame radiográfico revela lesões que
envolvem a superfície do dente em contato com o osso
alveolar e que podem passar despercebidas no exame
clínico. A radiografia constitui o único meio de
avaliação das lesões radiculares que são apresentadas
em 80% dos casos (6,7,8,23). O exame radiográfico
complementa o diagnóstico clínico em 55 a 85% dos
casos, enquanto que o exame clínico apenas
complementa o exame radiográfico em 3 a 7% dos
casos (8,20). A radiografia intra-oral é, por isso,
essencial para o diagnóstico de reabsorção dentária
felina. Justifica-se a recomendação de avaliação
radiográfica completa para cada gato levado para
tratamento odontológico e, sobretudo, para todos os
gatos que apresentem lesão de reabsorção dentária
clinicamente aparente ou com sinais avançados de
inflamação periodontal (Figura 4).
Tratamento
Atualmente, não existe tratamento odontológico
conservador satisfatório para esta condição. Na
verdade, a idéia de que estas lesões podem ser
tratadas da mesma forma que uma cárie dentária não
foi ainda abandonada. Estudos retrospectivos sobre
tratamentos conservadores demonstraram todos resultados bastante desencorajadores. A etiologia exata da
reabsorção dentária felina é ainda desconhecida. A
maioria das lesões desenvolve-se abaixo do nível do
cume alveolar, sendo assim inacessível para a
cirurgia. O tratamento proposto depende do
diagnóstico da lesão, incluindo a avaliação do estado
inflamatório dos tecidos circundantes, tendo como
objetivo o controle de qualquer dor facial.
cirúrgica, de modo a esclarecer a natureza das lesões e
especialmente o risco de anquilose radicular. Embora
se julgue necessária, a destruição excessiva de osso,
como forma de atingir este objetivo não é correta. A
técnica utilizada requer um bom domínio de todas as
etapas, comum a todas as extrações cirúrgicas, e deve
ser o menos traumático possível. Permite a resolução
completa da dor e da infecção associada enquanto
conserva os tecidos circundantes.
A amputação da coroa é uma alternativa possível
utilizada por veterinários para lesões do Tipo 2
associadas ao remodelamento ósseo significativo. O
seu objetivo é evitar a indesejada destruição excessiva
de tecido durante a cirurgia (15). No entanto, esta
técnica requer um monitoramento radiográfico
contínuo das lesões, de modo a confirmar a ausência
de inflamação associada à evolução de um processo
de reabsorção. Esta técnica constitui alternativa
cirúrgica menos traumática e mais rápida. A sutura
gengival intencional dos remanescentes radiculares
torna a cirurgia mais segura e evita complicações
futuras. É importante que as indicações para este tipo
de cirurgia devam ser totalmente compreendidas,
bem como a necessidade de monitoramento do
paciente a médio prazo deve ser aceita e respeitada.
Estes dois pontos limitam inegavelmente a sua
aplicação.
• as lesões dentárias reabsortivas são progressivas;
• a causa de reabsorção dentária é desconhecida;
• a incidência de dor é, provavelmente, subestimada;
• é difícil garantir o acompanhamento clínico do
animal a médio prazo.
Atualmente, os tratamentos conservadores são vistos
segundo uma perspectiva diferente em relação aos
tratamentos de restauração realizados no passado. As
lesões eletivas a este tipo de tratamento são lesões de
reabsorção supragengivais precoces associadas a
características radiográficas de Tipo 2. Um exemplo
de caso indicado seria uma lesão discreta supragengival num dente canino, em que a avaliação
radiográfica dentária não revelasse qualquer extensão
significativa para a raiz. Uma abordagem conservadora
está igualmente recomendada para as lesões de Tipo
2 sem qualquer envolvimento supragengival, em que
a avaliação radiográfica não revela qualquer inflamação óssea peri-radicular e em que não há sinais de dor
ou alteração comportamental (desconforto). A abordagem conservadora implica na aceitação da avaliação radiográfica sob anestesia geral, de modo a
monitorar a progressão da reabsorção e a confirmar a
ausência de inflamação associada.
A extração cirúrgica é um procedimento que deve ser
bem planejado com avaliação radiográfica pré-
Os materiais de eleição na restauração das lesões
reabsortivas felinas são as resinas líquidas adesivas,
São propostos três tipos de tratamentos odontológicos: extração dentária, amputação da coroa e
tratamento conservador. A extração dentária é o
tratamento eletivo na maioria dos casos por quatro
razões:
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LESÕES REABSORTIVAS ODONTOCLÁSTICAS FELINAS: A COMPREENSÃO É A CHAVE PARA UM BOM DIAGNÓSTICO
a
b
Figura 4.
a: Expansão do osso alveolar em torno do dente canino maxilar e coloração vermelha puntiforme do dente canino mandibular.
b: Demonstração da reabsorção dentária utilizando um explorador dentário.
c
e
d
f
c: Radiografia maxilar que indica reabsorção dentária avançada de Tipo 2.
d: Radiografia mandibular que indica reabsorção dentária avançada de Tipo 2.
e: Extração cirúrgica do dente canino: elevação de um flap da mucosa para o acesso.
f: Sutura livre de tensão do local de extração cirúrgico.
em detrimento dos vernizes dentários (encobrimento
indireto da polpa). Estas resinas têm várias qualidades que as tornam particularmente eficazes no isolamento da parede da dentina, de modo a prevenir a
inflamação da polpa: as suas propriedades isolantes,
a sua flexibilidade e o fato de serem fáceis de se
trabalhar. A dentina é inicialmente corroída com
ácido e depois a sua superfície é lavada. É absolutamente imperativo que a superfície da dentina permaneça "úmida". Uma vez aplicada a resina, inicia-se a
polimerização utilizando-se unidade de foto-ativação.
Uma terapêutica alternativa envolve a aplicação de
cementos de ionômeros de vidro na base da cavidade,
de modo a se beneficiar de sua excelente compatibilidade mecânica com as paredes da dentina e a
melhorar a elasticidade da restauração (cemento de
ionômero de vidro Tipo 3). Os compostos de resina
são raramente adicionados a estes dois tipos de
preparação da cavidade, uma vez que as cavidades
tratadas são pequenas e este tipo de tratamento é,
geralmente, de curta duração.
Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 9
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 10
LESÕES REABSORTIVAS ODONTOCLÁSTICAS FELINAS: A COMPREENSÃO É A CHAVE PARA UM BOM DIAGNÓSTICO
Conclusão
As lesões reabsortivas felinas são comuns e a sua
elevada prevalência é ainda objeto de numerosos
estudos. Apesar de todos os verdadeiros progressos
feitos na nossa compreensão acerca da patogênese
desta condição e as várias análises descritivas que
foram publicadas, a etiologia da reabsorção dentária
felina continua por ser elucidada. Não é possível fazer
a recomendação de quaisquer medidas preventivas e
a progressão das lesões parece inevitável. O número
de lesões por gato é frequentemente elevado e, via de
regra é observada a dor como sinal clínico, sendo
apenas evidente após o tratamento cirúrgico. O seu
diagnóstico requer a realização de radiografias
dentárias sistemáticas, uma vez que a grande maioria
das lesões se localiza na raiz e a extensão da
inflamação associada determinará o tipo de
tratamento e indicará o papel das lesões na gênese de
qualquer grau de dor. A extração cirúrgica permanece
atualmente como o tratamento de eleição.
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RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 11
Pancreatite felina
Panagiotis Xenoulis, DVM, Dr.med.vet.
Laboratório Gastrintestinal, Departamento de
Ciências Clínicas de Pequenos Animais, Colégio de
Medicina Veterinária e Ciências Biomédicas,
Universidade A&M do Texas, EUA
O Dr. Xenoulis é formado pela Universidade de Thessaloniki,
na Grécia, em 2003. Em 2004, integrou o Laboratório
Gastrintestinal da Universidade A&M do Texas como
Pesquisador Assistente, onde trabalhou com pancreatite
canina e a sua associação com a hiperlipidemia. Em 2008,
completou a sua tese de doutorado em cooperação com a
Universidade Ludwig-Maximilians, de Munique, Alemanha.
Os principais interesses de pesquisa do Dr. Xenoulis
incluem diferentes aspectos da gastroenterologia veterinária
e comparativa, particularmente a pancreatite felina e
canina, a microflora gastrintestinal e as doenças infecciosas e
parasitárias do trato gastrintestinal de cães e de gatos.
Introdução
Outrora considerada como rara, a pancreatite tem
emergido recentemente como uma doença comum e
clinicamente importante em gatos. É, de longe, a
doença do pâncreas exócrino mais frequente nos gatos,
e acredita-se que conduza a morbidade e morta-
Jörg Steiner, DVM,
PhD, DACVIM, DECVIM-CA
Laboratório Gastrintestinal, Departamento de
Ciências Clínicas de Pequenos Animais, Colégio de
Medicina Veterinária e Ciências Biomédicas,
Universidade A&M do Texas, EUA
O Dr. Steiner é Médico Veterinário formado pela
Universidade Ludwig-Maximilians, em Munique,
Alemanha. Completou internato na Universidade da
Pensilvânia e residência na Universidade de Purdue. Em
1996, obteve o certificado dos Colégios Americano e
Europeu de Medicina Interna Veterinária. Em 2000, o
Dr. Steiner finalizou o seu Doutorado na Universidade
A&M do Texas onde é atualmente Professor Associado de
Medicina Interna de Pequenos Animais e Diretor do
Laboratório GI.
lidade significativas se não for abordada de modo
apropriado (1). Apesar deste fato, pouco se conhece
sobre a etiologia e a patofisiologia desta afecção, o seu
diagnóstico permanece frequentemente um desafio e o
seu tratamento baseia-se principalmente em medidas
de suporte.
PONTOS-CHAVE
➧ A pancreatite é uma doença frequente e clinicamente
importante para gatos;
➧ Os sinais clínicos mais frequentes nos gatos com
pancreatite são anorexia e letargia. A sintomatologia
gastrintestinal, como vômito e diarréia ocorre com menor
frequência. Os gatos com pancreatite severa podem
apresentar-se criticamente doentes;
➧ O teste da imunorreatividade da lipase pancreática felina
(fPLI – feline pancreatic lipase immunoreactivity - agora
mensurada através do teste Spec fPL - feline pancreasspecific lipase) parece ser, atualmente, o teste mais útil
para o diagnóstico ante mortem da pancreatite felina;
➧ O diagnóstico definitivo de pancreatite, bem como a
diferenciação entre pancreatite aguda e crônica, só pode
ser feito através de exame histopatológico do pâncreas;
➧ De modo ideal, o diagnóstico da pancreatite felina deve ser
feito com base numa combinação de múltiplos métodos
como a fPLI, a ultrassonografia abdominal, a citologia e/ou
histopatologia;
➧ A abordagem da pancreatite felina é baseada na
identificação dos fatores de risco, das doenças secundárias
e do tratamento sintomático e de suporte que inclui,
principalmente, fluidoterapia, manejo nutricional,
analgésicos e anti-eméticos.
Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 11
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 12
Figura 1.
Figura 2.
Aspecto histopatológico do pâncreas de um gato com
pancreatite aguda. Verificam-se áreas de infiltração de células
inflamatórias (seta) mas não existem sinais de fibrose ou de
outras alterações histológicas permanentes. Coloração de
hematoxilina e eosina; ampliação: 20X. (Cortesia do Dr. PF
Porter, Universidade A&M do Texas).
Aspecto histopatológico do pâncreas de um gato com
pancreatite crônica. Observa-se fibrose extensa (seta). Existe
igualmente infiltração linfocítica do pâncreas (seta tracejada).
Coloração de hematoxilina e eosina; ampliação: 20X. (Cortesia
do Dr. PF Porter, Universidade A&M do Texas).
Classificação e definições
A classificação da pancreatite felina não foi ainda
universalmente padronizada. Como resultado existe,
por vezes, alguma confusão no que diz respeito a
classificação e à terminologia utilizada para caracterizar esta doença. De um modo geral, a pancreatite
felina é apenas classificada em aguda ou crônica com
base nos critérios histopatológicos, dependendo da
presença (crônica) ou ausência (aguda) de alterações
histopatológicas permanentes (1-3). A forma aguda é
basicamente caracterizada pela presença de necrose
e/ou inflamação neutrofílica (supurativa) e pela
ausência de alterações histopatológicas permanentes
(Figura 1) (1-3). Alguns autores classificam ainda a
pancreatite felina em duas formas distintas, pancreatite
aguda necrosante e aguda supurativa, baseando-se na
necrose ou na infiltração neutrofílica, respectivamente,
como a característica histopatológica predominante
(4).
A pancreatite crônica é caracterizada por alterações
histopatológicas permanentes, como a fibrose e a atrofia.
Além disso, a pancreatite está frequentemente
associada a inflamação linfocítica (Figura 2) (1-3,5).
Deve-se atentar ao fato de que alguns gatos
apresentam sinais histopatológicos de pancreatite
aguda e crônica (ex., necrose e fibrose concomitante).
Alguns autores utilizam termos como pancreatite
crônica ativa ou pancreatite ‘‘aguda-em-crônica’’ para
descrever a combinação das alterações histopatológicas
observadas tanto nas alterações agudas como crônicas
nos gatos com pancreatite (6).
12 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009
Prevalência
A prevalência exata da pancreatite felina é difícil de se
determinar e varia substancialmente dependendo se a
pancreatite foi diagnosticada ante ou post mortem. As
evidências clínicas sugerem que a prevalência da
pancreatite felina é de cerca de 0,6%, enquanto que os
estudos em necrópsias demonstraram uma prevalência
até 67% (3,5,7,8). É possível que os estudos clínicos
subestimem a prevalência real da pancreatite felina
devido ao habitual nível reduzido de suspeita clínica e
às limitações dos testes de diagnóstico (5,7,8). Por
outro lado, provavelmente os estudos em necrópsias
superestimam a prevalência da pancreatite felina que é
clinicamente relevante. Este fato é evidenciado por um
estudo recente em que 45% dos gatos aparentemente
saudáveis apresentavam sinais microscópicos de
pancreatite (3). Embora a prevalência real de pancreatite
em gatos não tenha sido determinada de modo conclusivo, esta afecção foi considerada como uma doença
comum e clinicamente importante nesta espécie.
A pancreatite crônica é mais frequente que a
pancreatite aguda, representando cerca de 65% a 89%
de todos os casos de pancreatite (1,3,6,8). A
pancreatite aguda verifica-se em 9% a 33% dos casos,
enquanto que a observação concomitante de ambas
as formas de pancreatite aguda e crônica no mesmo
órgão constitui 10% a 44% dos casos (1,3,6,8).
Etiologia
Ao contrário dos humanos, em que a etiologia pode
ser identificada em mais de 90% dos pacientes
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PANCREATITE FELINA
diagnosticados com pancreatite, na vasta maioria dos
gatos com pancreatite não pode ser identificada uma
causa subjacente, sendo a pancreatite nestes pacientes considerada idiopática (1,4). Os fatores que
foram associados à pancreatite nos gatos estão
resumidos na Tabela 1, mas não foi estabelecida
relação causa-efeito para a maioria deles. Vários
estudos demonstraram nos gatos a existência de
associação entre a pancreatite, a doença inflamatória
intestinal (IBD) e a doença do trato biliar (ex. colangite) (9). No entanto, continua desconhecida qual
das doenças ocorre primeiro e se existem algumas
relações de causa-efeito entre estas condições. Foram
demonstrados ou suspeitos como estando ocasionalmente associados à pancreatite felina diversos agentes
virais e parasitários (Tabela 1), mas nenhum foi
demonstrado como sendo causa importante e comum
de pancreatite nos gatos (6,10-13). Outras causas
evidenciadas ou suspeitadas de pancreatite felina, e
que são igualmente identificadas num reduzido
número de gatos com pancreatite, incluem o trauma
abdominal (atropelamentos ou quedas - síndrome do
gato ‘’para-quedista’’), a isquemia (ex. hipotensão), a
hipercalcemia aguda, a intoxicação por
organofosforados (fentião), as substâncias farmacológicas, os tumores pancreáticos e a obstrução do ducto
pancreático (ex. neoplasia). Existem também algumas
descrições pouco difundidas de que as dietas com
elevado teor em gordura podem estar associadas à
pancreatite em gatos.
Patogênese e patofisiologia
Independentemente da etiologia, parece existir uma
via patogênica comum para a maioria dos casos de
pancreatite. Os acontecimentos iniciais que conduzem
à pancreatite ocorrem na célula acinar e parecem
estar relacionados com alterações na concentração do
cálcio ionizado livre no citosol ([Ca2+]i). Vários
estímulos ofensivos podem causar a disrupção do
[Ca2+]i normal – sinalização dependente, que leva à
diminuição da secreção pancreática. Como consequência, os grânulos de zimogênio, que contêm enzimas
pancreáticas inativadas, acumulam-se nos ácinos e,
por fim, fundem-se com os lisossomos. Isto provoca
ativação prematura dos zimogênios pelas enzimas
lisossomais e baixo nível de pH lisossômico. A
ativação das enzimas pancreáticas provoca a autodigestão da célula acinar e a liberação das enzimas
ativadas para o tecido pancreático (causando efeitos
locais como edema, necrose celular dos ácinos, necrose
da gordura peripancreática), para a cavidade peritoneal
e também para a circulação sistêmica, contribuindo
potencialmente para os efeitos sistêmicos. Os efeitos
sistêmicos da pancreatite, como a coagulação intravascular disseminada - CID, choque e síndrome de
resposta inflamatória sistêmica, são essencialmente
devidos à secreção de citocinas e de outros mediadores inflamatórios pelos neutrófilos e pelos macrófagos ativados que invadem o pâncreas.
Diagnóstico
Etiologia
A pancreatite pode desenvolver-se em gatos de
qualquer idade, raça ou sexo, contudo em alguns
casos foi descrito um maior número de gatos idosos
(3,8,11). As raças Doméstico de Pêlo Curto e Siamês
parecem estar mais predispostas (4,11,12).
