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Capa_FOCUS:Focus 17.1 28/11/09 03:09 Page 1 VETERINARY A revista internacional para o Médico Veterinário de animais de companhia Medicina felina • Lesões reabsortivas odontoclásticas felinas: a compreensão é a chave para um bom diagnóstico • Pancreatite felina • Doença inflamatória intestinal idiopática felina • Causas infecciosas de anemia em gatos • Como tratar... Colangite felina • RSS é melhor indicador de dissolução de estruvita que o pH urinário Capa_FOCUS:Focus 17.1 28/11/09 03:09 Page 2 O conhecimento científico é feito para ser partilhado O grande objetivo dos pesquisadores que trabalham para a Royal Canin é compartilhar nosso conhecimento com os nossos colegas da comunidade veterinária, através de variados artigos e livros. Recebemos com agrado quaisquer artigos, idéias e sugestões para tópicos e autores, os quais devem ser endereçados ao editor. A “Veterinary Focus” está protegida por todos os direitos de autorais. Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, copiada ou transmitida sob qualquer forma ou meio (incluindo meios gráficos, electrônicos ou mecânicos) sem o consentimento escrito dos editores. © Aniwa S.A.S. 2009. Os nomes comerciais (marcas registadas) não foram especialmente identificados. No entanto, a omissão de tal informação não significa que são nomes sem registo nem que podem ser usados livremente. Os editores não se responsabilizam pela informação fornecida sobre doses e métodos de aplicação. Esse tipo de pormenor deve ser confirmado pelo próprio utilizador na literatura adequada. Embora os tradutores tenham feito todos os esforços para assegurar a exatidão das suas traduções, não podem assumir qualquer responsabilidade pela veracidade dos ar tigos originais, e, por isso, não serão aceitas queixas de alegada negligência profissional. As opiniões expressas pelos autores ou colaboradores não refletem necessariamente as opiniões dos editores, da redação ou dos consultores editoriais. RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:34 Page 1 SUMÁRIO © Jane Sykes VETERINARY # 19.2 2009 - 10$/10€ A revista internacional para o Médico Veterinário de animais de companhia A Veterinary Focus é publicada em inglês, francês, alemão, chinês, italiano, polonês, português, espanhol, japonês, grego e russo. Illustração da capa: Citologia de um aspirado da medula óssea Lesões reabsortivas odontoclásticas felinas: a compreensão é a chave para um bom diagnóstico p. 02 Nicolas Girard Pancreatite felina p. 11 Panagiotis Xenoulis e Jörg Steiner Doença inflamatória intestinal idiopática felina p. 20 Dionne Ferguson e Frédéric Gaschen Causas infecciosas de anemia em gatos p. 31 Jane Sykes Como tratar... Colangite felina p. 41 RSS é melhor indicador de dissolução de estruvita que o pH urinário p. 47 Allison German Ingrid van Hoek, Elise Malandain, Capucine Tournier, et al. ALEMANHA ARGENTINA AUSTRÁLIA ÁUSTRIA BAHREIN BÉLGICA BRASIL CANADÁ CHINA CHIPRE COREIA CROÁCIA DINAMARCA EMIRADOS ÁRABES UNIDOS ESLOVÉNIA ESPANHA ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA ESTÓNIA FILIPINAS FINLÂNDIA FRANÇA GRÉCIA HOLANDA HONG-KONG HUNGRIA IRLANDA ISLÂNDIA ISRAEL ITÁLIA JAPÃO LETÓNIA LITUÂNIA MALTA MÉXICO NORUEGA NOVA ZELÂNDIA POLÓNIA PORTO RICO PORTUGAL REINO UNIDO REPÚBLICA CHECA REPÚBLICA DA ÁFRICA DO SUL REPÚBLICA ESLOVACA ROMÉNIA RÚSSIA SINGAPURA SUÉCIA SUIÇA TAILÂNDIA TAIWAN TURQUIA AGRADECIMENTOS: A ROYAL CANIN DO BRASIL AGRADECE A PROFA. DRA. HELOÍSA JUSTEN PELA COLABORAÇÃO NA REVISÃO DESTA EDIÇÃO DA REVISTA VETERINARY FOCUS. Veterinary Focus, Vol 19 n° 2 - 2009 Descubra os volumes mais recentes da Veterinary Focus no site IVIS: www.ivis.org Consultores Editoriais • Drª Denise A. Elliott, BVSc(Hons), PhD, Dipl. ACVIM, Dipl. ACVN Comunicações Científicas, Royal Canin, EUA • Dr Philippe Marniquet, DVM, Diretor de Comunicações Científicas, Royal Canin, França • Drª Pauline Devlin, BSc, PhD, DiretoraAssistente Veterinária, Royal Canin, RU • Drª Franziska Conrad, DVM, Comunicações Científicas, Royal Canin, Alemanha • Drª Julieta Asanovic, DVM, Dipl. FCV, UBA, Comunicações Científicas, Royal Canin, Argentina Editor • Dr. Richard Harvey, PhD, BVSc, DVD, FIBiol, MRCVS Secretário Editorial • Laurent Cathalan [email protected] • Ellinor Gunnarsson Ilustração • Youri Xerri Tradução para outras línguas : • Drª Imke Engelke, DVM (Alemão) • Drª María Elena Fernández, DVM (Espanhol) • Drª Eva Ramalho, DVM (Português) • Dr Giulio Giannotti, DVM (Italiano) • Prof. Dr. R. Moraillon, DVM (Francês) • Dr. Matthias Ma, DVM (Chinês) • Dr. Ben Albalas, DVM (Grego) • Dr. Atsushi Yamamoto, et al., DVM (Japonês) • Dr. Boris Shulyak, PhD (Russo) • Drª Luciana D. de Oliveira, DVM (Português) • Drª Ana Gabriela Valério, DVM (Português) Publicado por: Buena Media Plus CEO: Bernardo Gallitelli Morada: 85, avenue Pierre Grenier 92100 Boulogne – França Telefone: +33 (0) 1 72 44 62 00 Impresso na União Europeia ISSN 0965-4577 Circulação: 100,000 cópias Depósito legal: Junho 2009 Publicado por Aniwa S. A. S. Impressa no Brasil por: Intergraf As autorizações de comercialização dos agentes terapêuticos para uso em animais de companhia variam muito a nível mundial. Na ausência de uma licença específica, deve ser considerada a publicação de um aviso de prevenção adequado, antes da administração de tais fármacos. RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:34 Page 2 Lesões reabsortivas odontoclásticas felinas: a compreensão é a chave para um bom diagnóstico Nicolas Girard, DVM Veterinary Referral Clinic, La Gaude, França O Dr. Nicolas Girard é formado pela Escola Nacional Veterinária de Toulouse, em 1987. Exerceu clínica de pequenos animais durante 12 anos e atualmente dedica-se exclusivamente à odontologia veterinária no Sudeste da França. PONTOS-CHAVE ➧ A reabsorção dentária é muito frequente nos gatos domésticos; ➧ Este tipo de lesão está frequentemente associada a dor facial; ➧ A etiologia destas lesões permanece desconhecida; ➧ O tratamento suporte raramente é suficiente; ➧ A maioria dos casos requer monitoramento radiográfico a longo prazo; ➧ O tratamento de eleição continua sendo a extração cirúrgica. 2 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009 Introdução A reabsorção dentária envolve a perda progressiva de substância dentária. Durante muitos anos, estas lesões eram referidas como "lesões reabsortivas odontoclásticas felinas" de acordo com a observação da ação clástica de células multinucleadas (1,2,3). Atualmente, é preferível o termo simplificado "reabsorção dentária" (4). No entanto, não postula a possível etiologia ou o processo patogênico e apenas especifica a origem dentária do processo de reabsorção. As lesões de reabsorção num único dente são observadas tanto nos humanos como nos cães; contudo, raramente são observadas formas múltiplas que envolvam diversos dentes. Nos humanos, estão associadas a uma sequela inflamatória de periodontite ou ao estresse mecânico do ligamento periodontal (ex. tratamento ortodôntico ou trauma dentário). A prevalência da reabsorção dentária foi descrita como sendo de 28 a 67% em diferentes populações de gatos domésticos (5,6). Esta variação reflete as diferentes populações escolhidas para o estudo (consultas odontológicas de referência, clientes de primeira RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:34 Page 3 consulta odontológica ou população saudável) e os métodos de diagnóstico utilizados (exame clínico +/exame radiográfico). Dois estudos recentes, utilizando os exames clínicos e radiográficos de populações felinas "saudáveis", demonstraram uma prevalência de 30% (7,8). Em gatos, a reabsorção dentária é diagnosticada sob múltiplas formas e o número de dentes afetados é influenciado pela idade do animal. Apesar do progresso indiscutível quanto à descrição da patogênese e prevalência desta condição, ainda não foi determinada a etiologia precisa, de modo a explicar a prevalência excepcionalmente elevada da reabsorção dentária nos gatos. Patogênese As reabsorções dentárias desenvolvem-se a partir de origem interna (da polpa para o cemento), ou de origem externa (do cemento para a polpa). O estímulo das células odontoclásticas que participam no processo reabsortivo é influenciado por condições que podem ou não estar relacionadas com a inflamação tecidual. As recomendações na odontologia humana enfatizam a função essencial do cemento radicular e do ligamento periodontal, o que foi confirmado em dois estudos histológicos veterinários recentes (9,10). Foram definidos três grupos de lesões reabsortivas dentárias (11,12): 1) relacionada à lesão mecânica no ligamento periodontal (infra-oclusão, trauma dentário crônico), em que a causa é considerada "nãoinflamatória": reabsorção da superfície, anquilose dento-alveolar, reabsorção por substituição; 2) relacionada à lesão da polpa (pulpite), em que a origem é considerada "inflamatória": periodontite apical, reabsorções inflamatórias da raiz; 3) relacionada à lesão do ligamento periodontal devido a infecção (periodontite crônica), em que a origem é considerada "inflamatória": reabsorção cervical da raiz. Atualmente, na odontologia veterinária, estas condições são todas agrupadas num só termo: "reabsorção dentária" (4). A maioria das lesões de reabsorção felina são descritas como lesões dentárias externas (3,13,14). A atividade clástica das células multinucleadas (odontoclastos) é observada localmente em volta da superfície da raiz (1). O tecido dentário reabsorvido é depois gradualmente substituído por cemento ou tecido ósseo renovado. As lesões reabsortivas odontoclásticas felinas começam no cemento da raiz e desenvolvem-se, subsequentemente, através da dentina e/ou coroa do dente. O osso alveolar local e o ligamento periodontal adjacente estão igualmente envolvidos no processo reabsortivo (2,3). O canal radicular encontra-se envolvido apenas numa fase avançada do processo, sendo por isso sinônimo de lesão reabsortiva externa e interna. A polpa é, deste modo, raramente afetada por inflamação, apesar de nas fases mais avançadas do processo ter sido descrita uma fase degenerativa (2,13). O esmalte da coroa sofre reabsorção odontoclástica ao longo do tempo ou, mais frequentemente, é debilitado pela perda da dentina subjacente e sofre fratura, formando cavidade dentária clinicamente aparente. A cavidade é geralmente obscurecida por um tecido de granulação reativo, inflamatório, de cor vermelho brilhante. Uma fratura por "fadiga" pode, eventualmente, resultar na perda da coroa, conduzindo à exposição da gengiva (com graus variáveis de inflamação) e dos restantes fragmentos da raiz que continua a sofrer reabsorção. O processo apenas termina verdadeiramente quando o tecido dentário desaparece por completo. O exame histológico revela processos alternados de reabsorção dentária e/ou aposição de cemento: • fase aguda (reabsorção da superfície); • fase crônica (reabsorção da dentina e reparação por aposição de cemento ou tecido ósseo novo); • fase quiescente (reparação através de aposição de cemento ou tecido ósseo novo). De um modo geral, as reabsorções dentárias surgem na face bucal da coroa. Cerca de 70% das reabsorções dentárias descritas estão associadas a um processo inflamatório e 30% mostra sinais de reparação (3,5,13). As recomendações veterinárias atuais (4) não propõem a classificação das lesões reabsortivas com base em um critério em particular. No entanto, a avaliação radiográfica foi proposta como sendo de boa ajuda no diagnóstico e terapêutica. De acordo com os autores, a classificação radiográfica permite um tratamento cirúrgico mais conservador no caso de lesões de Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 3 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:34 Page 4 b a Figura 1. a: Periodontite crônica, localizada e severa na raiz distal do molar mandibular. b: Reabsorção do Tipo 1, osteólise severa do osso alveolar. reabsortivas de Tipo 2, sob a forma de amputação sub-gengival. Esta classificação é baseada nos sinais radiográficos (15): • Tipo 1. Radiodensidade similar às raízes dentárias subjacentes (Figura 1) e aparência normal do espaço do ligamento periodontal (lâmina dura); • Tipo 2. Ausência do ligamento periodontal ou da lâmina dura e a radiodensidade da raiz afetada é semelhante à do osso alveolar, ou radioluscente quando comparada com as raízes adjacentes (remodelação óssea) (Figura 2). Etiologia A etiologia exata da reabsorção dentária é desconhecida e permanece objeto de debate e de pesquisa. A suspeita contribuição do estresse mecânico associado à mastigação e da inflamação crônica associada à doença periodontal foi evidenciada em vários estudos histológicos (9,10), radiográficos (15) e em estudo clínico recente (8). Foi proposto o excesso de suplementação de vitamina D nos alimentos comerciais para gatos (16) como um cofator, no entanto permanece alvo de controvérsia (17,18). Devem ainda ser esclarecidas as funções exatas das estruturas dentárias histológicas específicas do gato (vasodentina, osteodentina). Foi proposta a existência de interações entre as vias metabólicas do cálcio e as reabsorções dentárias (2). Na odontologia humana, sabe-se que a reabsorção 4 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009 dentária externa está associada a: • processo inflamatório crônico adjacente a um cisto ou a um tumor benigno ou maligno; • eventuais consequências de trauma dentário (mecânico ou de oclusão) ou desvio dentário ortodôntico. As lesões são descritas com base na presença ou ausência de processo inflamatório. As reabsorções de superfície, a anquilose dento-alveolar e as lesões de substituição são consideradas como o resultado de trauma dentário e são descritas como não-inflamatórias. Contrariamente, a reabsorção apical e a periodontite peri-radicular resultam de lesões da polpa e são qualificadas como reabsorções inflamatórias (reabsorção inflamatória da raiz). A reabsorção da raiz do colo do dente é, com frequência, confundida com a reabsorção inflamatória da raiz. Estas lesões são consideradas inflamatórias porque estão associadas a lesão inflamatória do ligamento epitelial (ex. na doença periodontal) (11,12). Alguns autores consideram que a elevada prevalência das reabsorções dentárias múltiplas no gato são indicador de uma eventual origem metabólica, enquanto outros a encaram como um sinal de fatores dietéticos ou biomecânicos e que estão insuficientemente estudados. O argumento biomecânico Um estudo analisou uma população de gatos alimentados exclusivamente com alimento seco. A prevalência RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:34 Page 5 LESÕES REABSORTIVAS ODONTOCLÁSTICAS FELINAS: A COMPREENSÃO É A CHAVE PARA UM BOM DIAGNÓSTICO b a Figura 2. a e b: Ausência do pré-molar mandibular direito. Notar a distorção gengival ("expansão alveolar óssea"). O exame radiográfico (b) mostra a reabsorção dentária de Tipo 2 no terceiro pré-molar. A coroa sofreu fratura após a perda de suporte mecânico. c e d: Terceiro pré-molar mandibular esquerdo do mesmo gato. Notar o tecido de granulação cobrindo a reabsorção na coroa. O exame radiográfico (d) demonstra reabsorção dentária de Tipo 2. c dos diferentes tipos de reabsorções dentárias divergiu significativamente de acordo com a sua localização (8). Na população de estudo de gatos domésticos, as lesões de Tipo 1 foram mais frequentes ao redor do dente carniceiro, enquanto que as lesões do Tipo 2 prevaleceram em volta do terceiro pré-molar. Na população de gatos de raça, foi revelada uma diferença significativa nos incisivos (reabsorção dentária do Tipo 2) e nos dentes carniceiros inferiores (reabsorções dentárias de Tipo 1). A distribuição das reabsorções dentárias foi desigual e dependente do tipo radiográfico. Estas evidências corroboram a hipótese que existem, provavelmente, diversas etiologias diferentes de reabsorção dentária felina. Além disso, uma análise detalhada de 14 critérios clínicos e radiográficos associados à doença periodontal revelou a existência de forte associação com as d reabsorções dentárias (18). Estaticamente, as reabsorções do Tipo1 e do Tipo 2 parecem ser dois fenômenos diferentes sem qualquer critério associado. As reabsorções dentárias de Tipo 1 foram associadas de modo significativo a oito das variáveis periodontais estudadas e, por isso, fortemente associadas à doença periodontal. As reabsorções dentárias de Tipo 2 foram correlacionadas com apenas dois dos parâmetros periodontais estudados e, por isso, fracamente associadas à doença periodontal. A idade surgiu como um fator fortemente associado à presença de reabsorção dentária do Tipo 2 e fracamente associado a reabsorção dentária de Tipo 1. Todas estas observações sugerem que as reabsorções dentárias de Tipo 1 são menos sensíveis ao fator idade que à sua suposta ligação com a progressão da doença periodontal (Figura 3). Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 5 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 6 a b Figura 3. a e b: Exame radiográfico do gato da Figura 2 apresentando uma anquilose radicular discreta e sinais precoces de reabsorção dentária observados no dente canino maxilar. c e d: Monitoramento radiográfica do gato da Figura 2, 4 anos depois. O exame radiográfico demonstra um processo reabsortivo aparente no terceiro pré-molar mandibular e nos terceiros incisivos e caninos maxilares. c Outro estudo avaliou amostras post mortem de uma população de gatos selvagens com acesso exclusivo a uma dieta baseada em aves marinhas (gatos de Marion Island). A prevalência da reabsorção dentária foi elevada (14,3%) apesar de se tratar de indivíduos jovens (3 anos). A prevalência calculada das lesões moderadas e/ou avançadas associadas ao desenvolvimento de inflamação periodontal nesta população foi de 62%. O autor analisou isto como uma consequência do estresse mastigatório específico associado à dieta destes gatos e sugeriu a hipótese da possível associação entre a reabsorção dentária e as lesões inflamatórias periodontais e/ou estresse mecânico específico (19). 