16 1 INTRODUÇÃO As Unidades de Operações
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16 1 INTRODUÇÃO As Unidades de Operações
16 1 INTRODUÇÃO [...] pero desde más antiguo hay ejemplos (algunos ya demasiado esteriotipados) sobre la existencia de <<guerrillas>>, tanto en la Península como fora de ella, ejemplos que en muchos casos han servido de modelo intuitivo o razonado a otros contemporáneos, acumulando sobre ellos la inevitable <<profesionalización>> y los avances técnicos que se consideraron adecuados, y sin que todo esto nos lleve a tomar actualmente la guerrilla como una tácnica antigua y primitiva o, en el extremo contrário, 1 sólo como un fenómeno moderno (CEBRIAN, 1985, p.64) . As Unidades de Operações Especiais (UOPES) tiveram sua origem nos Pelotões de Operações Especiais (PELOPES) e Subunidades de Operações Especiais (SUOPES) criadas na década de 1970 para serem empregadas em operações contra forças irregulares, haja vista que grupos, patrocinados por partidos vinculados ao Movimento Comunista Internacional (MCI), passaram a desenvolver atividades subversivas no Território Nacional (nos ambientes urbano e rural). Essas tropas foram organizadas inicialmente dentro das Unidades Militares, segundo um Quadro de Organização (QO) flexível, e um Quadro de Distribuição de Material (QDM) modular, adequado às diversas situações e ambientes operacionais, sem, contudo, prejudicar a vida vegetativa das Organizações Militares (OM) enquadrantes. Além disso, os PELOPES estavam aptos a serem empregados em qualquer ambiente operacional, utilizando os mais diversos tipos de armamento e meios de transporte, dentro de um quadro de guerra convencional ou irregular. Segundo Moura (1994), a necessidade do Exército Brasileiro de organizar forças dessa natureza, capazes de atuar em qualquer lugar, com quaisquer meios, em quaisquer condições, no mínimo espaço de tempo, empregando os mais diversos meios de transporte; surgiu, em parte, das experiências colhidas na Guerrilha do Araguaia2, particularmente no que tange ao emprego em ambiente rural, e das lições aprendidas pela Força Interamericana de Paz (FAIBRÁS)3, em Santo Domingo, na República Dominicana, no que se refere às ações em ambiente urbano. 1 La Geografia y La Guerra: Un Analisis de Sus Relaciones. Madrid: EME, 1985. Ação militar desenvolvida na região do Araguaia, contra as forças de guerrilha patrocinadas pelo PC do B, nos anos de 1968 a 1974. 3 Força de Paz, sob a égide da OEA, enviada à República Dominicana, em 1965, para combater o movimento revolucionário patrocinado pelo Movimento Comunista Internacional. 2 17 Essa gama de capacidades tornava-se impositiva em função da natureza do “novo inimigo”: um inimigo ardiloso e doutrinado, dotado de elevada capacidade técnica e tática, que em muitas das vezes era preparado em centros de treinamento localizados em Cuba e até mesmo na extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Ademais, era dotado de grande capacidade intelectual e conhecimento dos ambientes em que atuava, além de se misturar com facilidade a população civil, o que facilitava suas ações. A versatilidade e flexibilidade dos PELOPES possibilitava que as Organizações Militares (OM) cumprissem suas missões de Defesa Interna, sem comprometer as demais atividades relacionadas à sua vida vegetativa, com o mínimo de alterações em sua estrutura original. Em função dessa situação, e visando atender aos escalões mais elevados da Força Terrestre, foram organizadas, ainda que sem uma regulamentação a nível Exército (comum), as Subunidades de Operações Especiais (SUOPES) e as Unidades de Operações Especiais (UOPES), que passaram a constituir as Forças de Operações Especiais para a Defesa Interna. Com a criação do Comando de Operações Terrestres (COTer), tais estruturas passaram a ser regulamentadas através de diretrizes, que passavam o encargo de organização, preparo e emprego para os Comandos Militares de Área (C Mil A). A fim de se padronizar o adestramento dessas forças, foi confeccionado, em 1991, um Programa Padrão de Adestramento (PPA), em caráter experimental, o que facilitou o acompanhamento das atividades desenvolvidas por essas forças de operações especiais. Analisando-se a fundo essas forças, em particular a UOPES, com sua estrutura modular, capaz de moldar-se às mais diversas situações, e sua gama de capacidades, de maneira conjugada com o inimigo apresentado, observa-se uma certa similaridade com o momento vivido nos dias de hoje, onde busca-se a melhor maneira de desenvolver capacidades e articular forças para fazer frente a um inimigo desconhecido, onde a conquista do terreno deixou de ser prioridade, e o apoio da população primordial ao sucesso das operações, onde a atuação sinérgica das forças em presença no Teatro de Operações é essencial, onde as operações de informação crescem de importância e onde o homem bem treinado e adestrado é a chave do sucesso. Nesse sentido, apesar da velocidade inerente a era do conhecimento, faz-se mister puxar os “manchos” do tempo e estudar as UOPES, com um enfoque nas 18 novas dimensões da segurança e defesa, nas ameaças latentes e nas capacidades requeridas; tudo isso dentro da realidade brasileira. 1.1 PROBLEMA Formular um problema consiste em dizer, de maneira explícita, clara, compreensível e operacional, qual a dificuldade com a qual nos defrontamos e que pretendemos resolver, limitando o seu campo e apresentando suas características. Dessa forma, o objetivo da formulação do problema da pesquisa tende a torná-lo individualizado, específico e inconfundível 4 (RUDIO, 1978, p. 75; BERTUCCI, 2014, p. 27) . Segundo Silva (2007, p. 95)5 Após a Guerra Fria, tem se verificado no mundo uma significativa quantidade de conflitos localizados, de baixa intensidade, internacionais ou internos, nem sempre contidos dentro das unidades estatais onde ocorrem, envolvendo atores estatais e não estatais. Esses conflitos têm sido motivados por questões religiosas, tribais, étnicas e até mesmo criminosas (criminalidade doméstica e internacional). Acrescenta Pinheiro (2007, p. 18)6 que desde a Segunda Guerra Mundial (II GM) eclodiram no mundo um reduzido número de conflitos armados convencionais e uma significativa quantidade de guerras irregulares. Destaca, ainda, que a guerra irregular tornou-se um eficaz instrumento na consecução de transformações radicais, quer sejam de cunho político-ideológico, étnico ou religioso. Para corroborar com essa linha de raciocínio, Silva (2007, p. 97) esclarece, com relação aos Conflitos Assimétricos de Quarta Geração, que em todo o mundo uma quantidade considerável de militares encontra-se combatendo oponentes não estatais, como: a Al Qaeda, o Hamas, o Hezbollah e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, dentre outros. Nesse viés, verifica-se uma mudança nas ameaças e principalmente no seu modus operandi. As ameaças estatais, convencionais, cederam espaço às não estatais, que primam pelo uso de técnicas e táticas de procedimento, peculiares da guerra irregular, criando um ambiente indefinido, fluído e confuso. 4 Metodologia Básica para Elaboração de Trabalhos de Conclusão de Cursos (TCC). 1. ed. São Paulo: Atlas, 2014. 5 Guerra Assimétrica: adaptação para o êxito militar. Revista PADECEME (2ºQ/2007). 6 O Conflito de 4ª Geração e a Evolução da Guerra Irregular. Revista PADECEME (3ºQ/2007) 19 Por outro modo, segundo Pinheiro (2007, p. 18), a América Latina vivenciou o conflito de 4ª Geração, por ocasião das guerras revolucionárias de motivação predominantemente marxista-leninista nas décadas de 1960 e 1970, oportunidade em que o Exército Brasileiro colheu experiências e ensinamentos acerca do combate irregular em área urbana e rural. Esses ensinamentos acabaram por influenciar na organização preparo e emprego de forças capazes de atuar no ambiente irregular, como foi o caso da organização das Unidades de Operações Especiais (UOPES). Assim. Em que medida a reativação das Unidades de Operações Especiais (UOPES) contribuiria com a Força Terrestre no cumprimento das diretrizes preconizadas na Estratégia Nacional de Defesa, de forma a atender os anseios nacionais, frente às ameaças do Sec. XXI? 1.2 OBJETIVOS Segundo Bertucci (2014, p. 32) o objetivo geral de uma pesquisa deve enunciar o seu propósito maior, o alvo a que se pretende alcançar. Os objetivos específicos constituem-se em objetivos menores que juntos possibilitarão o alcance do objetivo geral. Objetivo Geral: - Verificar se a reativação das UOPES, segundo um novo enfoque, trariam benefícios para a Força, no que tange ao preparo e emprego, frente aos desafios do Sec XXI. Objetivos Específicos: - Caracterizar a “Era do Conhecimento”; - Caracterizar os conflitos do Sec XXI; - Identificar as ameaças, no ambiente interno e externo, a que está sujeito o Brasil da “Era do Conhecimento”; - Descrever as principais diretrizes, relacionadas ao preparo e emprego da Força terrestre, constantes da END; e - Analisar as Unidades de Operações Especiais (UOPES), segundo sua organização, características, possibilidades e limitações e preparo e emprego. 20 1.3 QUESTÕES DE ESTUDO Para se alcançar os objetivos propostos e melhor delinear o problema proposto, algumas questões de estudo foram selecionadas. - Quais são as características dos Conflitos Assimétricos de 4ª Geração? - O Exército Brasileiro possui experiências em conflitos dessa natureza? - Quais são as principais ameaças contemporâneas e suas Técnicas e Táticas de Procedimento? - Qual a atual concepção de preparo e emprego de forças no contexto da Guerra de 4ª Geração? - O Exército Brasileiro possui tropas aptas a operarem no ambiente assimétrico de 4ª Geração? - Como se dá a organização, o preparo e o emprego da Força Terrestre (F Ter) na atualidade? - Quais são os principais óbices à organização, ao preparo e ao emprego da F Ter na atualidade? - Como as Unidades de Operações Especiais (UOPES) eram organizadas, preparadas e empregadas, e em qual contexto histórico isso se deu? 1.4 DELIMITAÇÃO DO ESTUDO Este trabalho abrangerá o estudo das UOPES, no que tange à organização, possibilidades/limitações, preparo e emprego, segundo a perspectiva dos conflitos assimétricos de 4ª Geração, às ameaças contemporâneas e do que preconizam a legislação, documentos institucionais e trabalhos científicos relacionados à Defesa. O trabalho de dissertação limitar-se-á a uma revisão bibliográfica com vistas a levantar os principais óbices decorrentes desse estudo, apontando possíveis soluções, com base na busca em artigos científicos, documentos e livros. Dentro das possibilidades, serão realizados questionários, junto às OM do Exército, aos Comandos Militares de Áreas e, se possível, junto ao Comando de Operações Terrestres, com o objetivo de comprovar os possíveis óbices, no que tange ao preparo e emprego da Força Terrestre. 21 Ao final do trabalho serão apresentadas algumas propostas referentes ao preparo e emprego da Força Terrestre, segundo a experiência extraída das Unidades de Operações Especiais (UOPES). 1.5 RELEVÂNCIA DO TEMA Segundo Neves e Domingues (2007, p. 26)7 o tema do trabalho deverá ser relevante para a instituição a qual pertence o pesquisador, devendo agregar algum conhecimento ou visão particular a respeito de um determinado assunto ou matéria de serviço. Nesse sentido, busca-se com o presente trabalho destacar a importância para o Exército Brasileiro em possuir tropas aptas a operarem no ambiente irregular assimétrico, dentro de um quadro urbano e/ou rural, haja vista que isso tem sido uma tendência mundial nesse início de século. Ademais, resgatar conhecimentos e experiências adquiridas no passado por ocasião do emprego de tropas em operações contra forças irregulares com o intuito de adequá-los às necessidades de segurança e defesa atuais. 1.6 METODOLOGIA Segundo Bertucci (2014, p. 45) deverão constar da metodologia o tipo de pesquisa a ser realizado, os procedimentos a serem adotados para a realização da pesquisa, a maneira como os dados serão analisados e outros dados que possam dar credibilidade ao trabalho científico. A metodologia aplicada ao trabalho em tela está calcada na pesquisa e análise de livros, documentos, trabalhos monográficos e artigos científicos, dada a dificuldade de se encontrar assuntos ligados ao tema na literatura civil. Por esse motivo, crescem de importância como referenciais teóricos documentos como: a Constituição da República Federativa do Brasil, o Livro Branco da Defesa Nacional, a Estratégia Nacional de Defesa, o Plano Estratégico do Exército, o PROFORÇA, a Diretriz do Comandante da Força, o Caderno de 7 Manual de Metodologia da Pesquisa Científica. Rio de Janeiro:Centro de Estudos de Pessoal, 2007. 22 Instrução do SIMEB, o Programa de Instrução Militar, a Lei do Serviço Militar, dentre outros. O trabalho será desenvolvido em capítulos onde serão apresentados de forma compartimentada (por assuntos) todo o referencial teórico. Ao final da cada capítulo serão realizadas as considerações finais acerca do que foi abordado. O ultimo capítulo será destinado às discussões e sugestões acerca do estudo realizado. 1.6.1 Tipo de Pesquisa Segundo Bertucci (2014, p. 47) “[...] existem várias formas de classificar os tipos de pesquisa existentes, cabendo ao pesquisador definir a taxonomia que irá adotar”. No que se refere ao tipo, a pesquisa desenvolvida para a realização do trabalho foi exploratória, pois além de flexível, proporcionou maior familiaridade com o problema apresentado, possibilitando sua apreciação sobre diferentes enfoques. 1.6.2 Universo e Amostra A pesquisa em tela ficou restrita à coleta e análise de documentos, livros e artigos científicos relativos ao tema, não tendo um universo que viesse a motivar uma pesquisa de campo. 1.6.3 Coleta de Dados A coleta de dados foi realizada através de uma ampla pesquisa bibliográfica, pautada na leitura de livros, documentos, manuais, revistas, artigos científicos, dentre outros relacionados ao tema. 1.6.4 Tratamento dos Dados Os dados obtidos com a pesquisa bibliográfica foram selecionados, analisados e interpretados segundo a ótica do problema apresentado, buscando-se com isso embasar o objetivo proposto. 23 1.6.5 Limitação do Método A metodologia selecionada para o desenvolvimento da pesquisa apresentou alguns problemas com relação, principalmente à coleta dos dados, haja vista que muitos dos documentos relacionados às UOPES e SUOPES são antigos e muitos deles classificados. No que se refere à análise dos dados, a condição deste pesquisador de militar e Ex-Comandante de PELOPES e SUOPES pode ter influenciado no tratamento dos dados colhidos, mesmo que de maneira involuntária. Nesse sentido, cabe destacar que este pesquisador primou sempre pela imparcialidade na interpretação dos dados colhidos, apoiando-se em uma vasta lista de obras, documentos, artigos científicos, manuais, periódicos, dentre outros, constante da bibliografia estudada. 24 2 CONFLITOS DO SÉC XXI [...] vivemos, também, uma época de conflitos localizados e limitados, internacionais ou internos, nem sempre contidos no(s) país(es) onde ocorrem, envolvendo forças estatais e/ou não-estatais, motivados por questões étnicas, tribais, religiosas ou apenas criminosas (criminalidade nacional e transnacional), por “integrismos” nacionalistas e por contenciosos territoriais em geral herdados de maus arranjos coloniais (SILVA, 2007, p.95). O fim da “Guerra Fria” constituiu-se em um marco na condução dos conflitos armados. A guerra convencional, para as quais os exércitos nacionais estavam preparados, cedeu lugar a uma guerra com características especiais, em muitos casos semelhantes às de um conflito irregular, exigindo mudanças na articulação, preparo e emprego do braço armado do estado, bem como das demais instituições governamentais. Dentro dessa perspectiva, o arsenal produzido pelas potências mundiais desde a Segunda Guerra Mundial, bem como as técnicas e táticas convencionais treinadas a fio durante quase cinquenta anos, perderam sua eficiência ante as novas ameaças que, atentas às transformações na sociedade, na economia, na ciência e tecnologia, dentre outras áreas; resgataram antigas formas de se combater (guerrilha), produzindo uma espécie de combate hibrido com características ao mesmo tempo convencionais e irregulares bastante distintas dos anteriores. Nesse tipo de combate, as ações passaram a se desenvolver tanto no ambiente urbano como em áreas rurais habitadas, afetando diretamente a população civil, que de certa forma, passou a ser um instrumento de mobilização política por parte de estados e outros atores. Em decorrência disso, cresceram de importância nos conflitos atuais a atuação da mídia e os Direitos Humanos (DH), que passaram a determinar a liberdade de ação dos diversos contentores. Ademais, o caráter multidimensional das novas ameaças provocou transformações no que tange ao preparo e emprego do braço armado do estado e demais órgãos de governo, de forma a buscar uma sinergia nas ações contra tais ameaças. Fruto disso surgiu a doutrina de operações interagências e foram aperfeiçoadas as de operações conjuntas e combinadas, com ênfase no desenvolvimento de capacidades. 25 Nesse sentido, crescem de importância as experiências do Exército Brasileiro obtidas durante os combates contra forças irregulares, patrocinadas pelo Movimento Comunista Internacional (MCI), nas décadas de 1960 e 1970. 2.1 A EVOLUÇÃO DOS CONFLITOS Durante a história da humanidade a guerra sofreu diversas transformações, em função basicamente do desenvolvimento científico-tecnológico, que por sua vez transformou a doutrina. Até a Paz de Westfália8, em 1648, as guerras eram travadas, basicamente, por famílias que detinham o poder militar através de milícias organizadas nos feudos. A Primeira Geração da Guerra (1648-1860) teve início com o surgimento do Estado-Nação, que passou a monopolizar a guerra através da organização dos exércitos nacionais (profissionais) fardados, treinados e equipados para esse fim. Em razão das armas rudimentares de alcance reduzido, crescia de importância na condução dessa guerra as formações lineares (emassadas), que acabavam por potencializar o efeito dos armamentos individuais, decidindo os combates. Uma das maiores contribuições dessa fase foi o surgimento da disciplina e ordem militar, que diferenciavam o civil do militar. Carl Von Clausewitz9 em sua obra prima, Da Guerra, conseguiu mapear os meandros dessa geração de guerra. Com o surgimento dos mosquetes raiados, em meados do século XIX, a precisão e o alcance das armas possibilitavam engajar o inimigo a distâncias bem maiores, aumentando as dimensões do campo de batalha, tornando obsoletas as formações ordenadas, que determinavam a tática da época. Nesse contexto surgiu a Segunda Geração da guerra, onde as formações ordenadas cederam espaço às trincheiras, que de certa maneira concentravam o poder de combate dos exércitos em posições estáticas, a exemplo do que ocorreu em algumas frentes de combate durante a 1ª Guerra Mundial (1914-1919). Em resposta a essa nova situação, o emprego da artilharia e do gás tornaram-se fundamentais, pois forçava o combatente a mover-se no campo de batalha, o que facilitava sua destruição pela infantaria. 8 Conjunto de tratados que pôs fim a Guerra dos Trinta Anos travada entre a França e, os aliados tradicionais, Império Germânico e Espanha. 9 Militar e estrategista prussiano nascido em Burg, na Alemanha em 1780. 26 A Terceira Geração da Guerra caracterizou-se pela velocidade nos combates, proporcionado pelo emprego da aviação e dos carros de combate. O nascimento dessa geração se deu ao final da I GM, com a iniciativa inglesa de se construir um engenho bélico que transpusesse os obstáculos e neutralizasse as metralhadoras. Mas foi através de um visionário General alemão, Heinz Guderian, que atento às transformações do mundo, aproveitou a iniciativa inglesa idealizou o emprego dos meios blindados de maneira conjunta com a força aérea, o que resultou na “Blitzkrieg”10, ou guerra relâmpago, amplamente utilizada pelo Exército Alemão durante a 2ª Guerra Mundial (II GM). Observa-se, portanto, que nas três primeiras gerações da guerra, apesar dos avanços tecnológicos, proporcionados pelas Revoluções Industriais, algumas características permaneceram imutáveis, como a organização linear do campo de batalha, a definição do inimigo, a ênfase na conquista do terreno, a participação de atores estatais, a prevalência dos combates em áreas rurais, dentre outras. A Guerra de Quarta Geração (Guerra Assimétrica), base onde se desenvolve o presente estudo, surgiu se contrapondo a essa tendência até então comum aos conflitos. A presente geração teve sua origem ao final de Guerra Fria, com o esfacelamento do sistema bipolar, preconizado pelos Estados Unidos da América (EUA) e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Essa nova ordem mundial alterou sensivelmente a condução dos conflitos do século XXI, pois a guerra para a qual os exércitos se prepararam por quase 05 (cinco) décadas, contra um inimigo conhecido, e em cima de hipóteses bem estudadas, não ocorreu. O fato é que enquanto o mundo ficava atônito ante as mudanças na estrutura de poder e nos avanços tecnológicos, sem precedente, a guerra mudava suas características. Dentro desse contexto, eclodiram na África, no Leste Europeu, no Oriente Médio, na América do Sul, dentre outras regiões do globo; conflitos de baixa intensidade, motivados em sua maioria por questões políticas, religiosas e étnicoraciais; caracterizados basicamente por uma aproximação indireta, uma violência extremista e pelo amplo emprego de táticas e técnicas peculiares da guerra irregular. 10 “Guerra Relâmpago” - Forma de guerra implementada por Hitler, em abril de 1940, que consistiu em ataques maciços com o uso de carros blindados (divisões panzer) e aviação (Luftwaffe). 27 2.2 A NATUREZA DOS CONFLITOS DE QUARTA GERAÇÃO Ao fim da Guerra Fria e a “Era do Conhecimento” proporcionaram o surgimento de uma nova geração de guerra. O marco histórico dessa mudança foram os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos da América (EUA), onde milhares de vidas foram ceifadas dentro do território daquele País sem que houvesse uma reação imediata por parte da maior potência militar do mundo, e por que não se dizer por parte do “Hegemon”. Esse acontecimento vem ao encontro do que prescreve o artigo “On the Sea Change in Security Environment”, publicado na revista “The Officer” em fevereiro de 1993, citado por Liang; Xiangsu (1999, p. 41)11, onde o então Secretário de Defesa Les Aspin apresenta uma comparação entre a antiga e nova ambiência da segurança. Quadro 1 - Quadro de Ambiências de Segurança Fonte: Liang; Xiangsu (1999, p. 41) 11 A Guerra Além dos Limites: Conjecturas Sobre a Guerra e a Tática na Era da Globalização. Beijing: Pla Literature And Arts Publishing House, 1999. 28 Ao observar as comparações expressas no quadro, verifica-se que os ataques de 11 de setembro caracterizaram uma ambiência de segurança no cenário geopolítico mundial da época. As ameaças que antes eram definidas e previsíveis dentro de uma estrutura geopolítica bipolar, onde as alianças entre Estados eram duradouras; passaram a ser incertas, encobertas, diversificadas e desprovidas de interesses políticosideológicos, surgindo nesse contexto diversos atores não estatais. Em decorrência disso verifica-se a falta de resposta imediata por parte dos EUA. A violência extremista de cunho religioso suplantou as questões políticas, nesse sentido, os conflitos ganharam projeção transnacional, ou seja, a guerra de atrição conduzida, normalmente em espaços de batalha contíguos onde a conquista do terreno representava grande vantagem, cedeu lugar às ações estratégicas pontuais e decisivas, em áreas profundas, direcionadas contra alvos de valor estratégico em qualquer parte do planeta, sem considerar a presença civil não combatente. Verifica-se, nesse viés o aumento dos conflitos em áreas urbanas com a presença de civis. Em razão disso, verifica-se uma maior atuação das Organizações das Nações Unidas (ONU), no que se refere aos Direitos Humanos (DH), pois até então os conflitos eram conduzidos entre Estados Nacionais, onde prevalecia o Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA) preconizado, desde 1949, pelas Convenções de Genebra e por seus Protocolos Adicionais. Ainda segundo o quadro, verifica-se o amplo emprego integrado da alta, média e baixas tecnologias. Assim, organizações e atores não estatais passaram a atuar em rede, utilizando-se de alianças temporárias estruturadas com base em interesses comuns. Isso possibilitou a projeção de poder a partir de bases domésticas, possibilitando o alcance internacional dessas organizações. No que se refere à previsibilidade das ações, os conflitos deixaram de ter um marco temporal do início das hostilidades, pautado por uma escalada da crise, dentro do tradicional espectro dos conflitos, sendo verificado sua ocorrência em qualquer parte desse espectro, desde a paz estável ao conflito generalizado de grandes proporções. Hoje o conflito é no amplo espectro. 29 Figura 1 - Espectro dos Conflitos Fonte: Manual de Campanha C 124-1 – Estratégia (Brasil, 2004, p. 2-4) Ao analisar o quadro de Les Aspin, observa-se uma gama de características que, de certa forma, delineia o que se entende hoje por conflitos de Quarta Geração, dentre elas: a presença de atores não estatais, as ameaças incertas e multifacetadas, uma maior atuação da ONU, o extremismo religioso, dentre outras que possam ter passo desapercebidamente. As observações do Secretário de Defesa, datadas de fevereiro de 1993, assinalavam mais que uma mudança radical no contexto da segurança e defesa, elas apontavam o estabelecimento de um novo arranjo mundial, que apresentaria novos atores, novos ambientes de conflito, novas normas de direito, novas responsabilidades, novas estruturas de combate, novos modus operandi e por fim uma nova guerra: a guerra assimétrica de quarta geração. O surgimento de novos atores se deu em função basicamente do fim da Guerra Fria. Esse acontecimento histórico afastou da humanidade a ameaça de um conflito generalizado entre Estados Nacionais; por outro lado gerou inúmeros conflitos internos, de baixa intensidade, pela disputa do poder naqueles países que até então viviam sob a tutela das grandes potências de época. Nesse contexto, questões religiosas, tribais, políticas, econômicas, etc, que estavam adormecidas face ao controle dessas potências, recrudesceram-se, gerando uma violência extremista, que acabou por enfraquecer o poder e a economia dos Estados, provocando, por um lado, a falência de grande parte destes, a medida que possibilitou o fortalecimento e a projeção internacional desses novos atores. Assim, esses atores passaram a empreender ações, contra Estados Nacionais, pautadas por uma assimetria de poder, onde Técnicas e Táticas de Procedimento (TTP) peculiar da Guerra Irregular, dentre elas o terrorismo, passaram 30 a ser empregadas indiscriminadamente contra civis não combatentes. Era a violência com um fim em si mesma. Nesse viés, os combates que até então eram entre Estados Nacionais, sob uma lógica convencional, travados normalmente em áreas desabitadas, cujo enfoque principal pautava-se pela conquista do terreno, passaram a ser entre Estados e atores não estatais, sob os preceitos ilógicos da guerra irregular, em áreas urbanas com o objetivo de causar o maior dano possível. No final da década de 1990 e início deste século, verificou-se a ocorrência de diversos conflitos assimétricos de baixa intensidade na África, no Leste Europeu, no Oriente Médio, na América do Sul, na América Central, dentre outras regiões do planeta, onde questões religiosas, raciais, tribais e políticas, dentre outras, tornamse o principal motivo para o extermínio de milhares de civis não combatentes. A presença da mídia nas frentes de batalha, associado aos avanços científico-tecnológicos nas telecomunicações e informática, bem como o surgimento das redes sociais, tem colocado os cidadãos comuns frente a frente com a triste realidade dos combates, onde civis, não combatentes, tornaram-se as principais vítimas. Dessa maneira, a opinião pública, em escala global, começou a interferir na liberdade de ação dos exércitos em operações, tornando-se um fator decisivo na condução dos conflitos. Em contrapartida, os exércitos passaram a dar ênfase à apostila legal dos Direitos Humanos (DH) e do Direito Internacional dos Conflitos Armados (DICA) e atuar dentro da legitimidade. Experiências reais, no passado, demonstraram a força que tem a opinião pública no desenrolar de conflitos armados. O exemplo mais contundente dessa atuação se deu durante a Guerra do Vietnã, onde as tropas norte-americanas foram forçadas a deixar o teatro de operações por força da opinião pública daquele país. Há que se considerar que, na ocasião, tratava-se apenas de um país e não de parte considerável da comunidade internacional. Ao todo, os comunistas sofreram a perda de cerca de quarenta mil soldados (quase metade das forças envolvidas) enquanto as perdas das forças dos EUA e do ERVN (Exército da República do Vietnã) somaram apenas 3.400 mortos. Se julgado pelos critérios de “contagem de corpos”, foi um importante sucesso para os EUA e seu aliado. No entanto, na guerra, as contagens de corpos e os quocientes de baixas não determinam sucesso ou fracasso. Aquela guerra não estava apenas sendo lutada nas selvas e aldeias do Sudeste Asiático, mas também nas salas de estar e nos grêmios estudantis 31 nos Estados Unidos. Mais importante do que a realidade nos campos de batalha asiáticos era as percepção nas mentes norte-americanas (Mc 12 NEILLY, 2009, p.23) . A aplicação das leis do Direito Internacional, o novo ambiente de batalha (guerra no meio do povo), o desenvolvimento de novas tecnologias, a presença da mídia, a prevalência de TTP peculiares da guerra irregular (assimetria nos combates) moldaram as novas dimensões do ambiente operacional. Conforme consta do Manual de Fundamentos EB20-MF-10.103 – Operações (BRASIL - 2014, p. 2-2), tradicionalmente o ambiente operacional era baseado nas dimensões físicas, considerando as influências do terreno e das condições meteorológicas sobre as operações militares. Hoje as variações na natureza e no caráter dos conflitos, resultante dos avanços científico-tecnológicos e das transformações sociais, impõe que as influencias das dimensões humana e informacional sejam consideradas nas operações militares. Essas transformações trouxeram novos desafios para as Forças Armadas do mundo inteiro nesse início de século, pois o aumento das dimensões do ambiente operacional impôs aos Estados Nacionais que reorganizassem o poder estatal (militar e civil) para fazer frente às novas ameaças. Assim, buscou-se a sinergia de esforços priorizando-se desenvolvimento de ações conjuntas, combinadas e de interagências, em situação de guerra e de não guerra. Com vistas a essas transformações, o Manual de Fundamentos EB20-MF10.103 – Operações (BRASIL Exército Brasileiro- 2014, p. 3-1) aborda algumas considerações sobre as operações no amplo espectro, vindo ao encontro do que já foi estudado: Da análise do ambiente operacional contemporâneo, onde forças convencionais e irregulares, combatentes e população civil, a destruição física e a guerra de informação estão cerradamente interligados, é possível antever as tendências estratégicas, que orientam os conflitos, a seguir discriminadas: a) crescente importância da Informação; b) evolução de capacidades próprias das guerras irregulares; c) prevalência dos aspectos não militares na solução de conflitos; e d) expansão e escalada dos conflitos para além dos espaços geográficos do campo de batalha. [...] Nesse contexto, as forças militares de um Estado-Nação devem estar aptas a 12 Sun Tzu e A Arte da Guerra Moderna. 4. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2009. 32 conduzir, com legitimidade e empregando o uso controlado da força, operações militares em qualquer ponto do espectro dos conflitos – desde a paz estável, até o conflito armado/guerra – para contribuir de forma decisiva para a prevenção de ameaças, no gerenciamento de crises e/ou na solução de conflitos nacionais ou internacionais, de qualquer natureza e 13 intensidade (BRASIL. Exército Brasileiro, 2014a, p. 3-1) . Dentro dessa análise verifica-se a necessidade do emprego do poder militar, de maneira simultânea ou não, em maior ou menor proporção, em todo o espectro do conflito, para desencadear ações diretas sobre a ameaça, defender a soberania do País, pessoas, propriedades e ativos públicos, estabilizar áreas ou regiões sujeitas a conflitos, criminalidade e/ou catástrofes naturais ou não, e contribuir com os órgãos governamentais. Dentro dessa moldura, os temas operacionais tradicionais (ofensiva e defensiva), que antes eram tratados de maneira faseada na escalada da violência, passaram ser enquadrados como Operações Básicas e a permear todo o espectro do conflito, desde a situação de paz até a guerra generalizada; e a eles foram acrescidas outras duas Operações Básicas, relacionadas às operações militares de não guerra, as Operações de Pacificação, que são conhecidas internacionalmente como Operações de Estabilização, e as de Apoio aos Órgãos Governamentais. A figura 2 ilustra muito bem um exemplo da combinação de atitudes do amplo espectro dentro de temas operacionais atuais. 13 Exército Brasileiro - Manual de Fundamentos EB20-MF-10.103 – Operações. Brasília, 2014. 33 Figura 2 - Exemplos de combinação dos elementos das operações no amplo espectro dentro dos temas operacionais Fonte: Manual de Campanha FM 3-0 Operations (EUA, 2008, p. 3-20) Por fim, verifica-se que a natureza dos conflitos mudou em muitos aspectos desde a guerra industrial aos dias de hoje, moldando novos ambientes operacionais, nos quais passaram a ter importância, também, as dimensões humana e informacional. Há que se considerar, porém, que não só o ambiente sofreu alterações, mas também a forma de atuação das ameaças (modus operandi), que passaram a fazer ampla utilização das TTP peculiares da guerra irregular, combinando, por vezes, estas com as preconizadas nos combates convencionais, face à disponibilidade de armamentos e equipamentos peculiares daquelas. A presente observação, associada à nova dimensão do ambiente operacional, constituem-se em elementos essenciais à organização, preparo e emprego de forças militares para atuarem nos conflitos assimétricos de quarta geração. 34 Para corroborar com o que foi exposto, Pinheiro (2007) explica: [...] A “4ª Geração” resulta de uma evolução que visa tirar vantagem das mudanças política, social, econômica e tecnológica vivenciadas desde a Segunda Guerra Mundial. Junto aos estados nacionais, aparecem novos atores protagonistas, organizações não estatais armadas, forças irregulares de diferentes matizes: separatistas, anarquistas, extremistas políticos, étnicos ou religiosos, crime organizado e outras, cuja principal forma de atuação se baseia nas táticas, técnicas e procedimentos da guerra irregular.” (PINHEIRO, 2007, p. 17). 2.3 A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA EM COMBATES IRREGULARES Ao se analisar a natureza dos Conflitos de Quarta Geração, verifica-se que o Exército Brasileiro já esteve envolvido em operações militares que, guardadas as devidas proporções, se acercavam de muitas das características já citadas, dentre elas a atuação em um ambiente de conflito indefinido, fluido e confuso, a prevalência de ações irregulares, inclusive atos terroristas, por parte do inimigo, o combate em áreas urbanas/rurais (no meio do povo), a importância do “terreno humano” (apoio da população), a atuação de atores não estatais, a necessidade de se operar de forma conjunta ou combinada, dentre outras. Assim, princípios e estratégias preconizados por Sun Tzu, em sua Obra “A Arte da Guerra”, relacionados à aproximação indireta, passaram a ter grande relevância no contexto dos Conflitos Assimétricos de Quarta Geração, por estarem presentes no modo de atuação das principais ameaças contemporâneas, assim como também se fizeram, por ocasião dos movimentos revolucionários e subversivos, patrocinados pelo Movimento Comunista Internacional, na maioria dos países de “Terceiro Mundo”, após a II Guerra Mundial. Segundo Taber (1965, p. 214)14, “[...] Mao estudou a fundo Sun Tzu e não nega; muitos ditames do chefe das guerrilhas chinesas são, de facto, meras paráfrases da Arte da Guerra.” Sobre esses princípios e estratégias, Taber (1965, p. 213) cita parte da obra de Sun Tzu, com intuito de demonstrar a semelhança extraordinária entre o trecho da mesma e os axiomas militares de Mao Tsé-tung. De outro modo, verifica-se a 14 Teoria e Prática da Guerrilha, A <<Guerra da Pulga>>. Lisboa: Iniciativa Editoriais, 1976. 35 atualidade desses no que se refere à assimetria de forças e ao ambiente difuso, incerto e confuso presentes, também, nos Conflitos de Quarta Geração. [...] << Toda Guerra se baseia em enganar o inimigo. Portanto quando tiveres capacidade, finge-te incapaz; quando estiverdes activo, simula inactividade. Quando estiverdes perto do inimigo, tenta parecer longe. Quando estiverdes longe, faz com que pareças estar perto. Dá ao inimigo uma isca para o atrair, finge-te desordenado e ataca-o. quando ele se concentrar, prepara-te contra ele; quando for forte evita-o. enfurece o chefe do teu inimigo e desconcerta-o. Finge inferioridade e alimenta a arrogância do inimigo. Mantém o inimigo sob tensão e desgasta-o. Quando o inimigo está unido, divide-o. Ataca onde ele não estiver preparado; ataca-o quando ele menos espera. Estas são as regras estratégicas decisivas para uma vitória.>> (TABER, 1965, p. 213). Nesse contexto, duas experiências reais do EB, vividas durante a “Guerra Fria”, mais precisamente na luta contra o avanço do Comunismo no mundo, contribuíram para o desenvolvimento de uma doutrina própria em operações contra forças irregulares, tanto em ambiente urbano como em ambiente rural. A primeira se deu por ocasião da Força Interamericana de Paz (FAIBRÁS), na República Dominicana, caráter eminentemente urbano; enquanto que a segunda se deu por ocasião da Guerrilha do Araguaia, no Estado do Pará, ambiente rural. Verifica-se, ainda, que nessas duas atuações o EB se contrapôs às duas principais vertentes político-ideológicas do comunismo moderno/contemporâneo. A primeira, Marxista-Leninista, de origem Soviética, que pregava a ditadura do proletariado, aproveitando-se para isso das classes operárias urbanas, daí o caráter urbano. A segunda, maoísta (baseada nos princípios de Mao Tsé-tung), de origem chinesa, que pregava a luta armada a partir do campo, a exemplo do que ocorrera na Revolução Chinesa, com caráter eminentemente rural. Essas correntes político-ideológicas se fizeram presentes nas Américas através de diversos movimentos, na segunda metade do século XX, dentre eles, a Revolução Cubana (1959), o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), na Bolívia (1941). No Brasil, elas se fizeram representar pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), criado em 1922 (linha Marxista-Leninista), e pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), fundado em 1962 (linha maoísta). Os movimentos guerrilheiros no Brasil, nas décadas de 1960 e 1970, tiveram a participação direta ou indireta desses dois partidos. No que se refere à guerrilha urbana, desenvolvida no triângulo Rio – São Paulo – Belo Horizonte, uma das 36 grandes organizações atuantes foi a Aliança Libertadora Nacional (ALN), fundada por Carlos Marighela, em 1968, após rompimento com o PCB. Com relação ao PC do B, o mesmo desencadeou ações em ambiente rural, dentro da lógica maoísta, nas localidades de Marabá/PA e Xambioá/GO. Como esclarece Pinheiro (1995, p.63)15 “[...] O então ilegal Partido Comunista do Brasil (PC do B), de orientação maoísta, ali instalara uma área de treinamento visando o posterior desenvolvimento de uma “zona liberada”16.” Na República Dominicana, onde a atuação da FAIBRÁS deu-se em um ambiente eminentemente urbano, os grupos oponentes mais proeminentes eram: o “Movimiento 14 de Junio” (linha Castrista), o Partido Socialista Popular Dominicano (linha Soviética) e o Movimento Popular Dominicano (linha Chinesa). Nesse viés, há que se destacar que ensinamentos e experiências colhidas naquela época contribuíram, de sobremaneira, para o desenvolvimento de uma doutrina própria de guerra irregular em ambientes urbano e rural, que acabaram por influenciar na criação das Unidades Especiais Contra Guerrilhas, embrião dos Pelotões de Operações Especiais (PELOPES), estrutura base das Subunidades de Operações Especiais (SUOPES) e das Unidades de Operações Especiais (UOPES). Além do que, esses ensinamentos são amplamente empregados nos dias de hoje, quer seja em ações de guerra como em ações de não guerra, tanto em ambientes convencionais como irregulares. 2.3.1 Atuação do Destacamento Brasileiro na Força Interamericana de Paz (FAIBRÁS) A República Dominicana esteve sob a ditadura da família Trujillo desde a década de 1930, com a permanência no poder de Rafael Leonidas Trujillo de 1930 a 1952 e de Hector Trujillo deste ano até 1960. Essa situação tornou-se insustentável a partir do momento em que diversos movimentos de esquerda, ocorridos no entorno desse País, lograram êxito, culminando com a derrubada de antigas estruturas de poder a exemplo do ditador Marcos Pérez Gimenez (1950-1958), na Venezuela, e de Fulgêncio Batista (1952-1959), em Cuba. 15 16 Guerrilha na Amazônia: uma experiência no passado, o presente e o futuro. Military Review, 1995. Segundo Mao Tsé-tung, uma área onde a única autoridade válida seria a do chefe da guerrilha. 37 Segundo Mattos (1966, p.3)17, “[...] O assassinato do General Rafael Leônidas Trujillo, ocorrido a 30 de maio de 1961, pode ser considerado como o marco inicial do processo revolucionário que resultou no movimento de 24 de abril de 1965.” Após a morte de Trujillo, a República Dominicana passou por um período de grande instabilidade política, marcada pela secessão de governos estruturados em um Conselho de Estado, um Triunvirato e por um Governo Duo, que terminou nas mãos de Donald Reid Cabral, que acabou por culminar no Movimento Revolucionário de 24 de abril de 1965, oportunidade em que os partidos anteriormente citados se aproveitam da situação de grave comprometimento da ordem interna para levar a cabo seus intentos políticos. Em decorrência dessa situação os Estados Unidos da América (EUA) em conjunto com a Organização dos Estados Americanos (OEA) criaram uma força multinacional (interamericana) para garantir a segurança e os direitos humanos, bem como os ideais democráticos da República Dominicana. Essa força era composta pelos seguintes países: EUA, Brasil, Honduras, Paraguai, Costa Rica, Nicarágua e El Salvador. A participação do Brasil no processo de paz da República Dominicana foi autorizada pelo Decreto Legislativo nº 38, de 20 de maio de 1965, sendo que o Destacamento Brasileiro da FAIBRÁS foi efetivamente criado pelo Decreto nº 56.308, de 21 de maio de 1965, para atuar como um instrumento militar do poder político da Organização dos Estados Americanos (OEA). Nesse sentido, constava de sua apostila legal a seguinte missão: [...] Dentro de um espírito de imparcialidade democrática, colaborar na reestruturação de normalidade na REPÚBLICA DOMINICANA, na garantia da segurança de seus habitantes, na inviolabilidade dos direitos humanos e no estabelecimento de um clima de paz e conciliação que permitisse o funcionamento de instituições democráticas na dita República 18 (WANDERLEY, 1966, p. V) . O Destacamento Brasileiro da Força Interamericana de Paz (FAIBRÁS) completou sua concentração, sob o comando do Coronel Carlos de Maira Mattos, a 27 de maio de 1965, com o efetivo de 1.110 homens do Exército Brasileiro e da 17 A Experiência do FAIBRÁS na República Dominicana. Relatório, 1966. Ordem do Dia do Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Ten Brigadeiro Nelson Freire Lavenére Wanderley, sobre o Regresso ao Brasil e Extinção do FAIBRÁS (Transcrição do Bol. Especial nº 3 de 30 de setembro de 1965 do EMFA). 18 38 Marinha do Brasil, que correspondiam, em termos táticos, a 01(um) Batalhão de Infantaria do Regimento Escola de Infantaria (I/REsI) e 01 (uma) Companhia de Fuzileiros Navais (reforçada) do Grupamento de Fuzileiros Navais (MATTOS. et al, 1966, p. 25). A missão do FAIBRÁS durou de maio de 1965 a julho de 1966. Nesse período três grandes missões marcaram a participação brasileira nesse evento: Segundo Wanderley (1966, p. VII), a 1ª Missão (3 de junho de 1965) – Op PALÁCIO NACIONAL: constituiu-se em uma operação de cerco ao Palácio Nacional a fim de eliminar um ponto crucial de fricção entre as forças litigantes, para possibilitar um ambiente propício às negociações políticas da crise dominicana, sob os auspícios da OEA; A 2ª Missão (de 7 de junho a 3 de setembro de 1965) – Isolamento de CIUDAD NEUVA: constituiu-se em uma missão de substituição da 6ª Brigada de Fuzileiros Navais Norte-Americana e isolamento da referida cidade até a posse do Governo Provisório; e A 3ª Missão (25 de outubro de 1965) – Investimento/Ocupação de CIUDAD NEUVA: consistiu em uma operação combinada da Brigada Latino-Americana e da 1ª Brigada/82nd/Airborner Division Norte-Americana, investindo de forma simultânea sobre a localidade. Cabe destacar que Ciudad Nueva era uma “Zona Liberada” e constituía-se num baluarte da resistência comunista no país, como esclarece Wanderley (1966, p.VII), “[...] CIUDAD NUEVA DE SANTO DOMINGO constituiu um mito de intocabilidade para os chamados “constitucionalistas”, transformada em um “Santuário” pelos comunistas, através de uma propaganda montada à base de técnicas e dialéticas persuasivas. O “tabu” foi quebrado, a cidade foi aberta e pacificada.” A atuação do FAIBRÁS em um ambiente de Guerra Revolucionária, segundo Mattos (1966, p. 104) indefinido, fluido e confuso, trouxe reais experiências acerca do combate no meio do povo, frente a um inimigo que se utilizava de ações terroristas e técnicas persuasivas e de combate urbano, como nas evidências abaixo transcritas do Relatório Final do FAIBRÁS. [...] Essa instabilidade representava uma frustação para os verdadeiros patriotas que pensavam em reconstituir o país após o desaparecimento de Trujillo. A insatisfação popular crescia. Gerava-se assim o clima propício à 39 proliferação de grupos de esquerda a ao seu adestramento nos conflitos de rua (MATTOS. et al, 1966, p. 3). [...] No curso dêsse processo pré-revolucionário, os grupos de extrema esquerda, principalmente o mais bem organizado deles, o “Movimento 14 de Junio”, vinha se exercitando nas táticas de terrorismo e de violência (MATTOS. et al, 1966, p. 4). [...] 2ª fase (de 26 out. 65 a 23 abr.66) – em que tiveram relevo as missões de manutenção da ordem pública; embora vencida a insurreição, persistiam o terrorismo e a desordem, praticados por grupos extremistas inconformados (MATTOS. et al, 1966, p.23 ). Observa-se ainda, com relação à atuação da FAIBRÁS, em Santo Domingo, a preocupação com a população civil não combatente, aspecto de muitíssima relevância nos conflitos atuais. Basta analisar o conteúdo de parte da Ordem de Operações referente à ocupação de “Ciudad Nueva” e do comentário acerca da referida ordem. [...] (3) Apoio de Fogo. (a) – não haverá preparação da Artilharia; sòmente será empregado o fogo de infantaria [...] Cabe aqui um comentário. Êsse Conceito da Operação é um exemplo das preocupações que dominam o espírito de um Comandante de fôrça de paz, antes de ordenar a execução de uma ação militar, mesmo na sua montagem. Nota-se aí, primeiro, a preocupação em resolver o problema sem ter que empregar a fôrça [...] Em segundo lugar, vê-se tôda sorte de limitações imposta à ação militar, tal como a proibição de tiro de artilharia, de uso de munição incendiária (MATTOS. et al, 1966, p. 36). Outro aspecto a se considerar foi o apoio da população, que se tornou fundamental para a consecução dos objetivos militares do FAIBRÁS, uma vez que o terreno era desconhecido pelos integrantes da força em questão, o que de certa forma prejudicava o cumprimento da missão. Soma-se a isso, a presença de militantes de extrema esquerda, a exemplo do “Movimento de 14 de Junio”, treinados em táticas de terrorismo, misturavam-se com facilidade junto à população civil, causando pânico e desordem pública. Para se conquistar o apoio da população e fizer com que ela se contraposse às furtivas campanhas persuasivas patrocinadas pelo inimigo, a FAIBRÁS passou a realizar Ações Cívico-Sociais em assistência à população civil, o que contribuiu para o andamento das operações, conforme o relato abaixo. [...] o FAIBRÁS desenvolveu ainda um amplo programa assistencial ao sofrido povo dominicano, executando uma verdadeira ação cívica de assistência aos necessitados, de restauração de escolas, de reconstrução 40 de pequenas estradas de interêsse local, de difusão do escotismo (WANDERLELEY, 1966, p. VIII). Há que se destacar ainda que em ambos os exemplos o emprego conjunto das Forças Armadas contribuiu para o sucesso das operações e propiciou o desenvolvimento e aperfeiçoamento de doutrinas de emprego conjunto. A missão do FAIBRÁS empolgou as três Fôrças Armadas, que coordenadas pelo Estado-Maior das Fôrças Armadas nas operações combinadas de transportes e de apoio logístico, tiveram a oportunidade de ainda mais estreitar os laços indissolúveis de sã camaradagem e de unidade que as congrega; os planejamentos combinados sempre foram executados com perfeição (WANDERLEY, 1966, p. VIII). Por fim, a missão do FAIBRÁS possibilitou, por parte do Exército Brasileiro, a aquisição de uma gama de conhecimentos e experiências referentes ao combate irregular em ambiente urbano, além de acrescentar conhecimentos acerca de operações conjuntas e combinadas. No que cabe à instrução militar, possibilitou um ganho considerável, acrescentando conhecimentos, relativos ao emprego de técnicas especiais, até então estranhos à Força, dentre eles: - Instrução Helitransportada; - Instrução Tática em Terreno Montanhoso; - Instrução Tática de Selva; - Instrução de Contra-Guerrilha; - Instrução de Tiro de Combate. Esse ganho foi retratado pelo Cel Meira Mattos por ocasião da escrituração do relatório sobre a experiência do FAIBRÁS na República Dominicana, conforme o trecho abaixo transcrito. [...] A instrução para o nosso soldado, de assuntos de aplicação imediata nas operações em localidade ou de assuntos especiais que normalmente não são objetos dos PP, apresentou resultados excelentes. Essa instrução, no Brasil, não deveria ser apenas executada por elementos selecionados em algumas unidades especiais, mas sim, ser assunto mais generalizado no adestramento de todas as Unidades (MATTOS. et al, 1966, p. 95). Cabe destacar, ainda, que os conhecimentos e experiências adquiridos naquela oportunidade influenciaram de sobremaneira na organização e preparo das tropas especiais, citadas anteriormente, além do que contribuíram na elaboração 41 das Instruções Provisórias de Operações Urbanas de Defesa Interna (IP 31-17, 1ª Ed. 1969). 2.3.2 Atuação do Exército Brasileiro no Combate à Guerrilha do Araguaia Se por um lado a participação do Exército Brasileiros no FAIBRÁS (19651966), na República Dominicana, foi um terreno fértil ao desenvolvimento de uma doutrina própria em operações contra forças irregulares em ambiente urbano; por outro, sua atuação no Combate à Guerrilha do Araguaia (1968-1974), no Estado do Pará, possibilitou o incremento dessa doutrina no que se refere ao ambiente rural. A Guerrilha do Araguaia se deu no mesmo contexto histórico em que ocorreu a atuação do Exército Brasileiro no FAIBRÁS, ou seja, no período da “Guerra Fria”, onde o Movimento Comunista Internacional (MCI) buscava ampliar sua influência em todo o mundo, principalmente nos países tidos não alinhados politicamente e na América do Sul, em função do sucesso obtido com a Revolução Cubana (1959). Naquela oportunidade (1960-1970), o Brasil se viu envolto em três grandes questões que demandaram o emprego do poder militar em maior ou menor proporção, uma relacionada à política externa e outras duas com caráter eminentemente doméstico. A primeira, já abordada, foi a constituição do Destacamento Brasileiro da Força Interamericana de Paz (FAIBRÁS); a segunda está relacionadas à atuação da Aliança Libertadora Nacional (ALN), criada por Carlos Marighela, em 1968, após rompimento com o PCB, no triângulo Rio – Belo Horizonte – São Paulo e por último, a Guerrilha do Araguaia que, sem dúvidas, demandou o maior esforço por parte do Governo Brasileiro. [...] No Brasil, a luta armada começou em 1965, um ano depois da implantação do regime militar. Guerrilhas urbana e rural desenvolveram-se paralelamente, com quase duas dezenas de diferentes facções marxistasleninistas, ora aliadas, ora rivais; cada uma tentava a seu próprio jeito, com estratégias e táticas distintas, encontrar um caminho para tomar de assalto o poder. O maior desses grupos foi a Ação Libertadora Nacional, ALN, liderada por Carlos Marighela. Decidiu pela guerrilha urbana, com ações armadas de propaganda e intimidação ao regime – o velho e conhecido “terrorismo”. O objetivo estratégico era ganhar o apoio popular até levar o governo ao colapso, como fez Lênin na Rússia. O grupo rebelde mais consistente, o Partido Comunista do Brasil, PC do B, optou pela guerrilha rural. Instalou-se numa zona perdida da floresta amazônica, na região do Rio Araguaia, com ações armadas de fustigação e fuga, ou seja, a antiga guerra de partisans. O 42 objetivo estratégico era criar um exército regular de libertação, como fez Mao 19 na China (STUDART, 2006, p. 13) . “[...] a Guerrilha do Araguaia foi uma das insurreições armadas mais representativas da luta revolucionária brasileira; desde a Guerra de Canudos, o maior conflito Interno; e com a maior mobilização de contingentes desde a participação da Força Expedicionária na II Guerra Mundial (STUDART, 2006, p. 16). Esse movimento armado foi instalado pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B) – de orientação maoísta, no final da década de 1960, na região conhecida como “Bico do Papagaio”, englobando os Estados do Pará, Maranhão e o então Estados de Goiás. No que cabe a localização do foco de guerrilha, David Galula esclarece segundo a doutrina da fronteira. “[...] Todo país é dividido, para propósitos administrativos e militares, em províncias, municípios, distritos, zonas, etc. As áreas de fronteiriças são fonte constante de fraqueza para o contra-rebelde, quais quer que sejam suas estruturas administrativas, e geralmente essa vantagem é explorada pelo rebelde, principalmente nos estágios violentos iniciais da rebelião. Passando de um lado da fronteira para o outro, o rebelde pode, com frequência, escapar à pressão ou, pelo menos, complicar as operações do adversário (GALULA, 20 1966, p. 48) . Há que se destacar que no aspecto político-social a região caracterizava-se por um “vazio de poder” que resultava na baixa qualidade de vida dos habitantes da área, que não raro ocupavam-se da agricultura de subsistência e do extrativismo. Parte considerável dessa população se agrupava em sítios próximos às localidades de Marabá (PA) e Xambioá (GO). No que se refere à vegetação, a região era em sua maioria coberta por selva, possuindo variações em áreas desmatadas próximas às cidades citadas, na região da Serra das Andorinhas e à cavaleiro da rodovia Transamazônica. Com relação ao relevo a região possui desníveis, conhecidos na área amazônica como “socavões” e a Serra já citada. Toda essa área é drenada pelos Tocantins e Araguaia, seus afluentes e igarapés. Segundo Pinheiro (1995, p. 63), o movimento recebeu grande apoio do MCI, através Partido Comunista da Albânia, que além dos recursos financeiros, prestava grande apoio, nos termos de hoje, em Comando e Controle (C2) e Operações 19 20 A Lei da Selva. São Paulo: Geração Editorial, 2006. Contra-Rebelião – Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Edições GRD, 1966. 43 Psicológicas, por meio da Rádio Tirana, que operava diariamente um programa, em língua portuguesa, direcionado à Força de Guerrilha e à população local. Observa-se nesse sentido, que apesar de o movimento da Guerrilha do Araguaia ter sido desenvolvido segundo a corrente ideológica maoísta, o apoio externo era realizado por um país que desenvolveu um movimento de resistência contra a invasão facista italiana, na década de 1940, valendo-se da corrente marxista-leninista. Nesse sentido, há que se destacar que no país em tela o movimento de resistência apoiou-se tanto nos núcleos urbanos como no meio rural. Ainda segundo Pinheiro (1995, p. 64), em maio de 1972, a guerrilha encontrava-se organizada na região, possuindo um Birô Político, uma Comissão Militar e três Destacamentos, cada um com três Grupos compostos de 8 a 10 guerrilheiros. Toda essa estrutura somava por volta de 80 guerrilheiros, dentre os quais 15 eram mulheres. A Força de Guerrilha do Araguaia (FOGUERA), como se autonominou o movimento revolucionário, desenvolveu suas atividades de guerrilha a partir dos três Destacamentos que atuavam de maneira descentralizada/compartimentada. Ao Norte da região, o de Faveiro, desenvolvia suas ações próximas à rodovia Transamazônica; na parte central, próximo a Serra das Andorinhas, o da Gameleira; e ao Sul, o de Caiano. No que se refere a capacidade operacional irregular desses Destacamentos, faz-se necessário destacar que parte dos guerrilheiros que atuavam na região possuíam adestramentos e cursos em operações dessa natureza, realizados no exterior em países comunistas, patrocinados pelo MCI. As ações de repressão ao movimento de guerrilha na região se desenvolveram em três fases. Como nos esclarece Pinheiro (1995, p. 65) “[...] a 1ª fase, de abril a outubro de 1972; a 2ª fase, de abril a agosto de 1973; e a 3ª fase, de setembro de 1973 a março de 1975.” As três fases foram materializadas pelo emprego do poder militar no terreno. Nesse viés foram desencadeadas as seguintes operações: - 1ª Fase (Operação Papagaio): caracterizou-se pelo emprego de grandes efetivos, cerca de 1500 homens, de várias partes do País, sob dois Grandes Comandos (Comando Militar da Amazônia e Comando Militar do Planalto); - 2ª Fase (Operação Sucuri): nessa fase, foram priorizados os esforços de inteligência no sentido de se colher informações acerca da Força de Guerrilha, da 44 Força de Sustentação, da Força Subterrânea, do terreno e acerca das considerações civis; - 3ª Fase (Operação Marajoara): emprego de tropas especializadas (Unidades de Selva e Paraquedista), dentro de estruturas de pequenos efetivos, com elevado grau de adestramento, apoiado por aeronaves de asa rotativa. Faz-se necessário destacar que nessa fase houve um grande esforço interagências, envolvendo diversos órgãos do governo, no sentido de reduzir as mazelas sociais existentes na região. As operações desenvolvidas contra a Força de Guerrilha do Araguaia possibilitaram às Forças Armadas e, em especial, ao Exército Brasileiro, rever conceitos e desenvolver doutrinas acerca do emprego de tropas nos combates contra Forças Irregulares em ambiente rural em área de selva. A atuação do Exército com a Força Aérea Brasileira (FAB), evidenciada por uma interoperabilidade perfeita, principalmente durante a 3ª Fase, contribuiu para a aproximação das Forças e para o desenvolvimento de técnicas e táticas de emprego conjunto, que nos dias atuais, guardadas as devidas proporções, poderiam ser consideradas como uma Doutrina de Emprego Conjunto. Soma-se a isso, o amplo emprego interagências com os órgãos do governo nas esferas federal e estadual, no sentido de alinhar suas Ações de caráter CívicoSociais, com os objetivos militares, criando a sinergia necessária para a solução do problema. [...] E fruto das informações obtidas na “Operação Sucuri” ficou muito claro para o escalão superior que o problema não poderia ter apenas uma solução militar. Haveria necessidade de se integrar a ação de diversos órgãos governamentais civis de nível federal e estadual, para que se efetuasse a eliminação completa do foco subversivo (PINHEIRO, 1995, p. 66). Além dos aspectos já levantados, que aproximam essa atuação do EB a um Conflito Assimétrico Irregular de Quarta Geração, outra característica que vem a corroborar com isso é o desenvolvimento das operações no meio do povo, uma vez que a região era habitada por cerca de vinte mil pessoas, distribuídas nas principais cidades e meio rural. Esse acontecimento histórico contribuiu para grandes transformações no que se refere à doutrina de preparo e emprego de tropas em Operações Contraguerrilhas, em ambiente rural; bem como na articulação do poder militar na 45 região amazônica, através da criação da 17ª e 23ª Brigadas de Infantaria de Selva e do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS). Nessa vertente, cabe destacar que o emprego dos Batalhões de Infantaria de Selva (BIS) é determinado por uma mescla de táticas e técnicas de combate irregular com o que existe de regular. Tal situação é imposta pelas ameaças presentes e potenciais, e principalmente pelo ambiente operacional nos quais estão inseridos. Essa combinação doutrinária é o que existe de mais atual nos conflitos de quarta geração, onde o inimigo é irregular. Outros ensinamentos técnicos e táticos, colhidos durante esse evento, contribuíram para a valorização da organização, preparo e emprego de tropas de menores efetivos com elevado grau de adestramento para atuarem em Operações Contra Forças Irregulares. Nesse contexto foram criadas as Unidades Especiais Contra Guerrilhas, embrião dos Pelotões de Operações Especiais (PELOPES). Ademais, outras publicações do Exército Brasileiro, além da já citada no item anterior, que tratam de assuntos afins, foram editadas há época, muitas delas baseadas nas experiências norte-americanas vivenciadas na Guerra do Vietinã: - IP 31-15 – O pequeno Escalão nas Operações Contraguerrilhas (1ª Ed, 1969) – Reservada; - IP 31-16 – Operações Contraguerrilhas (1ª Ed, 1970) – Reservada; - C 31-20 – Operações Contra Guerrilheiros (1ª Ed, 1976) - Reservado. Por fim, independentemente do viés político ideológico em que se deram as ações contra a Força de Guerrilha do Araguaia, não se pode descuidar que muitas das táticas e técnicas de combate, empregadas naquela época, são válidas para os dias atuais, em função da natureza dos Conflitos de Quarta Geração, que, guardadas as devidas proporções, muito se assemelham ao vivenciado no Araguaia, dentro de um contexto rural. 