Características clínicas
Os gatos com pancreatite aguda ou crônica podem
apresentar-se com uma grande variedade de sinais
clínicos e a severidade de um episódio de pancreatite
pode variar desde clinicamente indetectável a choque
cardiovascular e falência orgânica. Não é possível
diferenciar clinicamente as duas formas de pancreatite
(5,12). Acredita-se que, com frequência, os casos
leves de pancreatite permaneçam subclínicos ou que
estejam apenas associados a sinais clínicos brandos
(3). Quando os sinais clínicos estão presentes, são
inespecíficos e podem não ser sugestivos de doença
gastrintestinal (5). Os sinais clínicos mais frequentemente relatados incluem anorexia e letargia. Outros
sinais observados incluem vômito, perda de peso e
diarréia (4,8,11-14). A dor abdominal, o principal
sinal clínico nos humanos, está presente em apenas
alguns casos. No entanto, os gatos não expressam a
dor abdominal da mesma forma evidente como os
humanos e, por isso, os autores acreditam que deve-se
assumir que todos os gatos com pancreatite possuam dor
abdominal. Os sinais clínicos mais frequentes durante
o exame físico são desidratação, palidez e icterícia,
seguidos de taquipnéia e/ou dispnéia, hipotermia
ou febre, taquicardia, dor abdominal e presença de
massa abdominal palpável (4,8,11-14). Ocasionalmente,
em gatos com pancreatite severa podem ser
observadas complicações sistêmicas severas como a
CID, tromboembolismo, choque cardiovascular e
falência orgânica.
Patologia clínica
Nos gatos com pancreatite, os resultados do hemograma e do perfil bioquímico, bem como do exame de
Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 13
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 14
Tabela 1.
Fatores de risco conhecidos ou suspeitos para a
pancreatite felina*
Doenças
concomitantes
Doença do trato biliar
(colangite, obstrução biliar)
Doença intestinal inflamatória (IBD)
Obstrução do ducto pancreático
(ex. neoplasia)
Outras condições
Isquemia
(ex.hipotensão, anestesia)
Hipercalcemia
Hipertrigliceridemia
Trauma
Trauma severo
(ex. atropelamento,queda)
regenerativa ligeira ou não-regenerativa ou hemoconcentração (6,10-12). As alterações bioquímicas mais
frequentes incluem o aumento da atividade das enzimas
hepáticas e hiperbilirrubinemia (que frequentemente,
é reflexo de uma doença hepática concomitante),
azotemia (associada a desidratação ou, menos
frequentemente, complicação da insuficiência renal),
hipercolesterolemia, hipoalbuminemia e hiperglicemia (5,6,8,11,12). Com frequência, são observadas
alterações eletrolíticas, sendo a hipocalcemia e a
hipocalemia as mais frequentes (4,6,12,15). Sobretudo
a hipocalcemia deve sempre originar a suspeita de
pancreatite nos gatos que apresentem sinais clínicos
compatíveis (15). Pode também observar-se a
ocorrência de hipocobalaminemia em alguns gatos com
pancreatite, possivelmente devida a uma possível
doença intestinal concomitante.
Trauma cirúrgico
Marcadores séricos
Drogas/Toxinas
Organofosforados
Cálcio
Outros
Agentes infecciosos
Toxoplasma gondii
Eurytrema procyonis
(parasita pancreático)
Amphimerus pseudofelineus
(parasita hepático)
Calicivírus felino (cepa virulenta)
Vírus da peritonite infecciosa felina
Panleucopenia
Herpesvírus felino
Dieta
Dietas ricas em gordura
*É importante ressaltar que para a maioria dos gatos com
pancreatite não se consegue identificar um fator de risco.
urina, são inespecíficos e, em muitos gatos com
pancreatite branda, podem estar dentro dos limites
normais. Embora as evidências destes testes não
possam confirmar ou excluir a pancreatite, são
invariavelmente úteis no diagnóstico e exclusão de
outros diagnósticos diferenciais, e na avaliação do
estado geral de saúde do paciente.
Os resultados possíveis do hemograma de gatos com
pancreatite incluem leucocitose ou leucopenia, anemia
14 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009
Imunorreatividade da lipase
pancreática (PLI – pancreatic
lipase immunoreactivity)
A PLI felina (agora mensurada pelo ensaio Spec fPL feline pancreas-specific lipase, já comercialmente
disponível em alguns países) é um imunoensaio que se
tornou disponível há relativamente pouco tempo e se
apresenta como o teste de maior utilidade para o
diagnóstico da pancreatite felina. Este ensaio
determina de modo específico a concentração de
lipase pancreática felina no soro e, por esta razão, é
específico para a doença de pâncreas exócrino. Esta é
a maior vantagem deste ensaio face aos ensaios
tradicionais e vastamente disponíveis para a lipase,
que determinam de modo indiscriminado a atividade
das lipases de qualquer origem (ex., pancreática,
gástrica, duodenal) e, assim, apresentam uma baixa
especificidade para a doença pancreática. A
especificidade do fPLI no diagnóstico da pancreatite
felina tem sido considerado como sendo superior ao
da fTLI e da ultrassonografia abdominal (13). Os
estudos conduzidos tanto na pancreatite felina
espontânea, como na experimental, demonstraram
que a fPLI é igualmente sensível para a pancreatite
(13). Considerando-se a globalidade das sensibilidades da fPLI (67%), da fTLI (28% a 33%) e da
ultrassonografia abdominal (11% a 67%), atualmente,
a concentração sérica de fPLI parece ser o teste de
maior sensibilidade para o diagnóstico da pancreatite
felina (10-14).
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 15
PANCREATITE FELINA
Figura 3.
Radiografia abdominal de um gato com pancreatite aguda.
Existe perda de detalhe do abdome cranial e evidência de
fluido abdominal. Embora estes sinais radiográficos possam
ser encontrados em alguns gatos com pancreatite, são considerados inespecíficos e podem ocorrer numa grande variedade
de outras doenças. (Cortesia do Dr. JR August, Universidade
A&M do Texas).
Imunorreatividade tipo-tripsina
(TLI - Trypsin-like immunoreactivity)
A TLI felina (fTLI) é um imunoensaio que determina o
tripsinogênio e a tripsina séricos. Embora tanto a
tripsina como o tripsinogênio sejam exclusivamente
de origem pancreática, a especificidade da fTLI para
o diagnóstico de pancreatite tem sido questionado
devido à presença de elevadas concentrações de fTLI
em gatos sem doença pancreática, mas com outras
afecções gastrintestinais (ex. IBD ou linfoma
gastrintestinal) ou com insuficiência renal (10,16).
Quando são considerados os valores limite para
permitir uma especificidade adequada da fTLI (ex.
100μg/L), a sua sensibilidade é baixa no diagnóstico
de pancreatite em gatos (28% a 33%) (10,11,13).
Atualmente, a TLI felina apresenta utilidade limitada
no diagnóstico da pancreatite em gatos.
Atividades da amilase e lipase
As atividades da amilase e lipase séricas não parecem
ter demonstrado qualquer valor para o diagnóstico da
pancreatite felina (4,7).
Imagiologia diagnóstica
Radiografia abdominal
A utilidade da radiografia abdominal no diagnóstico
da pancreatite felina é limitada. A sua maior utilidade
baseia-se na exclusão de outros diagnósticos diferenciais
nos pacientes com sinais clínicos semelhantes aos de
pancreatite. Há uma grande falta de sensibilidade das
radiografias abdominais e na grande maioria dos
casos de pancreatite as radiografias abdominais
estão normais. Nos casos em que estão presentes
sinais radiográficos, estes são inespecíficos e podem
estar associados a uma variedade de outras doenças
sistêmicas ou de doenças de órgãos abdominais. Deste
modo, o diagnóstico definitivo ou de exclusão da pancreatite não é possível com base na radiografia abdominal por si só. Assim, nos gatos com suspeita de
pancreatite, a radiografia deve ser seguida da realização
de testes mais sensíveis e específicos (1,4,11,12,17).
Os possíveis sinais clínicos radiográficos encontrados
em gatos com pancreatite são a diminuição de detalhes anatômicos e do contraste no abdome cranial,
dilatação do intestino delgado (devido à presença de
fluído/ou gás), hepatomegalia, bem como a presença
de massa abdominal cranial (Figura 3) (4,11,12,14).
Ultrassonografia abdominal
Embora a ultrassonografia abdominal seja mais útil
que a radiografia, pode ser difícil realizar o
diagnóstico de pancreatite felina com base apenas
num exame ultrassonográfico. A sensibilidade
descrita para a ultrassonografia abdominal no diagnóstico da pancreatite felina é geralmente baixa (11%
a 35%), com apenas um estudo apresentando sensibilidade de 67% (10,12-14). Deste modo, um exame
ultrassonográfico normal não exclui a pancreatite
(10,13). Além disso, a utilidade da ultrassonografia
abdominal no diagnóstico da pancreatite felina
depende, em grande escala, das capacidades técnicas
do Médico Veterinário, do equipamento utilizado e da
severidade das lesões (10,11,14).
As alterações mais significativas presentes na ultrassonografia abdominal sugestivas de pancreatite são as
alterações na ecogenicidade, incluindo hipoecogenicidade do pâncreas e hiperecogenicidade da
gordura peripancreática (Figura 4) (12,14,18).
Ocasionalmente, podem ser identificadas áreas
hiperecogênicas no pâncreas, possivelmente indicando
a presença de fibrose pancreática. Outros sinais
ultrassonográficos possíveis em gatos com pancreatite incluem efusão abdominal, aumento do pâncreas,
hepatomegalia, lesões cavitárias do pâncreas (ex.
pseudocisto) e calcificação do pâncreas (10,12,14,18). É
necessário salientar que determinadas condições
patológicas do pâncreas (ex. neoplasia, nódulos
hiperplásicos, edema devido a hipertensão portal e a
hipoalbuminemia) podem estar associadas a sinais
Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 15
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 16
Figura 4.
Imagem ultrassonográfica do pâncreas num
gato com pancreatite. O pâncreas aparece
aumentado e hipoecogênico. Estes sinais
ultrassonográficos são altamente sugestivos de
pancreatite. (Cortesia do Dr. K Ritchter,
Hospital de Especialidade Veterinária de São
Diego).
ultrassonográficos semelhantes e, em muitos casos,
estas condições podem ser difíceis de diferenciar da
pancreatite (18).
A ultrassonografia abdominal é igualmente útil na pesquisa de doenças que causem sinais clínicos semelhantes aos de pancreatite. Adicionalmente, a
aspiração por agulha fina guiada por ultrassonografia
pode ser uma ferramenta muito útil no diagnóstico de
pancreatite e algumas das suas complicações (ex.
pseudocisto e abcesso pancreáticos). A aspiração por
agulha fina guiada por ultrassonografia pode também
ser útil na abordagem de certas complicações da
pancreatite (ex. pseudocistos).
Patologia macroscópica
e histopatológica
A visualização macroscópica do pâncreas (ex. durante
laparotomia exploratória, laparoscopia ou necrópsia) pode, em alguns casos, fornecer sinais de doença de pâncreas exócrino. Nem sempre estão presentes
lesões macroscópicas sugestivas de pancreatite, especialmente em pacientes com doença branda. Embora
não estejam bem definidas nos gatos, este tipo de lesão
pode incluir necrose da gordura peripancreática,
hemorragia, congestão pancreática e presença de
superfície capsular granular opacificada (Figura 5). O
diagnóstico definitivo, assim como a diferenciação
entre a pancreatite aguda e crônica, apenas pode
ser feito através do exame histopatológico do tecido
pancreático. No entanto, a histopatologia pancreática
não é realizada com frequência na rotina clínica
porque requer procedimentos invasivos, que são dispendiosos e potencialmente perigosos em gatos que
16 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009
estejam hemodinamicamente instáveis. Além disso, as
lesões inflamatórias do pâncreas são frequentemente
localizadas, podendo ser facilmente perdidas na
histopatologia, especialmente quando apenas uma
secção foi submetida ao exame (3,4,14). Por fim, pode
igualmente representar um desafio a determinação
do significado clínico dos sinais histopatológicos,
uma vez que as lesões histopatológicas sugestivas de
pancreatite foram encontradas em 45% de gatos
saudáveis (3). Uma vez que a pancreatite nos gatos
ocorre frequentemente com doenças inflamatórias do
fígado e/ou intestino, a realização de biópsias hepáticas
e intestinais deve ser considerada nos gatos em que se
suspeite de pancreatite.
Citologia
A citologia de aspiração por agulha fina do pâncreas
pode ser realizada tanto por via percutânea guiada
por ultrassom ou durante laparotomia, e é considerada relativamente segura. Embora nenhum estudo
tenha ainda avaliado acurácia desta técnica para o
diagnóstico da pancreatite felina, a presença de
células inflamatórias é considerada específica.
Contudo, à semelhança do que sucede na histopatologia, as lesões muito localizadas podem passar
despercebidas. Deste modo, os resultados negativos não
são suficientes para excluir a pancreatite. A citologia por
aspiração por agulha fina pode também ser benéfica na
diferenciação entre a neoplasia pancreática e a
pancreatite.
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 17
PANCREATITE FELINA
Figura 5.
Aspecto macroscópico do pâncreas de um gato com
pancreatite aguda durante a necrópsia. O pâncreas (seta
branca) aparece com colorações diversas, com áreas
necróticas e edematosas. A inflamação parece estender-se
ao duodeno, o qual surge igualmente edematoso e
congestionado (seta tracejada), e ao mesentério peripancreático (necrose da gordura peripancreática; seta preta).
Estas alterações macroscópicas são altamente sugestivas
de pancreatite. (Cortesia do Dr. JR August, Universidade
A&M do Texas).
Tratamento
Tratamento da causa
Apesar de na maioria dos casos de pancreatite felina
a etiologia permanecer desconhecida, qualquer fator
etiológico ou de risco potencial deve ser investigado
e, se possível, controlado adequadamente (1) (Tabela
1).
Fluidoterapia e eletrólitos
Os gatos com pancreatite apresentam-se muitas vezes
desidratados devido à ocorrência de vômito, diarréia ou
à falta de ingestão de água. Nos casos mais graves, a
perda rápida e significativa de fluídos pode conduzir
a hipovolemia ou mesmo a choque hipovolêmico. De
modo a se manter a perfusão tecidual orgânica e a
perfusão pancreática em particular, deve ser iniciada o
mais rapidamente possível a fluidoterapia intravenosa
com fluídos cristalóides de substituição (normalmente
Ringer Lactato ou solução NaCl a 0,9%, dependendo
das anomalias eletrolíticas concomitantes). Nos
pacientes com diminuição da pressão oncótica, as
soluções colóides (ex. hetastarch) podem ser
combinadas com cristalóides. O plasma congelado e o
sangue fresco total contém inibidores da protease (ex.
α2-macroglobulina), albumina, fatores de coagulação e
antitrombóticos, e a sua utilização pode ser indicada
nos casos mais graves.
As anomalias eletrolíticas são geralmente observadas
em gatos com formas mais severas de pancreatite e,
mais frequentemente, incluem hipocalemia,
hipocalcemia, hiponatremia e/ou hipocloremia. Deste
modo, nos gatos com pancreatite os electrólitos
devem sempre ser determinados e corrigidos de modo
adequado.
Nutrição
Com base nos resultados de diversos estudos, tem
sido recentemente questionada a prática comum do
jejum total de alimentos e de água em humanos e
animais com pancreatite (1,19). As pesquisas recentes
conduzidas em humanos e em cães sugerem que os
pacientes com pancreatite, na verdade, podem se
beneficiar de um suporte nutricional antecipado,
podendo o mesmo ser válido para os gatos. De um
modo geral, os gatos com pancreatite que não
apresentem vômitos devem ser alimentados por via
oral (20). No caso dos gatos que não apresentem
vômitos mas que se encontrem anoréticos por mais de
2 a 3 dias, deve ser considerada a colocação de uma
sonda nasoesofágica, esofágica ou gástrica (20). No
caso dos pacientes que apresentem vômito devem ser
administrados anti-eméticos e restringida a
administração de alimento e de água, até se conseguir o
controle efetivo do vômito. Quando é indicada a
restrição alimentar por mais de 2 a 3 dias (incluindo o
período prévio de anorexia) devem ser iniciados métodos
alternativos de alimentação (ex. via suporte nutricional
por sonda ou via parenteral) (20). Isto é particularmente importante para prevenir o desenvolvimento
ou o agravamento da lipidose hepática (5,17,20). Nos
pacientes com vômito persistente, o método preferido
de nutrição enteral é feito através de sonda via
jejunostomia (20).
Caso a colocação de uma sonda de jejunostomia não
Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 17
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 18
seja possível devido à necessidade de recorrer a anestesia,
e por se tratar de um procedimento de caráter invasivo,
pode ser utilizada a nutrição parenteral (parcial ou
total) (20).
Terapia analgésica
Alguns estudos sugerem que a dor abdominal esteja
presente em cerca de 75% dos gatos com pancreatite
(20). No entanto, nos gatos, a dor abdominal pode ser
muito difícil de detectar clinicamente o que cria, com
frequência, a idéia que os gatos com pancreatite não
possuem dor abdominal. A dor abdominal deve ser
considerada estando presente em todos os gatos com
um episódio agudo de pancreatite, mesmo que não
seja clinicamente detectada, devendo ser iniciada a
terapia com analgésicos (5).
Os opiódes injetáveis são o elemento principal da
abordagem da dor nos gatos com pancreatite. Os
gatos com dor leve a moderada podem ser controlados de modo efetivo com buprenorfina (0,005 a
0,015mg/kg, IV ou IM, a cada 4 a 8h). Os gatos com
dor severa podem ser controlados com fentanil
(0,005-0,01mg/kg IV, IM, ou SC, a cada 2h; ou por
infusão contínua, CRI – constant rate infusion - 0,002 a
0,004mg/kg/h). Nos casos mais graves, pode-se tentar
o tratamento multimodal como a CRI (ex.
combinação de fentanil e quetamina) pois parece ser
mais eficaz que um único agente analgésico, e está
associado a menos efeitos secundários devido à menor
necessidade de dosagem de cada componente. Após a
analgesia ter sido conseguida através da utilização de
opióides injetáveis, pode recorrer-se à apresentação
transdérmica do fentanil (1/2 ou 1 adesivo inteiro de
2,5μg/h, a cada 3 a 4 dias) para fornecer analgesia a
longo prazo. Os adesivos de fentanil podem também
ser utilizados no manejo da dor dos pacientes após a
alta hospitalar. O butorfanol (0,5 a 1mg/kg, PO, TID
ou QID) ou o tramadol (4mg/kg, PO, BID) podem
também ser utilizados para o mesmo efeito.
Terapia anti-emética
O tratamento anti-emético deve ser iniciado em todos
os gatos com pancreatite que apresentem vômito. Podese utilizar os antagonistas 5-HT3 como o dolasetron
(0,6mg/kg, IV, SC ou PO, BID) ou ondansetron (0,1 a
0,2mg/kg, IV lenta, QID ou BID), ou antagonistas α2-
18 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009
adrenérgicos como a clorpromazina (0,2 a 0,5 mg/kg,
IM ou SC, TID). O maropitant, um novo fármaco antiemético que atua como um inibidor NK 1 também
parece ser altamente eficaz nos gatos e pode ser
administrado na dosagem de 0,5 a 1,0mg/kg, SID, SC.