6 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009 d Os resultados de estudos recentes reforçam as conclusões de outros dois estudos conduzidos em serviços odontológicos especializados. A análise das reabsorções dentárias na população de gatos tratados no departamento de odontologia da Universidade da Califórnia, Davis, EUA, revelou a existência da associação entre a reabsorção dentária e a presença de perda óssea vertical localizada severa (20). Num estudo retrospectivo conduzido num centro de referência odontológico, as lesões do Tipo 1 foram associadas à inflamação de origem periodontal com uma frequência oito vezes superior à verificada para as lesões do Tipo 2 (15). RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 7 LESÕES REABSORTIVAS ODONTOCLÁSTICAS FELINAS: A COMPREENSÃO É A CHAVE PARA UM BOM DIAGNÓSTICO Particularidades metabólicas Os gatos são incapazes de sintetizar vitamina D na pele e a maioria das suas necessidades é fornecida pela dieta, através da absorção no sistema digestório. Alguns autores sugerem que a suplementação com Vitamina D das dietas comerciais para gatos contribui para intoxicação crônica com efeitos nocivos, promovendo o desenvolvimento da reabsorção, enquanto altera o metabolismo do osso alveolar e a integridade histológica do ligamento periodontal. No entanto, a vitamina D é de difícil análise e os valores encontrados devem ser interpretados com precaução. Além disso, as informações por parte da indústria de nutrição animal nem sempre estão disponíveis, uma vez que a vitamina D não constitui análise de rotina e, por isso, tanto os níveis de deficiência como os de excesso devem ser verificados (21). Um estudo com 182 gatos selecionados para tratamento dentário especializado demonstrou a existência de maior concentração de vitamina D (112,4 +/- 41,1nmol/l) nos gatos com reabsorção dentária que nos gatos sem lesões (89,8 +/33,4nmol/l). Não foi encontrada nenhuma diferença nos seus níveis de PTH e de fT4 (tiroxina felina), no entanto, a densidade específica urinária foi inferior e as concentrações de uréia foram superiores nos gatos com lesões reabsortivas. O autor reforçou, também, que os níveis calculados de vitamina D estavam dentro do intervalo de limites normais (16). Contudo, dois outros estudos descreveram resultados contraditórios. Um estudo em 30 gatos, com e sem reabsorção dentária, demonstrou menores concentrações de vitamina D no grupo com reabsorção dentária (139 +/- 8,3nmol/l) que no grupo sem reabsorção dentária (157 +/- 8,9nmol/l). Não foram en-contradas diferenças significativas para os níveis de Ca, P, PTH e Ca ionizado (17). Um estudo com 64 gatos alimentados exclusivamente com dieta contendo vitamina D num teor entre 1000 e 1500UI/kg demonstrou menor concentração de vitamina D (164 +/- 78,8nmol/l) em gatos com, pelo menos, uma lesão reabsortiva que nos gatos sem qualquer lesão (226,8 +/- 88,2nmol/L) (22). Aspectos clínicos Dor A dor é muito difícil de ser avaliada com rigor nos animais. A dor de origem facial e bucal, agrupada sob o termo único de "dor facial", é difícil de avaliar na prática na rotina clínica. Os sintomas incluem alterações comportamentais, astenia parcial e postura alterada da cabeça e do pescoço, ligeira redução do apetite e alteração da posição de decúbito (preferem ficar enrolados). Em muitos casos, os clientes só percebem a dor facial do gato quando o tratamento dentário provoca uma alteração significativa do comportamento do animal. A reabsorção dentária está frequentemente associada a dor facial, embora não em exclusivo; os sinais clínicos ou radiográficos de inflamação do osso alveolar ou do tecido periodontal constituem outro fator determinante. Inicialmente, deve ser feita a distinção entre a extensão supragengival e estritamente subgengival da lesão. A dor originada por estimulação tátil é sempre observada nos casos de reabsorção dentária supragengival. Está associada a inflamação periodontal e/ou formação de tecido de granulação inflamatório sobre a lesão (reabsoção dentária Tipo 1 e reabsorção dentária Tipo 2 com lesão supragengival). Em contraste, o desenvolvimento de lesões de reabsorção subgengival não está associado a inflamação periodontal e a presença de dor é difícil de quantificar com exatidão. Além disso, a extensão do processo de reabsorção no canal radicular ocorre na fase avançada da doença e a resposta inflamatória da polpa foi descrita histologicamente apresentando-se mais como um fenômeno degenerativo que propriamente segundo um modelo de pulpite inflamatória. Deste modo, estas evidências sugerem que a dor na presença de lesões subgengivais é um evento terminal. Mesmo assim, os sinais radiográficos de lesões reabsortivas extensas associados à reabsorção interna inflamatória e/ou a uma resposta óssea periférica inflamatória devem alertar o clínico para uma possível componente de dor. Diagnóstico A reabsorção dentária pode ser diagnosticada através de uma combinação de: • exame clínico visual; • exame odontológico tátil, utilizando um explorador dentário; • exame radiográfico. O exame clínico visual e o exame tátil identificam Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 7 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 8 lesões num estado clínico avançado, como quando o processo invadiu a coroa e resultou na formação de cavidade. O exame radiográfico revela lesões que envolvem a superfície do dente em contato com o osso alveolar e que podem passar despercebidas no exame clínico. A radiografia constitui o único meio de avaliação das lesões radiculares que são apresentadas em 80% dos casos (6,7,8,23). O exame radiográfico complementa o diagnóstico clínico em 55 a 85% dos casos, enquanto que o exame clínico apenas complementa o exame radiográfico em 3 a 7% dos casos (8,20). A radiografia intra-oral é, por isso, essencial para o diagnóstico de reabsorção dentária felina. Justifica-se a recomendação de avaliação radiográfica completa para cada gato levado para tratamento odontológico e, sobretudo, para todos os gatos que apresentem lesão de reabsorção dentária clinicamente aparente ou com sinais avançados de inflamação periodontal (Figura 4). Tratamento Atualmente, não existe tratamento odontológico conservador satisfatório para esta condição. Na verdade, a idéia de que estas lesões podem ser tratadas da mesma forma que uma cárie dentária não foi ainda abandonada. Estudos retrospectivos sobre tratamentos conservadores demonstraram todos resultados bastante desencorajadores. A etiologia exata da reabsorção dentária felina é ainda desconhecida. A maioria das lesões desenvolve-se abaixo do nível do cume alveolar, sendo assim inacessível para a cirurgia. O tratamento proposto depende do diagnóstico da lesão, incluindo a avaliação do estado inflamatório dos tecidos circundantes, tendo como objetivo o controle de qualquer dor facial. cirúrgica, de modo a esclarecer a natureza das lesões e especialmente o risco de anquilose radicular. Embora se julgue necessária, a destruição excessiva de osso, como forma de atingir este objetivo não é correta. A técnica utilizada requer um bom domínio de todas as etapas, comum a todas as extrações cirúrgicas, e deve ser o menos traumático possível. Permite a resolução completa da dor e da infecção associada enquanto conserva os tecidos circundantes. A amputação da coroa é uma alternativa possível utilizada por veterinários para lesões do Tipo 2 associadas ao remodelamento ósseo significativo. O seu objetivo é evitar a indesejada destruição excessiva de tecido durante a cirurgia (15). No entanto, esta técnica requer um monitoramento radiográfico contínuo das lesões, de modo a confirmar a ausência de inflamação associada à evolução de um processo de reabsorção. Esta técnica constitui alternativa cirúrgica menos traumática e mais rápida. A sutura gengival intencional dos remanescentes radiculares torna a cirurgia mais segura e evita complicações futuras. É importante que as indicações para este tipo de cirurgia devam ser totalmente compreendidas, bem como a necessidade de monitoramento do paciente a médio prazo deve ser aceita e respeitada. Estes dois pontos limitam inegavelmente a sua aplicação. • as lesões dentárias reabsortivas são progressivas; • a causa de reabsorção dentária é desconhecida; • a incidência de dor é, provavelmente, subestimada; • é difícil garantir o acompanhamento clínico do animal a médio prazo. Atualmente, os tratamentos conservadores são vistos segundo uma perspectiva diferente em relação aos tratamentos de restauração realizados no passado. As lesões eletivas a este tipo de tratamento são lesões de reabsorção supragengivais precoces associadas a características radiográficas de Tipo 2. Um exemplo de caso indicado seria uma lesão discreta supragengival num dente canino, em que a avaliação radiográfica dentária não revelasse qualquer extensão significativa para a raiz. Uma abordagem conservadora está igualmente recomendada para as lesões de Tipo 2 sem qualquer envolvimento supragengival, em que a avaliação radiográfica não revela qualquer inflamação óssea peri-radicular e em que não há sinais de dor ou alteração comportamental (desconforto). A abordagem conservadora implica na aceitação da avaliação radiográfica sob anestesia geral, de modo a monitorar a progressão da reabsorção e a confirmar a ausência de inflamação associada. A extração cirúrgica é um procedimento que deve ser bem planejado com avaliação radiográfica pré- Os materiais de eleição na restauração das lesões reabsortivas felinas são as resinas líquidas adesivas, São propostos três tipos de tratamentos odontológicos: extração dentária, amputação da coroa e tratamento conservador. A extração dentária é o tratamento eletivo na maioria dos casos por quatro razões: 8 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 9 LESÕES REABSORTIVAS ODONTOCLÁSTICAS FELINAS: A COMPREENSÃO É A CHAVE PARA UM BOM DIAGNÓSTICO a b Figura 4. a: Expansão do osso alveolar em torno do dente canino maxilar e coloração vermelha puntiforme do dente canino mandibular. b: Demonstração da reabsorção dentária utilizando um explorador dentário. c e d f c: Radiografia maxilar que indica reabsorção dentária avançada de Tipo 2. d: Radiografia mandibular que indica reabsorção dentária avançada de Tipo 2. e: Extração cirúrgica do dente canino: elevação de um flap da mucosa para o acesso. f: Sutura livre de tensão do local de extração cirúrgico. em detrimento dos vernizes dentários (encobrimento indireto da polpa). Estas resinas têm várias qualidades que as tornam particularmente eficazes no isolamento da parede da dentina, de modo a prevenir a inflamação da polpa: as suas propriedades isolantes, a sua flexibilidade e o fato de serem fáceis de se trabalhar. A dentina é inicialmente corroída com ácido e depois a sua superfície é lavada. É absolutamente imperativo que a superfície da dentina permaneça "úmida". Uma vez aplicada a resina, inicia-se a polimerização utilizando-se unidade de foto-ativação. Uma terapêutica alternativa envolve a aplicação de cementos de ionômeros de vidro na base da cavidade, de modo a se beneficiar de sua excelente compatibilidade mecânica com as paredes da dentina e a melhorar a elasticidade da restauração (cemento de ionômero de vidro Tipo 3). Os compostos de resina são raramente adicionados a estes dois tipos de preparação da cavidade, uma vez que as cavidades tratadas são pequenas e este tipo de tratamento é, geralmente, de curta duração. Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 9 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 10 LESÕES REABSORTIVAS ODONTOCLÁSTICAS FELINAS: A COMPREENSÃO É A CHAVE PARA UM BOM DIAGNÓSTICO Conclusão As lesões reabsortivas felinas são comuns e a sua elevada prevalência é ainda objeto de numerosos estudos. Apesar de todos os verdadeiros progressos feitos na nossa compreensão acerca da patogênese desta condição e as várias análises descritivas que foram publicadas, a etiologia da reabsorção dentária felina continua por ser elucidada. Não é possível fazer a recomendação de quaisquer medidas preventivas e a progressão das lesões parece inevitável. O número de lesões por gato é frequentemente elevado e, via de regra é observada a dor como sinal clínico, sendo apenas evidente após o tratamento cirúrgico. O seu diagnóstico requer a realização de radiografias dentárias sistemáticas, uma vez que a grande maioria das lesões se localiza na raiz e a extensão da inflamação associada determinará o tipo de tratamento e indicará o papel das lesões na gênese de qualquer grau de dor. A extração cirúrgica permanece atualmente como o tratamento de eleição. REFERÊNCIAS 1. Gauthier O, Boudigues S, Pilet P, et al. Scanning electron microscopic description of cellular activity and mineral changes in feline odontoclastic resorptive lesions. J Vet Dent 2001; 18: 171-176. 2. Okuda A, Harvey C. Ethiopathogenesis of feline dental resorptive lesions. Vet Clin North Am 1992; 22: 1385-1404. 3. DeLaurier A. A scaning electron microscopy study of idiopathic external tooth resorption in the cat. J Periodontol 2005; 76: 1106-1112. 4. AVDC. Classification of tooth resorptions. Veterinary Dental Nomenclature, Recommendations from the AVDC nomenclature committee adopted by the AVDC Board. www.AVDC.org. 11. 5. 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Laboratório Gastrintestinal, Departamento de Ciências Clínicas de Pequenos Animais, Colégio de Medicina Veterinária e Ciências Biomédicas, Universidade A&M do Texas, EUA O Dr. Xenoulis é formado pela Universidade de Thessaloniki, na Grécia, em 2003. Em 2004, integrou o Laboratório Gastrintestinal da Universidade A&M do Texas como Pesquisador Assistente, onde trabalhou com pancreatite canina e a sua associação com a hiperlipidemia. Em 2008, completou a sua tese de doutorado em cooperação com a Universidade Ludwig-Maximilians, de Munique, Alemanha. Os principais interesses de pesquisa do Dr. Xenoulis incluem diferentes aspectos da gastroenterologia veterinária e comparativa, particularmente a pancreatite felina e canina, a microflora gastrintestinal e as doenças infecciosas e parasitárias do trato gastrintestinal de cães e de gatos. Introdução Outrora considerada como rara, a pancreatite tem emergido recentemente como uma doença comum e clinicamente importante em gatos. É, de longe, a doença do pâncreas exócrino mais frequente nos gatos, e acredita-se que conduza a morbidade e morta- Jörg Steiner, DVM, PhD, DACVIM, DECVIM-CA Laboratório Gastrintestinal, Departamento de Ciências Clínicas de Pequenos Animais, Colégio de Medicina Veterinária e Ciências Biomédicas, Universidade A&M do Texas, EUA O Dr. Steiner é Médico Veterinário formado pela Universidade Ludwig-Maximilians, em Munique, Alemanha. Completou internato na Universidade da Pensilvânia e residência na Universidade de Purdue. Em 1996, obteve o certificado dos Colégios Americano e Europeu de Medicina Interna Veterinária. Em 2000, o Dr. Steiner finalizou o seu Doutorado na Universidade A&M do Texas onde é atualmente Professor Associado de Medicina Interna de Pequenos Animais e Diretor do Laboratório GI. lidade significativas se não for abordada de modo apropriado (1). Apesar deste fato, pouco se conhece sobre a etiologia e a patofisiologia desta afecção, o seu diagnóstico permanece frequentemente um desafio e o seu tratamento baseia-se principalmente em medidas de suporte. PONTOS-CHAVE ➧ A pancreatite é uma doença frequente e clinicamente importante para gatos; ➧ Os sinais clínicos mais frequentes nos gatos com pancreatite são anorexia e letargia. A sintomatologia gastrintestinal, como vômito e diarréia ocorre com menor frequência. Os gatos com pancreatite severa podem apresentar-se criticamente doentes; ➧ O teste da imunorreatividade da lipase pancreática felina (fPLI – feline pancreatic lipase immunoreactivity - agora mensurada através do teste Spec fPL - feline pancreasspecific lipase) parece ser, atualmente, o teste mais útil para o diagnóstico ante mortem da pancreatite felina; ➧ O diagnóstico definitivo de pancreatite, bem como a diferenciação entre pancreatite aguda e crônica, só pode ser feito através de exame histopatológico do pâncreas; ➧ De modo ideal, o diagnóstico da pancreatite felina deve ser feito com base numa combinação de múltiplos métodos como a fPLI, a ultrassonografia abdominal, a citologia e/ou histopatologia; ➧ A abordagem da pancreatite felina é baseada na identificação dos fatores de risco, das doenças secundárias e do tratamento sintomático e de suporte que inclui, principalmente, fluidoterapia, manejo nutricional, analgésicos e anti-eméticos. Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 11 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 12 Figura 1. Figura 2. Aspecto histopatológico do pâncreas de um gato com pancreatite aguda. Verificam-se áreas de infiltração de células inflamatórias (seta) mas não existem sinais de fibrose ou de outras alterações histológicas permanentes. Coloração de hematoxilina e eosina; ampliação: 20X. (Cortesia do Dr. PF Porter, Universidade A&M do Texas). Aspecto histopatológico do pâncreas de um gato com pancreatite crônica. Observa-se fibrose extensa (seta). Existe igualmente infiltração linfocítica do pâncreas (seta tracejada). Coloração de hematoxilina e eosina; ampliação: 20X. (Cortesia do Dr. PF Porter, Universidade A&M do Texas). Classificação e definições A classificação da pancreatite felina não foi ainda universalmente padronizada. Como resultado existe, por vezes, alguma confusão no que diz respeito a classificação e à terminologia utilizada para caracterizar esta doença. De um modo geral, a pancreatite felina é apenas classificada em aguda ou crônica com base nos critérios histopatológicos, dependendo da presença (crônica) ou ausência (aguda) de alterações histopatológicas permanentes (1-3). A forma aguda é basicamente caracterizada pela presença de necrose e/ou inflamação neutrofílica (supurativa) e pela ausência de alterações histopatológicas permanentes (Figura 1) (1-3). Alguns autores classificam ainda a pancreatite felina em duas formas distintas, pancreatite aguda necrosante e aguda supurativa, baseando-se na necrose ou na infiltração neutrofílica, respectivamente, como a característica histopatológica predominante (4). A pancreatite crônica é caracterizada por alterações histopatológicas permanentes, como a fibrose e a atrofia. Além disso, a pancreatite está frequentemente associada a inflamação linfocítica (Figura 2) (1-3,5). Deve-se atentar ao fato de que alguns gatos apresentam sinais histopatológicos de pancreatite aguda e crônica (ex., necrose e fibrose concomitante). Alguns autores utilizam termos como pancreatite crônica ativa ou pancreatite ‘‘aguda-em-crônica’’ para descrever a combinação das alterações histopatológicas observadas tanto nas alterações agudas como crônicas nos gatos com pancreatite (6). 12 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009 Prevalência A prevalência exata da pancreatite felina é difícil de se determinar e varia substancialmente dependendo se a pancreatite foi diagnosticada ante ou post mortem. As evidências clínicas sugerem que a prevalência da pancreatite felina é de cerca de 0,6%, enquanto que os estudos em necrópsias demonstraram uma prevalência até 67% (3,5,7,8). É possível que os estudos clínicos subestimem a prevalência real da pancreatite felina devido ao habitual nível reduzido de suspeita clínica e às limitações dos testes de diagnóstico (5,7,8). Por outro lado, provavelmente os estudos em necrópsias superestimam a prevalência da pancreatite felina que é clinicamente relevante. Este fato é evidenciado por um estudo recente em que 45% dos gatos aparentemente saudáveis apresentavam sinais microscópicos de pancreatite (3). Embora a prevalência real de pancreatite em gatos não tenha sido determinada de modo conclusivo, esta afecção foi considerada como uma doença comum e clinicamente importante nesta espécie. A pancreatite crônica é mais frequente que a pancreatite aguda, representando cerca de 65% a 89% de todos os casos de pancreatite (1,3,6,8). A pancreatite aguda verifica-se em 9% a 33% dos casos, enquanto que a observação concomitante de ambas as formas de pancreatite aguda e crônica no mesmo órgão constitui 10% a 44% dos casos (1,3,6,8). Etiologia Ao contrário dos humanos, em que a etiologia pode ser identificada em mais de 90% dos pacientes RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 13 PANCREATITE FELINA diagnosticados com pancreatite, na vasta maioria dos gatos com pancreatite não pode ser identificada uma causa subjacente, sendo a pancreatite nestes pacientes considerada idiopática (1,4). Os fatores que foram associados à pancreatite nos gatos estão resumidos na Tabela 1, mas não foi estabelecida relação causa-efeito para a maioria deles. Vários estudos demonstraram nos gatos a existência de associação entre a pancreatite, a doença inflamatória intestinal (IBD) e a doença do trato biliar (ex. colangite) (9). No entanto, continua desconhecida qual das doenças ocorre primeiro e se existem algumas relações de causa-efeito entre estas condições. Foram demonstrados ou suspeitos como estando ocasionalmente associados à pancreatite felina diversos agentes virais e parasitários (Tabela 1), mas nenhum foi demonstrado como sendo causa importante e comum de pancreatite nos gatos (6,10-13). Outras causas evidenciadas ou suspeitadas de pancreatite felina, e que são igualmente identificadas num reduzido número de gatos com pancreatite, incluem o trauma abdominal (atropelamentos ou quedas - síndrome do gato ‘’para-quedista’’), a isquemia (ex. hipotensão), a hipercalcemia aguda, a intoxicação por organofosforados (fentião), as substâncias farmacológicas, os tumores pancreáticos e a obstrução do ducto pancreático (ex. neoplasia). Existem também algumas descrições pouco difundidas de que as dietas com elevado teor em gordura podem estar associadas à pancreatite em gatos. Patogênese e patofisiologia Independentemente da etiologia, parece existir uma via patogênica comum para a maioria dos casos de pancreatite. Os acontecimentos iniciais que conduzem à pancreatite ocorrem na célula acinar e parecem estar relacionados com alterações na concentração do cálcio ionizado livre no citosol ([Ca2+]i). Vários estímulos ofensivos podem causar a disrupção do [Ca2+]i normal – sinalização dependente, que leva à diminuição da secreção pancreática. Como consequência, os grânulos de zimogênio, que contêm enzimas pancreáticas inativadas, acumulam-se nos ácinos e, por fim, fundem-se com os lisossomos. Isto provoca ativação prematura dos zimogênios pelas enzimas lisossomais e baixo nível de pH lisossômico. A ativação das enzimas pancreáticas provoca a autodigestão da célula acinar e a liberação das enzimas ativadas para o tecido pancreático (causando efeitos locais como edema, necrose celular dos ácinos, necrose da gordura peripancreática), para a cavidade peritoneal e também para a circulação sistêmica, contribuindo potencialmente para os efeitos sistêmicos. Os efeitos sistêmicos da pancreatite, como a coagulação intravascular disseminada - CID, choque e síndrome de resposta inflamatória sistêmica, são essencialmente devidos à secreção de citocinas e de outros mediadores inflamatórios pelos neutrófilos e pelos macrófagos ativados que invadem o pâncreas. Diagnóstico Etiologia A pancreatite pode desenvolver-se em gatos de qualquer idade, raça ou sexo, contudo em alguns casos foi descrito um maior número de gatos idosos (3,8,11). As raças Doméstico de Pêlo Curto e Siamês parecem estar mais predispostas (4,11,12). Características clínicas Os gatos com pancreatite aguda ou crônica podem apresentar-se com uma grande variedade de sinais clínicos e a severidade de um episódio de pancreatite pode variar desde clinicamente indetectável a choque cardiovascular e falência orgânica. Não é possível diferenciar clinicamente as duas formas de pancreatite (5,12). Acredita-se que, com frequência, os casos leves de pancreatite permaneçam subclínicos ou que estejam apenas associados a sinais clínicos brandos (3). Quando os sinais clínicos estão