2.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nos conflitos de Quarta Geração a capacidade bélica dos estados nacionais, associada ao desenvolvimento científico-tecnológico, tem se mostrado pouco eficiente frente a um novo tipo de inimigo que cada vez mais tem se valido de antigas técnicas e táticas de guerrilha para atingir seus objetivos. A “Era do Conhecimento” tem permitido que as ações desses elementos tivessem alcance 46 mundial, dificultando o seu monitoramento e, por conseguinte, o processamento das informações e a atuação do braço armado do estado. Acontecimentos recentes, como redes de comunicações globais, o mercado financeiro internacional e o emprego de homens-bomba de orientação religiosa, por exemplo, capacitaram organizações terroristas como a Al Qaeda a ameaçar seus oponentes de formas não antecipadas. Contudo, essa tendência não é realmente nova, por si só. É óbvio que o contendor materialmente inferior sempre irá buscar estratégias que desbordem a superioridade militar de seu oponente. Antulio Echevarria resumiu assim: “Ao longo da história, terroristas, guerrilheiros e assemelhados buscam abater a determinação de seus oponentes pela luta, em vez de tentar derrotar seus meios. A diferença é que, agora, dispõem de maior alcance à 21 determinação de seus inimigos” (SCHUURMAN, 2010, p. 49) . Esse tipo de guerra ficou bastante evidente por ocasião da “Operation Restore Hope”, na Somália (1992), quando forças de elite dos Estados Unidos da América (EUA) foram derrotados em Mogadíscio pelas milícias do general Farrah Aidid. Apesar do número de baixas entre os somalis ter sido bem superior a dos norte-americanos, a mídia se encarregou de resgatar o trauma do Vietnam e ganhar a guerra para os somalis. [...] Contudo, em 3 de outubro de 1993, os contingentes da Joint Special Operation Task Force (JSOTF) e das Special Forces Operational Detachment-Delta, sob o comando do general William Garrison, sofreram dura derrota, durante a batalha, quando atacaram Mogadíscio, a fim de capturar o general Maxamed Faarax Caydiid (mais conhecido como Farrah Aidid). Conquanto cerca de 500 somalis morressem e mais de 1000 ficassem feridos, 19 soldados dos Estados Unidos foram mortos, 77 feridos e um capturado. E as milícias do general Farrah Aidid, comemorando a vitória, arrastaram pelas ruas de Mogadíscio, em júbilo, os cadáveres dos soldados americanos abatidos no confronto. O espetáculo tétrico, mostrado pela televisão, e o número de baixas chocaram os Estados Unidos, e ao presidente William “Bill” Clinton, sucessor de Georg H. W. Bush, ante ao clamor provocado pelo fiasco, não restou alternativa senão retirar as tropas 22 da Somália em 31 de março de 1994 (BANDEIRA, 2013, p. 50) . Outro exemplo mais recente em que forças inferiores (não estatais), adotando técnicas e táticas de guerrilha, impuseram grande desgaste ante a potência hegemônica (EUA), impedindo que esta atingisse seus objetivos estratégicos e se retirassem da região de operações, ocorreu no Afeganistão onde forças norteamericanas permaneceram por cerca de dez anos. 21 22 Clausewitz e os Estudiosos da “Nova Guerra”. Military Review, 2011. A Segunda Guerra Fria. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. 47 Os Estados Unidos, não obstante contar com a mais alta tecnologia, a mais sofisticada e avançada, e forças especiais muito bem equipadas e treinadas, como os SEALs, Rangers, Delta, SF, não venceram a Fourth Generation War, a guerra travada contra inimigos que não configuravam nenhum Estado, e mais uma vez, como no Vietinã, mostraram fraqueza de poder. Não alcançaram nenhum dos seus objetivos estratégicos (BANDEIRA, 2013, p. 203). Verifica-se, portanto, que mesmo com todo o desenvolvimento científicotecnológico dos exércitos mais poderosos do mundo, as técnicas e táticas preconizadas nos combates irregulares permanecem bastante atuais e muito mais eficazes em razão dos avanços científico-tecnológico, que as potencializam, tornando-as um instrumento imprescindível por parte de organizações extremistas. Nesse sentido, crescem de importância as ações indiretas, preconizadas, num espectro mais distante, por Sun Tzu, e mais recentemente por Mao Tsé-tung, por ocasião da Revolução Chinesa, em detrimento das ações diretas realizadas entre Estados na Guerra de Terceira Geração. Dentro dessa perspectiva, se avulta de importância a experiência que as Forças Armadas Brasileiras, em especial o Exército, tiveram nesse tipo de combate nas décadas de 1960 e 1970, por ocasião das ações do Movimento Comunista Internacional em solo nacional, no triângulo da guerrilha urbana (Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte) e na região do Araguaia (guerrilha rural); e em Santo Domingo, na República Dominicana, onde predominaram as ações em áreas urbanas. Esses conhecimentos e experiências são de extrema importância para o Exército Brasileiro, pois técnicas e táticas de combate irregular, dentre elas o terrorismo, desenvolvidas principalmente na URSS, China e Cuba, durante a “Guerra Fria”, sob a ótica da tomada do poder, num viés totalmente político; vêm sendo utilizadas no Séc XXI por organizações e atores não estatais, sob a ótica da violência extremista dentro das mais variadas matizes (religiosa, política, étnica, etc), caracterizando um quadro de conflito assimétrico de quarta geração. Por outro lado, verifica-se uma mobilização nos Estados-Nacionais no sentido de preparar estruturas de combate cada vez menores (Brigadas/Batalhões), com elevado grau de adestramento em Operações Contra Forças Irregulares para se contraporem a essas ameaças. Dentro desse contexto, manobras que antes eram peculiares dos pequenos escalões, hoje são desenvolvidas por tropas valor Batalhão 48 e até mesmo Brigada, dentre elas: Incursões, Infiltração, Emboscadas, Cerco e Destruição do Inimigo, etc. Somam-se a isso outros aspectos levantados no presente estudo que vão ao encontro do que se pensa hoje a respeito de Guerra de Quarta Geração, dentre os quais: o combate no meio do povo, a preocupação com a população civil e não combatentes, a importância da mídia e da opinião pública e o emprego conjunto das Forças Armadas. Além disso, há que se considerar o fato de que as operações contra forças irregulares, no contexto da experiência brasileira, foram desenvolvidas no amplo espectro, pois durante toda a escalada da violência foram desencadeadas operações tipo polícia, ofensivas, defensivas e de estabilização, basta se fizer um paralelo, guardada as devidas proporções, com as operações de bloqueio de estradas, patrulhas de combate, defesa de pontos sensíveis e ações cívico-sociais. Por fim, as UOPES, SUOPES e PELOPES foram organizadas, instruídas e adestradas segundo esse enfoque, o de atuar na defesa interna frente a um inimigo irregular, empregando tropas leves dotadas, de grande mobilidade, capazes de atuar conjuntamente em qualquer tipo de terreno. 49 3 SEGURANÇA E DEFESA A segurança, em linhas gerais, é a condição em que o Estado, a sociedade ou os indivíduos se sentem livres de riscos, pressões ou ameaças, inclusive de necessidades extremas. Por sua vez, defesa é a ação efetiva para se obter ou manter o grau de segurança desejado [...] 2.4.Para efeito da Política Nacional de Defesa são adotados os seguintes conceitos: I – Segurança é a condição que permite ao País preservar sua soberania e integridade territorial, promovendo seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças, e garantir aos cidadãos é o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase no campo militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas (BRASIL, 2013a, p. 23 2) . As transformações ocorridas no início do século XXI contribuíram para a ampliação do conceito de segurança, que deixou de ser um tema exclusivo do campo militar, e passou a permear, mesmo que com menos intensidade, todos os campos do poder. Em decorrência disso, questões como segurança pública, defesa civil, saúda, meio ambiente, dentre outras, passaram a constar das pautas das agendas de segurança e defesa dos estados. Por outro lado, o caráter difuso das novas ameaças ampliou de sobremaneira a sensação de insegurança dos estados, haja vista que os exércitos nacionais, presos aos paradigmas da “Guerra Fria”, estavam preparados para enfrentar um inimigo estatal convencional. A grande maioria dos atuais planos de desenvolvimento das forças armadas norte-americanas como, por exemplo, aqueles relacionados ao “Exército do Século XXI”, estão todos orientados para o enfrentamento de um inimigo que disponha de blindados pesados convencionais; e caso os Estados Unidos, no início do século XXI, defronte-se com um inimigo que disponha somente de um baixo nível de tecnologia, um oponente de nível tecnológico intermediário, ou, um adversário com poder equivalente, então o problema decorrente de uma amplitude de frequência insuficiente provavelmente irá ocorrer ( Strategy and the Military Revolution: From Theory to Policy, 1996; LIANG; XIANGSUI, 1999, p. 166). Os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, aos Estados Unidos da América, comprovaram a incapacidade das estruturas de defesa de prover segurança ao cidadão, frente a um inimigo não estatal, dotado de capacidades não convencionais. Há que se considerar, ainda, que tal ação foi dirigida contra a maior potência militar do planeta e dentro de seu próprio território. Dentro dessa 23 Brasil - Política Nacional de Defesa, 2013. 50 perspectiva, ficou clara a existência de um hiato entre o pensamento militar e as reais ameaças do século XXI. Além desse acontecimento, outros fatores contribuíram para o aumento no grau de insegurança global, ampliando a pauta das agendas internacional e doméstica, no que se refere ao assunto. Questões como segurança alimentar, combate ao narcotráfico, meio-ambiente, segurança energética, segurança hídrica, segurança pública, direitos humanos, ações humanitárias e defesa civil, dentre outras, ganharam espaço nos foros internacionais motivados principalmente pela opinião pública internacional e por organizações não governamentais. Dentro dessa ideia, surgiu uma tendência mundial de se ampliar o espectro de atuação das diversas Forças Armadas, ao passo que a redução de efetivos tornou-se uma necessidade em face da pressão das sociedades, que passaram a priorizar outras vertentes da segurança. Como resultado disso observou-se um crescimento substancial das ações subsidiárias, em apoio aos órgãos governamentais, em detrimento das atividades puramente relacionadas à defesa externa, principalmente em países emergentes e de terceiro mundo onde as demandas na segurança interna cresceram substancialmente nos últimos anos. Essa nova tendência exigiu que os exércitos desenvolvessem novas capacidades e atuassem em todo o espectro da segurança e defesa. Assim, o planejamento por capacidades passou a nortear a organização, o preparo e o emprego desses exércitos, racionalizando o emprego de pessoal e material, tornando essas forças mais eficientes. Não obstante a tudo isso, há que se considerar outro aspecto, de suma importância, relacionado diretamente à segurança e defesa, uma vez que países emergentes vêm priorizando o emprego de suas Forças Armadas em ações subsidiárias, a securitização. A securitização é o processo através do qual, potências militares tem se valido para trazer para a esfera da segurança assuntos que não estão diretamente ligados ao tema, com objetivo de realizar intervenções militares, tais como: meioambiente, questões humanitárias e de direitos humanos, narcotráfico, crimes transnacionais, dentre outros. Sabe-se, porém que essas intervenções normalmente possuem como “pano de fundo” questões econômicas e/ou de cunho estratégico. 51 [...] Logo após assinar o finding autorizando a Cia a organizar uma revolta para a remoção de Saddam Hussein, o presidente George H. W. Bush ordenou a Operation Desert Shield, depois denominada Operation Desert Storm, e enviou tropas para expulsar as forças da Guarda Republicana do Iraque, que haviam invadido o Kuwait em 2 de agosto de 1990. Essa foi a primeira vez que os Estados Unidos promoveram uma guerra sem alegar a defesa da democracia e dos direitos humanos. Nem o Kuwait nem o Iraque eram modelos de democracias. O problema é que, com a ocupação do Kuwait, Saddam Hussein, ditador do Iraque, passara a controlar um quinto das reservas mundiais de petróleo (BANDEIRA, 2013, p. 47). [...] Dentro desse contexto, porém, o presidente George H. W. Bush inaugurou um período em que os Estados Unidos realizaram sucessivas intervenções militares em outros países, com o objetivo de expandir seus interesses econômicos e estratégicos, sempre encapuçados com o pretexto de defesa humanitária (BANDEIRA, 2013, p. 49). Fica evidente, portanto, que tal aspecto deve ser considerado pelos países emergentes, principalmente por àqueles que detêm reservas de minerais estratégicos e de recursos vitais à existência humana, ao se analisar as possíveis ameaças e o desenvolvimento de capacidades, bem como ao priorizar o emprego de suas Forças Armadas segundo uma política de governo, e não segundo uma política de estado. 3.1 NOVAS VERTENTES DA SEGURANÇA E DEFESA New Transnational Agenda Resource issues Will gain prominence on the international agenda. Unprecedented global economic growth – positiva in so many other regards – Will continue to put pressure on a number of highly strategic resources, including energy, food, and water, and demand is projected to outstrip easily 24 available supplies over the next decade or so (USA, 2008, p. vii) . [...] Ainda que continuem existindo as mesmas disputas territoriais da Antiguidade, os conflitos de nacionalidade, os entrechoques religiosos a delineação das esferas de Poder, e dirigentes deflagrando guerras. Estes fatores tradicionais estão ficando cada vez mais interligados com a apropriação indébita de recursos, a disputa por mercados, o controle de capitais, as sanções comerciais e outros fatores econômicos, a ponto de os fatores tradicionais estarem assumindo um papel secundário (LIANG; XIANGSUI, 1999, p. 132). Neste século, poderão ser intensificadas disputas por áreas marítimas, pelo domínio aeroespacial e por fontes de água doce, de alimentos e de energia, cada vez mais escassas. Tais questões poderão levar a ingerências em assuntos internos ou a disputas por espaços sujeitos à soberania dos Estados, configurando quadros de conflito (BRASIL, 2013a, p. 2). 24 Global Trends 2025: A Transformed World. National Intelligence Council. Washington, DC, 2008. 52 No alvorecer do Séc XXI, assuntos, que até então eram relegados a segundo plano, ganharam espaço nas diversas agendas (segurança) e foros internacionais, contribuindo para que uma dinâmica mais pluralista se instalasse no cenário internacional. Inserem-se nesse contexto temas relacionados à segurança alimentar, energética, hídrica, bem como os relacionados ao meio ambiente e aos direitos humanos, dentre outros. Nessa perspectiva, acrescenta Diégues (2011, p. 82)25 o seguinte: [...] Segundo a ONU, a população mundial deve passar de 6,7 bilhões de pessoas nos dias atuais para um pouco mais de 9 bilhões por volta de 2050. A situação se torna mais complicada diante da distribuição do crescimento: estima-se que, nessa ocasião, mais de 85% dos seres humanos estarão vivendo nos países menos desenvolvidos do mundo. Em 1950, eram 65%. É pelo menos duvidoso que, até lá, o desenvolvimento tecnológico e novas formas de produção possam satisfazer as necessidades de energia e alimentação de quase mais um terço da humanidade (DIÉGUES, 2011, p. 82). Ainda segundo Diégues (2011, p. 82), os efeitos decorrentes de possíveis crises econômicas e financeiras (global), de conflitos étnico-religiosos, de alterações climáticas, dentre outras causas, poderão provocar migrações em massa, refugiados ambientais e o aumento da pobreza em várias regiões do planeta, aumentando a instabilidade e potencializando crises. Verifica-se, porém, que se por um lado esses temas vêm ocupando lugar de destaque nas agendas internacionais, sob um enfoque humanitário, por outra parte, vêm contribuindo para a ampliação do conceito de segurança nacional, ao passo que criam visão ampliada de soberania. Na realidade, não apenas os Estados Unidos, mas todas as nações que veneram o conceito moderno de soberania, inconscientemente já deram início à ampliação das fronteiras da segurança, estendendo-as a múltiplas ambiências, compreendendo a política, a economia, os recursos materiais, a nacionalidade, a religião, a cultura, as redes interativas, a geografia, o meio ambiente, o espaço sideral e etc (LIANG; XIANGSUI, 1999, p. 135). Este tipo de “visão ampliada de soberania” constitui uma premissa para a sobrevivência e desenvolvimento dos países modernos, assim como, para os seus esforços visando alcançar uma posição de influência no cenário mundial. (LIANG; XIANGSUI, 1999, p. 135). 25 Atuação das Forças Armadas no Século XXI. Revista da Escola de Guerra Naval. V. 17. Rio de Janeiro, 2011. 53 Observa-se, portanto, a existência de um impasse entre o que é preconizado nas definições descritas no início deste capítulo (segurança e defesa) e o conceito de soberania ampliada, apresentado por QUIAO LIANG e WANG XIANGSUI, reforçado pela estratégica dos EUA (2008). Assim, fica evidente, dentro dessa nova visão de segurança global, que o que para alguns países é questão de segurança, para outros é defesa. Corroborando com essa linha de raciocínio, esclarece Diégues (2011, p. 85) sobre a atuação das Forças Armadas na defesa dos ativos energéticos e da biodiversidade nacionais (pré-sal e Amazônia). [...] Uma tal concepção supõe, entre outras imposições, a necessidade de as Forças Armadas exercerem – e efetivamente exibirem, por meio de ações preventivas ou repressivas, e pela própria constante presença – incontestável controle de áreas que têm um significado estratégico mais crítico para o Brasil; nas quais, mesmo na ausência de conflitos declarados, a soberania e a jurisdição nacionais devem prevalecer sem lacunas ou restrições (DIÉGUES, 2011, p. 85). Abaixo serão apresentadas algumas das novas vertentes relacionadas à segurança e defesa, que poderão num futuro próximo vir a se transformar em causas de conflitos entre nações. 3.1.1 Segurança Alimentar A produção de alimentos no âmbito mundial tem sido uma questão de preocupação por parte de organismos internacionais, dentre eles a Organização das Nações Unidas (ONU), haja vista a redução dos espaços destinados à produção de alimentos, às variações climáticas e o crescimento populacional. Segundo as perspectivas de crescimento da população mundial já apresentada, estima-se que vários países sofrerão graves crises de escassez de alimentos, principalmente os localizados na Ásia e Pacífico e na África Subsaariana. Essa questão aponta o foco dos debates sobre o assunto para os países produtores de alimentos, ampliando as fronteiras da segurança, à medida que se questiona a soberania. Recentemente, alguns países da comunidade internacional questionou o aumento das áreas de plantio destinadas ao cultivo de cana-de-açúcar e outros vegetais, com fins de produção de álcool combustível e biodiesel, em detrimento da 54 produção de alimentos. Com relação a isso o Brasil vem se saindo muito bem, pois o governo federal vem desenvolvendo diversas ações e programas com vistas a combater a fome e a desnutrição, apresentando soluções para diversos países que enfrentam tais dificuldades. Observa-se, portanto, duas vertentes relacionadas à segurança, para parte da opinião pública mundial a questão se atém à segurança alimentar; enquanto que para o Brasil, a defesa da soberania e projeção internacional. 3.1.2 Segurança Energética [...] O petróleo é outro recurso natural que pode ser motivo – se já não é, como no Oriente Médio – de disputas pelo controle de territórios ou concessões para sua exploração. Ele continua sendo o combustível do crescimento (DIÉGUES, 2011, p. 83). A segurança energética está diretamente ligada à produção mundial de petróleo, uma vez que o mesmo constitui-se na principal matéria da cadeia produtiva dos combustíveis fósseis, dos quais a maioria dos países do globo é historicamente dependente. Estima-se que em 2030, caso os níveis de consumo atual não se alterem, haverá um desabastecimento do produto em grande escala, o que provocará uma alta nos preços (Agência Internacional de Energia - AIE). A história tem mostrado que inúmeros conflitos ocorridos no planeta se deram em função de disputas sobre áreas produtoras de petróleo. A Guerra do Golfo, ocorrida no Oriente Médio, em 1991, constituiu-se no exemplo mais recente dessas disputas. As grandes proporções do conflito e o número considerável de países envolvidos demonstraram a importância do que realmente estava em jogo, cerca de um quinto das reservas de petróleo do mundo. Hoje, grande parte das reservas mundiais de combustíveis fósseis encontrase praticamente estagnada, colocando em risco a produção industrial de inúmeras nações, cujas plantas industriais foram baseadas nesse tipo de insumo. Ademais, a economia globalizada contribuiu para a busca desenfreada desse produto, no âmbito mundial, reafirmando a importância estratégica do mesmo. Alguns países têm buscado outras formas de obtenção de hidrocarbonetos. O Brasil vem logrando sucesso na prospecção e exploração desses produtos em águas profundas e ultra-profundas, diminuindo sua dependência no mercado 55 internacional. Os EUA, por sua vez, vêm desenvolvendo técnicas avançadas na produção de óleos a partir do xisto. Segundo Vidigal (2006), citado por Diégues (2011, p. 85), cerca de 92% das reservas brasileiras provadas de petróleo encontram-se em área marítima, no Atlântico Sul, dentre elas as do pré-sal, e em 2010 a extração de petróleo dessas áreas correspondeu a 91% da produção brasileira. Essa situação coloca o Brasil, mais uma vez, no foco das discussões internacionais relacionadas à segurança e defesa. 3.1.3 Segurança Hídrica A escassez de água é outro tema que vem sendo tratado na esfera da segurança. Segundo Diégues (2011, p. 83), “[...] É da escassez de água que devem decorrer os problemas mais graves, envolvendo, principalmente, países que compartilham o acesso e o aproveitamento desse recurso.” Apesar desse quadro se apresentar como uma realidade apenas para alguns poucos países do planeta, particularmente no Oriente Médio, Ásia Central e África, ele poderá ganhar novas dimensões ao se considerar as projeções de crescimento da população mundial, apresentadas anteriormente, associada principalmente aos problemas ambientais decorrentes do aquecimento global. Considerando que nas últimas seis décadas a população mundial mais que dobrou, enquanto que o consumo de água cresceu sete vezes, estima-se que cerca de 70% da população mundial poderá vir a enfrentar uma escassez crônica de água em um futuro próximo, caracterizando o cenário supracitado, o que trará danos sem precedentes para a humanidade. As causas desse aumento no consumo, na escala apresentada, estão diretamente ligadas ao crescimento demográfico, aos desequilíbrios ambientais, a produção de alimentos e ao mau uso desse recurso. Dentro dessa premissa, os países detentores desse recurso natural possuem, perante a comunidade internacional, um maior grau de responsabilidade no que cabe a conservação, exploração e uso do mesmo, sendo por vezes alvo de críticas por parte de organismos internacionais e de organizações não governamentais. Essa situação, associada à visão ampliada de soberania, coloca o Brasil numa situação bastante delicada, no que tange à segurança, pois além de ser um 56 dos maiores produtores de alimentos do mundo, possui consideráveis reservas de recursos hídricos, a saber: aquífero Alter do Chão, parte expressiva do aquífero Guarani (70%) e o Rio Amazonas, dentre outros, que somados respondem por cerca de 13% de toda água doce do planeta. 3.1.4 Segurança do Meio Ambiente [...] 3.4. A questão ambiental permanece como uma das preocupações da humanidade. Países detentores de grande biodiversidade, enormes reservas de recursos naturais e imensas áreas a serem incorporadas ao sistema produtivo podem tornar-se objeto de interesse internacional (BRASIL, 2013a, p. 3). O meio ambiente, além de interagir diretamente com os temas supracitadas, abrange uma gama de assuntos relacionados com a existência de todos os seres vivos, em especial o homem. O aquecimento global tem sido nas últimas décadas um dos assuntos de maior relevância na comunidade internacional. Agendas e protocolos têm norteado as ações políticas de diversos países com relação ao tema, buscando-se com isso uma melhora considerável nas condições de vida na biosfera. A emissão de carbono na atmosfera é considerada a principal causa do fenômeno em tela, que vem provocando mudanças climáticas e catástrofes naturais, prejudicando comunidades em diversas partes do mundo. Ante a essa situação, países desenvolvidos (industrializados) têm sido alvos de críticas, por parte de outras nações, por não cumprirem as metas estabelecidas para a redução na emissão de gases poluentes na atmosfera. Por outro lado, países emergentes, dentre eles o Brasil, vêm sofrendo pressões com relação à preservação das florestas tropicais, tidas em muitos casos como patrimônio da humanidade. Isso ocorre em decorrência principalmente dos desmatamentos e queimadas, que normalmente cedem espaços de mata nativa para a produção de alimentos (criação de gado e agricultura). A floresta amazônica, por suas dimensões e biodiversidade, tem sido o foco dessas pressões, motivando ações governamentais, por parte do Brasil, para regular a exploração sustentável da região em tela. Nesse contexto, a atuação das Forças Armadas, em conjunto com outros órgãos governamentais, bem como o 57 desenvolvimento do SISFRON26, tem contribuído para a redução do desmatamento da região. Segundo Ellis (2012, p. 21)27 “[...] No Brasil, as Forças Armadas também serão cada vez mais utilizadas na defesa dos recursos naturais incluindo [...] a madeira da Amazônia.” Acrescenta Diégues (2011, p. 86) ao elencar a Amazônia como uma área de significado estratégico crítico. “[..] Com seu enorme potencial de riquezas minerais e a maior biodiversidade do planeta, ela tem sido objeto de interesse ou, talvez, fosse mais certo dizer, da cobiça internacional. A baixa densidade demográfica, as enormes distâncias a serem percorridas e a precariedade de seu sistema de transportes, complicam a ocupação racional, o desenvolvimento sustentado e a sua integração ao resto do território brasileiro; dificultam a presença do Estado na região, em especial na faixa de fronteiras com os outros sete países da América do Sul (DIÉGUES, 2012, p. 86). Dentro dessa linha de raciocínio, o governo brasileiro, através da Estratégia Nacional de Defesa (END/2013), elenca a região Amazônica como prioritária para os esforços de defesa. Dessa forma, além de enfatizar e priorizar o desenvolvimento do SISFRON destaca a importância da estratégia da presença com os Pelotões Especiais de Fronteira (PEF), e não descarta a possibilidade de um conflito assimétrico na região, dentro de um quadro de guerra de resistência nacional. 3.1.5 Direitos Humanos A questão dos diretos humanos cresceu de importância, em razão principalmente da atuação da opinião pública junto ao poder político nos mais diversos níveis, interferindo nas políticas de governo e na liberdade de ação do braço armado do estado, quando empregado. Nesse sentido, o ser humano como um todo, independente de nacionalidade, cresceu de importância no jogo político do século XXI, tanto no cenário internacional, como no doméstico dos diversos países, mas especial atenção foi dedicada às minorias étnicas, raciais e religiosas, dentre outras, até então relegadas a um segundo plano. 26 Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteira: Programa do Governo Federal voltado para o monitoramento, processamento de informações e emprego de forças para repelir qualquer ameaça na faixa de fronteira. 