Os antagonistas dopaminérgicos (ex., metoclopramida,
0,2 a 0,5mg/kg, IV, IM, SC ou PO, TID ou QID; ou
0,3mg/kg/h IV em taxa de infusão contínua) são
considerados menos eficazes nos gatos e podem
afetar a circulação esplênica.
Antibioterapia
De um modo geral, a utilização de antibióticos na
rotina não acrescenta benefício aos gatos com
pancreatite, embora seja ainda alvo de controvérsias.
Os antibióticos estão recomendados nos casos em que
se verifica a presença de infecções secundárias (ex.
abcesso pancreático e colangite neutrofílica), ou
quando há suspeita de infecção (ex. neutrófilos tóxicos,
febre persistente, melena). A escolha dos antibióticos
deve ser baseada em uma cultura bacteriológica ou
em um teste de sensibilidade, no entanto, a cefotaxima
(20 a 80mg/kg, IV ou IM, QID), a enrofloxacina
(5mg/kg, IM ou PO, BID), e a ampicilina sódica (10 a
20mg/kg, IV, IM ou SC, TID ou QID) constituem boas
escolhas de antibióticos pois todas penetram no
pâncreas.
Outros tratamentos
Os gatos com pancreatite linfocítica crônica ou com
IBD concomitante e/ou com colangite linfocítica
podem se beneficiar da administração de corticóides
(ex. prednisolona, 1,0 a 2,0mg/kg, PO, BID). Antes de
se iniciar a corticoterapia, o gato deve ser avaliado
cuidadosamente quanto a eventuais fatores de risco
ou condições concomitantes que possam ser
controladas. A corticoterapia deve ser efetuada sob
vigilância rigorosa e os autores sugerem a reavaliação
da concentração sérica de fPLI 10 dias após o início da
terapêutica. O tratamento deve então apenas ser
continuado se houver melhoria clínica e/ou se a
concentração sérica de fPLI diminuir. Os gatos com
pancreatite e com baixa concentração sérica de
cobalamina devem ser suplementados com cobalamina (250μg/gato, SC, por semana durante 6 semanas,
depois de 2 em 2 semanas durante 6 semanas, e por
fim, uma dose um mês depois e reavaliação um mês
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 19
PANCREATITE FELINA
após a última dose). Os gatos infectados ou com
suspeita de parasitose pancreática ou hepática devem
ser tratados com fenbendazol (30mg/kg PO, SID,
durante 6 dias consecutivos) ou praziquantel
(40mg/kg PO, SID, durante 3 dias consecutivos). O
tratamento cirúrgico é indicado nos casos em que a
pancreatite é complicada pela presença de abscessos
pancreáticos ou pseudocistos de grandes dimensões.
Adicionalmente, o tratamento cirúrgico deve ser
considerado nos casos de obstrução completa do
ducto biliar devido a pancreatite.
Prognóstico
O prognóstico é geralmente bom nos casos em que
ocorreu um único episódio de pancreatite branda e
não complicada. O prognóstico é sempre reservado
nos gatos que apresentam doença grave, episódios
agudos frequentes ou doenças secundárias. Os gatos
com pancreatite aguda nos quais se verificou
diminuição da concentração do cálcio ionizado
(<1mmol/l) ou lipidose hepática concomitante
apresentam prognóstico pobre (15,17).
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RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 20
Doença inflamatória
intestinal idiopática felina
Dionne Ferguson, DVM
Universidade de Medicina Veterinária do Estado
de Louisiana, Baton Rouge, LA, EUA
A Dra Ferguson é formada pela LSU (Louisiana State
University) em 2007. Em seguida, completou
internato de pequenos animais no Centro de
Referência Veterinária de Louisiana, uma clínica
privada em Mandeville, LA. Atualmente,
a Dra Dionne Ferguson é residente de medicina
interna de pequenos animais na LSU e completará
o seu programa em 2011.
PONTOS-CHAVE
➧ A patogênese exata da IBD felina não é conhecida,
contudo as interações anormais do sistema
imunológico com a microbiota intestinal parecem
desempenhar um papel importante;
➧ O diagnóstico de IBD implica a exclusão de doenças de
origem extra gastrintestinal (GI) que possam causar
vômito e diarréia, assim como de outras causas de
inflamação intestinal;
➧ A distinção entre a IBD e o linfoma alimentar pode ser
difícil, mesmo com a extensa utilização de testes
diagnóstico;
➧ O diagnóstico definitivo de IBD implica em
histopatologia;
➧ Os pilares da terapia da IBD baseiam-se na alteração
dietética, na modificação da microbiota intestinal e na
imunossupressão.
20 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009
Frédéric Gaschen, Dr.med.vet., Dr. habil.
DACVIM (SAIM), DECVIM-CA (IM)
Universidade de Medicina Veterinária do Estado de
Louisiana, Baton Rouge, LA, EUA
O Dr. Gaschen é formado pela Universidade de Berna, na
Suíça. Recebeu seu diploma da ACVIM em 1992 após
formação no Canadá e na Flórida. Durante 13 anos lecionou
em Berna. O Dr. Frédéric Gaschen é membro fundador do
Colégio Veterinário de Medicina Interna - Pequenos Animais.
Atualmente, é professor e chefe do Serviço de Medicina de
Pequenos Animais da Universidade do Estado de Louisiana.
Atualmente suas pesquisas tem como foco as enteropatias
crônicas de cães e gatos, bem como nas alterações da
motilidade gastrintestinal.
A
doença inflamatória intestinal (IBD) atualmente se refere a um grupo de afecções gastrintestinais idiopáticas. Este termo coletivo é
utilizado para descrever pacientes que são afetados por
sinais clínicos gastrintestinais crônicos onde verifica-se a
infiltração de células inflamatórias na mucosa intestinal,
sem ter sido demonstrada causa aparentemente conhecida
(1). As células infiltradas são, com maior frequência,
linfócitos e células plasmáticas, mas esporadicamente são
observados eosinófilos e outros leucócitos. Os sinais
clínicos associados são geralmente inespecíficos e
compatíveis com uma grande variedade de outras doenças
do trato gastrintestinal e de outros sistemas orgânicos. O
diagnóstico de IBD é feito por exclusão (1). Uma vez
descartadas certas doenças, o diagnóstico terapêutico
pode ainda ajudar a classificar a afecção (ex.
enteropatia alimentar).
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 21
Patogênese
A etiologia da IBD felina continua desconhecida. Vários
fatores de risco parecem estar implicados na patogênese da
inflamação intestinal, com base em estudos realizados em
diversos modelos em roedores e humanos com IBD. Na
última década, boa parte das pesquisas se concentraram nas interações anormais entre a microbiota intestinal
e as células do sistema imunológico inato e adquirido da
mucosa gastrintestinal. Existem alguns dados que
apontam que a existência de polimorfismos nos genes
relacionados com a resposta imunológica podem ser
importantes na patogênese da IBD em humanos (2). Em
medicina humana, têm sido encontradas grandes
diferenças entre duas doenças classificadas como IBD, a
doença de Crohn e a colite ulcerativa. Classicamente, a
doença de Crohn está associada a resposta imunológica
com células T helper (Th)1, enquanto que a inflamação
na colite ulcerativa é causada por resposta Th2. No
organismo saudável, os Th1 são responsáveis pela
ativação da imunidade celular, enquanto que a ativação
dos Th2 conduz à produção de anticorpos. A estimulação
descontrolada das respostas Th1 e Th2 conduzem a
cascatas de eventos tipo-específicas e padrões de citocinas.
Dois grupos de pesquisa independentes tentaram
identificar as principais citocinas na mucosa intestinal dos
gatos (3,4). Nos estudos publicados, ocorreu ativação
concomitante das citocinas pró-inflamatórias e das
citocinas imunomoduladoras, impossibilitando a
classificação em Th1 ou em Th2 das reações imunológicas
associadas à IBD felina (3,4). Além disso, foi
documentado aumento na expressão do complexo
principal de histocompatibilidade classe II (MHC – Major
Histocompatibility Complex) na mucosa de gatos com
IBD, sugerindo o intenso processamento antigênico e a
apresentação por macrófagos e células epiteliais
intestinais (5). Isto pode ser consequência da quebra da
função de barreira da mucosa intestinal e/ou da resposta
imunológica inapropriada às bactérias comensais ou aos
antígenos alimentares. Adicionalmente, verificou-se que
os gatos com sinais clínicos gastrintestinais (GI)
apresentam quantidade significativamente maior de
Enterobacteriaceae na mucosa em relação aos animais
saudáveis (Figura 1). O aumento dos números de E. coli e
de Clostridium spp. estão correlacionados com anomalias
histopatológicas na mucosa, super-regulação de citocinas
pró-inflamatórias e o número de sinais clínicos (4).
Estas bactérias associadas à mucosa podem desempenhar
papel importante na patogênese da IBD ou representar
epifenômeno interessante de inflamação intestinal. Com
base no nosso conhecimento atual, é provável que a IBD
felina represente um grupo de doenças de diferentes
Figura 1.
Relação entre as bactérias da mucosa e a histopatologia duodenal,
o mRNA das citocinas e a atividade da doença clínica em gatos
com doença inflamatória intestinal (4). E. coli (bacilo cor-delaranja) visível numa população mista que ocupa o muco aderente,
num gato com IBD. As bactérias são visualizadas através de
hibridação com um teste para eubactéria (verde) e um teste
específico para E. coli e Shigella (vermelho). Com a permissão de
Janeczko S, Atwater D, Bogel E, et al.
etiologias resultando em inflamação crônica da
mucosa intestinal.
Apresentação clínica
Normalmente, os gatos com IBD são animais de meia-idade
a idosos, mas o intervalo de idade é amplo e admite
também animais muito jovens. Não há documentação
quanto à existência de predisposição racial ou ligada ao
sexo, embora possam estar sujeitos a maior risco as raças
de gatos Siamês, Persa e Himalaia (6,7). Os sinais clínicos
descritos em vários estudos clínicos publicados estão
resumidos na Tabela 1 (6-11). Os sinais clínicos mais
frequentemente observados são vômito, diarréia, perda
de peso e anorexia (Figura 2). No entanto, alguns gatos
podem apresentar apetite normal ou aumentado e muitos
gatos, ao contrário dos cães, não apresentam diarréia na
ocasião da consulta. Com frequência, demonstram sinais
alternados de melhoria e de recidiva, podendo os seus
proprietários procurar a ajuda do Médico Veterinário
apenas na fase avançada da doença.
A IBD pode ser classificada em GI inferior ou GI superior
com base nos sinais clínicos. O vômito e a perda de peso
sugerem doença GI superior, enquanto que a presença de
hematoquezia, fezes com muco e sinais de urgência são
normalmente atribuídos a doença GI inferior. Contudo,
os sinais clínicos, por si só, não são suficientes para a
localização conclusiva da doença. Os gatos com doença
do intestino delgado apresentam frequentemente inflamação secundária do cólon. Um estudo demonstrou que
53% dos gatos com IBD (27/51) apresentava colite e que
Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 21
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 22
Tabela 1.
Resumo das informações descritas na literatura sobre a sintomatologia, a anamnese e o exame
físico de 194 gatos com IBD. Os dados são apresentados por número de gatos (percentagem) dos
grupos comunicados. Nem todos os parâmetros estavam disponíveis em cada estudo.
MSU(6) 1992
14 gatos
ISU(7) 1992
26 gatos
AMC(8) 1994
60 gatos
CVH (França)(9)
1997
51 gatos
UPenn(10)
1999
33 gatos
AMC(11) 2006
10 gatos
Média de idade, em anos
(intervalo)
6,8 (1-13)
6,9 (0,7-20)
9,5 (0,5-19)
8,2 (0,6-15)
7 (0,6-15)
9,7 (1,5-16)
Vômito
O: < uma vez por dia
F: > uma vez por dia
10 (71%)
O: 4 (28%)
F: 6 (43%)
11 (42%)
46 (77%)
O: 36 (60%)
F: 10 (17%)
33 (65%)
24 (33%)
4 (40%)
Diarréia
IG: intestino grosso
ID: intestino delgado
M: misto
7 (50%)
ID: 5 (36%)
IG: 2 (14%)
12 (46%)
ID: 3 (11%)
IG: 9 (35%)
21 (37%)
ID: 12 (20%)
IG: 7 (12%)
M: 2 (3%)
45 (88%)
IG: 9 (18%)
ID: 36 (70%)
16 (48%)
3 (30%)
Inapetência/anorexia
---
11 (42%)
24 (40%)
---
6 (18%)
3 (30%)
Letargia
6 (43%)
---
10 (17%)
---
3 (9%)
---
Perda de peso
10 (71%)
11 (42%)
38 (63%)
28 (55%)
18 (55%)
6 (60%)
ICC < 3/9
(magro ou caquético)
---
---
30 (50%)
---
---
5 (50%)
ICC > 4/9
---
---
30 (50%)
---
---
5 (50%)
Alças intestinais espessadas no exame físico
5 (36%)
---
31 (52%)
29 (56%)
---
3 (30%)
Linfonodos abdominais
hipertrofiados no exame
físico
---
---
---
---
---
1 (10%)
O = ocasional, F = frequente, --- = não comunicado. Abreviaturas supramencionadas: MSU Michigan State University ICC índice de condiçao
corporal ISU Iowa State University AMC Animal Medical Center CVH Cerisioz Veterinary Hospital UPenn University of Pennsylvania
16 dos 27 apresentavam sinais histológicos concomitantes
de doença do intestino delgado (9). Deste modo, é mais
seguro assumir que a doença é de carácter difuso quando
se planeja o diagnóstico e o tratamento. Além disso, o
clínico deve estar consciente que o tipo e a frequência dos
sinais clínicos não diferenciam gatos com IBD dos com
outras doenças GI, como o linfoma alimentar (11).
O exame físico dos gatos com IBD, é muitas vezes,
normal. Os achados clínicos podem incluir perda da
condição corporal, desidratação, espessamento das alças
intestinais e dor abdominal. Mais uma vez, os sinais
clínicos observados durante o exame físico podem ser
idênticos nos gatos com linfoma alimentar (11). Deve
fazer parte de qualquer exame a palpação da tiróide para
pesquisa de eventuais nódulos e o exame oral para
exclusão de corpos estranhos lineares, especialmente em
gatos com este conjunto de sinais clínicos.
22 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009
Diagnóstico
A abordagem diagnóstica recomendada para gatos com
suspeita de IBD está resumida na Tabela 2. Os sinais
clínicos podem ser bastante inespecíficos e o primeiro
passo consiste sempre em excluir doenças que possam
apresentar quadros clínicos semelhantes. Outras
doenças gastrointestinais como reação adversa ao
alimento, infecção parasitária, infecção bacteriana, infecção fúngica e neoplasia intestinal podem apresentar todos
os mesmos sinais clínicos.
Outros diagnósticos diferenciais incluem as doenças
com origem extra trato GI, como hipertiroidismo,
Diabetes mellitus, doença renal crônica, doenças hepáticas,
pancreatite, infecção viral (coronavírus, retroviroses e
panleucopenia) e dirofilariose.
Testes laboratoriais
As análises laboratoriais iniciais devem incluir a análise
sanguínea completa através do hemograma e do perfil
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 23
DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL IDIOPÁTICA FELINA
bioquímico, análise de urina, teste FeLV/FIV, concentração sérica de tiroxina, imunoreatividade da lipase
pancreática felina (fPLI- feline Pancreatic Lipase Immunoreactivity) e análise fecal. Os resultados laboratoriais
podem variar significativamente nos gatos com IBD e
podem não revelar qualquer alteração, como demonstrado na Tabela 3. As alterações no hemograma podem
incluir a presença de anemia, hemoconcentração, leucocitose, leucopenia, eosinofilia, basofilia ou neutrofilia,
com ou sem desvio. A eosinofilia pode ser encontrada em
associação com a gastrenterocolite eosinofílica. O perfil
bioquímico pode revelar alterações nas concentrações de
colesterol, potássio, proteína e enzimas hepáticas (68,10). A alteração bioquímica mais comum foi, numa
série de casos, a hipocolesterolemia, podendo esta ser
devida a má-absorção (10). A hipocalemia pode ocorrer
secundariamente à diarréia (6). A hiperproteinemia
pode ser observada simultaneamente com a desidratação ou a inflamação crônica. A hipoproteinemia
pode ocorrer como consequência de anorexia, máabsorção ou perda de proteína no trato GI, no entanto, é
muito menos frequente nos gatos que nos cães (9). O
aumento da atividade das enzimas séricas alanina
aminotransferase (ALT) e fosfatase alcalina (ALP), pode
ocorrer devido ao aumento da permeabilidade intestinal
associada à inflamação e à presença de microrganismos,
mediadores inflamatórios e/ou endotoxinas no sangue
portal. O aumento da ALT é mais frequente em gatos com
linfoma alimentar que com IBD (11). Concomitantemente com a IBD felina, pode estar presente a colangiohepatite e/ou pancreatite. O termo “tríade” foi introduzido há 10 anos atrás, mas não ganhou ainda aceitação
universal devido à carência de evidências na literatura.
Quando possível, devem ainda ser realizados exames de
flotação e esfregaços de fezes frescas. Mesmo com
resultados negativos, é recomendada a utilização de
antiparasitários de amplo espectro (ex. fenbendazol
50mg/kg, SID, PO 3 a 5 dias) antes de continuar os testes
de diagnóstico ou tratamentos adicionais, devendo-se
eliminar a maioria dos helmintos e dos protozoários.
Recomenda-se a realização de testes para Trichomonas,
especialmente no caso de gatos mais jovens, bem como de
animais provenientes de gatis ou abrigos. A presença
destes parasitas pode ser detectada em esfregaço fecal,
mas é importante notar que os trofozoítos são, muitas
vezes, confundidos com cistos de Giardia spp. O teste
de PCR fecal para Trichomonas é altamente sensível e
específico (12).
Os diagnósticos adicionais podem incluir testes para a
dirofilariose e infecção por Histoplasma, dependo das
características parasitárias da região.
Figura 2.
Gato de 11 anos de idade, de raça Doméstico de Pêlo Longo,
apresentado vômito crônico com 2 meses de duração. Nota-se o
mau estado da pelagem e a fraca condição corporal (o índice de
condição corporal foi de 3/9 no exame físico).