presentes, são inespecíficos e podem não ser sugestivos de doença gastrintestinal (5). Os sinais clínicos mais frequentemente relatados incluem anorexia e letargia. Outros sinais observados incluem vômito, perda de peso e diarréia (4,8,11-14). A dor abdominal, o principal sinal clínico nos humanos, está presente em apenas alguns casos. No entanto, os gatos não expressam a dor abdominal da mesma forma evidente como os humanos e, por isso, os autores acreditam que deve-se assumir que todos os gatos com pancreatite possuam dor abdominal. Os sinais clínicos mais frequentes durante o exame físico são desidratação, palidez e icterícia, seguidos de taquipnéia e/ou dispnéia, hipotermia ou febre, taquicardia, dor abdominal e presença de massa abdominal palpável (4,8,11-14). Ocasionalmente, em gatos com pancreatite severa podem ser observadas complicações sistêmicas severas como a CID, tromboembolismo, choque cardiovascular e falência orgânica. Patologia clínica Nos gatos com pancreatite, os resultados do hemograma e do perfil bioquímico, bem como do exame de Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 13 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 14 Tabela 1. Fatores de risco conhecidos ou suspeitos para a pancreatite felina* Doenças concomitantes Doença do trato biliar (colangite, obstrução biliar) Doença intestinal inflamatória (IBD) Obstrução do ducto pancreático (ex. neoplasia) Outras condições Isquemia (ex.hipotensão, anestesia) Hipercalcemia Hipertrigliceridemia Trauma Trauma severo (ex. atropelamento,queda) regenerativa ligeira ou não-regenerativa ou hemoconcentração (6,10-12). As alterações bioquímicas mais frequentes incluem o aumento da atividade das enzimas hepáticas e hiperbilirrubinemia (que frequentemente, é reflexo de uma doença hepática concomitante), azotemia (associada a desidratação ou, menos frequentemente, complicação da insuficiência renal), hipercolesterolemia, hipoalbuminemia e hiperglicemia (5,6,8,11,12). Com frequência, são observadas alterações eletrolíticas, sendo a hipocalcemia e a hipocalemia as mais frequentes (4,6,12,15). Sobretudo a hipocalcemia deve sempre originar a suspeita de pancreatite nos gatos que apresentem sinais clínicos compatíveis (15). Pode também observar-se a ocorrência de hipocobalaminemia em alguns gatos com pancreatite, possivelmente devida a uma possível doença intestinal concomitante. Trauma cirúrgico Marcadores séricos Drogas/Toxinas Organofosforados Cálcio Outros Agentes infecciosos Toxoplasma gondii Eurytrema procyonis (parasita pancreático) Amphimerus pseudofelineus (parasita hepático) Calicivírus felino (cepa virulenta) Vírus da peritonite infecciosa felina Panleucopenia Herpesvírus felino Dieta Dietas ricas em gordura *É importante ressaltar que para a maioria dos gatos com pancreatite não se consegue identificar um fator de risco. urina, são inespecíficos e, em muitos gatos com pancreatite branda, podem estar dentro dos limites normais. Embora as evidências destes testes não possam confirmar ou excluir a pancreatite, são invariavelmente úteis no diagnóstico e exclusão de outros diagnósticos diferenciais, e na avaliação do estado geral de saúde do paciente. Os resultados possíveis do hemograma de gatos com pancreatite incluem leucocitose ou leucopenia, anemia 14 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009 Imunorreatividade da lipase pancreática (PLI – pancreatic lipase immunoreactivity) A PLI felina (agora mensurada pelo ensaio Spec fPL feline pancreas-specific lipase, já comercialmente disponível em alguns países) é um imunoensaio que se tornou disponível há relativamente pouco tempo e se apresenta como o teste de maior utilidade para o diagnóstico da pancreatite felina. Este ensaio determina de modo específico a concentração de lipase pancreática felina no soro e, por esta razão, é específico para a doença de pâncreas exócrino. Esta é a maior vantagem deste ensaio face aos ensaios tradicionais e vastamente disponíveis para a lipase, que determinam de modo indiscriminado a atividade das lipases de qualquer origem (ex., pancreática, gástrica, duodenal) e, assim, apresentam uma baixa especificidade para a doença pancreática. A especificidade do fPLI no diagnóstico da pancreatite felina tem sido considerado como sendo superior ao da fTLI e da ultrassonografia abdominal (13). Os estudos conduzidos tanto na pancreatite felina espontânea, como na experimental, demonstraram que a fPLI é igualmente sensível para a pancreatite (13). Considerando-se a globalidade das sensibilidades da fPLI (67%), da fTLI (28% a 33%) e da ultrassonografia abdominal (11% a 67%), atualmente, a concentração sérica de fPLI parece ser o teste de maior sensibilidade para o diagnóstico da pancreatite felina (10-14). RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 15 PANCREATITE FELINA Figura 3. Radiografia abdominal de um gato com pancreatite aguda. Existe perda de detalhe do abdome cranial e evidência de fluido abdominal. Embora estes sinais radiográficos possam ser encontrados em alguns gatos com pancreatite, são considerados inespecíficos e podem ocorrer numa grande variedade de outras doenças. (Cortesia do Dr. JR August, Universidade A&M do Texas). Imunorreatividade tipo-tripsina (TLI - Trypsin-like immunoreactivity) A TLI felina (fTLI) é um imunoensaio que determina o tripsinogênio e a tripsina séricos. Embora tanto a tripsina como o tripsinogênio sejam exclusivamente de origem pancreática, a especificidade da fTLI para o diagnóstico de pancreatite tem sido questionado devido à presença de elevadas concentrações de fTLI em gatos sem doença pancreática, mas com outras afecções gastrintestinais (ex. IBD ou linfoma gastrintestinal) ou com insuficiência renal (10,16). Quando são considerados os valores limite para permitir uma especificidade adequada da fTLI (ex. 100μg/L), a sua sensibilidade é baixa no diagnóstico de pancreatite em gatos (28% a 33%) (10,11,13). Atualmente, a TLI felina apresenta utilidade limitada no diagnóstico da pancreatite em gatos. Atividades da amilase e lipase As atividades da amilase e lipase séricas não parecem ter demonstrado qualquer valor para o diagnóstico da pancreatite felina (4,7). Imagiologia diagnóstica Radiografia abdominal A utilidade da radiografia abdominal no diagnóstico da pancreatite felina é limitada. A sua maior utilidade baseia-se na exclusão de outros diagnósticos diferenciais nos pacientes com sinais clínicos semelhantes aos de pancreatite. Há uma grande falta de sensibilidade das radiografias abdominais e na grande maioria dos casos de pancreatite as radiografias abdominais estão normais. Nos casos em que estão presentes sinais radiográficos, estes são inespecíficos e podem estar associados a uma variedade de outras doenças sistêmicas ou de doenças de órgãos abdominais. Deste modo, o diagnóstico definitivo ou de exclusão da pancreatite não é possível com base na radiografia abdominal por si só. Assim, nos gatos com suspeita de pancreatite, a radiografia deve ser seguida da realização de testes mais sensíveis e específicos (1,4,11,12,17). Os possíveis sinais clínicos radiográficos encontrados em gatos com pancreatite são a diminuição de detalhes anatômicos e do contraste no abdome cranial, dilatação do intestino delgado (devido à presença de fluído/ou gás), hepatomegalia, bem como a presença de massa abdominal cranial (Figura 3) (4,11,12,14). Ultrassonografia abdominal Embora a ultrassonografia abdominal seja mais útil que a radiografia, pode ser difícil realizar o diagnóstico de pancreatite felina com base apenas num exame ultrassonográfico. A sensibilidade descrita para a ultrassonografia abdominal no diagnóstico da pancreatite felina é geralmente baixa (11% a 35%), com apenas um estudo apresentando sensibilidade de 67% (10,12-14). Deste modo, um exame ultrassonográfico normal não exclui a pancreatite (10,13). Além disso, a utilidade da ultrassonografia abdominal no diagnóstico da pancreatite felina depende, em grande escala, das capacidades técnicas do Médico Veterinário, do equipamento utilizado e da severidade das lesões (10,11,14). As alterações mais significativas presentes na ultrassonografia abdominal sugestivas de pancreatite são as alterações na ecogenicidade, incluindo hipoecogenicidade do pâncreas e hiperecogenicidade da gordura peripancreática (Figura 4) (12,14,18). Ocasionalmente, podem ser identificadas áreas hiperecogênicas no pâncreas, possivelmente indicando a presença de fibrose pancreática. Outros sinais ultrassonográficos possíveis em gatos com pancreatite incluem efusão abdominal, aumento do pâncreas, hepatomegalia, lesões cavitárias do pâncreas (ex. pseudocisto) e calcificação do pâncreas (10,12,14,18). É necessário salientar que determinadas condições patológicas do pâncreas (ex. neoplasia, nódulos hiperplásicos, edema devido a hipertensão portal e a hipoalbuminemia) podem estar associadas a sinais Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 15 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 16 Figura 4. Imagem ultrassonográfica do pâncreas num gato com pancreatite. O pâncreas aparece aumentado e hipoecogênico. Estes sinais ultrassonográficos são altamente sugestivos de pancreatite. (Cortesia do Dr. K Ritchter, Hospital de Especialidade Veterinária de São Diego). ultrassonográficos semelhantes e, em muitos casos, estas condições podem ser difíceis de diferenciar da pancreatite (18). A ultrassonografia abdominal é igualmente útil na pesquisa de doenças que causem sinais clínicos semelhantes aos de pancreatite. Adicionalmente, a aspiração por agulha fina guiada por ultrassonografia pode ser uma ferramenta muito útil no diagnóstico de pancreatite e algumas das suas complicações (ex. pseudocisto e abcesso pancreáticos). A aspiração por agulha fina guiada por ultrassonografia pode também ser útil na abordagem de certas complicações da pancreatite (ex. pseudocistos). Patologia macroscópica e histopatológica A visualização macroscópica do pâncreas (ex. durante laparotomia exploratória, laparoscopia ou necrópsia) pode, em alguns casos, fornecer sinais de doença de pâncreas exócrino. Nem sempre estão presentes lesões macroscópicas sugestivas de pancreatite, especialmente em pacientes com doença branda. Embora não estejam bem definidas nos gatos, este tipo de lesão pode incluir necrose da gordura peripancreática, hemorragia, congestão pancreática e presença de superfície capsular granular opacificada (Figura 5). O diagnóstico definitivo, assim como a diferenciação entre a pancreatite aguda e crônica, apenas pode ser feito através do exame histopatológico do tecido pancreático. No entanto, a histopatologia pancreática não é realizada com frequência na rotina clínica porque requer procedimentos invasivos, que são dispendiosos e potencialmente perigosos em gatos que 16 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009 estejam hemodinamicamente instáveis. Além disso, as lesões inflamatórias do pâncreas são frequentemente localizadas, podendo ser facilmente perdidas na histopatologia, especialmente quando apenas uma secção foi submetida ao exame (3,4,14). Por fim, pode igualmente representar um desafio a determinação do significado clínico dos sinais histopatológicos, uma vez que as lesões histopatológicas sugestivas de pancreatite foram encontradas em 45% de gatos saudáveis (3). Uma vez que a pancreatite nos gatos ocorre frequentemente com doenças inflamatórias do fígado e/ou intestino, a realização de biópsias hepáticas e intestinais deve ser considerada nos gatos em que se suspeite de pancreatite. Citologia A citologia de aspiração por agulha fina do pâncreas pode ser realizada tanto por via percutânea guiada por ultrassom ou durante laparotomia, e é considerada relativamente segura. Embora nenhum estudo tenha ainda avaliado acurácia desta técnica para o diagnóstico da pancreatite felina, a presença de células inflamatórias é considerada específica. Contudo, à semelhança do que sucede na histopatologia, as lesões muito localizadas podem passar despercebidas. Deste modo, os resultados negativos não são suficientes para excluir a pancreatite. A citologia por aspiração por agulha fina pode também ser benéfica na diferenciação entre a neoplasia pancreática e a pancreatite. RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 17 PANCREATITE FELINA Figura 5. Aspecto macroscópico do pâncreas de um gato com pancreatite aguda durante a necrópsia. O pâncreas (seta branca) aparece com colorações diversas, com áreas necróticas e edematosas. A inflamação parece estender-se ao duodeno, o qual surge igualmente edematoso e congestionado (seta tracejada), e ao mesentério peripancreático (necrose da gordura peripancreática; seta preta). Estas alterações macroscópicas são altamente sugestivas de pancreatite. (Cortesia do Dr. JR August, Universidade A&M do Texas). Tratamento Tratamento da causa Apesar de na maioria dos casos de pancreatite felina a etiologia permanecer desconhecida, qualquer fator etiológico ou de risco potencial deve ser investigado e, se possível, controlado adequadamente (1) (Tabela 1). Fluidoterapia e eletrólitos Os gatos com pancreatite apresentam-se muitas vezes desidratados devido à ocorrência de vômito, diarréia ou à falta de ingestão de água. Nos casos mais graves, a perda rápida e significativa de fluídos pode conduzir a hipovolemia ou mesmo a choque hipovolêmico. De modo a se manter a perfusão tecidual orgânica e a perfusão pancreática em particular, deve ser iniciada o mais rapidamente possível a fluidoterapia intravenosa com fluídos cristalóides de substituição (normalmente Ringer Lactato ou solução NaCl a 0,9%, dependendo das anomalias eletrolíticas concomitantes). Nos pacientes com diminuição da pressão oncótica, as soluções colóides (ex. hetastarch) podem ser combinadas com cristalóides. O plasma congelado e o sangue fresco total contém inibidores da protease (ex. α2-macroglobulina), albumina, fatores de coagulação e antitrombóticos, e a sua utilização pode ser indicada nos casos mais graves. As anomalias eletrolíticas são geralmente observadas em gatos com formas mais severas de pancreatite e, mais frequentemente, incluem hipocalemia, hipocalcemia, hiponatremia e/ou hipocloremia. Deste modo, nos gatos com pancreatite os electrólitos devem sempre ser determinados e corrigidos de modo adequado. Nutrição Com base nos resultados de diversos estudos, tem sido recentemente questionada a prática comum do jejum total de alimentos e de água em humanos e animais com pancreatite (1,19). As pesquisas recentes conduzidas em humanos e em cães sugerem que os pacientes com pancreatite, na verdade, podem se beneficiar de um suporte nutricional antecipado, podendo o mesmo ser válido para os gatos. De um modo geral, os gatos com pancreatite que não apresentem vômitos devem ser alimentados por via oral (20). No caso dos gatos que não apresentem vômitos mas que se encontrem anoréticos por mais de 2 a 3 dias, deve ser considerada a colocação de uma sonda nasoesofágica, esofágica ou gástrica (20). No caso dos pacientes que apresentem vômito devem ser administrados anti-eméticos e restringida a administração de alimento e de água, até se conseguir o controle efetivo do vômito. Quando é indicada a restrição alimentar por mais de 2 a 3 dias (incluindo o período prévio de anorexia) devem ser iniciados métodos alternativos de alimentação (ex. via suporte nutricional por sonda ou via parenteral) (20). Isto é particularmente importante para prevenir o desenvolvimento ou o agravamento da lipidose hepática (5,17,20). Nos pacientes com vômito persistente, o método preferido de nutrição enteral é feito através de sonda via jejunostomia (20). Caso a colocação de uma sonda de jejunostomia não Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 17 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 18 seja possível devido à necessidade de recorrer a anestesia, e por se tratar de um procedimento de caráter invasivo, pode ser utilizada a nutrição parenteral (parcial ou total) (20). Terapia analgésica Alguns estudos sugerem que a dor abdominal esteja presente em cerca de 75% dos gatos com pancreatite (20). No entanto, nos gatos, a dor abdominal pode ser muito difícil de detectar clinicamente o que cria, com frequência, a idéia que os gatos com pancreatite não possuem dor abdominal. A dor abdominal deve ser considerada estando presente em todos os gatos com um episódio agudo de pancreatite, mesmo que não seja clinicamente detectada, devendo ser iniciada a terapia com analgésicos (5). Os opiódes injetáveis são o elemento principal da abordagem da dor nos gatos com pancreatite. Os gatos com dor leve a moderada podem ser controlados de modo efetivo com buprenorfina (0,005 a 0,015mg/kg, IV ou IM, a cada 4 a 8h). Os gatos com dor severa podem ser controlados com fentanil (0,005-0,01mg/kg IV, IM, ou SC, a cada 2h; ou por infusão contínua, CRI – constant rate infusion - 0,002 a 0,004mg/kg/h). Nos casos mais graves, pode-se tentar o tratamento multimodal como a CRI (ex. combinação de fentanil e quetamina) pois parece ser mais eficaz que um único agente analgésico, e está associado a menos efeitos secundários devido à menor necessidade de dosagem de cada componente. Após a analgesia ter sido conseguida através da utilização de opióides injetáveis, pode recorrer-se à apresentação transdérmica do fentanil (1/2 ou 1 adesivo inteiro de 2,5μg/h, a cada 3 a 4 dias) para fornecer analgesia a longo prazo. Os adesivos de fentanil podem também ser utilizados no manejo da dor dos pacientes após a alta hospitalar. O butorfanol (0,5 a 1mg/kg, PO, TID ou QID) ou o tramadol (4mg/kg, PO, BID) podem também ser utilizados para o mesmo efeito. Terapia anti-emética O tratamento anti-emético deve ser iniciado em todos os gatos com pancreatite que apresentem vômito. Podese utilizar os antagonistas 5-HT3 como o dolasetron (0,6mg/kg, IV, SC ou PO, BID) ou ondansetron (0,1 a 0,2mg/kg, IV lenta, QID ou BID), ou antagonistas α2- 18 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009 adrenérgicos como a clorpromazina (0,2 a 0,5 mg/kg, IM ou SC, TID). O maropitant, um novo fármaco antiemético que atua como um inibidor NK 1 também parece ser altamente eficaz nos gatos e pode ser administrado na dosagem de 0,5 a 1,0mg/kg, SID, SC. Os antagonistas dopaminérgicos (ex., metoclopramida, 0,2 a 0,5mg/kg, IV, IM, SC ou PO, TID ou QID; ou 0,3mg/kg/h IV em taxa de infusão contínua) são considerados menos eficazes nos gatos e podem afetar a circulação esplênica. Antibioterapia De um modo geral, a utilização de antibióticos na rotina não acrescenta benefício aos gatos com pancreatite, embora seja ainda alvo de controvérsias. Os antibióticos estão recomendados nos casos em que se verifica a presença de infecções secundárias (ex. abcesso pancreático e colangite neutrofílica), ou quando há suspeita de infecção (ex. neutrófilos tóxicos, febre persistente, melena). A escolha dos antibióticos deve ser baseada em uma cultura bacteriológica ou em um teste de sensibilidade, no entanto, a cefotaxima (20 a 80mg/kg, IV ou IM, QID), a enrofloxacina (5mg/kg, IM ou PO, BID), e a ampicilina sódica (10 a 20mg/kg, IV, IM ou SC, TID ou QID) constituem boas escolhas de antibióticos pois todas penetram no pâncreas. Outros tratamentos Os gatos com pancreatite linfocítica crônica ou com IBD concomitante e/ou com colangite linfocítica podem se beneficiar da administração de corticóides (ex. prednisolona, 1,0 a 2,0mg/kg, PO, BID). Antes de se iniciar a corticoterapia, o gato deve ser avaliado cuidadosamente quanto a eventuais fatores de risco ou condições concomitantes que possam ser controladas. A corticoterapia deve ser efetuada sob vigilância rigorosa e os autores sugerem a reavaliação da concentração sérica de fPLI 10 dias após o início da terapêutica. O tratamento deve então apenas ser continuado se houver melhoria clínica e/ou se a concentração sérica de fPLI diminuir. Os gatos com pancreatite e com baixa concentração sérica de cobalamina devem ser suplementados com cobalamina (250μg/gato, SC, por semana durante 6 semanas, depois de 2 em 2 semanas durante 6 semanas, e por fim, uma dose um mês depois e reavaliação um mês RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 19 PANCREATITE FELINA após a última dose). Os gatos infectados ou com suspeita de parasitose pancreática ou hepática devem ser tratados com fenbendazol (30mg/kg PO, SID, durante 6 dias consecutivos) ou praziquantel (40mg/kg PO, SID, durante 3 dias consecutivos). O tratamento cirúrgico é indicado nos casos em que a pancreatite é complicada pela presença de abscessos pancreáticos ou pseudocistos de grandes dimensões. Adicionalmente, o tratamento cirúrgico deve ser considerado nos casos de obstrução completa do ducto biliar devido a pancreatite. Prognóstico O prognóstico é geralmente bom nos casos em que ocorreu um único episódio de pancreatite branda e não complicada. O prognóstico é sempre reservado nos gatos que apresentam doença grave, episódios agudos frequentes ou doenças secundárias. Os gatos com pancreatite aguda nos quais se verificou diminuição da concentração do cálcio ionizado (<1mmol/l) ou lipidose hepática concomitante apresentam prognóstico pobre (15,17). REFERÊNCIAS 1. Steiner JM. Exocrine pancreas. In: Steiner JM. ed. Small animal gastroenterology. Hannover: Schlütersche 2008, pp. 283-306. 