27 Perspectivas Latino-Americanas para 2017. Military Review (Set-Out, 2012) 58 No que tange ao ambiente internacional, o foco das ações governamentais e não governamentais foi direcionado, principalmente, para a população civil vítima de conflitos armados, da fome e de catástrofes naturais. Ressalta-se, porém, que a interferência de países e ONGs em questões internas a outras nações têm sido cada vez mais comuns no século em questão, gerando, por vezes, questionamento acerca da autoingerência. Assuntos internos relacionados a minorias étnicas, dentre elas os índios, e a violência policial, por vezes, são tratadas em foros internacionais, interferindo na política interna de determinados países, que buscam sanear esses problemas com ações que futuramente poderão trazer prejuízos à soberania nacional. No Brasil, por exemplo, para se resolver uma das vertentes desse problema, foram demarcadas reservas indígenas em diversas partes do território nacional, sem, contudo, se levar em conta a questão da segurança nacional, pois muitas dessas áreas se encontram em zonas contíguas a outros países, onde da mesma forma são habitadas por índios da mesma etnia. Soma-se a isso o fato de grande parte dessas regiões estarem localizadas sobre importantes reservas minerais e em áreas de rica biodiversidade, como a Amazônia e o pantanal, tornando-se um foco de possíveis tensões num futuro próximo. Fatos portadores de futuro, como a presença atuante de ONGs nessas reservas, bem como o reconhecimento, por parte de atores da comunidade internacional, das “nações indígenas”, desconsiderando a soberania dos países nas quais elas se encontram, corroboram para esse cenário prospectivo de segurança. 3.2 PRINCIPAIS AMEAÇAS [...] 2.2.2 Uma ameaça – concreta (identificável) ou potencial – pode ser definida como a conjunção de atores, estatais ou não, entidades ou forças com intenção e capacidade de realizar ação hostil contra o pa´ís e seus interesses nacionais com possibilidade de causar danos à sociedade e ao patrimônio. Ameaças ao país e a seus interesses nacionais também podem ocorrer na forma de eventos não intencionais, naturais ou provocados pelo homem, como por exemplo: catástrofes climáticas, movimentos descontrolados de pessoas, propagação de epidemias, bem como a 28 interrupção de fluxos de recursos vitais (BRASIL, 2014b, p. 2-1) . [...] 2.2.3 Distante dos principais focos de tensão, a América do Sul mantém um ambiente de cooperação, apesar de persistir um crônico 28 Exército Brasileiro - Manual de Fundamentos EB20-MF-10.102 - Doutrina Militar Terrestre. Brasília, 2014. 59 subdesenvolvimento, com áreas de graves instabilidades, demandas sociais não atendidas e prática comum de ilícitos transnacionais que podem transbordar conflitos em uma região de abundantes recursos naturais, ainda não explorados, motivo de velada cobiça por outros atores globais (BRASIL, 2014b, p. 2-1). O Brasil está inserido no complexo regional da América do Sul, uma das regiões mais seguras do planeta, segundo analistas. O distanciamento das principais áreas de tensão do globo, a ausência de catástrofes naturais de vulto, bem como a ausência de disputas acentuadas por questões territoriais contribuem para esse panorama de paz. Hoje os focos de tensão mundial estão vinculados, primordialmente, ao domínio das reservas de minerais energéticos e a expansão do terrorismo internacional. Daí decorre outras questões relacionadas, principalmente, aos direitos humanos, insurgências, proliferação de armas de destruição em massa, etc. Dentro dessa perspectiva, nada impede que futuramente a América do Sul venha a se tornar um foco de tensão mundial, quer seja pela projeção política do Brasil no cenário internacional, tendo que se posicionar de maneira mais efetiva ante as questões relacionadas ao terrorismo internacional; quer seja pela exploração de petróleo no pré-sal, ou até mesmo pelo domínio de consideráveis reservas de água potável. Ademais, a história política da região mostra uma ocorrência considerável de conflitos, se comparada a outras partes do mundo. Além dos conflitos externos entre estados, ocorreram inúmeros conflitos interno (irregulares), de natureza políticoideológico, em que os estados tiveram que combater forças de guerrilha, que se utilizavam muitas das vezes de técnicas e táticas terroristas para tentar impor a ideologia comunista. Contrariamente ao senso comum, as estatísticas de que Mares faz uso dão conta que, entre 1945 e 1997, a América Latina foi palco de três guerras interestatais (duas na América do Sul e uma na América Central). Esse número é maior, por exemplo, do que o registrado na África (duas), Nordeste 29 da Ásia (uma) e América do Norte (nenhuma) (ALSINA, 2009, p. 180). É com base nessa constatação que Mares procura comprovar sua tese de que predominaria na América Latina uma “paz violenta”. Entre 1884 e 1993, teriam havido 237 episódios de disputas interestatais militarizadas (DIMs) na região – 110 na América Central e 127 na América do Sul. No período que 29 O poder militar como instrumento da política externa brasileira contemporânea. Revista Brasileira de Política Internacional. Nr. 52. 2009. 60 vai de 1980 a 1997, correspondente ao retorno da democracia à maioria dos Estados latino-americanos, teriam ocorridos 52 DIMs – sendo 16 deas, ocorridos depois de 1990, se deram entre díades democracia/democracia. Se esses dados estiverem corretos, poder-se-ia afirmar que o subcontinente sul-americano não é tão pacífico quanto a resultante de uma análise baseada na dicotomia guerra/paz quer fazer crer (ALSINA, 2009, p. 180). Ainda no quaro das ameaças, os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos da América, evidenciaram ao mundo profundas mudanças no modus operand das células terroristas internacionais, que passaram a atuar em rede, realizando atentados com extrema destreza e elevado poder de destruição em qualquer parte do mundo, fazendo com que a audiência nos meios de comunicações, pautada na destruição e no sofrimento de pessoas inocentes, paralisasse o poder de estados constituídos. Assim, o terrorismo clássico, de matizes político-ideológico, deu lugar ao terrorismo extremista religioso. Não obstante a tudo isso, verifica-se, ainda, o surgimento de ameaças híbridas, resultantes da mescla de organizações criminosas transnacionais (OCT) com forças de guerrilha, cartéis ligados ao tráfico internacional de drogas e com o crime organizado presentes nos grandes centros urbanos que possuem conexões internacionais. Em decorrência dessa ligação, a expertise do combate irregular e das táticas e técnicas terroristas, peculiar às forças de guerrilha, foram disseminadas aos narcotraficantes atuantes nas grandes cidades, que passaram a se utilizar de tais artifícios para influenciar nas decisões dos estados. No que tange às catástrofes naturais de grande vulto, consideradas também no escopo das ameaças, o Subcontinente Sul-americano possui um grau de segurança elevado, pois se encontra totalmente sobre a placa tectônica sulamericana, reduzindo a ocorrência de terremotos. Ademais, sua posição geográfica associada às variações climáticas impede a manifestação de ciclones, tufões e furacões. Por outro lado, as variações climáticas têm se constituído, por vezes uma ameaça aos países da América do Sul, em especial ao Brasil, em razão de sua dimensão territorial. Ocorrência de enchentes e falta de água em algumas regiões tem preocupado os governos da região, que vêm empregando cada vez mais suas forças armadas em ações subsidiárias. 61 Dentro dessa ideia, sem descuidar das tradicionais Hipóteses de Emprego, serão apresentadas algumas ameaças que poderão se concretizar, em curto prazo, no subcontinente sul-americano, prejudicando o equilíbrio da região. 3.2.1 Terrorismo Transnacional Contemporâneo (TTC) O terrorismo constitui-se em uma das principais ameaças do século XXI, quer seja por sua utilização com um fim em si mesmo, quando dotado conotação político ou religiosa, como é o caso, respectivamente, das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) e de grupos terroristas extremistas de origem islâmica, como o Hezbollah, o Hamas e a Al-Qaeda, quer seja por sua utilização apenas como uma tática com fins de desmoralizar o poder estatal constituído, como é o caso de ações perpetradas por grupos criminosos organizados nos grandes centros urbanos do Brasil. A globalização provocou grandes transformações nas estruturas terroristas tradicionais, que em função do desenvolvimento científico-tecnológico na área das telecomunicações e informática, passaram a atuar em rede, facilitando suas ações no que cabe ao financiamento, às comunicações, a propaganda, os planejamentos, recrutamento, a logística, dentre outras. Em função disso, houve uma articulação do terrorismo extremista religioso a nível mundial, proporcionando uma divisão internacional do trabalho terrorista. Assim, países foram organizados em três grupos de acordo com as necessidades dessas organizações, quais sejam: países alvos, países palcos e países base. Os países alvos são àqueles cuja ação terrorista em si visa atingir, já os países palcos são aqueles em que são executadas as ações cinéticas, com vistas a atingir os primeiros e os países bases são àqueles onde são realizadas as atividades de suporte à ação principal (treinamento, logística, homizio, reconhecimento, dentre outras). O Brasil vivenciou ações terroristas, com um enfoque doméstico nas décadas de 1960 e 1970, desencadeadas por grupos subversivos de matizes políticoideológico de extrema esquerda, que buscavam a tomada do poder com a finalidade de implantar no País o regime comunista. Studart (2006, p. 13) acrescenta que a Aliança Libertadora Nacional, ALN, liderada por Carlos Marighela utilizou-se do terrorismo como um meio de ação 62 armada de propaganda para intimidar o regime vigente. Destaca, ainda, o atentado, a bomba, ocorrido no aeroporto de Guararapes (Recife/PE) em 1965, que veio a provocar a morte de duas pessoas. Dentro desse contexto, basta se fazer uma análise simplória no Mini Manual do Guerrilheiro Urbano, 1969, de Carlos Marighella (1911-1969), para ver a importância que o movimento dava às ações terroristas, no caso em questão, como uma técnica e tática utilizada por esses grupos. Hoje, ser violento ou um terrorista é uma qualidade que enobrece qualquer pessoa honrada, porque é um ato digno de um revolucionário engajado na luta armada contra a vergonhosa ditadura militar e suas atrocidades. [...] O terrorismo é uma ação, usualmente envolvendo a colocação de uma bomba ou uma bomba de fogo de grande poder destrutivo, o qual é capaz de influir 30 perdas irreparáveis ao inimigo (MARIGHELLA, 1969, p. 1 e 30) Fernando Pinto Cebrian, em seu livro LA GEOGRAFIA Y LA GUERRA, 1985, reforça a ideia de que a guerrilha urbana e o terrorismo estão amplamente ligados, além de reforçar a ideia de que o terrorismo se fez presente no Brasil no período citado, ao fazer referência a Carlos Marighella, no capítulo da obra em questão que trata sobre a guerrilha urbana e o terrorismo. [...] Fenómeno que también se produce, con esquema similar, en el Brasil de Carlos Marighela (1911-1969), con la apoyatura para la guerrilla rural (que quedó en meras intenciones) en el triángulo de la guerrilla urbana: Rio-São Paulo-Bello Horizonte (<<Triángulo de la sustentación estatal brasileña>>).[...] Guerrilla urbano-terrorismo y la guerrilla rural, que relacionadas de una forma u otra, atendiendo a las características geográfico-topográficas de un país, aparecen también em otros lugares (CEBRIAN, 1985, p. 130) Cebrian (1985, p. 130) destaca, ainda, que a guerrilha urbana-terrorista se fez presente em diversos países da América do Sul nas décadas de 1960, 1970 e 1980, dentre os quais: - México: Movimento Armado Revolucionário (esquerda) – caráter urbano; - Guatemala: Forças Armadas Revolucionárias FAR (esquerda) e Mão Branca (direita) – ambas com caráter urbano e rural; - Haiti: Movimento Haitiano de Liberação – caráter rural e urbano; - Perú: Sendero Luminoso – caráter rural, mas realizava ações urbanas; Tupac Amaru (M.R.T.A.) – caráter urbano; 30 Mini-Manual do Guerrilheiro Urbano, 1969. 63 - Nicarágua: Guerrilha Sandinista – caráter rural e urbano; - Venezuela: FALN – caráter rural e urbano; - Uruguai: Tupamaros – caráter urbano com ações rurais; - Argentina: Triple A (direita) e Montoneros (esquerda) – ambas com caráter rural e urbano; - Filipinas: Frente de Libertação Nacional Moro (FLNM) e Novo Exército do Povo (NPA) – caráter rural com ramificações urbanas. Nesse viés, cabe destacar outras organizações que se encontram atuantes na América do Sul, dentre elas, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) – caráter urbano e rural, consideradas pelo governo daquele país e por outros, como uma organização terrorista; o Exército do Povo Paraguaio (EPP) – caráter urbano e rural, surgido em 2008, considerado pelo Governo Paraguaio como uma organização terrorista; e o Partido Comunista do Perú – Sendero Luminoso (PCP-SL), considerado por alguns países como uma organização terrorista. Especial atenção deve ser dada a esses últimos grupos em função de suas áreas de atuação (regiões que fazem fronteira com o Brasil), do emprego de TTP terroristas (sequestros, assassinato seletivos, assaltos, emprego de artefatos explosivos, etc) e da conexão com Organizações Criminosas existentes no Brasil. Apesar de a distância se constituir em um fator facilitador às ações terroristas, ameaças como o Hezbollah, o Hamas e a Al-Qaeda devem ser consideradas no contexto de América do Sul e Brasil, dado o caráter transnacional dessas organizações, basta recordar dos trágicos atentados terroristas perpetrados pelo Hezbollah em territórios argentino em 1992 e 1994 contra a Embaixada de Israel e a Associação Comercial Israelense. Atualmente, o terrorismo internacional tem possibilidade de utilizar o Brasil como um “país base”, dada a permeabilidade de suas fronteiras, ao elevado índice de corrupção nas diversas instituições, a existência de organizações criminosas transnacionais, dentre outro fatores. Por outra parte, poderá vir a ser utilizado como um “país palco”, em razão da realização de grandes eventos com participação de considerável número de nacionais de países relacionados com alvos pelas organizações terroristas internacionais. Não obstante ao já citado, não se deve descartar a possibilidade de o Brasil, num futuro próximo, vir a ser considerado como um “país alvo”, em decorrência de sua estatura político-econômica no cenário internacional, e principalmente da sua 64 busca por um assento permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). 3.2.2 Organizações Criminosas Transnacionais (OCT) e o Crime Organizado As organizações criminosas transnacionais passaram a se estruturar e articular no mundo após a Guerra Fria, fruto dos avanços tecnológicos, da globalização do sistema financeiro, da permeabilidade das fronteiras nacionais, dentre outros aspectos. Suas atividades estão relacionadas, basicamente ao tráfico internacional de drogas ilícitas e de armas, movimentando anualmente vultosas quantias de dinheiro. Segundo Diégues (2011, p. 80) os “negócios” do tráfico de drogas, armas e pessoas viriam a alcançar, conforme estimado pela ONU, cerca de 1 trilhão de dólares anuais. Em decorrência disso, os estados nacionais têm se organizado de forma a executar medidas eficazes no sentido de combater tais ilícitos, quer seja na área administrativa, exercendo um melhor controle das transações financeiras e no fisco, alimentando sistemas de inteligência; quer na área operacional, combatendo em território nacional essas organizações criminosas, a corrupção nos órgãos governamentais e instituições, dentre outras ações. A ação integrada das agências estatais, nacionais e internacionais, tem impactado os cartéis da droga naquilo que lhes são mais importantes, nos lucros. Diante disso, estes, para se manterem na atividade criminosa, vêm atuando diretamente contra esses governos, impetrando ações terroristas seletivas contra elementos do judiciário e até mesmo do legislativo, com o objetivo de intimidar o poder constituído. Em outros casos, vêm realizando alianças com grupos guerrilheiros, localizados em países periféricos, como é o caso da Colômbia, onde a narcoguerrilha desenvolvida pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) passaram a controlar parte daquele país. Somam-se a isso, questões ainda mais graves, como o que vem ocorrendo no México onde há indícios de que as OCT estejam fomentando insurgências com o intuito de influenciar nas decisões de estado. 65 NOS ÚLTIMOS ANOS, autoridades governamentais e jornalistas norteamericanos têm comparado a violência das Organizações Criminosas Transnacionais (OCT) no México às táticas terroristas empregadas pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), sugerindo que elas estariam conduzindo uma “insurgência”.[...] As OCT mexicanas são, com efeito, insurgências comerciais, concebidas para influenciar os elementos do poder nacional a fim de gerar renda com o tráfico de drogas ilícitas, em vez de contorná-los ou obter o controle político do país (MARTINEZ, 2012, 31 p.84) No Brasil, há indícios de que organizações criminosas atuantes nas grandes cidades vêm estabelecendo ligações com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). A prisão do traficante Luis Fernando da Costa, o “Fernandinho Beira-Mar”, na Colômbia em 2001, quando negociava a troca de armamentos por cocaína é um fato que confirma tais ligações. Além da articulação com o grupo guerrilheiro em questão, o traficante em questão afirmou, naquela oportunidade, à Revista Isto É, que: “ninguém chega no lugar onde estou na hierarquia do crime sem contar com a conivência e a proteção de autoridades. Isso custa muito dinheiro”32, denotando uma possível corrupção na estrutura do poder constituído. Não obstante a tudo isso, tem se verificado no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte a crescente ocorrência de ações orquestradas pelo crime organizado, utilizando técnicas e táticas terroristas, causando grande terror junto à população civil (opinião pública), com o intuito de interferir nas ações de estado desfechadas contra essas organizações. Além do terrorismo indiscriminado, direcionado aos eleitores dos grandes centros, tem se verificado o aumento das ações retaliatórias contra policiais militares e civis (em serviço ou de folga), evidenciando algo aproximado ao terrorismo seletivo. O domínio dessas táticas e técnicas, associado ao elevado poder de fogo dessas organizações criminosas tem colocado os Órgãos de Segurança Pública (OSP) em uma situação delicada, resultando, com certa frequência, no emprego das Forças Armadas na segurança pública, em operações que possuem características de um combate irregular ou de uma Guerra de Quarta Geração. Um exemplo marcante desse tipo de emprego foi a atuação do Exército Brasileiro, em novembro de 2010, quando das operações de combate ao crime 31 Organizações Criminosas Transnacionais: A Insurgência Comercial do México. Military Review, 2012. 32 Os segredos de Beira-Mar. ISTOÉ independente. Ed. Nº 1648. Disponível em: www.istoe.com.br. 66 organizado (narcotráfico) no complexo do alemão, no Rio de Janeiro. Faz-se mister destacar que, por ocasião das operações, foram utilizadas técnicas e princípios adotados nas operações contraguerrilhas, dentre as técnicas: o controle de quarteirão e o vasculhamento, preconizadas nas Instruções Provisórias Operações Contraguerrilhas (IP 31-16). Uma das estratégias do governo brasileiro para reduzir o poder de fogo do crime organizado tem sido o aumento do controle nas regiões de fronteira, com a realização de operações interagências, envolvendo o Ministério da Defesa e o da Justiça, além de outros órgãos federais, estaduais e municipais. Tais operações têm contribuído para reduzir a criminalidade nessas regiões, o tráfico internacional de drogas e armas e os crimes de descaminho. Por outra parte, o emprego demasiado em operações tipo polícia tem prejudicado o adestramento das Forças Armadas, em especial, do Exército, em operações convencionais de defesa externa. 3.2.3 Violência Extremista nos Grandes Centros A violência extremista tem sido uma marca registrada dos movimentos reivindicatórios, de ordem social, da “era do conhecimento”. No Brasil, os grandes centros tem sido palco de reivindicações sociais de toda ordem. Ademais, a violência desmedida empreendida contra os órgãos de segurança e o patrimônio (público e privado) por grupos organizados, com objetivos escusos, e manifestantes, tem obrigado esses órgãos a atuarem de forma mais violenta, colocando a opinião pública contra o poder coercitivo do estado. Por outro lado, observa-se a ampla utilização, por parte desses grupos, de Táticas e Técnicas de Procedimento (TTP) peculiar da guerra irregular. A “propaganda armada”, através das redes sociais, tem sido outro instrumento utilizado por esses grupos para causar a paralisia do estado e descrédito nos organismos policiais e no poder constituído, contribuindo com o aumento da violência. A utilização do anonimato, proporcionado pelo emprego de máscaras, camisetas ou tiras de panos no rosto tem dificultado a ação policial no sentido de identificar e responsabilizar essas pessoas pelos danos causados, aumentando a impunidade. Soma-se a isso, a facilidade com que essas pessoas se misturam à 67 população civil que comparece a esses eventos para manifestar-se de forma pacífica. As causas dos movimentos sociais nas grandes cidades têm sido relacionadas, basicamente, à mobilidade urbana, saúde, justiça social e moradia, dentre outras, mas questões menores, como o aumento nas tarifas dos transportes públicos, uma pane em uma composição do metrô ou uma ação policial isolada, têm se transformado em ações violentas de grandes proporções. Não obstante a isso, tem-se verificado ações, supostamente provocadas, com o intuito de causar a desordem pública. Nesse contexto, há que se destacar alguns trechos da obra de Robert Taber, A Teoria e Prática da Guerrilha, em que podem sinalizar, de alguma maneira, como verdadeira a retórica clássica da história. O guerrilheiro é, antes do mais, um propagandista, um agitador, um disseminador de idéias revolucionárias, que usa a própria luta – o confronto físico – como instrumento de agitação. O seu objectivo central é a elevação do nível de maturidade revolucionária e, consequentemente de participação popular, até ao ponto crítico em que a revolução se generalize a todo país e as massas populares cumpram sua tarefa final – a destruição da ordem existente e (com frequência, se bem que nem sempre) do exército que a defende (TABER, 1965, p. 23). Na situação revolucionária potencial, podem esperar-se insurreições espontâneas; é provável que sejam provocadas por qualquer tipo de conflito social – uma greve, uma campanha eleitoral, uma disputa sobre terras, salários, preços, rendas ou escolas, ou outro dos muitos <<problemas>> sociais que possam ocorrer. Frequentemente tais insurreições surgirão como resposta a algum acto de repressão ou injustiça – real ou imaginário – por parte das autoridades governamentais, como sucede, por exemplo, quando esforços da polícia para dominar uma manifestação popular a convertem num motim (TABER, 1965, p. 217). Ainda sobre o modo de atuação do guerrilheiro, Taber (1965, p.23), explica que este pode se dar o luxo de combater e se retirar com grandes probabilidades de sucesso, pois pode dispersar-se e esconder-se quando a segurança o exigir. Em situações extremas poderá diluir-se no meio da população pacífica, que considera como um vasto mar, para utilizar a expressão de Mao Tsé-tung de que a guerrilha nada como peixes na água. Por fim, verifica-se que os movimentos sociais urbanos vêm aumentando a cada dia tornando-se um terreno fértil para grupos e pessoas (organizados), mal intencionados, que buscam a paralisia do estado e a desmoralização do poder coercitivo do mesmo com fins ainda pouco delineados. Nesse sentido, há que se 68 preparar e organizar forças federais capazes de intervir nos estados da federação com o objetivo de garantir a lei e a ordem. 3.2.4 Catástrofes Naturais [...] as Forças militares continuarão a desempenhar um importante papel em resposta aos terremotos, furacões, enchentes e outros desastres naturais, em função de sua capacidade única para promover os serviços necessários rapidamente e em larga escala, como evacuação, entrega de suprimentos, prestação de serviços médicos, busca e resgate e manutenção da ordem pública (ELLIS, 2012, p. 21). Apesar de na América do Sul não ser comum a ocorrência de catástrofes naturais de grandes proporções, como já citado, existe uma preocupação por parte dos governos nacionais com relação aos efeitos causados pelas alterações climáticas, tais como a mudança nos regimes de chuvas, o derretimento excessivo da neve acumulada na Cordilheira dos Andes, as ondas de calor nos grandes centros, dentre outros. Esses efeitos por vezes provocam enchentes de grandes proporções, causando destruição e desabrigando milhares de pessoas. Por outro lado, têm provocado secas intensas em outras regiões do continente, afetando a saúde e o desenvolvimento econômico dessas áreas. Por vezes, as Forças Armadas dos países Sul-americanos vêm sendo empregadas, dada suas capacidades materiais, nessas situações para minimizar os danos à população e ao bem público. No Brasil, verifica-se com frequência o emprego das Forças Armadas, sob o tema de operações subsidiárias, na Região Norte do País, Sudeste e Sul por ocasião dos períodos prolongados de chuvas, e no semiárido nordestino, em função dos grandes períodos de estiagem. Atualmente, a 2ª Subchefia do Comando de Operações Terrestres (COTer), alinhada com a Estratégia Nacional de Defesa, está desenvolvendo o Subprojeto de Força de Ajuda Humanitária, no sentido de se preparar uma tropa valor Batalhão por C Mil A para atuar em cooperação com a Defesa Civil dos estados da federação e municípios, no ambiente interno, e com estruturas de Defesa Civil de Nações Amigas, no ambiente externo, frente a catástrofes naturais ou provocadas pelo homem. 69 3.2.5 Insurgências Governments can be overthrown in a number of ways. An unplanned, spontaneous explosion of popular will, for example, might result in a revolution like that in France in 1789. At another extreme is the coup d’etat, where a small group of plotters replace state leaders with little support from the people at large. Insurgencies generally fall between these two extremes. They seek to achieve one of two goals: to overthrow the social order and relocate power within a single state, or to break away from state control and from an autonomous entity or ungoverned space that they can control. Insurgency is typically a from of internal war, one that occurs primarily within a state, not between states, and one that contains at least some elements of 33 civil war (USA Army, 2006, p.1-2) . Martinez (2012, p. 85), esclarece que, segundo consta do Field Manual (FM) 3-24 Counterinsurgency, “[...] O vocábulo insurgência é definido como um movimento organizado, que tem como objetivo derrubar um governo constituído, por meio da subversão e do conflito armado.” Os movimentos de insurgências têm sido muito comuns no mundo nesse início de século e, mais uma vez, o fim da Guerra Fria é grande catalisador dessa nova tendência. Isso se deve, principalmente, ao vazio de poder nos países que durante anos estiveram sobre a esfera de influência dos Estados Unidos da América (EUA) e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Os países do Leste Europeu foram os grandes precursores desse tipo de movimento, ao buscarem autonomia da antiga potência comunista. Segundo Martinez (2012, p. 85) a insurgência possui duas grandes vertentes que se diferem quanto ao objetivo político. A primeira tem por objetivo suplantar sistemas políticos existentes. Nela se enquadram quatro tipos de insurgências a anarquista, a igualitária, a tradicionalista e a pluralista. Já a segunda, não busca total poder político dentro de seus respectivos países. Neste grupo estão as insurgências separatistas, reformistas, preservacionistas e comercialistas. - As insurgências anarquistas pregam a desordem total e a ilegitimidade do poder constituído; - As insurgências igualitárias buscam um sistema político centralizado que transforme de maneira radical a estrutura social, buscando uma distribuição equitativa de recursos; 33 US Army - Field Manual MF 3-24 – Counterinsurgency. Washington, DC, 2006. 70 - As insurgências tradicionalistas lutam pela volta de um “status quo” político anteriormente vivido, uma “era de ouro” ou a um sistema de valores religiosos; - As insurgências pluralistas têm por objetivo estabelecer democracias liberais, dentro dos valores ocidentais; - As insurgências separatistas buscam retirar-se de seu Estado-Nação para seguirem um destino independente ou aderir a outro Estado. - As insurgências reformistas se utilizam da violência para provocar mudanças no governo, com o objetivo de criar uma distribuição mais equilibrada do poder político e econômico; - As insurgências preservacionistas fazem uso da violência contra pessoas ou grupos que estejam buscando efetuar qualquer tipo de mudança ou reforma na estrutura político-econômica; - As insurgências comercialistas fazem o uso da violência direcionada ao governo instituído para auferirem ganho financeiro. Observa-se, portanto, que as insurgências abrangem uma temática de causas bastante ampla, e englobam uma variedade de atores, desde os cidadãos comuns, irmanados, na busca de seus direitos constitucionais; ao narcotraficante, que afronta o poder do estado para garantir seus lucros. Segundo Martinez (2012, p. 86), diversos tipos abordagens são utilizadas para promover uma insurgência tais como: de conspiração, de foco militar, urbana, guerra popular prolongada, de foco identificado, dentre outras. Ainda segundo o manual em questão, existem cinco maneiras de mobilizar o apoio popular, que é o principal aspecto numa luta pelo controle político com a finalidade de se ter legitimidade; quais sejam: a persuasão, a coerção, reação aos abusos, apoio externo e motivações apolíticas. Recentemente, outros movimentos de caráter separatistas ocorreram no continente Sul-americano, sem, contudo, suplantar a esfera política. No Brasil, nas décadas de 1980 e 1990, surgiu o movimento “O Sul é o Meu País”, que buscava a autonomia dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo. Na Bolívia, em 2006, o governador do Departamento de Santa Cruz liderou um movimento separatista que tinha por objetivo tornar independente a parte mais industrializada daquele país, a região conhecida como “meia lua”. Em ambos os casos a causa não foi aceita pela maioria da população e não teve apoio externo. 