Diagnóstico por Imagem
As radiografias abdominais estão indicadas caso se
suspeite de obstrução crônica parcial ou de uma massa
intra-abdominal. Classicamente, as radiografias abdominais não são muito sensíveis na exclusão de condições
como a doença renal crônica, doenças hepáticas ou
pancreatite, sendo preferível a realização de ultrassonografia abdominal (Figura 3). Em estudo retrospectivo
foram realizadas ultrassonografias abdominais de 17
gatos com IBD, verificando-se alterações em 13 casos.
Estas alterações consistiam na fraca estratificação da
parede intestinal, no espessamento focal, e na presença
de linfonodos mesentéricos hipoecogênicos e/ou hipertrofiados (10). Infelizmente, os sinais ultrassonográficos
nos gatos com IBD e nos gatos com linfoma alimentar
podem ser indistinguíveis (10). Contudo, a hipertrofia
dos linfonodos pode significar a oportunidade de diagnosticar um linfoma através da aspiração por agulha fina
guiada por ultrassom, antes de se adotarem outras
técnicas de diagnóstico invasivas. Adicionalmente, a
ultassonografia pode ajudar a decidir qual a próxima
etapa do diagnóstico, uma vez que as alterações difusas
podem ser mais facilmente acessíveis através de
endoscopia que as lesões focais e/ou obstrutivas para as
quais, normalmente, a cirurgia é mais adequada.
Teste alimentar
Na Nova Zelândia, 16 (29%) de 55 gatos que
apresentavam sinais clínicos gastrintestinais similares aos
Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 23
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 24
Tabela 2.
Organograma simplificado para a abordagem diagnóstica e terapêutica de gatos com sinais
clínicos crônicos compatíveis com IBD.
Exclusão de doenças subjacentes com
origem extra trato GI:
Hemograma, Bioquímicos, EA, Análise Fecal, FIV/FeLV,
T4, PLI (+/- cobalamina, folato, TLI), Radiografia
abdominal (+/- Ultrassonografia abdominal)
Exclusão de doenças infecciosas ou
parasitárias enquanto se aguardam os
resultados dos testes:
Tratamento com fenbendazol
Exclusão de doenças alimentares
caso não exista nenhuma condição
subjacente:
Tratar as doenças subjacentes quando presentes:
DM, hipertiroidismo, doença renal,
doença hepática, IPE, etc.
Dieta de eliminação por 10 dias
Ausência de resposta ao teste alimentar:
Endoscopia/ celiotomia exploratória com biópsia
Tratamento de presumível IBD caso não seja uma
opção válida por motivos financeiros ou médicos
IBD
Linfoma alimentar:
Tratar com quimioterapia
Glossário
Tratamento:
EA, exame de urina
PLI, imunoreatividade da
lipase pancreática
Continuar com a dieta de eliminação
Se branda, pode se tentar o uso de antibióticos.
A maioria requer imunossupressão com corticóides
TLI, imunoreatividade
tipo tripsina
DM, Diabetes mellitus
IPE, insuficiência pancreática
exócrina
IBD, doença inflamatória
intestinal
24 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009
Casos graves ou refratários:
Suplementação com vitamina B12
Fármacos imunossupressores adicionais
Reconsiderar o linfoma alimentar
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 25
DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL IDIOPÁTICA FELINA
Tabela 3.
Resumo dos resultados clínico-patológicos de 133 gatos com IBD felina descritos na literatura
MSU(6) 1992, 14 gatos
Hematócrito aumentado
Anemia
Leucopenia
Leucocitose
Neutrofilia
Neutropenia
Segmentados
Linfocitose
Linfopenia
Monocitose
Basofilia
Eosinofilia
Hiperproteinemia
Hipoproteinemia
Hiperalbuminemia
Hipoalbuminemia
Hiperglobulinemia
Hipoglobulinemia
BUN reduzida
BUN aumentada
Creatinina aumentada
ALT aumentada
AST aumentada
ALP aumentada
Hiperglicemia
Hipoglicemia
Hipercolesterolemia
Hipocolesterolemia
Hipocalcemia
Hipernatremia
Hiponatremia
Hipocalemia
Hipercloremia
Hipocloremia
ISU(7) 1992, 26 gatos
0
0
0
3 (21%)
5 (35%)
0
0
0
4 (28%)
2 (14%)
2 (14%)
1 (7%)
0
3 (21%)
0
0
0
4 (28%)
2 (14%)
1 (7%)
1 (7%)
8 (57%)
0
0
0
3 (12%)
5 (19%)
0
0
0
7 (27%)
0
0
8 (31%)
5 (19%)
0
0
6 (24%)
0
0
0
0
0
3 (12%)
1 (7%)
0
0
----0
1 (7%)
0
8 (57%)
1 (7%)
0
0
10 (38%)
0
--5 (19%)
0
0
0
4 (15%)
0
0
AMC(8) 1994, 60 gatos
UPenn(10) 1999
33 gatos
30 (50%)
0
----14 (23%)
1 (2%)
5 (8%)
1 (2%)
31 (50%)
0
0
0
----11 (18%)
3 (5%)
14 (23%)
0
0
9 (15%)
14 (23%)
22 (36%)
18 (30%)
11 (30%)
9 (15%)
1 (2%)
5 (8%)
3 (5%)
6 (10%)
3 (5%)
1 (2%)
0
0
2 (3%)
0
6 (18%)
3 (9%)
4 (12%)
5 (15%)
0
5 (15%)
0
4 (12%)
0
0
0
10 (30%)
8 (24%)
4 (12%)
5 (15%)
0
0
0
0
0
5 (15%)
--1 (3%)
4 (12%)
0
1 (3%)
10 (30%)
----------5 (15%)
Informações apresentadas como números de gatos (percentagem) dos grupos comunicados. Nem todos os parâmetros estavam
disponíveis em cada estudo. BUN (Blood Urea Nitrogen) – uréia e nitrogênio sanguíneos.
descritos na Tabela 1 foram diagnosticados como
apresentando sensibilidade alimentar (13). Esta
conclusão foi baseada na constatação da melhoria ou
resolução dos sinais clínicos após ter sido administrada
dieta com proteína selecionada e da recorrência dos sinais
após exposição à dieta original. Um grupo adicional de 11
gatos (20%) apresentou melhoria dos sinais clínicos
que não recidivaram após a administração da sua dieta
normal (13). Assim, recomenda-se fortemente iniciar um
teste alimentar de eliminação, utilizando para isso uma
dieta com uma proteína selecionada ou com proteína
hidrolisada, antes de se considerarem técnicas de diagnóstico mais invasivas. No estudo da Nova Zelândia, os
sinais clínicos resolveram-se ao fim de 4 dias (13). Deste
modo, se o paciente não apresentar melhoria clínica ao fim
de 5 a 7 dias, devem ser considerados diagnósticos ou
tratamentos adicionais. A colaboração do proprietário é um
importante fator limitante nos testes alimentares, devendo ser adotados todos os passos necessários de modo a
garantir que o teste é feito com bom nível de confiança.
Biópsia endoscópica ou cirúrgica
Uma vez sistematicamente excluídas a infecção parasitária, a infecção fúngica, a reação adversa ao alimento e a
doença extra gastrintestinal, permanecem duas doenças
na lista dos diagnósticos diferenciais: a IBD e o linfoma
Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 25
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 26
Figura 3.
Figura 4.
Imagem ultrassonográfica do intestino delgado de uma gata de 3
anos de idade, esterilizada e com vômito crônico. A parede do
jejuno apresenta-se muito espessada (5,1mm). Notar o
aumento da camada muscular hipoecogênica localizada sob a
serosa. A mucosa apresenta-se hiperecogênica e relativamente
mais fina que a camada muscular. Os linfonodos jejunais
estavam ligeiramente hipertrofiados (não ilustrado). Estas
alterações são compatíveis com uma infiltração inflamatória
(IBD) ou neoplásica (linfoma). O diagnóstico da gata foi
enterite eosinofílica (Figura 6a-6c). Cortesia do Dr. L. Gaschen,
Universidade do Estado de Louisiana.
Imagem de uma colonoscopia realizada num gato, macho, de 6
anos de idade e de raça Doméstico de Pêlo Curto levado à
consulta com hematoquezia. São visíveis múltiplas lesões erosivas/
ulcerativas e, por vezes, coalescentes na mucosa do cólon (setas).
A histopatologia revelou a presença de uma colite linfocítica
plasmocitária moderada.
gastrintestinal. Um estudo recente demonstrou que os
gatos afetados por estas duas doenças partilham
apresentações clínicas muito similares (11). Os gatos com
linfoma GI tendem a ser mais velhos, com uma média de
idades de 12,5 anos (com um intervalo de 10 a 15 anos),
quando comparada com os gatos com IBD (com uma
média de 9,7 anos de idade, intervalo de 1,5 a 16). No
entanto, os sinais clínicos e as alterações laboratoriais
foram semelhantes em ambos os grupos no momento da
consulta. Mesmo as alterações ultrassonográficas não
foram significativamente diferentes (11). Assim, a
obtenção de biópsias de boa qualidade da mucosa é
crucial para o diagnóstico de qualquer uma das doenças.
Nesse estudo, a endoscopia foi considerada apropriada
para a obtenção de biópsias gástricas representativas para
o diagnóstico do linfoma intestinal. No entanto, as
biópsias endoscópicas revelaram um menor nível de
confiança no diagnóstico do linfoma intestinal quando
comparadas com as biópsias tradicionais de camada
inteira recolhidas durante a laparotomia exploratória
(11). Embora de grande utilidade em inúmeras situações,
o exame endoscópico do trato GI felino apresenta diversas
lacunas. Primeiro, os endoscópios apenas permitem o
acesso ao estômago, ao duodeno (possivelmente ao
jejuno proximal) e ao cólon. Apesar da biópsia do íleo
poder ser realizada com o endoscópio colocado no
cólon proximal, a maior parte do jejuno não pode ser
26 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009
explorada. Segundo, as lesões observadas macroscopicamente durante a endoscopia não estão bem
correlacionadas com os sinais histopatológicos (10). E,
por fim, as biópsias da mucosa colhidas por endoscopia
são superficiais e apenas incluem a camada mucosa e
parte da submucosa. Além disso, podem evidenciar
artefatos por esmagamento, caso os instrumentos e a
técnica não sejam perfeitos. Assim, todas as áreas
acessíveis devem ser sujeitas a amostragem,
independentemente do seu aspecto macroscópico,
devendo ser colhidas múltiplas amostras de cada área (é
aconselhável de 8 a 12 amostras teciduais). Em gatos com
sinais clínicos de doença do intestino grosso, para se
obterem biópsias do cólon é preferível a realização de
endoscopia (Figura 4). No entanto, é preferível a
realização de uma celiotomia exploratória caso se
pretendam obter biópsias de camada inteira do intestino,
do fígado e/ou do pâncreas. Esta abordagem não permite,
contudo, o exame direto das superfícies da mucosa de
modo a selecionar os locais de biópsia. Além disso, a
celiotomia é mais invasiva e menos adaptada no caso
de pacientes severamente debilitados, ou no caso dos
que necessitam de tratamento esteróide imunossupressivo imediato, uma vez que podem ocorrer
atrasos na cicatrização.
Histopatologia
Mesmo quando são obtidas amostras de boa qualidade,
é claramente difícil para os patologistas diferenciar
a infiltração linfoplasmocitária da mucosa intestinal de
uma mucosa normal, com base em amostras de biópsia
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 27
DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL IDIOPÁTICA FELINA
endoscópica (14,15). Para complicar, alguns linfomas de
células pequenas podem apresentar um aspecto histológico muito semelhante ao da infiltração linfoplasmocitária (Figura 5). Em um estudo revelador, um grupo de
patologistas certificados obtiveram interpretações divergentes quando lhes foi pedido para observarem as mesmas
amostras de biópsia (16). É, por isso, muito importante
que clínicos e patologistas discutam em conjunto os casos
difíceis. Ambas as partes podem ganhar informação
significativa a partir deste tipo de discussão, sendo o
paciente beneficiado em última instância. Se um paciente
falhar na resposta a um tratamento apropriado, estão
indicadas a realização de biópsias de camada inteira ou
imunohistoquímica, de forma a prosseguir com o
diagnóstico de linfoma. Foi sugerido que a IBD felina
grave pode progredir para linfoma, uma vez que o mesmo
pode ocorrer em humanos, mas atualmente não existem
provas substanciais (8). Um estudo que avaliou a imunohistoquímica do linfoma alimentar e da inflamação
intestinal severa sugeriu que este método pode ser muito
útil na diferenciação destas duas doenças (17). Dos
32 gatos diagnosticados com linfoma, e utilizando uma
coloração tradicional, foi descoberto que 46,9% eram
linfomas linfoblásticos B, 25% eram do tipo células T e
que 12,5% eram de fenótipo misto. Adicionalmente,
verificou-se que 15,6% eram mais consistentes com
inflamação, que com o diagnóstico original de linfoma.
Como fator adicional de diferenciação, este estudo
também encontrou uma carência da expressão de MHC
classe II pelos enterócitos em gatos com linfoma, ao
contrário do que é observado na IBD (17). Apesar da IBD
felina estar mais frequentemente associada a enterite
linfocítica-plasmocitária e/ou colite com infiltração
superficial, foi ocasionalmente comunicada a presença de
enterite/ colite eosinofílica (Figura 6). Raramente são
observadas as formas supurativa ou granulomatosa que
podem, de fato, sugerir etiologia infecciosa.
Terapia
O tratamento é melhor instituído uma vez feito o diagnóstico de IBD. Pode ser considerado o tratamento empírico
em gatos com sinais clínicos compatíveis com IBD, que
por motivos financeiros ou médicos não possam continuar
um processo diagnóstico até o fim (Tabela 2). Com ou
sem diagnóstico histológico, o cliente deve estar informado desde o início do tratamento que não existe
cura para a IBD, bem como a necessidade de ajustes no
manejo e no tratamento para o resto da vida do gato. Um
proprietário dedicado e cuidadoso pode exercer um efeito
positivo na resolução final do caso. Alternativamente,
uma fraca colaboração e/ou monitoramento pode
Figura 5.
Fotomicrografia da mucosa do jejuno de uma gata de 13 anos de
idade, de raça Siamês e com história de vômito crônico e perda de
peso. A gata foi diagnosticada tendo linfoma alimentar. Existe uma
infiltração severa com linfócitos na parte distal da mucosa. Notar
que esta infiltração se estende à submucosa, uma característica
típica do linfoma e que não ocorre nas condições inflamatórias. A
muscularis mucosa está localizada entre os 2 ‘’X’’ e separa a
mucosa (em cima à esquerda) da submucosa (em baixo à direita).
Foi realizada a imunohistoquímica utilizando um anticorpo CD3
que revelou a presença de uma população monomórfica de
células T (não ilustrado). Coloração HE, ampliação 20x. Cortesia
do Dr. L. McLaughlin, Universidade do Estado de Louisiana.
tornar esta doença muito difícil ou mesmo impossível de
controlar.
Dieta
De forma ideal, é preferível uma dieta hiperdigestível,
proteína selecionada ou dieta com proteínas hidrolisadas. A melhoria da absorção resulta em melhoria da
nutrição, diminuição do substrato disponível para as
bactérias intestinais e diminuição do potencial osmótico. A utilização de dietas de teor elevado em fibra é
controversa em gatos com IBD, mas pode ser indicada
caso estejam predominantemente presentes sinais clínicos
intestinais. Não se sabe se são de maior utilidade as fibras
de baixa ou de elevada solubilidade. Acredita-se que as
fibras de baixa solubilidade, como a celulose,
permitem aumentar o volume e captar o fluído não
absorvido, ajudando na regulação da motilidade. As
fibras de elevada solubilidade, como a polpa de
beterraba, são fermentadas pelas bactérias intestinais
e resultam na produção de ácidos graxos de cadeia
curta. Estes permitem nutrir o cólon e inibem o
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RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 28
c
Figura 6.
a
A) Fotomicrografia de baixa ampliação de uma biópsia de camada
inteira do jejuno da gata descrita na Figura 3. Notar a presença da
camada muscular muito espessada (os ‘’A’’ evidenciam a inter-face
submucosa-muscular) e que confirma os sinais ultrassonográficos.
Esta alteração está muitas vezes associada a enterite eosinofílica.
B) Maior ampliação que mostra a mucosa e a submucosa na mesma
porção de biópsia. Observar a arquitetura anormal das vilo-sidades
com fusão e friabilidade das vilosidades, bem como infiltração
celular da mucosa. Estas alterações são observadas com
frequência em todos os tipos de infiltrados inflamatórios intestinais. C) Fotomicrografia de elevada ampliação que evidencia a
infiltração moderada a severa da mucosa com células inflamatórias,
consistindo majoritariamente em grandes quantidades de eosinófilos. O gato foi diagnosticado com enterite eosinofílica moderada a
severa (setas apontam para eosinófilos). Coloração H&E, cortesia
do Dr. L. McLaughlin, Universidade do Estado de Louisiana.
Fármacos imunossupressores/
anti-inflamatórios
b
crescimento das bactérias patogênicas. Algumas dietas
são suplementadas com ácidos graxos ômega 3 com o
objetivo de diminuir o substrato para as prostaglandinas e os leucotrienos inflamatórios. A adição de
probióticos pode ser uma opção de tratamento para os
gatos com IBD. Embora os probióticos possam
influenciar a microbiota intestinal, não existe atualmente nenhuma informação objetiva que suporte este
benefício clínico nos gatos.
28 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009
Apesar do tratamento dietético com dietas com proteínas
selecionadas ou hidrolisadas, a base do tratamento da
IBD é a imunossupressão. Geralmente, é preferível a
prednisolona em relação à prednisona, pois possui maior
biodisponibilidade em gatos, sendo administrada na
dosagem de 4mg/kg, PO (SID ou dividida em duas
administrações diárias), durante 10 dias. Em seguida, a
dose é reduzida pela metade todos os 10 a 14 dias
(Tabela 4). O objetivo final é manter o gato na menor
dose eficaz possível ou mesmo considerar a
descontinuação do tratamento corticóide. Se o
proprietário não conseguir administrar comprimidos ao
gato, pode então ser utilizado o acetato de
metilprednisolona, na dosagem de 10mg/kg, SC, a cada
2 a 4 semanas, sendo diminuído progressivamente
durante 4 a 8 semanas embora, na opinião do autor, os
corticóides de ação lenta não pareçam ser muito bemsucedidos e poderem originar mais efeitos secundários.