2. Sarner M. Pancreatitis definitions and classification. In: Go VLW, DiMagno EP, Gardner JD, Lebenthal E, et al. eds. The pancreas: biology, pathobiology and disease. New York: Raven Press; 1993, pp. 575-580. 3. DeCock HEV, Forman MA, Farver TB, et al. Prevalence and histopathologic characteristics of pancreatitis in cats. Vet Pathol 2007; 44: 39-49. 4. Hill RC, Van Winkle TJ. Acute necrotizing pancreatitis and acute suppurative pancreatitis in the cat. A retrospective study of 40 cases (1976-1989). J Vet Int Med 1993; 7: 25-33. 5. Steiner JM, Williams DA. Feline exocrine pancreatic disorders. Vet Clin North Am 1999; 29: 551-575. 6. Macy DW. Feline pancreatitis. In: Kirk RW. ed. Current Veterinary Therapy X: Small Animal Practice. Philadelphia: W.B. Saunders 1989, pp. 893-896. 7. Simpson KW, Shiroma JT, Biller DS, et al. Ante mortem diagnosis of pancreatitis in four cats. J Sm Anim Pract 1994; 35: 93-99. 8. Owens JM, Drazner FH, Gilbertson SR. Pancreatic disease in the cat. J Am Anim Hosp Assoc 1975; 11: 83-89. 9. Weiss DJ, Gagne JM, Armstrong PJ. 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Comparison of the sensitivity of different diagnostic tests for pancreatitis in cats. J Vet Intern Med 2001; 15: 329-333. Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 19 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 20 Doença inflamatória intestinal idiopática felina Dionne Ferguson, DVM Universidade de Medicina Veterinária do Estado de Louisiana, Baton Rouge, LA, EUA A Dra Ferguson é formada pela LSU (Louisiana State University) em 2007. Em seguida, completou internato de pequenos animais no Centro de Referência Veterinária de Louisiana, uma clínica privada em Mandeville, LA. Atualmente, a Dra Dionne Ferguson é residente de medicina interna de pequenos animais na LSU e completará o seu programa em 2011. PONTOS-CHAVE ➧ A patogênese exata da IBD felina não é conhecida, contudo as interações anormais do sistema imunológico com a microbiota intestinal parecem desempenhar um papel importante; ➧ O diagnóstico de IBD implica a exclusão de doenças de origem extra gastrintestinal (GI) que possam causar vômito e diarréia, assim como de outras causas de inflamação intestinal; ➧ A distinção entre a IBD e o linfoma alimentar pode ser difícil, mesmo com a extensa utilização de testes diagnóstico; ➧ O diagnóstico definitivo de IBD implica em histopatologia; ➧ Os pilares da terapia da IBD baseiam-se na alteração dietética, na modificação da microbiota intestinal e na imunossupressão. 20 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009 Frédéric Gaschen, Dr.med.vet., Dr. habil. DACVIM (SAIM), DECVIM-CA (IM) Universidade de Medicina Veterinária do Estado de Louisiana, Baton Rouge, LA, EUA O Dr. Gaschen é formado pela Universidade de Berna, na Suíça. Recebeu seu diploma da ACVIM em 1992 após formação no Canadá e na Flórida. Durante 13 anos lecionou em Berna. O Dr. Frédéric Gaschen é membro fundador do Colégio Veterinário de Medicina Interna - Pequenos Animais. Atualmente, é professor e chefe do Serviço de Medicina de Pequenos Animais da Universidade do Estado de Louisiana. Atualmente suas pesquisas tem como foco as enteropatias crônicas de cães e gatos, bem como nas alterações da motilidade gastrintestinal. A doença inflamatória intestinal (IBD) atualmente se refere a um grupo de afecções gastrintestinais idiopáticas. Este termo coletivo é utilizado para descrever pacientes que são afetados por sinais clínicos gastrintestinais crônicos onde verifica-se a infiltração de células inflamatórias na mucosa intestinal, sem ter sido demonstrada causa aparentemente conhecida (1). As células infiltradas são, com maior frequência, linfócitos e células plasmáticas, mas esporadicamente são observados eosinófilos e outros leucócitos. Os sinais clínicos associados são geralmente inespecíficos e compatíveis com uma grande variedade de outras doenças do trato gastrintestinal e de outros sistemas orgânicos. O diagnóstico de IBD é feito por exclusão (1). Uma vez descartadas certas doenças, o diagnóstico terapêutico pode ainda ajudar a classificar a afecção (ex. enteropatia alimentar). RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 21 Patogênese A etiologia da IBD felina continua desconhecida. Vários fatores de risco parecem estar implicados na patogênese da inflamação intestinal, com base em estudos realizados em diversos modelos em roedores e humanos com IBD. Na última década, boa parte das pesquisas se concentraram nas interações anormais entre a microbiota intestinal e as células do sistema imunológico inato e adquirido da mucosa gastrintestinal. Existem alguns dados que apontam que a existência de polimorfismos nos genes relacionados com a resposta imunológica podem ser importantes na patogênese da IBD em humanos (2). Em medicina humana, têm sido encontradas grandes diferenças entre duas doenças classificadas como IBD, a doença de Crohn e a colite ulcerativa. Classicamente, a doença de Crohn está associada a resposta imunológica com células T helper (Th)1, enquanto que a inflamação na colite ulcerativa é causada por resposta Th2. No organismo saudável, os Th1 são responsáveis pela ativação da imunidade celular, enquanto que a ativação dos Th2 conduz à produção de anticorpos. A estimulação descontrolada das respostas Th1 e Th2 conduzem a cascatas de eventos tipo-específicas e padrões de citocinas. Dois grupos de pesquisa independentes tentaram identificar as principais citocinas na mucosa intestinal dos gatos (3,4). Nos estudos publicados, ocorreu ativação concomitante das citocinas pró-inflamatórias e das citocinas imunomoduladoras, impossibilitando a classificação em Th1 ou em Th2 das reações imunológicas associadas à IBD felina (3,4). Além disso, foi documentado aumento na expressão do complexo principal de histocompatibilidade classe II (MHC – Major Histocompatibility Complex) na mucosa de gatos com IBD, sugerindo o intenso processamento antigênico e a apresentação por macrófagos e células epiteliais intestinais (5). Isto pode ser consequência da quebra da função de barreira da mucosa intestinal e/ou da resposta imunológica inapropriada às bactérias comensais ou aos antígenos alimentares. Adicionalmente, verificou-se que os gatos com sinais clínicos gastrintestinais (GI) apresentam quantidade significativamente maior de Enterobacteriaceae na mucosa em relação aos animais saudáveis (Figura 1). O aumento dos números de E. coli e de Clostridium spp. estão correlacionados com anomalias histopatológicas na mucosa, super-regulação de citocinas pró-inflamatórias e o número de sinais clínicos (4). Estas bactérias associadas à mucosa podem desempenhar papel importante na patogênese da IBD ou representar epifenômeno interessante de inflamação intestinal. Com base no nosso conhecimento atual, é provável que a IBD felina represente um grupo de doenças de diferentes Figura 1. Relação entre as bactérias da mucosa e a histopatologia duodenal, o mRNA das citocinas e a atividade da doença clínica em gatos com doença inflamatória intestinal (4). E. coli (bacilo cor-delaranja) visível numa população mista que ocupa o muco aderente, num gato com IBD. As bactérias são visualizadas através de hibridação com um teste para eubactéria (verde) e um teste específico para E. coli e Shigella (vermelho). Com a permissão de Janeczko S, Atwater D, Bogel E, et al. etiologias resultando em inflamação crônica da mucosa intestinal. Apresentação clínica Normalmente, os gatos com IBD são animais de meia-idade a idosos, mas o intervalo de idade é amplo e admite também animais muito jovens. Não há documentação quanto à existência de predisposição racial ou ligada ao sexo, embora possam estar sujeitos a maior risco as raças de gatos Siamês, Persa e Himalaia (6,7). Os sinais clínicos descritos em vários estudos clínicos publicados estão resumidos na Tabela 1 (6-11). Os sinais clínicos mais frequentemente observados são vômito, diarréia, perda de peso e anorexia (Figura 2). No entanto, alguns gatos podem apresentar apetite normal ou aumentado e muitos gatos, ao contrário dos cães, não apresentam diarréia na ocasião da consulta. Com frequência, demonstram sinais alternados de melhoria e de recidiva, podendo os seus proprietários procurar a ajuda do Médico Veterinário apenas na fase avançada da doença. A IBD pode ser classificada em GI inferior ou GI superior com base nos sinais clínicos. O vômito e a perda de peso sugerem doença GI superior, enquanto que a presença de hematoquezia, fezes com muco e sinais de urgência são normalmente atribuídos a doença GI inferior. Contudo, os sinais clínicos, por si só, não são suficientes para a localização conclusiva da doença. Os gatos com doença do intestino delgado apresentam frequentemente inflamação secundária do cólon. Um estudo demonstrou que 53% dos gatos com IBD (27/51) apresentava colite e que Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 21 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 22 Tabela 1. Resumo das informações descritas na literatura sobre a sintomatologia, a anamnese e o exame físico de 194 gatos com IBD. Os dados são apresentados por número de gatos (percentagem) dos grupos comunicados. Nem todos os parâmetros estavam disponíveis em cada estudo. MSU(6) 1992 14 gatos ISU(7) 1992 26 gatos AMC(8) 1994 60 gatos CVH (França)(9) 1997 51 gatos UPenn(10) 1999 33 gatos AMC(11) 2006 10 gatos Média de idade, em anos (intervalo) 6,8 (1-13) 6,9 (0,7-20) 9,5 (0,5-19) 8,2 (0,6-15) 7 (0,6-15) 9,7 (1,5-16) Vômito O: < uma vez por dia F: > uma vez por dia 10 (71%) O: 4 (28%) F: 6 (43%) 11 (42%) 46 (77%) O: 36 (60%) F: 10 (17%) 33 (65%) 24 (33%) 4 (40%) Diarréia IG: intestino grosso ID: intestino delgado M: misto 7 (50%) ID: 5 (36%) IG: 2 (14%) 12 (46%) ID: 3 (11%) IG: 9 (35%) 21 (37%) ID: 12 (20%) IG: 7 (12%) M: 2 (3%) 45 (88%) IG: 9 (18%) ID: 36 (70%) 16 (48%) 3 (30%) Inapetência/anorexia --- 11 (42%) 24 (40%) --- 6 (18%) 3 (30%) Letargia 6 (43%) --- 10 (17%) --- 3 (9%) --- Perda de peso 10 (71%) 11 (42%) 38 (63%) 28 (55%) 18 (55%) 6 (60%) ICC < 3/9 (magro ou caquético) --- --- 30 (50%) --- --- 5 (50%) ICC > 4/9 --- --- 30 (50%) --- --- 5 (50%) Alças intestinais espessadas no exame físico 5 (36%) --- 31 (52%) 29 (56%) --- 3 (30%) Linfonodos abdominais hipertrofiados no exame físico --- --- --- --- --- 1 (10%) O = ocasional, F = frequente, --- = não comunicado. Abreviaturas supramencionadas: MSU Michigan State University ICC índice de condiçao corporal ISU Iowa State University AMC Animal Medical Center CVH Cerisioz Veterinary Hospital UPenn University of Pennsylvania 16 dos 27 apresentavam sinais histológicos concomitantes de doença do intestino delgado (9). Deste modo, é mais seguro assumir que a doença é de carácter difuso quando se planeja o diagnóstico e o tratamento. Além disso, o clínico deve estar consciente que o tipo e a frequência dos sinais clínicos não diferenciam gatos com IBD dos com outras doenças GI, como o linfoma alimentar (11). O exame físico dos gatos com IBD, é muitas vezes, normal. Os achados clínicos podem incluir perda da condição corporal, desidratação, espessamento das alças intestinais e dor abdominal. Mais uma vez, os sinais clínicos observados durante o exame físico podem ser idênticos nos gatos com linfoma alimentar (11). Deve fazer parte de qualquer exame a palpação da tiróide para pesquisa de eventuais nódulos e o exame oral para exclusão de corpos estranhos lineares, especialmente em gatos com este conjunto de sinais clínicos. 22 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009 Diagnóstico A abordagem diagnóstica recomendada para gatos com suspeita de IBD está resumida na Tabela 2. Os sinais clínicos podem ser bastante inespecíficos e o primeiro passo consiste sempre em excluir doenças que possam apresentar quadros clínicos semelhantes. Outras doenças gastrointestinais como reação adversa ao alimento, infecção parasitária, infecção bacteriana, infecção fúngica e neoplasia intestinal podem apresentar todos os mesmos sinais clínicos. Outros diagnósticos diferenciais incluem as doenças com origem extra trato GI, como hipertiroidismo, Diabetes mellitus, doença renal crônica, doenças hepáticas, pancreatite, infecção viral (coronavírus, retroviroses e panleucopenia) e dirofilariose. Testes laboratoriais As análises laboratoriais iniciais devem incluir a análise sanguínea completa através do hemograma e do perfil RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 23 DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL IDIOPÁTICA FELINA bioquímico, análise de urina, teste FeLV/FIV, concentração sérica de tiroxina, imunoreatividade da lipase pancreática felina (fPLI- feline Pancreatic Lipase Immunoreactivity) e análise fecal. Os resultados laboratoriais podem variar significativamente nos gatos com IBD e podem não revelar qualquer alteração, como demonstrado na Tabela 3. As alterações no hemograma podem incluir a presença de anemia, hemoconcentração, leucocitose, leucopenia, eosinofilia, basofilia ou neutrofilia, com ou sem desvio. A eosinofilia pode ser encontrada em associação com a gastrenterocolite eosinofílica. O perfil bioquímico pode revelar alterações nas concentrações de colesterol, potássio, proteína e enzimas hepáticas (68,10). A alteração bioquímica mais comum foi, numa série de casos, a hipocolesterolemia, podendo esta ser devida a má-absorção (10). A hipocalemia pode ocorrer secundariamente à diarréia (6). A hiperproteinemia pode ser observada simultaneamente com a desidratação ou a inflamação crônica. A hipoproteinemia pode ocorrer como consequência de anorexia, máabsorção ou perda de proteína no trato GI, no entanto, é muito menos frequente nos gatos que nos cães (9). O aumento da atividade das enzimas séricas alanina aminotransferase (ALT) e fosfatase alcalina (ALP), pode ocorrer devido ao aumento da permeabilidade intestinal associada à inflamação e à presença de microrganismos, mediadores inflamatórios e/ou endotoxinas no sangue portal. O aumento da ALT é mais frequente em gatos com linfoma alimentar que com IBD (11). Concomitantemente com a IBD felina, pode estar presente a colangiohepatite e/ou pancreatite. O termo “tríade” foi introduzido há 10 anos atrás, mas não ganhou ainda aceitação universal devido à carência de evidências na literatura. Quando possível, devem ainda ser realizados exames de flotação e esfregaços de fezes frescas. Mesmo com resultados negativos, é recomendada a utilização de antiparasitários de amplo espectro (ex. fenbendazol 50mg/kg, SID, PO 3 a 5 dias) antes de continuar os testes de diagnóstico ou tratamentos adicionais, devendo-se eliminar a maioria dos helmintos e dos protozoários. Recomenda-se a realização de testes para Trichomonas, especialmente no caso de gatos mais jovens, bem como de animais provenientes de gatis ou abrigos. A presença destes parasitas pode ser detectada em esfregaço fecal, mas é importante notar que os trofozoítos são, muitas vezes, confundidos com cistos de Giardia spp. O teste de PCR fecal para Trichomonas é altamente sensível e específico (12). Os diagnósticos adicionais podem incluir testes para a dirofilariose e infecção por Histoplasma, dependo das características parasitárias da região. Figura 2. Gato de 11 anos de idade, de raça Doméstico de Pêlo Longo, apresentado vômito crônico com 2 meses de duração. Nota-se o mau estado da pelagem e a fraca condição corporal (o índice de condição corporal foi de 3/9 no exame físico). Diagnóstico por Imagem As radiografias abdominais estão indicadas caso se suspeite de obstrução crônica parcial ou de uma massa intra-abdominal. Classicamente, as radiografias abdominais não são muito sensíveis na exclusão de condições como a doença renal crônica, doenças hepáticas ou pancreatite, sendo preferível a realização de ultrassonografia abdominal (Figura 3). Em estudo retrospectivo foram realizadas ultrassonografias abdominais de 17 gatos com IBD, verificando-se alterações em 13 casos. Estas alterações consistiam na fraca estratificação da parede intestinal, no espessamento focal, e na presença de linfonodos mesentéricos hipoecogênicos e/ou hipertrofiados (10). Infelizmente, os sinais ultrassonográficos nos gatos com IBD e nos gatos com linfoma alimentar podem ser indistinguíveis (10). Contudo, a hipertrofia dos linfonodos pode significar a oportunidade de diagnosticar um linfoma através da aspiração por agulha fina guiada por ultrassom, antes de se adotarem outras técnicas de diagnóstico invasivas. Adicionalmente, a ultassonografia pode ajudar a decidir qual a próxima etapa do diagnóstico, uma vez que as alterações difusas podem ser mais facilmente acessíveis através de endoscopia que as lesões focais e/ou obstrutivas para as quais, normalmente, a cirurgia é mais adequada. Teste alimentar Na Nova Zelândia, 16 (29%) de 55 gatos que apresentavam sinais clínicos gastrintestinais similares aos Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 23 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 24 Tabela 2. Organograma simplificado para a abordagem diagnóstica e terapêutica de gatos com sinais clínicos crônicos compatíveis com IBD. Exclusão de doenças subjacentes com origem extra trato GI: Hemograma, Bioquímicos, EA, Análise Fecal, FIV/FeLV, T4, PLI (+/- cobalamina, folato, TLI), Radiografia abdominal (+/- Ultrassonografia abdominal) Exclusão de doenças infecciosas ou parasitárias enquanto se aguardam os resultados dos testes: Tratamento com fenbendazol Exclusão de doenças alimentares caso não exista nenhuma condição subjacente: Tratar as doenças subjacentes quando presentes: DM, hipertiroidismo, doença renal, doença hepática, IPE, etc. Dieta de eliminação por 10 dias Ausência de resposta ao teste alimentar: Endoscopia/ celiotomia exploratória com biópsia Tratamento de presumível IBD caso não seja uma opção válida por motivos financeiros ou médicos IBD Linfoma alimentar: Tratar com quimioterapia Glossário Tratamento: EA, exame de urina PLI, imunoreatividade da lipase pancreática Continuar com a dieta de eliminação Se branda, pode se tentar o uso de antibióticos. A maioria requer imunossupressão com corticóides TLI, imunoreatividade tipo tripsina DM, Diabetes mellitus IPE, insuficiência pancreática exócrina IBD, doença inflamatória intestinal 24 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009 Casos graves ou refratários: Suplementação com vitamina B12 Fármacos imunossupressores adicionais Reconsiderar o linfoma alimentar RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 25 DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL IDIOPÁTICA FELINA Tabela 3. Resumo dos resultados clínico-patológicos de 133 gatos com IBD felina descritos na literatura MSU(6) 1992, 14 gatos Hematócrito aumentado Anemia Leucopenia Leucocitose Neutrofilia Neutropenia Segmentados Linfocitose Linfopenia Monocitose Basofilia Eosinofilia Hiperproteinemia Hipoproteinemia Hiperalbuminemia Hipoalbuminemia Hiperglobulinemia Hipoglobulinemia BUN reduzida BUN aumentada Creatinina aumentada ALT aumentada AST aumentada ALP aumentada Hiperglicemia Hipoglicemia Hipercolesterolemia Hipocolesterolemia Hipocalcemia Hipernatremia Hiponatremia Hipocalemia Hipercloremia Hipocloremia ISU(7) 1992, 26 gatos 0 0 0 3 (21%) 5 (35%) 0 0 0 4 (28%) 2 (14%) 2 (14%) 1 (7%) 0 3 (21%) 0 0 0 4 (28%) 2 (14%) 1 (7%) 1 (7%) 8 (57%) 0 0 0 3 (12%) 5 (19%) 0 0 0 7 (27%) 0 0 8 (31%) 5 (19%) 0 0 6 (24%) 0 0 0 0 0 3 (12%) 1 (7%) 0 0 ----0 1 (7%) 0 8 (57%) 1 (7%) 0 0 10 (38%) 0 --5 (19%) 0 0 0 4 (15%) 0 0 AMC(8) 1994, 60 gatos UPenn(10) 1999 33 gatos 30 (50%) 0 ----14 (23%) 1 (2%) 5 (8%) 1 (2%) 31 (50%) 0 0 0 ----11 (18%) 3 (5%) 14 (23%) 0 0 9 (15%) 14 (23%) 22 (36%) 18 (30%) 11 (30%) 9 (15%) 1 (2%) 5 (8%) 3 (5%) 6 (10%) 3 (5%) 1 (2%) 0 0 2 (3%) 0 6 (18%) 3 (9%) 4 (12%) 5 (15%) 0 5 (15%) 0 4 (12%) 0 0 0 10 (30%) 8 (24%) 4 (12%) 5 (15%) 0 0 0 0 0 5 (15%) --1 (3%) 4 (12%) 0 1 (3%) 10 (30%) ----------5 (15%) Informações apresentadas como números de gatos (percentagem) dos grupos comunicados. Nem todos os parâmetros estavam disponíveis em cada estudo. BUN (Blood Urea Nitrogen) – uréia e nitrogênio sanguíneos. descritos na Tabela 1 foram diagnosticados como apresentando sensibilidade alimentar (13). Esta conclusão foi baseada na constatação da melhoria ou resolução dos sinais clínicos após ter sido administrada dieta com proteína selecionada e da recorrência dos sinais após exposição à dieta original. Um grupo adicional de 11 gatos (20%) apresentou melhoria dos sinais clínicos que não recidivaram após a administração da sua dieta normal (13). Assim, recomenda-se fortemente iniciar um teste alimentar de eliminação, utilizando para isso uma dieta com uma proteína selecionada ou com proteína hidrolisada, antes de se considerarem técnicas de diagnóstico mais invasivas. No estudo da Nova Zelândia, os sinais clínicos resolveram-se ao fim de 4 dias (13). Deste modo, se o paciente não