71 Dentro desse estudo, há que se considerar, porém, a questão das “nações indígenas” abordadas no subtítulo Diretos Humanos, do presente trabalho. A demarcação de reservas indígenas em áreas contíguas, entre o Brasil e países limítrofes, poderá futuramente facilitar a ocorrência de insurgências, motivadas por atores externos, interessados nas riquezas minerais e na biodiversidade presentes nessas áreas. Soma-se a isso, o fato de considerável número de Organizações Não Governamentais de diversos países estarem atuando nessas áreas. 3.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS [...] 2.4.Para efeito da Política Nacional de Defesa são adotados os seguintes conceitos: I – Segurança é a condição que permite ao País preservar sua soberania e integridade territorial, promovendo seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças, e garantir aos cidadãos é o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase no campo militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas (BRASIL, 2013a, p. 2). Ao retomar o conceito de segurança descrito na Política Nacional de Defesa, 2013, e confrontá-lo com as questões estudadas no presente capítulo, chega-se a conclusão num primeiro momento, que apesar de o Brasil se encontrar em uma das regiões mais seguras do globo, existem questões latentes que poderão, num futuro próximo, ameaçar a segurança nacional. A escassez, no âmbito mundial, dos minerais estratégicos, de água, de alimentos, dentre outros, poderá levar algumas potencias globais a intervirem em países que possuam tais recursos, valendo-se de pretextos humanitários, como foi exemplificado durante o estudo, com a finalidade de manterem seus níveis de crescimento e desenvolvimento. Por outro lado, o terrorismo internacional, considerando-se a divisão internacional do trabalho terrorista, poderá vir a eleger o Brasil como um “país palco” para suas ações em razão da gama de eventos internacionais que se avizinham, como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016; e até mesmo como “país alvo”, em face da projeção política e econômica que o País vem galgando nos últimos anos, que se torna mais evidente quando se trata da disputa por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. 72 Não menos importante que os aspectos já citados, a Amazônia poderá vir a ser foco de tensões e conflitos, dado sua biodiversidade e riquezas minerais ainda não exploradas. Ademais, a questão da demarcação de terras indígenas em áreas contíguas, entre dois ou mais países, poderá vir a ser a origem primária de uma insurgência de cunho separatista, apoiada por agentes externos, com interesse nos recursos existentes nessas áreas e utilizando-se de pretextos humanitários. O presidente Obama, quando recebeu o Prêmio Nobel da Paz, em 2009, não escondeu que seu desafio era “reconciliar duas verdades aparentemente inconciliáveis – a de que a guerra é ocasionalmente necessária e a de que a guerra é em certo nível a expressão de sentimentos humanos”. Afirmou acreditar que todas as nações – “fortes e fracas igualmente” – deveriam aderir a padrões que orientem o uso da força, e ele, como qualquer outro chefe de estado, se reservava“ o direito da agir unilateralmente, se necessário, para defender minha nação” e que “there Will be times when nations - acting individually or in concert – Will find the use of force not only necessary but morally justified”. E, entre essas situações, citou a necessidade de intervenção “para impedir o massacre de civis por seu próprio governo, ou deter uma guerra civil cuja violência e cujo sofrimento se espalhem por toda uma região”. “I belive that force can be justified on humanitarian grounds, as it was in the Balkans, or in the places that have been scarred by war”, acentuou o president Obama (BANDEIRA, 2013, p. 207). Destaca-se ainda nesse quadro, o crescimento das organizações criminosas transnacionais, atuando cada vez mais em rede e exercendo grande influência na área política e financeira dos países em que atuam. Por outro lado crime organizado e a violência extremista presentes nos grandes centros do País vêm causando, por vezes, a paralisia do estado constituído e desmoralização dos órgãos de segurança pública. Num Segundo momento, verifica-se que o emprego das Forças Armadas em ações humanitárias tem aumentado consideravelmente, contribuindo para a redução de sua capacidade operacional para emprego na defesa da pátria. Por fim, observa-se que as ameaças apresentadas, em quase toda sua totalidade, apresentam características comuns no que tange ao emprego de Táticas e Técnicas de Procedimento (TTP) presentes apenas no escopo de ações terroristas e de combates irregulares. Nesse sentido, crescem de importância a organização, o preparo e o emprego de forças capazes de atuar, de maneira proativa, no combate assimétrico de quarta geração e em operações contra forças irregulares, frente a atores internacionais, ou mesmo domésticos. 73 4 ORGANIZAÇÃO, PREPARO E EMPREGO DA FORÇA TERRESTRE O primeiro, o mais importante, o ato de apreciação mais decisivo que um homem de Estado ou um comandante-chefe executa, consiste, pois, na apreciação correta do tipo de guerra que leva a efeito, a fim de não tomá-la por aquilo que não é e não querer fazer dela aquilo que a natureza das circunstâncias lhe impede que seja. Eis, portanto, a primeira e a mais vasta 34 de todas as questões estratégicas (CLAUSEWITZ, 1832, p.29) . [...] a ação militar representa apenas uma parcela – nesse caso, decisiva por sua simples ameaça potencial – em um conjunto complexo, realizando diversas ações políticas, psicológicas e diplomáticas. A ação militar por si só é tornada possível pela constituição de forças suficientes (linha Siegfried, Luftwaffe, divisões Panzer) em uma fase preliminar de preparação que presume prazos e recursos financeiros suficientes, e também uma opinião 35 pública favorável (BEAUFRE, 1968, p. 111) . A organização, o preparo e o emprego de forças, no contexto do século XXI, constituem-se em um dos maiores desafios para os governantes e chefes militares. Observa-se, porém, que a preocupação com relação a esse assunto remonta a outras épocas. Estrategistas militares, pertencentes a outras gerações de guerras, como Clausewitz e Beaufre36, já abordavam questões relacionadas às ameaças, às ações políticas, à constituição de forças, aos recursos financeiros e à opinião pública, fatores de suma importância na análise desse assunto. A grande diferença, no entanto, é que há época desses pensadores da arte da guerra, as ameaças eram, quase sempre, bem definidas, o que determinava um planejamento em cima de hipóteses de emprego bem definidas, o que repercutia na elaboração de uma doutrina própria e, por conseguinte, na organização, preparo e emprego das forças militares. Hoje, entretanto, a preparação de forças militares eficazes sofre a interferência de outros fatores muitos deles intangíveis e facilmente manipuláveis pela mídia, tais como: nível de ambição política, percepção da ameaça, conhecimento de causa, a natureza idealista/pacifista, opinião pública, ressentimentos políticos-ideológicos, dentre outros. São esses fatores que, 34 Da Guerra. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2010. Estratégia da Ação: O procedimento político e militar na era nuclear. 1. ed. Rio de Janeiro: Bloch Editores, 1970. 36 Militar e estrategista francês, nasceu em Neuilly-sur-Siene (1902). Foi o grande defensor da independência nuclear francesa. 35 74 normalmente, contribuem para o aporte de recursos financeiros que é destinado à organização, ao preparo e emprego do braço armado do estado. Dentro dessa perspectiva, as políticas e estratégias nacionais, relacionadas ao campo militar, têm apontado para um judicioso emprego do poder de combate, levando-se em conta a atuação no amplo espectro dos combates, as novas ameaças, o emprego conjunto, a natureza dual dos meios e o planejamento por capacidades, sem, contudo, descuidar das hipóteses de emprego. Essa tendência tem se afirmado como forma de dar uma satisfação à sociedade brasileira da importância das Forças Armadas como instrumento de defesa, de projeção de poder no cenário internacional e de apoio à sociedade; além de justificar os gastos do governo com defesa e, por conseguinte, a manutenção dessas Forças. Em decorrência disso, a organização do poder militar passou a pautar-se por princípios que condicionassem às novas demandas de emprego à realidade nacional, premente de recursos nos demais campos do poder. Assim, conceitos como elasticidade, modularidade, sustentabilidade, adaptabilidade e flexibilidade, cresceram de importância na organização do poder militar. Esses conceitos conjugados com o desenvolvimento ou geração de capacidades, com as hipóteses de emprego e com a sistemática de emprego de forças baseada no monitoramento, processamento e atuação, vêm ao encontro do que se preconiza como o que existe de mais atual para a organização, preparo e emprego do poder militar. Assim, forças com efetivos reduzidos, altamente móveis, baseadas em estruturas modulares leves, dotadas de alta tecnologia, melhor adestradas, com elevado rendimento, aptas a operarem de forma conjunta e/ou combinada, no ambiente interagência, empregando os mais diversos meios e nos mais variados ambientes operacionais (nacionais e internacionais), passaram a nortear a estruturação dos exércitos da “era do conhecimento”. 75 4.1 PLANEJAMENTO BASEADO EM HIPÓTESES DE EMPREGO Segundo (BRASIL, 2009, p. 41)37 “[...] Hipótese de Emprego: é a antevisão de possível emprego das Forças Armadas em determinada situação ou área de interesse estratégico para a Defesa Nacional.” O planejamento por hipóteses norteou por muito tempo, de maneira isolada, a organização, o preparo e o emprego do Exército Brasileiro, contribuindo para a elaboração de doutrinas próprias para emprego nos diversos ambientes operacionais. Por outro lado, determinou a articulação de forças, bem como sua natureza, nos diversos rincões do Brasil para fazer frente às ameaças elencadas por ocasião do planejamento no nível político e estratégico. Nesse tipo planejamento, o conhecimento da ameaça, do seu o poder, bem como de sua localização, possibilitava o delineamento do espaço da batalha, dos prazos e do tipo de guerra a ser desencadeado. Assim, crescia de importância o Poder Relativo de Combate (PRC), ou seja, a superioridade de meios no sentido mais amplo. Em função disso, o módulo básico de emprego da Força Terrestre era a Divisão de Exército, composta por até cinco Brigadas de naturezas distintas, mais elementos de apoio ao combate e de apoio logístico todos com estruturas fixas. Dentro dessa concepção, efetivos foram deslocados, quartéis foram construídos, materiais de defesa foram desenvolvidos e/ou adquiridos, recursos foram alocados, dentre outras ações, tudo com a finalidade de se desenvolver capacidades pré-concebidas com base nessas hipóteses. Essa situação acabou por contribuir, em alguns casos, na organização de estruturas militares “pesadas” e com limitada mobilidade tática, típicas da Guerra Industrial, além de influenciar de sobremaneira na instrução e no adestramento do Exército. Há que se levar em conta, também, que o planejamento de emprego conjunto das Forças Armadas era insipiente, o que conduzia cada Força a planejar, executar e coordenar suas ações segundo princípios e doutrinas próprias, sem haver uma sinergia perfeita dos meios militares presentes no espaço de batalha, acarretando duplicidade nas ações e emprego demasiado de meios. Além disso, a concentração de forças e de meios militares, segundo essa concepção, contribuiu para o desenvolvimento econômico de diversas regiões do 37 Manual Básico (volume III): Método para o Planejamento Estratégico/ESG. Rio de janeiro, 2009. 76 Brasil, quer seja movimentando a economia local, quer servindo como núcleo base de povoamentos, em função da segurança e infraestruturas proporcionadas por essas forças. Essa concepção de emprego das Forças Armadas visava principalmente dissuadir qualquer ameaça através da presença (poder de combate). Hoje, porém, em decorrência dos acordos e alianças políticas, tanto no espaço regional, como no internacional, em consonância com o sentimento de segurança coletiva, as hipóteses de emprego vêm perdendo sua importância, particularmente na esfera política, enquanto elemento caracterizador de uma ameaça, interferindo substancialmente na articulação, no preparo e emprego do meio militar. Por outro lado, o Planejamento Baseado em Capacidades (PBC) vem sendo implementado em diversos países com o objetivo de se manter forças prontas para fazer frente aos desafios e incertezas do Séc XXI. 4.2 PLANEJAMENTO BASEADO EM CAPACIDADES (PBC) A Política Nacional de defesa (PND) e a Estratégia Nacional de defesa (END) constituem marcos legais que orientam a organização e a modernização do instrumento militar brasileiro, bem como seu preparo e emprego, de forma condizente com a estatura político-estratégica do Brasil. Esses documentos definem a postura estratégica dissuasória adotada pelo País, que prima por uma política ativa de diplomacia voltada para a paz e o desenvolvimento, para a manutenção da relação de amizade e cooperação com os países vizinhos e com a comunidade internacional, baseada na confiança e no respeito mútuos. Em conformidade com as diretrizes legais, as forças Armadas brasileiras se estruturam em torno de capacidades e não em função 38 de inimigos (BRASIL, 2012a, p. 53) . [...] as distintas características fisiográficas do território nacional, que impõem condicionantes, nos níveis estratégico, operacional e tático, à geração de capacidades que visam ao emprego dos elementos da F Ter; 39 (BRASIL, 2014c, p. 2-3) . [...] Nesse ambiente de incertezas, o EB deve gerar forças com base no planejamento baseado em capacidades (PBC). Cada capacidade, adequada para fazer frente às ameaças visualizadas no estudo dos cenários prospectivos, deve atender a todos os seus fatores determinantes – Doutrina, Organização (e processos), Adestramento, Material, Educação, Pessoal e Infraestrutura (DOAMEPI) (BRASIL, 2014c, p. 7-5). O Planejamento Baseado em Capacidades surgiu da necessidade de se adequar o poder militar às incertezas da “era do conhecimento”, e à natureza dos 38 Brasil - Livro Branco da Defesa Nacional (LBN), 2012. Exército Brasileiro - Manual de Fundamentos EB20-MF-10.101 – O Exército Brasileiro. Brasília, 2014. 39 77 conflitos atuais (de quarta geração), evidenciada em diversas ocasiões nesse início de século e já apresentadas neste trabalho. Diferentemente do preconizado no planejamento por hipóteses, o planejamento por capacidades busca contrapor-se a um número variado de ameaças multifacetadas, dentro de cenários prospectivos, demandando a organização, o preparo e emprego de forças “leves” e flexíveis, dotadas de mobilidade tática40 e estratégica41, capazes de atuar de forma conjunta ou combinada, e se for necessário, projetar poder. Para isso, torna-se imprescindível possuir determinadas capacidades completas, desde já, e desenvolver outras, a medida que eventos portadores de futuro vão caracterizando um determinado cenário elencado no plano político e estratégico, que demande o emprego do poder militar. Assim, diversamente, do previsto no planejamento por hipóteses, o Poder Relativo de Combate (PRC) cedeu espaço às manobras estratégicas, dotadas de grande mobilidade e precisão, onde a surpresa é o principal fator do desequilíbrio de forças. Essa nova concepção de emprego está calcada em três pilares fundamentais, quais sejam: no amplo emprego de sensores de alta tecnologia, no processamento oportuno das informações e no emprego imediato do poder militar (atuadores), a fim de repelir a ameaça considerada (BRASIL, 2013b, p. 2). Nesse sentido, cresce de importância o emprego de escalões menores, altamente adestrados, dotados de materiais e equipamentos com alto grau de tecnologia embarcada, além de possuírem elevada mobilidade tática e estratégica. Para corroborar com essa tendência, a Estratégia Nacional de Defesa preconiza uma reestruturação do Exército em “módulo brigada”, que será o módulo básico de combate da Força Terrestre. Ademais, verifica-se a importância em se possuir capacidades militares/ capacidades completas para fazer frente às demandas de segurança e defesa préconcebidas nos níveis político e estratégico, ou seja, capacidades que atendam a um ou mais temas operativos, dentro do amplo espectro dos combates. Neste caso, estariam enquadradas, prioritariamente, às hipóteses de emprego mais prováveis. Assim, essas capacidades estariam alinhadas com a política de estado e mais direcionadas para uma estratégia direta e indireta. 40 41 Aptidão que uma força dispõe para chegar rapidamente a uma região em conflito (END 2013). Aptidão que uma força dispõe para mover-se dentro de uma região em conflito (END 2013). 78 CAPACIDADE MILITAR – Conceito aplicado no nível estratégico que representa a aptidão de uma Força Armada para executar as operações que lhe cabem como instrumento da expressão militar do poder nacional. É obtida mediante a combinação de soluções organizacionais que integram as áreas de doutrina, organização, adestramento, material, educação, pessoal e infraestrutura. [...] No processo para definir as capacidades requeridas consideram-se, basicamente, as conjunturas nacional e internacional, as potenciais ameaças ao país e o grau de risco associado a essas ameaças 42 (BRASIL. Exército Brasileiro, 2013) . Um dos exemplos históricos da perfeita sincronia entre Planejamento Baseado em Hipóteses de Emprego e o Planejamento Baseado em Capacidades se deu na Alemanha, na primeira metade do Séc XIX, entre a I GM e a IIGM, quando aquele país, que cercado por inimigos em várias de suas frentes (França, Polônia e Tchecoslováquia), teve seu exército fixado em 100.000 homens, pelo Tratado de Versalhes43. Nesse quadro, a implementação dos blindados, no Exército Alemão, por Hainz Guderian, acrescentou grande flexibilidade e poder de combate (manobra) às tropas alemãs, que combinado o emprego destes com a Infantaria, Artilharia e Engenharia teriam condições de aplicar um duro golpe aos seus inimigos. Germany still faced her usual problem of having potential enemies on widely separated fronts. It was possible that she might become involved in a war with France and Poland or with France and Czechoslovakia. In the 1920s the size of the German Army was fixed by the Treaty of Versailles at a mere 100,000 men […] One way of doing this might be to employ a mobile operational reserve which could strike a hard blow on one front and them move rapidly to mount a counter-attack on the other. Motor transport would confer much greater flexibility on such a reserve then railways ever could 44 (GUDERIAN, 1992, p. 9). De outra maneira, observa-se o emprego das Forças Armadas em proveito de ações de governo, dada sua gama de meios, prontidão de recursos humanos, articulação a nível nacional, estrutura logística e de comando e controle próprias (modulares e móveis), dentre outras. Nesse escopo, as capacidades teriam um aspecto mais técnico, vinculada aos meios disponíveis e capacidade de operação destes, a exemplo do emprego de aeronaves e viaturas no resgate de vítimas de enchentes em diversas regiões do Brasil. Nesse contexto enquadram-se, também, as capacidades operativas. 42 Palestra do Centro de Doutrina do Exército (C Dout Ex) ministrada aos Alunos do CCEM/ECEME (1º Ano) em junho de 2013. 43 Tratado de Paz assinado, em 1919, pelos vencedores da I GM, criando uma série de determinações que visavam enfraquecer e desmilitarizar a Alemanha. 44 Achtung-Panzer! London: Arms & Armour Press, 1992. 79 CAPACIDADE OPERATIVA: capacidade específica de uma unidade/elemento que integra uma Força, orientada para a obtenção de um efeito estratégico, operacional ou tático (BRASIL. Exército Brasileiro, 2013). Nesse viés, verifica-se o princípio da dualidade, onde equipamentos e meios tipicamente militares, são empregados em proveito da sociedade como um todo, em situações de não guerra, em função de suas características. Esse tipo de emprego tem sido cada vez maior, possibilitando a aquisição de novos equipamentos (de emprego dual) para a Força Terrestre, e o adestramento técnico de determinadas unidades, a exemplo das unidades de engenharia que têm recebido pontes modulares para emprego em caso de catástrofes e em atividades militares. Assim, têm-se duas abordagens para o aspecto capacidade, uma mais ampla, próxima da arte, quando dela resulta a geração do poder de combate, englobando todos os seus fatores determinantes; e outra, num sentido mais restrito, mais técnico, fruto da qual se obtém uma competência para a realização de uma determinada tarefa crítica, empregando meios de emprego dual. Segundo BRASIL (2014b, p. 3-3) para se gerar capacidades completas devem ser atendidos os seguintes fatores determinantes: doutrina, organização, adestramento, material, educação, pessoal e infraestrutura. Esses fatores, alinhados com as hipóteses de emprego, passaram orientar a organização, preparo e emprego da Força Terrestre. Operacionalidade: é a capacidade que uma OM operacional ou GU adquire para atuar como um todo integrado, a fim de cumprir as missões previstas em sua base doutrinária e inerentes à sua natureza e escalão, para as quais foi organizada, dotada de pessoal, instruída, adestrada e equipada. A operacionalidade da F Ter é um dos fatores fundamentais para a Estratégia 45 da Dissuasão (BRASIL, 2012b, p. 1-3) . Por fim, a geração de capacidades deve possibilitar a operacionalidade da Força, como fator fundamental na estratégia da dissuasão, conforme consta de BRASIL (2012b). De outra forma, deverá estar alinhada com a PND e END, pois PBC não substitui as tradicionais hipóteses de emprego. Há que se cuidar, ainda, com o emprego demasiado de forças constituídas em atividades subsidiárias, de pouca visibilidade para o Exército (pouca comoção nacional), em que o fator humanitário esteja em um segundo plano; pois seria um 45 Exército Brasileiro - Sistema de Instrução Militar do Exército Brasileiro. 2. Ed. (Portaria nº 009 – COTer, de 19 Dez 2011). 80 preço muito alto ser pago com a falta de preparo e adestramento Exército no contexto das ameaças contemporâneas vistas anteriormente. 4.3 DOUTRINA A doutrina estabelece como a Força deve executar o preparo de seus meios, considerando o modo de emprego mais provável, quando estiver integrando uma Força em operações conjuntas (BRASIL. Exército Brasileiro, 2013). As doutrinas militares compreendem o conjunto harmônico de ideias e de entendimentos que define, ordena, distingue e qualifica as atividades de organização, preparo e emprego das Forças Armadas (FA). Dentro dessa visão, as doutrinas militares englobam a administração, a organização e o funcionamento das instituições militares. [...] A Doutrina Militar de Defesa é parte da doutrina militar brasileira que aborda as normas gerais da organização, do preparo e do emprego das FA, quando empenhadas em atividades relacionadas com a defesa do país. Seus assuntos relacionam-se diretamente com a garantia da soberania e da integridade territorial e patrimonial do país, e ainda com o respeito aos interesses nacionais (BRASIL, 2014b, p. 1-1). [...] A Doutrina Militar Terrestre (DMT) é o conjunto de valores, fundamentos, conceitos, concepções, táticas, técnicas, normas e procedimentos da F Ter, estabelecido com a finalidade de orientar a Força no preparo de seus meios, considerando o modo de emprego mais provável, em operações terrestres e conjuntas. A DMT estabelece um enquadramento comum para ser empregado por seus quadros como referência na solução de problemas militares (BRASIL, 2014b, p. 1-2). A Doutrina Militar, com base nas Hipóteses de Emprego e ameaças levantadas no nível político e estratégico, determina a maneira pela qual as Forças Armadas (FA) devem se preparar e atuar para se contrapor a possíveis investidas dos inimigos (conhecido e/ou potencial). Destarte, está diretamente vinculada à organização, ao preparo e emprego dessas Forças, determinando sua organização, natureza e forma de combater. Se por um lado ela relaciona-se com a Hipótese de Emprego (HE), orientando a melhor maneira de solucionar os problemas militares advindos dessas, por outro, impõe à Força o desenvolvimento de capacidades críticas, necessárias a efetiva solução desses problemas, realimentando, dessa forma, o sistema de doutrina com novas necessidades e soluções doutrinárias. A doutrina não deve constituir-se em um conjunto de normas fixas, mas numa orientação de como se deve agir para solucionar problemas militares. Segundo o Estado Maior do Exército, deve-se estimular a iniciativa e as soluções criativas, 81 orientando como pensar – não o que pensar. Essa linha de raciocínio torna-se bastante oportuna quando a associamos aos conflitos assimétricos de quarta geração, onde as Táticas e Técnicas de Procedimento (TTP) de guerra irregular se transformam com frequência no desenrolar das operações. Dessa maneira, a doutrina, apoiada em experiências acumuladas, preconiza a organização de estruturas com características de Flexibilidade, Adaptabilidade, Modularidade, Elasticidade e Sustentabilidade (FAMES), o que permite a Força acompanhar as frequentes transformações no modus operandi do inimigo e obter resultados decisivos nas operações militares, através da prontidão operativa e da capacidade de emprego do poder militar de forma gradual e proporcional à ameaça. [...] FLEXIBILIDADE [...] Característica de uma força que dispõe de estruturas com mínima rigidez preestabelecida, o que possibilita sua adequação às especificidades de cada situação de emprego considerado os fatores da decisão. [...] A flexibilidade faculta ao comandante um número maior de opções para reorganizar os elementos de combate em estruturas temporárias, com o adequado suporte logístico, desde a fração elementar até a GU. [...] ADAPTABILIDADE [...] Característica de uma força ou do comandante e integrantes dessa força que lhes permite ajustarem-se à constante evolução da situação e do ambiente operacional e adotarem soluções mais adequadas aos problemas militares que se lhes apresentam. [...] Também, esta característica possibilita uma rápida adaptação às mudanças nas condicionantes que determinam a seleção e a forma como os meios serão empregados, em qualquer faixa do espectro do conflito, nas situações de guerra e não guerra. [...] MODULARIDADE [...] Característica de um elemento de combate que lhe confere a condição de, a partir de uma estrutura básica mínima, receber módulos que ampliem seu poder de combate ou lhe agreguem capacidades. [...] Também se refere à divisão de um sistema em componentes, denominados módulos, que são nomeados separadamente e que guardam características comuns, podendo operar de forma independente em relação a esse sistema. [...] A modularidade está diretamente relacionada ao conceito de elasticidade. Ela faculta aos comandantes adotar estruturas de combate “sob medida” para cada situação de emprego. [...] ELASTICIDADE [...] Característica de uma força que, dispondo de adequadas estruturas de Comando e Controle e de Logística, lhe permite variar o poder de combate pelo acréscimo ou supressão de estruturas, com oportunidade. [...] SUSTENTABILIDADE [...] Característica de uma força que lhe permite durar na ação, pelo prazo que se fizer necessária, mantendo suas capacidades operativas, resistindo às oscilações do combate (BRASIL, 2014b, p. 6-13). Por fim, verifica-se que a doutrina atua na Força como um elemento aglutinador, aproximando, em tempo de paz, a arte da guerra das estruturas militares de defesa, através do adestramento baseado nas Hipóteses de Emprego; ao mesmo tempo em que atua como um elemento catalisador, acelerando o desenvolvimento de capacidades de defesa e movendo a força através de novas organizações, do preparo contínuo e do emprego. 82 4.4 ORGANIZAÇÃO A Força Terrestre (F Ter) é aparelhada a partir de estruturas organizacionais constituídas por Organizações Militares (OM). Estas possuem caráter permanente e são fundamentadas segundo um Quadro de Organização (QO), composto de uma Base Doutrinária, um Quadro de Cargos (QC) e de um Quadro de Dotação de Material (QDM). Ademais, são estruturadas para facilitar o desenvolvimento de capacidades necessárias ao cumprimento das diversas missões inerentes ao Exército Brasileiro. Essas estruturas favorecem a coesão interna e a unidade de esforços, a primeira mediante o convívio, o adestramento e o cumprimento de missões; já a segunda pela liderança dos comandantes em todos os níveis e pelo perfeito entendimento da missão e de sua finalidade por parte dos de todos, desenvolvendo a sinergia no âmbito da equipe. A Base Doutrinária, formulada a partir das possibilidades de emprego mais prováveis, determina a natureza da OM, sua organização em termos de pessoal e material, bem como suas missões básicas dentro dos diversos temas operativos, para os quais deverá estar sempre preparada, através da instrução e do adestramento. Corrobora com isso BRASIL (2014b, p. 6-7) “[...] A concepção estratégica de emprego e o ambiente operacional indicam a natureza, a organização e o material de dotação dos elementos de combate da F Ter.” Partindo-se dessa premissa, verifica-se que fatores relacionados à geração de capacidades estão diretamente ligados a estrutura organização de uma força, dentre eles, a questão de pessoal, liderança, material, processos, estruturas, dentre outros. Por outro lado, a organização pode ser vista como uma componente da operacionalidade, quando se trata de estruturas organizacionais. Segundo BRASIL (2013b, p. 12), o Exército Brasileiro deverá estar apto a cumprir sua destinação constitucional (na paz e na guerra), segundo os conceitos estratégicos de flexibilidade e elasticidade. A flexibilidade relativiza o contraste entre o conflito convencional e o conflito não convencional: reivindica, para as forças convencionais, alguns atributos de força não convencional, e firma a supremacia e da imaginação sobre o mero acúmulo de meios materiais e humanos. Por isso mesmo, rejeita a tentação de ver na alta tecnologia, alternativa ao combate, assumindo-a como um reforço da capacidade operacional. Insiste no papel da surpresa. 