Outros fármacos imunossupressores utilizados nos casos
refratários incluem o clorambucil e a ciclosporina. O
clorambucil, um derivado de mostarda nitrogenada, é
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 29
DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL IDIOPÁTICA FELINA
geralmente utilizado de modo isolado ou em combinação
com a prednisolona na dosagem de 2mg/gato, PO, a cada
dois dias (em gatos > 4kg de peso corporal), ou a cada 3
dias (em gatos com < 4kg de peso corporal), e depois
descontinuado até à menor dose possível. Deve ser
realizado hemograma a cada 2 a 4 semanas para
monitorar eventuais sinais de mielossupressão. Embora
não existam relatos publicados da utilização da
ciclosporina em gatos com IBD, a dose geralmente
recomendada é aproximadamente de 5mg/kg, SID (25mg/
gato). Da mesma forma, antes da utilização de agentes
imunossupressores se recomenda a pesquisa de doenças
infecciosas subjacentes como a toxoplasmose, FIV e FeLV.
Tabela 4.
Proposta de um esquema prático de
descontinuação da prednisolona na IBD felina*
Dose de
prednisolona
Tempo
Exemplo: 5kg gato
4mg/kg/dia
7-10 dias
10mg PO, BID
2mg/kg/dia
10-14 dias
10mg PO, SID
1mg/kg/dia
10-14 dias
5mg PO, SID
1mg/kg
de dois em dois dias
10-14 dias
5mg PO de dois em
dias
0,5mg/kg
de dois em dois dias
10-14 dias
2,5mg PO
de dois em dias
Imunomoduladores/Antimicrobianos
Os antimicrobianos (Tabela 5) podem ser úteis no
tratamento de patógenos não diagnosticados, ou na
diminuição de antígenos bacterianos que possam influenciar o desencadeamento da inflamação patogênica. O
agente antimicrobiano mais frequentemente utilizado
na IBD felina é o metronidazol, o qual inibe também a
imunidade de mediação celular. A dosagem recomendada
é de 10 a15mg/kg, PO, BID. Esta é uma dosagem menor
do que a utilizada no tratamento da giardíase. Uma vez
que a Giardia pode desenvolver resistência a uma dose
baixa de metronidazol, esta terapêutica não deve ser
instituída sem excluir primeiro este tipo de infecção. Nos
gatos, a janela terapêutica do metronidazol é estreita,
devendo por isso precaver-se durante a administração
prolongada deste fármaco. Os efeitos secundários
observados são majoritariamente neurológicos. A
tilosina também tem sido utilizada em gatos na
abordagem da IBD do cólon, na dose de 40 a 80mg/
kg/dia, PO, dividida em duas doses. À semelhança do
metronidazol, foi sugerido que a tilosina possa apresentar
o benefício adicional dos efeitos anti-inflamatórios. Nos
pacientes com doença branda, um ensaio antimicrobiano
de 3 a 4 semanas pode ser instituído antes de se iniciar
terapia imunossupressora. Suspeita-se que as interações
patológicas entre a microbiota intestinal e o sistema
imunológico inato ou adquirido possam desempenhar um
papel importante na patogênese da IBD em várias espécies.
Nos cães, a colite granulomatosa foi demonstrada estar
associada à E. coli (18) e ser responsiva à antibioterapia
com fluoroquinolona. Em gatos com IBD, a E. coli e os
Clostridia associados à mucosa parecem correlacionar-se
com a atividade da doença clínica (4). Embora estejam
indicados estudos adicionais para clarificar a relação entre
as bactérias da mucosa e a IBD felina, os autores observaram um gato com IBD responder de modo dramático a
um ensaio com fluoroquinolonas, em que haviam
*O objetivo é administrar a menor dose possível para controlar
os sinais clínicos. Alguns gatos não são dependentes da corticoterapia e a prednisolona pode ser descontinuada. Outros gatos
podem necessitar serem mantidos com uma dose mínima de,
por exemplo, três em três dias.
Tabela 5.
Doses habituais de fármacos utilizados com
frequência na IBD felina
Fármaco
Prednisolona
Dose
Utilização
Ver Tabela 4
Imunossupressão
Metilprednisolona 10mg/kg, SC, durante
2-4 semanas,
acetato
descontinuado
durante 4-8 semanas
Imunossupressão
Clorambucil
2mg/gato, PO, EOD Imunossupressão,
(> 4kg) ou durante 3 caso refratário
dias (<4kg)
Ciclosporina
5mg/kg (25mg/gato), Imunossupressão,
caso refratário
PO, SID
Metronidazol
10-15mg/kg PO BID
Antimicrobiano,
imunomodulador
Tilosina
20-40mg/kg PO BID
Antimicrobiano,
imunomodulador
Cobalamina (B12)
250μg SC, durante 6
semanas, em seguida, de duas em duas
semanas durante 6
semanas e, por fim,
mensalmente
Suplemento,
de acordo com
os teores de
cobalamina
Vitamina K1
1-5mg/kg/dia, SC
Suplemento,
de acordo com
o tempo de
protrombina (PT)
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DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL IDIOPÁTICA FELINA
falhado a prednisona, o metronidazol e a dieta. Os antimicrobianos podem representar uma modalidade de
tratamento possível de ser considerado antes de se optar
pela imunossupressão mais agressiva com fármacos
que apresentem o risco de efeitos secundários mais
substanciais.
Suplementação vitamínica
Foi demonstrado que a deficiência de cobalamina
(vitamina B12 ) pode ser uma consequência da doença
gastrintestinal, devido à diminuição da sua absorção
no íleo (19). Isto pode ser facilmente confirmado pela
avaliação da concentração sérica de cobalamina. A
vitamina B12 está envolvida em diversas vias importantes
do metabolismo intermediário, como por exemplo o
processo de conversão de nutrientes em componentes
celulares. Os gatos com déficit de vitamina B12 podem
apresentar uma recuperação tardia ou uma falha de
tratamento após uma terapêutica imunossupressora.
Nestes pacientes, a cobalamina deve ser administrada
por via parenteral na dosagem de 250μg/gato, SC. As
administrações são feitas semanalmente durante 6
semanas; em seguida, a cada duas semanas durante 6
semanas e, finalmente, a intervalos mensais. Foi,
igualmente, sugerido que a suplementação com vitamina
K1 pode ser benéfica em gatos com IBD severa e com
função de absorção anormal (1 a 5mg/kg, SC, SID).
Prognóstico
Num estudo, 37 gatos (80%) dentre 47 animais
tratados com dieta e prednisona apresentaram uma
resposta positiva ao tratamento. A maioria dos
proprietários ficou satisfeita, embora os sinais clínicos não
tenham sido completamente resolvidos (8). Os gatos com
lesões histológicas severas ou inflamação eosinofílica
podem ser mais difíceis de controlar (20).
Adicionalmente, a falha de resposta ao tratamento pode
indicar a presença de uma IBD refratária ou de um
linfoma. Novamente ressalta-se que os proprietários
devem compreender que a IBD felina é uma doença que é
controlada mas não tem cura. Alguns proprietários podem
não querer ou poder medicar regularmente os seus
gatos a longo prazo.
Agradecimentos
Os autores gostariam de agradecer aos seguintes colegas da Universidade do
Estado do Louisiana: Dr. K. Ryan por ler o manuscrito e fornecer comentários
construtivos, Drs. L. McLaughlin e L. Gaschen pela sua assistência nas ilustrações, e
ao Dr. K. Simpson da Universidade de Cornell por fornecer o material da Figura 1.
Leitura adicional:
Dossin O. How I treat… Chronic diarrhea in cats.
Veterinary Focus 2009; 19.1: 2-9.
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RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 31
Causas infecciosas de
anemia em gatos
Jane Sykes, BVSc (Hons), PhD,
Dipl. DACVIM
Universidade da Califórnia, Davis, EUA
A Dra Sykes é atualmente professora associada de
Medicina Interna de Pequenos Animais da
Universidade da Califórnia, Davis, e possui
interesse especial em doenças infecciosas e
hematologia de pequenos animais. Completou a sua
graduação em Medicina Veterinária na Universidade
de Melbourne, Austrália, em 1993. Possui doutorado
na área das doenças felinas do trato respiratório
superior e no diagnóstico molecular de doenças
infecciosas. Em 2001, completou residência em
Medicina Interna de Pequenos Animais na
Universidade do Minnesota e é Diplomada pelo
Colégio Americano de Medicina Interna Veterinária.
Introdução
A anemia é um problema observado com frequência nos
gatos e, embora as doenças infecciosas estejam muitas
vezes na base da anemia nos gatos, existem inúmeras
outras causas subjacentes. O principal objetivo deste
artigo é fazer uma revisão das causas infecciosas mais
comuns de anemia nos gatos. Teoricamente, todos os
agentes patogênicos têm a capacidade de causar
anemia através da indução de resposta inflamatória, e
do desenvolvimento de anemia devido a doença
inflamatória, embora esta tenda a ser leve a moderada e
não seja usualmente o motivo primário da consulta. O
foco central deste artigo é a abordagem dos
microrganismos patogênicos passíveis de causar
anemia como anomalia clínica primária e que constitui
motivo da consulta veterinária (Tabela 1).
Abordagem diagnóstica
da anemia
Pode suspeitar-se da existência de anemia quando o
gato apresenta letargia, redução de apetite e mucosas
pálidas ou brancas. A ingestão de areia da liteira ou de
terra também podem fazer parte da anamnese. Os
sinais clínicos no exame físico podem incluir
taquicardia, taquipnéia ou sopro cardíaco sistólico
como resultado da diminuição da viscosidade
sanguínea. O diagnóstico definitivo de anemia depende
da confirmação de hematócrito, hemoglobina ou
redução da contagem total de glóbulos vermelhos. De
forma a não se negligenciar as várias causas de anemia,
estas podem ser agrupadas em anemias que resultam na
diminuição da produção de glóbulos vermelhos,
anemias decorrentes de hemorragia e anemias que
resultam do aumento da destruição dos glóbulos
vermelhos (Tabela 2). A anemia que resulta da
redução da produção de eritrócitos é sempre nãoregenerativa. A perda de sangue e o aumento da
destruição de glóbulos vermelhos são, geralmente,
observados na sequência de uma resposta regenerativa
de 3 a 5 dias depois do episódio, embora a perda
de sangue por via gastrintestinal possa se tornar
Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 31
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 32
Tabela 1.
Doenças infecciosas que podem causar
anemia nos gatos
Distribuição
geográfica
Organismo
Vírus da leucemia felina
Mundial
Vírus da imunodeficiência felina
Mundial
Vírus da peritonite infecciosa felina
Mundial
Micoplasmas hemotrópicos, essencial- Mundial
mente Mycoplasma haemofelis
Cytauxzoon felis
Zonas central sul,
sudoeste e costa Atlântica
dos Estados Unidos
Babesia felis
Zona costeira da África
do Sul
Ctenocephalides felis
Mundial
Ancylostoma spp.
Mundial
Tabela 2.
Diagnóstico diferencial da anemia patológica
em gatos
Mecanismo
Causa subjacente
Redução da
produção de
glóbulos
vermelhos
• Doença renal
• Mielotísica
• Carência de ferro
• Anemia de doença inflamatória
• Doença infecciosa (principalmente
infecção por FeLV)
• Doença imunomediada dos
precursores dos RBC
• Toxinas e fármacos
Perda de glóbulos
vermelhos
• Hereditárias e perturbações
plaquetárias
• Coagulopatias adquiridas e
perturbações plaquetárias
• Neoplasia
• Gastrenterite eosinofílica
• Trauma
• Doença idiopática do trato urinário
inferior felino
• Infestação por pulgas
• Infestação por tênias
Aumento da
destruição de
glóbulos
vermelhos
• Anemia hemolítica imunomediada
primária
• Anemia hemolítica imunomediada
secundária a fármacos, neoplasia ou
doença infecciosa
• Defeitos hereditários nos RBC
(aumento da fragilidade osmótica,
deficiência na piruvato cinase)
• Hipofosfatemia
• Toxinas oxidativas (ex. cebola, alho,
anestésicos locais, propofol,
acetaminofeno, zinco)
• Microangiopatia
32 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009
não-regenerativa devido à deficiência em ferro. A
presença de uma resposta regenerativa é sugerida
pela presença de policromasia, pontos basofílicos,
normoblastocitose (presença de glóbulos vermelhos
nucleados), anisocitose, aumento do número de
corpos de Howell-Jolly na sequência da avaliação
microscópica de esfregaços sanguíneos (Figura 1). A
reticulose é evidente após a realização da coloração de
azul-de-metileno dos esfregaços sanguíneos ou
através da contagem automática utilizando métodos
citométricos. Podem ser identificados dois tipos de
reticulócitos através da utilização de métodos visuais
e na sequência de resposta regenerativa em gatos:
reticulócitos agregados e ponteados. Os reticulócitos
agregados são a forma mais imatura deste tipo de
células. A presença de > 1% destes reticulócitos no
sangue periférico indica a presença de regeneração
ativa. Os laboratórios que apenas apresentam uma
única contagem de reticulócitos para gatos referem-se,
geralmente, à contagem de reticulócitos agregados. Os
reticulócitos ponteados são mais maturos e, quando em
maior número (> 10%), sugerem a existência de
resposta regenerativa prévia e que, geralmente,
ocorreu nas últimas 1 a 2 semanas. A reticulose
agregada felina pode nem sempre ser muito
pronunciada, mesmo ocorrendo a regeneração (Tabela
3).
A produção deficiente de glóbulos vermelhos reflete,
normalmente, a alteração da função da medula óssea.
As causas em gatos incluem:
a) Doença renal: o que resulta em anemia normocítica e
normocrômica, devido à diminuição da secreção de
eritropoietina;
b) Mielotísica: a anemia mielotísica resulta da substituição da medula óssea por células neoplásicas ou
fibrose. Normalmente deficiências em outras
linhagens celulares estão presentes concomitantemente;
c) Deficiência de ferro: a anemia por deficiência de
ferro é classicamente microcítica e hipocrômica mas,
ocasionalmente, pode se desenvolver anemia normocítica e normocrômica. A existência conjunta de
concentração sérica de ferro reduzida, concentração
de ferritina reduzida e capacidade de ligação do ferro
total aumentada podem ser utilizadas para diagnóstico de deficiência em ferro. No entanto, uma vez que
a ferritina sérica é uma proteína reativa na fase
aguda, a sua concentração pode aumentar na presença
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 33
CAUSAS INFECCIOSAS DE ANEMIA EM GATOS
de doença inflamatória, muitas vezes impossibilitando, o diagnóstico concomitante de anemia por
deficiência de ferro. Nos cães e nos humanos, a falta
de pigmentação do ferro na medula óssea pode ser
utilizada neste tipo de situações como auxiliar no
diagnóstico de anemia por deficiência de ferro. Como
consequência, este tipo de anemia pode ser difícil de
confirmar em alguns gatos. Uma das causas mais
frequentes de anemia por deficiência de ferro nos
gatos é a hemorragia gastrintestinal crônica;
d) Anemia devido a doença inflamatória: é geralmente
uma anemia leve a moderada, normocítica e
normocrômica. O hematócrito raramente é inferior a
14-15% (1). A anemia por doença inflamatória é
sugerida pela presença da concentração de ferro
diminuída a normal, capacidade de ligação do ferro
total aumentada e concentração de ferritina normal
a elevada;
e) Infecciosa: a principal causa de produção reduzida
de glóbulos vermelhos nos gatos é a infecção por
FeLV (ver em baixo);
f) Doença auto-imune afetando os precursores celulares
dos glóbulos vermelhos;
g) Toxinas: à semelhança da doença mielotísica, as
causas tóxicas de anemia atuam na medula óssea e
causam normalmente outras deficiências nas outras
linhagens celulares. Exemplos incluem o cloranfenicol e os fármacos quimioterápicos.
A perda de glóbulos vermelhos pode ser consequente à
hemorragia do trato GI, do trato urinário ou
hemorragia interna, tal como ruptura esplênica ou
hemotórax. A hemorragia gastrintestinal crônica
pode estar associada a trombocitose e a razão
uréia/creatinina (BUN/CREA) elevada.
As causas de hemorragia incluem:
a) Coagulopatias e perturbações plaquetárias hereditárias;
b) Coagulopatias e perturbações plaquetárias adquiridas,
incluindo toxicidade por rodenticida anticoagulante,
trombocitopenia imunomediada e hepatopatias;
c) Neoplasias, incluindo o hemangiossarcoma, linfossarcoma intestinal e adenocarcinoma intestinal;
d) Gastrenterite ulcerativa grave, tal como a gastrenterite eosinofílica;
e) Trauma;
f) Doença idiopática do trato urinário inferior felino;
g) Infecções parasitárias, em particular, infestações
intensas de pulgas e de tênias.
Figura 1.
Esfregaço sanguíneo de um gato com resposta fortemente
regenerativa, com presença de glóbulo vermelho nucleado (seta
de tamanho médio), policromasia e anisocitose (setas estreitas)
e um corpo de Howell-Jolly (seta larga).
Tabela 3.
Orientações de quando se deve considerar o
diagnóstico diferencial de FeLV e FIV para gatos(7)
• Gatos doentes, mesmo com resultados negativos nos testes
no passado;
• Todos os gatos adultos e filhotes na ocasião da aquisição,
seguido de um segundo teste, no mínimo, 60 dias depois;
• Na sequência de exposição a um gato positivo para
retrovírus, ou de mordedura por um gato, seguido de um
segundo teste 60 dias depois (pelo menos 30 dias se a
exposição foi ao vírus FeLV);
• Anualmente para os gatos positivos para retrovírus, ou para
os gatos que tenham acesso ao exterior;
• Antes da primeira vacinação para FeLV ou FIV;
• Os doadores de sangue devem ter resultados negativos
através de ELISA e, quando disponível, PCR em tempo real,
para FeLV e FIV;
• A repetição do teste de modo intermitente dos gatos
negativos é apenas recomendada se existir oportunidade de
exposição a gatos infectados ou se os gatos ficarem doentes.
Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 33
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 34
de Heinz (Figura 2). Os eritrócitos felinos são mais
sensíveis a estas lesões oxidativas que os eritrócitos
caninos, devido ao maior número de grupos sulfidrilo
na hemoglobina felina quando comparada com a
hemoglobina canina. Exemplos de toxinas oxidativas
incluem o acetaminofeno, o zinco, a cebola, o alho e
os anestésicos locais;
f) Lesão microangiopática dos eritrócitos: a lesão de
pequenos vasos do endotélio resulta na deposição
de fibrina e na agregação plaquetária. Os glóbulos
vermelhos sofrem fragmentação à medida que
atravessam os vasos lesados, resultando em hemólise
intravascular, por vezes evidenciada pela presença de
esquisócitos nos esfregaços sanguíneos.
Figura 2.