apresentar melhoria clínica ao fim de 5 a 7 dias, devem ser considerados diagnósticos ou tratamentos adicionais. A colaboração do proprietário é um importante fator limitante nos testes alimentares, devendo ser adotados todos os passos necessários de modo a garantir que o teste é feito com bom nível de confiança. Biópsia endoscópica ou cirúrgica Uma vez sistematicamente excluídas a infecção parasitária, a infecção fúngica, a reação adversa ao alimento e a doença extra gastrintestinal, permanecem duas doenças na lista dos diagnósticos diferenciais: a IBD e o linfoma Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 25 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 26 Figura 3. Figura 4. Imagem ultrassonográfica do intestino delgado de uma gata de 3 anos de idade, esterilizada e com vômito crônico. A parede do jejuno apresenta-se muito espessada (5,1mm). Notar o aumento da camada muscular hipoecogênica localizada sob a serosa. A mucosa apresenta-se hiperecogênica e relativamente mais fina que a camada muscular. Os linfonodos jejunais estavam ligeiramente hipertrofiados (não ilustrado). Estas alterações são compatíveis com uma infiltração inflamatória (IBD) ou neoplásica (linfoma). O diagnóstico da gata foi enterite eosinofílica (Figura 6a-6c). Cortesia do Dr. L. Gaschen, Universidade do Estado de Louisiana. Imagem de uma colonoscopia realizada num gato, macho, de 6 anos de idade e de raça Doméstico de Pêlo Curto levado à consulta com hematoquezia. São visíveis múltiplas lesões erosivas/ ulcerativas e, por vezes, coalescentes na mucosa do cólon (setas). A histopatologia revelou a presença de uma colite linfocítica plasmocitária moderada. gastrintestinal. Um estudo recente demonstrou que os gatos afetados por estas duas doenças partilham apresentações clínicas muito similares (11). Os gatos com linfoma GI tendem a ser mais velhos, com uma média de idades de 12,5 anos (com um intervalo de 10 a 15 anos), quando comparada com os gatos com IBD (com uma média de 9,7 anos de idade, intervalo de 1,5 a 16). No entanto, os sinais clínicos e as alterações laboratoriais foram semelhantes em ambos os grupos no momento da consulta. Mesmo as alterações ultrassonográficas não foram significativamente diferentes (11). Assim, a obtenção de biópsias de boa qualidade da mucosa é crucial para o diagnóstico de qualquer uma das doenças. Nesse estudo, a endoscopia foi considerada apropriada para a obtenção de biópsias gástricas representativas para o diagnóstico do linfoma intestinal. No entanto, as biópsias endoscópicas revelaram um menor nível de confiança no diagnóstico do linfoma intestinal quando comparadas com as biópsias tradicionais de camada inteira recolhidas durante a laparotomia exploratória (11). Embora de grande utilidade em inúmeras situações, o exame endoscópico do trato GI felino apresenta diversas lacunas. Primeiro, os endoscópios apenas permitem o acesso ao estômago, ao duodeno (possivelmente ao jejuno proximal) e ao cólon. Apesar da biópsia do íleo poder ser realizada com o endoscópio colocado no cólon proximal, a maior parte do jejuno não pode ser 26 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009 explorada. Segundo, as lesões observadas macroscopicamente durante a endoscopia não estão bem correlacionadas com os sinais histopatológicos (10). E, por fim, as biópsias da mucosa colhidas por endoscopia são superficiais e apenas incluem a camada mucosa e parte da submucosa. Além disso, podem evidenciar artefatos por esmagamento, caso os instrumentos e a técnica não sejam perfeitos. Assim, todas as áreas acessíveis devem ser sujeitas a amostragem, independentemente do seu aspecto macroscópico, devendo ser colhidas múltiplas amostras de cada área (é aconselhável de 8 a 12 amostras teciduais). Em gatos com sinais clínicos de doença do intestino grosso, para se obterem biópsias do cólon é preferível a realização de endoscopia (Figura 4). No entanto, é preferível a realização de uma celiotomia exploratória caso se pretendam obter biópsias de camada inteira do intestino, do fígado e/ou do pâncreas. Esta abordagem não permite, contudo, o exame direto das superfícies da mucosa de modo a selecionar os locais de biópsia. Além disso, a celiotomia é mais invasiva e menos adaptada no caso de pacientes severamente debilitados, ou no caso dos que necessitam de tratamento esteróide imunossupressivo imediato, uma vez que podem ocorrer atrasos na cicatrização. Histopatologia Mesmo quando são obtidas amostras de boa qualidade, é claramente difícil para os patologistas diferenciar a infiltração linfoplasmocitária da mucosa intestinal de uma mucosa normal, com base em amostras de biópsia RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 27 DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL IDIOPÁTICA FELINA endoscópica (14,15). Para complicar, alguns linfomas de células pequenas podem apresentar um aspecto histológico muito semelhante ao da infiltração linfoplasmocitária (Figura 5). Em um estudo revelador, um grupo de patologistas certificados obtiveram interpretações divergentes quando lhes foi pedido para observarem as mesmas amostras de biópsia (16). É, por isso, muito importante que clínicos e patologistas discutam em conjunto os casos difíceis. Ambas as partes podem ganhar informação significativa a partir deste tipo de discussão, sendo o paciente beneficiado em última instância. Se um paciente falhar na resposta a um tratamento apropriado, estão indicadas a realização de biópsias de camada inteira ou imunohistoquímica, de forma a prosseguir com o diagnóstico de linfoma. Foi sugerido que a IBD felina grave pode progredir para linfoma, uma vez que o mesmo pode ocorrer em humanos, mas atualmente não existem provas substanciais (8). Um estudo que avaliou a imunohistoquímica do linfoma alimentar e da inflamação intestinal severa sugeriu que este método pode ser muito útil na diferenciação destas duas doenças (17). Dos 32 gatos diagnosticados com linfoma, e utilizando uma coloração tradicional, foi descoberto que 46,9% eram linfomas linfoblásticos B, 25% eram do tipo células T e que 12,5% eram de fenótipo misto. Adicionalmente, verificou-se que 15,6% eram mais consistentes com inflamação, que com o diagnóstico original de linfoma. Como fator adicional de diferenciação, este estudo também encontrou uma carência da expressão de MHC classe II pelos enterócitos em gatos com linfoma, ao contrário do que é observado na IBD (17). Apesar da IBD felina estar mais frequentemente associada a enterite linfocítica-plasmocitária e/ou colite com infiltração superficial, foi ocasionalmente comunicada a presença de enterite/ colite eosinofílica (Figura 6). Raramente são observadas as formas supurativa ou granulomatosa que podem, de fato, sugerir etiologia infecciosa. Terapia O tratamento é melhor instituído uma vez feito o diagnóstico de IBD. Pode ser considerado o tratamento empírico em gatos com sinais clínicos compatíveis com IBD, que por motivos financeiros ou médicos não possam continuar um processo diagnóstico até o fim (Tabela 2). Com ou sem diagnóstico histológico, o cliente deve estar informado desde o início do tratamento que não existe cura para a IBD, bem como a necessidade de ajustes no manejo e no tratamento para o resto da vida do gato. Um proprietário dedicado e cuidadoso pode exercer um efeito positivo na resolução final do caso. Alternativamente, uma fraca colaboração e/ou monitoramento pode Figura 5. Fotomicrografia da mucosa do jejuno de uma gata de 13 anos de idade, de raça Siamês e com história de vômito crônico e perda de peso. A gata foi diagnosticada tendo linfoma alimentar. Existe uma infiltração severa com linfócitos na parte distal da mucosa. Notar que esta infiltração se estende à submucosa, uma característica típica do linfoma e que não ocorre nas condições inflamatórias. A muscularis mucosa está localizada entre os 2 ‘’X’’ e separa a mucosa (em cima à esquerda) da submucosa (em baixo à direita). Foi realizada a imunohistoquímica utilizando um anticorpo CD3 que revelou a presença de uma população monomórfica de células T (não ilustrado). Coloração HE, ampliação 20x. Cortesia do Dr. L. McLaughlin, Universidade do Estado de Louisiana. tornar esta doença muito difícil ou mesmo impossível de controlar. Dieta De forma ideal, é preferível uma dieta hiperdigestível, proteína selecionada ou dieta com proteínas hidrolisadas. A melhoria da absorção resulta em melhoria da nutrição, diminuição do substrato disponível para as bactérias intestinais e diminuição do potencial osmótico. A utilização de dietas de teor elevado em fibra é controversa em gatos com IBD, mas pode ser indicada caso estejam predominantemente presentes sinais clínicos intestinais. Não se sabe se são de maior utilidade as fibras de baixa ou de elevada solubilidade. Acredita-se que as fibras de baixa solubilidade, como a celulose, permitem aumentar o volume e captar o fluído não absorvido, ajudando na regulação da motilidade. As fibras de elevada solubilidade, como a polpa de beterraba, são fermentadas pelas bactérias intestinais e resultam na produção de ácidos graxos de cadeia curta. Estes permitem nutrir o cólon e inibem o Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 27 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 28 c Figura 6. a A) Fotomicrografia de baixa ampliação de uma biópsia de camada inteira do jejuno da gata descrita na Figura 3. Notar a presença da camada muscular muito espessada (os ‘’A’’ evidenciam a inter-face submucosa-muscular) e que confirma os sinais ultrassonográficos. Esta alteração está muitas vezes associada a enterite eosinofílica. B) Maior ampliação que mostra a mucosa e a submucosa na mesma porção de biópsia. Observar a arquitetura anormal das vilo-sidades com fusão e friabilidade das vilosidades, bem como infiltração celular da mucosa. Estas alterações são observadas com frequência em todos os tipos de infiltrados inflamatórios intestinais. C) Fotomicrografia de elevada ampliação que evidencia a infiltração moderada a severa da mucosa com células inflamatórias, consistindo majoritariamente em grandes quantidades de eosinófilos. O gato foi diagnosticado com enterite eosinofílica moderada a severa (setas apontam para eosinófilos). Coloração H&E, cortesia do Dr. L. McLaughlin, Universidade do Estado de Louisiana. Fármacos imunossupressores/ anti-inflamatórios b crescimento das bactérias patogênicas. Algumas dietas são suplementadas com ácidos graxos ômega 3 com o objetivo de diminuir o substrato para as prostaglandinas e os leucotrienos inflamatórios. A adição de probióticos pode ser uma opção de tratamento para os gatos com IBD. Embora os probióticos possam influenciar a microbiota intestinal, não existe atualmente nenhuma informação objetiva que suporte este benefício clínico nos gatos. 28 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009 Apesar do tratamento dietético com dietas com proteínas selecionadas ou hidrolisadas, a base do tratamento da IBD é a imunossupressão. Geralmente, é preferível a prednisolona em relação à prednisona, pois possui maior biodisponibilidade em gatos, sendo administrada na dosagem de 4mg/kg, PO (SID ou dividida em duas administrações diárias), durante 10 dias. Em seguida, a dose é reduzida pela metade todos os 10 a 14 dias (Tabela 4). O objetivo final é manter o gato na menor dose eficaz possível ou mesmo considerar a descontinuação do tratamento corticóide. Se o proprietário não conseguir administrar comprimidos ao gato, pode então ser utilizado o acetato de metilprednisolona, na dosagem de 10mg/kg, SC, a cada 2 a 4 semanas, sendo diminuído progressivamente durante 4 a 8 semanas embora, na opinião do autor, os corticóides de ação lenta não pareçam ser muito bemsucedidos e poderem originar mais efeitos secundários. Outros fármacos imunossupressores utilizados nos casos refratários incluem o clorambucil e a ciclosporina. O clorambucil, um derivado de mostarda nitrogenada, é RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 29 DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL IDIOPÁTICA FELINA geralmente utilizado de modo isolado ou em combinação com a prednisolona na dosagem de 2mg/gato, PO, a cada dois dias (em gatos > 4kg de peso corporal), ou a cada 3 dias (em gatos com < 4kg de peso corporal), e depois descontinuado até à menor dose possível. Deve ser realizado hemograma a cada 2 a 4 semanas para monitorar eventuais sinais de mielossupressão. Embora não existam relatos publicados da utilização da ciclosporina em gatos com IBD, a dose geralmente recomendada é aproximadamente de 5mg/kg, SID (25mg/ gato). Da mesma forma, antes da utilização de agentes imunossupressores se recomenda a pesquisa de doenças infecciosas subjacentes como a toxoplasmose, FIV e FeLV. Tabela 4. Proposta de um esquema prático de descontinuação da prednisolona na IBD felina* Dose de prednisolona Tempo Exemplo: 5kg gato 4mg/kg/dia 7-10 dias 10mg PO, BID 2mg/kg/dia 10-14 dias 10mg PO, SID 1mg/kg/dia 10-14 dias 5mg PO, SID 1mg/kg de dois em dois dias 10-14 dias 5mg PO de dois em dias 0,5mg/kg de dois em dois dias 10-14 dias 2,5mg PO de dois em dias Imunomoduladores/Antimicrobianos Os antimicrobianos (Tabela 5) podem ser úteis no tratamento de patógenos não diagnosticados, ou na diminuição de antígenos bacterianos que possam influenciar o desencadeamento da inflamação patogênica. O agente antimicrobiano mais frequentemente utilizado na IBD felina é o metronidazol, o qual inibe também a imunidade de mediação celular. A dosagem recomendada é de 10 a15mg/kg, PO, BID. Esta é uma dosagem menor do que a utilizada no tratamento da giardíase. Uma vez que a Giardia pode desenvolver resistência a uma dose baixa de metronidazol, esta terapêutica não deve ser instituída sem excluir primeiro este tipo de infecção. Nos gatos, a janela terapêutica do metronidazol é estreita, devendo por isso precaver-se durante a administração prolongada deste fármaco. Os efeitos secundários observados são majoritariamente neurológicos. A tilosina também tem sido utilizada em gatos na abordagem da IBD do cólon, na dose de 40 a 80mg/ kg/dia, PO, dividida em duas doses. À semelhança do metronidazol, foi sugerido que a tilosina possa apresentar o benefício adicional dos efeitos anti-inflamatórios. Nos pacientes com doença branda, um ensaio antimicrobiano de 3 a 4 semanas pode ser instituído antes de se iniciar terapia imunossupressora. Suspeita-se que as interações patológicas entre a microbiota intestinal e o sistema imunológico inato ou adquirido possam desempenhar um papel importante na patogênese da IBD em várias espécies. Nos cães, a colite granulomatosa foi demonstrada estar associada à E. coli (18) e ser responsiva à antibioterapia com fluoroquinolona. Em gatos com IBD, a E. coli e os Clostridia associados à mucosa parecem correlacionar-se com a atividade da doença clínica (4). Embora estejam indicados estudos adicionais para clarificar a relação entre as bactérias da mucosa e a IBD felina, os autores observaram um gato com IBD responder de modo dramático a um ensaio com fluoroquinolonas, em que haviam *O objetivo é administrar a menor dose possível para controlar os sinais clínicos. Alguns gatos não são dependentes da corticoterapia e a prednisolona pode ser descontinuada. Outros gatos podem necessitar serem mantidos com uma dose mínima de, por exemplo, três em três dias. Tabela 5. Doses habituais de fármacos utilizados com frequência na IBD felina Fármaco Prednisolona Dose Utilização Ver Tabela 4 Imunossupressão Metilprednisolona 10mg/kg, SC, durante 2-4 semanas, acetato descontinuado durante 4-8 semanas Imunossupressão Clorambucil 2mg/gato, PO, EOD Imunossupressão, (> 4kg) ou durante 3 caso refratário dias (<4kg) Ciclosporina 5mg/kg (25mg/gato), Imunossupressão, caso refratário PO, SID Metronidazol 10-15mg/kg PO BID Antimicrobiano, imunomodulador Tilosina 20-40mg/kg PO BID Antimicrobiano, imunomodulador Cobalamina (B12) 250μg SC, durante 6 semanas, em seguida, de duas em duas semanas durante 6 semanas e, por fim, mensalmente Suplemento, de acordo com os teores de cobalamina Vitamina K1 1-5mg/kg/dia, SC Suplemento, de acordo com o tempo de protrombina (PT) Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 29 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 30 DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL IDIOPÁTICA FELINA falhado a prednisona, o metronidazol e a dieta. Os antimicrobianos podem representar uma modalidade de tratamento possível de ser considerado antes de se optar pela imunossupressão mais agressiva com fármacos que apresentem o risco de efeitos secundários mais substanciais. Suplementação vitamínica Foi demonstrado que a deficiência de cobalamina (vitamina B12 ) pode ser uma consequência da doença gastrintestinal, devido à diminuição da sua absorção no íleo (19). Isto pode ser facilmente confirmado pela avaliação da concentração sérica de cobalamina. A vitamina B12 está envolvida em diversas vias importantes do metabolismo intermediário, como por exemplo o processo de conversão de nutrientes em componentes celulares. Os gatos com déficit de vitamina B12 podem apresentar uma recuperação tardia ou uma falha de tratamento após uma terapêutica imunossupressora. Nestes pacientes, a cobalamina deve ser administrada por via parenteral na dosagem de 250μg/gato, SC. As administrações são feitas semanalmente durante 6 semanas; em seguida, a cada duas semanas durante 6 semanas e, finalmente, a intervalos mensais. Foi, igualmente, sugerido que a suplementação com vitamina K1 pode ser benéfica em gatos com IBD severa e com função de absorção anormal (1 a 5mg/kg, SC, SID). Prognóstico Num estudo, 37 gatos (80%) dentre 47 animais tratados com dieta e prednisona apresentaram uma resposta positiva ao tratamento. A maioria dos proprietários ficou satisfeita, embora os sinais clínicos não tenham sido completamente resolvidos (8). Os gatos com lesões histológicas severas ou inflamação eosinofílica podem ser mais difíceis de controlar (20). Adicionalmente, a falha de resposta ao tratamento pode indicar a presença de uma IBD refratária ou de um linfoma. Novamente ressalta-se que os proprietários devem compreender que a IBD felina é uma doença que é controlada mas não tem cura. Alguns proprietários podem não querer ou poder medicar regularmente os seus gatos a longo prazo. Agradecimentos Os autores gostariam de agradecer aos seguintes colegas da Universidade do Estado do Louisiana: Dr. K. Ryan por ler o manuscrito e fornecer comentários construtivos, Drs. L. McLaughlin e L. Gaschen pela sua assistência nas ilustrações, e ao Dr. K. Simpson da Universidade de Cornell por fornecer o material da Figura 1. Leitura adicional: Dossin O. How I treat… Chronic diarrhea in cats. Veterinary Focus 2009; 19.1: 2-9. REFERÊNCIAS 1. Hall EJ, German AJ. Diseases of the Small Intestine. In: Ettinger, S. J. and Feldman, E. C., eds. Textbook of Veterinary Internal Medicine, St. Louis: Elsevier Saunders; 2005, pp. 1332-1378. 2. Queiroz DM, Oliveira AG, Saraiva IE, et al. Immune response and gene polymorphism profiles in Crohn's disease and ulcerative colitis. Inflamm Bowel Dis 2008; 15: 353-358. 3. Nguyen Van N, Taglinger K, Helps CR, et al. 