83 Transforma a incerteza em solução, em vez de encará-la como problema. Combina as defesas meditadas com os ataques fulminantes (BRASIL, 46 2013b, p. 13) . Dentro dessa concepção, as brigadas serão reestruturadas em módulos (módulo brigada), passando a ser o elemento básico de combate da Força Terrestre, vindo ao encontro das necessidades operativas preconizadas no amplo espectro dos combates, onde o emprego descentralizado e simultâneo de forças cada vez menores, nos mais diversos temas operativos, vem se tornando cada vez mais comum. Há que se considerar, porém, o alto grau de adestramento dessas forças, sua mobilidade e o seu equipamento altamente moderno. Ainda segundo BRASIL (2013b, p. 13), o “módulo brigada” deverá ser a base para a transformação de todo Exército em vanguarda, com a prioridade sobre a estratégia da presença. Nesse sentido, o Estado-Maior do Exército visualizou três tipos de Grandes Unidades (GU) - valor brigada, dotadas das capacidades necessárias para atuar na área estratégica para qual tenha vocação prioritária, de acordo com as Hipóteses de Emprego (HE): [...] GU Leves - Brigada de Infantaria de Selva, Brigada de Infantaria Leve, Brigada de Infantaria Leve (Aeromóvel), Brigada de Infantaria Leve (Montanha) e Brigada de Infantaria Paraquedista. As GU leves existem em função da necessidade da F Ter dispor de elementos dotados de acentuada flexibilidade e capacidade operativa, em condições de deslocar-se e atuar com rapidez e eficiência em qualquer parte do território nacional e operar no amplo espectro dos conflitos. São as tropas mais aptas à execução de operações de assalto aeromóvel, à realização de ações de Defesa externa em todas as partes do território nacional e, ainda, atuar em Operações de Apoio a Órgãos Governamentais (OAOG). [...] GU Médias – Brigada de Infantaria Mecanizada e Brigada de Cavalaria Mecanizada. As GU médias são dotadas de plataformas veiculares de rodas com relativa proteção blindada, sendo vocacionadas para Operações no Amplo Espectro, particularmente na solução de conflitos armados ou guerra. As Brigadas de Cavalaria Mecanizada são as mais aptas para as tarefas de Reconhecimento, Vigilância e Segurança. [...] GU Pesadas – são as Brigadas Blindadas, constituídas pelas unidades de regimentos de cavalaria blindados e batalhões de infantaria blindados. Como força potente e altamente móvel, são as GU da F Ter mais aptas ao emprego no extremo do espectro dos conflitos, como o elemento de decisão do combate terrestre. Sua missão é cerrar sobre o inimigo, a fim de destruí-lo ou neutralizá-lo, utilizando o fogo, a manobra, ação de choque e proteção blindada. São aptas para as ações ofensivas altamente móveis e com grande profundidade (BRASIL, 2014b, p. 6-6) Para se efetivar a estratégia da presença e melhor aproveitar as capacidades completas disponíveis, o Estado-Maior do Exército visualiza a articulação dessas 46 Brasil - Estratégia Nacional de Defesa (END), 2013. 84 Grandes Unidades (GU), no Território Nacional, em cinco grupamentos, considerando as HE e as ameaças reais e potenciais, as dimensões continentais e os diversos ambientes operacionais, que demandam tropas de naturezas especiais. - Força de Atuação Estratégica (FAE) - Força de Ação Rápida Regional (FAR) - Força de Fronteira (F Fron) - Força de Expedicionária (F Expd) - Força de Emprego Geral (F Empr G) Nesse viés, cabe mais uma vez considerar o exemplo da Alemanha no período do “entre guerras”, época em que o Poder Relativo de Combate (PRC) era fator primordial na estratégia da dissuasão. Naquela época o País em tela, que tem uma área de 357.112 km2 (12 km2 menor que o Estado do Mato Grosso do Sul) e era cercado por poderosos inimigos, possuía um exército de 100.000 homens, regulado pelo Tratado de Versalhes, oportunidade em que foi implementado o emprego dos blindados, como forma de se atuar estrategicamente ante as ameaças em presença, que eram bem definidas e convencionais. O Brasil, que possui uma área que corresponde a aproximadamente 24 (vinte e quatro) “alemanhas”, conta atualmente com um Exército de aproximadamente 190.000 homens47, para fazer frente às ameaças irregulares do Séc XXI, atuar como elemento base na estratégia da dissuasão frente às ameaças tradicionais, projetar poder e apoiar os órgãos governamentais em ações subsidiárias e de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Tal situação só vem a demonstrar a importância que tem a articulação dessas forças no Território Nacional, segundo a concepção do “Módulo-Brigada”, sua organização e preparo, bem como a necessidade de se dispor de capacidades estratégicas relacionadas ao Comando e Controle, Inteligência, Sensoriamento, Mobilidade, de Guerra Irregular, dentre outras, pois a dissuasão pautada no PRC tem grande valor apenas para as ameaças convencionais tradicionais, o maior exemplo nesse sentido foram os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, no EUA. 47 Dado extraído do Almanaque Abril 2012. 85 Verifica-se que, com base no estudo das ameaças, no Capítulo 3, deste trabalho, se dispor de ter tropas organizadas, preparadas e adestradas para atuarem no ambiente irregular assimétrico é uma necessidade premente no momento atual. No que se refere à questão de pessoal, parte considerável do Exército é composta por militares profissionais e temporários. Os profissionais das armas são àqueles oriundos de escolas de formação, dentre elas a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) e Escola de Sargentos das Armas (EsSA); já os temporários das armas são os oriundos dos Centros de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR) e Núcleos de Preparação de Oficiais da Reserva (NPOR), bem como as praças engajadas (núcleo base) e recrutas (efetivo variável) provenientes do Serviço Militar Obrigatório. Esses militares são distribuídos dentro dos Quadros de Cargos (QC) das OM do Exército. Esse quadro, integrante do QO, divide-se em dois outros quadros, o Quadro de Cargos Previstos (QCP) e o Quadro Complementar (QC). O primeiro destina-se aos militares profissionais e temporários do núcleo base, enquanto que o segundo destina-se aos militares convocados em caso de mobilização. Este quadro é ocupado anualmente pelos recrutas convocados para o Serviço Militar Inicial, o Efetivo Variável (EV). Assim, uma parte considerável do efetivo de praças do Exército é composta por militares do efetivo variável, àqueles recrutados anualmente, no âmbito da sociedade brasileira, através do Serviço Militar Obrigatório, em consonância com a Lei do Serviço Militar e seu Regulamento, com o objetivo maior de se compor uma reserva mobilizável. Além desse objetivo, a Política Nacional de Defesa destaca a importância do Serviço Militar Obrigatório no desenvolvimento de uma mentalidade de defesa no seio da sociedade brasileira. A base da defesa nacional é a identificação da Nação com as Forças Armadas e das Forças Armadas com a nação. Tal identificação exige que a Nação compreenda serem indispensáveis as causas do desenvolvimento e da defesa. O Serviço Militar Obrigatório é essencial para a garantia da defesa nacional. Por isso será mantido e reforçado. [...] No Exército, respeitada a necessidade de especialistas, e ressalvadas as imposições operacionais das Forças de Emprego Estratégico, a maioria do efetivo de soldados deverá ser recrutas do Serviço Militar Obrigatório (BRASIL, 2013b, p. 24). Nesse sentido, cresce de importância o processo de seleção dos reservistas, principalmente no que cabe ao grau de escolaridade, higidez física e mental, e 86 formação moral, capacidade analítica, dentre outros atributos; pois desse universo sairão os sargentos temporários, cabos e soldados do efetivo profissional que assumirão funções críticas no amplo espectro dos combates do século XXI, cuja falta de preparo poderá comprometer estrategicamente o sucesso das operações. Stringer (2010, p. 2), apoiando-se no artigo “The Strategic Corporal: Leadership in the Three Block War” (O Cabo Estratégico: Liderança na Guerra de Três Quadra), do general Charles C. Krulak, do Unitedes States Marine Corps, afirma que as interações interculturais e interagências nas operações de estabilidade e de contrainsurgência, atuais e futuras, caberão cada vez mais aos líderes de pequenas frações, interferindo diretamente no sucesso das operações com relevância nos níveis operacional e estratégico. Ainda com relação ao pessoal, segundo BRASIL (2013b, p. 13) todas as brigadas das Forças de Ação Estratégicas (FAE) devem possuir recursos humanos motivados e com efetiva capacitação operativa, peculiares da Brigada de Operações Especiais. Soma-se a isso a importância que vem sendo dada pelo Alto Comando do Exército no recompletamento dos efetivos dessas Grandes Unidades, priorizando a movimentação de oficiais, subtenentes e sargentos de carreira. A manutenção de efetivos completos, com certeza é um fator que impacta positivamente a operacionalidade de uma tropa, mas infinitamente superior a isso é a existência, em todos os níveis de comando, de líderes experimentados, dotados de elevada capacitação técnico-profissional e consciência situacional relacionada aos mais diversos temas, aspectos indispensáveis ao profissional que se prepara para atuar nos ambientes assimétricos contemporâneos. Para corroborar com isso, segundo Stringer (2010, p. 4) “[...] As operações militares do pós-Guerra Fria são extremamente descentralizadas, exigindo que homens e mulheres de todos os níveis em toda a Força exerçam tarefas complexas de liderança e gerenciamento.” A preparação material constitui-se outra vertente de extrema importância na organização de uma Força, pois, ao lado da doutrina e da estrutura organizacional, contribui para a geração do poder de combate. Nesse sentido, cresce de importância os Quadros de Dotação de Materiais (QDM), pois são através destes que são alocados todos os equipamentos e materiais de defesa destinados às Organizações Militares do Exército, considerando sua natureza e base doutrinária. 87 Nesse sentido, diversas ações a nível estratégico e operacional vêm sendo desenvolvidas, no sentido de se adquirir novos materiais de defesa para se reduzir a demanda reprimida, ocasionada pela obsolescência de antigos materiais e pela falta de investimentos, além de contribuir na geração de novas capacidades. O Projeto de Recuperação da Capacidade Operacional da Força (RECOP), um dos sete Projetos Estratégico do Exército Brasileiro, indutores da transformação do Exército para a “Era do Conhecimento”, é um exemplo dessas ações. O RECOP tem por objetivo prioritário o recompletamento dos Quadros de Dotação de Material (QDM) das organizações militares operacionais com equipamentos modernos, dotados de alta tecnologia; além de contribuir no adestramento da tropa, no que tange à aquisição de suprimentos, em especial: munições, combustíveis e lubrificantes. Os Projetos Estratégicos do Exército são: Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SISFRON); Sistema Integrado de Proteção de Estruturas Estratégicas Terrestres (PROTEGER); Defesa Cibernética; Guarani; Defesa Antiaérea, Astros 2020; e Recuperação da Capacidade 48 Operacional da Força (RECOP) (BRASIL. 2012c, p. 10) . O RECOP compõe-se de dezessete projetos integrantes voltados para a aquisição de novas viaturas operacionais, munição, armamentos leves e pesados, embarcações, optrônicos, fardamento e equipamentos individuais, materiais de comunicações, combustíveis e lubrificantes, dentre outros. Além disso, prevê outros projetos direcionados para a manutenção e recuperação de diversos materiais e equipamentos. Outro Projeto Estratégico do Exército que vem a corroborar com uma melhor preparação material da Força é o Projeto Guarani. Esse projeto visa criar uma nova família de blindados sobre rodas para equipar as já conhecidas Unidades de Cavalaria Mecanizada e as novas Unidades de Infantaria Mecanizada, oriundas da evolução da antiga Infantaria Motorizada. O presente projeto, alinhado com a concepção do “módulo brigada”, poderá ser considerado a base material de uma grande transformação na estrutura do Exército. Segundo BRASIL (2012c, p 36), esse projeto vem ao encontro do que se preconiza hoje no mundo, em termos de forças regulares, para atuarem no amplo espectro dos conflitos, ou seja, tropas leves, dotadas de grande mobilidade e com 48 Exército Brasileiro – Projetos Estratégicos. Revista Verde Oliva. Nr. 217 (Nov 2012). 88 relativa proteção blindada. Além disso, as viaturas da família Guarani possuem características que atendem aos critérios da flexibilidade e elasticidade, dentre elas: capacidade anfíbia e de operação noturna, transportabilidade por aeronaves, baixa assinatura térmica e de radar, aviso de detecção por laser, capacidade de navegação por GPS. Uma das principais vulnerabilidades desses projetos reside nos cortes orçamentários e contingenciamentos por parte do governo federal, que acabam por alongar a execução dos mesmos, gerar mudanças em seus escopos, visando adequá-los às novas realidades financeiras, e até mesmo inviabilizá-los em parte, através da eliminação ou transformação de subprojetos ou projetos integrantes. Vulnerabilidades como essa interferem de sobremaneira na instrução e no adestramento da Força, bem como no cumprimento de sua missão constitucional, além disso, prejudica o funcionamento e a manutenção dos materiais de defesa. A Dotação de Munição Anual Reduzida (DMAR) é um exemplo dessa vulnerabilidade. Anualmente, as OM têm recebido uma quantidade de munição aquém da prevista, repercutindo na instrução da tropa e no seu adestramento. Nesse sentido, módulos de tiro, previstos nas Instruções Gerais de Tiro com Armamento do Exército (IGTAEx)49, têm deixado de ser cumpridos na íntegra, como é previsto. A Dotação de Munição Anual (DMA) é a quantidade de munição necessária para a OM desenvolver as atividades de instrução e de adestramento, conforme previsto nas IGTAEx e diretrizes específicas. Ao final do Ano de Instrução, o total da DMA deve ter sido consumida. [...] O COTER, a partir de 2007, em virtude dos baixos níveis dos estoques de munição, emitiu uma Diretriz de Consumo de Munição, estabelecendo alterações nas IGTAEx, necessárias ao ajustamento à DMA. Convencionou-se chamar de DMA Reduzida (DMA-R) o cálculo de munição necessária para cumprir a diretriz supracitada (BRASIL, 2012b, p. 3-12). Por outro lado, a aquisição de materiais de uso dual tem contribuído para o aprimoramento de algumas capacidades que já estavam reduzidas em função da obsolescência dos materiais tipicamente militares. Neste contexto se enquadram basicamente materiais e equipamentos de engenharia, como pontes e viaturas especiais, que foram adquiridos, com verbas extraorçamentárias (de outros 49 Documento de instrução que regula todas as atividades de tiro com armamento do EB, definindo os Módulos de Tiro, as condições de execução e a quantidade de munição a ser empregada por arma e instruendo, considerando a Qualificação Militar (QM) e a função de cada militar. 89 ministérios), para serem empregados de maneira emergencial em catástrofes provocadas pela natureza. Há que se destacar, porém, que o QDM está diretamente ligado à base doutrinária das Organizações Militares (OM), regulando de maneira rígida a distribuição de todo o material de emprego militar por Unidades, Subunidades e Frações, bem como dentro de cada uma das funções previstas no Quadro de Organização (QO). Dessa maneira, os materiais de emprego coletivo são distribuídos às diversas Frações50, a exemplo das metralhadoras pesadas, morteiros e canhões; enquanto que os de emprego individual são partilhados entre os militares, pertencentes a uma determinada OM, de acordo com a sua função exercida no QO, exemplo dos armamentos de uso individual. Outro aspecto a se considerar é o acréscimo de missões à base doutrinária das OM, além daquelas elencadas em seu QO, quando da sua criação, e o crescente emprego em ações subsidiárias de apoio aos órgãos governamentais. Tais atividades por um lado têm propiciado um ganho em termos de materiais, muitos deles não previstos no QDM, mas sob outro enfoque, tem prejudicado o adestramento da tropa, em função do desvio da atividade fim para atuação em áreas afetas a outras instituições, além dos gastos orçamentários com vista a sustentabilidade desses materiais. Por fim, verifica-se que o sucesso nos conflitos da atualidade depende, em parte, da organização de forças modulares e flexíveis, dotadas de grande mobilidade, muito bem equipadas e adestradas. Ademais, da exigência de quadros profissionais altamente especializados, de liderança experimentada, e de uma criteriosa seleção de pessoal temporário, em especial os que prestam o Serviço Militar, pois parte considerável desse efetivo acaba exercendo funções de comando nas pequenas frações, tendo que tomar decisões que, suas consequências, por vezes repercutem nos níveis operacional e estratégico. 50 É a subdivisão básica de uma Unidade Militar (Batalhão/Grupo) apta a receber missões dentro de um quadro tático. Normalmente, recebem o nome de Pelotões e são comandados por um oficial subalterno (Tenente). As Subunidades (Companhias) são compostas por Pelotões/Frações e são comandadas por um oficial intermediário (Capitão). 90 4.5 PREPARO E EMPREGO O preparo da Força está ligado diretamente à sua missão e às suas possibilidades reais de emprego, tanto em situação de guerra, como em situação de não guerra. No primeiro caso, quando a Expressão Militar do Poder Nacional for empregada em toda sua plenitude (explorando a totalidade de suas características); já no segundo, quando essa expressão for empregada de maneira limitada, sem explorar a plenitude de suas características, exceto em casos especiais, onde o poder de combate poderá ser empregado de forma limitada (em situação de normalidade institucional ou não). [...] Cabe ao Exército o preparo da F Ter para cumprir sua missão constitucional da defesa da Pátria e da garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem. Além disso, a F Ter deve cumprir as atribuições subsidiárias gerais previstas na legislação complementar, que são: cooperar com o desenvolvimento nacional e com a defesa Civil, bem como apoiar a política externa do País e participar de operações internacionais de paz e de ajuda humanitária (BRASIL, 2014b, p. 7-1) Segundo o SIPLEx 1, aprovado pela Portaria nº 766 - Cmt Ex, de 7 de dezembro de 2011, a missão do Exército é “Defender a Pátria, Garantir os Poderes Constitucionais, a Lei e a Ordem. Apoiar a Política Exterior do País. Cumprir Atribuições Subsidiárias. [...] Dentre as condicionantes para o cumprimento da Missão do Exército, conforme documento supracitado, o Adestramento - “capaz de transformar homem, tropa e comando - desde os escalões elementares - num conjunto harmônico operativo e determinado no cumprimento de qualquer missão.” é extremamente dependente do ensino profissional no Exército (BRASIL, 2012b, p. 1-1). Dentro dessa perspectiva, a Força Terrestre (F Ter) deverá estar em condições de atuar no amplo espectro dos conflitos (em situação de guerra e de não guerra), fazendo frente a uma gama de ameaças, algumas delas elencadas no capítulo anterior, além de contribuir com o desenvolvimento nacional e, quando for o caso, atuar em apoio à defesa civil e aos órgãos de segurança pública (quando da comprovada ineficiência destes), dentre outras, como operações internacionais de paz e ajuda humanitária. Há que se considerar, portanto, nesse viés, a natureza dos conflitos assimétricos de quarta geração, o Terrorismo Transnacional Contemporâneo, as Organizações Criminosas Transnacionais (OCT), o Crime Organizado, a violência extremista, de cunho social, presente nos grandes centros do País, as insurgências, o extremismo religioso, dentre outros. 91 Não obstante a tudo isso, mas distantes na linha temporal ou na possibilidade de ocorrência, estão presentes as tradicionais hipóteses de emprego, a ameaça ao pré-sal, a luta por recursos hídricos e alimentos, a biopirataria, a busca por recursos minerais estratégicos, além da presença estrangeira em áreas de vazio de poder, onde os interesses internacionais mostram-se convergentes, como é o caso das reservas indígenas na região amazônica (delimitadas de forma contígua), dentre outras ameaças. Observa-se, porém, que as ameaças constantes do primeiro bloco, bastante comuns nos dias de hoje, possuem características que as aproximam bastante, principalmente no que se refere ao modus operandi. Em todas elas são utilizadas, em maior ou menor escala, Táticas e Técnicas de Procedimentos (TTP) peculiares da guerra irregular (urbana e rural), para as quais a F Ter deverá estar preparada. Assim, cresce de importância o Sistema de Instrução Militar do Exército Brasileiro (SIMEB). O Sistema de Instrução Militar do Exército Brasileiro (SIMEB) é voltado para o adestramento da Força Terrestre como instrumento de combate, para a formação das praças temporárias e para a adaptação de técnicos civis à vida militar. Esse sistema é coordenado pelo Comando de Operações Terrestres (COTER). [...] O Sistema de Instrução Militar do Exército (SIMEB) é o documento de alto nível da atividade de Preparo da Força Terrestre, de caráter normativo e doutrinário, que estabelece os fundamentos e a sistemática da Instrução Individual e do Adestramento (BRASIL, 2012b, p. 12). Ao se analisar a citação acima, levando-se em conta as ameaças estudadas, a missão da F Ter, sua organização e articulação Território Nacional, bem como a necessidade de se manter uma reserva mobilizável compatível, verificar-se a complexidade que é instruir e adestrar uma força, como efetivo instrumento de combate, para desencadear de forma simultânea ou sucessiva, em maior ou menor intensidade, tarefas elencadas nos quatro tipos básicos de operações (Ofensivas, Defensivas, de Pacificação e de Apoio aos Órgãos Governamentais). Somam-se a isso, as dimensões continentais do Brasil, que determinam a manutenção de forças de naturezas peculiares capazes de atuar em diversos ambientes operacionais presentes em seu território (selva, pantanal, caatinga, cerrado, pampas, dentre outros). Nesse contexto, há que se considerar, também, as restrições orçamentárias, que afeta diretamente o preparo da Força, a baixa qualidade do ensino público, que 92 impacta a formação dos sargentos, cabos e soldados temporários, os problemas de ordem social que incorporam à instituição junto com o conscrito, as ações subsidiárias de apoio aos órgãos governamentais que a desviam de sua atividade fim. No que tange aos recursos financeiros, para que sejam alcançados os objetivos de instrução e adestramento, o Comando de Operações Terrestres (COTer) emite, anualmente, o Programa de Instrução Militar (PIM), documento do SIMEB que tem como objetivo orientar o planejamento do ano de instrução, com base na realidade nacional do momento, priorizando o esforço de instrução e adestramento com base no orçamento disponível. Consta também desse Programa a divisão do ano de instrução, os grupamentos de instrução, os níveis a serem atingidos e os módulos de adestramento a serem cumpridos no respectivo ano, dentre outras diretrizes. Segundo BRASIL (2012b, p. 2-1) o ano de instrução dos cabos e soldados é dividido da seguinte maneira: - Instrução Individual Básica (IIB), com 08 (oito) semanas de duração, que tem por finalidade formar o combatente básico, habilitando-o a sobreviver no campo de batalha. Essa instrução é direcionada aos recrutas que incorporam à instituição através do Serviço Militar Obrigatório; - Instrução Individual de Qualificação (IIQ), com 12 (doze) semanas de duração, tem por finalidade qualificar o soldado recruta, formar o futuro cabo e requalificar os cabos e soldados engajados ou no primeiro reengajamento. Nessa fase, os militares são distribuídos nas diversas funções do QCP e QC da OM, e aprendem a manusear e empregar de forma técnica e tática (com ênfase na primeira) os MEM distribuídos no QDM da OM; - Capacitação Técnica e Tática do Efetivo Profissional (CTTEP): Essa instrução destina-se aos militares do Efetivo Profissional (EP), é desenvolvida de maneira simultânea com as duas primeiras, havendo uma maior flexibilidade por parte da Direção de Instrução, uma vez que parte desse efetivo contribui na formação do recruta e na vida administrativa da OM. Seu objetivo é a manutenção de padrões e a atualização de conhecimentos técnicos, táticos, doutrinários e administrativos; - Adestramento: Esse período divide-se em três fases, o Programa de Adestramento Básico para as Operações de Garantia da Lei e da Ordem (PAB/GLO) 93 com duração de três semanas (02 de instrução e 01 de adestramento), o Período de Adestramento Básico (PAB) e o Programa de Adestramento Avançado (PAA). No adestramento as OM operacionais cumprem os Módulos de Adestramento previstos pelo COTer, de acordo com sua natureza e base doutrinária. O PAB/GLO é desenvolvido antes da IIQ, com o objetivo de se preparar a força o mais cedo possível para atuar em GLO, já o PAB visa adestrar as OM operacionais, suas Subunidades e Frações. Este adestramento é executado pela própria OM. No que se refere ao PAA, este é executado pelos Grandes Comandos, sob coordenação do COTer. O ano de instrução tem em torno de 34 (trinta e quatro) semanas de instrução. Nesse período, são formados os soldados e cabos, que futuramente poderão se candidatar ao Curso de Formação de Sargentos Temporários (CFST), caso cumpram os requisitos previstos na legislação específica. É importante destacar que durante esse período a carga horária instrução sofre alterações em função de operações reais em apoio aos órgãos governamentais (ações subsidiárias). Essas alterações impõem, muitas das vezes, à Direção de Instrução das OM a supressão de Objetivos de Instrução previstos para as diversas fases, provocando lacunas na formação do soldado. Ainda com relação à instrução e ao adestramento da Força, os ProgramasPadrão (PP) constituem-se em instrumentos fundamentais nesse processo, pois além de padronizar a execução da instrução no âmbito do Exército, definem as missões táticas a serem desenvolvidas pelas OM operacionais por ocasião do PAB/GLO, PAB e PAA, elencando os documentos doutrinários necessários à preparação intelectual, ao planejamento e a execução dessas missões. Nesse sentido, todas as atividades de instrução e adestramento das OM do Exército constam, a priori, de um PP específico, considerando suas naturezas (Infantaria, Cavalaria, Artilharia, etc.), o ambiente operacional em que atuam (Selva, Pantanal, Montanha, Catinga, etc.), bem como suas bases doutrinárias elencadas a partir das HE e ameaças mais prováveis. A presente concepção encontra-se alinhada com as estruturas dos exércitos convencionais da “era industrial” (Guerra de Terceira Geração), pós II GM, onde prevaleciam grandes operações ofensivas e defensivas, desencadeadas em fases distintas da manobra. 94 Isso se justifica, porque durante o período da “Guerra Fria” a maioria das ameaças demandava o preparo de forças convencionais dotadas de elevado Poder Relativo de Combate (PRC). Por outro lado, forças menores, de elevado rendimento, altamente adestradas eram instruídas para atuarem na Defesa Interna, em operações contra forças irregulares, o que, de certa maneira, caracterizava uma atuação em amplo espectro, já naquela época. Neste contexto, surgiram as UOPES, SUOPES e PELOPES. Hoje, porém, a situação inverteu-se, pois o combate assimétrico de quarta geração, onde se desenvolve o presente estudo, demandam a organização, o preparo e emprego de forças menores, dotadas de características especiais, para atuarem num ambiente de guerra irregular. Exemplos dessa forma de atuação foram verificados no Iraque, durante a ocupação norte-americana, pós de 2001 (ambiente urbano); no Mali, por ocasião da “Operação Serval”, desenvolvida pela França em 2013 (ambiente rural-urbano); no Afeganistão, durante a “Operação Anaconda” conduzida pelos EUA contra os Talibãs, em março de 2002 (ambiente rural), dentre outras atuações. Nesse contexto, há que se distanciar do viés político em que se deram as operações contra forças irregulares no Brasil (Operações Contraguerrilhas), nas décadas de 1960 e 1970, bem como por ocasião da atuação de tropas brasileiras na Força Interamericana de Paz (FAIBRÁS), na Republica Dominicana, em 1965, e colher com lisura grande parte os ensinamentos técnicos e táticos obtidos naquele período, pois como já foi verificado anteriormente por ocasião desse estudo, parte considerável das ameaças contemporâneas se utilizam de TTP peculiares da guerra irregular. A exemplo disso faz-se necessário destacar que durante a “Operação Anaconda”, realizada no Afeganistão, no período de 04 a 18 de março de 2002, já citada, os EUA, com países aliados e forças afegãs treinadas pelo Exército dos EUA, empregaram uma tática preconizada nas operações contraguerrilhas nas décadas de 1960 e 1970. Essa tática consiste, basicamente, no emprego de duas forças principais, uma força mais estacionária para conter o inimigo em uma posição favorável a sua destruição (bigorna), e outra para atuar ofensivamente com o objetivo de pressionar o inimigo contra a primeira (martelo) – Martelo e Bigorna. 95 Figura 3 - Operação de Martelo e Bigorna Fonte: palestra do US Army na 10ªRM, 2002 Outras manobras e técnicas especiais, peculiares das pequenas frações em operações contra forças irregulares, vêm sendo aplicadas no combate assimétrico, de forma combinada, por escalões maiores (Brigada/Batalhão), dentre elas, as operações de incursão, infiltração, emboscada, dentre outras. Nesse viés, há que se considerar o oponente irregular tanto no contexto de operações convencionais de grande vulto, como numa guerra generalizada contra um ator externo, bem como no contexto de uma operação de pacificação ou até mesmo em Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), num quadro de apoio aos órgãos governamentais. O que delineia esse quadro não são as tendências político-ideológico do momento, mas o as Técnicas e Táticas de Procedimento empreendidas pelo elemento hostil, que demanda respostas efetivas por parte de tropas especializadas em operações contra forças irregulares. Soma-se a isso, a atuação de grupos terroristas como o Hezbollah, no Sul do Líbano, que desenvolveu a expertise de empregar armas convencionais no combate irregular (“O novo emprego de velhas armas.”), potencializando o poder destrutivo dessas forças, sem, contudo assumir a postura de um exército regular; e o Hamas, 96 na Faixa de Gaza, que emprega baterias de foguetes contra Israel, utilizando TTP da guerra irregular. Cabe um adendo, no sentido de que o emprego de armas convencionais de elevado poder de destruição não é algo novo, pois a “Frente Polisario” em sua guerrilha contra o Marrocos já se utilizava dessas técnicas. Fernando Pinto Cebrian em sua obra LA GEOGRAFIA Y LA GUERRA, 1985, transcreve uma notícia da imprensa, veiculada a 23 de maio de 1985 a partir da qual destaca essa forma de atuação. [...] ”Si Marruecos persiste en ocupar nuestra pátria y en continuar su guerra da agresión, nos va a obligar a hacer ló que siempre hemos querido evitar: utilizar otros medios de lucha”, señaló Abdelaziz respectos a una eventual guerrilla urbana. Para Abdelazis, la Yihad o guerra santa islámica es una forma válida para todos aquellos pueblos cuyos derechos son violados.