Esfregaço sanguíneo de um gato evidenciando grandes
quantidades de corpos de Heinz (setas).
Os sinais clínicos de perda de sangue incluem a existência de petéquias, equimoses, epistaxis, hematemese,
melena, hematomas e hemartrose. A hemorragia interna
pode manifestar-se sob a forma de distensão abdominal
ou de taquipnéia.
O aumento da destruição dos RBC pode ser resultado
de:
a) Doença auto-imune primária: é menos comum em
gatos que em cães;
b) Doença auto-imune secundária a infecção, neoplasia
ou fármacos: as causas secundárias mais comuns de
anemia hemolítica imunomediada nos gatos são
infecciosas (ver em baixo);
c) Defeitos adquiridos nos RBC: defeitos como a fragilidade osmótica e a deficiência na enzima piruvato
quinase têm sido particularmente observadas em
gatos das raças Somali e Abissínio, cujos diagnósticos podem ocasionalmente ser confundidos
com a anemia hemolítica imunomediada (2,3);
d) Hipofosfatemia: a hemólise aguda seguida de hipofosfatemia pode ocorrer na sequência de realimentação, após um longo período de anorexia, ou na
sequência de insulinoterapia no caso de
cetoacidose diabética;
e) Causas tóxicas que resultam em lesão oxidativa nos
glóbulos vermelhos incluindo a formação de corpos
34 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009
Os sinais clínicos indicadores de hemólise incluem
esplenomegalia, icterícia, hemoglobinemia e hemoglobinúria. Em comparação com os RBCs caninos, os
RBCs felinos são menores e não apresentam palidez
central, assim os esferócitos não são normalmente
identificáveis nos gatos.
Existem diversos microrganismos patogênios passíveis de
causar anemia nos gatos, sendo os mais comuns os vírus
que estão na origem de doenças infecciosas como a
leucemia e a imunodeficiência felina, as infecções pelo
micoplasma hemotrópico felino e o vírus da peritonite
infecciosa felina. A abordagem diagnóstica destas
infecções, bem como os mecanismos através dos quais
estas causam anemia, estão evidenciados abaixo. Outras causas infecciosas de anemia felina que apresentam
uma distribuição geográfica mais restrita incluem os
parasitas protozoários transmitidos por vetores, tais
como o Cytauxzoon felis e a Babesia felis. O Cytauxzoon
felis ocorre nas regiões central sul e sudoeste dos
Estados Unidos e foi recentemente detectado num gato
na França (4). A Babesia felis infecta gatos nas regiões
costeiras da África do Sul (5,6). Foram identificadas
outras espécies de Babesia em gatos na Europa, na Índia
e em outras regiões de África e em Israel.
Vírus da Leucemia felina
e da Imunodeficiência felina
O vírus da leucemia felina (FeLV) e o vírus da imunodeficiência felina (FIV) são retrovírus que continuam a
constituir causas importantes de síndromes de imunodeficiência, anemia, sinais clínicos neurológicos e neoplasia nos gatos em todo o mundo. O diagnóstico inicial
da infecção por FeLV baseia-se na detecção do antígeno
viral no sangue periférico. De forma diferente, o
diagnóstico da infecção por FIV é com frequência feito
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 35
CAUSAS INFECCIOSAS DE ANEMIA EM GATOS
na sequência da detecção de anticorpos anti-FIV
circulantes. Com exceção dos filhotes com anticorpos
maternos e dos gatos vacinados contra a FIV, um título
positivo de anticorpos está correlacionado com a
infecção ativa, porque a infecção por FIV persiste ao
longo de toda a vida do gato. Os ensaios comercialmente disponíveis para efeitos de pesquisa utilizam a
tecnologia do imunoensaio enzimático (ELISA enzyme-linked immunosorbent assay) e incluem
dispositivos de fluxo lateral (tal como o SNAP FIV
Antibody/FeLV Antigen Combo Test, Laboratórios
IDEXX), que têm sido comercializados como testes
rápidos, ou POCT (point-of-care test), e como ensaios
em placas de microtitulação Microwell. Para ambas as
infecções virais, podem ocorrer resultados falsos negativos na fase precoce da infecção. Assim, os gatos que
obtiverem testes negativos devem ser retestados após
> 30 dias para uma possível exposição ao FeLV, e após
> 60 dias para o FIV (7). A maioria dos ensaios para a
infecção por FeLV são altamente sensíveis e específicos
(8,9), e os falsos negativos parecem ser raros nos gatos
com doença relacionada com FeLV. Os gatos podem
apresentar regressão da infecção por FeLV, na qual o
DNA viral se integra no genoma hospedeiro mas é
controlado pelo sistema imunológico e não continua,
por isso, a causar doença. Como resultado, é necessária
a confirmação da progressão da doença através da
utilização de testes de imunofluorescência de
anticorpos no sangue ou na medula óssea, ou ainda
da utilização repetida de testes ELISA com intervalos de
3 a 4 meses. Os gatos cujos resultados foram positivos
com estes últimos métodos apresentam maior susceptibilidade de desenvolverem uma doença relacionada
com o FeLV. Atualmente, é recomendada a utilização de
outro ensaio ELISA ou do Western immunoblotting para
confirmar a infecção por FIV. O teste Western immunoblotting detecta anticorpos para uma gama de antígenos
FIV que tenham sido isolados e transferidos para uma
membrana de nitrocelulose, mas pode ser menos sensível
que o ELISA. Podem também ocorrer resultados falsos
negativos no caso de infecção por FIV em gatos com
doença avançada que sejam incapazes de sintetizar
anticorpos suficientes para a detecção através da
metodologia de ELISA ou do Western immunoblotting. Estes gatos podem apresentar resultados
positivos em ensaios desenvolvidos para detectar o
ácido nucléico do retrovírus (ensaios de reação em
cadeia da polimerase). Infelizmente, pode ser
problemático garantir a qualidade de alguns
laboratórios que oferecem ensaios de reação em
cadeia da polimerase para os patógenos veterinários e,
além disso, estes ensaios não se encontram facilmente
disponíveis em alguns países. Recentemente, foram
publicadas orientações extensivas para o teste,
prevenção, tratamento e abordagem dos retrovírus
(7). As orientações para os testes estão resumidas na
Tabela 3.
Um estudo Norte-Americano que incluiu mais de 18000
gatos estimou a prevalência total das infecções por FeLV
e FIV como sendo de cerca de 2,3% e 2,5%, respectivamente (2). A transmissão de FIV ocorre inicialmente
através de mordedura e, como tal, os gatos machos de
vida livre que despendem mais tempo no exterior
apresentam um risco aumentado para a infecção. Da
mesma forma, a prevalência da infecção de 18,2% foi
documentada em gatos doentes selvagens de vida livre,
enquanto que a prevalência dos gatos saudáveis com
modo de vida domiciliada foi de apenas 0,7%. A
transmissão do FeLV ocorre predominante através do
contato próximo com secreções salivares de gatos
infectados. A mordedura, em si, pode ser um meio
menos importante de transmissão. Foi descrita
recentemente a excreção fecal e urinária do FeLV,
podendo também desempenhar um papel importante
na transmissão (10,11).
A infecção progressiva com FeLV está associada a uma
variedade de manifestações clínicas, incluindo neoplasia,
especialmente o linfoma e a leucemia, alterações neurológicas, anemia e imunodeficiência com ocorrência de
infecções oportunistas (Tabela 4). A anemia pode resultar
da multiplicidade de diferentes mecanismos,
incluindo a diminuição da produção de RBC e o aumento
da sua destruição. Aproximadamente 90% das anemias
associadas à leucemia felina são não-regenerativas,
normalmente como consequência da diminuição da
produção de glóbulos vermelhos (Tabela 5). A diminuição da produção de glóbulos vermelhos pode resultar
de uma variedade de distúrbios da medula óssea. A
infecção com o subtipo C do FeLV resulta em aplasia
verdadeira dos glóbulos vermelhos, e anemia nãoregenerativa severa associada à depleção de precursores
eritróides na medula óssea. Isto foi demonstrado recentemente como sendo resultante da ligação e interferência
com uma proteína exportadora do heme, e subsequente
toxicose do heme, ao eritrócito em desenvolvimento
(12). Os gatos infectados com FeLV podem desenvolver
macrocitose eritrocitária e anemia não-regenerativa. O
FeLV foi associado ao desenvolvimento de anemia
aplástica em alguns gatos, tratando-se de uma deficiência em todas as linhagens celulares (plaquetária,
Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 35
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 36
Tabela 4.
Possíveis manifestações clínicas da infecção com os
vírus da leucemia felina e da imunodeficiência felina
Vírus da leucemia
felina
Vírus da
imunodeficiência felina
• Imunossupressão que conduz a • Imunossupressão que
conduz a infecções
infecções oportunistas ou
oportunistas ou severas,
severas, tais como estomatite
tais como estomatite
• Linfoma, especialmente
• Neoplasia, especialmente
mediastínico, multicêntrico,
linfoma e carcinoma das
renal, e linfoma epidural
células escamosas, mas
• Leucemia
também doença
• Falha reprodutiva e síndrome
mieloproliferativa
do definhamento ou ''kitten
• Fraqueza crônica
fading syndrome''
• Sinais neurológicos
• Fibrossarcomas (com vírus do
• Enterite
sarcoma felino)
• Neuroblastomas olfativos
• Múltiplos osteocondromas
• Cornos cutâneos
Embora, as anemias severas sejam menos comuns nos
gatos FIV positivos, quando comparados com os gatos
FeLV positivos, pode existir anemia leve a moderada
não-regenerativa, a partir de doença inflamatória e da
diminuição da função da medula óssea secundária a
infecção viral per se, apesar do mecanismo ainda não
ser claro (13). Muitos gatos FIV positivos são geriátricos
e a presença da doença renal crônica concomitante
pode igualmente contribuir para a anemia. As infecções
concomitantes por hemoplasmas podem, também,
constituir uma causa de anemia em gatos FIV positivos.
• Aplasia verdadeira dos glóbulos
vermelhos
• Mielodisplasia
• Mielofibrose
• Anemia aplástica
• Doença neurológica, incluindo
midríase e incontinência
urinária
• Doença imunomediada
• Enterite
Tabela 5.
Mecanismos de anemia em gatos
infectados com FeLV
Categoria
Diminuição da produção de
glóbulos vermelhos
Mecanismo subjacente
Aplasia verdadeira dos
glóbulos vermelhos
(FeLV-C)
Anemia aplástica
Leucemia
Mielofibrose
Anemia de doença inflamatória
Perda de glóbulos vermelhos Trombocitopenia secundária a
doença imunomediada ou
doença medular
Aumento da destruição de
glóbulos vermelhos
36 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009
mielóide e eritróide) na medula óssea, em que o espaço
medular é substituído por tecido adiposo. A disfunção
da medula óssea pode também ser resultado de
mieloptise secundária a leucemia, displasia mielóide
e eritróide (maturação alterada dos precursores medulares) e mielofibrose (Figura 3). A anemia nos gatos com
infecção por FeLV pode, também, resultar de anemia
por doença inflamatória, a qual pode ser secundária
à própria infecção com FeLV, a infecções oportunistas
ou a doença neoplásica. A destruição aumentada de
glóbulos vermelhos pode ocorrer em alguns gatos
infectados com FIV como resultado de anemia hemolítica imunomediada ou co-infecção com outros agentes
patogênicos hemolíticos, especialmente hemoplasmas
(microplasma hemotrófico). Finalmente, a anemia
pode ser o reflexo de hemorragia como consequência
de trombocitopenia.
Anemia hemolítica
imunomediada associada a FeLV
Co-infecção com hemoplasmas
Como em qualquer gato doente, os gatos anêmicos
devem ser testados quanto às infecções por FIV e FeLV.
Uma vez estabelecida uma infecção por um retrovírus,
deve proceder-se a uma tentativa de identificação da
causa subjacente de anemia. Isto implica a avaliação
rigorosa do hemograma, com especial atenção ao
índice e à morfologia dos eritrócitos, e observação
cuidadosa do esfregaço sanguíneo. Quando possível,
deve também ser realizado o teste para a co-infecção
com micoplasmas hemotrópicos através da técnica de
reação em cadeia da polimerase (ver abaixo). Está
indicada a avaliação da medula óssea, incluindo
aspiração e biópsia de tecidos quando existe
pancitopenia ou anemia não-regenerativa inexplicadas. O tratamento da anemia severa em gatos
positivos para retrovírus requer transfusão sanguínea,
após prova de compatibilidade cruzada e tipologia
sanguínea, bem como o tratamento de qualquer
causa subjacente, quando evidente. A utilização de
eritropoietina recombinante, em conjunto com a
suplementação de ferro, pode ser benéfica em gatos
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CAUSAS INFECCIOSAS DE ANEMIA EM GATOS
com anemia não-regenerativa severa. Em alguns casos,
pode verificar-se uma resposta favorável a doses
imunossupressoras de prednisolona (1 a 2mg/kg, PO,
BID). Uma vez que os glicocorticóides podem prejudicar a resposta imunológica e implicar em aumento
do risco de infecção, a prednisolona deve apenas ser
utilizada caso haja forte suspeita de patogênese
imunomediada subjacente e após a exclusão da
existência de co-infecção com outros agentes
patogênicos. Isto é conseguido através de trabalho
diagnóstico extenso que inclui idealmente exame físico
rigoroso, análises sanguíneas, análise de urina,
urocultura, radiografias torácicas e ultrassonografia
abdominal.
Micoplasmas hemotrópicos
Os micoplasmas hemotrópicos, também conhecidos
como hemoplasmas e atualmente reconhecidos por
causarem infecção nos gatos são: o Mycoplasma
haemofelis (Mhf), o ‘Candidatus Mycoplasma haemominutum’ (Mhm) e o Mycoplasma turicensis (Mtc).
Anteriormente designados por Haemobartonella felis,
estes microrganismos são bactérias pequenas, gram
negativas que aderem à superfície dos eritrócitos, tendo
sido identificadas em todo o mundo. Recentemente, o
Mycoplasma suis, um hemoplasma suíno, foi descrito
como sendo capaz de invadir os eritrócitos e o mesmo é
provavelmente verdade no caso dos hemoplasmas
felinos, embora sejam necessários estudos adicionais
para confirmar esta afirmação (14). O modo de transmissão destes organismos ainda precisa ser esclarecido.
Foram sugeridos como possíveis vetores os artrópodes,
especialmente as pulgas e, mais recentemente, foram
detectados na saliva o Mhm e o Mtc, sugerindo a
possibilidade da transmissão através da mordedura
(15,16). Os gatos machos com um modo de vida predominantemente exterior apresentam maior probabilidade de serem positivos para os hemoplasmas, confirmando a possível contribuição das mordeduras na
transmissão. São necessários estudos de transmissão
utilizando saliva infectada para determinar se este tipo
de transmissão pode ou não ocorrer.
A patogenicidade de cada uma das três espécies de
hemoplasma parece variar. A Mhf é a espécie mais patogênica, causando anemia hemolítica severa, reticulose
marcada, normoblastose e, por vezes, leucopenia e
trombocitopenia, podendo ser acompanhada de febre e
icterícia, mesmo nos gatos imunocompetentes. Os gatos
jovens parecem estar mais predispostos a desenvolverem
a doença severa. Os gatos saudáveis, não anêmicos,
Figura 3.
Citologia de um aspirado da medula óssea evidenciado leucemia,
aplasia eritróide, displasia granulocítica e aumento da eosinofilopoiese em gato anêmico suspeito de infecção por FeLV
(cortesia do Dr. Amir Kol).
raramente estão infectados com a espécie Mhf. Pelo
contrário, e de um modo geral a Mhm é considerada
não patogênica ou apenas ligeiramente patogênica em
gatos imunocompetentes. A Mhm infecta aproximadamente 15 a 25% da totalidade dos gatos, e porque a
Mhm é com frequência encontrada tanto em gatos não
anêmicos como gatos anêmicos, devem ser procuradas
outras possíveis causas de anemia em gatos anêmicos
com teste positivo para a Mhm, uma vez que a sua
presença pode ser mera coincidência. Pode ser
observada uma anemia severa nos gatos imunodeprimidos que são infectados com a estirpe Mhm, tal
como sucede com os gatos infectados concomitantemente com FeLV. A verdadeira patogenicidade da Mtc
não foi ainda bem estabelecida, embora pareça também
ser muito menos patogênica que a Mhf nos gatos infectados naturalmente (17). É menos prevalente do
que a Mhm e, na maioria dos estudos, de prevalência
semelhante à da espécie Mhf (Tabela 6). Em alguns
gatos podem ocorrer co-infecções com múltiplas
espécies de hemoplasmas (17-21).
O diagnóstico da hemoplasmose é feito com base no
exame citológico de esfregaços sanguíneos e PCR, ou
ambos. Utilizando o microscópio óptico, a Mhm é
muito pequena (0,3μm) e difícil de identificar. A Mhf
Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 37
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 38
Figura 4.
Esfregaço sanguíneo de um gato anêmico evidenciando os
organismos Mycoplasma haemofelis (setas).
surge como pequenos corpos cocóides basofílicos (0,30,6μm) na superfície dos eritrócitos, formando por
vezes curtas cadeias de organismos, embora nem
sempre ser possível diferenciar a Mhm e a Mhf com base
na avaliação de esfregaços sanguíneos, através do
microscópio óptico (Figura 4). A Mtc foi recentemente
descoberta na Suíça e há estudos que sugerem que
apresenta uma distribuição mundial. Os níveis de
bacteremia com a Mtc são muito inferiores aos descritos
para as espécies Mhm e Mhf, e a espécie Mtc nunca foi
identificada em esfregaços sanguíneos, mesmo em
estudos envolvendo infecções experimentais. A sensibilidade da avaliação citológica dos esfregaços sanguíneos
para o diagnóstico da hemoplasmose é reduzida, cerca
de 30%, uma vez que os organismos corados podem
estar ausentes nos esfregaços sanguíneos, mesmo no caso
de gatos severamente anêmicos. O precipitado de
corante e os artefatos resultantes da secagem podem ser
confundidos com hemoplasmas, resultando em baixa
especificidade. Os testes PCR para a detecção de DNA
de hemoplasmas em amostras sanguíneas variam na
sua capacidade de detecção e identificação de
diferentes espécies, por isso, é melhor o clínico consultar
o laboratório com que normalmente trabalha de forma
a determinar as espécies identificadas. A detecção de
Mhf tem maior relevância num gato anêmico que a
detecção de Mhm. Os ensaios de PCR em tempo real
foram desenvolvidos por uma série de pesquisadores
para detectarem especificamente a Mhm, Mtc ou Mhf, e
estão disponíveis em determinados laboratórios de
diagnóstico na Europa e nos Estados Unidos. Estes ensaios
são também capazes de uma quantificação aproximada
da infecção num gato em particular, o que contribuiu
para uma maior compreensão da patogênese destas
Tabela 6.