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Possui doutorado na área das doenças felinas do trato respiratório superior e no diagnóstico molecular de doenças infecciosas. Em 2001, completou residência em Medicina Interna de Pequenos Animais na Universidade do Minnesota e é Diplomada pelo Colégio Americano de Medicina Interna Veterinária. Introdução A anemia é um problema observado com frequência nos gatos e, embora as doenças infecciosas estejam muitas vezes na base da anemia nos gatos, existem inúmeras outras causas subjacentes. O principal objetivo deste artigo é fazer uma revisão das causas infecciosas mais comuns de anemia nos gatos. Teoricamente, todos os agentes patogênicos têm a capacidade de causar anemia através da indução de resposta inflamatória, e do desenvolvimento de anemia devido a doença inflamatória, embora esta tenda a ser leve a moderada e não seja usualmente o motivo primário da consulta. O foco central deste artigo é a abordagem dos microrganismos patogênicos passíveis de causar anemia como anomalia clínica primária e que constitui motivo da consulta veterinária (Tabela 1). Abordagem diagnóstica da anemia Pode suspeitar-se da existência de anemia quando o gato apresenta letargia, redução de apetite e mucosas pálidas ou brancas. A ingestão de areia da liteira ou de terra também podem fazer parte da anamnese. Os sinais clínicos no exame físico podem incluir taquicardia, taquipnéia ou sopro cardíaco sistólico como resultado da diminuição da viscosidade sanguínea. O diagnóstico definitivo de anemia depende da confirmação de hematócrito, hemoglobina ou redução da contagem total de glóbulos vermelhos. De forma a não se negligenciar as várias causas de anemia, estas podem ser agrupadas em anemias que resultam na diminuição da produção de glóbulos vermelhos, anemias decorrentes de hemorragia e anemias que resultam do aumento da destruição dos glóbulos vermelhos (Tabela 2). A anemia que resulta da redução da produção de eritrócitos é sempre nãoregenerativa. A perda de sangue e o aumento da destruição de glóbulos vermelhos são, geralmente, observados na sequência de uma resposta regenerativa de 3 a 5 dias depois do episódio, embora a perda de sangue por via gastrintestinal possa se tornar Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 31 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 32 Tabela 1. Doenças infecciosas que podem causar anemia nos gatos Distribuição geográfica Organismo Vírus da leucemia felina Mundial Vírus da imunodeficiência felina Mundial Vírus da peritonite infecciosa felina Mundial Micoplasmas hemotrópicos, essencial- Mundial mente Mycoplasma haemofelis Cytauxzoon felis Zonas central sul, sudoeste e costa Atlântica dos Estados Unidos Babesia felis Zona costeira da África do Sul Ctenocephalides felis Mundial Ancylostoma spp. Mundial Tabela 2. Diagnóstico diferencial da anemia patológica em gatos Mecanismo Causa subjacente Redução da produção de glóbulos vermelhos • Doença renal • Mielotísica • Carência de ferro • Anemia de doença inflamatória • Doença infecciosa (principalmente infecção por FeLV) • Doença imunomediada dos precursores dos RBC • Toxinas e fármacos Perda de glóbulos vermelhos • Hereditárias e perturbações plaquetárias • Coagulopatias adquiridas e perturbações plaquetárias • Neoplasia • Gastrenterite eosinofílica • Trauma • Doença idiopática do trato urinário inferior felino • Infestação por pulgas • Infestação por tênias Aumento da destruição de glóbulos vermelhos • Anemia hemolítica imunomediada primária • Anemia hemolítica imunomediada secundária a fármacos, neoplasia ou doença infecciosa • Defeitos hereditários nos RBC (aumento da fragilidade osmótica, deficiência na piruvato cinase) • Hipofosfatemia • Toxinas oxidativas (ex. cebola, alho, anestésicos locais, propofol, acetaminofeno, zinco) • Microangiopatia 32 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009 não-regenerativa devido à deficiência em ferro. A presença de uma resposta regenerativa é sugerida pela presença de policromasia, pontos basofílicos, normoblastocitose (presença de glóbulos vermelhos nucleados), anisocitose, aumento do número de corpos de Howell-Jolly na sequência da avaliação microscópica de esfregaços sanguíneos (Figura 1). A reticulose é evidente após a realização da coloração de azul-de-metileno dos esfregaços sanguíneos ou através da contagem automática utilizando métodos citométricos. Podem ser identificados dois tipos de reticulócitos através da utilização de métodos visuais e na sequência de resposta regenerativa em gatos: reticulócitos agregados e ponteados. Os reticulócitos agregados são a forma mais imatura deste tipo de células. A presença de > 1% destes reticulócitos no sangue periférico indica a presença de regeneração ativa. Os laboratórios que apenas apresentam uma única contagem de reticulócitos para gatos referem-se, geralmente, à contagem de reticulócitos agregados. Os reticulócitos ponteados são mais maturos e, quando em maior número (> 10%), sugerem a existência de resposta regenerativa prévia e que, geralmente, ocorreu nas últimas 1 a 2 semanas. A reticulose agregada felina pode nem sempre ser muito pronunciada, mesmo ocorrendo a regeneração (Tabela 3). A produção deficiente de glóbulos vermelhos reflete, normalmente, a alteração da função da medula óssea. As causas em gatos incluem: a) Doença renal: o que resulta em anemia normocítica e normocrômica, devido à diminuição da secreção de eritropoietina; b) Mielotísica: a anemia mielotísica resulta da substituição da medula óssea por células neoplásicas ou fibrose. Normalmente deficiências em outras linhagens celulares estão presentes concomitantemente; c) Deficiência de ferro: a anemia por deficiência de ferro é classicamente microcítica e hipocrômica mas, ocasionalmente, pode se desenvolver anemia normocítica e normocrômica. A existência conjunta de concentração sérica de ferro reduzida, concentração de ferritina reduzida e capacidade de ligação do ferro total aumentada podem ser utilizadas para diagnóstico de deficiência em ferro. No entanto, uma vez que a ferritina sérica é uma proteína reativa na fase aguda, a sua concentração pode aumentar na presença RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 33 CAUSAS INFECCIOSAS DE ANEMIA EM GATOS de doença inflamatória, muitas vezes impossibilitando, o diagnóstico concomitante de anemia por deficiência de ferro. Nos cães e nos humanos, a falta de pigmentação do ferro na medula óssea pode ser utilizada neste tipo de situações como auxiliar no diagnóstico de anemia por deficiência de ferro. Como consequência, este tipo de anemia pode ser difícil de confirmar em alguns gatos. Uma das causas mais frequentes de anemia por deficiência de ferro nos gatos é a hemorragia gastrintestinal crônica; d) Anemia devido a doença inflamatória: é geralmente uma anemia leve a moderada, normocítica e normocrômica. O hematócrito raramente é inferior a 14-15% (1). A anemia por doença inflamatória é sugerida pela presença da concentração de ferro diminuída a normal, capacidade de ligação do ferro total aumentada e concentração de ferritina normal a elevada; e) Infecciosa: a principal causa de produção reduzida de glóbulos vermelhos nos gatos é a infecção por FeLV (ver em baixo); f) Doença auto-imune afetando os precursores celulares dos glóbulos vermelhos; g) Toxinas: à semelhança da doença mielotísica, as causas tóxicas de anemia atuam na medula óssea e causam normalmente outras deficiências nas outras linhagens celulares. Exemplos incluem o cloranfenicol e os fármacos quimioterápicos. A perda de glóbulos vermelhos pode ser consequente à hemorragia do trato GI, do trato urinário ou hemorragia interna, tal como ruptura esplênica ou hemotórax. A hemorragia gastrintestinal crônica pode estar associada a trombocitose e a razão uréia/creatinina (BUN/CREA) elevada. As causas de hemorragia incluem: a) Coagulopatias e perturbações plaquetárias hereditárias; b) Coagulopatias e perturbações plaquetárias adquiridas, incluindo toxicidade por rodenticida anticoagulante, trombocitopenia imunomediada e hepatopatias; c) Neoplasias, incluindo o hemangiossarcoma, linfossarcoma intestinal e adenocarcinoma intestinal; d) Gastrenterite ulcerativa grave, tal como a gastrenterite eosinofílica; e) Trauma; f) Doença idiopática do trato urinário inferior felino; g) Infecções parasitárias, em particular, infestações intensas de pulgas e de tênias. Figura 1. Esfregaço sanguíneo de um gato com resposta fortemente regenerativa, com presença de glóbulo vermelho nucleado (seta de tamanho médio), policromasia e anisocitose (setas estreitas) e um corpo de Howell-Jolly (seta larga). Tabela 3. Orientações de quando se deve considerar o diagnóstico diferencial de FeLV e FIV para gatos(7) • Gatos doentes, mesmo com resultados negativos nos testes no passado; • Todos os gatos adultos e filhotes na ocasião da aquisição, seguido de um segundo teste, no mínimo, 60 dias depois; • Na sequência de exposição a um gato positivo para retrovírus, ou de mordedura por um gato, seguido de um segundo teste 60 dias depois (pelo menos 30 dias se a exposição foi ao vírus FeLV); • Anualmente para os gatos positivos para retrovírus, ou para os gatos que tenham acesso ao exterior; • Antes da primeira vacinação para FeLV ou FIV; • Os doadores de sangue devem ter resultados negativos através de ELISA e, quando disponível, PCR em tempo real, para FeLV e FIV; • A repetição do teste de modo intermitente dos gatos negativos é apenas recomendada se existir oportunidade de exposição a gatos infectados ou se os gatos ficarem doentes. Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 33 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 34 de Heinz (Figura 2). Os eritrócitos felinos são mais sensíveis a estas lesões oxidativas que os eritrócitos caninos, devido ao maior número de grupos sulfidrilo na hemoglobina felina quando comparada com a hemoglobina canina. Exemplos de toxinas oxidativas incluem o acetaminofeno, o zinco, a cebola, o alho e os anestésicos locais; f) Lesão microangiopática dos eritrócitos: a lesão de pequenos vasos do endotélio resulta na deposição de fibrina e na agregação plaquetária. Os glóbulos vermelhos sofrem fragmentação à medida que atravessam os vasos lesados, resultando em hemólise intravascular, por vezes evidenciada pela presença de esquisócitos nos esfregaços sanguíneos. Figura 2. Esfregaço sanguíneo de um gato evidenciando grandes quantidades de corpos de Heinz (setas). Os sinais clínicos de perda de sangue incluem a existência de petéquias, equimoses, epistaxis, hematemese, melena, hematomas e hemartrose. A hemorragia interna pode manifestar-se sob a forma de distensão abdominal ou de taquipnéia. O aumento da destruição dos RBC pode ser resultado de: a) Doença auto-imune primária: é menos comum em gatos que em cães; b) Doença auto-imune secundária a infecção, neoplasia ou fármacos: as causas secundárias mais comuns de anemia hemolítica imunomediada nos gatos são infecciosas (ver em baixo); c) Defeitos adquiridos nos RBC: defeitos como a fragilidade osmótica e a deficiência na enzima piruvato quinase têm sido particularmente observadas em gatos das raças Somali e Abissínio, cujos diagnósticos podem ocasionalmente ser confundidos com a anemia hemolítica imunomediada (2,3); d) Hipofosfatemia: a hemólise aguda seguida de hipofosfatemia pode ocorrer na sequência de realimentação, após um longo período de anorexia, ou na sequência de insulinoterapia no caso de cetoacidose diabética; e) Causas tóxicas que resultam em lesão oxidativa nos glóbulos vermelhos incluindo a formação de corpos 34 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009 Os sinais clínicos indicadores de hemólise incluem esplenomegalia, icterícia, hemoglobinemia e hemoglobinúria. Em comparação com os RBCs caninos, os RBCs felinos são menores e não apresentam palidez central, assim os esferócitos não são normalmente identificáveis nos gatos. Existem diversos microrganismos patogênios passíveis de causar anemia nos gatos, sendo os mais comuns os vírus que estão na origem de doenças infecciosas como a leucemia e a imunodeficiência felina, as infecções pelo micoplasma hemotrópico felino e o vírus da peritonite infecciosa felina. A abordagem diagnóstica destas infecções, bem como os mecanismos através dos quais estas causam anemia, estão evidenciados abaixo. Outras causas infecciosas de anemia felina que apresentam uma distribuição geográfica mais restrita incluem os parasitas protozoários transmitidos por vetores, tais como o Cytauxzoon felis e a Babesia felis. O Cytauxzoon felis ocorre nas regiões central sul e sudoeste dos Estados Unidos e foi recentemente detectado num gato na França (4). A Babesia felis infecta gatos nas regiões costeiras da África do Sul (5,6). Foram identificadas outras espécies de Babesia em gatos na Europa, na Índia e em outras regiões de África e em Israel. Vírus da Leucemia felina e da Imunodeficiência felina O vírus da leucemia felina (FeLV) e o vírus da imunodeficiência felina (FIV) são retrovírus que continuam a constituir causas importantes de síndromes de imunodeficiência, anemia, sinais clínicos neurológicos e neoplasia nos gatos em todo o mundo. O diagnóstico inicial da infecção por FeLV baseia-se na detecção do antígeno viral no sangue periférico. De forma diferente, o diagnóstico da infecção por FIV é com frequência feito RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 35 CAUSAS INFECCIOSAS DE ANEMIA EM GATOS na sequência da detecção de anticorpos anti-FIV circulantes. Com exceção dos filhotes com anticorpos maternos e dos gatos vacinados contra a FIV, um título positivo de anticorpos está correlacionado com a infecção ativa, porque a infecção por FIV persiste ao longo de toda a vida do gato. Os ensaios comercialmente disponíveis para efeitos de pesquisa utilizam a tecnologia do imunoensaio enzimático (ELISA enzyme-linked immunosorbent assay) e incluem dispositivos de fluxo lateral (tal como o SNAP FIV Antibody/FeLV Antigen Combo Test, Laboratórios IDEXX), que têm sido comercializados como testes rápidos, ou POCT (point-of-care test), e como ensaios em placas de microtitulação Microwell. Para ambas as infecções virais, podem ocorrer resultados falsos negativos na fase precoce da infecção. Assim, os gatos que obtiverem testes negativos devem ser retestados após > 30 dias para uma possível exposição ao FeLV, e após > 60 dias para o FIV (7). A maioria dos ensaios para a infecção por FeLV são altamente sensíveis e específicos (8,9), e os falsos negativos parecem ser raros nos gatos com doença relacionada com FeLV. Os gatos podem apresentar regressão da infecção por FeLV, na qual o DNA viral se integra no genoma hospedeiro mas é controlado pelo sistema imunológico e não continua, por isso, a causar doença. Como resultado, é necessária a confirmação da progressão da doença através da utilização de testes de imunofluorescência de anticorpos no sangue ou na medula óssea, ou ainda da utilização repetida de testes ELISA com intervalos de 3 a 4 meses. Os gatos cujos resultados foram positivos com estes últimos métodos apresentam maior susceptibilidade de desenvolverem uma doença relacionada com o FeLV. Atualmente, é recomendada a utilização de outro ensaio ELISA ou do Western immunoblotting para confirmar a infecção por FIV. O teste Western immunoblotting detecta anticorpos para uma gama de antígenos FIV que tenham sido isolados e transferidos para uma membrana de nitrocelulose, mas pode ser menos sensível que o ELISA. Podem também ocorrer resultados falsos negativos no caso de infecção por FIV em gatos com doença avançada que sejam incapazes de sintetizar anticorpos suficientes para a detecção através da metodologia de ELISA ou do Western immunoblotting. Estes gatos podem apresentar resultados positivos em ensaios desenvolvidos para detectar o ácido nucléico do retrovírus (ensaios de reação em cadeia da polimerase). Infelizmente, pode ser problemático garantir a qualidade de alguns laboratórios que oferecem ensaios de reação em cadeia da polimerase para os patógenos veterinários e, além disso, estes ensaios não se encontram facilmente disponíveis em alguns países. Recentemente, foram publicadas orientações extensivas para o teste, prevenção, tratamento e abordagem dos retrovírus (7). As orientações para os testes estão resumidas na Tabela 3. Um estudo Norte-Americano que incluiu mais de 18000 gatos estimou a prevalência total das infecções por FeLV e FIV como sendo de cerca de 2,3% e 2,5%, respectivamente (2). A transmissão de FIV ocorre inicialmente através de mordedura e, como tal, os gatos machos de vida livre que despendem mais tempo no exterior apresentam um risco aumentado para a infecção. Da mesma forma, a prevalência da infecção de 18,2% foi documentada em gatos doentes selvagens de vida livre, enquanto que a prevalência dos gatos saudáveis com modo de vida domiciliada foi de apenas 0,7%. A transmissão do FeLV ocorre predominante através do contato próximo com secreções salivares de gatos infectados. A mordedura, em si, pode ser um meio menos importante de transmissão. Foi descrita recentemente a excreção fecal e urinária do FeLV, podendo também desempenhar um papel importante na transmissão (10,11). A infecção progressiva com FeLV está associada a uma variedade de manifestações clínicas, incluindo neoplasia, especialmente o linfoma e a leucemia, alterações neurológicas, anemia e imunodeficiência com ocorrência de infecções oportunistas (Tabela 4). A anemia pode resultar da multiplicidade de diferentes mecanismos, incluindo a diminuição da produção de RBC e o aumento da sua destruição. Aproximadamente 90% das anemias associadas à leucemia felina são não-regenerativas, normalmente como consequência da diminuição da produção de glóbulos vermelhos (Tabela 5). A diminuição da produção de glóbulos vermelhos pode resultar de uma variedade de distúrbios da medula óssea. A infecção com o subtipo C do FeLV resulta em aplasia verdadeira dos glóbulos vermelhos, e anemia nãoregenerativa severa associada à depleção de precursores eritróides na medula óssea. Isto foi demonstrado recentemente como sendo resultante da ligação e interferência com uma proteína exportadora do heme, e subsequente toxicose do heme, ao eritrócito em desenvolvimento (12). Os gatos infectados com FeLV podem desenvolver macrocitose eritrocitária e anemia não-regenerativa. O FeLV foi associado ao desenvolvimento de anemia aplástica em alguns gatos, tratando-se de uma deficiência em todas as linhagens celulares (plaquetária, Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 35 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 36 Tabela 4. Possíveis manifestações clínicas da infecção com os vírus da leucemia felina e da imunodeficiência felina Vírus da leucemia felina Vírus da imunodeficiência felina • Imunossupressão que conduz a • Imunossupressão que conduz a infecções infecções oportunistas ou oportunistas ou severas, severas, tais como estomatite tais como estomatite • Linfoma, especialmente • Neoplasia, especialmente mediastínico, multicêntrico, linfoma e carcinoma das renal, e linfoma epidural células escamosas, mas • Leucemia também doença • Falha reprodutiva e síndrome mieloproliferativa do definhamento ou ''kitten • Fraqueza crônica fading syndrome'' • Sinais neurológicos • Fibrossarcomas (com vírus do • Enterite sarcoma felino) • Neuroblastomas olfativos • Múltiplos osteocondromas • Cornos cutâneos Embora, as anemias severas sejam menos comuns nos gatos FIV positivos, quando comparados com os gatos FeLV positivos, pode existir anemia leve a moderada não-regenerativa, a partir de doença inflamatória e da diminuição da função da medula óssea secundária a infecção viral per se, apesar do mecanismo ainda não ser claro (13). Muitos gatos FIV positivos são geriátricos e a presença da doença renal crônica concomitante pode igualmente contribuir para a anemia. As infecções concomitantes por hemoplasmas podem, também, constituir uma causa de anemia em gatos FIV positivos. • Aplasia verdadeira dos glóbulos vermelhos • Mielodisplasia • Mielofibrose • Anemia aplástica • Doença neurológica, incluindo midríase e incontinência urinária • Doença imunomediada • Enterite Tabela 5. Mecanismos de anemia em gatos infectados com FeLV Categoria Diminuição da produção de glóbulos vermelhos Mecanismo subjacente Aplasia verdadeira dos glóbulos vermelhos (FeLV-C) Anemia aplástica Leucemia Mielofibrose Anemia de doença inflamatória Perda de glóbulos vermelhos Trombocitopenia secundária a doença imunomediada ou doença medular Aumento da destruição de glóbulos vermelhos 36 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009 mielóide e eritróide) na medula óssea, em que o espaço medular é substituído por tecido adiposo. A disfunção da medula óssea pode também ser resultado de mieloptise secundária a leucemia, displasia mielóide e eritróide (maturação alterada dos precursores medulares) e mielofibrose (Figura 3). A anemia nos gatos com infecção por FeLV pode, também, resultar de anemia por doença inflamatória, a qual pode ser secundária à própria infecção com FeLV, a infecções oportunistas ou a doença neoplásica. A destruição aumentada de glóbulos vermelhos pode ocorrer em alguns gatos infectados com FIV como resultado de anemia hemolítica imunomediada ou co-infecção com outros agentes patogênicos hemolíticos, especialmente hemoplasmas (microplasma hemotrófico). Finalmente, a anemia pode ser o reflexo de hemorragia como consequência de trombocitopenia. Anemia hemolítica imunomediada associada a FeLV Co-infecção com hemoplasmas Como em qualquer gato doente, os gatos anêmicos devem ser testados quanto às infecções por FIV e FeLV. Uma vez estabelecida uma infecção por um retrovírus, deve proceder-se a uma tentativa de identificação da causa subjacente de anemia. Isto implica a avaliação rigorosa do hemograma, com especial atenção ao índice e à morfologia dos eritrócitos, e observação cuidadosa do esfregaço sanguíneo. Quando possível, deve também ser realizado o teste para a co-infecção com micoplasmas hemotrópicos através da técnica de reação em cadeia da polimerase (ver abaixo). Está indicada a avaliação da medula óssea, incluindo aspiração e biópsia de tecidos quando existe pancitopenia ou anemia não-regenerativa inexplicadas. O tratamento da anemia severa em gatos positivos para retrovírus requer transfusão sanguínea, após prova de compatibilidade cruzada e tipologia sanguínea, bem como o tratamento de qualquer causa subjacente, quando evidente. A utilização de eritropoietina recombinante, em conjunto com a suplementação de ferro, pode ser benéfica em gatos RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 37 CAUSAS INFECCIOSAS DE ANEMIA EM GATOS com anemia não-regenerativa severa. Em alguns casos, pode verificar-se uma resposta favorável a doses imunossupressoras de prednisolona (1 a 2mg/kg, PO, BID). Uma vez que os glicocorticóides podem prejudicar a resposta imunológica e implicar em aumento do risco de