>>” (CEBRIAN, 1985, p. 133). Sobre a citação supracitada, Cebrian destaca: [...] En este caso es, de todas formas, relativo hablar de paso de la guerrilla rural a la urbana, en cuanto que los elementos armados del Frente Polisario se han convertido, prácticamente, en fuerzas <<regulares>>, ante sus procedimientos de combate, médios y armas empleadas (al parecer, cuentan com misiles antiaéreos SAM-6 y Carros de Combate <<T-55>>, de frabricación sovoética) (CEBRIAN, 1985, p. 133) Outros tipos de ameaças contemporâneas, enquadradas no quadro de não guerra, dentre elas o crime organizado, têm exigido o emprego de forças federais no cenário doméstico. Nesse sentido há que considerar o amplo emprego de TTP peculiares da guerra irregular, combinadas com uma meticulosa preparação do “Espaço de batalha”51, ações de interdição e desenvolvimento de campanhas de propaganda por parte dessas organizações, além do uso de armamentos pesados, como metralhadoras antiaéreas, rocket-propelled grenade (RPG) e granadas de bocal, dentre outros. Isso ficou bastante evidente por ocasião da ocupação do “Complexo do Alemão” e da “Penha”, por parte do Exército Brasileiro, em 2010, oportunidade onde se verificou a existência de diversos obstáculos feitos de concreto e trilhos de trem, que eram batidos por fogos diretos a partir de posições fortificadas, segundo a 51 O Espaço de Batalha é, portanto, a dimensão física e virtual onde ocorrem e repercutem os combates, abrangendo as expressões política, econômica, militar, científico-tecnológica e psicossocial do poder, que interagem entre si e entre os beligerantes (BRASIL, 2014a, p. 2-7). 97 doutrina da guerra regular, construções de concreto armado com seteiras. Naquela oportunidade ficou evidente também a preparação de eixos de fuga, utilizando redes pluviais existentes na área, além do pré-posicionamento de armas, drogas e munições, técnicas puramente irregulares. Outras ações menores, mas não menos importantes foram impetrada por essas organizações criminosas com o intuito de causar o terror no meio da população e fragilizar o poder constituído, dentre elas o assassinato de policiais, que guardadas as devidas proporções, nada mais é do que uma forma de terrorismo seletivo; além da destruição, coordenada, de ônibus em vias públicas, ataques a postos policiais dentro de comunidades, ocorrências que impactaram à mídia nacional e internacional. Dessa maneira, verifica-se a mescla de TTP da guerra irregular com técnicas e táticas tipicamente convencionais, características do combate assimétrico de quarta geração, o que demanda forças adequadamente treinadas para atuarem nesse tipo de ambiente. Essa preparação não deve se restringir apenas às tropas, mas também aos Estados-Maiores. Algumas ações, relativas ao preparo e emprego da F Ter, foram tomadas no sentido de ampliar o espectro de atuação da F Ter, face às novas demandas de segurança. Um exemplo nesse sentido é o preparo de forças para atuarem na Garantia da Lei e da Ordem (situação de não guerra). Nesse sentido, foi editado o EB70-PP-11.012 - PROGRAMA-PADRÃO DE INSTRUÇÃO DE QUALIFICAÇÃO DO CABO E DO SOLDADO - INSTRUÇÃO DE GARANTIA DA LEI E DA ORDEM E INSTRUÇÃO COMUM (1ª Ed, 2013), onde constam alguns objetivos de instrução voltados para essa forma de atuação. Verifica-se, porém, que os objetivos de instrução preconizados no presente documento priorizam o preparo da Força para Operações Tipo Polícia, a maioria delas previstas nos antigos manuais de Operações de Defesa Interna, dentre eles as Instruções Provisórias OPERAÇÕES URBANAS DE DEFESA INTERNA (IP 31-17), OPERAÇÕES CONTRAGUERRILHAS (IP 31-16), bem como no relatório “A Experiência do FAIBRÁS na República Dominicana”, 1966. Essa forma de preparo vem sendo ratificada anos a fio por ocasião de operações conduzidas pelo Ministério da Defesa, dentre elas a “Operação Ágata” e “Hiléia-Pátria”, onde as Operações Tipo Polícia vêm se consagrando em função dos protocolos e dispositivos legais. 98 Por outro lado, as Operações de Combate, preconizadas nesses manuais, que na atualidade se enquadrariam mais no quadro das operações de Pacificação, Contra Forças Irregulares ou de Grande Vulto, deixaram de ser exploradas, ocasionando a perda dessa capacidade por parte da F Ter, justo no momento em que ensinamentos, descritos nos manuais em questão, vêm sendo empregados amplamente no combate assimétrico de quarta geração. Algumas ações, porém, têm sido direcionadas no sentido de preparar forças para atuarem no amplo espectro dos combates, priorizando as Operações de Combate em ambiente não convencional, previstas nos antigos manuais. A “Operação Poço Preto”52, executada anualmente pelo 2ª Divisão de Exército, com a participação da Brigada de Infantaria Paraquedista e de elementos da Brigada de Operações Especiais, é um exemplo do emprego de tropas convencionais em ações com características especiais, dentro de um quadro de operações de baixa intensidade, contra forças irregulares. No ano de 2012, o referido adestramento contou com a participação do 3º /3º Grupo de Aviação de Caça, Esquadrão FLEXA (Campo Grande-MS), o que determinou o caráter conjunto da operação e possibilitou o treinamento de Guias Aéreos Avançados (GAA). Além disso, participaram da operação elementos da Polícia Militar de São Paulo (PMSP), evidenciando o caráter interagência do exercício. No que tange aos ensinamentos colhidos por ocasião da operação em questão, realizada em 2012, consta do relatório o seguinte: [...] A atual conjuntura nacional propicia o maior emprego da Força Terrestre em Op tipo polícia, seja em GLO seja em Força de Pacificação sob a égide da ONU, como é o caso da Op ARCANJO, nos conjuntos de favelas da PENHA e do ALEMÃO no RIO DE JANEIRO-RJ e do HAITI. Por outro lado, observa-se que no cenário internacional avultam de importância as operações de combate nível pequenas frações (SU e Pel) em conflitos de amplo espectro em ambiente não-linear. Isto posto, observa-se que as tropas brasileiras estão perdendo, grosso modo, a capacidade de realizar operações de combate de pequenas frações tipo patrulha, reflexo do cenário nacional atual. A Op POÇO PRETO teve por fim, entre outros, recuperar 53 essa capacidade (BRASIL, 2012d, p.13) . 52 Exercício de adestramento, em operações no amplo espectro, conduzido pela 2ª Divisão de Exército. 53 Exército Brasileiro - Relatório da Operação Poço Preto III. 2ª Divisão de Exército, 2012. 99 Nesse escopo, verifica-se que o exercício em tela vem ao encontro do que preconiza a Estratégia Nacional de Defesa, quando da apresentação de suas diretrizes. [...] 7. Unificar e desenvolver as operações conjuntas das três Forças, muito além dos limites impostos pelos protocolos de exercícios conjuntos. [...] 12. Desenvolver o conceito de flexibilidade no combate, para atender aos requisitos de monitoramento/controle, mobilidade e presença. Isso exigirá, sobretudo na Força Terrestre, que as forças convencionais cultivem alguns predicados atribuídos a forças não convencionais (BRASIL, 2013b, p. 3). [...] A conveniência de assegurar que as forças convencionais adquiram predicativos comumente associados a forças não convencionais pode parecer mais evidente no ambiente da selva amazônica. Aplicam-se eles, porém, com igual pertinência, a outras áreas do País. Não é uma adaptação a especificidades geográficas localizadas. É resposta a uma vocação estratégica geral (BRASIL, 2013b, p. 6). As citações acima só vêm a corroborar com o que já foi estudado no quadro das ameaças contemporâneas, principalmente no que se refere às suas técnicas e táticas irregulares. De outro modo duas outras questões chamam a atenção, pois está diretamente relacionada ao preparo e emprego da F Ter, a primeira refere-se à participação do EB em Forças de Paz, sob a égide da Organização das Nações Unidas (ONU), enquanto que a outra se refere à Estratégia da Resistência. No primeiro caso, verifica-se a necessidade de se preparar forças capazes de atuarem em ambientes irregulares, não lineares, pois tem se verificado que as missões de paz da ONU estão sendo cada vez mais voltadas para a imposição da paz do que para a manutenção da paz, o que demanda um emprego maior de força contra o oponente, cada vez mais irregular. Mesmo nas operações de manutenção da paz tem se verificado um emprego maior da força por parte das tropas da ONU, neste caso amparado pelo Capitulo VII da Carta das Nações Unidas. Há que se considerar, nesse viés, a possibilidade do envio de tropas do Exército Brasileiro para atuarem como força de paz no Líbano, uma vez que a Marinha do Brasil já se encontra naquele país integrando a Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL)54. Nesse contexto, especial atenção deve ser 54 A Força Interina das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL) foi criada em 2006 de acordo com a Resolução 1.701/2006 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, em atendimento à solicitação do Governo Libanês. 100 dada ao Hezbollah, que exerce forte influência principalmente na Região Sul daquele país. Com relação ao segundo, a necessidade está relacionada ao preparo e emprego de forças com características não-convencionais. Nesse sentido, cresce de importância ainda mais o domínio das técnicas e táticas irregulares, e mais que isso, a combinação destas com as preconizadas no combate convencional. Uma vantagem a ser explorada com relação ao preparo de tropas para atuar contra forças irregulares é que para se combater é necessário se conhecer as TTP do inimigo. Nesse contexto, o Governo Brasileiro destaca, através da END, a importância de se preparar e manter forças aptas a desencadearem uma guerra assimétrica na Região Amazônica contra um inimigo de poder militar muito superior que, por iniciativa isolada ou através de uma coligação, venha a questionar, sob os mais diversos pretextos, a soberania brasileira sobre a área em questão. Esse objetivo estratégico vem ao encontro das ameaças elencadas no Capítulo 3, em especial no que se referem à Amazônia, às questões indígenas, aos recursos minerais e às questões humanitárias. Ainda com relação ao preparo emprego da F Ter, há que se considerar a ameaça terrorista, tendo em vista que o Brasil poderá vir a ser um “país palco” de ações perpetradas por organizações internacionais por ocasião da realização da Copa do Mundo de Futebol, de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016. Nesse viés há que se ter força para atuar nas ações de contraterror e antiterror. Para as ações de contraterror existem tropas especializadas, dentre elas os Destacamentos de Contraterror da Brigada de Operações Especiais; já para as ações de antiterror, há a necessidade de se preparar tropas para cumprirem as missões decorrentes de tal atividade, preferencialmente formada por elementos profissionais e do NB, previamente selecionados e altamente adestrados, uma vez que em casos extremos, essa força poderá vir a executar ações diretas com o fim de neutralizar uma ameaça. Numa outra vertente, mais direcionada ao emprego, estão as ações subsidiárias e de apoio aos órgãos governamentais, que têm crescido substancialmente nos últimos anos. Essas ações ocorrem, por vezes, de maneira não planejada, impactando o ano de instrução e, por conseguinte, a formação dos soldados. Há que se analisar a visibilidade dessas ações perante a sociedade sob pena de desmotivar a Força, além de prejudicar seu adestramento. 101 Segundo Ellis (2012, p. 20), até 2017 as Forças Armadas latino-americanas serão empregadas cada vez mais em missões de ordem interna, em função das necessidades dos países e da luta por recursos institucionais. Finalizando a presente abordagem, observa-se que o preparo e emprego da F Ter deve estar direcionado para as ameaças contemporâneas (presentes nos ambientes externo e doméstico), num contexto de guerra e de não guerra, sem descuidar de seus modus operandi. Nesse contexto, há que se adestrar tropas para atuar num ambiente de guerra irregular. O Sistema de Instrução Militar do Exército Brasileiro (SIMEB), em função da conjuntura nacional, tem priorizado o preparo e emprego da F Ter em Operações de Garantia da Lei e da Ordem (Tipo Polícia) e operações convencionais, além do que, grande parte dos PP está vocacionada para a guerra de 3ª Geração (Guerra Industrial), sem considerar o amplo espectro dos combates. Soma-se a isso o Sistema de Conscrição que impõe, anualmente, a formação de reservistas para comporem a reserva mobilizável, limitando a quantidade de cabos e soldados do NB nas diversas OM do EB, o que dificulta a manutenção de estruturas operacionais adestradas, umas vez que, parte desses militares atua na vida administrativa dessas OM. Essa situação é agravada pelo fato de o ano de instrução ser composto de 34 (trinta e quatro) semanas, das quais apenas 04 (quatro) são destinadas a preparação do soldado recruta para as operações de GLO sendo, nas demais, priorizado a formação do convencional. Nesse período não são previstas instruções contra forças irregulares, nem técnicas associadas a esses tipos de operações. Não obstante a tudo isso, o Exército Brasileiro adquiriu e desenvolveu, nas décadas de 1960 e 1970, doutrinas de guerra irregular, por ocasião do FAIBRÁS, em Santo Domingo (República Dominicana) – num quadro urbano, e na Guerrilha do Araguaia, em Xambioá – num quadro rural. Hoje, técnicas e táticas, desenvolvidas naquela época, são utilizadas pelos exércitos mais modernos do mundo em ações de contrainsurgência, bem como em operações contra forças irregulares, a exemplo da “Operação Anaconda”. No quadro doméstico, verifica-se, a necessidade de se preparar forças para atuar num cenário irregular, haja vista que organizações criminosas têm se valido de táticas e técnicas irregulares, combinadas com ações regulares, para criarem “zonas liberadas” e desenvolverem livremente suas atividades ilícitas. 102 Reforçando essa ideia, acrescenta Ellis (2012, p.20), ao tratar sobre o papel das Forças Armadas latino-americanas até 2017, “[...] Embora a situação varie dependendo do país, os militares vêm se tornando a principal força para impor o controle estatal sobre territórios dominados por narcotraficantes e grupos paramilitares...” 4.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O emprego da F Ter no ambiente multifacetado, assimétrico e difuso presente nos conflitos contemporâneos, demanda o preparo de estruturas de combate com características de flexibilidade, adaptabilidade, modularidade, elasticidade e sustentabilidade, dotadas de grande mobilidade, cuja base doutrinária abarque as operações elencadas como prioritárias no levantamento das Hipóteses de Emprego e ameaças, considerando o ambiente de guerra e não guerra. Essas estruturas devem ser capazes de atuar de forma conjunta, combinada e em ambientes interagências, com o mínimo de impacto na sua organização, doutrina e forma de preparo. O desenvolvimento de capacidades, associado à aquisição de novas tecnologias, deve permitir o emprego de efetivos cada vez menores segundo a concepção do monitoramento / sensoriamento - processamento – atuação, buscando-se com isso auferir vantagens táticas e surpresa sobre o inimigo. Nesse sentido, o “módulo brigada” veio para corroborar com a transformação da F Ter, no que se refere ao módulo de combate básico, onde serão alocadas as estruturas organizacionais de combate, apoio logístico e apoio ao combate, ou seja as unidades nível Batalhão. Apesar de esses módulos possibilitarem a formação de estruturas variadas segundo sua natureza e/ou vocação de emprego, baseada nas HE, os Batalhões possuem estruturas fixas, menos flexíveis, limitadas pelo seu Quadro de Organização (QO), no qual consta sua Base Doutrinária, o Quadro de Dotação de Material (QDM) e o Quadro de Cargos Previstos (QCP) e o Quadro Complementar (QC), normalmente estruturados segundo a ótica convencional de guerra de terceira geração (guerra industrial). Dessa forma, a flexibilidade requerida nos dias de hoje, que contribui para a adaptabilidade da tropa às rápidas mudanças de cenário, fica prejudicada. Basta se 103 ter em mente que uma determinada tropa ora poderá estar atuando em uma operação ofensiva convencional (situação de guerra) e, em determinado momento, em operações contra forças irregulares (situação de não guerra). Essa simples mudança demandaria, na unidade base, o emprego de novas estruturas, novos equipamentos, armamentos, pessoal selecionado, modus operandi, dentre outras mudanças, que seriam limitadas pelo seu Quadro de Organização (QO). Países de primeiro mundo, dentre eles os EUA e a União Europeia, já estão testando o emprego de estruturas modulares menores que Brigadas, devidamente reforçadas por elementos de apoio logístico, apoio ao combate apoio aéreo e naval, em função das necessidades impostas pela situação. Uma dessas novas concepções de emprego são os BATTLEGROUPS, concebidos na União Europeia nesse início de século para atuarem como uma força de pronta-resposta âmbito regional, ante as possíveis situações de crise e ameaças. Esses grupamentos possuem efetivos que giram em torno de 1500 homens e possuem características de Forças-Tarefas (FT). São organizados a partir unidades de infantaria, reforçados com os elementos de apoio de fogo, engenharia, defesa antiaérea, e apoio logístico necessário, podendo ainda contar com o apoio aéreo, naval e de Forças Especiais. Figura 4 - Estrutura do Battlegroup UE Fonte: Institute for Security Studies. European Union, 2007. 104 Nesse viés, faz-se necessário destacar um trecho do relatório da Operação Poço Preto III, 2012, da 2ª Divisão de Exército, no qual fica evidente a organização de Forças-Tarefas não convencionais para o cumprimento das diversas missões. [...] As frações eram organizadas para o cumprimento da missão sob a forma de Forças-Tarefas (FT), valor SU/Pel, empregando elementos constituintes de todos os sistemas operacionais. A SU, para esse exercício, possuía na sua constituição elementos de manobra (Inf /Cav), apoio de fogo (OA Art), MCP, C2 e Sau, necessários ao cumprimento da missão, o que possibilitou a integração e o fortalecimento dos laços táticos entre as OM constituintes da Grande Unidade, aumentando, assim, a interoperabilidade (BRASIL, 2012d, p. 7). A questão de pessoal constitui-se em outro problema com relação ao preparo de forças modulares de grandes efetivos para atuarem no amplo espectro dos conflitos, pois como já foi verificado, o Sistema de Conscrição, regulado pela Lei do Serviço Militar, determina que um número considerável de OM do EB possuam em seus quadros o efetivo variável, composto por recrutas. O baixo nível educacional, proporcionado pelas escolas públicas, e os problemas de ordem social impactam diretamente o processo de seleção dos conscritos, dificultando a estruturação dessas forças segundo um padrão de uniformidade. Ademais, prejudicam o desenvolvimento da instrução e a formação de cabos e sargentos temporários. Nesse concerto, há que se destacar a importância dos comandantes de pequenas frações no contexto das operações de amplo espectro, onde as decisões tomadas por esses militares, em função de sua repercussão, poderão ganhar proporções estratégicas. A criteriosa seleção do militar e sua correta colocação dentro do sistema contribuem para a sinergia do grupo/equipe, facilitando o gerenciamento e a solução de crises, bem como o desenvolvimento de trabalhos interagência. Nesse sentido, cresce de importância a liderança em todos os níveis de comando. Não menos importante que a situação de pessoal, a base material reveste-se de grande importância no preparo e emprego da F Ter. Com relação a isso, diversos programas vêm sendo desenvolvidos no sentido de reduzir a demanda reprimida por materiais de defesa decorrente da obsolescência e falta de investimentos. Além disso, equipamentos de uso dual têm sido adquiridos extraorçamentárias, aumentando a capacidade de diversas OM do EB. com verbas 105 De outra forma, os cortes orçamentários e os contingenciamentos, por parte do governo, têm prejudicado os programas em andamento, a manutenção, o adestramento, dentre outras atividade da Força. A Dotação de Munição Anual Reduzida (DMA/R) é apenas uma das medidas adotadas pelo EB no sentido de reduzir o impacto de tais ações em áreas prioritárias. No que cabe ao preparo e emprego, os conflitos do século XXI têm exigido cada vez mais o emprego descentralizado de forças com efetivos reduzidos, com estruturas altamente flexíveis e elevado rendimento capazes de combinar atitudes e de se adaptar ao espaço de batalha sem grandes transtornos. Ao mesmo tempo em que deve possuir capacidades para operar tanto no ambiente irregular assimétrico como no convencional. Soma-se a isso a necessidade de se possuir tropas capazes de se contraporem às ameaças elencadas no Capítulo 3, deste trabalho, bem como atenderem as diretrizes de emprego preconizadas na Estratégia Nacional de Defesa, dentre elas: o preparo de forças para atuarem em missões de paz sob a égide da ONU, e para atuarem na Estratégia da Resistência dentro de um quadro de conflito na Amazônia. Observa-se nesse sentido, que a estrutura de instrução militar do Exército Brasileiro não contempla um esforço de instrução e adestramento voltado para uma preparação para o combate irregular assimétrico de quarta geração, uma vez que está voltada para as Operações Convencionais (Guerra Industrial), no quadro de guerra; e para as operações de Apoio aos Órgãos Governamentais (Garantia da Lei e da Ordem – GLO), no quadro de não guerra. Por outra parte, cresce de importância os ensinamentos colhidos por ocasião da Guerrilha do Araguaia e da FAIBRÁS, nas décadas de 1960 e 1970, origem de vasta documentação que trata sobre operações contra forças irregulares, cujas técnicas e táticas permanecem bastante atuais se confrontadas com o modus operandi empregado pela maioria dos atores presentes nas ameaças contemporâneas. O Sistema de Conscrição, sob o qual estão estruturadas a maioria das OM do EB, dificulta a busca da eficiência operacional com a totalidade dos meios disponíveis. Além disso, das 34 (trinte e quatro) semanas de instrução destinadas a formação do soldado, apenas 04 (quatro) são destinadas a preparação para atuar 106 em GLO (Operações Tipo Polícia) e nenhuma para as Operações de Combate, que estariam mais ligadas às Operações de Pacificação. Soma-se a isso, o crescente emprego da Força em ações subsidiárias, em apoio aos órgãos governamentais, que acaba por contribuir na redução da carga horária de instrução destinada à formação do soldado, resultando numa formação militar incompleta, o que atinge diretamente a formação de uma reserva mobilizável de qualidade, além de prejudicar as instruções voltadas para a manutenção de padrões do Efetivo Profissional, dentre elas a CTTEP. 107 5 UNIDADES DE OPERAÇÕES ESPECIAIS (UOPES) As Unidades de Operações Especiais (UOPES) foram concebidas segundo a necessidade do Exército Brasileiro de manter forças de emprego imediato para atuarem na Defesa Interna (Def Int). Essa mentalidade teve origem nas operações contra forças irregulares desenvolvidas pelo Exército, nas décadas de 1960 e 1970, por ocasião da Guerrilha do Araguaia e da Força Interamericana de Paz em Santo Domingo, na República Dominicana. Esses dois acontecimentos históricos nortearam o desenvolvimento de uma doutrina própria por parte da Força, que influenciou a organização, o preparo e o emprego de tropas em operações dessa natureza tanto no ambiente rural como no urbano. Muito dessa doutrina vem sendo aplicado nos dias de hoje principalmente nas operações de baixa intensidade. As tropas precursoras dessa doutrina foram as Unidades Especiais de Contra Guerrilhas, organizadas na década de 1970, para combater as forças de guerrilhas. A concepção de organização, de preparo e emprego dessas forças diferenciava-se da tendência mundial da época, em que prevalecia a organização de estruturas de combate rígidas e pesadas, calcadas no Poder Relativo de Combate (PRC), fruto da guerra industrial e herança da II Guerra Mundial. Sobre a organização dessas forças cabe destacar o seguinte: O principal valor dessas unidades, não repousa na sua força numérica e sim na capacidade de seu comandante e de seus membros de desenvolverem especial habilidade para aplicarem eficientemente seus conhecimentos e realizarem um trabalho coletivo, harmonioso e eficaz (BRASIL, 1976, p. 455 40) . Naquela oportunidade, já se verificava uma preocupação com a seleção dos militares que iriam integrar essas forças, com o material a ser conduzido, bem como com a instrução. A seleção do pessoal baseava-se no caráter voluntário, na inteligência, autoconfiança e capacidade física. Com relação ao material, a organização era o mais flexível possível, fugindo aos critérios preconizados na época. De igual maneira a instrução era desenvolvida. Nesse sentido, tinha-se uma tropa de leve, de organização flexível, com pessoal selecionado e altamente adestrado, capaz de adaptar-se com facilidade a 55 Exército Brasileiro - Manual de Campanha C 31-20 – Operações Contra Guerrilheiros, 1976. 108 qualquer situação. Sua organização moldava-se aos meios de transporte disponíveis na época, aumentando sua mobilidade. Há que se destacar, ainda, que essas unidades eram dotadas de especialistas em saúde, comunicações e destruições e armadilhas, selecionados dentre os oficiais e sargentos do próprio grupo. Segundo BRASIL (1976, p. 4-43), a instrução era ministrada pelos oficiais e comandantes de grupos, a fim de que os demais militares desenvolvessem confiança em seus comandantes. Além disso, os oficiais e sargentos tinham sob sua responsabilidade a instrução individual e coletiva de sua própria unidade. Nesse viés, verifica-se uma preocupação com o desenvolvimento da liderança pautada pelo exemplo, com base na proficiência técnica e tática. Ainda com relação à instrução, chamam a atenção alguns assuntos por serem bastante atuais no concerto das operações no amplo espectro, dentre eles: Operações Noturnas, Táticas Especiais, Informações, Incursões, Emboscadas, Segurança, População Nativa e Línguas. Com relação a esses dois últimos assuntos cabe um destaque especial por estarem diretamente ligados ao “Terreno Humano”, às considerações civis, amplamente exploradas nos conflitos da “Era do Conhecimento”, como se verifica no artigo Formação do Cabo Para o Desempenho de Atividades Estratégicas (“O Cabo Estratégico”): Uma Mudança de Paradigma de Kevin D. Stringer, 2010. [...] O desenvolvimento do “cabo estratégico” inclui complementar sua proficiência militar tradicional com conhecimento cultural e de idiomas estrangeiros e oportunidades de trabalhar com governos civis e organizações não-governamentais (STRINGER, 2010, p. 4). A conjunção de uma organização flexível com a instrução especial ministrada ampliava o rol de capacidades dessas forças, tornando-as capazes de atuarem em um ambiente difuso, onde o modus operandi do inimigo mudava a cada fracasso. Essas unidades possuíam uma estrutura não convencional para a época, pois contavam com um Quadro de Organização e um Quadro de Dotação de Material flexíveis, que permitiam a inclusão de elementos de apoio e armamentos especiais. Eram constituídas por uma Seção de Comando, três ou mais Grupos Tarefas e um Grupo de Armas Especiais (BRASIL, 1976, p. 4-41). 109 Figura 5 - Unidades Especiais de Contra Guerrilha Fonte: Manual de Campanha C 31-20, 1976 Mais tarde, outras estruturas foram organizadas a partir das Unidades Especiais de Contra Guerrilhas, dentre elas os Pelotões de Operações Especiais (PELOPES), as Subunidades de Operações Especiais (SUOPES) e os Batalhões de Operações Especiais (BOPES), que passaram a ser chamados de Unidade de Operações Especiais (UOPES). Na década de 1990, essas estruturas passaram a constituir as Forças de Operações Especiais para a Defesa Interna (FOpEsp/Def Int). Essas forças eram configuradas a partir do Quadro de Organização das OM existentes na F Ter, com prioridade para as de Infantaria e Cavalaria. O fato de não serem OM criadas por portaria, permitia-lhes grande flexibilidade no que tange a organização, preparo e emprego, pois não estavam sujeitas a um QO, que como já foi visto, impõe uma Base Doutrinária, um Quadro de Cargos Previstos (QCP), um Quadro Complementar (QC) e um Quadro de Dotação de Material (QDM). 110 A organização, o preparo e emprego dessas forças passaram a ser regulados por Diretrizes específicas dos Comandantes Militares de Área (C Mil A). Essa situação possibilitava alocar quadros selecionados, com as mais diversas especializações, e com liderança experimentada, além de viabilizar uma criteriosa seleção de cabos e soldados do NB, dentre os voluntários na OM. A instrução era ministrada, inicialmente, de forma descentralizada a critério dos comandantes de OM que tinham esses encargos. Era alinhada com as experiências adquiridas, nas décadas de 1960 e 1970, por ocasião da Guerrilha do Araguaia (caráter rural) e da Força Interamericana de Paz – FAIBRÁS (caráter urbano). Posteriormente, com a criação do COTer, as instruções dessas forças foram padronizadas através do Programa Padrão de Adestramento Avançado para Forças de Operações Especiais para Defesa Interna (PPA – F Op Esp/Def Int), edição experimental - Reservado, 1991. Diversos fatores, além dos já citados, propõem um estudo mais acurado dessas estruturas, haja vista que foram organizadas para atuarem em um ambiente irregular, de ameaças multifacetadas, com a presença de população civil, dentre outras características. 