Prevalência mundial das espécies de hemoplasma que infectam os gatos, determinado através da
utilização da metodologia de PCR em tempo real (17-21).
Prevalência (%)
Localização
geográfica
Amostragem
da população
Mycoplasma
haemofelis
Mycoplasma
turicensis
‘Candidatus
Mycoplasma
haemominutum’
2,8
1,7
11,2
Reino Unido
1585 gatos doentes
Reino Unido
426 gatos doentes e saudáveis
1,6
2,3
17,1
África do Sul
69 gatos suspeitos de apresentar
hemoplasmose
14,5
26,1
37,7
Austrália
147 majoritariamente gatos doentes
4,8
10,2
23,8
Suíça
713 gatos doentes e saudáveis
1,5
1,3
10,0
Norte da Itália 307 gatos anêmicos e não
anêmicos
5,9
1,3
17,3
Reino Unido
263 gatos doentes
0,5
0,5
16,0
Reino Unido
310 gatos com possível
hemoplasmose
4,8
6,1
23,5
38 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 39
CAUSAS INFECCIOSAS DE ANEMIA EM GATOS
Figura 5.
Lesões piogranulomatosas no rim de um gato com PIF (cortesia da Dra. Megan Jones).
infecções nos gatos.
O tratamento da hemoplasmose envolve a utilização de
doxiciclina (10mg/kg, PO, SID), durante pelo menos 2
semanas. Os gatos que não toleram a doxiciclina devem
ser tratados com enrofloxacina como alternativa. As transfusões sanguíneas também podem ser necessárias. O
tratamento concomitante com prednisona, para tratar
a anemia hemolítica imunomediada secundária, é
controversa e deve ser evitada se possível, uma vez que
os glicocorticóides apresentam o potencial de reativar
infecções latentes por hemoplasmas. Embora a anemia
se resolva em gatos tratados, a maioria dos gatos
permanece infectado de forma latente e a doença pode
reaparecer após imunossupressão ou doença
concomitante. Os antimicrobianos parecem ser menos
eficazes na redução da carga dos organismos em gatos
infectados com Mhm (22). Recentemente, a Mhf foi
identificada no Brasil através de PCR num paciente
HIV-positivo com anemia e que estava também coinfectado com Bartonella (23). Deste modo, estes organismos parecem apresentar o potencial de infectar humanos.
A extensão e relevância da infecção humana com hemoplasmas ainda não foi determinada.
Infecção viral por peritonite
infecciosa felina (PIF)
O vírus da peritonite infecciosa felina causa vasculite
progressiva piogranulomatosa sistêmica, que mais
frequentemente infecta gatos jovens e de raça (Figura
5). O coronavírus entérico felino relativamente
avirulento é considerado capaz de adquirir mutações
que lhe permitem infectar e replicar nos macrófagos, o
que em gatos geneticamente susceptíveis pode
conduzir a superprodução de citocinas próinflamatórias e desenvolvimento de peritonite infecciosa
felina. Nos gatos com PIF pode se desenvolver anemia
leve a moderada. Mais frequentemente os gatos
apresentam anemia leve não-regenerativa provavelmente relacionada com doença inflamatória. Uma
anemia mais severa pode resultar da hemorragia
secundária a coagulopatias, que por sua vez são resultantes de falha hepática e/ou de trombocitopenia. Pode
ocorrer anemia hemolítica imunomediada secundária,
como resultado de alteração da regulação imunológica
induzida pelo vírus, ou aumento da destruição de
eritrócitos, resultado de lesão microangiopática dos
eritrócitos, como consequência da vasculite generalizada. O diagnóstico de PIF permanece um desafio, uma
vez que não existe nenhuma mutação que diferencie
o coronavírus entérico felino avirulento da forma
virulenta do vírus da peritonite infecciosa felina. A
resposta sorológica à infecção é similar para cada
organismo. Pode ser utilizada a técnica de PCR para
detectar o coronavírus felino em tecidos, mas o coronavírus entérico felino pode ser encontrado em tecidos
não entéricos e no sangue de gatos saudáveis. Assim, os
resultados positivos de PCR não se correlacionam
Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 39
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 40
CAUSAS INFECCIOSAS DE ANEMIA EM GATOS
necessariamente com a existência de PIF. Embora
um novo ensaio de PCR para a detecção do mRNA
do coronavírus felino no sangue periférico tenha
sido inicialmente considerado como sendo sensível
e específico para o diagnóstico de PIF (24), uma
publicação recente proveniente da Turquia, utilizando
ensaio semelhante, descreveu resultados positivos no
sangue de 14 de 25 gatos saudáveis, sugerindo que tais
ensaios podem não ser específicos para o diagnóstico
de PIF (25). Atualmente, o diagnóstico depende de
uma combinação de alterações clínicas, da exclusão
de outras causas possíveis e, idealmente, da
demonstração de características histopatológicas em
tecidos, na sequência de biópsia ou de necrópsia.
Presentemente, a base do tratamento implica a
realização de cuidados paliativos e de terapia
glicocorticóide. Continuam as investigações de forma a
identificar outros antivirais e/ou imunomoduladores
que possam apresentar eficácia para o tratamento desta
doença progressiva e fatal.
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RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 41
COMO TRATAR...
Colangite
felina
1. Colangite neutrofílica (previamente designada por
colangite/colangiohepatite supurativa ou exsudativa);
2. Colangite linfocítica (anteriormente designada por
colangiohepatite linfocítica, hepatite portal linfocítica
ou colangite não-supurativa);
3. Colangite crônica associada a parasitas hepáticos
(Opisthorchiidae).
Allison German, BVSc, MSc, PhD, MRCVS
Universidade de Liverpool, Hospital Universitário
de Pequenos Animais, RU
A Dra German formou-se em 1997 na Universidade de
Bristol. Desde então tem trabalhado em clínicas
particulares. Completou o mestrado em Saúde de
Animais Selvagens, obteve o seu doutorado em
retrovírus felinos e trabalhou como cientista pósdoutorada em doenças infecciosas zoonóticas tropicais.
Nos últimos 3 anos, trabalha como oradora para a
Protecção dos Gatos em Medicina Felina da
Universidade de Liverpool.
A
colangite felina é uma doença relativamente
frequente em gatos e é muito diferente das
doenças hepáticas que se observam nos cães. O
tratamento pode ser um pouco confuso, especialmente
se não se tiver a certeza de qual é exatamente a causa
subjacente da doença. Este artigo pretende fazer uma
revisão geral da classificação da colangite, considerar os
sinais clínicos e as opções de diagnóstico disponíveis, e
olhar para a abordagem prática do tratamento de gatos
com colangite.
Definição e classificação
histopatológica
A colangiohepatite felina foi recentemente designada
por colangite felina e subclassificada em três condições
histopatológicas pelo Grupo de Padronização Hepática
do WSAVA.
Além de doença hepática, os gatos com colangite
podem também apresentar pancreatite e distúrbios
gastrintestinais concomitantes, consistentes com tríade
felina. Um estudo Americano em 1996 demonstrou
que 80% dos gatos com doença hepática apresentavam
doença inflamatória intestinal concomitante e que
50% evidenciava sinais de pancreatite. Para efeito do
presente artigo, iremos considerar a colangite como
uma condição isolada.
No entanto, o clínico deve ter em mente o envolvimento
frequente destes outros órgãos e consultar os artigos
relevantes para o tratamento adequado.
Colangite neutrofílica
Acredita-se que a colangite neutrofílica possa constituir
uma infecção ascendente do trato gastrintestinal
podendo, por isso, estar mais frequentemente associada
a pancreatite. É mais comum em gatos idosos. Histologicamente, são observados neutrófilos no lúmen biliar
e/ou epitélio biliar. As áreas portais podem também
estar afetadas por edema e inflamação neutrofílica. A
doença pode difundir-se de modo agudo para o parênquima e causar abscedação; na sua vertente crônica,
pode ser observado um infiltrado inflamatório misto
nas áreas portais, ocasionalmente com fibrose e proliferação do ducto biliar. A doença pode estar, por vezes,
associada a estase biliar (causando icterícia) devido a
inflamação e não tanto a obstrução.
Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 41
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 42
COMO TRATAR...
Figura 1.
Gato com mucosas ictéricas e com sonda nasoesofágica. A
icterícia é observada na superfície interna do pavilhão auricular
e na conjuntiva.
Os sinais clínicos incluem letargia, pirexia, anorexia e
icterícia (variável) (Figura 1). Ocasionalmente, os gatos
podem demonstrar dor abdominal. Os indicadores de
diagnóstico incluem a elevação da fosfatase alcalina, da
alanina transferase e da gama glutamil transferase;
hiperbilirrubinemia e elevação dos ácidos biliares séricos.
Em alguns casos, pode observar-se uma neutrofilia com
desvio à esquerda. O exame ultrassonográfico pode
revelar o espessamento da vesícula biliar e a existência
de lama biliar, mas por vezes não existe nenhuma
alteração ultrassonográfica, sendo considerado normal
(Figura 2). Ocasionalmente, o fígado pode apresentarse hiperecogênico. Se existir estase biliar, o ducto
comum pode encontrar-se proeminente ou distendido.
Simultaneamente, pode ocorrer colelitíase, como
causa ou consequência de obstrução biliar. O diagnóstico
deve ser baseado na aspiração biliar (guiada por
ultrassonografia) e na cultura. Uma biópsia hepática
ajuda a confirmar o diagnóstico. Geralmente, estão
envolvidas bactérias de origem gastrintestinal na
colangite neutrofílica, ex. E. coli, Pseudomonas spp. ou
Enterococcus spp. A cultura do tecido hepático raramente fornece um resultado positivo. Como o
organismo infectante provavelmente ascendeu do trato
gastrintestinal, deve ser utilizado um bom fármaco de
largo espectro, que tenha um efeito bactericida e que
seja eficaz contra organismos anaeróbios. Os
antibióticos devem ser preferencialmente excretados
pela bile e possuir um metabolismo hepático mínimo.
42 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009
Enquanto se aguardam os resultados da cultura e do
teste de sensibilidade, a amoxicilina combinada com o
ácido clavulânico são uma boa escolha inicial.
Alternativamente, podem ser utilizadas cefalosporinas
ou fluoroquinolonas combinadas com metronidazol. O
tratamento deve ser continuado durante 4 a 6 semanas,
no mínimo. O ideal é repetir a cultura biliar, após a
antibióticoterapia, de modo a garantir a resolução da
infecção. Contudo, raramente é feito na prática clínica,
devido à necessidade de sedação ou anestesia geral.
Além disso, o risco de derrame biliar, como complicação
potencial da aspiração, ultrapassa os benefícios deste
procedimento, a menos que haja indicação e que a
infecção seja refratária ao tratamento. De modo
ocasional, nos casos refratários ou recorrentes, a
duração do tratamento antibiótico pode necessitar ser
prolongada. Geralmente, estes casos apresentam bom
prognóstico, particularmente se o tratamento for
iniciado de forma precoce. Os casos mais severos
podem desenvolver fibrose.
Nos casos com estase biliar, apesar do tratamento
antibiótico, devido a inflamação acentuada, pode ser
indicada uma dose baixa de prednisolona de 1mg/kg,
SID. Nos casos de obstrução biliar, pode ser indicada a
colecistoduodenostomia, caso o tratamento médico não
resolva a condição. No entanto, este procedimento
está associado a fraca recuperação e deve apenas ser
considerado como último recurso.
O prognóstico dos casos não complicados é razoavelmente favorável, tendo um estudo apresentado tempo
médio de sobrevivência de 29 meses. A existência
concomitante de pancreatite ou de doença inflamatória
intestinal pode tornar a escolha do tratamento mais
complexa, sendo o prognóstico menos favorável nestes
casos. Os casos que envolvam a intervenção cirúrgica
apresentam, obviamente, prognóstico reservado.
Colangite linfocítica
A colangite linfocítica é caracterizada por perfil
histopatológico crônico, que progride ao longo de
meses a anos, e que pode ter um início clinicamente
silencioso. É mais comum em gatos jovens e nos Persas.
A patofisiologia subjacente é desconhecida, embora se
suspeite de um processo imunomediado. Alternativamente, pode ocorrer associada a infecções, como a
infecção causada por espécies do tipo Helicobacter.
Histologicamente são observados pequenos linfócitos
nas zonas portais. Podem também estar presentes fibrose portal e proliferação do ducto biliar com infiltração
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 43
COLANGITE FELINA
de células plasmáticas e eosinofílicas; a fibrose pode ser
extensa. Devido o trato biliar encontrar-se inflamado e
anormal, há uma maior susceptibilidade para adquirir
infecções secundárias de origem gastrintestinal, fato
que pode conferir um perfil inflamatório celular misto
(Figura 3).
ES
Sinais clínicos
Os sinais clínicos podem incluir letargia, inapetência,
vômito, perda de peso, distensão abdominal devido a
efusão abdominal, presença de margens hepáticas palpáveis e icterícia (variável). No entanto, o gato pode estar
pouco debilitado face ao seu perfil diagnóstico e pode
apresentar polifagia. Os principais diagnósticos
diferenciais são o linfoma de pequenas células de fraca
definição, obstrução extra-hepática do ducto biliar e
peritonite infecciosa felina.
Indicadores de diagnóstico
Os indicadores de diagnóstico incluem hipergamaglobulinemia, aumento das enzimas hepáticas, hiperbilirrubinemia, aumento dos ácidos biliares séricos,
linfopenia e, por vezes, neutrofilia ligeira e anemia. A
ultrassonografia demonstra a presença de hepatomegalia
com aumento difuso da ecodensidade e distensão dos
ductos biliares intra e extra-hepáticos (dependendo de
cada caso em individual e da sua cronicidade). Uma
biópsia hepática permite determinar o diagnóstico.
GBW
Figura 2.
Imagem ultrassonográfica da vesícula biliar de um gato com
colangite. A parede da vesícula biliar (GBW) apresenta-se
espessada e verifica-se a existência de lama ecogênica (ES)
na bile.
tória e a aliviar a obstrução biliar. Este fármaco foi utilizado como tratamento primário único (na sequência
de um estudo na Universidade de Utrecht, o qual
demonstrou a ausência de benefício da administração de
corticóides na sua população de estudo) ou como
tratamento adjuvante. Foi descrito um tempo médio de
sobrevivência de 37 meses para gatos com colangite
linfocítica.
Tratamento
A administração de corticosteróides tem sido tradicionalmente considerada como sendo o tratamento primário,
tanto na redução da inflamação e, por consequência, da
lesão imunomediada do fígado, como na proteção
contra o desenvolvimento de fibrose. Os gatos não
desenvolvem fibrose no mesmo grau de extensão que os
cães, mas continua a ser uma possível e indesejada
complicação da doença crônica ou severa. As doses de
prednisolona de 1 a 2mg/kg BID, devem ser descontinuadas lentamente, durante um período de 6 a 12
semanas, de acordo com a severidade do caso. Se existir
pancrea-tite concomitante, a autora prefere a utilização
da menor dose do intervalo de dosagem. Foram
indicados outros fármacos imunossupressores e antifibróticos, mas a sua utilização não é difundida em todo
o mundo e existe pouca informação que sustente a
sua eficácia. É aconselhada a administração de
antibióticos durante as primeiras quatro semanas,
utilizando amoxicilina potencializada como tratamento
de precaução para infecções secundárias. O ácido
ursodesoxicólico na dose de 10 a 15mg/kg, PO, SID ou
dividido BID, ajuda a suprimir a resposta inflama-
Colangite crônica associada
a parasitas hepáticos
A colangite crônica associada a parasitas hepáticos foi
descrita em gatos em áreas endêmicas (Europa, Américas,
Ásia, Sibéria). O Metorchis albidus foi observado no
Norte da Europa e o Opisthorchis felineus por toda a
Europa. De um modo geral, não existe esta condição no
Reino Unido, no entanto, a possibilidade de colangite
crônica associada a parasitas deve constar como diagnóstico diferencial no caso de gatos que tenham viajado
através de zona endêmica. A doença é adquirida através
da ingestão de caracóis, lagartos ou peixe cru (hospedeiros intermediários). As principais observações
histológicas são a existência de ductos biliares dilatados
com projeções papilares, bem como fibrose periductal e
portal. Os parasitas e os ovos de parasitas hepáticos nem
sempre são observáveis. A condição pode progredir para
carcinoma colangiocelular. O diagnóstico é realizado
através da demonstração de existência de ovos de
parasitas nas fezes e por biópsia hepática. Um exemplo
de tratamento é o praziquantel na dose de 20mg/kg, PO
ou SC, SID durante três dias (fora das recomendações de
referência).
Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 43
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 44
COMO TRATAR...
culatura hepática. A utilização de dispositivos automáticos de biópsia deve ser evitada devido à elevada taxa
de mortalidade observada em gatos, resultante do intenso
tônus vagal e choque. É preferível o sistema de agulha
semi-automática. De modo a minimizar o risco de
hemorragia pós-biópsia, deve ser realizado um perfil de
coagulação e uma administração de vitamina K durante
três dias, como medida preventiva (ver abaixo).
BA
MCI
HCV
Biópsia cirúrgica
Figura 3.
Histologia de biópsia hepática obtida por cirurgia de um gato
com tríade felina. Verifica-se a existência de hiperemia ligeira,
vacuolização hepatocelular moderada (HVC) (consistente com
um nível leve a moderado de lipidose hepática) e um pequeno
acúmulo de bilirrubina (BA), bem como rolhões biliares
dispersos (indicando estase biliar). Observa-se infiltração celular
mista (MCI) moderada portal (linfocítica e neutrofílica) e
colangite.
Amostragem hepática
Aspirações por agulha fina guiadas
por ultrassom
Estes aspirados são de valor diagnóstico limitado na
colangite, uma vez que não é possível avaliar a arquitetura hepática. No entanto, nos casos de suspeita de
colangite neutrofílica, pode ser de valor inestimável
realizar a aspiração de bile para proceder a cultura.
Também, podem ser interessantes para o diagnóstico
por permitir a diferenciação de lipidose hepática. Existe
sempre o risco de hemorragia. Assim, como precaução,
devem ser realizados os perfis de coagulação e a
administração de vitamina K (ver abaixo). Caso ocorra
derrame a partir do local de aspiração, o risco de
peritonite com bile é reduzido. Algumas sugestões para
reduzir ainda mais este risco incluem a aspiração da
vesícula biliar a partir do tecido hepático que, deste
modo, ajuda a selar e a drenar por completo a vesícula
biliar.