infecção, a prednisolona deve apenas ser utilizada caso haja forte suspeita de patogênese imunomediada subjacente e após a exclusão da existência de co-infecção com outros agentes patogênicos. Isto é conseguido através de trabalho diagnóstico extenso que inclui idealmente exame físico rigoroso, análises sanguíneas, análise de urina, urocultura, radiografias torácicas e ultrassonografia abdominal. Micoplasmas hemotrópicos Os micoplasmas hemotrópicos, também conhecidos como hemoplasmas e atualmente reconhecidos por causarem infecção nos gatos são: o Mycoplasma haemofelis (Mhf), o ‘Candidatus Mycoplasma haemominutum’ (Mhm) e o Mycoplasma turicensis (Mtc). Anteriormente designados por Haemobartonella felis, estes microrganismos são bactérias pequenas, gram negativas que aderem à superfície dos eritrócitos, tendo sido identificadas em todo o mundo. Recentemente, o Mycoplasma suis, um hemoplasma suíno, foi descrito como sendo capaz de invadir os eritrócitos e o mesmo é provavelmente verdade no caso dos hemoplasmas felinos, embora sejam necessários estudos adicionais para confirmar esta afirmação (14). O modo de transmissão destes organismos ainda precisa ser esclarecido. Foram sugeridos como possíveis vetores os artrópodes, especialmente as pulgas e, mais recentemente, foram detectados na saliva o Mhm e o Mtc, sugerindo a possibilidade da transmissão através da mordedura (15,16). Os gatos machos com um modo de vida predominantemente exterior apresentam maior probabilidade de serem positivos para os hemoplasmas, confirmando a possível contribuição das mordeduras na transmissão. São necessários estudos de transmissão utilizando saliva infectada para determinar se este tipo de transmissão pode ou não ocorrer. A patogenicidade de cada uma das três espécies de hemoplasma parece variar. A Mhf é a espécie mais patogênica, causando anemia hemolítica severa, reticulose marcada, normoblastose e, por vezes, leucopenia e trombocitopenia, podendo ser acompanhada de febre e icterícia, mesmo nos gatos imunocompetentes. Os gatos jovens parecem estar mais predispostos a desenvolverem a doença severa. Os gatos saudáveis, não anêmicos, Figura 3. Citologia de um aspirado da medula óssea evidenciado leucemia, aplasia eritróide, displasia granulocítica e aumento da eosinofilopoiese em gato anêmico suspeito de infecção por FeLV (cortesia do Dr. Amir Kol). raramente estão infectados com a espécie Mhf. Pelo contrário, e de um modo geral a Mhm é considerada não patogênica ou apenas ligeiramente patogênica em gatos imunocompetentes. A Mhm infecta aproximadamente 15 a 25% da totalidade dos gatos, e porque a Mhm é com frequência encontrada tanto em gatos não anêmicos como gatos anêmicos, devem ser procuradas outras possíveis causas de anemia em gatos anêmicos com teste positivo para a Mhm, uma vez que a sua presença pode ser mera coincidência. Pode ser observada uma anemia severa nos gatos imunodeprimidos que são infectados com a estirpe Mhm, tal como sucede com os gatos infectados concomitantemente com FeLV. A verdadeira patogenicidade da Mtc não foi ainda bem estabelecida, embora pareça também ser muito menos patogênica que a Mhf nos gatos infectados naturalmente (17). É menos prevalente do que a Mhm e, na maioria dos estudos, de prevalência semelhante à da espécie Mhf (Tabela 6). Em alguns gatos podem ocorrer co-infecções com múltiplas espécies de hemoplasmas (17-21). O diagnóstico da hemoplasmose é feito com base no exame citológico de esfregaços sanguíneos e PCR, ou ambos. Utilizando o microscópio óptico, a Mhm é muito pequena (0,3μm) e difícil de identificar. A Mhf Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 37 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 38 Figura 4. Esfregaço sanguíneo de um gato anêmico evidenciando os organismos Mycoplasma haemofelis (setas). surge como pequenos corpos cocóides basofílicos (0,30,6μm) na superfície dos eritrócitos, formando por vezes curtas cadeias de organismos, embora nem sempre ser possível diferenciar a Mhm e a Mhf com base na avaliação de esfregaços sanguíneos, através do microscópio óptico (Figura 4). A Mtc foi recentemente descoberta na Suíça e há estudos que sugerem que apresenta uma distribuição mundial. Os níveis de bacteremia com a Mtc são muito inferiores aos descritos para as espécies Mhm e Mhf, e a espécie Mtc nunca foi identificada em esfregaços sanguíneos, mesmo em estudos envolvendo infecções experimentais. A sensibilidade da avaliação citológica dos esfregaços sanguíneos para o diagnóstico da hemoplasmose é reduzida, cerca de 30%, uma vez que os organismos corados podem estar ausentes nos esfregaços sanguíneos, mesmo no caso de gatos severamente anêmicos. O precipitado de corante e os artefatos resultantes da secagem podem ser confundidos com hemoplasmas, resultando em baixa especificidade. Os testes PCR para a detecção de DNA de hemoplasmas em amostras sanguíneas variam na sua capacidade de detecção e identificação de diferentes espécies, por isso, é melhor o clínico consultar o laboratório com que normalmente trabalha de forma a determinar as espécies identificadas. A detecção de Mhf tem maior relevância num gato anêmico que a detecção de Mhm. Os ensaios de PCR em tempo real foram desenvolvidos por uma série de pesquisadores para detectarem especificamente a Mhm, Mtc ou Mhf, e estão disponíveis em determinados laboratórios de diagnóstico na Europa e nos Estados Unidos. Estes ensaios são também capazes de uma quantificação aproximada da infecção num gato em particular, o que contribuiu para uma maior compreensão da patogênese destas Tabela 6. Prevalência mundial das espécies de hemoplasma que infectam os gatos, determinado através da utilização da metodologia de PCR em tempo real (17-21). Prevalência (%) Localização geográfica Amostragem da população Mycoplasma haemofelis Mycoplasma turicensis ‘Candidatus Mycoplasma haemominutum’ 2,8 1,7 11,2 Reino Unido 1585 gatos doentes Reino Unido 426 gatos doentes e saudáveis 1,6 2,3 17,1 África do Sul 69 gatos suspeitos de apresentar hemoplasmose 14,5 26,1 37,7 Austrália 147 majoritariamente gatos doentes 4,8 10,2 23,8 Suíça 713 gatos doentes e saudáveis 1,5 1,3 10,0 Norte da Itália 307 gatos anêmicos e não anêmicos 5,9 1,3 17,3 Reino Unido 263 gatos doentes 0,5 0,5 16,0 Reino Unido 310 gatos com possível hemoplasmose 4,8 6,1 23,5 38 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 39 CAUSAS INFECCIOSAS DE ANEMIA EM GATOS Figura 5. Lesões piogranulomatosas no rim de um gato com PIF (cortesia da Dra. Megan Jones). infecções nos gatos. O tratamento da hemoplasmose envolve a utilização de doxiciclina (10mg/kg, PO, SID), durante pelo menos 2 semanas. Os gatos que não toleram a doxiciclina devem ser tratados com enrofloxacina como alternativa. As transfusões sanguíneas também podem ser necessárias. O tratamento concomitante com prednisona, para tratar a anemia hemolítica imunomediada secundária, é controversa e deve ser evitada se possível, uma vez que os glicocorticóides apresentam o potencial de reativar infecções latentes por hemoplasmas. Embora a anemia se resolva em gatos tratados, a maioria dos gatos permanece infectado de forma latente e a doença pode reaparecer após imunossupressão ou doença concomitante. Os antimicrobianos parecem ser menos eficazes na redução da carga dos organismos em gatos infectados com Mhm (22). Recentemente, a Mhf foi identificada no Brasil através de PCR num paciente HIV-positivo com anemia e que estava também coinfectado com Bartonella (23). Deste modo, estes organismos parecem apresentar o potencial de infectar humanos. A extensão e relevância da infecção humana com hemoplasmas ainda não foi determinada. Infecção viral por peritonite infecciosa felina (PIF) O vírus da peritonite infecciosa felina causa vasculite progressiva piogranulomatosa sistêmica, que mais frequentemente infecta gatos jovens e de raça (Figura 5). O coronavírus entérico felino relativamente avirulento é considerado capaz de adquirir mutações que lhe permitem infectar e replicar nos macrófagos, o que em gatos geneticamente susceptíveis pode conduzir a superprodução de citocinas próinflamatórias e desenvolvimento de peritonite infecciosa felina. Nos gatos com PIF pode se desenvolver anemia leve a moderada. Mais frequentemente os gatos apresentam anemia leve não-regenerativa provavelmente relacionada com doença inflamatória. Uma anemia mais severa pode resultar da hemorragia secundária a coagulopatias, que por sua vez são resultantes de falha hepática e/ou de trombocitopenia. Pode ocorrer anemia hemolítica imunomediada secundária, como resultado de alteração da regulação imunológica induzida pelo vírus, ou aumento da destruição de eritrócitos, resultado de lesão microangiopática dos eritrócitos, como consequência da vasculite generalizada. O diagnóstico de PIF permanece um desafio, uma vez que não existe nenhuma mutação que diferencie o coronavírus entérico felino avirulento da forma virulenta do vírus da peritonite infecciosa felina. A resposta sorológica à infecção é similar para cada organismo. Pode ser utilizada a técnica de PCR para detectar o coronavírus felino em tecidos, mas o coronavírus entérico felino pode ser encontrado em tecidos não entéricos e no sangue de gatos saudáveis. Assim, os resultados positivos de PCR não se correlacionam Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 39 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 40 CAUSAS INFECCIOSAS DE ANEMIA EM GATOS necessariamente com a existência de PIF. Embora um novo ensaio de PCR para a detecção do mRNA do coronavírus felino no sangue periférico tenha sido inicialmente considerado como sendo sensível e específico para o diagnóstico de PIF (24), uma publicação recente proveniente da Turquia, utilizando ensaio semelhante, descreveu resultados positivos no sangue de 14 de 25 gatos saudáveis, sugerindo que tais ensaios podem não ser específicos para o diagnóstico de PIF (25). Atualmente, o diagnóstico depende de uma combinação de alterações clínicas, da exclusão de outras causas possíveis e, idealmente, da demonstração de características histopatológicas em tecidos, na sequência de biópsia ou de necrópsia. Presentemente, a base do tratamento implica a realização de cuidados paliativos e de terapia glicocorticóide. Continuam as investigações de forma a identificar outros antivirais e/ou imunomoduladores que possam apresentar eficácia para o tratamento desta doença progressiva e fatal. REFERÊNCIAS 1. Ottenjann M, Weingart C, Arndt G, et al. Characterization of the anemia of inflammatory disease in cats with abscesses, pyothorax, or fat necrosis. J Vet Intern Med 2006; 20: 1143-1150. 14. Groebel K, Hoelzle K, Wittenbrink MM, et al. Unraveling a paradigm: Mycoplasma suis invades porcine erythrocytes. Infect Immun 2008; Nov 17 [Epub ahead of print]. 2. Kohn B, Goldschmidt MH, Hohenhaus AE, et al. Anemia, splenomegaly, and increased osmotic fragility of erythrocytes in Abyssinian and Somali cats. J Am Vet Med Assoc 2000; 217: 1483-1491. 15. Dean RS, Helps CR, Gruffydd-Jones TJ, et al. 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Completou o mestrado em Saúde de Animais Selvagens, obteve o seu doutorado em retrovírus felinos e trabalhou como cientista pósdoutorada em doenças infecciosas zoonóticas tropicais. Nos últimos 3 anos, trabalha como oradora para a Protecção dos Gatos em Medicina Felina da Universidade de Liverpool. A colangite felina é uma doença relativamente frequente em gatos e é muito diferente das doenças hepáticas que se observam nos cães. O tratamento pode ser um pouco confuso, especialmente se não se tiver a certeza de qual é exatamente a causa subjacente da doença. Este artigo pretende fazer uma revisão geral da classificação da colangite, considerar os sinais clínicos e as opções de diagnóstico disponíveis, e olhar para a abordagem prática do tratamento de gatos com colangite. Definição e classificação histopatológica A colangiohepatite felina foi recentemente designada por colangite felina e subclassificada em três condições histopatológicas pelo Grupo de Padronização Hepática do WSAVA. Além de doença hepática, os gatos com colangite podem também apresentar pancreatite e distúrbios gastrintestinais concomitantes, consistentes com tríade felina. Um estudo Americano em 1996 demonstrou que 80% dos gatos com doença hepática apresentavam doença inflamatória intestinal concomitante e que 50% evidenciava sinais de pancreatite. Para efeito do presente artigo, iremos considerar a colangite como uma condição isolada. No entanto, o clínico deve ter em mente o envolvimento frequente destes outros órgãos e consultar os artigos relevantes para o tratamento adequado. Colangite neutrofílica Acredita-se que a colangite neutrofílica possa constituir uma infecção ascendente do trato gastrintestinal podendo, por isso, estar mais frequentemente associada a pancreatite. É mais comum em gatos idosos. Histologicamente, são observados neutrófilos no lúmen biliar e/ou epitélio biliar. As áreas portais podem também estar afetadas por edema e inflamação neutrofílica. A doença pode difundir-se de modo agudo para o parênquima e causar abscedação; na sua vertente crônica, pode ser observado um infiltrado inflamatório misto nas áreas portais, ocasionalmente com fibrose e proliferação do ducto biliar. A doença pode estar, por vezes, associada a estase biliar (causando icterícia) devido a inflamação e não tanto a obstrução. Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 41 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 42 COMO TRATAR... Figura 1. Gato com mucosas ictéricas e com sonda nasoesofágica. A icterícia é observada na superfície interna do pavilhão auricular e na conjuntiva. Os sinais clínicos incluem letargia, pirexia, anorexia e icterícia (variável) (Figura 1). Ocasionalmente, os gatos podem demonstrar dor abdominal. Os indicadores de diagnóstico incluem a elevação da fosfatase alcalina, da alanina transferase e da gama glutamil transferase; hiperbilirrubinemia e elevação dos ácidos biliares séricos. Em alguns casos, pode observar-se uma neutrofilia com desvio à esquerda. O exame ultrassonográfico pode revelar o espessamento da vesícula biliar e a existência de lama biliar, mas por vezes não existe nenhuma alteração ultrassonográfica, sendo considerado normal (Figura 2). Ocasionalmente, o fígado pode apresentarse hiperecogênico. Se existir estase biliar, o ducto comum pode encontrar-se proeminente ou distendido. Simultaneamente, pode ocorrer colelitíase, como causa ou consequência de obstrução biliar. O diagnóstico deve ser baseado na aspiração biliar (guiada por ultrassonografia) e na cultura. Uma biópsia hepática ajuda a confirmar o diagnóstico. Geralmente, estão envolvidas bactérias de origem gastrintestinal na colangite neutrofílica, ex. E. coli, Pseudomonas spp. ou Enterococcus spp. A cultura do tecido hepático raramente fornece um resultado positivo. Como o organismo infectante provavelmente ascendeu do trato gastrintestinal, deve ser utilizado um bom fármaco de largo espectro, que tenha um efeito bactericida e que seja eficaz contra organismos anaeróbios. Os antibióticos devem ser preferencialmente excretados pela bile e possuir um metabolismo hepático mínimo. 42 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009 Enquanto se aguardam os resultados da cultura e do teste de sensibilidade, a amoxicilina combinada com o ácido clavulânico são uma boa escolha inicial. Alternativamente, podem ser utilizadas cefalosporinas ou fluoroquinolonas combinadas com metronidazol. O tratamento deve ser continuado durante 4 a 6 semanas, no mínimo. O ideal é repetir a cultura biliar, após a antibióticoterapia, de modo a garantir a resolução da infecção. Contudo, raramente é feito na prática clínica, devido à necessidade de sedação ou anestesia geral. Além disso, o risco de derrame biliar, como complicação potencial da aspiração, ultrapassa os benefícios deste procedimento, a menos que haja indicação e que a infecção seja refratária ao tratamento. De modo ocasional, nos casos refratários ou recorrentes, a duração do tratamento antibiótico pode necessitar ser prolongada. Geralmente, estes casos apresentam bom prognóstico, particularmente se o tratamento for iniciado de forma precoce. Os casos mais severos podem desenvolver fibrose. Nos casos com estase biliar, apesar do tratamento antibiótico, devido a inflamação acentuada, pode ser indicada uma dose baixa de prednisolona de 1mg/kg, SID. Nos casos de obstrução biliar, pode ser indicada a colecistoduodenostomia, caso o tratamento médico não resolva a condição. No entanto, este procedimento está associado a fraca recuperação e deve apenas ser considerado como último recurso. O prognóstico dos casos não complicados é razoavelmente favorável, tendo um estudo apresentado tempo médio de sobrevivência de 29 meses. A existência concomitante de pancreatite ou de doença inflamatória intestinal pode tornar a escolha do tratamento mais complexa, sendo o prognóstico menos favorável nestes casos. Os casos que envolvam a intervenção cirúrgica apresentam, obviamente, prognóstico reservado. Colangite linfocítica A colangite linfocítica é caracterizada por perfil histopatológico crônico, que progride ao longo de meses a anos, e que pode ter um início clinicamente silencioso. É mais comum em gatos jovens e nos Persas. A patofisiologia subjacente é desconhecida, embora se suspeite de um processo imunomediado. Alternativamente, pode ocorrer associada a infecções, como a infecção causada por espécies do tipo Helicobacter. Histologicamente são observados pequenos linfócitos nas zonas portais. Podem também estar presentes fibrose portal e proliferação do ducto biliar com infiltração RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 43 COLANGITE FELINA de células plasmáticas e eosinofílicas; a fibrose pode ser extensa. Devido o trato biliar encontrar-se inflamado e anormal, há uma maior susceptibilidade para adquirir infecções secundárias de origem gastrintestinal, fato que pode conferir um perfil inflamatório celular misto (Figura 3). ES Sinais clínicos Os sinais clínicos podem incluir letargia, inapetência, vômito, perda de peso, distensão abdominal devido a efusão abdominal, presença de margens hepáticas palpáveis e icterícia (variável). No entanto, o gato pode estar pouco debilitado face ao seu perfil diagnóstico e pode apresentar polifagia. Os principais diagnósticos diferenciais são o linfoma de pequenas células de fraca definição, obstrução extra-hepática do ducto biliar e peritonite infecciosa felina. Indicadores de diagnóstico Os indicadores de diagnóstico incluem hipergamaglobulinemia, aumento das enzimas hepáticas, hiperbilirrubinemia, aumento dos ácidos biliares séricos, linfopenia e, por vezes, neutrofilia ligeira e anemia. A ultrassonografia demonstra a presença de hepatomegalia com aumento difuso da ecodensidade e distensão dos ductos biliares intra e extra-hepáticos (dependendo de cada caso em individual e da sua cronicidade). Uma biópsia hepática permite determinar o diagnóstico. GBW Figura 2. Imagem ultrassonográfica da vesícula biliar de um gato com colangite. A parede da vesícula biliar (GBW) apresenta-se espessada e verifica-se a existência de lama ecogênica (ES) na bile. tória e a aliviar a obstrução biliar. Este fármaco foi utilizado como tratamento primário único (na sequência de um estudo na Universidade de Utrecht, o qual demonstrou a ausência de benefício da administração de corticóides na sua população de estudo) ou como tratamento adjuvante. Foi descrito um tempo médio de sobrevivência de 37 meses para gatos com colangite linfocítica. Tratamento A administração de corticosteróides tem sido tradicionalmente considerada como sendo o tratamento primário, tanto na redução da inflamação e, por consequência, da lesão imunomediada do fígado, como na proteção contra o desenvolvimento de fibrose. Os gatos não desenvolvem fibrose no mesmo grau de extensão que os cães, mas continua a ser uma possível e indesejada complicação da doença crônica ou severa. As doses de prednisolona de 1 a 2mg/kg BID, devem ser descontinuadas lentamente, durante um período de 6 a 12 semanas, de acordo com a severidade do caso. Se existir pancrea-tite concomitante, a autora prefere a utilização da menor dose do intervalo de dosagem. Foram indicados outros fármacos imunossupressores e antifibróticos, mas a sua utilização não é difundida em todo o mundo e existe pouca informação que sustente a sua eficácia. É aconselhada a administração de antibióticos durante as primeiras quatro semanas, utilizando amoxicilina potencializada como tratamento de precaução para infecções secundárias. O ácido ursodesoxicólico na dose de 10 a 15mg/kg, PO, SID ou dividido BID, ajuda a suprimir a resposta inflama- Colangite crônica associada a parasitas hepáticos A colangite crônica associada a parasitas hepáticos foi descrita em gatos em áreas endêmicas (Europa, Américas, Ásia, Sibéria). O Metorchis albidus foi observado no Norte da Europa e o Opisthorchis felineus por toda a Europa. De um modo geral, não existe esta condição no Reino Unido, no entanto, a possibilidade de colangite crônica associada a parasitas deve constar como diagnóstico diferencial no caso de gatos que tenham viajado através de zona endêmica. A doença é adquirida através da ingestão de caracóis, lagartos ou peixe cru (hospedeiros intermediários). As principais observações histológicas são a existência de ductos biliares dilatados com projeções papilares, bem como fibrose periductal e portal. Os parasitas e os ovos de parasitas hepáticos nem sempre são observáveis. A condição pode progredir para carcinoma colangiocelular. O diagnóstico é realizado através da demonstração de existência de ovos de parasitas nas fezes e por biópsia hepática. Um exemplo de tratamento é o praziquantel na dose de 20mg/kg, PO ou SC, SID durante três dias (fora das recomendações de referência). Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 43 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 44 COMO TRATAR... culatura hepática. A utilização de dispositivos automáticos de biópsia deve ser evitada devido à elevada taxa de mortalidade observada em gatos, resultante do intenso tônus vagal e choque. É preferível o sistema de agulha semi-automática. De modo a minimizar o risco de hemorragia pós-biópsia, deve ser realizado um perfil de coagulação e uma administração de vitamina K durante três dias, como medida preventiva (ver abaixo). BA MCI HCV Biópsia cirúrgica Figura 3. Histologia de biópsia hepática obtida por cirurgia de um gato com tríade felina. Verifica-se a existência de hiperemia ligeira, vacuolização hepatocelular moderada (HVC) (consistente com um nível leve a moderado de lipidose hepática) e um pequeno acúmulo de bilirrubina (BA), bem como rolhões biliares dispersos (indicando estase biliar). Observa-se infiltração celular mista (MCI) moderada portal (linfocítica e neutrofílica) e colangite. Amostragem hepática Aspirações por agulha fina guiadas por ultrassom Estes aspirados são de valor diagnóstico limitado na colangite, uma vez que não é possível avaliar a arquitetura hepática. No entanto, nos casos de suspeita de colangite neutrofílica, pode ser de valor inestimável realizar a aspiração de bile para proceder a cultura. Também, podem ser interessantes para o diagnóstico por permitir a diferenciação de lipidose hepática. Existe sempre o risco de hemorragia. Assim, como precaução, devem ser realizados os perfis de coagulação e a administração de vitamina K (ver abaixo). Caso ocorra derrame a partir do local de aspiração, o risco de peritonite com bile é reduzido. Algumas sugestões para reduzir ainda mais este risco incluem a aspiração da vesícula biliar a partir do tecido hepático que, deste modo, ajuda a selar e a drenar por completo a vesícula biliar. Biópsia por agulha grossa ou Tru-cut guiadas por ultrassom Estas biópsias são muito úteis em animais doentes ou geriátricos e quando uma celiotomia exploratória envolve maior precaução. No entanto, deve ter-se bastante cuidado ao interpretar um diagnóstico, uma vez que as amostras são relativamente pequenas e pode falhar o diagnóstico correto. Recomenda-se condução cuidadosa através de ultassonografia de forma a evitar a vas44 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009 A biópsia cirúrgica é o método definitivo para a avaliação da histopatologia do fígado, o que permite igualmente o exame direto do fígado e da árvore biliar. Além disso, como é comum a ocorrência concomitante de pancreatite e/ou doença gastrintestinal, também permite a realização de múltiplas biópsias de órgãos potencialmente afetados. O ducto biliar pode também ser abordado para desobstrução, através de ligeira pressão da vesícula biliar. Um problema que se coloca é a realização desta técnica em paciente debilitado, com cicatrização reduzida e potencial coagulopatia. No período pós-operatório, devem ser monitoradas as proteínas séricas, pois a presença de hipoproteinemia pode complicar a cicatrização, bem como o peso corporal e a distensão abdominal, devido ao risco de desenvolvimento de peritonite. Biópsia assistida por laparoscopia É menos invasiva que a celiotomia exploratória e permite exame direto do fígado e do trato biliar. No entanto, a biópsia de múltiplos órgãos por esta técnica pode ser difícil, necessitando de veterinário com experiência em equipamento de laparoscopia. Outras doenças hepáticas em gatos a serem consideradas como diagnósticos diferenciais Lipidose hepática, hepatopatia tóxica aguda, peritonite infecciosa felina, hipertiroidismo, toxoplasmose, bartonelose, hepatite reativa inespecífica, amiloidose, shunt porto-sistêmico, displasia microvascular, obstrução biliar extra-hepática, neoplasia (carcinoma do ducto biliar, carcinoma hepatocelular, linfoma), cistadenoma biliar e neoplasia metastática. Suporte hepático geral Além dos tratamentos evidenciados acima, o gato pode beneficiar dos seguintes tratamentos de suporte ou adjuvantes. Fluidoterapia endovenosa e suplementação de eletrólitos RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 45 COLANGITE FELINA A escolha dos fluídos e dos suplementos deve ser feita com base nos perfis de eletrólitos. Devem ser utilizados cristalóides para a reidratação e suporte durante o período inicial. Se o gato apresentar disfunção hepática mais avançada ou se desenvolver cirrose, pode ocorrer hipoproteinemia. Nestes casos (que são normalmente ascíticos) é recomendado o tratamento com colóides em doses até 20ml/kg, SID. proteína de elevada qualidade, exceto se o gato apresentar sinais de encefalopatia hepática. Esta última raramente ocorre com a colangite, entretanto, em casos crônicos severos, deva ser considerado como diagnóstico diferencial em gatos que apresentem sinais neurológicos. Dieta específica para as afecções hepáticas NÃO está indicada, a menos que o gato se encontre numa fase final da doença hepática. Vitamina K Colocação de tubos de alimentação O fígado é responsável pela produção de fatores de coagulação; quando a sua função se encontra comprometida, existe o risco de coagulopatia. Quando há colestase, a absorção de vitamina K intestinal encontrase comprometida, o que agrava ainda mais o problema. A vitamina K pode ser administrada como medida de prevenção quando o tempo de protrombina se encontra prolongado ou antes de aspiração ou biópsia hepáticas. A dose recomendada é de 0,5mg/kg, BID, durante 3 dias via SC. A eficácia do tratamento deve ser monitorada através da realização de perfis de coagulação repetidos. Pode ser necessária a colocação de sonda nasoesofágica ou de esofagostomia caso exista anorexia prolongada. Se o gato se encontrar anorético durante mais de três dias, devem ser adotados procedimentos ativos quanto à suplementação nutricional. Se o gato apresentar náuseas, os estimulantes do apetite não são eficazes. É preferível realizar o suporte nutricional do gato durante o tempo de resolução da doença e depois então utilizar estimulantes de apetite antes da remoção da sonda de alimentação. S-adenosil metionina (sAMe) A sAMe é um nutracêutico conhecido por repor os níveis de glutationa, ajudando a reduzir a lesão oxidativa. Além disso, aumenta os níveis de cistina e de taurina, aminoácidos que auxiliam na conjugação dos ácidos biliares e são citoprotetores. Os gatos devem receber entre 50mg (< 5kg) a 100mg (> 5kg), SID. Silimarina A silimarina é uma substância ativa extraída do Silybum marianum. Exerce um efeito hepatoprotetor, através do aumento dos níveis intracelulares da superóxido dismutase e, assim, ajuda na neutralização dos radicais livres. A silamarina pode ser obtida em preparações conjuntas com sAMe. Coleréticos Os coleréticos estão indicados se existir estase biliar sem evidência de obstrução extra-hepática do ducto biliar. O ácido ursodesoxicólico reduz a proporção de ácidos biliares hidrofóbicos no conjunto total de ácidos biliares, o que, por sua vez, reduz os efeitos tóxicos sobre os hepatócitos e reduz a viscosidade da bile, ajudando assim no fluxo biliar. A dose recomendada é de 10 a 15mg/kg, PO, SID, ou dividida BID. Dieta Anti-eméticos Os anti-eméticos estão indicados em caso de náuseas ou vômito nos gatos. Atualmente foi testado em gatos o maropitant, tendo sido recomendada uma dose de 1mg/kg, SID, SC. No entanto, pode ser aconselhável metade da dose, uma vez que o fármaco é metabolizado no fígado e, por isso, é provável que apresente um tempo de semi-vida prolongado em pacientes com colangite. Também, pode ser benéfica a infusão com metoclopramida na dose de 1 a 2mg/kg, SID. Além disso, esta é ainda pró-cinética, o que é benéfico se o paciente apresentar íleo paralítico. Toda a infusão de metoclopramida deve ser protegida da luz. Mais recentemente, foi sugerido o uso do mirtazapine, um antidepressivo adrenérgico e serotonérgico, pelos seus efeitos anti-emético e estimulante do apetite. A dose é de 3,75mg por gato, PO, a cada 72h. Existe uma forma solúvel que é mais fácil de utilizar nos casos em que é colocada sonda para suporte nutricional. A dose deve ser reduzida em 30% nos gatos com comprometimento renal ou hepático. Deve ser monitorada a pressão arterial, uma vez que o mirtazapine pode causar hipertensão. Nenhum destes fármacos se encontra licenciado como anti-emético nos gatos, devendo seu uso ser cuidadoso de modo a respeitar o efeito em cascata e avisar o proprietário que os fármacos serão utilizados para efeitos não prescritos em bula. Recomenda-se que o proprietário assine um termo garantindo consentimento e compreensão do caso. É aconselhável a administração de dieta equilibrada, com Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 45 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 46 COLANGITE FELINA Estimulantes do apetite Os estimulantes do apetite devem ser apenas utilizados quando o gato se apresentar estabilizado. A ciproheptadina é um anti-histamínico com efeitos anti-serotonina, sendo recomendada a dose de 0,1 a 0,5mg/kg, PO, TID-BID, demorando cerca de três dias para atingir um nível terapêutico. Alguns proprietários descrevem que os gatos apresentam anorexia quando a dose é descontinuada de modo repentino, assim, deve ser respeitado um período de descontinuação do tratamento. Os efeitos secundários descritos incluem letargia ou agitação. O mirtazipine (ver acima) pode ser utilizado na dose de 3,75mg, por gato, a cada 72h. Diuréticos Se nos casos de colangite linfocítica avançada o nível de ascite causar complicações como desconforto, anorexia, constipação ou alterações na pressão sanguínea (devido a efeitos de pressão), deve ser considerado um diurético poupador de potássio, como a espironolactona. Alternativamente, pode também recorrer-se à administração de um diurético de alça como a furosemida, desde LEITURA que utilizado com precaução. No entanto, é raro que seja necessário adicionar um diurético no protocolo de tratamento e é mais provável que acabe por causar ainda mais desidratação e desequilíbrio eletrolítico que propriamente resultar benefício. Sumário A colangite felina é um distúrbio relativamente comum nos gatos e existe grande variedade de opções de tratamento. A escolha da melhor opção depende da obtenção de diagnóstico rigoroso. O diagnóstico é conseguido através da combinação dos sinais clínicos e dos testes de diagnóstico, sendo o método definitivo a biópsia hepática. Quando diagnosticado precocemente, o prognóstico é geralmente favorável, podendo mesmo existir exemplos de casos recompensadores para se tratar. A possibilidade de doença pancreática ou gastrintestinal concomitante deve ser sempre pesquisada devido à sua elevada frequência no gato. ADICIONAL Caney SMA, Gruffydd-Jones TJ. Feline inflammatory liver disease. In: Ettinger SJ, Feldman EC (Eds). Textbook of Veterinary Internal Medicine: Diseases of the dog and cat. 6th ed., Elsevier Saunders, Missouri. 2005, pp. 1448-1453. Proot SJM, Rothuizen J. High complication rate of an automatic Tru-Cut biopsy gun device for liver biopsy in cats. J Vet Intern Med 2006; 20: 1327-1333. Rothuizen J. General principles in the treatment of liver disease. In: Ettinger SJ, Feldman EC (Eds). Textbook of Veterinary Internal Medicine: Diseases of the dog and cat. 6th ed., Elsevier Saunders, Missouri 2005, pp. 1435-1442. Rothuizen J. Liver diseases in the cat. 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RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 47 RSS é melhor indicador de dissolução de estruvita que o pH urinário Ingrid van Hoek, Elise Malandain, Capucine Tournier, et al. Royal Canin, Centro de Investigação, Aimargues, França Introdução Materiais e métodos A Supersaturação Relativa, RSS (Relative Super Saturation), é um método que avalia o risco de formação de cristais urinários com base no nível de saturação de sais de fraca solubilidade, tais como o oxalato de cálcio e a estruvita. É o método mais utilizado em humanos e foi validado para a urina de cães e de gatos (1). Trabalhos recentes no nosso laboratório, bem como no Centro WALTHAM de Nutrição Animal, sugerem que o pH urinário, por si só, não permite avaliar o risco de formação de cristais no trato urinário dos cães e dos gatos. No nosso centro de pesquisa foi desenvolvido um método in vitro (2) para determinar o potencial de dissolução da estruvita na urina dos gatos (Figura 1). O protocolo realizado inicialmente comparou diversas amostras de urina com diferentes valores de RSS e de pH. O objetivo deste estudo subsequente foi o de comparar diretamente os efeitos do pH e da RSS no potencial de dissolução da urina. No total, foram obtidas quatro amostras de urina com diferentes valores de RSS e de pH de gatos alimentados com dietas comerciais secas e completas, formuladas para a dissolução da estruvita. Para cada amostra de urina foram determinados o volume urinário, o pH, a densidade específica e as concentrações de 10 solutos (Ca, Mg, Na, K, NH4+, fosfato, citrato, sulfato, oxalato, ácido úrico). Com base nestes dados, foi calculada a supersaturação relativa urinária (RSS) para a estruvita (fosfato amônio magnesiano) utilizando o software SUPER SATTM. Foram selecionados quatro grupos de cálculos urinários, de modo a garantir a homogeneidade do peso e da forma, para se proceder à comparação da urina A e B (comparação da RSS) e à comparação da urina C e D (comparação do pH) (Tabela 1). Resultados Quando se comparam as dietas que induzem o mesmo pH urinário, quanto mais baixa for a RSS para a Escala da RSS para a estruvita Zona de supersaturação instável • cristalização espontânea • rápida formação de cristais 7,30 Dieta 1 (pH 7,4) Dia 0 D4 D6 D12 D20 D24 Dia 0 D4 D6 D12 D20 D24 2,5 Zona de supersaturação metastável • ausência de cristalização • formação de cristais com núcleo 1 Zona sub-saturada • ausência de cristalização • dissolução de cristais 0,45 Dieta 2 (pH 6,27) 0,19 Dieta 3 (pH 6,18) Figura 1. A dissolução in vitro de cálculos de estruvita demonstrou a existência de diferentes cinéticas de dissolução de acordo com o pH e a RSS urinários. Vol 19 No 2 / / 2009 / / Veterinary Focus / / 47 RevistaFocus_Brasil:Focus 28/11/09 02:35 Page 48 RSS É MELHOR INDICADOR DE DISSOLUÇÃO DE ESTRUVITA QUE O PH URINÁRIO estruvita, mais rápida é a taxa de dissolução. Com a dieta B, o processo de dissolução completo demorou 50% mais tempo, quando comparado com a dieta A (Figura 2). As cinéticas da dissolução das urinas C e D foram idênticas, apesar das diferenças no pH urinário (6,3 para a urina C e 6,5 para a urina D) (Figura 3). Figura 2. Perda de peso cumulativa dos cálculos urinários obtida durante o processo de dissolução in vitro a partir de urina obtida com as dietas A e B. Perda cumulativa de peso dos cálculos (%) Perda de peso cumulativa (%) Conclusão Quando a RSS é <1 (zona sub-saturada), a urina dissolve os cálculos de estruvita de modo eficiente e quanto mais baixa for a RSS mais rapidamente ocorre a cinética da dissolução. Além disso, os resultados deste estudo demonstraram que o pH isoladamente não permite um boa predição da cinética de dissolução da urina e que a RSS é claramente um melhor indicador. Dieta B pH 6,1 RSS=0,4 Dieta A pH 6,1 RSS=0,20 Número de dias Tabela 1. Características das urinas A, B, C e D e os respectivos cálculos urinários de estruvita Figura 3. Perda de peso cumulativa dos cálculos urinários obtido durante o processo de dissolução in vitro com a urina C e D. Aspecto macrosPeso dos RSS pH cópico dos cálculos cálculos de urinário para de estruvita estruvita (mg) estruvita selecionados 230,4 6,1 0,2 Urina B Ver B na fotografia 230,2 6,1 0,4 Urina C Ver C na fotografia 103,4 6,3 0,45 Urina D Ver D na fotografia 100,3 6,5 0,45 Perda de peso cumulativa dos cálculos (%) Perda de peso cumulativa (%) Urina A Ver A na fotografia RSS= 0,45 pH= 6,3 pH= 6,5 Número de dias REFERÊNCIAS 1. Robertson WG, et al., J Nutr 2002; 132: 1637-1641. 48 / / Veterinary Focus / / Vol 19 No 2 / / 2009 2. Tournier C, et al., Abstract European Veterinary Conference Voorjaarsdagen 2007, pp. 253. Capa_FOCUS:Focus 17.1 28/11/09 03:09 Page 3 AMOSTRAGEM MICROCAPILAR É realizada uma ligeira contenção com o animal numa posição natural e confortável. É colocada uma mão na horizontal sob o pescoço de modo a controlar os movimentos da cabeça, enquanto a outra mão segura o cotovelo: com o polegar a exercer pressão sobre a veia e os outros dedos a ajudar na contenção do animal. Um algodão bem embebido em álcool a 70º é aplicado no local destinado à punção venosa. O pêlo é tosquiado de modo a se individualizar bem a veia. A veia cefálica torna-se facilmente visível sob a pele através do efeito combinado da compressão e do procedimento de preparação anteriormente descrito. As articulações do cotovelo e do carpo do membro anterior preparado são mantidas em posição horizontal. A veia cefálica é puncionada com uma agulha hipodérmica de diâmetro reduzido (0.5 x 16mm; 25G x 5/8”: cor-de-laranja). O sangue venoso surge na ampola da agulha. A extremidade livre do tubo capilar é colocada em contacto com o sangue existente na ampola da agulha. O tubo capilar começa a encher-se. O eixo longitudinal do tubo deve ficar praticamente horizontal. O tubo continua a encher-se. A taxa de enchimento é controlada pela inclinação do tubo. Quanto maior o ângulo, mais depressa o tubo se enche. A inclinação do tubo deve ser a apropriada de modo a evitar o enchimento demasiado rápido (bolhas de ar dentro do tubo) ou o enchimento demasiado lento (o sangue falha o tubo). A parte superior do dispositivo composta pelo primeiro travão e pelo tubo capilar integrado é removida. O volume de sangue contido no recipiente de armazenamento é efectivamente de 200μl. O dispositivo é retirado no momento exacto em que o sangue atinge a extremidade do tubo capilar. Em condições normais são necessários apenas alguns segundos para encher o tubo capilar. A agulha é removida. O assistente exerce uma ligeira compressão sobre a veia, utilizando para o efeito um pouco de algodão sob o dedo polegar durante cerca de 3 minutos, e enquanto continua a conter o animal. O dispositivo é colocado direito sobre uma superfície plana, o sangue contido no tubo capilar migra por gravidade para o recipiente de armazenamento. O segundo travão é anexado ao topo do recipiente de armazenamento, que é apropriadamente marcado e depois analisado ou enviado para um laboratório de análise. ✂ ©Fotógrafo: Jean-Claude Meauxsoone (+ agradecimentos aos Drs. B. Reynolds, Benjamin Maitre e Marie Segalen: ENVT, medicina interna). Capa_FOCUS:Focus 17.1 28/11/09 03:09 Page 4 A revista Veterinary Focus é publicada por Royal Canin e está disponível em IVIS, www.ivis.org em 7 línguas diferentes. Veterinary Focus disponibiliza informação State-of-the-Art em medicina canina e felina. A maior biblioteca on-line para veterinários, disponibilizando livros, comunicações, manuais, um calendário, publicidade classificada e muito mais. Acesso ilimitado para veterinários, estudantes veterinários e técnicos. Recebemos com agrado quaisquer ar tigos, ideias e sugestões para tópicos e autores, os quais devem ser endereçados ao editor. A “Veterinary Focus” está protegida por todos os direitos de autor. Nenhuma par te desta publicação pode ser reproduzida, copiada ou transmitida sob qualquer forma ou meio (incluindo meios gráficos, electrónicos ou mecânicos) sem o consentimento escrito dos editores. © Aniwa S.A.S. 2008. Os nomes comerciais (marcas registadas) não foram especialmente identificados. No entanto, a omissão de tal informação não significa que são nomes sem registo nem que podem ser usados livremente. Os editores não se responsabilizam pela informação fornecida sobre doses e métodos de aplicação. Esse tipo de pormenor deve ser confirmado pelo próprio utilizador na literatura adequada. Embora os tradutores tenham feito todos os esforços para assegurar a exactidão das suas traduções, não podem assumir qualquer responsabilidade pela veracidade dos ar tigos originais, e, por isso, não serão aceites queixas de alegada negligência profissional. As opiniões expressas pelos autores ou colaboradores não reflectem necessariamente as opiniões dos editores, da redacção ou dos consultores editoriais.