5.1 ORGANIZAÇÃO As UOPES, diferentemente das demais OM do Exército, não possuíam caráter permanente. Elas eram estruturadas pelos C Mil A ou DE de acordo com as necessidades de adestramento e/ou emprego real em suas áreas de responsabilidade. Para tanto, esses Grandes Comandos deveriam manter um comando de UOPES, dentre os Batalhões de Infantaria (prioritariamente), em condições de enquadrar de duas a cinco SUOPES e uma Companhia de Comandos e Serviços (Fig. 02). 111 Figura 6 - Unidade de Operações Especiais (UOPES) Fonte: Moura, 1994, p. 8 Em casos excepcionais, Grandes Unidades (Brigadas), em função de sua localização, características de sua área de responsabilidade, bem como das ameaças potenciais, poderiam constituir comandos de UOPES, com a finalidade de facilitar o emprego de tropas dessa natureza. A SUOPES, de igual maneira, também não possuía caráter permanente. Era constituída por um número variado de PELOPES (de dois a cinco), sob a coordenação de uma Brigada. O PELOPES era a base da Força de Operações Especiais para a Defesa Interna, pois possuía caráter permanente durante todo o ano de instrução, o que facilita a instrução, a prontidão, o adestramento e o emprego. Essa forma de organização (UOPES, SUOPES e PELOPES), com laços táticos temporários, permite o emprego, por módulos de força, de acordo com as reais necessidades. Assim, cada uma dessas peças deveria estar em condições de atuar de maneira isolada ou enquadrada pelo escalão imediatamente superior. Há que se destacar que a UOPES e a SUOPES poderiam receber em reforço, em função das missões, outras estruturas modulares de apoio de fogo, engenharia, comunicações, apoio logístico, dentre outras, ampliando suas capacidades e sustentabilidade. Ainda, poderiam contar com o apoio de elementos especializados em operações de informações, operações psicológicas, além de guias e mateiros. Essa situação levou outras OM, de apoio ao combate e apoio logístico, a comporem módulos de apoio específicos para serem empregados em proveito das 112 UOPES, o que evidenciava o caráter modular das Forças de Operações Especiais para a Defesa Interna. No que tange a pessoal, as UOPES, como já foi dito eram compostas por quadros altamente selecionados. Em relação aos PELOPES, a força básica dessa estrutura, tinham prioridades para integrá-los os quadros (oficiais e sargentos) especializados em cursos operacionais (Comandos, Curso de Operações na Selva, Curso Básico Paraquedista, dentre outros). Os cabos e soldados eram selecionados dentre os voluntários do Núcleo-Base (NB) que cumprissem requisitos como liderança, combatividade, iniciativa, capacidade física, equilíbrio emocional, inteligência, espírito de corpo, dentre outros. Os militares eram avaliados nesses atributos durante todo o ano por ocasião das atividades de instrução, exercícios no terreno, serviços, formaturas, representações, dentre outras. Caso o militar evidenciasse condutas não condizentes com a situação de soldado do PELOPES, era passado a disposição do Batalhão para ser relocado em outra Subunidade/Fração. A organização dos PELOPES era prioritária, no âmbito da OM com encargo de formação. Essa situação possibilitava agrupar em uma Subunidade os melhores militares do Batalhão, considerando os atributos supracitados, e sem levar em conta o QCP/QC. De igual maneira, eram estruturados os Comandos de SUOPES e de UOPES. Ainda segundo o PPA FOp Esp/Def Int - RESERVADO, 1991, esse tipo de organização possibilitava aos Comandantes a manutenção, durante todo ano, de forças integradas capazes de atuar emergencialmente em operações contra a guerrilha rural e urbana, particularmente na fase mais crítica do ano, entre o licenciamento e a incorporação. Dessa forma, o recruta incorporado, com base na Lei do Serviço Militar Obrigatório, não sofria alterações em sua formação básica (IIB) e qualificação (IIQ), além de ter seu adestramento (PAB) totalmente voltado para o Emprego Convencional (Defesa da Pátria), contribuindo para a formação da Reserva Mobilizável do País. Os soldados que engajavam e eram selecionados para os PELOPES, no ano seguinte eram submetidos às instruções especiais, direcionadas para a guerra irregular. Assim, os cabos e soldados dos PELOPES eram instruídos tanto para a guerra convencional, como para a guerra irregular, o que permitia o emprego dessas 113 frações em ações convencionais e até mesmo a combinação dessas técnicas e táticas. No que cabe ao material, essas forças estavam aptas a utilizar todo o material de defesa existente na OM (previsto no QDM), além de outros, relacionados às técnicas especiais, adquiridos no comércio pelas OM que tinham encargo de compor essas forças, bem como meios improvisados. Isso lhes permitia uma melhor combinação de armas e equipamentos, com vistas a potencializar um determinado efeito sobre um objetivo, além de ampliar suas capacidades. O emprego de meios transportes terrestres, aéreos e aquáticos, não necessariamente previstos em QDM, aumentava a mobilidade dessas forças permitindo-lhes se fazerem presentes em locais e momentos em que, pelos meios orgânicos existentes nas OM, seria impossível. Além disso, possibilitava, com restrições, o adestramento conjunto com elementos da Marinha do Brasil (MB) e da Força Aérea Brasileira (FAB), criando um ambiente de interoperabilidade entre as Forças. 5.2 PREPARO E EMPREGO Segundo BRASIL (1991, p. 11.00)56, a preparação das UOPES, SUOPES e PELOPES era totalmente voltada para o emprego em Operações de Combate e do Tipo Polícia contra Forças Irregulares em ambiente urbano e rural, o que cresce muito de importância nos dias atuais, em que grande parte das ameaças contemporâneas, como verificado no Capítulo 3 deste trabalho, apresenta elevado grau de proficiência técnica e tática em ações irregulares. Nesse viés, o documento acima referenciado, previa o adestramento das F Op Esp/Def Int segundo um quadro de operações táticas (de Combate e Tipo Polícia), estabelecendo Objetivos de Adestramento (OA) específicos para os PELOPES, SUOPES e UOPES, que deveriam ser atingidos de maneira sequencial durante o ano de instrução. Cabe destacar, com relação aos OA ESP abaixo especificados, que os iniciados com o número 120 eram específicos dos PELOPES, enquanto que os iniciados com os números 110 e 100 pertenciam às SUOPES e UOPES, respectivamente. 56 Exército Brasileiro - Programa-Padrão de Adestramento das Forças de Operações Especiais para a Defesa Interna (Reservado). COTer, 1991. 114 No quadro das Operações Tipo Polícia, estipulava para os PELOPES os seguintes OA: - OA ESP 120.01 – Defender um Ponto Sensível (PSE) - OA ESP 120.02 – Bloquear Via de Circulação (PCte) No que tange às Operações de Combate, previa para os PELOPES, SUOPES e UOPES os seguintes OA: - OA ESP 120.03 – Realizar Operações de Patrulha na Contra Guerrilha - OA ESP 110.01 – Estabelecer e Operar uma Base de Combate/Patrulha - OA ESP 110.02 – Atuar Contra Forças de Guerrilha em Área Edificada - OA ESP 100.01 – Cercar e Destruir uma Força de Guerrilha Para a execução desses objetivos era previsto a realização de instruções preliminares, dentro dos diversos escalões, com o objetivo de se rever os aspectos doutrinários, valendo-se para isso dos manuais, relatórios e outros documentos oficiais. Dentre os documentos previstos para estudo nessa fase do adestramento, constam do referido PPA F Op Esp/Def Int alguns manuais citados anteriormente neste trabalho, quais sejam: - C 31-20 Operações Contra Guerrilheiros (1ª Ed. 1976) - IP 31-15 Os Pequenos Escalões nas Operações Contraguerrilha - IP 31-16 Operações Contraguerrilhas (1ª Ed. 1970) – Reservado - IP 31-17 Operações Urbanas de Defesa Interna, 1969, Reservado Não se pode desconsiderar, porém, que esses manuais já vinham sendo utilizados pelo Exército há muito tempo (basta se verificar as edições), e que passaram a constar do PP em questão dada a importância das técnicas e táticas operacionais constantes dos mesmos, atuais para a década de 1990, assim como para os dias atuais, se considerarmos as ameaças já estudadas. Alguns desses manuais previam a organização da instrução da tropa para o tema apresentado, uma vez que há época não existiam os Programas-Padrão de Instrução. Ainda com relação aos ensinamentos doutrinários, faz-se mister destacar que a IP 31-17 Operações Urbanas de Defesa Interna (1ª Ed. 1969), sofreu grande influência dos ensinamentos colhidos pelo EB por ocasião da atuação da FAIBRÁS contra forças irregulares, em Santo Domingo, na República Dominicana, em 1965. 115 Por outro lado, os demais manuais abarcam aspectos doutrinários tanto da atuação citada, como do posterior emprego da Força Guerrilha do Araguaia, na década de 1970. Verifica-se que enquanto a primeira atuação caracterizou-se por um emprego contra forças irregulares em ambiente urbano, a segunda pautou-se por um emprego em área rural. Considerando que constavam da preparação das F Op Esp/Def Int (UOPES, SUOPES e PELOPES) ensinamentos relacionados à atuação em ambiente de guerra irregular (rural e urbano), fica evidente, no que se refere à instrução e adestramento, a capacitação dessas forças para emprego no amplo espectro dos conflitos do Séc XXI. Para corroborar com isso, alguns aspectos devem ser considerados: O primeiro deles é que em instruções para o contingente da FAIBRÁS, na década de 1960, já se falava, com relação ao moderno conceito de guerra (revolucionária), que o ambiente em que a tropa ia atuar pautava-se pelas seguintes características: Indefinido, Fluido e Confuso. O segundo é que nesse início de século, o Exército mais poderoso do planeta, US Army, se viu em duas campanhas com características bem distintas basicamente, no que tange aos atores envolvidos, às motivações e ao terreno, mas semelhantes no que tange à natureza dos conflitos, irregular assimétrico. Trata-se da atuação norte-americana no Iraque, em 2001 (ambiente urbano) e no Afeganistão, a partir de 2001 (ambiente rural), oportunidade em que se deu a já citada “Operação Anaconda”, onde fora empregada a tática irregular conhecida como “martelo e bigorna” (constante desses manuais). 116 Figura 7 - Martelo e Bigorna Fonte: BRASIL, 1970, p. 50 Por último e não menos importante cabe destacar que, segundo o Maj Inf INDISON LUIS DE PAULA CARVALHO, Oficial de Operações do 27º Batalhão de Infantaria Paraquedista (FT VELAME) na época da ocupação do Complexo da Penha, Rio de Janeiro, em 2010, foram utilizadas, por parte daquela tropa, técnicas e táticas não convencionais preconizadas na IP 31-16 Operações Contraguerrilhas – Reservado (1ª Ed. 1970), haja vista estarem atuando em um ambiente totalmente irregular, dominado pelo crime organizado, em que obstáculos, construídos de concreto e trilhos de trem, eram batidos por fogos diretos de posições fortificadas, cuja dominância impunha restrições ao movimento da tropa, além de possibilitar observação privilegiada. 117 Figura 8 - Técnica de Vasculhamento Fonte: BRASIL, 1970, p. 51 Ademais, como já foi explorado anteriormente, ficou evidente, por parte das organizações criminosas, a combinação de táticas e técnicas executadas nos combates regulares com as executadas em ações irregulares, acrescentando-se nesta última o terrorismo. Ainda com relação à instrução e ao adestramento, faziam parte da instrução técnica e tática das F Op Esp/Def Int, no contexto das Operações Contra Forças Irregulares (Operações de Combate e Tipo Polícia), os assuntos constantes do Quadro 2, dentre outros: 118 Instrução Técnica Instrução Tática Explosivos e destruições Infiltração Armadilhas Improvisadas Incursão Tiro de Combate Patrulhas Interrogatório Sumário Interdição e Isolamento de Área Imobilização e Condução de Presos Combate em Ambiente Confinado Comunicações/Criptografia Emboscadas Orientação Busca e Apreensão Técnicas Ribeirinhas Op Ribeirinhas Técnicas Aeromóveis Op Aeromóveis Técnicas de Montanhismo Op Contraguerrilhas Sobrevivência Op Controle de Distúrbios Treinamento Físico/Lutas/Natação Op Tipo Polícia Progressão em ambiente urbano/rural Patrulha de Segurança Urbana Tiro de Sniper Desobstrução de Vias de Circulação Quadro 2 - Instruções das F Op Esp Fonte: Autor deste trabalho, 2014 A instrução era ministrada nos mesmos moldes das antigas Unidades Especiais de Operações Contra Guerrilhas, o que possibilitava o desenvolvimento da liderança por parte dos comandantes em todos os níveis. No que se refere ao emprego, segundo o PPA F Op Esp/Def Int, 1991, as UOPES, por serem tropas leves dotadas de elevado grau de mobilidade, proporcionado por meios aéreos, terrestres e aquáticos, tinham capacidade de pronto emprego em qualquer área de jurisdição do C Mil A. Essa capacidade lhe era conferida, basicamente, pela interoperabilidade proporcionada pelo emprego conjunto com elemento da Força Aérea e Marinha do Brasil. Nesse viés, cabe destacar que essa forma de atuação conjunta, em operações de natureza especial, como é o caso das Operações Contra Forças Irregulares, preconizadas no documento supracitado, também foram ensinamentos colhidos durante a atuação do EB na FAIBRÁS e na Guerrilha do Araguaia, já evidenciados no Capítulo 2 do presente trabalho. Além do emprego conjunto, as UOPES já operavam no ambiente interagências, pois era comum, durante as Operações Tipo Polícia, receber apoios 119 de Órgãos de Segurança Pública (OSP) para darem a base legal dos procedimentos relativos à prisão de infratores. O preparo e emprego das UOPES eram vocacionados para as Operações Contra Forças Irregulares, por isso se tratava de tropa com características especiais, algumas herdadas de experiências do EB no Araguaia e na FAIBRÁS. Guardada as devidas proporções e trazendo para o contexto atual, pode-se considerar que aqueles combates foram assimétricos, travados no amplo espectro e influenciaram na elaboração de uma doutrina própria aplicável nos dias de hoje. Sobre isso, verifica-se que técnicas e táticas daquela época vêm sendo aplicadas, com sucesso, nas Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), amparadas pelo Estado Democrático de Direito, principalmente aquelas relacionadas às Operações Tipo Polícia. Por outro lado, doutrinas e técnicas ligadas diretamente às Operações de Combate contra forças irregulares também vêm pautando a execução dessas operações, principalmente nas áreas de total domínio do crime organizado. Para corroborar com isso, em palestra do COTer ministrada aos alunos do Curso de Comando e Estado-Maior da ECEME, em 28 de maio de 2014, versando sobre Operações de Garantia da Lei e da Ordem, foram apresentadas as principais ações da Força de Pacificação no Complexo da Maré, dentre elas: Isolamento e Vasculhamento, Incursões, Patrulhas, Estabelecimento de Pontos Fortes, etc. Esses tipos de ações, bem como outras já evidenciadas por ocasião da ocupação do Complexo do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, em 2010, constituem-se em ações de combate em ambiente irregular, preconizadas nos já citados manuais da seguinte maneira. No contexto da IP 31-17 Operações Urbanas de Defesa Interna, 1969, essas ações são abordadas no Artigo III - OPERAÇÕES OFENSIVAS; Já na IP 31-16 – Operações Contraguerrilhas, 1970, parte delas são apresentadas no Artigo III – OPERAÇÕES DE COMBATE, no Manual C 31-16 – Operações Contra Forças Irregulares em Ambiente Rural, 1990, elas reaparecem no Artigo III – OPERAÇÕES DE COMBATE. Observando-se o conteúdo desses manuais, no que se refere às ações supracitadas, fica evidente a semelhança na abordagem do assunto, bem como no enquadramento junto às operações de combate. O fato de essas ações estarem enquadradas no contexto de GLO justifica-se, primeiramente, pelo planejamento 120 realizado com base nos fatores da decisão (missão, inimigo, terreno, meios, tempo e considerações civis); em um segundo plano, pela edição da IP 85-1 Operações de Garantia da Lei e da Ordem, (1ª Ed. 2002), que apesar de revogar parte dos manuais citados, contemplou em seu Artigo V – OPERAÇÕES DE COMBATE com uma abordagem semelhante aos demais. Hoje, porém, o manual C 85-1 Operações de Garantia da Lei e da Ordem, 2010, que revogou a Instrução Provisória de mesmo nome, não mais aborda as operações de combate, apesar de existirem termos que podem sugerir ações em força típicas do combate irregular. Por fim, independentemente do contexto em que estejam enquadradas, as Operações Contra Forças Irregulares, elas permanecem atuais no contexto do século XXI, não mais investidas de um caráter político ideológico, mas vivas e atuantes em suas TTP, quer seja em ambiente de guerra como de não guerra. Destarte, torna-se imperioso instruir e adestrar forças capazes de responder de imediato às ações diretas e/ou indiretas, impetradas por atores estatais ou não estatais, que venham de encontro aos Objetivos Nacionais Permanentes (ONP). Nesse sentido, cresce de importância o estudo relacionado ao preparo e emprego das UOPES, no sentido de se extrair conhecimentos e experiências úteis à preparação de novas forças capazes de atuarem no amplo espectro dos conflitos, com o cuidado de não enquadrar em um mesmo tema operacional as Operações Tipo Polícia, que estariam mais alinhadas com o tema de Operações de Apoio aos Órgãos Governamentais (Garantia da Lei e da Ordem) e Operações de Combate, que estão mais vocacionadas para as Operações Contra Forças Irregulares, de Pacificação, dentre outras. 5.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS [...] 1) As F Op Esp/Def Int são tropas leves, aliviadas de equipamentos e armamentos pesados, dotadas de elevado grau de mobilidade e com capacidade de pronto emprego em qualquer área de jurisdição do respectivo C Mil A. 2) A mobilidade da F Op Esp caracteriza-se pela transportabilidade de seus elementos, por meios terrestres, aéreos e aquáticos; pela possibilidade de cumprir missões em qualquer parte da área do C Mil A e pela intervenção nessas áreas. 3) São formadas por Of e Sgt de carreira e Cb/Sd do núcleo-base, preferencialmente, de modo que o Cmt disponha, particularmente na fase mais crítica do ano (entre o licenciamento e a incorporação), de uma força integrada e capaz de atuar, emergencialmente e antes do emprego regular das OM, contra a guerrilha rural e urbana (BRASIL, 1991, p. 11.00). 121 A citação acima apresenta alguns aspectos que se revestem de grande importância no contexto da organização, preparo e emprego da F Ter no Séc XXI. Nela, observam-se características como: prontidão, mobilidade, interoperabilidade, flexibilidade e modularidade. Além disso, verifica-se a prioridade dispensada à organização de pessoal, bem como a preocupação em se ter uma tropa profissional preparada para atuar o ano inteiro, sem considerar a formação do recruta. Ainda com relação à transcrição, verifica-se em sua última parte a preocupação em se preparar tropas para atuar em ambiente irregular (urbano e rural). Conjugando essa pequena análise com a conjuntura nacional, com os conflitos assimétricos de quarta geração e com as ameaças apresentadas, chega-se a uma conclusão parcial de que as UOPES possuíam capacidades plenamente aplicáveis no contexto atual da segurança e defesa. Por outro lado, nota-se a importância da atuação do EB na Guerrilha do Araguaia e na FAIBRÁS em função do ganho doutrinário, técnico e tático expressos em diversas publicações (já citadas), que acabaram por orientar, primeiramente, a criação das Unidades Especiais de Contra Guerrilhas e, posteriormente, as UOPES, SUOPES e PELOPES. Ademais, técnicas e táticas preconizadas nessas publicações vêm sendo aplicadas, com sucesso, nas Operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), com a ressalva de que muitas delas estão mais alinhadas com ações de combate, propriamente dito, do que com as Operações de Apoio aos Órgãos Governamentais/GLO. Não obstante a isso, exércitos modernos vêm empregando tropas valor Batalhão, sob a forma de Forças-Tarefas, que se utilizam de técnicas e táticas semelhantes às preconizadas na doutrina que norteou a organização, o preparo e o emprego das F Op Esp/Def Int. Por fim, chega-se a que essas Forças, de estrutura modular, eram preparadas para atuar com prontidão em um ambiente indefinido, fluido e confuso, povoado ou rural, em ações de guerra e não guerra, de forma conjunta e/ou interagência contra um inimigo que se utilizava de TTP da guerra irregular. 122 6 CONCLUSÃO O objeto do presente estudo era verificar a viabilidade de se reativar as Unidades de Operações Especiais (UOPES), no contexto do século XXI. Nesse sentido, foram estudados os Conflitos de Quarta Geração, fazendo-se uma análise comparativa da experiência do Exército Brasileiro nos combates contra forças irregulares nas décadas de 1960-1970, aspectos relativos à Segurança e Defesa, com ênfase nas ameaças, a organização, preparo e emprego da Força Terrestre e por fim, as UOPES. Com base nesses estudos, verificou-se que os Conflitos de Quarta Geração do Séc XXI possuem muitas das características presentes, também, nos ambientes em que se deram as ações militares contra os movimentos armados (subversão e terrorismo) perpetrados pelo Movimento Comunista Internacional (MCI) na América do Sul nas décadas de 1960 e 1970. Isso se comprova pela assimetria nos combates, pelo ambiente indefinido, fluido e confuso, pelo amplo emprego de TTP de guerra irregular e pela presença da população nos ambientes de conflito, constituindo-se no centro de gravidade das operações. Por outro lado, estudou-se a atuação do Exército Brasileiro no combate a esses movimentos armados irregulares, em particular na República Dominicana, em 1965 (ambiente urbano) e no Araguaia, em 1968 (ambiente rural); fonte de vasta experiência para a Instituição, que resultou na elaboração de uma doutrina própria acerca de Operações Contra Forças Irregulares nos dois ambientes, mais tarde descritas em manuais, notas de aula e outros documentos. A atuação do EB em Santo Domingo e no Araguaia também contribuiu para a organização, preparo e emprego de forças aptas a atuarem na defesa interna, dentro de um quadro irregular assimétrico, como foi o caso das Unidades Especiais de Contra Guerrilha e mais tarde dos Pelotões de Operações Especiais (PELOPES), elemento de constituição permanente das UOPES. Outro aspecto, bastante relevante, levantado durante o estudo foi que grande parte das ameaças contemporâneas se utiliza dos métodos e princípios de aproximação indireta, preconizados por Sun Tzu em sua obra “A Arte da Guerra”, na antiguidade, e por Mao Tsé-tung, num passado recente, por ocasião da Revolução Chinesa. Cabe destacar que este, influenciou inúmeros movimentos revolucionários na América do Sul, dentre os quais destaco a Guerrilha do Araguaia. 123 Há que se considerar, nesse viés, que hoje essas ameaças, apesar de se utilizarem de princípios, técnicas e táticas preconizadas naquela época, seus matizes são outros, não necessariamente político-ideológicos, como no século passado, durante a “Guerra Fria”. Atualmente, verifica-se a aplicação de tais princípios, técnicas e táticas irregulares por organizações e atores não estatais que buscam projetar poder, através da violência extremista, valendo-se de pretextos religiosos, étnico-raciais, dentre outros e dos avanços tecnológicos. Assim, para que experiências, adquiridas no passado, bastante atuais nos dias de hoje, não se percam em função de uma conjuntura política, é necessária a perfeita compreensão do que seja Guerrilha. A guerra de guerrilha (oriunda do termo hispânico “guerra pequena”) referese ao combate de pequenas unidades que não buscam manter o território e descreve uma tática que pode ser empregada por qualquer um, incluindo os mais poderosos exércitos. Pode também denotar a dimensão do combate da guerra revolucionária. O combate de guerrilha como um coadjuvante das operações regulares é tão antigo quanto a guerra: qualifica-se por qualquer 57 forma de incursão sem maiores estruturas (LUTTWAK, 2009, p. 200) . [...] la GUERRILLA (palabra española institucionalizada internacionalmente desde siglo XIX, con la <<práctica>> de la guerra de indepenencia), al margen de otras denominaciones, algunas con equívocos (<<resistencia>>, <<guerra de partidas>>, <<guerra o lucha subversiva>>, <<guerra sin fronteras ni frentes>>, <<guerra sub-limitada>>, etc.), considerada aislada o coadyuvante de outro conflicto mayor de carácter regular, tomada como la fundamental (<<guerrillerismo>>, en el límite máximo de culto a esa forma de guerra) (CEBRIAN, 1985, p.63). [...] Esta é a guerra de guerrilhas, a guerra com a qual os guerrilheiros espanhóis enfrentaram o exército invasor de Napoleão, aperfeiçoada nos nossos dias a ponto de quase se tornar numa ciência político-militar – uma parte da teoria social do marxismo-leninismo e outra das inovações táticas que tem estado a alterar as relações de poder no período posterior à Segunda Guerra Mundial; um processo pelo qual são destruídos os dogmas dos Estados-Maiores do Ocidente, cujo objetivo primordial é e será cada vez mais compreender e combater essa guerra (TABER, 1965, p. 9). Nesse sentido, verifica-se que o termo guerrilha não possui uma vertente eminentemente política, pois se constitui num conjunto de técnicas e táticas de procedimento, tidas como irregulares, no sentido de não convencionais, que definem uma forma de luta e que são amplamente utilizadas tanto por exércitos regulares, em ações secundárias no contexto de uma guerra convencional, bem como por organizações terroristas, grupos extremistas, facções criminosas, dentre outros. 57 Estratégia: a Lógica da Guerra e da Paz. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 2009. 124 A própria estratégia da resistência, preconizada em BRASIL (2013b, p. 16), comprova a importância do domínio desses atributos não convencionais por parte do Exército Brasileiro, em face de uma guerra assimétrica na região amazônica, a ser sustentada contra um inimigo de poder militar muito superior. Nesse sentido, tornase imperioso analisar a história buscando-se conhecer mais sobre esse tipo de guerra (de guerrilhas), com o intuito primeiro de se buscar soluções mais eficazes para o enfrentamento das ameaças contemporâneas, e em último caso, fazer uso delas para a defesa do Território Nacional. No prosseguimento do estudo, constatou-se que o Exército Brasileiro carece de tropas aptas a atuarem no ambiente assimétrico irregular de quarta geração, e que a doutrina irregular adquirida nas décadas de 1960 e 1970 vem sendo paulatinamente substituída pela doutrina de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), a qual abarca somente as Operações Tipo Polícia, constantes da primeira; ao passo em que potências militares vêm empregando, nos escalões Brigada e Batalhão, as técnicas e táticas preconizadas nas Operações de Combate concebidas naquela época, como foi o caso da “Operação Anaconda”. Verificou-se ainda que o “Módulo-Brigada” é uma tendência mundial que flexibiliza o emprego do poder militar nos Conflitos de Quarta Geração, apesar de que estruturas menores dentro de um contexto de Forças-Tarefas vêm sendo empregadas principalmente na Europa, como é o caso dos BATTLEGROUPS. A redução no tamanho do módulo básico de emprego não implica necessariamente numa redução de efetivos. No exemplo citado, existem numa área menor que o território brasileiro dezenove Unidades dessa natureza, treze com o efetivo de 1.500 homens e três com 2.500 homens, isso para uma pronta-resposta. Ademais, observou-se um aumento considerável de missões, extra Quadro de Organização (QO), impactando o Sistema de Instrução Militar do Exército Brasileiro, que como visto ainda encontra-se bastante alinhado com a Guerra de Terceira Geração. Essa situação fica mais clara se fizermos o seguinte questionamento: Como se forma, em 34 (trinta e quatro) semanas de instrução, um soldado recruta de uma Unidade de Infantaria Leve, da Força de Fronteira, no Pantanal, para ser empregado na defesa externa e interna, considerando as inúmeras ações subsidiárias desenvolvidas por essa OM durante o Ano de Instrução? Nesse quadro foram apresentados diversos fatores que condicionam essa formação, dentre os quais: o tempo, a condição sociocultural do recruta, a natureza 125 de sua OM, bem como o ambiente operacional no qual está inserida, as HE nas quais se enquadra (Defesa Interna e Externa), o grupamento de forças do qual faz parte e o número de ações subsidiárias da qual participa. Todos esses aspectos são de extrema importância e diferenciam-se de uma Unidade para outra, em razão de sua localização, além do que devem ser consideradas as ameaças irregulares da Guerra de Quarta Geração. Soma-se a essa questão o atual Sistema de Conscrição que impõe às OM do EB a manutenção de um percentual considerável de militares do Efetivo Variável (EV). Tal situação impacta a manutenção dos padrões do Núcleo-Base (NB), uma vez que estes são empregados, não raro, em atividades administrativas ou de apoio à formação dos recrutas. Outra questão levantada no estudo refere-se ao orçamento e ao contingenciamento de recursos, que impactam diretamente os projetos e o adestramento da Força, determinando a priorização de atividades e distribuição de meios. A Dotação de Munição Anual Reduzida (DMA/R) é uma das consequências dessa política de recursos. As UOPES foram concebidas para atuar em um quadro de defesa interna, de forma a não trazer prejuízos para a vida vegetativa das OM, viabilizar a formação do recruta (vocacionada para defesa externa), racionalizar o emprego de recursos, priorizar a distribuição de materiais de defesa e se ter uma tropa de pronta-resposta apta a operar em ambientes irregulares. Considerando que as TTP peculiares da guerra irregular estão presentes em quase todas as formas de ameaças contemporâneas, o crescente número de missões extra Quadro de Organização das OM do EB, o constante contingenciamento de recursos, o aumento do emprego do EB em ações subsidiárias e de Garantia da Lei e da Ordem, conjugados com o atual Sistema de Conscrição, pode-se concluir que as Unidades de Operações Especiais (UOPES), com algumas modificações no que tange a organização, preparo e emprego, ou outras tropas com características semelhantes, seriam importantes para atual estrutura do Exército Brasileiro, cabendo para isso estudos mais aprofundados. ___________________________________ Gladstone Corlet dos Santos – Ten Cel Inf 126 REFERÊNCIAS ABNT. Associação Brasileira de Normas Técnicas. Informação e documentação – numeração progressiva das seções de um documento escrito – apresentação (ABNT NBR 6024:2003). Rio de Janeiro: ABNT, 2003. 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