Biópsia por agulha grossa ou Tru-cut
guiadas por ultrassom
Estas biópsias são muito úteis em animais doentes ou
geriátricos e quando uma celiotomia exploratória envolve
maior precaução. No entanto, deve ter-se bastante cuidado ao interpretar um diagnóstico, uma vez que as
amostras são relativamente pequenas e pode falhar o
diagnóstico correto. Recomenda-se condução cuidadosa através de ultassonografia de forma a evitar a vas44 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009
A biópsia cirúrgica é o método definitivo para a
avaliação da histopatologia do fígado, o que permite
igualmente o exame direto do fígado e da árvore biliar.
Além disso, como é comum a ocorrência concomitante
de pancreatite e/ou doença gastrintestinal, também
permite a realização de múltiplas biópsias de órgãos
potencialmente afetados. O ducto biliar pode também
ser abordado para desobstrução, através de ligeira
pressão da vesícula biliar. Um problema que se coloca é
a realização desta técnica em paciente debilitado, com
cicatrização reduzida e potencial coagulopatia. No
período pós-operatório, devem ser monitoradas as
proteínas séricas, pois a presença de hipoproteinemia
pode complicar a cicatrização, bem como o peso corporal e a distensão abdominal, devido ao risco de
desenvolvimento de peritonite.
Biópsia assistida por laparoscopia
É menos invasiva que a celiotomia exploratória e permite exame direto do fígado e do trato biliar. No entanto, a biópsia de múltiplos órgãos por esta técnica
pode ser difícil, necessitando de veterinário com experiência em equipamento de laparoscopia.
Outras doenças hepáticas
em gatos a serem consideradas
como diagnósticos diferenciais
Lipidose hepática, hepatopatia tóxica aguda, peritonite
infecciosa felina, hipertiroidismo, toxoplasmose, bartonelose, hepatite reativa inespecífica, amiloidose, shunt
porto-sistêmico, displasia microvascular, obstrução biliar
extra-hepática, neoplasia (carcinoma do ducto biliar,
carcinoma hepatocelular, linfoma), cistadenoma biliar e
neoplasia metastática.
Suporte hepático geral
Além dos tratamentos evidenciados acima, o gato pode
beneficiar dos seguintes tratamentos de suporte ou
adjuvantes.
Fluidoterapia endovenosa
e suplementação de eletrólitos
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 45
COLANGITE FELINA
A escolha dos fluídos e dos suplementos deve ser feita
com base nos perfis de eletrólitos. Devem ser utilizados
cristalóides para a reidratação e suporte durante o
período inicial. Se o gato apresentar disfunção
hepática mais avançada ou se desenvolver cirrose, pode
ocorrer hipoproteinemia. Nestes casos (que são normalmente ascíticos) é recomendado o tratamento com
colóides em doses até 20ml/kg, SID.
proteína de elevada qualidade, exceto se o gato
apresentar sinais de encefalopatia hepática. Esta última
raramente ocorre com a colangite, entretanto, em casos
crônicos severos, deva ser considerado como diagnóstico diferencial em gatos que apresentem sinais neurológicos. Dieta específica para as afecções hepáticas NÃO
está indicada, a menos que o gato se encontre numa fase
final da doença hepática.
Vitamina K
Colocação de tubos de alimentação
O fígado é responsável pela produção de fatores de
coagulação; quando a sua função se encontra comprometida, existe o risco de coagulopatia. Quando há
colestase, a absorção de vitamina K intestinal encontrase comprometida, o que agrava ainda mais o problema.
A vitamina K pode ser administrada como medida de
prevenção quando o tempo de protrombina se encontra
prolongado ou antes de aspiração ou biópsia
hepáticas. A dose recomendada é de 0,5mg/kg, BID,
durante 3 dias via SC. A eficácia do tratamento deve
ser monitorada através da realização de perfis de
coagulação repetidos.
Pode ser necessária a colocação de sonda nasoesofágica ou de esofagostomia caso exista anorexia
prolongada. Se o gato se encontrar anorético durante
mais de três dias, devem ser adotados procedimentos
ativos quanto à suplementação nutricional. Se o gato
apresentar náuseas, os estimulantes do apetite não são
eficazes. É preferível realizar o suporte nutricional do
gato durante o tempo de resolução da doença e depois
então utilizar estimulantes de apetite antes da remoção
da sonda de alimentação.
S-adenosil metionina (sAMe)
A sAMe é um nutracêutico conhecido por repor os níveis
de glutationa, ajudando a reduzir a lesão oxidativa.
Além disso, aumenta os níveis de cistina e de taurina,
aminoácidos que auxiliam na conjugação dos ácidos
biliares e são citoprotetores. Os gatos devem receber
entre 50mg (< 5kg) a 100mg (> 5kg), SID.
Silimarina
A silimarina é uma substância ativa extraída do Silybum
marianum. Exerce um efeito hepatoprotetor, através do
aumento dos níveis intracelulares da superóxido dismutase e, assim, ajuda na neutralização dos radicais livres.
A silamarina pode ser obtida em preparações conjuntas
com sAMe.
Coleréticos
Os coleréticos estão indicados se existir estase biliar sem
evidência de obstrução extra-hepática do ducto biliar. O
ácido ursodesoxicólico reduz a proporção de ácidos
biliares hidrofóbicos no conjunto total de ácidos biliares,
o que, por sua vez, reduz os efeitos tóxicos sobre os
hepatócitos e reduz a viscosidade da bile, ajudando
assim no fluxo biliar. A dose recomendada é de 10 a
15mg/kg, PO, SID, ou dividida BID.
Dieta
Anti-eméticos
Os anti-eméticos estão indicados em caso de náuseas ou
vômito nos gatos. Atualmente foi testado em gatos o
maropitant, tendo sido recomendada uma dose de
1mg/kg, SID, SC. No entanto, pode ser aconselhável
metade da dose, uma vez que o fármaco é metabolizado
no fígado e, por isso, é provável que apresente um tempo
de semi-vida prolongado em pacientes com colangite.
Também, pode ser benéfica a infusão com metoclopramida na dose de 1 a 2mg/kg, SID. Além disso, esta é
ainda pró-cinética, o que é benéfico se o paciente
apresentar íleo paralítico. Toda a infusão de metoclopramida deve ser protegida da luz. Mais recentemente, foi sugerido o uso do mirtazapine, um
antidepressivo adrenérgico e serotonérgico, pelos seus
efeitos anti-emético e estimulante do apetite. A dose é
de 3,75mg por gato, PO, a cada 72h. Existe uma forma
solúvel que é mais fácil de utilizar nos casos em que é
colocada sonda para suporte nutricional. A dose deve
ser reduzida em 30% nos gatos com comprometimento
renal ou hepático. Deve ser monitorada a pressão
arterial, uma vez que o mirtazapine pode causar
hipertensão. Nenhum destes fármacos se encontra
licenciado como anti-emético nos gatos, devendo seu
uso ser cuidadoso de modo a respeitar o efeito em
cascata e avisar o proprietário que os fármacos serão
utilizados para efeitos não prescritos em bula.
Recomenda-se que o proprietário assine um termo
garantindo consentimento e compreensão do caso.
É aconselhável a administração de dieta equilibrada, com
Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 45
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 46
COLANGITE FELINA
Estimulantes do apetite
Os estimulantes do apetite devem ser apenas utilizados quando o gato se apresentar estabilizado. A
ciproheptadina é um anti-histamínico com efeitos
anti-serotonina, sendo recomendada a dose de 0,1 a
0,5mg/kg, PO, TID-BID, demorando cerca de três
dias para atingir um nível terapêutico. Alguns
proprietários descrevem que os gatos apresentam
anorexia quando a dose é descontinuada de modo
repentino, assim, deve ser respeitado um período de
descontinuação do tratamento. Os efeitos secundários
descritos incluem letargia ou agitação. O mirtazipine
(ver acima) pode ser utilizado na dose de 3,75mg, por
gato, a cada 72h.
Diuréticos
Se nos casos de colangite linfocítica avançada o nível de
ascite causar complicações como desconforto, anorexia,
constipação ou alterações na pressão sanguínea (devido
a efeitos de pressão), deve ser considerado um diurético poupador de potássio, como a espironolactona.
Alternativamente, pode também recorrer-se à administração de um diurético de alça como a furosemida, desde
LEITURA
que utilizado com precaução. No entanto, é raro que seja
necessário adicionar um diurético no protocolo de
tratamento e é mais provável que acabe por causar ainda
mais desidratação e desequilíbrio eletrolítico que
propriamente resultar benefício.
Sumário
A colangite felina é um distúrbio relativamente comum
nos gatos e existe grande variedade de opções de
tratamento. A escolha da melhor opção depende da
obtenção de diagnóstico rigoroso. O diagnóstico é
conseguido através da combinação dos sinais clínicos e
dos testes de diagnóstico, sendo o método definitivo a
biópsia hepática. Quando diagnosticado precocemente,
o prognóstico é geralmente favorável, podendo mesmo
existir exemplos de casos recompensadores para se
tratar. A possibilidade de doença pancreática ou gastrintestinal concomitante deve ser sempre pesquisada
devido à sua elevada frequência no gato.
ADICIONAL
Caney SMA, Gruffydd-Jones TJ. Feline inflammatory liver disease. In:
Ettinger SJ, Feldman EC (Eds). Textbook of Veterinary Internal Medicine:
Diseases of the dog and cat. 6th ed., Elsevier Saunders, Missouri. 2005,
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Proot SJM, Rothuizen J. High complication rate of an automatic Tru-Cut
biopsy gun device for liver biopsy in cats. J Vet Intern Med 2006; 20:
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Rothuizen J. General principles in the treatment of liver disease. In:
Ettinger SJ, Feldman EC (Eds). Textbook of Veterinary Internal Medicine:
Diseases of the dog and cat. 6th ed., Elsevier Saunders, Missouri 2005,
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Rothuizen J. Liver diseases in the cat. In: Steiner JM (Ed), Small Animal
Gastroenterology. 1st ed., Schlutersche, Hannover, 2008 pp. 272-281.
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van den Ingh TSGAM, Cullen JM, Twedt DC, et al. Morphological
classification of biliary disorders of the canine and feline liver. WSAVA
Standards for Clinical and Histological Diagnosis of Canine and Feline
Liver Disease: WSAVA Liver Standardization Group. W.L.S. London,
Saunders Elsevier 2006, pp. 61-76.
Webster C. History, clinical signs and physical findings in hepatobiliary
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Internal Medicine: Diseases of the dog and cat. 6th ed., Elsevier Saunders,
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pylori in bile of cats. FEMS Immunol Med Microbiol 2004; 42: 307-311.
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 47
RSS é melhor indicador
de dissolução de estruvita
que o pH urinário
Ingrid van Hoek, Elise Malandain, Capucine Tournier, et al.
Royal Canin, Centro de Investigação, Aimargues, França
Introdução
Materiais e métodos
A Supersaturação Relativa, RSS (Relative Super
Saturation), é um método que avalia o risco de formação de cristais urinários com base no nível de saturação
de sais de fraca solubilidade, tais como o oxalato de
cálcio e a estruvita. É o método mais utilizado em humanos e foi validado para a urina de cães e de gatos (1).
Trabalhos recentes no nosso laboratório, bem como no
Centro WALTHAM de Nutrição Animal, sugerem que o
pH urinário, por si só, não permite avaliar o risco de
formação de cristais no trato urinário dos cães e dos
gatos. No nosso centro de pesquisa foi desenvolvido um
método in vitro (2) para determinar o potencial de
dissolução da estruvita na urina dos gatos (Figura 1). O
protocolo realizado inicialmente comparou diversas
amostras de urina com diferentes valores de RSS e
de pH. O objetivo deste estudo subsequente foi o de
comparar diretamente os efeitos do pH e da RSS no
potencial de dissolução da urina.
No total, foram obtidas quatro amostras de urina com
diferentes valores de RSS e de pH de gatos alimentados
com dietas comerciais secas e completas, formuladas
para a dissolução da estruvita. Para cada amostra de
urina foram determinados o volume urinário, o pH, a
densidade específica e as concentrações de 10 solutos
(Ca, Mg, Na, K, NH4+, fosfato, citrato, sulfato, oxalato,
ácido úrico). Com base nestes dados, foi calculada a
supersaturação relativa urinária (RSS) para a estruvita
(fosfato amônio magnesiano) utilizando o software
SUPER SATTM. Foram selecionados quatro grupos de
cálculos urinários, de modo a garantir a homogeneidade
do peso e da forma, para se proceder à comparação da
urina A e B (comparação da RSS) e à comparação da
urina C e D (comparação do pH) (Tabela 1).
Resultados
Quando se comparam as dietas que induzem o mesmo
pH urinário, quanto mais baixa for a RSS para a
Escala da RSS para a estruvita
Zona de supersaturação instável
• cristalização espontânea
• rápida formação de cristais
7,30
Dieta 1 (pH 7,4)
Dia 0
D4
D6
D12
D20
D24
Dia 0
D4
D6
D12
D20
D24
2,5
Zona de supersaturação metastável
• ausência de cristalização
• formação de cristais com núcleo
1
Zona sub-saturada
• ausência de cristalização
• dissolução de cristais
0,45
Dieta 2 (pH 6,27)
0,19
Dieta 3 (pH 6,18)
Figura 1.
A dissolução in vitro de cálculos de estruvita demonstrou a existência de diferentes cinéticas de dissolução de acordo com o pH e a RSS urinários.
Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 47
RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 48
RSS É MELHOR INDICADOR DE DISSOLUÇÃO DE ESTRUVITA QUE O PH URINÁRIO
estruvita, mais rápida é a taxa de dissolução. Com a
dieta B, o processo de dissolução completo demorou
50% mais tempo, quando comparado com a dieta A
(Figura 2). As cinéticas da dissolução das urinas C e D
foram idênticas, apesar das diferenças no pH urinário
(6,3 para a urina C e 6,5 para a urina D) (Figura 3).
Figura 2.
Perda de peso cumulativa dos cálculos urinários obtida
durante o processo de dissolução in vitro a partir de urina
obtida com as dietas A e B.
Perda cumulativa de peso dos cálculos (%)
Perda de peso cumulativa (%)
Conclusão
Quando a RSS é <1 (zona sub-saturada), a urina dissolve
os cálculos de estruvita de modo eficiente e quanto mais
baixa for a RSS mais rapidamente ocorre a cinética da
dissolução. Além disso, os resultados deste estudo
demonstraram que o pH isoladamente não permite um
boa predição da cinética de dissolução da urina e que a
RSS é claramente um melhor indicador.
Dieta B
pH 6,1
RSS=0,4
Dieta A
pH 6,1
RSS=0,20
Número de dias
Tabela 1.
Características das urinas A, B, C e D e os
respectivos cálculos urinários de estruvita
Figura 3.
Perda de peso cumulativa dos cálculos urinários obtido
durante o processo de dissolução in vitro com a urina C e D.
Aspecto macrosPeso dos
RSS
pH
cópico dos cálculos cálculos de urinário para
de estruvita
estruvita (mg)
estruvita
selecionados
230,4
6,1
0,2
Urina B Ver B na fotografia
230,2
6,1
0,4
Urina C Ver C na fotografia
103,4
6,3
0,45
Urina D Ver D na fotografia
100,3
6,5
0,45
Perda de peso cumulativa dos cálculos (%)
Perda de peso cumulativa (%)
Urina A Ver A na fotografia
RSS= 0,45
pH= 6,3
pH= 6,5
Número de dias
REFERÊNCIAS
1. Robertson WG, et al., J Nutr 2002; 132: 1637-1641.
48 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009
2. Tournier C, et al., Abstract European Veterinary Conference
Voorjaarsdagen 2007, pp. 253.
Capa_FOCUS:Focus 17.1 28/11/09 03:09 Page 3
AMOSTRAGEM MICROCAPILAR
É realizada uma ligeira contenção
com o animal numa posição natural e
confortável. É colocada uma mão na
horizontal sob o pescoço de modo a
controlar os movimentos da cabeça,
enquanto a outra mão segura o cotovelo:
com o polegar a exercer pressão sobre a
veia e os outros dedos a ajudar na
contenção do animal.
Um algodão bem embebido em álcool
a 70º é aplicado no local destinado à
punção venosa. O pêlo é tosquiado de
modo a se individualizar bem a veia.
A veia cefálica torna-se facilmente visível
sob a pele através do efeito combinado
da compressão e do procedimento de
preparação anteriormente descrito.
As articulações do cotovelo e do carpo do
membro anterior preparado são mantidas
em posição horizontal. A veia cefálica é
puncionada com uma agulha hipodérmica
de diâmetro reduzido (0.5 x 16mm; 25G x
5/8”: cor-de-laranja). O sangue venoso
surge na ampola da agulha.
A extremidade livre do tubo capilar é
colocada em contacto com o sangue
existente na ampola da agulha. O tubo
capilar começa a encher-se. O eixo
longitudinal do tubo deve ficar
praticamente horizontal.
O tubo continua a encher-se. A taxa de
enchimento é controlada pela inclinação
do tubo. Quanto maior o ângulo, mais
depressa o tubo se enche. A inclinação
do tubo deve ser a apropriada de modo
a evitar o enchimento demasiado
rápido (bolhas de ar dentro do tubo)
ou o enchimento demasiado lento
(o sangue falha o tubo).
A parte superior do
dispositivo composta
pelo primeiro travão
e pelo tubo capilar
integrado é removida.
O volume de sangue
contido no recipiente
de armazenamento é
efectivamente de 200μl.
O dispositivo é retirado no momento
exacto em que o sangue atinge a
extremidade do tubo capilar. Em
condições normais são necessários
apenas alguns segundos para encher
o tubo capilar. A agulha é removida.
O assistente exerce uma ligeira
compressão sobre a veia, utilizando
para o efeito um pouco de algodão
sob o dedo polegar durante cerca de
3 minutos, e enquanto continua a
conter o animal.
O dispositivo é colocado direito sobre
uma superfície plana, o sangue contido
no tubo capilar migra por gravidade
para o recipiente de armazenamento.
O segundo travão
é anexado ao topo
do recipiente de
armazenamento, que
é apropriadamente
marcado e depois
analisado ou enviado
para um laboratório
de análise.
✂
©Fotógrafo: Jean-Claude Meauxsoone (+ agradecimentos aos Drs. B. Reynolds, Benjamin Maitre e Marie Segalen: ENVT, medicina interna).
Capa_FOCUS:Focus 17.1 28/11/09 03:09 Page 4
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